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Ficha Técnica
Publicidade: Telef.: 965 310 162 | 256 379 604
Título: Villa da Feira - Terra de Santa Maria 4
Propriedade: LAF - Liga dos Amigos da Feira ® Director: Celestino Portela Director Adjunto: Fernando Sampaio Maia Colectivo Editorial - Fundadores LAF: Alberto Rodrigues Camboa; António Luís Carneiro; Carlos Gomes Maia; Celestino Augusto Portela; Joaquim Carneiro Processamento de Texto: Carla Maria Costa Ferreira Coordenação Científica: J. M. Costa e Silva Supervisão Editorial e Gráfica: Anthero Monteiro Colaboração do TOC, Belmiro da Silva Resende Periodicidade: Quadrimestral Assinatura anual: 30 euros Assinatura auxiliar: 50 euros Este número: 15 euros Pagamentos por: Transferência bancária NIB 007900001127152910124 Cheque à ordem de LAF - Liga dos Amigos da Feira Capa: Prof. Doutor Cândido de Pinho Fotografias: Óscar Maia, J. M. Costa e Silva, Arquivos particulares, LAF e Fotos Web por José Correia Homenagem ao Dr. Carlos Ribeiro: fotos de
Manuel Azevedo e
Fernando Pinheiro. Redacção e Administração: Apartado 230 • 4524-909 Feira
Fax: 256 379 607 Tiragem: 500 exemplares Edição: N.º 24 - Fevereiro de 2010 Pré-impressão, Impressão e Acabamento: Empresa Gráfica Feirense, S. A. Apartado 4 - 4524-909 Santa Maria da Feira Sede Social: Edifício Clube Feirense - Associação Cultural Vila Boa - 4520-283 Santa Maria da Feira Email: villadafeira@gmail.com Depósito Legal: 180748/02 ISSN: 1645-4480 Reg. ICS: 124038 Depositária: Livraria Vício das Letras Rua Dr. José Correia e Sá, 59 4520-208 Santa Maria da Feira Apoios: Câmara Municipal Santa Maria da Feira Irmãos Cavaco S.A. Zoo Lourosa - Parque Ornitológico E. Leclerc Termas das Caldas de S. Jorge Sociedade de Turismo de Santa Maria da Feira Patrícios, S.A. Centralobão.
Pórtico Villa da Feira – Terra de Santa Maria apresentou-se como elemento para “o progresso da nossa Terra e a Cultura da nossa gente” e não movida por quaisquer outros intuitos. Com independência, tem acolhido nas suas páginas toda a colaboração que se apresente como elemento cultural, ou que seja relevante para o repositório histórico-documental que pretendemos ser. Apetecemos que os trabalhos aqui inseridos sejam utilizados por investigadores ou que constituam a porta para outros espaços, a janela para mais largos horizontes ou simples trilho que outros, caminhando, irão transformando em marcos que os estudiosos ou curiosos da cultura irão procurar na insaciável ânsia de saber. Sempre em respeito pelo Verdade a quem queremos Servir e Amar.
OS DIRECTORES,
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* É natural de S. João de Ver, mas reside em Santa Maria da Feira (Avenida Sá Carneiro). É estudante na Escola Secundária Artística Soares dos Reis, no Porto. Tem 6 anos de Formação Musical incluindo aulas de piano. Também tem estudos em Pintura e Desenho. Mas uma grande paixão sua é a fotografia. Participou na exposição de fotografia na galeria Servartes. Já viu publicada uma fotografia sua na revista Super Foto Prática. Tem colaborado em alguns trabalhos de montagem de montras.
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A CÂNDIDO DE PINHO Em jeito de reconhecimento Francisco Pinho* Ao receber o honroso convite para escrever uma página de apresentação ao trabalho dedicado à vida e obra de meu avô – Dr. Cândido de Pinho – a publicar na revista Villa da Feira, senti o receio de não estar à altura, por falta de engenho e arte, de poder corresponder e satisfazer a curiosidade, por erro ou omissão, de todos aqueles que sabem que o Dr. Cândido de Pinho foi um prestigiado feirense, a quem a Feira deu o seu nome a uma das principais ruas da cidade, em reconhecimento das suas qualidades. Oriundo da Casa da Quintã em Fornos, Cândido de Pinho foi um dos pilares de uma família de gente de prestígio e de valor de que gostaria de destacar o nome de Abel de Pinho, Presidente do Tribunal da Relação em Goa e Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Infelizmente, à data do meu nascimento, o avô Cândido de Pinho havia já falecido há cerca de trinta anos, pelo que fiquei privado do seu convívio e de guardar na memória os afectos que avós e netos naturalmente partilham, bem como da sua vasta cultura e convívio social. * Director Comercial.
Do seu percurso académico, da sua vida e obra falarão com mais propriedade e conhecimento os autores dos trabalhos que nesta revista se publicam, a quem desejo apresentar os agradecimentos da família, pelo empenho e dedicação. A mim resta-me dar conta da memória que ele deixou na família e nos foi transmitida por meu pai, Francisco Pinho e minhas Tias Ana e Margarida: Pessoa de fino trato e coração bondoso, chefe de família extremoso, culto e bem-falante, elegante no vestir, médico competente, director da Escola Médico Cirúrgica do Porto e presidente da Câmara do Porto, senhor de firmes convicções e princípios liberais, Cândido de Pinho foi a semente de uma geração de gente culta, fina e civilizada onde me orgulho de ter nascido.
Fornos, Outubro de 2009
SUMÁRIO
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Pórtico Celestino Portela / Fernando Sampaio Maia Fotografia Flávia Pedrosa Reis A Cândido de Pinho Francisco Pinho Poesia Francisco Pinho Cândido Augusto Correia de Pinho Cândido Augusto Dias dos Santos Fornos, o «Regaço» do Prof. Dr. Cândido de Pinho Padre José Alves de Pinho Poesia Maria Fernanda Calheiros Lobo A Guerra Peninsular Cândido de Pinho Poesia Edgar Carneiro Homenagem ao Dr. Carlos Pinho Ribeiro Vá Lá Vá Lá Podia Ser Pior Roteiro da Romagem ao Túmulo do Dr. Carlos Ribeiro Cemitério das Caldas de S. Jorge - 6 de Setembro de 2009 Álvaro Alves Mensagem Escrita João Rodrigues Homenagem ao Dr. Carlos – O Médico do Povo António Ferreira Homenagem ao Dr. Carlos Ribeiro Emídio Sousa Poesia Gilberto Pereira Dr. Carlos Pinho Ribeiro Eugénio dos Santos Clero Antigo de Milheirós de Poiares Manuel Leão O Ano da Fundação da Santa Casa da Misericórdia de Santa Maria da Feira. Uma Nova Notícia Francisco Ribeiro da Silva Sobre o Hidrónimo “Vouga” Domingos Azevedo Moreira Visitações de Pigeiros (Feira) Domingos Azevedo Moreira Dicionário Biográfico de Personalidades Feirenses Francisco Azevedo Brandão Superstições e Bruxaria Frei Acaribe Poesia João Pedro Mésseder Camões na Provença Maria da Conceição Vilhena Direitos das Crianças (II) Jorge Augusto Pais de Amaral Poesia Anthero Monteiro As Despesas para a Cultura nos Municípios de Oliveira de Azeméis, Porto, Santa Maria da Feira, São João da Madeira e Vila Nova de Gaia entre 1999 E 2006 Tiago Santos Poesia Conceição Paulino Em Prol do Dr. Domingos Caetano de Sousa, Médico Feirense e Cidadão Honrado Manuel de Lima Bastos O Pensamento Político do Dr. Joaquim Pinto Coelho Francisco Azevedo Brandão O Tempo passa, a Arte fica. Maria do Carmo Vieira António Botto, um caso “muito singular na literatura portuguesa” João Alves das Neves Os Alunos da Noite Joaquim Máximo Poesia Henrique Veiga de Macedo Postais do Concelho da Feira Ceomar Tranquilo Poesia António Rebordão Navarro Os artigos publicados nesta Revista são da responsabilidade científica e ética dos seus autores.
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CÂNDIDO DE PINHO
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Francisco Pinho
Ao avô que eu não tive
Coitado, lá explicava
Do neto que não tiveste
Que o avô já não voltava
Recordações e saudades
Pois tinha ido viver
Dos mimos que não me deste.
Para o céu, onde brilhava Uma estrela iluminada
Quando eu era uma criança
Onde o meu avô morava
Perguntava ao meu pai
Para o neto poder ver
Com um ar muito inocente
E eu criança inocente
Se eu não tinha um avô
Passava o tempo a sonhar
Como tinha toda a gente.
Olhando o céu estrelado
O meu pai atrapalhado
De olho arregalado
Sem saber que responder
Esperando que uma nuvem
Me pudesse ao céu levar
Com ideias avançadas
Para ver o meu avô
De princípios liberais
A sorrir emocionado
De amores andou perdido
Ver o neto encantado
Da sua amada Maria
Correr para o abraçar.
Por muitos anos privado Do amor que ela sentia
Em chegado à idade
Por falta de consentimento
Do mundo compreender
Da família conservadora
Comecei a perceber
Que tais liberdades temia.
Que o avô que eu não vi 10
Foi pessoa importante
Ao avô que já não vi
Homem sábio e respeitado
De que vos falo aqui
E Professor Doutorado
Nunca pude agradecer
Do Porto foi presidente
A melhor prenda da vida
Reitor da Universidade
Que este avô me deixou:
Da distinta Academia
Um Pai muito carinhoso
Exerceu com competência
E duas Tias queridas
Medicina e cirurgia.
Que fizeram dos sobrinhos O amor das suas vidas.
Foi um médico dedicado Honrarias recebendo
Quem teve um avô assim
De Manuel, Rei de Portugal
Importante e respeitado
Acabando agraciado
Vê logo, ao olhar p’ra mim
Com a Grã Cruz da Ordem Militar
Que eu sou um neto babado
De Nossa Senhora da Conceição Padroeira de Portugal.
Fornos 2009
CÂNDIDO AUGUSTO CORREIA DE PINHO Reitor da Universidade do Porto e Vice-Presidente da Câmara Cândido Augusto Dias dos Santos*
1. Cândido Augusto Correia de Pinho, filho de Francisco Correia de Pinho, nasceu na freguesia de Fornos, concelho da Feira, no dia 9 de Maio de 1853. Terminados os estudos secundários, matriculou-se na Escola Médico-cirúrgica do Porto. Era a Escola Médico-cirúrgica dirigida nesse tempo pelo conhecido cirurgião, Conselheiro Manuel Maria da Costa Leite, Visconde de Oliveira, título com que fora agraciado pelo rei D. Luís, e tinha como secretário António de Azevedo Maia. Na década de setenta, o curso completo de um médico constava de doze cadeiras cujos lentes proprietários eram os seguintes no ano em que Cândido de Pinho se formou: de Anatomia, João Pereira Dias Lebre; Fisiologia e Higiene, Dr. José Carlos Lopes; História Natural dos Medicamentos, Matéria Médica, João Xavier de Oliveira Barros; Patologia e Terapêutica Externas, António Joaquim de Morais Caldas; Medicina Operatória, Pedro Augusto Dias; Partos, Moléstias das mulheres de parto e dos recém-nascidos, Dr. Agostinho
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António do Souto; Patologia e Terapêutica Internas, António de Oliveira Monteiro; Clínica Médica, Manuel Rodrigues da Silva Pinto; Clínica Cirúrgica, Eduardo Pereira Pimenta; Anatomia Patológica, Manuel de Jesus Antunes Lemos; Medicina Legal, Higiene privada e pública e toxicologia geral, Dr. José F. Ayres de Gouveia Osório; Patologia Geral, Semiologia e História médica, Ilídio Ayres Pereira do Vale. A Farmácia que pertencia à 3.ª cadeira era regida por Félix da Fonseca Moura. Feitas todas as cadeiras, o aluno requeria o Acto grande que tinha por objecto uma dissertação sobre qualquer matéria de cirurgia escolhida pelo estudante, e seis proposições médicas ou cirúrgicas, também de sua escolha, escritas no fim da dissertação. Esta e as proposições eram apresentadas ao Director com alguma antecedência. A dissertação não poderia ser submetida à apreciação do júri sem que o Director a desse por aprovada. Se o Director lhe negasse a aprovação, o candidato podia recorrer para o Conselho Escolar. O júri era constituído por cinco professores, proprietários ou substitutos. O presidente era da escolha do candidato. A votação nestes actos era feita da mesma maneira que nos exames, mas eram precisas cinco bolas brancas para obter aprovação plena e três esferas brancas, pelo menos, para aprovação pela maior parte. Com três bolas pretas o candidato saía reprovado. Na Escola Médica, Cândido de Pinho cedo se evidenciou
* «Cândido dos Santos é Professor Catedrático jubilado da Faculdade de Letras do Porto, natural de Pedroso, concelho de Vila Nova de Gaia. Estudou na Universidade do Porto, na Universidade Gregoriana (Roma) e, como bolseiro do Instituto Nacional de Investigação Científica, na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Paris); doutorou-se na Universidade do Porto em 1977 e ascendeu a Catedrático em 1979. Foi também Professor Catedrático convidado na Universidade Católica Portuguesa, de 1985 a 1998. Foi Vice-Reitor da Universidade do Porto. Publicou vários livros, como O Censual da Mitra do Porto, (Porto, 1973), Os Jerónimos em Portugal (Instituto Nacional de Investigação Científica, 1980; 2ª edição, Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1996); História e Cultura na Época Moderna (Publicações da Universidade do Porto, 1998; Universidade do Porto. Raízes e memória da Instituição, (Porto 1996; versão inglesa em 2002); Padre António Pereira de Figueiredo; Erudição e Polémica na segunda metade do séc. XVIII»
e sectários convictos cedo tive o prazer de ser iniciado naquele movimento”. O princípio da hereditariedade é uma exposição crítica das teorias de Darwin, Haeckel e Spencer, reflectindo a mentalidade positivista que atravessava a Escola Médicocirúrgica no seu tempo e o confronto com métodos e pensares conservadores. O candidato foi aprovado com distinção e louvor - a mais alta classificação. Habilitado agora para o exercício da medicina com um grau que, a partir de 1866 pela carta de lei de 20 de Junho, era equiparado aos graus da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, começou por exercer clínica na sua terra natal. Entretanto, concorre, pouco tempo passado, a lente demonstrador da secção cirúrgica da Escola em que se formara, e acaba por ser provido no lugar, por decreto de 27 de Abril de 1880. Toma posse em 14 de Maio do mesmo ano.
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como aluno distinto em todas as cadeiras do curso. De acordo com a lei vigente, todo o candidato tinha que apresentar uma tese para concluir a formatura. O jovem licenciando, sob a presidência do mais prestigiado professor daquele tempo, o Dr. José Carlos Lopes, propôs à apreciação do júri uma dissertação intitulada O princípio da hereditariedade. A escolha deste tema resultou da fermentação de ideias que se agitava no país e que se traduzia no confronto das ciências naturais com as ciências morais, históricas e literárias. Duas grandes questões absorviam por esse tempo as faculdades e actividade do homem: por um lado, a questão científica, por outro, a questão religiosa, dois mundos muito distintos, cada um com os seus astros: Newton, Galileu, Bichat, Lamarck, para o primeiro; Chateaubriand, Fénelon, Bossuet, para o segundo. Uma luta se verificava entre ambos para decidir qual deles teria maior parte na obra de regeneração a que se ia proceder. Para Cândido de Pinho as ciências naturais tinhamse tornado a “nova bíblia”do momento, em razão do método que usavam. Nenhum dos domínios do pensamento ficara estranho a este movimento de renovação que a nova concepção da natureza ia operando. “Filho de uma escola onde as grandes ideias biológicas modernas têm encontrado sábios intérpretes
Por este tempo, entendiam os professores que o ensino médico necessitava de alguns melhoramentos e reformas, e disso deram conhecimento ao Governo, que, através de uma circular do Ministério do Reino, datada de 20 de Novembro, manifestou abertura para as realizar. O Conselho Escolar nomeia para elaborar o projecto de reforma, uma comissão de vários professores da qual faziam parte António de Oliveira Monteiro, como Presidente, e Cândido de Pinho na função de Relator. A comissão identificou as carências e propôs várias reformas. Assim, relativamente ao ensino médico, defendia a comissão que o corpo docente devia constar de duas classes de docentes: catedráticos e agregados. Todos seriam escolhidos mediante concurso. Os agregados poderiam lançar cursos livres utilizando o material de ensino da Escola. O curso médico teria a duração de oito anos. O ensino das cadeiras preparatórias - Física, Química e História Natural – seria feito na própria Escola. Exames por cadeiras eram eliminados e substituídos por três exames: o primeiro, no fim do 2.º ano; o segundo no fim do 5.º ano e o terceiro no fim do 8.º. Insistia-se na necessidade de um ensino prático para o qual eram indispensáveis elementos laboratoriais e clínicos. Entre os primeiros contava-se um teatro anatómico,
um laboratório de fisiologia experimental, um gabinete de histologia, um gabinete de física, um gabinete de química, um gabinete de farmácia e toxicologia; quanto às clínicas propunha a comissão duas soluções em alternativa: ou construir um hospital para as clínicas de ensino, ou solicitar à Mesa da Santa Casa da Misericórdia que facultasse aos professores as suas enfermarias. O projecto, elaborado segundo as modernas exigências, não teve, porém, da parte dos poderes públicos, a resposta que a comissão e o seu Relator esperavam. Em 1881, Cândido de Pinho, com dois colegas seus, Ricardo Jorge e Miguel Artur, lançaram uma revista científica com objectivos determinados, aberta a todas as ciências positivas, à física, à química, à psicologia e à sociologia. Foi diminuta a colaboração de Cândido de Pinho. Apenas um trabalho - As representações de motricidade no processo mental - trabalho que, de resto, ficou incompleto. Incompleto, mas suficiente para revelar o domínio das correntes filosóficas do tempo, sobretudo da psicologia inglesa e dos seus cultores Spencer, Hamilton e Lewes. A revista, embora de duração efémera, teve colaboradores notáveis, como Adriano de Paiva, Eduardo Pimenta, o grande químico Ferreira da Silva, Oliveira Martins, Martins Sarmento, Leite de Vasconcelos, Bernardino Machado, Morais Caldas, etc. Em 1885, por decreto de 19 de Novembro, foi promovido a lente substituto da mesma secção, e dez anos depois, por decreto de 14 de Novembro de 1895, ocupou o lugar de lente proprietário da cadeira de Medicina Operatória. No ano seguinte, em 16 de Abril, transitou para a 6.ª cadeira, Obstetrícia, por jubilação do professor Dr. Agostinho do Souto. Por decreto com força de lei de 22 de Fevereiro de 1911, tornou-se professor ordinário da 6.º cadeira, Obstetrícia e Ginecologia, com regência da cadeira de Obstetrícia da qual foi o mais ilustre professor desde que foi criada, como escreveu o Prof. Maximiano Lemos. A sua reconhecida competência está bem documentada na memória A Cesariana Vaginal, que o autor faz acompanhar de observações interessantes. Outro trabalho seu, digno de apreço pele novidade, foi publicado nos Arquivos Scientificos da Faculdade de Medicina do Porto, com o título modesto de Obstetrícia - Notas Clínicas. 2. Foi na qualidade de titular da cadeira de Obstetrícia
Maria Leite da Silva Tavares Paes Moreira
que Cândido de Pinho dirigiu a tese de fim de curso da primeira aluna que ingressou no Porto no ensino superior, a futura médica Dr.ª Maria Leite da Silva Paes Moreira. Natural de Canedo, filha de José Manuel Paes Moreira, da casa da Botica, a futura Dr.ª Paes Moreira ingressou aos 27 anos na Academia Politécnica do Porto para fazer os chamados” preparatórios”. Foi em 1884. Em Lisboa tinha-se matriculado na Escola Politécnica, em 1880, a que veio a ser a primeira médica portuguesa, a Dr.ª Elisa Augusta da Conceição Andrade, que concluiu o curso de Medicina em 1889. De acordo com a lei em vigor, o decreto de 20 de Setembro de 1844, para se poder ingressar na Escola Médica era necessário fazer um conjunto de 4 cadeiras: a Física (8.ª cadeira) e a Química Mineral (9.ª cadeira); a Zoologia (7.ª cadeira) e a Botânica e Fisiologia Vegetal l10.ª). Porém, no ano lectivo de 1885-1886, houve uma reforma dos estudos na Politécnica. Pelo decreto de 10 de Setembro, as cadeiras preparatórias passaram a ser cinco, por desdobramento da Química. Nesse mesmo ano matricularam-se na Politécnica duas irmãs, a Laurinda e a Aurélia Morais Sarmento (digase entre parêntesis que a Aurélia é a bisavó da Dr.ª Leonor Beleza). Mercê da presente reforma puderam as três matricular-se na Escola Médica em 1886. Terminaram o curso em 1891, sempre aprovadas “plenamente”. Nesse ano apresentaram a tese, obrigatória por lei, as irmãs Morais
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das três primeiras médicas no Porto, é uma figura notável das Terras da Feira. 3. A par da actividade docente, o Professor Cândido de Pinho promovia iniciativas fora das salas de aula. Em 1906, preside à XIII secção (Obstetrícia e Ginecologia) do XV Congresso Internacional de Medicina que se realizou em Lisboa. Uma área que mereceu o interesse do Dr. Cândido de Pinho foi a tuberculose. Para chamar a atenção da opinião pública para este problema e para a celebração próxima do 4.º congresso da Liga contra a tuberculose, profere, em 30 de Novembro de 1906, uma conferência no Ateneu Comercial do Porto sobre O Porto perante a tuberculose. Para o conferencista, o Porto era uma cidade em que a beneficência se exercia largamente, em que as sociedades de socorros mútuos eram em grande número, mas, ao mesmo tempo, de grande mortalidade por causa da tuberculose. Tal flagelo social tinha a sua raiz na descoordenação de esforços. A luta contra tuberculose estava atrasada no Porto. Apenas agora começava, graças aos serviços da Assistência Nacional. Para a coordenação da luta que era preciso organizar era indispensável combinar elementos vários, sobretudo municipais e de iniciativa particular. Por outro lado, era preciso que o município atendesse à situação dos bairros operários necessitados de saneamento, demolir os irrecuperáveis e promover transportes baratos para os arrabaldes da cidade. Além disso promover a organização de uma Assistência Sindical formada pelas Associações de Socorros Médicos do Porto, que centralizaria a assistência aos tuberculosos e os predispostos a tal doença. Finalmente, o orador faz um apelo à imprensa e a todas as boas vontades para que ajudem a propagar os princípios correntes da higiene das casas e das pessoas, auxiliem e aconselhem os tuberculosos e todos os que têm predisposição para tal enfermidade, etc.
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Sarmento; Maria Paes Moreira apresentou-a um anos depois, em 1892. Hygiene da Gravidez e do Parto foi o tema que desenvolveu e que o Professor Cândido de Pinho patrocinou. Obteve “Aprovação plena”. A Dr.ª Paes Moreira veio a exercer clínica no seu consultório do Largo de S. João, n.º 2. Uma
Presidiu, em seguida, ao 4.º congresso da Liga Nacional contra a tuberculose, que se realizou de 4 a 9 de Abril de 1907. Este encontro teve notável ressonância. A Medicina Contemporânea de Lisboa, de que era director Miguel Bombarda, considerou-o o “ mais poderoso laço para a união dos médicos portugueses, e exalta “ o médico que pelo seu levantado espírito científico, pelos dotes eminentes do seu carácter, pela cordialidade do seu trato, foi a pedra
fundamental da obra que tanto lustre trouxe à propaganda da nossa agremiação. Cândido de Pinho, no exercício da cidadania, era com frequência chamado a intervir, mesmo fora do âmbito da sua especialidade. Passando em 18 de Junho de 1908 o centenário da Guerra Peninsular, foi convidado a proferir, em sessão solene da Câmara Municipal do Porto - de que mais tarde chegou a ser Vice – Presidente - o discurso comemorativo da efeméride, que considerou “um dos acontecimentos mais gloriosos desta cidade, uma data (…) gravada a oiro na história nacional”. Comemorá-lo é “um acto da justiça, que redunda em proveito dos vindouros; é depor na leira do futuro os germens seleccionados das melhores acções humanas; é preparar a seara da virtude e da grandeza cívica”. O prestígio de que usufruía na comunidade académica pesou na escolha que dele fez o Senado Universitário para pronunciar o discurso na sessão solene de abertura da Universidade do Porto no ano lectivo de 1911-1912. Desenvolve, então, o tema: Ensino Universitário e Cultura Integral.
Para Cândido de Pinho, a inauguração de uma Universidade na cidade do Porto constitui “ uma afirmação inequívoca dos princípios que presidiram à elaboração do programa de renovação nacional. E lembra, em seguida, as responsabilidades da cultura que as modernas Universidades têm como função ministrar. Para tanto era indispensável que o ensino universitário colocasse, ao lado da instrução especializada e técnica, os elementos indispensáveis para iniciar o homem nas correntes de pensamento que orientam e fecundam o trabalho intelectual. Porque – adverte – o espírito científico não pode prescindir ou emancipar-se totalmente do esforço generalizador. Termina fazendo votos pela prosperidade da nova instituição, que pensa estar assegurada, quer pelo governo, quer pelo prestígio do corpo dos professores. Em 19 de Outubro de 1911 é eleito Vice-Reitor da Universidade do Porto, e, reeleito em 30 de Novembro de1914, exerce essas funções até 22 de Dezembro de 1917. Catedrático da Faculdade de Medicina, o dinamismo expresso nas iniciativas que toma impõe-no aos seus pares, que, na sessão do Conselho Escolar de 5 de Novembro de 1913, o escolhem para Director. Nomeado por decreto de 15 de Novembro (Diário do Governo, n.º 10, 2.ª série, de 13 de Janeiro de 1914), toma posse no dia seguinte. Mas Cândido de Pinho estava fadado para mais altos voos. Em 22 de Dezembro de 1917 é eleito Reitor da Universidade, e atinge assim o cume da hierarquia universitária. Infelizmente… por pouco tempo. Pouco mais de um ano. Faleceu na sua casa da Foz do Douro no dia13 de Fevereiro de 1919. No dia 17, depois dos responsos na Igreja da Trindade, foi a sepultar em jazigo de família, no cemitério de Fornos, sua terra natal. Pouco depois da sua morte, o Senado da Universidade,
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na sessão de 27 de Fevereiro de 1919, prestou-lhe condigna homenagem. São unânimes por parte dos oradores na exaltação das suas qualidades. “Director da Faculdade de Medicina e Reitor da Universidade, dificilmente se encontrarão reunidas num homem as qualidades eminentes que revelou num e noutro dos dois cargos. A energia e a ponderação, a fidalga urbanidade do seu trato, e eloquência natural da sua palavra, faziam-no respeitar e estimar de todos, colegas
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e subordinados”. Este depoimento de Maximiano de Lemos é corroborado pelo Vice-Reitor, Ferreira da Silva: “Pode-se considerar o Dr. Cândido de Pinho como professor, como clínico e como homem público. Em todas as situações em que se encontrou soube honrar o seu nome e os cargos em que os seus concidadãos o investiram, porque o seu talento, a sua inteligência e o seu carácter fazem dele um homem superior”.
FORNOS, O «REGAÇO» DO PROF. DR. CÂNDIDO DE PINHO Pe. José Alves de Pinho*
Cândido de Pinho foi, no início do séc. XX, não só um eloquente vulto do concelho de Santa Maria da Feira, dito então Vila da Feira, como também um insigne ornamento da freguesia de Fornos, onde ele nasceu e teve o seu regaço de criação. Na linguagem corrente do povo de Fornos ele pertencia à Casa da Quintã, uma casa que foi sempre «casa de doutores». Para melhor conhecermos o personagem que foi Cândido de Pinho, importa ir buscar as suas raízes no passado da família da Casa da Quintã e procurarmos descobrir a linha principal da sua genealogia, completando-a com algumas observações, que venham a propósito. Numa tentativa destas confrontamo-nos com uma longa série de gerações; e, como sempre, topamos as horas e a vida dos homens, com os seus momentos altos e com outros não tanto; êxitos e fracassos, glórias e abatimentos, alegrias e tristezas. Sim, tal como na vida, mas de modo gratificante e em linha ascendente! A primeira referência à Quintã de Fornos encontrámo-la na Chancelaria do rei D. Dinis, com data de 1318, ao referir a protecção que o rei quis dar à doação desta Quintã, que o seu filho D. Afonso Sanches fez ao mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde, naquela data1.
Prof. Dr. Cândido de Pinho, 2º Reitor da Universidade do Porto 1
* Pároco de Fornos.
- Ver Villa da Feira, Terra de Santa Maria, vol. 10, Junho 2005, pag. 76.
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A partir de então, a Quintã de Fornos, pertenceu ao mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde como «propriedade honrada», até à implantação do regime liberal levado a efeito no nosso país pelo ano de 1834. Entretanto, ao longo desses diversos séculos, o mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde, como senhorio fundiário da Quintã, recebeu dela os frutos, através de enfifeutas intermediários, que, em permuta dos foros devidos pelos lavradores foreiros, tinham contratado com o mosteiro entregar-lhe anualmente uma renda sabida, que foi por muito tempo a de 3 050 reis. Aos ditos intermediários o mosteiro tinha concedido também a administração directa dos casais parcelares, em que estava dividida a Quintã, conforme estabelecia o regime da enfiteuse, então vigente. Nesta condição, tais administradores da grande propriedade fundiária, que era a Quintã de Fornos, celebravam nos cartórios dos tabeliães de então, contratos de emprazamento, aceitavam ou rejeitavam os lavradores, que se apresentavam como candidatos a foreiros para trabalharem directamente o domínio útil das propriedades, as quais podiam ser novamente emprazadas, depois de se terem cumprido as condições do prazo, habitualmente ao fim da terceira vida. Neste caso, de novo contrato, pagavam além dos foros anuais os impostos extraordinários, devidos a mortalhas e ao laudémio. Dos enfiteutas intermédios ficaram-nos os nomes de Roque Peres Picão, Violante Godinha e António de Távora de Noronha Leme Cernache, do Porto,2. Dos lavradores foreiros só pontual e tardiamente sabemos o nome de alguns, sem conhecermos os pormenores informativos, que os relacionem pelo parentesco, ou pela localização. Contudo, ficaram-nos alguns elementos suficientes para concluir que, pouco a pouco, a propriedade foreira, inicialmente aleatória, passou a fixar-se como propriedade de domínio útil duma família emprazada, transmitindo-se aos seus descendentes, por direito de herança. No registo paroquial encontramos muitos exemplos de pais, que deixam em testamento o grosso de seus bens – os 2 - Estes personagens estavam ligados aos fidalgos proprietários do Palácio do Freixo, em Valbom, Gondomar, os quais se continuaram até ao tempo recente na família dos Campo Bello de Santa Marinha, Vila Nova de Gaia. Referências a alguns destes foreiros intermediários encontram-se nos «Autos para as medições da quintã dos Fornos, cita na Terra da Feyra…» começados em 5 de Setembro de 1703. Vd. Arquivo Distrital do Porto, Tombo Novo de Santa Clara de Vila do Conde. 3 - Ver Vila da Feira, Terra de Santa Maria, vol. 10, Junho 2005, pags 79/80.
bens de prazo – ao filho primogénito varão; e pequenas parcelas de bens (jóias, vestuário, utensílios domésticos, courelas de terreno), aos filhos segundos em fracções insignificantes3. Com o decurso do tempo, o Registo Paroquial foi-se aperfeiçoando, ao incluir referências cada vez mais explícitas para identificar os indivíduos, que eram objecto da sua escrituração. Eram os nomes dos indivíduos e as suas circunstâncias: parentesco nos diversos graus, idade, residência dos padrinhos e das testemunhas, por vezes os bens, as doenças, ou a identificação das diversas personalidades do tempo, conforme era pedido pela natureza dos assentos e pelas orientações das Constituições Diocesanas, exigidas nas disposições conciliares de Trento. Por via disso, agora é possível reconstituir muitas linhas da genealogia dos indivíduos e da afinidade entre as famílias. Infelizmente para Fornos, neste particular do registo paroquial, houve omissões em diversas décadas nos finais do séc. XVII, pois os assentos foram só parcialmente escriturados, ou simplesmente omitidos. Examinando os dados do Registo Paroquial, o primeiro tronco comum que nos aparece identificado como dono das terras aforadas e ligadas à Casa da Quintã, é o do casal composto por I Marcos Jorge e Anastácia Fernandes. Deste casal sabemos que ele faleceu em 17 de Abril de 1706 já viúvo da esposa, a qual tinha falecido muito antes, em 2 de Maio de 1679.
Fachada nascente da Casa da Quintã na sua forma original (meados do séc. XVIII). Atender às cantoneiras e cornijas em granito e à sua simetria arquitectónica.
Era um casal discreto, aplicado ao amanho das muitas propriedades foreiras, ou porque as tinham herdado, ou porque tiveram prestígio para as aforar em concurso com outros interessados, ou porque, através de alianças matrimoniais as tinham ampliado. Aparece-nos como um casal bem sucedido no condicionalismo daquele tempo4. Entretanto, sobre Marcos Jorge pesava o rumor de que um ascendente seu, não era de sangue totalmente limpo, conforme os critérios da Inquisição5. Embora Anastácia Fernandes tivesse falecido muito cedo deixou diversos filhos, dos quais foi possível identificar os seguintes: António, que faleceu solteiro, de maior idade, pouco mais de um mês antes de seu pai, precisamente no dia 26 de Fevereiro de 1706. Já era titular de alguns bens, que tinha herdado da sua falecida mãe, os quais, por direito de herança, passaram ao seu pai. Uma outra filha foi Joana Marques, que no assento de óbito de Marcos Jorge foi nomeada como a herdeira. Veio a casar em 6 de Julho de 1706, com Manuel Fernandes, filho de Manuel Fernandes e de Isabel Fernandes, de Souto. Dela não há outras referências inventariadas em Fornos. Porém, uma outra filha, que veio a tornar-se titular da Casa da Quintã, foi Isabel Marques, que casou com João de Matos do lugar de Casal de Matos, formando uma família, que, depois, veio a ter grande visibilidade e presença na freguesia de Fornos, como representantes da Casa da Quintã. Então, esquematizemos esta genealogia desde 1 de Maio de 1679, a começar por este tronco comum Marcos Jorge casado com Anastácia Fernandes. Conforme acabamos de constatar este casal teve três filhos: António, Joana e Isabel. Esta continua… II Isabel Marques6 da Quintã, casou com João de Matos
4 - No Tombo das propriedades da Quintã de 1703, de entre os principais proprietários da Quintã de Fornos, o primeiro nomeado na apresentação e descrição dos bens foreiros é Marcos Jorge, com o rol dilatado das suas propriedades, sua medição e confrontações. 5 - Sobre estes e outros dados relativos a esta família para este período, ver VILLA DA FEIRA / TERRA DE SANTA MARIA, publicação da LAF (Liga dos Amigos da Feira) Ano V. número 15. Fevereiro 2007, pg. 66 a 71. 6 - O sobrenome Marques deve explicar-se pelo facto desta Isabel ser filha dum «Marcos», à boa maneira medieval. O sobrenome neste caso era patronímico, designando filiação. Reparemos que a mãe tinha por sobrenome Fernandes, que não passou para o nome da filha.
de Casal de Matos. Começaram por viver neste último lugar, mas depois fixaram-se definitivamente na Casa da Quintã, como chefes de família. Tiveram filhos 1. António, que continua… 2. Manuel (*3.1.1694; +7.01.1765), que veio a ser depois o padre Manuel Marques de Matos, que foi oficiante durante muitos anos na igreja de Escapães e que na sua velhice se fixou, como conviva, na Casa da Quintã de seus sobrinhos, onde veio a falecer. III António Marques de Matos, (*3.01.1694;+29.12.1764) casou em Escapães (7.4.1720) com Maria Carneira, (*11.10.1682; +8.3.1750) natural da freguesia de S. Tomé da Correlhã, Ponte de Lima. Esta Maria Carneira era sobrinha do velho Abade de Escapães João Carneiro de Lima (1.º de nome) e construtor da actual igreja de Escapães. Após o casamento, fixaram-se na Casa da Quintã. Aí, tiveram uma grande importância familiar, patrimonial e social. Deles, só se conhecem dois filhos, que referimos: 1. João Carneiro de Lima (*8.2.1722;+9.5.1788), que veio a ser padre (2º de nome) e que foi pároco de Escapães, mesmo antes de se ordenar de presbítero. Sucedeu a seu tio João (1.º de nome) e desempenhou as funções de pároco de Escapães até à sua morte. Requereu e foi despachado como comissário do Santo Ofício. 2. Maria Rosa Carneiro de Lima, que continua… IV Maria Rosa Carneiro de Lima (*11.10.1682;+23.3.803) a residir na Quintã, veio a casar em Escapães, no dia 25 de Fevereiro de 1756, com o Licenciado Cirurgião Manuel de Pinho de Almeida (*;?+9.6.1791) da Casa de Macieira de Baixo, Macieira de Sarnes, Oliveira de Azeméis, filho de Francisco de Pinho e de sua esposa Domingas Antónia, do dito lugar de Macieira de Baixo. Viveram algum tempo na freguesia da Feira e depois passaram a viver na Casa da Quintã, como chefes de família. Formaram um casal muito considerado, com um pronunciado relevo na freguesia e fora dela. Deles, conseguiram-se identificar os seguintes filhos: 1. João Carneiro de Lima (ou, João de Pinho Carneiro de Lima ou João Carneiro de Pinho *25.9.1757;+?), o qual veio
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Aspecto da Quinta da Casa do Pinheiro em Sª Mª de Atães, concelho de Guimarães.
Estado actual da Casa do Pinheiro, onde nasceu Carlos José Peixoto de Moura.
a ser padre e a oficiar algum tempo nas freguesias de Fornos, Escapães e noutras freguesias, que ignoramos; 2. Ana Luísa de Lima (*23.7.1765; +?), que veio a casar em Macieira de Baixo, Macieira de Sarnes, com Carlos José Peixoto de Moura7, onde viveu, mãe de numerosa família; 3. Maria Angelina Carneiro de Lima, (*25.1.1761;+16.2.1812) (que, por razões especiais, vamos seguir!), continua… 4. Manuel Pinho e Almeida (*17.7.1759;+13.11.1807) formou-se em Direito e veio a ser desembargador na cidade
de Porto Alegre, Brasil, onde faleceu; 5. Joana Maria de Almeida Lima (*6.6.1767; +3.3.1833), (que, igualmente, por razões especiais vamos seguir;) ela continua… 6. José de Pinho de Almeida Lima (*; +16.2.1835 com 72 anos), que veio a ser padre e viveu na Quintã, de modo discreto, mas administrador de propriedades no lugar da Quintã e no sítio da Granja, conforme informa o seu assento de óbito, tendo-se depois integrado na política liberal do tempo.
7 - Por este casamento começou a relacionar-se a Casa da Quintã com a Casa dos Peixotos de Macieira de Sarnes. A circunstância explica-se assim: veio para pároco da freguesia de Fornos, no ano de 1777, Francisco Xavier Peixoto (*11.2.1743;+22.3.1825), originário da Casa do Pinheiro, freguesia de Santa Maria de Atães, concelho de Guimarães. Para junto dele trouxe depois, por algum tempo, como conviva, um irmão mais novo, Carlos José Peixoto de Moura (*4.5.1746), o qual veio naturalmente a conhecer Ana Luísa de Lima da Casa da Quintã, de Fornos, com quem veio a casar, fixando-se o novo casal em Macieira de Baixo, Macieira de Sarnes, Oliveira de Azeméis. Este casal teve muitos filhos, dos quais destacamos Carlos José Peixoto de Lima, que sucedeu, como pároco de Fornos, ao seu tio Padre Francisco Xavier Peixoto, até 8 de Fevereiro de 1861; António Tomás de Lima Peixoto (*29.12.1798;+9.10.1858), que professou na Ordem de Santa Cruz, como cónego regrante de Santo Agostinho com o nome de D. António do Patrocínio Peixoto, o qual nos aparece como pregador e professor de Grego, e que, após a extinção das ordens religiosas masculinas, veio para junto do seu irmão pároco de Fornos, até à sua morte; e Miguel António Peixoto, que veio a casar com Herculana Augusta de Castro Corte-Real, de Escapães, que, depois do seu casamento passaram a viver na sua Casa do Vale Grande, Escapães.
V 1. Joana Maria de Almeida Lima, discretamente, viveu sempre solteira, como representante da Casa da Quintã. Entretanto, teve uma filha de nome Ana Maria de Sousa Lima, cujo pai se aventa ter sido da Casa da Murtosa da freguesia de Mosteirô8. A seguir, veremos o desenvolvimento que a vida veio a trazer a esta senhora. Continua… 2. Maria Angelina Carneiro de Lima, casou em 12.9.1784, em Escapães, com Marcelino José Correia Gomes.9 Por este laço se relacionou a Casa da Quinta dos Passais de Sanfins (e também a Casa das Mestras dos Correias de Sá) com a família da Casa da Quintã de Fornos. Após o casamento passaram a viver no lugar de Casal de Matos, onde constituíram uma família muito numerosa. Continua… VI - Maria Angelina Carneiro de Lima, e Marcelino José Correia Gomes tiveram muitos filhos: 1. Maria Angelina Carneiro de Lima (*10.11.1780;+16. 2.1812), casou com Manuel José da Silva Teles, de Vila Cova da Lixa, cobrador de foros e mercador de panos; depois o casal passou a viver na Quinta de Rolães, em Vila da Feira, com o seu negócio, próximo da igreja, em parte do edifício, que fora quartel militar. 2. João (*20.7.1784), nascido antes do casamento dos pais; veio a ser padre. Conforme uma referência do Registo Paroquial, consta que ele rezou as missas dos bens d’alma pelo seu irmão José, morto pelos franceses quando tinha trinta anos e era residente no lugar de Casal de Matos, de Fornos.
8 - As recentes titulares da Casa da Quintã, Margarida e Ana, criadoras da empresa de Lacticínios MAF, diziam que havia entre a Casa da Quintã e a Casa da Murtosa um parentesco amistoso, cultivado desde longa data, alimentado por frequentes visitas e celebrado por uma mútua consideração e amizade, a qual tinha por fundamento uma relação havida entre membros destas duas famílias. Perante tal informação, concluíam que a tradição familiar de parentesco tinha fundamento nesta relação havida entre a Joana Maria e um rapaz da Casa da Murtosa. Encontravam assim fundamento para as boas graças, que mantinham com actuais titulares da Casa da Murtosa de Mosteirô (nomeadamente, D. Isabel, há pouco falecida) e que alimentavam. 9 - Marcelino José Correia Gomes era filho de Francisco da Costa e de Marcelina Teresa Correia Gomes, naturais e moradores na freguesia de Sanfins, neto paterno de António da Costa e de sua mulher Ana Marques da Casa da Pena, de Sanfins e neto materno do Capitão Teodósio Correia Gomes, natural da cidade de Aveiro e de sua mulher Francisca da Costa Marques, que foram moradores na sua Quinta dos Passais em Sanfins.
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Os pais do Prof. Cândido de Lima, Dr. Francisco Correia de Pinho e esposa e D. Margarida Augusta de Pinho Correia
Diz o assento de óbito: «faleceu na saída dos franceses desta freguesia, onde estiveram abarracados em campo; e morto por eles no lugar da Vergada, junto à noite, no dia 11 de Maio de 1809. Veio a sepultar em Fornos». Além desta referência do Registo Paroquial, havia na Casa da Quintã a tradição, que passara de geração em geração e informava que um rapaz da Casa tinha sido mártir da pátria, morto pelos franceses, no episódio chocante do Pinheiro das 7 cruzes. 3. Ana Luísa Carneira de Lima (*1.3.1792). Casou em 4.4.1715 com Francisco de Sá Marques, de Sanfins, da Quintã de Sanfins, onde passou a viver. 4. Inácia Rosa (*7.6.1793). Terá falecido em criança. 5. Francisco Correia de Pinho de Almeida Lima, (*12.8.1794;+19.5.1853), licenciou-se em Direito, foi
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advogado com Banca aberta na Vila da Feira, político no início do regime liberal. Continua… 6. Luís (*15.10.1796;+31.3.1800), morreu criança. 7. Inácia Correia de Almeida Lima (*9.4.1798; +18.6.1867); casou com José Leite Tinoco, de Casal de Matos em 7.2.1826, onde passaram a viver, deslocando-se depois para a Laje e finalmente para o lugar do Ribeiro de Fornos. Deixaram sete filhos, que não temos oportunidade de acompanhar. 8. Gertrudes (*10.10.1800;+9.4.1801), morreu criança. 9. António Correia de Pinho (*27.9.1802;+21.3.1855). Casou com Ana Margarida, do lugar da Laje, em 14.6.1830. Constituiu família e são vários os assentos do Registo Paroquial, que se referem a seus descendentes. 10. Crispim José (*16.10.1804), sem outras referências. 11. José (+11.5.1809), o Mártir da Pátria. Ver a referência acima a propósito do irmão padre João. VII Ana Maria de Sousa Lima, filha de Joana Maria de Almeida Lima, mãe solteira, (ver acima) não foi baptizada em Fornos, pelo que não é conhecida a data do seu nascimento, mas sim do seu óbito (+12.2.1862). Esta moça da Casa da Quintã tomou-se de amores com um seu primo direito, filho de Maria Angelina Carneiro de Lima, Dr. Francisco Correia de Pinho de Almeida Lima10 (*12.8.1794;+19.5.1853) de Casal de Matos, ambos da freguesia de Fornos. Dessa relação surgiu uma gravidez, que não pode ser legitimada por um casamento entre eles, já que entre os dois havia o impedimento de parentesco no 4º grau de linha colateral igual. Ficou-lhes o expediente de ocultar a gravidez até à data do nascimento de um menino, o qual, a ocultas, foi depositado na Roda da Misericórdia de Vila da Feira, no dia 3.10.1822. Na condição de um menino exposto, foi a baptizar (e registar) na igreja matriz da Feira, com o nome de Francisco, o qual foi entregue a uma ama de confiança, que, com cuidado e diligência «criasse o menino». A ama, quiçá a mãe natural da criança, cuidou dele e com as ajudas da família, que
- Francisco Correia de Pinho de Almeida Lima, matriculou-se no 1.º Ano do Curso de Direito da Universidade de Coimbra a 6 de Outubro de 1823, acabando por obter o bacharelato em Direito
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A Escola Médica Cirúrgica do Porto, vista por Manuel Monterroso, onde a caricatura do Prof. Cândido Lima aparece no 1.º plano, segundo a contar da esquerda.
não o abandonaram, o fez crescer harmoniosamente e bem aconchegado. Os seus pais, Francisco e Ana Maria não se desinteressaram do seu filho, nem da mútua afeição, mas o impedimento de consanguinidade, que era bem conhecido, continuava. Ao impedimento canónico juntavam-se circunstâncias especiais daquele tempo, em que havia grande agitação social e política, mercê dos confrontos entre liberais e miguelistas, os quais só complicavam a resolução da situação criada. O Dr. Francisco Correia de Pinho de Almeida Lima continuou com o seu trabalho de advogado na sua banca de Vila da Feira, participando também na vida pública local11; - O Dr. Vaz Ferreira, em inédito da Biblioteca Municipal da Feira, sobre a história de Vila da Feira, diz que, em 24.8.1833, foi aclamada Rainha D. Maria II (e Regente D. Pedro, Duque de Bragança e só nesta data), sendo Presidente da Câmara o dr. Bernardino Maciel Rebelo de Lima – juiz de fora interino – e dos quatro vereadores um dos quais era o dr. Francisco Correia de Pinho d’Almeida Lima. A fls. 1166 do mesmo manuscrito inédito informa o dr. Vaz Ferreira: … «[Foi o] dr. Francisco Correia de Pinho d’Almeida Lima vereador da Câmara da Feira em 1833; procurador fiscal da de 1839; vice-presidente da de 1840 e presidente das de 1834-44 e 1845-46. O seu filho dr. Francisco Correia de Pinho, administrador substituto do concelho da Feira em 1868 e desde 1882 a 1891; vogal substituto do Conselho Municipal em 1868, 1860 e1868; foi efectivo de 1860 a 1863 e em 1874-75; vice-presidente da Câmara Municipal em 1864/65, vereador substituto em 1866-67 e 1868-69 e efectivo em 187677».
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a Ana Maria de Sousa Lima ocupava-se, evidentemente como mulher solteira nas actividades domésticas, da Casa da Quintã. Continua… Francisco, o filho deste casal exposto, mas assumido pela mãe, ainda na condição de filho de pai incógnito e vivendo na Casa da Quintã na companhia de sua mãe e da sua avó materna – a dona da Casa – cresceu normalmente conforme as exigências e aspirações da família, até à sua juventude. Então, cumpridos já os estudos básicos, foi matricular-se na Universidade de Coimbra, também no curso de Direito12. O Livro das Matrículas da Universidade regista o seu requerimento de admissão no dia 5.10.1844, com o simples nome de Francisco [exposto da Roda], comprovado pela sua certidão de idade. Continuou os estudos até completar o curso de Direito no grau do bacharelato. Posteriormente13, com o casamento dos pais ocorrido em 11.10.1836 na igreja matriz de Vila da Feira, Francisco foi reconhecido como filho legítimo dos seus respectivos pais; contudo, só obteve o despacho de legitimação e de utilizar os sobrenomes «Correia de Pinho» 12 anos mais tarde, conforme consta no Livro de matrículas da Universidade, ou seja, no ano de 1856. O casamento dos pais e a legitimação de seu filho foi para todos um grande alívio e uma grande congratulação. O acontecimento iria ser comemorado da melhor maneira: aguardarem um outro filho, que veio a nascer e a quem deram o nome de 2. Crispim (*6.11.1836; +11.10.1846). A criança teve como padrinhos o irmão Francisco e madrinha Nossa Senhora da Saúde (recentemente entronizada num altar da igreja de Fornos, vinda do convento de S. Bento da Ave Maria do Porto) e representada por Rita Peixoto, de Macieira de Sarnes. Porém, a essa alegria seguiu-se um grande desgosto, já que esta criança – o menino Crispim, veio a morrer com 9 anos de
- Cfr. Livro de Matrícula da Universidade de Coimbra de 1844/45, onde consta a primeira matrícula de Francisco Correia de Pinho no 1.º Ano de Direito, sob o nº 23: Foi admitido à matrícula deste Primeiro Ano de Direito aos 5 do mês de Outubro de 1844, com Certidão de Idade. N.B. Posteriormente, o mesmo Livro de Matrículas, em entrelinha posterior tem esta observação: «Fizeram-se estes acrescentos dos dois cognomes na [certidão de idade] filiação, por Despacho de 2 de Outubro de 1856» 13 - Diz o assento de casamento: «obtida a final sentença de parentesco em segundo grau de consanguinidade… vieram a casar entre si, na presença do Abade de Vila da Feira Tomás Máximo d’Aquino Correia de Sá», então já como sacerdote secular, uma vez que os cónegos de São João Evangelista tinham sido extintos no Reino». 12
idade, de uma grave febre escarlatina. O acontecimento ficou gravado nos Anais da família. VIII - A Francisco Correia de Pinho (J.or) como vimos, filho de Francisco Correia de Pinho de Almeida Lima, advogado e de Ana Maria de Sousa Lima, titulares da Casa da Quintã, veio a casar com Margarida Augusta de Pinho Correia, (*4.3.1821;+?) da Casa da Correia. VIII - B Aqui, enxertamos a genealogia do Dr. Cândido de Pinho, a partir da Casa da Correia, donde era originária a sua mãe Margarida Augusta de Pinho Correia. Esta era filha de Manuel Inácio de Pinho Correia (+29.9.1865, com 86 anos) e de Joana Teodora Clara da Silva Correia (+7.1.1869 com 82 anos), e neta materna de José Leite da Silva, de Arrifana e de Ana Maria Leite de Jesus, do lugar da Lama (Laje), Fornos. Esta senhora Joana Teodora Clara da Silva Correia manifesta, em diversas situações, que teve uma educação esmerada. As suas bisnetas Ana e Margarida conservavam a informação de que esta sua bisavó tinha sido educada num colégio. Foram pais de: 1. Manuel (*15.2.1816), sem outras notas, por desconhecidas; 2. Maria (*5.7.1817), igualmente como o irmão Manuel; 3. José (*9.6.1819), também sem outras referências. Por ter falecido em criança? 4. Luísa Teodora Clara Correia de Pinho (*13.9.1822; +4.11.1911), que casou com Caetano Augusto da Cunha Sampaio Maia, em 5.6.1853 e foi fixar-se com o marido na Casa da Torre de S. João de Ver. 5. Margarida Augusta de Pinho Correia (*4.3.1821;+) que casou com o Bacharel Francisco Correia de Pinho, da Casa da Quintã, que continua… 6. Ana (*16.4.1824;) de que se não conhecem outros dados. 7. Elias (*27.8.1825) que casou em São Vicente de Pereira, Ovar e por lá se fixou.14
- As senhoras fundadoras da MAF mantinham uma tradição de família, pela qual constava que este tio-avô dera origem à empresa de vinhos DALVA.
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8. Genoveva Augusta de Pinho Correia (*16.11.1827; +28.6.1865). Ela, com 36 anos, casou a 4.2.1864 com o médico Manuel Joaquim Gomes Alberto Nunes de 26 anos, natural de Mosteirô, passando depois o casal a viver na Casa da Correia de Fornos. A Genoveva morreu no primeiro parto de um par de gémeos, dos quais, sobreviveu um, a quem deram o nome de José Leopoldo Alberto Correia e o outro faleceu logo, com quinze minutos de vida, sem haver tempo para se lhe dar um nome. À sua morte, inesperada, seguiu-se um funeral muito sentido e solene, vindo a ser sepultada, com o filho, que tinha sucumbido com ela, no jazigo de família, em frente do altar de Santo Amaro. Com o seu falecimento, extinguiu-se em Fornos a Casa da Correia. 15
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Placa numa Rua das Eiras, da Feira, dedicada pelo município à memória do Prof. Dr. Cândido de Pinho
IX Francisco Correia de Pinho e Margarida Augusta de Pinho Correia, casados, passaram a viver algum tempo na Vila da Feira, onde ele exercia a sua profissão de advogado, com muito sucesso. Lá tinha montado a sua Banca de advogado na zona da Pensão Avenida, ao fundo da Rua Dr. Santos Carneiro, junto à igreja matriz. Quando passou a viver na Casa da Quintã deslocava-se para o seu escritório a cavalo, tendo como estábulo para a cavalgadura um pequeno edifício, à margem do caminho que, a par da igreja, vinha para o Farinheiro, próximo do lugar, onde recentemente foi colocado um painel de azulejos, dedicado aos Descobrimentos, no 4º centenário da descoberta para a Índia, por Vasco da Gama. Da sua actuação causídica há, em arquivo, muitos processos, em que ele interveio. Na vida social e política local foi um vulto eminente. Tiveram filhos: 1. Cândido Augusto Correia de Pinho (*9.5.1853;+14.2.1919). Este é o personagem que é objecto deste estudo. Continua…
2. Ana (* 16.10.1854;+24.10.1946) Faleceu solteira, na Casa da Quintã, com idade muito avançada, então conviva com os seus sobrinhos Margarida, Ana e Francisco. 3. Abel (*27.2.1856;+11.12.1924), casou com Luísa Adelaide Vaz de Oliveira da Quinta das Ribas, junto ao Castelo da Feira, em 4.11.1886; o único herdeiro, que tiveram, faleceu criança. Desempenhou diversos cargos no sector da Justiça, dos quais apontamos: magistrado em Cabo Verde; juiz na Relação de Luanda; Procurador da Coroa e da Fazenda na Relação de Nova Goa; juiz na Relação do Porto; juiz no Supremo Tribunal de Justiça de Lisboa. 4. Abílio (?) (*15.8.1857) seguiu a carreira militar, vindo a falecer muito novo. 5. Benjamim (*23.12.1858;+26.4.1936), viveu na Casa da Quintã e foi um representante local na administração pública concelhia. Deslocava-se diariamente até à sede do concelho, onde trabalhava nos serviços municipais e lá recebia e tomava a refeição, que suas irmãs da Quintã, lhe enviavam por serviçais. 6. Henriqueta Georgina Correia de Pinho (*7.8.1862;+30.4.1933) era a mais nova dos irmãos; com os manos Ana e Benjamim permaneceram na Casa da Quintã como representantes de toda a família e principais proprietários.
- No Livro de Baptizados de Fornos desta época consta que a criança sobrevivente foi baptizada de emergência. A seu tempo foi estudar para o Porto, passando a residir temporariamente na Rua do Almada, nº 442, enquanto o seu pai ficou a exercer a medicina em Espinho. Porém, este jovem já com mais de 16 anos, veio a falecer no Porto no dia 11 de Abril de 1878, vindo a sepultar a Fornos. Quanto ao viúvo, pai deste José, informa-nos o Livro de Óbitos da freguesia de Paços de Brandão, Feira, relativo a ano de 1879, sob o n.º 45, fls. 7-vº e 8, que «Manuel Joaquim Gomes Alberto Nunes, cirurgião, casado com D. Inês de Almeida Pinto Moreira, de 41 anos, natural de Mosteirô, faleceu a 4 de Setembro de 1879 no lugar da Portela desta freguesia de Paços de Brandão. Por disposição testamentária foi sepultado no Adro da igreja de S. Salvador de Fornos. Fez testamento e não deixou filhos. O Abade José Henriques da Silva»
X Cândido Augusto Correia de Pinho, continuação… A certidão de nascimento é a primeira referência, que personaliza quem queremos identificar. No Livro do Registo Paroquial de Fornos, relativo ao ano de 1853, consta o seguinte: «Cândido Augusto, filho do Bacharel Francisco Correia de Pinho Júnior e sua mulher Margarida Augusta Correia de Pinho do lugar da Quintã de Cima; neto paterno do Bacharel Francisco Correia de Pinho Sénior e sua mulher
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D. Ana Maria de Sousa do sobredito lugar da Quintã de Cima e materno de Manuel Inácio de Pinho Correia e sua mulher Joana Teodora Clara da Silva Correia, do lugar da Igreja.
Extremidade nascente da Rua do Dr. Cândido de Pinho, na zona das Eiras, Feira
Nasceu no dia oito para o dia nove, depois da meia-noite do mês de Maio de mil oitocentos e cinquenta e três. Foi baptizado na Pia Baptismal de Fornos pelo Abade José Carlos Peixoto de Lima, no dia dezanove do mesmo mês e ano. Foram padrinhos Manuel Inácio de Pinho Correia, do lugar da Igreja desta freguesia, como procurador de seu cunhado Manuel da Silva Leite, residente na cidade do Porto; e madrinha Ana da Silva Leite [irmã de Joana Teodora Clara da Silva Correia], solteira, tia da mãe do menino também do lugar da Igreja [Casa da Correia] desta freguesia. Foram testemunhas José Inácio do lugar da Igreja e Dom António Patrocínio do mesmo lugar, ambos desta freguesia». Cresceu no seio de uma família relativamente numerosa e revelou muita aptidão para o estudo. A família, que tinha posses colaborou com ele, e a seu tempo, matriculou-o na Escola Médica do Porto, como se diz noutro lugar. Tornouse um bom aluno e no fim do ano lectivo de 1876/77 ficou médico cirurgião. Suas filhas, que evocavam a carreira do pai, contavam
(- seria lenda?) que ele foi nomeado médico do partido, em Fiães, do concelho de Vila da Feira. Por lá se demorou algum tempo, exercendo a medicina com dedicação. Em determinada altura, diziam (a evocação era feita de memória), aconteceu um grave desastre: um rapaz, que subiu à torre da igreja para manusear o sino, foi apanhado por um torniquete do cabeçalho do sino e projectado até ao chão. Morreria, não morreria?… o sinistrado ainda respirava; estava vivo! O médico Dr. Cândido foi chamado e dedicou-se tanto àquele doente, que evitou a infecção e salvou o moço sineiro! Cresceu a sua fama. Foi chamado para a Escola Médica do Porto, iniciando uma carreira brilhante. No escaninho das memórias familiares da Casa da Quintã ainda se guardam diversos documentos autênticos, à mistura com solenes diplomas, relativos aos cargos e honras, que sublimaram a carreira do Prof. Cândido de Pinho. Eles são uma prova muito eloquente do prestígio, que ele alcançou não só como mestre em Medicina, mas também como alto expoente de relevo público, político e social. Vê-lo-emos, agora, que os vamos referir, citando algumas passagens do seu texto. Em primeiro lugar aparece-nos uma Carta do rei D. Luís, onde consta que atendendo ao resultado do concurso para tal levado a efeito, ele «nomeia Cândido Augusto Correia de Pinho para o lugar vago de demonstrador da Secção Cirúrgica da
O Príncipe Regente D. Carlos, que seria depois o rei D. Carlos I.
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Escola Médica Cirúrgica do Porto». Esta carta está datada do Palácio da Ajuda, em 4 de Agosto de 1880 e autenticada com a assinatura de «El-Rei Luís» e do seu Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino, José Luciano de Castro. Em segundo lugar temos a «Carta do Príncipe Real, Regente de Portugal e dos Algarves, etc. Dom Carlos», datada do Paço de Belém em 20 de Agosto de 1886, onde se diz: «por se encontrar vago o lugar de Lente substituto das Cadeiras de Cirurgia da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, e conformandose com a proposta do Conselho da referida Escola: Hei por bem promover a Lente substituto das indicadas cadeiras o actual demonstrador das mesmas, Cândido Augusto Correia de Pinho…». A carta aparece autenticada com o autógrafo de D. Carlos [depois rei de Portugal], que diz «Príncipe Regente» e pelo Ministro dos Negócios do Reino, José Luciano de Castro. Depois encontramos um outro documento, com feição mais particular, mas não menos importante, autenticado com o selo
branco real e a assinatura autógrafa do rei D. Manuel II, com a simples sigla «El-Rei», escrito e datado do Real Paço das Necessidades, em 28 de Janeiro de 1909. O texto completo é o seguinte: «Cândido Augusto Correia de Pinho, antigo Presidente da Câmara Municipal do Porto. Eu, El-Rei, vos envio muito saudar. Atendendo às vossas qualidades e circunstâncias, e querendo dar-vos um testemunho autêntico da Minha Real benevolência: Hei por bem Nomear-vos Comendador da Real Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, e Elevar-
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O rei D. Manuel II de Portugal, o destronado.
Diploma da Comenda da Grã-Cruz da Ordem da Conceição, concedida por D. Manuel II.
vos conjuntamente à Dignidade da Gran-Cruz da mesma Real Ordem. O que Me pareceu participar-vos para vossa inteligência e satisfação; e para os devidos efeitos vos envio esta Carta». Na oficialização do conteúdo desta carta, encontrámos depois em grande formato, com relevo e solenidade, o Diploma relativo à concessão daquele título e condecoração. Desse diploma citamos parte: «Dom Manuel por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, etc. como Grão Mestre, Governador e Perpétuo Administrador de todas as Ordens Militares do Reino, Faço saber aos que esta Minha carta virem…» e em termos semelhantes aos expressos na carta anterior diz o querer elevar, além de outra [entenda-se outra graça já concedida, a saber, a Comenda da mesma Ordem] à Dignidade da Gran Cruz da Real Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa […] Pelo que Eu mando passar ao agraciado a presente Carta, a fim de poder usar das insígnias correspondentes à referida condecoração com as honras que lhe são inerentes, … Dada no Paço das Necessidades, em 22 de Abril de 1909.» Temos assim o nosso visado nas suas actividades de docente da Escola Superior da Faculdade de Medicina daquele Porto do início do século XX, aureolado com a luzida condição de condecorado da Conceição. Mas, o novo regime da República Portuguesa vai também atribuir uma outra distinção ao Prof. Cândido Pinho, conforme está exarado num Diploma de Funções Públicas, assinado por Sidónio Pais e datado dos Paços do Governo da República de 23 de Fevereiro de 1918. Diz o Diploma: «Em nome da República se faz saber que por Decreto de 22 de Dezembro de 1917, Diário do Governo, II série, n.º 20, de 24 de Janeiro de 1918, foi Cândido Augusto Correia de Pinho, nomeado [após Francisco Gomes Teixeira, 2.º] Reitor da Universidade do Porto, para que foi eleito.» Deste modo atingiu o topo da carreira de docente universitário, ainda que a vida não lhe permitisse lograr, por muito tempo, os frutos dos seus trabalhos e carreira. Neste mesmo número da revista «VILLA DA FEIRA, Terra de Santa Maria» o estudioso das diversas Faculdades da Universidade do Porto, Prof. Cândido Augusto Dias dos Santos, dá-nos um testemunho do que foi o Prof. Cândido de Pinho como sábio, mestre, professor académico, administrador, conviva e homem culto, pelo que sobre estas vertentes nada
mais nos toca dizer. Além das suas actividades académicas o Prof. Cândido de Pinho integrou-se também no ambiente social, cultural e cívico da cidade, como o demonstra a parte que teve na gestão da Escola Médica e depois no governo da cidade, onde exerceu as funções de vereador e Vice-Presidente do Município. Por altura da visita ao Norte do Rei D. Manuel II, em Novembro de 1908, aquando da inauguração da linha do caminho de Ferro do Vale do Vouga, ele exercia as funções de Presidente da Câmara do Porto, na condição de VicePresidente. Foi nesta ocasião que ele recebeu a condecoração de Mestre da Grã-Cruz da Ordem da Conceição. Fixou-se na Foz do Douro, onde vivia a classe eclética do Porto, onde cultivou amizades, recebia colegas docentes da Universidade e onde veio a conhecer a mulher com quem casou – Maria Joaquina Guimarães Pestana da Silva, aí residente, fixando-se o casal na Rua Alto de Vila, dessa freguesia. A propósito do seu casamento com esta senhora, a memória da família fixou o episódio de que eles tinham iniciado um namoro; mas a diversidade de posições das respectivas famílias, impediu que esse namoro continuasse. Passaram-se sobre aquela suspensão, dez pesados anos. Um dia cruzaramse no eléctrico. Ele olhou-a e perguntou: - «ainda»? a que ela respondeu: - «ainda». Trataram o casamento… e a vida renasceu. O Prof. Dr. Cândido de Pinho, tinha sido influenciado pela família e pelo ambiente do meio, onde estudara a estar politicamente com o regime monárquico; não assim o seu irmão Dr. Abel, que frequentara em Coimbra outro meio académico todo dedicado à jurisprudência, onde a influência das ideias republicanas e as actividades das lojas secretas da Carbonária, produziam grande impacto. Quando os dois manos se encontravam, referiam as filhas do primeiro, as posições políticas de cada um eram adversas, pelo que o diálogo entre eles era vivo e contraditório, embora sempre cultivassem entre eles uma estreita amizade fraterna. Para além deste relacionamento, feito no ambiente familiar, o Prof. Cândido de Pinho tinha a sua roda de amigos, especialmente centrada na instituição da Escola Médica, com todos os seus projectos, realizações e dificuldades. Este relacionamento era por vezes tão estreito, que se traduzia frequentemente em visitas domiciliárias. Assim com Maximiano
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Aspecto actual da Casa da Quintã (fachada poente).
de Lemos, Carlos Lima, Oliveira Monteiro e outros, que suas filhas citavam como visitas habituais da família em convívio comum. Com o casamento e por influência da família da esposa, também radicada na Foz do Douro, a posição do Prof. Dr. Cândido definiu-se. Passou a pertencer ao clan da família «Pestana», reconhecida no meio portuense como socialmente bem-posta, culta e generosa. Vieram depois os filhos. A educação que os pais lhe
ministravam, dentro da tradição ancestral era a mais requintada, particularmente para as meninas: neste caso, as meninas/senhoras Margarida e Ana. As aulas eram particulares e com mestres contratados como professores da família. Cândido de Figueiredo era mestre de Português e Literatura; Marques de Oliveira era o mestre de desenho e pintura; Mons. Marinho, era o conselheiro moral e espiritual; e outros diversos, cada um para a sua disciplina: o professor de Francês, o professor de Piano, as mestras de costura e bordados, as
mestras das boas maneiras. Este ambiente era completado pela frequência de tertúlias e de saraus artísticos, onde se congregavam poetas e escritores, pintores e desenhistas, que fixavam de improviso poesias, pensamentos, desenhos e aguarelas, em artísticos e delicados álbuns, encadernados em madre pérola, com aplicações de prata e fechos dourados, religiosamente guardadas. Quando agora aparecem no mercado das antiguidades são peças, que suscitam grande curiosidade e interesse, comercializadas por elevado preço. Também o filho Francisco foi educado cuidadosamente nas escolas públicas, incluindo a frequência da Universidade, até que diversas contingências, incluindo a morte do pai, ditaram outros caminhos. No quotidiano da vida do Prof. Cândido de Pinho, entre ecos, ocupações e preocupações, encontrámos algumas referências na imprensa local do tempo em alguns periódicos de Vila da Feira. No «Progresso da Feira», n.º 159 de 28 de Julho de 1907, fls.1, refere-se esta notícia: «Dr. Cândido de Pinho ilustre professor da Escola Medica do Porto e vice-presidente da Câmara Municipal da mesma cidade». Anuncia-se a «operação na terça-feira passada da talha hypogastrica, para a extração d’um calculo». […] A mellindrosissima operação correu muito bem, a respeito do «ilustre professor da Escola Médica do Porto, e vice-presidente da Câmara Municipal da mesma cidade» se recusar a ser cloroformisado e o estado do enfermo é relativamente bom.» Foi na sequência deste difícil transe da saúde do marido, felizmente vencido, que D. Joaquina fez o voto de mandar pintar o painel da Transfiguração para o altar-mor da igreja de Fornos. Encomendou a tela pintada a óleo, de grandes dimensões e inspirada na obra-prima de Rafael, a sua prima D. Josefa Pestana, reconhecida artista do meio portuense, para ilustrar o padroado do Salvador, celebrado a 6 de Agosto. Deste modo, se sabe a data aproximada desse painel. Restaurado recentemente, ele encontra-se agora fixado numa das paredes laterais do corpo da igreja de Fornos.16 Também na «Gazeta Feirense» (órgão do Partido Regenerador do concelho da Feira), de 27 de Junho de 1910,
- Ver descrição de José Alves de Pinho, mais alargada em «Outrora…Fornos», LAF, 2005, pags. 18/19.
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encontramos uma pequena notícia, dizendo isto: «No Porto houve há dias um congresso municipalista a que presidiu o Sr. Dr. Cândido de Pinho, o sapientíssimo professor, nosso conterrâneo». No mesmo jornal na coluna «Vida Local» o breve apontamento: «Chegaram à Casa da Quintã o sr. Dr. Cândido de Pinho, distinto ornamento da Escola Médica do Porto, e sua ex.ma família». Por sua vez, numa alusão à família do Prof. Cândido de Pinho, mas mais triste e distante, um outro periódico local, o «Notícias da Feira» de 10 de Novembro de 1911, referia: «Na Casa da Torre – São João de Ver, pelas 9,30h do dia 4 de Novembro de 1911, com 89 anos, faleceu D. Luiza Theodora Clara Pinho Correia, viúva do Senhor Caetano Augusto da Cunha Sampaio Maia, aí falecido há cerca de 23 anos […] Estiveram presentes os sobrinhos da Quintã, tendo Benjamim Correia de Pinho, [irmão do Prof. Cândido de Pinho] fechado a urna». Assim decorreu a vida da família de Cândido de Pinho e de D. Joaquina Pestana na romântica localidade da Foz do Douro. Em 1919, quando ainda estavam exaltados os espíritos devido à proclamação da Monarquia do Norte de Paiva Couceiro, proclamada a 19 de Janeiro, mas depois vencida, já desacreditada e em fase de concertação entre os maiorais do exército de uma e doutra parte, no dia 14 de Fevereiro, na sua casa da Foz, falecia o Prof. Dr. Cândido de Pinho, de 65 anos de idade. Conforme a sua última vontade, era em Fornos, sua terra natal, que ele havia de ser sepultado; mas devido a toda aquela agitação revolucionária, ainda latente, provocada pela Monarquia do Norte e causadora de sobressalto, não permitiu que o funeral se fizesse com a solenidade própria e as costumadas manifestações de pesar. E foi, discretamente, que Base da coluna da cabeceira do jazigo, onde foi sepultado o Prof. Cândido de Pinho, no cemitério de Fornos, com a legenda «À Memória do Dr. Francisco Correia de Pinho e Família”.
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Fac-simile do assento de óbito do Prof. Cândido de Pinho.
ele foi sepultado no jazigo de família do Dr. Francisco Correia de Pinho, seu pai, alguns dias após o seu falecimento. Ao recordarmos a projecção da família de Cândido de Pinho no meio citadino do Porto, não podemos esquecer quem, a seu lado e com a mesma origem na Casa da Quintã de Fornos, Feira, se projectou com evidência a nível nacional, embora com um percurso diferente. Queremos referir-nos a seu irmão Abel Augusto Correia de Pinho. Filho e neto de bacharéis formados em Direito, que exerceram a advocacia em Vila da Feira, como já tivemos ocasião de o dizer, também ele quis seguir a magistratura. De facto, procurando no Arquivo da Universidade de Coimbra o registo das matrículas dos alunos, que se tinham
proposto como candidatos à frequência do primeiro ano de Direito, encontramos no livro relativo ao ano lectivo de 1875/76, a informação de que, em 15 de Outubro de 1875, sob o n.º 70, se tinha apresentado e fora admitido, o candidato Abel de Pinho, natural de Fornos, do distrito de Aveiro. Para isso tinha apresentado a certidão de idade (*27.2.1856) e as certidões dos exames de Português, Tradução de Francês e Latim, Latinidade, Filosofia Racional e Moral, Oratória, História, Geografia e Cronologia, Geometria e Introdução à História Natural dos Três Reinos. De tudo isto se fez um termo, que ele assinou. Terminado o curso, fez a sua carreira em diversos lugares, como já o dissemos, numa progressão rápida e contínua de promoções. As senhoras da Casa da Quintã entre as diversas
recordações que dele lhes ficaram, contavam uma mesa de centro e um conjunto de cadeiras de baloiço em pau-santo, entalhadas num magnífico e delicado trabalho manual, com motivos geométricos, tipicamente indianos, que com ele vieram no fim da sua permanência em Goa. Recordavam-no a ele e à sua esposa afectuosamente, como quem com eles convivera até à morte, comentando que, na sua estadia em Goa, os aposentos e móveis, que eles utilizaram, foram os mesmos que tinham servido aos antigos vice-reis da Índia… e diziam isto descartando as fotografias e papéis, que lhes tinham ficado como recordação deste tio, que, na Casa da Quintã, sobrevivera ao falecimento do seu próprio pai. Em 5 de Outubro de 1910 a República foi implantada em Portugal. Abel de Pinho tinha sido um militante por esta causa. Por isso, no seu alto posto da carreira forense, ele foi chamado a desempenhar uma nova função pública. O eco de tal nomeação também chegou à imprensa local. No semanário semanal de Vila da Feira «Notícias da Feira (jornal regional)» n.º 86 de 28 de Outubro de 1910, pg. 2, coluna 1, comunica-se assim: «Foi nomeado presidente da Relação do Porto o nosso benquisto patrício e distinto ornamento da magistratura portuguesa o antigo conselheiro, sr. Dr. Abel Augusto Correia
Fotografia solene do Conselheiro Dr. Abel Correia de Pinho.
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Fotografia do Dr. Abel de Pinho, em traje de passeio.
de Pinho» E na semana seguinte o mesmo semanário, datado de 11 de Novembro de 1910 – n.º 87 – pg.1, continua referindo as principais ideias do discurso do Conselheiro Dr. Abel, na tomada de posse do cargo de presidente da Relação do Porto: 1. Ele declara-se naquele lugar na «plena serenidade da minha consciência […] hoje absolutamente imaculada…» 2. Está pronto a sair amanhã… 3. Não tem alegria, porque para ele ser nomeado, outro (o antecessor) foi afastado. 4. Vai servir a supremacia da Lei e do Direito. 5. Conta com a amizade dos colegas… Termina: «Alea jacta est». A sorte está lançada. Resta aguardar a ânimo frio e impassível os seus resultados, que tanto podem ser os d’uma alegria suprema e bem cruel desilusão. Mas a vida n’isto se resume. E eu sou de todo impotente para transfigurar a vida». Neste posto, ele é alguém em quem os mentores da revolução podem confiar. No espólio da Casa da Quintã existe uma carta autografada pelo que foi um mentor do regime
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Estado actual da Casa do Pinheiro, onde nasceu Carlos José Peixoto de Moura.
republicano e muito referido ministro da Justiça do incipiente regime republicano, o Dr. Afonso Augusto da Costa. Esta carta é um testemunho inequívoco da sua posição política e da sua militância republicana. Ideais de grandes sonhos concebidos, mas nem sempre conseguidos, animosamente confessados ao seu correligionário e amigo Dr. Abel de Pinho. Em papel timbrado do próprio Afonso Costa, essa carta diz o seguinte: «Meu Ex.mo Amigo, 9. Set[embro]. 911. Fez-me bem a sua carta porque, à parte as exagerações de méritos, que só a sua amizade o leva a descobrir em mim, ela é a síntese exacta do estado da minha alma em relação ao que se está passando na política portuguesa.
Eu tenho feito tudo pela Pátria e pela República, e, se não queria que m’o agradecesse ninguém, esperava e contava que não m’o atirassem à cara alguns dos próprios companheiros de luta! E em que condições o quiseram fazer! Até já as minhas leis que melhor cumpriam o programa da República eram tomadas como elementos de perturbação nacional. Felizmente, o povo, que tudo fez, e que ainda nada lucrou com a República que não seja a libertação da consciência, continua a ser justo; e eu tenho bastante tenacidade, bastante fé, bastante vida, para ainda esperar pela hora suprema, em que todos os republicanos amem consciosamente os princípios e façam por eles, em benefício da Nação, e um pouco também da Humanidade, a obra de sacrifício, de altruísmo, de superioridade moral, que o momento reclama. Nela espero
– deixe-me esperar – que colaborem todos os portugueses honrados, nela será precioso para o país o concurso de V.Exª. Creia na amizade e dedicação do De V. Exª, amigo, atento e obrigado, Afonso Costa». Quando o Dr. Abel de Pinho, desgastado nas suas forças e cansado da política se recolheu à casa paterna, onde tinha sido criado, e ao conforto da família – suas irmãs, irmão Benjamim e sobrinhas – encontrou um recolhimento para discretamente se despedir de seus sonhos, das suas aventuras e suas desilusões e acabar a vida. Creio que foi sepultado na sepultura da família, onde o foram também seus pais. Na letra do jazigo simplesmente se ostenta, a lápide dedicada à memória de seu primeiro titular, que foi seu pai, o Dr. Francisco Correia de Pinho, mas destinado também a sua Família. Terá sido inicialmente implantado no adro envolvente da igreja matriz, e aí pelos anos 1916/17, terá sido transladado para o novo e actual cemitério de Fornos. Notas finais: 1. Na actual freguesia de Fornos já nada se recorda acerca destes dois proeminentes vultos de Fornos. Tudo se esqueceu. Há umas décadas atrás, um Largo da freguesia dedicado à Casa da Quintã, envolvia esta memória e recordava este motivo de orgulho. Mas os ventos, que sopraram depois da última revolução, mal interpretados e invocando pseudo liberdades, ostentando vaidades ocas envoltas numa ignara
e atrevida ignorância, arrancaram a lápide e elegeram outra invocação. Não assim, na cabeça do concelho, onde o nome de Cândido de Pinho continua enobrecendo uma rua, cujo titular agora mais conhecido, será mais conscientemente assumido, para gozo dos seus moradores. 2. A documentação guardada na Casa da Quintã e a História da Universidade do Porto gravada nos arquivos e em parte também divulgada pelo ilustre Prof. Cândido Augusto Dias dos Santos, permitiram agora esta evocação monográfica de dois dos filhos de Fornos mais avultados, cujo nome cumpre recordar. 3. As referências ao «regaço» de Fornos do Prof. Dr. Cândido de Pinho, deviam ter um maior desenvolvimento nas muitas referências, que poderiam ser aduzidas, mas que ultrapassam o âmbito desta evocação. Por isso não o vamos fazer. Ficamo-nos simplesmente na lembrança de uma habitação, envolvida por densa e variada arborização – a actual Casa da Quintã, e numa unidade industrial existente na freguesia de Fornos, que vai perpetuando, com o seu nome, a memória do Prof. Dr. Cândido de Pinho na pessoa dos seus filhos e seus descendentes, personalizados nos nomes próprios: Margarida, Ana, Francisco, cujas iniciais compõem o logótipo da empresa de Lacticínios MAF, da Rua da Quintã, freguesia de Fornos, Santa Maria da Feira. Ver meu manuscrito – Sebenta Folklore e clero de Fornos O Início da 2ª parte da sebenta. Ver minha citação ao fim. Sanfins – Em 21.6.824, casou Severino António Correia de Sá, filho de António José Correia de Sá e de Joaquina Maria Leite, falecida, Sanfins, n.p. António José Correia de Sá + D. Joana Bernarda das Regadas; n. m. José Carvalho e de Mariana Leite, Aldeia, Sanfins, com Ana Albina Correia de Jesus, filha de António de Pinho Correia+Rosa Bernarda da Igreja Fornos, n. p. de Ignacio de Pinho+Maria Leite Correia e n. m. João Leite+Maria Leite, Fornos. Caderno azul, 1º, fls.52 - A Pulquéria Maria filha de Quitéria Maria, acolhedoras de órfãos (Ver Caderno 1, fls 46-vº -M.el Inácio Pinho Correia c/ c/ Joana Teodora Clara da Silva Correia. Cad.1, fls. 51
Afonso Costa, ministro da Justiça da República Portuguesa.
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Vazio ou Saudade? Maria Fernanda Calheiros Lobo*
Saudade ... És a flor que calcamos,
transborda nos olhos.
mas não queremos que murche.
Saudade cor de prata...
És a prova
dor que vem devagarinho
que o passado valeu a pena.
com vontade de continuar, com a fome do antigamente
Saudades são silêncios que gritam
Boa Noite Saudade...
recados de
Sois miudinha,
solidão acompanhada,
e grande, engoles muita gente.
que entram sem pedir...
Mas continuo a achar
porque o passado valeu a pena.
Que és uma doce-amarga testemunha,
Sei que vais chegar,
Que o passado valeu a pena.
quando recordar a mesa grande, e as cadeiras vazias, mas chega... quando a saudade não cabe no peito
*Universidade Sénior - Douro.
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A GUERRA PENINSULAR* Cândido de Pinho**
A guerra peninsular – A Câmara Municipal do Porto, tendo resolvido comemorar um dos acontecimentos mais gloriosos desta cidade, uma data que, gravada a oiro na história nacional, constituirá através das idades um brasão de patriotismo e independência, de altivez e abnegação, encarrega-me de exprimir aos que acederam ao nosso convite o seu reconhecimento e gratidão. A presença dos nossos ilustres convidados imprime a esta consagração a imponência e o brilho que deve revestir a rememoracão dos grandes feitos nacionais, quando a hora da sua apoteose passa no meridiano da existência secular. É então que, volvendo os olhos sobre o passado, se aprecia bem o seu vedor e significação, a importância que adquiriram no agregado dos motivos tradicionais, a soma de razões, enfim, que os impõem ao nosso reconhecimento. Quando, um fenómeno histórico cintila no meio da ganga dos episódios de uma época, assaz vivamente para iluminar, a um século de distância, um recanto da alma humana, onde se desdobra nas cores do íris, arrancando revérberos em todas * Discurso proferido pelo seu autor em sessão solene realizada a 18 de Junho de 1908 na Câmara Municipal do Porto. Actualização de texto de Roberto Carlos - Historiador. ** Lente da Escola Médico Cirúrgica do Porto. Natural da Casa da Quintã, Fornos. Vice-Presidente da Câmara Municipal do Porto. 9/5/1853 – 14/2/1919
as facetas da emoção e do pensamento, esse fenómeno tem um valor educativo, a que seria criminoso não dar o relevo que merece. A evocação de factos dessa ordem marca às vezes, para as colectividades, como para os indivíduos, um momento culminante na trajectória da sua existência, porque tem o poder de polarizar numa função definitiva e suprema energias que de outra forma resultariam inertes. É assim que qualidades e impulsos ingénitos ou latentes, por muito tempo sopitados à míngua de estímulo ou de laço que os coordene e enfeixe, surgem frementes de inspiração, palpitantes de vida, quando uma incidência desta ordem os fere e harmoniza numa réstia de luz. A palavra de um tribuno, o rasgo de um herói, a abnegação de um apóstolo, o brado de uma multidão indignada ou triunfante, acordam em certas conjunturas vibrações, que nunca escutáramos, e imprime-lhes uma harmonia dominadora e alucinante, que jamais se extingue. É de comoções desta ordem, integradas de geração em geração, sob a disciplina de leis que a psicologia colectiva não definiu ainda, que é feito o património humano. Comemorar, portanto, os grandes acontecimentos do passado é um acto de justiça, que redunda em proveito dos vindouros; é depor na leiva do futuro os germens seleccionados das melhores acções humanas; é preparar a seara da virtude e da grandeza cívica.
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Ora, é um acontecimento desta natureza (que vimos hoje aqui comemorar, procurando recolher em um momento de consagrada devoção os ensinamentos e incentivos que ele abundantemente encerra. Permitam-me V. Ex.as duas palavras de referência histórica, breve, porque é bem conhecido o assunto, mas indispensável para estabelecer uma certa concatenação. A paz de Tilsitt, assinada a 7 de Julho de 1807, marca o início de uma nova fase da orgia militar napoleónica, menos gloriosa, sem dúvida, mas não menos agitada que a anterior. Esse tratado, juntamente com o de Presburgo, de 1805, acabava de colocar constrangida mas resignadamente a Áustria, a Prússia e a Rússia sob a supremacia da França. Tranquilo por esse lado, o ambicioso caudilho, que um militarismo desenfreado, de mãos dadas com um capitalismo sem escrúpulos, ergueram nos escudos para organizarem em seu proveito a ordem social, a que a Revolução não soubera ou não pudera dar uma forma definitiva, podia agora voltarse despreocupadamente contra a Inglaterra, submetendoa igualmente à sua influência e pondo termo desta sorte à guerra marítima que esta potência sustentava ardentemente contra a França. Como, porém, era totalmente impossível fazer face às esquadras inglesas apenas com os destroços salvos das catástrofes de Ulm e Trafalgar, Napoleão teve de meter ombros à organização do bloqueio continental, que não poderia completar-se sem a colaboração eficaz da península. A sua diplomacia limitara-se até esse momento a obter a neutralidade das duas nações peninsulares; mas a breve trecho compreendeu que essa neutralidade era ilusória, visto que nenhuma das duas potências podia furtar-se à influência inglesa. Não bastava mesmo fazê-las entrar na sua esfera de acção, por que nenhuma delas tinha força para se manter nesse equilíbrio; era forçoso conquistá-las. Quanto à Espanha, Napoleão logrou facilmente o intento, graças à ignominiosa situação em que se encontrava a corte, onde a imbecilidade do rei, a dissolução da rainha e a baixeza do favorito Godoy serviram admiravelmente as insídias dos seus agentes, acabando por conduzir a família real às famosas conferências de Bayona, que deram em resultado colocar-lhes nas mãos a coroa de Espanha. Pelo que dizia respeito a Portugal, a situação interna do país era igualmente propícia à solução projectada, visto que a nação estava inteiramente desorganizada e a acção governativa reduzida à mais abjecta nulidade. Contudo,
precisamente por isso e pela posição geográfica do país, os ingleses podiam aqui exercer mais facilmente a sua acção, e, portanto, a ocupação precisava de ser efectiva tenaz. Foi isso o que ficou assente depois do tratado de Fontainebleau, cujas cláusulas, no intuito de firmar a paz da França com a Espanha estipulavam que Portugal seria dividido em três lotes: = Entre Douro e Minho para a Rainha da Etrúria; o principado dos Algarves, desde a margem esquerda do Tejo, para D. Manoel Godoy; Trás-os-Montes, as Beiras e a Estremadura, ficariam em poder do imperador, para recompensar a casa de Bragança, no caso em que ela se lhe mostrasse dócil. Os domínios ultramarinos seriam divididos em proporções iguais entre a França e a Espanha. A execução deste plano foi confiada a Junot, que marchou imediatamente para Bayona, onde se estava concentrando um exército de 25:000 homens de infantaria e 3:000 de cavalaria, à frente do qual imediatamente se dirigiu, através de Espanha, em direcção à fronteira portuguesa. Na sua última paragem, em Alcântara de Espanha, recebia ele as últimas ordens de Napoleão e juntava-se-lhe, ficando sob o seu comando, a divisão espanhola do general Carrafa, ao tempo composta apenas de 1:500 homens de infantaria e 400 cavalos, ficando aí ordem para que o resto da divisão se lhe viesse unir, ao passo que fosse chegando. Tal era a composição do exército que a 19 de Novembro de 1807 transpunha a fronteira portuguesa no Rosmaninhal. Antes de invadir o território designado à sua acção militar, o general sentiu por um momento a necessidade de dar um curto descanso às suas tropas, extenuadas e bastante dizimadas já por uma marcha extremamente difícil através de Espanha, bem como de dispor as coisas para a hipótese de uma resistência. Fez uma proclamação garantindo pela sua honra o bom comportamento do seu exército e destacou avançadas a sondar a disposição do país. Dentro de algumas horas pôde ficar inteiramente tranquilo; — ninguém se mexia. Um único obstáculo, mas esse tremendo, desconcertava a bizarria da investida; — a invernia. O general Foy, descrevendo a marcha atormentada dessa gente, explica a razão porque ela desde logo se converteu num bando lúgubre de harpias. “Vinte vezes por dia a infantaria tinha de romper a forma por causa dos péssimos caminhos, eriçados de cachopos e correndo por entre montanhas cobertas de neve. A cheia de diferentes levadas e ribeiras, que tinham de passar a vau, era
um novo motivo de debandada para os soldados. Perdido o laço de formatura e com ele o vínculo da disciplina, que lhes dá a presença dos chefes, semelhantes soldados não podiam formar um exército, não passando em tais circunstâncias de um simples montão de homens, exasperados por toda a ordem de misérias. Durante as guerras da Alemanha sempre um fogão crepitante, e, além dele, patrões benevolentes faziam esquecer aos franceses os trabalhos das marchas forçadas; mas em Portugal era já grande fortuna achar um carvalho copado, que os abrigasse, ou mesquinha oliveira, que lhes fornecesse uma pouca de lenha para acender o fogo que mal lhes podia enxugar o corpo e o fato ensopado em água.,, Informado da situação, Junot resolveu prescindir do exército, que para nada lhe era preciso, e arremessou-se por esses caminhos abaixo, seguido dos que puderam formar-lhe escolta, para estar em Lisboa a 1 de Dezembro, conforme lhe ordenara o imperador. Cumpriu com efeito; na manhã de 30 de Novembro, tendo reunido na véspera em Sacavém uns 1:500 soldados, entrava em Lisboa, pelo bairro de Arroios, “cujos habitantes ficaram tomados de interesse e compaixão perante o espectáculo de verdadeiros espectros militares, que mais se assemelhavam a mendigos do que a soldados de um exército regular. „ O resto do exército, diz Foy, lá vinha marchando, quase em debandada, separadas as suas colunas por torrentes e planícies inundadas. Do general Travot e da sua cavalaria nem sequer notícias se tinham recebido. Foi diante de um exército desta natureza que na véspera, a 29 de Novembro, o rei de Portugal, seguido de 15.000 pessoas, abandonou o reino, fugindo para o Brasil. Começa neste momento uma das eras mais trágicas da história portuguesa, era de angústias pavorosas e fulgurantes virtudes, em meu entender só comparável, sob o ponto de vista do progresso realizado pela individualização colectiva, a que no fim do século XIX se abre com a fundação da monarquia. Foi brilhante e fecunda a época de Avis; mas a crise do século XIV distancia-se da do princípio do século XIX, porque agora a pátria portuguesa vai realizar uma nova génese, mais completa e perene que a primeira, graças à qual a independência surge desse nisus formativus em que se elaboram os elementos fundamentais das nações, isto é, a consciência colectiva, a vontade e o sentimento de um povo.
No fim do século XIV a nação obedece ao impulso de elementos históricos anteriores e a explosão da força nacional realiza-se sob o influxo das classes superiores, à frente das quais se encontra a família real. É sob o seu auspício que a literatura e as ciências desabrocham neste torrão afastado da Europa; é a sua intervenção directa que transforma a política; é, finalmente, a sua orientação que faz com que a legislação se vase em moldes que melhor garantam a unidade nacional pela limitação de privilégios, quer aristocráticos, quer burgueses. É talvez a esta circunstância que devemos o ter escapado à acção pulverizadora do feudalismo, mantendo essa coesão e homogeneidade que são, a meu ver, o instrumento mais eficaz das nossas conquistas. Na crise do princípio do século XIX é pelo contrário o povo que, abandonado e espoliado, vai amassar dia-a-dia em lágrimas e suor os fundamentos de uma nova pátria. A 29 de Novembro, pois, o principe-regente, a corte e 15.000 pessoas, em cujo número se contava toda a nobreza, altos funcionários, magistrados, comerciantes, tudo enfim que tinha que perder, tomava lugar, com todas as suas jóias e haveres, a bordo dos navios que restavam da esquadra portuguesa e, protegidos ou vigiados por uma esquadra inglesa, fizeram-se de rumo para o Brasil. O país ficava exausto e talado; o exército sem instrução, sem quadros e sem chefes; as praças abandonadas, as finanças arruinadas, as secretarias desertas, o povo assombrado e como que petrificado nessa letargia tenebrosa em que de há muito estava imerso. O que ficava não era sequer o cadáver de uma nação; eram escombros dispersos em que mal se descortinava o laço que um dia os prendera na harmonia de uma estrutura. A obra de dissolução, que a política imbecil do reinado de D. Maria realizara em todas as camadas sociais, acabava na pútrida desagregação de um necrotério. A atmosfera torva das emanações, que se exalavam deste pântano e que o tufão, que soprava dalém dos Pirenéus, ia alastrando sobre a face do mar até às costas de Santa Cruz, como uma faixa negra que as naus portuguesas pela primeira vez deixavam na sua esteira, fizera desaparecer completamente o nimbo radiante, que ainda pairava sobre esta costa do Atlântico; nimbo em que se fundiam almas de heróis e orações de crentes, canções de poetas e glórias de guerreiros, ternuras que se embalavam na melopeia desse mar onde se sumiram tragados tantos dos que durante dois séculos daqui partiram, e sonhos doirados de poderio e
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grandeza, em que desvelavam as noites os que ficavam. Dir-se-ia que esses 15:000 foragidos, tudo o que se havia locupletado à custa de veniagas e depredações, arvoradas em sistema de governo, de prebendas e patronatos, de doações e tenças, se afastavam do país na alucinada precipitação do bandido, que depois de despojar a sua vítima julga furtar-se ao remorso. Mas não: nem susceptíveis de remorso eram, tão baixa era a condição a que os arrastara a ignorância e o fanatismo. Durante a viagem, para distrair da monotonia de bordo, ia-se já arquitectando o plano de erigir o Brasil em nação independente para terem sempre sobre quem cevar o seu sadismo de estrangular nações.
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Tais eram os que fugiam; vejamos em rápido relance como se revelaram os que ficavam. Abundam por tal forma os documentos em que se traduz o estado de espírito dos que ao tempo representavam no país o governo, que ficaram exercendo depois da fuga do príncipe regente, e das classes dirigentes, que a dificuldade da escolha é a única que me assoberba. Vou referir-me exclusivamente a dois, a que dou preferência pela sua flagrante significação, bem como pelo número e qualidade das assinaturas. O primeiro é a alocução aos seus compatriotas feita pela deputação portuguesa que foi a Bayona cumprimentar Napoleão. Depois de exprimir a imposição que nos é feita de aderir ao sistema continental, continua: “Estes são os signais por onde S. M. I. e R. quer julgar se somos ainda dignos de formar uma nação capaz de sustentar no trono o príncipe que nos governar, e de ocupar entre as nações o lugar que nos compete. Vereis com reconhecimento e admiração nestas sábias disposições os profundos conhecimentos de S. M. I. e R., que não quer decidir da sorte de um Estado senão conforme os seus desejos manifestados por factos. Cumpre aos magistrados e às pessoas mais autorizadas que existem entre vós, cumpre a vós todos dar a maior publicidade às intenções de S. M. I. e R. Esperamos, pois, que confirmareis os protestos que lhe fizemos em vosso nome. Quando um grito unânime arrancado do fundo dos nossos corações mostrou o desejo que tínhamos de ser uma nação, então mais que nunca nos julgávamos dignos intérpretes dos vossos sentimentos.” Este documento é assinado por: marquês de Penalva, marquês de Marialva, D. Nuno Caetano Álvares Pereira de Mello, marquez de Nisa, marquês de Abrantes, marquês de
Abrantes (D. José), conde de Sabugal, Francisco, bispo de Coimbra e conde de Arganil, José, bispo inquisidor geral, visconde de Barbacena, D. Lourenço de Lima, D. José, priormor da Ordem Militar de S. Bento de Avis, Joaquim Alberto Jorge e António Ferraz da Silva Leitão. O segundo desses documentos é a representação da Junta dos três Estados pedindo um rei a Napoleão. Depois de cumprimentos em que trescala uma baixeza inqualificável, diz: “Achamo-nos plenamente convencidos que Portugal não pode conservar a sua independência, animar a sua energia e o carácter de sua própria dignidade sem recorrer às benévolas disposições de V. M. Ditosos seremos se V. M. nos considerar dignos de ser contados no número dos seus fiéis vassalos; e quando pela nossa situação geográfica ou por outra qualquer razão que a alta consideração de V. M. tenha concebido, não possamos lograr esta felicidade, seja V. M. quem nos dê um príncipe da sua escolha, ao qual entregaremos com inteira e respeitosa confiança a defesa das nossas leis, dos nossos direitos, da nossa religião e todos os mais sagrados interesses da pátria.” Este documento é assinado: por parte do clero, principal Miranda e principal Noronha; pela nobreza, conde de Peniche (que presidia ao conselho de fazenda) e D. Francisco Xavier Noronha, presidente da mesa de consciência e ordens; pela municipalidade e povo, o desembargador João José de Faria da Costa Abreu Guião, que presidia no senado da câmara; desembargador Luís Coelho Ferreira Faria, seu imediato, o juiz do povo, o escrivão do povo; pela magistratura, o desembargador Nicolau Esteves Negrão, chanceler-mor do reino, e o desembargador Lucas de Seabra da Silva, chanceler da Casa de Suplicação. A estes juntaram-se ainda os deputados da junta dos três Estados, que eram o conde da Ega, presidente, conde de Almada e conde de Castro-Marim. Foi além disso assinado por todos os titulares e fidalgos que estavam então em Lisboa. Duas únicas pessoas se recusaram a assinar o inconcebível documento — o marquês das Minas e o juiz do povo. Convém ponderar que, ao tempo em que estes degradantes dizeres vinham a público, tinha Junot desmembrado, quase que anulado, o que restava do exército português, organizando com os elementos que não pôde demitir ou reformar a célebre Legião Lusitana, que lá ia através de inclemências inenarráveis
a caminho de Bayona, deixando a sua pátria talada por tal invasor; já esse mesmo Junot tinha mandado recolher à Casa da Moeda os objectos de oiro e prata das igrejas, capelas e confrarias, para começo de pagamento da contribuição de 100.000:000 (cem milhões) de francos, que dentro de três meses deviam ser desembolsados pelo país; já finalmente em varias localidades se tinham cometido as mais horrorosas atrocidades, como por exemplo a das Caldas da Rainha, onde por fúteis motivos foram fuzilados dez desgraçados e dois dias depois ignominiosamente desarmado e dissolvido o 2.º regimento do Porto. Confrange-se o coração de angústia inexprimível ao contemplar o estertor de uma raça em quem sete séculos de privilégios e tradições não conseguiram fazer sobreviver uma faísca de pundonor e cavalheirismo, que a livrasse de rojar-se aos pés de quem lhe cuspia as últimas afrontas. Que lúbrico deleite deveria sentir o sargentão, que trovejava ameaças em Lisboa, e cuja audácia se incendiava na ambição mal disfarçada de conquistar o trono português, ao ver assim amesquinhados e confusos, diante das suas dragonas, os representantes de uma aristocracia, em cujas veias corria o sangue generoso e altivo de Nuno Álvares, dos fronteiros de África, dos almirantes do mar das Índias, de todos esses que, ao descerrar-se a moderna história, vincaram com o seu nome as páginas em que a geografia do mundo e as relações dos povos apareciam transmudadas! Por isso ele, incapaz de render-se à amarga tristeza ou à nobre repulsa que semelhante espectáculo inspira, lhes desfechava pelo contrário essa ironia pungente, que é ao mesmo tempo uma profanação sangrenta, da promessa de dois Camões, um para a Beira, outro para o Algarve! . . . Mas não, a altivez, o cavalheirismo, o nobre orgulho do sangue português não estão extintos. O seu verdadeiro e único depositário, agora como em todas as crises que a nação atravessara, vai erguer-se do leito de tormentos em que o prostraram a traição e o abandono, a fome e a injustiça, o desalento resignado da vítima e a crueza implacável do algoz. Foi da sua alma enlevada em místico naturalismo que os poetas e os artistas tiraram as mais sentidas estrofes, os mais inspirados motivos; foi do amor com que revolveu essa terra, que os seus lábios agradecidos tanta vez beijaram, que se formou esse patriotismo ardente em que se reviam os seus genuínos heróis; foi à custa de muita intrepidez e bravura que a ponta da sua lança sulcou o território, dentro do qual
decidira erguer o seu lar e o seu altar. Agora, que todos aqueles a quem confiara o depósito sacrossanto das suas conquistas, mais uma vez o atraiçoavam, deixando-o ao desamparo, espoliado e faminto, forçoso era erguer de novo às alturas o coração, em que nunca se extinguira o amor, e o braço, que chegara até aos confins do mundo, para reivindicar esse pequeno torrão em que repousava o berço de seus filhos e o túmulo de seus avós. Eis aí a tarefa que o povo português, impertérrito e denodado, vai realizar sem medir obstáculos, sem regatear sacrifícios. Ele vai demonstrar à Europa, confundida e absorta, como é que um punhado de homens, em cuja alma rebrilha o amor da pátria, em cujo coração referve a tormenta da indignação, pode disputar aos exércitos mais bem disciplinados o solo em que assenta a pirâmide luminosa dos seus direitos e afeições. É o próprio general Foy que o confessou e a cada passo o proclama. Um mês antes da entrada do exército invasor concordam todos os escritores militares em afirmar que era extremamente fácil, e estava imperiosamente indicado, organizar uma defesa que, disputando energicamente o passo aos franceses, teria evitado muita ruína e talvez mudado o curso dos acontecimentos. Nem para isso se tornavam indispensáveis os socorros britânicos; porque os elementos portugueses, que em breve veremos entrar em acção, constituíram sempre o grande núcleo de combate. Não é, porém, a mim que compete apreciar o valor desses elementos. O que neste momento se me impõe e absorve o meu intuito é pôr em relevo a importância dominadora da torrente popular. Como se formou ela? Donde brotou? Foi justamente nesta cidade, talvez nessa praça aí fronteira, que, no dia da procissão de Corpus Christi, celebrada em 1808 a 16 de Junho, correu na multidão o primeiro arrepio da revolta. Estavam as milícias formadas para se incorporarem na procissão quando o brigadeiro Luís de Oliveira da Costa, governador das armas e partido do Porto, ordenou que se recolhessem as bandeiras nacionais e se hasteassem as águias francesas. Este mesmo personagem, encarnação completa do espírito da cobardia e traição, que dominava todos aqueles que
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vinham exercendo cargos públicos, era o mesmo que alguns dias antes tinha demitido o governador do castelo da Foz por ter arvorado na madrugada do dia 1 a bandeira nacional. Assumiu semelhante rispidez em frente do seu subordinado, tendo-se pouco tempo antes comprometido a exercer o cargo de governador das armas, no caso de vingar o movimento. Em recompensa da sua doblez, que Foy fustiga desabridamente, Junot envia-lhe a comunicação, em que ele se desvanece, de que o havia de recomendar pessoalmente ao imperador. As milícias não obedeceram e o brigadeiro teve de engolir o despeito de ver a sua ordem desacatada, perdendo uma excelente ocasião de aduzir serviços. Dois dias depois, a 18 de Junho, faz hoje precisamente um século, carregavam-se umas rações que o juiz de fora de Oliveira de Azeméis mandara pedir para, em obediência às ordens recebidas, abastecer uma força, que de Torres Vedras marchava a reunir-se com Loison, que evolucionava ao norte do Douro. Imensa multidão assistia a esta faina, visivelmente irritada, quando um artilheiro português bradou indignado — que só para os portugueses não havia pão, havendo-o para os inimigos da pátria. E, como um francês que estava fazendo a escrituração replicasse insolentemente, o artilheiro descarregou-lhe uma coronhada. Estalou então o motim, desordenado e irreprimível. Dentro de breves momentos o povo em reboliço espalhou-se pelas ruas, e, ao dobrar de cada esquina, a turba engrossava com os que corriam a informar-se do ocorrido. Assim foi crescendo e avolumando a onda, em cujo seio se enovelava um redemoinho de ímpetos, havia muito represados. Daí a pouco era totalmente impossível conter a multidão que por toda a parte se apinhava vozeando e protestando. Todos os franceses que havia no Porto foram presos e conduzidos à guarda da Ribeira. A isto se reduzia, por enquanto a vindicta; mais tarde o furor encandeado da rebelião não poupará o sangue do inimigo, que durante alguns meses se cevou em latrocínios e afrontas. Ao fim da tarde a torrente dos amotinados, que se alastrava bramindo por toda a cidade, convergiu para o Campo de Santo Ovídio, onde estava aquartelada a artilharia. Em curtos instantes o imenso largo ficou coalhado de gente, arrebatada na mesma lufada de entusiasmo, transportada de certo nessa visão profética de redenção, que as multidões oprimidas vislumbram sempre nas crises agudas
da revolta. Um brado imenso, em que se consubstanciavam o anseio da independência e o alvoroço de fúlgidos combates, rompe de todos aqueles peitos. Correm aos arsenais, onde se apoderam de armas e cartuchos. Paisanos, militares e os oficiais de linha que se lhe tinham juntado marcham para a Ribeira, sob o comando do capitão Mariz, que havia conseguido umas 4 peças e, aí chegados, preparam-se com os elementos de que dispunham para fazer face às tropas que, vindo pela estrada de Coimbra, supunham o caminho da cidade. A revolução estava definitivamente iniciada. Os traidores que havia dentro da cidade sumiram-se, corridos de medo e de vergonha; e Loison, que, aos primeiros rebates da revolução tinha recebido ordem de sair de Almeida para o Porto, estava ainda longe. No entanto tornava-se urgente organizar’ a resistência e propagar o movimento. A noite de 18 para 19 decorreu numa vertigem de preparativos e combinações; mas, ao raiar da manhã, todas as disposições estavam tomadas e só restava garantir a sua execução. De novo se forma no Campo de Santo Ovidio um ajuntamento, que com alguns oficiais e duas peças de artilharia à frente se dirigiu para o paço episcopal, a fim de organizar: um governo em que o povo portuense, e sucessivamente todas as terras do país, delegassem a soberania e o poder, que em transes de heroísmo iam arrancar das mãos do representante napoleónico. Assim se fez, com efeito; e nessa mesma noite ficava constituída a junta provisional do supremo governo do reino, que, por desígnio expresso do povo, reconhecido e aceite por todos os seus membros, assumiu a gerência dos negócios até Setembro desse mesmo ano. Tal é, no seu aspecto condensado e singelo, o aconte-cimento cujo centenário os representantes do município portuense resolveram comemorar. Não é, porém, somente pelo que representa no acanhado âmbito da cidade, que ele se impõe à levantada consagração, que a presença dos nossos ilustres convidados tão luzida torna. Não: o brado que o povo portuense arrancou do peito em chamas, na tarde de 18 de Junho, repercutiu-se logo de quebrada em quebrada, de cerro em cerro, até aos confins da terra portuguesa, acordando numa alvorada de guerra os instintos redivivos da alma céltica. De toda a parte — dos campos, das vilas, das cidades — novos e velhos corriam
a alistar-se em guerrilhas e, armados apenas de chuços e roçadoiras, defrontavam-se com os batalhões disciplinados dos franceses em lutas tão acesas ou em emboscadas tão audazes, que a estes se afigurava que de cada árvore, de cada sebe, de cada casal a morte os espreitava e atingia numa rajada inexorável de granizo. Alguns meses depois o guerrilheiro intemerato e indomável depõe o trabuco e a foice para se submeter à disciplina de um exército regular. O humilde filho do povo despede-se então, para sempre talvez, do casal, em que nascera, e vai por essa península fora ferir dezenas de batalhas, em que a sua bravura de soldado atinge as épicas proporções das idades heróicas. Cerrado, pois, o período da agitação exclusivamente popular, da luta de guerrilhas, começa a história do exército regular. É aos representantes desse exército glorioso que compete agora dizer até que ponto o soldado português se revelou o depositário do cavalheirismo e do pundonor da sua raça. Meus senhores: — é tempo de concluir, porque a vossa bondade não pode ser ilimitada. Duas palavras apenas. O acontecimento a que acabo de referir-me reveste de uma maneira inequívoca e flagrante as características que a acção popular imprime aos seus produtos. É simples e inelutável, como a manifestação do génio ou como a resultante cataclísmica das forças naturais. É, além disso, de uma fecundidade inesgotável; porque, concluído o ciclo das suas consequências imediatas, começam a revelar-se no plasma social correntes, criadas sob o seu impulso, que, progressivamente individualizadas, esboçam as trabéculas de uma nova organização. A consciência colectiva, agora desperta e iluminada pelas irradiações de uma existência mais complexa, mais intensa e autónoma, eleva-se a um nível que até então não havia atingido, e reconhece a inconsistência dos elementos histórico - políticos da sociedade portuguesa. Este conjunto de circunstâncias não podia deixar de produzir na vida íntima da nação transformações inesperadas e profundas. Ela entra, com efeito, como já disse, na crise de uma génese, cujos sintomas se vão manifestando através do século findo em convulsões, que aos olhos de alguns escritores, demasiadamente pessimistas a meu ver, se afiguram pouco menos que estéreis. Não admira que assim seja. Quando nos organismos vivos uma função se modifica ou
principia a esboçar-se, as suas primeiras manifestações são necessariamente hesitantes e imperfeitas. Para avançar no caminho da perfectibilidade é indispensável que a torrente da vida a inunde a cada momento, sem perturbar o sistema da nova adaptação: — caudalosa, mas serena. Ora, na vida das nações, a torrente que alimenta todos os progressos e todos os aperfeiçoamentos é o patriotismo dos seus filhos; é essa força poderosa e subtil, invencível e mística, que a 18 de Junho de 1808 espadanou do coração dos portuenses num feixe de luz. Faço votos por que agora e sempre esse clarão ilumine a alma deste povo. Disse.
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DESPERTAR Edgar Carneiro*
A luz sorveu a treva libertando o meu sono de insegura fatídica prisão. Agora sou feliz sem pesadelos, sentindo ao despertar o grito dos espelhos e a volúpia das rosas na brisa da manhã.
16/08/2005
* Nasceu em Chaves em 1913. Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra. Foi professor dos ensinos técnico-profissional e secundário. De 1967 a 1974, dirigiu a Escola D. Pedro V, a primeira a funcionar em Fiães, neste concelho. Reside há 36 anos em Espinho, foi distinguido pela Câmara local com a Medalha de Mérito. Tem 12 livros de poesia publicados, o último dos quais saiu a lume em Dezembro último e foi apresentado em Espinho pelo poeta Anthero Monteiro. Intitula-se Périplo.
Homenagem
ao Dr. Carlos Pinho Ribeiro Caldas de S. Jorge, 06-09-2009
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PROGRAMA: 10.00 H MISSA DE SUFRÁGIO 11.00 H ROMAGEM AO CEMITÉRIO 12.00 H CERIMÓNIA NO JARDIM 13.00 H ALMOÇO.
Fotos: Manuel Azevedo e Fernando Pinheiro.
ORGANIZAÇÃO DE: VÁ LÁ VÁ LÁ PODIA SER PIOR
44 Oração de Sufrágio pelo pároco Pe Machado.
Deposição de flores pelo neto António Ribeiro e Álvaro Alves, do Grupo organizador.
Álvaro Alves declama o poema Silêncio de José Régio.
o Violinista Lá Mouche.
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Porta bandeira do grupo organizador.
Eugénio dos Santos faz a apresentação.
Descerramento do Busto pelo neto do homeneageado...
que fez o agradecimento em nome da Família.
O Vice-Presidente da Câmara, Emídio de Sousa, no uso da palavra.
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Viúva, filhos e demais familiares do Dr. Carlos Ribeiro.
De novo Eugénio dos Santos.
A viúva, Dona Maria Teresa Gomes Ribeiro, junto ao Busto.
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A viúva com os seus dois filhos. Escultor, Vice-Presidente da Câmara, Presidente da Junta e porta bandeira.
Vista geral do jardim Dr. Carlos Ribeiro.
Busto do Dr. Carlos Ribeiro.
António Pinho Ferreira, sobrinho do homeneageado, lendo o seu discurso.
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Panorâmica da assistência, com Termas e Parque ao fundo.
Aspecto do jantar.
Eugénio dos Santos, amigo e conterrâneo do homeneageado, lê a sua intervenção que a todos encantou.
Roteiro da romagem ao túmulo do Dr. Carlos Ribeiro Cemitério das Caldas de S. Jorge 6 de Setembro de 2009 Álvaro Alves *
Contou com três momentos expressivos: - Deposição de uma coroa de flores. - 1 minuto de silêncio - Declamação do poema do Silêncio de José Régio. Antes da cerimónia foi feita uma contextualização introdutória apelando ao recolhimento e à profundidade humana do evento: “Tivemos o primeiro momento da homenagem na igreja dirigida ao sufrágio pela alma do Dr. Carlos. Agora uniremos as nossas presenças perante os seus restos mortais que já foram vida. A todos faço um apelo: - A quem tem fé será de oração. - Aos sem fé será de reflexão. - Aos que procuram será de esperança.”
* Professor do Ensino Oficial, Reformado.
Seguiu-se, sempre com muita atenção e interesse da assistência, a deposição da coroa de flores. Porém, antes da cerimónia, o Dr. Álvaro Alves mais uma vez introduziu o acto: “As coroas foram sempre símbolos de várias realidades, de majestade, de glória… Aqui irá significar a nossa presença junto dos restos mortais que foram vivificados, segundo a tradição cristã que aqui está presente, pela alma já sufragada. Nós retirar-nos-emos, mas as flores ficarão em nossa substituição e, para além da beleza que encerram, serão o testemunho da nossa presença e garantia. A escolha da cor branca das flores não foi casual, mas suponho intencional. O branco é o símbolo da transparência e da lisura de vida que o homenageado sempre concretizou. O poema que vai ser declamado termina: “e uma terra sem flor e uma pedra sem nome saciarão a minha fome” Neste aspecto contrariaremos a grandeza imaginária do poeta.Com efeito, a terra vai ficar bela de flores e na pedra há nomes. Neste caso dos pais de uma numerosa prole que engloba o Dr. Carlos Ribeiro.” De seguida, foi chamado, pelo Dr. Álvaro Alves, António Pinho Ribeiro, filho do homenageado, para em conjunto
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deporem a coroa de flores sobre a pedra tumular: um em representação da família, outro da associação “Vá lá vá podia ser pior”, organizadora da homenagem. Seguiu-se 1 minuto de silêncio, também introduzido a explicitado por uma alocução do orientador da homenagem:
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“Guardar 1 minuto de silêncio num cemitério é tarefa fácil. O mesmo não acontece, por vezes, em estados de futebol, etc… O silêncio não é um momento estático, muito menos paralisador das mentes e dos corações. Bem pelo contrário. A eloquência do silêncio é uma ocasião fantástica e frutífera para as pessoas. O silêncio exterior fomenta a eloquência interior, enriquece a interioridade. O diálogo connosco mesmos abre a porta ao encontro da grandeza da nossa humanidade, quiçá da transcendência. Neste silêncio somos mais uma vez interpelados a uma prece para quem a pode fazer, a uma reflexão para todos.” Antes do terceiro momento (o poema do silêncio de José Régio declamado pelo Dr. Álvaro Alves) o declamador fez um exórdio em que contextualizou o poema, fazendo um paralelismo convergente / divergente entre o poeta e o homenageado: “Vamos continuar o silêncio agora com maravilhoso poema de José Régio.
O poeta e o homenageado são coevos (José Régio – 1901 / 1969; Dr. Carlos Ribeiro – 1905 / 1975). Tiveram pontos de partida educativos semelhantes: educação cristã perfeitamente ao gosto das famílias tradicionais portuguesas dos princípios do Século XX. Seguiram, porém, caminhos divergentes: um viveu sempre o transcendente personalizado, imanente e sempre presente nos valores que vivia, dinamizava e projectava. O poeta, na liberdade e ansiedade que o caracterizavam, procurou mais Além, mais Infinito. Suponho que procurava o que já possuía. Mas aprofundou o encontro ou o reencontro com o Além. Se escrevia: “Senhor meu Deus em que não creio!” também o evocava: “Senhor… meu Deus…pedia mais infinito…” Há uma procura pelo humano. E, normalmente, quem descobre a profundidade e a total riqueza do humano já está muito próximo de Deus. Seguiu-se a declamação de um poema de José Régio pelo Dr. Álvaro Alves. Por fim o Dr. Álvaro Alves, orientador da romagem, encerrou: “A organização agradece a presença enriquecedora de todos, lembrando que os actos realizados foram um reviver da vida do Dr. Carlos cujo testemunho não pode ser olvidado e a quem quase todos nós, directa ou indirectamente, estivemos ligados e a quem, individual ou colectivamente, devemos gratidão. Bem hajam.” De José Régio
Poema do silêncio Sim, foi por mim que gritei. Declamei, Atirei frases em volta. Cego de angústia e de revolta.
Foi em meu nome que fiz, A carvão, a sangue, a giz, Sátiras e epigramas nas paredes Que não vi serem necessárias e vós vedes.
Foi quando compreendi Que nada me dariam do infinito que pedi. - Que ergui mais alto o meu grito E pedi mais infinito! Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas, Eis a razão das épi trági-cómicas empresas Que, sem rumo, levantei com sarcasmo, sonho, fumo ... O que buscava Era, como qualquer, ter o que desejava. Febres de Mais. Ânsias de Altura e Abismo, Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir! Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação (Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...) Senhor dá-me o poder de estar calado, Quieto, maniatado, iluminado. Se os gestos e as palavras que sonhei, Nunca os usei nem usarei, Se nada do que levo a efeito vale, Que eu me não mova! Que eu não fale! Ah! Também sei que, trabalhando só por mim, Era por um de nós. E assim, Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade, Lutava um homem pela humanidade.
Que só por me ser vedado Sair deste meu ser formal e condenado, Erigi contra os céus o meu imenso Engano De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!
Mas o meu sonho megalómano é maior Do que a própria imensa dor De compreender como é egoísta A minha máxima conquista...
Senhor meu Deus em que não creio! Nu a teus pés, abro o meu seio Procurei fugir de mim, Mas sei que sou meu exclusivo fim.
Senhor! Que nunca mais meus versos ávidos e impuros Me rasguem! E meus lábios cerrarão como dois muros. E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á, E sobre mim de novo descerá...
Sofro, assim, pelo que sou, Sofro por este chão que aos pés se me pegou, Sofro por não poder fugir.
Sim, descerá da tua mão compadecida, Meu Deus em que não creio! E porá fim à minha vida. E uma terra sem flor e uma pedra sem nome Saciarão a minha fome.
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* João Rodrigues explora os diversos métodos de pintura e processos artísticos, através dos quais cria vários Mundos Antagónicos, mas semelhantes na sua carga artística transmitindo uma intensa criatividade. A multifacetada faceta do João Rodrigues leva-o a ter obras com diferentes padrões e estilos artísticos, que vão desde o surrealismo tridimensional, abstractos, esculturas de cerâmica. www.jrartistaplastico.com
HOMENAGEM AO DR. CARLOS – O MÉDICO DO POVO António Ferreira* Como preâmbulo a estas palavras, queria deixar bem vincada a minha consideração e estima aos elementos do grupo “Vá Lá Vá Lá Podia Ser Pior” por terem confiado em mim, para desempenhar esta tarefa. A todos um grande abraço e um, especial, ao José Oliveira Santos, que, por razões pessoais, com grande mágoa sua, não pode estar presente. Ex.mas. Autoridades! Amigas/Amigos do Dr. Carlos! Familiares – (distinguindo irmãs, irmão, filhos e Ex.ª esposa D. Maria Teresa a quem se aplica a máxima: ao lado de um grande homem está sempre uma grande mulher) “Esta é a segunda homenagem pública, desta terra grata e sensível ao seu filho Carlos – eu digo Dr. Carlos – porque era assim tratado por todos. A primeira ocorreu em 1976, ano e meio após o seu falecimento, por iniciativa e empenhamento do Sr. Domingos * Prof. do Ensino Secundário. Aposentado.
Oliveira Santos, com a colaboração do Sr. Pinto da Silva e com o beneplácito da Câmara, criando este jardim aprazível, com o seu nome. A preocupação desses ilustres senhores era, que jamais fosse esquecido o homem, que ficou designado, como o médico do povo. Hoje, 6 de Setembro, dia do seu falecimento, há 34 anos, continuamos a cumprir Camões, quando nos Lusíadas escreve: «Eu canto os reis, os navegadores, todos os homens ilustres e todos aqueles que se forem da lei da morte libertando.» E, felizmente, São Jorge pode enumerar, além do Dr. Carlos, outros vultos importantes, dignos da nossa consideração e da nossa homenagem: É o Mário Silva, atleta olímpico, é a irmã Elvira Nadais, que no Bairro do Fim do Mundo, um antro de miséria e desgraça, em Lisboa, partilha toda a sua vida em prol dos pobres e infelizes habitantes, é o Orlando Silva, homem dotado de grande poder artístico, são os nossos professores universitários, são os empresários audazes que muito têm contribuído para o desenvolvimento e apoio às classes trabalhadoras e às nossas famílias. Permitam-me que recorde o pioneiro e fundador, em Portugal, dessa indústria, Sr. António Ribeiro. O Dr. Carlos continua vivo…os homens morrem, mas as
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suas obras permanecem. E este busto será o testemunho real e objectivo da sua presença entre nós.
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Hoje, com a colaboração dos conterrâneos, de todos os seus amigos, da Junta de Freguesia, da Câmara da Feira, o Grupo “Vá Lá Vá Lá Podia Ser Pior”, que nos seus encontros periódicos e temáticos, sempre dinamizados pelo Dr. Oliveira Santos, através de conversas amenas, diversificadas, alegres mas elevadas, pensou e organizou esta homenagem, que está decorrendo, para que os antepassados se sintam orgulhosos e os vindouros possam alimentar o seu espírito com alguns valores, do carácter deste homem, como: o amor às pessoas, a simplicidade, a disponibilidade para servir e o dom de partilhar. Ao tecer, despretensiosamente, algumas ideias a que chamarei retalhos da vida do Dr. Carlos, alinhá-las-ei pelo seguinte esquema: O homem; o médico e seus doentes; seus defeitos…… Nasceu no Brasil em 05 de Junho de 1905. Com seis anos, acompanha seus pais que regressam a Portugal. Passa a infância nesta terra que adoptou como sua. Vai estudar para os Carvalhos, onde faz a primária e os estudos secundários. Após a conclusão destes, matricula-se na escola médica do Porto. Entretanto, seu pai orgulhoso por ter um filho, quase médico, aparece em casa com uma garrafa de vinho do Porto. Reúne a família e diz: “Esta garrafa é para abrir no dia em que o Carlos se formar.” Faltava apenas um ano. Infelizmente, o destino não permitiu que ele assistisse a esse evento, pois a doença de coração, que o perseguia há já bastantes anos, fulminou-o repentinamente e morre rodeado pelos dezasseis filhos, com 53 anos. Mas a data da formatura aconteceu no ano seguinte, em 1930. A mãe, D. Inês, com um dos rebentos, ainda bebé, ao colo, mulher forte e fiel intérprete dos desejos de seu marido, reúne os descendentes e procura homenagear o falecido e o novo Dr. com uma refeição melhorada e apresentando a referida garrafa. Contudo, ele, com a humildade e simplicidade que lhe eram peculiares, diz com a voz embargada e acompanhada por algumas lágrimas, próprias de um órfão: “Mãe, guarda a garrafa, para se abrir, quando tu fizeres 80 anos.”
O que veio a acontecer, com uma singela festa familiar e com a presença da estimada garrafa de vinho do Porto. E, então, aí temos o nosso médico disponível para, desinteressadamente e com o verdadeiro espírito de missão, revelar todo o seu amor à sua terra e suas gentes. Eram tempos difíceis: tempo do pós-guerra e das filas com senhas, para levantar o pão, nas padarias. Tempo da pneumónica, que abatia os fortes, as crianças e os velhos. Na aldeia, os sinos com um som plangente, doloroso e triste, ouviam-se, quase todos os dias, a lembrar que a dor existia em muitos lares. Tempo de privações, que obrigavam os mais audazes a irem a salto para França e outros países, à procura de melhoria de vida. E, ele, com poucos meios clínicos, vivia neste mar de dificuldades e de dor, contudo sua dedicação às pessoas nunca diminuía. Era um verdadeiro telúrico, a quem a lenda de Anteu se aplica perfeitamente: Aqui, na sua terra sentia-se forte e sentia-se bem. Apreciava toda a sua vegetação e natureza. Amava o rio, passeava pelas suas margens, sabia os seus sítios e fundos e falava com ele. A propósito ocorre-me aquele poema de Fernando Pessoa, “O Rio Da Minha Aldeia”: “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.” Ele é pequeno, é o nosso, é o UÍMA. Aliás, em termos de água, São Jorge é uma terra privilegiada. Possui a riqueza e originalidade de ter “aquas cálidas “, isto é, quentes e, por isso, serem Caldas, que infelizmente, para os doentes, a nível de edifício e funcionamento termal, estiveram encerrados, mas em actividade, pois nas pensões e casas particulares recolhia-se água que se aquecia em caldeirões para os “fidalgos” beneficiarem dos respectivos tratamentos, sendo prescritos pelo Dr. Carlos. Também revelou inconformismo e espírito de luta constantes, pelo abandono a que estiveram votadas tantos anos, como provam diversos documentos escritos, de sua autoria, onde, de uma forma clara e lúcida, traça o retrato da beleza desta terra e ao mesmo tempo apresenta e sugere um autêntico PDM, que ainda hoje tem muita actualidade,
mas, como não gostava de passear-se pelos corredores do poder, nunca foi ouvido. E, já que falo das Caldas, recordo que, quando foram reabertas, é nomeado apenas subdirector, com trabalho a tempo inteiro e honorários indignos. Foi preciso que dois conterrâneos atentos a esta situação injusta, se impusessem, para que o lema “Trabalho igual, salário igual, fosse cumprido. E, então, começa a auferir das regalias próprias das funções que desempenhava. As suas distracções, para além da disponibilidade completa para com os doentes, eram as suas longas conversas em casa do Sr. Cruz, onde mora hoje o Sr. Manuel Pinto, com o Dr. Conceição e o Dr. Ferreira Soares por quem revelou, diversas vezes, uma amizade incondicional, principalmente, quando perseguido pela PIDE. A quinta da D. Inês serviu-lhe de esconderijo em vários momentos de apuro. Fazia-o apenas por amizade, porque de política nunca lhe conheci, além do descontentamento pelas graves situações sociais, de pobreza e de injustiça, outras opiniões. Como Miguel Torga, esse grande escritor, grande amante da sua terra e também médico, costumava dizer: “A minha política, o meu partido é o mapa de Portugal”. Apesar deste afastamento e desencanto pela política, no Abril, não dos capitães, mas da soldadesca, não se livrou de impropérios e vociferações infundadas, injustas e ingratas, com sentido persecutório, que muito o marcaram e molestaram. Aliás, esta situação fratricida aconteceu algumas vezes ao longo da nossa História. D. Nuno Alvares Pereira, em plena batalha de Aljubarrota, teve de enfrentar como inimigos, na primeira linha de combate, do exército Castelhano, os seus irmãos, a que Camões chamou coisa feia, cruel e horrenda! Nuno vencedor da batalha, mas frustrado com tamanha mesquinhez, refugia-se no convento. O nosso Dr. Carlos, pelo contrário, continua a sua missão, com o mesmo espírito de generosidade atendendo tudo e todos. Todos os dias entrava na marcenaria do Sr. Serafim Lebre onde lia o Primeiro de Janeiro. Mais tarde é um frequentador da Pensão do Parque e do café do Américo, também o nosso café, onde todos vivemos e deixamos um pouco do nosso passado. Ali, todos eram um. O Dr. possuía uma rica biblioteca. Era estudioso e lia
muito. Com frequência citava Retalhos da Vida de Um Médico, de Fernando Namora; apaixonado por Eça, comentava críticas de A Cidade e as Serras e de os Maias, apreciava o portuguesíssimo Camilo e o brasileiríssimo Jorge Amado. Só aos 36 anos casa, talvez porque os deveres para com os irmãos e mãe a isso o obrigaram, mas também, porque tinha, já, uma grande família: “As gentes desta terra.” Continua com disponibilidade completa, não se lhe conhecem férias, para além das idas à quinta-feira ao Porto, que aproveitava para visitar os familiares, os seus doentes distribuídos pelos diversos hospitais e participar em conferências médicas. Contudo, recordo a sua ânsia em regressar, quando, por vezes, me dava boleia. Ele insistia: «Às 16h00 está na Confeitaria Pastéis de Chaves, (que fica acima do Coliseu, onde se encontrava com colegas de curso), porque tenho de ir visitar ainda um doente a Guizande.» Não lhe faltaram convites aliciantes e promocionais, mas todos rejeitou. Recordo apenas dois: Um como Director Clínico da DIAMANG, com sede em Luanda, e outro para integrar o quadro médico do Hospital de São João da Madeira. Ao longo de 45 anos, desinteressadamente, foi assistindo as gentes de São Jorge, Lobão, Pigeiros, Guizande e Romariz, no seu modesto consultório, em casa, no café e até na rua … Estava sempre com as pessoas. Os casos, as histórias, relacionadas com a missão de médico, com a caça, a pesca e o convívio quotidiano, são muitas. Cada um, cada casa, cada família tem a sua. As vossas, certamente, seriam mais eloquentes do que as minhas. Apenas vou referir duas. No princípio da carreira deslocava-se a pé, com a companhia dos seus cães. Em Moçambique, uma senhora natural de Lobão, reconheceu uma das suas irmãs e diz-lhe: “Minha senhora, nunca mais esqueço, o meu pai estava muito doente, fui procurar o Sr. Doutor e depois de pôr-se a barafustar, que tinha que sair, vim-me embora, meio desanimada, mas confiante. Quando estava a chegar a casa, vi os seus cães e disse para comigo: “afinal já está aí”. Ele era assim… Mais tarde deslocava-se num carrito, Austin, preto, que tinha o cuidado de deixar sempre numa descida, para não
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ter embaraços. Uma vez ou outra ajudei a empurrá-lo, para pegar. O seu consultório era uma clínica completa: diagnosticava, tratava e tirava dentes, assistia grávidas, tirava unhas, tratava olhos e toda a espécie de ferimentos … sempre desinteressadamente.
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Certo dia, um homem robusto e forte aparece no seu consultório, desesperado com dores, por causa de um dente. O estado de infecção era tal que o doutor recusou-se a tirá-lo. O homem insiste e perante nova recusa, arranca do bolso uma pistola com a ameaça: “ou tira ou mato-o.” Ele arrancou-o. O homem caiu sem sentidos e ficou duas horas prostrado no banco do jardim da casa, junto ao consultório. Entretanto, um café fortíssimo, que uma das irmãs trouxe, salvou a situação. Quantas vezes, familiares vinham chamá-lo para ir a casa visitar algum doente, ao que respondia barafustando, que tinha de sair, que tinha a esposa no carro à espera. As pessoas porque o conheciam, tudo lhe perdoavam e tinham a certeza que, passado algum tempo, ele entrava pela porta dentro. Acompanhei-o, muitas vezes, nas visitas domiciliárias e nunca vi exigência de honorários ou pagamentos… nunca vi, com isto não quero dizer que fosse tudo de graça, mas o que me recordo, é ele fornecer medicamentos e até dinheiro aos mais humildes. Os doentes exprimiam, posteriormente, a sua gratidão com galinhas, fruta, géneros, etc… Aí, também o seu espírito de partilha ressaltava com clareza. De quando em vez, dizia para as irmãs: “Passai logo à noite lá por casa porque há arroz, açúcar e outros géneros e levai-os a quem precisar”. Não me vou alongar em mais histórias, porque, como disse, cada um de vós tem a sua para contar e talvez mais expressivas do que aquelas que apontei. Contudo, para ter uma ideia isenta, ao falar sobre o Dr. Carlos, ouvi 60 pessoas, e, todas foram unânimes nestes dois pontos: Era boa pessoa e levava de graça as consultas. Defeitos notórios não se lhe conheciam. Era um homem diferente, não direi que fosse de trato fácil, mas como escreveu Miguel Torga: “Fáceis são certas mulheres e alguns homens
medíocres, para obterem recompensas e favores”. Não era tão difícil e intratável como alguns o pintam às vezes. E tinha uma grande virtude: “Nunca dizia: Não vou. Para com os pobres, jovens e crianças mostrava uma disponibilidade, ajuda e carinho incomparáveis. Ouvia-os e aconselhava-os a tomarem decisões difíceis da sua vida. E o seu carro, muitas vezes, mais parecia uma carrinha repleta de crianças, a caminho do infantário. Estamos a homenagear um homem que foi grande na simplicidade e no partilhar. O seu busto será uma voz permanente a clamar bem alto essas qualidades. Termino estas palavras, como iniciei, com uma citação de Camões, que em Os Lusíadas apresenta um ideal de vida, seguido pelo Dr. Carlos para hoje merecer a nossa admiração e esta homenagem: “Por isso, ó vós, que as famas estimais, se quiserdes no mundo ser tamanhos: despertai do ócio indolente, ponde na cobiça e inveja um freio duro e na ambição também, assim como nos vícios da tirania, que não dão valor a ninguém. E, sobretudo, não deis aos grandes o que é dos pequenos: sede equitativos sempre.”
Caldas de S. Jorge, 6 de Setembro de 2009.
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Homenagem ao Dr. Carlos Ribeiro Emídio Sousa*
Há pessoas cuja riqueza de vida e participação activa na melhoria das condições de vida da sociedade onde se integram, nos impelem a perpetuar a sua memória, como reconhecimento pelo trabalho desenvolvido, mas, sobretudo, como exemplo para as gerações vindouras. São aqueles que, por feitos valorosos, se vão da morte libertando (citando vagamente Camões de memória). A homenagem que aqui fazemos hoje ao Dr. Carlos Ribeiro e que tantas pessoas ilustres reúne, é um desses casos de reconhecimento e exemplo de trabalho. Não tive a honra de conhecer pessoalmente o Dr. Carlos Ribeiro, no entanto os relatos que me fizeram da sua acção, apresentam-no como um homem determinado, sempre disponível e que no exercício da sua profissão de médico sempre se dedicou por inteiro à comunidade, independentemente da condição social de cada um e capacidade de pagar os seus serviços. Num tempo em que os cuidados de saúde estavam quase exclusivamente a cargo do médico local, em que os meios de transporte eram escassos ou rudimentares, em que poucas * Vereador com o Pelouro de Obras Municipais, Ambiente, Protecção Civil e Saúde.
estradas havia, estar disponível a todas as horas e sempre pronto para ir ao encontro dos doentes era já por si uma tarefa enorme e de grande sacrifício pessoal e familiar. Mas para além desse trabalho notável, o Dr. Carlos Ribeiro foi ainda um participante activo na qualificação das Termas de Caldas de S. Jorge e no belíssimo enquadramento paisagístico com o Rio Uíma, que hoje admiramos e que nos impele a melhorar ainda mais este belo legado. Em nome da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira e em meu nome pessoal, expresso aqui todo o reconhecimento pelo trabalho desenvolvido pelo Dr. Carlos Ribeiro e agradeço a todos os que tiveram esta feliz ideia, aos quais nos associamos. Muito obrigado.
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POESIA AO METRO
Gilberto Pereira*
o teu respirar arrepia cada milímetro do meu corpo enquanto os teus lábios se afastam docemente cada centímetro longe da tua boca é um sufoco sem fim percorro decímetro a decímetro a alvura dos lençóis procuro em vão por ti em mim de metro a distância é curta e o amor acontece
* Gilberto José de Sousa Pereira, natural do Porto (1979), reside desde sempre em Argoncilhe. Frequenta vários encontros poéticos pelo país, sobretudo as tertúlias da Onda Poética, de Espinho, onde mantém uma participação activa desde 1998, lendo preferencialmente Al Berto, Herberto Helder, Mário Contumélias, Eugénio de Andrade e António Gedeão. A sua poesia, com tendência para o soturno e o intimista, sofreu, sobretudo de início, algumas influências dos dois primeiros autores mencionados.Editou o seu primeiro livro de poesia, intitulado Reticências, em Dezembro de 2008.
DR. CARLOS PINHO RIBEIRO Eugénio dos Santos*
(Rio de Janeiro, 1905 – São Jorge, 1975)
In Memoriam Alocução proferida nos 34 anos do falecimento, por ocasião do descerramento do busto em 2009.09.06, nas Caldas de S. Jorge
Perfazem-se hoje (pelas 22h e 10m) trinta e quatro anos sobre o desaparecimento do número dos vivos do Dr. Carlos Ribeiro, vitimado por uma neoplasia cerebral. Muito tempo já passou… Alguns dos que aqui se encontram eram, nessa data, ainda muito jovens e, portanto, dificilmente recordarão o luto que se abateu sobre esta terra. Isso, contudo, pouco importa, uma vez que, mesmo assim, dando corpo à memória colectiva da freguesia (agora vila), avançaram com esta iniciativa que só os enobrece e dignifica. Especialmente para os jovens da *Prof. Catedrático Jubilado da Universidade do Porto.
comissão organizadora do grupo Vá Lá Vá Lá Podia Ser Pior aqui fica a devida palavra de apreço pela iniciativa. Nesse final de Verão quente de 1975, repleto de exaltação, de manifestações e de reivindicações político-partidárias, algumas bem irresponsáveis e populistas e até demolidoras dos valores ancestrais da sociedade portuguesa, nós, os que contamos mais de 60 anos e que cá estávamos, fomos atingidos e confrontados com a notícia funesta do passamento do médico que S. Jorge bem conhecia e respeitava, o nosso Dr. Carlos. Falecido no hospital da Trindade, no Porto, veio repousar, em definitivo, para a sua terra de adopção, em cujo cemitério hoje o recordamos e perante cuja memória nos curvamos. Escoou-se já muito tempo sobre essa data. E ele, o tempo, ao menos aparentemente, é inexorável. Nada do que é humano resiste à sua acção. Percebemo-lo e sentimos os seus efeitos no nosso dia a dia. Sucedem-se as noites e os dias, mais longos ou mais curtos, em função de cada estação do ano. Estas anunciam-nos o tempo das cores, das flores, do calor e também aquele que prenuncia os frutos, os ventos, as chuvas e o frio. As datas marcantes na existência de cada um de nós alertam-nos para o transcurso e para a finitude da nossa existência, bem ritmada e comandada sempre pelo calendário. Alternam-se a necessidade de estarmos activos e a do descanso, de ingerirmos alimentos e também de observarmos o espaço necessário para a sua absorção, de nos entregarmos ao trabalho e ao lazer, enfim, de cada um de nós, olhando-se ao espelho, constatar que foi crescendo,
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se afirmou, atingiu a plenitude e, quiçá, talvez tenha já iniciado o seu percurso descendente. Já gozou de uma saúde férrea, quase à prova de todos os exageros e sonhou poder transformar o universo, deixando-se, então, inebriar por um optimismo quase infantil e, seguramente, também já mergulhou na doença, experimentou a dor e deixou-se abater pelo desânimo. E tudo isso decorreu em função e por acção da marcha do tempo. Sendo a sua acção tão constante e inexorável, como imperceptível, no quotidiano de cada um, parece oportuno interrogarmo-nos, aqui e agora, mesmo que de forma muito leve, sobre ele. É que hoje mergulhamos no tempo (passado) ao contemplarmos o homem e a obra do Dr. Carlos Ribeiro. Ousemos perguntarmo-nos: afinal, o que é o tempo? Em que consiste ele? Como se pode (e deve) descrever? Por que palavras e conceitos deve ele ser abordado, definido, descrito perante quem, porventura, sobre ele nos interrogue? E, imediatamente, se nos impõe uma evidência: nunca, até hoje, que se saiba, alguém conseguiu transmitir aos seus interlocutores a essência dele, de forma clara e transparente, através de conceitos acessíveis e correntes. Por isso mesmo, Santo Agostinho (354-430), há cerca de 1500 anos, confessava: “Se não me perguntarem (o que ele é), eu sei, percebo-o, sinto-o, como condição da minha existência. Mas…, se quiser transmitir a alguém o que penso e sinto, já não sei.” E o filósofo mostra claramente como articulava o seu raciocínio: “O passado já não existe. O futuro ainda não existe e o presente já fugiu, transformandose em passado”1. Portanto, só há presente na medida em que este se vai transformando constantemente em passado. Ou seja, o presente, tal como o imaginamos, nem sequer existe, senão como um dado da consciência e da nossa própria existência, que flui e avança sempre, mesmo contra a nossa vontade. Por vezes, gostaríamos até de o fazer parar, de o imobilizar, de o fruir sem limitações, evitando o seu desgaste, a sua acção deletéria, em suma, aquilo que designamos por envelhecimento. Sim, porque o envelhecimento é filho do tempo. Perante o seu fluxo sentimo-nos impotentes e com muita mágoa. E a própria estética médica nas chamadas intervenções de rejuvenescimento, não toca senão nas aparências. Esticar a pele não passa de pura ilusão. O próprio tempo e o corpo se vingarão mais tarde. Que será, pois, o tempo, senão uma condição do 1
Tradução livre.
movimento, um dado da consciência individual e colectiva, como tentou demonstrar o filósofo francês Henri Bergson? Ela nos permite inserirmo-nos numa cadeia e situarmo-nos num antes e num depois. Já Camões disse magistralmente: “Todo o mundo, i.é., tudo é feito de mudança.” A duração é, por natureza, efémera e fugaz. Escapa-se-nos, por mais que a tentemos imobilizar. Fica-nos, porventura, momento a momento, a sensação de vazio e de nostalgia daquilo que o tempo nos levou e de que nos deixou apenas a memória e a consciência. Vamos constatando, à nossa volta, os malefícios da usura do próprio tempo. Aquilo que hoje é novo, em folha, irá, desde já, envelhecendo e, de acordo com a sua natureza, mais cedo ou mais tarde, precisará de ser cuidado, retocado, renovado, corrigido, substituído. Acontece assim com tudo: com os automóveis, com as casas, com os móveis, com as roupas e até com o nosso próprio corpo e com o seu aspecto. Somos obrigados a cuidar dele para não o deixarmos degradar e para contrariarmos, na medida do possível, o desgaste provocado pelos dias, meses e anos. Já assisti mesmo à confissão de um velho industrial da nossa terra, já na casa dos 90 anos, que tinha construído um pequeno império, sólido técnica e profissionalmente e que, fazendo um balanço da sua vida, desabafava: “O único obstáculo que, na minha área, nunca consegui vencer foi o tempo. Ele ajudou-me a triunfar, a ser bem sucedido profissionalmente, mas também me háde vergar e vencer, coisa que nenhum concorrente parece ser capaz de poder fazer.” Era a sua lucidez a exprimir-se. Portanto, o tempo mata, destrói, elimina. Aparentemente deita tudo a perder. Nada lhe escapa. Perante a sua voracidade inexorável, até os regimes políticos e as fronteiras das nações tremem e se vão ajustando. Alteram-se com ele os valores e as referências geracionais, fazendo com que idosos e novos tenham a sensação de que vivem, ao mesmo tempo, em mundos diferentes e, quiçá, conflituantes. Com o fluir do tempo perdemos, para sempre, uma parte de nós mesmos, da nossa força, da nossa saúde, da nossa lucidez, dos nossos projectos e sonhos de vida, das nossas utopias! Aparentemente, pois, o tempo desfaz aquilo que de mais genuíno e valioso nós somos capazes de ir construindo. O horizonte das nossas vidas vaise quotidianamente reduzindo e nós tomamos consciência da nossa precariedade e da nossa caducidade. À medida que vivemos, vamos, também, morrendo lentamente. Porém, há outra dimensão do tempo, que é fundamental também referir, aqui e agora. É que há um tempo que não
passa, que não destrói. É uma espécie de contínuo eterno que nos mergulha e insere numa cadeia, iniciada muito antes de nós e que subsistirá, ao longo de todas as gerações, para as unir e fornecer sentido ao colectivo, ao que, sendo de todos, não pertence a ninguém. A esse nós chamamos o tempo da memória. Esta fornece-nos o sentido e as coordenadas indispensáveis de vida. É na óptica desse tempo que crescemos, desenvolvemos as nossas capacidades criativas, fomos plasmando a nossa identidade, nos sentimos, ao mesmo tempo, próximos e distantes dos nossos pais e avós, seleccionamos os paradigmas e os padrões de vida que nos pareceram desejáveis, enfim, construimos o nosso próprio universo. Portanto, na linha evolutiva das espécies, dispomos de um tempo para nascermos (e ninguém nos perguntou quando, nem como, nem onde, nem de quem queríamos provir), dispomos – diria eu – também de um tempo para crescermos, nos afirmarmos, para construirmos o nosso próprio rumo, para escolhermos o rasto que pretendemos deixar, quando a destruição do nosso corpo se tornar inevitável. É nos parâmetros deste tempo que tudo podemos merecer e ser recordados positivamente, ou, ao contrário, cairmos na vulgaridade e no vil esquecimento. Em termos sociológicos e escatológicos, temos mesmo que escolher entre uma vida que se alongue para além do desaparecimento físico e nos traga satisfação e felicidade, ou uma outra que roce a vulgaridade e seja a antecâmara de um olvido tenebroso e inevitável. O uso que imprimimos à vivência do tempo que a Natureza e Deus nos facultaram háde ser a pedra de toque da nossa própria sobrevivência, tanto individual, como colectiva. Usar bem o tempo de cada um é, mesmo, o dom que nos distingue, apesar das semelhanças e da contemporaneidade que a todos nos envolve, desde o berço ao túmulo. E como é reconfortante e saudável reconhecer que muitos dos que nos precederam nos foram apontando modelos, horizontes de vida, paradigmas e valores que nós próprios reconhecemos e continuamos a estimar. Eles já partiram, iniciaram a última viagem antes de nós, mas continuam connosco, ajudaram a construir a sociedade que somos e que sempre desejamos melhorar. Fazem parte do nosso espólio, da nossa bagagem de conhecimentos, de atitudes, de comportamentos, de aspirações, que, como comunidade específica, pretendemos preservar e transmitir, viva e actuante. Na prossecução deste desiderato não podemos prescindir
da memória, que, afinal, a todos nos une, seja de uma forma ou de outra. Nenhum ser humano pode viver dignamente sem o permanente recurso à memória. É ela que nos guia, iluminando a inteligência. Como reconheceu o filósofo alemão Nietzsche, o exercício exacerbado da memória pode tornar a nossa vida um fardo insuportável, um inferno, se a recordação de algo de negativo se tornar obsessiva. Quem não for capaz de esquecer os desgostos, correrá o risco de optar pelo suicídio, de se deixar sucumbir sob o fardo de uma memória mortífera e destruidora da sua personalidade. Nesse sentido, o mesmo filósofo lembrava que esquecer, às vezes, é mais importante do que recordar. Porém, o exercício normal e equilibrado da memória é condição física da existência e da solidariedade humanas. Constatamos que quando alguém vai perdendo a memória se vai transformando num outro ser, às vezes só com a aparência da pessoa que foi outrora. Volta à infância, desconhecendo tudo: quem é, quem o rodeia, onde se encontra, para onde irá… Transforma-se num quase autómato, numa sombra do que foi. Apenas os outros identificam essa pessoa, sendo ela própria incapaz de o fazer. Perdeu o mais valioso daquilo que foi capaz de construir: a sua identidade. Por isso mesmo as pessoas, os grupos, as instituições, os povos e as nações cultivam a respectiva memória, usam-na como guia de acção, apontam-na como repositório dos seus valores, da sua força criadora e servem-se dela, também, para usar a inteligência, para corrigir erros, evitando fracassos do passado, para melhorar os caminhos do futuro. É nessa perspectiva que se cultiva a memória colectiva, que nos une e identifica como seres solidários e também nos distingue daquilo que nos é alheio. Nenhuma nação ou povo sobrevive sem memória e, portanto, sem história. Cada grupo humano elege os seus heróis, os seus santos, os seus ícones, os quais, em conjunto, personificam as suas virtudes e características. Eles podem mudar ao sabor dos tempos, mas têm que existir, mesmo que sob forma mítica, lendária, utópica. Assistimos, aliás, cada vez mais àquilo a que poderemos chamar a democratização da memória, i.é., a tentativa de a estender ao maior número possível de pessoas. Esta deve ser partilhada por todos e, portanto, sucedemse as publicações de histórias, de memórias (da literatura, das ciências, das técnicas, da medicina, da filosofia, das artes, do teatro…), todas com o objectivo de que ninguém ignore a sua identidade, local, nacional, ocidental. Os museus, que tantos
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milhões de pessoas atraem a certos países todos os anos e para alguns se transformaram numa autêntica mina de ouro (em Itália, por exemplo, onde os seus ingressos representam cerca de um terço do PIB, o mesmo sucedendo na Áustria e em tantos outros), não são mais do que a exposição sistemática e permanente da memória colectiva e fontes de identidade nacional. Quem os não tem de boa qualidade ou os não cuida é, ou tornar-se-á, cada vez mais pobre. Eles são escolas de democratização da memória e de agitação cultural identitária2. A memória e a sua consciência são, pois, fulcrais para o exercício de uma cidadania consciente e livre. Quem a não tivesse ou a perdesse, teria que aprender tudo todos os dias e nunca saberia coisa alguma. Viveria sem horizonte, sem rumo, em suma, apenas como um corpo ainda com vida, mas não como uma pessoa. Hoje nós reunimo-nos, esquecemos, mesmo que momentaneamente, as nossas diferenças, interesses e gostos pessoais e prestamos culto à nossa memória colectiva, desafiando o tempo, e sentindo assim mais forte a nossa identidade. Naturais, residentes ou amigos de São Jorge prestamos o nosso tributo simples, mas duradouro e sincero, à memória do Dr. Carlos Pinho Ribeiro, que durante mais de 40 anos escolheu esta então freguesia, hoje vila, para viver e exercer, com empenho e dignidade, a sua profissão, no seio das famílias em que nascera e na que ele próprio constituira. Quem com ele conviveu proximamente sabe que era homem modesto, solidário, simples, às vezes impulsivo nas respostas imediatas, mas logo as corrigindo, por ser bondoso, atento, observador criterioso de tudo o que o rodeava e apostado em contribuir para o desenvolvimento e bem-estar das pessoas e para o prestigio da terra que adoptara como sua. Frequentava os lugares de convívio tradicional onde se ia informando de tudo e sempre dispunha de uma palavra de incentivo, de encorajamento, para quem ousava escapar à amarras de uma existência rotineira e, às vezes, a roçar o trivial. É essa figura que nos agrega hoje. Se aqui estivesse, sentir-se-ia surpreendido e, talvez, até incomodado, se lhe fosse permitido manifestar-se. Esta manifestação colectiva colidiria com a sua modéstia. Ao evocá-lo, ocorre-me glosar palavras do famoso sermão do Padre António Vieira, que do púlpito, com a argúcia 2 A Democratização da Memória. A Função Social dos Museus Ibero-Americanos. Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, 2008.
e eloquência que o caracterizavam, surpreendeu, um dia, os seus ouvintes começando a sua prédica pelas seguintes palavras da Sagrada Escritura: “Bem aventurados os mortos que morrem no Senhor…”. E Vieira, de imediato se interrogava: “Mortos que morrem?” E responde: “Sim. Se assim é, então é porque há mortos que apesar de terem morrido, de se haverem separado de nós fisicamente e para sempre, ainda continuam vivos”. Mas haverá mesmo? E ele sentencia. “A Escritura não se engana e nunca mente.” É certo e verdadeiro – e nós sabemo-lo – que há mortos que não morreram!... E o grande jesuíta tem mesmo razão. Há mortos que estão vivos. Quem são esses? Os que vivem connosco, que fazem parte da nossa memória, da nossa sensibilidade, do nosso património familiar e humano, aqueles que nos pertenceram pelo sangue, pela amizade, pelo afecto. Na verdade, só se morre verdadeiramente quando se é esquecido, abandonado, silenciado em definitivo. Eis a razão pela qual os nossos cemitérios, para além de lugar de oração e de reflexão, são também, por excelência, um lugar de memória, onde se procura combater, ou pelo menos atenuar, a usura do tempo. Nas nossas sepulturas, além de símbolos cristãos, as famílias procuram, através de vários meios, perpetuar os nomes, as datas, as imagens daqueles que continuam a viver e fazer parte delas mesmas. Por isso visitam os que aí repousam, levam-lhes flores, os contemplam, lhes manifestam saudade, e lhes falam, mesmo sem articular palavras. E quem não procede assim, quem se afasta dos seus entes queridos, já desaparecidos, quebra o pacto de solidariedade humana, perde uma parte da mais genuína humanidade. Nos cemitérios, passado, presente e futuro fundem-se como em nenhum outro lugar. Eis a razão de fundo pela qual hoje, logo após a missa de sufrágio pela alma do Dr. Carlos, fomos ao cemitério, garantir-lhe que, para nós, ele ainda está e continuará vivo. É por isso que eu gosto muito desta pequenina oração de Santo Ambrósio (séc. IV), que pode (e deve) ser recitada por todos, sejam eles crentes ou não, religiosos ou agnósticos. Ei-la. Chama-se Eu e os Outros e diz: “eu vos rogo, … depois da morte não me separeis dos que amei nesta terra. Fazei, Senhor, Vo-lo suplico, que lá, onde eu estiver, os outros se achem comigo!” Mas… a quem estamos, de facto, a referir-nos? Quem é o alvo desta nossa romagem de saudade, de apreço, de carinho? Por estranho que pareça, poucas respostas havia (e ainda há…) para as muitas questões que envolvem a
figura do Dr. Carlos Ribeiro, como homem e como cidadão, que desempenhou alguns cargos públicos na área da saúde, quer nas Termas, quer sob a tutela do poder público e que teve o consultório aberto durante décadas na casa materna. Darei, a seguir, conta do resultado das diligências que levei a cabo (no país e no estrangeiro) e nas quais ainda há lacunas, bastantes, aliás. Os pais de Carlos Pinho Ribeiro chamaram-se Inês Moreira Ribeiro e António Pinho Ribeiro. O nome da D.ª Inês aparece também, em alguns documentos, como sendo Inês de Pinho Ribeiro, o que é manifesta gralha. Na verdade, tive acesso ao livro de registos de baptismo da freguesia de Escariz (Arouca), de onde a senhora era natural e relativo ao ano de 1885. Lá consta que ela nasceu a 21 de Março, que era filha legítima de Manuel Gomes Moreira e de Maria Rosa Moreira, lavradores e proprietários, moradores no lugar de Alvite de Cima e que ela era neta paterna de outro Manuel Gomes Moreira e de Maria Soares de Azevedo e materna de Caetana Moreira, solteira. Portanto, na sua família só havia os nomes Moreira e Azevedo e, por isso, ela não poderia chamar-se Pinho, visto que do marido apenas adoptaria o último nome, i.é., Ribeiro. Aliás, o padrinho de baptismo de D.ª Inês era um seu tio paterno, o Padre António Gomes Moreira3. Ao casar, a senhora contava 18 anos de idade e o marido 30. Ela faleceria a 15 de Janeiro de 1976, com 90 anos de idade e o marido em 13 de Outubro de 1929, aos 56. António Pinho Ribeiro era natural de São Jorge (de
Caldelas), como então se dizia e filho de José Henriques Ribeiro e de Miquelina Alves Pereira, ambos da mesma freguesia, neto paterno de Manuel Henriques e de Ana Maria e materno de José Alves de Pinho e de Maria Pereira. António nasceu a 30 de Setembro de 1873 e foi baptizado a 2 de Outubro do mesmo ano. O seu pai, portanto, o avô paterno do Dr. Carlos, era ferreiro e a avó trabalhava em casa. Aliás, a profissão de ferreiro parece ter sido frequente na família, pois um tio-avô do Dr. Carlos, da parte do pai, chamado António Henriques Ribeiro, era morador na Sé, e aparece, num documento de 1902, também como ferreiro4. Em data incerta, mas que não andará longe dos finais de 1880 ou da década seguinte, António Pinho Ribeiro deverá ter emigrado para o Rio de Janeiro, Brasil5. Porquê? À procura de melhores condições de vida, na mira de fortuna, mais ou menos rápida, como era expectável para tantos jovens da sua idade e da sua terra6. Talvez um dia regressasse com meios para viver em Portugal dignamente7. Dois dos seus irmãos seguiriam o mesmo rumo. Um chamava-se Domingos e, em 9 de Outubro de 1900, já casado e com 23 anos, obtivera passaporte para o Rio, sendo mais novo que o irmão António uns 4 anos. O outro, de nome José, ainda mais novo, conseguiu passaporte em 3 de Setembro de 1902 e contava 16 anos. Domingos é referido como negociante, i.é, pessoa já com bens, enquanto José é apontado como lavrador, ou seja, trabalhador rural. Embora não haja ainda documentos abundantes, creio
Arquivo Distrital de Aveiro, Livro de Registos de Baptismo da freguesia de Escariz – Arouca – Ano de 1885, f.75. Idem, Livro de Registos de Casamentos da freguesia de São Jorge de Caldelas, relativo ao ano de 1902. António Henriques Ribeiro, era viúvo de Maria Gomes e casava, de novo, aos 72 anos, com Gracinda dos Santos, de 38, sendo ele morador no lugar da Sé e ela natural de Valbom, Gondomar. Além de sabermos que era ferreiro, no documento são indicados as testemunhas do acto e o abade, a saber, Manuel Ferreira, mestre de obras, do lugar de Azevedo, Bernardo Ferreira, negociante, da Sé e o Padre José Correia Dias de Almeida. 5 Apesar de todas as diligências (e foram muitas…) não foi possível, até ao momento, encontrar o seu registo de passaporte. Várias hipóteses podem colocar-se, a propósito disso. Uma (muito provável) é que estando perto da idade de prestar serviço militar tenha saído do país sem autorização, regularizando mais tarde o seu estatuto, como muitas vezes sucedeu. Outra é que tenha solicitado o seu passaporte a partir de outra freguesia (ou distrito) e, por isso, o seu registo não aparece. Talvez os registos consulares do Rio de Janeiro possam vir a esclarecer o assunto. 6 É verdadeiramente surpreendente, em número e até em idades, a quantidade de adolescentes e de jovens (homens) que todos os anos deixava a sua terra, rumo ao Brasil (Amazónia, Rio de Janeiro, S. Paulo), a partir das terras de Entre Douro e Vouga; São Jorge estava nisso bem representado. Quase não havia família que não participasse desse êxodo sistemático para a América do Sul e, eventualmente, também para África (S. Tomé, Moçambique e Benguela). Os livros de registos de passaportes documentam-no e explicitam os nomes. Alguns deles regressariam, com dinheiro ou, pelo menos, remediados, mas a maioria não. Por lá ficava definitivamente, quase sem deixar rasto. 7 É obvio que o grande incentivo à partida deve buscar-se na melhoria de condições económicas, embora não exclusivamente. A inadaptação familiar, a fuga a pressões sociais fortes, a acção de redes emigratórias, a promessa (por vezes quimérica) de trabalho abundante e bem remunerado, funcionaram como aceleradores de um movimento que radica muito longe na sociedade lusitana. Há inúmeros trabalhos sobre este tema da cultura nacional, desde teses de doutoramento e mestrado, a simples monografias locais, memórias de famílias e artigos dispersos sobre figuras, sectores económicos, sobre obras de beneficência, de educação pública, de religiosidade colectiva. No caso especifico da emigração para o Brasil (e para o Rio de Janeiro) a partir da 2ª metade do século XIX leia-se o trabalho de Eulália Maria Lahmeyer Lobo, Portugueses en Brasil en el Siglo XX, editorial Mapfre, Madrid, 1994. A autora, professora emérita das universidades federal do Rio de Janeiro e federal fluminense, é filha de um emigrante nortenho, que atingiu sucesso e prestígio no Rio. Sabe, pois, mergulhar a fundo no que estuda, porque conversou muito sobre o assunto com seu pai e documentou-se convenientemente. 3 4
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poder afirmar que António, no Rio, se lançou na actividade comercial desde cedo. E ganhou dinheiro, mas resolveu não se radicar lá definitivamente. Nem sequer casar. Pretendia adquirir meios para regressar à sua terra para sempre. E, com alguma sorte, foi o que fez. Veio casar a Escariz, com a jovem Inês, sua noiva, de Alvite de Cima, herdeira de bens de fortuna, em 12 de Janeiro de 1904. No assento de casamento ele é descrito como negociante, o que equivale a dizer pessoa com posses8. Ainda durante esse ano de 1904, ou início do seguinte, António regressou ao Brasil, mas agora com a mulher. Vão morar na rua da Constituição, n.º 42, numa casa assobradada que habitualmente albergava por baixo o negócio, acomodando-se a família por cima. Foi nela, em zona movimentada da cidade, a norte do actual centro velho do Rio de Janeiro, que, no dia 7 de Junho do ano de 1905, pelas 8 horas da noite D.ª Inês “deu à luz uma criança de cor branca do sexo masculino que se chamará Carlos”, filho legítimo do declarante António Pinho Ribeiro. No registo, feito
dois dias depois na Terceira Pretoria e respectivo cartório, se refere que o declarante era natural de Portugal e negociante na cidade, apontando-se os nomes dos avós do menino. Foram testemunhas Ângelo Vitorio de Mello, funcionário público e José de Castro Vasques, empregado no comércio e morador na casa do declarante. Os três subscreveram o acto público, autenticado pelo escrivão, Gauvencio César de Mello9. Exactamente um mês após este registo, a criança foi solenemente baptizada na igreja matriz do Santíssimo Sacramento pelo Padre Francisco Traverso, constando no assento como filho de pais portugueses, e tendo-o apadrinhado Carlos Tavera Pintos de Azevedo e Evangelina Martins Tavera. O registo foi assinado pelo cónego cura Manuel Marques de Gouveia10. A partir de 1905 a família constituída por D.ª Inês Moreira (e não Pinho, como escreveram os brasileiros) e António Pinho Ribeiro começara a crescer. Aí veriam ainda a luz do mundo mais três irmãos do menino Carlos, a saber, Jalmires, António e Iracema. Os outros, em número de, pelo
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Livro de Registos de Casamentos da freguesia de Escariz. Ver Arquivo do Registo Civil de Arouca, Escariz, assento n.º 1 do ano de 1904.
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Eis a transcrição completa do registo de nascimento:
“Aos nove dias do mez de junho de mil novecentos e cinco nesta Terceira Pretoria e respectivo cartório compareceo Antonio Pinho Oliveira, na, digo Antonio Pinho Ribeiro, natural de Portugal, casado, negociante morador a rua Constituição numero quarenta e dous e na presença das testemunhas abaixo assignadas declarou: que no dia sete (sic) do corrente, as oito horas da noite, na casa acima dita, sua mulher Dona Ignez Pinho Ribeiro, natural de Portugal, deu a luz uma crinaça de cor branca do sexo masculino que se chamará Carlos, seu filho legitimo, neto paterno de José Henrique Ribeiro e Dona Miquelina Pereira e materno de Manoel Gomes Vieira e digo Gomes Moreira e Dona Maria Gomes Moreira. E para constar, lavrei este termo que lido e achado conforme assigna o declarante e as testemunhas Angelo Vitorio de Mello, empregado público morador a rua de São Clemente numero concoenta digo numero setenta e um e José de Castro Vasques, comecio (sic), morador a rua da Cosntituiçao numero quarenta e dous. Eu Rufino César de Mello, escrevente juramentado o escrevi. Eu Gauvencio César de Mello, escrivão, o subscrevo. Antonio Pinho Ribeiro Ângelo Victorio do Valle José de Castro Vasquez” Ref. – Rio de Janeiro – Cartórios de Registro Civil – 2ª. Circunscrição – Livro de Registro de Nascimentos da Freguesia do Sacramento – 1905, vol. 31, registro n.º 284, fls. 127 verso – 128. 10
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro – ACMRJ
“Revendo o Livro de Batismo 50 (AP 111), folhas 21 e 21v, registro n.º 174, da Freguesia do Santíssimo Sacramento, extraímos o seguinte assento: CARLOS Aos nove de Julho de mil novecentos e cinco nesta Matriz do Santíssimo Sacramento, o R.do P.e Francisco Traverso de minha licença baptisou solemnemente a Carlos nascido a sete de Junho do anno corrente, filho legitimo de Antonio Pinho Ribeiro e Ignes Pinho Ribeiro, portugueses: forão padrinhos Carlos Tavera Pintos de Azevedo e Evangelina Martins Tavera _ Para constar mandei fazer este assento que assigno. O Cónego Cura Manoel Marques de Gouvea Nada mais continha no sobredito assento ao qual fielmente me reporto e dou fé. Rio de Janeiro, 02 de Setembro de 2009 Arquivo da Cúria Metropolinatan do Rio de Janeiro MONSENHOR AROLDO DA SILVA RIBEIRO, Director”
menos, mais doze já nasceram em São Jorge. Ora, se tivermos em conta que o pai faleceria em 1929 (aos 56 anos) e que o período intergenético andaria, aproximadamente, pelos dois anos, isso significaria que o regresso do casal a Portugal com os 4 filhos mais velhos terá ocorrido entre 1910/1911. Carlos contaria 5 ou 6 anos de idade. Porquê o regresso nesta data, ao arrepio do que era normal? Na verdade, o fluxo emigratório para o Brasil continuava elevadíssimo! De S. Jorge partiam todos os anos vários jovens. E a decisão de António Pinho Ribeiro de regressar definitivamente pode parecer estranha, sendo tomada ao invés daquela que motivava a maioria dos seus conterrâneos. Várias razões a podem (ajudam) a explicar. Embora tendo ganho bastante dinheiro, ele tinha uma saúde precária, vindo a morrer ainda novo, de crise cardíaca. E o clima carioca não era favorável ao tratamento da sua doença. Daí o desejo de regressar. Por outro lado, a chamada Revolta da Armada, ocorrida contra o governo do marechal Floriano Peixoto, conduziu ao corte de relações diplomáticas entre o Brasil e Portugal, gerando-se, pois, um clima de anti-lusitanismo muito forte no Rio. Por toda a parte se ouvia o grito: “mata galegos”, isto é, corre daqui com os portugueses, expulsa-os. Além disso, a agitação social tomara conta da capital da República, com manifestações e greves sucessivas11. Decididamente, não era o ambiente favorável para Inês e António educarem os filhos já nascidos e aqueles que ainda viessem à luz do dia. Por isso decidiram regressar. Carlos, o mais velho, abriria o rumo aos irmãos. Foi cá que encetou e concluiu o seu percurso escolar, embora se não conheça documentação, quer do ensino básico, quer do secundário. Este, i.é., o secundário foi efectuado, juntamente com os dois irmãos, no Colégio dos Carvalhos. Carlos teve êxito, os outros não. Por isso ele se pôde inscrever na Escola Médica do Porto, antecessora da actual faculdade, o que deve ter ocorrido aí a partir de 1924, ou pouco antes. O certo é que, no dia 5 de Novembro de 1930, ele concluía a licenciatura, com uma média a roçar o bom – 13 valores. Três anos mais tarde, após os convenientes estágios, solicitava a
Carta de Curso, sem a qual não podia exercer a profissão12. A partir dessa data, o teatro da sua acção profissional será S. Jorge e o aro das freguesias circundantes, Lobão, Guisande, Pigeiros e, eventualmente, outras. Em 20 de Maio de 1942 casou com D.ª Maria Teresa de Jesus Gomes, graças a Deus ainda viva, contando ele 36 anos e ela 30. O enlace ocorreu por intermediação do pároco das Antas, Joaquim Teixeira Carvalho de Sousa, na residência da noiva, situada na Rua Costa Cabral, n.º 950. O casamento contemplava o regime de comunhão de bens, sendo testemunhas o pai da noiva Manuel Maria Gomes, comerciante, natural de S. Cipriano, Vila Nova de Cerveira e Maria Cândida Wendel da Silva, viúva, proprietária e residente em Costa Cabral, 993, no Porto13. A partir de então, o Dr. Carlos constituíra a sua própria família, no seio da qual nasceriam os dois filhos, a Maria Teresa e o António14. A sua vida quotidiana repartia-se entre o exercício da medicina e também a fruição de alguns tempos livres, que então se consideravam desportos: a caça, em que ele e os irmãos, sobretudo o Fernando e o Alcino, eram peritos e aficionados e a pesca, quando os rios ainda criavam e até abundavam em peixes. Dispunha de um modesto consultório no edifício da casa dos pais e era constantemente solicitado, pessoal ou telefonicamente, pelas pessoas atingidas por moléstias físicas. Nesses tempos, as gentes viviam muito modestamente, a maioria roçando mesmo a pobreza, sobretudo na sequência da 2ª grande guerra. As vias de comunicação não passavam de caminhos, lamacentos, pedregosos, tortuosos. A melhor forma de os vencer era a pé, de botas de borracha ou de sapatos grossos, ou então, a cavalo. Foi o que ele praticou durante anos, porque as estradas (em macdame) se apresentavam também em estado muito precário, durante grande parte do ano. Quando comprou um pequeníssimo carro preto, um Austin, de pneus finos e pouquíssima potência, pareceu um luxo. Mas o que o motivava era o auxilio a prestar às pessoas em aflição física e, por isso, também, às vezes, moral. Não esqueçamos que há mais de 60 anos não existiam os Centros de Saúde e de proximidade,
Universidade do Porto, Livro dos Registos de Licenciatura pela Faculdade de Medicina. Instituto dos Registos e Notariado, Arquivo Central do Porto, Registo do Casamento de Carlos Pinho Ribeiro, de 20 de Maio de 1942. 14 Mais elementos sobre a sua família, como os registos de óbito de seus pais e dele mesmo se encontram no Instituto de Registos e Notariado, acima citado. 12
A este propósito sugerem-se: Gladys Sabina Ribeiro, A Liberdade em Construção. Identidade nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro, 2002 e Adriana Lopez e Carlos Guilherme Mota, História do Brasil. Uma interpretação. Senac. S. Paulo, 2008.
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os hospitais a pouca distância e acessíveis em tempo curto, colegas com os quais fosse fácil trocar pontos de vista e expor dúvidas. Ele vivia rodeado de gente carenciada, mas isolado, ilhado, no seu espaço de acção. O médico rural transformarase, por isso, numa verdadeira unidade de urgência a que as gentes, em aflição, recorriam em pânico. E ele tinha que dar resposta imediata a tudo, desde uma simples gripe aos traumatismos ósseos ou cranianos, desde os olhos, ao fígado ou à gravidez feminina e desde o recém-nascido ao idoso, atingido por todo o tipo de moléstias. Lembro-me de alguém, da área médica, recentemente, me ter dito, a propósito de seu pai, médico em Castro Daire, há 7 décadas: “Um médico rural, transformara-se aos olhos do povo num quase mago, a última esperança perante a desgraça física, uma espécie de herói no dia-a-dia, que conhecia as pessoas pelo nome, pela família, pela história de vida, sendo também, tantas vezes, um conselheiro e um amigo a quem, excepcionalmente, também, se abria a intimidade individual”. E isto, meus amigos, o Dr. Carlos Ribeiro soube fazer muito bem e discretamente. Por isso o guardamos na nossa mente e no nosso coração. Ele era modesto, discreto, simples, observador, atento, desprendido, solidário, disponível em permanência, humanista e homem de sólida formação ético-moral. Sempre viveu com simplicidade e até alguma modéstia, da qual prescindiram muitos dos seus colegas. Além de prudente, passava também por ser dotado de tacto clínico e de perceber facilmente a inter-influência da psicologia na fisiologia de cada paciente. Revelou-se sempre particularmente atento aos mais humildes que nele, mais do que um médico, viam um amigo. Por isso, quase todos os nossos antepassados lhe deveram gentilezas, atenções, carinho, palavras de conforto em horas dramáticas. Muitos deles nem tiveram tempo ou oportunidade para lho agradecer. Estamos nós aqui a fazê-lo agora em nome de todos e por todos! Quero concluir com as palavras do nosso poeta e épico por excelência, Camões. Esta iniciativa do grupo Vá Lá Vá Lá Podia ser Pior só teve um objectivo: impedir, como quis Camões, ao escrever Os Lusíadas, que se apague a memória “daqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”. E o Dr. Carlos Pinho Ribeiro já escapou ao pior da lei da morte, i.é., ao esquecimento provocado por ela. Ele vive e ficará connosco. Porto, 09.09.06
CLERO ANTIGO DE MILHEIRÓS DE POIARES Manuel Leão* Nem sempre se tem dado a importância à acção do clero mesmo não paroquial. As actividades que hoje chamaríamos supletivas a que dedicaram o seu tempo livre deram um contributo de valor para o progresso local. O ensino quer primário quer a preparação específica para a ordenação sacerdotal encontrou o mais prometedor resultado. A consulta do arquivo paroquial não é suficiente a não ser para estabelecer limites à acção pastoral de cada um. O arquivo da diocese contém apenas alguns processos de inquirição de candidatos à carreira eclesiástica. O currículo subsequente desapareceu quer nas alterações políticas, quer nas deslocações dos papéis motivadas pelas andanças da sede episcopal. Está escrito que, em pleno século XX, no tempo do bispo Barbosa Leão, foram para a fábrica de papel muitos documentos. Os apontamentos que vamos publicar foram colhidos em fontes diversas, incluindo o arquivo diocesano: A mais antiga referência a clero de Milheirós situa-se em 1264. Trata-se do reitor Estêvão Pais. Numa escritura de venda, que aparece no Cartulário de D. Maior Martins, do convento de Arouca, o reitor de Milheirós encontra-se acompanhado por vários paroquianos: Estêvão João, Domingos Gonçalves, João Domingues, de Gaiate, e Pedro Bom.
Nova menção da autoridade paroquial aparece num documento de 1505, tempo de D. Manuel I. Este documento ficou conhecido porque foi transcrito em livro do século XVIII. Milheirós dependia eclesiasticamente do mosteiro da Serra do Pilar, que apresentava o pároco da freguesia. Trata-se da limitação e demarcação das áreas territoriais de freguesias confinantes com Milheirós: Macieira de Sarnes e Pigeiros. O auto respectivo foi lavrado em pleno monte, no mês de Novembro. Era abade de Milheirós o P. Diogo Barreto. Apesar de ter documento do Bispo, embora não seja classificado como provisão, para proceder à diligência e dispusesse do apoio do Conde D. Diogo Pereira, representado pelo juiz ordinário da Vila da Feira e Terra de Santa Maria, não foi tarefa fácil. O P. João Álvares, abade de Pigeiros e Cesar, nem assistiu nem assinou o documento. Este assunto de limites era geralmente fonte de conflitos. O mais clamoroso aconteceu no século XVII, depois da Restauração: os utentes dos terrenos comuns de Milheirós lançaram fogos sobre os terrenos da Espinheira, onde os de Arrifana vinham buscar vegetação herbácea e arbórea, sem lhes ser reconhecido direito para tal. O Juiz de Esgueira teve de intervir a bem da paz, como consta de documento encontrado nos livros do Convento da Serra do Pilar. Outro documento, arquivado no Arquivo Distrital do Porto (Po 5º., lª s.,9,220/1), refere o desaire sofrido por concorrentes a exames sinodais. A preparação do clero era apressada, não dando tempo para conhecimento aprofundado da matéria
* Natural de Milheirós de Poiares, concelho de Santa Maria da Feira, fez os seus estudos no Porto, tendo concluído o curso de Teologia e sido ordenado presbítero, na Sé do Porto, em 1943. Dedicou-se à educação e ensino, dirigindo o Colégio de Gaia, durante décadas. Esteve ligado à Fundação do Instituto Superior Politécnico de Gaia e Escola Profissional de Gaia, a cujas direcções pertence. Tem publicado numerosos estudos sobre história cultural do Porto e Vila Nova de Gaia, com incidência nos domínios da arte, da actividade livreira e do teatro portuense antigo. Tem promovido várias iniciativas de carácter social. Criou, em 1996, a Fundação Manuel Leão, com fins culturais e sociocaritativos.
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indispensável para os fiéis receberem o tratamento esclarecido e oportuno a que tinham direito. As constituições diocesanas estabeleciam exames, que hoje chamaríamos de reciclagem e havia rigor, porque os juízes sinodais tinham estudos mais especializados e estavam também sob pressão profissional para evitarem desastres resultantes de intervenientes menos sabedores. Desta vez, o P. Manuel de Pinho, de Milheirós, juntouse a João Rodrigues, de Romariz, e a António Francisco, de Valongo. Os três clérigos de missa tinham sido reprovados pelos juízes sinodais ou examinadores. Não podiam exercer qualquer mister religioso, sob pena de prisão se tal fizessem. Nada mais sabemos sobre o desfecho desta iniciativa, que sabemos não ser caso raro. No clero antigo de Milheirós, aparece um nome bastante significativo da época. Foi durante o domínio filipino e a propósito da obrigação de passar por um exame que tinha em avaliação a preparação teórica doutrinal dos presbíteros que estavam na actividade pastoral. Os seminários, enquanto escolas específicas tinham sido instituídos no Concílio de Trento, no século XVI, mas a sua implantação nas dioceses foi muito lenta. O clero estava obrigado a sujeitar-se a um exame, em que podia haver reprovações. Era o exame sinodal. As constituições sinodais continham essa, entre muitas determinações tanto para o clero como para os fiéis. Em 1610, o P. Manuel de Pinho e mais dois clérigos de missa vieram reclamar contra as reprovações que os juízes sinodais lhes tinham dado. O documento encontra-se no Arquivo Distrital do Porto (Po 5,1º. S., 9,220/01). Não sabemos o resultado, mas o recurso ao notário que representava a justiça do rei parece significar alguma desconfiança sobre a justiça eclesiástica, que aliás era a que estava em causa. O P. António de Pinho Castilho, também de Milheirós, se não era homem do foro, pelo menos recebeu várias procurações para fins judiciais. Por exemplo, em 1728 (Ibid. 155,64), recebeu procuração dum mercador ou homem de negócio, de Santa Marinha de Gaia. Novas referências notariais aparecem em 1731 (Po 2,247,4) e em 1744 (Ibid.271,284v), esta quando requer transcrição que garante pagamento. José de Távora Noronha tinha-lhe pedido empréstimo de quinze moedas de ouro de 4800 réis cada. Em 1749 (Po lº. 4ª. S., 291,175), o P. Matias Soares
da Silva assina como testemunha de escritura. P. Teodósio Correia Mendes paroquiou Milheirós no século XVIII. Em 1759 (Po, 4ª S., 22,46v), comprou casas sobradadas no lugar da Igreja. Tinha varanda, cozinha, currais, palheiros, pomares, ramadas, eira, com parede à volta. O P. Teodósio Correia Mendes, do lugar de Milheirós, era filho de José Francisco Ferreira e de Mariana de Oliveira. O seu processo foi iniciado em casa do P. João Carlos de Azevedo, em 1792. Suponho que será homónimo e familiar do primeiro. Depuseram na fase de inquérito Joaquim Gomes Leite, solteiro, de 60 anos, da Laranjeira; João Leite Soares de Resende e Reis, formado em direito canónico, que ensinou o candidato. Em 1795, foi constituído património para dois filhos do casal: Manuel José de Oliveira e Teodósio Correia Mendes. Os bens situavam-se no lugar de Milheirós, com predomínio de terrenos a mato e pinhal. A instrução eclesiástica, nestes recuados tempos, era bastante rudimentar. Os candidatos eram ensinados por sacerdotes mais versados nos assuntos e, depois, requeriam exame, junto do bispo diocesano. Nos registos paroquiais, começados no século XVI, por decisão do Concílio de Trento, é visível a falta de preparação de muitos sacerdotes que tinham obrigações pastorais. O P. Teodósio faleceu em 1797, beneficiando largamente as confrarias locais. Em 1766, morreu o P. João Azevedo Aranha, ficando como herdeiro o sobrinho P. João Carlos Azevedo. Em 1771, morreu na Quinta das Relvas, o P. Manuel Borges da Silva, tio do Dr. José Jacinto da Costa Reis. Em 1782, em Dentazes, morreu o P. José Alves, sendo ainda vivo o seu pai, Cipriano Alves. O P. José Alves, de Dentazes, filho de Cipriano Alves e de Maria Francisca, recebeu património para a sua ordenação, em 1779. Teotónio de Almeida Pinto recebeu património para carreira na Igreja, em 1766. Era presbítero do hábito de S. Pedro e bacharel. Andou pelo Rio de Janeiro e tinha família em Paços de Brandão. O Rev. Dr. Teotónio de Almeida Pinto faleceu em 1796, depois de ter perdido o uso da razão. O seu herdeiro principal morava em Avanca. Há um homónimo Dr. Teotónio Almeida Pinto, falecido no Rio de Janeiro, em 1766 (Po 5º 1ª s., 228, 112v/4). Era irmão de Caetano José Pinto de Almeida. Não sabemos de grau de parentesco existente.
Em 1766 (Po 1º 4ª s., o P. Teotónio estava no Rio de Janeiro, passando procuração ao P. Manuel Borges da Silva, de Milheirós de Poiares. Em 1803, em Dentazes, faleceu Manuel Alves Moreira, sacerdote natural de Duas Igrejas, tendo 25 anos de idade. Em 1804, no lugar da Igreja, faleceu o ver. Dr. João Carlos Azevedo Aranha. Em 1817, com 87 anos, faleceu o P. Manuel Gomes Leite Em 1820, faleceu o Rev. Dr. João Leite Soares de Resende, formado em Direito. Em 1827, em Dentazes, com 73 anos, faleceu o P. António Francisco Alves. Em 1829, nas Relvas, morreu o P. Joaquim Manuel da Costa Reis, de doença súbita, com 35 anos. Em 1845, faleceu o pároco da freguesia, João Martins Pereira O P. António Alves Moreira era filho do tenente Manuel Alves Moreira e de Joana Gomes. Havia um encarregado da paróquia, que se chamava cura, e era o P. João Martins Pereira. Eram do Seixal. A história da família está bastante ligada a este sacerdote, a quem o meu pai ainda chamava Tio Padre Reitor, passadas várias décadas. Foi padrinho do Dr. Guilherme, ensinou e protegeu o sobrinho Domingos Alves Moreira e foi o primeiro mestre de Manuel Azevedo, que, na sua autobiografia, o menciona. O P. António Dias de Pinho era filho de José Dias dos Santos e de Ana Maria de Jesus. Nasceu em 1823. O seu processo de ordenação é de 1842. A extinção das Ordens Religiosas provocou desequilíbrios graves tanto no campo da assistência como no do ensino. As consequências sócio-económicas ficaram consagradas na expressão lapidar que encontramos nas viagens, de Almeida Garrett: matámos o frade e criámos o barão. Esta expressão de nostalgia histórica acentuou-se em 1859 (o direito, nº. 44, de 24 de Fevereiro). Houve um movimento generalizado pelo país a favor das ordens religiosas, que a imprensa ia publicando, apresentando os nomes dos subscritores. Milheirós de Poiares também encontrou expressão para as suas ideias, de que escolhemos estes nomes: P. António Alves Moreira, reitor Crispim José Borges de Castro, proprietário Gaspar José Borges da Costa, negociante Manuel Leite Resende Leão
Manuel Alves Moreira. António Leite Dias de Pinho recebeu ordens menores, em 19 de Setembro de 1866, no mesmo dia em que as recebeu Manuel de Oliveira Costa, o futuro Abade Costa ou Conselheiro Costa, influente político concelhio (Ibid. Nº. 111). A vida de António foi efémera. P. António Leite Dias de Pinho, nasceu em 1845 e era filho de Manuel Leite Resende Leão, meu bisavô, e de Ana Maria Dias se Pinho, do lugar de Milheirós. O processo é de 1866. Depôs nele o P. João Ferreira de Azevedo, de 41 anos, então morador na Rua da Boavista, no Porto. Suponho que estaria na casa do P. António Dias de Pinho, seu tio. Naquele tempo e ainda depois, quando foi organizado em código o Direito Canónico, havia a constituição de património. O Bispo não tinha obrigação de dar serviço pastoral a quem fosse constituído património. Em 1867 (Po 8,537,83 v), foi lavrada a escritura para conceder património, no Porto. O procurador do meu bisavô, Manuel Leite Resende Leão, foi o cunhado P. António Dias de Pinho. O património podia ser constituído numa propriedade ou em numerário. Este foi de um conto e quatrocentos mil reis. António Leite de Resende, natural de Cesar, onde nasceu em 1844, morava no Seixal. Era filho de Francisco Leite de Resende e de Margarida Rosa. O seu processo tem a data de 1871. Neste ano, era coadjutor de Milheirós Joaquim Jorge de Pinho, porque o pároco, P. António Alves Moreira, estava gravemente doente. Foi-lhe constituído património. O nome da mãe aparece completo, na escritura notarial (Po 1º, 4ª s., 716,15v): Emília Margarida Rosa de Oliveira. Curiosa foi a presença como testemunha de Domingos Alves Moreira, com a profissão de caixeiro, como se chamavam os guarda-livros. Era também um vizinho do Seixal que se tinha estabelecido no Porto. Caetano António de Pinho, de Dentazes, era filho do capitão Paulo de Pinho e de Mariana Teresa. Em 1752, era bispo do Porto D. José Maria da Fonseca e Évora. O pároco era o P. Teodósio Correia Mendes, como cura. Aparecem dois sacerdotes como testemunhas inquiridas: O P. João de Azevedo Aranha, do lugar da Igreja; e o P. Manuel de Sousa Pedrosa, no lugar da Igreja. Em 1793, ocorreu o processo de Francisco Ferreira de Azevedo, do Seixal. Era filho de José Ferreira e de Alzira Gomes. Era cura P. José da Rocha Oliveira Monteiro, Como testemunhas inquiridas, encontram-se P. João Carlos Azevedo
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Aranha: e Manuel Pereira, da Igreja, que era sombreireiro. No concelho da Feira, havia muitos sombreireiros, como então se chamavam os chapeleiros. É um estudo que ainda não se fez, embora me tenham aparecido muitos que até enviaram remessas de chapéus para o Brasil. P. João Ferreira de Azevedo, do Seixal, tio de minha avó paterna, teve o seu processo organizado em 1843. Era cura P. João Martins Pereira. O ordinando era filho de Caetano Ferreira de Azevedo e de Teresa Joaquina Rosa. Manuel Azevedo, irmão de minha avó que teve êxito no Brasil, foi iniciado nas letras por este seu tio. Antes da data anterior, o P. João Martins Pereira viu o seu processo terminado. Era filho de Simão Martins Pereira e de Maria Gomes de Pinho. O património foi constituído por propriedades rústicas que estão na minha posse: leira do Escarigo, Espinheira de Baixo e Espinheira de Cima. Em 1726, o P. João de Pinho, tendo falecido os pais, Manuel Gomes e Mariana de Pinho, dotou-se a si mesmo. Era de Gaiate. Em 1828, o P. José Francisco Lopes, natural de Avanca, era filho de José Francisco Lopes e de Antónia Maria Pereira de Melo. Manuel Gomes de Carvalho, do Outeiro, depôs. Devia morar na casa que me pertence e lugar de nascimento de todos os meus irmãos. Em 1825, começou o processo de Manuel Leite Veloso, do lugar da Igreja, filho de António Luís de Azevedo Veloso, de Fermedo, e de Ana Maria Clara, viúva, de Santiago de Riba Ul. Em 1829, foi a vez de José Pedro da Costa Reis, filho de Manuel Pedro da Costa Reis e de Maria Joana. Esta família ainda era chamada do Manuel Pedro, sendo a figura mais conhecida a Srª. Antónia, cuja casa estava quase em frente ao portão de saída do adro a nascente. Vitorino Joaquim Borges Pereira de Carvalho, nascido em 1823, era filho de Luís Fernandes da Mota e de Bernardina Rosa Pereira de Carvalho. O processo tem a data de 1846. O P. Osório Gondim de Pigeiros, ensinou-lhe letras para se
ordenar. Em 1848, Miguel Joaquim Borges de Castro, da casa da Mâmoa, inicia o seu processo. Era filho de Crispim José Borges de Castro e de Joaquina Maria de Moura e Silva, antepassados do Dr. Crispim. Em 1856, na Mâmoa, faleceu o Rev. Dr. Miguel Joaquim Borges de Castro, filho de Crispim José Borges de Castro. Em 1866, Manuel de Oliveira Costa começa o seu processo. Era filho de Bernardo José de Oliveira Costa e de Ana Maria Leite. Veio a ser o famoso Abade Costa, de Arrifana, ou, mais tarde, o conselheiro Costa, na política. Depuseram como testemunhas Crispim José Borges de Castro, Vitorino Ferreira de Azevedo, de 58 anos, meu bisavô paterno, e António Dias Resende. Em 1908, começou o processo de P. José Leite Dias de Pinho, meu tio, irmão de meu pai. Concluiu o curso em 1910, tendo a família e a freguesia feito uma festa pública em 15 de Agosto desse ano. Começou por paroquiar Macieira de Sarnes, muito perto da casa de meus avós. Portanto, daí exercia a paroquialidade. Depois, foi nomeado para a Senhora da Hora, de que foi o primeiro pároco. Em 1922, tomou posse em Oliveira do Douro, onde veio a falecer em 1960. A sua biografia consta da monografia, da autoria do Dr. F. Barbosa da Costa.
Igreja de Milheirós de Poiares.
O ANO DA FUNDAÇÃO DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE SANTA MARIA DA FEIRA. UMA NOVA NOTÍCIA Francisco Ribeiro da Silva*
Todos nós que gostamos de Santa Maria da Feira e da sua movimentada e entusiasmante história multissecular, prezaríamos muito poder decifrar o enigma da data da fundação de uma das suas instituições mais antigas e mais representativas que é a Santa Casa da Misericórdia. Diga-se, de passagem, que tal mistério não envolve apenas a Misericórdia da Feira, mas uma parte significativa das Misericórdias de Portugal, sobretudo as mais antigas. Quando não existe um alvará régio de fundação ou de atribuição de privilégios, ou quando se perdeu uma parte do Arquivo, a tarefa de descobrir a data da fundação das Misericórdias complica-se e dá azo a afirmações ou «invenções» incorrectas e pouco rigorosas. Mesmo quando há alvará régio de atribuição de privilégios, tal não significa que a Misericórdia a que eles são atribuídos em determinada data, não tenha sido fundada vários anos antes. É o caso da Misericórdia da Feira que obteve os privilégios da Confraria da Misericórdia da Lisboa por concessão de Filipe II, em alvará de 18 de Novembro de 1594. Encontramos esse documento na Torre do Tombo e transcrevemo-lo em artigo publicado em 19951. *Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Esse achado, importante mas de pouca extensão, confirmou a data que Vaz Ferreira, num artigo escrito no «Correio da Feira» em 19462 propôs como data de fundação da Misericórdia da Feira. Com uma diferença essencial: é que 1594 não era data de fundação mas sim de outorga à Misericórdia da Feira (que já existia) dos privilégios da de Lisboa que fora a primeira e modelo das demais. Tinha razão, pois, o autor de uma tese de licenciatura em História apresentada à Faculdade de Letras do Porto sobre a Misericórdia da Feira, quando punha reservas à data de 1594 como data de fundação3. De qualquer modo, tínhamos ficado com a certeza de que a Misericórdia de Santa Maria da Feira é anterior a 1594, pois nesse ano Filipe II de Espanha (I de Portugal) respondera favoravelmente a um pedido feito (não sabemos quando) pelo Provedor (cuja identidade ignoramos) e Irmãos da Santa Casa. Pelo menos tínhamos uma referência segura. Recentemente, preparando um trabalho sobre a Misericórdia do Porto nos Arquivos da mesma, deparou-se-nos, por mero 1 SILVA, Francisco Ribeiro da, A Misericórdia de Santa Maria da Feira. Breve notícia histórica in «Revista da Faculdade de Letras. História», II série, vol. XII, Porto, 1955, pp. 355-370. 2 Mais tarde esse artigo - Misericórdia da Feira – quando foi instituída - foi incluído no volume Ferro Velho, II, Santa Maria da Feira, 1989. 3 VITORINO, António Ferreira, Elementos para a História da Santa Casa da Misericórdia da Vila da Feira, (dactilografada), Porto, 1973.
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acaso, uma informação documental que nos permite afirmar que a Misericórdia da Feira já existia em 1579. Ou seja, podemos seguramente recuar, pelo menos, 15 anos quanto ao tempo a quo do seu funcionamento. Como assim? Trata-se do testamento do Cardeal-Rei D. Henrique que, como é sabido, faleceu em Almeirim a 31 de Janeiro de 1580. Ora o dito Cardeal, na relação das suas últimas vontades, deixou doze mil e quinhentos cruzados para dotar 200 órfãs em todo o Reino, dando-se a cada uma vinte e cinco mil réis – quantia que, diga-se de passagem, se podia considerar uma boa ajuda para o casamento. A condição é que as órfãs a escolher fossem pobres, de boa fama e sem mistura de raça. A selecção seria feita por Dioceses, com a ajuda dos Provedores e Irmãos das Misericórdias que sobre o assunto sabiam bem como proceder, visto que uma das suas acções de verdadeira promoção social desde a primeira hora era a de dotar órfãs pobres para mais facilmente poderem constituir família. Nesse sentido, avisado pelos Testamenteiros, o Bispo do Porto, D. Simão de Sá Pereira, comunicou por escrito à Misericórdia do Porto para que esta tratasse de organizar o processo de selecção das candidatas. Em reunião de 18 de Março de 1580 o Provedor e a Mesa da Misericórdia do Porto nomearam uma comissão de 4 Irmãos para divulgarem a caritativa disposição do Rei D. Henrique e apurarem as candidatas que preenchiam os requisitos para serem admitidas4. Fez-se a necessária divulgação pelos meios que à época existiam, sobretudo avisos dos párocos nas missas dominicais, e em 30 de Maio do mesmo ano, o trabalho de apuramento estava feito. De entre as muitas dezenas que haviam apresentado a sua petição, foram seleccionadas 55 candidatas para os 15 dotes que cabiam à Diocese do Porto. No dia seguinte, 31 de Maio, o Bispo, o Provedor, os Irmãos da Mesa e a Comissão reuniram-se na Casa da Misericórdia para fazerem a distribuição. Decidiu-se que 7 desses dotes seriam distribuídos por órfãs da cidade e arrabaldes (incluindo naturalmente Vila Nova, Gaia, Miragaia e Massarelos). Decidiu-se que um seria para uma órfã nobre e os restantes seis para meninas de «menor condição», como se designavam as filhas de mesteirais. A escolha das sete foi feita, não por
4 Arquivo Histórico da Misericórdia do Porto, Livro de Lembranças, Secção D, Banco 8, nº 2, fl. 24-26.
votação nominal, mas por sorteio. Como sempre acontecia nestas situações, era uma criança inocente que se convidava para retirar do saco o nome das sortudas para que não houvesse dúvidas sobre a «transparência» do acto. O nome das contempladas, a sua filiação e até a sua morada constam da acta lavrada na altura. Os restantes 8 dotes seriam repartidos por toda a Diocese, do seguinte modo: dois seriam distribuídos respectivamente pela Misericórdia da Feira e pela Misericórdia de Mesão Frio, que eram as terras que, na Diocese, para além do Porto, dispunham de Santa Casa. Cabia aos respectivos Provedores e Mesa organizar o processo e seleccionar a candidata. Os restantes seriam para os lugares de Matosinhos-Leça, São João da Foz, Azurara, Arrifana de Sousa (Penafiel), Canavezes e Entre-os-Rios. A recolha de informações e selecção destas caberia ao Bispo e à Misericórdia do Porto. De uma parte desse documento em que se menciona a Misericórdia da Feira segue anexa a digitalização que me foi possível. Para o nosso propósito, o importante a realçar é muito simples e é o seguinte: seguramente nos finais de 1579 a Misericórdia da Vila da Feira existia e funcionava. Desde quando? Continuamos a saber o mesmo, ou seja, a ignorar completamente. Quem sabe, se algum dia, qualquer pesquisador atento encontrará alguma notícia, ainda que indirecta como esta, que nos permita fixar o verdadeiro tempo da fundação?
SOBRE O HIDRÓNIMO “VOUGA” ** Domingos Azevedo Moreira *
O rio português Vouga, outrora Vácua (Estrabão, Ptolomeu, Marciano), Vaca ou Vagia (Plínio), Uauga 883 e Vauca 994, etc. (1), integra-se num tipo hidronomástico indoeuropeu Vaccom as variantes fonéticas Vag- e Bac- / Bag- , observadas também no topónimo Ilurci / Iburguia (quanto a c/g (2) e nos antropónimos Dobiterus/ Douiterus, Bocontius/Voconti etc. quanto a v/b (3). A extensão geográfica da base hidronímica Vac- (com as suas variantes ) é a seguinte, segundo os dados dos estudos de Hans Krahe (4) , Aemilius Hübner (5) , J. U. Hubschmid (6) , J. Hubschmid (7) , J.Pokorny (8) , A.Holder (9) , Albert Dauzat em colaboração com Gaston Deslandes e Charles Rostaing (10) , Adolf Bach (11), Christian J. Guyonvarc’h (12): 1 – Baça Estemadura portuguesa <*Bacia (comparar com o nº. 6); 2 - “arroyo Vaucello” Lugo – Galiza (13) que lembra “uilla que uocitant uaucella I … I discurrente ribulo uauga” 1083 (14) hoje Vouzela , donde procede o nome do rio Zela, afluente do próprio Vouga, segundo o princípio de etimologia popular observado por P. Lebel (15) em França com os rios *Pároco de Pigeiros
**Primeiras Jornadas de Estudo sobre a Terra de Santa Maria. Organização da Câmara Municipal. Secretariado da Biblioteca Municipal. Apoio da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 7/9 – Abril – 1988.
Dor e Dogne a respeito do principal Dordogne, Aube e Ton a respeito do rio principal Aubeton, etc. ; 3 – Vaga Norte de África; 4 – “flumen Bacchi” 1145 Sardenha; 5 – “Riu Bacu” Campidano – Sardenha ; 6 – “fkuvio Baciole , Baciola” séc. XII Yonne (França); 7 – “Bachacium” 1487 / Bachas afluente do Durance (França); 8 – deusas “Matrone Vacallinehae” Gália (comparar com Vacalus, n. 14) ; 9 – “rivum Bacinnum” 798 Monte Cassino; 10 , 11 , 12 - rio * Bagantia / Baganza Parma – Emília ( Itália ) que lembra os seguintes dois rios alemães : - * Bagantia / Pagancia 1015 hoje Pegnitz afluente do Rednitz /Regnitz, com o mesmo fenómeno fonético b/p de (Castra) Batava/Passau ; - * Bagantia / Begnicz 1377 Rhön 13- Bacuntius (Plínio ) Vacóntion (Ptolomeu) hoje Bos(s)ut afkuente do Save na Panónia; 14- Vacalus ( César ) e Vahalis (Tácito) hoje Waal, afluente holandês do Reno, com o fenómeno fonético c/h (na segunda forma) da l.ª mutação consonântica germânica notada já por H. Krahe neste e noutros nomes próprios como Coriovallum / Heerlen , Carvium / Herwen, etc. (16); 15- o rio Wach(en)bach (17) contén Vac- como primeiro componente ; 16 – 17 – 18 – 19 – na zona balto eslava, onde a
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aparece em certas áreas representado por o , temos: rio lituano Voka ou russo Vaka afluente do Vilija , rio Vokupis , com o segundo elemento dos rios de mesa zona Navupe , Antupe , Sesupa , etc.(18), mar Wakanty Suwalki , rio Vakuszanka afluente do Narevka (Grodno) ; 20- (Caksu) Vaksu Índia .
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Os mesmos autores acima citados, além de R. Schmittlein (19) e outros (que referiremos em nota), depararam na mesma área com os seguintes apelativos que formal e semanticamente podem bem corresponder aos referidos hidrónimos: a) antigo indiano vakasana “leito de rio” e vak-rah “curvo” segundo o género semântico do hidro - topónimo Rio Torto (20) ; b) lituano vaga “rego” e vakantas “curva” ; c) gótico un-wahs “im-pecável” , isto é , “não-curvo” (direito) (21) com o supracitado fenómeno fonético c/h ; d) francês dialectal batch “cova” e bac “pia de pedra” e” recipiente”; e) sardo bacu “vale, barranco”; f) na Península Ibérica: galego vouga e vougada “extensión de agua estancada o represada” e “también en presa o reguera” além de vougo e vougado “vouga pequeña” (22),galego vaga e vaganta “depresión suave y extensa en un llano o en la ladera de una montaña” (23) , “per illa vauga de Fontanella” (24), “terras de illas baugas que ibi habuit” 1129 região de Quintela em Orgens - - Viseu (25). O vocábulo hispânico bacia “recipiente” (26) deve estar relacionado com a mesma base hidronímica, pois há mais casos paralelos da relação entre apelativos designativos de “recipientes” como pia , odre , tina , etc. e rios homólogos como rio Pias , rio Odres , rio Tinha, etc. (27). É provável que vaguada “Línea que marca la parte más honda en un valle, y es camino por donde van las aguas de las corrientes naturales” (28) e vagüera “fundada” (29) ascendam ao latino / românico vacuus / vago como já G. Bottiglioni (30) lembrara a propósito da expressão tarrenu vagu “terreno onde não há nada” que recorda o topónimo Montepelato de Parma. Muito menos interessam para este estudo hidronímico os vocábulos seguintes: Bag “faia” (31),
Antigo alto alemão wag “onda” , Germânico * baki / antigo alto alemão bah “rio” (com o referido fenómeno c / h ) e que corresponde ao novo alto alemão bach “rio” (segundo componente do citado rio Wachenbach ) e ao lituano banga (32). Se Vácua / Vouga entronca pela base Vac- no conjunto linguístico indoeuropeu, já pela final -ua ( alicerçada sobre temas em –u ,, cfr. citado rio Bacu ) participa do mundo linguístico mediterrâneo onde tal terminação ocorre em topónimos antigos como Ásua , Mántua , Génua , Atégua , Osca / Óscua, etc., inclusive em rios como Ád(d)ua , Náutua, etc. , cfr, ainda rio Padus e topónimo Pádua, apelativos “ostrus/ostrúa, etc. (33) Por conseguite, o nome do rio Vouga reflecte nesta zona o encontro de duas correntes linguísticas diversas. SUPLEMENTO A esta exposição (apresentada já ao colóquio de Santa Maria da Feira em 1988 sem chegar a ser publicada) acrescentamos agora o seguinte. Em 1994/1997 Merritt Ruhlen (34) apresenta ainda o nome comum wakka “água” a par de aka na língua ainu (no Japão) e ainda os seguintes em certas línguas ameríndias do continente americano. Waka “ribeira” na língua culino, vak’ai “rio” na língua winten, etc., palavras estas que supõe comparáveis ao latim áqua (donde português água, italiano áqua, etc.), gótico ahwa (com o referido fenómeno c/h), etc. do grupo linguístico indoeuropeu. O fenómeno fonético inicial do emudecimento do V é conhecido em certos dialectos do italiano como é o caso de “questa ita” (por “questa vita”) na Toscana, “la aca” (por “la vaca”) no Lácio, Abruzzo e Marghe, “oscu” (por “bosco”) na Sicília, etc. (35). Actualmente, o avanço da ciência linguística já foi descobrindo outros grupos linguísticos além do indoeuropeu, notando inclusivamente elementos comuns entre eles, de forma a delinearem-se já super-grupos como Nostrático etc. Assim Aur. Sauvageot (36), Michel Malherbe (37), Bertil Malmberg (38) e sobretudo Pierre Naert com António Tovar (39) notaram elementos comuns entre o indoeuropeu e o ainu. Quanto aos contactos das línguas ameríndias com as línguas asiáticas através do estreito do Alasca, já os referimos no estudo sobre o nome do rio Inha na homenagem da
Faculdade de Letras do Porto ao Prof. Doutor Carlos Alberto Ferreira de Almeida (40). Apresentados, portanto, os fundamentos da hipótese duma possível identidade originária de áqua e vaka “água”,”rio”, etc., ainda falta a continuação doutros aspectos. Assim, como é que os nomes dos rios em Vac-/Bag- , que estão na zona de aqua, não acabaram também por perder o V-/B- inicial? Tratar-se-á do encontro de diferentes grupos linguísticos que estiveram na mesma área em épocas diferentes? A ter acontecido o tal emudecimento do V-/B- inicial, há outros casos mais a documentar o mesmo fenómeno, pelo menos nessas épocas antigas e em toda essa extensa área e com outras palavras começadas por V-? A interpretação de Juan Luís Garcia Alonso através do celta e indoeuropeu é manifestamente insuficiente (41). Recentemente Allan R. Bomhard (42) não anotou relação entre as duas séries de aqua e waka.
NOTAS (1) J. Leite de Vasconcelos, Religiões da Lusitânia vol. II Lisboa 1905 p. 28; Revue Celtique 6 (1883-1885) p. 482; Alfred Holder, Alt-Celtischer Sprachschatz vol. III, Graz 1962, coluna 80 sub voce “Vácua” ; A. A. Cortesão, Onomástico Medieval Português Lisboa 1912. (2) A Schulten, Fontes Hispaniae Antiquae volume. III Barcelona 1935 p. 147. (3) M.ª Lourdes Albertos Firmat , La Onomástica Personal Primitiva de Hispânia Salamanca 1966 p.301. (4) Sprache und Vorzeit Heidelberg 1954 p.166 e 128 ; Unsere Ältesten Flussnamen Wiesbaden 1964 p. 97, 26, 18 , 128 ; Beiträge zur Namenforschung vol. 2, caderno 2 (19501951) p. 114, 115, 126, 130. “ “ “ “ 2, “ 3 (19501951) p. 223, 224 ; “ “ “ “ 3, “ 2 (19511952) p. 156; “ “ “ “ 4, “ 1 (1953) p. 43, 44 ; “ “ “ “ 4, “ 3 (1953) p. 231 , 233 , 238 ; “ “ “ “ 6, “ 2 (1955) p. 110.
(5) Monumenta Linguae Ibericae Berlim 1893 p. LXXXVII. (6) Revue Celtique 50 (1933) p. 255. (7) Sardische Studien Bern 1953 p.43 e 44. (8) Zeitschrift für Celtische Philologie 20 (1933-1936) p. 522 e vol. 21 (l937-1940) p. 100; Indogermanisches Etymologisches Wörterbuch vol. I Bern und München 1959 pp. 1134-1135. (9) citado (na nota 1) Alt-Celtischer … vol. I Leipzig 1896 coluna 325 e 329, e vol. III Graz 1962 colunas 71 ,72 , 80 , 789. (10) Dictionnaire étymologique des Noms de Rivères et de Montagnes en France Paris 1982 p.26. (11) Deutsche Namenkunde , II – 2 , Heidelberg 1954, p. 56. (12) Ogam, nº. 91-93, tomo 15 (1964) p.198. (13) Fr. Henrique Florez , España Sagrada, vol. 40, Madrid 1796, p.375; D.Antonio C. Floriano, Diplomática Española del Período Astur vol. I Oviedo 1949 p. 206; Catedral de Lugo, Tumbillo Nuevo p. 16. (14) Portugaliae Monumenta Histórica, Diplómata et Chartae p. 372 n.º 621. (15) Príncipes et Méthodes d’Hydronymie Française Dijon 1956 p. 62 (16) Beiträge zur Namenforschung vol. 12 (1961) p. 288; Mélanges de Linguistique et dePhilologie – Fernand Mossé in Memoriam, Paris 1959, p. 229-230. (17) Adolf Bach, Deutsche Namenkunde, II – 2 , Heidelberg 1954, p.56. (18) Zeitschrift für Namenforschung, vol.15, caderno 2 , Berlim 1939, p. 59. (19) Revue Internationale d’Onomastique, ano 15, nº. 4 (1963) p. 247 e Proceedings of the Eighth International Congress of Onomastic Sciences Hague / Paris 1966 p. 473. (20) cfr. Eduardi Tejero Robledo, Toponímia de Ávila, Ávila 1983 p. 154. (21) F. Holthausen, Gotisches Etymologisches Wörterbuch Heidelberg 1934 p. 117. (22) Cuadernos de Estúdios Gallegos, tomo 9, fasc. 27 (1954) p.291. (23) “ “ “ “ “ 4, fasc. 13 (1949) p. 194. (24) D. António C. Floriano, Colección Diplomática del Monasterio de Belmonte Oviedo 1960 p. 153. (25) César da Costa Santos, Diocese de Viseu – Subsídios
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para o seu estudo desde as origens até 1150, Coimbra 1969, folha 43 nº. 27, tese inédita apresentada em Ciências Históricas (Faculdade de Letras). Sobre a importancia do artigo a demonstrar o valor apelativo de “vauga” vide J.Leite de Vasconcelos, Etnografia Portuguesa vol. III Lisboa 194l p. 343 e Revista Portuguesa de Filologia 6 (1953 – 1955) p.60. (26) J. Corominas , J.A. Pascual , Diccionario Crítico Etimológico Castellano E Hispânico vol. I Madrid 1980 p. 446-447. (27) Ver o nosso artigo estudo – ensaio preparatório publicado em 1967 sob o título Estudo Onomástico sobre Alguns Rios a Norte e Sul do Douro no Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto vol. 30 , fasc. 1 – 2 (1967) p. 136 e p.114 da separata. Este nosso estudo de agora é uma refundição corrigida e ampliada desse estudo anterior. (28) Cuadernos de Estúdios Gallegos, tomo 4, fasc. 13 (1949) p. 194. (29) citado (na nota 26) Diccionario Crítico …vol. 5 Madrid 1980 p. 730 sub voce “vaguada”, (30) L’Italia Dialettale - Suplemento n.º 1 (1929) p.27. (31) Revue Celtique 50 (1933) p. 255 ; Spanische Forschungen der Görresgesellschaft 1 Reihe : Gesanmelte Aufsätze zur Kulturgeschichte Spaniens 11 (1955) p. 17; Resurrección Maria de Azkue, Diccionario Vasco – Español – Francês Bilbao 1969 sub voce ; Martin Sevilla Rodriguez, Toponímia de Origen Indoeuropeo Prelatino en Astúrias Oviedo 1980 p.34. (32) citados (na nota 4) Unsere … p.26 e 18; Beiträge zur Namenforschung vol. 4, fasc. 1 (1953) p.43. (33) Rivista di Studi Liguri ano IX, nº. 2 – 3 (1943) e ano 15, n.º 3 -4 (1949) p. 232 e 235-236 ; Beiträge zur Namenforschung vol. 4, n.º 3 (1953) p. 238 ; Studi Etruschi 14 (1940) p. 209 e vol. 25 p. 242; Madrider Mitteilungen 2 (1961) p. 113; Archivio Storico Pugliese 2 (1949) p. 13 nota 4; Archivio per l’Alto Adige 51 (1957) p. 80; Annali della Scuola Normale Superiore de Pisa vol. 13 p. 35 ; citado (na nota 27) Estudo Onomástico … p. 134 e p. 112 da separata. (34) Merritt Ruhlen, L’Origine des Langues, 1994 (edição original) e 1997 (tradução Francesa, ed. Belin), p.121,123 e 271 da edição francesa. (35) Gerhard Rohlfs, Grammatica Storica della Língua Italiana e dei suoi Dialetti; volume sobre Fonética, Torino
1966/1944, p. 229. (36) Revue Internationale d’Onomastique, Setembro 1961, p. 137. (37) Michel Malherbe, Les Langages de l’Humanité, Paris, 1995, pp. 250-251. (38) Bertil Malmberg, As Novas Tendências da Linguística, São Paulo 1971, p. 48. (39) Revue Internationale d’Onomastique, Março 1961, p.31; revista Emérita, tomo 28, fascículo 28, Madrid 1960, p.336. (40) Carlos Alberto Ferreira de Almeida, In Memoriam, vol. II, Fac. De Letras do Porto 1999, p.109. (41) Revista Palaeohispánica, tomo 6, Zaragoza 2006, p.8990 (41) Allan R. Bomhard, Reconstructing Proto-Nostratic, vol. II, Leiden – Boston 2008, p.758.
Rio Vouga.
Domingos Azevedo Moreira *
VISITAÇÕES DE PIGEIROS (FEIRA)
6 «O D. r Fran. co Matheus X. er de Caru. º M. e Escolla na Sé, Ouvidor dos coutos da Mitra e Vigr. º Geral in spiritualibus do Ex. mo e R. mo S. r Bispo do Porto etc. Fazemos saber a todos os Pár. os deste Bispado q. El Rey N. S. r foi servido participar ao Ex. mo e R. mo S. r Bispo do Porto o Breue App. co do S. mo P. Clemente XIV pelo qual extinguio e suprimio totalm. te a Comp. ª chamada de Jesus e a Ley q. sobre este importante neg. co mandou publicar, acordando o seu Real Beneplácito e Régio Auxílio p. ª execução do m. mo Breue p. ª q. Sua Ex. cia pello q. lhe pertence désse as mais providencias q. se contêm na Carta Régia firmada pella sua propria Mão Cujo theor hé o seg.te : Carta Régia
Vol. I
(1769 – 1849)
Vol. II
(1850 – 1873)
PIGEIROS 1990
*Pároco de Pigeiros
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Reuerendo Bispo do Porto Amigo. Eu El Rey uos invio m. saudar, o Nosso Mui Santo Padre Clem. te XIV ora Prezid. e na Vniversal Igr. ª de Deos, pella sua Bulla expedida em forma de Breue q. principia “Dominus ac Redemtor noster Jezus Christus” Dada em S. ta Maria Mayor debaixo do Annel do pescador no dia 20 e hu de Julho deste Anno quinto de seu felis Pontificado, suprimio e extinguio inteiramente a Comp. ª chamada de Jesus: Abolindo todos e cada hu dos seus Menisterios, officios, cazas, Escollas, Colegios, Hospícios, to
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Rezidencias com todos os seus estatutos, conste. ção, Decretos, Vzos, Costumes, Privilegios Gerais e especiais, Absoluendo dos Votos todos os individuos da m. ma Comp. ª e transferindo nos Respetiuos Ordinarios a jurisdição q. sobre elles teue athé (a)gora o seo abolido Geral por ficarem Reduzidos ao estado clerical os q. tiuerem Ordens Sacras como tudo mais amplam. te consta do sobredito Breue App. co q. com esta será porq. p. ª a execussão delle tenho acordado o meo Real Beneplácito e Régio Auxílio Recomendados por sua Santid. e como uos fará prez. te a Ley q. sobre este importante neg. co mandei publicar na m. ma Chancelaria. Me pareceo participar-uos o Referido, Não só p. ª q. antes de tudo façais Render a Deos N. S. r as mais solemnes graças pella especial Prouidencia e Iluminação com q. viziuelm. te inspirando e guiando todas as Dispoziçoens do m. mo S. P. desde o primr. º dia e muy tam dignam. te subio à Cadr. ª de S. Pedro athé o dia 21 de Julho deste Corr. te anno destinou p. ª emprehender com Iluminada Comprehenção, proceguir com simgular prud. ª e Consumar com App. ca Constancia Vma obra de q. dipendia todo o sus(s)ego e pás da Igr. ª Vniuersal e tranquilid. e p. ca de todas as Monarquias soberanas e Pouos das quatro partes do Mundo descuberto | 9 v e não só p. ª q. no (4) q. vos pertencer hajais de executar as sábias, providentes e Paternais Despoziçoens do referido Breue Mas tambem p. ª q. fazendo-o Registar com esta nos L. os a q. tocar, séjão os Exemplares de hua e do outro guardados em cofre de tres diferentes chaues p. ª perpétua Memória de todos os séculos feturos. Escripta no Palacio de N. S. ra da Ajuda em 9 de 7br. º de 1773. Rey E Cometendo-me o m. mo Ex. mo e R. mo S. r Bispo o Comprim. to da d. ª Carta Régia pello q. Respeita à solemne acção de graças q. em todo o Bisp.do se deue praticar em obseruancia das suas Ordens, mando em virtude de Santa ob(e)d. ª a todos os Reverendos Pár. os delle q., logo q. esta lhes for aprezentada, cada hu na sua Respectiua Igr. ª Parochial fassa cantar solemnem. te o “Te Deum Laudamus” com o Santissimo Sacram. to exposto à porta do sacrario e oraçoens costumadas e prescriptas nestas sagradas funçoens, este Edital se copeará nos L. os das Vezitas como nelle se contém, dado no porto sob meo signal e sello de armas de sua Ex. cia R. ma aos 3 dias do mes de 7br. º de 1773 e eu Joze Pedro (4)
No texto está “nos”.
Lisboa escr. am da Camera Eclesiastica o sobscreui, Fran. Matheus X. er de Caru. º ».
co
7 « O D. r Fran. co Matheus X. er de Carv. º, Mestre Escolla da S. Sé Cathedral desta Cid. e do Porto e em todo seu Bisp. do Prouisor, Examinador Cinodal e Ouvidor dos Coutos da Mitra pello Ex. mo e R. mo | 10 S. r Bispo do mesmo Bispado. Manda o Ex. mo e R. mo S. r Bispo q. em Quinta Fr. ª S. ta Mayor e mais dias da Semana Santa se fechem indespensauelm. te as portas das Igr. as antes das Avemarias ficando-se nellas aquellas pessoas q. forem nr. as Removendo-sse nesta p. te os Rd. os Pár. os, digo, contra os Rd. os Pár. os as penas das Pastorais de seus antecessores e as q. a seu arbitrio estiuer competentes q. do outra couza consentirem e p. ª chegar à not. ª de todos mandei passar a prez. te sob meu signal, a qual Ordem se apontará nos L. os da vezita de todas as Parochiais, a qual Correrá na forma da Vezita e em cada Paróchia se não demorará mais de hua Ora fazendo Remeter ao primr. º q. se seguir e o último fará a entrega della ao Escrivão da Camara e asignará cada hu dos Reverendos Pár. os em como a Recebeo; etc. Aos 3 de Abril de 1775 E eu Joze Pedro Lisboa escr. am da Camera Eclesiástica a sobscrevi. Carualho». ta
8 «Dom Fr. João Rafael de Mendonça, Monge de S. Jerónimo, por mercê de D.s e da Santa Sé App. ca Bispo do Porto, do Con. co de Sua Mag. de Fidelissima etc. Como nos consta que neste nosso Bisp. do se dés(s)em antigamente alguas Licensas pera Confessar sem limitação de tempo e athé q. do não se mandáce o contrário e sendo este (sic) huma liverdade prejudicial àquelle verdadr. º conhecim. to q. todos os Confessores deuem ter da theologia Moral, da Éthica Catholica pois m. tos com aquella liverdade não se aplícão mais aos devidos estudos que pede hum tam serio officio, hum tam dificultozo Misterio, hauemos por bem derrogadas todas e quaisquer licensas de Confessar que se déssem sem hua preciza distinção de tempo e athé quando não se mandáse o contrario p. ª q. dellas mais se uze e ainda q. as pessoas a
quem se facultaram séjão Regulares ou possúão (5) algum(a) particular nota, exceptuando porém desta Provizão as licensas q. sem lemitação de tempo nós tiuermos dado porq. estas somente ficarão em seu vigor e para q. chegue à notícia de todos mandamos passar o prezente Edital q. os Rd. os Pár. os desta Comarqua farão lançar no L. º da Vezitação do q. lhe for à mão no termo de duas Oras e, findas, o farão entregar na forma de vezitação ao Rd. º Pár. º q. fica vezinho e o último a entregar (5b) ao Escrivão da Camera passando Recibo nas costas desta cada hu dos Rd. os Pár. os e fará cada hu fichar (6) a cópia deste no lugar costumado em sua Paróchia, dada no Porto sob nosso sello e signal do Nosso Rd. º D. r Vigr. º Geral que de prezente serue de Provizor aos 11 de 7br. º de mil | 11 De 1775. Eu Joze Pedro Lisboa Escrivão da Camera Eclesiastica a sobscrevi, Joze de Castro e Sá da Fon. ca, Faria, Ordem p. ª a Com. ca da Fr. ª deste Bisp. do q. hirá correndo na forma da Vezitação e depois a entregar(á) na forma q. se declara etc.».
9 «Dom Fr. João Rafael de Mendonça, Monge de S. Jerónimo, por merçê de D.s e da Santa Sé App. ca Bispo do Porto e do Con. co de Sua Mag. de Fidelissima etc. A todas as pessoas asim Eclesiásticas como seculares deste Nosso Bisp. do saúde e Bênção. Fazemos saber que o Santissimo P. e Pio 6.º por ef. to de Sua Paternal Benevolencia p. ª com todos os filhos da Igr. ª foi servido extender o gr. de Jubileu do anno S. to por todo o mundo Christão pella Bulla que principia «Suma Dei in Notra(o) Benignitate» expedida em 25 de Dezbr. º do anno de 1775, à qual Sua Mag. e pella sua innata Pied. e e Religião acordou o seu Real Beneplácito p. ª a sua devida execução. Concede Sua Santid. e na Referida | 11v Na Referida Bulla a todos os fieis Catholicos de hu e outro sexo em qualquer parte do Mundo q. existirem debaixo da obed. ª da Igr. ª Cathólica Romana ainda aquelles que no anno proximo passado fôrão a Roma e lá alcansárão o jubileu do anno Santo que, verdadeiramente contritos e confessados, Recebendo
No texto “possam”. Por “a fará entregar”: (6) Por “fixar”. (5)
(5b)
a Sagrada Comunhão dentro dos seis mezes da publicação deste Jubileu na Sua Dioceze vezitarem devotam. te huma vês no dia por espaço de quinze dias, naturais ou Eclesiasticos, contínuos ou entrepolados, a Igr. ª Cathedral ou Metriz (sic) e outras da Cidade ou subórbios ou lugar dezignadas pello Ordr. º dos ditos ou pellos seus vigr. os ou por outros de seu mandado e nella Rogaróm a D. s pella Exaltação da Santa Madre Igr. ª, extirpação das herezias, Pás e concordia entre os Príncipes Catholicos, Saúde e tranquilid. e do pouo Christão por huma vês plenissima Indulgencia e perdão de todos seus peccados como se pessoalm. te vizitácem as quatro Bazílicas ou Igr. ª determinada em Roma por Sua Santid. e. Aos nauegantes e Viandantes que passados os ditos seis mezes se Recolherem a seus Domissílios ou lugares sertos e determinados comprindo primeiro com as obras prescriptas e vizitando as mesmas | 12 As mesmas vezes a Igr. ª Cathedral ou Metriz ou Parochial do seu Domicilio ou lugar em que estiuerem concede Sua Santid. e a m. ma Indulg.ª e graças. Aos Ordinarios dos lugares Concede Sua Santid. e todas as faculdades nr. as e oportunas p. ª poderem dispensar nas vezitas com as freiras oblatas e Educandas e mais pessoas que vivem em comunid. e asim na Clausura dos Mostr. os com as anacoretas e outras quais quer pessoas tanto Leigas como Eclesiásticas, Seculares ou Regulares, incarseradas ou captivas ou impossibilitadas pella infermid. e ou outro qual quer impedimento, tambem pera dispensar na Comunhão com os Meninos que ainda a ella não fôrão admetidos e poderem comutar com as ditas pessoas por sy ou pellos seus Respetiuos Prelados ou prudentes Confessores em obras de Pied. e, Carid. e e Religião as vezitas determinadas e a Cumunhão Sacramental, finalmente Comete o S. mo P. e ao prudente arbítrio dos Ordinarios a faculd. e de Reduzir a menor Número as vezitas das Igr. as com os Cab. os, Congregaçoens, asim Seculares como Regulares, Irmandades, Confrarias ou quais q. r Colegios q. as fizerem porsionalm. te. | 12 v Concede além disto Sua Santid. e a todas as freiras e Nouissas p. ª o ef.to de Conseguirem o jubileo o poderem eleger quais q. r confessores approvados pello ordinario actual dos Mosteiros p. ª confessarem freiras a todas as mais de hu e outro sexo asim Leigos como Eclesiasticos Seculares e de qualq. r Ordem, Congreg. am, Instituto ainda dos q. se deue fazer expecial menção. Concede tambem L. ça p. ª q. póssão Eleger p. ª este ef. to qualq. er Confessor tanto Secular como Regular Comtanto q. esteja actualm. te aprouado e não suspenso
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pello Ordinr. º em cujo territorio se fizerem as confiçoens p. ª confessar seculares aos quais confessores dentro dos seis mezes no foro da Conciencia, som. te dá faculd. e de poderem absoluer a todos os penitentes q. com ânimo serio e verdadr. º se dispuzerem p.ª Lucrarem o jubileo e com este mesmo ânimo comprirem as mais obras nr. as p. ª o alcansar das Sn. ças de excomunhão, suspensão e outras Eclesiasticas Sençuras empostas a jure vel ab Homine Rezeruadas aos Ordinarios dos Lugares, a Sua Santid. e e à Sé Ap. ca por quais q. r Constetuiçoens e bulas Ap. cas ou expressadas nos Sagrados Cânnones e juntam. te de todos os pecados e excessos posto q. graues e enormes ainda q. rezeruados aos m.mos Ordinr. os, a Sua Santid. e e à Sé Ap. ca, impondo-lhes saudáveis penitencias e o mais q. o dir. to manda. Tambem dá aos | 13 Tambem dá aos mesmos Confessores poder de Comutar quais q. r votos ainda jurados e Rezervados à Sé Ap. ca em outras obras pias e Saudáueis excepto os de Religião e Castid. e e a qualid. e q. forem acceytos por 3.ª pessoa ou nos quais houver perjuizo de 3.º juntam. te as q. são prezervatidas de pecado saluo se a sua fetura commutação for igualm. te perzeruatiua da Culpa q. a primr. ª matéria do voto e de despensa com os penitentes constetuidos em Ordens Sacras ainda Regulares na Iregularid. e oculta contrahida som. te pello exercicio das mesmas Ordens e impediente de Receber as outras mayores por Cauza de ter violado as Censuras. Não lhes concede porém faculdade p. ª dispenssar por virtude do prez. te Jubileo em algua Iregularid. e p. ca ou oculta, nota, def. to e imcapacid. e ou inavilid. e contrahidas de qual quer modo ou pera habilitarem e Restetuirem ao estado antigo ainda no foro da Conciencia aos seus penitentes nem p. ª absoluerem os Cúlpleces (7) em algum pecado deshonesto contra o 6.º preceyto nem pera serem eleitos pellos mesmos Cúmplesses p. ª ef. to da prez. te graça como já foi determinado geralm. te pella Bulla | 13 v Pella Bulla do S. mo P. e Benedicto 14 que principia «Sacramentum Penitenciee» (sic) expedida no 1.º de Junho de 1771 nem p. ª absoluerem aos nomeadam. te excomungados e suspensos, interditos ou declarados ou publicamente denunciados por incursos em sn. ças e censuras por Sua Santid. e ou pella Sé Ap. ca ou por algu Perlado ou Juizo Eclez. º excepto se dentro dos d. os seis mezes satisfizerem as p. tes e se compuzerem com ellas como for justo.
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por “cúmplices”.
Se alguns depois de terem principiado a executar as obras prescriptas e determinadas com ânimo de lucrarem este Jubileo não poderem preocupados da morte satisfizer (sic) ao determinado númaro das vezitas, S. Santid. e attendendo aos seus bons e louváveis prepózitos sendo elles verdadr. ª m. te confessados e tendo Recebido a Sagrada Comunhão os fás perticipantes (sic) da Referida indulg. ça e Remição como se na uerd. e uezitácem as ditas Igr. as pellos dias determinados. Se alguem por uirtude deste Jubileo tiuer alcansado absoluição de censuras, commutação de votos ou outra alguma dispensa das Referidas posto que depois mude o sincero e verdadr.º ânimo q. tiuera de lucrar o d. º Jubileo e não cumprir com as mais obras q. se Requerem não obstante q. não se exima de culpa comtudo determina e declara S. Santid. e q. as sobred.as | 14 Absoluiçoens, Commutaçoens e dispensas alcanssadas com predita dispozição fiquem válidas. Finalm. te p. ª q. todos os fieis q. permanecem em a graça e obed. ª da Sé Ap. ca lucrem todas as Indulg. as concedidas por este Jubileo deroga Sua Santid. e tudo q. to em contr. º se acha determinado por Concillios Vniuersais, Provinciais e Synodais, por todas as Constetuiçoens ainda aquellas q. não concedem Indulg. as «ad instar» todas as Ordenaçoens asim Gerais como particulares q. rezéruão as absoluiçoens, relaxaçoens e dispensaçoens e juntam. te todos os Estados, Leis, Uzos e costumes (ainda aquelles q. são firmados com juramento e roburados por confirmação Ap. ca de quais q. r Ordens ainda Mendicantes, das Ordens Militares, Congregaçoens e Institutos tambem todos os Privilegios, Letras Ap. cas e Indultos concedidos às d.as Ordens, Congregaçoens e Institutos, principalm. te aquelles q. prohibem expressam. te aos seus alumnos confessarem-se aos q. não são da m. ma Ordem. Estas são as graças q. o Vigr. º de Jesus Christo extrahio agora dos immensos e inexhauríueis thizouros da S. ta Igr. ª p. ª fazer a todos os seus filhos participantes das Divinas Mizericordias E hauendo em Nós hu ardente dez. º q. os seus saudaueis ef. tos | 14 v Ef. tos se uerifiquem com os Nossos Súbditos uzando da commisão q. nos he dada determinamos p. ª as vezitas da Cidade e Seus Subúrbios a Nossa S. ta Igr. ª Cathedral, a do Real Mostr. º de Aue Maria de S. Bento, a da freg. ª de Nossa Snr. ª da Vitoria e de S. Nicolao. Pera as vezitas dos lugares e mais freg. as do Bisp. do ordenamos q. onde houverem quatro Capellas, digo, quatro ou mais Igr. as ou capellas p. cas erigidas por authorid.e Episcopal cada dos Párocos dezigne com a Matriz as tres q. forem mais
cómodas e aonde não ouver o d. º número repetirão a uezita da Igr. ª nos dias determinados tantas vezes q. tas forem as capellas q. faltarem e o m. mo se praticará distando as capellas da Igr. ª ou entre si mais de quarto de légoa e as vezitas se não farão antes de nascer o Sol nem depois do seu occazo. P. a q. em todas as partes desta Nossa Dioceze seja uniforme a duração deste Jubileo determinamos o dia 13 de Outubro prez. te mês p. ª o seu principio e finalizará em 13 de Abril de 1777. Em virtude da faculd. e q. nos he concedida p. ª dispensarmos e reduzirmos as vezitas a menos número nos cazos e p. ª com as pessoas asima declaradas e na comunhão com os Meninos q. ainda a ella não fôrão admetidos Communicamos esta em todo este Bisp. do ao N. R. D. r Prouis. or . Aos Superiores Regu- | 15 Regulares de quais q. r comunid. es de hu e outro sexo daremos a m. ma p. ª com os seus súbditos aos Pár. os a Resp. to dos seus freguezes e a todos os confessores q. actualm. te estiuerem por Nós approuados e se não acharem suspensos de confessar asim Regulares como Seculares tendo 40 annos de Id. e a Resp. to do sexo femenino p. ª com todos os penitentes q. com elles se confessarem p. ª o fim som. te de lucrarem o prez. te Jubileo guardando huns e outros a Commutação devida segundo a Mente do S. mo P. e como S. Santid. e concede às freiras e Nouissas p. ª o ef.to de lucrarem o prez. te Jubileo som. te o poder de eleger Confessor approuado pello Ordinr. º do lugar ao menos em geral p. ª confessar freyras: Nós querendo q. to he justo e necessr. º fauorecer o estado de sua vida e profição pella prez. te approuamos p. ª este vnico ef. to todos os Confessores q. a(c)tualm. te têm aprovação e L. ca Nossa e se não áchão suspensos de Confessar deste Bisp. do e terem 40 annos de Id. e. A Redução das vezitas pera os q. as pertenderem fazer prossecionalm.te em Comunid. e Rezeruamos a Nós as desta Cid. e e seus subúrbios e o mais Resto do Bisp. do ao N. R. D. r Prouizor. Recomendamos a todos os Rd. os Pár. os q. nas suas Estaçoens e aos Pregadores nos seus sermoens procurem incitar e emprimir nos seus freguezes e ouvintes o zelo, deuoção e preparo com que deuem executar as | 15 v As obras determinadas p. ª a Comunicação deste plenip. mo Jubileo instrohindo-os principalm. te no modo de
se prepararem p. ª o sacram. to da Penitencia e Comunhão precizam. te necessarios p. ª alcansarem esta graça. Pera que este Edital chegue à not. ª de todos os Nossos sú(b)ditos mandamos e(m) virtude de S. ta ob(e)d. ª a todos os Rd. os Párochos deste Nosso Bisp. do q. no primr. º Dom. º ou dia S. to q. se seguir àquelle dia em q. este lhe for entregue o publiquem na estação da Missa Conventual e q. por todos estes seis Mezes q. durar este Jubileo o tornem a ler em todas as estaçoens e o lancem no L. º da vezita. Dada neste Nosso Passo Episcopal do Porto sob Nosso Signal e Sello de Nossas armas aos 7 de de (sic) 8bro de 1776 E eu o Bn. do M. el J. e de Faria e Pina q. siruo de Escrivão da Camera o sobscrevi. D. Fr. J. Bispo do Porto. Edital no qual ha V. Ex. ca servido mandar publicar a extenção do jubileo do anno santo. Foi entregue nesta Rezid. ª de Pigr. os em 19 de 8bro de 1776 e publicado em 20 do m. mo mes e anno etc. » 81
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«O D. r Fran. co Matheus X. er da (sic) Carualho, M. e Escolla na S. ta Sé Cathederal desta Cid. e do Porto, nella e em todo o seu Bisp. do Prouizor p. lo Exm. º e Rv. º S. r Bispo do m. mo. Atendendo S. Exm. ª às grandes deficuldades que p. sua execução tem a régia Ordem de S. Mag. de Fed. ª que prescreue todos os annos hum garal (sic) alocamento dos seus vassallos na falta dos assentos dos menores q. falecem sendo elles tambem Comprihendidos na Constituição do Bispado que dos mesmos assentos trata, Manda o mesmo Snr. q. todos os Rd. os Pár. os deste Bispado hájão de todos os menores aquelles assentos em qual quer idade q. elles falêsção, declarando nelles o seu proprio sexo deba(i)xo das penas q. a mesma Constituição determina Contra os que fáltão a esta obrigação e que tambem fáção bembrança dos mesmos menores falescidos este anno athé à entrega desta ordem fazendo para isso todas as deligencias nr. as. Esta ordem se lançará no liuro das vezidas e correrá p. la ordem dellas. Dada no Porto aos 9 de Feuereiro de 1779 a(nnos) e Eu Ant. º Joze de Oliu. ra.» 16
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«O D. or Francisco Matheus Xavier de Carualho, M. e Escola na S. ta Igr. ª Cathedral desta Cid. e, Examinador Cinodal, Ouvidor dos Coutos da Ex. ma Mitra e Provizor e Vigr. º Geral in spiritualibus deste Bisp. do do Porto pello Ex.mo e R. mo D. Fr. João Rafael de Mendonça, Monge de S. Jerónimo, por m.cê de D. s e da S. ta Sé App. ca Bispo deste m. mo | 16 v Mesmo Bispado e do Con. co de Sua Mag. de Fidelissima etc. O Santissimo Padre o P. Pio 6.º agora Reygnante na Igr. ª de D. s às piedozas instancias do Ex. mo e R. mo S. r Bispo deste Bisp. do do Porto, facilitando os thezouros da Igr. ª, Beneficio das almas do Purgatório, Concedeo pello tempo de sete annos hu Altar Priviligiado em todas as Colegiadas e Igr. as Parrochiais deste m. mo Bisp. do e p. ª q. todos se utilizem de hum tão gr. de Beneficio manda Sua Ex. ca e R. ma que todos os Rd. os Párochos asignem nas proprias Igr. as hum Altar q. lhes parecer mais cómmodo p. ª q. nelle pello Incruento Sacrificio da Missa póssão as almas retidas no Purgatorio gozar de tanto auxillio e p. ª q. chegue à notícia de todos mandou Sua Ex. ca e R. ma passar a prez. te Ordem q. será publicada em o primeiro dia de Preceyto à Estação da Missa Parochial e copiada no L. º das Vezitas aonde os Reuerendos Párochos declararão o Altar q. asignaram pera o Vzo deste Privilegio. Dada no Porto sob sello de Sua Ex. ca R. ma e meu signal aos 21 de Junho de 1779 E eu Luis Barboza de Faria a sobscrevi».
12 «Breue dos dias (festiuos) dispensados pello SS. mo P. Pyo 6.º O D.r Fran. co Matheus X. er de Carualho, M. e Escola na S. ta Igr. ª Cathedral desta Cid. e, Examinador Cinodal, ouvidor dos Coutos da Ex. ma Mitra e Prouisor e Vigr. º Geral in spiritualibus deste Bisp. do do Porto pello Ex. mo e R. mo S. r D. João Rafael de Mendonça, Monge de S. Jeronimo, por m. cê de D. s e da S. ta Sé App. ca Bispo deste m. mo Bisp. do e do Con. co de Sua Mag. de Fidelissima etc. | 17 A comodidade dos Pobres de alguma sorte oprimida com a mudança dos t. pos pellos dias festiuos destes, a falta da observancia pella propria necessid. e já fôrão hum poderozo objeto p. ª q. alguns Ilustres Sabios e Zelozos Prelados do Reyno e outros do Mundo Catholico nos seus Respetiuos
Bispados pedissem aos S. S. Pontífices a demenuição de alguns dias de Preceyto e penetrado Sua Ex. ca R. ma o S. r Bispo deste Bisp. do do Porto dos m. mos sentim. tos e daquella estreita Obrigação que os Pastores do Rebanho de Christo têm p. ª promouerem com as Leis da Igr. ª, os bons Costumes, as virtudes das proprias ovelhas, suplicou ao S. to Padre o P. Pio VI o m. mo indulto e elle por hum breue Datado em 26 de Nobr. º do anno de 1778 dirigido a Sua Ex. ca e R. ma com o Beneplácito Régio determinou absolutamente que só ficassem dias de Preceyto todas as Dom. as do anno, dia de Natal e primr. ª outaua de S. Estêvão, Circumcizão, Epiphania, Ressureição, e Pentecostes com as suas primr. as outauas, Assenção do S. r, Corpo de D. s, S. João Baptista, S. Pedro e S. Paullo, S. Thiago e dia de todos os Santos, como tambem a Purificação, Anunciação, Assumpção, Natiuid. e, Conceyção da Snr. ª e o dia do Padroeyro de cada huma das respetiuas freguezias, determinando juntam. te S. Santidade que nos mais dias athé o prezente neste Bispado de preceyto fosse cada hum dos fieis obrigado primeyro a ouvir Missa da m. ma sorte q. se dia de Preceyto fosse, podendo depois de Missa liuremente (traualhar) (8), E p.ª q. todos se utilizem de hum tão Paternal Benef. º mandou Sua Ex. ca e R. ma passa(r) a prezente Ordem p. ª que em todas freguezias deste Bispado se publique em tres Dom.os ou dias Santos à Estação da Missa Parochial copiando-se nos | 17 v Nos livros da Vezita: E admoesta S. Ex. ca e R. ma aos seus amados Súbditos pellas Entranhas de Jesus Christo, que nos dias de Preceyto extintos óussão primr. º Missa pois se fazem Reos de culpa graue aquelles que não Cumprirem com este Preceyto, e Recom. da huma Verdadeira Santificação dos dias festiuos no Retiro de toda a obra seruil e hum fiel exercicio Catholico de virtudes: E manda S. Ex. ca e R. ma a todos os Párochos procêdão na forma das Constetuiçoens contra aquelles q. ainda abuzando desta mesma graça não obseruarem os dias de Preceyto que manda S. Santid. e goardar. Dado no Porto sob meu signal e sello de S. Ex. ca e R. ma aos 21 dias do mes de Junho de 1779, Luis Barboza de Faria a sobscrevee. Francisco Matheus X. er de Carvalho. Nunes. Publiquei à Estação da Missa Parochial que disse a meus freguezes as duas Pastorais Appostólicas em os dias 18 e 25 e
8) No livro de visitações de Caldas de S. Jorge, f. 55 v, vem expresso “trabalhar”.
26 do mes de Julho do anno de 1779 e fis Eleição para o Altar Priviligiado em o Altar Mor desta Igr. ª de S. Maria de Pigeigr. os (sic), o q. teue seu principio em os dias supra mencionados E por verd. e fis este termo que asignei, O P. e Cuadjutor desta Igr. ª de S. M. ª de Pigeiros João Leyte de Bastos».
13 «Dom Joze da Aprezentação Lobo, cónego Regrante de S. to Agostinho, Abb. e da Igreja de S. ta Marinha de Vilar de Pinheiro, da Comarca da Maia, e nela Vigario da Vara, Exam| 18 Examinador Sinodal do Bispado do Porto, e visitador no Espiritual e Temporal da Comarca da Feira pelo Ex. mo e R. mo S. r D. F. r João Rafael de Mendonça, Bispo do Porto e do cons. º de S. Mag. de etc. Faço saber que, vizitando a Parochial Igreja de S. ta Maria de Pigeiros desta comarca da Maia, digo, comarca da Feira, determinei o seguinte: Primeiram. te vizitei o S. mo Sacramento, Altar Maior e Colateraes, Imagens, Santos Oleos, Pia Batismal, Sacristia e paramentos. Sendo o fim das vizitas ar(r)ancar os vicios, plantar as virtudes e conduzir os fieis à verdadeira caridade, pás e innocencia q. fazem o caráter de hum Cristão e dependendo a Reforma dos costumes de que os R. R. Párochos e mais sacerdotes dados pela Igreja para os ajudarem na Salvação dos povos vívão como exemplares das boas obras assim em doutrina como em gravidade, Mando que o R. Párocho seja o primeiro na frequencia dos Sacramentos, vigiando se os Eccleziasticos seus Parochianos cumprem nesta parte com o que determínão as constituiçoens do Bispado, e que todos asístão nos confessionarios principalm. te nos dias S. tos, ficando Responssaveis das faltas em que nesta materia forem notados. O R. Párocho ao menos nos Domingos e dias S. tos faça oração mental a seus freguezes e jamais nos d. os dias os deixe sem pasto espiritual, explicando por modo percetível aos menores os misterios da Nossa Religião, bem certo de que se, não cumprir por si segundo a fraze do concílio de Trento ou por outra pessoa idónea estando legitimam. te impedido esta indispensavel obrigação, não evitará as penas eternas. Terá particular cuidado com os enfermos, administrandolhe como ensina o Ritual Romano os sacramentos, vizitando-
os e ajudando-os a bem morrer e poderá convidar outros sacerdotes seus parochianos para que o aliviem nesta acção, rezerbando para si sempre o maior trabalho. Todos os mezes se farão em caza do R. Párocho ao menos duas vezes conferencias de Moral e de dois em dois mezes | 18 v mezes huma de Ritos e Ceremonias santas da Missa rezada e cantada e do modo com q. se devem fazer os off. os de Defuntos no que ha notaveis faltas; e nenhum sacerdote poderá requerer licença para confessar sem certidão do seu R. Párocho e q. a pasará notando as faltas que tiverem havido nesta parte. Vigie o R. Párocho q. todos os sacerdotes asístão nos off. os de Defuntos à Missa cantada, não lhes permitindo neste tempo nem ainda confessar ou dizer Missa e, cazo algum sacerdote não possa asistir à d. ª Missa cantada, será multado em sincoenta reis para bem d’alma do Defunto pelo qual o d. º Off. º e Missa for cantada. Vestidos talares e pretos p. ª dizer missa: Todo o Eccleziastico asim para dizer Missa como para asistir a qualquer função da Igreja uzará indispençavelm. te de vestido talar e de cor preta e poderá tambem uzar de cazaca preta, com tanto q. seja sem bolços por diante e que cubra até ao meio da perna com tal feitio q. não se equivoque com os vestidos seculares e, obrando o contrario, fique suspenço de dizer Missa e de entrar em semelhante função sagrada por quinze dias. Mando que nenhum sacerdote diga Missa nas capelas desta freg. ª aos Domingos sem q. primeiro faça doutrina ao povo por espaço de hum quarto de hora, explicando a doutrina ou lendo por hum catecismo e fazendo os atos de fé, esperança e caridade e de contrição juntamente com o d. º povo, e, obrando o contrario, fique suspenço por quatro dias de dizer Missa. Nenhum sacerdote uze de cabeleira ou solideo sem licença, nem de punhos nas camizas, q. escandalízão aos mesmos Seculares. Para que haja uniformidade em todas as Igrejas nos Ritos e Ceremonias Santas, todos os Párochos nas suas respetivas Igrejas todos os Parochos (sic) uzarão do Ritual Romano ultimamente emendado por Benedito 14 não diminuindo nem acrescentando ritos que nele não se encontrarem. Ordena Sua Sx. ca R. ma que todos os Párochos e seus coadjutores ou qualquer sacerdote, que por impedimento destes administrar os Sacramentos aos moribundos, lhes
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póssão aplicar a indulgencia Plenaria, que ha concedido S. Santidade. Todos os sacerdotes, passado o tempo da sua aprovação, se tornarão a aprovar no tr. º de dous mezes e não mostrando a seus R. | 19 R. dos Párochos queestão aprovados para confessar, passados os d. os dous mezes, os d. os R. dos Párochos os declararão por suspenços à Missa conventual. Por ordem de S. Ex. ca R. ma serão Remetidos para a câmera do Porto dentro em quinze dias os livros findos que se acharem nesta Igreja. Ponham-se duas vestimentas novas huma Branca e outra vermelha. Tambem se ponham veos novos de todas as cores menos da cor verde; e paçado hum mes todos os veos velhos fiquem suspenços. Necessita esta Igreja de huma duzia de sanguinhos e que não séjão pequenos. O R. do Párocho nos pro. s tres dias festivos à estação da Missa Conventual publique estes cap. s a seus freguezes. Pegeiros em acto de Vizitação aos tres de Novembro de 1779 e eu Joze Glz. Secr. º da Vizitação sobscrevi. D. Joze da Aprezentação Lobo. Publiquei estes capp. os supra tribus diebus festiuis à Estação da Missa Parochial q. disse a meus freguezes nesta Igr. ª de S. ta M. ª de Pigeiros de 9bro 23 de 1779 o Coadjutor João Leyte de Bastos».
a todas as pessoas de hu e outro sexo que verdadr.ª m. te penitentes, Confessados e Refeitos com a Sagrada Comunhão vezitarem na Cathedral, Collegiadas, Igrejas Parrochiais, ainda as dos Regulares, ordens Militares e Capellas publicas o Altar aonde estiuer a veneração ao Amabelissimo Coração de Jesus e ahi na Sesta Feira depois da outaua do Corpo de D. s e na Segunda Dom. ª de cada mez desde as primeiras vésporas daquelles dias athé o Sol posto dos mesmos deuotam. te Rogarem pella pás e concordia dos Príncepes Christaons e extirpação das heresias conforme a intenção de S. Santid. e e pera q. todos aquelles q. em cada hua das Referidas Igr. as e Capellas tambem da mesma sorte orarem Concede o m. mo Sm. º P. e em cada hu dia por huma vês som. te Cem dias de Indulgencia. Sua Ex. ma e R. ma exhorta aos R. dos Pár. os e a todos os seus amados Súbditos p. ª q. fáção Colocar na forma dita aquella Veneranda imagem não permitindo que se fruste hu tam grande Beneficio, o m. mo S. r mandou passar o prezente Edital q. será fixado nas p. tes p. cas desta Cid. e e Correrá pello Bisp. do lêndo-sse tres vezes à Estação da Missa Parochial em distintos dias e Copiando-o nos livros da Vezita. Dada no Porto sob meu signal e sello de Sua Ex. cia e R. ma aos 24 de Dezembro de 1779. E eu Luis Barboza de Faria a sobscrevi, Joze de Castro e Sá da Foncequa. Nunes. Lugar do sello, etc.»
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14 « D. r Joze de Castro e Sá da Foncequa, Beneficiado na Coligiada de Ágoas Sanctas, Examinador Synodal, Vigr. º G. al q. de prez. te serue de Prouizor pello Ex. mo e R. mo Bispo do m.mo. Pastoral p. ª as graças e indulgencias do S. mo Coração de Jesus e em todos os segundos Dom. os de cada mes. As feruorozas Rogatiuas que os fieis deuem fazer ao Divino Coração de Jesus, o Culto, que neste Reyno promoueu S. Mag. de Fidelissima àquelle sacrosanto simulacro, fizérão q. o Ex. mo e R. mo S. r D. Fr. João Rafael de Mendonça, Bispo desta Cid. e, pedisse ao S. mo P. Pio 6.º do thezouro da Igr. ª alguma particular Graça p. ª q. os Catholicos ainda mouidos | 19 v Pello interece espiritual perpetuacem às suas instancias preces: E o m. mo Sm. º P.e sem lemitação de tempo e para este Bisp. do tam som. te Concedeu Indulgencia plenaria aplicada por modo de sufragio pellas almas dos fieis defuntos
|
«O Doutor Fran. co Matheus X. er de Carualho, Mestre Escola na Santa Sé Cathedral desta Cidade do Porto, Examinador Sinudal, Prouizor e Ouuidor dos Coutos da Mítara (sic) neste Bispado do Porto pello Ex. mo R. mo S. r Bispo do mesmo. O Santisimo Padre Pio Sexto, agora presidente na Igreja Catholica, persuadido das feruorozas rogatiuas de Sua Magestade Fid. ª e Rainha nossa Senhora, detreminou por hum breue, dado em sete de Julho de mil e setesentos e setenta e noue a(nnos), q. a pr. ª sesta feira depois da outaua do Corpo de Deos, dia que neste Reino se Solemniza o S. mo Coração de Jesus, fosse perpetuam. te de preceito e que todos se obtiuesem (9) de obras seruis, mandando juntamente
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por “abstivessem”.
q. tambem fose jejum de preseito a vigília da mesma festa mas que este se Cumprise Com o jejum da vigilia de S. João Batista, e S. Pedro e S. Paulo, e S. to António de Pádua quando as suas festiuidades aconteserem na quinta feira immediata à festa do S. mo Coração de Jesus, foi Sua Magestade Fid. ª por auizo da Secretaria do Estado de sinco de Abril deste prezente anno mandar ao Ex. mo R. mo S. r Bispo desta Cidade aquelle Breue para que neste Bisp. do tiuesse a sua deuida Exec. ão pello que exorta Sua Mag. e Fidilisima, inquam, exorta S. Ex. cia R. ma a todos os seus amados Súbditos hua fiel observansia daqueles preseitos seruindo para estimação da sua verdadeira obediensia o m. mo Amabelisimo Coração de Jesus os feruorosos dezejos de Sua Mag. e e a prompta su(b)mição que todos | 20 v que todos deuemos às Leis da Igr. ª e da mesma Senhora. E para q. chegue à n(o)t. ª de todos mendou (sic) S. Ex. cia R. ma pasar o prezente Edital q. será fixado nas partes Custumadas e Correrá por todo o Bispado, dado no Porto sub selo de Sua Ex. cia R. ma e meu segnal aos 30 de Abril de 1780 a(nnos) e eu Luis Barboza de Faria o sobscreui».
16 «Dom João Rafael de Mendonça, Monge de S. Jeronimo, por merce de D. s e da S. ta Se Appostolica Bispo do Porto e do Con. co de Sua Maj. de Fidelissima etc. O Ssantissimo P. Benedicto 14 da glorioza memoria abrindo os immensos thezouros da Igr. ª Catholica p. ª excitar a todos os fieis a L.ça (9b) da deloroza e sagrada Payxão de N. S. r Jesus Christo fonte da Nossa Vida, Salvação e Reçurreição concedeo perpetuam. te a todos os q. à 3.ª hora depois do meyo dia em todas as sextas Ferias do anno ao toque do sino de Cathedral e parochias de joelhos orarem e Rezarem deuotam. te sinco uezes a oração Dominical de Padres Nossos e outras tantas salutaçoens Angélicas de Aue Marias pella concordia dos Príncipes Christaons, exterpassão das Heresias, exaltação da Igr. ª Catholica e pella salvação dos Homens perdidos fizerem S. penitencia, digo, a D. s feruerozas deprecaçoens Cem dias de Relaxação na forma costumada das dívidas penitenciais por qualq. r modo aos fieis impostas (10), o m. mo SS. PP. determinou q. os Párochos ou Superiores das Igr.as
(9b) (10)
No livro de Visitações de Romariz, folha 76 verso, está “lembrança”. No texto “impostos”.
Conhecidos com qualq. r nome debayxo de Preceipto de obd. ª fáção em todas as sextas Feiras na Ora referida tocar o sino das suas Igr. as p. ª q. todos se póssão utilizar de hua tão gr. de graça: Sua Mag. de Fidelissima pella sua inacta Pi. de e citando este bem espiritual q. os descuidos dos tempos tinha(m) sepultado no ‘squecim. to mandou por auizo da Sacretaria de Estado promouer esta gr. de deuoção, pello que mandamos q. os R. dos Par. os fáção | 21 Fáção no tempo prescripto tocar o sino das suas Paróchias debaixo tambem de serem castigados arbitrariam. te a Nosso arbítrio e exortamos a todos os nossos amados súbditos se utilizem deste Espiritual Beneficio. Às feruorosas instancias da m. ma Snr. ª concedeo o Ssumo Pont. Reygnante em 22 de Abril do prez. te anno que todo o clero secular e Regular deste Reyno e seus Dominios Rezácem no dia 23 de Dezembro com Officio Duplex Menor de Santo Séruulo Confessor não Pont. e este decreto da Sagrada Congr. am dos Ritos mandou Sua Mag. de Fidelissima obseruar neste Bisp. º e p. ª q. chegue à noticia de todos, mandamos passar o prez. te Edital q. será fichado (11) nas p. tes costumadas e mandado pellas com. cas deste Bisp. o onde será lido em cada Parochia por tres vezes à estação da Missa Conventual, Copiándo-sse nos L. os das Vezitaçoens e cada R. do Par. º som. te o poderá Reter o tempo de Tres oras, fazendo-o Remeter ao q. se seguir na forma da lista junta e o último fará Remeter ao Escriuão da Câmera que esta sobscreueo. Dada no Porto sob o Nosso sello e Signal de Nosso R. do r D. Prouizor em 10 de Dezembro de 1780 e eu M. el L. te de Bragança a sobscrevj. Carvalho. Bragança».
17 «D. Fran. co Matheus X. er de Carualho e M. e Escola na S. ta Sé Cathedral desta Cid. e, examinador Cinodal, Prouisor deste Bisp. do do Porto pello Ex. mo e R. mo S. r Bispo do m. mo. Às feruorosas instancias de sua Mag. de F. ª A Raynha Nossa Snr. ª, determinou o Sumo Pont. Reygnante o S. r Pio 6.º que todo o clero secular e Regular deste Reyno e seus Dominios rezácem no dia 22 de Mayo de Santa Rita de Cassia e no dia 16 de 9.bro de S. Gonçalo de Lagos | 21 v De Lagos ambos com o Rito de Duplex Missas, por auizo da Sacretaria
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Por “fixado”.
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de Estado em 10 de Abril deste anno Manda a m. ma Snr. ª que neste Bispado se ex(e)cute aquella Ordem e p. ª q. esta verdadeiramente se guarde e Cumpra na translação do S. que compitia ao dia 22: o que Refere a Rubrica do Breviário e vay notado na tabela junta; determinou sua Ex. ca e R. ma q. passasse a prez. te Ordem por todo o Bisp. do e ordemna a todos os R. dos Par. os da Com.ca da Fr. ª debayxo de penna de suspensão ipso facto, tanto que esta lhe for entregue, a fássão copiar no L. º da Vezita no tr, º de duas oras, fazendo-
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a Remeter cada hu ao que se seguir, Correndo p. ª esse fim a forma da vezita e asignarão nas costas de como asim o cumprírão e o último a fará Remeter à Camera. Dada no Porto sob o sello de sua Ex. ca e R. ma e meu signal aos 2 de Mayo de 1781 a(nnos). Manoel Leyte de Bragança o sobscreuy. Nunes. Caru.º».
Dicionário Biográfico de Personalidades Feirenses Francisco de Azevedo Brandão *
COELHO, Domingos da Silva (1930-2008). Nasceu na freguesia de Fiães em 1930. Licenciouse em Direito e logo após o estágio no escritório do Dr. Alcides Strecht Monteiro, foi nomeado presidente da Câmara Municipal da Feira, onde se manteve durante três mandatos até ao início da década de 70. Nestas funções deixou algumas obras de destaque no concelho: abriu a Rua Egas Moniz e a Avenida 25 de Abril e lançou o projecto da estrada da FeiraArrifana; inaugurou o Mercado Municipal, a Caixa Geral de Depósitos e o Grémio da Lavoura; ficou ligado à construção do Cine-Teatro António Lamoso; apoiou o Clube Desportivo Feirense, sobretudo na construção do Estádio Marcolino de Castro; apoiou as propostas dos professores Drs. Carlos Alberto Ferreira de Almeida e Eugénio dos Santos para o recomeço das escavações arqueológicas do Castro de Fiães; dotou o concelho de fontanários públicos e aumentou a rede viária; criou novas escolas e cantinas escolares; promoveu o intercâmbio entre o Município e a Comunidade Feirense do Rio de Janeiro, tendo, para o efeito, presidido à cerimónia da
recolha de terra do Castelo da Feira, que foi benzida e enviada para a casa da Vila da Feira e Terra de Santa Maria no Rio de Janeiro. Após os seus mandatos à frente da Câmara da Feira, foi nomeado presidente da Caixa de Previdência de Castelo Branco, a convite do presidente do Instituto da Obras Sociais, Dr. Henrique Veiga de Macedo, tendo transitado depois para o Porto, onde foi colocado no Centro Distrital da Segurança Social, do qual se reformou aos 65 anos de idade. «Pautou a sua gestão eficaz e eficiente, sendo uma pessoa simples e extraordinariamente honesta e que nunca se serviu dos cargos que ocupou, para proveito próprio, seguindo à risca a missão de Servir, tendo como características reconhecidas por todos: a verticalidade, a honestidade, o espírito de justiça e solidariedade». Faleceu em Fiães no dia 26 de Março de 2008 com 78 anos de idade. Bibliografia Correio da Feira, 31.3.2008 DIAS, Diogo ( ? - ?). Era filho de Mendo Dias e de Gontinha Guterres; neto de Diogo Trutesendes e de Alivergo (Vitisciliz). Foi proprietário em Fornos, Tardinhade, Romariz, Inha, Escariz e, talvez, Roge e Padrasto.
* Licenciado em História pela Universidade do Porto e Bacharel em Filologia Românica pela Universidade de Coimbra. Historiador local, é autor de Anais da História de Espinho, O Associativismo em Espinho, Joaquim Pinto Coelho, um Político de Espinho, O Campo de Aviação de Espinho, O Culto de Nª Sª da Ajuda em Espinho e Manuel Laranjeira, por ele mesmo.
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Bibliografia José Mattoso, A Nobreza Medieval Portuguesa – A Família e o Poder. Editorial Estampa, 4.ª edição, 1994. DIAS, Gonçalo ( ? - ?). Era descendente da família Marnel, tendo recuperado o território de Coimbra em 1128, que tinha sido ocupado pelos Muçulmanos de Almansor. Chefiou a cidade de Coimbra desde essa data até 1137. Um ano depois, em 1138, D. Afonso Henriques doou a ele e a sua mulher Maria Anaia, uma irmã do bispo de Coimbra, João Anaia, «um extenso couto» em Louredo na Terra de Santa Maria. Bibliografia José Mattoso, O Castelo e a Feira (A Terra de Santa Maria nos séc. XI e XII). Editorial Estampa, 1989 88
DIAS, Mendes ( ? - ?). Era filho de Diogo Trutesendes e de Alivergo (Vitisciliz). Era casado com Godinha Guterres e foi governador da Terra de Santa Maria, juntamente com seu pai em 1064. Possuiu propriedades em Serzedo. Do seu casamento houve 4 filhos: Boa, Guterre, Diogo e Unisco. Bibliografia José Mattoso, A Nobreza Medieval Portuguesa – A Família e o Poder. Editorial Estampa, 4.ª edição, 1994. DIAZ, Toda ( ? - ?). Vendeu, em 17 de Junho de 1089, a Diogo Pais, por 7 «modios», a sua parte de uma casa situada em Ramil, no lugar chamado Casal. Bibliografia Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian. Centro Cultural Português, Paris, 1971 DINIZ, Vicente Carneiro ( ? -?). Foi pároco da Freguesia de Guisande pela renúncia do seu antecessor, padre Manuel Caldeira, em 1635. Bibliografia António Ferreira Pinto, Defendei Vossas Terras –
Monografia de Guisande. Edição da Junta de Freguesia de Guisande, 1999 DOMINGUES, António ( ? - ?). Vivia em 1800, segundo Carta de Familiar que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «Lavrador, natural e morador no lugar de Redondo, freg. de Santa Maria de Fiães; filho de Manuel Domingues de Sousa, e de Ana Francisca, de S. Pedro de Pedroso, Feira (hoje de Gaia); ajustado para casar, em 1804, com Custódia da Conceição, natural e moradora em Fiães, filha de Manuel Pinto de Almeida e de Marcela da Conceição, neta paterna de Manuel Pinto de Almeida e de Domingas Angélica, e materna de Manuel Tavares da Silva e de Joana da Conceição, todos de Fiães A.N.T.T.– António – m. 201, n.º2999» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, “O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício”. Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º99 (Julho, Agosto e Setembro), 1959 DOMINGUES, Domingos ( ? -?). Foi abade do Mosteiro de Canedo a partir de 1307, pois em 31 de Agosto desse ano João Soares, Cónego e Vigário Geral, como delegado do Cabido a quem pertencia o padroado (in solidum) totalmente (pois o Bispo do Porto, D. Geraldo Domingues tinha concedido, a 8 de Fevereiro da era de 1345 ou ano de 1307 todos os rendimentos, proventos e direitos do Mosteiro que lhe tinha sido doado por D. Dinis), confirmou Domingos Domingues como abade do Mosteiro de Canedo e Administrador do Convento, tanto no espiritual como no temporal. O Mosteiro passou a pagar ao Cabido a renda anual de 200 maravedis velhos de moeda portuguesa. Bibliografia Censual do Cabido do Porto; Cónego A. Ferreira Pinto, “S. Pedro de Canedo”. Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º 15, 1938 DOMINGUES, D. Geraldo ( ? -?). Foi Bispo do Porto. Em 28 de Maio da era de 1342 ou de 1304, o rei D. Dinis, de comum acordo com sua mulher D. Isabel e o Infante D. Afonso, doou a D. Geraldo, o Mosteiro de Canedo, com o direito de padroado de todos os bens
senhoriais, maladias (pensões), casais, heranças e posses com todos os direitos espirituais existentes e futuros. Esta doação foi pessoal a D. Geraldo em atenção a relevantes serviços prestados ao rei D. Dinis. Uma das cláusulas foi que, em todo o tempo, houvesse no Mosteiro uma missa diária e cantada em honra de Deus e da Virgem Maria, por alma dos ascendentes e descendentes do doador. Bibliografia Censual do Cabido do Porto; Cónego A. Ferreira Pinto, “S. Pedro de Canedo”. Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º15, 1938 DOMINGUES, Martinho ( ? -?). Tomou posse como abade do Mosteiro de Canedo em 1302. Neste ano interpôs para Braga contra o bispo do Porto, D. Geraldo, para ser conservado na posse do dito mosteiro. A 9 de Dezembro de 1131, porém, teve de entregar a administração e direito que tinha do Mosteiro de Canedo, a D. Pedro João, Vigário-geral de D. Estêvão, bispo do Porto, por força de sessão capitular de 17 de Setembro desse ano, presidida pelo referido bispo, onde foi revolvido anexar perpetuamente ao deado o dito mosteiro, com a alegação de que seria muito mais fácil e sobretudo porque presidia ao Cabido e era Deão D. Gonçalo Pereira, «cujo poder e habilidade seriam garantias de melhor administração». O Vigário-geral conferiu então ao deão D. Gonçalo Pereira, que estava representado pelo seu procurador João Estêvão, a posse do mosteiro. Este D. Gonçalo Pereira teve um filho de Teresa Pires Vilarinho, que foi D. Álvaro Gonçalves Pereira, pai de D. Nuno Álvares Pereira. Bibliografia Censual do Cabido do Porto; Cónego A. Ferreira Pinto, “S. Pedro de Canedo”. Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º 15, 1938 DOMINGUES, Pedro ( ? _ ?) Era pároco de Mozelos, Feira, em 1318, pois aparece como testemunha numa escritura de contenda, datada e redigida em Paços de Brandão a 8 de Junho da era de 1355, era cristã de 1318, sobre a propriedade da «quintaâ da Torre e los seus termos e Paaçoó de Brandom e outras cousas» entre o Prior da Ordem do Hospital, Dom Estêvão Vasques e Martim Costa, Prior de Perosinho, procurador do Mosteiro de Grijó.
Bibliografia Joaquim Correia da Rocha, Recordar 900 Anos de Paços de Brandão. Edição da Junta de Freguesia de Paços de DOMINGUES, Vicente ( ? -?). Foi confirmado abade do Mosteiro de Canedo pelo Bispo do Porto, D. Frei Estêvão, por intermédio do seu Vigário Geral, Pedro João, em 29 de Novembro de 1511. No acto, prestou juramento de obediência e reverência a D. Estêvão e aos seus sucessores, prometeu observar os estatutos sinodais, assistir ao sínodo, se for chamado e não estiver impedido, fazendo residência pessoal, excepto se for dispensado. Bibliografia Censual do Cabido do Porto; Cónego A. Ferreira Pinto, “S. Pedro de Canedo”. Arquivo do Distrito de Aveiro, n. 15, 1938 ÉRIS, Gondesindo ( ? _ ?). O conde D. Gondesindo Éris vivia em 869. Foi um ricohomem das terras da Feira e teria dado origem ao topónimo Gondesende, hoje lugar de Esmoriz. Era filho do conde D. Ero e de D. Adosinda e tinha casado com D. Inderquina Pala, filha do conde Mendo Gutieriz e irmã de D. Rosendo, enteada de Santa Ilduara, neta do conde Hermenegildo e sobrinha da rainha D. Elvira, esposa de Ordonho II, rei de Leão. O casal possuía várias propriedades em cujas terras fundara vários mosteiros, entre os quais os de Azevedo, São Vicente de Pereira, já antes de 869, e o de São Cristóvão em Santa Eulália de Sanguedo. O conde Gondesindo teve duas filhas: Froilo, que nasceu com deficiência física, e Adosinda. À sua filha Foila «os seus progenitores outorgaram-lhe farta herança de bens acrescidos de 100 servos entre homens e mulheres, para que nada lhe faltasse, vivendo os dias da sua vida, segura, tranquila e sem favor». Com sua filha Adosinda e já viúvo, fundou o Mosteiro da Santa Marinha de Avintes, ao qual entregou esta sua terra. Mais tarde encerrou -se no de São Salvador da Lavra, Matosinhos. Bibliografia David Simões Rodrigues, Rio Meão – A Terra e o Povo na História. Edição da Junta de Freguesia de Rio Meão, 2001. José Mattoso, A Nobreza Medieval Portuguesa – A Família e o Poder. Editorial Estampa, 4-ª edição, 1994.
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ERIZ, Diogo ( ? - ?) E sua mulher Toda Diaz, venderam a Elvira Nunes e a seus filhos, em 16 de Junho de 1105, por 20 soldos, uma terra situada em Argoncilhe.
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ESTÊVÃO, Diogo ( ? - ?). Foi pároco de Fiães no reinado de D. João I, apresentado pelo Mosteiro de Pedroso e confirmado pelo Vigário Geral, D. Martinho, Bispo do Porto em 10 de Março de 1390. É o 2.º pároco de Fiães de que há memória.
Bibliografia Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971.
Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940.
ERIZ, Egas ( ? - ?). Foi o primeiro ascendente conhecido dos senhores de Marnel. Era filho de Ero Moniz, que aparece a confirmar um diploma de Ramiro II, em 949; neto de Godo Eriz e de Maria; bisneto de Ero Fernandes (governador de Lugo) e de Ausenda. Egas Eriz teve propriedades em Anta, Travanca, Santa Maria de Lamas, viveu entre o Douro e Mondego, tendo-se retirado para o norte do Douro durante as invasões muçulmanas do fim do século X, voltando depois para o sul do Douro. Era casado com Ildôncia Fromarigues, da qual teve 2 filhos; Gonçalo Fromarigues e Mumadona.
ESTEVES, Domingos ( ? - ?). Foi pároco de Guisande, apresentado pela Abadessa do convento de Rio Tinto, que tinha o privilégio de nomear párocos para a freguesia de Guisande. Esta nomeação foi confirmada pelo bispo D. Vicente Mendes, em 1295. Este bispo governou a diocese do Porto de 1261 a 1296, assistiu ao concílio nacional de Braga em 1262, cedeu a D. Afonso III o padroado de Pinhel e bens que tinha na Guarda, recebendo o de Cabanões (Ovar) e benzeu a primeira pedra para a igreja e convento de Santa Clara em Entre-os-Rios. O testamento deste bispo encontra-se no Censual do Cabido do Porto, pág. 418 e seg.
Bibliografia José Mattoso, A Nobreza Medieval Portuguesa – A Família e o Poder. Editorial Estampa, 4.ª edição, 1994. ERIZ, Ilduara (916-958). Era filha de Gonçalo Viegas e de Fâmula Chamôa e irmã de Paio Gonçalves e portanto da família de Marnel, casada com um cunhado de Gondesndo, Guterre Mendes A eles se deve a fundação dos cenóbios de Santa Maria de Sá (Pozelhe) e S. Gião (Souto), ambos extintos na segunda metade do século XII. A maioria das fundações monásticas da Terra de Santa Maria anterior ao ano mil pertence aos senhores de Marnel, com excepção do Mosteiro de S. João de Ver, instituição datada de 977, e o de S. Salvador de Grijó, documentado de 922 e que viria a ser restaurado nos finais do século XI por um descendente do conde Gondesndo Eriz, Soeiro Fromarigues, primo direito de Paio Gonçalves de Marnel. Bibliografia José Mattoso, O Castelo e a Feira (A Terra de Santa Maria sos sé. XI e XII). Editorial estampa, 1989.
Bibliografia António Ferreira Pinto, Defendei Vossas Terras – Monografia de Guisande. Edição da Junta de Freguesia de Guisande, 1999 ESTEVES, Diogo ( ?- ?). Vivia em 1390, segundo carta em latim da sua nomeação para pároco de Fiães dada pelo bispo Martinho Eanes da Igreja Portucalense em 10 de Março de 1390 e que está guardada no Arquivo da Universidade de Coimbra, Pergaminhos de Pedroso, gaveta 8-A, maço 3, número 173, publicada e traduzida pelo padre Domingos Azevedo Moreira para a revista «Ulfilanis Villa», n.º3, de Fiães. Da extensa carta se respiga a seguinte passagem: «Sabei que, vagando a dita igreja (de Santa Maria de Fiães, terra de Santa Maria) por morte de Afonso Vicente, imediatamente último reitor da mesma, eu, perante a apresentação dos religiosos varões D. Francisco Domingues, abade, e convento do mosteiro de S. Pedro de Pedroso da ordem de S. Bento da dita diocese portucalense que por razão do dito seu mosteiro são verdadeiros padroeiros da dita igreja de Fiães e em posse efectiva ou jurídica do
direito de apresentar in solidum à dita igreja quando fica vaga, confirmo Diogo Esteves, clérigo de Pereira, com cuja autoridade apostólica está dispensado, para que, não obstante o defeito que sofre de nascença de ser filho de prole solteira, pudesse ser promovido a todas as ordens e ter um benefício paroquial, etc…» Bibliografia Padre Domingos Azevedo Moreira, Carta de Nomeação de Pároco para Fiães em 1390. Revista «Ulfilanis Villa», n.
ESTEVES, Pedro ( ? -?). Natural de Vila Maior (Feira). Segundo o Nobiliário do Conde D. Pedro, era filho de Estêvão Rodrigues (Branco), de Vila Maior e de sua mulher D. Margariada Peres Pimentel, filha de Pedro Martins Pimentel e de Sancha Martins. Este Pedro Martins Pimentel era irmão de Vasco Martins Pimentel, amboas filhos de Martim Fernanades Pimentel, senhor da honra de Novaes, que fundou, e de sua mulher Sancha Martins de Riba de Vizela, que era viúva de Gonçalo Rodrigues de Nomães. Aquele Martim Fernandes Pimentel, que seria o 1.º de nome, seria neto de Fernão Fernandes Branco e trineto de D. Urraca Gonçalves de Marnel; e Sancha Martins, era fila de Martim Fernandes, de Riba de Vizela e de D. Estevainha Soares da Silva. Pedro Esteves foi senhor do paço de honra de Vila Maior (hoje deve ser a chamada quinta do Quintão, casou a primeira vez com D. Maria Anes Teixeira, de que não teve filhos, e a segunda com D. Sancha Vasques Peixoto de quem teve uma filha, D. Guiomar Pereira. Esta casou com Rui Gomes de Azevedo, «cavaleiro de Azevedo», vassalo de D. Afonso IV, infanção, «natural» dos mosteiros de Vilar de Porcos e de Grijó, com propriedades em Canedo e Vila Maior, onde viveu. Daqui nasce o ramo dos Azevedos de Vila Maior e depois de S. Vicente de Pereira Jusã. Bibliografia Manuel Abranches de Soveral, Uma Linha Azevedo em Viseu. Página da Internet. FARIA, António Diniz de ( ? - ?). Era pároco da freguesia de Lourosa quando, em 1758, respondeu ao Inquérito para o Dicionário Geográfico do Padre Cardoso.
Bibliografia Jornal Tradição, 4.7.1936. FARIA, Avelino de (1887-1969). Natural de Vila do Conde Licenciado em Direito, foi notário em Viana do Castelo e Lisboa e Conservador da comarca da Feira, nomeado em Junho de 1919. Aqui foi o primeiro presidente da Assembleia Geral da Humanitária Associação dos Bombeiros Voluntários da Feira, militante do Partido Evolucionista, tendo sido presidente da sua Comissão Concelhia. Era casado com D. Maria Lobato Cortesão Pais de Faria, da qual teve dois filhos: Drs. António José e Avelino Pais de Lima Faria. Faleceu na cidade de Faro em 12 de Julho de 1969 com 82 anos de idade. Bibliografia Correio da Feira, 2.8.1969 FARIA, Domingos Carneiro de (? -?). Vivia em 1709, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «Juís de Fora de Azurara da Beira; natural da freguesia de Lourosa, Feira; filho de Domingos António, natural de Rio Meão, Feira, e de Mariana Carneiro, natural de Lourosa e aí morador; neto paterno de António Fernandes, o «Cavaleiro». E de Maria Fernandes, moradores em Rio Meão, e materno de Domingos Coelho, o «Novo», e de Luiza Tomé, naturais e moradores em Lourosa; casado com D. Jerónima Tavares Pinto, natural e moradora na freguesia de S. João de Ver, termo da vila da Feira, filha de Diogo Pinto, natural da freguesia de Santa Marinha do Zêzere, Baião, e de Isabel Ferreira Tavares, natural de S. João de Ver e aí moradores, neta paterna de Bartolomeu Pinto e de Leonesa Gomes, naturais e moradores na freguesia de Santa Marinha do Zêzere, e materna de Mateus Fernandes, natural de Vila Boa, Feira, e de Maria Fernandes, natural de S. João de Ver onde residiam. Carta de Familiar de 25 de Agosto de 1709 Domingos – m.19, n.º384 Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, “O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício”. Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º 113, 1963.
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FERNANDES, Bartolomeu ( ? -?). Era reitor de Sanguedo em 1677, A 3 de Dezembro desse ano promoveu a reforma da Confraria do Santíssimo Sacramento de Fiães, que abrangia também as freguesias de S. Jorge, Sanguedo, Lourosa e Santa Maria de Lamas. Bibliografia Padre Manuel F. de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra de Feira. Porto, 1939-1940. FERNANDES, Jorge ( ? - ?). Era pároco de Fiães em 1547. Foi com este padre que se iniciou o registo de baptismos, casamentos e óbitos da freguesia de Fiães, pelo que é possível ter a lista completa dos seus párocos.
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Bibliografia José Mattoso, A Nobreza Medieval Portuguesa – A Familia e o Poder. Editorial Estampa, 4.ª edição, 1974. FERNANDO, João (? - ?). Foi tenente da Terra de Santa Maria. Em 1229 confirmou o foral de Salvaterra do Extremo, entre outros. Bibliografia Jornal Tradição, número especial «O Concelho da Feira nas Comemorações dos Centenários», Setembro, 1940. FERRAZ, Afonso ( ? - ?). Foi cónego e pároco da freguesia de Pigeiros, apresentado pelos Pereiras, em 1562.
Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940.
Bibliografia P.e José Inácio da Costa e Silva, «Santa Maria de Pigeiros», jornal Tradição, número especial das Comemorações dos Centenários, Setembro. 1940.
FERNANDES, Tomé (? - ?). Era Almoxarife da Feira em 1264, segundo Carta de Sentença de 3 de Março daquele ano, em que interveio como inquiridor, ordenado por D. Afonso III, na contenda entre D. Afonso III e o mosteiro de Grijó sobre os direitos régios na Ínsua (c. de Oliveira de Azeméis), Cedofeita (c. de Arouca e na igreja de S. Jorge de Caldelas (c. da Feira).
FERRAZ ( ? - ?). , José Lopes Coelho Natural de S. Pedro de Cete, Penafiel, foi Reitor de Rio Meão de 15 de Setembro de 1850 a 25 de Dezembro de 1856. Em 29 de Abril de 1851, aparece o padre Agostinho Coelho Ferraz, talvez irmão do padre José e por impedimento deste, a fazer um baptismo na mesma igreja.
Bibliografia IANTT -42 liv,, 7 mç. FERNANDES, Ximena ( ?- ?.). Era filha do conde Fernando Sandines, falecido em 1019, e de Elvira; neto de Sandino Soares e de Ximena. A condessa Ximena Fernandes teve bens em Pigeiros, Touguinha e Porto de Muillani. Em 1037 vendeu propriedades em Gondivai e em Rial. Em 1040 confirmou uma venda de sua irmã Sarracina e outra a uma serva dela. Em 1048, fez outra venda da mesma irmã e em 1078 foi ela própria que vendeu bens em Pindelo (Vila do Conde). Era casada com Paio, provavelmente, o conde Paio Froilaz, visto Ximena Fernandes usar o título de condessa, de quem teve dois filhos: Soeiro Pais e Maior Pais.
Bibliografia David Simões Rodrigues, Rio Meão – A Terra e o Povo na História. Edição da Junta de Freguesia de Rio Meão, 2001. FERRAZ, Manuel Coelho Pinto ( ? - ?). Foi pároco de Fiães de 1756 a 1758. Foi ele que respondeu ao inquérito do Padre Luís Cardoso para as Memórias Paroquiais. Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940. FERREIRA, António ( ? - ?)Foi pároco da freguesia de S. Jorge, de 1656 a 1657.
Bibliografia P.e José Inácio da Costa e Silva, «A Freguesia de S. Jorge», jornal Tradição, número especial das Comemorações dos Centenários, 1940. FERREIRA, António (1700? - 1777). Nasceu cerca de 1700 e residiu na Quintã, Rio Meão. Em 18 de Janeiro de 1757 recebe de João Ferreira, do Bodo, uma terra no lugar de Santo António, e outra na ribeira de Infestas, em Paços de Brandão, e recebe ainda de Luís Alves do Mourão, da freguesia de Cortegaça, o campo da quinta das mamoas no lugar de Cardielos. Em 2 de Março de 1775 era Escrivão da Confraria do Santíssimo Sacramento de Rio Meão. Faleceu em 3 de Dezembro de 1777, tendo feito uma escritura a favor da sua sobrinha Joana Maria e seu marido Manuel Francisco Alves, com a obrigação de lhe fazerem três ofícios de doze padres cada um, um trintário de Missas e as três missas de Natal. Foi sepultado dentro da igreja em hábito clerical. Bibliografia David Simões Rodrigues, Rio Meão – A Terra e o Povo na História. Edição da Junta de Freguesia de Rio Meão, 2001. FERREIRA, António / ? 1843). Era natural de Rio Meão. Faleceu em 1843 na cidade da Baía, Brasil, onde residia há longos anos. Bibliografia David Simões Rodrigues, Rio Meão – A Terra e o Povo na História. Edição da Junta de Freguesia de Rio Meão, 2001. FERREIRA, António Figueiredo (1867 1964). Era natural do concelho de Tondela, onde nasceu em 1867. Foi, durante 37 anos, notário público na Vila da Feira, desde 1900, vindo transferido, a seu pedido, de Penedono. Colaborou no antigo senanário «Progresso da Feira», foi vereador da Câmara Municipal da Vila da Feira e Provedor da Santa Casa da Misericórdia da mesma vila. Era casado com D. Aida Ferreira Pinto Basto, pai do Dr. António Pinto Basto Figeueiredo, que foi notário no Porto e em Espinho, casado com D. Fernanda Cabral de Figueiredo e avô de Maria Pia, Teresa e Antónjío Gil. Faleceu em 6 de Março de 1964 com 97 anos de idade.
Bibliografia Correio da Feira, 14.3.1964 FERREIRA, António Joaquim (1877-1961). Nasceu em Travanca (Macieira) em 7 de Março de 1877. Era filho de Manuel Joaquim Ferreira e de Rosa Gomes de Jesus. Foi pároco interino da freguesia de Fornos de 18 de Julho de 1943 a 31 de Outubro de 1945. Foi depois pároco do Olival e Vigário da Vara daquele arciprestado. Paroquiou ainda em Fornos até ser nomeado um novo pároco para esta freguesia. Faleceu na Casa da Correia, Fornos, em 5 de Dezembro de 1961. Bibliografia Padre José Alves de Pinho, Fornos…Outrora. Colecção Santamariana, edição LAF – Liga dos Amigos da Feira, 2005 FERREIRA, António Mendes ( ? - ?). Era clérigo tonsurado em 1789 e minorista em 1790. Bibliografia David Simões Rodrigues, Rio Meão – A Terra e o Povo na História. Edição da Junta de Freguesia de Rio Meão, 2001. FERREIRA, Celestino Pinto ( ? - ?). Era natural da freguesia de Anta (Espinho). Foi pároco de Paços de Brandão desde 1903. «De feitio implicativo», teve vários problemas nesta paróquia, tendo sido acusado de querer «botar abaixo o tecto da capela-mor», que tinha pinturas do consagrado artista do Porto, Domingos Teixeira Barreto. Um pasquim de autoria de António de Sá e Silva e de Joaquim Ferreira da Silva, saiu secretamente, a 27 de Maio de 1906, a alertar a população para o propósito do pároco e salvou as pinturas do tecto da capela-mor, que ainda hoje podem ser apreciadas. Bibliografia Padre Antero, Apontamentos sobre Paços de Brandão FERREIRA, Domingos Gomes ( ? -1959). Era natural de S. Vicente de Louredo. No Brasil foi um considerado comerciante tendo anos mais tarde regressado a Portugal com o seu filho Mingote e de D. Feiga, de nacionalidade
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polaca, com quem tinha casado em segundas núpcias. Na sua terra construiu uma vivenda onde viveu até à sua morte. Foi vereador da Câmara Municipal da Feira e presidente da Junta de S. Vicente de Louredo. Neste cargo «fez explorar nascentes de água para fontanários e lavadouros. Fez obras de beneficiação da igreja paroquial e ampliou o cemitério, acabando com os enterramentos no seu adro, onde até então se faziam. Mais tarde, viúvo, casou com uma senhora da vizinha freguesia do Vale. Faleceu a 23 de Fevereiro de 1959Bibliografia Correio da Feira, 7.3.1959
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FERREIRA, Estêvão, ( ? _ ?) Nasceu no lugar de Alpoços, Rio Meão e foi baptizado no dia 1 de Janeiro de 1724 pelo padre Domingos da Costa Azevedo. Era filho de Domingos Ferreira e de Maria Ferreira, de Alpoços; neto paterno de António Costa, natural de Arrochela de Esmoriz e de Maria Ferreira, de Alpoços, e materno de Tomaz Mendes de S. Nicolau da Feira e de Dionísia de Sá de Rio Meão. Em 17 de Janeiro de 1722, Estêvão Ferreira requereu ordens menores e no respectivo processo, organizado na residência do abade de Paços de Brandão, este declarou, em 27 de Agosto de 1722, que o requerente era «cristão velho e limpo de sangue». Um dos inquiridos foi o padre Manuel de Sá, sacerdote de missa, de Rio Meão. Em 28 de Agosto de 1724 foi provido a diácono. Bibliografia David Simões Rodrigues, Rio Meão – A Terra eo Povo na História. Edição da Junta de Freguesia de Rio Meão, 2001. FERREIRA, Guilherme (1905-1961). Nasceu no lugar de Vila Nova, freguesia de Romariz, Feira, em 27 de Dezembro de 1905. Era filho de António Ferreira e de Balbina Rosa de Jesus; neto paterno António Ferreira e de Margarida Rosa de Jesus e materno de Manuel Alves dos Anjos e de Maragarida Rosa.Entrou para o seminário do Porto com 18 anos de idade, a 24 de Setembro de 1923 e foi ordenado padre a 3 de Agosto de 1930, na Sé do Porto, Durante a sua vida eclesiástica foi nomeado para vária freguesias: Teixeira e Teixeiró (Baião), Guisande e Pigeiros (Feira), St.º Ildefonso (Porto, Covelas (Trofa), Folgosa (Maia). Faleceu a 4 de Junho
de 1961, com 56 anos de idade. Bibliografia «Jornal de Romariz», n.º 264, Dezembro de 2005 FERREIRA, Henrique Vaz de Andrade Basto (18681961). Nasceu na Vila da Feira a 18 de Janeiro de 1868. Era filho do dr. Henrique Ferreira que foi advogado na comarca da Feira e posteriormente Contador Judicial em Lisboa, e de D. Maria Adelaide Vaz de Oliveira, natural da Vila da Feira Aos quatro anos de idade foi com a mãe para Lisboa onde estudou num colégio feminino do Largo de S. Julião, no Colégio Parisiense, da Rua da Escola Politécnica, na Escola Académica e no Colégio Europeu, no Largo Conde Barão, de que o pai era director. Desde muito jovem se mostrou como uma personalidade reivindicativa e combativa, pois tinha apenas 13 anos quando tomou parte activa de uma campanha movida pelos estudantes de Lisboa, para obter certas regalias do governo, merecendo, por isso, que o seu nome tivesse vindo publicado no «Comércio de Portugal», de Lisboa de 7 de Maio de 1881 com referências elogiosas. Começou também a colaborar em jornais e revistas aos 14 anos, nomeadamente na «Revista Académica (1883) e no «Arquivo Académico» (1884). Aos 15 anos começou como ajudante na contadoria da 1ª vara da Lisboa. Com apenas 17 anos matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde concluiu o curso em 1890. Nesse mesmo ano é nomeado delegado, substituindo o conselheiro Dr. José Coelho da Mota Pego, e instala, sob a presidência do juiz Dr. Mateus Teixeira de Azevedo, a 1ª Instância Criminal em Lisboa. É nomeado delegado ao Tribunal Auxiliar do !º Distrito Criminal de Lisboa em 29.10.1891, de escrivão da !ª Vara de Lisboa em 2.2.1919 a 28.3.1919 e delegado do Procurador da Republicana Vila da Feira de 1939 a 1941. Como advogado, Vaz Ferreira recebe as mais lisonjeiras referências nos jornais O Século e Diário de Notícias (12 de Fevereiro de 1892) a propósito do caso da prisão do jornalista Augusto Soares do Correio da Noite. Pouco tempo depois, inicia uma violenta campanha contra a permissão do jogo em Lisboa o que lhe valeu a sua saída do Jornal da Noite, onde era redactor. Em Setembro do mesmo ano encetou uma viva polémica nos jornais A Tarde e Correio da Tarde com o advogado Bento Guimarães, de Oliveira de Azeméis, sobre o testamento do conde de Penha-Longa. Para
além de ter sido redactor do Jornal da Noite, fundou a Gazeta Forense, em 1896 e na sua terra fundou A Gazeta Feirense em 1908. Foi presidente da Academia de Estudos Livres (23.5.1897 – 1900, reeleito de Crédito dos Funcionários Públicos (1905-1918) e da Cooperativa do Funcionalismo (1920 e grande impulsionador da Caixa de Aposentações dos Oficiais de Justiça. Na Vila da Feira foi presidente da Comissão de Vigilância do Castelo da Feira 121.11.1937) e Director da Biblioteca Municipal (23.11.1938), tendo sido agraciado com a medalha de ouro de Mérito Municipal (18.1.1943). Foi Chefe e governador civil de Aveiro em 1906 e 1910. Pelo seu espírito interventivo ficou conhecido por antonomásia como o Faz-Poeira. Foi eleito deputado em 1901 e 1904 pelo Círculo de Coimbra. Neste cargo vem mencionado no Dicionário Biográfico Parlamentar, 1834-1910, IIº vol. (D-M), de Maria Filomena Mónica, no verbete assinado por Fernando Moreira, que diz o seguinte «Integrou as comissões de Administração Pública (1902, 1903 e 1904), Instrução Primária e Secundária (1902 e 1904) e Petições (1902 e 1904), a qual secretariou em 1902. A maior parte das suas intervenções no hemiciclo destinaramse à entrega de pareceres de comissões e à apresentação de requerimentos de interesse público ou particular. De salientar a defesa da proposta governamental da lei do selo (28.1 e 25.2.1902), o agendamento e discussão de «um aviso prévio» ao ministro da Fazenda sobre emolumentos e salários forenses (12.3.1902, as propostas de emenda ao Código Civil em matéria de juros e sobre o encargo de cabecel, cuja extinção advogou por geralmente constituir prejuízos para os proprietários e benefício para os foreiros que o não pagavam (26 e 27.3.1903). Considerou, aliás, que não se tratava de uma revisão do Código Civil, embora ela se justificasse atendendo às suas muitas imperfeições, razão por que nunca fora grande entusiasta daquele importante documento legislativo. Depois do 5 de Outubro aderiu à República, uma inclinação que podia antever-se em declarações proferidas em 1907, durante o consulado franquista: «sou ainda monárquico, mas incompatível com um rei absoluto e julgo necessário restabelecer as liberdades públicas». Durante a I República chegou a ser proposto deputado pelo Partido Centrista no círculo de Ponte de Lima e veio a ser chefe de gabinete do ministro da Justiça, António de Oliveira e Castro ( 1 a 9.7.1920), no primeiro e efémero governo de António Maria da Silva». Escreveu dois romances: Os Senhores de Marnel,
1925 e Solteiras, 1926, em que descreve tipos e localidades da Vila da Feira; e ainda Reforma de Contagem, fiscalização e revisão dos Profissionais Forenses, 1891; Comentários à Lei do Divórcio, 1912; O Contador Prático, 1925 e Cartas de Nenhures, crónicas. Vaz Ferreira casou duas vezes, a primeira com D. Maria Luísa Morais de Carvalho, filha do deputado Alberto António de Morais Carvalho Sobrinho, de quem se divorciou 814.2.1918), consorciando-se depois (17.8.1918), com Maria Emília de Abreu Castelo Branco. Faleceu a 14 de Julho de 1961. Bibliografia Correio da Feira, 27.11.1926; 31.4.1929 e 18.3.1961; Henrique Vaz Ferreira, Ferro Velho, 4 vols., Santa Maria da Feira; Maria Filomena Mónica, Dicionário Biográfico Parlamentar, II Vol. 1834-1910, (D-M). Assembleia da República, 2004. FERREIRA, João Álvares ( ? - ?). Vivia em 1752, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «natural e morador na freg. de S. Nicolau do Prto; filho de João de Oliveira Ferreira, natural da freg. de S. Vicente de Louredo, Feira, e de Catarina Álvares, natural da freg. de S. Miguel de Vilarinho, St.º Tirso, moradores no Porto, freg. de S. Nicolau; neto paterno de Gonçalo de Oliveira, natural de Louredo, e de Catarina Antónia, natural de freg. de S. Pedro de Canedo, Feira, e materno de Pedro Francisco, natural de St.º Tirso, e de Ana Álvares, natural de S. Martinho do Campo; irmão do Rv.º Dr. Manuel de Oliveira Ferreira, Comissário do St.º Ofício, reitor da igreja de S. Miguel de Oliveira de Azeméis, e sobrinho de Francisco Álvares Ferreira, Familiar do St.º Ofício e sargento-mor da vila de Ovar, morador no Porto; ajustado para casar, em 1752, com Maria de S. José, natural de S. Martinho do Campo, Lamego, e moradora no Porto na rua da Cordoaria Velha, freg. de S. Pedro de Miragaia, filha de Simão Ribeiro e de Maria Martins, e materna de Manuel Rodrigues e de Ana Rodrigues, todos igualmente naturais e moradores em S. Martinho do Campo. Carta de Familiar de 23 de Maio de 1752. A.N.T.T. – João – m. 97, n.º1026» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, “O Distrito de Aveiro nas
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Habilitações do Santo Ofício”. Revista Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º129 (Janeiro, Fevereiro e Março), 1967 FERREIRA, João José ( ? - ?). Veio ainda criança para a Feira na companhia de seu pai. Foi amanuense da Câmara Municipal da Feira em 1889. Foi proprietário, director e editor do jornal O Feirense, órgão progressista, que iniciou a sua publicação em 23 de Março de 1883 e terminaria em 1898, sucedendo-lhe A Voz da Feira Em 1899 abandonou a Feira por ter abraçado a causa da emancipação do concelho de Espinho. Bibliografia Roberto Vaz de Oliveira, “Imprensa Periódica da Vila e Concelho da Feira”. Revista Aveiro e o seu Distrito, n.º 8, 1959 96
FERREIRA, João Mendes (1752-1806). Nasceu no lugar das Ribas, Rio Meão em 23 de Setembro de 1752. Foi baptizado a 29 de Setembro de 1752, tendo sido padrinhos João, solteiro, tio, e Isabel Mendes, das Figueiras. Era filho de Manuel Francisco e de Maria Mendes.Em 4 de Abril de 1788 é coajutor do reitor de Rio Meão. Faleceu em 12 de Março de 1806 segundo o exarado no livro paroquial de Rio Meão que reza assim: «Aos doze dias do mês de Março de mil oitocentos e seis faleceu da vida presente com todos os Sacramentos o Padre João Mendes Frreira do lugar das Ribas desta freguesia, de idade de cincoenta e três annos…» Bibliografia David Simões Rodrigues, Rio Meão – A Terra e o Povo a História. Edição da Junta de Freguesia de Rio Meão, 2001. FERREIRA, Joaquim Pinto Ferreira ( ? - ?) Vivia em 1784, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «natural do Recife de Pernambuco e aí morador; filho de João Pinto Ferreira, natural da freg. de St.ª Maria de Fiães, e de Joana da Costa Vaz, natural de Paraíba, moradores no Recife,; neto paterno de António Pinto ferreira e de Ana da Silva, mulher solteira, filha de Maria André, naturais e moradores em Fiães, e materno de António Vaz Marinho, natural da freg. de S. Miguel de Fontoura, Valença, e de Teresa de Sete Zuzarte,
natural do Recife. Carta de Familiar de 5 de Outubro de 1784. A.N.T.T. – Joaquim – m.18, n.º227» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, “O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício”. Revista Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º 136 (Outubro, Novembro e Dezembro), 1968 FERREIRA, José Pinto ( ? - ?). Nasceu em Soutelo, Fiães e foi pároco de S. Silvestre de Duas Igrejas durante 7 anos (1749-1756). Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940. FERREIRA, José Rodrigues (1893-1982). Nasceu em Santa Maria de Lamas em 28 de Janeiro de 1893. Ordenado sacerdote, paroquiou a sua terra desde 1924 até 1982. «Foi uma figura distinta de homem bom, inteligente, digmo a quem Lamas prestou uma justa homenagem perpetuando no bronze o busto daquele a quem tanto quis na vida e na morte». Participou em todas as iniciativas, de mãos dadas com o comendador Henrique Amorim, para o engrandecimento de Santa Maria de Lamas. Faleceu em 28 de Janeiro de 1982. Bibliografia Correio da Feira, 5.2.1982 FERREIRA, Manuel de Oliveira ( ? -?). Vivia em 1744, segundo Carta de Provisão de Comissário do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «bacharel formado na Faculdade dos Sagrados Cânones e reitor da igreja de S. Miguel de Oliveira de Azeméis; natural do Porto, freguesia de S. Nicolau; filho de Jorge de Oliveira Ferreira, natural da freguesia de S. Vicente de Louredo, Feira, e de Catarina àlvares Ferreira, matural de Eira Verde, freguesia de S. Miguel de Vilarinho, Santo Tirso, moradores no Porto; neto paterno de Gonçalo de Oliveira, natural de Louredo, e de Catarina Antónia, natural de Serralva, freguesia de S. Pedro de Canedo, Feira, moradores em Louredo, e materno de Pedro Francisco, natural de Vilarinho, e
de Ana Álvares, natural da freguesia de S. Martinho do Campo, Santo Tirso, moradores em Vilarinho. Provisão de Comissário de 15 de Abril de 1744 Manuel – m.128, n.º2250 Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, “O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício”. Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º158, 1974 FERREIRA, Manuel ( ? - ?). Padre, natural de S. João de Ver. Em 11 de Janeiro de 1772 fez um baptismo em Rio Meão continuando a fazer outros até Agosto do mesmo ano. Bibliografia David Simões Rodrigues, Rio Meão – A Terra e o Povo na História. Edição da Junta de Freguesia de Rio Meão, 2001. FERREIRA, Roberto Alves de Sousa (1854-1920). Nasceu na Vila da Feira a 11 de Abril de 1854. Era filho de José Alves de Sousa Ferreira. Licenciou-se em Direito em 1877, exerceu a advocacia, fez parte do Partido Progressista da Feira e foi presidente da Câmara Municipal da Feira em mais de uma vereação.. Foi professor de Economia Política da Academia Politécnica do Porto, primeiro como substituto (14.7.1897) e depois como lente (Decreto de 4.8.1897 e Carta Régia de 5.5.1898, onde regeu também a cadeira de Direito Industrial. O acesso à docência fez através de uma dissertação de candidatura cujo tema versou a teoria dos salários na economia política e procurou fazer o estado da questão, baseado no pensamento económico-social dos maiores vultos da época. Com a reforma do ensino, resultante do novo regime republicano, instaurado em 5 de Outubro de 1910, transitou para a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, a cujo Conselho Académico pertencia em 1917. Foi eleito deputado em 1889 e 1890 pelo círculo da Feira. Nesta qualidade vem mencionado no Dicionário Biográfico Parlamentar, 1834-1910, vol.II, (D-M), de Maria Filomena Mónica, com verbete assinado por Fernando Monteiro que diz o seguinte: «Integrou a Comissão de Petições em 1891. Apesar do curto período em que esteve no Parlamento, teve algumas intervenções que merecem destaque. Logo no primeiro discurso, que se estendeu por duas sessões
parlamentares (16 e 17.6.1890) e se debruçou sobre o bill de indemnidade, defendeu o seu «ilustre chefe»José Luciano de Castro e atacou ferozmente o governo de António Serpa pelo seu comportamento nas eleições – realizadas « com baionetas» e sob o estigma da «correcionalização» -, pelo fim da eleição dos juízes de paz, pelo pedido de autorização para contrair um empréstimo de montante indefinido, e por querer que fosse o Governo a fixar anualmente o contingente militar, apresentando nada menos, de treze propostas de alteração ao texto do proposto bill. Na discussão dos tabacos, manifestouse contra qualquer sistema de monopólio (25.7.1890) e no ano seguinte apresentou dois projectos de lei, um para libertar a pequena propriedade da contribuição de registo, e de juros as tornas de encabeçamento ou liquidação, e outro para aplicar as regras dos delegados do procurador régio aos « conservadores privativos de registo» (1.7.1891). Pronunciou-se ainda contra uma proposta de aumento dos impostos e apresentou contrapropostas destinada a minorar os efeitos de iniciativa governamental (16,2.1892) e contestou a manutenção de vacaturas parlamentares quando se justificavam já novas eleições ou a subida a deputado do candidato mais votado a seguir ao eleito (20.2.1892). De algum modo surpreende a ausência de intervenções relacionadas com a Vila da Feira, a cuja Câmara presidira, atendendo à postura «paroquialista» que caracterizou a prestação de tantos deputados oitocentistas. Nesse plano só se poderão considerar o requerimento dos documentos relativos à distribuição de um conto de réis aos habitantes pobres de Espinho (20.5.1890, o pedido de explicações ao Governo sobre tumultos ocorridos em Oliveira de Azeméis devido à carestia do milho /29.7.1890 ) e a alusão ao estado ruinoso da viação pública no distrito de Aveiro e aos estragos provocados pelo mar em Espinho (11.12.1891)». Roberto Alves Ferreira foi ainda administrador da Companhia de Gás e Energia Eléctrica do Porto. Teve dois filhos: D. Branca de Castro Sousa Ferreira e Emídio Alves de Sousa Ferreira. Foi avô dos drs. Joaquim Vaz de Oliveira e Roberto Vaz de Oliveira. Faleceu em 13 de Setembro de 1920.
Bibliografia; «Democrata Feirense», 18.9.1920 Maria Filomena Mónica, Dicionário Biográfico Parlamentar, 1834-1910, vol.II, (D-M), Assembleia da República, 2004.
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FERREIRA, Serafim Pinto (1904-1985). Nasceu na Casa de Casais de Baixo, freguesia de Rio Meão a 24 de Abril de 1904. Era filho de Manuel Pinto Ferreira e de D. Venância Ferreira de Jesus, neto paterno de Joaquim Pinto e de D. Ana Ferreira de Jesus e materno de António Ferreira Tavares e de D. Margarida Ferreira de Jesus. Alfaiate até aos dezanove anos, entro em 1924 no Seminário da Sociedade Portuguesa das Missões Católicas Ultramarinas, em Cucujães, tendo recebido a ordenação de subdiácono a 29.6.1934 e ordenado pouco tempo depois. Foi professor até 1941 no Seminário de Cucujães e de Cernache do Bonjardim. Neste mesmo ano partiu para Moçambique, onde trabalhou nas missões de Unango, Mutuáli, e Mossuril, em Nampula. Aqui, mercê de um trabalho exaustivo de ensino e evangelização, e «desgostoso pela forma poço humana com que viu tratado por missionários italianos», regressou a Portugal, desligou-se da Sociedade Missionária de Cucujães passando para o Seminário de Cernache do Bonjardim. Poço depois foi colocado como assistente religioso no Hospital do Porto e em 1.1.1956 foi nomeado pároco de Alpalhão O Padre Serafim Ferreira foi também poeta de fino recorte literário. Em 1978 publicou o livro de poemas «Luz e Trevas – Poemas Missionários», com uma segunda edição em 1982, impresso na Escola Tipofráfica das Missões de Cucujães. Faleceu a 1 de Maio de 1985, na sequência de um atropelamento numa rua da sua terra, quando se dirigia para a igreja matriz. Bibliografia David Simões Rodrigues, Rio Meão, a Terra e o Povo na História, Junta de Freguesia de Rio Meão, 2001. FIGUEIREDO, Aires Gonçalves de ( ? - ?). Foi alcaide do Castelo da Feira após a morte de seu pai, Gonçalo Garcia de Figueiredo. A quando das lutas com Castela na crise de 1383 – 1385, Aires Gonçalves passou-se para Castela, motivo pelo qual ter- lhe-á sido tirado o cargo. Bibliografia João Corrêa de Sá, «Correio da Feira», 22.4.1772 FIGUEIREDO, António Pinto Basto de (1906 - 1991) Nasceu a 15 de Maio de 1906 na Vila da Feira. Era filho de António de Figueiredo Ferreira e de dona Aida
Ferreira Pinto basto de Figueiredo. Licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra e foi notário em Vouzela, Espinho, Vila Nova de Gaia e Porto. Integrou a primeira equipa de futebol do Clube Desportivo Feirense e o Grupo de Teatro Amador e diversos orgãos associativos da Feira. Foi Administrador do concelho da Feira, vogal da comissão administrativa da Câmara Municipal da Feira, Presidente da Câmara Municipal e delegado do procurador da República do concelho de Vouzela. Faleceu em Santa Maria da Feira a 13 de Agosto de 1991.
Bibliografia Informação cedida por seu filho, Eng. António Gil Cabral Ribeiro de Figueiredo.
FIGUEIREDO, Baltazar Pinto de ( ? - ?). Foi pároco de Fiães de 1637 a 1648, isto é, três anos de domínio castelhano e oito no período da restauração. Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940 FIGUEIREDO, Gonçalo Garcia de ( ? - ?). Foi alcaide do Castelo da Feira, nomeado através da carta de 29 de Junho de 1357 dada por D. Pedro. Em 1369 e ainda com alcaide da Feira, participou na defesa de Guimarães «com assinalado valor», contra o rei espanhol, D. Henrique, na sua 1.ª invasão, onde saindo do castelo com outros, avançou pelo arraial até à tenda, prendeu o rei e levou-o para a vila. O cargo de alcaide do Castelo da Feira foi-lhe confirmado mais tarde pelo rei D. Fernando através da carta de mercê de 1367. Bibliografia José Corrêa de Sá, Correio da Feira, 22.4.1972. FIGUEIREDO, Jorge Pires de ( ? - ?). Foi reitor da freguesia de Souto. Fundou, em 1540, a ermida de N.ª Sr.ª da Guia, que ficava ao nascente no cimo da calçada que sobe de junto para o monte de Tarei. Esta ermida foi reconstruída em meados do século XVIII.
Bibliografia “Resenha Histórica das Freguesiaa de Souto, S. Vicente de Pereira e S. Martinho da Gandra”, jornal Tradição, 4.5.1935 FIGUEIREDO, José dos Santos ( ? - 1828). Tomou posse como pároco de Guisande em Janeiro de 1793. Faleceu a 24 de Março de 1828. Bibliografia António Ferreira Pinto, Defendei as Vossas Terras – Monografia de Guisande. Edição da Junta de Freguesia de Guisande, 1999 FIGUEIRÔA, Gaspar de ( ? -?). Foi confirmado pároco da Freguesia de Guisande em Setembro de 1572, e recebeu a instituição canónica na mesma data. Bibliografia António Ferreira Pinto, Defendei Vossas Terras – Monografia de Guisande. Edição da Junta de Freguesia de Guisande, 1999. FIGUEIRÔA, Jorge Dinis de ( ? -1544). Era natural da freguesia de Arrifana (Feira). Sacerdote, foi capelão da Casa Real, mais propriamente capelão privativo de D. Maria, 2.ª esposa do rei D. Manuel I. Quando a princesa D. Isabel, filha de D. Manuel e de D. Maria, se casou, em 1525, com o Imperador Carlos V de Castela, o padre Figueirôa acompanhou o seu séquito para Espanha. Com a Morte de D. Isabel regressou a Portugal e foi nomeado pároco da freguesia de Souto (Feira). Fundou, em 1540, a Capela de Nossa Senhora da Guia de Tarei (Feira) e muito provavelmente a respectiva Confraria, cujos estatutos foram aprovados apenas em 1677. Esta capela ficava situada na rampa de Tarei, onde existe hoje a Casa da Guia, para recordar a sua existência naquele local, tendo sido substituída pela actual capela, construída por volta de 1745. Faleceu em 1544 e «foi sepultado numa urna de pedra embutida na parede esquerda da capela-mor da antiga igreja, e com a destruição da mesma, por volta de 1870, o frontal da urna em pedra ançâ e de grande valor artístico, foi recolhida cuidadosamente e fixado mais tarde na parede interior da sacristia da capela das Almas, construída em 1878, rezando assim o respectivo epitáfio. «Aqui repousa o corpo do
muito chorado prior Jorge Dinis de Figueiôa, Tesoureiro da Capela da Imperatriz D. Isabel, Rainha de Castela. Faleceu em 1544». Este frontal é de autoria de Diogo Pires, da escola de Coimbra, que também foi o autor do púlpito de Leça do Balio. Os descendentes do Padre Jorge Figueirôa estão hoje representados pela família Toscano da Vila da Feira. Bibliografia Padre Albano Alferes, “Párocos de Souto”, Correio da Feira, 11.5.1979 FLACÊNCIO (?-?). Era Alcaide do Castelo de Santa Maria da Feira em 1093, Esta referência data de 3 de Outubro e vem exarada na Chrónica dos Crúzios, de D. Nicolau de Santa Maria. Bibliografia D. Nicolau de Santa Maria, Chrónida dos Crúzeos; Padre Manuel F. de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Porto, 1939-1940 FONTES, António da Silva (1872-1940). Era natural de Souto Redondo, Fiães. Capitalista e proprietário, ocupou diversas vezes o cargo de presidente da Junta de Fiães e deixou em testamento o seguinte: à Confraria de S.S. Sacramento, dois mil escudos; à Confraria S. Vicente de Paula, dois mil escudos; à Capela de N. S.ª da Conceição, quinhentos escudos; à antiga Igreja Velha, cem escudos: à Capela do Sr.ª dos Aflitos, cem escudos; ao Grupo Musical de Fiães, cem escudos. Faleceu em Junho de 1940, com 68 anos de idade. Bibliografia Jornal Tradição, 15.6.1940 FONTES, Domingos da Silva (1838-1870). Nasceu no lugar de Chousa de Baixo, Fiães. Foi sacerdote e coadjutor na sua terra. Faleceu muito novo com 35 anos em 29 de Setembro de 1870. Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Feira. Casa Nun’Álvare, Porto, 1940
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FONTES, Francisco José (? -?). Nasceu no Grandal, Fiães. Era sacerdote e foi contemporâneo do Padre João Soares (1753-1829). Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940
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FONTES, Henrique Ferreira da Conceição (19202004). Nasceu na «Casa do Castelhano», na freguesia de Romariz (Feira), em 3 de Março de 1920. Era filho de Adão da Conceição Ferreira Fontes e de D. Jerónima Rosa Pereira. Frequentou a escola primária em Romariz, o 1.º e o 2.º Ciclos no Colégio dos Carvalhos, o Curso Geral dos Liceus no Liceu Rodrigues de Freitas no Porto, matriculando-se em seguida na Faculdade de Engenharia do Porto. Dois anos depois foi chamado para o Curso de Cadetes em Artilharia Ligeira 2, em Coimbra. Aqui foi atleta da Associação Académica. De Coimbra foi colocado numa Unidade Militar em Penafiel, voltando pouco depois novamente a Coimbra e dois anos mais tarde seguiu para Angola e daí para Moçambique. Aqui o capitão Henrique Ferreira foi convidado para o Comando da P.S.P. de Macau, onde esteve durante dez anos, voltando a Portugal. Aqui casa-se, em 2 de Fevereiro de 1959, no Convento da Rainha Santa Isabel, em Coimbra, com D. Inês da Estrela Marçal de Ferreira Fontes, da qual teve uma filha, D. Maria do Rosário Marçal Ferreira Fontes, licenciada em Psicologia Clínica da Universidade de Coimbra, casada com o Dr. Paulo Macela Leal Vaz. Voltou a Macau já com a esposa onde permaneceu dois anos. Em Portugal, frequentou o Instituto Superior de Altos Estudos Militares, no fim do qual foi colocado no Regimento de Espinho.Pouco depois foi Para o Regimento de Infantaria 18, em S. Miguel (Açores), ali permanecendo dois anos. Em 1966 foi mobilizado para Angola como Comandante de Batalhão, para a região do Cazombo. Regressou dois anos depois «com todos os homens que lhe tinham sido confiados». Foi professor do Instituto Superior Militar de Águeda até à sua aposentação. Foi sócio fundador da Caixa de Crédito Agrícola de Santa Maria da Feira. «Foi um homem sensível aos problemas dos outros», principalmente dos jovens da sua terra. Ofereceu por duas vezes significativas importâncias monetárias para a construção da sede do Escuteiros de Romariz e contribuiu para a restauração da Capela de Nossa
Senhora dos Remédios, por quem tinha especial devoção. Em 24 de Setembro de 2005 foi-lhe prestada uma homenagem promovida pelos seus antigos militares («Os Duros») que o acompanharam em Angola, a qual consistiu numa romagem ao cemitério, onde se descerrou uma lápide e a celebração de uma missa. O Capitão Henrique Ferreira da Conceição Fontes faleceu a 1 de Abril de 2004. Bibliografia Jornal de Romariz, Maio de 2004 e Novembro de 2005; e outros elementos biográficos fornecidos pela esposa do Capitão Henrique Fontes que gentilmente nos enviou por carta de 15.1.2006, que muito agradecemos. FONTES, Isaías Ferreira (1888-1919). Nasceu no lugar dos Valos, em Fiães, a 17 de Setembro de 1888. Em 1900 entrou para o Colégio da Formiga e em 1910 partiu França, onde prosseguiu os seus estudos em Chevilly, vindo a completar em Roma. Foi professor em Susa (Itália) e em 1919 foi nomeado para a Província de Portugal. Faleceu a 11 de Outubro de 1919. Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940 FONTES, João Ferreira (1882-1921). Nasceu no lugar do Souto, em Fiães, a 28 de Fevereiro de 1882. Foi órfão de pai e sua mãe era D. Guiomar Pinto da Conceição. Em Setembro de 1894 iniciou os seus estudos preparatórios para a Escola Apostólica de Guimarães e a 6 de Setembro de 1897 entra no Noviciado da Companhia de Jesus, no Colégio de Barro, em Torres Vedras. Ali frequentou Humanidades Clássicas durante três anos. Em 1904 matriculou-se em Filosofia no Colégio de S. Francisco, em Setúbal, onde completou a sua formatura em Julho de 1907. Quando foi proclamada a República, esteve preso e em Novembro de 1910 partiu para a Bélgica onde frequentou o curso de Teologia em Enghim, passando depois, em Setembro de 1911, para a Holanda, onde continuou o seu curso no Grande Escolasticado da Província Germânica da Companhia de Jesus, em Limburgo, onde tomou Ordem de presbítero em 24 de Agosto de 1913 e onde concluiu a sua formatura no ano seguinte. No ano lectivo de 1914-15 frequentou em
Exaten (Holanda) o curso prático de Ascética. No ano lectivo de 1916-17, esteve em Hasting (Inglaterra) onde frequentou o curso de Apologética. Foi director espiritual e professor deo Seminário Conciliar e dirgiu o «Mensageiro do Sagrado Coração de Jesus». Foi ainda orador, conferencista e apreciado escritor e jornalista. O Dr. João Ferreira Fontes faleceu em 1921. Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Poryo, 1940 FONTES, Rodrigo ( ? - 1993). Foi pároco da freguesia de Arrifana. «Era um homem distinto, culto, rectilínio, sensato, tolerante e com grande prestígio» naquela vila. Foi professor do Seminário e da escola secundária e vigário da Vara. Faleceu em Novembro de 1993. Bibliografia Correio da Feira, 12.11.1993 FORJAZ, Soeiro ( ? - ?). E sua irmã Godinha Forjaz vendem a Soeiro Fromarigues e a sua mulher Elvira Nunes, em 25 de Dezembro de 1096, por 40 «modios» uma parte de uma terra situada em Aldriz. Bibliografia Robert Durand, Le Cartulaire Baio Ferrado du Monastère de Grijó (XI-XIII Siècles). Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971 FORMARIGUES, D. Soeiro ( ? - ?). Foi grande senhor de Santa Maria da Feira, com muitos bens em Travanca. Em 1104 os seus filhos Erro, Nuno Paio, Pedro, Soeiro Soares, Adosinda, Ermesinda Maior, Salvador e Toda doam ao mosteiro de Grijó bens herdados, entre os quais um Casal denominado «Lobelo», de Travanca. Bibliografia Samuel de Bastos Oliveira, Travanca – “a informação paroquial de 1758 e uma retrospectiva do seu passado”. Revista Villa da Feira – Terra de Santa Maria, Ano IV, n.º 11, Outubro 2005
FRANCA, Joaquim Ferreira ( ? - ?). Vivia em 1765, segundo Carta de Familiar que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «homem de negócio; natural da freg. de Santiago de Lourosa, Feira, e morador na cidade da Baía; filho de Francisco Ferreira Franca, natural de Boco, Lourosa, e de Maria de Crasto, natural de Lourosela, Lourosa; neto paterno de António Dias Ribeiro, natural de Ribeiro, Lourosa, e de Maria Fernandes, natural de Boco, e aí moradores, e materno de Manuel de Crasto, natural de Aldeia, freg. de S. Cipriano de Paços de Brandão, Feira, e de Maria João, natural de Lourosela, e ai moradores; ajustado para casar, em 1767, com Ana Inácia de Jesus, natural da freg. de N.ª Sr.ª da Conceição das Minas de Vila Rica, moradora na cidade da Baía, na rua Direita que ia das portas do Carmo para o Terreiro, filha de Luís Pereira Lopes, mestre ourives de prata e de ouro, natural de Águeda, freg. de St.ª Eulália, e de Antónia da Silva Ribeiro, natural da Baía, freg. da Sé, neta paterna de João Pereira Lopes e de Antónia Jorge, naturais e moradores em Águeda, e materna de Manuel da Silva Ribeiro, natural da Freg. de S. Miguel de Borba de Godim, Felgueiras, e de Inácia de Jesus, natural da Baía, freg. da Sé, e aí moradores. Carta de Familiar de 20 de Setembro de 1765. A.N.T.T. – Joaquim – m. 10, n.º132» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, “O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício”. Revista Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º 135 (Julho, Agosto e Setembro), 1968 FRANCO, Simão Ferreira de Aguiar ( ? - ?). Era natural de Maçãs de D. Maria e foi assistente na cidade de Lisboa, onde era clérigo do Cabido de S. Pedro. Era filho de Manuel Fernandes de Lemos, que também usava o nome de Manuel Ferreira de Lemos, e de sua mulher D. Isabel Ferreira, moradores na vila de Maçãs de D. Maria. Foi este padre Simão que, por escrituras de 24 de Março e 22 de Dezembro de 1707, comprou, aos herdeiros de José Soares de Albergaria, a casa e quinta das Ribas, junto ao castelo da Feira, que doou, depois a sua sobrinha Luíza, filha de seu irmão João Ferreira da Cruz, por escriyura de 12 de Fevereiro de 1712.
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Bibliografia Roberto Vaz de Oliveira, Quinta das Ribas – Família Vaz de Oliveira. Edição da Comissão das Comemorações, 1999
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FREIRE, Gomes ( ? -?). Foi doado por D. João 1.º com a Quinta de Pigeiros que tinha pertencido sucessivamente a Afonso Gomes da Silva e a Martim Afonso, segundo o documento seguinte: «Dom Joham, etc. A tollos juízes e justiças almoxarifes e scripuaães e a outros quaaes quer jiizes e officiães e pesoas que desto ouuerem conhecimento a que esta carta for mostrada saúde, sabede que gomez freire nosso criado nos disse que nos lhe fizemos mercee e doaçam da quintaa de pigeiros com sua honra e demarcações e de casal de ssiõ que form de affonso gomez da silua, E em tempo que o dicto Afonso gomez auia os ditos lugares, os moradores delles nom pagauam portagenm na cidade do porto nem em haya nem em outros nenhuuns lugares do nosso senhorio nem outrossy em fintas nem em talhas que fosem lançadas em terra de sancta Maria saluo se fossem lançadas pêra os reis nem lhes tomauam uacas nem carneiros nem neh~ua cousa de seu contra seu tallente nem eram constrangidos pêra uellar nem Roldar nem hirem com presos nem com direitos nem pêra nenhuuns encargos dos concelhos. E que nos pedia por mercee que pois elle auia os ditos lugares que mandasemos que os moradores delles fossem scusados das dictas cousas pella guisa que o eram em tempo do dicto Afonso gomez. E Nos veendo o que nos pedia e querendolhe fazer graça e mercee Teemos por bem e mandamos que os moradores dos sobredictos seus lugares e de cada huum delles seiam scusados de todalas dictas cousas e cada h~ua dellas assy e pella guisa e condiçom que o eram em tempo que o dicto Afonso gomez auia os dictos lugares, E porem mandamos e defendemos que nom Seia nenhuum a tam ousado que lhe contra ello uaa sob pena dos nossos encontos de seis mil libras. E mandamos a uos sobredictas justiças e officiaães que lhe façades comprir esta carta pella guisa que em ella he contheudo Vnde al nom façades. E em testmonio desto lhe mandamos dar esta carta Dante na cidade do porto xxxdias de Agosto elrrey o mandou marti gonçalbez a fez era de ni III XXIII annos», ou seja ano de Cristo de 1386. Bibliografia Chancelaria de D. João I, livro II, folhas 25 verso a 26. Cit. por Padre Domingos A. Moreira, Nótulas Históricas Sobre
Pigeiros (Feira). Arquivo do Fistrito de Aveiro, n.º150, 1972 FREIRE, Marcos de Meireles ( ? - ?). Vivia em 1674, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: Lic. E abade da freg. de S: Mamede de Guisande, Feira; natural de Arrifana de Sousa; filho de Gonçalo Barbosa, natural da quinta da Aveleda, Arrifana de Sousa, e de Ana Moreira, natural da quinta de Rio Moinhos, freg. de S. João de Covas, moradores em Arrifana do Sousa, neto paterno de Gonçalo Tomé Barbosa e de Catarina Coelho, moradores na quita da Aveleda, e materno de Domingos Gaspar Moreira e de Águeda Freire, moradores na quinta de Rio Moinhos. Provisão de Comissário de 29 de Maio de 1674. – A.N.T.T. - m. 1, n.º 19». Marcos de Meireles Freire era formado pela Universidade de Coimbra. «Do arquivo de S. Bento consta que, em 1672, apareceu na residência de Guisande o Juiz ds Sentenças do Cabido e o procurador do mosteiro da Aveé Maria, exigindo a Marcos de Meireles Freire o título ou documento da sua apresentação. Respondeu que tinha sido noleado e apresentado pelo Cabido, sede vacante em virtude das Bulas Apostólicas de Inocêncio X, em 1850. Defendeu a apresentação, mas reconheceu sempre o censo devido a S. Benro. O procurador mandou tomar termo de protesto, alegando que Guisande era de apresentação in solidum do mosteiro de S. Bento e o Juiz mandou tomar conhecimento e seguir, como consta do livro 268 do arquivo de Rio Tinto. De Guisande foi transferido para S. Mamede do Coronado, havendo divergências entre as religiosasas de S. Bento e o bispo D. Fernando Correia de Lacerda. Marcos de Meireles deixou o legado de uma missa quotidiana à misericórdia de Arrifana do Sousa (Penafiel), em cuja igreja foi sepultado». Como se vê, o mosteiro de S. Bento defende o direito de padroado, não chegando a ir para o tribunal, como no tempo de D. Rodrigo». Bibliografia António Ferreira Pinto, Defendei Vossas Terras – Monografia de Guisande. Edição da Junta de Freguesia de Guisande, 1999. Jorge Hugo Pires de Lima, O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício.Revista «Arquivo do Distrito de Aveiro», n.º
FREIRE, Miguel António ( ? -?). Vivia em 1772, segundo Carta de Familiar do Santo Ofício que lhe foi concedida nessa data e que a seguir se transcreve: «cirurgião; natural da aldeia de São Pedro, freguesia de Santa Maria de Campanhã, Porto, e aí morador; filho de José António Freire, cirurgião, e de Josefa Antónia, naturais e moradotes na aldeia de S. Pedro; neto paterno de Manuel António, o «Pêssego», lavrador, e de Ângela Martins, naturais naturais da aldeia do Campo, Campanha, e materna de Damião de Sousa, pentieiro, filho de João Pinto e de Maria de Sousa, naturaois da aldeia de Santa Eulália, freguesia do Salvador de Fânzeres, e de Isabel do Rosário, natural da aldeia de S.Pedro, todos moradores na mesma aldeia; casado com Mariateresa de Santana Rosa, natural da freguesia de S. Pedro de Canedo, Feira, onde nascera em casa de um tio materno, reitor da mesma freguesia, filha de Manuel da Fonseca e Sousa, natural da rua de S. Domingos, freguesia da Sé do Porto, e de Ana Maria Teresa de Jesus, natural da rua da Porta dos Carros, freguesia de Santo Ildefonso da mesma cidade, moradores na freguesia de Gondomar, tendo também residido em Canedo, neto paterno de João da Fonseca e Sousa, boticário, natural de Coimbra, e de Jacinta Teresa, natural da rua dos Canos, freguesia da Sé do Porto, e moradores na rua de S. Domingos, e materna de José Pinto, natural da freguesia de Rouxe, e de Catarina da Silva, a «Galipa», natural da freguesia de S. Mamede de Coronado, e moradores no Porto, na rua da Porta dos Carros, onde eram estalajadeiros. Carta de Familiar de 2 de Maio de 1772 Miguel -. 20, n.º295» Bibliografia Jorge Hugo Pires de Lima, “O Distrito de Aveiro nas Habilitações do Santo Ofício”. Arquivo do Distrito de Aveiro, n.º 161,1975 FREITAS, António Francisco do Rosário Maia e ( ?– 1849). Pároco de Santiago de Rio Meão de 1818 a 1849. Em 2 de Outubro de 1830 apresentou na Câmara Municipal, como Juiz da Confraria de Santo António, uma proposta para que a mesma fizesse propaganda da feira que, por mercê da Provisão Régia de 21.09.1828, havia sido concedida para se fazer aos dias 13 de cada mês nos terrenos envolventes da capela de Santo António daquela freguesia. Faleceu em 5 de Agosto de 1849, tendo sido sepultado no cemitério local. No
livro de óbitos não refere nem a idade, nem a filiação, nem a naturalidade. Bibliografia David Simões Rodrigues, Rio Meão, a Terra e o Povo na História. Edição da Junta de Freguesia de Rio Meão, 2001. FREITAS, Joaquim Baptista de (1888-1983). Nasceu em 26 de Março de 1888 na freguesia de Lobão (Feira). Frequentou as Escolas Normais do Porto e Aveiro, tendo concluído o Curso de Professor Primário no Porto em 1907. Exerceu o magistério primário no concelho da Feira de 1910 até 1929 e depois no Porto até 1956, ano em que se aposentou. Foi um «convicto republicano e democrata», tendo militado sempre na oposição democrática. Em S.Tiago de Lobão existe uma lápide em sua homenagem. Faleceu em Janeiro de 1983 com 94 anos de idade. Bibliografia Correio da Feira, 14.1.1983 FROILA, Gondesendes ( ? - ?). Era filho de Soeiro Gondesendes e de Goldregodo (falecida antes de 964): neto de Gondesendo Eriz e de Inderquina Mendes «Pala». Foi o fundador do Mosteiro de Anta (hoje do concelho de Espinho), antes de 1037. Era casdo com Ausenda Galindes, «Dulcedona», de quem teve três filhos: Diogo, Monneo e Ilduara, todos vivos em 1037. Bibliografia José Mattoso, A Nobreza Medieval Portuguesa – A Família e o Poder. Editorial Estampa, 4.ª edição, 1994. FROMARIGUES, Soeiro (1074-1103). Era filho de Fromarico Viegas (1009-1055) e sobrinho de Gonçalo Viegas, governador da praça de Montemor-o-Velho de 1017 a 1026. Era casado com Elvira Nunes Oriundo da família de Marnel, esteve na origem dos senhores de Grijó. Foi chefe militar em Lafões, e desempenhando funções de cavaleiro de fronteira esteve na defesa de posições cristãs na linha do Tejo, onde morreu, em 1103, na batalha de Vatalandi, deixando oito filhos, dos quais o seu sucessor foi Nuno Soares de Grijó (1102-1157). As aquisições de Soeiro Fromarigues e de sua mulher Elvira Nunes, «confinaram-se a um número restrito de freguesias em torno de Grijó: Sermonde; Perosinho, Serzedo S. Félix da Marinha, Nogueira da Regedoura, Seixozelo e
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Argoncilhe. Os descendentes continuaram a adquirir terras como vem mencionado no verbete de Nuno Soares de Grijó. Bibliografia José Mattoso, O Castelo e a Feira (A Terra de Santa Maria nos séc. XI e XII), Editorial Estampa, 1989 FURTADO, António Coelho (1639-1719). Nasceu no lugar da Idanha, Fiães em 1839. Foi pároco de Duas Igrejas de 1663 a 1673. Faleceu a 23 de Novembro de 1719. Bibliografia Padre Manuel Francisco de Sá, Santa Maria de Fiães da Terra da Feira. Casa Nun’Álvares, Porto, 1940
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SUPERSTIÇÕES E BRUXARIA “ Eu não acredito em Bruxas, mas que as há, há” .... Frei Acaribe* Nestas terras de “Santa Maria” e da “Senhora de Fátima” “jamais se deveria ouvir falar em Superstição, Bruxaria ou coisas afins. A triste realidade porém, é que cada vez mais encontramos sinais destas crendices. (V.g. no Cemitério de Arrifana, na Fonte Levesinha, etc) Penso que tais fenómenos, talvez se possam atribuir a certa publicidade, tão enganosa quão interesseira, (na ganância de “dinheiro fácil ‘’), embora haja também muita ignorância: desconhecendo-se que onde acaba religião começa a superstição. Troca-se o Cristo pela figa; a medalha pela meia-lua; a cruz pelo sino-saimão ou pela ferradura; a água-benta pelos defumadouros, etc ... etc. Perante este atraso cultural, embora muitos afirmem que “os bruxos são os psiquiatras das aldeias, (dos débeis mentais e não só)”, eu entendo mais que oportuno apresentar o presente trabalho. Segundo os textos da Bíblia Sagrada (Novo Testamento), verificamos que Jesus Cristo tinha poderes extraordinários: “E levantando-se disse para o mar: cala-te, acalma-te. E * Professor. Historiador.
cessou o vento; e seguiu-se uma grande bonança”. Marc. 4,39. “ ... tomando os cinco pães e os dois peixes, levantando os olhos ao céu, abençoou, e partiu, e deu aos discípulos os pães e os discípulos às turbas. E comeram todos e saciaramse; e levantaram do que sobejou doze cestos cheios... “Mat.14,19-21. “E todo o Povo procurava tocá-lo; porque saía d’Ele uma virtude que os curava a todos.” Etc. No entanto, também verificamos, e sem grande dificuldade, que Jesus Cristo exigia quase sempre uma condição para realizar os seus feitos extraordinários (vulgo milagres): a Fé . “Tem confiança filha. A tua fé te sarou”. Mat, 9, 22. Marc. 5,34 - Luc. 7, 50. e Luc.8,48. “Que queres que te faça? E o cego disse-lhe: Mestre faz que eu veja. Então disse-lhe Jesus: Vai. A tua fé te salvou. E no mesmo instante começou a ver”. Marc. 10, 51. “E Jesus disse para ele: “Levanta-te. Vai. A tua fé te salvou”. Luc.17, 19. “E Jesus disse -lhe: “Vê. A tua fé te salvou”. Luc.18, 42. “E não fez ali muitos milagres, por incredulidade (falta de fé) deles”. Mal. 13,58. Concluindo: - Cristo tinha o poder que dimanava de SiPróprio e do Pai, e o poder que dimanava de Si-Próprio e da
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Fé dos que a Ele acorriam. Sabemos também, e grandes médicos, psiquiatras e psicólogos o afirmam, que os remédios produzem tanto melhor efeito quanto maior for a fé no médico e nos remédios; e que uma operação cirúrgica tem tanto melhor êxito, quanto maior for a confiança (a fé) do paciente. Igualmente temos verificado que a força do pensamento positivo tem uma grande influência no comportamento das pessoas e no resultado de suas vidas. E poderíamos apresentar, como estes, muitos outros exemplos comprovativos do que acabamos de afirmar. Todavia, eu creio que estes são suficientes para concluirmos que a nossa felicidade está dentro de nós próprios. E do que acabamos de expor, melhor podemos apresentar a explicação do fenómeno “Superstição, bruxaria e coisas afins”. Grandes pensadores e teólogos afirmam, e nós próprios o sentimos, que o ser humano tem dentro de si a ânsia de felicidade (boa casa, boa mesa, bom vestuário, bons tempos de lazer, isenção de dor etc) e a ânsia de imortalidade (não quer aceitar a morte, ricas urnas, jazigos sumptuosos, flores, velas, orações, missas etc). E então, é nesta perspectiva que tanto pode recorrer ao Deus Verdadeiro (esse Ser-Espírito, que ninguém sabe quem é, nem como é, mas que é essa Força Invisível que criou o Universo e o mantém na sua ordem e harmonia verdadeiramente impressionantes), como recorrer ao vidente, ao astrólogo, ao cartomante, para lhe resolver os problemas, muitas vezes insolúveis, porque são reminiscências de problemas dos seus antepassados; portanto, males ou doenças hereditárias. Não ignoramos a existência de pessoas com um forte poder da mente capaz de partir objectos, secar plantas, fazer adoecer ou até matar animais. Igualmente não ignoramos a existência de pessoas com poderes magnéticos e hipnóticos etc. que fazem coisas “anormais” e até curas. Mas que sejam todos os que por aí proliferam e afirmam possuir esses poderes, penso que isso é impossível. Afirmava o meu Professor de Parapsicologia, Dr. Óscar G. Quevedo, que a maior parte dos seres humanos herdam dos seus antepassados as formas corporais: estatura, cor da pele, cor dos olhos, maneira de andar, de se exprimir etc; e que estas podem recuar até à sexta ou sétima geração. Ora, se isto acontece com o corpo, parte física (visível) do
homem, porque não há-de acontecer com a espiritual, com a alma (parte invisível)? Convenhamos pois, que a maior parte das curas se devem mais à fé do paciente do que aos poderes do agente consultado. E o que acontece com “os males” do corpo e da mente, acontece igualmente com as bruxarias: (amuletos, terra do cemitério, ossos de humanos ou de animais, galinhas pretas, pós brancos ou de qualquer outra cor, sal, etc, etc., que possam colocar à porta das pessoas ou lugares por elas frequentados. É que todas estas coisas só produzem efeito se a pessoa visada acreditar nelas, se tiver medo; isto é : se se deixa impressionar. “Uma cisma é pior que uma doenca”, diz o povo e com razão. Portanto, a melhor solução para casos como estes é não ligar, não dar importância, ou então, darlhes uns ponta-pés, umas vassouradas ou atirar-lhes uns baldes de água. O mesmo lá não acontece quando se trata de envenenamentos por meio da ingestão fraudulenta de sólidos ou líquidos (poções e tisanas) que enfraquecem a vontade das pessoas, e lentamente vão prejudicando a própria saúde; e assim terminam por contribuir para uma doença mais ou menos prolongada, que leva os seus pacientes a uma morte lenta e prematura. Que se tolerem os videntes, os astrólogos, os cartomantes e outros semelhantes que só exploram a credulidade popular, ainda “vá lá c’os diabos”; (quem não quiser, que não vá lá); mas que se envenenem as pessoas, isso é crime que deve ser punido com penas bem pesadas. E para terminar, este exemplo: - Quando duas pessoas lutam, empurrando uma contra outra, começam a deslocarse para o lado da que tem menos força. Mas, se em vez de empurrarem, estiverem a puxar uma pela outra começam a caminhar para o lado da que tem mais forca. Ora, o que acontece com a parte física, acontece igualmente com a espiritual. Por conseguinte, há que empurrar sempre com as forças físicas da mente o MAL; e puxar com as mesmas forças o BEM. Este exemplo está optimamente consagrado no ditado popular que reza assim: “Deus te dê em dobro o que me desejas”. Bibliografia: Bíblia Sagrada, 16° ed. Paulinas, 1963.
Concordantiarum SS Scripturae Manuale, 22aed. Paris 1950 Os Poderes do Sobrenatural, à descoberta do desconhecido: - Milagres, Tratamentos Mágicos, Estigmas, Levitação, Fenómenos Diabólicos etc. - Robert Tocquet, Europa-América 1977. O Homem, esse desconhecido - Dr. Alexis Carrel Porto, s/ data. O Homem à descoberta da sua alma - C. G. Jung, Porto 1962. O Homem e o seu destino -Le Comte du Nouy, Porto 1953. O Homem perante a Vida - Dr. Alexis Carrel, Porto 1950. O Livro do Misterioso Desconhecido - Robert Charroux, Bertrand 1975 . O que ainda ontem era milagre - Werner Keller (À descoberta dos poderes ignorados do homem) - EuropaAmérica. 1977 . O Poder do Pensamento Positivo - Por M R. KOP MEYER, Porto, 1986. Curandeirismo (um Mal ou um Bem) - 2a ed. - Dr. Óscar G. Quevedo, Braga 1978. A Face Oculta da mente - Dr. Óscar G. Quevedo, A. O. Braga, 1976. As Forças fisicas da mente - 2 vols. - Dr. Óscar G. Quevedo, A.O. Braga 1977. Mistérios do Oculto e do Estranho - Jean Vernette, MiraSintra, 1999. Supersticiones de Galicia y preocupaciones vulgares, 5a ed. - Jesús Rodríguez Lopez, Lugo 1971. El Palido visitante - José Maria Castroviego, Santiago 1960. Fantasías y realidades de La Costa de la Muerte - Francisco de Ramom y Ballesteros, Santiago, 1976. Milagres e crendices populares - Manuel Dias, Porto 1980. Crendices e Superstições Trancosanas - Santos Costa, Almanaque Bandarra, 1998 . O Crime da Aldeia Velha - Bernardo Santareno, Ed.Ática 1959. Ideas y creencias del hombre actual - Luís González Carvajal, 5a ed. Sal- Térrea 2000. Inutilidade do Sofrimento - Maria Jesús Alava Reys , 22a ed. Lisboa 2007.
A Força do Optimismo Positivo - Luís Rojas Marcos, 1ª ed. Lisboa 2006. Vida para além da Morte - Leonard Boff, Petrópolis 1976 . As bruxas e o transe, José Garrucho Martins, 1958. estratégias creativas. “Pelos caminhos da Bioenergética” - Jorge Carvajal, Porto 2008, no artigo” A arte de curar através da Fé” de Jorge Pinto, em JN, 9/11/2008. A Doença e a cura, Elvira Lobo, 1995. Estratégias creativas. Além destas obras aqui citadas, muitas outras poderíamos acrescentar a esta Bibliografia e das quais retiramos muitas das ideias e pensamentos que apresentamos no presente trabalho. Todavia, a limitação que um trabalho destes requer, para não ser maçador, leva-me a apresentar apenas estas obras e a resumir o mais que pude este artigo. Todavia, não ficaremos por aqui. Em outros artigos trataremos de “Visões, alucinações e levitações”; “Casas assombradas, trupos e outros ruídos estranhos”; Moradas abertas e possessos”; “Amuletos e Talismãs: (como ferraduras, figas, sino-saimão, cruz-gamada, chaves etc). “Benzeduras, Defumadouros, Calvários” etc.
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OLIVEIRA João Pedro Mésseder*
Azagaia – que não fere – cada folha. O vestido, cinza verde, bebe a luz, acolhe o pó… Ela mergulha raízes na terra e extrai ouro – a humilde árvore mineira.
* Nasceu em 1957, no Porto, onde completou os seus estudos universitários e exerceu a docência. Publicou vários livros de poesia (os últimos intitulam-se Abrasivas e Elucidário de Youkali seguido de Ordem Alfabética), múltiplos títulos na área da literatura para a infância e uma antologia da poesia de Carlos de Oliveira. Três dos seus livros foram premiados.
Camões na Provença
viriam a revelar-se múltiplos e variados. Neste artigo, porém, vamos apenas expor aqueles que dizem respeito a Camões.
Há um século Maria da Conceição Vilhena*
1 – Foi já há alguns anos, em Aix-en-Provence. Folheávamos o Armaná Prouvençau de l88l, quando, de repente, deparamos com um soneto a Camões. Nessa altura, ainda quase nada sabíamos das relações entre Portugal e a Provença. É certo que na Faculdade de Letras, nas aulas de Literatura Medieval, se tinha falado no assunto. Na memória ficou que D. Dinis compunha cantigas “en maneira de proençal” e se ufanava de ser mais apaixonado que os seus confrades de além Pirinéus: Proençais soen mui ben trovar E dizem eles que é con amor; Mais os que troban no tempo da flor e non en outro, sei eu bem que non an tan gran coita nio seu coraçon qual m’eu por mia senhor vejo levar. Era tudo. Agora, ali diante daquele soneto, víamos abriremse as portas de um vasto campo a investigar, cujos resultados
2 – Pela correspondência enviada a Mistral, e arquivada na sua casa, em Maillane (próximo de Avignon), podemos supor que as relações do poeta com Portugal começam em 1880, o ano das comemorações do 3º. Centenário de Camões. Para Mistral, Camões é de entre os poetas modernos, o seu preferido; e a ele se refere sempre que a ocasião se lhe proporciona. Aquando do seu encontro em Marselha, com o imperador do Brasil, D. Pedro II, é sobre Camões que o diálogo se vai fixar. “Pièi la conversacioun virè sus Camões, lou grand pouèto dou Purtugau; Don Pedro n’en parlè em’un veritable entousiasme, e demendè lou sentimen de l’autour de Miréio sus li plus bèu passage de l’Oumèro pourtugués”. me Numa carta de 12 de Maio de 1896, enviada à M. Juliette Adam, aurora do livro Patrie Portugaise, Mistral volta a manifestar a sua admiração, não só pelo poeta português, como também pela Lusitânea, que, tal como a Provença, é capaz de afirmar com heroísmo a sua identidade nacional: “… je n’ai pas le temps de vous parler longuement aujourd’ hui de la Patrie Portugaise qui me paraît bien intéressante,
* Licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras de Lisboa, 1965. Doutoramento de Estado ès-Lettres, pela Sorbonne, Paris, 1975; Professora Catedrática. Leccionou na Universidade de Aix-en-Provence, França; na Universidade dos Açores; na Universidade Aberta de Lisboa e na Universidade da Ásia Oriental, em Macau. Tem publicado perto de cento e cinquenta trabalhos (livros e artigos) sobre literatura, linguística, etnografia e história. Actualmente é aposentada e Presidente Honorária e Vitalícia da Associação de Solidariedade dos Professores.
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ce qui ne m’étonne pas. J’eus toujours une adoration pour Camõens et pour la Lusitanie, cette Provence héroique”.
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Portugal e a Provença são dois pequenos países lutando contra o esmagamento em que então estavam empenhadas as grandes potências. Dois países que querem manter intacta a sua hegemonia cultural e que se opõem a toda a ideia de integração assimiladora: Portugal, perante a Inglaterra do Ultimatum; a Provença, perante a dominação cultural francesa. Dois pequenos países que têm poetas capazes de difundir e de fazer admirar as suas belezas naturais e os seus valores humanos. A Provença tem Mistral, Portugal tem Camões – dois poetas épicos, ébrios do heroísmo e da simplicidade das suas gentes. Para eles, o povo é um herói, quer se afirme pela realização de raras façanhas, como em Os Lusíadas, quer manifeste a sua coragem no cumprimento anónimo das mais simples tarefas, como em Mireille e Calendau. Camões, poeta do Renascimento do séc. XVI, canta a epopeia do seu povo através dos séculos; Mistral, poeta do Renascimento Provençal (Séc.XIX-XX), canta o seu povo nos trabalhos e nos prazeres campesinos, nas suas crenças e nos seus costumes. Dominados pelo amor da pátria e dos seus concidadãos, ambos enriquecem e maleabilizam a sua língua, simultaneamente inovando e cultivando as formas poéticas tradicionais. Para eles, não há incompatibilidades entre o passado e o presente: se fazem reviver o passado, é para melhor se compreender e viver o presente. 3 – Está-se, pois, em 1880 e Mistral quer prestar homenagem ao seu confrade português, ideia que lhe deve ter sido sugerida por Bonaparte-Wyse, numa carta datada de 8 de Fevereiro desse ano.
de Irlanda”, e publica seis livros de poesia já na sua nova língua, o provençal. Morre em Cannes, em 1892. Apenas nove dias depois da carta referida, BonaparteWyse escreve novamente a Mistral, entusiasmado com a leitura de Os Lusíadas, que o leva a comparar Camões com o poeta provençal, e o confirma na sua decisão de vir a Lisboa: “De tous les poètes majourau modernes, Camõens, par son patriotisme épique, son esprit de nationalité enthousiaste, pour ne rien dire de son mouvement et de sa lumière, et quand il le veut, de sa douceur, vous ressemble le plus ; et je ne suis point étonné de votre appréciation et de votre sympathie avec lui. Ce sera pour moi un voyage, un pèlerinage, un « roumarage d’amour « pour aller lui présenter mes hommages, en votre nom et en celui du Félibrige : et je tâcherai d’arranger mes engagementes, en face de bien de difficultés, que cela arrive (…) N’ayez pas peur, je poserai, avec la vénération d’un dévôt, une couronne d’olivier de Provence sur le tombeau du grand Sainte lusitanien”. Um mês depois Mistral responde, exprimindo o seu grande regozijo em que um poeta félibre venha colocar, no monumento ao vate lusitano, uma coroa de oliveira provençal: “Le Portugal doit être un des pays les plus beaux et les plus félibréens du monde : vrais Hespérides. Camões, lui, est un des plus grands poètes humains; parmi les hauts chanteurs modernes, il n’en est pas qui me soit plus sympatique que lui et je serais bien heureux de voir un poète du Félibrige aller porter sur son monument une couronne d’olivier provençal… “
“J’ai une invitation pressante cette année d’aller à Lisbonne pour fêter Camõens, et je m’occupe en ce moment à lire dans l’original son Calendau“. (isto é, Os Lusíadas).
No jornal Le Messager du Midi, de l7 de Abril, encontrámos o texto do « Salut », enviado por Mistral a Portugal, texto que foi igualmente publicado em Portugal, no Diário de Notícias de 16 de Junho:
Bonaparte-Wyse é um neto de Lucien Bonaparte, portanto segundo sobrinho de Napoleão, nascido em Waterford, na Irlanda, em 1826. De passagem por Avignon, em 1859, lê Mireille; e, de tal modo se sente deslumbrado, que já não quer partir da Provença sem estudar a sua língua e conhecer a sua cultura. Aí se fixa, é admitido no Félibrige, com o título de “Cigalo
Au pople português: Lou Felibrige, urous de rèndre oumage au grand pouèto patrioto Louis de Camõens, delègo un de si membre, lou felibre majourau En Guilhen Bonaparte Wyse, per lou representa i fèsto naciounalo que van se celebra en Portugau à l’ounour de l’ilustre autor di Lusiado, Camõens, aquéu prince di pouèto de soun tèms, a relarga l’empèri de la lengo pourtugueso enjusqu’i
raro li plus liuencho de la glori, e li troubaire prouvençau que luchon éli peréu pèr la glourificacioun e devoucioun, uno courono de prouvençalo subre lou monumem de l’Oumère poutuguês. Publicado novamente em França, no Armaná Prouvencau de 1881 (p.l2), ele aí é precedido da seguinte notícia: “Au mes de jun, li PORTUGUES aguènt celebra lou centenàri de soun pouèto naciounau, lou Felibrige counvida a manda à Lisbouno aquesto letro d’amistanço”. É nesse mesmo número do Armaná (p.79), que se encontra o soneto a Camões, da autoria de Elzéar Jouveau, citado no início deste trabalbo: O jouguet de l’amour, de l’engèni, dou sort, O divin Camõens, noble e fièro vitimo, Toun país envers tu vòu repara si tort, Dins uno apouteòsi eternalo e sulimo, Ta muso dou Parnasse avie counquiste li cimo, E paure e desdegna, coumo moron li fort, Mouriguères, pamens; mai plen de gau intimo, Car cercaves la vido en courrènt vers la mort. Tu qu’as tant bèn canta lis armo lusitano, Tu qu’as segui pertout, sus la mar africano, Is Indo, li veissèu de Vasco de Cama, A ta noblo patrìo as counsacra ta vido ; E pouèto e sóudard, de dous biais l’as servido En coumbatènt pèr elo, en la fasènt ama. 4 – Tanto as cartas de Mistral e de Bonaparte-Wyse, como os termos em que foi redigido não só o “Salut”, mas sobretudo a notícia que o procede no Armaná, publicado já no ano seguinte, levam-nos a crer que um representante do Félibrige veio realmente a Lisboa e participou nas comemorações camonianas. Tanto mais que Mistral fez publicar, na página 67 desse mesmo volume do Armaná, uma carta de BonaparteWyse, datada de 25 de Junho de l880, em que este fala do seu regresso de Lisboa: “A moun retour de Pourtugau, ounte ére Ana pourta lou
mandadis dou Felibrige au centenari de Camõens, me sièu alounga à Madrid, ounte noste eicelént D. Victor Balaguer m’a fa tant-e-pièi-mai de fèsto” No prosseguimento das nossas investigações, desejámos conhecer até que ponto Portugal se teria sentido reconhecido com a amizade manifestada pelos poetas provençais; mas, ao procurarmos nos jornais portugueses, constatamos com surpresa que não havia nenhuma alusão à representação provençal. Relatava-se com emoção toda a manifestação da parte de estrangeiros. Descreviam-se as comemorações de solidariedade realizados no Brasil, em Espanha, em França. Fazia-se alusão aos comentários da imprensa estrangeira, mesmo em Hong-Kong. Dava-se a lista dos nomes de estrangeiros vindos expressamente a Lisboa para se associarem à festa nacional. Publicou-se a carta de Victor Hugo e transcreveram-se artigos publicados no estrangeiro. Fez-se referência às coroas depostas no túmulo de Camões, nun total de 55, algumas das quais vindas do estrangeiro. E nenhum vestígio da coroa provençal! Nenhuma referência à presença de Bonaparte-Wyse! Finalmente, no dia 16, o Diário de Notícias publica a “Homenagem dos poetas provençais”, enviada à comissão executiva da imprensa, segundo informa, “pelo Sr. Wyse que, por doente, teve de ficar em Barcelona”. Quanto ao soneto de E. Jouveau, só vem a ser publicado em 16 de Julho, portanto quase um mês após as comemorações; e, da coroa de Oliveira provençal, nem rasto… Tudo isto nos parece um tanto misterioso e contraditório, uma vez que tinha sido publicada a carta de Bonaparte-Wyse a Mistral, a falar do seu regresso de Lisboa. A fim de desvendar o mistério, novas pesquisas nos foram necessárias, de forma a conhecer melhor a correspondência entre Mistral e Wyse. E assim encontrámos a carta em que Bonaparte-Wyse fala da decisão de não prosseguir a sua viagem até Lisboa: “Vous avez sans doute vu ma lettre à Roumanille, où sans peur et j’espère, sans reproche, j’ouvre mon cœur et mon inteligence sur tout ce que je vois. J’ai fait très bien, tout le monde me dit, de n’avoir pas continué mon voyage à Lisbonne (…) Mais je ne vous parle de Camõens, Balaguer va imprimer votre lettre dans la Mañana, mais on l’a prié de n’en rien dire jusqu’on l’a (sic) dit premièrement à Lisbonne où c’est en train
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de se publier. Je n’en sais rien lá dessus, sauf que je me suis réjoui que j’ai eu le bon sens de me laisser conduire par mon nez”.
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Porque este receio de vir a Lisboa? Por ser sobrinho de Napoleão, o invasor de Portugal? Ou antes porque, sendo irlandês, terá temido ver-se envolvido nos problemas que então agitavam Portugal contra a Inglaterra ? Nada podemos adiantar como resposta a estas perguntas. Mas o que é certo é que algo de misterioso existia a que Bonaparte-Wyse alude veladamente nesta carta; algo de perigoso, razão forte que o leva a felicitar-se por ter desistido da viagem e em cuja desistência teve o acordo tácito dos seus amigos. A mensagem foi, pois, enviada pelo correio, com o pretexto de problemas de saúde. Mas há mais: é que Mistral deseja ocultar a verdade, sem que tenhamos descoberto os motivos da sua obstinação, a qual leva Bonaparte-Wyse, alguns meses mais tarde, a voltar ao assunto. Assim é que, em carta datada de 3 de Novembro, este se queixa abertamente do comportamento de Mistral, acusando-o de o obrigar a mentir: “ je viens de recevoir “ l’Armana” (…) Je vois avec grand douleur que vous m’avez fait mentir deux fois, lº en me faisant dire que je venais de Portugal quand je n’y étais pas. 2º en me faisant passer une fable, qui n’est qu’une adaptation d’une poésie bien connue anglaise, pour une pièce originale”. Foi, pois, Mistral o autor da falsa carta, publicada no Armaná, em que Bonaparte-Wyse dizia ter regressado de Lisboa… 5 – Alguns anos mais tarde, Camões volta novamente a ser o elo de ligação entre Portugal e a Provença. Xavier da Cunha, conservador da Biblioteca Nacional de Lisboa, entra em correspondência com Mistral, a propósito de uma tradução, em provençal, das “Endechas à Bárbara escrava” que deseja incluir num livro a publicar (Pretidão de Amor). No entanto, a primeira carta que dele existe em Maillane, datada de 1893, faz pressentir a existência de outras anteriores, desaparecidas. É que esta carta é já um agradecimento a Mistral, por este lhe ter enviado o nº 99 do Jornal l’Aiòli, de 27
de Setembro, onde vinha publicada a tradução, em provençal, de Ode Nacional à Estátua do Poeta, de Joaquim de Araújo (um dos fundadores da “Sociedade Nacional Camoniana”). Nesse jornal, a ode, de 86 versos, é precedida da seguinte informação: “Aquelo odo fuguè dicho pèr l’autour, lou l0 de juin 1891, en sesiho de la Soucieta Naciounalo Camõens, e aguè, dins tout lou Pourtugau, un restountidis poupulari. L apresento traducioun sigué facho per noste counfraire A. de Gagnaud. Un roumanisto d’elèi, M. Maxime Formont, a perèu revira, en proso franchimado, li béllis estrofo dou valent pouèto de Penafiel”. Seria interessante conhecer as circunstâncias que proporcionaram a composição deste poema, pois a repetida alusão ao tempo decorrido, “Três séculos havia”., leva-nos a associá-lo às festas comemorativas do 3º centenário da morte do poeta; e, no entanto, a nota que acompanha a sua publicação, mesmo no texto português, informa apenas que foi recitada na sessão de 10 de Junho de l891, portanto onze anos mais tarde. Tão pouco se poderá associar ao momento da erecção da estátua de Camões em Lisboa, em 1867, altura em que Joaquim de Araújo contava apenas nove anos de idade. Porque falamos de estátua, vamos citar aqui a carta de 5 de Dezembro de 1905, do jornalista Xavier de Carvalho, residente em França, a convidar Mistral para fazer parte da comissão que se propunha erigir, em Paris, uma estátua do vate lusitano: “Le Comité de Fondation et d’organisation chargé de l’érection, à Paris, de la statue de Camõens, en même temps que sera érigée, à Lisbonne, celle de Victor Hugo, a l’honneur de solliciter votre adhésion pour faire partie du Comité de patronage qui réunit déjà les personnalités éminentes des lettres, des Arts et de la Politique en France”. Este projecto teve a adesão de Sully Prudhomme, Catulle Mendès, Paul Maurice, Léon Dies, Jules Bois e outros. O busto de Camões foi realmente colocado na “rue de Camôens” e aí permaneceu alguns anos; depois foi retirado, por razões desconhecidas, e guardado na cave da biblioteca Mazarini, de onde saiu há poucos anos, como oferta ao Centro Cultural
Português da Fundação Gulkenkian, em Paris, onde se encontra exposto. 6 – Voltemos de novo a l893. Poucos dias depois de ter acusado a recepção de l’Aiòli, Xavier da Cunha escrevia novamente a Mistral, para lhe agradecer o exemplar da Estatua dou Pouèto que acabava de receber. As relações são amistosas e vão prolongar-se até 1911. Xavier da Cunha tem em preparação, como já dissemos, a sua obra Pretidão de Amor, e propõe-se nela incluir o maior número possível de traduções da “Bárbara escrava”: “J’ai sous presse un mémoire crítico-littéraire sur un épisode de la vie de Camõens, le grand Poète du Portugal. Camõens, quand il était en Orient, s’éprit éperdument d’une jeune esclave indienne, dont il célébra la beauté dans cinq charmants huitains (Endechas). Les huitains, je me propose de les intercaler dans mon ouvrage, en les faisant suivre d’autant de traductions que je pourrai obtenir, et j’en ai déjà acquis un grand nombre. Mais savez-vous ce qui ferait mon bonheur ? Ce serait d’embellir mon bouquet polyglotte avec votre nom glorieux. Daigneriez-vous, Monsieur, accueillir mes vœux, en m’accordant la version provençale des stranees portugaises ?Que le nom de Camõens puisse venir en aide de mon ambitieuse requète : mais quel honneur pour mon ouvrage, si votre précieuse traduction y venait apporter les doux parfums de la Muse provençale !” Decorridos que foram apenas dezassete dias, Xavier da Cunha escreve nova carta já a agradecer a tradução recebida. E exclama, feliz: “Vous me comblez de bonheur: j’en suis profondément ému. La glorieuse Muse de la Provence rayonne dignement sur la figure de Camõens”. Esta obra, de 850 páginas, contém, além da tradução de Mistral (p.341-342), mais uma outra também em provençal, de Louis Serran d’ Allard (p.345-346) que tem como título “Estanço de Louis de Camouin. A-n’ uno esclavo qu’avié noum Bárbaro, e pèr quau lou pouèto cremavo d’amour in Indo”. A tradução de Mistral, com o título de “Outavo de Louis de Camõens pèr uno esclavo que ié disien Barbo”, conheceu
ainda mais três publicações: na revista Le Portugal à Paris (nº 6, de 30 de Novembro de 1907); na obra do Visconde de Faria, impressa em Milão, para comemorar o cinquentenário de Mireille, em 1909; e no nº. 211 de l’Aiòli, onde é precedida de uma dedicatória à rainha D. Amélia: “A sa graciouso majesta dono Améli de Franço, Rèino de Pourtugau que vou bèn ounoura lou journalet l’Aiòli de sa reialo souseripcioun”. Na altura da celebração do cinquentenário de Mireille, Xavier da Cunha dedicou a Mistral um pequeno poema de duas estrofes, em que compara o poeta provençal a Camões. E eu saúdo em Mistral o vate portentoso Da lyra provençal, o Apolo glorioso Que em divinas canções Logra englobar e unir por misterioso laço Dons de Valmiki, e de Virgílio e Tasso, De Milton e Camões. Em 3 de Fevereiro de 1911, Xavier da Cunha entra de novo em contacto com Mistral, mais uma vez a propósito de Camões. É que tem em preparação um Álbum de homenagem ao nosso épico, formado por autógrafos de grandes homens, sobre Camões. E teria o maior gosto de lhe poder juntar um autógrafo do poeta da Provença. Como habitualmente, a resposta de Mistral não se fez esperar; ela deve mesmo ter sido dada na volta do correio, pois a 10 de Fevereiro já Xavier da Cunha lho agradece: “Je suis infiniment heureux de pouvoir intercaler dans mon Album Camoniano le précieux autographe dont vous avez daigné me faire hommage”. 7 – Das quatro dezenas de cartas de portugueses que encontramos arquivadas em Maillane, a maior parte trata de assuntos relativos a Camões ou a ele se refere. O nome do poeta está sempre presente. Logo que o Visconde de Faria concebe o projecto de fundar uma sala portuguesa no museu de Arles, um dos nomes propostos a Mistral, para essa sala, é “salle Camõens”. Em 1901, sendo já Mistral sócio correspondente da Sociedade de Geografia de Lisboa e Membro do Instituto
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de Coimbra, Xavier da Cunha comunica ao poeta provençal a sua admissão como Delegado honorário, com a categoria de Sócio correspondente da Sociedade Nacional Camoniana do Porto, em sessão de 10 de Junho. O diploma que lhe foi enviado encontra-se no Museu de Arles, ao lado de os das outras cinco instituições portuguesas a que pertencia como sócio honorário.
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Significativo e digno de ser assinalado é o facto de Mistral, em 1904, ter sido igualmente admitido como membro de uma outra Associação Camoniana - a Società Scientifico-ArtisticoLetteraria Luigi Camoens, de Nápoles. Homenagem prestada à Provença, sem dúvida, mas que honrara igualmente a nação portuguesa, na memória daquele que, com a pena, a soube tornar conhecida e apreciada.
DIREITOS DAS CRIANÇAS (II) Jorge Augusto Pais de Amaral* Depois de termos escrito, no número anterior da Revista, sobre o respeito pela opinião das crianças como um direito consagrado na Convenção e no Código Civil Português, abordaremos agora outros direitos igualmente aí contemplados. B) Direito à liberdade de expressão. O art.º 13º da Convenção sobre os Direitos da Criança confere-lhe o direito à liberdade de expressão, que compreende a liberdade de procurar, receber e expandir informações e ideias de toda a espécie, sem consideração de fronteiras, sob a forma oral, escrita, impressa ou artística. A Constituição da República Portuguesa atribui a todos os cidadãos o direito à liberdade de expressão. Este direito significa que todos, incluindo as crianças, gozam da faculdade de expressar livremente o seu pensamento através da palavra ou de outro meio qualquer. A liberdade de expressão constitui a base de qualquer democracia. Se for cerceado o direito à liberdade de expressão em determinado Estado, isso conduzirá a que o mesmo se torne autoritário, por lhe faltar o instrumento de controlo da actividade governamental e do exercício do poder. *Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça.
A liberdade de informação engloba o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado. Aumenta cada vez mais a possibilidade de os jovens adquirirem imensos conhecimentos fora da escola que frequentam. São já muito grandes e tendem ainda a evoluir as facilidades que as tecnologias têm trazido a este respeito. A Internet veio permitir uma enorme troca de fluxo vivo de informação. As pessoas compreendem e aceitam facilmente que todos sejam livres de exprimir as suas opiniões. Essa compreensão poderá, porém, desaparecer quando tais opiniões não se encaixam dentro do que essas pessoas consideram defensável e admissível. Por outras palavras, é um direito que, em abstracto, geralmente todos aceitam sem tergiversar, mas contra o qual já se poderão rebelar quando, em concreto, essas opiniões não são coincidentes com as suas. Por isso, um juiz norte-americano o definiu dizendo que “o direito à liberdade de expressão não protege o direito a ter razão, mas o direito a não a ter”. À criança, como a qualquer cidadão, é atribuído o direito de não ser impedida de manifestar livremente o seu pensamento. Mas este direito tem de ser conjugado com direitos de outrem. Não pode ocasionar o desrespeito pelos direitos de outras pessoas no que concerne à sua integridade moral, ao seu bom nome e reputação. Quer dizer, a criança deve ter em conta os direitos de terceiro, por forma a saber
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respeitar a fronteira entre os seus direitos e os dos outros.
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C) Direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. O art.º 14º da Convenção determina que os Estados Partes respeitem o direito da criança à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, respeitando igualmente os direitos e os deveres dos pais de orientar a criança no respectivo exercício. A Constituição da República Portuguesa garante a todos os cidadãos a liberdade de consciência, de religião e de culto. Ninguém pode ser perseguido ou privado de direitos por causa das suas convicções ou práticas religiosas. Parece-nos que se trata de uma regra que já se encontraria salvaguardada através do princípio da não descriminação nos seus múltiplos aspectos. A liberdade de religião inclui ainda a de não seguir religião alguma. Enquanto conceito legal, embora esteja relacionada com a tolerância religiosa, não é idêntica a esta. Nas escolas, está consagrada a liberdade de ensino de qualquer religião. Embora o poder de decidir quanto à educação religiosa dos filhos pertença aos pais, esse poder finda quando os menores atingem a idade de 16 anos, como já expusemos na primeira parte do texto. A objecção de consciência torna legítimo que deixem de ser cumpridas certas obrigações ou que não sejam praticados determinados actos que o jovem considera como sendo contrários à sua consciência. A objecção de consciência tem-se revelado com maior acuidade no domínio das obrigações militares, permitindo a isenção do cumprimento do serviço militar, quando obrigatório, substituindo-o pela prestação de um serviço de natureza exclusivamente civil igualmente obrigatório. Pode também assentar em razões de natureza moral, filosófica ou religiosa. D) Direito à liberdade de associação e de reunião. O art.º 15º da Convenção reconhece os direitos da criança à liberdade de associação e à liberdade de reunião pacífica. A liberdade de associação é um conceito legal contemplado na Constituição da República Portuguesa que se caracteriza pelo direito que os homens têm de mutuamente escolherem os seus associados para alcançarem determinada finalidade. Proíbe, porém, a constituição de associações destinadas
a promover a violência ou cujas finalidades sejam contrárias à lei penal. De igual modo é vedado aos cidadãos a formação de associações armadas ou de tipo militar, militarizado ou paramilitar e também de organizações que perfilhem ideologia fascista. Aos estudantes é reconhecido o direito de constituírem associações ou de a elas aderirem no âmbito do seu estabelecimento de ensino, incluindo o direito de elegerem ou de serem eleitos para os respectivos corpos directivos. Estas associações são independentes em relação ao Estado, aos partidos políticos e às organizações de carácter religioso. E) Direito de brincar Este direito, previsto no art.º 31º da Convenção, não deve ser considerado de somenos importância. Trata-se de um direito que constitui o resultado de uma grande evolução acerca do conhecimento das necessidades da criança. Ninguém hoje ignora que a brincadeira é uma actividade fundamental para o desenvolvimento da criança. Brincar é fundamental para a sua saúde física e mental, faz parte do seu processo de formação como ser humano. Quando brinca a criança recria e repensa os acontecimentos da sua vida familiar e comunitária. É a forma de interiorizar determinados modelos de adulto, de imitar alguém ou uma experiência vivida na família ou em outro ambiente. Aproveita, por vezes, o relato de uma situação transmitido por um colega ou que ouviu aos adultos, determinadas cenas que observou na televisão ou no cinema, ou ainda as narrações de um livro que teve oportunidade de ler. Brincar tem uma função social, na medida em que contribui para que a criança se integre em determinado grupo. Tem igualmente uma função cognitiva, pois contribui para o seu desenvolvimento mental. Desta forma, a criança interage com o meio, que passa a conhecer melhor, desenvolvendo a sua actividade, a sua habilidade, a sua inteligência, a sua imaginação. E tudo isto faz com que desenvolva a sua personalidade e lhe permita conhecer-se melhor, visto que tem a oportunidade de se poder comparar com as outras crianças. Enquanto brinca, compartilha, torna-se menos agressiva, constrói um melhor relacionamento com a sua família. Podemos dizer que a criança, enquanto brinca, desempenha os mais variados papéis fictícios, inventa a forma de executar as mais variadas profissões, de manifestar os seus sentimentos, de praticar vários jogos. Vai, enfim, até onde a
sua imaginação é capaz de a transportar. Sem a preocupação de produzir um trabalho exaustivo, abordámos, de uma forma simples e despretensiosa, somente os mais importantes direitos da criança contemplados na
Convenção sobre os Direitos da Criança aprovada há duas dezenas de anos. Lisboa, Outubro de 2009
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ESQUECIMENTO Anthero Monteiro*
no dia seguinte quando abriu a sapateira d. josefa reparou que faltavam ali as biqueiras dos sapatos pretos do marido curvando-se um pouco para ver melhor deu conta de que faltavam mesmo os sapatos inteiros do senhor calçada depois de vasculhar toda a casa concluiu que também lhe faltava o marido só então se lembrou de que o senhor calçada fora na véspera a enterrar . *Escritor e poeta natural de S. Paio de Oleiros. É autor de vários livros Espinho, 29 Dezembro 2006
de poesia e de ensaio.
As Despesas para a cultura nos Municípios de Oliveira de Azeméis, Porto, Santa Maria da Feira, São João da Madeira e Vila Nova de Gaia entre 1999 e 2006 Tiago Santos*
Breve Nota Introdutória Este ensaio não pretende fazer uma avaliação das políticas culturais dos 5 municípios propostos “segundo três dimensões – objectivos, meios e resultados – visando identificar a pertinência, eficácia e eficiência das políticas em causa” (Santos, 2004. pp. 39). O que propomos é fazer uma análise, o mais detalhadamente possível, dos investimentos autárquicos de 5 municípios próximos em termos geográficos. A comparação entre ambos é inevitável apesar de a análise global ser igualmente retratada. Em termos metodológicos importa ainda salientar que apenas fizemos a análise das despesas correntes dos municípios. Para além disso não tivemos em conta a inflação na análise das despesas de ano para ano. No que se refere aos valores apresentados nos gráficos e quadros são todos em milhares de euros, de forma a possibilitar uma melhor imagem visual e prevenir possíveis erros de análise.
Políticas Culturais e para a Cultura entre 1999-2006 As noções de dever político e social de aculturar e educar os cidadãos por parte dos municípios são relativamente recentes. No regime salazarista competia ao Estado esse dever de educar e ensinar. A criação do mito de Guimarães berço da nacionalidade, a edificação do Parque dos Pequenitos e a mitificação de espaços como Torre de Belém, Mosteiro dos Jerónimos, Conímbriga e Palácio do Buçaco são apenas alguns dos elementos desta formatação nacional. Quais de nós nunca foram a pelo menos dois destes espaços que enunciei durante o ensino básico? Por isso, “o protagonismo autárquico na Cultura é bastante recente. Apenas com a Revolução de Abril de 1974 foi iniciado um processo crescente de apoio à Cultura” (Santos, 1998). Entre 1999 e 2006 decorreram dois Mega-Eventos internacionais nos Municípios analisados e o país estava a sair do Mega - Projecto Lisboa – Expo 98. Este último acontecimento criou “um forte impacto sobre a cidade de Lisboa e o país. Atraiu milhões de visitantes. Mobilizou grandes investimentos financeiros. Dinamizou as energias produtivas e criativas de vários sectores de actividade. Transformou definitivamente uma vasta zona urbana. Ampliou e diversificou a uma escala inusitada a oferta cultural e lúdica em Lisboa” (Ferreira, 2002. pp. 308). Em 2001 o Porto foi Capital Europeia da Cultura cujo
* Licenciado em História e pós-graduado em Ensino da História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto; Curso de Dinamização do Turismo Cultural no EDV pela Agência de Desenvolvimento Regional de Entre Douro e Vouga; mestrando em Cidades e Culturas Urbanas pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. ** Orientador do Mestrado: Prof. Doutor Claudino Ferreira.
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Investimento Geral no Sector Cultural entre 1999 e 2006
Quadro 1 1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Portugal
271.650
293.842
352.224
358.792
355.633
404.221
461.761
453.240
Região Norte
97.014
93.140
120.681
120.058
110.616
133.532
146.229
141.723
Oliveira de Azeméis
307
479
619
1.405
1.448
1.438
1.283
1.040
Porto
9.425
6.347
17.770
13.145
12.645
27.014
14.837
10.968
Santa Maria da Feira 1.017
2.043
2.479
2.882
2.060
3.518
6.591
5.852
São João da Madeira 1.024
1.044
1.282
1.750
2.009
3.094
2.510
2.683
Vila Nova de Gaia
5.947
5.043
6.383
8.205
3.746
6.479
6.023
14.570
120
impacto na criação de Públicos foi estudado por Maria de Lourdes Lima Santos em “Públicos do Porto 2001”. Neste estudo exaustivo a autora chega a algumas conclusões interessantes e que merecem uma análise mais profunda. Apenas a título demonstrativo deste estudo e tendo em conta os impactos do evento na criação de Públicos, a autora apresenta um gráfico sobre a composição dos públicos do Porto 2001 segundo a residência. 49,3% dos visitantes são da cidade do Porto, 25,9% da Área Metropolitana do Porto (Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Póvoa do Varzim, Valongo, Vila do Conde e Vila Nova de Gaia), 9,4% do Norte e 10,7% do Resto do País (Santos, 2002. pp. 77). Em 2004 Portugal organizou o Campeonato da Europa de Futebol e, para além do impacto a nível nacional, directamente atingiu alguns dos municípios analisados. Apesar de a Eurostat já separar o sector cultural do desporto (Neves, 2005. pp. 4) o orçamento municipal é feito em conjunto e por isso esta análise. Um país como Portugal necessita de criar eventos âncora cíclicos de forma a manter um bom fluxo turístico. O Euro 2004 insere-se nesta perspectiva turística tal como a candidatura ao Mundial de Futebol de 2018. O primeiro evento desta amplitude foi a Expo 98 já aqui citado.1 1
Sobre a importância dos eventos na cidades ver Ferreira, 2002a.
Do ponto de vista de investimento Global no sector Cultural, os municípios analisados acompanham a tendência nacional e do Norte. (ver quadro 1) Ou seja, de um crescimento gradual em termos de investimento. No caso especifico Português, entre 1999 e 2006 o valor investido na Cultura praticamente dobrou (de 271.650 para 453.240). O mesmo acontece com a NUT II Norte (97.014 para 141.723) (ver gráfico 1) e o município de São João da Madeira (1.024 para 2.683). Para os municípios de Santa Maria da Feira (1.017 para 5.852) e Oliveira de Azeméis (307 para 1.040) o aumento em termos de investimento foi significativo. O Porto mantém o mesmo índice em termos de investimento (9.425 para 10.968) mas é o único caso em que existe uma variação ao longo dos anos em termos de investimento. Obviamente que para isso contribuíram os projectos Porto 2001 e o Euro 2004 e são precisamente estes anos em que o investimento chega a valores consideravelmente superiores (gráfico 2). O único município que apresenta uma descida em termos de investimento é o de Vila Nova de Gaia (14.570 para 6.023). Contudo esta descida verificou-se logo em 2000 (5.947) e manteve-se entre valores idênticos apesar de uma oscilação entre 2003 (8.205) e 2004 (3.746).
Gráfico 1
Gráfico 2
121
De um ponto de vista mais detalhado é extremamente interessante analisar o impacto em termos de investimento na Cultura que o aproximar das eleições provoca. Como analisou José Soares Neves no trabalho “Despesas dos Municípios com a Cultura [1986-2003], é inegável a “relação entre as conjunturas delimitadas pelos ciclos eleitorais e a evolução dos volumes de despesas ao longo do seu decurso, uma vez que é identificável um padrão particularmente visível a partir das eleições de 1993: tendência de forte crescimento no ano de eleições e para forte abrandamento no ano seguinte” (Neves, 2005. pp. 56). Apesar de ser uma amostra pequena conseguimos verificar esta tendência nos municípios analisados. Para o período analisado ocorreram eleições autárquicas em 2001 e 2005. Se para as eleições de 2001 não conseguimos ver esta tendência de aumento significativo entre 2000 e 2001 (apenas Porto, Santa Maria da Feira e São João da Madeira aumentaram as despesas e no primeiro caso devido ao evento Porto 2001 e nos segundo e terceiro casos o aumento
foi muito ligeiro). Já no que se refere às eleições de 2005 conseguimos verificar que Santa Maria da Feira e Vila Nova de Gaia aumentaram as despesas com a Cultura relativamente aos anos anteriores (não podemos esquecer que em 2004 o Porto teve no seu município um Mega-Evento, Euro 2004, e por isso o decréscimo em termos de investimento é normal. Mesmo assim, os números apresentados para este ano são maiores que a tendência que vinha apresentando). A predisposição para o abrandamento de investimento no ano seguinte acontece em todos os municípios, excepto São João da Madeira. (Ver quadro 1). Existe assim esta dicotomia entre a ética e a falta dela. Até que ponto a nossa consciência enquanto avaliadores permite julgar essa situação. Defendo que por muito imoral que seja, as vantagens de um investimento na Cultura em anos de eleições são claramente superiores às desvantagens. Mesmo assim não discordo da opinião da CCRN quando escreve, “uns vêm à política pela Cultura, outros chegam à Cultura pela Política” (CCRN, 1999. pp.15), acrescentando eu que ainda outros aproveitam a Cultura para a Política.
Despesas para a Cultura – categoria Desporto
Gráfico 3
Gráfico 4
122
De forma a analisar os dados sobre o investimento na Cultura, de acordo com a Eurostat, decidimos analisar os apoios autárquicos, mas sem a categoria desporto. Como podem ver nos gráficos 3 e 4 a tendência é exactamente a mesma. A de um crescimento pautado e gradual com as mesmas variações verificadas quando analisamos conjuntamente todo o investimento no sector cultural. O que é certo é que o investimento no desporto é claramente superior ao investimento noutros sectores culturais. Em Portugal, a percentagem média de investimento no desporto, tendo em conta os orçamentos culturais entre 1999 e 2006, é de 39%. De destacar ainda as actividades sócioculturais com 19% e as Publicações e Literatura com 15%. No extremo oposto o investimento nos recintos culturais com 3% e as artes cénicas, com 4%. Na NUT II Norte o investimento no Desporto aumenta para 43%. Ainda de destacar as despesas nas actividades sócio-culturais com 19% do investimento. Por
outro lado, e tal como no caso nacional, as artes cénicas e os recintos culturais representam a menor percentagem de investimento, com 3% cada. Em termos municipais, as variações intermunicipais são mais visíveis. O Município de Oliveira de Azeméis investiu, entre 1999 e 2006, 38% do orçamento cultural no Desporto. De destacar ainda os 19% de Publicações e Literatura, os 16% em actividades sócio-culturais e 14% em música. Em contrapartida, o investimento de 1% nas artes cénicas e 5% no Património. No Porto a divisão é bem mais repartida. Dessa forma temos Publicações e Literatura com 32%. Para este índice elevado muito contribuiu o investimento em 2004 na característica de Biblioteca (16.594), uma sub-característica de publicações e literatura. De destacar ainda 26% no Desporto, 20% no Património e 18% nas actividades sócioculturais. No extremo oposto temos música com 1% e artes cénicas com 3%.
Gráfico 5
123
Relação entre Despesas Gerais e Despesas com a Cultura Para Santa Maria da Feira o investimento é ainda mais repartido que o caso anterior. Com 27% o desporto é a actividade com maior investimento. Seguem-se as artes cénicas com 19%, as actividades sócio-culturais com 17%, as publicações e literatura com 14%, a música com 13% e o património com 9%. Por último encontra-se o investimento nos recintos culturais com 1% (ver gráfico 5). Para São João da Madeira a despesa para o desporto é de 50%. No extremo oposto o investimento de 0% nas artes cénicas (apesar de em numerário ter investimento) e os recintos culturais com 3%. Para Vila Nova de Gaia o investimento no Desporto constitui um total de 45%. De destacar ainda as actividades sócio-culturais com 22%. No lado oposto o investimento com as artes cénicas com 3% e no património e música com 5% cada. Como constatamos, a maioria dos municípios acompanham a tendência nacional de em primeiro lugar apoiar o desporto.
De forma a compreender a relação entre as despesas gerais do município com as despesas na cultura decidimos analisar estes dois índices. Todos os municípios têm a mesma tendência nas duas variantes. Se as despesas gerais aumentam, as despesas na cultura aumentam. O inverso ainda é mais evidente: se as despesas gerais diminuem, as despesas na cultura diminuem. Em Oliveira de Azeméis existe a maior diferença entre o investimento total e o investimento na Cultura. Como podemos ver no gráfico 6, não existe uma proximidade entre as duas variantes. Aliás, a tendência apresentada é para existir uma separação cada vez maior. A partir de 2004 as despesas municipais gerais aumentam gradualmente e as despesas na cultura diminuem. Em contrapartida, os municípios do Porto (gráfico 7) e de Santa Maria da Feira (gráfico 8) praticamente sobrepõem as variantes. Nestes casos são evidentes as sobreposições das variáveis e as tendências são exactamente as mesmas.
Gráfico 6
Gráfico 7
Gráfico 8
124
Para São João da Madeira as diferenças de investimento são quase tão evidentes como em Oliveira de Azeméis, mas com uma tendência de crescimento para ambas as variáveis. Para Vila Nova de Gaia existe uma aproximação entre as variáveis mas as diferenças são maiores. A tendência ao longo dos anos é a mesma mas com mais variáveis.
Despesas na Cultura por categoria O que pretendemos com esta análise é caracterizar a evolução das despesas na Cultura por categoria. As categorias apresentadas são as mesmas que o próprio INE identifica e decidimos mantê-las por facilidade de gestão. No caso de Portugal as despesas com a Cultura vão aumentando gradualmente em todas as categorias verificando-se apenas algumas situações pontuais em que existiu um pequeno decréscimo no investimento. No que se refere à região Norte a tendência é a mesma que existe a nível nacional. Apenas existem algumas intermitências na tendência de crescimento verificadas em todas as categorias. Em termos municipais, Oliveira de Azeméis tem, em
vários anos, dados sem informação o que não permite uma exploração satisfatória dos resultados. Mesmo assim conseguimos identificar uma tendência de crescimento efectivo de ano para ano em todas as categorias. O Porto apresenta uma tendência global idêntica. Ou seja, todas as categorias seguem a tendência principal. Se as despesas baixam, isso acontece para todas as categorias, tal como o inverso. A única excepção é a categoria de Publicações e Literatura que em 2004 atinge um valor incrivelmente alto (16.594). De destacar para além disso outros factores como o facto de o Porto não ter despesas correntes em termos de recintos culturais. Ainda em maior destaque o facto de em termos de despesas correntes, em 2001, não ter existido um aumento significativo pelo evento Porto 2001. O principal motivo deverá ser por se tratar de uma iniciativa específica que não se traduziu num aumento das despesas correntes. Santa Maria da Feira apresenta um crescimento gradual de todas as actividades, excepção feita à categoria de Actividades Sócio-Culturais com uma variação acentuada. De destacar o forte investimento nas Artes Cénicas com um crescimento acentuado a partir de 2004 (ver quadro 2 e Gráfico 9).
Quadro 2
Despesas Correntes Santa Maria da Feira
Património
Publicações e Literatura
Total
Museus
Total
Bibliotecas
1999
45
32
321
110
221
60
-
-
367
-
2000
65
50
573
196
208
50
460
-
582
-
2001
89
76
240
240
614
405
-
-
1.032
-
2002
81
45
275
275
90
406
1.199
-
801
-
2003
245
245
523
369
199
91
352
55
596
-
2004
384
342
587
402
450
1.187
170
-
689
-
2005
556
475
569
350
693
1.441
1.039
26
1.755
0
2006
784
652
515
389
907
1.398
76
27
1.667
0
Música
Actividades Recintos Jogos e Desportos Artes S ó c i o - Culturais Cénicas Culturais Total Recintos
Gráfico 9
Em São João da Madeira a tendência de crescimento ao longo dos anos é uniforme para todas as categorias. Contudo, destaca-se a categoria desportiva galopando principalmente a partir de 2001. Por último, Vila Nova de Gaia apresenta estabilidade contabilística, ao longo dos anos, na maioria
das categorias. Na Categoria de Desporto, em 1999, este município tinha como despesa corrente 6507, passando em 2000 para 1352. Em contrapartida, de 2002 para 2003, na categoria de Actividades sócio-culturais, a despesa passou de 482 para 3638.
125
As Despesas Municipais entre 1999 e 2006
126
Apesar de a amostra ser reduzida e apenas com oito anos de análise, é possível retirar algumas ilações dos dados analisados. Em primeiro lugar o facto de todos os municípios acompanharem a tendência nacional de crescimento de investimento na Cultura e de torná-la como despesa corrente. Outro dos factores que contribuiu para esta aumento de investimento foi o facto de a maioria dos municípios terem uma pasta para a Cultura entregue a um vereador que não está a tratar de temáticas muito distantes deste contexto. Ainda factor mais relevante foi a criação de Empresas Municipais que fazem a gestão dos recintos culturais e da programação cultural do município.2 Pelo cruzamento dos dados aqui apresentados conseguimos perceber que, mesmo assim, ainda existem municípios cuja aposta na Cultura é incipiente face às despesas globais apresentadas. Seria necessário cruzar outras fontes e outros dados para decompor estas informações, mas este não é o espaço ideal para isso. Mesmo não cruzando muita informação é indiscutível a capacidade liderante do Porto nestes 5 municípios. Aliás, os municípios analisados fazem todos parte da “nova” Grande Área Metropolitana do Porto que tem como centro a cidade do Porto, que é e será a líder na afirmação Turística e Cultural no mercado externo. Como escreve Natália Azevedo, “a centralidade do Porto continua a constituir o factor por excelência da competitividade cultural e turística da AMP. Quer quanto à rede de equipamentos culturais que detém, quer quanto à diversidade e amplitude da oferta cultural municipal, quer ainda quanto às possibilidades da formação cultural e artística dos actores sociais residentes e não residentes no concelho. As centralidades culturais que encontramos noutros concelhos limítrofes ao Porto são, antes de mais, centralidades endógenas, isto é, centralidades criadas para os usos das comunidades residentes nos municípios” (Azevedo, 2007. pp. 500). Outra das notas de destaque na análise efectuada é relativa ao impacto que o Desporto tem nas despesas correntes dos municípios. Todos os municípios analisados têm mais de 25% das despesas nesta categoria atingindo em alguns casos mais de 40%. Estes valores acompanham as
Porto Lazer e Porto Vivo – Porto; Feira Viva – Santa Maria da Feira; GAIANIMA – Vila Nova de Gaia.
2
tendências da NUT II e Nacional. Por outro lado, conseguimos perceber que determinadas categorias culturais têm uma percentagem verdadeiramente diminuta nas despesas municipais. Categoria como as Artes Cénicas e Música têm valores bastante inferiores às restantes categorias. No caso da música, os espaços privados permitem uma oferta regular, mas a dicotomia entre Público e Privado não vai ser aqui analisada. Podemos concluir que as despesas seguem a corrente da Cultura Vendável, o que “obviamente provoca um acesso desigual aos produtos e serviços culturais, bem como défices acumulados na construção do processo de democratização cultural” (Santos, 1998. pp. 249). “Vinte anos depois da integração europeia de Portugal, já não parece possível descrever o panorama cultural nacional sem tratar as autarquias como actores de parte inteira” (Silva, 2007. pp. 24). Qualquer estudo sobre Políticas Culturais, Cultura, Criação Cultural, Públicos ou mesmo Indústrias Criativas passa por uma análise detalhada sobre a posição municipal perante a Cultura.
Bibliografia Azevedo, Natália (2007), “Políticas Culturais, Turismo e Desenvolvimento Local na Área Metropolitana do Porto – Um Estudo de Caso”. Dissertação de Doutoramento em Sociologia. Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Comissão de Coordenação da Região do Norte [CCRN] (1999), “O Sector da Cultura nas Câmaras Municipais da Região Norte”. S.l.: Comissão de Coordenação da Região Norte. Ferreira, Claudino (2002), “A exposição mundial de Lisboa de 1998: Contextos de produção de um mega evento cultural”, in Boaventura de Sousa Santos (org.), Projecto e circunstância. Culturas Urbanas em Portugal. Santa Maria da Feira: Afrontamento, 255-313. Ferreira, Claudino (2002a), “Intermediação Cultural e Grandes Eventos. Nota Para um Programa de Investigação sobre a Difusão das Culturas Urbanas” nº 67. In http://www. ces.uc.pt/publicacoes/oficina/167/167.pdf consultado em 15 de Abril de 2009 pelas 19:15h. Neves, José (2005), “Despesas dos Municípios com a Cultura [1986-2003]”. Lisboa: Observatório das Actividades Culturais.
Madeira, Cláudia (2002), “Novos Notáveis. Os Programadores Culturais”. Oeiras: Celta Editora. Santos, Maria Lourdes Lima (1998), “Políticas Culturais em Portugal”. Lisboa: Observatório das Actividades Culturais. Santos, Maria Lourdes Lima (2002), “Públicos do Porto 2001”. Lisboa: Observatório das Actividades Culturais. Santos, Maria Lourdes Lima (2004), “Políticas Culturais e
Descentralização. Impactos do Programa Difusão das Artes do Espectáculo”. Lisboa: Observatório das Actividades Culturais. Silva, Augusto Santos (2007), “Como abordar as Políticas Culturais Autárquicas?” in Sociologia, Problemas e Práticas, nº 54, pp. 11-33, disponível em http://www.scielo.oces. mctes.pt/pdf/spp/n54/n54a02.pdf consultado dia 17 de Abril de 2009 pelas 19:30.
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era solta como o vento Conceição Paulino*
era solta como o vento ergueram-lhe muros à volta esqueceram o pensamento.
*Natural de Beja. Escritora. Publicou As Tarefas Transparentes (1993) -O Luar da Espera (1994) - Falar Mulher (1997) - Salvador o Homem e Textos Inconsequentes (2007) - O meu País é um sonho sonhado (2009).
EM PROL DO DR. DOMINGOS CAETANO DE SOUSA, MÉDICO FEIRENSE E CIDADÃO HONRADO** Manuel de Lima Bastos* Dou comigo a pensar porque razão resolvi escrever umas quantas linhas sobre o Dr. Domingos Caetano de Sousa quando não só mal o conheci, mas porque, sendo um homem da situação política na época da ditadura, eu militava por razões de família e de opção pessoal no campo contrário da oposição ao regime salazarista vigente. Mas a verdade é que tenho algumas ligações ao homem e ao médico e duas ou três histórias, nas quais é protagonista, para contar. E, sobretudo, porque penso que merece sobejamente que o recorde, homenageie e por breves instantes o retire do limbo do esquecimento. No meu tempo de menino da escola, aí por finais dos anos quarenta do século passado, na Vila da Feira e na zona nascente do concelho, os médicos de que conservo memória eram o meu homenageado na sede do concelho, o meu pai na freguesia de Fiães e mais conhecido pelo doutor das Levadas – uns anos mais tarde apareceu outro nesta freguesia, o Dr. Ferreira da Silva, dito o doutor pequenino por ser de baixa estatura – , o Dr. Ferreira Pinto em Sanguedo, o mais velho
de todos e médico de minha casa por o meu pai entender que a sua família mais chegada, mulher e filhos, não devia ser assistida por ele próprio, o Dr. Carlos Ribeiro nas Caldas de S. Jorge, conhecido por o Dr. Carlos de S. Jorge e justamente lembrado e homenageado há breves dias na sua terra e, por fim, o Dr. Pais Moreira na freguesia de Canedo. São estes o que a minha memória recorda e suponho que me não atraiçoa tantos anos passados. Lembro-me também que todos entretinham entre si relações de cordialidade e que se requisitavam mutuamente para conferências médicas em casos que lhes apareciam de natureza mais bicuda. É que isto de se socorrerem de meios auxiliares de diagnóstico, como hoje acontece por tudo e por nada, praticamente não existia e ir ao Porto fazer uma simples radiografia ao cadáver, quase sempre no consultório do Dr. Adolfo Pinto Leite, colega de curso de meu pai, só em casos extremos e quando o paciente tinha recursos para arcar com a despesa, o que era luxo de poucos. Em geral, o médico contava apenas com a sua perícia e ouvido afinado ao manusear o estetoscópio, os seus conhecimentos e a experiência que a prática clínica trazia ao longo dos anos de exercício da profissão. Durante alguns anos o Dr. Domingos Caetano de Sousa exerceu o cargo de Presidente da Câmara da Feira por nomeação do governo já que eleições para os orgãos
*Advogado. Devoto Aquiliniano ** Este artigo foi publicado no número anterior com omissão de texto, pelo que procedemos à sua republicação. Do facto pedimos desculpa ao autor e aos nossos estimados leitores.
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autárquicos era coisa que não existia. Tenho na lembrança de que foi acusado de não ter feito obra e ter pautado a sua administração pelos mesmos princípios com que se rege o dono prudente duma mercearia: há, gasta-se; não há, não se gasta. Ora eu entendo, mesmo nos tempos actuais, que este princípio deve orientar o bom chefe de família na sua vida, as empresas, as autarquias e as próprias nações. Quero dizer isto para que fique claro: o endividamento justifica-se quando se destina a investimento reprodutivo, isto é, quando tem em vista propiciar a sua própria amortização através do benefício que vai criar, mesmo que de natureza apenas social. É o caso do que pede emprestado para comprar o terreno onde pensa edificar a sua casa, ou esta própria, é o caso da autarquia que se endivida para rasgar a estrada ou outro equipamento social que permitirá à comunidade circular com menos delongas ou viver melhor. Provavelmente o Dr. Domingos Caetano de Sousa era avesso a qualquer forma de endividamento. Se havia cem, gastavam-se noventa e deixavam-se dez ao canto da gaveta para uma precisão imprevista. É importante não esquecer que o homem é ele próprio e a sua circunstância histórica. E a circunstância histórica da época dimanava da visão ultramontana e retrógrada do chefe político do regime para quem o éden na terra era um país rural, contente com a aurea mediocritas de duas telhas por cima da cabeça para que a chuva lhe não caísse no bestunto e um pedaço de pão ao canto do açafate. Melhor ainda se cada português tivesse dois palmos de terra para mourejar, adubar com o suor do seu rosto e obter o sustento de cada dia. O resto resumia-se a cumprir o preceito da missinha aos domingos e dias santos de guarda e a desobriga pela Páscoa da Ressurreição. Por acréscimo, logo viria um lugarzinho modesto à mão direita de Deus Padre para cada português quando chegasse a hora de prestar contas. Neste contexto não admira que o Dr. Domingos Caetano de Sousa se não sentisse estimulado a meter-se em grandes cavalarias pois, sendo homem de indesmentida integridade e parcimonioso no uso do que era seu, muito mais o seria na aplicação dos dinheiros públicos. Com estas características e supondo eu que não teria particular aptidão psicológica para as demonstrações que hoje genericamente se exigem a quem se propõe ocupar qualquer lugar electivo, tais como beijocar criancinhas de
tenra idade, de preferência ao colo das progenitoras, de chamar aos peitos os parranas que saem à rua para vitoriar o candidato, de prometer este mundo e o outro começando pela número ganhador do sorteio da lotaria a seguir às eleições ou de espalhar a sua vera efígie em cartazes por quanto poste de iluminação exista nas redondezas – tudo de preferência sob o olhar atento de uma câmara de televisão - os analistas, politólogos e outros conhecedores da arte de endrominar o próximo não teriam dúvidas em afirmar que, hoje, o Dr. Domingos Caetano de Sousa não dispunha de perfil adequado para o cargo. Contudo, antes e durante o seu consulado à frente dos destinos camarários, o concelho da Vila da Feira foi um oásis de tolerância política e de convivência pacífica entre os que pensavam de modo diferente. Para tal contribuiu não só o Dr. Domingos Caetano de Sousa, mas sobretudo o Dr. Belchior Cardoso da Costa que foi advogado sabedor e competente e líder do partido único salazarista, chegando a deputado na Assembleia Nacional. Mas ambos eram pessoas cujo carácter e consciência de homens de bem não lhes permitia a delação e muito menos a perseguição política de quem pensava de maneira diversa. Ao contrário, muitos destes – dentre os quais destaco o Dr. Alcides Strecht Monteiro, meu padrinho de casamento, de quem tive a honra de ser sócio no seu escritório de advocacia, crónico cabeça de lista da oposição no distrito de Aveiro nas farsas eleitorais do regime – não poucas vezes se beneficiaram do aviso e da intervenção protectora de ambos nas frequentes investidas dos argus da polícia política do regime. Para quebrar este saudável ambiente de cordialidade e respeito mútuo que se vivia no concelho da Vila da Feira, foi preciso que viesse encabeçar o lugar de presidente da câmara uma figura tenebrosa de defensor fundamentalista das ideias e princípios mais retrógrados do regime. O homem está morto e enterrado mas este facto apenas exige, a quem hoje se debruça sobre as ilegalidades e até as malvadezas que cometeu, que não saia das baias estritas da lisura e da verdade. E é isso e apenas isso que me proponho fazer para estabelecer a diferença entre o passado de concórdia que relatei e de cujos principais fautores apontei os nomes e a época seguinte na qual se banalizou a denúncia, a perseguição política e até a intromissão ilegal na vida íntima dos cidadãos e das famílias. Esse novo edil rapidamente estabeleceu por todo o
concelho uma ampla rede de escutadores que lhe transmitiam o que sabiam, o que supunham saber e o que inventavam por interesse pessoal, político ou até simplesmente para agradar e mostrar serviço ao chefe. Já durante o tempo que passou no escritório do Dr. Alcides Strecht Monteiro, onde estagiou como candidato à advocacia que nunca exerceu, era frequente ser convidado por aquele seu patrono para almoçar na casa deste uma vez que residia em Fiães. Ora contou-me o Dr. Alcides – e soube-o também por outras fontes – que nos períodos eleitorais ia de noite, com outros prosélitos da boa doutrina salazarista, rasgar os cartazes e demais propaganda de quem o recebera no seu escritório de advogado e lhe matava a fome sentando-o à sua mesa. Já nesta altura ficou definido o seu quilate moral e o que, no domínio da perseguição política e por mera animadversão pessoal, o seu carácter lhe iria permitir fazer nos anos vindouros. O meu pai, médico e proprietário em Fiães, praticamente vizinho do indivíduo em causa, nunca teve direito de voto por sistematicamente eliminarem o seu nome dos cadernos eleitorais como perigoso elemento subversivo. Que nunca foi, pois jamais desenvolveu qualquer actividade contra o regime, apesar de lhe ser desafecto. Deu-se até a circunstância ridícula de ser, desde há muitos anos, facultativo da família do fulano em questão e este ter proibido terminantemente que lhe solicitassem os serviços clínicos. Ora o pai de tão prometedor autarca, pessoa já de idade e achacado de males graves, persistia em querer que fosse o meu pai que o assistisse. De modo que a família esperava que a presidencial figura saísse para a Vila da Feira para exercer as suas funções e ia, em grande segredo, pedir ao meu pai que viesse examinar o velho. Suponho que meu pai anuía condoído por o homem se encontrar no fim da vida e não ter culpa dos dislates do filho. O rancor insensato contra o meu pai, que nunca lhe fez qualquer agravo, foi até ao ponto de impedir a sua efectivação como médico estomatologista no Posto Médico de Santa Maria de Lamas onde trabalhou mais de vinte anos. Abertos vários concursos para preenchimento da vaga, o meu pai metia a papelada para concorrer ao lugar. Jamais saíram os resultados de quase uma dúzia de concursos a que se propôs. De tal forma o caso era extraordinário que o chefe administrativo desse posto – um tal Sr. Luz – que, sendo
afecto ao regime, era homem correcto chegando a estabelecer relações de amizade com meu pai ao fim duma convivência de mais de duas décadas, tirou-se dos seus cuidados e indagou nos Serviços Médico-Sociais da Previdência em Coimbra da razão de tão anómalo sucesso. Informaram-no, por debaixo da capucha, que apensa à ficha profissional do candidato estava uma carta do dito presidente da câmara – cujo nome jamais referirei – alertando para o grave inconveniente de se nomear um perigoso adversário do regime como médico efectivo. Por esta razão trabalhou meu pai mais de vinte anos em regime de precariedade nunca tendo tido direito a subsídio de doença e a reforma quando adoeceu duma grave insuficiência renal que o vitimou com sessenta e seis anos de idade. A mim também não me poupou no seu rancor por quem não tinha jeito para a subserviência, isto é, para lamber as botas ao ditador municipal. Nessa época tinha eu negócios com empresas estrangeiras e necessitava de passaporte. Pois meia dúzia de vezes mo recusaram no Governo Civil de Aveiro e não se escondiam de me dizer que resolvesse primeiro o problema da informação fornecida pela Câmara da Vila da Feira pois, sem isso, nada feito. Quando casei em 1964 e passei a residir em Arcozelo, Vila Nova de Gaia, na Junta de Freguesia passaram-me o atestado de residência e fui ao Governo Civil do Porto requerer o almejado passaporte. Só me perguntaram se o queria normal ou urgente. Como optei por este último pagando a taxa devida pela urgência, meia hora mais tarde saía para a rua com o documento no bolso. Mas o pior aconteceu-me uns três anos depois, continu-ando eu embrenhado no mundo dos negócios e já com a responsabilidade de dois filhos pequenos. Certa vez recebi um postal da Pide convocando-me para as suas instalações no Porto às nove horas de determinado dia. Lá me apresentei e, após horas de espera, acabei por ser atendido por um inspector da benemérita instituição, pilar essencial da preservação e consolidação da fé e do império. O homem, ao contrário do que eu receava, foi de inexcedível urbanidade. Em resumo, digamos que era denunciado como autor de dois graves crimes: ter andado a distribuir, uns anos antes, propaganda subversiva contra o regime na inauguração da Ponte da Arrábida, a qual seria insultuosa para o venerando chefe do estado, almirante Américo de Deus Rodrigues Thomás (olaré!, com “h”) que honrara a cerimónia com a sua augusta presença.
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O outro denunciado crime que eu teria cometido piava mais fino: nem mais nem menos que o de fazer reuniões semanais com lavradores de Fiães e das freguesias vizinhas para os doutrinar nos ensinamentos marxistas-leninistas!!! É claro que neguei pela excelente razão de que não era verdade. Poderia agora luzir os meus galões antifascistas mas o seu a seu dono. É verdade que sempre me considerei opositor ao regime detestável por toda a minha família paterna lhe ser desafecta, ter sido criado e educado por um pai que tinha como ponto de fé acreditar nos valores mais nobres da democracia e da república e pelo motivo básico de estar do lado oposto da barricada dos que coarctam as liberdades essenciais de um ser humano mais que não seja como resistente passivo. Transformarem-me em denodado activista contra o regime era uma rematada invenção. Disse então e repito-o agora já que não pretendo louros indevidos. Na altura a minha vida e a minha pequena empresa davam-me muito que fazer e em que pensar e até me debatia com um problema que poderia denominar de fracturante, se este palavrão já tivesse sido inventado: gastava mais do que ganhava e ainda não existia a engenharia financeira que permite convencer os labregos endinheirados a investir no capital de empresas que estão sujeitas a dar a alma ao Criador a qualquer momento, como era a minha na altura. O inspector disse-me que estava tudo muito bem e que não punha em dúvida ter à sua frente um inocente chapado. Mas que quem fizera a denúncia era pessoa conhecida pela sua devoção ao Estado Novo e ao seu fuhrer. Disse-me que aguardasse que ia mastigar qualquer coisa à cantina e que continuaríamos de seguida a sabatina. E deixou-me, escarrapachada na minha frente, a carta que continha a denúncia. É claro que, mal virou costas, a primeira coisa que fiz foi lê-la de fio a pavio. Como esperava, era da Câmara Municipal da Vila da Feira e estava assinada pelo seu presidente com todas as letras. Estava praticamente em jejum e com a boca seca de fumar um cigarro atrás de outro desde as nove horas da manhã. Regressou seriam quase quatro da tarde e estirouse bovinamente – pois era bicho corpulento – no cadeirão almofadado e acabou por me dizer: verdade ou mentira, hoje vai-se embora na fresca da ribeira, mas, se voltar a haver nova denúncia, vamos poupar-lhe a maçada de arranjar transporte para cá. Seremos nós que o iremos buscar num dos volkswagens que viu lá fora. Pode ir à sua vida e muito
cuidadinho que está metido com fraca rês. Saí do gabinete do inspector nas caves da instituição seria já perto das seis horas. O certo é que me perdi no meandro dos corredores e não atinava com a porta da rua. Passados uns largos minutos volto a encontrar o dito inspector que me pergunta que é que andava ainda ali a fazer. Respondo-lhe que não encontrava a saída e o homem conduziu-me até à rua. E foi-me dizendo com ar escarninho: está a ver...?, dizem que fazemos aqui coisas terríveis às pessoas! Mas o senhor andou por aí o tempo que quis, meteu o nariz onde lhe apeteceu e que é que viu? Nada de nada, até podia testemunhar que aqui se respeita a lei...! Mandei-o in pecto a certa parte e pus-me a andar para casa onde me esperavam numa aflição. Mas aqui fica estampada a diferença incomensurável para a vida e o sossego das pessoas se comparamos a figura sem grandeza nem inteligência deste insignificante mas mal intencionado Torquemada de terceira ordem com a gente de carácter e de consciência como o Dr. Domingos Caetano de Sousa ou o Dr. Belchior Cardoso da Costa que, defendendo com toda a legitimidade o seu ideário, sabiam respeitar os que dele, também legitimamente, dissentiam. No tempo em que comecei a exercer o ofício de advogado ainda nos era preciso, vez por outra, justificar alguma falta em tribunal com atestado médico. A primeira vez que me socorri do Dr. Domingos Caetano de Sousa mandei a minha funcionária – que “herdei” do Dr. Alcides Strecht Monteiro e ainda hoje está ao meu serviço – ao consultório do Dr. Sousa para tal fim. O homem não cobrou nada pelo serviço apesar da insistência em pagar e eu passei a recorrer, sempre que possível, a outros médicos por não me sentir à vontade com os favores indevidos. Estou em supor que o obséquio se devia a eu ser filho de um antigo colega com quem tivera boas relações profissionais e pessoais embora sem qualquer intimidade. Ora um dia, aí por fins dos anos setenta e da parte da manhã, não me senti lá muito bem e, preocupado, lembreime de bater à porta do seu consultório voltado para a Igreja e Convento dos Lóios – onde funcionou durante décadas e décadas o velho tribunal da comarca – e pedi-lhe que me examinasse. Depois dos preliminares da praxe, mediu-me a tensão arterial e, com o seu velho estetoscópio de cromado já baço pelo longo uso, auscultou-me por todos os lados e mais um.
Com a cabeça ligeiramente inclinada e um leve sorriso na boca, como era de seu timbre, gravemente e com toda a concentração voltou a repetir a manobra. Eu esperava o veredicto com o credo na boca. Acabou por me dizer que não lhe parecia que houvesse nada de preocupante, mas que notara uma ligeira dilatação do ventrículo esquerdo. Voltou a não me cobrar os honorários da consulta, eu fui tratar da minha vida embora pensando no íntimo com algum cepticismo como raio é que, com um estetoscópio talvez do tempo da primeira guerra mundial, conseguira detectar a dilatação do meu ventrículo esquerdo. A coisa ficou por aqui e nunca mais me lembrei do caso. Uns largos anos mais tarde, aí por 1986, fui convidado por um cliente e amigo para ir a Inglaterra ver o jogo de futebol das meias finais da Taça UEFA que opunha o Futebol Clube do Porto – de que sou apenas simpatizante moderado e que não frequenta os estádios – ao Aberdeen escocês. Na época estava de moda fazer no estrangeiro um exame médico completo a que chamavam check up e, como tínhamos de ficar um dia em Londres, os três expedicionários submeteram-se a essa prova no Masonic Hospital ( que devia ter sido fundado por alguma instituição maçónica) instalado numa esplêndida mansão nos arredores da capital inglesa. Quando o táxi nos deixou no sopé da imponente escadaria tínhamos à nossa espera uma simpática velhinha, seguramente octogenária, toda perliquitetes e muito bem pintada e arranjada que nos recebeu explicando-nos que era voluntária no hospital e, como falava espanhol, tinha sido destacada para nos guiar até aos diversos serviços onde faríamos vários testes e exames. Começou por nos conduzir a um vestiário, ficando pudicamente no corredor, onde nos deveríamos despir totalmente, guardar as nossas coisas num cacifo que fecharíamos à chave, envergar um sumptuoso roupão vermelho carmesim e sapatos de quarto da mesma cor que nos forneceram e acompanhá-la ao laboratório de análises clínicas. Percorremos corredores imensos, entramos e saímos de elevadores e não se via vivalma em lado nenhum. Mas pelos vidros das portas de salões, salas e gabinetes podíamos divisar o pessoal médico e auxiliar rodeando pacientes numa azáfama de colmeia ordenada e silenciosa. Nem cheirava a hospital! Depois da colheita de sangue e urina a nossa macróbia acompanhante, como estávamos em jejum, levou-nos ao
refeitório onde nos serviram um esplêndido pequeno almoço à inglesa. Seguiram-se mais não sei quantos exames sofisticados, electrocardiogramas, electroencefalogramas, provas de esforço, ecografias, tacs a isto e àquilo e o diabo a quatro. Com tudo isto, sem esperas nem atropelos, demos conta que era quase meio-dia e a velhota informou-nos que iríamos então a uma consulta com um médico que, de posse do resultado de todos os exames, nos explicaria por miúdos o estado do cadáver de cada um. Como eu era o único que entendia e me fazia entender razoavelmente em inglês, a dama acompanhou os outros dois amigos para servir de tradutora e eu vi-me no consultório dum calmeirão de mais de dois metros de altura, de cabelo cor de cenoura, que me informou ser médico e escocês. Disse-me que a papelada de todos os exames realizados e o seu relatório iriam ser-me enviados por correio para Portugal e que os deveria apresentar ao meu médico que saberia o que prescrever-me. Acrescentou, para meu sossego, que não havia nada de particularmente preocupante embora tivesse detectado uma ligeira dilatação do meu ventrículo esquerdo!!! Pensei com os meus botões: e vim eu de tão longe gastar o rico baguinho para este toutiço de cenoura, com recurso a sofisticados meios de diagnóstico, me dizer a mesmíssima coisa que, uns bons oito anos antes, o Dr. Domingos Caetano de Sousa, com o seu olho clínico e empunhando o antediluviano estetoscópio – embora manejado por mão hábil e ouvido atento e sabedor – já me tinha dito num exame de dez minutos! Perto do hospital havia um restaurante mexicano onde almoçamos feijões com chili picantíssimos e bebemos umas tequillas à saúde de todos os maçons falecidos, vivos e por nascer e à tarde seguimos de avião para as terras altas da Escócia onde o Porto ganhou por 1-0 e foi à final da Taça UEFA que acabou por perder. E tudo está bem quando acaba em bem. Mas devo penitenciar-me e bater com a mão no peito onde ainda pulsa o coração com o ventrículo esquerdo dilatado por ter duvidado da palavra e do saber do Dr. Domingos Caetano de Sousa. Não tivemos contactos durante largos anos mas costumava frequentemente vê-lo antes da hora de almoço, de pasta na mão e envergando o sobretudo bege pelo de camelo
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que nem sequer a conhecia mas industriada por mim, iniciou uma cavaqueira como se fossem amigas de longa data. Ainda ouvi, nas minhas costas, uns zunzuns de protesto mas fiz de conta que não era nada comigo. O Dr. Sousa devia estar vendido, ele que era a discrição e a delicadeza em pessoa. Ainda quis estrebuchar pelo atropelo ao direito de prioridade das pessoas que estavam à sua frente mas, passados que foram uns momentos, deixei pousar a poeira e fi-lo sentar no lugar de minha mulher. Conversamos mais uns segundos para disfarçar e viemonos embora. Teriam na altura mais de oitenta anos e a consciência não me censura pelo que fiz. Ao Dr. Domingos Caetano de Sousa é que já não estou seguro disso. Era tão escrupuloso e correcto que provavelmente nem a comida lhe soube bem nem lhe assentou no estômago.
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Dr. Domingos Caetano de Sousa.
com ar friorento, a subir a passo pausado a rua da Vila da Feira que conduzia à sua residência. Falei com ele pela última vez poucos meses antes de falecer. Estava a jantar com minha mulher no balcão da Confeitaria Cunha à Rua Sá da Bandeira no Porto. Era sábado e junto à porta de entrada aglomerava-se grande número de pessoas aguardando uma vaga pois essa parte de restaurante comportava só os lugares no balcão que à época não eram muitos. Divisei, no meio das pessoas que esperavam no passeio, o Dr. Domingos Caetano de Sousa e a esposa, uma senhora que recordo sobre o miúdo mas de aspecto fino e muito composto. Como estávamos no fim do jantar, disse a minha mulher que ia praticar a boa acção do dia. Vim cá fora e levei-os quase empurrados para junto dos nossos lugares ao balcão. Fiz sentar a senhora no meu lugar vago e a minha mulher,
Passado pouco tempo soube que tinha falecido. Recordo a sua figura simples, os modos delicados que revelavam discrição e afabilidade, a cabeça sempre um pouco inclinada com duas ou três repas de cabelo a disfarçar a calva, o sorriso de uma brandura amável e a postura educada e atenta de quem pedia desculpa por existir e não querer incomodar. E posso perfeitamente imaginar que, quando chegou lá acima, bateu ao portão com os nós dos dedos com tal ligeireza que ninguém o ouviu. Provavelmente a imensa legião de santas e santos, mais que fartos de carregar o aborrecimento sem fim da bem-aventurança eterna, estariam por lá entretidos a ver alguma telenovela que certamente seria brasileira porque no paraíso só se gasta do melhor que há. Mas a S. Pedro, com a sua experiência de dois mil anos como director da portaria celestial e é naturalmente poliglota, não lhe passou desapercebido que alguém batia levemente à porta. E veio abrir dizendo em português abrasileirado porque a clientela tropical é, na proporção demográfica, muito mais numerosa que a lusitana: - Vá entrando, seu Domingos, e tome assento. Faça cerimónia não. A casa é sua.
Miramar, Setembro de 2009
O Pensamento Político do Dr. Joaquim Pinto Coelho ** Por Francisco Azevedo Brandão*
Cremos ser a primeira vez que se fala sobre o pensamento político do Dr. Joaquim Pinto Coelho, médico e político radicado em Espinho, na viragem do século passado para o nosso, presidente da Câmara Municipal de Espinho, fundador e director do mais antigo jornal da cidade – a «Gazeta de Espinho». Mas antes de abordarmos as suas convicções políticas e ideológicas, vamos apresentar, como se impõe, o perfil humano daquele que é considerado a personalidade política mais importante de toda a história de Espinho. Nascido a 27 de Fevereiro de 1868, no lugar de Regadas, da freguesia de Mozelos do concelho da Feira, o Dr. Joaquim Pinto Coelho licenciou-se em medicina na escola Médico-Cirúrgica do Porto, em 26 de Julho de 1895, abrindo consultório, nesse mesmo ano, na sua terra natal, no lugar do Murado. Em 1889 transferiu-se para Espinho, onde fixou residência e exerceu o seu «munus» de médico e diversos cargos públicos como o de presidente da Câmara Municipal, actividades que
terminaria com a sua morte ocorrida em 24 de Fevereiro de 1917. Em 1901 fundara, com outros espinhenses o primeiro jornal local – a «Gazeta de Espinho» que, conforme o seu primeiro editorial, aparecia para «defender os interesses locais, advoga o progresso da terra e cuida escrupulosamente da manutenção e desenvolvimento deste florescente concelho». Com a sua adesão ao Partido Republicano Português em 1905 e a sua nomeação como director efectivo do jornal em Maio de 1907, leva a «Gazeta de Espinho» a transformar-se, a partir desta data, num órgão defensor dos ideais republicanos. Assim se manifesta o jornal, por exemplo no editorial de sua autoria, comemorativo do seu 8.º aniversário, com as seguintes palavras: «Passa o aniversário da fundação deste periódico: Coincide esta data com o início dum ano novo. Houve por isso, duplo motivo para nos congratularmos com todos aqueles que comungam no mesmo ideal de civilização e de progresso, para nos incitarmos com mais vivido alento nesta pugna árdua e difícil pela liberdade e pela pátria, pela república e pelas regalias populares – se não fosse crítico o momento, nebulosa a situação e o futuro adensado de preocupações e incertezas….». A «Gazeta» passava assim a bater-se por duas damas caras ao Dr. Joaquim Pinto Coelho: o progresso da pequena vila que sonha com largos voos de futura prosperidade e a causa republicana.
* Licenciado em História pela Universidade do Porto e Bacharel em Filologia Românica pela Universidade de Coimbra. Historiador local, é autor de Anais da História de Espinho, O Associativismo em Espinho, Joaquim Pinto Coelho, um Político de Espinho, O Campo de Aviação de Espinho, O Culto de Nª Sª da Ajuda em Espinho e Manuel Laranjeira, por ele mesmo.
**(1) – Comunicação apresentada ao II Encontro de História Local, organizado pela Câmara Municipal de Espinho em 2001
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Mas para traçarmos, com rigor, o perfil de retrato a corpo inteiro do Dr. Pinto Coelho, nada melhor do que auscultarmos os seus contemporâneos, amigos e correligionários que com ele de perto privaram. A «Gazeta de Espinho» de 7 de Março de 1911 é-lhe totalmente dedicada, como justa e sincera homenagem que os Espinhenses lhe quiseram prestar, na passagem do primeiro aniversário do seu julgamento na Vila da Feira, no qual teve de responder, como réu, acusado de abuso de liberdade de imprensa, numa série de artigos sobre os maus serviços prestados pelos C.T.T. de Espinho, artigos esses que saíram sob o título «Os Serviços telefónico-postais de Espinho
– Suas deficiências». Defendido pelo célebre advogado e grande tribuno, o Dr. Alexandre Braga, o director da «Gazeta» seria absolvido. Nessa edição do referido semanário, podemos, pois, ler nos depoimentos aí inseridos, o testemunho de admiração e de gratidão para com o Dr. Joaquim Pinto Coelho, apresentandolhe o seu retrato como homem e como político. Ouçamos alguns extractos, nos quais se define o homem: «Homem de bem, coração magnânimo, cidadão prestante, cujos dotes de inteligência e qualidade de admirar e invejar…» – disse o médico Dr. António Correia Marques. O seu amigo António da Gama escreveu: «é certo que o Dr. Joaquim Pinto Coelho reúne na sua personalidade todos os requisitos que formam um verdadeiro homem de bem. Caracteriza-o uma exagerada modéstia, predicado que sempre acompanha as almas bem formadas e os homens inteligentes; ao vê-lo passar na sua figura despretensiosa e inconfundível, com o seu eterno sorriso, ninguém que o não conheça adivinha o grande coração que ali está. Ele é o médico desinteressado de todos os pobres de Espinho, que têm por ele o afecto do coração verdadeiramente agradecido. Ele é o amigo leal que todos respeitam e estimam. Ele é o prestável cidadão a quem Espinho muito deve e de quem muito espera…». Artur Soares disse também dele: «Franco, sincero e bom, para ser o nosso João Semana falta-lhe somente andar de cavalo, de fato de linho e abrigado com o antigo e portuguesíssimo guarda-sol de doze varas…Conquista as vontades e simpatias pela honestidade do seu carácter e insinuação da sua bondade… Tendo aderido ao Partido Republicano Português em 1905, como dissemos, foi desde a primeira hora um dos mais activos impulsionadores, organizando e dirigindo o partido local, dando-lhe aquela força e aquele dinamismo próprios de um homem de acção e, sobretudo, de um homem convencido dos ideais políticos que o norteavam. Entre os seus correligionários pôde contar com cidadãos como o Dr. Manuel Laranjeira, Alberto Delgado, Francisco de Resende, Carlos Evaristo, Manuel Casal Ribeiro, Manuel Gomes Ferreirinha e muitos outros que o ajudaram na sua luta pela República. Assim, como político, também os depoimentos são esclarecedores. Alberto Delgado escreveu: «… como político tem nele a República um dos soldados mais fiéis e inteligentes. Disciplinador e prudente, conseguiu numa concordância
de ideias todo o partido republicano de Espinho. Quando da sua profissão de fé republicana, creio que em 1905, o pequeno sonho desse partido, que então aqui existia, encheuse de vida e caminhava serena e resolutamente para o fim almejado: republicanizar este povo que estava sendo o joguete inconsciente de um caciquismo nojento de vaidosos e inaptos…o Dr. Joaquim Pinto Coelho entrando para o Partido Republicano de Espinho, principiou por desarmar os monárquicos, obrigando-os a tornar-se mais moderados nos seus processos e mais humanos nas suas vinganças…Essa luta…sustentou-a sempre impávido e sereno o Dr. Pinto Coelho nas colunas da «Gazeta». A que ele se devotou entranhadamente» Artur Soares disse: «É extraordinariamente absurdo e um paradoxo que Pinto Coelho possa ter inimigos, mas a verdade é que os tem, o que muito o engrandece porque os criou pelo seu valor, pelo seu merecimento e qualidades. São inimigos por muito despeito, algum amor próprio e um poço de inveja… Dividida assim a sua actividade política entre a sede do partido e o jornal que dirigia, era nesta tribuna que o Dr. Pinto Coelho, através da sua pena atenta e acutilante, mais se empenha na crítica ao regime monárquico e na defesa e propaganda do ideal republicano. Colaborador desde a primeira hora, só viria a assumir a direcção efectiva da «Gazeta» em Maio de 1907. Até aí, era seu redactor político, pelo que todos os editoriais eram de sua autoria, uma vez que no cabeçalho do jornal apenas trazia o nome de editor. Seleccionamos e compilamos alguns editoriais publicados no período compreendido entre 1905 e 1911, isto é, no período mais crítico da situação política portuguesa, e o advento e consolidação do novo regime – a República. Não vamos aqui narrar a história deste período, nem esse é o objectivo desta comunicação. Qualquer manual de História Contemporânea o faz com mais ou menos pormenor e de fácil acesso ao leitor comum. Aqui, neste momento, apenas compete-nos apresentar o pensamento político de um homem que se devotou, de alma e coração, à causa da República, através dos seus textos que abarcam um período que foi caracterizado pela fraqueza visível dos partidos monárquicos – o reformador e o progressista – que, depois de uma ditadura improfícua e desastrosa, e de um rotativismo sem força nem imaginação, ajudaram à queda do regime monárquico.
Nestes textos que se referem aos casos que mais apaixonaram a opinião públicado país, como a questão dos tabacos, os adiantamentos à coroa real, o caso Hilton, as greves, as prisões e a censura prévia na ditadura franquista, o regicídio, o rotativismo, as eleições para a Câmara dos Deputados, o advento da República e as eleições para a Constituinte, Joaquim Pinto Coelho dá-nos toda a dimensão do seu pensamento político – pensamento que não se afasta dos modelos pregados pelo Partido Republicano Português a que pertence. Assim, prega a tolerância, a paz e a fraternidade entre todos os portugueses. No editorial «Revolução e Ditadura», de 19 de Janeiro de 1909 e «A Urna pelos Candidatos Republicanos», de 29 de Março do mesmo ano escreve: «…venha a complacência e o período luminoso da paz e da fraternidade – uma república para todos os portugueses. A República não é assassina e intolerante; a República respeita as tuas crenças, não é inimiga da tua fé, não briga com a tua religião…». Nos mesmos textos defende a democracia e o parlamentarismo escrevendo: «…«votar nos candidatos republicanos…é assegurar uma esperança, confiando que a pátria se levante e se regenere sob o impulso de um novo ideal de democracia e liberdade, de justiça e de unicidade. Em algum estado, onde a construção política dá as normas democráticas insofismadas do governo, tem o poder legislativo a supremacia efectiva sobre os outros poderes. Assim se definem as repúblicas parlamentares, onde os eleitores indigitam naturalmente os representantes do executivo…». E mais adiante escreve: «…A soberania do povo escolhe o chefe da nação, decide da sorte dos governos populares consubstanciada no Parlamento. É o eixo do complexo maquinismo sobre o qual giram os negócios da república administração». Sobre a instituição militar, Pinto Coelho é defensor da subordinação desta ao poder civil. Assim se expressa no editorial «Iniciativa Parlamentar», de 14 de Junho de 1908: «O exército tem uma missão a cumprir, razão necessária da sua existência. Foi-lhe confiada a defesa da pátria…simplesmente! Velar pelo bom nome da nacionalidade, pela integridade do território, pelo cumprimento da lei – é o seu dever…Tem de irmanar-se com o sentimento nacional, comungando nas suas aspirações legítimas, respeitando a liberdade e contribuindo para a felicidade de um país; o exército depende da supremacia
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do poder civil…». Relacionado com a integridade do território e referindose ao iberismo, apregoado e defendido por alguns corifeus da monarquia, Pinto Coelho não deixa de manifestar o seu patriotismo no editorial «Iberismo Malogrado – A Sessão Patriótica da Câmara dos Deputados», de 2 de Dezembro de 1906: «…a ideia da nacionalidade autónoma e independente é fundamental arreigado na alma portuguesa. É secular e indestrutível, já não precisa de consagração. Em Portugal, mesmo ninguém se incomoda a sério com o cântico romanesco da união ibérica, em que por ventura sonham os derrotados de Cuba e os heróis falidos das Filipinas. Toma-se o dito como pimponice espaventosa de arrogância dos nossos hermanos». Sobre o regime que já desponta na aurora dos desejos dos portugueses consubstanciada na revolução, o Dr. Pinto Coelho escreveu no seu editorial «Revolução e Ditadura», de 19 de Janeiro de 1908: «Ninguém contesta que, feita uma transição do regime político por obra de movimento revolucionário, háde forçosamente entrar-se no período transitório do governo ditatorial». Mas acrescenta o eminente político espinhense: «…que seja quanto possível pequeno o interregno, impõe-no a essência e a realização normal do novo estado de coisas. Todavia, circunstâncias há que podem protelar essa situação de anormalidade incidental». E mais adiante conclui «Fazer a revolução num país e deixá-lo entregue à mesma voragem corruptora seria anarquizá-lo» Debruçando-se sobre o poder local é contra o Partidarismo nos assuntos locais e defensor acérrimo dos municípios, como manifesta nos seus editoriais «Eleições Municipais» e «Partidarismo e Patriotismo», de 11 de e 18 de Outubro de 1908, respectivamente: «Não somos apologistas do estrito partidarismo nas questões locais. Deve procurar-se sempre um meio compensador no embate das paixões políticas, de modo a conservar, quanto possível, a administração regional alheia ao predomínio e às contingências de um satanismo que está – quantas vezes – em litígio aberto com os interesses respeitáveis dos munícipes que mais carecem de protecção. Deve incitar-se o regionalismo…É preciso advogar e insistir, numa pugna comum, pela autonomia dos municípios, de modo que as terras vivam dos seus recursos próprios, sem ónus vexatórios de impostos sem golilha infamante do poder central». Sob o ponto de vista religioso, Pinto Coelho, mais que anti-clerical, foi sobretudo anti-jesuíta, como todos os
republicanos do seu tempo. Acusa-os, muitas vezes, de retrógrados, reaccionários, ultramontanistas. Ouçamo-lo através dos seus editoriais «Fome, Peste e Guerra», de 24 de Setembro de 1909 e «Liberdade e Reacção», de 14 de Julho de 1910: «…O espírito liberal, esgotado na sua tolerância háde forçosamente actuar em sentido bem acentuado de repulsa contra os manejos solertes da seita negregada...». «Tendemos a definhar e a sucumbir sob o férreo influxo temporal da clericalha jesuítica, que procura, por todos os modos das sua astuciosa ingerência, subjugar os espíritos ao triunfo definitivo da sua seita». Proclamada a República a 5 de Outubro de 1910, Pinto Coelho, vê coroada a sua luta política através da sua pena acutilante nas páginas da «Gazeta de espinho». E, por isso, no seu editorial «A Proclamação da República – A Revolução Triunfante», de 9 de Outubro, exclama radiante: «Ruiu definitivamente o regime nefasto, devorista, imoralíssimo e devasso, que durante longos anos, por infelicidade nossa, dirigiu os destinos da pátria portuguesa. Acabou de vez
o indecente domínio das oligarquias, dos monopólios, do caciquismo e da corrupção, que infestava este pobre país. Está proclamada a República, a esperança segura da democracia Com a implantação do novo regime a que tão devotadamente se tinha dedicado, através da palavra e da acção, o Dr. Pinto Coelho nunca deixou, até ao dia da sua morte, ocorrida a 24 de Março de 1917, de expor abertamente as suas ideias e as suas preocupações nas páginas da sua «Gazeta». Assim, sobre a nova lei publicada em Março de 1911, Pinto Coelho que, desde Dezembro do ano anterior, já vinha falando da necessidade urgente de o Governo Provisório da República, se debruçar sobre a reforma eleitoral para acabar com a ditadura revolucionária e entrar-se na legalidade democrática, não se coibiu, com denodo e coragem, de apontar algumas lacunas e sugerir algumas alterações. Sobre esta matéria escreveu no seu editorial «Lei Eleitoral», de 21 de Março: «Saiu publicada a nova lei eleitoral. Não foi positivamente um sentimento de satisfação o que nos invadiu ao relancear a vista, em rápido exame, sobre o desejado diploma…Esperávamos obra mais perfeita: E porque temos a coerência de princípios e a isenção e coragem próprias para expor, com liberdade o que pensamos, senão a título de protesto, ao menos por desabafo de sentimento, cumprimos o árduo dever de exprimir sinceramente o nosso desagrado… Sejam de quem forem as responsabilidades, a reforma eleitoral surgiu defeituosa na sua compleição textual, incoerente com as doutrinas e proclamações liberais do Partido republicano» E mais adiante, Pinto Coelho enumera algumas rubricas que deviam ser emendadas e reformuladas: «As condições de elegibilidade e a capacidade de eleger não foram fundamentalmente modificadas em sentido racional, nem com bases de maior amplitude democrática; são inelegíveis quantos estavam incursos nas restrições da lei anterior e mais os padres, directa ou indirectamente subsidiados pelos cofres do Estado; o modo de confeccionar os recenseamentos não passa de uma revisão: a eleição é feita, segundo os mesmos moldes, tendo-se o cuidado de aproveitar «mutatis mutandis» as mesmas disposições de tão ignóbil lei antiga: quanto a penalidades, mantém-se a mesma doutrina e quase a mesma fórmula da legislação anterior…; relativamente a reclamações, apertou-se a hipótese e os prazos foram consideravelmente reduzidos». E a finalizar a sua crítica, escreve ainda: «Num instante sincero de abnegação e de patriotismo, procuremos ver se pode conseguir-se o miraculoso resultado de endireitar-se a
sombra de uma vara torta». Final premonitório deste político lúcido e sempre atento que, mesmo vivendo num recanto da província, fazia chegar a sua voz ao Terreiro do Paço. Na verdade, atendendo a esta e outras críticas que de todo o país chegaram ao Governo Provisório da República, este publicou no Diário do Governo, de 10 de Abril, algumas alterações preconizadas por Pinto Coelho e outros políticos, à lei eleitoral, satisfazendo assim a vontade da maioria do povo português. Quando foi promulgada a lei da «Separação do Estado das Igrejas», assinada pelo Dr. Afonso Costa, Pinto Coelho não deixou de tecer sobre ela algumas considerações pertinentes. Assim pode ler-se no seu editorial «A Consolidação da República», de 28 de Março de 1911: «A questão religiosa urgia uma solução. A oligarquia jesuítica, alimentandose na seiva de um estado apodrecido pela mais insensata devassidão, viçava arrogante, ensombrando o povo numa obscuridade temerosa. A causa social germinava adstrita ou se consubstanciava inteiro domínio nefasto que amolecia a consciência e moldava os caracteres à mais refinada hipocrisia. Foi o governo de encontro ao problema e a golpes fundos resolveu, desde as raízes, essa influência perniciosa, a frondagem infrutífera – defrontando, com denodada energia. A questão religiosa, proclamando o estado civil com todas as garantias de predomínio». No editorial de 23 de Maio do mesmo ano, aludindo ainda à Questão religiosa, e a que deu o título «Separação e Clericais», Pinto Coelho quis tornar mais transparente o seu pensamento político sobre a referida questão, escrevendo: «A questão religiosa não é, de modo nenhum, a questão clerical… a religião católica, como qualquer outra, não é atingida nem abalada na sua liberdade cultual pelas disposições do decreto que determina uma cisão entre os negócios do estado e as confissões religiosas. A lei estatui, de um modo equitativo, os limites razoáveis em que pode exercer-se a liberdade de cultos, sem molestar ou ofender os sentimentos de uns, com respeito pela crença de todos e em atenção à indiferença de muitos…É assim que se compreende a liberdade de consciência…». Para aquilatarmos da estatura de verdadeiro doutrinador político e social que foi o Dr. Joaquim Pinto Coelho, mais dois apontamentos nos cumpre aqui registar: o seu sentimento patriótico e o seu pensamento sobre os princípios da autonomia administrativa, ou seja, a chamada descentralização de que
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hoje tanto se fala. Sobre a primeira matéria, que servirá de lição para tantos dos nossos contemporâneos, distraídos com a euforia europeia do nosso destino, Pinto Coelho escreveu no seu editorial «A Pátria», de 4 de Julho de 1911, as seguintes palavras lapidares: «A ideia de pátria vem da defesa da raça, da inviolabilidade do domicílio, da mutualidade de interesses, princípios que, determinados povos, em organização primitiva da luta pela vida, julgaram prudente e de conveniência adoptar por garantia de imunidade próprias». E mais adiante acrescenta: «A ideia de pátria e de nacionalidade para os povos que têm história é bem um sentimento de indestrutível solidariedade. Justo é que assim seja. Os factos de ontem, de todos os dias, assaz demonstram uma dura verdade: aquelas nações que deixam perverter ou protair o amor pátrio, são como organismos apodrecidos ao serviço doutros que as dominam com indiferença adversa e às vezes com crueldade revoltante. Triste a sorte das nações mortas!». Referindo-se aos princípios da autonomia administrativa que a nova lei constitucional consignava, Pinto Coelho não deixou também de dar a sua opinião e regozijar-se com «esta verdadeira conquista no terreno das reivindicações populares», como escreveu no editorial a que intitulou precisamente de «Descentralização», palavras tão cara nos dias de hoje e que tem suscitado acesos debates entre as diversas sensibilidades políticas. Dizia ele: «…De facto, até aqui era o poder central quem condensava em suas mãos toda a iniciativa e a maior parte dos réditos das corporações administrativas. Então foram-se amoldando, pouco a pouco, à subserviência incondicional, de tal modo que o antigo Ministério do reino tornara-se a instância suprema, o árbitro e repartidor de benefícios. Para isso alargara-se, de forma muito elástica a acção fiscalizadora do poder executivo sobre as Câmaras Municipais, cercearase até quase a anular a faculdade deliberativa das Juntas de Paróquia e criara-se uma tutela de restrições e de energia frenadora, quase despótica…O município tornou-se numa dependência do terreiro do Paço…». E mais adiante escreve: «Agora será o município e mesmo a paróquia, uma organização consciente, ponderável e de autonomia funcional efectiva», finalizando desta maneira; «Fazemos votos – e é uma instante necessidade – para que cedo sejam promulgadas leis complementares de descentralização administrativa agora prescrito na lei fundamental da República». A súmula da ideologia política
de Pinto Coelho, ideologia, cujos princípios teve ocasião de aplicar na prática, nas quatro vezes que ocupou o cargo de presidente da Câmara Municipal de Espinho, antes e após a implantação da República. Embora todos os seus editoriais possam, só eles, falarem por si, haveremos de notar o tom crítico, cada vez mais audacioso, violento e contumaz, à medida que se aproxima o dia da revolução do 5 de Outubro, revolução que os mesmos textos, desde 1908, preconizam e prevêem. Os seus editoriais são uma surpresa e uma revelação a todos os níveis: pelo seu conteúdo, no qual podemos ver um homem lúcido, atento ao seu tempo, idealista e combativo que, através da sua pena corajosa, aponta, sem rodeios nem meias-palavras, o vírus que corroía a sociedade política do país e propagandeia um ideal que para ele era a cura de todos os males que enfermavam a nação portuguesa – o ideal republicano; pela forma, através de um estilo de fino recorte literário, caracterizado pelo arrojo das imagens e metáforas, impregnadas. A sua pena ágil e pressurosa, de linguagem simples e acessível às massas, discorre fluente, como o estilo do orador convicto da justeza da sua palavra e do seu ideal, quando prende o auditório e lhe dá um reflexo de esperança no futuro da vida. Admirado por muitos dos seus correligionários que pontificavam nas cadeiras do poder nacional, oferendo-lhe cargos políticos, como os de governador civil de Aveiro e de Angra do Heroísmo, de director da Penitenciária de Lisboa, cargos que sempre recusou, aceitando apenas o cargo de vogal do Conselho de Administração do Caminho de Ferro de Ambaca, lugar que o não obrigava a sair de Espinho. Foi assim o Dr. Joaquim Pinto Coelho. Como homem e como político foi uma e a mesma pessoa, consubstanciada na honestidade, no empenhamento desinteressado em prol da justiça e da verdade, na sinceridade e no amor a Espinho, à Pátria e à República.
Bibliografia Francisco Azevedo Brandão, Textos Políticos do Dr. Joaquim Pinto Coelho. Câmara Municipal de Espinho, 1989, Gazeta de Espinho, 1905 a 1917
O Tempo Passa, a Arte fica Maria do Carmo Vieira*
A arte é feita por se sentir e para se sentir, uma definição simples de Fernando Pessoa que privilegia a sensibilidade na criação artística, jogando perspicazmente com duas preposições − por e para − que determinam o diálogo silencioso que requer o contacto com a obra de arte, nomeadamente entre quem cria e quem comunga dessa dádiva. Na relação que se estabelece, tocamos quem nos quer dizer alguma coisa, num convite implícito a que decifremos a frase silenciosa que se esconde em toda a arte que não é a literatura e, no caso da literatura, a que nos embrenhemos nas diferentes viagens da palavra, sob a forma de um poema, de um drama ou de uma narrativa, expressões que interpretamos igualmente na pintura ou na música. Oiçamos, por exemplo, o pintor Paul Klee: Desenhar é levar uma linha a dar um passeio, ou o músico e compositor Bella Bartok: A música é um romance sem fim. No âmbito do que escrevemos anteriormente, torna-se impossível aceitar a tese relativa à «morte do autor», porque dele, e em sentido plural, recebemos um testemunho, eco de
inúmeras vozes, longínquas umas, próximas outras, que as palavras incisivas de Picasso desvendam: O que pensa que é um artista? Um idiota que só tem olhos quando pinta, só ouvidos quando músico, ou apenas uma lira para todos os estados de alma, quando poeta, ou só músculos quando lavrador? [...] Como seria possível não ter interesse pelos outros homens e afastar-se numa indiferença de marfim de uma vida que se nos apresenta tão rica? Retomando ainda as suas palavras, nem a pintura foi inventada para decorar casas, nem a música, nem a literatura podem ser usadas como meros ornamentos de discursos políticos, mediáticos ou publicitários. Pela Arte vamos, na verdade, ao encontro do mistério da Vida, no seu repositório de experiências humanas, fruindo da sua forma estética e partilhando vivências que propiciam uma reflexão sobre a nossa condição humana. Quando se teima também numa construção conflituosa entre «velho» e «novo», depreciando-se o que é considerado «velho», como algo que não responde aos interesses da «modernidade», expõe-se insensatamente uma profunda ignorância cultural que desconhece a actualidade como característica comum a toda a obra artística. Neste âmbito se compreende a subestimação da literatura e, sobretudo, dos autores clássicos, antigos e modernos, numa simultânea manifestação de desamor pela leitura e pela falta de treino reflexivo. Espaçados por séculos, e actuais nas suas palavras,
* Licenciada em Filologia Românica, mestre em Literatura de Viagens e Professora do Ensino Secundário.
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Santo Ambrósio.
Padre António Vieira.
ficam os testemunhos de Santo Ambrósio (339 - 397), autor de referência na obra do Padre António Vieira (1608-1697) que também seleccionámos, bem como Fernando Pessoa (1888 – 1935) que elevou o grande orador e missionário a imperador da língua portuguesa»:
possua o suficiente para atender às suas necessidades. Sois, na verdade, muito misericordiosos! [...] É homicídio negar a um homem o salário que lhe é necessário para viver. Santo Ambrósio, a propósito do Livro de Tobias, M.L. 14, 798.
Tais são, ó ricos, os vossos benefícios: dais pouco e exigis muito. Esta é a vossa humanidade: roubais até quando dizeis que socorreis. Para vós até o pobre é fecunda fonte de ganância. Submeteis o pobre à exploração e conseguis obrigá-lo a pagar-vos os juros, mesmo que nem sequer
Insurgindo-se, com a mesma coragem, mas neste caso contra a violência dos colonos do Maranhão em relação aos índios, numa referência alegórica aos peixes, escreve Vieira: Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal.
minúcia e sarcasmo, pondo a nu o retrato do homem sedento de futuro, logo, profundamente egoísta e insensível aos problemas do Outro: O patrão Vasques fez hoje um negócio em que arruinou um indivíduo doente e a família. Enquanto fez o negócio esqueceu por completo que esse indivíduo existia, excepto como parte contrária comercial. Feito o negócio veio-lhe a sensibilidade. Só depois, é claro, pois se viesse antes, o negócio nunca se faria. «Tenho pena do tipo» disse-me ele. «Vai ficar na miséria». Depois, acendendo o charuto, acrescentou: «Em todo o caso, se ele precisar qualquer coisa de mim» - entendendo-se qualquer esmola - «eu não esqueço que lhe devo um bom negócio e umas dezenas de contos». (...) Como o patrão Vasques são todos os homens de acção – chefes industriais e comerciais, políticos, homens de guerra, idealistas religiosos e sociais, grandes poetas e grandes artistas, mulheres formosas, crianças que fazem o que querem.1
Fernando Pessoa.
A exploração dos mais fracos contada de diferentes maneiras, consoante o estilo e a experiência do autor. Seja no século IV, no século XVII ou no século XX, impera a consciência, da qual partilhamos, de que manda quem não sente, leitura que remete para o jogo de proposições − por e para − que Fernando Pessoa tão esclarecidamente usou na sua definição de Arte.
Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. Convidando-os depois a olhar para o que se passa na cidade, continua veemente o missionário: A maldade é comerem-se os homens uns aos outros, e os que a cometem são os maiores, que comem os pequenos. [...] os que menos podem e os que menos avultam na república, estes são os comidos. E não só [...] os comem de qualquer modo, senão que os engolem e devoram [...]. Porque os grandes, que têm o mando das cidades e das províncias, não só se contenta a sua fome de comer os pequenos um por um, ou poucos a poucos, senão que devoram e engolem os povos inteiros. Sermão de Santo António [aos Peixes], Pregado em S. Luís do Maranhão, 1654 Finalmente, Fernando Pessoa, sob a máscara de Bernardo Soares − ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa − envolve-nos na situação que presenciou e que analisa com
Lisboa 19 de Janeiro de 2010
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Livro do Desassossego.
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Não tenhas nada nas mãos Nem uma memória na alma, Que quando te puserem Nas mãos o óbolo último, Ao abrirem-te as mãos Nada te cairá. Que trono te querem dar Que Átropos to não tire? Que louros que não fanem Nos arbítrios de Minos? Que horas que te não tornem Da estatura da sombra Que serás quando fores Na noite e ao fim da estrada. Colhe as flores mas larga-as, Das mãos mal as olhaste. Senta-te ao sol. Abdica E sê rei de ti próprio. Ricardo Reis.
António Botto, um caso “muito singular na literatura portuguesa” João Alves das Neves *
A classificação é de Cecília Meireles e foi publicada há mais de meio século, a propósito de António Botto, que nasceu há 100 anos em Portugal e morreu no Brasil em 1959. Um grande e estranho poeta, apesar de uma certa megalomania que o levou a uma série de conflitos, numerosos dos quais podem ser inequivocamente documentados – o que não invalida o altíssimo nível literário da obra do escritor português, ainda que pontuada de altos e baixos. Críticos portugueses, brasileiros e de outros países foram unânimes nos aplausos à poesia de António Botto. A releitura desapaixonada da literatura de António Tomaz Botto (nascido em l7 de Agosto de 1897 em Concavada – Abrantes e morto no Rio de Janeiro aos 16 de Março de 1959) destaca o poeta entre os mais expressivos, embora só com as Canções de 1920 desperte o interesse da crítica, após as experiências de Trovas (1917), Cantiga da Saudade (1918) e Cantares (1919). Fernando Pessoa descobre-o pela originalidade, publicando o artigo “António Botto e o ideal estético”, ao qual devem seguir-se, mais tarde, outros 5 artigos, alguns dos quais abririam os caminhos de outros
analistas literários, desde José Régio a João Gaspar Simões, que não tardaram a acolher o crítico e o criticando nas páginas vanguardistas da Presença, porta-voz hoje claro do 2º. Modernismo português. “António Botto é o único poeta português, dos que sabe-mos que existem, a quem a designação de esteta se pode aplicar distintamente, isto é, com definição bastante, sem acréscimo nem restrição” – escreveu Pessoa, antes de ponderar que “a obra de António Botto ajusta-se geometricamente a tudo quanto seria, por o que dissemos, de esperar da obra de um esteta. Canta a vida, mas nas mesmas palavras em que a canta, a renega; o que sente nela de belo é o que dela se perde. Canta, indiferentemente, o corpo feminino e masculino; se qualquer deles é belo, o que é que, para o esteta, os distingue?” Posteriormente, comentando os poemas de Ciúme (que figuram nas últimas edições de Canções), Fernando Pessoa definirá as “quatro ideias, ou estados mentais” da obra poética de António Botto – “a emoção sem paixão, a inteligência das superfícies, o sentimento contraditório, e a ironia emotiva”. Elogio, sim, mas não incondicional. Pelos temas inovadores e pelo informalismo que lhes deu, Botto só podia acender a curiosidade dos que procuravam novos caminhos nas Letras, como eram as apostas estéticas de João Gaspar Simões, José Régio e outros da vanguarda das décadas de 20 e 30: “O António Botto é uma consciência
* Escritor Português radicado no Brasil. Foi editorialista do jornal O Estado de S. Paulo, é professor-pesquisador da Faculdade Cásper Líbero e é presidente do Centro de Estudos Fernando Pessoa (São Paulo). Director da Revista Arganília.
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grega numa alma oriental – diz Gaspar Simões. – A sua inteligência é fria, e metódica. Daí a precisão formal dos seus versos e a permanente vigília da sua consciência crítica, do seu gosto seguro, firme e claro diante da inquietação ardente da sua alma.” Por seu turno, José Régio não se limitará ao espaço do artigo e publicará o livro António Botto e o Amor, em 1937, observando que “três coisas não muito comuns são necessárias a um verdadeiro grande poeta: Primeiro, - ser um homem diferenciado na sua maneira de ser; segundo, ser capaz de aprofundar e alargar o seu caso particular até ao universal e ao eterno humano; terceiro, dispor dons de expressão artística. Aos que reúnam esses três predicados notáveis, devemos, sim, o nosso interesse e a nossa admiração. Um estudo sobre a obra de António Botto não interessa senão porque ele os reúne. Pergunta: Há hoje muitos poetas que os reúnam?” Foi por essa trilha que andaram outros, nomeadamente a delicada mas firme analista Cecília Meireles que no prefácio de 1943 afirmou, referindo-se ao poeta tão fartamente elogiado dentro e fora de Portugal: “seu caso é muito singular nas Letras Portuguesas”. E dele apresentou, no seu histórico Poetas novos de Portugal, 10 poemas, através dos quais já se podia ter, no Brasil, uma perspectiva avançada da poesia portuguesa do tempo. E garantia que Botto embalava o leitor “com um encanto que nunca chega à transcendência”, malgrado se perder por vezes na “vulgaridade”, mesmo que durável – “de tão simples e tão natural.” O rol de louvações que recheiam as edições de António Botto é impressionante, pois engloba alguns dos mais famosos escritores deste século XX: Paul Valéry, Pirandello, Federico Garcia Lorca, Cabriela Mistral, António Machado, Unamuno, Virgínia Woolf e mais celebridades do mundo e de Portugal (de Guerra Junqueiro a Teixeira de Pascoais, passando pelo academicíssimo Júlio Dantas, a quem o modernista Almada – Negreiros consagrou um violento manifesto que permanece apontado contra os falsos académicos de ontem e de hoje). No Brasil, um dos mais entusiastas leitores do poeta português foi Carlos Drummond de Andrade, que em crónica no Correio da Manhã (Rio de Janeiro, 3/2/1956) o julgou “poeta ao mesmo tempo popular e requintado, sabe compor desses versos que depois correm de boca em boca, como se nascessem no ar, de tão ajustados ao sentimento geral”. Para Drummond, “António Botto é metade gente metade aparição, ou, melhor dito, imaginação.” Exagero do poeta para poeta?
Para o autor brasileiro – que numa das edições das Canções é glorificado como “o Poeta máximo da vastíssima América do Sul”, certamente pelo pena de Botto -, o Brasil devia ao autor de Fátima, Poema do Mundo (livro citado por Drummond na sua crónica no Correio da Manhã) “uma homenagem”. Os amores proibidos Na introdução ao livro Ainda não se escreveu (1959), António Botto admite que a sua obra havia sido “iniciada pelo entusiasmo do escândalo que ela, sem precaver, originou. Rebarbativa e casta na sua independência original, chegou a ser apreendida. E isso, afinal, fez com que o seu baptismo fosse mundialmente noticiado”. O autor nunca pecou pela modéstia, no que concerne principalmente à repercussão da sua poesia, mas, na realidade, mais que o seu valor intrínseco, foi a confissão aberta do homossexualismo que lhe abriu as portas dos simpatizantes e “compagnons de route”. Neste domínio dos amores então proibidos, o autor português beneficiou-se não só do moralismo hipócrita mas também daquela onda do militantismo que transforma alguns críticos literários em arautos da ideologia ou tendência que professam e que supõem agradar à maioria dos leitores. Foi o que aconteceu em tempos com Ezra Pound, exaltado pelo nazifascismo, muito mais por política do que pela carga poética da sua obra. E outro exemplo foi Jorge Amado, enquanto comunista, e é na actualidade o de José Saramago, para referir apenas dois escritores bem conhecidos, porque outros casos são geralmente conhecidos, lembrando-se Pablo Picasso que para alguns era importante por ser do PC francês, e não por sua obra de artista plástico, singular entre os maiores dos seus pares, no século XX. António Botto exagerava no autoelogio: nesse prefácio refere-se às Canções (1ª. edição de 1920 e a 2ª. de 1921) pretendendo que a sua poesia “era tamanha na singeleza, tão arrojada na sua confidência de novidade cristalina sem literatura e sem nada do que, anteriormente, se tinha escrito, através da sinceridade pura como flores que rebentam pelos caminhos ao abrir da madrugada” – ao mesmo tempo que se localizava acima de tudo e de todos, por haver realizado “essa profunda renascença da Poesia num lugar singularmente conquistado (…), revolucionando todo o ambiente nacional, entumescido pela versalhada caótica que aparecia, mensalmente, nas livrarias, espaçamos, ainda, cheirando a
endoenças e a trevas ridicularizadas nos romances de Eça de Queiroz e Abel Botelho (…) Espíritos mais serenos, de Fernando Pessoa a José Régio, jamais se autobiografaram assim, pois tinham o sentido da discrição, e não foram mitómanos. Mas o estendal de escritores que o terão elogiado está sempre presente nos textos de António Botto, expostos tão olimpicamente que, depois dele, mais ninguém… Com espanto ou ironia, Carlos Drummond de Andrade declara, no seu artigo de 3/2/1956: “o exemplar de Songs, na tradução de Fernando Pessoa, que o poeta amavelmente me ofereceu, tem o nº. 923.000”… Trata-se de um livro raríssimo, hoje disputado principalmente pelos “pessoanos”, que – parece – contou apenas uma edição em Portugal, ainda que em inglês. Discreto, Fernando Pessoa viu em António Botto “um esteta grego nascido num exílio longínquo”, acrescentando que “ao ideal moral poderíamos, até, chamar o ideal socrático em homenagem àquele grego sublime que com ele mais, e mais profundamente, se preocupou”. Por estas e outras e por ter defendido, criticamente, as Canções de Botto e Sodoma Divinizada (de Raul Leal) é que Pessoa fez publicar, através do heterónimo Álvaro de Campos, o Aviso por causa da Moral, que alguns consideram dúplice: por quê a defesa? Os detractores esquecem que Campos, provocador e futurista, subscreveu vários textos que o poeta da Mensagem refutou – o que só é aceitável por quem entra no jogo heteronímico. José Régio navegou nas mesmas águas quando sublinhou: “Parentes embora, o narcisismo estético-sexual e a homossexualidade não chegam a ser a mesma coisa: há de todas as atitudes amorosas na complexa atitude amorosa de António Botto. E não serei eu quem negue, ou esconda, o que António Botto não esconde nem nega na sua arte tão serenamente ousada. Todavia, deixa de ser certo que muitos dos seus mais belo poemas são de Narciso a Narciso.” Na verdade, o poeta não disfarça, não se esconde, é directo e claro, como neste breve poema lírico das Canções: “Quem é que abraça o meu corpo Na penumbra do meu leito? Quem é que beija o meu rosto, Quem é que morde o meu peito? Quem é que fala de morte Docemente ao meu ouvido? - És tu, senhor dos meus olhos, E sempre no meu sentido.”
Neste poema, ainda há uma relativa duplicidade, mas na maioria dos textos que acabaram sendo reunidos no volume Canções é por demais notória a homossexualidade confessa do autor. Nunca tivemos a oportunidade de ler os 3 primeiros livros de Botto (Trovas, Cantigas da Saudade e Cantares que não figuram, de resto, na lista da obra completa), mas na edição de 1956 das Canções há textos de obras (?) que também não conhecemos: Adolescente, Curiosidades Estéticas, Piquenas Esculturas, Olimpíadas, Dandismo, Ciúme, Baionetas da Morte, A Vida que te dei, Toda a vida e, em prosa, Cartas que me foram devolvidas. Canções viria a ser o volume mais representativo de António Botto e nela se encontram, de facto, poemas característicos que o autor resolveu conferir à sua obra. Numerosos dos textos não tem título e são identificados por números, conforme ilustra o 1º. de adolescente: Não. Beijemo-nos, apenas, Nesta agonia da tarde. Guarda – Para outro momento, Teu viril corpo trigueiro. O meu desejo não arde E a convivência contigo Modificou-me – sou outro… A névoa da noite cai. Já mal distingo a cor fulva Dos teus cabelos. – És lindo! A morte Devia ser Uma vaga fantasia! Dá-me o teu braço – não ponhas Esse desmaio na voz. Sim, beijemo-nos, apenas!, - Que mais precisamos nós?
O que abre com o verso “Quem é que abraça o meu corpo” tem o nº. 6, num total de 25. Curiosidades Estéticas tem 24 e Piquenas Esculturas 21 – e por aí fora. São 5 os de Olimpíadas (“O sinal dando início à Maratona/ É dado/ Pela voz d’oiro/ de Píndaro o imortal”) e um dos mais curiosos é sem dúvida o nº2, cujo tema é o futebol, a propósito de um jogo entre o popular “Benfica” e seu rival “Sporting”:
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“Ei-la!... Tu…, avança! – Lá vai ela! Corre!... - Atira-te com alma!... Defende-a… - vamos! – então ? E a bola, ao entrar nas redes, Suspendeu a alegria muscular E a juvenil vibração, Estoiram as aclamações; E a luz do sol enfraquece.
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Mas o jogo novamente principia: Os “vermelhos” Vão envolvendo os “leões”; E o ataque, Bem marcado, Vai revelando a vitória Que, - desenhada e conduzida Com rasgos da mais límpida nobreza Atinge o seu máximo valor: - A bola, rápida, cai, Passando Por entre os braços erguidos Do garboso jogador. Palmas, delírio, - grandeza! Alguém atira uma rosa Para os “onze vencedores” E ao longe o sol agoniza - Numa boémia de cores. Brasil, um poema inédito António Botto emigrou para o Brasil, tendo desembarcado no Rio de Janeiro em 11 de Agosto de 1947. E na mesma cidade veio a morrer em 16 de Março de 1959, vítima de atropelamento, dez dias antes. Se a vida não lhe correra fácil, em Portugal, apesar dos êxitos literários, as coisas não mudaram no Brasil, conforme se depreende das suas próprias confissões: “meteram-me numa cova rasa, e puseram este letreiro para quem passasse o olhasse: - morreu de vez. Porém, ressuscitei, não ao terceiro dia, como o Deus que nos faltava,
mas ao cabo de onze anos vividos nos deslumbramentos da comodidade e nos mais espantosos e trágicos episódios, trazidos pele maldade dos que acordaram para a vida, num pântano primitivo onde, apenas, o vento parava para dormir” – Lê-se no final do prefácio ao volume Ainda não se escreveu. Lamentar-se é uma constante em António Botto, quer na poesia, pois se queixa a cada passo de traições e carências de toda a ordem: “Joguei a vida, a liberdade, e venci: embora de vez em quando pretendam fazer-me descer do monumento” – escreveu Botto no Diário Carioca, de l4/4/1957. E adiantou: “Fiz o que sentia que devia fazer num meio conspurcado por tantos parasitas do espírito e da inteligência.” Logo a seguir, falava dos seus triunfos literários: “Se ao cabo de trinta e seis anos essas centenas de figuras mundiais – literariamente falando – se enganaram nas profecias e nos louvores demasiados a uma obra que não vale coisa alguma, deixemos que o tempo fale. O tempo sempre foi o meu juiz.” No artigo que dedicou a António Botto, após a morte do poeta, concluiu o escritor e jornalista português M. A. Barros Ferreira que acompanhou de perto a trajectória pessoal e literária do autor das Canções: “Doente, muito perturbado, ele refugiava-se no passado, vivia mais nele do que no presente. (…) E assim acabou na miséria e no sonho o poeta”…(in Gazeta, S.P., 20/6/1959. No seu artigo de 3/2/1956, afirmava Carlos Drummond de Andrade que em São Paulo “aconteceram coisas desagradáveis” (como no Rio de Janeiro, aliás), mas nem tudo foram espinhos: é o que prova o poema inédito, que ofereceu ao seu amigo Rocha Ferreira (“poeta de São Paulo”). Como viveu e por onde andou, não sabemos, mas nesta cidade também achou compreensão. Datado de Fevereiro de 1948, o poema revela o terrível estado de depressão do poeta. São escassas as referências de António Botto a sua esposa, a quem ele chamava carinhosamente “Carminha”. Outro drama na existência do poeta, inserido nos muitos dramas que ele terá vivido. Entre o livro Ódio e Amor (1947) e o primeiro volume Ainda não se escreveu (publicado em Lisboa no mês de Junho de 1959) não há mais a centelha brilhante das Canções, mas pessimismo, sobretudo nesse poema Brasil até agora inédito, que abre com o verso: “largo da Liberdade na Capital de São Paulo – uma digressão através da cidade, onde lhe “aconteceram as coisas desagradáveis”. Há sempre um dia após outro: “como ressurge a Fé, - Senhor! – cada vez mais!” – é o último verso do poema sobre São Paulo. Nove anos depois, António Botto morria no Rio de Janeiro.
OS ALUNOS DA NOITE Joaquim Máximo*
Dos cinquenta e sete anos que tive de vida profissional intensa e activa, os últimos quinze foram ocupados com o exercício da função de professor de Sistemas Digitais no Instituto Superior Politécnico Gaya. Aí leccionava duas turmas, uma diurna, a outra nocturna, esta com alunos muito mais disciplinados e aplicados. Ao lado do edifício deste estabelecimento de ensino, havia um café onde, nos intervalos entre aulas, conversava com os alunos. Aí, nomeadamente os alunos da noite, contavam-me muitas coisas das suas vidas. E foi a lembrança de algumas delas que me inspirou a escrever este texto. Entre essas darei especial relevo, pela originalidade que apresentam, às conversas que tive com o maometano Mohamadu (leia-se Mamadu) Saliu Bah, natural da Guiné, o que farei na parte final deste texto. Mas começarei, naturalmente, por relatar outras, ainda que muito mais sucintamente. Entre os alunos diurnos havia o Pétio, natural de Angola, que, sendo da alta sociedade de Luanda, conhecia o Presidente Eduardo das Santos. Havia a Wang Sue, natural da China. Quando lhe perguntei o que significava o nome Sue, disseme que era bem-estar. A partir daí, sempre que ela entrava
para a sala de aula, eu comentava, em voz alta, que íamos ter uma aula com bem-estar, o que gerava a boa disposição geral entre os alunos. Ensinou-me, a meu pedido, a escrever os caracteres chineses representativos das palavras cão e gato, tendo eu verificado que havia um conjunto de traços semelhante nos dois caracteres. Ao perguntar-lhe se cada um desses conjuntos não significaria animal doméstico, disse-me que não sabia. Havia, é claro muito mais alunos diurnos, mas fico-me por aqui, porque o espaço de que disponho é curto. Entre os alunos da noite, começo por lembrar a Elsa. O pai era proprietário duma pequena empresa metalúrgica que, por ser pequena, eu lhe dava às vezes, inadvertidamente, o nome de serralharia. Então quando a encontrava e lhe perguntava: – Então, ó Elsa, como vai isso lá pela tua serralharia? Respondia muito zangada: – Não é nada uma serralharia, Professor! É uma Metalúrgica! O Júlio também era aluno nocturno. Era funcionário dos Serviços de Transportes Colectivos do Porto e conduzia um autocarro que tinha o número 84. O número do autocarro que hoje o substitui anda pelos novecentos e tal e eu não percebo porque é que os números dos autocarros aumentam quando se vêm cada vez menos desde o aparecimento do Metro. Quando em serviço, o autocarro do Júlio tinha que fazer um ângulo recto para uma rua à sua esquerda e, na esquina do ângulo, estava, frequentemente e ilegalmente, estacionado
* Joaquim Máximo de Melo e Albuquerque de Moura Relvas, nasceu em Coimbra e reside em Vila Nova de Gaia. Tem o curso de Engenharia Electrónica da Universidade do Porto. Exerceu a actividade profissional na Administração Geral dos CTT e obteve a especialidade de Instalações Exteriores de Transmissão; União Eléctrica Portuguesa, integrada depois na EDP; Professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, como Professor Associado; Colégio de Gaia onde leccionou disciplinas relacionadas com a Electrónica Digital. Faz parte da Direcção da revista Politécnica. É membro da Ordem dos Engenheiros da “American Association for the Advancement of Science”, da “New Iork Academy of Sciences” e da “Planetary Society”.
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um automóvel que não deixava passar o autocarro. O Júlio então parava o autocarro e buzinava para ver se aparecia o condutor do automóvel. Mas, como é típico entre muitos dos seus congéneres portugueses, o condutor tardava em aparecer. E o Júlio, calmo como sempre, mantinha-se calado e limitava-se a buzinar de vez em quando. Mas, nestas coisas, há sempre um passageiro, que não tem a calma do Júlio, que me dizia que havia então sempre alguém que lhe berrava: – Oh “sôr” condutor! Arrume já uma porrada no carro desse filho da p… para ele aprender! Ele não pode fazer queixa de si, porque se o fizer tem que explicar que estava em transgressão! E, passado algum tempo, lá aparecia o infractor e o Júlio prosseguia então no seu caminho já com o horário todo atrasado. O Júlio comunicou o problema do ângulo aos seus superiores e, parece que como resultado disso, o trajecto foi ligeiramente modificado, mas, como é frequente entre nós quando se fazem mudanças, a solução adoptada fez com que, em vez de um ângulo recto, o percurso passasse a apresentar três ângulos rectos em ruas estreitas, o que se traduziu para o Júlio em três problemas em vez de um só. O Magalhães, que não tem nada a ver com o computador do Sócrates, também era aluno nocturno. Esse pertencia à Polícia Marítima, fazendo parte da tripulação de uma lancha armada, parece que como imediato mas não tenho a certeza disso. A função da lancha era fiscalizar uma apreciável extensão de costa marítima, intervindo se aparecia alguma embarcação suspeita de contrabando, nomeadamente de droga. O Magalhães queixava-se de que a tripulação não podia fazer um trabalho conveniente por ser demasiadamente extenso o comprimento da costa marítima que tinham de fiscalizar. Além disso a velocidade da lancha não era, na sua opinião, suficiente para perseguir as lanchas rapidíssimas utilizadas por alguns traficantes de droga. Quando me falou nisso lembrei-lhe que podiam então utilizar o pequeno canhão que, certamente, a lancha possuiria. Quase que não comentou a minha sugestão, mas eu fiquei com a ideia de que, ou não havia canhão nenhum, ou, se houvesse, ele ficaria, depois de disparar, com a extremidade do cano toda virada em gancho, para baixo, como a pilinha de um menino depois de fazer chichi. Está-nos a faltar o espaço e, por isso e para terminar, resta-nos falar do Mohamadou Saliu Bah, aluno nocturno a
quem tratávamos simplesmente por Mamadu e que trabalhava num laboratório duma empresa de tintas. O Mamadu era praticante muçulmano e seguia, à risca, as obrigações que tinha para com a sua religião: rezava cinco orações por dia, não ingeria bebidas alcoólicas, cumpria o jejum do Ramadão, etc. Só não tinha ainda feito a peregrinação a Meca, mas pensava fazê-la um dia. Quando um dia, após termos tomado o café depois do jantar, nos dirigíamos para a aula, perguntei-lhe: – Olha lá, Mamadu, já rezaste hoje a oração da noite? – ao que ele respondeu: – Não “Professô”, mas vou rezá-la logo depois da aula! – E então fiz-lhe nova pergunta: – Costumas rezar a oração, como deve ser, voltado para Meca? – Isso é que não, “Professô”, que eu não sei para que lado fica Meca…– E eu então perguntei-lhe novamente: – Vês ali o mar? – E apontei-lhe o mar que se via perfeitamente da rua onde se situava o Instituto. – Vejo perfeitamente “Professô”. – E eu achei por bem explicar-lhe como ficaria virado para Meca: – Então começas por virar o cu para o mar. Pões-te depois na posição que a tua religião preconiza para a oração (que eu considero perigosíssima). Faz então de conta que a tua cabeça está na direcção das 12 horas dum relógio de ponteiros. Se rodares depois o corpo de modo a que a tua cabeça fique na direcção da 1 hora do relógio, ficas virado para Meca. – Não tenho a certeza se ele percebeu a minha explicação, mas o certo é que comentou: – Muito obrigado “Professô”! Vou passar a fazer assim! O “Professô” afinal não sabe só de “computadô”. Sabe também de Geografia! O Mamadu passou no exame da disciplina que eu leccionava, com o que passei a vê-lo com muito menos frequência e só de longe. Até que um dia, depois do café da noite, me encontrei com ele. Mas encontrava-se, naquela ocasião muito triste, o que me levou a perguntar-lhe: – Oh Mamadu, pareces-me muito triste. Sucedeu-te alguma coisa má? – Sucedeu sim “Professô”. Quebrei o jejum do Ramadão! Suspeitei do que se tinha passado, com o que comentei: – Sabes, Mamadu, eu suspeito do que se passou. Foste aliciado para um jantar com os teus colegas, durante a época
do Ramadão. Aceitaste porque pensaste que podias pedir alguma comida simples de modo a não transgredir as leis do Corão. Quando, no restaurante, pediste essa comida, os teus colegas, quais demónios perigosíssimos para as almas, ouviram e começaram a fazer troça de ti, dizendo que não sabias aproveitar a vida, que uma vez não são vezes, etc. Caíste então na tentação e, se calhar, comeste feijão com tripas à moda do Porto e bebeste uma boa pinga que te pôs bem-disposto, mas tonto, visto não estares habituado porque a tua religião não consente que bebas. Quando caíste em ti lembraste-te que pecaste gravemente e que Alá estava muito zangado contigo. – Foi assim mesmo “Professô”! Como adivinhou? E agora o que vou fazer? – Adivinhei porque conheço muito bem os teus colegas. São, aos olhos de Alá, uns pecadores. E, antes de te dizer o que, na minha opinião, deves fazer, acho que devo perguntarte se tens um exemplar do Corão. – Infelizmente não tenho, mas gostava de ter um. – Olha lá, sabes francês? – Sei sim “Professô”. – Fiz-te esta pergunta porque tenho, em minha casa, um
exemplar do Corão, em francês, e não preciso dele. Então vou oferecer-to. Se leres todos os dias algumas porções dos versículos, estou convencido que Alá te perdoa. – Quando, no dia seguinte, lhe ofereci o exemplar, não cabia em si de contentamento: – Não sei como lhe agradecer “Professô”! Sinto-me muito feliz! Vou ler, todos os dias, uns pedaços dos versículos, como me aconselhou! – E, depois de dizer isto, desandou para as suas aulas. Passadas algumas semanas, o Mamadu apareceu-me com um pedido: – Ó “Professô”, queria seguir a sua religião porque o seu Deus deve ser muito bom. – Em face deste pedido entendi que devia dar-lhe o esclarecimento apropriado: – Sabes Mamadu, o Deus é o mesmo para todos, embora lhe chamem nomes diferentes (para os cristãos é a Santíssima Trindade, para os muçulmanos é Alá, para os judeus é Iavé, etc.) e embora o veneremos de maneira diferente. Deves portanto continuar a seguir a tua fé que é o que Alá quer de ti. E aqui termina o que queria dizer sobre os meus alunos da noite.
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A LUÍS DE CAMÕES H. Veiga de Macedo*
Sem pena ou ira o tempo desmantela As heróicas espadas. Pobre e triste À nostálgica Pátria tu volveste, Ó capitão, para morreres nela E com ela. No mágico deserto A flor de Portugal se havia ido, E o áspero espanhol, antes vencido, Ameaçava o seu costado aberto.
Tradução do soneto A Luis de Camoens, De Jorge Luís Borges - Obras Completas”
À memória de Jorge Luís Borges que, pouco antes da sua morte, aquando da visita a Portugal, se confessou orgulhoso de seus “ ...mayores” portugueses, los Borges, vaga gente que prosigue en mi carne, oscuramente, sus hábitos, rigores y timores. “ - Do soneto “Los Borges”, do livro “El Hacedor”, 1960 Buenos Aires
Quero saber se, aquém da ribeira Última, compreendeste humildemente Que todo o perdido, o Ocidente E o Oriente, o aço e a bandeira, Perduraria (alheio a toda a humana Mudança) em tua Eneida lusitana. Buenos Aires, 9 de Abril de 1983
* Poeta. Foi Ministro de Portugal. Faleceu em 25-01-2005
Postais do Concelho da Feira Ceomar Tranquilo* A – Postais Ilustrados
75 – Casa da Portella – Paços de Brandão Aspecto da sala de jantar *Caminheiro por feiras, lojas e mercados.
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75 – A – Reverso do mesmo postal. Bilhete-postal – Espaço reservado para a correspondência. Endereço. Com obliteração de Espinho, sobre selo de 10 c., carmim, da Série Emissão de Londres, dirigido para o Bombarral. “Não te tenho escrito porque tem estado tanto calor que tenho imensa preguiça de me mecher seja para o que fôr.”
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76 – Casa da Portella – Paços de Brandão Fachada interior.
76 – A – Reverso do mesmo postal. idem Circulado de Paços de Brandão, datado e obliterado em 19 de Agosto de 1926, para o Bombarral, com selo de 40 c., castanho, da Série Ceres. “Recebeu as músicas? Assim que tiver a factura faça favor de ma mandar.”
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77 – Casa da Portela – Paços de Brandão. Fachada principal exterior.
77 – A – Reverso do mesmo postal. Bilhete Postal – Portugal. Endereço. Impresso nas Of. de “O Comércio do Porto”. Datado de 10 de Setembro de 193l, circulado para Lisboa, com selo de 25 c., verde, da Série Lusíadas. “Abrace por mim a sua mãe e dê-lhe os nossos parabéns pelas suas melhoras.”
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78 – M. Verissimo’s Vivenda. Paços de Brandão. Portugal
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78 – A - Reverso do mesmo postal. Port Card. To be used for Written or printed matter. Only the adress to be written here. Datado de 29 October 1932, circulado para Barcelona – España, com selo de 25 c., verde, da Série Lusíadas, a solicitar a reserva de um quarto (interior), no Hotel Falcon Rambla. Obliteração dos correios de Estarreja, em 31 de Outubro de l932.
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AS CRÓNICAS FUTURAS António Rebordão Navarro*
As crónicas futuras falarão dos teus olhos, do breve desenho do teu queixo, de uma sobrancelha iniciando voo; de alguma dor e também da alegria, das metamorfoses do sorriso, do percurso das lágrimas, dos antigos bosques devorados pelo cimento e as nuvens, dos areais com sombras de asas, dessas ondas de espessa espuma amaçando o verão. És como um livro ou como a água.
*Escritor. Poeta.
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Fundação Comendador Joaquim de Sá Couto
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Clube Feirense Associação Cultural
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LAF - Liga dos Amigos da Feira
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