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Ficha Técnica Título: Villa da Feira - Terra de Santa Maria 4
Propriedade: LAF - Liga dos Amigos da Feira ® Director: Celestino Portela Director Adjunto: Fernando Sampaio Maia Colectivo Editorial - Fundadores LAF: Alberto Rodrigues Camboa; António Luís Carneiro; Carlos Gomes Maia; Celestino Augusto Portela; Joaquim Carneiro Processamento de Imagem e Design: Joaquim Carneiro Coordenação Científica: J. M. Costa e Silva Supervisão Editorial e Gráfica: Anthero Monteiro Colaboração do TOC, Belmiro da Silva Resende Periodicidade: Quadrimestral Assinatura anual: 30 euros Assinatura auxiliar: 50 euros Este número: 15 euros Pagamentos por: Transferência bancária NIB 007900001127152910124 Cheque à ordem de LAF - Liga dos Amigos da Feira Capa: Sede da Universidade Sénior. Antiga Escola Primária do Plano Nacional Conde Ferreira. Fotografias: Óscar Maia, J. M. Costa e Silva, Biblioteca Municipal, Arquivos particulares, LAF e Fotos Web por António Madureira Redacção e Administração: Apartado 230 • 4524-909 Feira
Publicidade: Telef.: 965 310 162 | 256 379 604 Fax: 256 379 607 Tiragem: 500 exemplares Edição: N.º 29 - Outubro de 2011 Pré-impressão, Impressão e Acabamento: Empresa Gráfica Feirense, S. A. Apartado 4 - 4524-909 Santa Maria da Feira Sede Social: Edifício Clube Feirense - Associação Cultural Vila Boa - 4520-283 Santa Maria da Feira Email: villadafeira@gmail.com Depósito Legal: 180748/02 ISSN: 1645-4480 Reg. ICS: 124038 Depositária: Livraria Vício das Letras Rua Dr. José Correia e Sá, 59 4520-208 Santa Maria da Feira Apoios: Câmara Municipal Santa Maria da Feira Irmãos Cavaco S.A. E. Leclerc Termas das Caldas de S. Jorge Sociedade de Turismo de Santa Maria da Feira Patrícios, S.A. Centralobão.
Pórtico
Uma invulgar personalidade Feirense que serviu a sua região distinguindo-se no ensino, na autarquia e no associativismo concelhio e distrital. Foi um exemplo de cidadania, por onde passou Serviu sem se servir, não tirando proveito dos altos cargos que desempenhou. Quando lhe falei, quando lhe pedi a sua disponibilidade para aceitar que indicasse o seu nome como candidato a Presidente da Associação dos Bombeiros Voluntários da Feira, após breve hesitação por motivos pessoais, ponderou os valores em causa e abraçou a ideia com todo o entusiasmo. Em sua honra evoco parte de uma notícia de um Jornal local 1 : «O Presidente da Direcção da Associação historiou os contactos havidos com a Câmara para a cedência em causa. O sócio Celestino Portela marcou a necessidade das instalações dado o surto de desenvolvimento que o Concelho atravessa. O Comandante do Corpo Activo (Senhor Alberto de Jesus Gilde) disse da abertura do Corpo
Activo à cedência e das vantagens que vê nessa. Por unanimidade a Assembleia deliberou ceder as instalações da Associação que a Câmara entender por necessárias. Debruçada sobre a indigitação de elementos para assumirem a Direcção da Associação, e presente a circunstância de ser necessário aliar a experiência à juventude, a Assembleia deliberou por unanimidade, sobre proposta do sócio Celestino Portela, indicar o Professor Leão como o sócio que encabeçará o novo elenco directivo dos Bombeiros. O indigitado anunciou a sua disponibilidade para corresponder às exigências do cargo e a sua vontade feirense de servir a Associação e a comunidade”. Nessa Hora o Senhor Professor José Valente de Pinho Leão escreveu uma das mais belas páginas de amor e lealdade à nossa Terra, à nossa Raiz, que o bronze em Milheirós de Poiares e Santa Maria da Feira imortaliza.
*Jornal Correio da Feira de 24/11/1978. Assembleia Geral Extraordinária da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vila da Feira de 17/11/1978.
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Mensagem
O PODER DA JUVENTUDE Teresa Vieira*
Quinze anos de vida representam a Força da Juventude! Na alegria e no entusiasmo, na energia e na força de viver, na sede de descobertas e experiências novas! Na capacidade inesgotável de Sonhar! A Academia Sénior de Santa Maria da Feira está de Parabéns! Não só pelos seus 15 anos de Vida mas, muito mais, pela Vida dos seus Quinze anos! Uma vida repleta de actividades, partilha de conhecimentos e experiências, convívio nas alegrias e apoio nas tristezas. Aprendendo e Ensinando todos têm um lugar, todos são chamados à causa principal: ‘’ (Con)Viver ’’. A jovialidade, o dinamismo e a dedicação dos seus elementos contagia todos aqueles que têm o privilégio de a conhecer e faz-nos – a nós, ‘’muito menos jovens’’ – pensar no verdadeiro sentido da nossa existência, aprendendo a encarar as adversidades do presente como experiências a partilhar no futuro. *Vereadora da Câmara Municipal Presidente da Sociedade de Turismo de Santa Maria da Feira, S.A.
Tenho tido o privilégio deste contágio inebriante de Juventude. Não raras vezes me cruzo com este verdadeiro Poder! O Poder da Juventude! Faço votos para que a Universidade Sénior de Santa Maria da Feira continue a (con)Viver por muitos Anos! Bem Hajam os Jovens Protagonistas que fazem este Aniversário tão especial!
SUMÁRIO
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Pórtico Celestino Portela Desenho com Mensagem João Rodrigues Mensagem “O Poder da Juventude” Teresa Vieira Universidade Sénior Maria Augusta Lima de Pinho Marques Espassandim Professor Leão Serafim Guimarães Poesia Ilda Maria Homenagem ao Professor José Valente de Pinho Leão Agradecimento em Milheirós de Poiares Manuel Leão Intervenção de José Manuel Cardoso da Costa Intervenção de Alfredo Oliveira Henriques Intervenção de António Cavaco Poesia H. Veiga de Macedo Um fragmento inédito do Padre António Vieira Carlos Alberto de Seixas Maduro Casa da Vila da Feira em Festa 58 anos Sérgio Viana Sessão Solene do 58º aniversario Ernesto Pires de Boaventura Discurso de António Gomes da Costa António Gomes da Costa Intervenção da representante do Município de Santa Maria da Feira Maria José Santos Poesia Maria Gracinda Coelho de Sousa 10 Anos de elevação de Fiães a Cidade Maria Gracinda Coelho de Sousa Um Século Pelo Bem Comum Helder Pacheco Helder Pacheco, Académico Futebol Clube. Um século na vida portuense, ao serviço do desporto, Porto, Edições Afrontamento, 2011, 517 pp. +14 n.n. Francisco Ribeiro da Silva Poesia Mário Anacleto Aquilino Ribeiro, Visto, Lido e Respigado Por Manuel de Lima Bastos Miguel Veiga Nota da Redacção Poesia Albano Martins Dr. Humberto Xavier de Paiva 1907 - 1970 Carlos A. Moreira Poesia Gilberto Pereira Dicionário Biográfico de Personalidades Feirenses Francisco de Azevedo Brandão Poesia Monsenhor Moreira das Neves Visitações de Pigeiros (Feira) Domingos Azevedo Moreira Portugueses no Japão Jorge Augusto Pais de Amaral Poesia Manuela Correia A “Morte-Por-Amor” Na Lirica Galego-Portuguesa Reabilitação de Rui Queimado Maria Conceição Vilhena Não a Cidadãos Servis Maria do Carmo Vieira O desenvolvimento de competências no Ensino Superior ISVOUGA, Julho de 2011 Maria Teresa Leão Nota Preambular Manuel de Lima Bastos Poesia António Madureira Comunicação enviada por José da Cruz Santos ao II Fórum de João de Araújo Correia realizado na Régua, no Museu do Douro, em 16 e 17 de Outubro de 2010. José da Cruz Santos Poesia Noé Oliveira Bernardes No 50.º Aniversário do Início da Guerra Colonial Homenagem aos mortos do concelho da Feira Francisco de Azevedo Brandão Na Oceânia - II - Nova Zelândia Joaquim Máximo Piedade Germano Santos Postais do Concelho da Feira Ceomar Tranquilo Poesia Edgar Carneiro Os artigos publicados são da responsabilidade científica e ética dos seus autores.
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Universidade SĂŠnior Maria Augusta Lima de Pinho Marques Espassandim*
*Directora da Universidade SĂŠnior de Santa Maria da Feira.
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Arte em Movimento
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Ă rea cientĂfica
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Comunicação
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Exposições, Palestras, Cooperação, Visitas de Estudo
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Academia de Cultura e Cooperação/ Universidade Sénior de Santa Maria da Feira Sua origem/raízes Nasceu de um sonho, da força de uma vontade, de alguns apoios, de um grupo que se juntou e lhe abriu as portas. Sonhou-a a professora Lucília de Almeida Gabriel, vinda de Lisboa, onde frequentara uma das primeiras Universidades Seniores de Portugal. Na sua juventude tinha sido professora em Escapães onde deixara alunas que nunca a esqueceram. Daí, a vida levara-a a outros destinos, tivera filhos que cresceram e enviuvara. Nas Termas de S. Pedro do Sul conhecera o Sr. José Sousa Pinto Resende, de Espargo, viúvo também e com família bem conhecida e estimada. As lembranças de Escapães e de Santa Maria da Feira aproximou-os nas conversas de fim de tarde. A luz coada pelas árvores ia-lhes expondo os sentimentos de solidão que a viuvez trouxera e a maturidade e independência dos
filhos sublinhara. Os dois muito activos, foram-se descobrindo nos seus projectos e a mútua companhia ofereceu-lhes a possibilidade de unirem os afectos e de abrirem uma nova página nas suas vidas. Casaram e a Professora Lucília Gabriel voltou a Santa Maria da Feira para viver em casa do marido, em Espargo. Foi nessa altura que começou o sonho – criar nesta cidade uma Universidade Sénior com os conhecimentos que tinha adquirido em Lisboa e proporcionar aos Seniores daqui a constituição de uma associação de referência, com sócios activos, intervenientes na comunidade, frequentando aulas, promovendo novas aprendizagens, convivendo e mantendo-se cheios de interesses, criatividade, alegria, vida.
Foi este o sonho que inabalavelmente defendeu dentro de si e procurou realizar. A vontade superou as dificuldades dos primeiros passos e a ousadia de quem cava, pela primeira vez, a terra. Dirigiu-se a Escapães onde leccionara e procurou antigas alunas que pudessem ajudá-la, informá-la, abrir-lhe caminhos. Foi assim que reencontrou Maria Rosa Oliveira Mortágua, Maria Dorinda Reis Vieira Oliveira Henriques, Maria Carolina Leite Morgado, que a encaminharam para a Câmara Municipal a expor o seu projecto e a apoiaram desde o início. Era tudo novo, muito a desbravar, pessoas a sensibilizar, meios a conseguir.
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Foi ouvida pelo Presidente da Câmara de Santa Maria da Feira, Alfredo Henriques, que, aluno da Escola masculina de Escapães, bem se lembrava da professora das meninas, Lucília Gabriel. Ao tempo ninguém atingia o alcance da obra que queria semear, foi preciso que o tempo passasse e as realizações se tornassem visivelmente ricas. Da Câmara Municipal foi enviada ao Provedor da Santa Casa da Misericórdia, Dr. Miguel Ferraz. Nova exposição, pedido de apoio e, passo a passo, devagarinho, a Santa Casa da Misericórdia, em reunião de 26 de Setembro 2005, decidiu apoiar a criação da Academia para Seniores. Daí a razão da fachada da Igreja da Misericórdia constar do logótipo da nova Instituição. Um grupo de professores jubilados foi apresentado a
Lucília Gabriel, uns foram trazendo outros e, assim, se formou uma Comissão Instaladora que deu início ao processo da criação e legalização da Academia de Cultura e Cooperação de Santa Maria da Feira. Foram elaborados os Estatutos por Dr.ª Manuela Coelho, Prof. José Gonçalves, Dr.ª Helena Junça Rodrigo e Manuel Tavares. A Câmara Municipal, através do seu Presidente e da Dr.ª Manuela Coelho, à frente da Divisão Social, constituíram um apoio franco e assim a Autarquia forneceu as primeiras instalações numa ala então devoluta do Convento dos Lóios, hoje Museu Municipal.
Foi celebrada escritura pública da nova Instituição em 21 Fevereiro 1996, subscrita pelos constantes abaixo.
Santa Maria da Feira ficava mais rica com a sua nova Academia.
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1ª DIRECÇÃO 1995-1998
José Gonçalves
Ruth Lemos Pereira
Lucília Gabriel
Alcide Campos
Ermezinda Fernandes
Tempo histórico Nascida, então, em 21 de Fevereiro de 1996, a nova Associação iniciou imediatamente os trabalhos. Com as primeiras eleições ficou Presidente da Assembleia Geral Dr. Miguel Ferraz e constituíram a Direcção Executiva: José Nascimento Gonçalves, Lucília Gabriel, Ermezinda Fernandes, Alcide Campos. Outros elementos integraram os lugares restantes dos Corpos Sociais. Os sócios eram inicialmente 30. Começaram a funcionar as primeiras aulas:
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• Aumento significativo de número de sócios (208) • Aumento de disciplinas com aulas regulares • Abertura e espírito de colaboração com outras Associações locais e de fora, com a Autarquia, com pessoas singulares, escolas, Instituições de Solidariedade Social, etc. • Crescente rigor na organização e avaliação do trabalho e aumento indiscutível de eventos culturais sempre abertos à comunidade, que cada vez mais reconhece o mérito desta Associação e o alto nível que procura atingir em tudo o que realiza.
Literatura – Maria Helena Junça Rodrigo História – Álvaro Faria Artes Manuais – Lucília Gabriel Saúde – Miguel Ferraz
Passaram-se 15 anos desde a fundação, tempo histórico repleto de feitos, de vivências, de acontecimentos, a maior parte felizes, de intenso êxito mas também com algumas marcas de sofrimento e saudade.
E pouco depois:
Em 25 de Fevereiro de 2001 faleceu a nossa querida fundadora Lucília Almeida Gabriel. Por algum tempo a dor e o luto invadiram-nos. Houve hesitações, dúvidas sobre a continuidade porque os menos crentes foram desistindo. A situação agravou-se pelo anúncio de que teríamos que abandonar em tempo escasso as instalações no Convento dos Lóios que ia entrar em obras. Já nem sede tínhamos. Era preciso eleger nova Direcção que voltasse a agarrar o sonho e a vontade de Lucília Gabriel.
Inglês – António Espassandim Canto Coral – Saudade Campos História da Nossa Terra – Roberto Carlos Reis Todos os professores trabalhavam em regime de voluntariado. A Direcção, coadjuvada pelos sócios e professores, organizou os primeiros convívios com abertura a outras Universidades Seniores como a de Guimarães e a de Lamego, as primeiras festas anuais e algumas palestras, tendo sido a primeira comunicação feita pela Professora Eng.ª Maria da Conceição Alvim Ferraz com o tema Ambiente e Poluição, em 1999. No ano seguinte recebeu Ruy de Carvalho, prestigiado actor que falou dos problemas dos Seniores e da importância de se manter activo. Desde o alvor desta arrancada cheia de entusiasmo até hoje, a Academia de Cultura e Cooperação/Universidade Sénior de Santa Maria da Feira, fiel aos seus princípios e ao sonho da Fundadora, manteve–se sempre em actividade, sendo uma referência prestigiada no meio e entre as suas congéneres. Revela: • Espírito aberto e atento a todas as mais-valias que os tempos trazem e a novas perspectivas no âmbito da senioridade. • Crescente capacidade de organização
Na esteira de eleições que trouxeram novos Corpos Sociais surgiu outra Direcção que imediatamente arrancou funções. Agora tinha a tarefa ingente de arranjar novas instalações, continuar a obra, entusiasmar, de novo, os sócios, e levar tudo para o futuro. A Câmara não dispunha de espaços livres adequados para nos apoiar, muito menos a Santa Casa da Misericórdia. Foi então que deambulámos pela cidade à procura de uma casa para Sede. Quantas hipóteses se equacionaram e se revelaram impossíveis! Até que surgiu na Rua do Brasil nº 14, um apartamento com espaço exterior agradável e amplo que poderíamos ocupar por arrendamento. Mas não possuíamos fundos nem número de sócios que garantissem o pagamento da renda. Foi então que a professora de Literatura, ao tempo Maria Rosa Mortágua, se dirigiu à Câmara Municipal. Falou com o seu Presidente sobre a importância da nossa Associação que
a Feira não poderia deixar morrer e conseguiu da Câmara um apoio que, completo com outro apoio da Empresa Irmãos Cavaco Ltda., nos permitiu abrir a porta dessa casa, nossa segunda sede. Correu o tempo mais 6 anos, a Universidade cresceu, triplicou o número de Sócios/alunos, tornou-se visível, imprescindível, admirada e acarinhada. Já nos empurrávamos na Sede que não podia aumentar o espaço do apartamento. No rés–do–chão viviam famílias. Mais acima, no 1º andar, os sonhos eram cada vez maiores e víamos nascer o novo Quartel da G.N.R. e realizar obras de restauro nas instalações que ocupava na antiga Escola Conde de Ferreira, ali à beira do Hospital S. Sebastião. Dirigimo-nos à Câmara Municipal por ofício de 18 de Março de 2004 pedindo a cedência da antiga Escola Conde de Ferreira, logo que a G.N.R. ocupasse o seu novo Quartel.
Santa Maria da Feira, 18 de Março 2004 Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira:
É do conhecimento público a abertura do concurso público para adjudicação da obra de construção do novo Quartel da GNR de Santa Maria da Feira. Assim: • Prevendo-se a consequente libertação do edifício das Escolas Conde de Ferreira no lugar do Pontão nesta cidade; • Atendendo a que o edifício da referida Escola foi mandado construir por legado do benemérito Conde de Ferreira para aí funcionarem escolas do Ensino Primário, o que se verificou até ao início da década de 50 do séc. XX; • Considerando que durante os últimos 50 anos os fins do benemérito foram contrariados, tendo a Câmara Municipal usado o edifício para outros fins; • Considerando que a Academia de Cultura e Cooperação de Santa Maria da Feira / Universidade Sénior prossegue fins educacionais, embora com destinatários de idades diferentes das crianças nas quais pensou o Conde de Ferreira;
• Atendendo a que esta Instituição foi fundada pelo sonho e empenhamento de uma Professora do Ensino Primário, reformada, logo seguida de outros professores em situação semelhante, apoiados pela Santa Casa da Misericórdia e pela Câmara Municipal que de imediato lhes cedeu instalações no antigo Convento dos Lóios; • Atendendo ainda a que, a partir de 2001 a Academia de Cultura e Cooperação / Universidade Sénior, teve que deixar aquelas instalações e arrendar parte de uma vivenda na R. do Brasil, com apoio inestimável da Câmara Municipal e, durante algum tempo pela firma Santos Cavaco que, entretanto, deixou de cooperar; • Atendendo a que a Universidade Sénior se enraizou na Feira e nas Terras de Santa Maria com um número crescente de associados que nela encontram um espaço cultural diversificado, um lugar de convívio e partilha que quebra rotinas, evita solidão, desânimo e depressões, proporciona actividade e que se afirma da mais alta importância para cidadãos seniores; • Lembrando ainda que a Câmara Municipal viabilizou e apoiou esta Instituição desde o início, certamente não quererá assistir ao seu encerramento por falta de instalações. É que o número de associados tem vindo a aumentar de tal maneira que já não cabemos, de forma alguma, nas instalações arrendadas e não dispomos de outras apropriadas nem de condições para as construir a partir do zero. Propomos a V:Ex:ª: • A cedência futura, no tempo mais breve possível do edifício a vagar pela G.N.R., antigas Escolas do Conde de Ferreira, que tendo tido um préstimo cultural para tantas crianças do concelho que a frequentaram ou aí realizaram os seus primeiros exames oficiais, poderiam, servindo de instalações à Universidade Sénior, fechar a quadratura com a vivência cultural humanista e de cooperação que esta Instituição pratica. • Pedimos ainda a realização por parte da Câmara de um projecto geral de adaptação do edifício às necessidades desta Instituição, com base nas actividades regulares que mantém e que, certamente, irão sendo alargadas. • Acreditando que já demos muitas provas públicas de eficiência no cumprimento dos objectivos socioculturais que a Universidade Sénior definiu e, acreditando ainda no
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conhecimento e interesse pela nossa instituição, agradecemos ansiosamente e mais uma vez, o apoio de V. Ex.ª e da Câmara Municipal a que preside. Com toda a gratidão, apresentamos os nossos respeitosos cumprimentos
A Presidente da Direcção Maria Augusta Lima de Pinho Marques Espassandim
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A Câmara Municipal reconheceu a importante e meritória obra da Academia/Universidade Sénior. Reconheceu ainda a importância social da Instituição que tem cada vez mais visibilidade e implantação. Depois de terminadas as obras de restauro da antiga Escola Conde de Ferreira que sobreviveu de 1866(?) a 1949 como escola e foi, seguidamente, o Quartel de G.N.R. e, após a instalação desta nas novas instalações em Vila Boa – R. Ribeiras do Cáster em Janeiro de 2007, decidiu a Câmara, na sua reunião ordinária de 5 de Março de 2007 ceder-nos o edifício solicitado mediante protocolo celebrado e aceite pelas partes.
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Que emoção! Que recompensa! Nunca mais esqueceremos a data de 27 de Março de 2007 em que recebemos a resposta positiva da Câmara Municipal ao nosso pedido e a entrega da chave das mãos do Sr. Presidente. Tínhamos feito tanto caminho! Agora voltamos a dispor de um ninho certo – a nossa Sede, “enquanto a instituição se mantiver activa”. Ainda sentimos a emoção do primeiro uso das chaves, do abrir das portas, do percorrer o espaço, das lágrimas e risos mal contidos, dos sonhos mais imediatos. Lembramos o frenesim da mudança para não pagarmos mais um mês de renda. A compreensão da senhoria, Maria Fernanda Pereira, que dispensou os últimos pagamentos a que seríamos ainda obrigados por lei! A saudade ao fechar pela última vez a Sede da Rua do Brasil!
A festa enorme, íntima e ao mesmo tempo ruidosa da ocupação das novas instalações! Começámos a marcar as aulas nos espaços e a alargar uma sala deitando uma parede abaixo para a unir a outra, enquanto projectávamos fazer o mesmo, mais tarde, noutras duas e tirávamos um cubículo existente numa terceira. Tudo isto com a preciosa ajuda da Junta de Freguesia da Feira. Uma tardinha de Primavera encontrei–me sozinha na sala a que chamamos agora “do canto”. O sol do poente entrava pelas janelas. O meu pai, Manuel Marques, que foi Professor Primário e Delegado Escolar da Feira, dera aulas ali, naquela sala, ainda eu mal tinha nascido. Senti tão viva a sua presença que balbuciei voltada para a luz “- Paizinho, vê, agora estou eu aqui. Olha por nós “. Foi um sol poente caloroso e prenhe da esperança quase certeza de que a obra iria continuar a crescer e não defraudaríamos ninguém.
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Dependurei em lugar de destaque a fotografia da fundadora. Lucília Gabriel e eu sorrimo-nos. Ela continua connosco… Voltei ao pragmático logo a seguir. Lá estava a Direcção às voltas com a mobília e o equipamento. Conseguimo-lo: • Com peças trazidas do Convento dos Lóios e que tinham pertencido ao Tribunal que lá funcionara durante muitos anos e que a Câmara nos dispensou. A enorme e linda mesa do Salão Nobre da Câmara também está connosco. Ela que testemunhou muitas sessões acaloradas ao longo de décadas passara para o Convento dos Lóios e foi cedida à Academia/ Universidade Sénior. À sua volta decorreram muitas aulas. Este mobiliário antigo, histórico, é magnífico. Cuidamos dele com tanto carinho! Nele vemos a nossa primeira sede. • Recebemos da Câmara Municipal mesa e cadeiras novas para a Sala de Reuniões e para uma sala de aulas. • Da Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) vieram armários de vários tipos, mesas, bancos de laboratório, duas telas de projecção e um retroprojector excedentes de Escolas desactivadas. • Da Escola Secundária de Feira que foi totalmente remodelada recebemos mesas e cadeiras. As Professoras de pintura e suas alunas pintaram quadros e azulejos assim como foram bordados dois quadros com o nosso logótipo por Maria de Sá Reis, orientadora de Lavores, para a decoração. Aos poucos a Sede tornou-se funcional e acolhedora. Mas logo que o número de alunos voltou a aumentar e se multiplicaram as Áreas Disciplinares e respectivas aulas, logo se verificou a imensa lacuna de uma sala polivalente com área maior pois nem sequer nos podíamos juntar para qualquer Reunião Geral. Novo sonho a realizar. Com a boa gestão levada a cabo ao longo dos anos, com os tesoureiros sempre atentos, a Academia a concorrer aos Subsídios a que podia, tomámos a iniciativa de pedir à Câmara autorização para demolir o que restava das velhas garagens da G.N.R. e a construir a referida sala polivalente que tanta falta nos fazia e que ficaria a pertencer-lhe, uma vez erguida no logradouro da antiga Escola.
Foi assim que conseguimos a magnífica colaboração e o traço da Arq.ª Felismina Topa, do Gabinete Técnico da Câmara Municipal, que também acompanhou a obra. Em reunião de Câmara de 17 Agosto 2009, o nosso pedido de apoio ao pagamento da 1ª fase de construção foi deferido e deliberada a comparticipação de 9500 euros correspondentes a 40% do valor. Esperámos, mas os tempos foram-se tornando cada vez mais difíceis para a Autarquia. Resolvemos o pagamento total da obra limitando os gastos, como é evidente. Até hoje não recebemos o apoio aprovado. Ficamos à espera de melhores tempos.
Em 30 de Junho de 2010 inaugurámos o novo Salão com intensa alegria, de mãos dadas, na presença do Sr. Presidente da Câmara, Alfredo de Oliveira Henriques e da Sr.ª Vereadora da Cultura, Dr.ª Cristina Cardoso Tenreiro. Palavras sentidas da sua parte e nossas. Um cálice de Porto, um brinde, sorrisos estampados no rosto dos presentes e eis-nos chegados a este tempo que, sendo presente, tem duração instantânea e permanentemente constrói o futuro. Ao longo deste tempo histórico respeitou-se o cumprimento formal e legal de uma Associação: reuniões dos Corpos Sociais, eleições democráticas trienais. Muitas pessoas deles fizeram parte e deram o seu precioso contributo para a vida da nossa Academia.
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Tornar-se-ia fastidioso a qualquer leitor a consulta desses nomes que estarão sempre disponíveis nos arquivos da Universidade Sénior. Os actuais Corpos Sociais, a quem cabe a missão de continuar a transportar o facho da fundadora e a fazer crescer a nossa Instituição, eleitos no dia 25 de Março de 2010 são: Mesa da Assembleia Geral Presidente – José Miguel O. Macedo Ferraz 1º Secretário – António Manuel Rocha Espassandim 2º Secretário – Dorinda Dias Oliveira Vogal – Maria Beatriz Teresa Cardoso Tenreiro Suplente – Maria de Lurdes Gonçalves Marques
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Direcção Presidente – Maria Augusta Lima de Pinho Marques Espassandim Vice-Presidente – Carlos Manuel Pires Tenreiro Secretário – César Augusto Bastos dos Santos Tesoureiro – Maria Lúcia Nicolau Soares da Costa Vogal – Maria Rosa Alves Pereira Resende Suplente – José António Brito Resende Martins Conselho Fiscal Presidente – Edite Simão Pimentel Capelo e Sousa Secretária – Edite Monteiro Santos Rodrigo Vogal – Maria Antónia Milheiro Leite Azevedo Suplente – Fernando de Almeida e Cunha
UNIVERSIDADE SÉNIOR DE SANTA MARIA DA FEIRA/ ACADEMIA DE CULTURA E COOPERAÇÃO Objectivos da Instituição Através da linha cultural enriquecida em aulas diversificadas, troca de saberes e experiências, visitas de estudo, palestras, tertúlias, saraus e espectáculos de vários tipos x
Criar possibilidade de actualização e de novas aprendizagens
x Manter-se activo. x Ser interveniente consciente na estrutura pessoal, na família e na sociedade cultivando afectos e Cidadania. x Prevenir e intervir no isolamento e na solidão. x Proporcionar a vivência de um sentido de pertença grupal num contexto de convívio, inter-ajuda e inter-dependência. x Experienciar o espírito de colaboração com os outros, dentro da própria Universidade Sénior e com as outras instituições, Autarquia (Sociedade civil e poderes políticos) x Trabalhar em grupo, por projectos da Instituição, muitos dos quais abertos à Comunidade e participar noutros projectos a convite. x Experienciar a alegria da Amizade gratuita e criar boa disposição de espírito e paz interior a partir de si próprio, do grupo e para os outros. x Desenvolver a auto-estima, a capacidade de ajuda (dar e receber), a esperança de participar na evolução de um mundo melhor, mais humano e fraterno.
População-alvo Séniores ou pessoas em idade de pré-reforma, a partir dos 50 anos, sem limites rígidos, independentemente
da sua formação académica, religião e opção política, residentes no concelho de Santa Maria ou noutros concelhos santamarianos.
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Recursos A Universidade Sénior de Santa Maria da Feira é uma associação que funciona com independência gerindo recursos humanos e um orçamento anual cujas receitas provêm basicamente das quotizações e propinas dos Sócios. Professores Os nossos professores partilham connosco, em total gratuidade, o seu saber, o seu tempo, a sua generosidade. São magníficos voluntários de alma grande. Muito lhes agradecemos bem como aos que, por razões pessoais, já não podem continuar connosco. Um pensamento mais profundo de gratidão, de grande afecto e respeito para os que terminaram a sua vida connosco, ao nosso serviço, como professores e amigos: 24
Figueiredo, Mª de Lurdes Marques, Emília Dulcídia Alvim (Mimi) • Inglês I e II- António Espassandim • Informática e Fotografia- Filipe Amorim Área das Artes • Pintura a óleo sobre tela – Maria Teresa Heitor • Pintura em porcelana – Maria Juliana Resende • Artes Decorativas – Maria Alice Pereira de Sousa Ferreira • Antropologia, Etnografia e Folclore – Maria Isabel Lacerda • Teatro – Maria Rosa Oliveira Mortágua • Canto Coral – Maria da Saudade Pereira Campos • Grupo de Cordas – Lino Ferreira Área científica
• Lucília de Almeida Gabriel • Maria Elisa Bettencourt Dias Moreira • Conceição Maria Pinho Leão Nunca as esqueceremos. Aqui lhes deixamos o preito da nossa homenagem na certeza de que a sua força continua a ser a nossa força. Sócios/alunos Os nossos sócios /alunos têm idades que vão dos 55 aos 87 anos, com uma média de 64 anos. São originários ou residentes em Santa Maria da Feira/cidade ou concelho, S. João da Madeira, V.N. de Gaia, Espinho, Vale de Cambra, Oliveira de Azeméis e Ovar. Frequentam as aulas, as actividades decorrentes e dão vida e corpo a variadíssimas acções e eventos no âmbito da Cultura e da Cooperação. Áreas Disciplinares e Professores Área da Comunicação • Português – Pe João Bezerra • Literatura Portuguesa – Maria Elisabete Pinho • Clube de Leitura – Mª Helena Junca Rodrigo, Mª Helena
• História Universal e de Portugal – Margarida Lourenço • Astronomia – Pedro Gual • Química dos Alimentos – Daniela Mateus Área do Movimento • Caminhadas • Danças do folclore da nossa região – Maria Isabel Lacerda • Danças de Salão – Idalina Ferreira • Natação e Hidroginástica – Na Piscina Municipal Além da frequência das aulas, a Universidade Sénior organiza com professores, alunos e outros grupos diversificados acrescidos de pessoas individuais de reputadas formações e saberes: • Sessões literárias • Palestras • Tertúlias • Visitas de Estudo • Idas a espectáculos /concertos • Exposições • Eventos diversificados que emanam das diferentes áreas disciplinares
Actividades de Cooperação • Com a Autarquia • Com outras Associações • Com outras Universidades Seniores • Com Jornais, Rádio e Televisão • Com o meio académico no desenvolvimento de teses estudos de Psicologia, Sociologia, Geriatria, Animação Sócio Cultural
Arranjamos tempo para ajudar os filhos, os netos, e deixamos algum tempo para nós e para a Universidade Sénior porque entendemos que SOMOS PAIS, SOMOS AVÓS MAS TAMBÉM SOMOS NÓS A título de referência, passamos ao registo de alguns temas, fios -condutores de alguns anos sem pretender mostrar como foram desbravados:
Organização Ao longo do ano lectivo vão–se registando sugestões e pedidos dos sócios/alunos bem como ideias respigadas de vivências novas e do contacto com outros grupos de pessoas ou ainda resultantes de observação e estudo. Em Setembro a Direcção promove uma reunião com os professores e põe em comum todas as suas sugestões bem como as que se registaram ao longo do ano. É um encontro de abraços, sorrisos, ideias e muito trabalho. Deste brainstorming nasce o fio condutor do ano lectivo a iniciar, transversal a todas as disciplinas que o tratarão segundo a sua especificidade. De seguida, escolhemse as actividades colectivas mais relevantes e aquelas que recebem o concurso de várias Áreas, na certeza de que muitas mais surgirão, umas decorrentes das aulas, outras ainda dos projectos intergeracionais. E muitas outras a convite. Elaborase o projecto anual e os Professores já apresentam o seu programa do ano a discutir e complementar com os alunos. Na secretaria realizam-se as inscrições de novos sócios, a renovação da inscrição dos antigos, os horários, o novo Projecto de Actividades e o Regulamento Interno. Marca-se o dia da abertura que é divulgado e nesse dia, todos ficam elucidados e prontos a optar, segundo as suas preferências e possibilidades, deixando ainda novas ideias a ter em conta. Inicia-se o ano lectivo. Trabalha-se por projecto, em ambiente de alegria e convívio, com troca de saberes e aprendizagens. É interessante referir que alguns são simultaneamente alunos e professores. Todos somos espelhos dos outros que, ao sorrirem, provocam novos sorrisos, em reflexo.
“O Barroco nas artes e nas letras” “ Romantismo nas artes e nas letras” “ O céu que vemos…desvendamos…construímos” “O mar… a lua…a alma da terra… e as sete partidas” “A Floresta …real, interior, de ideias, de sonhos, de enganos de pessoas e vivências, de expressões, de comunidades e casos sociais, de descobertas”
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Ao longo destes 15 anos foram inúmeras as actividades realizadas. Todas perduram na nossa memória. Ajudaram-nos a construir elos de profunda Amizade, de contactos connosco próprios e com os outros, de verdadeira partilha, de elevação da nossa auto-estima, e de muita, muita alegria. Aqui fica o registo de algumas actividades, todas com a sua história particular, a título de mostra das nossas realizações: • “O Ciclo da Vida” – Exposição com sarau de animação na Biblioteca Municipal • Festas Anuais – Rituais de Natal com almoço e tarde cultural, festas de S. Martinho com mostra de gastronomia típica do tempo, costumes, cantares, danças e tradições
• Cantar de janeiras • Saraus de aniversário na Biblioteca Municipal • Painel de comunicações nos 500 anos das Fogaceiras: “Fome, Peste e Guerra – há 500 anos, S. Sebastião intercessor – Que movimentações? Hoje – Que caminhos?” • Palestras – Dr Vasco Graça Moura – a sua poesia – Dr Pedro Gual – “Por mares nunca dantes navegados” • Tertúlia no Café Cantata sobre a Poluição – Em forma de julgamento, como nos tribunais. • Poesia na Rua – Num restaurante, à porta de uma livraria, no hall da Biblioteca Municipal, na Praça Dr Gaspar Moreira… • Café/Concerto com poesia no Café Majestic no Porto
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• Serões rurais na Quinta do Reboleiro e na Quinta de Ribas
Na sequência de estudos literários: • Aula pelo Professor Catedrático da Universidade de Coimbra José Antunes • Aula pela Professora Catedrática Odete Milheiro, na Universidade de Coimbra, sobre Almeida Garrett, o Romantismo e ”Viagens na Minha Terra”. • Percurso garretiano no Porto com dramatização de rua • Percurso da “Aparição” de Vergílio Ferreira – visita a Gouveia, Fundão e Évora com dramatizações de rua, na Sé, Universidade, antigo liceu onde o autor deu aulas… • Visitas a Vila do Conde e Portalegre na descoberta de José Régio • Organização do V Encontro Nacional de Universidades Seniores
• Participação nos encontros nacionais das Universidades Seniores • Participação em Encontros de Coros, Cavaquinhos… • Visita com dramatização à Assembleia da República • Visitas com dramatizações na vivência do Mito de Inês de Castro: Montemor – o – Velho, Coimbra (Quinta das Lágrimas), Alcobaça
• Visitas a Coimbra (Universidade, Pátio da Inquisição, Colegiadas) • Visita a Estremoz, Vila Viçosa e Olivença na esteira de “O Rio das Flores” de Miguel de Sousa Tavares • Visita a Aveiro (Universidade) • Diversas idas a Lisboa: Museu de Arte Antiga, Museu Gulbenkian, Museu das Comunicações, Palácio dos Marqueses de Fronteira e Alorna… à noite espectáculos: Jesus Cristo Superstar, Miss Saigão, Casino do Estoril • Visitas a Sintra – parte histórica, monumental, jardins românticos, percurso relacionado com “Os Maias” de Eça de Queirós com prévia palestra na Biblioteca de Sintra • Visita a Santa Cruz do Douro à chamada Casa de Tormes na sequência de “A Cidade e as Serras” • Inúmeras visitas ao Porto – percursos, monumentos, fachadas, exposições, concertos na Casa da Música, peças de teatro no Teatro Nacional S. João, Carlos Alberto, Quintas de Leitura no Teatro do Campo Alegre, Museus.
• Visita ao Mosteiro de Sta Clara – a – Velha (Coimbra) com actuação do Grupo dos antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra, a nosso pedido.
Estação do Metro do Campo 24 de Agosto
• Visita ao Rio Cáster – da nascente até à Foz • Visita a Montedor (Viana do Castelo) – Farol, pias salineiras e Foz do Rio Âncora (visitas guiadas) • Visita ao Parque Natural do Alvão – aldeias, “fisgas do Ermelo”…(com guias) • Realização de “Feira dos Sentidos” no Cine – teatro António Lamoso – à descoberta da nossa identidade Feirense
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• “Barrela num dia da Espiga” – Quinta da Torre, S. João de Ver, reposição no Auditório da Biblioteca Municipal e versão curta na R.T.P. – programa • “Praça da Alegria”
• Participação pública local com dramatização no “Centenário do Combóio da Linha do Vale do Vouga” e Centenário da Implantação da República
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Centenário da Implantação da República.
• Actuação como figurantes no filme “O Cometa da República” para a RTP2 • Participação na Apresentação do Livro “Igreja da Misericórdia” • Participação em diversas actividades levadas a cabo pela LAF • Representação da Opereta “A Rainha do Castelo” ou “Lenda de Ben Yussef e Lia”, no Castelo da Feira, no Centenário da sua Comissão de Vigilância. Reposição no CineTeatro António Lamoso
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• Barcelona
• Representação de “As Quatro Estações” de Vivaldi no V Festival de teatro de S. João da Madeira – Paços da Cultura e na Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira • Participação activa, a pedido da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, na criação da Universidade Sénior local • Publicação do Boletim “Alfarrabistas de Esperança” (com irregularidade) E ainda algumas visitas ao estrangeiro: • Londres • Ávila, Madrid, Toledo, Mérida, Cáceres • Salamanca
• Andaluzia – Sevilha, Granada, Córdova, Gibraltar
• Grécia e algumas ilhas – cruzeiro
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• Escócia incluindo Terras Altas
• Astúrias e Picos da Europa
Polónia e Alemanha
•Região dos Lagos (Itália e Suiça), Tirol e Côte d’Azur (França) Animação Diversificada • IPSSs • Santa Casa da Misericórdia da Feira • Escolas • Hospital de S. Sebastião
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• Mosaico Social • Biblioteca Municipal • CMF – Divisão Social
Participação em eventos de outras Instituições
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Encontro Nacional das Universidades Seniores – Covilhã E tanto mais que fica por dizer!!! E tanto mais que fervilha para se fazer!!! E tanta vida que alberga cada ser!!! E tanta corrida à frente do tempo para Continuar a viver, Rejuvenescer, Com sol, novos esplendores No Outono que o tempo traz Dourado de tons e cores…
Agosto 2011
Professor Leão Serafim Guimarães* Falar com o Professor Leão era fácil e foi sempre agradável e enriquecedor. Falar do Professor Leão, sendo grato, porque é recordar uma pessoa muito estimada, é difícil, porque se trata de uma personalidade quase lendária! O professor Leão tem de ser falado por muitos, para que a fala seja completa e, mesmo assim! Fiz parte do núcleo dos seus primeiros alunos. Tive essa sorte. Fui aluno da primeira classe do primeiro curso que o Professor Leão regeu. Estreei, assim, a sua longa e fecunda actividade pedagógica. Foi no já longínquo ano de 1940, que o vi desmontar de uma bicicleta de cor preta e de velho estilo e entrar na Escola primária de Espargo, inaugurada seis anos antes para resolver uma falta de sempre a que, nem a monarquia nem a república, tinha prestado grande atenção. Recebeu-o o silêncio desconfiado de quarenta crianças ansiosas e tímidas. A vinda de um novo professor associada à minha primeira ida à escola, onde iria ser aluno durante quatro anos, gerou uma expectativa e afiou-me de tal modo a atenção, que me permito, hoje, recordar, e tinha seis anos, as mais significativas * Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
das suas primeiras palavras e do tom grave e ritmo solene com que foram pronunciadas. Creio que esse tom e esse ritmo tinham, também, muito a ver com o nervosismo contido de quem se apresentava e se sentia tão estreante como nós: o Professor Leão entrava, também, pela primeira vez, numa escola com a missão de ensinar “Sou Leão de nome e posso sê-lo de facto, foram as suas primeiras palavras. Por isso, tanto posso distender como encolher as garras. Depende de vós”. Esta introdução não nos deixou nada sossegados, mas podia ser pior; é que dependia de nós. Sem alternativa, ficámos à espera do futuro. Afinal, encolhidas ou cortadas, nunca fomos arranhados por culpa das garras! Arranhados, sim, alguns, algumas vezes, mas por culpa nossa! O professor Leão, estava muito para além de quem ensinava a ler, escrever e contar. Era um educador completo que formava crianças para serem homens. Com o mesmo entusiasmo com que nos ensinava a conjugar verbos e a fazer contas, transmitia-nos, com o seu discurso claro e um exemplo sem quebras, as normas de cidadania que nos deveriam vir guiar nos andares do Mundo. Num tempo em que ecologia era uma palavra rara e em que a defesa do ambiente, estava ainda longe de servir para enfeitar discursos, o Prof. Leão aproveitava alguns dos
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minutos sempre breves dos recreios para nos falar da natureza e para cuidar de tornar lindo o espaço que rodeava a escola. Poucas semanas depois de ter dado entrada na escola, toda a zona envolvente do edifício escolar estava plantada de bétulas e choupos que vieram a ser abrigos de pardais bravos e de melros e a produzir ramos magníficos donde saíram as vergastas com que nos castigava. Abençoados castigos que não fizeram mal a ninguém e que os nossos pais agradeciam. O que seria hoje!
Já o sol refulgiu Pouco a pouco rasga o véu Que sobre a terra a dormir A noite estendeu.
Noutros intervalos era o jogo da raia que preenchia o tempo. Quantos piões rachou com a sua fabulosa pontaria. E nós, que já sabíamos com quem lidávamos, só usávamos os piões velhos, porque, uma vez escanados era com um novo que ele nos pagava.
Chega a vindima E tudo anima Anda ao calor! E ao sol que brilha, Trata a vasilha, o lavrador Cestos limpinhos Bem lavadinhos Vem de secar Aí vem o rancho Alegre e ancho P´ra trabalhar
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Eu te bendigo - bendigo Sol que me cobres – me cobres És o refúgio dos pobres Dos pobres
Rataplam, plam, plam À frente o galo Gordo peru, De grandes penas, Glu,glu,glu,glu. Desde 1944, nunca mais cantei estes versos. Mas eles cá ficaram para sempre. Os sábados eram dedicados ao desporto e à cultura cívica. Depois de uma sessão de ginástica no arraial, à sombra dos velhos plátanos que ainda lá estão, percorríamos a estrada da igreja, formados, dois a dois, como um pequeno exército, e ali íamos, honrados e vaidosos, passando diante de quem nos via. E que cantigas lindas nos ensinou. Além das letras e das músicas ensinou-nos a cantar em naipes distintos com a intenção de formar um coro a várias vozes! Com que paixão se colocou ao nosso serviço! Mestre verdadeiro que todos adoravam. Marchávamos como soldados; cantávamos como poetas!
Em criança, na minha aldeia, toda a gente me tratava por Fim. Havia dois Fins: o do Caniço, meu primo e o do Cruzeiro, que era eu. Com o passar dos anos esse diminutivo carinhoso foi sendo, progressivamente substituído por formas julgadas mais respeitosas e apropriadas às sucessivas fases da vida. O Professor Leão ficou sempre onde desde o início se plantou. Foi a única pessoa que sempre me tratou por Fim. Em dado momento, correu na escola a notícia de o professor Leão namorava com uma senhora muito bonita, filha do dono da pensão em que estava hospedado. O professor Leão era tão nosso que nós não podíamos ficar pelos boatos. Tratamos logo de eliminar dúvidas encontrando factos, o
método científico a despertar! E um dia, uma embaixada de que também fiz parte, partiu a pé, de Espargo para a Feira – quatro quilómetros bem medidos – par analisar in situ o que se passava. Ultrapassada a descida em curva que ainda existe, chegámos à praceta da pensão Ferreira que há muito não existe. Como não conhecíamos ninguém a quem perguntar fosse o que fosse e como convinha passar despercebidos, porque a missão era secreta, quedámo-nos sentados numas pequenas escadas de acesso ao então consultório do Dr. Brito, que já não existe também (que pena este gosto iconoclasta tão caro à nossa gente), e aí ficamos quietos, calados e sem pressa, de olhar atento às janelas e portas da pensão de onde poderia entrar ou sair qualquer indício informador. No pequeno largo havia árvores que, se por um lado estorvavam a visão directa do edifício e dificultavam o controlo atento das janelas e das portas, por outro ajudavam a disfarçar a presença espia daquela meia dúzia de crianças. Quis a sorte que não tivéssemos de esperar muito. Pouco tempo após a nossa chegada, uma das janelas da pensão abriu-se para nos mostrar a face que procurávamos. E não foi preciso pedir a confirmação a ninguém, porque tivemos logo a certeza de que tínhamos visto o que queríamos, tão justa era a adequação daquela cara à imagem idealizada pela nossa interessada imaginação e tão certos estávamos do bom critério estético do nosso estimado professor. Há verdades intuídas com mais força do que certas conclusões que os resultados
científicos revelam! Era linda a cara que vimos! E foi bonita aquela certeza intuída pela sensibilidade de crianças. Foi feliz o regresso e eufórica a alegria com que transmitimos aos nossos companheiros os resultados da nossa procura. Ao fim de quatro anos, o Prof. Leão partiu para não voltar, deixando-nos num certo limbo, numa ilusão que ainda dura! Encontrava-o, depois, noutros sítios, noutras condições, noutras idades, mas sempre com a amizade antiga, pura, sem defeitos e com aquele consolo íntimo com que se fala verdade.
Tive, na vida, muitos professores, nomes sonantes, mestres gloriosos, personalidades do Mundo. Nenhuma ensombra a imagem de dedicação à missão, de presença próxima, de autenticidade humana que eu encontrei no Professor Leão. O Professor Leão foi um semeador de gesto largo que lançou sementes fecundas em todas as direcções. Porto, 13 de Junho de 2011
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“DESESPERO” Ilda Maria* Agora amor, que é nossa a madrugada Que é nosso o Universo e cada nada, Que é nossa cada coisa!... Agora que sou flor e tu és flor Que sentimos na alma todo o ardor Daquilo que sentimos!... Agora que és o mundo e eu sou o mundo Do infinito mais e mais profundo Da nossa mocidade!... Agora que em nossos corações Rugem marés de sonho, e turbilhões Nos sibilam no peito!... Agora é que me prendem deste jeito Sem dó, nem piedade!
*Poeta Faleceu em 20/07/1981
Homenagem ao Professor
José Valente de Pinho Leão
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Iniciativa: Laf, Liga dos Amigos da Feira. Apois Instituicionais: Câmara Municipal da Feira Junta de Freguesia de Milheirós de Poiares Santa Casa da MIsericórdia da Feira Fundação Comendador Joaquim de Sá Couto Clube Feirense Associação Cultural Comissão de Vigilância do Castelo da Feira Clube Desportivo Feirense Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Feira Centro de Cultura e Recreio Orfeão da Feira Lions Clube de Santa Maria da Feira Liga dos Amigos da Feira Execução: Câmara Municipal e Liga dos Amigos da Feira
Milheirós de Poiares / Santa Maria da Feira - 23 - 12 - 2004
Milheirós de Poiares, o aprazível local escolhido pela Câmara Municipal e Junta de Freguesia de Milheirós de Poiares com o apoio técnico da
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Senhora Arquitecta Dona Maria Felismina Moreira.
Os momentos que precederam a inauguração.
Guarda de Honra pelos Bombeiros Voluntários de Arrifana.
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Padre Manuel Leão lê o discurso de agradecimento da família pela homenagem prestada a seu irmão.
A praça Professor Leão foi o local escolhido pela Câmara Municipal
para a colocação do plinto e busto do homeneageado na Cidade de
Santa Maria da Feira
Os dois bustos, na hora da chegada, com os membros do Executivo Laf que os receberam.
Guarda de Honra pelos bombeiros Voluntários da Feira
e Escolinhas do Milheiroense e do Feirense.
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Os sobrinhos, Prof. Doutor Joaquim Azevedo, e Dom Carlos Azevedo, e a irmã, Dona Maria Laura do homeneageado.
Presidente da Câmara Municipal e padre Manuel Leão.
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José Manuel, filho, Dona Maria Otília, esposa, e Dona Maria Laura, irmã no momento do descerramento da Bandeira Municipal.
Alves André, o escultor e a sua obra.
Aspecto dos participantes na homenagem.
Homenagem no Cemitério Municipal, junto do jazigo de família.
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Agradecimento em Milheirós de Poiares Manuel Leão*
Falar duma pessoa a que me ligam laços fraternos de sangue e convivência frequente pode ser tarefa difícil, quer por limitação de horizonte, quer por risco de juízos valorativos à margem da objectividade. Todavia, não emitirei juízos de valor, seguindo apenas a evolução dos factos. Pela parte que me toca, enquanto sobrevivente único masculino da minha irmandade, não poderia deixar de fazer uma merecida referencia à Liga dos Amigos da Feira, que despertou e promoveu esta celebração festiva da história local. A Nossa gratidão. Esta tem de ser extensiva à Câmara Municipal e à Junta de freguesia de Milheirós de Poiares, principalmente pelo relevo que quiserem dar ao acto, escolhendo este local, valorizando-o com o arranjo urbanístico, onde a originalidade e o uso específico correm a par. Enquanto estudante, o meu irmão José manifestou a sua capacidade e preferência por actividades diferenciadas das tarefas escolares. O teatro amador, quando a freguesia de Milheirós apenas dispunha duma sala pertencente ao Dr. Crispim Borges de Castro, tinha aí as suas récitas. Esse edifício foi demolido para dar lugar à construção do Centro que tem o nome desse insigne benfeitor de Milheirós. Esse
espaço tinha sido escola até que fosse construído o bloco escolar junto de S. Geraldo. Esta última construção escolar arrastou-se por muito tempo. O meu irmão tinha preferência por papéis cómicos, por vezes, musicados. A função educativa da formação musical serviu para nova expressão da sua actividade. Colocado em freguesia do concelho de Albergaria-a-Velha, facilmente foi convidado para responsável artístico duma banda musical. Esta sua sensibilidade para a música tinha sido despertada durante a sua formação académica. Era vulgar encontrarem-se em casa muitos papéis de música com colecções impressas, então muito da preferência do público. Colocado na sede do nosso concelho, comprometido com actividades cívicas e políticas, foi nomeado vice-presidente da Câmara, com funções de delegado policial, conforme a legislação então em vigor. A autoridade era então respeitada e a actuação dos seus respectivos agentes era exercida sem sobressaltos, com resultados geralmente imediatos. A estabilização da sua vida familiar na sede do concelho não diminui a sua ligação familiar e afectiva a Milheirós. Esta faceta foi claramente manifesta, por ocasião da partilha familiar. Ele alvitrou que a casa e quinta paterna ficassem para um irmão solteiro, não quebrando o habitual acolhimento dos irmãos casados quando quisessem visitar a casa e ambiente onde tinham nascido. Numa afastada época, durante as pesadas circunstâncias
*Natural de Milheirós de Poiares, concelho de Santa Maria da Feira, fez os seus estudos no Porto, tendo concluído o curso de Teologia e sido ordenado presbítero, na Sé do Porto, em 1943. Dedicou-se à educação e ensino, dirigindo o Colégio de Gaia, durante décadas. Esteve ligado à Fundação do Instituto Superior Politécnico de Gaia e Escola Profissional de Gaia, a cujas direcções pertence. Publicou numerosos estudos sobre história cultural do Porto e Vila Nova de Gaia, com incidência nos domínios da arte, da actividade livreira e do teatro portuense antigo. Promoveu várias iniciativas de carácter social. Criou, em 1996, a Fundação Manuel Leão, com fins culturais e sociocaritativos. Faleceu em Vila Nova de Gaia em 24 de Setembro de 2010.
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impostas pela Segunda Guerra Mundial, verificaram-se situações em que o meu irmão conseguiu afastar de Milheirós conflitos que, em outras freguesias, atingiram aspectos trágicos. A reprovação do vinho americano, falto de qualidade, levou as autoridades a forçarem ao corte dessas videiras. Em Milheirós, nunca houve violência com essa origem. O corte das videiras americanas foi entendido como uma privação no orçamento dos lavradores. As dificuldades no abastecimento de combustíveis, devido à guerra marítima, levou à mobilização das matas de eucaliptos. Embora o Estado pagasse o valor arbitrado das florestas, esta mobilização repugnou seriamente aos proprietários que geralmente reservavam o corte das suas florestas para recurso económico em casos pontuais. Não consta que, em Milheirós, algum proprietário visse os seus matos invadidos por estranhos autorizados para abate de árvores. Recordo-me de meu irmãos me contar o que recomendava aos emissários oficiais, quando ocasionalmente apareciam com os papéis nas mãos. Era sabido que o distrito de Aveiro tinha profundas raízes liberais, com focos dissidentes espalhados através dos concelhos. Nem o regime autoritário conseguiu extinguir essa clara vivência pré-democrática. Numa das freguesias suburbanas, dois grupos estavam a ameaçar a paz dumas
eleições. Foi meu irmão presidir, munido das prevenções autorizadas pelo governo distrital. Afinal tudo decorreu na maior normalidade e respeito tendo ele mesmo sido convidado por ambos os grupos rivais para almoçar, mas não aceitou a bem da imparcialidade. Finalmente e para terminar esta ordem de ideias, bastará acrescentar que, no 25 de Abril, embora fosse o chefe político do concelho, o meu irmão não sofreu desacatos, porque tinha sabido distinguir as pessoas e as respectivas ideias, não recorrendo a vexames infligidos a adversários ou discordantes. Na fase final da sua actividade docente, esteve ligado à Direcção Escolar de Aveiro, dedicando muito do seu tempo quer ao desporto quer aos bombeiros. Durante mais de um quarto de século, foi assíduo elemento directivo da Associação de Futebol de Aveiro, tendo a sua participação nas tarefas directivas sido objecto de pública homenagem. Com a mesma dedicação, foi dirigente local e nacional dos bombeiros, não se escusando de reuniões, ainda que fossem realizadas a distâncias incómodas. Poderia afirmar, sem esperar qualquer contestação, que, nos vários quadrantes da sua actividade, soube sempre afirmar e defender a integridade do nosso concelho e o prestígio do nosso distrito.
Intervenção em Santa Maria da Feira José Manuel Cardoso da Costa:1** Senhora D. Otília e Leão e seus filhos, e restantes familiares do Prof. José Leão Srs. Presidente da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal Sr. Governador Civil Senhores Presidentes ou Representantes das outras entidades e instituições promotoras desta homenagem, em particular Sr. Presidente da Liga dos Amigos da Feira. É com viva emoção que correspondo ao convite – ao convite-intimação… ? que o Dr. Celestino Portela, em nome da Liga dos Amigos da Feira, me fez, para dizer algumas palavras nesta cerimónia. A justificação para eu dizer aqui essas breves palavras é a circunstância de ter sido aluno do Professor José Valente de Pinho Leão – ia dizer há 40 anos, mas (e já vejo aqui um companheiro da época, o Engº Brandão, a sorrir-se ) em boa verdade há bem mais, há 60 anos atrás ou quase, mais precisamente entre 1945 e 1948. Por isso a primeira evocação que eu gostaria de fazer era a do Prof. José Leão justamente enquanto Professor. 1 *
Texto de intervenção oral, corrigida a partir do correspondente registo.
Claro que é muito difícil, a esta distância, refazer o que guardou a memória de uma criança - da criança que eu e todos nós éramos quando fomos alunos do Professor José Leão. De facto, o que pode uma criança guardar do seu professor na sua memória? Mas, sobretudo, o que pode um adulto, décadas depois, rebuscar nessa memória, já que, na idade de uma criança, ela não pôde ser, naturalmente, uma memória reflexiva e crítica, mas sim preenchida basicamente por impressões empíricas e sentimentos? Algumas impressões há, porém, que são persistentes, que ficam mesmo gravadas na memória duma criança e que se conservam ao longo do tempo - e essas, no caso, são particularmente sugestivas. Ora, a primeira dessas impressões, a primeira dessas lembranças, que logo me acode, é esta: é a de que nós íamos para as aulas do Prof. Leão sem receio, sem qualquer temor. Parece isto um facto ou uma circunstância menor, e sem grande relevância, mas é, na verdade, muito significativa, porque dá logo a medida do professor - do professor que não afasta, mas antes atrai, e que, por isso, fácil e naturalmente gera a simpatia e atenção dos seus alunos. Era assim o Prof. Leão! Não precisando de ser particularmente severo para ser disciplinador, era um clima de empatia e mesmo de afectuosa bonomia que dominava as suas aulas. E depois - e é uma outra lembrança que guardo bem – as aulas que nos dava não eram monótonas, mas de grande vivacidade, despertando, em permanência, o interesse e o envolvimento dos alunos, que, por isso, as frequentavam com gosto e com proveito - o
**Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Presidente da Assembleia Municipal de Santa Maria da Feira.
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que é outra marca da medida de um professor. O professor José Valente de Pinho Leão foi efectivamente um grande professor e um grande pedagogo. Os professores primários desempenharam neste país um papel crucial, um papel determinante, não só propriamente no estrito plano do ensino, mas, mais amplamente, no da formação geral das pessoas, e enquanto protagonistas sociais. Foram verdadeiros esteios sociais, em diversos sentidos e em muitos aspectos. Ora, o Professor Leão foi verdadeiramente um paradigma desse tipo de professor, foi exemplar – e, por isso, não admira que tenha granjeado o afecto, a estima e a saudade de gerações e gerações de alunos e o respeito incondicional dos seus pares.
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Em segundo lugar, gostaria de evocar o Professor Leão como o homem que foi, já que a minha memória do Professor José Valente de Pinho Leão não é apenas a de o aluno de há quase 60 anos, é também a da pessoa com quem tive o privilégio de conviver ao longo da vida, do homem que respeitei e estimei ao longo de muitos anos. E, se foi esse o meu caso, foi o de muitos outros, porque o Professor Leão – e porventura este é um traço marcante da sua personalidade – tinha o condão de fazer amigos, e fez e deixou muitos amigos. Era um homem de trato extremamente afável, um homem de uma extrema simpatia natural, um homem disponível, atento, aberto, um homem extremamente tolerante no respeito pelas opiniões dos outros, e que (como, aliás, é um pouco timbre desta nossa terra) não fazia das opções ideológicas de cada um razão ou motivo para ser ou deixar de ser amigo de quem quer. Foi um exemplar chefe de família e aqui estão os seus filhos a dar testemunho da formação que lhes deixou. Foi um homem generoso, profundamente estimado e estimável - e por isso a sua ausência entre nós foi, e é, tão sentida. Por último queria evocar o cidadão. O Professor José Valente Pinho Leão chegou aqui à Feira nos princípios dos anos 40, a abeirar-se dos seus 30 anos (talvez ainda os não tivesse). Era, pois, um jovem – mas um jovem que já nessa altura manifestava interesse pelas coisas da comunidade e disponibilidade para a intervenção cívica. Por isso, não admira que, não muito tempo depois de aqui chegar, tenha sido chamado a exercer funções na Câmara Municipal, como seu Vice-Presidente, funções que desempenhou
durante bastantes anos, com o maior empenho. No exercício desse cargo, e segundo a lei de então, cabia-lhe em particular a função de «delegado policial» (o antigo «administrador do concelho», de que as pessoas mais velhas ainda se lembrarão). Era, mormente à época, um pelouro delicado e difícil, que tinha a ver com a preservação, ao nível municipal, da segurança e ordem pública. Pois bem: creio que o melhor elogio que se pode fazer do Professor Leão, enquanto autarca, é o de que no exercício dessa função não há memória de que tenha cometido alguma arbitrariedade, não há memória de que tenha cometido algum abuso, e que exerceu esse melindroso cargo sempre com extrema moderação. Depois, ao longo da sua vida, desenvolveu o Prof. José Leão uma incontável série de actividades, na área do desporto, da cultura, do associativismo social, das instituições humanitárias e de solidariedade. Foi Presidente do Clube Desportivo Feirense e membro do seu Conselho Geral; foi, durante longos anos, Presidente da Direcção da Associação de Futebol de Aveiro, e ao desporto, no âmbito concelhio e no âmbito distrital, dedicou uma grande parte da sua vida, e das suas energias, nele deixando uma grande e inesquecível marca; passou pelo Clube Feirense, pelo Orfeão da Feira, pelo Rádio Clube da Feira, pela Comissão do Castelo, pela Liga dos Amigos da Feira, espalhando assim a sua disponibilidade por tantas agremiações e tão significativas da vida da nossa terra. Foi Presidente do Lions Club, uma instituição cuja vocação em termos de convívio social e de solidariedade social é bem conhecida. E foi por último – era, por último - Presidente da Direcção dos Bombeiros Voluntários da Feira, tendo sido também Presidente da Federação dos Bombeiros Voluntários de Aveiro. Foi o último exemplo – e eu diria que não podia ser mais significativo – do interesse, da grande generosidade, da gratuitidade que demonstrou ao serviço dos outros. Diz-se, na nota ou notícia que os promotores desta evocação fizeram publicar sobre ela, nos semanários da nossa terra, que o Professor Leão «gastou a vida» a dar-se à comunidade e a dar-se aos outros com um sentido de gratuitidade e dádiva invulgar. É bem verdade: é raro um homem que se tenha dado a tantas coisas durante tanto tempo. Por isso granjeou o respeito e o reconhecimento de todos os seus concidadãos! O Professor José Valente de Pinho Leão foi uma grande figura da Feira, foi uma grande figura do Distrito de Aveiro! A Feira honra-se ao evocar a sua figura e a homenagear a sua memória, hoje e aqui.
Intervenção de Alfredo Oliveira Henriques* - Senhor António Cavaco, representante da comissão organizadora desta homenagem; - Reverendo Padre Manuel Leão; - Senhor Governador Civil de Aveiro; - Familiares dos homenageados; - Minhas Senhoras e Meus Senhores. Não terei muito a acrescentar ao que fomos ouvindo ao longo do dia de hoje sobre ambos os homenageados, mas, na qualidade de Presidente da Câmara e em representação do Município de Santa Maria da Feira, não poderia deixar de me associar a esta meritória iniciativa e de manifestar a minha gratidão por tudo o que o Professor Leão fez pelo nosso Concelho, assim como tudo aquilo que o Padre Manuel Leão, feirense por nascimento, fez e continuará a fazer por Santa Maria da Feira. Acompanhei alguns passos da vida do Professor Leão, bem como algumas das actividades em que participou. Hoje, tivemos a oportunidade de recordar aqui, com pormenor, o trabalho que este ilustre feirense desenvolveu ao longo da sua vida em várias associações locais, assim como o seu percurso fora do Concelho, sobretudo a nível distrital. *Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira.
Gostaria, no entanto, de salientar que foi na qualidade de presidente dos Bombeiros Voluntários de Santa Maria da Feira que mais contactei com o Professor Leão, que teve um papel determinante na construção do respectivo quartel. De facto, foi ele quem deu os primeiros passos, os mais difíceis, para o arranque deste importantíssimo equipamento, apesar de outras pessoas e outras direcções terem contribuído para a concretização deste projecto. Este é um aspecto que faço questão de sublinhar e enaltecer, uma vez que todo o restante percurso do Professor Leão, no ensino e no mundo associativo, foi aqui apresentado com grande clareza e pormenor por pessoas que conhecem em profundidade a sua obra e o seu legado. Relativamente ao Padre Manuel Leão, que tem feito a sua vida e desenvolvido a sua actividade no vizinho concelho de Vila Nova de Gaia - município que integra as Terras de Santa Maria - é também conhecido o seu percurso notável, cujo eco nos vai chegando através de várias pessoas e entidades de relevo e que vamos acompanhando com grande orgulho e satisfação. O próprio Padre Manuel Leão referiu nesta sessão que, apesar de se encontrar fora, continua a honrar as suas raízes, à semelhança de outros feirenses que, por força da sua actividade profissional, deixaram Santa Maria da Feira ou exercem a sua actividade principal fora do Concelho. Sentimonos muito honrados pelas suas origens, e por continuarem a valorizá-las e a demonstrar um grande amor e afinidade
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pela sua terra natal. São muitos os feirenses que estão nesta situação e que se encontram aqui connosco a partilhar esta merecida homenagem. A todos vós, deixo uma palavra de apreço por esta forte ligação e identidade para com a terra que vos viu nascer.
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A terminar, reitero que estas minhas singelas palavras, dirigidas ao Professor Leão e ao Padre Manuel Leão espelham o reconhecimento do Município de Santa Maria da Feira pelo percurso e contributo de ambos. Muito obrigado.
Intervenção de António Cavaco* A todos muito obrigado pela vossa presença, às autoridades presentes, a todos os convidados e a todos aqueles que se associaram, bem como aos promotores da feliz iniciativa. Temos que dar realmente o nosso agradecimento a todos eles por esta nobre iniciativa. Falar depois de um conjunto de pessoas que me procederam no uso da palavra para mencionar actos e acções dos nossos homenageados é-me extremamente difícil mas, como disse o Padre Manuel Leão, é com atrevimento que se fazem coisas e eu como felizmente também até hoje consegui fazer alguma coisa, e deve ter sido essa carga de atrevimento que me levou a isso e que me leva também a usar da palavra. Dando seguimento a isso falaria um pouco sobre o Sr. Prof. Leão, que foi meu professor, pessoa que marcou extraordinariamente a minha formação. Muito do que sou devo em parte à sua condução, e ainda hoje guardo um gesto que fazia, pois que era grande fumador e utilizava muito o lenço para afastar o fumo. Estão aqui alguns dos alunos do Prof. Leão que se lembrarão desse gesto, que ele fazia, de tirar o lenço do bolso interior do casaco e ainda guardo esse gesto comigo. É uma pequena recordação que tenho de uma pessoa que me marcou * Empresário. Presidente do Conselho Geral do Clube Desportivo Feirense.
extraordinariamente, quer na formação, quer posteriormente quando comecei a aparecer em actos públicos; quando dava por mim ele estava atrás com uma mão nas costas – eu estou aqui – era uma palavra de conforto, que me dava uma certa força para quem se estava a iniciar em actos públicos. Não é essa a minha função, a minha função é realizar, mas de quando em vez tenho também necessidade de o fazer. Portanto, Prof. Leão, muito e muito obrigada por tudo quanto fez, não só por mim como por todos os outros que ensinou a dar os primeiros passos no caminho da educação ou da formação. O Zé, seu filho, hoje Governador Civil de Aveiro, meu colega durante quatro anos, quatro anos de intenso trabalho, e ele, como filho, era um pouco mais castigado para exemplo. Aqui ao Sr. Padre Manuel, que eu não conhecia pessoalmente, mas conhecia por ouvir falar insistentemente de tudo quanto realizou, o nosso muito obrigado e a certeza de que tem os amigos da Feira à sua disposição para aquilo que for necessário. Estou certo de que todos aqueles que eu represento aqui, que fizeram que eu os representasse, estarão com certeza em consonância com aquilo que eu digo. Estamos na quadra do Natal, não me vou alongar mais, e apenas dizer a todos muito, muito obrigada por se terem juntado a nós para esta feliz iniciativa, desejar a todos um Natal feliz, e que a gente sempre possa homenagear, que é
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sinal que irão existir pessoas com grandeza, com força, com o atrevimento que, como disse, e bem, o Padre Manuel, a existir na nossa terra para continuarmos a fazer coisas e a engrandecer cada vez mais o nome de Santa Maria da Feira,
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que ĂŠ a nossa terra, da qual muito gostamos. A todos, muito obrigado.
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Roberto Leão lê para o Avô um poema de Sophia.
Porque os outros se mascaram mas tu não Porque os outros usam a virtude Para comprar o que não tem perdão. Porque os outros têm medo mas tu não. Porque os outros são os túmulos caiados Onde germina calada a podridão. Porque os outros se calam mas tu não. Porque os outros se compram e se vendem E os seus gestos dão sempre dividendo. Porque os outros são hábeis mas tu não. Porque os outros vão à sombra dos abrigos E tu vais de mãos dadas com os perigos. Porque os outros calculam mas tu não. Sophia de Mello Breyner Andresen Padre Manuel Leão agradece a homenagem que lhe foi prestada durante Ver Villa da Feira, nº 10, pág 37 e seguintes. o almoço convívio.
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BEIJOS NO ÔNIBUS H. Veiga de Macedo*
Ele entrou com os seus quarenta anos: Cor de ébano, simpático. - Aloirada Era a mulher ... e gárrula a ninhada De filhos que vestiam pobres panos. Ao vê-Ios, eu pensei nos desenganos E lutas dessa gente amargurada. Cedi o meu lugar... “Muito obrigada”! Ouvi ... Falámos. Eram paulistanos. Beijo as crianças. Diz-me então o pai: - “Vejo que é Padre... para onde vai?” E, de repente, beija a minha mão. Eu respondo, surpreso, comovido: - “Padre?! Quem dera! Não fui escolhido! Mas sou, e é tudo, em Deus, um teu irmão”.
São Paulo, Ônibus Imirim – Itaim 13 de Agosto de 1980
* Poeta. Foi Ministro de Portugal. Faleceu em 25-01-2005
Um fragmento inédito do Padre António Vieira Carlos Alberto de Seixas Maduro*
(Excerto do fl. 381r do cód CVI/2-12 da Biblioteca Pública de Évora)
* Professor da Escola E.B. 2/3 Professor Doutor Carlos Alberto Ferreira de Almeida
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I - Fragmento
II As Cartas de Vieira
Esta alma serve de contra-senha ao penúltimo capítulo do corpo que informa. O qual capítulo foi escrito a instância do mesmo sujeito de que trata, e o mando a Vossa Excelência para que Vossa Excelência seja servido de me responder na mesma conformidade usando de alguma (…). Instou muito por que pedisse também carta para o Padre Assistente de França em Roma, mas a isto me pode Vossa Excelência responder que a carta do Padre Nuno da Cunha vai por termos tão encarecidos que não haverá dúvida em que se defira com efeito e as ordens se revoguem. Eu, Senhor, bem conheço que o d. é amigo de Portugal, mas é mais amigo de França, e a ladrão de casa não se podem encobrir as cousas facilmente em dez meses sem querer dizer-mo e como tem a qualidade do seu confessado, pode dizer e escrever o que não nos seja bom. O Senhor Embaixador teria já escrito a Roma que o tirassem daqui mas o Padre Nuno queria que eu o escrevesse, os intentos Deus os sabe e eu os suspeito. O que agora pretendemos é menos e outra cousa muito diferente, o nosso Padre Geral tem mandado que indo-me eu se vá ele para França e que não torne a Portugal mas sei decerto que Lanier escreve a Roma pedindo que leve lá e isto por nenhum modo nos convém, além das razões gerais ocorreu esta semana uma maior que todas, que foi haver pessoa que me falou sobre o negócio da minha comissão vindo a ser autores os que haviam de ser réus que é matéria de grande importância nas circunstâncias presentes, e que ainda que se não aceite pode servir para muito. Admiti a prática, e dei conta ao Senhor Embaixador. E ainda que os fundamentos não prometem muito o chegar-se a falar não é pouco, e é o princípio de tudo. Do que for sucedendo irei avisando a Vossa Excelência e para o fazer com a cautela que convém mandarei no correio seguinte na cifra para não sair das mãos de Vossa Excelência, eu procedi com todo o tento.1
Este texto que, tudo leva a crer, é publicado pela primeira vez, faz parte de um códice de manuscritos da Biblioteca Pública de Évora (cód CVI/2-12, fl. 381r), tendo a sua existência passado despercebida ao longo de vários anos. Na verdade, foi a partir do momento em que se iniciou o cotejo sistemático da edição das Cartas de Lúcio de Azevedo com os originais autógrafos de Vieira que foi possível notar a existência de uma folha inédita que não pertencia a qualquer uma das cartas. A resposta estava, apesar de tudo, bem à mão. Depois de se consultar um “Índice” elaborado por um famoso bibliotecário de Évora, Joaquim António de Sousa Teles de Matos, facilmente podia observar-se a indicação de um fólio com a denominação de fragmento, que curiosamente apontava como possível sujeito da informação sob anonimato o “Duque de Richelieu, talvez”.
A ortografia foi actualizada de modo a facilitar a leitura. A pontuação foi respeitada, de forma geral. Vieira não pontuava de acordo com as regras da sintaxe que hoje se aplicam e nem sempre uma pontuação, por vezes indiscriminada, favorece o entendimento e a proximidade à escrita de Vieira.
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(Excerto do índice do Cód CVI/2-12 da B.P.E.)
Tratando-se de um fragmento, sem data, pela numeração do fólio, é possível que a colocação no códice teve em conta a última carta enviada por Vieira no final de Junho de 1648 e a de 6 de Julho de 1648. Tratando-se de um texto inédito, num estilo muito próximo de muitos outros parágrafos dirigidos ao Marquês de Nisa, será então pelo contexto da correspondência trocada entre ambos que este fragmento tem efectivamente interesse, pois permite contextualizar uma troca de informação
entre Vieira e o então embaixador de Portugal em Paris a propósito de um frade de origem francesa, o Padre Pontilier da Companhia de Jesus. Talvez seja ainda oportuno dizer que a edição mais exaustiva da correspondência do padre António Vieira (16081697) se encontra na obra de três tomos, Cartas do Padre António Vieira, publicada entre 1925 e 1928 por João Lúcio de Azevedo, com cerca de 710 cartas. Trata-se duma edição de inegável valor e de mérito que, ao longo de sucessivas gerações, serviu de referência aos mais diferentes estudos sobre o Jesuíta, em grande parte graças à sua funcionalidade, tanto pela actualização da ortografia como da sequência cronológica como foi organizada. Todavia, o trabalho incansável de Lúcio de Azevedo não é definitivo e as cartas que entretanto se foram descobrindo ou publicando em diferentes obras justificam uma reedição das cartas. Será mesmo de lamentar que algumas das iniciativas editoriais acerca da epistolografia de Vieira não tenham ido além de reimpressões de Lúcio de Azevedo.
(Capa da cód. CVI/2-12 da B.P.E)
Saber onde se encontra o punho de Vieira, conferir a sua assinatura, decifrar a letra são tarefas que se exigem para retocar alguns dos lapsos que enfermam a mais completa edição das Cartas. Nomeadamente no que respeita à correspondência trocada com o Marquês de Nisa, o Cód. CVI / 2-12 da Biblioteca Pública de Évora é fundamental,
pois dá-nos, na maioria dos casos, a mão do Jesuíta em cerca de 41 originais, a totalidade das missivas dirigidas ao Marquês de Nisa2. Além disso, é um dos códices de cartas manuscritas mais importante, quanto mais não seja pelo facto de reunir em bom estado de conservação as primeiras cartas de Viera, portanto as mais antigas, endereçadas a esta figura da nossa diplomacia, também conhecido por Conde da Vidigueira. Perguntar-se-ia então o motivo pelo qual esta figura da Restauração surge de uma forma tão notável como um dos principais destinatários da correspondência de Vieira. A razão parece, aparentemente, simples, ter-se-á cruzado no seu percurso diplomático num determinado momento da vida. Ainda que possamos considerar o Marquês como pertencente a um círculo de personalidades próximas do Jesuíta, sem pretender menosprezar uma possível amizade ou simpatia mútuas, a verdade é que, terminadas as missões diplomáticas, não se conhece qualquer outra carta trocada entre ambos. Observando o conteúdo das mesmas, pode inclusive dizer-se que a maior parte dos textos espelha uma correspondência diplomática. Tem início a 25 de Fevereiro de 1646 e acaba a 31 de Agosto de 1648, sendo o resultado de duas viagens diplomáticas ao Norte da Europa. A primeira correspondência é constituída unicamente por três cartas; a segunda correspondência, iniciada a 26 de Setembro de 1647 e prolongada ao longo de cerca de onze meses, constitui um impressionante exemplo de regularidade. Recorde-se que Vieira enviou cartas ao Marquês de Londres, Calais, Paris, Haia e Amesterdão; em 27 vezes, semanalmente; por 4 vezes, quinzenalmente, e com um único intervalo de 2 meses.
2 Desta personagem, importará dizer brevemente que ainda era conhecido por D. Vasco Luís da Gama (1612-1678?), tendo sido um dos primeiros grandes do reino que se manifestaram por D. João IV, que o tinha em grande conta. Foi almirante da Índia, deputado da Junta dos Três Estados e ministro do Despacho das Juntas nocturnas na regência de D. Luísa, D. Afonso VI e D. Pedro. Foi ainda estribeiro-mor de D. Maria Francisca, conselheiro de Estado de D. João IV, D. Afonso VI e D. Pedro e vedor da Fazenda da repartição dos Armazéns da Índia (1654). Na carreira diplomática, foi embaixador em França (9 de Abril de 1642 a 7 de Fevereiro de 1646 e 19 de Dezembro de 1646 a 30 de Abril de 1649 - projecto de casamento de D. Teodósio). Assinou com o cavaleiro de Jant, em Lisboa, o «Tratado de amizade e aliança entre El-Rei D. João IV e Luiz XIV Rei de França», 7 de Setembro de 1655. Foi ainda um dos plenipotenciários para a paz com Castela em 1668. Por fim, deixou ainda uma imagem de homem que cultivou as artes e as letras com a sua famosa biblioteca, para a qual fez vir do estrangeiro toda a espécie de preciosidades sumptuárias e numerosos livros raros.
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Recorde-se também que Vieira veio para Portugal em 1641, começando de imediato a ganhar importância como orador e como político. A situação em 1646 era muito delicada, pois faltavam os meios para o combate contra Castela e, no Brasil, havia a revolta dos colonos de Pernambuco contra os Holandeses. Pedia-se assim o empenho de Vieira no auxílio da coroa francesa através de Richelieu e depois de Mazarino contra Castela. D. João IV, desanimado com o Brasil, tentava assim resgatar por dinheiro Pernambuco, através de um acordo com a Companhia Holandesa, seriam essas as instruções que o emissário Vieira levaria aos embaixadores europeus de D. João IV. Saiu de Lisboa a 1 de Fevereiro e chegou a 20 a Paris, mas o Marquês de Nisa, Conde da Vidigueira, já tinha partido, ficando lá o Residente António Moniz de Carvalho. Com este secretário, visitou Mazarino e a 2 de Abril passou de Paris para Ruão, onde recebeu os judeus, daí para Calais, de Calais para Roterdão, chegando a Haia no dia 18 de Abril, onde permaneceu três meses. Em Agosto já se encontrava de novo em Lisboa, sem que os propósitos se tivessem realizado. A segunda missão diplomática, de Paris e Haia, ocorreu entre Agosto de 1647 e Novembro de 1648. Como a viagem anterior não correra pelo melhor, partiu novamente em missão, juntando desta vez a proposta de casamento de D. Teodósio com Mlle de Montpensier, filha do Duque de Orleães, tentativas já efectuadas antes. A estratégia era melindrosa, como D. João não sentia a corte segura, fugia para os Açores, governando daí o Brasil; o filho menor ficava em Portugal casado com uma francesa e daí a protecção da Corte de Paris. A viagem voltou a ser atribulada, pois a nau que ia para Havre foi aprisionada e ele levado para Dôver numa nau inglesa; daí passou para Londres; de Londres regressou a Dôver, daí a Calais, chegando, por fim, a 11 de Outubro, a Paris. Os encontros diplomáticos não foram propriamente os mais felizes, residindo junto do Marquês de Nisa, foi recebido por Mazarino, que avisado dos propósitos, se mostrava reservado. Na Holanda, as negociações estavam complicadas, pois exigiam praças lusitanas em troca. Contando com escassos apoios, como era o caso de Francisco de Sousa Coutinho, acabou por ser chamado à corte, tais devem ter sido as reacções em Portugal. Convencido do apoio na Corte, redigiu então o famoso Papel Forte. É desta fase o negócio da fragata “Fortuna” de que tanto se orgulhava. Este é também o tempo mais secular de Vieira, vestido de embaixador, ao que consta usando bigode, envolvido em negócios, intrigas, ao serviço do reino ou talvez mais ao serviço do seu rei.
Pode ainda dizer-se que esta correspondência, sem contar com as questiúnculas diplomáticas, foca outros aspectos muito referenciados da vida de Vieira para além da questão do “Papel Forte”, ou da compra da “Fragata Fortuna”, referem-se as hipotéticas conversas com representantes do judaísmo da diáspora, nomeadamente Menassés Ben Israel, as viagens e o contacto com novos países e novas gentes. Numa personalidade com a força de Vieira, nunca poderiam passar ao lado do texto, não sendo isento de interesse em termos de linguagem epistolar, ou inclusive de literatura de viagens. Noutras alturas, as crónicas dificuldades económicas que afectam o país, têm uma ressonância no presente que não deixam de nos impressionar. Do fragmento em questão, pode dizer-se que não parece dizer respeito aos temas centrais desta fase da correspondência, ainda que surja com um aspecto sigiloso. Pelo facto de não estar indicado no texto o nome do sujeito de quem se fala. O “d.”, no original, e que o índice do códice confunde com Duque Richelieu, não corresponde tanto ao título como à personagem, poderá ser antes o “dito”, fórmula usada noutras cartas. Quem seria então o “dito” de quem fala de forma tão sigilosa? Observadas as cartas anteriores e posteriores, tudo nos parece apontar para o dito Padre Pontilier. Sobre ele afirma Lúcio de Azevedo em nota: “Padre João Ponthelier (conforme a assinatura num processo no Santo Oficio, em que foi testemunha), jesuíta francês, confessor do agente de França Lanier e companheiro do Padre Antônio Vieira nesta viagem, Vieira escrevia sempre Pontilier.”3 Da amizade do dito padre por Portugal, tema central desta conversa, Vieira refere-o por várias vezes, mostrando inclusive alguns incómodos. As referências a este irmão jesuíta surgem em cartas de 1647, anunciando a viagem do mesmo para Portugal. A viagem sofre alguns atrasos, mas em carta de início de 1648 Vieira ainda informa o Marquês de que o dito Padre vem para terras lusas e seria inclusive portador de documentação importante, o que não deixa de ser prova de confiança. Deste amor a Portugal seria a mensagem de 12 de Janeiro:
3 Vieira, António, Cartas, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1970, I Vol, p. 108.
O Padre Pontilier está ainda aqui; não o fizeram mártir os hereges, mas os católicos o quiseram apedrejar porque dia de Ano Bom, acerca do sangue de Cristo, disse alguns louvores dos Portugueses. O que foi tão mal aceito dos senhores católicos, nossos capitais inimigos, que chamaram ao sermão oração fúnebre de El-Rei de Portugal, por tão morto o dão. Mas o Senhor Embaixador os multou com ordenar que não tivessem mais sermão nem em francês nem em flamengo e assim se lhes declarou em uma estação que foi melhor que o sermão4. Poucos dias mais tarde, os comentários surgem ligeiramente enevoados por alguma ironia, uma marca bem presente em toda a epistolografia vieiriana: O Padre Pontilier anda tão valido da Rainha de Boémia e mais príncipes desta corte que já se não lembra de ninguém, manda seus recados a Vossa Excelência que em tanta soberania não é pequeno favor.5 Será, no entanto, um parágrafo da carta enviada de Haia, em 15 de Junho de 1648, que permite o entendimento deste fragmento e a proximidade da datação. Refere então Vieira: De minha parte beijo a Vossa Excelência a mão pelas novas de Mr Lanier, cujas portas6 são como redes de tartaranhas, que levam grado7 e miúdo, e, se Sua Majestade as pudera defender com aquelas, não importara pouco à reputação do Reino. Seu confessor sabe tanto de nós como ele e ainda que falte à sua alma esta consolação eu seria de parecer que não tornasse a Portugal. O Senhor Embaixador o representou ao Padre Nuno da Cunha o qual quer que seja eu o que o solicite para que se dê essa descarga ao Assistente de França. Ao Padre Provincial de Bordéus tinha vindo ordem apertada que o dito padre ficasse na sua Província, e ainda que a ordem se tem notificado ele diz que o fará mas indo a Portugal primeiro. Se a Vossa Excelência lhe parecer fazer um capítulo ao Padre Nuno da Cunha sem falar em mim, para que de Roma se ordene que voltando eu para Portugal o Padre Pontilier torne
Id. P. 123. Id. P. 147. No ms de Évora refere-se “cartas” 7 “grudo” no ms. de Évora.
em direitura para França, era só confirmar a primeira ordem que tem vindo, e tudo ficaria bem feito.8 A nota de Lúcio de Azevedo em relação a esta passagem é bem clara: «O Padre Ponthelier. Dele escrevia o embaixador Francisco de Sousa Coutinho ao marquês de Nisa no 1.º de junho: ‘É um famoso espião dos Franceses.’9 E em carta seguinte manifestava o desejo de que não voltasse a Portugal.» Parecem assim não restar muitas dúvidas das suspeitas que então ocorriam sobre o referido Jesuíta e as palavras de Vieira no fragmento: Eu, Senhor, bem conheço que o d. é amigo de Portugal, mas é mais amigo de França, e a ladrão de casa não se podem encobrir as cousas facilmente em dez meses sem querer dizer-mo e como tem a qualidade do seu confessado, pode dizer e escrever o que não nos seja bom. O dito seria Pontilier, indiscutivelmente amigo de Portugal, mas também amigo ainda mais do seu próprio país e daí a cumplicidade com o seu confessado, nem mais que Lanier, um agente da França. Vieira parece assim interceder para que se ponha em prática um plano de que ele próprio não estaria muito convencido. Com efeito, em cartas que se vão sucedendo, continua a dar notícias do companheiro e, talvez para espanto de quem não esteja muito habituado a seguir os pensamentos e as reacções do Jesuíta, em tantos casos tão parecidas às de hoje, escreve logo a 6 de Julho de 1648: Não só são os prelados que faz o Padre Nuno da Cunha a desgosto nosso, mas todas as ordens suas, das quais se não livram nem os que estão em países livres. Saberá Vossa Excelência que por via de Bordéus e pela de Paris se tem mandado ordens de Roma ao Padre J. Pontilier para que não torne comigo a Portugal e fique na sua província de França, o que eu sinto quanto não posso encarecer a Vossa Excelência não tanto pelo meu interesse e pelas obrigações que lhe devo, quanto por entender que são isto efeitos causados de alguma diligência dos padres de Portugal, não nos merecendo o amor com que o Padre Pontilier trata nossas cousas, e o
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Vieira (1970), p. 203. Id. P.204.
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desejo que tem de ir servir a Deus nas nossas conquistas, senão muito boa correspondência. Mas se Vossa Excelência for servido de escrever sobre isto encarecidamente aos dois padres Assistentes de Portugal e de França significando-lhes o serviço que o dito Padre faz nesta missão, assim a Deus como ao Reino e o desprazer que poderia receber Sua Majestade havendo-mo nomeado por companheiro, entendo que não haverá dúvida em se suspender em estas ordens ao menos até chegarmos a Portugal, donde quando seja necessário se pode tornar o Padre Pontilier para França. E não encareço mais isto porque sei a mercê que Vossa Excelência nos faz e a eficácia com que leva ao fim os negócios10. Lúcio de Azevedo não deixa passar esta nota em falso e comenta: “Repare-se o que em carta de 8 de junho diz Vieira sobre o Padre Pontilier, tanto em contradição com o empenho agora mostrado em favor dele”11. Entre simpatias e antipatias, não parece que Vieira tivesse propriamente antipatia por este francês, antes pelo contrário. As suas antipatias dirigiam-se a uma outra personagem que surge neste fragmento sem qualquer anonimato, mas isso daria uma longa história, tratava-se efectivamente do Padre Nuno da Cunha, também Jesuíta, irmão da D. Manuel da Cunha, que foi bispo de Elvas, nascido em Lisboa em 1593 e falecido a 14 de Outubro de 1674. Tinha sido reitor do seminário dos irlandeses, reitor dos colégios de Lisboa e Coimbra, prepósito da casa professa de S. Roque e assistente na corte de Roma pela província de Portugal. Em conclusão, talvez se possa dizer que este já vai longo, por outras palavras, “muita parra para tão pouca uva”. O fragmento é relativamente pequeno, pretendeu-se, apesar disso, que estas escassas palavras de Vieira ganhassem de novo vida e deixassem de ser um fragmento isolado sem a devida contextualização. Agradeço ao Sr. Dr. Celestino Portela esta oportunidade e a generosidade com que disponibiliza o espaço desta revista para a divulgação destes trabalhos.
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Id. pp. 217-218. Id. P. 218.
Imagem retirada do site http://embaixada-portugal-brasil.blogspot.com/
Casa da Vila da Feira em Festa Sérgio Viana* CASA DA VILA DA FEIRA COMEMOROU 58 ANOS Uma linda sessão solene foi realizada no dia 14 de julho. A mesa de honra estava constituída, além do Presidente da Casa Ernesto Pires de Boaventura e pelo Dr. Antonio Gomes da Costa, Presidente da Federação das Associações Portuguesas e Luso-Brasileiras, bem como do Real Gabinete Português de Leitura; Dr. Luiz Sérgio Nóbrega de Oliveira, Ministro da Pesca e Aquicultura; Dra. Maria José Ferreira dos Santos, Diretora do Museu do Papel – Paços de Brandão e representante da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira; Dr. Gilberto Silva Palmares, Deputado Estadual e Vice-Presidente da Assembléia Legislativa (ALERJ); Dr. Albano da Rocha Ferreira, Presidente do Conselho Deliberativo desta Casa e Vice-Presidente Administrativo da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa Caixa de Socorros D.Pedro V; Dr. Adérito Figueiredo das Neves, Presidente da Comissão Fiscal da Casa da Vila da Feira e Terras de Santa Maria; Ex-Presidentes desta Casa: Sr. Adão Ribeiro dos Santos, Presidente da Assembléia Geral da Casa; Sr. Hermenegildo Martins dos Santos; Sr. Antonio Simões da Conceição, Atual Vice-Presidente da Assembléia Geral desta Casa; Sr.Antonio Rodrigues da Silva, Primeiro Vice-Presidente * Director da cultura da casa da Vila da Feira e Terras de Santa Maria
Administrativo desta Casa; Sr.Joaquim da Silva Almeida e Sousa, Segundo Vice-Presidente Administrativo desta Casa; Sr. Antonio da Silva Correia, Vice-Presidente de Patrimônio do Real Gabinete de Leitura; Sr. Agostinho da Rocha Ferreira dos Santos, Presidente da Obra Portuguesa de Assistência; Sr. Fernando Moreira Tavares da Silva, Conselheiro do Club de Regatas Vasco da Gama. O Presidente Ernesto Pires de Boaventura, após a execução dos hinos nacionais de Portugal e do Brasil, pela Banda Portugal, proferiu o tradicional discurso, referindo-se a importância da efeméride. O Diretor do Cerimonial Sr. Pedro Paulo, agradeceu e enunciou diversas mensagens recebidas. O Presidente da mesa Dr. Antonio Gomes da Costa fez a apresentação da Dra. Maria José Santos, oradora da noite. Tivemos a entrega pelo Presidente Ernesto Boaventura do título de Sócia Honorária à Dra. Maria José. A Senhora oradora entregou ao Presidente Ernesto, bem como ao Dr.Antonio Gomes da Costa algumas prendas enviadas pelo Dr. Alfredo Henriques de Oliveira, Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira. O Presidente Ernesto entregou o título de Sócio Honorário ao Exmo. Dr. Luiz Sérgio Nóbrega de Oliveira, Ministro da Pesca e Aqüicultura e também ao Deputado Estadual Gilberto Silva Palmares, Vice-Presidente da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.
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Cumprindo a tradição, no dia do aniversário da Casa, houve a entregue de “Títulos Honoríficos” àqueles que se distinguiram pelo seu trabalho e pela sua colaboração a Casa da Vila da Feira e Terras de Santa Maria - Eméritas: Aline Santana da Silva, Daniele de Fátima da Conceição Ribeiro, Gisela Pestana Ponte Gonçalves, Juliana de Fátima da Silva Santos Figueiredo, Lucia Helena dos Santos Pereira, Patrícia Regina Wyszomirska Andrade, Rafael de Santana Ribeiro Gonçalves - Eméritos: Américo Pedra da Cunha, Anderson Barros de Moura Pegado, Antonio Simões da Conceição Junior, Bruno Afonso de Castro, Bruno Ricardo Tigre, Helio Duarte Monteiro, Jorgemar Branco Braga, Julio César Neves da Silva, Luiz Fernando Correia de Figueiredo, Thiago Paes Soares - Beneméritas: Maria Lucia Franco de Souza, Renata de Boaventura Rodrigues Veiga, Roberta Boaventura de Paiva Beneméritos foram: Abílio Barbosa de Oliveira, Cláudio Oliveira Gonçalves. Não poderia faltar a homenagem a algumas senhoras: a Primeira Dama Roselene Boaventura, ofereceu flores à Senhora Maria José Santos; também recebeu flores das mãos da Primeira Dama a Senhora Nilda de Paula e Silva, Esposa do Ex-Presidente desta Casa, Senhor Hermenegildo Martins dos Santos; Senhora Marilene Simões – Esposa do Ex-Presidente Senhor Antonio Simões da Conceição; Senhora Ana Lúcia da Silva Santos, filha do Ex-Presidente desta casa Senhor Adão Ribeiro dos Santos. A senhora Maria do Carmo Pinto Silva, esposa do Primeiro Vice-Presidente Administrativo, Sr. Antonio Rodrigues da Silva, prestou uma merecida Homenagem à senhora Carolina Olga Ramos Ferreira. A Senhora Belmira da Silva e Sousa, esposa do nosso Segundo Vice-Presidente Administrativo, Sr. Joaquim da Silva Almeida e Sousa, ofereceu flores à Senhorita Roselene Boaventura, a Primeira Dama do Solar Feirense. Antes do encerramento da Sessão solene, o Dr. Antonio Gomes da Costa, presidente da mesa de honra, proferiu algumas palavras alusivas à data, agradeceu a presença e declarou encerrada a Sessão Solene, convidando a todos em nome do Presidente Ernesto Boaventura para um coquetel.
horas, na Igreja dos Capuchinhos, celebrado pelo Frei Paulo. Um lindo momento foi o desfile das bandeiras conduzidas por componentes de várias associações, tivemos as bandeiras de Portugal, Brasil, Santa Maria da Feira, Federação das Associações Portuguesas e Luso-Brasileiras, Casa da Vila da Feira e Terras de Santa Maria, Grupo Folclórico Almeida Garrett, Rancho Folclórico Infanto-Juvenil Danças e Cantares das Terras da Feira, Casa dos Poveiros, Casa de Trás-osMontes e Alto Douro e Casa da s Beiras. Igreja lotada, muitos amigos e representantes de outras Associações se fizeram presentes, prestigiando este evento. Tivemos ainda o almoço especial de aniversário, no Salão Social com ar condicionado – cardápio variado, música ao vivo com o conjunto “Os Navegantes” e a apresentação do Grupo Folclórico Almeida Garrett e do Rancho Folclórico InfantoJuvenil Danças e Cantares das Terras da Feira. Contamos com a presença de muitos amigos, associados, colaboradores e sem dúvida nenhuma a mais expressiva foi a da simpaticíssima Dra. Maria José Ferreira dos Santos, que foi a oradora em nossa Sessão Solene. Ao final tivemos o tradicional parabéns, foi cortado um belíssimo bolo alusivo aos 58 anos de sucesso da Casa da Vila da Feira e terras de Santa Maria.
MISSA E ALMOÇO ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO Foi realizada no dia 17 de julho de 2011 uma Missa em Ação de Graça pela passagem do 58º aniversário da Casa da Vila da Feira e Terras de Santa Maria, com início às 11:30
Sérgio Viana e esposa Dona Benvinda.
Sessão Solene do 58º aniversário Discurso de Ernesto Pires de Boaventura* Exmo. Sr. Dr. Antonio Gomes da Costa, Presidente da Federação das Associações Portuguesas e Luso-Brasileiras, do Real Gabinete Português de Leitura e da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa Caixa de Socorros D. Pedro V; Exma Sra. Dra. Maria José Ferreira dos Santos, Diretora do Museu do Papel – Paços de Brandão, representante da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira; Exmo. Sr. Gilberto Palmares da Silva, Deputado Estadual e Segundo Vice-Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro; Demais membros da Mesa Minhas Senhoras e Meus Senhores Passados 58 anos de fundação da Casa da Vila da Feira e Terras de Santa Maria nada melhor que começar parafraseando um dos mais ilustres portugueses no Brasil, Dr. Antonio Gomes da Costa, quando disse com muita propriedade: “por vezes, esquecemos de realçar iniciativas que se vão repetindo ano a ano e que, talvez por isso, passamos a considerar como simples e naturais”. * Presidente da Casa da Vila da Feira e Terras de Santa Maria
Assim, nasceu esta Casa e desenvolveu-se sob as bençãos do seu santo padroeiro, São Sebastião e em sua homenagem, celebramos uma das maiores festas religiosas das Terras de Santa Maria da Feira “As Fogaceiras”. Nada se apagou nem se perdeu no nevoeiro da saudade. Tudo ficou para sempre por uma razão simples e objetiva: a fé e o Deus das nossas esperanças. Disse Carlos Drummond de Andrade: “quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer humano se cansar e entregar os pontos” – imaginem uma gestão que dura dois anos de lutas! Sabemos que os tempos mudaram. Os ventos fortes da mudança são soberanos, demolidores e são eles que anunciam que devemos continuar a lutar, com garra e perseverança, pelos nossos ideais, se não quisermos ficar estagnados pela insegurança, pelo desânimo e por algumas decepções. Quem já passou por situações difíceis garante: “a sensação de dever cumprido é indescritível”. Ao criarmos consciência da nossa habilidade de reação diante das adversidades, alimentamos um aliado importante: o amor próprio. É ele que mantém nossa cabeça erguida e ajuda a mobilizar forças para não desistirmos e virarmos o jogo quando as coisas se complicam. O melhor caminho é conhecer bem a si mesmo e ser sincero quanto às próprias limitações ou deslizes. dessa forma,
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fica mais fácil transformar os pontos negativos em potenciais produtivos. Cada pessoa tem uma vocação, por isso não se chateie por ter de pedir uma mãozinha, vez ou outra. Isso faz parte da condição humana, que está em constante evolução. A imperfeição é algo comum a todos; também não precisa se martirizar por admitir que falhou, pedir desculpas e mostrar interesse em consertar o estrago, seja qual for. Como disse Rui Barbosa: “maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado!” Da mesma forma que começamos esta explanação, quero finalizar com palavras proferidas pelo Dr. António Gomes da Costa em seu discurso de posse como sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa: “pode morrer o último português do Brasil, porque haverá sempre brasileiros a abrir as portas dos gabinetes de leitura e dos liceus, das caixas de socorros e das beneficências, das casas portuguesas e dos clubes onde se cruzaram sonhos da lusitanidade”.
E havendo brasileiros, não se perderão os patrimónios construídos e deixados pelos portugueses. Por isso, estamos aqui para dizer do nosso orgulho do dever cumprido. Quero agradecer a Deus, aos meus companheiros de Diretoria, aos membros do Conselho Deliberativo, da Assembleia Geral, do Conselho Fiscal, ao Departamento Feminino, aos componentes do Grupo Folclórico Almeida Garrett e do Rancho Folclórico Infanto-Juvenil Danças e Cantares das Terras da Feira, aos funcionários, aos associados, aos amigos, à imprensa escrita e falada e, não poderia esquecer, de toda minha Família, e todos que fazem com que esta Casa seja um marco santamariano no Brasil. Bem-haja!
Presidente Ernesto Pires Boaventura, Dra Maria José Santos e primeira Dama Rose Boaventura, na Biblioteca da Casa da Vila da Feira, onde assinou o Livro de Honra.
Discurso de António Gomes da Costa* Na celebração do aniversário das nossas associações, é natural que evoquemos o seu percurso histórico, o idealismo de seus fundadores, a dedicação dos que as serviram enriquecendo-as com os sonhos, o trabalho e as doações. Muito se tem dito e escrito a respeito da saga associativa de raiz portuguesa no Brasil, que se estende de Manaus ao Rio Grande. E que começou poucos anos depois de proclamada a Independência com a criação dos “gabinetes de leitura” e dos hospitais das “Beneficências”, a seguir vieram os liceus e as sociedades de socorros mútuos, os clubes sociais e desportivos – e, mais tarde, já nas primeiras décadas do século XX, surgiram as “casas regionais”, cada uma congregando gente da mesma terra de berço, para, em família – ou quase em família – cultivar as tradições e as festas, o folclore e a gastronomia, os trajes e os costumes, os arraiais e as procissões d’ além-mar. Muito se tem dito e escrito sobre esse “universo associativo”, onde podemos sentir, no dia-adia, as palpitações do velho Portugal, nas danças minhotas e nas músicas trasmontanas, nos hábitos das famílias e nas bandeiras das fachadas, no cheiro das rabanadas e no gosto das fogaças. Mas, se o aniversário de uma associação dá-nos a todos o pretexto para fazermos a retrospectiva de seu passado e
auscultar os desafios do presente, para louvarmos os sócios benfeitores ou para elogiarmos a obra feita pela Diretoria, também é uma ocasião propícia para convidarmos e recebermos, vindas do outro lado do Atlântico, personalidades marcantes ligadas às instituições, ou, então, que nasceram na cidade, ou na província representadas por essas Casas, ou, ainda, em razão de seus méritos e de seu percurso de vida. É esse duplo pretexto que temos hoje. Por um lado, queremos enaltecer o 58º aniversário de fundação da Casa da Vila da Feira e Terras de Santa Maria, dizer aos seus dirigentes e associados do orgulho da nossa comunidade e do nosso reconhecimento pelas realizações do passado e pela dinâmica que no presente imprimem a esta Casa, fazer votos pelo seu progresso, por seu engrandecimento e por seu futuro. E, por outro, recebemos, para ser oradora oficial desta sessão solene, a Dra. Maria José Ferreira dos Santos, filha ilustre de Paços de Brandão, freguesia pertencente ao concelho de Santa Maria da Feira. Licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com curso de mestrado em “História Moderna”, e de pós-graduação em “Museologia”, a Dra. Maria José Ferreira dos Santos seguiu uma carreira brilhante no magistério, lecionando História, Ciências Sociais e Introdução à Política, além de ter exercido, no âmbito pedagógico, diversas missões e participado de vários conselhos diretivos na estrutura do ensino secundário.
*Presidente da Federação das Associações Portuguesas e Luso-Brasileiras, do Real Gabinete Português de Leitura e da Benemérita Sociedade Portuguesa Caixa de Socorros D. Pedro V.
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Há, entretanto, em seu currículo, um traçado singular, para o qual gostaríamos de chamar a atenção e que diríamos até que vem de seu DNA. É que sendo descendente de uma família de fabricantes de papel de Paços de Brandão, passou a dedicar-se, a partir de 1992, às pesquisas sobre a História do Papel com marcas d’água, uma História que atravessa vários séculos em toda a Europa até chegar à moderna indústria papeleira. No entanto, a Dra. Maria José Ferreira dos Santos não ficou apenas na investigação do Papel e de sua importância nas civilizações: escreveu várias obras sobre o assunto, estudou o moinho do papel de Gondifelos, em Famalicão, a fábrica de papel de São Cristovão em Ovar e a indústria em Paços de Brandão nos séculos XVIII e XIX, além do protagonismo fundamental que teve em seu desenvolvimento o pioneiro José Maria Ottone. E chegou à Escandinávia com todo o seu avanço tecnológico, nas fábricas da Stora Kopparbergs, ou nos produtores de celulose na Finlândia. Nesse quadrante – que credencia a nossa convidada como um das maiores autoridades da Península Ibérica na História do Papel – ainda há uma outra faceta que gostaríamos de destacar. É que, tendo sido convidada pelo Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, Dr. Alfredo
Henriques, em 1998, para coordenar o projeto de criação do “Museu do Papel Terra de Santa Maria” e traçar um programa museológico, fé-lo de maneira brilhante, tendo conseguido peças que iam desaparecendo do processo manufatureiro através de séculos, juntado coleções, dando-lhes um sentido educativo – e até hoje exerce o cargo de Diretora e Conservadora do Museu com admirável competência e rara dedicação. Pela iniciativa recebe o tributo não só dos especialistas da História, mas do País inteiro. Para terminar esta breve apresentação, poderia dar parabéns aos feirenses pela Casa da Vila da Feira e Terras de Santa Maria que no coração do Rio de Janeiro celebra mais um aniversário; e dar também parabéns à Dra. Maria José Ferreira dos Santos pelo magistério nos domínios da História e pelo Museu que criou e enriqueceu com seu saber e que dirige com tanto entusiasmo, voltado sobretudo para as novas gerações – que apesar dos novos recursos tecnológicos, dos computadores e dos “e-books”, da escrita virtual e dos “smartphones”, haverão sempre de reconhecer a importância que o Papel teve no progresso da humanidade e no destino dos povos.
Senhoras da Casa da Vila da Feira que foram distinguidas, com a Primeira Dama.
Intervenção da representante do Município de Santa Maria da Feira
as senhoras que integram o Departamento Feminino, sem as quais a Casa da Vila da Feira não teria alcançado este notável e visível prestígio.
Maria José Santos* Excelentíssimo Sr. Dr. Gilberto Palmares da Silva, Deputado Estadual e Vice-Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Excelentíssimo Sr. Dr. António Gomes da Costa, Presidente da Federação das Associações Portuguesas e Luso-Brasileiras e do Real Gabinete Português de Leitura. Excelentíssimo Sr. Ernesto Pires de Boaventura, Presidente da Casa da Vila da Feira e Terras de Santa Maria. Na pessoa de V.ª Excelência, saúdo todos os portugueses que, ao longo dos últimos quinhentos anos, desafiando o desconhecido, encontraram uma nova vida neste grande país chamado Brasil, contribuindo para o alicerçar de uma nação que, nascendo na heterogeneidade, se veio a afirmar com uma cultura única. E, simultaneamente, em nome do Município de Santa Maria da Feira, saúdo todos os luso-descendentes que, apesar do correr do tempo de sucessivas gerações, continuam a sentir Portugal e a Feira na sua identidade, mostrando que o presente é sempre o eco de uma memória colectiva. Saudo por fim todos os presentes, e de um modo especial, na pessoa da Senhora Dona Rose Boaventura, todas *Directora do Museu do Papel Terras de Santa Maria.
A nossa presença aqui, hoje, é bem demonstrativa de que a ligação a Santa Maria da Feira e às Terras de Santa Maria continua profundamente enraizada. E por isso, presto homenagem aos fundadores desta Casa da Vila da Feira e a todos os que, ao longo destes 58 anos, contribuíram para o seu desenvolvimento e para a sua notoriedade. Minhas Senhoras e Meus Senhores Aceitei, sensibilizada, o honroso convite que me foi feito pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, Alfredo de Oliveira Henriques, para representar o Município de Santa Maria da Feira, nas cerimónias comemorativas do aniversário da Casa da Vila da Feira e das Terras de Santa Maria. E é com muita honra que faço eco dos votos do Sr. Presidente da Câmara, saudando todos os Santamarianos e todos os Luso-descendentes, transmitindo a todos e a cada um, os seus pessoais cumprimentos. Do mesmo modo, transmito as suas cordiais felicitações pela passagem de mais um aniversário desta Casa, na certeza de que ela é uma afectiva extensão das trinta e uma freguesias que compõem o nosso concelho.
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De facto, pegando na mensagem do Sr. Presidente da Câmara, por aqui passaram, e estamos certos continuarão a passar, Santamarianos com raízes em Riomeão …S. João de Ver…Paços de Brandão …Moselos …ou Espargo. Todos nós nos sentimos irmanados num mesmo modo de ser, marcados por uma identidade que se reencontra e fortalece num passado que nos é comum, e que foi gerada nos tempos coevos da formação da nacionalidade.
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Identidade fortalecida ao longo dos séculos num Património Material, cujo expoente máximo é o Castelo da Feira, e num Património Imaterial, subjacente ao nosso quotidiano, que se expressa nas mais diferentes manifestações religiosas e culturais, como por exemplo, nos ex-votos chamados fogaças, anualmente oferecidos ao Mártir S. Sebastião (na Igreja Matriz de Santa Maria da Feira e na Igreja dos Capuchinhos, aqui no Rio de Janeiro), em agradecimento por nos ter protegido da peste. E falando ainda deste Património Imaterial Santamariano, tão presente nesta Casa da Vila da Feira, lembro o Grupo Folclórico Almeida Garrett e o Rancho Folclórico InfantoJuvenil Danças e Cantares das Terras da Feira e recordo o gesto simbólico de recolha, na praça de armas do nosso Castelo, no dia 24 de Outubro de 1959, de uma porção de terra, solenemente trazida para esta Casa, num pequeno cofre de prata, encimado por uma miniatura do Castelo da Feira. Um gesto simbólico, sem dúvida. Mas de um profundo significado. Na verdade, uma terra, um território, só ganha uma verdadeira dimensão, quando se torna identitária de uma comunidade. Mesmo quando essa comunidade está separada pelo Atlântico. Uma comunidade herdeira de um vasto património secular. Lembremos os castros de Fiães e de Romariz, os vestígios das vias romanas, as pontes de traça medieval, os mais diferentes espaços sagrados, desde as alminhas, às igrejas e ao Convento dos Lóios, ou mesmo as casas solarengas disseminadas pelas diferentes freguesias do concelho. Uma comunidade marcada, no passado, pela ruralidade, mas também por uma industrialização que se vem a afirmar desde o início do século XVIII, e que hoje continua viva e acrescentada com novas frentes de saber técnico e de produção, nomeadamente a nível de produção de calçado (o
sector industrial mais representativo do concelho de Santa Maria da Feira), a indústria da cortiça, nas suas diferentes especificidades (desde as rolhas de cortiça aos mais modernos materiais de revestimento), e a indústria do papel, integrando uma variada gama de produtos, desde os papéis de embalagem ao cartão canelado. E, se há indústrias que se perderam no tempo, como é o caso das oficinas de velas de cera existentes em Fiães, em meados do século XIX, outras, surgidas no início do século XVIII, ou seja há 300 anos, beneficiando de condicionalismos geográficos e económico-sociais favoráveis, implantaramse dum modo decisivo e duradoiro no concelho da Feira, transformando o quotidiano das gentes rurais e passando a constituir um vector determinante na economia da região e do país. Refiro-me às fábricas de papel, ou engenhos de papel, espalhadas pelas diferentes freguesias do concelho, sempre localizadas junto aos rios, porque a água era essencial ao fabrico de papel, não só como matéria-prima subsidiária, mas também como fonte de energia hidráulica. O conhecimento desta arte de fazer papel teve início em 1708, na Real Fábrica de Papel Nossa Senhora da Lapa, em S. Paio de Oleiros. Conhecida na região como Fábrica do Engenho Velho, fora fundada por José Maria Ottone, um técnico papeleiro de origem italiana. Aquando da sua fundação, recebeu alvará real concedido por D. João V, constituindo um exemplo de longevidade industrial e um alfobre na reprodução de mão-de-obra conhecedora da arte papeleira, numa alternativa à precariedade de trabalho e de salários. É neste contexto que os grandes proprietários e membros de famílias da nobreza local, a partir de finais do século XVIII, aceitam este novo desafio de investimento capitalista. Refirase, como exemplo, a fundação da Real Fábrica de Papel de Paços de Brandão (cedo designada como Engenho Novo, por oposição ao Engenho Velho da Lapa), fundada em 1795, pelo Padre José Pinto de Almeida, da Casa da Portela, e que recebeu, da rainha D. Maria I, isenções e privilégios reais, logo após a sua fundação. Em meados do século XIX, dezenas de unidades papeleiras, espalhadas por todo o concelho, produziam papéis de diferentes qualidades, desde o papel mortalha para cigarros aos papéis de embalagem, com destaque para o papel selado e para os papéis de escrita, conhecido como papel almaço.
Estes últimos, personalizados com Marca de Água - com referência ao nome do fabricante ou à fábrica produtora - , atingiram uma excelente qualidade, tendo sido premiados em diferentes exposições industriais, de âmbito nacional e internacional, ao longo da segunda metade do século XIX. Desde o seu aparecimento, esta indústria difundiu-se também, e muito rapidamente, pela maioria dos concelhos vizinhos que integravam a antiga Terra de Santa Maria, com destaque para os actuais concelhos de Castelo de Paiva, Oliveira de Azeméis, Arouca, Vila Nova de Gaia, Ovar, Albergaria e Espinho. E assim, a indústria do papel permanece, desde há trezentos anos, no quotidiano das gentes do concelho de Santa Maria da Feira e das Terras de Santa Maria, herdeiras de uma cultura estruturada ao longo de sucessivas gerações de fabricantes e de operários do papel. E porque tudo isto é também Património, neste caso Património Industrial, a Câmara de Santa Maria da Feira, adquiriu duas antigas fábricas de papel, muito próximas uma da outra e localizadas na margem direita da ribeira de Riomaior, na Freguesia de Paços de Brandão, para aqui criar o que viria a ser o primeiro museu dedicado ao papel, em Portugal. Com este projecto, a Câmara respondia ao apelo dos habitantes de Paços de Brandão que desde há muito sonhavam este projecto, e honrava a longa História do Papel no concelho de Santa Maria da Feira. Mas se é verdade que este projecto nasce da vontade de uma comunidade, tendo, como vimos, uma História que o justifica, não é menos verdade que ele se deve à sensibilidade e empenho do Presidente Alfredo Henriques (que muitas das pessoas aqui presentes conhecem, e que tem um carinho muito especial por esta Casa da Vila da Feira) a quem eu presto a minha homenagem. Tive a honra de, por seu convite, há 13 anos atrás, integrar a equipa que esteve na origem da criação do Museu do Papel e de elaborar o programa museológico deste novo Museu Industrial que viria a inaugurar ao público, em 26 de Outubro de 2001. De entre as grandes linhas de orientação deste programa museológico, saliente-se a necessidade de adaptação dos antigos espaços manufactureiros e fabris a uma nova funcionalidade museológica, tendo presente o princípio da não
descaracterização destes mesmos espaços, equacionandose, desde início, soluções de compromisso que viabilizassem o grande desafio deste projecto: um espaço dedicado à História do Papel em Portugal, mas que, simultaneamente, continuasse a ser um espaço de produção de papel. É, portanto, um Museu Industrial em actividade. Aqui se faz papel manualmente, num processo de produção folha a folha, ou seja, serenamente, uma folha de cada vez, tal como era feito na Europa e em Portugal desde a Alta Idade Média, com utensílios simples de madeira e usando como matériaprima, roupas velhas de algodão ou de linho. E ao lado desta produção manual, num espaço denominado Casa da Máquina, é produzido papel de um modo industrial, a partir de uma pequena máquina contínua, recuperada graças à ajuda e saber de antigos fabricantes e operários da região, e que faz as delícias dos técnicos papeleiros da actualidade. Ao contrário do papel feito manualmente, neste processo industrial, já não são utilizados trapos de algodão ou linho como matéria-prima, mas papel usado, que nos é trazido pelas crianças das escolas que nos visitam, e que levam em troca, papel novo. Contribuímos assim para a formação de uma atitude ecológica e de preservação do ambiente, inculcando nas faixas etárias mais jovens os valores da reciclagem. Deste modo, assumindo-se como um museu manufactureiro e industrial, o Museu do Papel é um projecto vivo, onde os visitantes podem participar nos processos de fabrico, partilhando memórias e interiorizando os gestos, tantas vezes repetidos naqueles mesmos espaços, pelos homens e mulheres que ali trabalharam. O Museu do Papel comemora, neste ano de 2011, dez anos de abertura ao público. Dez anos de trabalho intenso e de momentos de ansiedade, porque a realização de um projecto parece ficar sempre aquém do sonhado. Mas acreditamos que é deste modo que se concretizam projectos, principalmente projectos de cariz cultural. Mas também com muitos momentos gratificantes que nos enchem o coração de alegria. Como quando o museu foi agraciado com diferentes prémios de âmbito nacional que, contribuindo para a sua credibilização, muito nos honraram, ou quando vemos o olhar deslumbrado de uma criança, com a folha de papel ainda húmida que, como por magia, conseguiu fazer. E hoje, que temos diariamente o museu repleto de visitantes, quer nas visitas orientadas quer nas diferentes
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oficinas temáticas ou pedagógicas promovidas pelos serviços educativos do museu, pensamos que valeu a pena todo o esforço destes últimos anos. Porque os projectos se fazem com paixão. E este projecto do nosso Museu do Papel é um projecto apaixonante. E digo nosso, porque gostaria que o sentissem também como vosso. Tal como me sinto em minha casa, nesta vossa Casa da Vila da Feira. De facto, de hoje em diante, quando pensar nas trinta e uma freguesias que compõem o concelho de Santa Maria da Feira, terei também presente esta nobre Casa da Vila da Feira, no Rio de Janeiro, integrando-a numa comunidade que se revê no seu Património, interiorizando-o como uma herança a preservar. E nesta atitude de preservação é fundamental cultivar a criatividade e a inovação, tornando esse passado 68
Aspecto do Salão Alfredo Henriques durante a cerimónia.
relevante na sustentabilidade do presente e na construção e salvaguarda do amanhã. E para isso, é essencial não ficarmos refugiados no passado, mas criarmos, a partir dele, condições para suscitar novas memórias, num compromisso permanente entre o passado e o futuro. Porque, na verdade, é um privilégio pertencer a uma comunidade que, sem perder o sentido da História e do Tempo, tem procurado promover a valorização do seu Património, dando força a uma identidade que nos ilumina o rosto quando dizemos: Sou Feirense! Resta-me agradecer à Direcção da Casa da Vila da Feira toda a atenção e carinho com que me acolheram, na certeza de que irei regressar a Santa Maria da Feira, enriquecida com novas memórias e com muitos mais e bons amigos.
Mesa de Honra.
Rose Boaventura e Maria José dos Santos.
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Entrega de lembranças do Municício Feirense.
Placa comemorativa no Salão Alfredo Henriques.
A caminho da cerimónia religiosa.
Entrada do Rancho Folclórico.
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Fotografia de fam铆lia no Altar Mor, com o Rancho Folcl贸rico Almeida Garrett e Grupo Folcl贸rico Infanto-Juvenil Dan莽as e Cantares das Terras da Feira.
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Bolo de Aniversário, Maria José Santos, Ernesto Pires Boaventura e Rose Boaventura.
Parabéns a você!
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Depois da Chuva Maria Gracinda Coelho de Sousa*
Depois da chuva deslizam pela vidraça, gotas reluzentes. Seguem trajecto incerto, perdidas, desencontradas, ora próximas, enlaçadas, em atropelo, abraço, desvio, devaneio… Brincam com a luz, ao sol poente, são lágrimas de cristal, jogo resplandecente, arco-íris do olhar, espelho de fantasia transparência, aroma, magia. Sensação de doce melancolia em busca do embalo sobre o tempo, sem pressas, nem correrias, sem rotinas de embarcar na viagem certa dos dias. Abril/2010
*Poeta. Escritora. Autora de vários livros, em especial para a infância.
10 Anos de elevação de Fiães a Cidade Maria Gracinda Coelho de Sousa*
*Poeta. Escritora. Autora de vários livros, em especial para a infância.
1. Regressando ao passado A origem onomástica de Fiães A origem de Fiães remonta a tempos muito antigos. Vestígios deixados por povos de diversa proveniência são disso testemunho. Do povo celta, ficaram as marcas do nome da citânia Lancóbriga (briga tem origem celta e quer dizer monte, alto) e vestígios da mesma. O facto de aí ter existido um castro, indicia a presença do povo romano. Sabe-se que, no século II a. C., os romanos ocuparam a Península e instalaram-se na povoação do Monte Redondo. No local do castro, fizeram-se escavações arqueológicas em tempos idos (pena foi que não tivessem tido continuidade) e o espólio encontrado, diz-se que rico e variado, encontra-se disperso algures, consta que em museus nacionais (diz-se que estará no Museu de Antropologia na Universidade do Porto, algumas peças no museu Britânico e no Museu do Louvre, e outras em parte incerta). Estudos feitos, sobre a época romana, localizam Lancóbriga em território fianense. Referem que, na via romana do itinerário de Antonino que liga Olisipo (Lisboa) a Bracara (Braga) encontra-se Lancóbriga, a 18 milhas de Talábriga (Branca) e a 13 de Cale (Gaia)”, distância considerada de acordo com a localização de Fiães. Tendo Fiães uma longa e antiga história, será caso para indagarmos sobre a sua origem onomástica.
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O Padre Manuel Francisco de Sá, autor de Santa Maria de Fiães da Terra da Feira apresenta algumas explicações, que se seguem, sobre a origem do nome de Fiães. Numa primeira versão, a palavra Fiães teria origem em fiada ou fiação. Os frades de Lamego recebiam desta terra mantas ou cobertores da lã, como dízimo de serem padroeiros da igreja local. Esta tese parece não ter consistência, uma vez que estes direitos só se consolidaram a partir do século XVI e esta terra é muito mais antiga, pensa-se que anterior à fundação da nacionalidade. Uma outra opinião, referida no livro supracitado, é a de Pinho Leal, que afirma ter a origem de Fiães a ver com um vaso de barro chato e redondo, chamado almofia (com evolução etimológica a partir de fians, fiãa, fiaam ,ffia, sfiãa e fiada e finalmente fiães) que serviria de medida para pagar o foro, correspondendo dezasseis fiães a um alqueire (antiga medida de capacidade para secos). Uma outra versão assenta a origem da palavra em feno, significado de um tipo de palha. A versão mais consensual, a do filólogo e etnólogo Leite de Vasconcelos, é a que atribui a origem de Fiães à palavra Ulfilanis. Teria havido nesta localidade, um bispo germânico chamado Úlfila, que era proprietário de uma quinta ou vila rústica – Ulfilanis villa, isto é vila ou quinta de Úlfila. Este bispo teria evangelizado os povos godos que tinham invadido o Império Romano, de que fazia parte a Península Ibérica. A partir deste nome Ulfilanis, dá-se a evolução fonética que se segue – Ulfianis – Ulfiães – Fiães – que nos conduz, como se pode constatar, à palavra Fiães. Diz-se que à volta desta quinta se foi desenvolvendo um povoado, que tomou o nome da primitiva quinta – Fiães. Mais recentemente, o eminente filólogo Padre Domingos A. Moreira, em artigo publicado na revista da CDPAC (Comissão de Defesa do Património e Acção Cultural de Fiães) Ulfilanis Villa, nº 4, (1998-2002), apresenta opinião diferente, atribuindo a origem de Fiães ligada a uma forma familiar duma variante de palavra germânica Wulf- “…nome pessoal baseado na simples palavra Wulfs”, que tem o significado de lobo. Mais adiante afirma que o que esta palavra significa é terra povoada por alguém que tinha o nome de «Lobo». Nesta perspectiva, apresenta a seguinte evolução etimológica: Vúlfila/Wólf-ila / Óff-ila/Woff/ – Offiães/ Oufiães/Fiães. É, no entanto, da opinião que, à excepção de Fiães de
Santa Maria da Feira e de uma outra localidade do Norte do país, “… a maioria dos Fiães refere-se a feno…”, uma versão partilhada, como já foi referido atrás, por outros estudiosos desta área.
2. Elevação de Fiães a Vila Fiães foi elevada à categoria de Vila em 9 de Junho de 1985, com legislação promulgada a 9 de Junho e referendada a 14 de Agosto, do mesmo ano.
3. Elevação de Fiães a Cidade Fiães foi elevada a cidade em 19/4/2001, tal como se pode constatar no documento que se segue, da autoria do saudoso deputado Feirense Manuel Oliveira e outros, com publicação na Revista Ulfilanis VIlla, nº 4, da CDPAC, (Comissão de Defesa do Património e Acção Cultural de Fiães).
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4. Fiães hoje – Que mudanças? A cidade de Fiães tem tido alguma evolução, nos últimos 10 anos.
Foi criado um complexo desportivo, que engloba piscina e ginásio (foto 1 e 2), que tem prestado serviços qualificados, não só à população de Fiães, como também a outras freguesias do concelho.
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Piscina Municipal de Fiães - Imagem do exterior
Piscina Municipal de Fiães - Imagem do interior
A Escola de Educação Rodoviária (foto 3) entrou em funcionamento, tendo desenvolvido programas de formação
de crianças e jovens, das escolas locais e de todo o concelho, na área da educação e prevenção rodoviárias.
No Parque do Monte das Pedreiras, local com vista panorâmica privilegiada, foi feito o arranjo dos espaços verdes, do parque infantil e da zona de merendas, que tornaram esta área mais aprazível e atraente. O bar aí instaurado veio potenciar este espaço de lazer, tornando-o um local de convívio. A trilha pedonal ao longo do rio Uíma, nas Ribeiras, ainda não concluída, tornou-se um agradável trajecto para a prática de exercício físico e um meio de descoberta da natureza, permitindo a observação e o conhecimento daquele recurso hídrico e da riqueza da fauna e flora locais. Há, porém, na localidade, carências de vária ordem a serem colmatadas, designadamente de ordem cultural. Poderemos referir, entre outras, a urgência e necessidade da criação de
um auditório, recurso importante para o desenvolvimento local e potenciação do trabalho no terreno das várias colectividades culturais, recreativas e desportivas, existentes em Fiães. A deficitária sinalização é um problema que carece de resolução, a par de outras situações que não irei aqui referenciar. Desejamos que Fiães se torne uma terra cada vez mais próspera (não nos interessa apenas o rótulo de cidade), que seja urbanisticamente mais organizada, com preocupações ecológicas, culturalmente desenvolvida, com disponibilidade e vocação para fazer crescer, estimular, valorizar e potenciar os recursos humanos e materiais aí existentes (ricos e variados), tendo em vista a qualidade de vida de todos, dos mais velhos aos mais jovens.
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UM SÉCULO PELO BEM COMUM Helder Pacheco*
Fundado em Setembro de 1911 por um grupo de estudantes da classe média-alta portuense, entusiasmados com a nova moda cultural e social que ia conquistando os gostos da cidade, chamada foot-ball association, o Académico Futebol Clube viria a converter-se em instituição desportiva de referência nos planos nortenho e nacional. A sua actividade ficaria associada à introdução ou expansão, no Porto, da maioria das modalidades desportivas, à medida que, por influência da colónia inglesa, por arrastamento da sua adopção em Lisboa, ou por importação directa da Europa, iam aparecendo entre nós. Surgiria assim a prática (ainda com nomes britânicos) do lawn-tennis, water-polo e rugby, dos sports athletics, field hockey, basket-ball, hand-ball, natação, ginástica, tiro desportivo, boxe, ping-pong, bilhar, ciclismo, voleibol, motociclismo e automobilismo, hóquei em patins, campismo, badminton e, mais recentemente, novas modalidades como o goalball, kung-fu, hip-hop, etc.. Tudo isto apesar de se tratar de um clube criado para o futebol. Até à década de 50 do século XX, o Académico manteve em funcionamento o Estádio do Lima, por si construído na década de 30, que chegou a ser o melhor recinto desportivo e *Historiador. Investigador da história do Porto.
o segundo relvado (depois das Salésias) em Portugal, provido de pistas de atletismo (de que o clube seria baluarte, com vários atletas olímpicos), ciclismo e desportos motorizados, além de campo de básquete e rink de patinagem. A perda deste complexo, depois de moroso e controverso processo judicial, obrigaria à extinção de modalidades e à adopção sobretudo de actividades desportivas em pavilhão. A história do Académico F. C., os grandes parâmetros a que sempre se subordinou e as condições que teve de enfrentar constituem verdadeiro exemplo de dignidade cívica, que poderia servir de lição moral e, até, patriótica face aos desafios e problemas actuais da sociedade portuguesa. Essa história poderia assim resumir-se: 1º - luta contínua contra défices e crises financeiras sempre ultrapassados através de sacrifícios, imaginação, sorteios, dádivas e contribuições de apoiantes; 2º - crises directivas sempre ultrapassadas pelo encontrar de soluções e personalidades que, no momento certo, vieram ajudar a resolver os impasses; 3º - duas ou três situações de pré-colapso e extinção atalhadas no último momento; 4º - conjugação, em todas as épocas, do esforço de dedicações inexcedíveis e individualidades exemplares; 5º defesa intransigente do amadorismo desportivo (com excepção das modalidades, como o futebol e o ciclismo, onde o mesmo era impossível e levaria, no fundo, à extinção das mesmas); 6º - uma colectividade ao serviço dos outros clubes – através de apoio e cedência das instalações – e de instituições e causas
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públicas: 7º - exemplo de perseverança em prol da cidade e verdadeiro repositório de valores altruísticos; 8º e último: uma filosofia de acção subordinada ao competir para defender valores desportivos - se vencer, tanto melhor, mas o triunfo não é objectivo primordial (mesmo assim, tem ganho muito, designadamente nos escalões jovens – basta ver, na sua sede na Rua de Costa Cabral, instalada no chamado Palacete do Lima, a sala de troféus, uma das maiores do país). Mantendo actualmente em competição cerca de 700 atletas, em todos os escalões das modalidades que pratica, metade dos quais do sexo feminino, o Académico F. C. demonstra, em época de conformismo, alienações mediáticas e informáticas e choques tecnológicos que afastam as pessoas da realidade, que a qualidade de vida é parâmetro essencial da sociedade moderna. Ao longo do último século, a instituição proporcionou a ocupação dos tempos de lazer a muitos milhares de pessoas, contribuindo para harmonizar o tecido social da cidade do Porto. E não só, já que pelas suas fileiras passaram atletas, desportistas cidadãos de eleição de toda a região envolvente da cidade e, até, do Norte, atraídos pelo prestígio do clube e a possibilidade de competirem nas modalidades por ele mantidas. Foi o caso, entre outros, dos «bravos campeões de ciclismo», os feirenses, de Nogueira da Regedoura, irmãos Carvalho, o Joaquim, mais velho (esforçado e denodado, sempre pronto a «rebocar» o pelotão e que, correndo para ajudar os outros e nunca tendo vencido uma competição, viria a ser campeão regional) e o mais novo, Alberto, que fez carreira de mérito no panorama nacional. Como, além do mais, o Académico F. C. soube resguardar e preservar arquivos e legados – tanto impressos ou manuscritos como fotográficos -, o registo da sua memória deu origem a um volume que, mais do que mero resumo de actividades e resultados desportivos, constitui repositório da vida social, política e cultural do país e da cidade do Porto. Um registo de carências e problemas, dificuldades e conquistas na luta pela qualificação de uma sociedade que, apesar dos atrasos ancestrais, procurou superá-los. A história desta instituição foi publicada pelas Edições Afrontamento com o título “Académico Futebol Clube Um século na vida portuense, ao serviço do Desporto”, e apresentada ao público em sessão realizada na Fundação Eng.º António de Almeida, no Porto. O apresentador foi o ilustre feirense Professor Dr. Francisco Ribeiro da Silva,
historiador brilhante e mestre de historiadores que, sob o tema, dissertou sobre processos de pesquisa e recolha historiográfica, fazendo o enquadramento da obra no plano da história da própria mentalidade social subjacente ao percurso de uma colectividade desportiva. Profundamente imbricado na vida portuense, o Prof. Ribeiro da Silva não deixou de aludir às suas raízes feirenses e ao sentimento que o clube evoca na sua vida pessoal. Mais do que um texto de apresentação, trata-se de uma reflexão sobre o registo do acontecer histórico na sociedade actual.
HELDER PACHECO, Académico Futebol Clube. Um século na vida portuense, ao serviço do desporto, Porto, Edições Afrontamento, 2011, 517 pp. +14 n.n. Francisco Ribeiro da Silva* APRESENTAÇÃO 29.6.2011 Fundação Eng.º António de Almeida 1 – O Prof. Helder Pacheco é um verdadeiro e genuíno Homem do Porto, não só porque nasceu e viveu na freguesia da Vitória, como orgulhosamente declara, mas sobretudo porque conseguiu penetrar no âmago e na essência intemporal da cidade, deixando-se possuir pelo que se pode designar «Espírito do Porto». Cada livro que escreve é um pedaço desse Espírito que ele tenta transmitir e compartilhar não só com os seus conterrâneos mas também com todos os que, movidos pela curiosidade ou pelo fascínio, tentam captar a alma tripeira e perceber a cultura portuense. É, por isso, desde há muito, um Autor reconhecido e consagrado nos temas que ao Porto respeitam e, por consequência, mais que muito conhecido, é um Autor muito lido e muito apreciado. É, por outro lado, um escritor muito fecundo. Se a minha fonte de informação não me enganou, o presente livro é o *Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, jubilado.
44º que Helder Pacheco publica em pouco mais de 25 anos. Este, para além de ser um dos mais volumosos (cerca de 520 pp), julgo que é um livro diferente dos anteriores e igualmente marcante. Porquê? Porque o seu conteúdo é peculiar, novo e muito rico de informações e, por outro lado, porque pelas suas páginas desfilam centenas e milhares de pessoas que não são apenas figurantes mas actores, verdadeiros construtores do Académico Futebol Clube, uns em cargos de direcção e de trabalho administrativo mas muitos mais como atletas das múltiplas modalidades. Muitos deles felizmente ainda estão vivos e poderão reencontrar-se consigo mesmos no livro. Mas tendo o Clube completado cem anos, é natural que outros já tenham partido. Destes resta a Glória e a Saudade mas sobretudo a Memória que assim fica perpetuada. Se é para mim uma honra apresentar este livro (honra acrescida pelo prestígio do Autor), devo acrescentar que a sua leitura resultou em benefício pessoal. Porquê? Porque à medida que ia avançando nas páginas, dava-me conta do muito que ignorava não só sobre a história da prática desportiva na cidade do Porto e das condições e circunstâncias dessa mesma prática, mas também sobre aspectos menos conhecidos ou completamente ignorados da História social, associativa e cultural do Porto e das suas gentes. 2- Passemos então ao lançamento propriamente dito. Muitos pensarão que o melhor que tem a fazer um apresentador numa sessão como esta é oferecer aos ouvintes um resumo do
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neste caso, da Casa que generosamente nos acolhe, que é a Fundação Eng.º António de Almeida. Ao fim e ao cabo, este evento é uma festa, não apenas porque uma instituição da nossa cidade completou cem anos, mas porque um escritor, um verdadeiro criador lhe deu nova vida, emprestando-lhe até um suplemento de vida. A apresentação de um livro é a inauguração de um bem oferecido à comunidade pelo seu criador e esse bem que era do autor passa a ser colectivo. E, por isso, insisto, o lançamento de um livro é uma festa. E é em clima de festa e de alegria que todo o evento deve ser vivido. Ao apresentador cabe de certo modo o papel de animador da festa (juntamente com outros), e como primeiro leitor, talvez lhe assente bem apontar algumas notas que mais o interessaram ou mais lhe chamaram a atenção.
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Helder Pacheco.
que no livro está contido. Não penso desse modo. Julgo antes que o papel do apresentador de um livro é mais o de apontar meia dúzia de boas razões pelas quais o mesmo merece ser lido. Aliás, em princípio nenhum convidado comparece numa sessão de lançamento para ouvir o apresentador. Vós, os que aqui estais presentes, viestes certamente porque apreciais o Autor, porque conheceis e coleccionais as suas obras, ou então porque o título que vistes anunciado tem algo a ver com os vossos interesses ou afinidades com a instituição que nele é estudada. E por isso não precisais de outra motivação, para além da estima que nutris pelo Autor ou pelo tema de fundo tratado no livro. A apresentação de um livro, a meu ver, acima de tudo é uma ocasião de confraternização entre o Autor e os seus actuais ou futuros leitores com a mediação preciosa do Editor e também,
Que notas? 1ª) Este livro confirma-nos a ideia da enorme generosidade dos homens do Porto e da sua fantástica capacidade de dedicação a grandes causas. Neste caso é o desporto, ou melhor, é criação e a manutenção secular de uma Associação cuja finalidade foi e é a promoção do homem e da mulher através da prática desportiva. O objectivo primário e prioritário da formação e da educação da juventude através do desporto, nas suas diversas modalidades, é persistente e reassumido ao longo das dez décadas retratadas neste livro e das gerações de dirigentes que se sucederam, sendo verdadeiramente uma marca da instituição. Esta capacidade bem portuense de entrega a uma causa, em rigor não é para mim uma novidade. Estudioso (recente) das Irmandades e Ordens Terceiras, não me faltam aí bons exemplos desse altruísmo. Mas nas Ordens e Irmandades há uma motivação de raiz religiosa e, por isso, essa generosidade será, de algum modo, espectável. No caso deste Clube, como no caso da Associação do Hospital de Crianças Maria Pia (cujo estudo me ocupa presentemente), a motivação é puramente humanista e humanitária. Para mim, pois, uma das grandes mensagens do livro é que o Clube nele estudado, o Académico Futebol Clube, é a demonstração cabal de como gerações sucessivas de homens e mulheres do Porto, movidos por um ideal humanista, conseguem manter viva e actuante uma Associação que inúmeras vezes esteve à beira do colapso à mingua de recursos. Não morreu por força de um enorme espírito de sacrifício de muitos que deram horas e horas das suas vidas,
sacrificando o bem-estar e o da família, que largaram dinheiro do próprio bolso, em prejuízo de outros legítimos interesses e sem ter outra paga senão duas ou três ocasiões de grandes alegrias, a saber: ver jovens a competir saudavelmente, vê-los crescer como homens e mulheres, e naturalmente saborear com prazer e até com euforia justificada algumas vitórias magníficas de atletas de eleição, vitórias que entraram obrigatoriamente nos anais do desporto português. 2ª) Percebi ainda que no Académico sempre se incrementou, valorizou e premiou o sucesso desportivo, mas nunca ninguém exigiu a vitória a qualquer preço. E quando acontecia que os atletas se portavam de forma indisciplinada dentro de campo, não raro o castigo imposto pela Direcção era mais pesado do que o das autoridades desportivas. Ou seja, o fanatismo cego e avesso à ética que não olha a meios para atingir os fins, não consta dos anais da história secular deste Clube e, por certo, não consta do modo portuense de estar na vida. Permitam-me que valorize aqui um documento da direcção que preparou e projectou a época de 2007/2008 (e as seguintes). Porquê? Porque nesse documento se aponta como objectivo principal o aumento da qualidade da formação dos atletas, incluindo princípios exigentes de conduta pessoal e de bom desempenho escolar. 3ª) Por outro lado, o Académico foi uma Associação sempre aberta à sociedade e disponível para ceder as suas instalações desportivas, independentemente do credo político ou religioso de quem as solicitava e até a clubes rivais. Se muitas vezes cobrou alguma compensação, como era compreensível, dado o estado sempre precário das finanças internas, frequentemente a autorização foi dada a troco de nada. Raro foi o Clube da cidade e do seu aro envolvente que não se serviu alguma vez dos espaços desportivos do Académico, antes mas sobretudo depois da sua instalação na Quinta do Lima. Os Clubes mais conhecidos da cidade utilizaram o Estádio do Lima que foi o primeiro a possuir piso relvado. Mas importa sobretudo referir a abertura e a disponibilidade do Académico para colaborar com clubes de menor dimensão, que constituem uma infinidade mas cujo nome não vou aqui pormenorizar, para não ser maçador. De alguns até já se perdeu a memória, como irão verificar quando lerem o livro. Um dos muitos contributos deste volume é repor na Memória
colectiva tantos e tantos clubes que o empreendedorismo do povo do Porto conseguiu criar. Por outro lado, o Académico colaborou à sua maneira com instituições de solidariedade social, ora abrindo as suas portas aos miúdos desprotegidos que os Asilos acolhiam, ora promovendo a angariação de fundos para obras de solidariedade ou de utilidade social. Cito entre outras o Asilo de São João, a Maternidade de Júlio Dinis, a Colónia Infantil do Jornal «o Século», (organização de um desafio de futebol Porto-Arsenal), as vítimas das cheias do Douro, a liga contra a tuberculose, a liga contra o cancro e até apoio à «Finlândia Mártir», como se dizia na época, em cujo favor o Académico organizou um Porto-Benfica. Disponibilizou repetidamente à Universidade do Porto os seus pavilhões, o seu estádio, as suas pistas de atletismo. Isto antes e depois de ter sido construído e inaugurado o Estádio Universitário, em 1953. Aliás, ainda recentemente, as Faculdades de Economia e de Engenharia recorreram ao Pavilhão do Académico, porque, na verdade, a Universidade carece ainda de espaços para a prática desportiva. 4ª) As relações do Académico com as instituições públicas e privadas preenchem muitas linhas deste volume, como era de esperar. De entre as privadas, sobressai a Santa Casa da Misericórdia do Porto cuja presença constante flui do arrendamento da Quinta do Lima, em 1923, e do aluguer do Palacete em 1927, que haviam sido doados em 1919 à Santa Casa pela benfeitora Luzia Joaquina Bruce, uma senhora brasileira, natural do Maranhão, companheira e herdeira de João António Lima, (+1891), brasileiro rico de torna-viagem que deu o seu nome à Quinta, ao estádio e à Rua que o ladeia pelo norte. Entre o Académico e a Santa Casa as relações foram as de senhorio e inquilino, com interesses divergentes, às vezes antagónicos. Nem sempre foram pacíficas, antes pelo contrário, como se apercebe facilmente pela leitura do Livro. Helder Pacheco faz a história possível desse longo contrato que já vai em 88 anos. E fá-lo de modo isento, seguindo de perto e até transcrevendo as duas fontes mais credíveis e idóneas para o efeito: as Actas das reuniões da direcção do Académico e as Actas da Mesa Administrativa da Misericórdia. O que me parece mais interessante e positivo é que o Autor fornece elementos para que o leitor forme o seu próprio juízo. Para mim que sou Mesário da Misericórdia, o desenrolar
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dessas relações, constituiu por si só um motivo suplementar de interesse para a leitura. De entre as instituições públicas, destaca-se a Câmara Municipal do Porto muito presente na vida do Clube, sobretudo nas últimas décadas. Também aí o leitor encontra informações suficientes para formar o seu próprio juízo. 5ª) O livro é muito bem escrito, numa linguagem agradável e simples, como é timbre do Autor, bem apoiada na documentação arquivística e na bibliografia disponível e enriquecida por enorme quantidade de gravuras como fotografias, alçados, diplomas, recortes de jornais, reprodução de documentos importantes.
A História de um Clube centenário é feita do conjunto das realizações, dos sucessos, dos desaires, das dificuldades e contradições, das crises e das euforias. O que é aqui apresentado é uma visão de conjunto, abrangente e abarcadora da realidade global. Um livro sobre a história de uma instituição com cem anos acaba por ser uma síntese, embora para chegar a ela o Autor se tenha obrigado a muitas e demoradas análises de todos os materiais disponíveis e da sua concatenação. Uma teia que exigiu muitas e muitas horas de trabalho, muito tempo de reflexão e muita persistência na escrita. Imagino que quase sem levantar a mão da caneta e do papel. Ora quem quiser conhecer a história global do Académico tem que ler o livro todo e não apenas um ou
outro capítulo. Mas quem for mais apressado e ansioso pode aproveitar as páginas da abertura e da conclusão nas quais Helder Pacheco, com uma admirável capacidade de síntese, consegue transmitir ao leitor o essencial do que está contido ao longo das várias centenas de folhas. As fontes de que se serve o Autor são idóneas, porque, para além das publicações periódicas que o próprio Clube editou, foi possível recorrer às crónicas dos jornais desportivos e dos principais jornais generalistas do Porto a quem desde sempre o fenómeno desportivo nunca deixou de interessar. Mas a principal, mais fiável e mais completa fonte são as Actas das reuniões de Direcção ou das Assembleias Gerais que os responsáveis tiveram a sensatez e a boa lembrança de fazer redigir e que cuidaram de conservar religiosamente. Mas não foi apenas nos Arquivos do Académico que o Autor foi colher elementos. O Arquivo da Misericórdia do Porto, o Arquivo Histórico Municipal do Porto, a documentação conservada na Biblioteca Pública Municipal do Porto (que além de Biblioteca admirável, guarda um excelente conjunto de manuscritos) foram cuidadosamente aproveitados, resultando daqui uma obra consistente e bem fundamentada de História simultaneamente local, regional, nacional e europeia. 6ª) Quanto a metodologia, o Autor escreveu a longa crónica destes cem anos seguindo o fio cronológico, fazendo corresponder os capítulos a períodos de dez anos e introduzindo cada capítulo com um título apropriado em que condensa sempre bem as linhas de força de cada década. Pareceu-me este modelo uma excelente ideia porque a leitura resulta mais fácil e proporciona aos leitores grande facilidade para encontrar a notícia, o evento, a conjuntura que mais desejam. Por outro lado, o Autor adopta um processo narrativo curioso, colocando-se como um cronista neutro que observa e relata os acontecimentos que apreendeu e assimilou a partir da documentação consultada. Mas introduz frequentemente no enredo histórico observações críticas curtas mas muito pertinentes, colocadas entre parêntesis, que aparecem no texto como se, para além do Autor, outrem se intrometesse no discurso, como se fosse uma voz off, como se faz no teatro com os apartes na boca do actor. 7ª) Mas este livro não é apenas a História da vida de uma secular agremiação desportiva e da sua expansão. Nas
suas páginas, que também são história do tempo presente, os curiosos vão encontrar elementos fundamentais para a história das condições e dos progressos da prática desportiva na cidade e no país, modalidade a modalidade, e do grande factor de sociabilização e de desenvolvimento do espírito associativo que o desporto amador é capaz de produzir. E como o subtítulo preanuncia, um século na vida portuense - o livro é também a História da Cidade desde 1911 à actualidade. Se lermos com atenção, encontramos nele as marcas do tempo, os factos principais de cada época, desde os primórdios da I República, passando pelo Estado Novo até à Revolução de 1974 e à pos-revolução. Permita-se-me, nesta ponta final, distinguir um capítulo cuja leitura me empolgou: precisamente o cap. 1º - 1911 O Ano do Académico em que o Autor consegue situar o nascimento do Clube no contexto do mundo, do país e da cidade. É assim que se deve fazer. Em ano de comemorações nacionais do centenário da República, este capítulo é uma verdadeira preciosidade. E termino, felicitando mais uma vez o Autor, aplaudindo o esforço da Editora Afrontamento em publicar títulos de qualidade e repetindo o que já afirmei: encontrarão prazer e proveito na leitura deste livro não só os que pertencem à família do Académico, mas todos quanto gostam de temas portuenses e todos quantos se deleitam em descobrir novos campos em que a cidade do Portos foi pioneira.
Porto, 29 de Junho de 2011
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Pecado… Mário Anacleto* Pecado… Diz a todos que hoje me não viste por perto Hoje, dia mais que internacional dos pecadores, Que te cegou o sol intenso, o pólen dos pinheiros Que me não viste, nem a minha sombra te tocou, Não fizemos parte do mesmo grupo de agressores. Se falharem os argumentos, remata com o luar E com os reflexos da farta foz desse rio d oiro Agacha-me em ti, no mais íntimo dos teus segredos E faz-me este dia morrer no teu esquecimento, Como se fosse eu o mais vil pecador e o pior agoiro. Mas, acima de tudo, não te ponhas a chorar Como faz quem receia ou quer a vida encoberta Por uma esperança intrincada no odor dos cardos Que secam em pouco tempo sempre fora dos jardins. Cerra os olhos, não digas nada: muito fala pouco acerta. Só tu saberás que te vi com o “cativar” de princesa, Nas mesmas ondas de um beijo de mar e de um abraço. Amanhã voltará a nascer o sol de manhãzinha E tenho a certeza que de novo hei-de pecar e cair Que ao ter-me a luz de teus olhos logo, logo, me refaço.
* Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Mestre em História de Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto sob o tema “Arquitectura e Música em S. Bento da Vitória”. Diploma de Estudos Avançados em Comunicação Organizacional pela Universidade Complutense de Madrid, com o Prof. Dr. António Sanchez Bravo. Doutor em Musicologia e interpretação pela Universidade Nacional de Música de Bucareste. Professor; Cantor; Investigador; Conferencista. Faleceu em 08 de Novembro de 2010.
AQUILINO RIBEIRO, VISTO, LIDO E RESPIGADO POR MANUEL DE LIMA BASTOS Miguel Veiga* Devoto (embora laico) leitor de Aquilino Ribeiro, o último gigante (Baptista-Bastos) da nossa literatura, começo por me confessar admirador convicto do excelente trabalho literário de Manuel de Lima Bastos nas suas obras “Na Luz da Sombra de Mestre Aquilino” e “De Novo a Sombra de Mestre Aquilino”, cuja leitura vem lançar novas e penetrantes “luzes” sobre a magnifica produção aquiliniana e com que podemos gulosamente dar de beber aos olhos à sombra tutelar do génio luminoso do mestre. Ele que dizia “sou um escritor mais conhecido do que lido”. Ele que publicou 69 livros, 17 dos quais são romances. O resto é história, biografia, polémica, investigação literária, cultural, literatura infantil, memórias, jornalismo, crónica. Na sua obra há uma súmula de toda a literatura. O balanço daquilo que fomos e somos. Espantosa aventura que foi a sua vida porque a sua vida é um romance. Como seu “alter-ego”, tão constante e lúcida é a sua apaixonada fidelidade ao Mestre, Lima Bastos retratou impressivamente a sua personalidade como ninguém o fez. *Advogado.
Homem vulcânico, fez tudo apaixonadamente. Hedonista, panteísta, caçador, pescador, sibarita, iluminista, conspirador, republicano, jacobino, carbonário, anti-salazarista (Salazar, tão avaro em tudo, disse dele: é um inimigo do regime, irá dizer-lhe mal de mim. Mas não importa. É um grande escritor). Ferozmente apaixonado pela liberdade individual, solidário com todos os movimentos que tinham por fim a liberdade, quando lhe perguntaram se era comunista, respondeu: “Sou apenas inconformista, não sou propriamente político. Sou inconformista. Em política, nunca passei de um franco-atirador”. Aquilino chegou até a oferecer a sua casa na Soutosa como refúgio a clandestinos. Homem de tendências libertárias, partidário de um socialismo mais à Saint-Simon do que à Saint-Just, permanentemente mergulhado nos banhos lustrais da liberdade e da fraternidade, autoritário, impositivo, individualista, hedonista, galvanizado pelo prazer, um “civilizado” da aldeia, jamais capitulando ante uma boa peleja ou um bom…prato de orelheira de porco…, o beirão tinha pelos comunistas a desconfiança relativa e comum a quem trata com homens provindos da sombra, do mistério do segredo. Apenas isso. Acrescentado pela ideia que alimentava segundo a qual sem liberdade irrestrita, uma educação humana, humanista, é impossível. Cultor do rigor, trabalhador incansável (“já escrevi um livro em cima de uma porta”), Aquilino disse ao jornal “República” em Novembro de 1939: Trabalho, com
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igual paciência, no silêncio absoluto do campo ou na chinfrineira da cidade. Em Paris, por exemplo, tinha a “gare” de Sceaux-Ceinture diante de mim; neste momento, tenho dois “caterpillars” a petardear e não me sinto importunado. Trabalho, com igual disposição, de noite ou de dia. Umas vezes tomo o meu café, outras um copo de água! Já escrevi um livro em cima de uma porta; gosto porém, confesso o meu pecado, do meu escritório, revestido de quadros, pelo menos agradáveis à vista, se bem que não possua Rembrandts nem Velásquez, de livros, de pequenas bugigangas, para distrair a vista”. Admirável Aquilino, formidável Aquilino, incomensurável e inimitável Aquilino!! A sua obra, excelentemente iluminada por Lima Bastos em novas e insuspeitadas focagens, em novas e insuspeitáveis interpretações, em novos e imprevistos contextos, é uma sequência desmultiplicada e alternante de paisagens, árvores, matagais e bichos, estações do ano, montes e vales, perspectivas longínquas e próximas, céus, nuvens e cursos de água, solares e casas, espigueiros e descampados, amores e ódios, paixões e indiferenças, sexo e cupidez, profissões, ofícios, actividades, rituais, indumentárias, alfaias, armas, refeições, paladares, sons e cheiros, texturas, cores, efeitos de luz e de sombra, um sentido do tempo intimamente conexo com esses espaços e com a variação de todos os outros aspectos que referi, e um desfilar de tipos e comportamentos humanos que vão atravessando as páginas, palpitando numa extraordinária vitalidade e numa desvairada sucessão. É como se Aquilino manobrasse um caleidoscópio inesgotável de formas e de cores, ou como se estivesse a filmar deslocando constantemente a câmara em todos os sentidos, variando os planos e fazendo zoom para todos os lados: e tudo acaba por ser diferente na sua prosa esperta e azougada que varia incessantemente as perspectivas, que não dá descanso ao dicionário em que os clássicos coabitam com as expressões mais chãs e populares e há uma economia “nervosa” da energia estilística na abordagem da cada pormenor ou de cada cena de conjunto, de tal modo que vemos os homens e as mulheres formigarem alacremente através da paisagem e as devoções, as tentações, as músicas, os ruídos, as falas e as comezainas, os bosques e até as sombras do cair da noite prenunciarem os instantes genésicos que estavam na mira do autor e das suas criaturas. Sucede que, mesmo ao falar do Minho, na “Casa Grande
de Romarigães”, naquele seu jeito mais ou menos pícaro, Aquilino provavelmente sabia que estava a falar de nós, de Portugal inteiro. A gente desta Casa, até a altura em que chegaram os do meu sangue, tem as virtudes e os defeitos em inho, honradinho, bonzinho, marotinho, ladrãozinho. É um côvado especial para esta província, cujo nome precisamente parece mesmo o eco de tais dimensões. Tudo a rimar com Minho… Um mundo que fervilha e rodopia, um mundo de fidalgos, campónios, criadagem, almocreves, salteadores, militares, padres, devotos, comerciantes, bastardos, gente sem eira nem beira. Um mundo que em grande parte prolonga o de Camilo e também goza com ele. Um mundo de gente que se move por instintos directos e muitas vezes primitivos, por cálculos de imediato ganho material ou erótico, por sentimentos de coragem e de cobardia, de altivez e de manha, que se eleva e se degrada outra vez e outra. Tudo isto é dado de forma algo esquemática, mas – e é esse um dos segredos da eficácia de Aquilino – com uma intensidade, um ritmo narrativo, um colorido, um a-propósito, uma capacidade de sugestão, uma sucessão de contrastes, uma frescura de imagens inesperadas e justíssimas, que o presenciamos como se fôssemos espectadores directos das cenas e das peripécias que se vão desenrolando através das páginas (Vasco Graça Moura). Senhoras e Senhores: O homem aquiliniano não é um ser derivado de grandes teorias filosóficas nem de grandes desígnios escatológicos. É o bicho da terra tão pequeno, talvez capaz de grandeza mas sobretudo pronto a fazer valer os seus direitos, a sua vontade e os seus desejos, pela força ou pela astúcia, instável e andarilho, estruturalmente céptico e por vezes cínico, mas também de uma religiosidade elementar, quando não pagã, mesmo no culto dos santos, o bípede sem plumas, terra a terra e pão-pão-queijo-queijo, que não conhece o tédio nem o spleen, que teoriza pouco, filosofa ainda menos, e obedece aos impulsos primários da Natureza e ao instinto animal, distanciando-se das noções de pecado e de remorso herdadas da tradição judaico-cristã na sua busca do prazer e no seu sentido prático, e que (na sua exaltação de viver) come e dorme, ri e chora, ama e estupra, engendra e mata, ganha e perde, anda à chuva e ao sol, ao vento e à caça,
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Dr. José Eduardo Ferreira, Presidente da Câmara Municipal de Moimenta da Beira, durante o discurso de Agradecimento.
tem uma sabedoria imemorial e uma proverbial capacidade de desenrascanço – para, como tudo o que é obra da mesma e ancestral Natureza, passar e desaparecer para logo dar lugar a outros seres como ele” (fim de citação de Vasco Graça Moura). A sua obra revela um irreprimível conflito entre dois estratos fundamentais da sua formação: uma cultura latino-eclesiástica e uma cultura de tradição voltairiana-anatoliana. Constata-se um persistente artigo de filosofia aquiliniana: perante uma Natureza “de todo insensível, neutra em matéria de bem e de mal”, a vida individual não duraria, afinal, mais que um bater de pálpebras. “Todavia esse momento ou parêntese representava no panorama universal, com a sua beleza e o seu drama, uma razão
suficiente para valer a pena o Mundo existir.” Esta a heróica lição mais emotiva do radical imanentismo de toda a obra de Aquilino. É o desaparecimento da divindade e a emergência da própria genesíaca e criadora Natureza de que o Homem se torna partícipe. Se no princípio era Deus, agora no princípio é a Terra (Óscar Lopes). Ao manifestar o seu deslumbramento perante a natureza e a terra, como a sua estância de contemptor do Mundo, o espectáculo emocionante e trágico é, para ele, a vida. Entrado o ano de 1960, Aquilino vai para Soutosa, retemperar-se das feridas da alma, das canseiras da carne; caça, come, bebe, ama, escreve. Escreve sempre. “O que convulsiona o mundo não é a loucura. O que convulsiona o mundo é o atrito
entre a consciência do ser livre e a restrição imposta por quem se julga detentor da verdade e senhor do mando. O arrepio da dúvida não é uma metáfora. A dúvida causa arrepios. Quem não duvida, quem não sentiu, alguma vez, o sainete da incerteza não passa de um banal imbecil e todo o imbecil possui o estofo de um canalha.”
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Mas voltemos à sua terra, às “terras do demo” e ouçamo-lo numa entrevista dada em 1952 no Brasil: “Nasci numa pequena aldeia da Beira Alta, sem história o que não quer dizer que seja feliz. A Beira não tem símile na terra. Em poucas dezenas de quilómetros está nela representado o mundo todo: amenidade e braveza, a montanha e o vale, a civilização e a selvajaria. Em volta da aldeia, no inverno uivam os lobos ao desafio com o vento. Na primavera, alteiam-se do solo e pelos caminhos, flores que ainda não figuram na botânica sapiente. O rio que produz o peixe mais saboroso de toda a fauna das águas, as trutas, escarpa-se e lembra ao fundo da colina a hidra das histórias, ao que vai de raivoso e indomável”
A mesa, com o Dr. Miguel Veiga no uso da palavra.
E nessa mesma entrevista à pergunta “Como iniciou a vida de escritor?” – disse: “Seria longo explicar-lhe como comecei a escrever. Num acaso? Num acto providencial? Num instinto? Entra-se nas letras um pouco como os patos entram na água”. E pelo seu inexcedível afecto a Aquilino, sustentado pelos seus saberes (o coração tem razões que a razão reconhece) o escritor Lima Bastos faz-nos viajar deliciosamente pelas suas águas mais profundas e silenciadas enquanto, de braço dado com ele, leva-nos a percorrer, palmo a palmo, as suas terras amadas por terras de Lamego, por terras de Viseu, de Vila Nova de Paiva, de Sernancelhe, por terras de Moimenta da Beira, de Aguiar da Beira e de Sátão. A majestade da Beira Alta – berço, chão e coração de Aquilino – impregnada das paisagens, dos bichos e da flora do território beirão (“carrega-se o berço às costas como uma geba! – a frase é de Aquilino como bem observa Lima Bastos) é magnificamente tratada na obra de Manuel de Lima Bastos já no plano literário, já no campo estilístico, histórico, iconográfico, arquitectónico, culinário e até fotogénico, enraizando o Mestre à sua identidade matricial.
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Manuel de Lima Bastos agradece a apresentação do livro pelo Dr. Miguel Veiga e sublinha o que representa a homenagem a Aquilino Ribeiro nas suas Terras.
Tudo servido por uma envolvente e atraente narrativa, desenvolvida através de uma prosa ritmada, rigorosa, colorida, sugestiva, fresca de imagens inesperadas e justíssimas, atravessada de uma irreverente ironia como lúcida forma de conhecimento, o que o Mestre segura e gostosamente muito apreciaria. Aqui poderíamos dizer de Lima Bastos que o “amador se transformou na coisa amada”. Sigamos, nalguns trechos e por espaços, o seu roteiro. Aquilino Ribeiro nasceu (13 de Setembro de 1885) e deu os seus primeiros passos até aos dez anos na freguesia de
Carregal, do concelho de Sernancelhe, em que seu Pai, o Padre Joaquim Francisco Ribeiro, regia a paróquia. É internado a contragosto no Colégio dos Jesuítas para estudar na instrução primária, mesmo ao lado do Santuário de Nossa Senhora da Lapa, com a sua famosa romaria em que a sincera devoção se misturava com a mais tosca profanidade. Nas circunvizinhanças a Quintela da Lapa, “terra pobre de gente mais que pobre, e mais para baixo Lamosa, aldeia muitas vezes referida pelo escritor por daí serem naturais amigos de toda a vida e companheiros de caça e pesca, Freixinho com a sua bela igreja matriz e as suas saborosas cavacas, e a Faia.
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Se o concelho de Sernancelhe se ufana de ter sido o berço de Mestre Aquilino, Moimenta da Beira pode justamente orgulhar-se de ter sido na Soutosa, lugar da freguesia de Peva, pertencente ao concelho de Moimenta, que o escritor se fez homem e onde passou vários meses do ano durante quase toda a sua vida. E, em boa e feliz hora, a esta biblioteca municipal foi dado o nome de Aquilino Ribeiro. “A Casa da Soutosa, que Aquilino Ribeiro amava acima de todas as coisas e à qual era raro o ano em que não regressasse durante os meses que medeiam entre o fim da Primavera e os princípios do Outono, altura em que as primeiras aragens frias o faziam regressar à amenidade de Lisboa.” “O seu pátio é fechado pelo renque das famosas tílias que Aquilino plantara pelas suas mãos e eram o seu enlevo, abrigando na sua ramaria a colónia de pássaros que o Mestre sempre protegeu e a que chamou falanstério alado”. “Dizia o escritor – mais nos relata Lima Bastos – que tinha na Beira umas árvores para lhes gozar a sombra”. E, antes de terminar, para não abusar mais da vossa paciência, seja-me permitida uma nota pessoal de ordem afectiva e, porque não dizê-lo, emotiva e sentimental. Nascido embora no Porto, sempre me senti e afirmei como beirão de sangue e de carácter, da Beira Alta, de Moimenta da Beira. De Moimenta foram oriundos todos os meus passados desde o meu tetravô até ao meu Pai, Luís Veiga, um dos maiores advogados portugueses do seu tempo, e meu tio Pedro Veiga, o famoso “Petrus” que nos deixou um legado de algumas dezenas de obras de investigação e criação literária, extremamente significativas e relevantes para a nossa cultura, ambos denodados combatentes contra a ditadura salazarista e que, tendo vivido no Porto onde minha Avó os levou para estudar, o município consagrou dando o seu nome, cada um a cada um, às artérias citadinas. Menino e moço, e depois adolescente, a grande parte das minhas férias de Verão passei-as em Penso, a pouca distância de Moimenta, nas propriedades de minhas tias avós Palmira, Cacilda Veiga e Adozinda Veiga Ricca, nas quintas de S. Luís, do Rio, (vulgo, o Mijão) e do Paço, na alegria e companhia de meus primos Veiga Leitão e Gentil Guedes Gomes, tendo como companheiro diário de diversão e excursão, montados num burro, o meu amigo íntimo pela vida fora e pela vida dentro o excelente poeta Luís Veiga Leitão, justamente celebrado em Moimenta. Vinha também muitas vezes na carreira visitar os
meus primos Paiva Gomes a Moimenta e a Leomil que me presenteavam com lanches de chorar por mais e com uma manteiga de que nunca mais senti igual sabor. Desses tempos despreocupados e felizes, que trago sempre pela mão, fiquei intimamente ligado às gentes, às paisagens, às fragas, aos chãos destas terras com que me identifico e revejo a minha meninice. E por hoje voltar aqui fico grato ao meu amigo e colega Dr. Manuel de Lima Bastos, ao Senhor Presidente da Câmara, a todos, Senhoras e Senhores aqui presentes e, sobretudo, ao imortal Mestre Aquilino Ribeiro.
Senhoras e Senhores: Peço-vos o vosso aplauso e a vossa aclamação em louvor e gratidão ao Dr. Manuel de Lima Bastos. Na Foz do Douro, aos dias 16 de Maio de 2011.
Nota da Redacção
Após a eloquente intervenção do Dr. Miguel Veiga na apresentação do livro, o Dr. Manuel Lima Bastos agradeceu ao ilustre palestrante o seu brilhante discurso e à autarquia a disponibilidade para a cerimónia realizada e o empenho demonstrado para o êxito desta Jornada Cultural. Sublinhou a sua devoção aquiliniana, nascida na juventude por incentivo de seu Pai, e as inúmeras visitas que tem feito às Terras do Demo com pessoas das Terras de Santa Maria que, assim, iniciaram a sua aproximação a Mestre Aquilino. O Presidente da Câmara de Moimenta da Beira, Dr. José Eduardo Ferreira, depois de felicitar o Dr. Miguel Veiga, cujo pai é natural de Moimenta, agradeceu ao Dr. Lima Bastos o que tem feito pela divulgação da vida e obra de Mestre Aquilino, o vulto maior da região e a importância que tem na promoção cultural das terras e das gentes. Referiu que a designação “Terras do Demo” foi inventada pelo Mestre e que é seu dever tudo fazer para promover e divulgar tão insigne escritor, e a relação íntima que existe entre desenvolvimento económico e desenvolvimento cultural, que além, de motivo de orgulho para as populações da região, dá nome e consagra os vinhos e espumantes naturais produzidos nos vales dos rios Távora e Varosa, da castanha de Sernancelhe e da maçã de Moimenta da Beira, com benefícios económicos, e fomentando a criação de emprego nessas actividades. Sublinhou o renascimento da Fundação Aquilino Ribeiro empreendido pelas autarquias de Sernancelhe, Vila Nova de Paiva e Moimenta da Beira, cujos presidentes assumirão rotativamente a sua direcção e conjugarão esforços que até aqui andavam dispersos.
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Para a flautista de “O Pássaro de Fogo”, de Stravinsky Albano Martins*
Que pássaro é este que na ponta dos dedos faz o ninho? Que fogo é este que arde nos lábios da flautista? Confundidos num só, flauta e flautista são o esplendoroso nome da pauta do delírio.
* Poeta, nascido em 1930 na aldeia do Telhado, concelho do Fundão. Licenciado em Filologia Clássica, foi professor do Ensino Secundário e, mais tarde, ingressou nos quadros da Inspeção - Geral do Ensino. Vive em Vila Nova de Gaia e está aposentado. A sua obra foi reunida na colectânea As Escarpas do Dia, numa edição da Afrontamento, comemorativa dos 60 anos de vida literária.
Dr. Humberto Xavier de Paiva 1907 - 1970 Carlos A. Moreira*
O Dr. Humberto Xavier de Paiva foi um ex-quadro da Câmara Municipal da Feira, onde exerceu as funções de médicoveterinário municipal durante dezenas de anos e de quem, decerto, alguns ainda se recordam. Natural de Lisboa, aqui fixou residência com a esposa (nas Eiras) em finais dos anos trinta. Era casado com a Excelentíssima Senhora D. Gilberta Gouveia Xavier da Paiva, habilitada com o curso superior de piano e distinta pianista que, localmente, se havia de dedicar à promoção e ensino da música. Por via disso havia de ficar com o nome ligado à Feira, ao fundar a Academia de Música de Santa Maria. Por esta razão e justamente esta pioneira Escola de Música e a Câmara Municipal lhe prestaram, não há muito tempo, pública homenagem. Fui colega de escola e amigo de um dos seus filhos (tiveram dois filhos, o João Manuel e a Maria Teresa). O João Manuel, ainda na juventude, viria a radicar-se na África do Sul. Ainda não há muito tempo de lá veio a notícia do seu falecimento. Mas fui igualmente amigo e colega de outros familiares, que conheci e que, sendo de Lisboa, integraram e animaram, em meados dos anos cinquenta, com um certo “espírito de juventude”, a época de férias nesta Terra. Com *Deputado à Assembleia Municipal em 1986 - 1989 e 1990 - 1993.
eles acamaradei e foram sendo também meus, nossos amigos e companheiros. O Dr. Humberto Paiva, que é dele que devo tratar, foi, como se disse e durante largos anos, o veterinário municipal, cujas funções exerceu até finais dos anos sessenta com reconhecida proficiência e dedicação, tendo cessado então funções, dizia-se, com queixas por ingratidão municipal. Por via disso, magoado, teria regressado a Lisboa, onde havia de falecer algum tempo depois de doença grave. Ele que, pela vivência de dezenas de anos e interesse que demonstrou pela terra onde se acolheu, era como se a ela pertencesse. Uma pessoa talvez um pouco tímida, mas distinta, respeitadora e disponível. Também uma pessoa culta, de fácil e agradável convívio e interessada muito para além das preocupações profissionais. Por via disso, foi fazendo, ao longo dos anos que aqui permaneceu, múltiplas amizades. Recordo como curiosidade que tinha um certo jeito muito característico de se sentar ao volante, um pouco de lado, o que nos levava a observar que conduzia “à Lisboeta”. Frequentou o extinto café Coimbra e depois o Moderno, onde, ao fim da tarde, terminadas as obrigações de trabalho diárias, se sentava a uma mesa com os amigos a tomar um café, também pretexto para fumar um cigarro e participar numa cavaqueira; ou, se havia algum tempo, disponibilidade e companhia para jogar uma partida de xadrez, jogo de mesa que cultivava. Talvez por isso, alguma juventude naquela época por mimetismo óbvio, ainda se interessou por aquele
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jogo e começou a pedir o tabuleiro respectivo numa tentativa de ensaiar e desenvolver a aprendizagem. Todavia geralmente sem grande proveito, há-de reconhecer-se. O xadrez era aliás um jogo de mesa, havido como muito absorvente, exigente em matéria de conhecimentos e difícil, o que naturalmente não facilitava o aceso à sua prática de eventuais interessados. A mocidade daquela época preferia distrair-se com actividades intelectualmente menos exigentes. E aquele exercício, para ser praticado com proveito, não dispensava os pretendentes do estudo das “aberturas” e, para o efeito, da leitura de tratados. Sobretudo se o gosto envolvesse a aspiração de ganhar. Era, porém, uma recreação do seu agrado e de alguns companheiros (lembro-me do Senhor Francisco Pinho, do Dr. Joaquim Moreira, meu tio) que com ele se sentavam a uma mesa naquela prática, com frequência demorada e nem sempre fácil. A verdade é que, após ter regressado a Lisboa, deixou de se surpreender nos cafés quem optasse por essa recreação, apesar do seu reconhecido interesse formativo. O Senhor Dr. Humberto Paiva, para além do profissional irrepreensível, era uma pessoa interessada e apreciadora, com opinião sobre as coisas, bom conversador e agradável. Mas tinha outras actividades a que se dedicava com especial disponibilidade e por mero lazer: dizia-se que possuía dotes artísticos, habilidade para o desenho e uma grande sensibilidade para as artes e um gosto apurado. Faculdades desconhecidas da generalidade das pessoas que, sobretudo, o reconheciam pela sua actividade profissional. Eu próprio não tinha experiência directa dessa sua faceta e, consequentemente, não me distinguia dos demais. Nunca o vi desenhar ou ocupado em outra actividade que não fosse a de médico veterinário. A minha informação advém apenas de ouvir a terceiros imputar-lhe esses atributos. Mas, por essa via de algum modo, havia de deixar marcas na Feira que, penso, não são do conhecimento de todos. Por essa circunstância se justifica que esses dotes sejam agora motivo de especial atenção. E talvez também por uma questão de justiça. As coisas não apareceram espontaneamente feitas, têm uma estória e uma explicação que as pessoas devem conhecer. Razão por que se julga melhor as dever relevar para que se conheça a origem da realidade que nos é próxima, com que convivemos e nos cruzamos no dia a dia e que eventualmente admiramos e cuja génese questionamos. A personalidade de que tratamos,
porque teve alguma intervenção de relevo, reconhece-se no modo como se vai construindo a história da nossa terra. Dizia-se, aliás, no seu círculo de amigos, que teria sido afastado do desenvolvimento dessa sua natural inclinação, que desejava prosseguir e aperfeiçoar, por os Pais haverem entendido que, naquela época, esse caminho não conduzia a um futuro suficiente. Os artistas tinham então, como ainda hoje, num país pobre e de limitados recursos, uma vida difícil. Em regra não se propiciavam às pessoas rendimentos que pudessem pagar com justiça o trabalho dos artistas. Daí as dificuldades, o embaraço e o compromisso de tal decisão. Mas mesmo estes desconhecidos “artistas”, no desenvolvimento da sua actividade profissional, por vezes, encontram forma de evidenciarem esses dotes (e como tal, são identificados e conhecidos pelo povo) que os há por aí, em áreas as mais diversas, ainda que, por vezes, não se assumindo, eles vão deixando a sua marca nos locais por onde passam e por isso são motivo de admiração. Na exercitação da sua profissão ou porque solicitados ao exercício da sua vocação, a tendência transforma-se num irreprimível apelo de que não conseguem apartar-se, fazendo-o de uma forma que os evidencia. Assim era com a personalidade de que ora me ocupo, que era pessoa estruturalmente modesta, mas que, quando reclamado, não se eximia a deixar esse seu “sinal” na nossa Terra. Embora sem abraçar a sua obra, nela não se identificando, como o autor. As razões da atitude talvez se encontrem no facto de se tratar muitas vezes de um serviço de favor, acidental e sobretudo prestado como amador. Mas concretamente de que modo isso acontecia? A Câmara, os seus Presidentes ou os amigos da altura, a quem se colocavam certas dificuldades de natureza estética, para cuja resolução se exigia uma sensibilidade diferente, conhecendo a sua inclinação, abeiravam-se dele a solicitar uma ajuda, uma mera orientação ou um gesto seu, a que sempre foi acedendo decerto gostosa e graciosamente. Assim, são criação sua os emblemas e as bandeiras dos Bombeiros Voluntários da Feira e do Clube Desportivo Feirense. Instituições locais entre todas relevantes e representativas. Na Sede desta última colectividade existia, aliás, uma colecção de imaginativas caricaturas, de sentido lúdico-decorativo, cuja concepção lhe era igualmente atribuída e que eram, à minha vista, expressivas da sua intuição para o desenho. Também lhe pertenceu o desenho e a concepção
da escultura (talvez a sua obra mais expressiva) que está colocada junto ao lago (ali, no acesso às Guimbras) e que, com o decorrer do tempo se tornou parte indissociável do conforto que oferece aquele singular ambiente de lazer. Alegoria, cuja sugestiva graciosidade se reconhece e aprecia, representa duas meninas que jogam à bola, tendo o trabalho sido executado segundo a orientação do Senhor Dr. Humberto Paiva. E como sempre, parece não ter autor, pois não está assinada. E não foi adquirida a esmo a algum comerciante de velharias e lá colocada por mero acaso. Não, foi executada para ser colocada ali, naquele contexto e para dele fizesse parte integrante e reconhece-se agora com êxito total. Mas a autoria, que o signatário já conhecia, foi aliás e de uma forma totalmente despretensiosa, confirmada por um neto que, em minha presença e ao avistá-la, a identificou logo “…como a escultura do avô…” Igualmente lhe são atribuídos: o painel de azulejos do “mítico” chafariz das Eiras, (porque é lenda que quem bebe daquela água nunca da Terra há-de esquecer a secreta sedução) e a que, qual chamariz encantado, foram atraídas pela oferta de um alívio e apaziguamento específicos sedentas e ignotas gerações que, com o mesmo e talvez obscuro sentido de demanda, se vão sucedendo a calcorrear os caminhos gastos e cansados, iguais de séculos; e um segundo painel existente numa casa particular bem próxima deste último; e ainda, nas mesmas circunstâncias, três painéis de azulejos, de dimensão
mais reduzida, um dos quais com uma representação de S. Cristóvão, que se encontram inseridos na “Herdade Plácido”, ao Casal. Não pude apurar se teria tido interferência em outras obras e/ou assuntos de cuja localização ou memória se tenha perdido a nitidez. Fica a anotação da disponibilidade que manifestava para este tipo de intervenções e o a-propósito, a adequação, o gosto com que o fazia. Como se daqui fosse natural e a esta Terra sempre tivesse pertencido. Nunca teve foi, a meu ver, o reconhecimento que lhe é devido. Veio a propósito hoje lembrar esta personalidade singular de um Homem bom, de recatada sobriedade, que em Vila da Feira viveu e trabalhou o tempo suficiente para ser notado e deixar este sinal. E dele se pode dizer que soube estender os olhos pela “urbe” de que aprendera a gostar com a sensibilidade e a sabedoria de um artista; dela se veio a ausentar nas circunstâncias descritas, já vão mais de quarenta anos. Desta forma e postumamente dele se faz esta singela lembrança e se lhe presta esta homenagem que julgamos devida à personalidade e à “cidade”. Tributo que se lhe presta também como que fazendo um levantamento, provavelmente incompleto, de um trabalho extra-laboral, fino e delicado, cujo resultado contribui para “distinguir” e alindar a nossa Terra, com o cuidado e o resultado que o tempo nos vai ajudando a entender.
A escultura colocada junto ao lago na Alameda Dr. Roberto Vaz de Oliveira.
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Vazio
Gilberto Pereira*
falta-me o ar que respiras aqui suavemente na minha nuca sinto apenas a penugem da almofada e o calor das cobertas de nada serve para aquecer a tua ausência falta-me o perfume da tua pele doce sobre a minha serena e apaziguadora silenciadora do desejo imenso que me invade de cada vez que o teu olhar se encerra no meu falta-me o amor que me dás assim devagarinho saboreando cada carícia como se de um festim de deuses se tratasse e o mundo inteiro amanhã acabasse
* Gilberto José de Sousa Pereira, natural do Porto (1979), reside desde sempre em Argoncilhe. Frequenta vários encontros poéticos pelo país, sobretudo as tertúlias da Onda Poética, de Espinho, onde mantém uma participação activa desde 1998, lendo preferencialmente Al Berto, Herberto Helder, Mário Contumélias, Eugénio de Andrade e António Gedeão. A sua poesia, com tendência para o soturno e o intimista, sofreu, sobretudo de início, algumas influências dos dois primeiros autores mencionados.Editou o seu primeiro livro de poesia, intitulado Reticências, em Dezembro de 2008.
Dicionário Biográfico de Personalidades Feirenses (continuação) Francisco de Azevedo Brandão *
NETO, Francisco (? – ?) Eclesiástico, foi pároco da freguesia de Canedo de 1587 a 1622. Bibliografia Padre António Ferreira Pinto, S. Pedro de Canedo – no concelho da Feira. Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º 15, 1938 NETO, Garsia Gonçalves (? – ?) Lega, em Dezembro de 1134, ao Mosteiro de Grijó, a metade das suas terras de Anta (hoje do concelho de Espinho), e sem direito de padroado sobre a igreja de Anta, e um casal situado em Sá. Bibliografia Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII) Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971
NEVES, António Luís (? – ?) Vivia em 1802, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: Negociante no Porto, na Calçada dos Clérigos; natural da Freg. de Fiães, Feira; filho de Luís António e de Teresa da Conversão, naturais e moradores em Fiães, neto paterno de Manuel António e de Maria Coelho, de Fiães e materno de avós incógnitos; casado com Ana Joaquina, natural de S. Martinho da Gândara, Oliveira de Azeméis, filha de Salvador da Silva e de Isabel de Oliveira, naturais e residentes em S. Martinho da Gândara, neta paterna de Manuel da Silva e de Rosa Maria, também de S. Martinho da Gândara, e materna de João da Silva e de Maria de Oliveira, da freg. de Válega, Ovar. Carta de Familiar de 14 de Agosto de 1802. A.N.T.T. – António – m.2002, n.º3º17» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Revista Arquivo do Distrito de Aveiro (Julho, Agosto e Setembro), 1959 NEVES, Francisco Vicente da Costa (1893-1984) Natural da Vila da Feira onde nasceu em 25 de Fevereiro de 1903. Foi funcionário da Direcção Geral das Contribuições e Impostos em Oliveira do Bairro e na Vila da Feira. «Dedicado
* Licenciado em História pela Universidade do Porto e Bacharel em Filologia Românica pela Universidade de Coimbra. Historiador local, é autor de Anais da História de Espinho, O Associativismo em Espinho, Joaquim Pinto Coelho, um Político de Espinho, O Campo de Aviação de Espinho, O Culto de Nª Sª da Ajuda em Espinho e Manuel Laranjeira, por ele mesmo.
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à causa feirense, com um amor raro de igualar, conhecendo a sua história como ninguém até ao mais pequeno pormenor», foi sócio fundador da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Feira, da Comissão de Vigilância do Castelo e esteve na organização do Clube Desportivo Feirense, para além de ter integrado todos os movimentos em prol da sua terra. «Foi, na verdade, uma figura destacada nesta terra, pelo que a sua memória deve ser perpetuada». Era casado com D. Maria Julieta de Aguiar Neves, de quem teve os seguintes filhos: Maria do Carmo Brandão de Aguiar Costa Neves; Carlos José Brandão de Aguiar da Costa Neves; e Albino José Brandão de Aguiar da Costa Neves. Faleceu em 15 de Abril de 1984, com 91 anos de idade. A Câmara Municipal da Feira atribuiulhe a título póstumo a Medalha de Prata de Mérito Municipal, na sua sessão de 2 de Maio de 1984.
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Bibliografia António Lamoso Regal de Castro, Factos e Personalidades da Feira e do Concelho – 1917 a 1950. Edição do autor, 1991; Correio da Feira, 20.4.1984 e 5.3.1993; Eduardo Vaz de Oliveira, Depoimento – prefácio de «Do Alto da Piedade», de Francisco Neves. Edição da LAF – Liga dos Amigos da Feira, 2003. NEVES, José Leite (? – ?) Vivia em 1738, segundo Carta de Familiar que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «boticário, natural de Pinhel, freg. de Santiago de Espargo, e morador em Burgães, freg. de S. Pedro de Castelões, Vale de Cambra; filho de António Leite Marinho, natural de Lourido, Espargo, e de Inocência de Pinho, natural da freg. de S. Miguel de Oliveira de Azeméis; neto paterno de António João, natural de Tarei, freg. de S. Mamede de Travanca, Feira, e de Margarida Gonçalves, natural de Lourido, e materno de Gonçalo Pinheiro de Mariz e de Maria das Neves Correia, natural de Oliveira de Azeméis; sobrinho materno do Pe. Domingos Pinheiro Mariz, reitor da freg. de S. Miguel de Oliveira de Azeméis e Comissário do St.º Ofício; casado com Maria Vaz, natural da freg. de S. Pedro de Castelões, Vale de Cambra, filha de Manuel Aires de Pinho e de Isabel Vaz, natural de Castelões, e moradores em Burgães, Castelões; neta paterna de Sebastião Aires e de Isabel de Pinho, naturais de Castelões, e materna de Macieira de Trussas (?), e de
Antónia Vaz, natural de Castelões, e sobrinha de António de Bastos Pereira, morador em Castelões, Familiar do St.º Ofício. Carta de Familiar de 13 de Outubro de 1738. A.N.T.T. – José – m.44, n.º699» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Revista Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º141 (Janeiro, Fevereiro e Março), 1970 NEVES, Manuel Leite das (1954-2007) Natural de Escapães, onde nasceu em 1954. Era filho de Albino Neves, presidente da Associação do Centro Social de Escapães. Licenciado em medicina, era médico da unidade de saúde de Escapães. Foi fundador do Rancho Folclórico S. Martinho de Escapães e tinha em mente construir uma unidade de cuidados continuados afecta ao Centro Social de Escapães, para a qual já tinha sido adquirido o terreno. Foi ele ainda o mentor da criação de uma panela com dois metros de altura, na qual foi confeccionada uma sopa que serviu mais de 4 mil pessoas. Faleceu em 23 de Julho de 2007. Bibliografia Terras da Feira, 26.07.2007 NEVES, Manuel Pereira das (? – ?) Natural da casa da «Cura» de Pousada, ordenou-se padre e foi coadjutor do Reitor da freguesia do Souto em Maio de 1820. Bibliografia Jornal Tradição, 8.8.1936 NEVES, Pedro da Costa (?- ?) Vivia em 1736, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «Mercador; natural da Vila da Feira, freg. de S. Nicolau, e morador na cidade da Baía, freg. de N.ª Sr.ª da Conceição da Praia; filho de Manuel da Costa, sapateiro, e de Mariana Lopes, naturais e moradores na Feira, neto paterno de Pedro da Costa, cozinheiro do Convento do Espírito Santo dos padres Lóios da Feira, natural da freg. de S. João de S. João de Areias,
anexa à de S. Salvador de Vilar de Frades, Barcelos, e de Isabel Francisca, natural da Feira, e aí moradores, e materno de Domingos Lopes, natural da Feira e de Isabel Pinta, natural da freg. de S. Mamede de Travanca, Feira, igualmente moradores na Feira, onde eram lavradores; casado com Paula Maria das Neves, natural de Leça, Matosinhos, filha de Manuel Gonçalves Neves, capitão, ou mestre, de navios, natural da freg. de S. Paio de Fão, e de Ana Yomé Quaresma, natural de Leça, e aí moradores, neta paterna de Amaro Gonçalves, pescador, e de Justa Manuel, naturais e moradores em Fão, e materna de Tomé Quaresma, homem do mar, natural de Matosinhos, freg. de S. Salvador de Bouças, e de Maria Lopes Alemoa, natural de Leça, e aí moradores. A N.T.T. – Pedro – m. 22, n.º 447» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Revista Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º166 (Abril, Maio e Junho), 1976 NOGUEIRA, António Alves (? – ?) Natural de Fiães, paroquiou esta freguesia durante 44 anos (1837-1880). Colou-se na igreja de Fiães em 1841, tendo sido apresentado por D. Maria II. Quando principiou a construção da nova igreja, ele já tinha 80 anos de idade, por isso nesta data já tinha sido substituído pelo seu sobrinho e afilhado padre Manuel António da Silva Júnior. Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940 NOGUEIRA, Manuel Fernandes (? -1893) Este padre era natural da freguesia de Ribeiradio, concelho de Sever do Vouga. Veio com as sobrinhas e demais família e foram residir para o lugar do Monte e de Casal de Matos, em Fornos. Foi professor de Instrução Primária, na Feira, a partir de 1862/63, residindo em Casal de Matos, onde comprou a Casa da Maneca e várias propriedades envolventes, que emparcelou na Quinta de Vieiros. Esta Quinta estava situada parte em Sanfins, parte em Escapães. «Homem ilustrado e contemporâneo da mudança das sepulturas de dentro para fora da igreja terá adquirido este lugar privilegiado, junto à porta da igreja, para sua própria sepultura». Faleceu em 23 de Outubro de 1893.
Bibliografia Padre José Alves de Pinho, Outrora…Fornos. Edição da LAF – Liga dos Amigos da Feira, 2006. NOGUEIRA, Manuel (? – ?) Vivia em 1756, segunda Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «natural e morador na freg. de S. Vicente de Louredo, Feira; filho de António Nogueira, natural de Louredo, e de Teresa Gomes de Pinho, natural de Cimo d’Inha, freg. de S.tº André de Escariz, Arouca, moradores em Louredo; neto paterno de Jerónimo Nogueira, natural de Arrufe, freg. de S.tª Maria Madalena de Loivos da Ribeira, Baião, e de Isabel Francisca, natural de Louredo, e ai moradores, e materno de Pedro Fernando, natural de Cimo d’Inha, e de Maria Gomes, natural de Azagães, freg. de S. Salvador de Carregosa, Oliveira de Azeméis, moradores em Cimo d’Inha. Carta Familiar de 27 de Julho de 1756. A.N.T.T. – Manuel – m. 171, n.º 1804» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Revista Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º158 (Abril, Maio e Junho), 1974 NUNES, Domingos Ferreira (? – ?) Vivia em 1661, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve; «sirgueiro; natural de Penela e morador em Lisboa na Rua Nova; filho de Francisco Fernandes, natural de Castanhiço, e de Catarina Francisca, natural de Penela, e aí moradores; neto paterno de Sebastião Fernandes e de Maria Fernandes, de Castanhiço, e de António Francisco, de Penela, e de Maria Francisca, de Penedono; casado com Maria Pereira, filha de Pedro Nunes, violeiro, natural de Macieira de Aquém, freguesia de S. Mamede de Travanca, Feira, e de Margarida Pereira, natural de Macieira de Além, da mesma freguesia, moradores na Rua dos Escudeiros, neta paterna de Domingos Gonçalves, o «Carola», e de Antónia Jorge, naturais de Macieira de Aquém, e materna de Manuel Pereira, de Macieira de Aquém, e de Maria Vicente, natural de S. Quintino, termo de Lisboa». 1661 Domingos – m.3, n.º133
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Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º113, 1963. NUNES, Elvira (? – ?) Doou à sua neta, em 20 de Abril de 1121, a sua terra de Aldriz, que reverteria para o Mosteiro de S. Salvador de Grijó à morte da donatária. Bibliografia Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.
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NUNES, Francisco Gomes (? – ?) Vivia em 1767, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «Homem de negócio; natural da Vila da Feira, morador no Porto; filho de Lourenço Gomes e de Maria Nunes, moradores na freg. de S. Nicolau da Vila da Feira; neto paterno de José Gomes e de Páscoa Fernandes, da Feira; e materno de António Nunes Cabreiro e de Maria Nunes da vila de Soza (actualmente da freg. de S. Miguel, Vagos). Carta de Familiar de 25 de Abril de 1767. A.N.T.T. – Francisco –m.103, n.º1649» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Revista Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º119 Julho, Agosto e Setembro), 1964. NUNES, João Alberto (? – ?) Foi Juiz de Paz na freguesia do Souto. Foi um dos fundadores da Sociedade Recreativa Soutense, em 1875. Os seus filhos foram: o bacharel Manuel Vieira Monteiro e o desembargador da Relação de Coimbra, Inácio de Sousa Monteiro, já falecidos em 1936. Bibliografia Jornal Tradição, 7.11.1936 e 14.11.1936.
ODORIZ, Mendes (? – ?) Mendes Odoriz e sua filha venderam aos monges do Mosteiro de S. Salvador de Grijó, em Dezembro de 1159, por 10 «modios», várias partes de uma propriedade situada em Seitela. Bibliografia Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971. OLIVEIRA, Agostinho Henrique (? – 1962) Natural do lugar de S. Miguel, da freguesia de Lobão, «da abastada Casa do Salvador». Depois de ter sido ordenado padre, foi convidado pelos condes do «Covo», de Oliveira de Azeméis para desempenhar o cargo de capelão do seu solar, onde se manteve por longos anos. Mais tarde foi pároco das freguesias de Canedo, concelho da Feira e de Santiago de Riba Ul, do concelho de Oliveira de Azeméis. Faleceu a 29 de Setembro de 1962. Bibliografia Correio da Feira, 6.10 1962 OLIVEIRA, Alfredo de (?- ?) Foi proprietário e administrador do jornal nacionalista e monárquico Tradição, que se publicou na Vila da Feira entre 1932 e 1947. Bibliografia Jornal Tradição OLIVEIRA, Alípio José da Cruz (1893-1979) Era natural de Chaves. Foi combatente na 1.ª Grande Guerra, tendo feito parte do grupo que constituiu o 1.º assalto das trincheiras alemãs na Flandres, onde ficou gravemente ferido pela explosão de uma granada. Foi agraciado com várias condecorações: o grau de Oficial da Torre e Espada, a Cruz de Guerra e o Oficialato da Ordem Militar da Campanha do Sul de Angola, da Campanha da França e de Comportamento Exemplar. O capitão Alípio Oliveira desempenhou os cargos de chefe de Gabinete do ministro da Guerra, Coronel Ribeiro de Carvalho, de Comandante do Corpo de Polícia do Porto,
de Director da Carreira Militar de Espinho e de Comandante da Casa de Reclusão do Porto. Foi escritor e jornalista, tendo colaborado, durante alguns anos, no «Correio da Feira», cujos artigos eram muito apreciados. Era casado com D. Maria Pereira Coelho de Oliveira de quem teve 5 filhos. Alípio Jorge da Cruz Oliveira, Maria Teresa Oliveira Sério Ramos, Maria Helena de Oliveira, Maria Alice C. Oliveira e Maria José C. Oliveira Barrilaro Ruas. Faleceu na sua casa do Porto em 28 de Janeiro de 1979. Bibliografia Correio da Feira, 2.2.1979 OLIVEIRA, António Ferreira de (1918-2001) Nasceu em Nogueira do Cravo, Oliveira de Azeméis, em 8 de Fevereiro de 1918. Foi pároco da freguesia de Fornos de 11 de Novembro de 1945 a 31 de Dezembro de 1959. Foi ainda pároco das freguesias de Idães e Sousa, no concelho de Felgueiras, e de Nogueira do Cravo. Faleceu a 6 de Fevereiro de 2001. Bibliografia Padre José Alves de Pinho, Fornos…Outrora, Colecção Santamariana, edição LAF – Liga dos Amigos da Feira, 2005. OLIVEIRA, Custódio José de (? – ?) Foi Reitor encomendado de Rio Meão, vindo da Freguesia de Cortegaça, em 1816. Segundo o padre Aires de Amorim, no seu trabalho «Achegas para o estudo da História local», o padre Custódio seria ainda pároco encomendado de Rio Meão em 1837. Bibliografia David Simões Rodrigues, Rio Meão – A Terra e o Povo na História. Edição da Junta de Freguesia de Rio Meão, 2001 OLIVEIRA, Diogo Manuel Vaz de (1933-1980) Nasceu na Quinta das Ribas, Vila da Feira, em 1 de Setembro de 1933. Era filho do Dr. Roberto Vaz de Oliveira. e de D. Maria Augusta Gaspar Formosinho Vaz de Oliveira Licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra em Agosto de 1960. Foi vice-presidente da Câmara Municipal da Feira no mandato de Alcides Branco. Foi delegado da Ordem dos Advogados na Comarca da Feira. Foi «um lídimo continuador
duma dinastia ilustre de advogados que tanto enalteceu a nossa terra, pugnando sem cessar, pelo seu prestígio, pelo seu progresso e pela sua integridade, o doutor Diogo nunca deixou de lutar pelo mesmo ideal feirense». Faleceu em Junho de 1980. Bibliografia Correio da Feira, 13.6.1980; Padre Albano Alferes, «Homens e Factos», Correio da Feira, 20.6.1980. OLIVEIRA, Domingos Alves (? – ?) Nasceu na Freguesia do Vale, Feira e foi pároco encomendado da Freguesia de Guisande por morte do pároco antecessor, padre Manuel Ferreira Pinto, em 19 de Agosto de 1875. Bibliografia António Ferreira Pinto, Defendei Vossas Terras – Monografia de Guisande. Edição da Junta de Freguesia de Guisande, 1999. OLIVEIRA, Eduardo Vaz de (1867- 1920) Nasceu na casa das Ribas a 17 de Julho de 1867. Era filho de Joaquim Vaz de Oliveira e de D. Libania Amélia d’Almeida Teixeira. Frequentou o Seminário de Coimbra e fez exames do ensino secundário nos liceus de Coimbra e Porto. Licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra em Junho de 1890. Montou banca de advogado na Vila da Feira e exerceu a sua profissão toda a vida. Deixou impressos alguns dos seus trabalhos jurídicos, tendo «A Gazeta da Relação de Lisboa» (vol.32, pág. 369) publicado o seu trabalho «Rescisão de Sentenças e partilhas». Foi chefe local do Partido Regenerador que abandonou a quando do regicídio e da queda do governo de João Franco, tendo-se sempre mantido fiel à causa monárquica. Foi Vice-Presidente da Câmara Municipal da Feira de 1893 a 1897 e tomou posse de Presidente da Comissão Administrativa da mesma Câmara a 2 de Janeiro de 1908, deixando de exercer o cargo em Fevereiro de 1908. Em 1902 fez parte do Conselho Distrital da Agricultura e em 13 de Janeiro de 1910 foi nomeado vogal correspondente do Conselho dos Monumentos Nacionais «em atenção aos seus movimentos e zelo pela obra de arte e antiguidade pátria». Fundou e dirigiu o semanário local «Comércio da Feira», órgão
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do Partido regenerador-liberal do concelho da Feira que iniciou a sua publicação em 2 de Janeiro de 1902 e teve o seu termo em 13 de Fevereiro de 1908. Foi um dedicado defensor da integridade do concelho aquando da emancipação municipal de Espinho, o que lhe valeu ficar preso numa das salas do edifício da Misericórdia de Aveiro, durante alguns dias. Casou em 12 de Junho de 1897 com D. Madalena de Castro de Sousa Ferreira, que em casada usou o nome de Madalena de Sousa Vaz Borges de Castro, nascida na Vila da Feira em 8 de Maio de 1889 e falecida em 21 de Fevereiro de 1900 e era filha do Dr. Roberto Alves de Sousa Ferreira e de D. Emília Henriqueta Bandeira de Castro e Sousa Ferreira. Deste casamento houve 2 filhos: Joaquim Vaz de Oliveira e Roberto Vaz de Oliveira. Joaquim Vaz de Oliveira faleceu a 7 de Agosto de 1920.
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Bibliografia Roberto Vaz de Oliveira, Quinta das Ribas – Família Vaz de Oliveira. Edição Comissão das Comemorações, Feira, 1999. OLIVEIRA, Fernando José de (? – ?) Vivia em 1766, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «natural do lugar da Velha, freg. de S. Nicolau da Vila da Feira, e morador em Lisboa, ao princípio da rua dos Cavaleiros, onde era conserveiro; filho de Manuel de Oliveira, natural da Velha, e de Maria Fernandes, natural de Vila Boa, freg. de S. Nicolau, moradores na Velha, neto paterno de Manuel de Oliveira e de Maria Gomes, moradores no lugar da Velha, e materno de Matias Fernandes, moradores em Vila Boa. Carta de Familiar de 2 de Setembro de 1766. A.N.T.T. – Fernando – m.2, n.,º 116» Revista Arquivo do Distrito de Aveiro (Janeiro, Fevereiro e Março), 1964.
das freguesias de Guisande e Gião, tendo tomado posse em Novembro de 1939. Bibliografia Jornal Tradição, 11.11.1939; Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940 OLIVEIRA, Francisco Pais (? – ?) Era pároco de Fiães, em 1717. Organizou os Estatutos da Confraria de Nossa Senhora do Rosário em 1719, tendo promovido a Festa da Rosa no 1.º domingo de Maio. Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940 OLIVEIRA, Gonçalo de (1527? – 1620) Padre jesuíta, nascido em Arrifana, foi um dos fundadores da cidade do Rio de Janeiro, onde se encontrava com 17 anos, levado pela família em 1552, ano em que entrou para a Companhia de Jesus. Foi nomeado pelo Padre Manuel da Nóbrega capelão militar. A ele se refere Pêro Rodrigues no seguinte passo: «Algumas vezes deram os inimigos assalto na cidade, que não era mais que uma cerca de pau a pique e casas de palha; e, numa delas, ajuntando-se muitos inimigos, estava o padre junto do altar de joelhos, e as flechas que vinham de mais alto, passavam o telhado de palha e se pregavam no chão ao redor dele sem lhe tocarem». Viveu no Brasil mais ou menos 70 anos até 1620, data em que morreu.
Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício. Revista Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º117 (Janeiro, Fevereiro e Março), 1964.
Bibliografia Arlindo de Sousa. Separata da Revista de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de S. Paulo, vol. XXXI, n.º 64, 1965: Correio da Feira, 13.8.1966; Augusto Telmo, Padre Jesuíta, de Arrifana de Santa Maria, em Terras de Vera Cruz, no séc.XVI. Revista «Villa da Feira – Terra de Santa Maria», n.º9, Fevereiro, 2005.
OLIVEIRA, Francisco Gomes de (1915- ?) Nasceu no lugar de Vilar, Fiães em 8 de Julho de 1915. Ordenou-se sacerdote em 26 de Agosto de 1939. Foi pároco
OLIVEIRA, Joaquim Vaz de (1838-1888) Nasceu na casa da Praça, Vila da Feira em 4 de Janeiro de 1838. Era filho de Joaquim Vaz de Oliveira Júnior e de D.
Luíza Adelaide Teixeira da Silva Canedo. Frequentou o colégio de S. Francisco, em Coimbra, licenciando-se em Direito na Universidade daquela cidade. Montou banca de advogado na Vila da Feira, tendo exercido a sua profissão até à morte. Deixou impressos alguns trabalhos como «Reflexões jurídicas a favor do Padre Manuel Gomes D. Pereira Coentro, d’Ovar, na causa que moveu contra António Pereira Júnior d’Aveiro» (1865) e «Questão acerca da mina do Monte-Alto do Covelho» (1881). «Muito culto, escrevia com brilho, quer em prosa, quer em verso, destacando-se entre as suas poesias, a que fez na noite de 25 de Junho de 1858, dedicada aos actores da «Sociedade Dramática Feirense», e a que escreveu, em 1872, sob o título «24 de Agosto», no sarau que se realizou, naquela data, para festejar o aniversário da aclamação da Rainha D. Maria II». Como político, foi chefe local do Partido Constituinte, mas desgostoso como muitos processos usados pelos políticos, e, designadamente, por o chefe do Partido Conselheiro José Dias Ferreira se ter recusado a atender o pedido de concessão de melhoramentos necessários para o concelho da Feira, abandonou esta actividade e dedicou-se à sua profissão e à sua família. Foi Presidente da Câmara Municipal da Feira em 1868/69 e Vice-presidente da mesma Câmara em 1876/1877, devendo-se a ele a transferência do Tribunal Judicial e de outras repartições públicas para o edifício do Convento de S. João Evangelista. Também a ele se deveu o desenvolvimento urbanístico de Espinho, destacandose as propostas que apresentou em 8 de Janeiro de 1876. Foi administrador substituto do concelho da Feira, nomeado por alvará de 5 de Janeiro de 1861. Notabilizou-se na defesa do concelho e da comarca da Feira aquando da anexação das freguesias de Arada, Maceda e Cortegaça, no concelho de Ovar. Em 1931 a sua acção a favor de Espinho foi recordado pelo padre André de Lima num artigo que escreveu no «Espinho Ilustrado», de Agosto de 1931: «Nos acontecimentos que por então se deram na nossa terra aparecem-nos os nomes de muitos feirenses que não devem ficar no olvido. Dentre eles destaco os dos Drs. Rufino Borges de Castro, Joaquim Vaz de Oliveira e Dr. Moura, a cuja memória quero aqui deixar, como filho dessa terra, o meu preito sincero de reconhecimento indelével». Casou em 17 de Maio de 1862 com sua prima D. Libania Amélia d’Almeida Teixeira, filha de Joaquim José Teixeira Guimarães, que foi secretário da Câmara Municipal da Feira, e de D. Francisca Rosa de Almeida, da casa da Portela,
de Paços de Brandão. O Dr. Joaquim Vaz foi o primeiro da família a viver na casa das Ribas. Do seu casamento houve 5 filhos: Luísa Adelaide Vaz de Oliveira; Roberto Vaz de Oliveira; Eduardo Vaz de Oliveira; Laura Vaz de Oliveira e Joaquim Eduardo Vaz de Oliveira. Faleceu a 12 de Outubro de 1888. Bibliografia Roberto Vaz de Oliveira, Quinta das Ribas – Família Vaz de Oliveira. Edição Comissão das Comemorações, Feira, 1999. OLIVEIRA, Manuel Carlos (? – ?) No relatório das freguesias da Feira, feito por ordem do Vigário Capitular D. Nicolau Joaquim Thorel da Cunha Manuel, em 1769, refere que Manuel Carlos Oliveira foi ordenado em 1764 e que desempenhou depois o cargo de cura de Canedo, por apresentação do reitor. Bibliografia Cónego A. Ferreira Pinto, S. Pedro de Canedo, Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º 15, 1938 OLIVEIRA, Manuel Francisco de (1902 1968) Nasceu em Milheirós de Poiares em 1902. Foi pároco de S. Miguel de Urro do concelho de Arouca, Paços de Brandão (de 1934 a 1939) Anta, do concelho de Espinho, Pedroso do concelho de Gaia, e capelão do Santuário de N.ª S.ª da Saúde dos Carvalhos. Quando faleceu a 25 de Junho de 1968 era pároco de Travanca do concelho da Feira. Bibliografia Correio da Feira, 29.6.1968 OLIVEIRA, Manuel de (? – ?) Foi pároco de Guisande em 1682. Bibliografia António Ferreira Pinto, Defendei Vossas Terras – Monografia de Guisande. Edição da Junta de Freguesia de Guisande, 1999 OLIVEIRA, Manuel de (1957-2004) Nasceu em Lobão, Feira, em 14 de Novembro de 1957. Foi professor do ensino básico e deputado do PSD, por Aveiro, na Assembleia da República durante 9 anos, tendo sido
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secretário da mesa do Parlamento, presidente da Comissão Amizade Portugal-Angola e membro de várias comissões parlamentares. Foi secretário da Junta de Lobão, adjunto do Governo Civil de Aveiro e vereador da Câmara Municipal da Feira. Faleceu em 20 de Fevereiro de 2005, com 47 anos de idade. OLIVEIRA, Manuel Pereira de (1904 – ?) Nasceu no Pará (Brasil) em 13 de Fevereiro de 1904. Era filho de Joaquim Victorino de Oliveira e de D. Maria Emília Pereira de Oliveira. Era casado com D. Amália Correia Pereira de Oliveira. Foi Juiz desembargador no Tribunal da Relação de Lisboa e foi director do jornal «O Arrifanense» Bibliografia Roberto Vaz de Oliveira, Imprensa da Vila e Concelho da Feira. Revista Aveiro e o seu Distrito, n.º 8, 1969. 108
OLIVEIRA, Manuel Serafim de (1874.1935) Nasceu na aldeia de Cabomonte, freguesia de Souto, a 9 de Dezembro de 1874. Estudou as suas primeiras letras com o padre-mestre António Francisco Leite. Cursou depois Teologia, tendo concluído os estudos antes da idade canónica de ordem de missa. Foi, por isso, colocado como professor no colégio lazarista de Amarante, sob a direcção dos padres Fraques e Souza Borba, figuras conhecidas da revolução republicana de 1910 e «que imolou barbaramente o primeiro e atacou a tiro o segundo na simulada revolta dos jesuítas, fantasiada por Machado dos Santos na Rotunda, em Lisboa. Foi ordenado presbítero em 1897 e nomeado subdirector das Oficinas de S. José do Porto e pároco em mais de uma freguesia da diocese. Partiu para o Brasil à procura de recursos para sustentar uma família numerosa, tendo ali sido professor de ciências eclesiásticas no seminário do cardeal Arcovêdo, no Rio de Janeiro. Foi também membro da colegiada do Rio de Janeiro. Regressado a Portugal foi «um acendrado bairrista, um grande amigo da sua terra que lhe deve o mais decidido concurso nos melhoramentos locais».O Cónego Manuel Serafim de Oliveira faleceu na sua casa de Souto em Setembro de 1935. Bibliografia Jornal Tradição, 7.9.1935 OLIVEIRA, Miguel Carlos de (? – ?) Foi ordenado sacerdote em 1764 e desempenhou o cargo de cura na freguesia de Canedo.
Bibliografia Padre António Ferreira Pinto, S. Pedro de Canedo – no concelho da Feira. «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º 15, 1938 OLIVEIRA, Roberto Vaz de (1899-1975) Nasceu na casa das Ribas em 12 de Abril de 1899. Era filho de Eduardo Vaz de Oliveira e de D. Madalena de Sousa Vaz Borges de Castro. Frequentou o ensino secundário no liceu Rodrigues de Freitas do Porto. Licenciou-se em Ciências Histórico-geográficas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em 12 de Janeiro de 1919, e em Direito, em 22 de Setembro do mesmo ano, e na mesma Universidade. Dedicou-se à advocacia na Vila da Feira, tendo sido por diversas vezes presidente da delegação da Ordem dos Advogados na comarca da Feira. Foi notário na Feira, cargo de que tomou posse em 12 de Fevereiro de 1931, com a categoria de 1ª. Classe, quando era director da Secretaria Notarial da Feira. Em 19 de Julho de 1937 tomou posse como Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal da Feira e em 3 de Janeiro de 1938 de Presidente da mesma Câmara até 23 de Agosto de 1944. Nesta data foi empossado como Governador Civil da Guarda e por inerência Presidente da Federação dos Municípios da Beira Serra. Em Abril de 1947, foi exonerado a seu pedido do cargo de Governador Civil e voltou para a sua terra a exercer a advocacia e o cargo de notário. Foi conselheiro Municipal em várias legislaturas municipais. Foi ajudante da 1ª. Secção da 2ª. Conservatória do Registo Predial do Porto (1920) e da Conservatória Predial da Feira (1925). Foi presidente da Direcção da Casa do Povo da Feira (1934 a 1939) e da sua Assembleia Geral (1952-1955). Vice-Presidente da Comissão de Vigilância pela Guarda e Conservação do Castelo da Feira (1937ª 1951) e seu presidente desde 1961, presidente da Comissão Jurisdicional do Futebol de Aveiro (1956 a 1963), procurador nato do Grémio da Lavoura da Feira e S. João da Madeira (1952). Como filatelista obteve com a sua colecção especializada de selos de Portugal (Continente, Ilhas e Ultramar), incluindo reimpressões e inteiros postais, os seguintes prémios: medalha de vermeil, na 2ª. Exposição Filatélica do Porto (2ª. BEPEX), Porto, 1947; medalha de vermeil, na IV Exposição Filatélica Portuguesa, Porto, 1956; medalha de vermeil e taça de prata, na I Exposição Filatélica de Aveiro – «Mil Anos de História.
Dois Séculos de Cidade», Aveiro 1959; medalha de vermeil, na V Exposição Filatélica Nacional, Lisboa, 1960; medalha de prata, na IV Exposição Filatélica Luso-Brasileira (LUBRAPEX), Aveiro, 1972; Com as suas colecções de diversos países europeus (Alemanha, Bélgica, Espanha, Vaticano, etc.), foi premiado com medalha de cobre na 2ª. BEPEX, Porto, 1947. Com excerto temáticos das suas colecções obteve medalhas de bronze na I Exposição Filatélica Mariana (Cinquentenário das Aparições) – Fátima, 1968 e Exposição de Homenagem ao Dr. António Fragoso pelos 60 anos de vida filatélica, Ovar, 1973. Participou ainda no Iº. Congresso Nacional de Filatelia, Aveiro, 1966 e no Iº. Congresso Luso-Brasileiro de Filatelia (LUBRAPEX-72), Aveiro, 1972; A Federação Portuguesa de Filatelia atribuiu-lhe a medalha de cobre de «Serviços Inestimáveis». Escreveu em diversa revistas e jornais, tendo impressos, além dos relatórios da Câmara Municipal da Feira de 1937 a 1942, «Uma década na história do concelho da Feira – Auxílio prestado pelo Ministério das Obras Públicas e Comunicações», 1943,os seguintes trabalhos de investigação histórica do concelho da Feira: «Quatro Séculos de História – Vila da Feira – A Praça Velha», 1967-1969; «Imprensa Periódica da Vila e Concelho da Feira», 1969-1970; «Antologia Aveirense – Dr. António Augusto de Aguiar Cardoso», 1970; «Ainda a Praça Velha – Vila da Feira», 1971; Homens do Porto – Barcelos e a Vila da Feira», 1971-1972; «Freguesia de S, Nicolau da Vila da Feira – Capelas – Oratórios – Alminhas – Cruzeiros – Vias Sacras – Passos – Outros Padrões – 1 – Capelas», 1972-1973; «As Armas e a Bandeira da Vila da Feira – 1284/1974», 1974. Roberto Vaz de Oliveira casou em 12 de Março de 1923 com Augusta Gaspar Formosinho, nascida em Redinha, Pombal em 13 de Abril de 1897, filha de Sebastião Barbosa Formosinho e de sua mulher D. Maria da Estrela Gaspar Formosinho. Deste casamento houve 6 filhos: Maria Madalena Augusta Formosinho Vaz de Oliveira, Maria Eduarda Formosinho Vaz de Oliveira, Eduardo Sebastião Vaz de Oliveira, Maria José Formosinho Vaz de Oliveira, Maria Margarida Formosinho Vaz de Oliveira e Diogo Manuel Vaz de Oliveira. O Dr. Roberto Vaz de Oliveira faleceu na sua casa das Ribas em 1 de Março de 1975, estando sepultado no cemitério da Vila da Feira. Bibliografia Roberto Vaz de Oliveira, Quinta das Ribas – Família Vaz de Oliveira. Edição Comissão das Comemorações, Feira, 1999
OUROANE (Soares) (?- ?) Com apelido Ermesenda lega, em 21 de Fevereiro de 1124, ao Mosteiro de S. Salvador de Grijó, a totalidade dos seus bens que possui em Murraceses e Nogueira. Bibliografia Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó /(XI-XIII),. Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971
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Monsenhor Moreira das Neves *
* Monsenhor Francisco Moreira das Neves (1906 - 1992) Dedicou-se ao apostolado infantil com a Fundação do Patronato de Santa Rita de Cássia. Dirigiu programas radiofónicos e televisionados. Presidente da Obra de Protecção aos Leprosos. Deixou imensa obra em reportagem, prosa e poesia.
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Domingos Azevedo Moreira *
VISITAÇÕES DE PIGEIROS (FEIRA)
Vol. I
(1769 – 1849)
Vol. II
(1850 – 1873)
«D. An. to de S. Joze de Castro, por m. cê de D. s e da S. ta Sé App. ca Bispo do Porto, do Con. co do Príncipe Reg. te Nosso Senhor. O Príncepe (sic) Reg. te Nosso Senhor houve por bem md. ar por Auizo de 22 de 9br. º do prez. te anno q. neste Bispd. º do Porto se procedesse a hua noua Enumeração dos Pouos q. nelle se contêm, Regulada pellos exemplares q. o m. mo S. r foi servido mandar remetter p. ª este fim. Em observancia destas Reais Ordens mandamso a todos os Rd. os Párochos desta Nossa Dioceze q., logo q. receberem esta Nossa Carta acompanhada com hum dos sobreditos Exemplares, passem a fazer a mais prompta e exacta delig. ca p. ª q. nos m. mos Exemplares se póssão lansar as noticias individuais e Circunstanciadas q. nellas se requerem com a declaração e exacção e dentro do tempo q. se determina nos 4 seg. tês Parágrafos do sobred. º Avizo. 1.º O Príncepe Reg. te Nosso S. r leuado dos puros movim. de sua Real Beneficencia, Hauendo de dar providencias as mais saudáveis em commum beneficio dos seus amados Pouos, Manda Remeter a V. Ex. ca os Exemplares empressos (sic) p. ª effeito de se organizar nouam. te a Enumeração
tos
PIGEIROS 1990
*Abade de Pigeiros. Faleceu a 10 de Janeiro de 2011.
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distinta dos Pouos das freguezias do seu Bispd. º, fazendo V. Ex. ca distribuir os dictos Exemplares aos Respectiuos Párocos q. deuerão prehencher os Artigos ali declarados e tão som. te | 42 E tão somente acrescentar o númaro (sic) dos auzentes e dos de fora da freg. ª em ambos os sexos. 2.º E porq. nos Exemplares impressos não se acha espiceficado (sic) o Artigo sobre os expostos, carecendo-sse dele individualm. te, mandará V. Ex. ca instrohir outra Tabella particullar e inteiram. te separada da Comum Enumeração dos Pouos pellos Párochos na qual se distinga assim o númaro dos recolhidos como dos Expostos em ambos os sexos, notando os nascidos, os mortos e os existentes. 3.º 112
Ulltimam. te sendo impraticáuel satisfazer no corr. te anno à última p. te do referido Exemplar impresso relativo às enfermidades, deverá esta produzir o seu devido efeito do anno próximo fecturo (sic) em diante. 4.º S. A. R. md. ª emcarregar a V. Ex. ca o mais Correcto escrúpolo no comprim. to (sic) de tudo q.to novam. te ordena, bem advertindo q. numerozos aritheméticos de m. tas das Tabellas do anno passado pellos Par. os viérão ininteligiueis ao q. V. Ex. ª deverá ter a mais circunspecta atenção. Devemos esperar do respeito e fiel obed. ca q. todos deuemos ter às Reais Ordens do Príncepe Reg. te Nosso S. r q. os R. R. Par. os da Nossa Dioceze, logo q. estas lhes forem aprezentadas, as cúmprão e executem com a breuid. e e exactidão q. o m. mo S. r determina e p. ª mais facil intelig. ca do sobredicto Parágrafo 2.º recomendamos aos m. mos R. R. Par. os q. nos remêtão em Tabella separada o númaro dos expostos homens e mulheres nascidos e existentes do prez. te anno nas suas respectiuas Freg. as, dada no Porto sob signal do Nosso Rd. º D. r Provizor aos 2 de Dezbr. º de 1802. Esta Nossa Ordem correrá a forma da Vezita e cada hum dos Rd. os Par.os a fará remeter ao q. se seguir e cada hum asignará, etc. Signal do D. r Provizor. Manoel Lopes Lour. º etc.».
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«Dom An. to de S. Joze e Castro, por mercê de D. e da S. ta Sé App. ca Bispo despe Bispd. º do Porto e do Con. co do Príncipe Regente Nosso S. r. Os Lugares s. tos em q. se obrou a Nossa Redempção merecerão sempre a Devoção dos Fieis e a Pied. e com q. elles concorrárão (sic), digo, com q. elles concorrerão sempre com as esmolas p. ª a conservação e culto dos m. mos Lugares Sagrados e, a fim de q. este Culto se não deminuísse, os Ex. mos Prellados Nossos Predessessores (sic) exortarão os Párochos desta Nossa Dioceze p. ª q. promovessem nas suas respe(c)tivas freguezias a Continuação das m. mas esmolas. E, porq. prezentem. te nos Consta q. ellas se têm diminuído em grande p. te, Imitando a pied. e dos Nossos Ex. mos Predessessores inviamos (sic) com esta a provizão sancta do S. r D. João Rafael de Mendo(n) ça, Recomendando aos R. dos Par. os deste Bispd. º q. fássão executar e Cumprir o q. nella se contém, à excepção das pennas e Cençuras (sic) por esperarmos da Pied. e Dos (sic) Nossos Diocezanos q, não séjão necessárias. Esta Nossa Ordem Correrá a forma da Vezita, e cada hum dos R.dos Par. os a fará Remeter ao q. se seguir em termo breve, deixando-a primr.º copiada no L.º dos Capp. tos da Vezita, asignando nas costas qd. º a Receberão e inviárão p. ª a seg. te freg. ª e o último a fará 1 (66) Remeter à Câmera Eclesiástica. Dada no Passo (sic) Episcopal (do) Porto sob Nosso signal aos 28 de (Dezbr.º) 2 (67) de 1803 etc. M. el Lopes Lour. º». 42v
s
38 «O Mesmo Ex. mo e R. mo S. r D. Antonio de S. Joze e Castro, por Mercê de D. s e da S. ta Sé App. ca Bispo deste Bispd. º do Porto, do Con. co do Príncepe Reg.te N. S. r etc. A todos os Fieis Nossos súbditos asim Eclesiásticos como Seculares. Fazemos saber q. o SS. mo P. e Pio 7.º foi servido Conceder-nos a faculdade de elegermos hu Altar Priviligiado em cada hua das Igr. as Parochiais ou Colligiadas (sic) deste Nosso Bispd. º | 43 para sufrágio das almas do Purgatorio com Indulgencia
No texto está “fare”. No texto, o nome do mês está omisso mas consta no livro de Visitações de Romariz, f. 97.
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plenaria que durará por tp. º de 7 a(nnos), Revogados quaiq. r Privilegios q. (h)ouverem a Resp. to do m. mo Altar Priviligiado Em atenção de sser a m. ma Igr. ª Parochial, Determinamos portanto a cada hum dos Rd. os Par. os das freg. as deste Nosso Bispd. º q. Eléjão na sua Paróchia o Altar q. p. ª o m. mo fim for mais Cómmodo, havendo-o na m. ma Igr. ª e, não o havendo, ficará sendo Perviligiado o Altar Mor; esta graça durará a(thé) o dia 2 de Abril de 1810 de mil e outo Centos e dés. Esta Ordem correrá a forma da Vezita e cada hum dos R. dos Par. os a fará Remeter ao que se seguir em termo breve, asignando cada hum nas costas deste (sic) de como assim o cumprírão e o último a fará Remeter ao Escr. am da Câmera. Porto, 23 de Dezbr. º de 1803. M. el Lopes Lour. º. Está Eleito p. ª esta graça o Altar Mor desta Igr. ª de Pigeiros». 39 «Dom Antonio de S. Joze e de (sic) Castro, por mercê de D. s e da S. ta Sé App. ca Bispo do Porto, do Con. co do Príncipe Reg. te Nosso S. r a todas as pessoas q. estas Nossas Letras virem saúde e Bênção em o Senhor. Fazemos saber q. estando em actual Vizitação das Comarcas da Maya e da Feira desta Dioceze e tendo visto com m. ta Refleção (sic) os Capp. os das Vezitaçoens passadas e q. o objecto dellas em parte tem sido a Di(s)ciplina geral e commum a todas as Igr. as e em parte a Economia particular de cada hua dellas e Rezervando isto p. ª o tp. º em q. as podermos (sic) Vizitar : Havemos por bem Ordenar q. to à Di(s) ciplina em Commum q. se observem as determinaçoens seg. tes , as quais mandamos participar a todos os Rd. os Par. os da Nossa Jurisdição p. ª q. as fássão comprir e goardar. 1.º Em primr. º Lugar exhortamos a todos os Fieis Nossos amados Súbditos e filhos em Jesus Christo q. goarde(m) fielm. te | 43 v Os S. tos Mandam. tos da Ley de D. s Nosso Snr. como Único Caminho q. nos pode Conduzir à Bem-aventurança Eterna p. ª q. fomos Criados asim como o estipêndio do pecado he a Morte, depois desta o Juízo e depois a pena
Eterna. Recomendamos muito o frequente exercício dos Actos de Fé, Esperança e Caridade e a exacta Piedoza observancia dos Mandamentos da Igreja, pois não podem ter a D. s por Pay os q. não obsérvão da S. ta Madre os Preceitos de tão Santa Mãy. 2.º E particularm. te exhortamos a todos os Rd. os Par. os e mais Sacerdotes da Nossa Dioceze q., vendo como são Ministros do Sanctuario e devendo Sanctificar os povos, séjão Santos como está mandado pello Senhor “Sancti Estote quia ego Sanctus sum”, procurando com o desempenho de suas obrigaçoens edificar os Próximos e instrohi-los com a Doutrina de Jesus Christo. Advertimos a todos os Confessores em geral e cada hum delles em particular q., qd. º Recebem o poder das Chaves, o S. r lhes confia hum depózito do qual devem ser Fieis Dispenseiros e q, no cazo q. por sua culpa séjão privados os Fieis das graças sanctificantes q. lhes devem distribuir como Ministros do Sacram. to da Penitencia, terão certa a m. ma Reprovação q. teue o servo mao e preguiçozo q. escondeo o talento q. lhe foi confiado p. ª Lucrar com ele. 3.º Mandamos a todas as pessoas da Nossa Dioceze q. amem e Respeitem aos seos Legítimos Superiores e expecialm. te (sic) lhes Recomendamos o desempenho desta obrigação p. ª com os seus respectivos Párocos, devendo Lembrar-se de q. elles Reprezêntão a Seu Respeito a pessoa de Jesus Christo nos officios de Pay, de Pastor, de Médico e de Juis, devendo por estes títolos prestar-lhe(s) sujeição, Pied. e, Obediencia e Respeito assim como Igualm. te lhes devem Concorrer com as Contribuiçoens determinadas por Dir. to e por Uzos e Costumes antiquíssimos Legitimam. te introduzidos, fundados no Antigo e Novo Testamento e Conformes com a Di(s)ciplina antiga e Universal da Igreja. 4.º E, sendo hum dos principais obje(c)tos das Vezitaçoens passa(das) a vida e honestidade dos clérigos, sobre o q. | 44 sobre o q. achamos m. tos Capítolos q. na
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Conformidade dos Cânnones 3(68) do Con. co Trident. E das Constetuiçoens do Bispd. º Repróvão os abuzos e prescrevem 4(69) as regras da boma (sic) de(s)ciplina (sic) q. deue Regular a vida e as a(c)çoens dos Eclesiásticos, Mandamos a todos os Rd. os Par. os desta Dioceze q. fáção inteiram. te observar os mencionados Capp. tos, os quais por estas Nossas Letras Confirmamos e Renovamos.
sobredito(s) vestidos e destintivos q. são proprios da sua alta Dignidade e q. estão asim decretados pellos Sagrados Cânnones e Constituiçoens do Bispado e, quando hájão alguns desobedientes | 44v e rebeldes destas (santas leys ou que na Celebração dos Officios Divinos) 6(71) se não portem com a Religião, gravidade e bom exemplo q. deuem Resplandecer nos Ministros do Sanctuario, os seus respe(c)tivos Párochos Nos darão logo parte p. ª darmos providencias necessarias.
5.º 7.º
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E a todos os Eclesiásticos da Nossa Jurisdição ordenamos q., além da vida virtuoza e edificante q. deuem ter tambem exteriorm. te, obseruem com expecialid. e as sobreditas Leis Cannónicas e Constituiçoens q. obrígão a todos os Eclesiásticos sem distinção de pessoas a uzar dos distintiuos proprios do seu estado q. vêm a ser Coroa competente à sua Ordem, cabeção, volta e vestidos de cor escura, talares e fechados por diante principalm. te no exrecício das funçoens E(c) lesiásticas, abstendo-se ao m. mo tempo de modas profanas, Ridículas e emdecentes (sic) q. só servem p. ª mostrar ahinda 5(70) nas pessoas Seculares a falta da Concideração (sic) e de gravidade. 6.º Outros(s)im Mandamos aos Rd. os Par. os e quaisq. r outras pessoas q. têm debaixo da sua administração o Governo, Igrejas, Ermidas, Cappellas e Oratorios e tambem p. ª o m. mo fim Exhortamos aos Rd. os Perlados (sic) das cazas Regulares e mais Izentos comprehendidos na Nossa Dioceze q. não consíntão q. nos sobreditos Lugares das suas Respe(c)tivas Jurisdiçoens séjão admitidos aos Officios Divinos e menos à Celebração do S. to Sacrafício (sic) da Missa quaesq. r pessoas Eclesiásticas de qualq. r Condição q. séjão q. p. ª estes Sagrados Ministerios se não aprezentassem com o(s)
3 (68) A palavra “Cânnones” consta claramente do livro de Visitações de Romariz, f. 97 verso. No nosso texto está, em parte, mutilada. 4 (69) No nosso texto a leitura “abuzos” é pouco evidente (parece mais “abcinos”) e menos evidente é a leitura “prescrevem” (parece mais “preruínão” ou “prescruínão”) mas ambas as leituras (“abuzos” e “prescrevem”), de acordo total com o sentido da frase, constam claramente dos livros de Visitações de Caldas de S. Jorge, f. 87, Romariz, f. 97v e Guisande, f. 6v. 5 (70) No nosso texto parece mais “ar(r)uído” que “ahinda” mas esta segunda leitura consta claramente dos livros de Visitações da Caldas de S. Jorge, f.87, e Guisande, f.6 verso.
Confirmamos os Capp. os das Vezitaçoens passadas nas quais foi Ordenado q. os Eclesiásticos de quaisq.r ordens q. séjão, prompta e devotam.te acompanhem com sobrepelis o Sanctissimo Sacram. to qd. º vay aos Infermos e mandamos q. asim se observe athé porq. os Seculares nas devassas das Vezitaçoens acúzão os Eclesiásticos deste defeito e se quéixão e escandelízão da sua falta de Religião e Pied. e. 8.º Mandamos q. se observem os Capp. os passados sobre o Resp. to devido aos Sagrados Templos e q. nelles e nas Samchristias (sic) se goarde silencio e se evite tudo o q. possa cauzar Ruído, perturbação e desordem na Caza de D. s. 9.º Novam. te Ordenamos q. os Confessores, acabando o tp. º da sua approvação, cuidem logo em se approvarem no tp. º de dous mezes e, não o fazendo assim, emcorrerão (sic) na pena de suspensão “ipso facto” a Nós Rezervada. 10.º Affim de q. os Eclesiásticos da Nossa Dioceze se apromptem e habelitem p. ª as obrigaçoens do Confessionario e celebração dos Officios Divinos, Mandamos q. se observem os Capp. os passados sobre as conferencias de Theologia moral e q. estas em cadas (sic) mês se fássão duas vezes e
(71) O nosso texto está em mau estado de conservação. Reconstituímos as palavras pelo livro de Visitações de Romariz, f.98.
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hua de Ceremónias da Missa e Canto Cham, sendo o Rd. º Par. º prezidente dellas e ficando todos advertidos de q. não serão atendidos em seus Req. tos se a elles não juntarem certidoens dos seus respe(c)tiuos Parr. cós das quais Conste q. têm cumprido com as sobreditas obrigaçoens das Conferencias , de acompanharem o Sagrada Viá- | 45 Viático e de uzarem dos distintivos proprios do seu Estado principalm. te nas Igr. as. 11.º Os Confessores proguntem (sic) a Doutrina Christaa nos Confessionarios na forma determinada pello S. r Dom Fr. João Rafael de Mendo(n)ça cuja determinação Confirmamos debaixo da m. ma pena. Mandamos goardar como nella se conthém. 12.º Devemos esperar q. os Rd. os Par. os observem o q. está mandado no L. º 5, Constituição segunda, lendo à Estação da Missa Conventual em seus devidos tempos as Constituições q. ali vêm declaradas, principalm.te lhes Recomendamos as instroçoens nr. as a Resp. to dos S. tos Sacram. tos e em particular sobre o da Penitencia, fazendo conhecer a necessid. e das Confiçoens gerais àquellas pessoas q. (a)inda as não fizérão. Tambem especialm. te deverão instrohir os seus freguezes sobre a santificação dos dias santos e observancia do 4.º Preceito do Decálogo e do 5.º mandam. to da S. Madre Igr. ª. 13.º E porq. a Resp. to da guarda dos dias S. tos se têm introduzido m. tos abuzos e excitado diferentes dúvidas q. não podem cahir debaixo de hua desunião geral principalm. te a Resp. to de compras e vendas em Rezão (sic) da diversid. e dos géneros, de tempos, de lugares e de pessoas, Admoestemos principalm.te a todos os Nossos Diocezanos q. tênhão sempre prezente a Ley do Senhor q. nos dias destinados ao seu Culto manda q. fassamos (sic) obras de santificação e nos abstenhamos das servis, em seg. do Lugar lhes advertimos q. desta Suprema Ley só podem ser exceptuados os Cazos urgentes e de 7(72) q.
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No texto está “do”.
póssão Rezultar graves prejuízos, concorrendo com esta justa cauza, podendo ser con. co de Varão prudente ou dispensa de leg. to superior. E afim de q. os fieis entrem na inteligencia desta doutrina ordenamos q. os Confessores examinem | 45v Examinem e instruam os penitentes sobre a obrigação deste preceyto e q. os Rd. os Parr. os e Ministros e offeciais de N. S. r Jesus Christo, digo, offeciais da Nossa Jurisdição zelem a sua observancia como comvém e q. em cazo de dúvida nos consultem. 14.º Renovamos e mandamos goardar os Capp. os das Vezitaçoens passadas q. prohibem os Seroens e Recomendamos aos Rd. os Parr. os q., não podendo por suas delig. cas evitar esta desordem, recôrrão ao zelo E authorid. e dos Magistrados Seculares. 15.º Mandamos q. se executem logo os Capp. os passados em que se acharem decretadas alguas obras nos sagrados Templos ou nas Rezidencias dos Rd. os Parr. os. 16.º Havendo nas Vezitaçoens passadas e em diferentes Pastorais algumas Excomunhões e Suspençoens impostas por motivos q. têm sessado (sic), lhas havemos por bem, por ora e emq. to sobre este as(s)umpto não fizermos hum delig. te exame, suspender todas as q. se acharem impostas nas sobreditas Vizitaçoens e Pastorais não sendo por nós confirmadas. 17.º E geralm. te confirmamos os mais capp. os das Vezitaçoens passadas q. por justo motivo não tiverem sessado (sic) e Revogamos todas as L. cãs concedidas com esta Cláuzula emq. to não mandarmos o contr. º. E p. ª q. estas Nossas determinaçoens tênhão a sua devida execução, Mandamos em virtude da S. ta Obediencia a todas as pessoas da Nossa Jurisdição que as Cumpram e goardem fielm. te e ao Nosso Reverendo Provizor, Vigario Geral
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e Dezembargadores | 46 Dezembargadores, Vezitadores, Vigarios da Vara, todas as mais pessoas, Meirinhos e Offeciais da Nossa Jurisdição Eclesiástica q. asim as fáção goardar Como nellas se contém. E outros(s)im Mandamos que segundo a Ordem da Vezita séjão participadas a todos os Rd. os Parr. os da Nossa Jurisdição e q. estes as le(i)ão ao Pouo à Estação da Missa Conventual e sem perda de tempo as lancem no L. º dos Capp. os das Vezitaçoens e Remêtão ao Parr. º (q. se seguir) 8(72b) asignando todos na forma do Costume. Dadas no Porto sob Nosso Signal e Sello e Sello (sic) de Nossas Armas aos 23 de 9br. º de 1804. D. Antonio Bispo do Porto. Lugar do Sello de Armas. De Mandado de Sua Ex. ca R. ma Fran. co de Paulla de Sá Farinha. Em observancia das sobreditas Letras e determinaçoens de Sua Ex. ca e R. ma mandei passar a prezente pello Theor da qual Ordemno q. os Rd. os Parr.os deste Bispd. º em Tr. º breve observem o determinado pello mesmo S.r, asignando nas costas desta o dia e (h)ora q. a Receberão e fizérão Remeter ao q. se seguir na forma do Mapa juncto e o ultimo a fará Remeter à Câmera. Porto, 27 de 9br. º de 1804 e eu Antonio J. e de Oliur. ª a sobscrevi. Manoel Lopes Lour. º». 40 «Dom Frey Ant.º de S. Joze (e) Castro, por m. cê de D. s e da S. ta Sé App. ca Bispo do Porto e do Con. co do Príncepe Reg. te N. S. r etc. A todos os Nossos Súbditos Diocezanos saúde e pás em D. s N. S. r. Fazemos saber q. tendo Sua Altheza Real ordinado (sic) no seu Real decreto de 25 de 9br. º próximo passado q. as tropas do | 46v do Emparador (sic) Francezas séjão bem aquarteladas e assistidas de tudo o q. lhe(s) for precizo, evitando todo e qualq. r emsulto (sic) q. se possa perpretar, conservando-sse sempre a boma (sic) (h)armonia q. se deue praticar com os exércitos das Nasçoens alliadas e sendo comveniente (sic) q. estas Reais Ordens se propaguem e defêndão por todas as freg. as e Aldeyas deste Bispd. º, Havemos por bem ordemnar q. todos os R. R. Par. os da Nossa Jurisdição não só as intimem aos Povos na Cadeira Parochial 8 (72b) Estas palavras, omissas no texto, constam do livro de Visitações de Romariz, f. 99 verso.
mas ainda promôvão a execução dellas por insinuaçoens particulares, fazendo-lhes conhecer a obrig. am q. têm de as observar e q. to asim convém aos seus interesses e pessoas e tranquilid.e p. ca e Recomendamos m. to aos R. R. Par. os q. elles séjão os primr. os em dar exemplo, officios de Hospitalidades e de caridade com q. devem ser Recebidas e tratadas as sobreditas Tropas alleadas (sic) e amigas todas as vezes q. suceda tranzitarem pellas suas respectivas 9(73) freg. as. E, para que esta Nossa Ordem mais facilm. te possa constar e chegar à not. ª de todos os Nossos Diocezanos, os Rd. os Par. os a fássão Remeter ao q. se seguir com toda a brevid. e, deixando-a copiada no L.º dos Capp. os e extrahindo hua cópia q. farão fixar 10(74) no lugar p. co da Sua Igr. ª p. ª q. a todos seja patente além da publicação por Nós Recomendada. Cada hum dos R. R. Par. os a asignarão nas costas desta de a terem Recebido e Remetido ao q. se seguir e o último a fará Remeter ao Nosso Escr. am da Câmera. Dada no Porto sob signal do Nosso Rd. º D. r Provizor aos 5 de Dezbr.º de 1807 e eu Manoel Lopes Lour. º etc. ». 41 «Dom Antonio de S. Jose e Castro, Monge de São Bruno, por m. cê de D. s e da S. ta Sé App. ca Bispo do Porto etc. | 47 o Imperador dos Francezes, Rey de Italia, Protector da Comfederação (sic) de Rheno p. ª evitar as consequencias funestas q. m. tas Vezes Rezulta(m) do concurso e juntam. to do Povo, ainda qd. º parece dirigir-se a obje(c)tos de Piedade, Houve por bem mandar que na prez. te Quaresma assim nesta Cid. e como em todos os Lugares desta Dioceze se não fássão Prociçoens alguas das que em tão santo tempo se costúmão fazer. E Mandamos a todas as pessoas do Clero Secular e Regular e a todas as Ordens e confrarias deste Bispd. º q. se abstênhão de fazer procissão algua na confermidade (sic) da Referida Ordem. E p. ª q. chegue à notícia de todos, Mandamos passar a prezente, a qual os Rd. os Par. os das Parochias deste Bisp. º a publicarão à estação da Missa Conventual, p. ª o q. ficará copiada no L.º dos Capp. os da Vezita. Esta Ordem Correrá a forma da Vezitação e cada hum dos Rd.os Párochos a fará Remeter ao que se seguir, asygnando nas costas della de como asim o cumprio e a Remessa será em termo breve e 9 (73) No texto está “Repetidas”. 10 (74) No texto está “fechar”.
o último a fará Remeter ao Escrivão da Câmera, dada no Porto sob sob (sic) Nosso Sello e Signal do N. Rd. º D.r Provizor aos 5 de Março de 1808 e eu An. to J. e de Oliur. ª (sic) a escrevi. Manoel Lopes Lour. º.».
Provizor aos 7 de Março de 1808 e eu Antonio Joze de Olivr. ª (sic) a sobscrevi. Manoel Lopes Lour. º. Sello de Armas. Sampayo». 43
42 «Dom Antonio de S. Joze e Castro, Monge de S. Bruno, por Mercê de D. s e da Sancta Sé Ap. ca Bispo do Porto. Fazemos saber aos Rd. os Párochos e mais Sacerdotes desta Dioceze q. o Ex.mo e R. mo Snr., Principal Castro, concelheiro (sic) do Governo, emcarregado das (sic)Justissa e Dos cultos houve por bem dirigir-nos o Officio do Theor seg.te : Ex. mo e R. mo S. r : Em Nome de Sua Mag. e o Imperador dos Francezes, Rey de Italia e Proctetor (sic) da Confederação do Rehno (sic) e em consequencia dos Decretos de S. Ex. ª General em chefe do Exercito Francez em Portugal datados (sic) do primeiro do corrente Participo a V. Ex. ca | 47v que às palavras da Colle(c)ta “Reginam nostram Mariam, Regentem Principem Nostrum Joanem et Príncipes cum Prole Regia Popupulo (sic) sibi commisso et exercitu suo, terra marique” se devem substituir as seg. tes : “Gallorum Imperatorem Italiaeque Regem Napolionem et Principes cum prole Regia populo sibi commiso (sic) et exercitu suo terra marique” se devem substituir as sg. tes (sic) : “Gallorum Imperatorem Italiaeque Regem Napolionem et Príncipes cum prole Regia populis tibi commissis et exercitibus suis terra marique” p. ª o q. nesta Confirmidade (sic) haja V. Ex. ca mandar logo expedir as Ordens necessarias p. ª q. daqui por diante se pratique e observe o Referido em todas as Igr. as do seu Bispd. º, fazendo-se na sobredita oração as apontadas alteraçoens e mudanças. Deos g. de a V. Ex. ca, Lisboa 27 de Fever. º de 1808 : com as formas do m. mo Senhor e (sic) Mandamos que a sobredita Ordem se cumpra e goarde fielm. te debaixo de penas graves a Nosso arbítrio e p. ª q. chegue à not. ª de todos, Mandamos que seja fixada 11(75) nos lugares do estillo nesta Cid. e, Remetida a todos os Parochos Desta (sic) Dioceze p. ª q. a participem a todos os sacerdotes das suas Respe(c)tivas freguezias e a deixem copiada no L. º dos Capp. tos das Vezitas e o N. Rd. º D. r Provizor a fará expedir na forma do estilo. Dada no Porto Sob Nosso Sello e Signal do N. R. D. r
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No texto está “fichada”.
«Em trinta de Janeiro de 1813 tomei posse da Abbadia de Santa Maria desta freg. ª de Pigeiros O Abb. e Fran. co da Costa Barboza». 44
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«Copia da prim. ª Ordem de Correr, que recebi em 17 de Junho de 1813 e remetti no dia 18 do mesmo p. ª Romariz. O Doutor Theodoro e Pinto Coelho de Moura, Abbade Reservatario da Igreja de São Nicolao e Provisor desta Cidade do Porto etc. Em obsrevancia da Portaria do Governo de trez e Aviso Regio de 21 de Abril último, Ordeno aos Reverendos Párochos deste Bispado que dentro de quinze dias o mais tardar remêttão ao Escrivão da Câmara Ecclesiastica hua fiel e exacta Attestação 48
1.º das suas Côngruas, computando os benezes, pé de Altar e os rendimentos incertos e os que receberem as indicadas Côngruas das Commendas declararão a sua importancia além dos ditos benesas (sic), pé d’altar e mais rendimentos incertos que especificarem; e 2.º dos bens Ecclesiasticos que não são propriamente dízimos e dos Legados de Missas, impostos nas rendas e das outras despezas proprias do Culto Divino e declarando as que são susceptíveis de alguma reducção e quaes são da natureza que não podem ser reduzidas e os Raverendos (sic) Párochos que contra toda a expectação calarem a verdade ou relatarem alguma falcidade (sic) pagarão do aljube a pena que por Direito parecer, procedendo-se contra elles por Denuncia em segredo ou em público e “ex officio”. Esta Ordem correrá a forma do Mappa junto e cada hum dos Rd. os Párochos a fará remetter
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ao que se seguir em termo brevíssimo, asignando nas costas desta de como a receberão e remettêrão e o último a fará remetter ao Escrivão da Câmara Ecclesiástica. Porto, 22 de Maio de 1813 e Eu Ant. º J. e de Ol. ª (sic) a sobscrevi. Assignado Coelho». 12(76)
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«Copia da Ordem seguinte que recebi em 9 de 7br.º de 1813 e logo remeti para Romaris (sic). O Doutor Teodoro Pinto Coelho de Moura, Abb. e Rezervatário da Igreja de S. Nicolao desta Cidade e nella e em todo o Bispado do Porto Dezembargador e Provizor com toda a jurisdição Ordinaria delegada etc. Os Paternais Cuidados de Sua Al. Rial sobre a Conservação dos seus fieis vassalos Comovêrão o seu piedoso Ânimo p. ª mandar introduzir neste Reino o Remédio da Vascina, experimentado e reconhecido por todas as Naçoens Civilizadas como preservativo efficás e heroico do Cruel flagelo das Bexigas e, tendo O Mesmo Augusto Senhor ordenado que os Ex. mos e R. mos Snr. es Bispos fizecem (sic) persuadir aos seus Súbditos este importante preservativo Contra tão terrível doença que sem elle poucos 13(77) déixão de ter e muitos morrem, foi Sua Em. ma servido determinar-me que, sem demora alguma, fizece expedir Ordens, Circulares derigidas (sic) a todos os Rd. os Párochos deste Bispado com hum impresso junto sobre a utelidade (sic) da Vascina para cada hum, a fim de por todos os modos possíveis e muito principalmente à Estação da Missa Conventual e quando administrarem o sagrado Baptismo, exortem a seus freguezes a que fáção Vacinar os filhos e domésticos, derigindo-se (sic) aos vacinadores que estiverem habelitados (sic) para este exercício e aos Professores da instituição Vacínica 14(78) a fim de poderem levar a materia e todos os mais auxílios que póssão universalizar o uzo deste importante Remédio, de que tanto bem rezulta à humanidade e ao Estado, etc.ª. Em observancia deste Decreto ordeno a todos os Rd. os Párochos que assim o executem inviolavelmente e que no fim de cada mês, emquanto se não mandar o contrario, me remêtão huma fiel e exacta Conta de todas as pessoas que pela sua 48v
No texto está “remeller” por falta de traço horizontal no ll. Ver nota 53. No texto parece mais “pocuos” que “poucos”. (78) Nos livros de Visitações de Caldas de S. Jorge, f. 93 e Guisande, f. 15 verso é clara a leitura “Vacínica”.
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Victorioza persuazão se Vascinárão. Esta ordem será lançada | 49 lançada no livro dos Capítulos da Vesitação e pera o futuro Constituirá imperterivelmente (sic) hum dos interrogatorios da mesma para no cazo inesperado de transgressão se proceder judicialmente Contra os infractores com penas arbitrárias que parecerem 15(79) justas. Esta ordem correrá na forma do Mappa junto e cada hum dos Rd. os Párochos a fará remeter ao que se seguir no termo de duas horas, ficando cada hum com hum impresso dos que vão juntos, asignando nas costas deste de como o Receberão e o último a fará remeter ao Es. cam da Câmera, que este sobscrevio. Porto, 20 d’Agosto de 1813 e Eu Antonio Joze de Souza Guimaraens pelo Es. cam da Câmera Ecclesiastica a sobscrevi. Asignado Coelho». 46 «Visitação da Parochial Igreja de Santa Maria de Pigeiros em 2 de Outubro de 1813. Francisco de Paula de Sá Farinha, Reitor da Parochial Igreja Matriz de Santa Marinha de Avança e de suas Filiais e Annexas, da Comarca da Feira, deste Bispado do Porto, na mesma Comarca Vigario da Vara e Visitador no Espiritual e Temporal pelo Excellentissimo e Reverendissimo Senhor Dom Antonio de São Jose de Castro, por Mercê de Deos e da Santa Sé Apostolica Bispo deste Bispado, Patriarcha Eleito de Lisbôa, do Conselho do Príncipe Regente Nosso Senhor Espiritual e Temporal pelo Excellentissimo e Reverendissimo Senhor Dom Antonio de São Jose de Castro, por Mercê de Deos e da Santa Sé Apostolica Bispo deste Bispado, Patriarcha Eleito de Lisbôa, do Conselho do Príncipe Regente Nosso Senhor e Hum dos Governadores do Reino etc. Faço saber em como na presença do Reverendo Párocho, Clero e povo desta Freguezia visitei a Igreja della, Altar Mor, Collateraes, Santos Óleos, Pia Baptismal, Sachristia, Paramentos, Vasos Sagrados e achei tudo com muita decencia e aceio, | 49v No que louvo muito o zelo do Rd. º Párocho e tambem de seus Freguezes pelo melhoramento que observei ter tido esta Igreja e lhes encomendo continuem para Glória de Nosso Senhor. He com muita satisfação que observo andar-se fazendo
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(79) esta leitura está clara no livro de Visitações de Guisande, f. 16 (cfr. Ainda o de Caldas de S. Jorge f. 93 verso). No nosso texto está “prasserem”.
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de novo o pavimento da Igreja, terem-se reparado os telhados e feito outras obras. Devo porém advertir que as vidraças das frestas da mesma Igreja devem ser tambem reparadas ou feitas de novo. O forro do Coro deve ser concertado. E o da mesma Igreja. A casa da Fábrica seja retelhada e o forro concertado. Os Confessionarios séjão reparados e postos na forma da Constituição e a escada do Púlpito, que se acha ameaçando ruína, se deve por ora concertar com segurança assim como tãobém a parede do Adro deve ser reparada, de modo que fique capazmente vedado e nas suas entradas se devem pôr grades e cancellas de modo que não póssão entrar nelle os animaes e todas as referidas obras se farão no termo de seis mezes e de assim se ter praticado o R. do Párocho e Juís da Igreja apresentarão Certidão em Juíso. Determino mais que se faça hum Campanário ou torreão para o sino e que o Altar collateral do Senhor Crucificado seja renovado e ao menos o frontal novo, tudo feito no dito termo de seis mezes. Sendo a Moralidade das Nações a primeira base da sua felicidade e intimamente unida aos Principios da Nossa Santa Religião, por consequencia he justo e necessario que se recomende este importante artigo, de que tanto deve para o futuro depender a prosperidade e grandeza do Estado, pelo que Determina Sua Excellencia Reverendíssima, em Observancia da Carta Regia de 2 de Janeiro de 1809, que o R. do Párocho e Professores Públicos concôrrão todos no lemite (sic) do exercício de suas Funções a inspirar aos povos os melhores Princípios da Moral, o ma- | 50 O maior respeito à Regia Authoridade, aos Magistrados e Delegados da mesma e aquelle Amor da Pátria, que mais que tudo segura a felicidade Pública e a Estabilidade do Estado e pode mesmo restabelecêlla quando perdida, como as últimas experiencias acábão de mostrar. Pelo que encarrego ao Reverendo Párocho tenha o maior cuidado em observar a dita Régia determinação por todos os modos possiveis e ainda mesmo no Confessionario e na Estação da Missa. Constando que os Divinos Preceitos da Observancia dos Dias Santos se áchão em grande relaxação o Rd. º Párocho os fará respeitar porque são postos por Deus a quem todos devem obedecer. Mais Determina Sua Excellencia R. ma que o Rd. º Párocho promova a educação das pessoas das primeiras idades nos Princípios do Christianismo e intime os seus Freguezes à Fidelidade que devem ter ao Nosso Legítimo Soberano e a defeza da Patria, contribuindo promptamente com os soccorros não só das quantias determinadas mas tãobém dos Transportes
indispensáveis, não se subtraindo ao Recrutamento e muito menos desviando as Recrutas necessarias para o Exército. O R. do Párocho terá particular cuidado em fazer observar a Pastoral de Sua Excellencia R. ma de 23 de Novembro de 1804 em toda a sua extenção (sic), dando Conta a Juíso dos transgressores principalmente se algum Ministro do Sanctuario se arrojar a exercer Função alguma Ecclesiastica sem o vestido e hábito proprio, conformando-se inviolavelmente com as Determinações repetidas vezes dadas a este respeito, que confirmo, se necessario he, e, da mesma forma, que se não confessem mulheres senão em Confessionarios com ralos de folha ou latão à excepção daquellas pessoas, que em razão da sua menor ou muita idade ou das graves e notorias queixas (sic) que padecem não poderám con - | 50v Confessar-se nos ditos Confessionarios e da inobservancia deste Capítulo será responsável o R. do Párocho para se lhe darem (sic) culpa. Todos os R. dos Sacerdotes que Celebrarem nesta Igreja, séjão Seculares ou Regulares, darão 16(80) em todas as Missas assim Cantadas como Resadas (sic), excepto de Requiem, a Collecta “Et famulos tuos” etc. O R. do Párocho promova quanto seja possivel e estiver da sua parte a decencia e respeito em todas as Funções da Igreja e nunca consentirá que a ellas assista Ecclesiástico algum com socos. Ultimamente Confirmo os Capítulos da Visitação passada e o Reverendo Pároco publicará estes em Tres dias Festivos na forma da Constituição e de assim o ter praticado passará Certidão na forma do Estillo. Dada nesta Igreja de Santa Maria de Pigeiros aos dois dias do mez de Outubro de mil oito centos e treze e eu o Padre Fernando Luiz de Carvalho, secretario da Visitação, os escrevi. Francisco de Paula de Sá Farinha. Publiquei estes Capítolos à Estação da Missa Conventual em tres dias festivos, o que afirmo “in verbo sacerdotis”. S. ta Maria de Pigeiros em 24 de 8br. º de 1813 a(nos). O Abbade Fran. co da Costa Barboza». 47
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«O Doutor Theodoro Pinto Coelho de Moura, Abbade Reservatario da Igreja de S. Nicolao desta Cidade, Benefeciado da Collegiada de S. Pedro de Ferreira o Provisor deste Bispado do Porto etc. 16
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Talvez por “lerão” ou “rezarão”.
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Faço saber ao Clero Secular e Regular desta Deocesi (sic) que S. A. R. o Príncipe Regente Nosso Senhor foi servido derigir (sic) ao Em. no e R. mo Snr. e Bispo deste Bispado, Pattriarca Eleito e hum dos Governadores do Reino a Carta Regia do teor seguinte: Ill. mo e R. mo em Christo Padre Patriarcha Eleito de Lisboa, do meu Concelho, Eu o Príncipe Regente vos envio munto (sic) saudar como aquelle que munto Amo e prézo, propondo-Me honrar os meus fieis Vassalos que mais se distinguírão na memorável Restauração dos meus Reinos, não podia deixar de Lembrar-lhe o generozo exforço (sic) com que o Clero Secular e Regular da Diocese do Porto destrohio as maquinaçoens urdidas pelo governo francez p. ª uzurpar a Minha soberania e com hiroico (sic) e louvavel exemplo se reunio ao povo p. ª restaurar o Throno de huma Monarquia que por tantos Séculos se tem conservado com glória e, tendo-Me dado em tão glorioza e nobre empresa as Mais assinaladas provas de lealdade | 51v e pura fedelidade (sic), rezolvi-me a mandar esta Carta, que fareis ler no Cabido daquella Cathedral e registar nos livros da Câmera eccleziastica para ser em todo o tempo hum público testemunho da Concideração (sic) que Me merece o Clero daquella Diocese e da justiça que faço aos seus Leaes e honrados sentimentos, o que Me pareceu participar-vos para que assim o tenhaes entendido e façaes executar. Escrita no Palacio do Rio de Janeiro em 13 de Maio de 1813. Príncipe. Para o Ill. mo e R. mo em Christo Padre Patriarcha Eleito de Lisboa. Em consequencia daquella Graça recommendo a todo o Clero a continuação do zello e fedelidade e Constancia no serviço do Nosso Augusto, Benébolo (sic) e Generozo Soberano não só pela obrigação de Leaes Vassalos como até o prezente mas tambem pela de agradecidos e à Justiça que o mesmo R. Senhor se dignou fazer à sua honrada Conducta. Os R. dos Párochos Lerão a prezente à Estação da Missa Conventual e a registarão no Livro dos Capítulos da Vizita; esta ordem correrá a ordem do mappa junto e Cada hum dos R. dos Párochos a farão remetter ao que se seguir em termo breve, assinando nas costas de como assim o Cumprírão e o ultimo a fará remetter à Câmera Eccleziástica. Porto, 12 de Outubro de 1813 e eu Antonio Joze d’Oliveira o subscrevi. Coelho».
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«Copia da Ordem seguinte que recebi em 3 de Janeiro de 1814 e logo remeti p. ª Romaris. O Doutor Theodoro Pinto Coelho de Moura, Abb. e Rezervatario da Igreja de S. Nicolao desta Cidade e nella e em todo o Bispado do Porto Dezembargador e Provizor Com toda a jurisdição Ordinaria Delegada etc. O Príncepe Regente Nosso Senhor he servido que Vm. cê faça constar aos Párochos dessa Diocese da cidade do Porto que devem prestar-se sem a menor repugnancia a tudo o q. lhes for requerido pello Senado da dita Cidade relativamente ao importante objecto da Saúde Pública. D. s g. de a V. M. Lx. ª no Palacio do Governo em 30 de 8br. º de 1813. D. Miguel Forjás. S. r Provizor do Bispado do Porto. Em observancia da qual ordem aos R. dos Párochos deste Bispado, observem o dito Regio Avizo. Esta Ordem correrá a forma do Mapa junto e cada hum dos R. dos Párochos a fará Remeter ao q. se seguir em termo breve, asignando nas costas de como assim o Cumprírão e o último a fará remeter à Câmera Ecclesiástica. Porto, 9 de 9br. º de 1813 e Eu Antonio Joze d’Oliveira a sobscrevi. Assig(n)ado Coelho». 52
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«Ordem de Correr que recebi no dia 3 de Março de 1814 e no mesmo dia remeti para Romaris. O D. or Theodoro Pinto Coelho de Moura, Abb. e Rezervatario da Igr. ª de S. Nicolao dezta Cid. e e Provizor dezte Bizpd. º do Porto. Em observancia daz Reaes Ordens Ordemno aos Rd. os Párochos declarados no Mapa incluzo q. no termo de oito diaz fáção Remeter ao Escr. am da Câmera Eccleziastica q. eztá encarregado da Cobrança da Décima Eccleziáztica dezte Bizpd. º, a Décima que se venceo no anno de 1813 q. he a Collecta q. declara o m. mo Mapa, tendo ja satizfeito o antecedente semeztre p. ª ser Remetido ao Erário cuja remessa farão com promptidão independente de novo avizo pois, não comprindo (sic) assim, se mandará Cobrar executivam. te na forma daz Reaes Ordens à Cuzta dos q. faltarem à dita satizfação. Porto, 29 de Janr. º de 1814, eu Antonio Joze de Olivr. ª a sobscrevi. Assignatura Coelho. Dizia o Mapa junto: 1813, Igr. az Collectadaz na Com. ca da Fr. ª pelos fructos incertos etc. ª». 52v
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« Ordem de correr que recebi no dia 21 de Abril de 1814 a(nos) e no dia 23 do dito mez e anno remeti p. ª Romaris. O Doutor Theodoro Pinto Coelho de Moura, Dezembargador e Provizor Com toda a Jurisdição Ordinaria delegada pelo Ex. mo e R. mo S. r Bispo do m.mo (Bispado), Patriarcha Eleito de Lx. ª e hum dos Governadores do Reino etc. Faço saber que pela Sacretaria (sic) de Estado dos negocios da Guerra foi transmittido o Regio Avizo do teor seguinte: S. r Ex. mo e R. mo etc. Constando ao Príncepe Regente Nosso Senhor que muitos Moços procúrão casar-se para subtrahir-se ao Recrutamento e, sendo d’esperar que Rezultem grandes males de Matrimonios Contrahidos em idades prematuras assim para o bem da população e interesses particulares de famílias Como para a Conservação dos Corpos do Exército no estado completo da sua força, Espera S. A. R. que V. Ex. ça empregará todas as medidas que julgar necessarias para que nas freguezias dessa Deoceze se não permitta licença de Cazamentos a moços que tênhão menos de Vinte e dois annos de idade à excepção daquelles q. pelas suas Circunstancias V. ª Ex. ça vir que não procúrão Contrahir o dito sacram. to | 53v sacramento com o fim principal de se eximirem ao Recrutamento dos Corpos de linha do Exército e ainda mesmo no Cazo que se dê(e)m estas Circunstancias, Convém que V. Ex. ª dê primeiramente parte por esta Sacretaria d’Estado para ser prezente ao Mesmo Senhor. Deos Guarde a V. Ex. ca. Palacio do Governo em sete de Março de mil e oito centos e quatorze. D. Miguel Pereira Forjás. S. r Bispo do Porto ou quem suas vezes fizer. Con Despacho: Cumpra-se e Registe-se e, para que chegue à notícia de todos, passe sem demora alguma Editais que serão affixados nos lugares do Estillo nesta Cidade e da (sic) de Penafiel e tãobém se Remetterão a todos os Rd. os Párochos que executarão inviolavelmente o determinado por S. Al. R., não assistindo ao Matrimonio dos Moços que tiverem menos de vinte e dois annos sem especial licença desta Provizoria e os publicarão e Registarão no Livro Competente. Porto, desas(s)eis de Março de mil e oito Centos e quatorze. Coelho; e Ordeno portanto a todos os Rd. os Párochos 53
deste Bispado que inviolavelmente observem o determinado por S. Al. R. no Regio Avizo aqui Copiado e este Registarão no Competente Livro das Vezitaçoens e, dipois (sic) de registada (sic), para que se não demore a Execução | 54 Execução, pelo mesmo Livro a publicarão a seus freguezes à Estação da Missa Conventual. Na forma do Mappa junto Correrá esta Ordem a cada hum dos Rd. os Párochos, a Remeterão ao que se seguir em mui breve tempo assignando nas Costas de Como a Remettêrão e ficárão scientes e o último a Remetterá à Câmera Ecclesiastica. Porto, 18 de Março de 1814 e eu Antonio Joze d’Oliveira a sobscrevi. Assinatura: Coelho. Publiquei esta Ordem à Estação da Missa Conventual. S. ta Maria de Pigeiros, 24 de Abril de 1814. O Abb. e Fran. co da Costa Barboza». 51
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«Ordem de correr que recebi no dia 15 de Maio de 1814 a(nos) e no dia 16 do mesmo Mês e anno Remeti para Romaris. O Doutor Theodoro Pinto Coelho de Moura, Dezembargador e Porvizor (sic) do Bispado do Porto. Faço saber que pelo Ill. mo e Ex. mo S. r Brigadeiro Governador das Armas deste Partido do Porto me foi transmitido o seu officio do theor seguinte: Ill. mo e R. mo S. r: Eu desejo que V. S. se digne inviar-me (sic) huma Relação Como o Modello incluzo de todas as freguezias desse Bispado e Mamposteiros da Rial (sic) Caza e Igreja de S. to Antonio de Lisboa que há nas mesmas freguezias, de quem os Respectivos Párochos devem saber a idade e o estado: isto he pelo que pertence somente a este Partido do Porto. Deos guarde a V. S. Quartel General da Fós (?), o primeiro d’Abril de 1814. Nicolao Serant (?). Ill. mo e R. mo S. r Prouizor do Bispado do Porto: 17(80b) ordene portanto a cada hum dos Rd.os Párochos deste Bispado que quanto antes e na forma do Modello incluzo enviem ao Es. cam da Câmera Ecclesiastica a Relação pedida no officio aqui transcrito para com ella se satisfazer ao que 54v
17(80b) No texto está “ordeno”.
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exige o mesmo officio e serviço de S. A. R. Esta ordem correrá a forma da Lista junta. Cada hum dos Rd. os Párochos a inviará (sic) ao que se seguir em mui breve tempo, assignando nas Costas de Como a Recebeo e o último a remeterá à Câmera Eccleziastica. Porto, 14 de Abril de 1814. E eu Antonio Joze d’Oliveira a sobscrevi. Asignatura: Coelho». 52
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«O Doutor Theodoro Pinto Coelho de Moura, Porvizor (sic) e Vigario Capitular a “Sede Vacante” deste Bispado do Porto. Faço saber que pella Sacretaria (sic) d’Estado dos Negocios do Reino foi transmittido o Regio Avizo do Theor Seguinte: Ex. mo e R. mo S. r: O Príncepe Regente Nosso Senhor, atendendo aos felizes Resultados que tivérão os exforsos (sic) praticados pelas Naçoens Alliadas Combatendo pela sigurança (sic) e independência dos seus Direitos e tendo em Consequência deixado d’exestir (sic) alguns motivos q. fizérão necessaria a determinação de S. Al. R. Comunicado (sic) a V. ª Ex. ca em Avizo expedido por Esta Sacretaria d’Estado com data de sete de Março de corrente anno, he o mesmo Senhor servido determinar q. V.ª Ex. ca permitta a continuação das licenças de cazamento ao(s) Moços q. tiverem menos de vinte e dois annos de idade, ficando por isso de nenhum effeito desde a data deste o sobredito Avizo. O que tudo comunico a V. Ex. ca p. ª sua inteligencia. D. s g. de a V. Ex. ca. Palacio do Governo em 2 de Maio de 1814. D. Miguel Pereira Forjás. S. r Bispo do Porto ou quem suas vezes fizer etc. Despacho: Cumpra-se, Registe-se e passe Editais e as ordens necessarias p. ª a Câmera na forma Costumada. Porto, | 55 v , Vigario Capitular. Ordeno portanto aos Reverendos Párochos deste Bispado observem o determinado no Regio Avizo asima Copiado e cada hum o fará remeter ao q. se segue no termo breve, asinando nas costas em Como o receberão e o último o fará Remeter à Câmera. Porto, 10 de Maio de 1814 e Eu Antonio Joze d’oliveira (sic) a sobscrevi. Coelho, Vigario Capitular». 55
53 «O Doutor Theodoro Pinto Coelho de Moura, Vigario Capitular deste Bispado do Porto “Sede Vacante”. Faço saber que o Summo Padre Pio VII foi servido Conceder a faculdade de eleger hum Altar previligiado em cada huma das Igrejas Parochiais ou Colegiadas deste Bispado para sufragio das Almas do Purgatorio Com a Indulgencia Plenaria q. durará por tempo de sete annos, revogados quaisquer previlegios q. houverem a respeito do mesmo Altar previligiado, em atenção a ser a mesma Igreja Parochial. Determino portanto a cada hum dos Reverendos Párochos desta Cidade e Bispado q. eléjão na sua Paróchia o Altar q. p. ª o mesmo fim. | 56 fim for mais cómodo, o qual hei por destinado, havendo-o na Igreja e, não o havendo, ficará sendo previligiado o Altar Mor. Esta graça durará até o dia vinte e nove d’Agosto de mil oito Centos e vinte e hum annos. Esta ordem correrá a forma da Vezita em cada Comarca deste Bispado e cada hum dos Reverendos Párochos a lançarão no livro dos Capítulos da Vezita e declararão qual he o Altar previligiado e a farão Remeter ao q. se seguir em termo breve, asignando nas Costas de como assim o Cumprirão e o último a fará Remeter à Câmera Ecclesiastica. Porto, 14 de 8br. º de 1814 a(nnos) E Eu Antonio Joze de OIiveira a sobscrevi. Vigario Capitular. E logo em observancia desta ordem elegi o Altar Mor desta minha Igreja de Santa Maria de Pigeiros, por ser o mais Cómodo. O Abb. e Fran. co da Costa Barboza». 54
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«Ordem de correr recebida a 8 de M. co de (1)815 e remetida a 9 (de) M.co p. ª Romaris. O D. or Theodoro Pinto Coelho de Moura, Vigario Capitular deste Bispado do Porto “Sede Vacante”. Em observancia do Respeitável officio do Tribunal do Santo Officio da Cidade de Coimbra e seo Districto de 28 de Janeiro último q. me foi dirigido, Ordeno aos Rd. os Párochos desta Cidade e do Bispado que todos os annos lé(i)ão e publiquem indefectivelm. te os Editais do Santo Officio na primeira Dominga de Cada Quaresma e os mandem pôr em huma táboa e os guardem cada hum em a sacristia como se espera do seu zelo pelo Serviço do seu officio, aliás, no cazo 56 v
inesperado de descuido ou Culpa, pelo mesmo Tribunal se há de porceder (sic) contra elles. E se pelos infelizes e Calamitozos tempos passados houver precizão dos indicados Editais em alguma Igreja, os Respectivos Párochos sem demora alguma me farão partecipar p. ª todos fazer distribuir. Esta ordem correrá a forma de Vezita pelo Mapa junto e cada hum dos Rd. os Párochos a farão Remeter ao q. se seguir em termo breve, deixando-a copiada no livro dos Capítulos e asignando nas Costas de como a receberão e o último a fará remeter à Câmera Ecclesiástica. Porto, 4 de Fevr. º de 1815 E eu Antonio Joze d’Oliveira a sobscrevi. Coelho, Vigario Capitular». 55
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«Edital. O D. or Theodoro Pinto Coelho de Moura, Vigario Capitular deste Bispado do Porto “Sede Vacante”. Faço saber a todas as pessoas deste Bispado que por officios d’alguns Reverendos Párochos, dignos deste nome, me foi representado que os Cazuístas Com grande detrimento da Igreja e das Con(s)ciencias dos fieis seguem e defendem que por falescimento do Ex. mo e R. mo Senhor Dom Antonio de São Joze de Castro, Bispo desta Dioceze e Patriarcha Eleito, que Santa Gloria haja, ficarão seçando 18(81) as sábias disposiçoens , com que tão zeloza e desveladamente a governou e promoveo a sua Disciplina. E, tomando Eu em Concideração que as indicadas disposiçoens Contêm as importantissimas Doutrinas, Regras e Máximas da Moral Prática, Canónica e Litúrgica que os Sanctos Doutores (cheios do Espírito de Deos) ensinárão para governar a Igreja, instruir os fieis nas obrigaçoens Relegiozas e Civis, formar os seus Costumes, Corrigir os abuzos introduzidos e fazer reinar nos Templos a Ordem e esplendor conveniente, Mando que se observe inviolavelmente tudo o que o mesmo Ex. mo e R. mo Senhor immediata e mediatamente ordenou pelas suas Pastorais, Editais e Capítulos de Vezitas, que involvem tra(c)to successivo. Por esta occasião aproveito a de fazer aos Reverendos Párochos, Confessores e Pregadores |57 v Pregadores, a todo o Clero geralmente e aos Diocezanos as breves e precisas recomendaçoens seguintes: Pastores Ecclesiásticos! Sendo, como sois, sal da terra,
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Por “cessando”.
Modello e lus do Mundo, rezidi contínua e pessoalmente nas proprias Paróchias para apascentar o Vosso rebanho com a pregação da palavra Divina e explicação do Cathecismo, administração dos Sacramentos e Santo Exemplo de todas as Virtudes. Oradores Evangélicos e Ministros da Penitencia! Pregai a palavra, instai, reprehendei, suplicai, amiaçai (sic) e instruí Com cuidado, Vigilancia e paciencia segundo o Concelho (sic) do Apóstolo. Sagrado Clero, , ditoza porção escolhida para os Santos Ministérios e Sorte do Senhor! Attendei ao Culto e honra de Deos e ao bem do povo nas Couzas que pertencem ao Excelso. Por(que) Vós deveis ser exemplo de boas obras na piedade, na modéstia, na sobriedade, na Continencia, no dezinterece (sic) e nas demais Virtudes e de tal Compozição de Coztumes que nos trage (sic) exterior, no andar, na Conversação e no resto não indiqueis outra Couza que moderação, gravidade e Religião. Para d’huma vês dizer tudo, Ministros de christo e Dispenseiros dos Misterios de Deos, sede perfeitos como Vosso Pai Celestial he perfeito. O(h)! e se assim Vos conduzíueis (sic), multiplicaríeis, na Doutrina de São Gregório, para Vós no Ceo |58 Ceo tantas Coroas de Glória, quantas almas grangiáveis para Deos com instrucção e exemplo; se o não fizerdes assim, sereis reos de tantas mortes quantas almas escandelizardes Com a Vossa má Conduta e estareis em grande perigo de hum durissimo juizo, Cujo remate será a Vossa Eterna Condemnação, de que o grande Deos por sua infenita piedade e Misericordia vos livre Como humildemente lhe peço. Ultimamente: Amados Diocezanos, sede semelhantes aos Santos e justos Ministros do Vosso Sanctuario. Observai os Mandamentos de Deos e da Igreja, Obedecei ao Summo Pontífice e ao Príncepe Regente Vosso Senhor não só por medo do Castigo mas, por obrigação riguroza de Con(s)ciência, frequentai os Sacramentos e praticai boas obras. Esta estrada Vos introduzirá no Reino da Vida eterna. Mas ah! 19(82) Com as Vossas forsas (sic) naturais (ainda dado que focêm vossas e não vos viécem de Deos) não podeis fazer bem algum que merêssa (sic) ou vos disponha para a Eterna felecidade. Implorai pois a graça Divina e encomendai-vos a ella de verdadeiro Coração para que não vos deixe e nunca vos faltará. Rogai a Deos
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No texto está “há !”
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Deos Vosso Senhor pela pás (sic) da Igreja e Manutenção da Religião e pelo bem e prosperidade do Estado. Alcançai-me (Eu vo-lo peço Com grandes instancias) por meio de Vossas ferborozas (sic) e repetidas Oraçoens a inspiração, luzes e moção do Altíssimo, de que tanto nescecito (sic) para procurar com acerto o bem Espiritual das Vossas Almas, que, apezar do meu demérito, por benevolencia do Illustrissimo e Reverendissimo Cabido, me estão Confiadas sem rezerva nem restricção alguma. E para que venha à noticia de todos, mandei passar o prezente Edital que será affixado nos lugares do Costume desta Cidade e (da) de Penafiel e remetido a todas as Parochias do Bispado para os Reverendos Párochos os publicarem a seus freguezes e Copiarem nos livros dos Capítulos de Vezita. Porto, vinte e oito de Fevereiro de mil oito Centos e quinze, 1815. E Eu Antonio Joze d’Oliveira o sobscrevi. Theodoro Pinto Coelho de Moura, Vigário Capitular. Recebida esta ordem em 23 de Março de 1815 e a publiquei em 26 do mesmo mês e anno. O Abb. e Fran. co da Costa Barboza». 58 v
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« O Doutor Theodoro Pinto Coelho de Moura, Abbade Rezervatario da Igr. ª de S. Nicolão (sic) dezta (sic) Cidade e na m. ma e seu Bispd. º do Porto Dezembargador e Provizor com toda a jurisdição etc. Faço saber q., sendo prez. te a Sua Eminencia os horriveis roubos commetidos nas Igr. as e lugares Sagrados dezte Bispd. º, o execrando dezacato q. na de S. Pedro de Sermonde foi perpetrado em a tenebrozissima noute do mez último, p. ª prevenir tão graves e atrozes crimes foi o m. mo Snr. servido a detreminar: 59
Pr. º q. nos sacrarios das Igr. as q. eztiverem nos lugares dezertos (sic) ou sem as devidas seguranças, se goarde o Sagrado Viático p. ª se administrar aos enfermos em hum Cofre feito na forma da Constituição e que dentro delle não estéjão vazos alguns d’ouro ou prata. Segd. º q. à cuzta da Fábrica, ou de q. m for, se goardem todas as Igr. as sem demora alguma. Tercr. º Ultimam. te q. em nenhuma dellas se concerve (sic) pessa
(sic) alguma dos ditos metais preci(o)zos nem móveis ou alfaias de valor. E, se pela inobservancia dezta ordem succeder no Sacrário ou Igr. ª algum sacrilégio, serão os infractores prezos e castigados como proprios e principais delinquentes com as penas de direito que irridimediavelm. te 20(83) serão postas p.ª exemplo público e p. ª (que) chegue à notícia de todos mandei passar a prez. te, q. os Rd. os Par. cós publicarão à estação da Missa Conventual, p. ª o q. a Copiarão no competente livro. Esta ordem correrá a forma da Vezita e cada hum dos Rd. os Par. cós a fará Remeter ao q. se seguir em termo breve e asigna(n)do nas Costas do Como assim o observarão e o último a Remeterá à Câmera, o q. assim cumprirão. Porto, 14 de Julho de 1812. Antonio Joze de Sz. ª Guim. es pelo Escr. am da Câmera Eccleziástica a sobre escrevi. Coelho. Esta ordem supra devia ser lançada a fl. 48». 57
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«O Doutor Theodoro Pinto Coelho de Moura, Provizor e Vigário Capp.ar Dezte Bispd. º do Porto etc. ª. Faço saber aos Diocezanos dezte Bizpad. º q. p.r pt. e do Rd. º P. e Meztre Commissario Geral da Terra Santa Frei M.el do Espírito santo me foi Reprezentado q. os annos passados infelism. te se tinha experimentado grd. e diminuição nas esmolas q. os fieis concorrem p. ª a sustentação dos Sagrados Lugares de Jeruzalém, Cauzada ao q. parece p.r huma pt. e pelas Calamitozas e tristez circunstancias daquelles tempos e p. r outra pt. e pela neglegencia e dezleixo dos Rd. os Par. os (não de todos) p. r q. he bem público e notório e o ardente dez. º e exemplar pied. e de m. tos e, exhortarem a seus freguezes p. ª q. concorressem com as costumadas (esmolas) segd. º as possibilid. es de Cada hum, fazendo-lhes ver as m. tas graças e indulgencias concedidas pelos Decretos dos Summos Pontíficez p. r tão meritórias obras e as providentissimas Provizoins entre (as) quais sobresahe a de 28 de Janr. º de 1772 do Ex. mo e R.mo Bispo Dom Frei João Raphael (sic) de Mendonça q. Santa Glória haja, com q. os Ordinários dezta Dioceze as promoverão em vista pois de tão juzta reprezentação p. ª dezenpenhar (sic) com auxílio superior dos importantes deveres do meu ministerio e excitar a pied. e dos fieis. Ordenno q. se observe inviolavelm. te a indicada Provisão q. vai junta p. ª Cópia. E p. ª Constar a todos e ter o seu precizo effeito mandei passar 20
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59 v
Por “irremediavelmente”.
a prez. te q. será Registada no livro do Regizto, bem como a d. ª Cópia, e nos das Vezt. az, das quais será hum dos interrogatorios e publicada pelos Rd. os Par. cós. Esta ordem Correrá a forma da Vezt. ª na forma do Mappa junto e cada hum dos Rd. os Par. cós a inviará ao (que) se seguir em termo breve e o último a Remeterá à Câmera Eccleziástica. Porto, 24 de Maio de 1816 | 60 De mil oito centos e desasseis, Eu Narcizo d’Olivr. ª a sobscrevi. Theodoro Pinto Coelho de Moura, Vigário Capp. ar». *** «Dom Frei João Raphael de Mendonça, Ex-geral dos Monges de S. Hierónimo, p. r mercê de D. s Bizpo do Porto e do Con. co de Sua Mageztd. e Fidelissima etc. Fazemos saber a todos os nossos Súbditos deste nosso Bizpad. º em como p. r Reprezentação q. se nos fez p. r p. te do Rd. º P. e Meztre Commissario Geral da Terra Santa nezte Reino e Suas Conquiztas, Viemos no Conhecim. to da grd. e diminuição q. havia no produto das ezmolas q. (no) nosso Bispd. º se pedem p. ª concervação dos Sagrados Lugares de Jerusalém, pelo pouco fervor com q. os nosso Súbditos déixão de Concorrer p. ª obra tão pia e pello pouco zello com q. m. tos dos Rd. os Par. cós déixão de exhortarem aos seus freguezes a que concôrrão com as suas esmolas, não obstante a(s) Repetidas ordens q. sobre este particular se passarão pellos nossos antecessorez. E, conciderando nós q. ezta falta de pied. e em nossos Súbditos poderia ter princípio em o Rigor das m. mas ordens, pelas Censuras q. nellas se communicávão indurecendo-se os ânimos de nossos Súbditos p. ª se considerarem obrigados a tão meritória e puram. te voluntária e outros(s)im devendo nós evitar o prejuizo que se segue aos Sagrados Lugares E como Prelado, devendo acudir ao(s) prejuízo(s) q. se seguem aos nosso Súbditos, privandose dos grd. es mericim. tos e quaze innumeráveis indulgencias q. pelos Summos Pontífecez (sic) estão concedidaz aos q. concorrem com as suas ezmolas p. ª conservação dos m. mos lugares Sagrados, Mandamos passar a prez. te Provizão pela qual havemos p. r revogadas todas e quaezq. r ordens q. sobre ezte particular fôrão passadas pelos nossos antecessorez e exhortamos a todos os nossos Súbditos e lhes Rogamos pelas entranhas de de Jezus Christo, Concôrrão com suaz ezmolaz p. ª conservação dos Sagrados lugares de Jeruzalém, onde se obrarão os Mizterios da nossa Redempção, os quais eztão,
pelos peccados do mundo, com grd. e mágoa da Igr. ª Catholica, em poder de infiéis, q. não acábão de os deztruir | 60 v De os deztruir pelas grossaz Sommas de dr. º, com q. lhez eztão continuam. te contribuindo os Religiozos Catholicos q. nelles habítão, extrahidas das m. mas ezmolas q. se pedem p. r toda a Christand. e, as quais nunca podem vastar 21(84) p. ª satisfazer as excessivaz opressoins e tributos q. de dia em dia lhes estão impondo aqueles bárbaros. E. p.r tanto mandamos a todos os Rd. os Abb. es, Priores, Reitores, Vigarios e mais Par. cós dezte nosso Bizpd. º (sob) pena de obediencia (sic) encarregandolhez gravem. te suas consciencias , exhortem ao menos huma vez cada mez a seus frg. es a q. concôrrão com suas ezmolas conforme a possibilid. e de cada hum p. ª os Sagrados Lugares e lhez expliquem a utilid. e ezpiritual q. se lhes seguem em dar as tais esmolas. E outros(s)im mandamos a todos os Rd. os Par. cós com pena de 20 cruzados aplicados p. ª os m. mos Sagrados Lugares, fáção pedir as ezmolaz nas suas Freg. as em todos os Dom. os do anno, ellegendo homens dos principais da Frg.ª e não Rapazes p. ª pedirem az ditaz ezmolas e déllaz fáção entrega ao thezr. º q. o Rd. º P. e Commissario Geral ou seus Procuradorez tiverem nomiado, o qual dará contas com toda a satisfação ao d. º P. e Commissario ou seus Procuradores. E, não lhas dando ou Recuzando entregar as d. as ezmolas q. em sua mão estiverem depozitadaz, o Rd. º Par. co proceda contra ellez athé de participantez e da m. ma Sorte procederá contra os Sacadorez das ezmolaz q. as não entregarem logo aos d. os thezr. os e os q. faltarem a pedirem nos Dom. os q. se lhes seguirem conforme o Rol dos confessados, os Condemnará em 100 reis p. r cada vez p.ª os m. mos Sagrados Lugares, não satisfazendo a d.ª Condemnação em 24 horaz, procederão contra ellez até de participantez e sem lhe constar ter satizft. º os não admítão à Igr. ª sem ordem nossa ou de nosso Rd. º D. r Provizor, não obstante q. a nossa Constituição do Bizpd. º ordemne o contrario. E P. r q. m. taz vezez succede q. váriaz pessoas dão de ezmola p. ª os Sagrados Lugarez algumas dívidas q. se lhez devem pelaz não poderem aR(r)ecadarem, mandamos aos Rd. os Par. cós q. sendo Requeridos pelos Rd. os Padrez Commissarios ou seus Procuradores, informados dos doantes, debaixo de juram. to passem Certidoens Juradas do q. na verd. e constar e as entreguem aos Rd. os P. P. ez | 61 Commissarios, p. ª com ellas Requererem perante o nosso Rd. º D. r Provizor a arrecadação das tais ezmolaz.
21 (84) Por “bastar”, cfr. II Livro de Visitações de Romariz, f. 12 verso.
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E mandamos q. nenhuma pessoa de qualq. r condição ou qualid. e q. seja, (sob) pena de excomunhão “ipso facto” impida (sic) ou perturbe pedirem-se e aR(r)ecadarem-se a(s) ezmolaz p. ª os Sagrados Lugares; antez exhortamos a todos, principalm.te aos Rd. os Par. cós, lhe(s) dê(e)m toda (a) ajuda e favor. E, p. ª q. chegue à notícia de todos, lhez mandamos passar a prez. te nossa provizão p. r nós assignada q. se podem imprimir, alcançada q. seja a licença do Tribunal da meza Censoria, p. ª se distribuírem pelos Rd. os Par. cos dezte nosso Bizpd. º q. as lerão todas as quatro feztas do anno, a q. m mandamos lhez dê(e)m a m. ma execução como se fosse a propria emq. to se não mandar o contrario. Esta (ordem se) Rizgiztará (sic) no livro do Regizto sem o qual não valha e da sua entrega passarão os Rd. os Par. cós Certidoens. Dada no Porto sob o nosso Signal e Sello de nossas armas aos 28 de janr. º de 1772 E eu Manoel Joze Guimaraens, Escr. am da Câmera Eccleziáztica q. a sobscrevi. Dom Frei João Bizpo do Porto». 58 Ordem de corre q. recebi no dia 26 de M. ço de 1821 e remetti p. ª Romariz a 27. D. João de Magalhains e Avelar, p. r mercê de D. s e confirmação Apostólica B.º do Porto, do Con. co de S. M. etc. Ouvimos com grave desprazer o existirem Amas encarregadas do sustento e edocação (sic) dos Espostos que, acontecendo morrerem alguns destes pela mais escandalosa prevaricação, não duvídão continuar a pedir e receber o salario que lhes estava arbitrado por aquelle seu trabalho, protestando ainda serem vivos os Meninos de que tínhão tomado entrega e que érão por ellas alimentados e tractados na forma que se obrigarão e fingindo que seos proprios filhos érão os expostos já falecidos. Perciza-se (sic) o fazer respeitar a boa ordem e obstar à fraude, ao engano, à depradação praticadas (sic) neste objecto sumamente essenssial (sic); para que estes damnozos embustes se póssão atalhar recomendamos aos Reverendos Párochos da Commarca da Feira que hájão de pôr em uso as mais exactas precauçoins a fim de se cortar pela má fé de semilhantes mulheres, não lhes facultando os attestados do estillo sem primeiro fazerem vir à sua prezença os ditos Expostos e sem estarem perfeitamente instruídas sobre o modo por que elles são tractados, pois | 61 v Pois
que, a serem opprimidos pela fome e pelos maus tractamentos ou deixados quaze de todo ao dezamparo, bem longe de se concederem aquellas attestaçoins far-se-hia necessario o avizar as authoridades competentes para que acúdão com as providencias que em circunstancias tais se fazem indispensáveis. As repetidas provas que os R. dos Párochos indicados nos costúmão dar da sua vigilancia e da Louvavel prontidão com que satisfazem às nossas determinaçoins, com justo fundamento nos esperánção de que elles da sua parte atalharão quanto lhes seja possivel aos abuzos mencionados. Dada em o Palacio Episcopal desta Cid. e do Porto aos 5 de M. ço de 1821 e eu Narcizo Joze d’Oliveira a subscrevi. João, Bispo do Porto». 59 «Dom João de Magalhains e Avelar, por Mercê de D. s e da S. ta Sé Apostólica Bispo do Porto, do Concelho de S. Mag. e etc. O que prezide em Nome de Deos na Igreja Universal o Sumo Pontífice Pio VII, acolhendo benevolamente as reprezentaçoins que lhe offerecera o Ministro Plenipotenciario do Senhor Rei Dom João VI, houve a bem o facultar aos Prelados deste Reino a permissão de suavizarem durante hum anno a lei do jejum em hua das suas cláuzulas que a beneficio do Povo muito convinha ser comutada. A carestia e a má qualidade do peixe seco de que se deriva a substancia principal nos Dias consagrados à abstinencia e a degradação em que tem jazido a pescaria nas Costas que nos avizínhão, demandarão que por hua indulgencia bem entendida se permittisse actualmente nesses mesmos dias o uso dos Lacticínios, dos ovos e da carne. Sua Santidade não duvidou prestar-se àquella petição, annuindo a que desde logo se pudesse verificar e publicar o Indulto que acordava, comtanto (sic) que em razão da antiquissima e respeitável observancia dispensada fossem substituídas algumas obras Pias ou devotas oraçoins em que se rogasse ao supremo Autor de todo o Bem pela exaltação da Igreja Catholica, pela concordia entre os Príncipes Christãos e pela extirpação das Herezias.
PORTUGUESES NO JAPÃO Jorge Augusto Pais de Amaral*
Portugal foi a primeira nação europeia a entrar em contacto directo com o Japão, o que aconteceu no século XVI, mais precisamente, em 1543. Alguns anos mais tarde, São Francisco Xavier procurou levar ao Japão o Cristianismo, sendo a sua acção continuada por vários portugueses como Francisco Cabral, Gaspar Coelho, o bispo Luís Cerqueira e muitos outros. No ano em que morreu o Padre Cosme de Torres, sucessor de São Francisco Xavier na direcção do apostolado missionário, o número de cristãos ascendia a cerca de 20.000, tendo depois crescido rapidamente devido a conversões em massa. Francisco Xavier, quando se encontrava em Malaca, perdeu a esperança de conseguir impor o Cristianismo e disse que não queria gastar mais tempo por aquelas paragens. Com estes argumentos, escreveu uma carta dirigida ao Rei de Portugal em que lhe comunicava o seu propósito de ir para o Japão, onde contava encontrar “pagãos com mentes abertas a novas ideias sobre Deus e a humanidade”. Fernão Mendes Pinto reclama para si o facto de ter sido o primeiro português a chegar ao Japão, no ano de 1542. Devido às diversas aventuras extraordinárias que narra no seu livro “Peregrinação”, foi considerado, durante muito tempo, *Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, Jubilado.
um mentiroso. Os leitores chegavam a parodiar com o seu nome Fernão, Mentes? Minto. Porém, Rebeca Catz, professora de História Moderna da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, que levou a cabo um reexame minucioso do relato dessas aventuras, considera que as mesmas correspondem a realidades históricas. Além disso, esses factos foram desconhecidos na Europa até muito tempo depois da sua morte e, por isso, é difícil entender como poderiam ter chegado ao seu conhecimento sem lá ter estado. A “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto foi publicada, pela primeira vez, no início do século XVII, quase em simultâneo com o “Don Quixote de La Mancha”, de Miguel de Cervantes. Ambos os livros alcançaram semelhante êxito. No decurso de poucos anos, a “Peregrinação” foi traduzida para várias línguas, como espanhol, inglês, francês, alemão e holandês, e teve várias edições em todas as línguas. Entre as várias aventuras e relatos de naufrágios, um destes, ocorrido na China, teria levado Fernão Mendes Pinto a permanecer nesse País, onde depois teria ajudado na construção da muralha da China, uma das obras mais grandiosas do Mundo. Julga-se que teria sido Fernão Mendes Pinto o primeiro a levar para o Japão as armas de fogo. Conforme ele próprio relata, entrou em Guangdong a bordo de um junco chinês na esperança de regressar a Malaca. Uma tempestade arrastou o barco para o Sudoeste do Japão. Aí chegado, foi obrigado a caçar animais selvagens para se alimentar, servindo-se da
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espingarda. Os japoneses ficaram estupefactos ao verificarem que encostava um “pau” ao ombro, saía da outra extremidade um clarão acompanhado de um estrondo e quase sempre caía do céu um pássaro morto. O governador local recebeu o autor de tal proeza e, como estava em guerra civil, a arma foi de grande préstimo. Para aproveitamento da nova arma logo aprenderam a fabricar pólvora e a fundir espingardas. No entanto, os canhões e as pistolas eram, ao princípio, importados da Índia Portuguesa. Como se compreende, o conhecimento das novas armas veio revolucionar as tácticas de guerra e o sistema de fortificações. Quando, mais tarde, Fernão Mendes Pinto empreendeu uma segunda visita ao Japão, em 1553, esteve em contacto com São Francisco Xavier e teria mesmo ingressado na Companhia de Jesus, como irmão leigo. Teria até oferecido aos jesuítas a maior parte da fortuna que tinha adquirido com a venda de armas e outras mercadorias aos japoneses. Desencantado, teria abandonado a Companhia de Jesus em 1557. No barco de Fernão Mendes Pinto viajaram São Francisco Xavier e outros padres jesuítas até Cagaxima. Foram muito bem recebidos pelo governador, que ficou fascinado com o relato feito acerca do mundo diferente de onde os viajantes provinham. Dois anos depois, São Francisco Xavier adoeceu e Fernão Mendes Pinto levou-o no seu barco, mas ao largo da costa agravou-se o seu estado de saúde. Era ilegal os europeus desembarcarem. Levou-o então para uma pequena ilha a 80 quilómetros a sul do rio das Pérolas, onde os portugueses tinham secretamente instalado um pequeno entreposto comercial para negociarem com contrabandistas cantonenses. Como São Francisco Xavier já não podia andar, um dos comerciantes portugueses levou-o para a sua cabana, onde viria a falecer, cerca de três semanas depois, em Dezembro. Tinha 46 anos. O seu corpo, ao que parece, foi embalsamado segundo técnicas japonesas desconhecidas dos europeus, tendo sido levado para Goa, para ser contemplado pelo público na Catedral de São Paulo.1 Como já se disse, deve-se aos portugueses a introdução de armas de fogo no Japão. Assinalando esse feito, pode dizer-se que a melhor fonte sobre a chegada dos portugueses
1 Cfr. Martin Page, A primeira Aldeia Global, pág.s 163 a 166.
ao território japonês é uma obra intitulada Teppô – Ki (Livro das Espingardas) composta em 1596 - 1614. A indumentária que os portugueses vestiam impressionou de tal modo os japoneses daquela época que muitas peças de roupa foram logo por si adoptadas. Ainda hoje muitas palavras ligadas ao vestuário são de origem portuguesa como, por exemplo, botão, gibão (tipo de roupa interior, geralmente de cor branca, para usar debaixo do Kimono), meias, calção, veludo, etc. Os naturais assomavam à porta da sua residência para espreitar os estranhos “bárbaros do sul” (namban – jin) vindos do outro lado do mundo, os quais passavam na rua vestindo as suas ridículas bombachas (nome por que eram conhecidas as calças largas, em forma de balão, que então se usavam), acompanhados de escravos negros de cabelos encarapinhados, ou as roupas negras dos padres jesuítas. Não só as vestimentas eram estranhas como diferente era também a raça desta gente de cor pálida e com uns grandes narizes. Estes indivíduos tão diferentes procuravam levar a essas terras não só o Cristianismo, mas também tinham em vista fazer comércio de mercadorias exóticas, completamente desconhecidas naquelas paragens. Compreende-se facilmente que toda esta diferença tenha suscitado a curiosidade dos japoneses e tenha naturalmente influenciado a sua arte. À arte japonesa que faz a representação deste exotismo foi dado o nome de “arte namban”. Caracteriza-se por mostrar europeus de uma forma genuinamente japonesa. Trata-se de uma aproximação entre o Oriente e o Ocidente. Esta arte pode ser apreciada em obras de pintura, escultura, cerâmica, mobiliário, laca e ornamentos. A este respeito, o que é mais facilmente observável são os biombos japoneses com pinturas que mostram a chegada dos portugueses, as suas naus, o seu vestuário e as populações locais recebendo o cortejo dos estrangeiros. Estes biombos com arte namban podem ser contemplados no Museu de Arte Antiga ou no Museu do Oriente, ambos em Lisboa. Não se ficou pelas armas de fogo o contributo dos portugueses para o desenvolvimento nipónico. Em 1590 entrou no Japão a imprensa de tipos metálicos tendo sido acompanhada por dois portugueses. Também se passou a reproduzir caracteres japoneses, tendo servido para imprimir o primeiro dicionário de japonês – português, a primeira
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Biombo em arte Namban.
gramática de língua japonesa e trabalhos de carácter religioso. A propósito lembro-me que, quando visitei o Japão, me foi ensinado a agradecer em língua japonesa. Explicaram-me então que a palavra origato deriva do nosso obrigado. Ouvi com o mesmo agrado que a tempura, que é o fast food preferido do Japão, foi introduzido pelos portugueses. Trata-se de fritar o peixe envolvido em ovos e farinha. Aliás, este prato devese à influência dos romanos, quando ocuparam a Península Ibérica, e o mesmo se diga do cozido à portuguesa que, feito com enchidos e couve era a alimentação usual dos legionários e, mais tarde, dos escravos que eram transportados para as Américas a bordo dos navios portugueses. Noutro domínio, os portugueses introduziram no Japão, graças sobretudo ao Padre Diogo Mesquita, novas espécies de animais e plantas: figueira, pereira, pessegueiro, marmeleiro, oliveira, videira (para a produção de vinho necessário nas cerimónias religiosas) e o hábito de criar e consumir animais
domésticos como a galinha, o pato e o coelho. Em sentido inverso, Portugal recebeu do Japão a camélia (também chamada japoneira) e a criptoméria ou cedro japonês tão disseminado nos Açores. Além dos já referidos, muitos outros conhecimentos levaram os portugueses, nomeadamente no domínio da medicina, da astronomia e da matemática, além dos ensinamentos respeitantes à arte de navegar. Ficou a dever-se a Luís de Almeida a introdução da medicina ocidental no Japão. Em Oita foi fundado o primeiro hospital e aí se realizou a primeira intervenção cirúrgica. Ainda hoje existe naquela cidade um hospital com o nome desse missionário. Ao mesmo se deve a criação do primeiro orfanato e a introdução do leite animal na alimentação infantil. Muito mais se poderia dizer acerca do contributo dado pelos portugueses a uma nação que actualmente atingiu um extraordinário desenvolvimento tecnológico.
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INDAGAÇÃO Manuela Correia* (inédito) Quem abalara com tanta pressa ao fim da tarde deixando a meio folhas ou números frutos ou frases ainda frescos ainda exactos de serem rubros Tudo tão quieto mas sugestivo de uma ruptura Porque deixaste mulher ou homem a tua cruz a tua história a tua marca a tua luz Ergueu-se um repto ou foi um rapto que te tomou sob que máscaras E abandonaste as tuas coisas com pena ou raiva suor ou lágrimas
Ou o momento que suspendeu folhas ou números frutos ou frases foi tão somente o acontecer da tua morte pré destinada Único verbo única chave pra uma porta que dá pra o nada Ou será que na tua morte não encontraste uma outra vida que te acenou em que galáxia ou infinito de torre ou cripta Descobriste asas pra lá do tempo e retomaste o quê de ti Formas do corpo ou sons da alma face recente ou lado antigo Folhas ou números frutos ou frases agora agudos ou antes graves
sólidos líquidos como os acendes azuis ou verdes como os transladas O que te guia do que viveste nesta passagem por certo incerta Alguns momentos de felicidade ou sofrimento da mente inquieta Ou renasceste muito mais livre e nem memória tens do passado És outro ser nada te prende ou te perturba sentes-te intacto
esvoaçante ou consciente de que sinal de que segredo E o que te habita no cimo ou fundo um grande espanto um grande enlevo Vives de luz vives de graça moras num bosque ou paraíso pra lá do mar pra lá do céu pra lá do tempo já sem sentido Onde te encontras a que distância deste momento em que eu indago
Folhas ou números frutos ou frases têm que peso firme ou alado a intervalos agora e sempre algo palpável ou abstracto E no que passa nos meus sentidos o que está certo o que há de errado
* Nasceu na aldeia de Cabrum, concelho de Vale de Cambra, em 1961. Em Vale de Cambra, durante a frequência do liceu, aprendeu o gosto pela poesia. Iniciou a sua actividade profissional aos 18 anos e aí viveu durante anos. Actualmente exerce a sua actividade profissional no Porto e reside em Santa Maria da Feira, Vila Boa. Tem colaborado em muitas sessões e tertúlias de poesia. Livros publicados: - “As nuvens não são mais de algodão”, de 2000. - “Poemas Tri Angulares”, de 2002. - “Interlúdio d’ Eros”, de 2003. - “Escritos de Areia” de 2005.
A “MORTE-POR-AMOR” NA LIRICA GALEGO-PORTUGUESA REABILITAÇÃO DE RUI QUEIMADO Maria da Conceição Vilhena*
A morte por amor constitui um dos temas preferidos do nosso lirismo medieval. A sua origem, porém, perde-se na noite dos séculos e podemos talvez afirmar que ela se funde com a origem do próprio amor. Há vinte séculos já dizia Cristo aos judeus que a maior prova de amor consiste em dar a vida por aqueles que se ama. (Jo, XV, 13) Entre Celtas e Germanos constituía uma infâmia para o guerreiro o sobreviver à morte do chefe. O soldado sentia em si o dever de misturar o seu sangue ao do chefe a quem devia amor e dedicação, bem como ao do seu irmão natural. Também entre muitas tribus bárbaras o sentido da honra imputa à viúva o dever de acompanhar o marido para a sepultura. Ainda em nossos dias, em algumas tribus indianas, este costume era observado. Como tema literário, a morte–por – amor tem um significado puramente metafórico e aparece-nos já na literatura latina. Na Idade Média torna-se geral, tanto na prosa como na poesia; e
não só nas literaturas românicas, como também, e sobretudo, na poesia arábica. Os pastores de Virgílio, por exemplo, morrem de desespero: “mori me denique coges”. (bue II,7) É entre ao Árabes que o tema aparece tratado com maior frequência e profundidade, o que é, até certo ponto, compreensível. Dado o rigor da Lei moral em relação à mulher, os amantes viam na morte o meio único e legal para se unirem. Esta aspiração da fusão dos corações em Deus, o amor supremo, tornava-se, pois, o caminho para atingir a felicidade eterna na união à essência espiritual da amada. Diz o poeta Ibn Quzman que “os olhos da amada o matam”, mas que “esta morte ser-lhe-á doce”. A tribu dos Banou Odzra era mesmo célebre entre os árabes por os seus membros morrerem logo que amavam. Um outro poeta diz que “aos que morrem por amor.”1… Era um conceito de amor absolutamente espiritualizado e casto que conjuga no mesmo horizonte metafísico as perspectivas do amor divino com as do amor profano. Dentro dos princípios da cavalaria ocidental também se encontra o da morte-por-amor. O cavaleiro, diante de um perigo, deve enfrentá-lo corajosamente por amor da sua dona.
* Licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras de Lisboa, 1965. Doutoramento de Estado ès-Lettres, pela Sorbonne, Paris, 1975; Professora Catedrática. Leccionou na Universidade de Aix-en-Provence, França; na Universidade dos Açores; na Universidade Aberta de Lisboa e na Universidade da Ásia Oriental, em Macau. Tem publicado perto de cento e cinquenta trabalhos (livros e artigos) sobre literatura, linguística, etnografia e história. Actualmente é aposentada e Presidente Honorária e Vitalícia da Associação de Solidariedade dos Professores.
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Para o trovador provençal, criador de um amor cerebral, complicado e feio, mais preocupado com a técnica que com a intensidade dos sentimentos, a morte-por-amor não lhe parece indispensável como expressão limite de alegria ou desespero. No entanto, a ela recorrem trovadores. Bernart de Ventadour, ao contemplar a beleza da “domna” é morto de encanto:
Com mor de feunia Qu’ab bel semblan m’a nafrat Ma mal’ enemia (X, 44-46) … mas no us platz qu’eu l’aia Per qu’eu morrai dezesperatz. (XXXI, 5-6) 3 Foi, porém, entre os portugueses, sentimentais e saudosistas por temperamentos, essencialmente afectivos e generosos, que o tema da morte-por-amor encontrou campo favorável e carinhoso acolhimento. O travador galelo-português faz poesia como meio de exprimir os seus sentimentos e, segundo afirma, o amor não é para ele um pretexto, mas a causa actuante, a força inspiradora. Na Ceia dos Cardeais, Júlio Dantas caracteriza em traços rápidos e precisos este amor todo feito de ternura e de delicadeza; amor-coração, amor-sentimento, como lhe chama, amor feito de simplicidade, em flagrante contraste com o amor-violência do espanhol e com o amor-mesura do francês. Ouçamo-lo: Cardeal Rufo:
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Em que pensa, Cardeal? Cardeal Gonzaga:
…pus me mirei en te, N’na mort li sospir de preon. (43,III) Outras vezes é o desejo de a ver que o faz matar: Ara cuit qu’e.n morrai Del dezirer que.m ve, (36,30) Outras ainda é o cansaço de esperar que o faz gritar “Ai las com mor de cossirar !” (39,9)2 Para Peire Vidal é sobretudo a impaciência e a revolta contra a ingratidão ou frieza da “domna” que o faz pensar na morte:
Em como é diferente o amor em Portugal! Nem a frase subtil, nem o duelo sangrento… É o amor coração, é o amor sentimento, Uma lágrima… Um beijo… Uns sinos a tocar… Um paizinho que ajoelha e que se vai casar. Tão simples tudo! Amor, que de rosas se inflora: Em sendo triste canta, em sendo alegre chora! O amor simplicidade, o amor delicadeza… Ai, como sabe amar a gente portuguesa! Tecer de sol um beijo e, desde tenra idade, Ir nesse beijo unindo o amor com a amizade, Numa ternura casta e numa estima sã, Sem saber distinguir entre a noiva e a irmã… Fazer vibrar o amor em cordas misteriosas, Como se em comunhão se entendessem as rosas, Como se todo o amor fosse um amor somente… Ai, como é diferente! Ai, como é diferente! 4
A sinceridade ou insinceridade dos trovadores portugueses é problema que tem sido largamente debatido pelos críticos da literatura. Para Rodrigues Lapa, há mais verdade que exagero. A própria técnica do verso se põe ao serviço dum sentimento verdadeiro: o paralelismo e o refrão não são mais que os meios de exprimir a monotonia de um sentimento devorador, todo feito de suspiros, de queixas, de desilusões. È uma poesia que vem do coração, toda feita de emoção, quase sem o concurso da inteligência e da imaginação: A nossa cantiga d’amor dá-nos uma impressão diferente (da Provença) e de maior verdade psicológica” 5. Poesia que canta um amor infeliz, ela vem do mais fundo da alma atribulada do trovador, num “turbilhão emocional” que se repete em todas as estrofes com pequena modificação formal. Poesia fundamentalmente subjectiva, feita de sentimentos íntimos, de lágrimas e lamentos, de gritos e queixas contra um amor infeliz, de saudade sem remédio, de melancolia desesperada, de emoção e sinceridade – poesia que é o grito da alma do trovador que em nada mais “cuidar podesse/senon todo o amor”, como diz Joan Aires de Santiago. E, desta atitude de obsessão pelo sentimento do amor, nos aparece, como consequência lógica, a morte do amante desesperado. Sinceridade? Verdade? Sim, mas relativa, “sui generis”, como toda a verdade que nos é transmitida através da poesia, sem a exactidão exigida ao facto histórico ou a precisão própria dos cálculos matemáticos. Carolina Michaëlis, ao comparar a nossa poesia trovadoresca com a provençal, diz que os nossos trovadores “não souberam ataviar de modo tão gentil a sua vaidade, como os provençais as suas mentiras graciosas”. 6 Para o trovador português amar é, pois, sofrer. O amor é absorvente, poderoso, fatal. A sua preponderância sobre o homem leva-o ao aniquilamento, à irresponsabilidade. A “coita de amor” tira-lhe toda a alegria, toda a capacidade de raciocinar. Desde o dia em que “por seu mal” viu “sa senhor”, não mais dormiu nem teve conselho. Que pode, pois, desejar senão a morte?
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Fernão Rodrigues Calheiros nos diz que ela seria a maneira de deixar de sofrer: Porque vus non nembrastes vos de mi, Que vus amo, senhor, mais d’outra ren, Faz-me viver o voss’amor assi Que mi seria con mia morte ben (CA, 349) Morrer era, na cantiga de amor, o desenlace final. Mas, de tal modo o tema se tornou assíduo e fatigante que começou a ser ridicularizado pelos próprios trovadores. Pêro Garcia Burgalês diz, não sem espírito, que Rui Queimado morre de amor em seus cantares, mas que ressurge ao 3.º dia, pelo que a morte deixou de lhe meter pavor.
I Roi Queimado morreu com amor en seus cantares, por Santa Maria, por ua dona que gran bem queria; e, por se meter por mais trobador, porque lh’ela non quis (o) bem fazer, feze-s’el en en seus cantares morrer; mais resurgiu depois ao tercer dia. II
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Esto fez el por üa sa senhor que quer gran bem: e mais vos en diria por que cuida que faz i maestria, enos cantores que fez, a sabor de morrer i, e des i d’ar viver. Esto faz el, que x’o pode fazer, mais outr’omen per ren non faria. III E non já de sa morte pavor, se non sa morte mais la temeria, mais sabe bem, per sa sabedoria que viverá des quando morto for; e faz-s’en seu cantar morte prender, des i ar vive. Vedes que poder que lhi Deus deu, - mais queno cuidaria ! IV E de mi Deus a mí desse poder qual oj’él a, pois morrer, de viver, já mais morte nunca eu temeria 7 Vítima das rivalidades que habitualmente existem entre colegas, tanto bastou para que Roy Queimado passasse a ser considerado como o modelo dos poetas “melífluos e derretidos” como lhe chama D. Carolina Michaëlis: “Entre todos os Portugueses melífluos e derretidos que se gabaram de morrer de amor na época do Bolonhês e de D. Dinis, este Ruy, Roy ou Rodrigo, é de certo um dos mais perfeitos exemplares, mixto singular de ironia e de sentimentalismo, protótipo dos
que morreram de puro amor… apenas nos seus versos. Em todas as quinze cantigas que nos restam dele (menos duas – CA 132 e 414) apresenta-se como um apaixonado que morreu, morre ou morrera, deseja morrer ou cuida morrer etc. Tão monótona insistência devia provocar a hilaridade dos confrades, bastante perspicazes para reconhecerem o argueiro no olho alheio”.8 Vem a propósito citar a frase de Evangelho: “hipócrita, porque vês o argueiro no olho do teu vizinho e não e não reparas na trave que tens no teu ?” Será Rui Queimado realmente mais melífluo que Pêro Garcia ou que outros trovadores seus contemporâneos? A fim de evitar afirmações sem fundamento, decidimos fazer um cômputo de 10 das suas cantigas de amor e de 10 das de Pêro Garcia Burgalês, para comparar a frequência, num e noutro, de expressões referentes ao sofrimento causado pelo amor e ao desejo ou certeza de morrer. 9 Parar maior facilidade de confrontação, reunimos os resultados obtidos em três grupos:
Grupo A – expressões em que aparece o termo “morte”, “morrer”, ou o equivalente, como “perder o corpo”, “deixar de viver” etc.
Grupo B – expressões em que o trovador se refere à inquietação que lhe vem do facto de amar, através dos termos “coita”, “coitado” e “cuidar”.
Grupo C – expressões em que se exprime desespero ou sofrimento através de termos ou perífrases como “sofrer”, “pavor”, “pesar”, “dó”, “chorar”, “não dormir”, “não ter conselho”, “perder o sem”, “ensandecer”, “vir mal”, “ser malamado”.
Eis reduzidos a números os resultados a que chegamos:
FREQUÊNCIA DAS EXPRESSÕES EM:
GRUPOS
Rui Queimado
Pêro Garcia B
A
53
51
B
22
42
C
22
69
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Em face de tais resultados facilmente chegamos à conclusão de que o trovador com menos direito de troçar Rui Queimado seria precisamente Pêro Garcia Burgalês. Em 10 das suas composições fala 51 vezes de morte; Rui Queimado 53. De tão pequena diferença que se poderá concluir? No que se refere à “coita” de amor, quase duplica, e, em referência ao sofrimento, ultrapassa mesmo o triplo. Realmente viu o argueiro nos olhos do vizinho e não se apercebeu da trave que tinha nos seus…. Fazendo o cômputo de mais dois trovadores aproximadamente da mesma época, apuramos os seguintes dados:
J. G. Guilhade
J. Soares Somesso
A
34
31
B
12
29
C
25
40
A propósito
A Propósito de João de Guilhade, diz Costa Pimpão 10 que este trovador “dificilmente seria acreditado se falasse em morrer”; tal afirmação poderia levar-nos a pensar que se teria limitado a desdenhar o tema da morte-por-morte, o que não é exacto, como vimos pelos números apresentados, é certo que o desdenha, mas num número muito reduzido de cantigas de amor ou de amigo 11, enquanto na maior parte das de amor e deixa morrer, quase como Rui Queimado e a quase totalidade dos trovadores de então. O tema da morte-por-amor é geral nos trovadores e, como vimos, tratado com muita frequência pelos da época de Rui Queimado. Com grande intensidade nos aparece nas cantigas de Nuno Eanes Cerzeo que, por serem apenas nove, não puderam ser utilizadas nos esquemas comparativos. No entanto não podemos deixar de transcrever alguns dos seus versos, para que vejamos a facilidade com que morre em seus cantares e como ressurgiria também, certamente, ao 3.º dia: 136
E moir” eu, senhor, por me d’eles partir Por en vos cuidar, ca non por outra ren. (CA 384) Quer eu agora já dizer o que nunca dizer cuidei, con sanha porque me vejo perder. E que ni val d’assi morrer ? ……………….. pois vejo que moiro d’amor (CA 385) Mia senhor fremosa, direi-vos ua ren : vos sodes mia morte, e meu mal, e meu ben ! E mais… por quê vo-lo ei eu já mais a dizer ? Mia morte sodes que me fazedes morrer ! (CA 386) En grave dia, senhor, que vus vi, Por me Deus dar Cintra vos tal ventura que eu por vos assi ei a morrer ! ……………….. e moiro porque vus sei conhocer ! (CA 387) Senhor, todos m’entenden já Mia morte ond’ei eu a morrer. …………………….
……….e moiro com pesar de mi que m’assi foi matar en deseja’-lo voss’amor. ……………………… Non me posso eu já guardar de por vos morte non prender ; mais pois vejo que morrerei, verdade vus quero dizer. (CA 388) Em quase todos os trovadores, a morte aparece como o desenlace final do amor não correspondido. É admirável como Afonso Mendes de Besteiros se sente feliz de morrer pela sua “senhor” : Senhor fremosa, vejo-me morrer; e a mi praz, e mui de coraçon, co’a mia mort’, assi Deus mi perdon! por aquesto que vus quero dizer : Moiro por vos, a que praz, e muit’, én De que moir’eu, e praz a min por én ! (CA 437) Em Pais Soares de Taveirós não há prazer, mas antes um certo sabor de tristeza resignada: Como morreu quen nunca bem ouve da ren que mais amou, e quen viu quanto receou d’ela, e foi morto por én : Ay mia senhor, assi moir’ eu ! (CA 35)
Para Rodrigo Eanes Redondo o facto de não morrer se apresenta como uma autêntica morte: ….ca en eu cuidar en qual a vi, et aver a guarir u a non vej’, a mia mort´ é; partir nen non devia com este pesar ; mais pois non moiro, bem posso jurar, pois isto faz (deus), e non posso morrer, toda-las aousas se podem fazer Que son sen guisa! mais também viver Pod’ o morto, se o Deus quer fazer! (CA 419) Fernão Fernandes Cogominho admira-se como é possível não ter morrido ainda: Pois tan muit’ a que mia senhor non vi, e me mais vejo no mundo viver, e m’eu tan gran coita pudi sofrer per boa fé, pois d’ela non morri, já mais por coita nunca ren darei, ca, por gran coit’aver, non morrerei. (CA 424) É claro que um tão grande exagero de sofrimento e desalento (real apenas na poesia….) não podia deixar de se tornar ridículo aos olhos dos próprios trovadores e de suscitar reacções. Até entre os próprios Provençais, onde a frequência do tema não atingiu tal intensidade, esta reacção se fez sentir. Peire Cardenal, moralista por vocação, louva-se por não cair em tais sentimentalismos: Ar me puese ieu lauzar d’Amor, Que no-m tol manjar ni dormir; ………………………………. Ni dic qu’ieu mor per la gensor Ni dic que-l belha-m fai languir 12 Entre os Portugueses a reacção manifesta-se por uma atitude de amor pela vida. Não há dúvida de que é melhor viver do que morrer, mesmo que seja só para ver a amada ou mesmo que seja sem amor.
Pay Gomes Charinho, em tom irónico, declara preferir amar e viver: Muitos dizen com gran coita d’amor que querian morrer e que assi perderian coita; mais eu, de mi, quero dizer verdad’a mia senhor: queira-me lh’eu may gran bem querer, mais non queria por ela morrer! (CA 459) A esta atitude do poeta, renegando a morte e preferindo a vida, corresponde a outra, por parte da amada, que começa a descrer da intensidade de um amor capaz de conduzir à morte o apaixonado. João Garcia de Guilhade deixou-nos duas cantigas em que põe na boca da amiga palavras de sabor cáustico, cheias de malícia e ironia: Morr’ o meu amigo d’amor e eu non no lhi creo bem, e el mi diz logo por en ca verra morrer u eu for e a mi praz de coraçon por veer se morre, se non. Mais nunca já crea molher Que por ela morren assi, Ca nunca eu esse tal vi, E el moira, se lhi prouguer…. (CV 353) Sim, gostaria de ver se morre ou não para se inteirar da sinceridade das suas palavras; mas não viu… I Cada que ven o meu amigo aqui diz-me, ai amigas, que perde o sen por mi e diz que morre por meu ben; mais eu ben cuido que non est assi, ca nunca lh’eu vejo morte prender, nem o ar vejo nunca ensandecer.
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II El chora muito e filha-se a jurar que é sandeu e quer-me fazer fis, que por mi morre e, pois morrer non quis, mui bem sei eu que a ele vagar… III Ora vejamos o que nos dirá pois veer vivo e pois sandeu non for. Ar direi-lhe eu: “Non morreste d’amor ?!” ………………. E já nunca mi fará creer que por mi morre, ergo de morrer. (CV 357) 138
Dentro deste movimento de reacção, qual a atitude de Rui Queimado? Teria continuado a morrer e a ressucitar tranquilamente? Não. Também ele raciocina sobre o valor da vida, sobre as vantagens de continuar a viver para poder ver a amada, e resolve não morrer: I Direi-vos que mi-aveo, mia senhor, i logo quando m’eu de vos quitei: ouve por vos, fremosa mia senhor, a morrer; e morrera…. mas cuidei que nunca vus veeria des i, se morresse…. e por esto non morri.
II Cuidand’ en quanto vus Deus fez de bem en parecer e en mui bem falar, morrera eu; mais pólo mui gran bem que vus quero, mais me fez Deus coidar que nunca vus veeria des i, se morresse… e por esto non morri.
III Cuidand’ en vosso mui bom parecer ouv’a morrer, assi Deus me perdon ! e pólo vosso mui bom parecer morrera eu ; mais acordei-m’enton que nunca vus veeria des i, se morresse…e por esto non morri. IV Coidand’en vos ouv’a morrer assi ! E cuidand’ en vos, senhor, guareci ! (CA 141) Ao lado desta reacção contra o amor doentio e infeliz, causador do sofrimento e morte do trovador, vemos desencadear-se ainda um desejo de vingança contra a atitude fria, altaneira e desdenhosa da “senhor”. O amor deixa de ser um bem a que se aspira para se tornar qualquer coisa de secundário, sem a qual se passa muito bem a ainda melhor. Osório Eanes, perdido o amor da “senhor”, parte sem saudade, pois daí nenhum bem colheu: Ca non foi eu depois peor, des quando guaanhei voss’amor ? E não só parte sem saudade, como consciente de que é ela que sofrerá com a sua ausência: E averedes a sentir camanha míngua vus farei ; e veredes, eu o sei, como poss’ eu sem vos guarir ! (CA 321) Também Fernão Pais de Talamancos abandona a sua “senhor” na certeza de que poderá “guarir sem ela: Pêro de vos é a min peor porque vus vej’ assi falir que eu ben poderei guarir oymais sen vos; ca mui milhor dona ca vos ei por senhor.
No auge da sua vingança, não hesita mesmo em insultála, acusando-a de amores com um vilão : …………… E descobrir vus éi d’un voss’ entendedor vilão, de quen vos sabor avedes, e a quen pedir foste-la cinta…………. (CA 358) Este sentimento de vingança e desdém acentua-se ainda mais na cantiga seguinte (359), em que diz tê-la trocado por outra (E por esto a cambiei), e se recusa mesmo a aceitar o seu amor : Pêro m’ora dar quisesse quant’eu d’ela desegei, e mi aquel amor fezesse por que a sempr’ aguardei, cuido que lh’o non quisesse. (CA 359) Segundo Garcia de Guilhade, também a mulher passa bem sem amor e é capaz de o dizer friamente ao seu amigo: Per boa fé, meu amigo, mui bem sei eu que me ouvestes grande amor e estevestes mui gran sazon bem comigo; mais vede que vos digo; já çafou. Pois também a este tema da ironia e do desdém não ficou alheia a veia poética de Rui Queimado, que põe na boca da amiga palavras de desconfiança e desprezo: O meu amigo, que mui gran bem quer, assanhou-se’ un dia contra mi nuit’ endoado; mais el que s’assi a min assanha, sei eu ua ren, se soubess’ el quan pouqu’eu daria por sa sanha, non s’assanharia ! Que poderemos, pois, concluir desta análise? Será Rui Queimado mais “melífluo” e mais “derretido” que os outros
trovadores em geral? Depois desta análise da “evolução amorosa” de Rui Queimado, através da sua obra, poderemos considerar este trovador como um autêntico representante da sua época: canta um amor veemente, reflecte sobre as vantagens de viver, o que lhe permitiria ver a “senhor”, e decide-se pela vida; cansa-se de violência do amor e canta a desconfiança e indiferença da amiga. Mais melífluo? Não. Menos irónico? Talvez. Mais sincero? Havia exagero na confissão deste amor tão profundo e violento a que era preferível a morte ? Sem dúvida. No entanto João Aires não crê que se possa falar de amor de modo convincente sem uma base de realidade: Ouço dizer dos que non na amor que tan bem podem jurar que o na ant’ as donas, come mi ou melhor; mais, pêro juren, non lho creeran, ca nunca pod’ o mentiral tan bem jurar come o que verdade ten. Acreditariam os trovadores na morte-por-amor? Não o cremos. Morrer por amor seria apenas um tema do agrado geral, cujo valor simbólico se harmonizava plenamente com a índole do português, Naturalmente dedicado e generoso até ao extremo 13. Morrer por amor correspondia a um desejo de heroísmo, a uma capacidade de amor sem restrições nem limites, enfim, a uma procura de abnegação eterna e absoluta. O trovador ama e não é correspondido ? Não importa. O seu amor será certamente uma constante tortura, mas dele não abdicará. Ser-lhe-é fiel para sempre, sem esperança nem consolação, até que, esgotado, este amor impiedoso o conduza à sepultura. Joan Soares Somesso acreditou que se morreria por amor. Todavia sente-se completamente dominado pelo Amor, sofre cruelmente e continua a viver. Conclusão: se o amor matasse, já ele teria morrido:
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Ora non poss’ eu já creer que omen per coita d’amor morreu nunca, pois na mayor viv’eu que pod’Amor fazer aver a nulh’ omen per ren; e pois eu vivo, non sei quem podesse nunca dél morrer ! E gran medo soía aver de morrer eu por mia senhor; mais, Deu’-lo sab’, este pavor todo m’ela fezo perder; ca por ela conhosqu’eu bem que, se Amor matass’ alguen, non leixaria min viver (CA 378) 140
Notemos finalmente como esta morte era diferente da da poesia árabe. Desfecho final de um amor infeliz, ela era a resultante de um sofrimento atroz que destruía física e moralmente. O trovador deseja-a como termo de um estado insuportável, mas nunca como esperança de felicidade eterna. Na poesia árabe, morrer por amor era atingir a plenitude da felicidade. Era a união eterna dos amantes pela fusão do amor profano com o amor divino. Para o trovador galego-português ela era apenas a cessação da “coita de amor”, consequência trágica de um amor infeliz, de um amor sem esperança; de uma vida sem alegria que se tornava mais pesada que a própria morte: E d’Amor nunca un prazer prendi por mil pesares que m’el faz soffrer (CA 44) Trovadores havia, até, que não acreditavam que, depois de morrer, encontrassem a tranquilidade desejada. Assim o diz Soares Somesso em várias das suas cantigas, tão intenso lhe parece o seu sofrimento: Muitos dizen que perderan coita d’amor sol per morrer. E s’é verdade, bem estan. Mais eu non o posso creer (CA 19)
Desejand’eu vos, mia senhor, seguramente morrerei; e do que end’ estou peor, é d’ua ren que vus direi : que sei, de pran, que, pois morrer, averei gran coit’ a soffrer por vos, como mi-agora ei. (CA 27)
Como se poderia, pois, esperar de um amor que faz “perder o sem”, “perder conselho”, “perder o dormir”; de um amor a que Fernandes Torneol chama “matador” (CA 80), senão uma morte fictícia e simbólica? Notas 1. Citações tomadas de R. Nelli, L´érotique des Troubadours p. 5960. 2. C. Appel, Bernart von Ventadorn, Halle, 1915. 3. J. Anglade, Les poésies de Peire Vidal, Paris, 1966 (2ªed.). 4. Clássica Editora, Porto 1966, P. 42. 5. Lições de Literatura Portuguesa, p. 130 (6ª ed.) 6. Cancioneiro da Ajuda, II, p. 683. 7. Rodrigues Lapa, Cantigas Escolhidas, p. 380. 8. Cancioneiro da Ajuda, II, p. 350-351. 9. Foram escolhidas não ao acaso, mas, para ambos, aquelas que continham mais referências aos males de amor e à morte. 10. Idade Média p. 120 (2ª edição). 11. Vêr mais adiante. 12. R. Lavad, Poésies completes du Troubadours P. Cardenal, Toulouse, 1957, p. 2. 13. No entanto Rodrigues Lapa, cita alguns casos de morte-por-amor, em Lições da Literatura Portuguesa, p. 146 (6ª edição).
Foto de Clara Azevedo
NÃO A CIDADÃOS SERVIS Maria do Carmo Vieira* A dois amigos muito queridos: Dr. Celestino Portela e Dr. David Simões Rodrigues No actual endeusamento da tecnologia e da ciênciatecnológica, que não olha à humanização e «confunde progresso tecnológico com progresso humano», usando as palavras de Agostinho da Silva, as disciplinas ditas de Humanidades são seriamente atingidas porque consideradas «não produtivas» e «sem mais valia». Assim as designam os peritos em economia e finanças em artigos, debates ou conversas familiares, ostentando, certamente sem consciência disso, a sua profunda falta de cultura. E porque esta mentalidade, assente na ganância do lucro imediato, contagia forçosamente a Escola, a sua função milenar tem sido posta em causa e motivado inúmeros remendos de mudança que têm primado, até aqui, pela ausência de um trabalho sério de planeamento, de avaliação e de eficácia nos objectivos a atingir. Não me cansarei de evidenciar, no caso da disciplina de Português, que lecciono, o desnorte reinante, sem esquecer todos os professores que se têm insurgido sem medo contra este statu quo, não abdicando da sua competência, científica e
pedagógica, garantia da qualidade que deve obrigatoriamente caracterizar a Escola. Um dos exemplos flagrantes é o desdém pela contextualização histórico-cultural de um autor, explícito nos programas, nomeadamente dos ensinos básico (3º ciclo) e secundário, trabalho relegado para uma consulta na internet, a fazer pelos alunos, e que se aproveita para avaliar o uso que estes fazem das novas tecnologias. E, no entanto, contextualizar um autor, na sua época histórico-cultural, constitui, a nosso ver, um momento assaz importante para a compreensão da obra em estudo e da sua visão do mundo e da própria vida, abrindo ainda as portas a outros intervenientes, contemporâneos do autor, em diferentes áreas artísticas. Um trabalho que implica tempo, e não perda de tempo, como, infelizmente, se disse, e enriquece culturalmente os alunos, favorecendo o acto de pensar e de sentir no convívio com outras leituras, com outros exemplos de vida, com outras artes. Poderíamos dar inúmeros exemplos sobre o acréscimo cultural que advém do factor contextualização, mas por uma questão de espaço debruçar-nos-emos sobre um único autor, Luís de Camões (1524-1580), aliás, um dos clássicos mais maltratado nos programas, quer no que diz respeito à lírica quer à epopeia. E no entanto, o poeta é quem nos representa, enquanto país e enquanto povo, no dia de Portugal, precisamente a 10 de Junho, data da sua morte. Não é um guerreiro que se homenageia, como acontece
* Licenciada em Filologia Românica, mestre em Literatura de Viagens e Professora do Ensino Secundário. Tem vários livros publicados sobre ensino e viagens; em 2010 publicou o Ensino do Português, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa.
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em inúmeros países, no dia da sua nacionalidade, mas um poeta, e um poeta consciente de que juntara à sua «longa experiência», «honesto estudo» e «engenho», «cousas que juntas se acham raramente», como, com orgulho, confessa ao rei D. Sebastião, no canto X de Os Lusíadas. Também os seus poemas, «na sua pluralidade vária, na delicadeza do seu confessionalismo lírico, na dramaticidade profundamente humana da experiência de vida que lhes deu ser e expressão, nos encontros e desencontros de uma dialéctica interior onde os conflitos do indivíduo tão flagrantemente se identificam com os nossos, hoje, ou até na grandeza de um orgulho épico pelo que fomos ou pelo que não fomos capazes de fazer, encerram uma mensagem magnífica de vida feita arte, que nos será bom conhecer, para a usufruirmos e para, através dessa fruição, melhor nos conhecermos a nós próprios.» (Aníbal Pinto de Castro, Páginas de um Honesto Estudo Camoniano). Esta visão intemporal da obra camoniana não se concretiza infelizmente aquando do seu estudo, seja no ensino básico seja no ensino secundário, condenada que está a uma leitura apressada, logo, impeditiva de uma compreensão séria do seu significado existencial e de uma plena fruição estética. A propósito de Luís de Camões e da sua contextualização histórico-cultural, saliento a riqueza impressionante que
advém do trabalho que podemos desenvolver, em estreito e dinâmico diálogo com os alunos, usando a Literatura, a Pintura e a Música do século XVI (Época Clássica, Período Renascentista). Exemplificaremos apenas a parte respeitante à Literatura, privilegiando vozes referência na época camoniana pela sua consciência humanista, igualmente visível na experiência marítima dos portugueses cujas viagens vieram demonstrar ao mundo que «nem só a raça branca, nem só a civilização europeia, nem só as religiões até então conhecidas – o cristianismo, o judaísmo e o maometanismo – existiam no mundo, que pela primeira vez se revelava em toda a sua vastidão» (Maria Leonor Buescu, Apontamentos de Literatura Portuguesa). Três são os nomes que seleccionámos, Erasmo de Roterdão (Roterdão,1469- Basileia, 1536), Thomas More (Londres, 1478-1535) e Damião de Góis (Alenquer, 15021574) e as suas obras, respectivamente, Elogio da Loucura (1511), Utopia (1516), Descrição da Cidade de Lisboa (1554). Erasmo de Roterdão dedica o seu ensaio satírico, Elogio da Loucura, que poderia ser aplicado à sociedade actual, ao seu grande amigo Thomas More, fiel como ele, aos valores humanistas, e por quem nutre profunda admiração, acentuando
Erasmo
que nesta «brincadeira do seu espírito» as «distracções podem levar a coisas sérias, e o leitor, com um pouco de bom senso, delas pode tirar mais proveito do que das obras graves e pomposas de muitos autores». Palavras que se assemelham às de Gil Vicente: Ridendo castigat mores («a rir criticam-se os costumes»). Eis dois extractos do referido ensaio, entre os muitos que poderíamos escolher pela sua expressividade: «O espírito do homem é feito de maneira que lhe agrada muito mais a mentira do que a verdade. Fazei a experiência: ide à igreja, quando aí estão a pregar. Se o pregador trata de assuntos sérios, o auditório dormita, boceja e enfadase, mas se, de repente, o zurrador (perdão o pregador), como aliás é frequente, começa a contar uma história de comadres, toda a gente desperta e presta a maior das atenções.» Monge agostiniano e teólogo, Erasmo de Roterdão foi crítico em relação a uma Igreja que condenava o acto de pensar livremente, impondo comportamentos que em si nada guardavam da boa nova evangélica e, pelo contrário, defendiam um Deus vingativo e nada misericordioso. Daí que usasse a voz da Loucura, afinal, quem consegue dizer verdades sem medo ou receio de ser perseguida (tal como acontecia com a personagem do «Parvo» do Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente), para focar os «teólogos», «raça espantosamente supersticiosa e irritável», que se «proclamam profundos, quando o público os não consegue entender», sentindo-se felizes quando «descrevem com minúcia o Inferno, como se aí tivessem passado anos;[…].» Em Utopia, ilha imaginária criada por Thomas More e cuja origem grega significa «lugar inexistente» (ou+tópos=não lugar), o autor pretendeu pôr em contraste duas sociedades, evidenciando o seu forte desejo de transformações sociais, na Inglaterra do século XVI. O narrador é Rafael Hitlodeu, a quem Thomas More pede que descreva minuciosamente a geografia, a organização
e a vida em Utopia, não se sabe em que lugar do «Novo Mundo» situada: – «os campos, os rios, as cidades, os homens, os costumes, as instituições, as leis […] tudo o que ignoramos». Dessas realidades descritas, é curioso ler o que o narrador descreve acerca dos hospitais: «Dentro do perímetro da cidade [Amaurota, sede do governo], um pouco fora das muralhas,
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Thomas More
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existem quatro grandes hospitais, amplos e espaçosos […]. A sua amplidão tem como fim impedir que os doentes, por mais numeroso que sejam, não estejam demasiado amontoados, em condições desconfortáveis e incómodas; e também com o fim de poderem ser isolados dos restantes doentes que sofram de males contagiosos, para evitar o perigo a isso inerente. Os hospitais estão tão bem organizados e fornecidos de tudo o que é necessário para o restabelecimento dos doentes, os cuidados assíduos dos médicos mais hábeis são tão carinhosos, que, não sendo ninguém obrigado a utilizá-los contra sua vontade, não há ninguém, no entanto, que, em caso de doença, não prefira tratar-se no hospital a fazê-lo em sua própria casa.» A terminar, o grande humanista português, Damião de Góis, que conviveu em Basileia com Erasmo de Roterdão, contacto esse considerado herege pela Inquisição que o perseguiu e determinou o seu assassinato. De espírito crítico e imparcial, Damião de Góis escreveu a Crónica do Felicíssimo Rei Dom Manuel (1566-67) e a de seu filho, futuro rei de Portugal, Crónica do Príncipe Dom João (1567). Ciente e orgulhoso do cosmopolitismo da cidade de Lisboa,
com o seu importantíssimo porto de comércio mundial Tejo que «impera sobre o mundo» - Damião de Góis faz uma Descrição da Cidade de Lisboa, que cognomina de «Rainha do Oceano», juntamente com a de Sevilha, guiando-nos nessa visita, pormenorizada, de Belém à Ribeira. Fiquemos com a imagem quinhentista da cidade de Lisboa, tão procurada por estrangeiros: «No que diz respeito à salubridade do lugar e da situação de Lisboa, assim como à doçura do clima, é tal a suavidade e a amenidade, e tanta a harmonia entre a terra e a atmosfera, que quase não há um único dia do ano em que se sinta ou calor ou frio excessivos. Daí resulta que muitos estrangeiros, vindos de nações diversas e de regiões muito afastadas, atraídos pela pureza do clima, para aqui imigram, abandonando o seu torrão natal e os cuidados da sua pátria, e aqui fixam residência definitiva e domicílio vitalício.» Considerar-se-á perda de tempo levar os alunos a conhecer autores que os ajudarão a reflectir sobre a Condição Humana e a criar uma personalidade atenta à importância da Cultura ao longo da Vida? Lisboa, 15 de Agosto de 2011
O desenvolvimento de competências no Ensino Superior ISVOUGA, Julho de 2011 Maria Teresa Leão* Introdução A presente reflexão sobre o desenvolvimento de competências no ensino superior, é suportada por um enquadramento teórico de referência que compreende a sistematização de um conjunto de perspectivas conceptuais sobre competências, enquanto conceito; uma caracterização do modelo de ensino-aprendizagem perspectivado para o ensino superior, na sequência da assunção do Tratado de Bolonha e, por último; uma reflexão sobre barreiras ao sucesso académico e profissional, associadas às diferenças ou descontinuidades, no que concerne às metodologias de ensino nos níveis secundário e superior. O presente artigo compreende, assim, como objecto de estudo, o indivíduo enquanto actor do seu percurso escolar, académico e de transição para o mercado de trabalho. São igualmente considerados, nesta análise, os estádios de maturidade do indivíduo, como factores que condicionam o respectivo sucesso académico e profissional. * Directora do ISVOUGA. Phd em Ciências da Educação.
Por outro lado, são equacionadas as metodologias de ensino aprendizagem do ensino de nível superior, na perspectiva do desenvolvimento das competências transversais e a respectiva clivagem com o modelo vigente, no âmbito do nível de ensino que o precede (secundário). Relevam-se ainda aspectos que se prendem com as abordagens, ao nível dos recursos humanos, por parte das organizações, os quais evidenciam correlações, tratadas por um vasto conjunto de autores, com as problemáticas associadas aos modelos de organização e de produção do trabalho e a factores de contexto, como sejam, a globalização e competitividade do sector económico. 1 – O ensino superior e o ensino-aprendizagem das competências A mudança de paradigma no ensino superior A constituição de um espaço europeu de ensino superior foi perspectivada no âmbito da Declaração da Sorbonne, assinada em Maio de 1998, em Paris, pelos Ministros da Educação da Alemanha, França, Itália e Reino Unido. Um ano mais tarde, e mais concretamente, em Junho de 1999, foi subscrita, pelos Ministros da Educação de 29 estados europeus, a Declaração de Bolonha através da qual se preconiza, como objectivo, a criação, até ao ano de 2010,
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do espaço europeu de ensino superior, coerente, compatível, competitivo e atractivo para estudantes europeus e de outros países e, por assim dizer, uma Europa do conhecimento estruturada com base no reforço da qualidade e da eficácia dos seus recursos institucionais e humanos. De entre um amplo conjunto de metas definidas, estabeleceu-se o incremento substancial da mobilidade de docentes e de estudantes, enquanto fonte de aprendizagem e de desenvolvimento por si mesma. Na essência da concretização deste objectivo, definiram-se alguns pressupostos tais como, a adopção de uma metodologia de aprendizagem mais activa e participativa, o desenvolvimento de capacidades e competências, apelidadas como “horizontais” e entre as quais se privilegiam: aprender a pensar, aprender a aprender, aprender a ensinar. Por outro lado, no que respeita às competências de índole específica da profissão ou profissões, a que o curso conduz, estabeleceu-se a necessidade de estas últimas se aliarem a capacidades de intercomunicação; de integração em equipa; de capacidades de liderança; de inovação e de adaptação à mudança. No intuito de proceder à definição da qualificação e das estruturas de formação para cada área do conhecimento, o Ministério visou identificar perfis e competências de formação entre as quais considerou: perfis para exercício profissional ou para empregabilidade, competências gerais e específicas, pessoais e académicas, associadas aos distintos perfis, adequação das necessidades da sociedade às competências, capacidades e conhecimentos a promover no âmbito do perfil formativo da estrutura e da duração de cada ciclo de estudos do ensino superior. Desta forma, o ensino superior deveria assumir-se prioritariamente como uma esfera promotora de uma educação generalista sólida e dinamizadora de uma componente vocacional de profissionalização relevante económica e socialmente para o país e para os jovens que a abracem. 1. 2 - O ensino-aprendizagem das competências De algumas décadas a esta parte, tem-se assistido no âmbito das organizações, à transição do tradicional modelo de gestão de recursos humanos para o modelo de gestão de competências, o qual elege como factor determinante para efeitos de selecção e de recrutamento, formação, remuneração, avaliação, etc. as competências dos indivíduos. De acordo com Prahalad e Hamel, 1990, a habilidade crítica
da gestão no futuro residirá na capacidade de se identificar, aplicar e potenciar as competências fundamentais que proporcionam o desenvolvimento e competitividade das organizações. Considerando-se as três componentes básicas de uma estratégia organizacional, como sendo as definidas por Chiavenato, 2006, isto é: o ambiente em que a organização intervém, a organização em si, e dentro desta muito em particular os recursos, designadamente humanos, de que a mesma dispõe, e, por último, a adequação entre ambos, não será difícil conceber a centralidade que assume, para a respectiva definição, o desenvolvimento de uma aprofundada análise organizacional e, dentro desta, a detecção da sua própria capacidade e competência, em particular, ao nível dos indivíduos que a integram. Mas afinal, o que é uma competência?... De acordo com este último autor, competência corresponde a um conjunto de conhecimentos, práticas, habilidades, atitudes, comportamentos, interesses e tipos de raciocínio adquirido em função da aprendizagem e das experiências de vida que distinguem as pessoas e as organizações e que as tornam mais ou menos eficazes e competitivas em determinada situação. Jardim (2010:76) desagrega o conceito de competência em três grupos: básicas, técnicas e transversais. No que concerne às competências ditas transversais que são, de facto, o nosso objecto de estudo, este autor define-as como um conjunto de qualidades pessoais relacionadas com o saber-ser, com as atitudes e com os comportamento que se correlacionam com a personalidade e não necessariamente com o exercício de uma função. O referido autor verifica ainda, na sequência das suas investigações sobre o problema em estudo, que é unânime reconhecer-se-lhes uma “notória transferibilidade”, o que as torna passíveis de utilização em diversas funções. De acordo com Cohen, 1991, competência corresponde a um conjunto de princípios e estruturas internas, usadas para potenciar os desempenhos e das quais só se tem conhecimento parcialmente, em virtude de a respectiva mobilização se processar de forma espontânea. Mitrani et al., 1994, por seu turno, definiu competência como o conjunto de “características pessoais, os traços de carácter, os talentos e as capacidades”. Para Boyatzis, 1982, uma competência define-se como uma característica subjacente de um indivíduo, a qual tem uma relação de causa e efeito com o desempenho médio ou superior de uma função. As competências críticas, de acordo com o
mesmo autor, distinguem o sujeito superior do sujeito médio. As competências básicas ou essenciais, por sua vez, são as de nível mínimo, requeridas a fim de se obter um desempenho mínimo ou médio. Algumas competências determinantes são comuns ou transversais a diversas funções. Nesta acepção, as competências podem ser motivações, traços de carácter, conceitos de si próprio, atitudes ou valores, conhecimentos, ou ainda aptidões cognitivas ou comportamentais e, por conseguinte, toda e qualquer característica individual susceptível de ser medida e comparada. A propósito do “Eu” competente, Jardim (2010:80) preconiza a capacitação de competências de diversos níveis: intrapessoais, interpessoais e profissionais como meio para habilitar, psicologicamente, os indivíduos para enfrentarem, de forma positiva, os desafios da vida contemporânea. Tendo em conta as definições apresentadas, impõese tentar encontrar respostas para a questão: serão as competências passíveis de se aprender? ou, formulada de outra forma,: as competências ensinam-se?...Mitrani et al., 1994, preconiza que as competências são ensináveis e passíveis de ser aprendidas, sugerindo, todavia, que umas o são mais do que outras. Nesta relação, considera que as competências ao nível dos conhecimentos e dos comportamentos são mais fáceis de ensinar do que competências, consideradas de alguma forma mais enraizadas no indivíduo e de que são exemplo as que integram o respectivo sistema de atitudes e de valores ou os traços de personalidade, isto é; aquelas que considera como “profundamente pessoais”. Considera, ainda, que as competências associadas à motivação, como a motivação para o êxito, começam a desenvolver-se na infância e que só são passíveis de se alterar, de forma lenta, na idade adulta, enquanto que outras, de carácter mais técnico, como as associadas à capacidade para programar computadores ou para o desenvolvimento de análises financeiras, por exemplo, podem ser adquiridas com relativa rapidez e em qualquer fase da vida profissional dos indivíduos. Assim sendo, este autor agrega as competências em dois vastos conjuntos: no primeiro, considera os conhecimentos e a qualidade de trabalho, facilmente adquiridos, pelo estudo, experiência e prática; no segundo, os traços de personalidade mais intrinsecamente enraizados, bem como as qualidades pessoais dos indivíduos, mais difíceis de desenvolver e de modificar. Face à crescente valorização das competências, dos talentos dos indivíduos, relativamente ao respectivo contributo
para as organizações através da criação de valor acrescentado, desenvolvimento de produtos criativos e inovadores, captação de novos mercados e da capacidade de proporcionar superiores níveis de satisfação e de fidelização, o capital humano, considerado no conjunto dos distintos grupos de recursos afectos às organizações, tem conquistado um considerável protagonismo. As investigações efectuadas neste campo, evidenciam, todavia, que não é tarefa fácil estabeleceremse relações de adequação óptima entre os indivíduos e os lugares: funções e/ou cargos que os mesmos ocupam nas organizações. Ainda que, de alguma forma, se tenha assumido uma metodologia, mais ou menos corrente, que preconiza que a fase que sucede a identificação dos critérioschave da função é a de clarificação quanto às qualidades pessoais do respectivo titular, tendo em linha de conta os objectivos e níveis de desempenho visados pela organização, tal tarefa reveste-se de tanta maior dificuldade, quanto maior a natureza intelectual e comportamental das competências determinantes subjacentes à dita função. Nesta acepção, e de acordo com Woodruffe, 1991, a função é, pois, perspectivada como um conjunto de papéis e resultados que requerem um determinado número de competências individuais. “Até agora, a teoria em vigor consistia sobretudo em procurar a melhor afectação possível: “A pessoa certa, no lugar certo e no momento certo.” Actualmente, trata-se sobretudo da adequação das competências determinantes disponíveis às exigências da empresa, num quadro de evolução permanente.” (Mitrani et al., 1994:58) Os sistemas de gestão de recursos humanos abandonam a focalização vigente na função, para passarem a privilegiar o ajustamento à organização. Cunha et al. (2006,34) assume mesmo, com base nas investigações efectuadas, que se esteja a considerar, na esfera da política de compensação dos colaboradores das organizações mais dinâmicas e competitivas, pressupostos bem diferentes daqueles a que se atendiam há bem pouco tempo atrás: As políticas salariais passam a ter por referência as competências detidas por cada empregado, em lugar de ter por base a sua função e posição na hierarquia, podendo implicar
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diferenciação salarial consoante a importância estratégica das competências detidas pelos diferentes indivíduos. Por outro lado, a compensação com base no mérito significará que o salário está associado à forma como as competências são utilizadas em benefício da organização. As políticas de formação e desenvolvimento envolvem normalmente planos individuais de formação e têm em vista a aquisição de novas competências, que contribuam para alcançar os objectivos estratégicos da organização. De acordo com Cardoso, Vinícius et al.
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“…o conceito de competência está mais para a prática tanto quanto o de conteúdo do conhecimento, ou simplesmente conhecimento, está para a teoria.” Considerando que ser competente pressupõe o conhecimento das condicionantes da acção, como sejam, dos conceitos, das ferramentas, do ambiente e genericamente do contexto no qual se dará a acção consciente, poder-se-á assumir conhecimento e competência como duas faces de uma mesma moeda. A ideia de competência, de acordo com Cunha et al.(2006, 22-23) está ainda indissociavelmente ligada à trajectória profissional dos indivíduos, a qual não se compadece já com a gestão de uma carreira de sentido único, mas antes com a capacidade dos indivíduos realizarem um itinerário profissional que não pode ser planificado ou previsto por antecipação, dada precisamente a instabilidade das relações de trabalho. Na mesma linha de pensamento, Boterf (2000:36) alude a “navegar na complexidade”, em que o significado de agir com competência ou ser competente, se encontra intimamente relacionado com uma dada situação profissional ou com uma dada família de situações profissionais, no âmbito das quais os indivíduos assumem uma postura criativa, positiva e decidida. Numa perspectiva que poderemos considerar mais macro, preconizada por Prahalad e Hamel (1990), as competências centrais correspondem, no âmbito da gestão estratégica, a aprendizagem colectiva, a qual permite à empresa desenvolver um conjunto distintivo de “outputs” que lhe conferem vantagens competitivas. Para Boterf (2005) a noção de competência implica demonstrabilidade, não sendo suficiente ter-se aptidões ou habilidades para uma dada actividade profissional, mas igualmente necessário evidenciar-
se a respectiva aplicabilidade. As competências que, de acordo com Jardim (2010), melhor se adequam com a atitude de auto-formação valorizada pelo mercado de trabalho, são: capacidades ao nível da tomada de decisões, iniciativa, planificação, comunicação, cooperação, responsabilidade e flexibilidade. Desta forma, considerando o actual contexto de constante mutação no mercado de trabalho e as características valorizadas na esfera da acção profissional: …o factor diferenciador do desempenho não reside, de forma predominante, na avaliação descontextualizada de indicadores construídos para a sua predição, ou na organização rigorosa das tarefas, mas num conhecimento mais aprofundado das pessoas e da sua competência, definida como o conjunto integrado de características, manifestadas durante o processo que leva ao desenvolvimento de uma acção concreta.
1.3– Limites à eficácia do modelo de ensinoaprendizagem preconizado no âmbito do ensino superior Diversos autores se debruçaram já, como tema central, mas sobretudo periférico dos seus trabalhos de investigação, sobre a transição entre o ensino secundário e o superior e, em particular, sobre a correlação entre o sucesso académico e factores relacionados com aspectos organizacionais da responsabilidade dos estabelecimentos de ensino, ou numa perspectiva mais abrangente dos respectivos subsistemas em que os primeiros se inserem. De acordo com os estudos encetados por Jardim (2010:23), os dados revelam que o insucesso1 é motivado por factores de ordem diversa, tais como: a ausência de políticas de apoio aos processos de transição, aspectos culturais relacionados com a democratização do ensino superior, a falta de preparação pedagógica por parte dos docentes do ensino superior e outros de natureza sociocultural expressos na falta de hábitos de leitura e de métodos de estudo. A este propósito, também Fontaine (1988), ao considerar que a capacidade intelectual apenas explica, em média, até 25 por
1 De acordo com estudo datado de 2006 da OCES-Observatório da Ciência e do Ensino Superior, a taxa total de insucesso no ensino superior é de 35,1%.
cento da variação dos resultados escolares, apela a outros factores com vista à optimização da realização escolar dos alunos. Por outro lado, de acordo com Rosário (1997), a memorização mecânica e repetitiva dos conteúdos curriculares, assume-se como um procedimento muito mais cómodo e económico em tempo e energia para o aluno do que a “construção de significados mediante a procura e o estabelecimento de relações substantivas entre o novo e o já conhecido.” Esta ideia é, aliás, complementada por Ferreira, Almeida et al., 2001:8. Reduzir o sucesso académico dos estudantes às suas classificações curriculares é, muitas vezes, querer desenvolver competências nos alunos para reproduzir informação e enfatizar pouco a preparação dos estudantes para se entenderem a si próprios e integrarem-se, de forma adequada, nos ambientes profissionais e sociais com os quais terão que lidar ao longo da vida. Já em 1977, Heath D., ao investigar os preditores de êxito na vida, identificou cinco áreas fundamentais: a simbolização e inteligência baseada numa capacidade de reflexão, o alocentrismo, empatia e altruísmo, a integração ou capacidade para combinar uma variedade de pontos de vista, a estabilidade e a autonomia e autodirecção de acordo com valores humanos profundos. Com as investigações encetadas sobre a problemática em causa, ficou nitidamente demonstrado que não existe uma relação directa entre as aptidões escolares e o sucesso, uma vez que tanto os estudantes com notas elevadas, como outros com notas baixas podem ser bem ou mal sucedidos nos diferentes âmbitos da sua vida. Aliás, os resultados do trabalho de investigação, preconizado por este último autor, permitem concluir que o factor com maior peso no nível de competências a atingir é “o nível de maturidade do sujeito quando começa os seus estudos superiores”, do que se poderá aferir que “para o desenvolvimento do jovem adulto, interessa operacionalizar um conjunto de iniciativas conducentes à sua maturidade”, investindo na sua responsabilização e comprometimento com os projectos em que se envolvem. Também em 2008, Alcoforado preconiza que os desempenhos de nível mais elevado se encontram dependentes, quer do processamento dos conhecimentos e
habilidades (inteligência), quer da adopção das atitudes mais indicadas (personalidade) e, por conseguinte, neste último caso, do processo de mobilização dos recursos e características pessoais para agir. De acordo com Mayer (2003) este último processo é passível de ser treinado (produzido, trabalhado), através de situações de simulação: assessment might be done by confronting the student with a sample of such (eventually simulated) situations. Conclusão No âmbito do artigo que ora se conclui, destaca-se a relevância atribuída pelas organizações à forma como os indivíduos interagem nos distintos contextos das actividades profissionais, ao nível de iniciativa, trabalho em equipa, comunicação, gestão do tempo, etc.. Por outro lado, reflectese sobre a alteração do modelo de ensino-aprendizagem, no subsistema de ensino superior, preconizada com a adopção do modelo de Bolonha, bem como sobre o desfasamento existente entre as metodologias pedagógicas empregues nos subsistemas de ensino (secundário e superior). Relevam-se também as consideráveis taxas de insucesso académico e a respectiva correlação com a ausência de mecanismos de apoio à transição entre dois modelos de ensino com características e níveis de exigência consideravelmente distintos. No âmbito das considerações sobre a adequação entre as expectativas geradas por parte das organizações face aos respectivos recursos humanos e sobre os “caminhos percorridos” pelo sistema formal de ensino para dar resposta ou se aproximar das primeiras, poderemos aferir a existência de constrangimentos consideráveis a corrigir, nomeadamente pela construção de “pontes” entre os níveis de ensino secundário e superior. Bibliografia Afonso, A. (2001). “Comunidades de aprendizagem: um modelo para a gestão da aprendizagem”, II conferência internacional challenges’2001/Desafios’2001; Alarcão I. (2000). “Para uma conceptualização dos fenómenos de insucesso/sucesso escolares no ensino superior. In Tavares e R.A. Santiago (Org.), Ensino Superior: (In)sucesso Académico”, p:11-23, Porto: Porto Editora;
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Alcoforado, J. (2008). “Limites e desafios para a construção de um modelo português de educação e formação de adultos”. Coimbra; Amaral, A. (2002). “A problemática do insucesso no ensino superior”. In C.S. Lopes (Ed.), Sucesso e insucesso no ensino superior português. Lisboa: C.N.E., Editorial do Ministério da Educação; Arroteia, J.C. (1996). “O ensino superior em Portugal”, Aveiro: Universidade de Aveiro; Ataíde, R. (2005) “Estudante do Ensino Universitário: necessidades e desafios”. In A.S. Pereira e E.D. Motta (Eds). Acção Social e Aconselhamento Psicológico no Ensino Superior: Investigação e Acção. Actas do congresso nacional, p:237-243, Coimbra: SASUC; Azevedo, J. (1999). “Voos de Borboleta. Escola, trabalho e profissão”. Porto: Edições Asa; Bandura, A. (1990). “Refletions on nonability determinants of competence.” In R.J. Sternberg & J. Kolligian Jr. (eds), New Haven, CT: Yale University Press; Bidarra, M.G., e Festas, M.I. (2005). “Construtivismo(s): Implicações e interpretações educativas”. Revista Portuguesa de Pedagogia, 39(2), p: 177-195; Cardoso, Vinicius et al. (s.d.). “Gestão por competências: o papel dos processos de mapeamento de competências no Banco do Brasil”. Cohen, A. et al. (1991). “Comportamento organizacional – conceitos e estudos de casos”. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2ª Edição; Chiavenato, Idalberto (2006). “Gestão de pessoas: Estratégias e interesses das organizações”, São Paulo: Atlas; Chiavenato, Idalberto (2006 (a)). “Administração de Recursos Humanos (Fundamentos Básicos)”, São Paulo, Editora Atlas, 6ª Edição; Cunha, M.P. et al. (2006).”Manual de Competências Organizacionais e Gestão”. Lisboa: Recursos Humanos Editora, 5ª.Edição; Ferreira, J.A. Almeida et al. (2001) “Adaptação Académica em estudante do 1º ano: diferenças de género, situação de estudante e curso”. Psico-USF, 6(1), p:1-10; Ferreira, J.M.Carvalho et al. (1998). “Psicossociologia das organizações”, Portugal: Mcgraw-Hill; Fleury, Maria Teresa e Afonso (2001). “Construindo o conceito de competência”, RAC, Edição Especial, p:183196; Fontaine, A.M. (1988). “Motivação e realização escolar em função do contexto social”. Revista Portuguesa de Pedagogia, 22 (2), p:313-336;
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NOTA PREAMBULAR Manuel de Lima Bastos*
Fiz questão de propor ao meu prezado amigo e colega Dr. Celestino Portela, director desta revista cultural que atende pelo nome de Villadafeira, a publicação do curto mas notável texto escrito pelo meu muito caro amigo José Domingos da Cruz Santos em prol e louvor de João de Araújo Correia, grande escritor e contista excepcional cujo nome sobressai ainda mais nesta época em que proliferam, como as ervas daninhas que irrompem depois da chuva e atulham a praça, os pigmeus literários. A obra de João de Araújo Correia demonstra que soube utilizar como poucos essa ferramenta tão desprezada e maltratada que é o português literário. Digo português literário porque não é a mesma coisa que o português que correntemente por aí se lê e se ouve, quebrado nas regras gramaticais e injuriado na prosódia, inçado de narizes de cera e de lugares comuns, tudo aquilo que Aquilino Ribeiro desdenhosamente chamava vicieiras do falar. E do escrever, acrescento eu, porque quem fala mal, escreve mal e quase sempre pensa mal.
*Advogado. Devoto Aquiliniano.
José Domingos da Cruz Santos faz gosto em dizer-se um pequeno editor livreiro, mas eu não só não acredito nele quando finge que é pequeno em tais actividades como até penso que comete o pecado da soberba ao escamotear a condição de erudito em literatura - e conhecedor profundo da obra de Camilo Castelo Branco, santo maior em cujo altar tem sempre acesa a vela da devoção - cobrindo-se com a roupagem enganadora da falsa modéstia. Não somos amigos de há grandes anos mas parece que não foi preciso assim muito tempo para construir uma sólida relação de amizade. Relação que se complementa com uma outra que assume natureza erótica porque tanto José Domingos da Cruz Santos como eu sabemos bem que o repetido folhear das páginas dos livros faz criar uma poderosa zona erógena na polpa dos dedos.
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Tímido Olhar António Madureira* Tímido olhar rosto adornado pelo sorriso alma que chora em segredo Percorres trilhos de mãos dadas com o destino espalhando sorrisos guardando as dores És verso de poesia estrela luar de uma noite de verão Debruças-te sobre a saudade na imensidão de um minuto revives lembranças e canções de amor Cativas com os teus encantos fazendo prisioneiros sonhos e desejos És poema rima e verso teu nome menina de beleza divina
*Nasceu em 1963, na freguesia de Massarelos, Porto. Actualmente reside e exerce a sua actividade profissional em Santa Maria da Feira.
Comunicação enviada por José da Cruz Santos* ao II Fórum de João de Araújo Correia realizado na Régua, no Museu do Douro, em 16 e 17 de Outubro de 2010. José da Cruz Santos* Com a vossa permissão, gostaria de dedicar esta evocação simples e despretensiosa à memória de outro grande português, homem de cultura, professor emérito, camilianista devotado, amigo incomparável, que recentemente nos deixou: o Prof. Doutor Aníbal Pinto de Castro. Por muita que seja sempre a minha vontade de recusar convites que levam a desenconchar-me da misantropia em que me sinto bem, não poderia nem saberia fazê-lo quando se trata de evocar o grande e querido amigo que foi o escritor João de Araújo Correia. Mestre de nós todos, assim o definiu Aquilino Ribeiro, um dos três ou quatro deuses da minha mitologia literária indígena. Mestre em literatura mas também em cidadania. Também não pudera recusar o honroso convite que me fora feito para integrar a Tertúlia de João de Araújo Correia, desde os seus primeiros balbucios, apesar de, por feitio, mau feitio, não ser sócio de nenhum clube, filarmónica ou associação *Editor Livreiro.
de socorros mútuos. E nela me mantenho com muito prazer, pelos seus propósitos e pela honra da companhia. Na vida de um editor há momentos privilegiados, naturalmente raros, mas aos quais se aquece quando começam a chegar os frios da desilusão. Deixo aqui a palavra, porque é de desilusão que se trata quando se vê o lixo editorial que entulha as livrarias e que afasta, em nome do lucro fácil, os leitores das obras que poderiam aproximá-los da nossa tão amada língua portuguesa, esta última flor do Lácio, no dizer de Olavo Bilac. E publicar João de Araújo Correia foi na verdade um privilégio, aliás dilatado à dimensão de uma amizade que recordo com orgulho e saudade. Amizade que também pude merecer dos filhos, João e Camilo, a quem desesperadamente procurei dar a alegria de fazer alguma coisa como editor pela obra do pai, o que só veio a acontecer nos últimos tempos do Doutor Camilo, já tão doente, e que me dizia, sempre que lhe dava uma boa notícia: meu bom amigo, o que me diz faz-me mais bem do que uma transfusão. Foi assim com as obras publicadas na Imprensa Nacional e com o excelente volume O Porto na Obra de João de Araújo Correia, apresentadas respectivamente pelos bons amigos Dr. João Bigotte Chorão e José Viale Moutinho. Em mim, e nem perceberia o contrário, o leitor precedeu o editor. Aliás, o que me tornou editor foi a vontade de levar ao
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conhecimento dos outros obras que me tinham apaixonado. Foi assim que nasceu Uma Sombra Picada das Bexigas, colectânea dos textos que João de Araújo Correia dedicou a Camilo, de cuja religião ele era sacerdote mitrado e eu um simples acólito. Será difícil deixar aqui um reflexo que seja do contentamento que me tomou quando a minha proposta de juntar aquelas prosas foi aceite, convencido que estava e estou de que os seus esboços de retratos do autor de Amor de Perdição são dos melhores que se escreveram sobre Camilo. E no entanto, houve um crítico que não a soube ler e nela desfez. Mas a Sombra é uma bela jóia camiliana num escrínio de amor e devoção pelo demónio de Seide, e é assim que tem de ser lida e entendida. Se o referido crítico, para não lhe chamar outra coisa, preferia empanzinar-se com um tratado inçado de citações eruditas, devia procurar noutro lado o empadão apetecido ou prepará-lo ele próprio, sem todavia maldizer iguaria em que debicou com paladar pouco requintado. O que é imperdoável é que não tenha sabido ler e aproveitar ao menos a bela lição de Óscar Lopes na badana do livro. O meu privilégio de ser editor de João de Araújo Correia prolongou-se ainda por algum tempo, pois pude, antes do desaparecimento da Editorial Inova, publicar a iguaria camiliana que é o seu prefácio à reedição de Camilo e os Médicos, de Maximiliano Lemos, e a antologia de contos Noite de Fogo, que lhe pedira para a Colecção Duas Horas de Leitura, e que eu próprio, por sugestão do autor, tive a honra de organizar O prefácio da Sombra deu origem a uma correspondência que João de Araújo Correia aturou com uma paciência beneditina, pois quis meter o meu nome no prefácio da obra. Disse-lhe então que não era menos vaidoso do que os meus irmãos (alguns um tanto bastardos, mas isso era outro conto...) na lide de mandar imprimir livros, mas que talvez fosse um pouco mais cioso do meu incógnito, e pedialhe com o coração nas mãos que me fizesse desaparecer o nome do referido prefácio. Isso é que estaria certo com a religião de orgulho em que milito e que é, em última análise, a minha maneira de ser vaidoso. Concedeu, mas pagou-se com juros, escrevendo sobre o pobre aprendiz de editor a mais bela e generosa página que este teve ou terá nesta ou noutra encarnação.
Carta vai, carta torna, numa prática que me deixou saudades, disse-lhe um dia do prazer que me dera ler o seu texto sobre Camilo e Júlio Dinis (onde fiquei a conhecer a injustiça ou miopia do autor das Pupilas) e também a alegria rara de ler uma página deliciosa sobre a obra de Camilo: a sua Nota Preliminar às Cenas Contemporâneas. Como era preciso amar e conhecer provadamente a obra camiliana para poder escrever uma tão belíssima miniatura. Sim, como se estava longe, nela, dos esmiuçadores de tiques que, nas suas manápulas caínhas, têm transformado a vida e a obra de Camilo num autêntico bombo de festa. Na Páscoa de 73 aproveitei o refúgio de Boassas, em Cinfães do Douro, para reler a Sombra - e para sonhar com a inexistente biografia de Camilo, que ninguém estava então em condições mais afeiçoadas às exigências do tema do que João de Araújo Correia para escrever. Alberto Pimentel e Ricardo Jorge poderiam tê-la escrito, mas ficaram-se pelo carreamento de materiais importantíssimos. E atrevi-me a dizer-lhe que se o autor da Sombra, com a sua paixão e saber camilianos, prosa saborosíssima e de raro quilate, e probidade exemplar, não nos acudisse a esta fome de uma vida de Camilo que valha pelo conteúdo e pela forma, então havia mesmo que desesperar! E desesperei. E desespero. Nunca, a partir da publicação de Uma Sombra Picada das Bexigas, que me oferecera com uma dedicatória que me fez subir para os ombros da minha vaidade de editor e de camilianista, não mais João de Araújo Correia deixou de me honrar com a oferta das suas obras, no que, prante-se aqui a verdade, só era acompanhado por mais dois ou três autores que nunca se esqueciam do pobre editor que um dia lhes publicara um livro. Espanejando papéis velhos, daqueles que sobrevivem do lado dos afectos, encontrei uma carta que peço licença para trazer para aqui, e diz bem do contentamento que me tomava sempre que recebia, mais do que se fosse o pomo das Hespérides, uma obra do querido mestre e amigo: “Meu bom Amigo Dr. João de Araújo Correia: O chamado primeiro dia útil do ano trouxe um céu de chumbo, que por vezes se abre somiticamente numa chuva de molha-tolos, e a mim uma febre que me tem aqui a tremer como cábula em dia de exames. Mas não trouxe só isso…
Assim como um raio de sol que quisesse dar cor alegre e sadia a esta atmosfera londrina, o seu livro Pátria Pequena poisou na minha mesa, e foi então uma peregrinação saborosíssima pelas páginas onde se fala das árvores na obra de Camilo e da ausência delas na Régua. Onde se comenta em tom faceto as hospedarias boas e sobretudo as más, onde rescendem as flores da persistente homenagem de um grande espírito a esse varão ilustre que foi Maximiano Lemos; onde se fustiga a balbúrdia que rouba o sono a quem bem precisa dele para retemperar as forças que permitem aguentar essas e outras mazelas de uma sociedade que demora a civilizar-se, em suma, todas essas páginas que me fizeram esquecer por mais de uma hora a febre, as obrigações profissionais, e muito principalmente este chumbo que parece escorrer dentro de nós.” Uma vez por outra lá me chegava, merecido, o remoque por um atraso meu em dar notícias, e então não sabia onde ir buscar desculpas que disfarçassem o meu mal-estar pela demora que afectara a minha correspondência. A verdade, porém, era que a premência dos pequenos e burocráticos problemas quotidianos me deixavam tal secura no espírito que ia adiando propositadamente as notícias com receio de enfadar. Não porque tivesse a preocupação de dizer alguma coisa de especial, mas porque gostava de não me sentir deformado pelo deve e haver, isto é, as balizas poéticas que caracterizavam então a minha actividade diária. Na verdade, um editor fundido em semelhante cadinho não poderia manter relações que valessem se não tivessem a benevolência dos seus autores por esteio inestimável nos momentos (mais frequentes do que desejaria) em que se interrogava acerca da pertinência dos seus passos de sonhador relapso. E sonhador e relapso porque era uma verdadeira utopia querer dilatar à dimensão dos seus projectos as pequeninas possibilidades de uma actividade que não poderia, sem ameaça de adulteração, deixar de se manter ao nível artesanal. Dos três ou quatro encontros com João de Araújo Correia ficaram-me umas saudades que raros paralelos terão nos quarenta e sete anos que conto como editor, ou cinquenta e dois, consoante as contas. Tantas vezes aquele querido amigo me convidara a visitar os seus montes pintados que um dia, no regresso de Lamego, onde me levara o propósito ingénuo mas a tempo sensatamente abandonado, de rever
uma paixão de juventude, uma Fior de Alisa possivelmente já metamorfoseada pelos anos em respeitável matrona, apontei à Régua, com o propósito de fazer a João de Araújo Correia uma visita numa tarde de domingo de Outono, em que essa viagem ao Douro vingara do meu sedentarismo, e fui procurálo no seu eremitério onde se refugiava às delícias de certas convivências lorpas com que nós, os citadinos, satisfazemos a nossa fome de sibaritas. Mas nesse dia, uma das pouquíssimas excepções nos domingos de toda a roda do ano, como depois me disse, tinha saído para visitar uns familiares. As primeiras letras do meu fascínio sem limites pelo Douro e as suas gentes, pela beleza e pelos dramas que tantas vezes lhe andavam associados, e que viria depois a encontrar nas páginas de João de Araújo Correia, aprendera-as com o meu avô e o meu pai, e ainda hoje me acompanham como uma balada nostálgica as histórias que me contavam desse rio que conheci selvagem, de uma beleza que não deveria andar longe da dos primeiros dias da Criação, e que o progresso, seja isso o que for, tornou num lago artificial, com uma outra beleza, só que igual à de muitos outros lugares. É tempo de terminar, dobrar e guardar o papel generoso que não repudiou esta pobre prosa escrita à sobreposse, por falta de saberes, natural em editor de escassas letras, mas não o farei sem trazer para aqui, com licença da vossa paciência dilatada à dimensão de um último parágrafo, o telegrama que num dia terrivelmente triste de Janeiro de oitenta e seis enviei ao filho João, que tanto era do meu afecto, como mais tarde o seria também o filho Camilo: “Dr. João de Araújo Correia, Filho. Meu querido amigo: Era e é enorme a minha admiração e ternura pela obra e pela personalidade exemplar de seu pai. A pátria portuguesa e muito principalmente a língua portuguesa que nos ensinou a falar a todos estão de luto. Peço que receba, querido amigo, estas tristes e comovidas palavras como substituição pobre do punhado de flores silvestres que ontem não pude deixar junto da última morada do Mestre e do Homem bom no coração dos seus montes pintados.” Obrigado a todos pela generosa paciência com que me ouviram.
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Habitat Noé Oliveira Bernardes*
Já não sei quem habita em mim: Um demónio demiurgo ou um rebento de jasmim? Que hospedeiro tão impertinente, Sempre angustiado e descontente! Vem anjo meu, traz me alento. Espanta meus males, o desalento. Sussurra-me palavras de um ser secreto, Acalenta-me, ala me para o cosmos aberto. Apaga o princípio, a memória, o futuro ausente. Transmuda me o imaginário que mente, Constrói me um novo habitat, Sem divisórias, só janelas para o amanhã, Eleva me serenamente ao encontro dos meus, Mais ainda, só mais um pouco à Montanha de Deus!
*Advogado
No 50.º Aniversário do Início da Guerra Colonial Homenagem aos mortos do concelho da Feira Francisco de Azevedo Brandão* «Para lá da memória, impõe-se o reconhecimento de todos os que, pela sua acção na defesa de Portugal, sofreram no corpo e na alma o preço do dever cumprido. São merecedores do nosso profundo respeito» A frase em epígrafe foi pronunciada pelo Presidente da República Portuguesa, Dr. Cavaco Silva, no discurso da Cerimónia de Homenagem aos Combatentes, por ocasião do 50.º aniversário do início da guerra, em 15 de Março de 1961, e serve de intróito, também para nós, evocarmos aqui, em jeito de sentida homenagem, os nomes dos militares feirenses que perderam a vida em combate nas várias frentes, em Angola, Guiné e Moçambique. Não se trata de homenagear uma época ou um regime, como acentuou o Presidente da República, mas sim, relembrar aqueles nossos camaradas que deram a vida no cumprimento do seu dever militar como Portugueses e como Patriotas. É que a Guerra do Ultramar ou Colonial não foi, como dizem alguns políticos e jornalistas de esquerda, uma guerra
em que se mobilizou uma juventude obrigada a embarcar pela ditadura da altura, foi uma nação em armas que se levantou para enfrentar os violentos e cruéis atentados terroristas desencadeados em Angola, em Março de 1961, em que as Forças Armadas cumpriram a sua missão até que os políticos conseguissem negociar o fim do conflito, processo que ocorre em quase todas as guerras deste género. «Qualquer conflito armado – escreveu com lucidez o coronel reformado Manuel Bernardo – nomeadamente de grande dimensão, como o que Portugal enfrentou, tem uma fase inicial onde se pretende enfrentar o adversário e ocupar o terreno devastado e ganhar o apoio das populações nativas, tendendo para um equilíbrio. Depois, o objectivo normalmente será de conseguir maiores vitória e colocar-se em posição de maiores vantagens para negociar de acordo com os interesses do Estado…foi esta a posição das F.A., aguentarem o conflito até à solução política…». Palavras esclarecedoras para aqueles que gostariam de esconder os antigos combatentes que, por certo, lhes fará recordar um tempo de ditadura. Aqui, porém, apenas nos move prestar o preito da nossa homenagem, a vivos ou mortos, que intervieram, com sangue, suor e lágrimas nas três frentes da batalha, no cumprimento do seu dever como cidadãos e Portugueses. Para memória futura, e para que os vivos sejam dignos dos seus mortos, seria da maior justiça que a Edilidade feirense
* Licenciado em História pela Universidade do Porto e Bacharel em Filologia Românica pela Universidade de Coimbra. Historiador local, é autor de Anais da História de Espinho, O Associativismo em Espinho, Joaquim Pinto Coelho, um Político de Espinho, O Campo de Aviação de Espinho, O Culto de Nª Sª da Ajuda em Espinho e Manuel Laranjeira, por ele mesmo. (Ex-Alferes Miliciano, combatente em Moçambique).
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tomasse a iniciativa de mandar elaborar um MEMORIAL com os nomes dos militares do concelho da Feira mortos em combate na guerra colonial e o erguesse numa das praças da
cidade, como reconhecimento e preito de homenagem aos melhores dos seus filhos.
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O Alferes Miliciano Francisco Azevedo Brandão em Moçambique. (1965-1967).
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Na Oceânia II - Nova Zelândia Joaquim Máximo* Antes de descrevermos a nossa estadia na Nova Zelândia vale a pena fazer alguns comentários sobre o seu povo primitivo: os Maoris, ou caçadores da Moa, ave corredora que habitou aquele país. Parece que já no ano 750 d.C. existiam maoris, pescadores e caçadores, na Nova Zelândia, vindos da Polinésia. De acordo com a tradição maori deuse, no século 14, a chamada “Grande Migração”, quando, uma frota de grandes canoas atingiu as ilhas, a que foi dado o nome “Aotearoa “, que significa “Terra da Nuvem Branca Comprida”, uma referência à cordilheira nevada dos Alpes Neozelandeses. A mística dos maoris é diferente da mística dos aborígenes australianos. De acordo com o que se encontra descrito no guia de viagens da Berlitz sobre a Nova Zelândia, a mística maori admite que, no princípio, havia o vazio que não continha nada. Depois, deste vazio, veio uma escuridão na qual se encontravam os primeiros deuses: A Mãe Terra, chamada Papa, e o Pai Céu, chamado Rangi. Vinham os dois muito agarrados um ao outro, num abraço apaixonado, e, entre eles, muito apertados entre ambos e desejosos de luz e de
ar, encontravam-se os seus filhos, Tu, o Deus da Guerra, e Tane, o Deus da Natureza. Depois de decorrido algum tempo, Tu quis matar os seus pais, mas Tane interveio e empurrou o seu pai, Rangi, para o Céu, onde ainda chora grossas lágrimas de chuva por Papa, sua esposa perdida. Os nevoeiros que se formam junto da superfície da terra são os suspiros da sua esposa. Decorrido algum tempo, Tane, o Deus da Natureza, moldou uma mulher em barro vermelho, soprando em seguida vida para dentro dela e fazendo depois dela sua mulher. Dessa união nasceu uma filha, Hine Titama, a Donzela da Aurora, da qual Tane teve outros filhos. Quando Hine Titama tomou consciência de que tinha praticado incesto com o seu pai, Tane, mergulhou no submundo, onde se tornou na Grande Dama da Escuridão, mais tarde Deusa da Morte. Com o decorrer do tempo nasceu Maui, uma criança muito forte e muito esperta. Um dia Maui, quando pescava nos mares da Ilha Norte com a ajuda de um osso maxilar mágico, apanhou Te Ika Maui, isto é, o “Peixe Maui”, nome primitivo da Ilha Norte, que tem, aliás, a forma de um peixe. Maui avisou os seus irmãos para deixarem o peixe em paz, mas ele próprio voltou para traz e começou a recortar, na sua colossal criatura, os vales e as montanhas que existem hoje. Maui não teve o sucesso que desejava nesta grande tarefa. Maui foi depois procurar a Grande Deusa da Escuridão, adormecida no submundo. Quando aí chegou transformou-se
* Joaquim Máximo de Melo e Albuquerque de Moura Relvas, nasceu em Coimbra e reside em Vila Nova de Gaia. Tem o curso de Engenharia Electrónica da Universidade do Porto. Exerceu a actividade profissional na Administração Geral dos CTT e obteve a especialidade de Instalações Exteriores de Transmissão; União Eléctrica Portuguesa, integrada depois na EDP; Professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, como Professor Associado; Colégio de Gaia onde leccionou disciplinas relacionadas com a Electrónica Digital. Faz parte da Direcção da revista Politécnica. É membro da Ordem dos Engenheiros da “American Association for the Advancement of Science”, da “New Iork Academy of Sciences” e da “Planetary Society”.
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numa lagarta, pretendendo entrar nas entranhas da Deusa e sair pela sua boca, vencendo assim a morte para sempre. Todas as criaturas vivas estavam ansiosas por ajudá-lo, mas um leviano passarinho, com a cauda em leque, o Piwakawaka, achou o procedimento de Maui irresistivelmente divertido. Então os seus nervosos gorjeios perturbaram a Deusa, que acordou repentinamente e esmagou Maui entre as suas coxas. E foi assim que terminou a tentativa do homem para atingir a eternidade. Terminadas estas breves considerações acerca da mística maori, podemos agora retomar a descrição da nossa viagem. Vindo de Sydney, na Austrália, de avião, o nosso grupo de viajantes chegou, no fim do dia 4 de Agosto a Christchurch, a segunda maior cidade da Nova Zelândia e a sua maior cidade da sua Ilha Sul. Pouco tempo depois da nossa chegada a Christchurch, ocorreram, na sala da alfândega do aeroporto, três incidentes que vale a pena relatar. Como não tomei directamente parte neles, é natural que o meu relato deles se afaste, aqui e ali, um pouco da realidade. Mas, na sua essência, aquilo que descreverei foi real e todos com certeza concordarão que se revestem de facetas inacreditáveis. Convém, no entanto, prestar aqui, previamente, um breve esclarecimento. É que não é permitido, por lei, a nenhum viajante, entrar na Nova Zelândia trazendo consigo qualquer artigo de natureza vegetal ou animal, incluindo artigos comestíveis, possivelmente para evitar eventuais contaminações. Um dos incidentes passou-se com o meu amigo e companheiro de quarto Zé ManeI. Mal entrou na sala da alfândega, logo lhe ordenaram que se dirigisse para uma zona da sala, da qual já não me lembro bem do nome, mas que era qualquer coisa parecido com “zona vermelha”. Aí, logo um funcionário o avisou: - O senhor não pode entrar na Nova Zelândia com isso! - E apontou para a haste de um guarda chuva de papel que o Zé ManeI tinha comprado em Bangkok. Então o Zé ManeI perguntou: - Mas porquê? - Então o funcionário logo o esclareceu: - É que isso, sendo uma cana, é portanto um artigo vegetal e, como tal, não a pode trazer para este país! - Então o Zé Manel, socorrendo-se de toda a sua lógica disponível, explicou: - Isto a que o senhor chama de cana, já foi cana, mas agora já não é cana. É que a primitiva cana foi transformada
numa haste de guarda-chuva. Primeiro foi seca, depois, se calhar, foi toda desinfectada, depois, se calhar, foi toda polida e envernizada e, portanto, agora, de cana não tem nada, a não ser o aspecto! Agora é uma haste de guarda-chuva! - E, com este argumento, o funcionário ficou convencido de que afinal a haste do guarda-chuva não era cana nenhuma e deixou o Zé ManeI em paz. Já a Isadora Padrão, nossa companheira de viagem, teve muito menos sorte. A essa saiu-lhe uma funcionária de uma antipatia extrema, que lhe ordenou: - Ponha já aqui o ovo! - Eu pôr um ovo? Mas que ovo? - Perguntou a Isadora. Então a funcionária apontou para um ovo, que parecia de papel maché, mas que era um ovo de ema, todo decorado com motivos aborígenes, que a Isadora tinha trazido da Austrália. E a Isadora teve de por o ovo ali mesmo. E teve de pagar 21 dólares neozelandezes. E o ovo teve de ser enviado pelo correio para Portugal. E disseram-lhe que, antes disso, o ovo tinha de ser fumegado para desinfecção. E que não era da responsabilidade deles se o ovo se estragasse com essa desinfecção. Pior ainda foi o que sucedeu com o Fernando Silveira Ramos, também nosso companheiro de viagem. A esse, ao abrirem-lhe a mala, viram, nesta, duas maçãs. Oh, transgressão das transgressões! Contrabando ilegal de fruta! E, se calhar, contaminadíssima com imensos micróbios! E então a Fernanda, sua mulher, sugeriu, assustadíssima: - Mas eu posso resolver já o assunto. Como aqui já as duas maçãs e pronto! Fica o assunto resolvido! - Não pode ser! - esclareceu o funcionário - Para isso teria de ter comido as duas maçãs antes de entrar nesta sala! - E foi assim que o Silveira Ramos teve de pagar 100 dólares neozelandezes de multa e, além disso, teve de ser preenchida uma extensa papelada, ainda muito mais extensa do que aquela que temos de preencher aqui em Portugal para declaração de rendimentos para pagamento de impostos. A visita de autocarro a esta cidade, situado na metade norte da ilha e banhada pelo rio Avon, realizou-se no dia seguinte. A “Christchurch Cathedral”, o “Canterbury Museum”, o “Tramway Restaurant”, o memorial a Kate Sheppard e uma grande colina na periferia da cidade situam-se entre os lugares que foram apreciados nessa visita e noutras que os viajantes do nosso grupo fizeram pela cidade. A Christchurch Cathedral, situada no centro da cidade,
é uma igreja anglicana, com o primitivo estilo gótico inglês, construída com a pedra local. O Canterbury Museum é um admirável museu, onde se podem encontrar os temas mais variados, desde o esqueleto de um gigantesco Allosaurus, da época dos dinossauros, até temas da época colonial, como belíssima cerâmica, passando por interessantes esculturas maori de madeira, por curiosas embarcações maori, por armas de guerra maori, por utensílios diversos e de lavoura maori, etc. O memorial a Kate Sheppard consiste numa placa vertical de metal cinzento-escuro, situada perto de um dos jardins da cidade, onde se encontra representada, em alto-relevo, a figura de Kate Sheppard, líder da União de Temperança das Mulheres Cristãs. Foi devido a ela que, em 19 de Setembro de 1893, as mulheres da Nova Zelândia ganharam uma vitória histórica: o direito ao voto nas eleições parlamentares. A Nova Zelândia tornou-se assim o primeiro país auto governado do mundo a reconhecer esta liberdade também para as mulheres. O Tramway Restaurant é um restaurante instalado num carro eléctrico luxuoso, onde todo o nosso grupo de viajantes almoçou no dia 5 de Agosto, enquanto o eléctrico circulava pelas ruas da cidade. A colina, na periferia de Christchurch, situa-se no centro de uma enorme planície, onde se situa também a cidade, entre o Oceano Pacífico e a cordilheira dos Alpes Neozelandeses. O autocarro, com o nosso grupo de viajantes subiu até ao seu topo. Daí desfruta-se uma maravilhosa paisagem. Lá muito em baixo vê-se a cidade. Olhando para leste vê-se, ao longe, o Oceano Pacífico. E, olhando para Oeste, pode gozar-se o maravilhoso espectáculo oferecido pelas enormes montanhas cobertas de neve que constituem a longínqua cordilheira dos Alpes Neozelandeses. No dia 6 de Agosto, no princípio da manhã, o grupo de viajantes partiu de autocarro, com destino a Queenstown. Grande parte da estrada que liga Christchurch a Queenstown corre paralelamente ao longo da cordilheira dos Alpes Neozelandeses. O trajecto oferece trechos de paisagem maravilhosos: ora são florestas, ora são extensos prados, ora são lagos de águas tranquilas, tendo quase sempre, como pano de fundo, as neves das montanhas. Durante a viagem, que durou toda a tarde e em que não foi possível, por causa do nevoeiro, ver o cume do monte Cook, o mais alto da cordilheira, fizeram-se algumas paragens. Uma delas foi para almoçar, em Twizel, no Mackenzie Country Inn. Perto daí vimos uma pequena capela, a Church of lhe Good Shephard (a Igreja do Bom Pastor), dedicada à memória de Deus e dos
pioneiros da Província Mackenzie, e em que uma das pedras foi colocada, em Janeiro de 1935, pelo Duque de Gloucester. Outra foi junto do Lago Pukaki, e aí desfruta-se uma paisagem inesquecível, com o lago com as águas tão tranquilas que pareciam um espelho e, logo atrás, lindíssimas montanhas, cobertas de neve, da cordilheira dos Alpes Neozelandezes. E ainda outra, junto de um mercado, que muitos dos viajantes aproveitaram para comprar fruta e outros artigos comestíveis. Foi já ao cair da tarde que o nosso grupo de viajantes chegou a Queenstown. Queenstown é uma pequena mas lindíssima cidade com 3300 habitantes, situada entre as praias de uma baía do Lago Wakatipu e uma grande montanha, chamada Bem Lomond. É um dos locais mais visitados da Ilha Sul. Vale a pena fazer aqui uma pequena pausa na descrição da nossa viagem, para contar uma lenda que relata como apareceu o Lago Wakatipu, e que vem descrita no guia de viagens da Berlitz relativo à Nova Zelândia. O nome Wakatipu, que significa “Onde o Génio se Encontra”, tem a sua origem num mito que conta como uma vez um Génio Gigante apaixonado raptou uma princesa maori e a levou para o sítio onde agora existe o lago. Cansado pela tensão emocional e por um vento de noroeste particularmente irritante, deitou-se para dormir. Veio então o namorado da rapariga, que lançou fogo ao leito do gigante, feita de fetos secos. À medida que o Génio Gigante ardia ia-se enterrando profundamente na terra até que ficou apenas um gigantesco buraco com a forma de um S. Esse buraco encheu-se depois com água da chuva e com neve fundente passando a constituir o que é agora o lago Wakatipu. Conta a lenda que, no fundo do lago, o coração do Génio Gigante ainda bate, o que explica a estranha pulsação que se verifica nas águas do lago. Mas deixemo-nos agora de lendas para retomar a nossa viagem. Não foi na própria cidade Queenstown que ficámos hospedados nessa noite do dia 6 de Agosto, nem na seguinte. Foi num belíssimo hotel, o Hotel Heritage Queenstown, situado na encosta da montanha que ladeia a cidade. Ao entrar-se no seu recinto de entrada (hall), a primeira coisa em que se repara é na cabeça embalsamada de um veado, colocada por cima do acesso às instalações do hotel. É neste recinto de entrada, no seu lado direito, que se situa a recepção. Para o seu lado esquerdo o recinto prolonga-se para um confortável recanto, onde existe uma belíssima lareira, que se encontrava acesa quando chegámos, várias poltronas, uma pequena biblioteca e um computador com ligação à Internet. Tudo aquilo tinha
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um ar extremamente confortável, bem como todas as outras instalações do hotel. Todo o dia seguinte ao da chegada, dia 7 de Agosto, foi destinado a uma excursão ao Fiordland National Park, onde se situa o famoso fiord Milford Sound. O percurso que nos levou até esse fiord apresentou, naquele inverno austral, paisagens tão irreais que pareciam pertencer a outros mundos. Havia montanhas aguçadas, com os topos cobertos de neve, e, nos pequenos vales arqueados que as ligavam, estavam recostados, como que para repousar, grandes flocos de neblina muito espessa. Das montanhas escorria muita água, às vezes formando grandes cascatas. E, frequentemente, viam-se duas montanhas ligadas por uma nuvem caprichosa com a forma de um tubo. E viam-se às vezes lagos entre as montanhas. E tudo aquilo tinha tonalidades que variavam desde o branco até ao negro, passando pelos mais variadas luminosidades e tons de cinzento. A caminho do fiord fizeram-se três paragens. Uma foi junto do grande lago Te Anau. A outra foi num local onde se podia desfrutar uma bela vista das montanhas e por onde passeavam alguns passarocos castanhos, da família dos papagaios e chamados kea, com bicos curvados para baixo, e que pareciam garras. E a outra foi junto de uma floresta, que fomos ver e onde se viam fetos gigantes e árvores muito caprichosas, por entre as quais corria uma enorme torrente, o Cleddau River, de águas revoltas, mas muito límpidas. O autocarro com o nosso grupo de viajantes chegou ao fiord Milford Sound pelo fim da manhã daquele dia 7 de Agosto. Cai mais chuva num ano neste fiord, criado por acção glaciar, do que em qualquer outra parte da Nova Zelândia. A precipitação anual é superior a 6.000 milímetros. Mas esta chuva não afecta a magnificência do fiord. Visitámo-lo, num cruzeiro, a bordo de um navio cheio de turistas japoneses, onde embarcámos depois de terem sido adquiridos os necessários bilhetes. Naquele inverno austral, o espectáculo oferecido pelo fiord era indescritível. Em lugar dos suaves flancos verdejantes que se vêm, no verão, nos fiordes da Noruega, o fiord é ladeado por enormes flancos rochosos abruptos, com os topos cobertos de neve e aos quais se encostam, como que para descansar, extensos flocos de neblina. Aí também se vêem as tais esquisitas nuvens baixas, com a forma de um tubo branco muito grosso, a ligar um enorme penhasco a outro. São em grande quantidade as quedas de água que saem, em fortes
jactos, de muitas das fendas daqueles penhascos altíssimos. Até dá a impressão de que, devido à enorme quantidade de água que bebem da precipitação anual, estão sempre com vontade de fazer chichi. O navio, de onde apreciámos todo aquele maravilhoso espectáculo oferecido pelo fiord, chegou a entrar um pouco pelo Mar da Tasmânia dentro, que é um mar do Oceano Pacífico. No regresso ao porto de partida pôde ver-se, entre outras curiosidades, um grupo de focas descansando sobre o topo plano de um rochedo emergente das águas do fiord. O tempo que, durante a visita ao fiord, esteve nevoento e, às vezes, de chuva fina, melhorou consideravelmente na nossa viagem de regresso a Queenstown. O sol rasante do fim da tarde batia nas neves dos topos das montanhas da cordilheira dos Alpes Neozelandeses pintando-os com um curioso tom cor-de-rosa pálido. E isto tornou lindíssima a viagem de regresso a Queenstown. Aí dormimos a segunda noite no mesmo hotel e, no dia seguinte, 8 de Agosto, fomos transportados até ao aeroporto para partir de avião para o nosso próximo destino: Roturua. A viagem para a cidade de Roturua, situada na Ilha Norte, foi divertidíssima. O avião, pequeno, com dois motores de hélice, estava quase todo por conta do nosso grupo de viajantes. Talvez por causa do ambiente familiar que daí resultou, foi grande a animação do grupo, em que participaram, com grandes risadas, as simpatiquíssimas hospedeiras e até a tripulação. Pudemos filmar todas as paisagens, pudemos ver os instrumentos da cabina dos pilotos, enfim, pudemos ver tudo o que quiséssemos ver. Na tarde do dia da chegada a Roturua o nosso grupo de viajantes foi levado de autocarro para uma visita ao espectacular Vale Termal de Waimangu. O Vale Termal de Waimangu resultou de uma apocalíptica explosão do Monte Talawera em 1886. A explosão matou 150 pessoas perto de Roturua e destruiu os chamados Pink and White Terraces, que eram considerados uma das maravilhas do mundo. Projecções gigantescas de fogo foram vistas em Auckland, a 200 quilómetros de distância para o norte, e as suas detonações foram ouvidas em Christchurch, a 650 quilómetros de distância para o sul. As cinzas resultantes da erupção escureceram o ar e toneladas de lama e de lava escorreram sobre habitações indígenas e casas europeias. Em consequência desta tremenda erupção, o lago Rotomahana expandiu-se até 20 vezes o seu tamanho natural.
Projecções colossais formaram o Frying Pan Lake (o “Lago Frigideira”), a maior nascente de água quente do mundo. Estas projecções subiram pelas paredes da cratera acima, destruíram uma casa de hóspedes próxima e queimaram, até à morte, a mulher e o filho do proprietário. Mais tarde, em 1900, o Geiser Waimangu começou as suas erupções, com as maiores projecções, jamais registadas, de água negra, rochas, areias e vapor, que chegaram a atingir uma altura superior a 400 metros. Em 1903, todos os quatro visitantes de um pequeno grupo, ignorando os avisos do guia, foram mortos quando se aproximaram demasiadamente do géiser. Mais uma vez, não resistimos, agora, à tentação de contar mais uma lenda, também retirada do guia Berlitz relativo à Nova Zelândia. Segundo reza essa lenda, ainda hoje a região de Tarawera é visitada por uma canoa fantasma. Onze anos antes da erupção do monte, um sacerdote maori (“tohunga’’) com 110 anos de idade relatou a visão de uma enorme canoa de guerra, de remos, navegando, ao longo do lago Talawera. Os maoris que então habitavam na região consideraram-na como terrível presságio de uma eminente tragédia. Mas, além dos maori, também houve grupos de europeus que afirmaram ter visto a canoa fantasma. Seja verdade ou ficção, o caso é que a região de Tarawera é tão invulgarmente estranha, que mesmo os mais cépticos turistas europeus concordam que muito desta lenda deve ser considerada como tabu. Acerca desta região George Bernard Shaw disse: - Faz-me lembrar, vivamente, o que os teólogos me prometeram acerca do meu destino! Retomando agora a narração da nossa viagem, devo dizer que a parte do Vale Termal de Waimangu que visitámos nos ofereceu imagens que pareciam de outros mundos. Havia por ali lagoas de água quase fervente, que borbulhava muito aqui e ali e que lançava muitas nuvens de vapor, que se contorciam muito, assumindo formas que pareciam irreais. E essas formas enrolavam-se nas árvores. E enrolavam-se nos montes próximos. E eu estava sempre à espera que se enrolassem em nós próprios. E eu estava também sempre à espera que dali surgisse, das águas, um monstro horrendo, como aqueles que a gente vê nos filmes de terror, que nos comesse a todos. E também saía muito vapor das fendas que havia nos montes. E, na parte mais baixa do vale, corria um rio, também com a água a ferver, que ainda deitava mais vapor do que as lagoas. E havia alguns géisers pequeninos que também deitavam água a ferver e muito vapor. Nós também fervíamos, mas de
emoção, ao ver todo aquele indescritível espectáculo, que a Mãe Natureza ali nos oferecia. A noite daquele dia 8 de Agosto estava destinada à visita a uma comunidade maori, que incluía o jantar aí. No autocarro, a caminho dessa visita, foi-nos explicado pelo Augusto, nosso guia português, que as visitas a essa comunidade deviam obedecer a um determinado ritual, em que cada grupo de visitantes era encarado como uma tribo estranha, com um chefe designado pelos visitantes. E depois disse que o chefe designado tinha de ser eu. Barafustei, mas não serviu de nada, e então tive de ser informado acerca dos pormenores de todo o ritual relativo à visita. Mas esses pormenores compreendem-se melhor com a narração da visita do que com a sua explicação seca. Ao chegar à entrada da “tribo” maori verificámos que também aí se encontrava, de visita, uma “tribo” australiana. Não tardou que aparecesse um “guerreiro” maori que se dirigiu para nós e executou uma série de gestos bruscos e agressivos, que pareciam traduzir a intenção de nos fazer mal. Atirou então para os meus pés um ramo de verdura. Apanhei então o ramo e encostei-o ao peito, junto ao coração, para significar que vinha em paz. Quando viu este meu gesto de paz, o guerreiro chamou o chefe da sua tribo maori e a sua mulher. Para cumprir a tradição tive então de a cumprimentar encostando o meu nariz ao nariz dela e a minha testa à testa dela, duas vezes seguidas. Procedi depois da mesma maneira para com o chefe maori. Procedimento idêntico houve para com a tribo australiana. Então as duas tribos visitantes dirigiram-se para o recinto das cerimónias, com os seus chefes à frente, seguidos das mulheres e com os homens na retaguarda. Depois de todos acomodados no recinto das cerimónias, com os chefes das tribos visitantes à frente, o chefe da tribo maori fez um discurso de boas vindas que rematou com uma canção típica da sua tribo. De acordo com o ritual tive também de fazer um discurso. E então disse, procurando imitar, para dar mais ênfase ao discurso, o tom grave de voz que têm, no cinema, os índios americanos, mais ou menos o seguinte: - Mim ser big chiei da grande tribo Associação. Nossa tribo ser de terra muito longe, que ficar para lá da Grande Água. Nós sair de lá fazer quase uma lua. Nós vir para cá dentro de barriga de grande pássaro, muito barulhento, com asas sem penas e sem abanar. Nós querer que Grande Espírito fazer vossa terra dar muita comida e muita caça. Nós não trazer presentes, porque nós estar com mãos a abanar, porque nós
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estar perto de fim de viagem. Mas nós muito contentes por estar com vossa tribo. Nós vir em paz. Depois disso cantámos uma canção, que devia ter sido, como o Augusto tinha sugerido, Coimbra, mas que, por minha teimosia, foi uma canção popular muito menos apropriada. O chefe da tribo australiana também fez o seu discurso, depois do que todos os da sua tribo cantaram a canção então mais em voga na Austrália (Waltzing Matilda): Once a jolly swagman camped by a billabong, Under the shade of a coolibah tree, And he sang as he looked at the old billy boiling, Who’ll come a-waltzing Matilda with me?
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em que as palavras swagman, billabong, coolibah tree e billy boiling são palavras de calão australiano que significam, respectivamente, vagabundo, lagoa, eucalipto e panela para ferver água. Depois de todo este ritual, teve lugar um espectáculo, em que artistas da tribo local cantaram algumas canções típicas da música Maori Rangi, que muito faziam lembrar as canções das ilhas Hawai. Durante esse espectáculo, eu e o chefe da tribo australiana, tivemos de escolher dois elementos de cada uma das nossas tribos para aprender atitudes agressivas e guerreiras do povo maori, entre as quais se incluíam berros e gritos e se situa o acto de deitar a língua de fora tanto quanto possível, e depois executá-los. Depois disto, que, naturalmente, provocou gargalhadas gerais, teve lugar um jantar de confraternização entre as três tribos. A comida para esse jantar tinha sido feita, à maneira tradicional maori, sobre uma grande pedra, encaixada no solo e previamente muito aquecida com lenha. Depois foi o regresso ao hotel. No dia seguinte, 9 de Dezembro, todo o nosso grupo de viajantes partiu, de autocarro, para Auckland. No caminho para esta cidade fizemos uma paragem em Rainbow Springs, que é um conjunto de nascentes de água situadas no seio de uma floresta, que contém muitos abetos gigantes, que nos fazem lembrar aqueles da época do Jurássico, tais como os que os cientistas nos pintam. Vêem-se, por ali, trutas e outros peixes, cisnes, patos do paraíso, um veado vermelho (red deer), javalis (Captain Cooker wild pigs), lagartos, kiwis, uma reprodução de uma moa com um ovo dos seus, um possum embalsamado, etc.
As trutas são trutas selvagens, em número que oscila entre 300 e 400. Não estão cativas e estão livres para sair por uma escada de peixes que existe no local. Tivemos oportunidade de ver um viveiro delas, com a idade de 12 meses e, também, de ver trutas albinas que, curiosamente, têm a cor azul. O Javali que tivemos oportunidade de ver era do sexo feminino e via-se que estava em período de aleitamento. Estavam perto da mãe duas crias pequenas debaixo de um pequeno telheiro, mas devia haver mais, provavelmente a vaguear pelo mato próximo. Junto do possum embalsamado, parecido com um gato, podia ver-se um texto explicativo, escrito em língua inglesa, que informava: Os possuns australianos de cauda em escova (trichosurus vulpecula) são a maior praga da Nova Zelândia. Desde a sua introdução, na Nova Zelândia, em 1837, para o fornecimento de peles, os possuns colonizaram mais de 90% do país. Calcula-se que o seu número actual é de 70 milhões e que a sua população permanece relativamente estável. Junto de um kiwi embalsamado, que é uma ave nocturna, típica da Nova Zelândia, muito redonda e com um bico muito fino e muito comprido, podia ver-se, escrita, uma frase curiosa: “Keeping kiwi for our kids”. Viram-se também kiwis vivos através de uma vidraça que limitava um ambiente suficientemente escuro que permitisse àquelas aves nocturnas sentirem-se bem. No trajecto para Auckland também se visitaram as Cavernas Waitomo, nos tetos das quais, iluminando suavemente a penumbra aí existente, existe enorme quantidade de lagartas luminescentes. Ao olhar para os tetos, o espectáculo, que é único e inesquecível, faz lembrar um céu pejado de inúmeras estrelas brilhantíssimas. Numa paragem no caminho, algumas vacas, que se encontravam a pastar num prado verde, deixaram de o fazer quando nos viram e, depois de terem chegado junto de nós, começaram a mirar-nos como se fôssemos animais de outros planetas. Na manhã do dia seguinte ao da nossa chegada a Auckland, teve lugar, de autocarro, a visita do nosso grupo de viajantes a esta cidade, a maior da Nova Zelândia, com cerca de 900.000 habitantes. Durante essa visita passou-se pela baía de Kawau, viu-se o Kelly Tartton’s Underwater World & Antartic Center, subiu-se até ao Maungwhau Domain e viu-se o Winter Garden. Como o seu próprio nome sugere o Kelly Tartton’s Underwater World and Antartic Center é um centro onde se podem ver muitos temas relativos à Antárctida e seus
exploradores. Há aí um busto de Kelly Tartton, sob o qual se pode ler uma inscrição que, em língua portuguesa, se pode exprimir do modo seguinte: Kelly Tartton Mergulhador, sonhador, inventor, incitador, trabalhador, contador de histórias, pai. Um homem que nos uniu a todos com o seu amor pelo mar. 13 de Junho de 1986 É também um centro onde se pode admirar grande quantidade de pinguins da Antárctida e um grande aquário onde se encontra uma cratera do vulcão no Maungwhau Domain enorme variedade de peixes e crustáceos, incluindo cavalos marinhos, caranguejos, piranhas, peixes venenosos, tubarões, etc. O Maungwhau Domain situa-se numa colina donde se podem desfrutar admiráveis vistas da cidade, e onde existe a cratera cónica de um vulcão extinto, toda ela atapetada de viçosa relva verde, e no fundo da qual brincavam duas ou três crianças acompanhadas por uma senhora, provavelmente a sua mãe. O Winter Garden é um jardim com estufas para plantas tropicais e estufas para plantas de climas frios, onde se pode admirar uma grande quantidade de plantas e de flores lindíssimas e que contém um jardim para cegos onde as plantas se identificam mais pelo seu aroma do que pela sua cor.
O almoço desse dia 10 de Agosto, no Restaurante Harborsideno, era o último em que o nosso grupo de viajantes tinha uma refeição em conjunto. Por esse motivo, e por causa da satisfação que todos nós tivemos em viajar por dois maravilhosos países, em que o crime quase não existe (no ano 2000 só houve um único crime de morte na Nova Zelândia), achei que seria interessante combinar previamente, com o meu companheiro de viagem e amigo Celestino, fazer uma breve e modesta cerimónia de despedida, que teve o acordo e a colaboração do infatigável Augusto. E foi assim que, antes de nos ser servida a sobremesa, o Celestino pediu silêncio geral e disse: - É um sentimento unânime, de todos nós, o de agradecimento, à Associação, pela oportunidade que nos concedeu para esta única, inesquecível e indescritível viagem à Oceânia, acrescida da colaboração, direcção, conhecimento e experiência do sempre presente Augusto Santos. Mas alguém conseguiu, apesar disso parecer impossível, descrever tudo isto: alguém, que nos foi deleitando com intermináveis charlas, que começavam numa viagem e só terminavam no fim dela, e que nós tínhamos de ouvir incessantemente, às vezes com muita paciência, mas que desta vez conseguiu, em 14 versos apenas, sintetizar tudo isto. E é essa síntese que o nosso grande chefe Amaori Relvi Tutaki nos vai agora ler - E o Celestino, depois de ter dito tudo isto, apontou para mim, que comecei por esclarecer a assembleia:
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- Esses 14 versos são as 14 linhas de um soneto, muito modesto, do ponto de vista literário, mas que tem algum valor porque me saiu do coração. E agora, falando bem alto, para que a minha voz possa ser ouvida nos quatro cantos do
mundo, vou passar a ler o que escrevi - Li então o soneto que serve de fecho a este modesto relato de uma maravilhosa viagem à Oceânia.
Adeus Oceânia Deixamos-te agora. Adeus Oceânia. Repousas aqui nos confins do mundo, 168
No Oceano Pacífico, tão profundo! Pode ser que voltemos a ver-te um dia… Bem hajas por todos teus mares de corais, Pelas tuas rochas, desertos, montanhas, Teus lagos, fiordes e florestas tamanhas, E por todos os teus belos animais. Deste-nos Oceânia toda a tua beleza, Que é de ficarmos a toda ela presa. Tu és o continente da felicidade! Colheste do teu Sol raios brilhantes, Para os lançar sobre nós como diamantes, Semeando entre todos profunda amizade!
Na Bandeira Nacional, a Bandeira Inglesa e a cosntelação Cruzeiro so Sul.
Carruagem Restaurante, que circula pela cidade.
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Lago Matheson com reflexos do Monte Cook e do do Monte Tosman.
Cena pastoril de Inverno no caminho para Tekapo.
173 Geiser Waimangu em Rotorua.
As quedas de รกgua em Purakaunoi.
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175 Maori em trajes tradicionais; Monumento Maori aos antepassados; Tradicional cumprimento Maori, pressionando nariz e testa ao mesmo tempo. Ao fundo uma pataca (Loja de Vendas).
Mulheres Maori mostrando a arte de cozinhar nas furnas da zona termal da reserva de Rotorua.
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Cavernas de Waitomo - Ciclo evolutivo das lagartas luminescentes.
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Oceanรกrio de Auckland.
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179 No estilo Maori.
O ParaĂso Encontrado.
LUGAR DA PIEDADE
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Ă“leo sobre tela de Germano Santos
Postais do Concelho da Feira Ceomar Tranquilo* D – Comerciais – Publicidade de Empresas Interrompemos a série A – Postais Ilustrados – para, com a primeira apresentação de postais comerciais, prestarmos Homenagem à Exma. Directora da Universidade Sénior de Santa Maria da Feira, Senhora Dra. Dª. Maria Augusta Espassandim.
1. Armazens do Montinho – Bilhete Postal Por junto e a retalho. José António de Pinho – Villa da Feira Dirigido ao “Exmo. Senhor – Casimiro de Souza Fontes e Fº Sucer. Rua Elias Garcia, 28 – Porto.” Circulado de Vila da Feira, com selo de 10 reis lilás rosa da série de porteado do Continente com sobrecarga Republica, com inicio de circulação em 1 Outubro 1911.
*Caminheiro por feiras, lojas e mercados.
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1- A – Reverso do mesmo postal. Datado de Feira 22 – IV – 912 A informar que “Na próxima 6ª feira vae ahí o meu carreteiro levar o caixote…” Assinado José António de Pinho” Sobre este comerciante o Senhor José dos Santos informou-me o seguinte:
“José António de Pinho, mais conhecido pelo “Zé do Gaiato”, foi um comerciante no lugar do Montinho com um bom comércio nos anos de 20 a 30. Era o pai do falecido comerciante Artur Pinho de Lima que chegamos a conhecer na baixa desta (então) Vila. O Artur pediu ao pai sociedade no armazém e como o pai lhe negasse acabou por estabelecer-se. Este tinha um irmão que foi para o Brasil muito novo e nunca mais veio a Portugal. Tinha quatro filhas. Uma chamada Ester que tem um filho em Espinho. Outra chamada Aldina que viveu em Lisboa com o marido e seus filhos, um rapaz e a irmã, que por sinal era muito fina e lindíssima. Como feirense, ia visitá-los muitas vezes enquanto estive na Marinha. Outra filha, a Maria, que viveu muitos anos no Montinho, no edifício onde actualmente vive o Dr. Alfredo Terra. Esta senhora era mãe de uma menina chamada Lisete e de um menino que não é mais nem menos que o Renato Lima Cardoso, da minha idade, que, segundo se diz vai casar ou já casou com a Dona Maria Carolina, viúva do Domingos Toscano; é muito amigo do Apolo Machado que foi o primeiro amigo a visitá-lo. Esta Lisete, dona de uma farmácia em Valadares, era mãe do professor da Faculdade de Medicina do Porto Dr. Manuel Augusto Cardoso de Oliveira. De propósito guardei para último lugar a D. Alice Marques que julgo tê-la conhecido. Esta Senhora casou com o Professor Manuel Marques. Deste matrimónio nasceram 3 filhos. Uma faleceu ainda pequenina. O filho faleceu depois de frequentar a Academia Militar; tinha uma formatura mas não me recorda a especialidade. A filha é a professora D. Maria Augusta casada com o Dr. Espansadim*. (julgo que se escreve assim)
“
*Sr. Dr. António Manuel da Rocha Espassandim
2 – Estabelecimento de Fazendas. José Francisco dos Santos. Fazendas, miudezas e artigos funerários. 26, Rua Direita, 30. Villa da Feira. Datado de 27/2/14. Dirigido para “João Lopes Correa e Filho – Rua de Sá da Bandeira, 56 Porto.” Obliteração de Vila da Feira sob selo de 1C verde, da série Ceres. Carimbo de chegada. Porto Central.
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2 - A – Reverso do mesmo postal. Feira, 23 de Fevereiro de 1914. “Roga-lhe a fineza de sacar contra mim as importâncias das facturas de Julho do ano findo” Assinado “José Francisco dos Santos.”
3 – Fabrica de ferragens de António J. Correia de Sá. Vila da Feira. Grande sortido em fechaduras. Fechos em todos os sistemas. Dobradiças a pregos e chumbar. Para o “Exmo. Senhor António Oliveira d’ Almeida. Rua Soares dos Reis. Vª Nova de Gaia.” Obliteração de Vila da Feira sobre dois selos de 1C, preto, da série Ceres. Obliteração de alegada Vila Nova de Gaia 1. Abr.15.
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3 – A – Reverso do mesmo postal. Feira, 30 de Março de 1915. Encomenda de artigos vários. Assinado “António J. Correa de Sá”.
4 – Bilhete Postal da Agencia de publicações literárias de J. Pinto d’ Araújo. Estabelecida em 1890. Selos e papel selado. Tabacos Nacionais e estrangeiros. Vila da Feira (Portugal). Para “Joaquim Cardoso, Lª Livraria Renascensa. R. dos Poiaes de S. Bento, 27 – Lisboa”. Obliteração de Vila da Feira sobre selo de 5C sépia, da série Ceres.
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4 – A – Reverso do mesmo postal. Feira, 10 de Junho de 1925. Encomenda de livros, entre os quais 3 ex. de “Camilo e os miguelistas, de A. Costa Leão.”
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ANDAMENTO
(Para o poeta Anthero Monteiro) Edgar Carneiro
Entre o minuto e a hora há o desejo que vem e o prazer que vai embora
8 Setembro 2003
* Nasceu em Chaves em 1913. Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra. Foi professor dos ensinos técnico-profissional e secundário. De 1967 a 1974, dirigiu a Escola D. Pedro V, a primeira a funcionar em Fiães, neste concelho. Viveu 37 anos em Espinho, onde foi distinguido pela Câmara local com a Medalha de Mérito. Publicou 12 livros de poesia, o último dos quais saiu a lume em 2009 e tem por título Périplo. Faleceu em 15 de Janeiro de 2011.
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