A sede do rio não cede - Líria Porto

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A sede do rio não cede líria porto

Vida

Secreta PUBLICAÇÕES



A sede do rio não cede líria porto

Vida

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© líria porto, 2019 Edição, capa e projeto gráfico João Gomes Imagem da capa Divulgação Dados do e-book A sede do rio não cede / líria porto. ISBN — Pendente. I. Poesia brasileira.

Contatos e mais edições vidasecreta.weebly.com vidasecretacontato@gmail.com Os textos podem ser reproduzidos, desde que mencionada sua autoria.


Sumário 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32

imersão a_puro arranha-me a pele teimosia atrelados lipoinspiração recaída torrão irreconhecível a caneca erva-de-passarinho ao hospício mouco crítico gestação platônicos a poesia in_continente pre_munição maturidade dormentes funil mau sonho pressão


33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56

restauração alucinado cicuta-me encruzilhada andrógino palhaço crisálida pesadelo sufoco lastro ninho de guaxe panfleto ninho impotência extrema-unção na veia baile ondas compulsão fim de linha palavras de quem não merece arrimo esquece-me fingidor dor


57 58 59 60 61 62 63 64 65 66

à putanesca / paixão / trovoadas tempos bicudos / surucucu / caminhante sem dúvida / a trepadeira / ilusão vaidade / heterônimo / estiagem pálido / extremo / gramática sotaque / rascunhos / medição repaginação / convencida/ inglória arraia / criação / best-seller liberta / símbolos / asas elo

68 sobre a autora


“La poesia no quiere adeptos, quiere amantes.” Federico García Lorca


imersão dormi sobre o teu livro senti todas as folhas me abraçarem deste-me longos beijos nos capítulos as vírgulas lamberam-me pontuaram-me no sussurrar das tuas reticências tu me arrepiavas mordiscavas-me com a tua sutileza enfiavas-te pelas minhas fendas e teus versos deslizaram-se em meu corpo tais quais versos de seda pressenti tua presença em cada linha em todas havia o teu perfume eras tu quem passava as minhas páginas conhecia-me os detalhes desvendava meus segredos : com a língua

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a_puro a chuva lavou a ladeira tirou todo o barro deixou tudo um brinco entĂŁo meu amor sobe a serra de alma lavada sorriso nos lĂĄbios e pĂŠs limpos

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arranha-me a pele eu quieta no meu canto ele insiste pede leite uma dose de conhaque chá de cravo de canela chocolate sopa quente agasalho meias vela o inverno veio cedo com seus braços magricelas respiração ofegante pouco cabelo misérias

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teimosia a poesia some nĂŁo me desespero ela volta um dia e traz tanto verso que a mando embora para ter sossego : ela sĂł faz o que quer

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atrelados fui ao porto ao cais de bar em bar perguntei ao mar Ă areia a todas as ondas precisava reencontrar-te destrocar as nossas sombras ao partires a minha te seguiu e teu vulto insistente ainda me ronda

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lipoinspiração com todo o zelo que um verso merece faz-se necessário cortá-lo na carne lancetar abscessos sangrar das palavras excessos estridências deixá-lo direto o resto dizê-lo em silêncios

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recaída nunca mais escrevo verso isso penso todo dia vem a noite eu me arrependo à aurora recomeço poesia poesia tanto mar me espera tanto rio

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torrão o rio caminha caminha alcança o destino mas fica onde estava um rio não larga as origens embora se perca nas águas salgadas a sede do rio não cede

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irreconhecível eu tinha uma canoa — minha boa com ela atravessava o rio ria ia beirava o horizonte e debaixo do arco-íris virava homem : a barba crescia eu voltava bebia com os pescadores contava vantagem

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a caneca todo dia sirvo alguém café com leite bem cedo à tarde um chá quentinho chega a noite — a sopa um caldo mas ninguém me agradece e fico muito cansada apenas tenho uma asa se fossem duas arriscava imitava um passarinho e vez em quando voava

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erva-de-passarinho voei conheci o céu mergulhei em todo abismo fui residente em hospício tirei o mel das colmeias fui pra guerra viajei noutras terras renasci quebrei pedras singrei mares vi tubarões vi delfins liberdade liberdade é dormir entre teus braços

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ao hospício ela é louca louca louca não coordena mais nada ainda escreve com pena arranca as penas da asa só bebe água da chuva e dos seus olhos de louca correm soltas enxurradas nas noites de lua cheia pendura-se aos parapeitos estufa o peito e sonha só falta um dia essa louca jogar-se com suas penas não restar nenhuma asa nenhuma louca que pena

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mouco não atento ao chamamento da poesia fecho os olhos cerro o cenho feito morto depois sofro e meu choro é tão convulso ressuscito o coração ou corto o pulso?

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crítico de dentro de cada verso não sei dizer dos enguiços então me ponho distante a lê-lo com olhar cítrico destroço tanto cavaco tanta sombra adjetivo pode perder em tamanho mas ganha maior sentido (pelo menos para mim)

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gestação de bruços (do jeito que gosto de dormir tal como pedra no rio ventre colado num dorso) espero um livro (tomara que ele me livre desta vontade intangível de beijar a tua boca) belo e robusto (folhas repletas de pétalas gemidos sussurros chilreios cicios murmúrios arrepios e algum silêncio)

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platônicos o mar não para vai e vem — irrequieto chega à praia passo à frente depois acho se arrepende arreda o pé a serra por sua vez permanece embasbacada a olhar o mar de longe tem desejos de tocá-lo o corpo não lhe obedece

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a poesia insinua-se depois some não sei onde nem por quê quem me mata é esta fulana que se esfrega num e noutro e oferece suas tetas a qualquer morto de fome mas a mim raro se entrega nem que eu sofra ou rasteje

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in_continente os rios saídos dos olhos são rios sem peixes nascidos no amar amor meu amor não me deixes sem ti sou areia e o vento é voraz o sal da saudade é amargo é um fardo de morte morrida ou matada

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pre_munição recanto do galo eu falo eu falo o rifle apontado gargalo da noite um galo outro galo e outro e outro colar de disparos na boca de fumo acordo assustada a lua apagada coitada coitada vai pôr pé na estrada a vida é uma sorte e a morte não sabe por onde caminha

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maturidade ao despedirem-se os dias como se cada momento fosse o instante final os pores de sol tornam-se gloriosos a preparar-nos para os últimos delírios o fogo dos nossos beijos a vibração dos nossos corpos o calor das nossas palavras a outonal caminhada na direção do ocaso

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dormentes o corpo quieto estirado na cama a alma vagueia por mundos e sonhos e vai à espanha toureia o toureiro e vai onde estejas te beija te beija igual passarinho por céus e distâncias conhece oceanos navios outros ares corsários paragens reinados rebanhos a alma é liberta o corpo é escravo e peca e cansa padece envelhece enquanto a alma prossegue encantada

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funil quando a luz oblíqua faz crescerem as sombras e o sol indica que os dias tombam voo para casa de asas caídas pois a vida encurta-se e eu perco forças

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mau sonho palavras de qualquer jeito todas com o mesmo pleito queriam virar poema depois de tantos apelos acordei do pesadelo decifrei o teorema as palavras tĂŞm vontade eu dormia na verdade sobre um imenso dilema ser ou nĂŁo ser uma rima estar por baixo ou por cima ter ou nĂŁo ter o problema (que noite)

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pressão cai do teto do meu quarto um poema intermitente à noite pingam umas letras nas chagas que tenho o que eu buscava — silêncio não pude ter eu não pude cantaram galos canários a cachoeira o açude são muitos os pensamentos essa mistura de assuntos eis que chega a primavera cheiro de flor me confunde não sei se escrevo se durmo

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restauração à beira de um século um bercinho de balanço comprado em segunda mão embalava minha mãe e depois os filhos dela os nove rebentos todos nossos sonhos e quimeras nas palhas de um colchão quiseram fazê-lo moderno tiraram-lhe os arcos dos pés cometeram um quase crime ficou rijo equilibrado ali dormiram uns meninos um sono qualquer sem asas um dia busco uma nuvem faço-o voltar ao que era a balançar um meu neto guardo o berço em minha casa pode ser que nele nasçam novos versos e um poeta

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alucinado fizera um só poema e depois igual ourives aprendiz de joalheiro começou a dar-lhe brilho buscar-lhe forma beleza poliu as beiras excessos sujeitos desnecessários predicados objetos adjuntos advérbios pontuações citações e o papel branco — um brinco virou um floco de neve ele riu — deixou-o ao sol

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cicuta-me é que o suicida tem ideia fixa vê o edifício surge-lhe o pulo e de alguma faca escorre seu sangue pensa em gilete olha para os pulsos nunca se esquece dos pontiagudos daqueles objetos perfurocortantes das armas de fogo do cianureto dos medicamentos de tarja preta é que o poeta tem ideia fixa

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encruzilhada eu ando assim resumida fogo de palha graveto meu verso vive nos guetos misto de fumaça e cinza o que escrevo não gravo minhas letras se desfazem parece foram lambidas pela língua do diabo caneta e tinta secaram engoli toda a saliva agora diz-me o cansaço é olho gordo ou feitiço?

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andrógino bonito bonita o porte delgado às vezes pavão uma corça um cisne outra vez um corcel uma garça (elegância não falta) os olhos são tristes a boca sorri e um colibri desprende-se da alma esbelta figura presença agradável isola-se afasta-se bom cheiro bons modos donzela não é também não é macho (um pouco de cada) bonito bonita é obra de arte capricho de deus em dia de graça

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palhaço poesia não é tristeza ela rima com alegria com a água na bacia que a mim serve de espelho ali alah olha a lua de molho no olho do louco

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crisĂĄlida mĂŁe de quatro larvas tecia sua trova tinha lindas rimas cuidava da prole veio a poesia deu-lhe nova ordem : toma um par de asas faz teu voo solo ela obedeceu tornou-se aplicada todo dia escreve sobre tudo e nada

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pesadelo naquele capítulo di_versos ridículos faziam-me sombra faltavam estrelas sobravam espinhos debaixo das fronhas então me acordavam tiravam-me o sangue rasgavam-me a pele de dentro do grito vazavam silêncios (eu quase morri)

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sufoco não sei o que é pior correr atrás de um verso e numa rede de caçar borboletas pegá-las uma por uma cada letrinha ou tê-lo ao calcanhar como um cão faminto a abocanhar-nos as palavras as rimas a respiração

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lastro qualquer palavra da minha lavra ou da tua pode se tornar lavoura lama leme limo lume lava leva luva lavor leviandade levedura conforme elaborada em alegria ou lamĂşria

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ninho de guaxe muita vez eu fico grávida gravidez imaginária e gesto versos as minhas letras meninas desajeitadas traquinas são descabelos se para muito não servem já por isso me completam é bonito ser poeta nas horas de algum juízo eu juro para mim mesma agora chega de rimas escrever no entanto é vício eu vivo prenhe do ofício

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panfleto palavras no papel nĂŁo determinam o papel das palavras melhor seria uma folha branca cuja dobradura fizesse um menino sair para a rua

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ninho quero alcançar a poesia fico na ponta dos pés ela mais se distancia eu não sei o que fazer quando me canso e desisto ei-la ali — dentro do berço a brincar com francisquinho meu neto de nove meses

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impotĂŞncia sem a palavra devida igual um barco Ă deriva mergulho-me em silĂŞncios o verso mĂ­ngua definha parece agulha sem linha a sangrar-me impenitente a busca desesperada esta procura e o nada faz-me poeta indigente

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extrema-unção se foi para paris se não me quis vai ser atroz não vou atrás garçom traz-me um copo de aguarrás ou um scoth rimar é ilusão

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na veia não quero prosa eu bebo verso e me embriago de poesia um gole outro mais uma taça dá-me outro copo uma garrafa sou dependente sou viciada (a poesia é líquida)

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baile aprontei-me como devia batom rímel ågua de cheiro a poesia veio a inveja apareceu arrebatou-a dos meus braços eu errei o passo nada escrevi

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ondas a mim não me importa se o verso é curto se a rima é torta se a morte furta o calor do corpo o luar o sol (olhar ao redor retirar da aorta o ardor a força perseguir a sorte pra sentir que a vida tem norte e tem cor)

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compulsão escrever é desatino não sei se sábio se tolo palavras enclausuradas são a causa do transtorno acomodar-me é difícil há pedras na contramão preciso de muita água eu tenho febre malsã joguei a corda a caçamba toquei o fundo do poço talvez eu fique e me afogue faça fumaça sem fogo

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fim de linha andava eu sossegado alguém soprou-me à nuca prossegue vai nessa estrada acreditei na arapuca não quero mais ser poeta rimar assim quem aguenta procurar palavra (in)certa igual remar na tormenta ora era muito ora pouco deveras fui insensato levei uns pitos uns socos tomei juízo e os acato o que está feito está feito o tempo não retroage a vida passa num flash melhor agir — então paro (recomeço amanhã)

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palavras de quem nĂŁo merece arrimo obrigado pelo verso que me deste pelas letras que brincam entre meus dedos pelo gesto que permite a um ateu poema tĂŁo singelo quanto o gelo derreter-se ao sol obrigado pela musa que voa atĂŠ mim com asas de andorinha

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esquece-me desata minhas palavras desatarraxa-as dos versos tira delas o sotaque os ranços todos da terra deixa-as como nasceram gravadas em dicionário e jamais fales com elas : não passam do que disseste um amontoado de letras sem consistência sem nexo

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fingidor quem destrinçar o meu verso achar segredos nas frinchas decerto vai perceber minha tristeza infinita disfarçada em ironia rio do mar e para ele caminho saltitante quase nada — uma gota uma lágrima

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dor escrevo num soco única palavra tem ela três letras depois da pancada (esse gemido não faz um poema é ele o grunhido da minha pena)

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à putanesca o verso é seco a poesia encharca o resto

paixão um cão vadio disse ao girassol — vem comigo vou levar-te ao polo norte onde o sol brilha seis meses consecutivos : morreu de overdose pobre flor

trovoadas muita vez imploro à chuva disfarça tua amargura e chora sem estridência

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tempos bicudos para se manter no ar um passarinho pena

surucucu a serpente segue sem saber se é suficiente ou se é somente essa sucessão de sibilos : ssssssssssssssssssssssó

caminhante não sei se sei se aprendi se fico ou se vou embora sem ver entrei nesta vida restou-me a estrada e agora?

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sem dúvida quem acha que tudo sabe não sabe — nem desconfia

a trepadeira cresceu espalhou-se pulou o muro foi mostrar a flor pra deus e o mundo

ilusão aquele amor pareceu-me o vento e durou o tempo de uma lufada fez arder os olhos balançou-me o peito prosseguiu caminho eu fiquei na estrada

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vaidade lago de águas rasas que ao refletir o poeta muita vez esconde o ambíguo

heterônimos a poesia em pessoa tem muitas faces

estiagem um poeta sem versos é tão triste quanto um rio seco

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pálido vestiu-se de triste bebeu outro uísque chorou um momento abriu a ferida molhou sua pena e fez um poema anêmico

extremo no tempo do amor não fiz versos alegria só me inspira quando finda

gramática muita vez meu verso some foge de mim vai pra longe esconde-se no âmago das regras

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sotaque lambeu minha língua engoliu as palavras as gírias com a saliva de outra pátria

rascunhos pre_textos letras sem lume que roo igual unha e cuspo nas águas de um rio sem peixes

medição meço o que faço com a fita do horizonte e tudo fica tão pequeno que os erros não me massacram

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repaginação o que tenho de melhor e de pior sai pela caneta greta de alívio por onde me livro de mim

convencida peço à lua que me ajude a fazer verso ela se recusa diz que é musa e não poeta

inglória aposto comigo e perco fico furiosa — como se as pétalas perdessem para os espinhos

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arraia retirar do verso palavras vírgulas reticências quando só lhe restar a linha do horizonte amarrá-lo a uma nuvem e entregá-lo ao vento

criação não faço por encomenda a poesia se entrega em horas inesperadas o último metalinguístico foi feito nas coxas

best-seller chega de ser livro de poema quieto — na prateleira : na próxima encadernação quero fama e romance

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liberta voar pela janela como ana cristina cesar e sem deixar pegadas encontrar o céu na terra

símbolos liberdade é balela faz-se o que se quer dentro dos limites a escrita — pedra sobre o papel — impede-nos de voar o tempo todo

asas no ensejo do verso o manejo da palavra o desejo de vê-la roçar as estrelas

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elo quando eu me for daqui um lugar que desconheço estiver a sete palmos onde os vermes têm fome for largada numa vala a minha carne sem dono quando eu me for daqui a vagar pelos escuros e ficarem meus afetos meus apegos meus amores estes versos sem destino serão a ponte

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Sobre a autora líria porto — mineira de araguari, professora, poeta, dois livros editados em portugal (borboleta desfolhada e de lua) e três no brasil (asa de passarinho e garimpo — finalista do prêmio jabuti 2015), de cadela prateada (editora penalux) e de olho nu (editora patuá); é autora do blog tanto mar, participa de vários sites, jornais e revistas na internet, entre eles escritoras suicidas, germina literatura, zunái, blocos online, considerações do poema, mallarmargens. reside em araxá, interior de minas gerais.

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na veia não quero prosa eu bebo verso e me embriago de poesia um gole outro mais uma taça dá-me outro copo uma garrafa sou dependente sou viciada (a poesia é líquida)

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