Ocupação Carlos Marighella: busca pela produção habitacional com assessoria técnica e autogestão

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MarighellaOcupaçãoCarlos com assessoria técnica e autogestão vinicius saraiva barretto busca localhabitacionalproduçãopela

Orientador: Prof. Renato Pequeno FORTALEZA, CEARÁ

2022 UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA, URBANISMO E DESIGN CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO VINICIUS SARAIVA BARRETTO

VINICIUS SARAIVA BARRETO

Ocupação Carlos Marighella: busca pela produção habitacional local com assessoria técnica e autogestão Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Arqui tetura e Urbanismo.

Ocupação Carlos Marighella: busca pela produção habitacional local com assessoria técnica e autogestão FORTALEZA, CEARÁ 2022

Orientador: Prof. Dr. Renato Pequeno Aprovado em 16 de fevereiro de 2022.

BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Luis Renato Bezerra Pequeno - Orientador UFC - Universidade Federal do Ceará Prof. Bruno Melo Braga - Convidado UFC - Universidade Federal do Ceará Prof. Dr. Caio Santo Amore - Convidado USP - Universidade de São Paulo FORTALEZA, CEARÁ 2022

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca Universitária Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a) B268o Barretto, Vinícius Saraiva. Ocupação Carlos Marighella : busca pela produção habitacional local com assessoria técnica e autogestão / Vinícius Saraiva Barretto. – 2022. 256 f. : il. color. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Tecnologia, Curso de Arquitetura e Urbanismo, Fortaleza, 2022. Orientação: Prof. Dr. Luis Renato Bezerra Pequeno. 1. Ocupação Carlos Marighella. 2. Autogestão. 3. Assessoria Técnica. 4. Mutirão. 5. Habitação de Interesse Social . I. Título. CDD 720

VINICIUS SARAIVA BARRETO Ocupação Carlos Marighella: busca pela produção habitacional local com assessoria técnica e autogestão Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Arqui tetura e Urbanismo.

com todo o amor não expresso que perdura. para Ivone e João, sempre começos de mim, em qualquer círculo,

Agradeço muito à Amanda, Luísa, Gabriel, Anderson e Rívia, pela amizade

Agradeço aos integrantes do Coletivo Quintau, pela amizade inesperada criada e por embarcarmos juntos nessa aventura, e da Taramela, por me permi tirem fazer parte de um grupo de profissionais incríveis que sempre admirei, que tenho carinho, e por serem o marco que são para Fortaleza. Agradeço especial mente ao Lessa e à Marcela, que atuaram mais próximos a mim, a quem admiro, sou fã e com quem aprendo sempre. Também agradeço à equipe de assessores que trabalham no apoio à Ocupação Carlos Marighella, Janaina, Mariana e Pedro, que são maravilhosos.Agradeçoaomeu orientador Renato Pequeno, que tem sido um profes sor, coordenador e orientador incrível em todos os âmbitos desde o começo do meu processo de formação, em minha graduação, e que foi fundamental para a elaboração deste trabalho, para muito além dos motivos óbvios.

Agradeço tanto a amizade de meus amigos Gabriel, Anderson, Thalia, Vi toria, Conrado, Débora (também pelo trabalho artístico incrível de diagramação e construção deste caderno), Hannah, Zé Caio, Marcela, Sara, Larissa e Letícia que me acompanham desde a adolescência e, curiosamente, de quem eu me aproxi mei cada vez mais durante o caos pandêmico e brasileiro, e que são uma parte muito importante de minha vida.

e pelos momentos que compartilhamos nesse período, e a todos que fizeram par te da minha turma e da minha trajetória no DAUD.

Por fim agradeço à universidade pública que me ensinou muito nas salas de aula, mas muito mais além delas, me dando oportunidade de passar por grupos e projetos de extensão e pesquisa que fizeram parte importante da minha forma ção como profissional e como cidadão. muito obrigado! Antes de qualquer linha a ser escrita, agradeço a meus avós Maria Ivone e João Saraiva, minha origem que nunca deixarão de ser, que despretensiosamente fizeram muito, criaram muitos, e são a quem devo mui to e dedico este trabalho, desejando com todo meu coração que pudessem vê-lo e me ver formado. Agradeço pelos domingos na Barra, pelos almoços, carioquinhas e relógios, e pela minha infância. Agradeço também enormemente a minha avó Leda, também minha origem, que sozinha e com seu coração enorme criou muitos mais, a quem devo muito e a quem posso ainda expressar todo meu amor e ofe recer minhaAgradeçocompanhia.principalmente aos meus pais Maira e Américo e à minha irmã Bia por tudo em toda sua completude, mas essencialmente pelas suas existências, que com elas naturalmente vêm apoio e encorajamento na minha educação e em minha vida.Àtodas as famílias que compõem a Ocupação Carlos Marighella, mas também à OPA, à Unidade Classista e ao Coletivo Feminista Classista Ana Monte negro que fazem parte desta luta e de muitas outras.

Agradeço à Carol por todo o companheirismo, apoio, reflexões, puxões de orelha e descontrações fundamentais para mim durante o processo deste traba lho.

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sumário INTRODUÇÃO 14 01parte 01 | a questão da produção habitacional atual e a ocupaçãomarighellacarlos a produção habitacional institucionalizada a Ocupação Carlos Marighella um breve histórico prelúdio da autogestão e a produção de moradia 54444423 03parte 03 | a produção de moradia por autogestão possível em fortaleza e o caso da ocupação carlos marighella o caso dos vazios urbanos em fortaleza potencial dos vazios urbanos o vazio urbano da Ocupação Carlos Marighella assessoria técnica à Ocupação Carlos Marighella e desenvolvimento de tipologias habitacionais processos recentes da assessoria oficinas: elaboração e discussão do projeto custos das tipologias diretrizes para práticas futuras de assessoria téc nica à ocupações urbanas para produção de moradia em Fortaleza identificação de vazios urbanos para habitação implantação e tipologias habitacionais custos e recursos arranjo institucional 243235230224223219193190190187179176

CONCLUSÃO bibliografia 247 251 02 parte 02 | a autogestão na produção de moradia Ley de Viviendas e FUCVAM no Uruguai (1968 - ) São Paulo - FUNAPS Comunitário e práticas de assessoria da Usina CTAH e Peabiru TCA (19891995 e 1990 - 2004) FUNAPS Comunitário (1989 - 1995) Usina CTAH, Peabiru TCA e a produção por autogestão nos anos 90 e 2000 (1990 - 2004) Minas Gerais - autogestão em Ipatinga e Belo Ho rizonte (1989 - 1998 e 1994 - 2004 ) autogestão em Ipatinga (1989 - 1998) autogestão em Belo Horizonte (1994 - 2004) Ley 341 e o Programa de Autogestión para la Vivienda (2000 - ) Urbanizador Social em Porto Alegre (2003 - ) Crédito Solidário e Minha Casa Minha Vida Entidades (2004 - e 2009 - 2020) reflexões para o início de uma proposição: as experiências de produção de moradia por autogestão e a realidade de Fortaleza

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Este trabalho surge em meio à pandemia do COVID-19. Surge também como resultado de um percurso formativo dentro da uni versidade, baseado em atividades de extensão e pesquisa voltadas para assessoria técnica e planejamento urbano, e em meio a prática de assessoria técnica de um estudante de arquitetura e urbanismo como estagiário e colaborador da OSC Taramela Assessoria Técnica em Arquitetura e Cidade, iniciada em agosto de 2020, no acompa nhamento de uma ocupação urbana realizada por famílias que não conseguiam mais pagar seus aluguéis em meio a crise pandêmica. A Ocupação Carlos Marighella surge nesse contexto no bairro do Mon dubim em Fortaleza. Assim, esse trabalho é um desdobramento em moldes academicistas desta prática, mas que também busca contri buir dentro do possível na luta dessas famílias e em outras lutas que estão em trânsito ou hão de ocorrer em prol da provisão de moradia digna. Como objetivo geral pretende-se estudar e compreender ex periências e programas de produção de moradia visando contribuir com a discussão e construção de ações de produção habitacional local com assessoria técnica e autogestão em Fortaleza através da utilização dos vazios urbanos dotados de infraestruturas e destinados a Habitação de Interesse Social (HIS) a partir da Ocupação Carlos Marighella e das questões que a envolvem. Dentre seus objetivos específicos, o trabalho procura: averiguar as principais experiências de políticas habitacionais por auto gestão na América Latina e identificar as lacunas e dificuldades que elas apresentaram; refletir sobre as questões e impasses envolvidos na autogestão de movimentos sociais na produção de moradias, as sim como sobre o papel da assessoria técnica na produção de mo radias por autogestão; estudar e compreender a realidade de seus arranjos institucionais diante do atual predomínio neoliberal no Bra sil e em Fortaleza; e, realizar estudos tipológicos habitacionais gera dos pelas experiências autogestionárias e os sistemas de produção utilizados. Diante disso, busca-se apresentar como resultados: os introdução

Por meio da apropriação da realidade da cidade, das suas demandas e estruturas institucionais, há a proposição de produtos que contribuam com o fortalecimento de assessorias, movimentos sociais e de outros grupos organizados na luta pelo direito à cidade e à moradia digna, por meio da autogestão do sistema de produção destas. processos de assessoria técnica e estudos projetuais para as habi tações da Ocupação Carlos Marighella como resultado de um acom panhamento técnico, político, formativo e participativo. Além disso, procura-se elaborar a tipificação dos vazios urbanos atualizados de recortes da cidade destinados a HIS com vistas ao uso habitacio nal. Por fim, elabora-se algumas diretrizes preliminares que buscam contribuir de alguma forma para práticas futuras de assessoria téc nica à ocupações urbanas na luta por moradia com base nos estudos realizados e na experiência de assessoria relatada. Assim, busca-se abordar o processo de identificação de vazios urbanos, estudos de tipologia habitacional e condições de implantação, aspectos finan ceiros, incluindo uma alternativa de apropriação de fundos públicos e o esboço de arranjo institucional. Reconhece-se aqui o caráter diverso e multidisciplinar do tema enfrentado neste trabalho de conclusão do curso. A produção de moradias resultado de parcerias entre movimentos sociais, as sessorias e prefeituras apresenta muitas e complexas questões, e seria extraordinariamente pretensioso assumir a responsabilidade de resolvê-las em um trabalho de conclusão de curso realizado por apenas um estudante de arquitetura e urbanismo. Todavia, decide-se abordar, estudar e propor em cima deste assunto neste trabalho, deixando claro que este terá uma visão a partir do campo da arqui tetura e do urbanismo. Ademais, diante do atual cenário de Fortaleza como uma cidade financeirizada, alvo de muitos outros investi mentos público-privados, reconhece-se desde já as dificuldades de enfrentar as questões inerentes a esse modo de produção habita cional, assim como às questões complementares que podem surgir após sua realização.

trabalhos de campo, os mesmos vêm ocorrendo desde o segundo semestre de 2020, entretanto, com períodos de maior intensidade e outros de completa ausência de visitas e atividades presenciais devido às ondas da doença na cidade, o que tem sido um desafio. Quanto à prática de assessoria como um todo, sabe-se que o acom panhamento deveria ser constante; entretanto, ao longo do ano de 2021 foi possível a crescente presença e desenvolvimento de ativi dades junto das famílias da Ocupação Carlos Marighella.

O processo de elaboração do trabalho tem enfrentado algu mas limitações devido aos riscos de exposição ao coronavírus. Muito da metodologia utilizada consistiu em pesquisas e leituras de fon tes secundárias e algumas primárias, assim como realização de en trevistas online para o desenvolvimento dos estudos. Quanto aos

Dessa forma, o trabalho se estrutura em três partes. A pri meira consiste na explanação da questão e da demanda habitacional abordada, e na contextualização do problema por meio da apresen tação, de forma sintética, da produção habitacional instituciona lizada e de suas problemáticas no país e na cidade de Fortaleza, convergindo para a apresentação da realidade da Ocupação Carlos Marighella. A segunda foca na prática da autogestão e nos estudos de algumas experiências da produção de moradia por autogestão, selecionados por sua representatividade arquitetônica e urbanística e por seu alcance político-institucional, culminando com algumas reflexões a serem posteriormente transpostas para a realidade de Fortaleza. A terceira e última parte consiste no relato do processo de assessoria técnica e desenvolvimentos de produtos a partir dele.

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01 A questão da produção habitacional atual e a Ocupação Carlos Marighella. a produção habitacional institucionalizada a ocupação carlos marighella um breve histórico prelúdio da autogestão e a produção de moradia 54444423

A negligência histórica do Estado para com as classes pobres, juntamente às insuficientes políticas habitacionais até aqui realiza das, associada à realidade capitalista dependente e de desenvolvi mento desigual que o Brasil se encontra, são fatores que impõem outro tipo de produção de moradias, entretanto não institucional, a autoconstrução. Assim, uma vez inseridas na lógica de produção ca pitalista, as famílias brasileiras se direcionaram para setores onde houve oportunidade de trabalho e renda, dessa forma gerando lucro e constituindo a dinâmica das cidades brasileiras. Intensificando-se principalmente desde os anos 1940 aos anos 1980, a industrializa ção e a urbanização do Brasil ocorrem de forma muito rápida, ace lerando processos e queimando etapas com relação a como esses fenômenos ocorreram nos países de primeiro mundo, assim cons tituindo cidades rapidamente infladas e extremamente desiguais (SANTOS, 1993, 2004). Entretanto, essa parcela populacional não tem recebido apoio do Estado nem tem condições para se inserir no mercado formal de moradia. Resta assim a prática de ocupações ur banas e da autoconstrução para que seja possível a sobrevivência e permanência dessas famílias. Isso acontece em áreas nas quais o mercado privado não tem interesse e onde o Estado se mostra au sente, ou seja, em áreas distantes dos centros de serviços e/ou em áreas de risco ambiental (PEQUENO & FREITAS, 2015).

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Nos últimos cem anos a produção habitacional brasilei ra institucionalizada foi responsável por atender à demanda por moradia das classes baixas e médias; deste contingente, des taque para o atendimento às famílias que o próprio Estado ha via desabrigado ou removido de áreas centrais das cidades. Como exemplo, tem-se os primeiros casos de provisão de moradia pelo poder público no início no século XX, quando famílias eram re movidas em massa, através de uma política higienista, para a instalação de grandes avenidas similar aos boulevares hauss manianos de Paris (VALLADARES, 2005; NOBRE; 2019, p.64).

A prática da construção de grandes conjuntos habitacionais custeados pelo poder público ou por meio de parcerias com agen tes privados, historicamente aloca a população alvo destas políticas habitacionais nas periferias das cidades, onde não há cidade de fato (MÁXIMO, 2012). Dessa forma, essa prática nega o direito à cidade e o à moradia digna, além de reforçar a marginalização tanto social como espacial das famílias que já se encontram em uma posição de vulnerabilidade na sociedade brasileira desde sua colonização.

Dessa forma, a ocupação e a autoconstrução fazem parte de um processo histórico de constituição das cidades brasileiras, que Francisco de Oliveira (2005) critica com veemência e Sérgio Ferro (2006) desenvolve para o pensamento de que a autoconstrução é praticamente obrigatória no Brasil diante do contexto de um “exérci No último século, a produção habitacional institucio nalizada assumiu diversas formas, por meio de diferentes ar ranjos institucionais e teve muitos focos diferentes. Entre tanto, constata-se que em todas as gerações da produção habitacional brasileira a necessidade de incidir no déficit habita cional existente onde, de forma paradoxal, observa-se a represen tatividade do déficit gerado pelo próprio Estado por meio de obras de higienização e embelezamento nos centros urbanos, assim como pela implementação de obras viárias e de urbanização.

Dito isso, o teor deste capítulo não é se ater aos detalhes e às descrições de todo o histórico de produção de moradia pelo Estado como vários trabalhos já bem o fizeram1. O objetivo é simplesmente didático e de contextualização do problema enfrentado por meio do resgate das principais questões que envolvem a produção habitacio nal institucionalizada no país, com o foco na cidade de Fortaleza.

Este cenário que perdura até o presente momento é uma das causas da crise habitacional que se vive no Brasil, por isso, constituindo-se no principal foco de crítica deste traba lho. Nele busca-se uma tentativa de disrupção com essa prá tica histórica de produção habitacional institucionalizada que apenas reforça as desigualdades do país. Busca-se contestar a ló gica de produção capitalista financeirizada da moradia e do espa ço, a fim de tentar idealizar alternativas possíveis de outro modo de produção de moradia. Tentar idealizar um “sonho possível”.

A habitação popular esteve presente nas políticas públicas e discussões desde o início do século XX. Entretanto, a sua produção só veio a surgir oficialmente, e de forma introdutória, em discursos oficiais na década de 1920. Este é o caso do médico-higienista2 Mat tos Pimenta que durante as políticas de erradicação e combate às favelas no início do século no Rio de Janeiro empreendeu a primeira grande campanha contra a favela visando a modernização e embelezamento da cidade, famosos termos que perduram até hoje, cem anos depois. Nessa campanha, em 1926, Pimenta fez um discurso marcante no qual propôs a construção de casas populares em par ceria com construtoras para as famílias removidas de favelas por meio do Programa de Casas Populares. Entretanto o programa não foi executado (VALLADARES, 2005).

1 Ver dissertação “MORADIA, ARQUITETURA E CIDADE: Mudanças e permanên cias na produção da habitação social no espaço urbano metropolitano de Forta leza” de Rérisson Máximo (2012). E “As Origens da Habitação Social no Brasil” de Bonduki (2004).

2322 to de reserva de força de trabalho abundante e sempre alimentado” que ocasiona em uma baixa substancial dos salários. Assim, dentre as necessidades humanas básicas, como a alimentação, o valor que sobra para investimento na moradia sofre uma baixa ainda maior, dessa forma, privando completamente do mercado formal de mo radia o contingente populacional de baixa renda e impondo a ocupa ção urbana e a autoconstrução gradual como único meio de acesso à moradia, mesmo que seja em condições precárias (FERRO, 2006).

Já na década de 1930, ainda em um cenário que o principal 2 Lícia do Prado Valladares (2005) o aponta como médico, engenheiro e principalmente como corretor / incorporador.

a produçãoinstitucionalizadahabitacionalemfortaleza

“Ainda que esta intervenção estatal se caracterize muito mais pela retórica do que pela adoção de soluções efetivas para resolver o problema da carência habitacional, ela exerceu significativo papel na configuração do território das cidades, promovendo, regulando, ordenando ou financiando o desenvolvimento urbano através da habitação”. (MÁXIMO, 2012).

Em 1946 há a criação da Fundação da Casa Popular (FCP), o primeiro órgão federal com atribuição exclusiva de solucionar o pro blema habitacional, que perdura até o ano de 1964. Este órgão foi criado objetivamente com foco na provisão de moradia para a popu lação de baixa renda, assim tendo uma abordagem mais universali zante segundo Máximo (2012). A Fundação tinha como objetivo atu ar na produção de milhares de moradia em todo território nacional, incluindo moradias rurais, e isso fez com que a FCP fosse o precursor de programas habitacionais de produção em massa de unidades por meio de financiamento a longo prazo, buscando inclusive alternati vas de barateamento das construções. Para além do intuito de solu cionar o problema habitacional do país, as iniciativas da FCP também estavam ligadas à estratégia de fortalecer o mercado da construção civil (ANDRADE & AZEVEDO,1982).

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Após essas primeiras décadas de tentativa de atuação esta tal no déficit habitacional do Brasil, há a criação em 1964 do Siste ma Financeiro de Habitação (SFH) e do Banco Nacional de Habitação (BNH), que funciona até 1986, e chega-se a política habitacional que visava uma produção de moradia ainda maior e com mais capilari dade nas cidades brasileiras. Foi durante a política do BNH que se instaurou na sociedade de forma intensa a ideologia da casa própria e foi nessa época que se constituiu o molde das políticas habitacio nais nacionais (ANDRADE & AZEVEDO,1982), que pode ser perce bido até na constituição e nas dinâmicas do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) de 2009 a 20213. Este molde consiste na ideia de produção habitacional em grande escala, por meio da construção de grandes conjuntos habi tacionais em parceria com construtoras e empresas privadas, com objetivo de prover moradia para classes baixa e média, mas também dinamizar e alimentar a economia nacional por meio da construção civil. Isto ocasiona no conhecido fenômeno de periferização destes conjuntos habitacionais e consequentemente das famílias que aten dem, devido ao menor custo do terreno em áreas distantes dos cen tros econômicos e de infraestruturas urbanas.

agente de produção de moradia era a ação da iniciativa privada devi do à construção de vilas operárias, setores da elite do país reconhe ceram a necessidade da intervenção mais ampla do Estado neste setor (MÁXIMO, 2012). É nesse contexto que surgem os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) em 1933 que inicialmente tinham como foco propiciar benefícios da seguridade social a seus associa dos. Somente a partir de 1937, os IAPs começaram a realizar maio res investimentos e atividades voltadas para a provisão de moradia para os seus beneficiários. O início da atuação do Estado na produ ção de conjuntos habitacionais, muitos formados por edifícios de apartamento, que era um novo padrão na época, e no financiamento em maiores escalas de moradias para os trabalhadores se dá a partir da atuação dos IAPs. Entretanto, apesar de ter um discurso volta do para produção de moradias populares, os IAPs atendiam muitas vezes mais famílias de classes média e alta, chegando a superar os financiamentos sociais, destinados a classes mais baixas (BONDUKI, 2004 apud MÁXIMO, 2012).

3 Ver livro “Minha Casa … e a cidade?: avaliação do programa Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros” de Amore, Shimbu e Rufino (2015).

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Além disso, os conjuntos do BNH, também em semelhança com os do MCMV, são conjuntos produzidos em um tempo curto, com unidades pequenas, tendo alguns de seus prédios condições ar quitetônicas e estruturais muito ruins. Também eram conjuntos des tinados a financiamento a longo prazo para famílias de baixa renda, mas ao longo dos anos as atividades do BNH findaram por produzir mais conjuntos e unidades voltados para classe média e não para as classes de rendas mais baixas, cujos financiamento deveriam ter subsídios maiores e gerariam menos lucro ao agente privado. Se gundo Mautner (1999), de acordo com os dados dos financiamentos para habitação pelo SFH, 65% das famílias que tiveram financiamen to recebiam menos de 5 salários-mínimos, entretanto as famílias com mais de 5 salários-mínimos beneficiaram-se de mais de 80% do volume total do financiamento, ou seja, a grande maioria da classe trabalhadora não teve condições de se beneficiar do financiamento do Estado para habitação. Assim como ocorreu na produção habi tacional do MCMV (AMORE, SHIMBO & RUFINO, 2015), na qual os empreendimentos destinados a Faixa 1 (de 0 a 3 salários-mínimos) foram bem menos frequentes e, quando executados, bem mais dis tantes dos centros urbanos do que os destinados a Faixa 2 e 3 (de 3 a 6 salários-mínimos e de 6 a 9 salários mínimos respectivamente).

Diante disso, voltando-se para a realidade histórica de For taleza, a produção institucionalizada de moradia não teve tantos exemplos na cidade, apenas se intensificando a partir do período do BNH (MÁXIMO, 2012). Os primeiros registros de produção habitacio nal foram a construção de vilas operárias realizada pelo setor priva do. O principal exemplo e ainda existente da cidade é a Vila São José construída nas décadas de 1930 e 1940 pela Fábrica São José para abrigar seus operários em 247 habitações entre casas e apartamen tos no bairro da Jacarecanga (ANDRADE, 1990).

Como a atuação da FCP em Fortaleza se deu de forma pontu al, é apenas com a atuação dos IAPs que se tem o início da produção direta de conjuntos habitacionais e do seu financiamento em grande escala pelo Estado, nas décadas de 50 e 60. O resultado desse pe ríodo de política habitacional foi a construção de 10 conjuntos habi tacionais de pequeno porte, totalizando 1078 moradias ao final da política em Fortaleza. Segundo Máximo (2012), é importante a per cepção de que a cidade de Fortaleza no contexto das décadas de 50, 60 e 70 era bem diferente de cidades do sudeste, no sentido de que a distribuição de infraestrutura era restrita exclusivamente ao centro urbano e de que a mancha urbanizada da época era bem menor do que a encontrada hoje. O autor diz que essa percepção culmina na compreensão de que os conjuntos construídos em Fortaleza foram na época localizados em áreas fora da mancha urbana e em áreas periféricas na cidade, às vezes em localizações que coincidiam com os arredores de assentamentos populares. Ou seja, seguiam a lógica

Entretanto, a atuação do Estado na execução de políticas ha bitacionais em Fortaleza ocorreu inicialmente por meio da atuação da Fundação da Casa Popular. Foi apenas em 1953 que FCP, pela primeira e única vez, realizou uma intervenção na cidade. Construiu -se 456 casas nas proximidades da Avenida Osório de Paiva, onde hoje é bairro do Henrique Jorge, que segundo Máximo (2012) pode ser considerado o marco inicial da intervenção estatal no campo da produção habitacional de Fortaleza.

O primeiro conjunto do BNH em Fortaleza teve sua cons trução iniciada em 1969 e foi habitado em 1973, o Conjunto José Walter. Mas foi durante a década de 1970, com as políticas de des favelamento da cidade, que os grandes conjuntos habitacionais co meçaram a ser construídos para realocar as famílias removidas de favelas em áreas centrais. É o caso dos Conjuntos Marechal Rondon, Palmeiras e Alvorada, os dois primeiros até hoje localizados nos ex tremos da malha urbana da cidade e o terceiro em uma localização fora da malha urbana existente na década de 70 (SANTOS, 2015), entretanto, que agora se encontra do eixo de segregação sudeste (PEQUENO, 2015). Outros grandes conjuntos foram construídos na época, como o Conjunto Ceará e o Conjunto Esperança.

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É durante a política habitacional do BNH que há a indução de Fortale za para o modelo de segregação centro-periferia, e também, foi devi do à construção de conjuntos habitacionais nos limites da cidade que essa política promoveu a expansão desordenada do tecido urbano da cidade. Fato que ocasionou na urbanização em saltos da cidade e como consequência na valorização econômica das áreas intermediá rias entre centro econômico e periferia (PEQUENO & FREITAS, 2015).

imagem 3: Conjun to Alvorada (1971) fonte: (2012).Máximo imagens 1 e 2: Conjunto Mon dubim (1955) e Conjunto respectivamente.IbiapavaParque(1950) fonte: Máximo(2012).

No contexto da capital cearense, a política do BNH, como já mencionada no âmbito nacional, intensifica as dinâmicas de produ ção de moradia e consequentemente de produção do espaço urbano.

de aquisição de terrenos baratos para viabilização das unidades ha bitacionais a custos baixos, tanto em regiões periféricas como próxi mas a assentamentos, o que barateava a terra.

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E é nesse contexto que as futuras intervenções do MCMV irão incidir. Após, a atuação do BNH e as produções de moradias em pe quenos empreendimentos habitacionais públicos nas décadas de 90 e 2000, o surgimento do PMCMV como programa nacional para combater o déficit habitacional retoma a antiga lógica de construção de conjuntos e produção do espaço urbano em Fortaleza. Entretan to, essa nova onda de produção de moradia se deu após a inflexão neoliberal que chega nos anos 90 ao Brasil, quando o projeto libe ral de desregulação do mercado havia se consolidado decorrendo na disputa entre grandes empresas de construção e de movimen tos sociais pelos fundos públicos para habitação (LAGO, 2012). Há a retomada de uma lógica mercantil de produção de moradia, mas agora muito mais intensa diante de uma realidade ultraliberal, com o financiamento de unidades habitacionais para classes baixas e mé dias, divididas nas 3 faixas já descritas anteriormente, com subsídios e participação de agentes privados na construção dos conjuntos. O resultado é bem parecido com o ocorrido com o BNH no que tange ao atendimento em maior quantidade a empreendimentos destinados a faixa 2 e 3, com maior distribuição pela cidade, e de periferização das famílias mais pobres, reforçando mais ainda o modelo centro -periferia e o levando a outro patamar ao constituir como periferia outros municípios conurbados a Fortaleza, tendo em mente que muitos dos empreendimentos faixa 1 se localizam na Região Metro politana de Fortaleza (RMF) (PEQUENO & ROSA, 2015; PEQUENO & FREITAS, 2015; PEQUENO & NASCIMENTO. 2020). Conjunto(1981)Ceará Máximo(2012).

fonte:

Com isso, os conjuntos bairros (PEQUENO, 2002; MÁXIMO, 2012), como são chamados os conjuntos provenientes do BNH em Fortaleza, intensificam a expansão urbana da cidade e com ela a se gregação e a conurbação com municípios vizinhos, o que enfraquece um pouco na década de 90 com o fim do SFH e do BNH. Entretanto, nesse período de virada do século, a pobreza se difunde por todo tecido urbano, com a formação de novos assentamentos populares inclusive em áreas centrais e no litoral (PEQUENO & FREITAS, 2015).

imagens 4:

conjuntosprogramaanosdeproduçãoqtde.nºdeunidades FUNDAÇÃOPOPULARCASA IAP`s BNH 1953 1 456conjuntounidades 1950 a 1960 10 1078conjuntosunidades 1964 a 1986 conjuntos1544741unidades FSSF*: 5 conj. BNH: 10 conj. FSSF*: 2742 und. BNH: 41990 und. figura 1: Produção habi tacional FortalezacionalizadainstituemeRMFporprograma. fonte: própriaElaboraçãoapartirdeMÁXIMO(2012). * FSSF-Fundação de Serviço Social de Fortaleza: produziu os primeiros conjuntos na época e era alinhada com as políticas do BNH.

fonte: própriaElaboraçãoatravésdedadosdeLEHAB,Máximo(2012),Aragao(2010),Moura(2017);IPECE.

mapa 1: Localização da Produção Habi tacionalcionalizadaInstituemFortaleza.

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Esta questão em Fortaleza representa o funcionamento do programa em diversas cidades brasileiras. O Programa Minha Casa Minha Vida, criado para combater o déficit habitacional, também teve em seu objetivo ser uma das principais ações do governo fede ral para salvar a economia do Brasil da crise financeira mundial de 2008. Ele desempenharia esse papel injetando capital e dinamizan do a economia da construção civil do país já que o programa seria executado em parceria com agentes privados, assim alimentando a lógica de financeirização da moradia disfarçada de uma política pú blica distributiva (ROLNIK, 2015). Entretanto, somado à histórica es tratégia de resolver o problema do capital excedente e do desempre go por meio de grandes obras urbanas (HARVEY, 2009), a escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014 intensificou a relação entre obras urbanas e produção de moradia.

Tomando como exemplo a cidade de Fortaleza, uma das ci dades a sediar jogos da Copa, a execução de obras de infraestru tura e de construção de grandes projetos arquitetônicos foi res ponsável por inúmeras e desumanas remoções na cidade. Neste mesmo período o MCMV havia sido recentemente criado e foi ele o responsável por realocar algumas das famílias removidas tan to por obras da Copa na cidade (PEQUENO, COSTA & PINHEIRO, 2015) como também por obras de infraestrutura e ligadas às áre as turísticas que viraram rotina. De acordo com dados da pesquisa do Observatório de Remoções Fortaleza, realizada pelo Laborató rio de Estudos da Habitação (LEHAB)4, desde o início de 2009 até o mês de junho de 2019, foram feitas 340 denúncias de remoção ou ameaças de remoção, totalizando 51.292 famílias, das quais mais de 20 mil foram despejadas. Somado a isso, a produção de unidades habitacionais entregues entre 2015 e 2020 em Fortale za pelo MCMV faixa 1 e entidades foi de 22.248 (PEQUENO, 2020).

Diante do exposto até o momento, fica evidente que a atua ção do Estado na provisão de moradia e no combate ao déficit habita cional em Fortaleza, e no país, enfrenta um problema histórico, pois desde o início da sua atuação nesse campo a parcela populacional que é atendida pelos programas habitacionais não consiste nas fa mílias de mais baixa renda. Assim, a produção habitacional institucio nalizada em Fortaleza não atua verdadeiramente atendendo muitas das famílias localizadas no déficit habitacional absoluto, tanto pela dificuldade delas em se comprometerem com um sistema de finan ciamento regular, quanto pela necessidade imposta pelo agente pri vado, sempre presente na execução das moradias, de retirar sua par 4 Pesquisa realizada de acordo com coleta de denúncias recebidas pelo Es critório Frei Tito de Alencar da Assembléia Legislativa de Fortaleza e pela Defen soria Pública através do Núcleo de Habitação e Moradia.

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A produção capitalista do espaço urbano ocorre assim en quanto um processo histórico, e em toda política social brasileira desde os anos 1930 verifica-se a presença do setor privado no pro vimento de serviços. Assim, as políticas sociais propostas pelo Esta do brasileiro buscam contemplar e melhorar as condições de vida da classe trabalhadora, mas também são respostas do Estado ao poder econômico atendendo aos interesses do capital. Dessa forma, aca bam inserindo a população de baixa renda em uma lógica desigual e, com o surgimento do neoliberalismo no contexto de um capitalismo dependente como no Brasil, em uma lógica exacerbada de depen dência e dívida (BRETTAS, 2017).

cela considerável de lucro do empreendimento. Isso, como pode-se observar, está presente tanto nas primeiras políticas habitacionais, em menor escala, como nas políticas do BNH e do MCMV, e repre senta um dos grandes impasses da atual crise habitacional do país. Para além disso, outra questão central, e também, histórica é a relação da produção habitacional institucionalizada com a ex pansão da área urbana e com o cumprimento do direito à cidade. Os conjuntos habitacionais feitos desde o BNH até o MCMV em Forta leza negam o direito à cidade de Lefébvre (1968) e Harvey (2008), ao levar famílias para áreas sem infraestrutura urbana, nem equi pamentos de serviços públicos próximos, sem falar na dificuldade de acesso e de transporte público que conecte tais áreas às outras áreas da cidade. Também ao privar dessas famílias o direito de pro duzir, se apropriar e viver da forma que desejam o espaço urbano das cidades, pois o direito à cidade vai muito além da simples provisão de infraestrutura urbana, se configurando até como uma categoria anticapitalista por aspirar cidades democráticas, pacíficas e coleti vas, o que vai de encontro com a ideologia individualista e materia lista imposta pelo sistema capitalista. Além de violar esse direito das famílias e as colocar em localidades para além de tudo inseguras, o Estado historicamente promove essa expansão da malha urbana e do limite da cidade, contribuindo para a valorização de áreas inter mediárias e alimentando também o mercado imobiliário. Assim, apesar de Mautner (1999) afirmar que o Estado vê o crescimento periférico como um fenômeno residual do processo de industrialização e urbanização, percebe-se, ao observar a produção habitacional institucionalizada, que o Estado estimula e conta com a autoconstrução e com o crescimento periférico para formação do espaço urbano em todas suas dimensões. É o próprio Estado que alimenta essa forma predominante de produção do espaço urbano a que a autora se refere. Alimentando também por meio da construção desses conjuntos habitacionais a sequência de 1 - transformação da terra em propriedade; 2 - resposta do governo às pressões pela extensão de infraestruturas; e 3 - a entrada do capital na periferia. Dessa forma, aumentando as porções do espaço urbano controlado pelo capital e com isso fomentando a lógica desigual, porém lucra tiva, da cidade (MAUTNER, 1999). Assim, na verdade o crescimento periférico nesse caso não é residual e sim uma das principais manei ras e estratégias do Estado constituir e controlar o desenvolvimento e expansão das cidades, juntamente e submetido ao capital.

Diante disso há a formação de cidades neoliberais e financei rizadas, nas quais as políticas habitacionais são inseridas e viabiliza das aos custos da população de baixa renda. A produção habitacional

Este fator colocou descaradamente e tragicamente em evidência a dura realidade da questão da moradia em comunidades de Forta leza dentro do sistema neoliberal, ainda mais diante da crise eco nômica decorrente da pandemia do coronavírus (BARRETTO, SOUZA & MONTEIRO, 2021), cujo um dos seus vários e sérios impactos no país foi o aumento do desemprego. Com isso, nota-se o aumento de famílias desabrigadas, morando nas ruas ou em novas ocupações urbanas, pois não conseguem pagar o aluguel no mercado informal de imóveis, muito menos se inserir no mercado formal de moradia.

Assim, percebe-se a estaticidade do déficit habitacional do Brasil e se salienta que o recente estudo levou em conta informações até o ano de 2019, não refletindo a realidade atual decorrente das diver sas crises brasileiras, mas acima de tudo da pandemia da COVID-19.

Principalmente a respeito do PMCMV, porém tendo em mente que essa lógica sempre esteve presente da produção ha bitacional institucionalizada, a atuação do Estado, apesar de cien te de todas as dinâmicas sócio-econômicas implicadas nessa ló gica de produção da construção civil, se mostra de certa forma uma atuação um tanto paradoxal. Ao mesmo tempo que assume o papel de prover moradias para população que não possui mo radia, que não consegue pagar aluguel ou que compromete gran de parte da sua renda mensal com o pagamento do aluguel, ou mora em estado de coabitação e não tem condições de entrar no mercado formal de moradia, o Estado causa inúmeras remoções na cidade, na maioria das vezes de habitações consolidadas, para depois atender as famílias que ele mesmo removeu. Assim, o Es tado com o PMCMV muitas vezes não atuou sobre o déficit habi tacional, ficando no papel de “enxugar gelo” ao atender as deman das por moradia que ele mesmo criou, deixando o déficit estático.

Devido às questões levantadas sobre os impactos da produ ção de moradia institucionalizada, o próprio poder público em sua esfera federal de governo reconhece a falta de atendimento às fa mílias de menos de 3 salários-mínimos desde os anos 80 dentro das políticas do BNH. É nessa época que são criados os programas

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PROFILURB pelo BNH, em 1975, responsável pela provisão de lotes urbanizados, o qual se transforma no PROMORAR em 1979, res ponsável por prover financiamento à casa embrião e incidir na ur banização de favelas. Entretanto foi com o Programa João de Barro (1984-1985) que houve a institucionalização da autoconstrução as

em âmbito nacional dentro da lógica neoliberal fica suscetível a re produzir e a reforçar ainda mais as desigualdades sociais, econômi cas e espaciais nas cidades brasileiras, auxiliando assim a reprodu ção do capital e do modo capitalista de produção do espaço urbano. Este que consiste em alimentar a financeirização da moradia a partir de incessantes obras urbanas e de construção civil de novas unida des habitacionais (ROLNIK, 2015).

Em 1995, de acordo com a Fundação João Pinheiro (1995) o déficit habitacional do Brasil era de 5,6 milhões de domicílios, sendo 4 milhões de unidades referentes ao meio urbano, apresentando a RMF como a 4° região metropolitana com maior déficit do país. Já de acordo com novo relatório da Fundação João Pinheiro (2020) relativo ao ano de 2019, o déficit habitacional calculado para o Brasil é de aproximadamente 5,8 milhões, sendo 5 milhões de unidades refe rentes ao meio urbano, com a RMF com o 5° maior déficit do país.

Em 2001 um dos Cadernos do Programa Habitar Brasil/BID (CARDOSO, 2001) Ricardo D. Pontual, Coordenador do Subprograma de Desenvolvimento Institucional de Municípios, já fala algo que se aplica a realidade do novo programa habitacional federal: Apesar de ser legítima e necessária a permanência dessas linhas pro gramática, que promovem a urbanização e a regularização fundiária, não devem ser excluídas outras alternativas de ação na promoção da moradia. Isto porque as ações deste tipo limitam-se a corrigir situações passadas de estoque de necessidades acumuladas ao longo dos anos – e em nada contribuem para evitar que, no futuro, as famílias tenham como única forma de acesso à moradia, a formação de assentamentos inadequados ou subnormais.” (CARDOSO, 2001) - grifo do autor. O então coordenador fala sobre a diversificação de for mas de produção de moradia em prol de uma Política Municipal de Habitação (PMH). Neste texto o autor fala que seria preciso es tabelecer novas fontes de recursos, diversificar as modalidades de atendimento habitacional, criar ou recuperar a capacidade de planejamento do atendimento habitacional em função do défi 5 Programa Casa Verde e Amarela criado pelo governo federal em 2020 e devidamente regulamentado em 2021. “

3938 sistida por política pública para provisão de moradia para população mais pobre. Após essas experiências, que tiveram pouco alcance e produção, e com redemocratização e permanência da questão ha bitacional do país, é criado em 1987 no governo Sarney o Programa Nacional de Mutirões Comunitários que acaba assumindo uma posi ção clientelista. Entretanto, as práticas de produção de moradia por mutirão no início dos anos 80 ainda estava muito alinhada com o modelo da autoconstrução estrita, e com isso da imposição do puro sobre-trabalho e de mais precariedades sobre os moradores sem a devida autogestão e discussão política, prática que surgirá em expe riências futuras (BONDUKI, 1994; apud MORAIS, 2019). As experiências municipais de produção de moradia por au togestão surgem após isso e se disseminam em diversos municípios brasileiros. São nelas que há a consolidação da prática autogestioná ria e onde é provado a qualidade e as vantagens produtivas e político -pedagógicas do processo de autogestão na produção de moradias. Desde então, sempre devido a muitas lutas travadas por movimen tos sociais, a autogestão é incorporada em programas habitacionais nacionais. As contradições e empasses enfrentados nelas não cabe abordar nesta parte do trabalho e serão levantadas mais a frente.

Dessa forma se impõe novas, mas na verdade antigas, ques tões sobre outros modelos e alternativas de produção de moradias. A produção em massa de moradia dentro do molde abordado no resgate histórico feito anteriormente se mostra hoje incoerente ou, no mínimo, quando verdadeiramente direcionada a atender o déficit existente, insuficiente. Principalmente diante do cenário político do Brasil de 2021 após dois anos de Governo Bolsonaro, quando além de todos os retrocessos, a política habitacional nacional é reformulada e em sua nova versão5 exclui a produção de moradia para as famílias de renda de 0 a 3 salários-mínimos. Frente a isso e sem perspectiva próxima de adequação ou reformulação do novo programa, a res ponsabilidade de atendimento a essas famílias e combate ao déficit em menor escala recai sobre as instâncias municipais e estaduais.

4140 cit e criar condições favoráveis para construção de moradias, seja com parceria com o setor privado seja também por meio da inser ção da autoconstrução nos marcos legais, ou seja, por mutirões.

Esta fala se aplica quase perfeitamente ao cenário enfrentado nos tempos atuais de escassez de repasses federais, homogeneida de das habitações produzidas pelos programas e a necessidade ainda maior de moradias para famílias de 0 a 3 salários-mínimos. Cardoso (2001) comenta que “embora a desigualdade social seja um dos fatores fundamentais para o surgimento e o agravamen to da crise de moradias, a dinâmica habitacional não pode ser avalia da apenas a partir da ótica da distribuição de renda” e com isso apon ta que deve haver aparatos administrativos, técnicos e institucionais para o governo municipal atuar de forma eficiente no setor. Outro ponto que o autor frisa, assim como Pequeno (2002, 2015), é a ne cessidade de integração da política habitacional com a política urbana para que as intervenções tenham as dimensões fundiária, econômica e urbanística, o que não vem ocorrendo de forma alguma na cidade de Fortaleza (PEQUENO, 2015; BARRETTO & PEQUENO, 2021; CA PASSO & PEQUENO, 2021). Assim, os princípios gerais de uma Polí tica Municipal de Habitação seriam o universalismo, a transparência, a redistributividade, a diversificação, a institucionalidade, a susten tabilidade ambiental, a sustentabilidade econômica e a participação (Figura 2). Levando em conta também as dimensões normativa, prio rização e atendimento específico aos grupos sociais vulneráveis e valorização do conhecimento técnico acumulado (CARDOSO, 2001).

É nessa diferença entre contextos históricos, após a instau ração de diversas leis e instrumentos urbanísticos para regular a va lorização imobiliária e de inversão de mais-valia urbana, que Lago (2012) afirma que diante das produções habitacionais nacionais em massa realizadas, um fator que se destaca é a “inoperância das pre feituras brasileiras, seja por incapacidade ou por falta de vontade política, na redistribuição da terra urbanizada e sem uso, condição para uma política efetiva que altere a correlação de forças nas dispu tas pelos centros urbanos” (LAGO, 2012, p. 11).

Após várias experiências de políticas municipais de habitação desde o fim dos anos 80 até o início dos anos 2000, em sua maioria de mutirões autogeridos e muitas de sucesso, aquilo que fora esta belecido em 2001 se encaixa muito bem nas demandas do contexto atual de 20 anos depois. Entretanto, algumas diferenças podem ser apontadas, como o contexto do governo federal de retrocessos, que consiste em um obstáculo, assim como as dificuldades na aplicação dos instrumentos do Estatuto da Cidade ao longo dos últimos 20 anos nos municípios brasileiros.

Dessa forma, frente ao cenário crítico que Fortaleza se en contra, como apresentado, somado às constantes manifestações, reivindicações e ocupações de movimentos sociais na cidade e em sua região metropolitana, a necessidade de formulação de uma po lítica ou prática municipal de produção de moradias se torna latente. Uma política que atenda aos diversos arranjos familiares e às di versas rendas das classes baixas da cidade. Acima de tudo isso, os movimentos sociais de Fortaleza e da RMF, que crescem cada vez mais em números e em relações territoriais, vêm se articulando, es tudando e percebendo tal necessidade, entre si e acompanhados de assessorias técnicas. Eles vêm exigindo por meio de diferentes es

(2001)Cardososegundo

tratégias uma provisão local de mo radia em menor escala, por meio do mutirão politizado e da autogestão.

É em meio a isso que surge a potente Ocupação Carlos Marighella (OCM), que é a razão de ser deste trabalho, seu início e seu fim. figura 2: Princípios e Dimensões de uma Política Municipal de HabitaçãoCardososegundo(2001). fonte: Elaboração pró pria a partir de Cader nos HabitarvolumeBrasil/BID1,2001.

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mentopriorizaçãoinstitucionalidaderedistributividadeuniversalismotransparênciadiversificaçãosustentabilidadeambientealsustentabilidadeeconômicaparticipacãodimensaonormativaeatendi-específicoaosgrupossocialmentevulneráveisvalorizaçãodoco-nhecimentotécnicoacumulado

deve basear-se em um padrão universalista e objetivo de aloca ção de recursos, evitando-se as formas personalizadas e clien telistas de intervenção. é fundamental que os critérios de escolha e os processos decisórios das açõe sejam explícitos e que sua divulgação seja ampla, garantindo o livre acesso à informação para todos os cidadãos. seleção de clientela a ser atendida pela política deve basear-se em critérios objetivos de necessi dade, com prioridade para os grupos de baixa renda deve ser diversificada e estruturada em programas de intervenção com objetos e métodos próprios, combinando ações na área normativa com atuação no sentido da provisão de unidades/lotes e de urbanização/regularização de assentamentos, entre outros. é importante articular a ação na área da moradia com as intervenções ambientais, garantindo a su tentabilidade da política. sempre que possível, articular ações que tragam impacto econômico, privilegiando, entre outros, a geração de trabalho e renda, com a utilização de mão de obra local, a formação profissional, a reorganização do setor da contrução e pesquisas de novas tecnologias. é importante que a atuação municipal na área habitacional adquira institucionalidade com a criação de uma legislação específica, permitindo a continuida de da ação através de vários mandatos e aperfeiçoamento das intervenções. deve ser elaborada e implementada contando, em todas as suas etapas, com a participação das representações da população.universidades ou organizações não governamentais que atuem no município ou na região. atuação da Prefeitura, por intermédio da lesgislação urbanística e dos pro cedimentos adotados para a aprovação de projetos de edificação ou de lo teamentos, traz restrições e constrangimentos, às vezes excessivos, sobre o mercado imobilário e fundiário local. Dessa forma, a implementação da políti ca, em geral, irá requerer a revisão desses instrumentos. é importante, então, que seja elaborado um diagnóstico objetivo, abrangente e detalhado, com mensuração do problema a ser enfrentado, permitindo o planejamento das ações e o estabelecimento de prioridades.

políticaumadedimensõeseprincípiosmunicipaldehabitação

Fortaleza se encontra diante do cenário pandêmico da COVID-19, que desencadeou, para além de uma crise de saúde pública, uma crise econômica com um alto númwro de desemprego no país e de despejos, somando-se à condição de um capitalismo dependente e periférico da América Latina, à realidade crítica político, social e eco nômica brasileira e ainda mais ao recorte de uma cidade nordestina, que apesar de ocupar o 5° lugar de maior população e de maior eco nomia do país, é ao mesmo tempo a mais densa e mais desigual.

É diante desse contexto que a Ocupação Carlos Marighella (OCM) inicia-se no dia 8 de junho de 2020, quando com a coorde nação movimentos sociais 85 famílias, que moram nas proximidades da área ocupada e que perderam as condições de pagamento de aluguel devido às complicações trazidas pela COVID-19, ocupam um terreno abandonado há mais de 30 anos no bairro Mondubim, em Fortaleza. O terreno assim não cumpria de forma alguma a função social na propriedade exigida pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Cidade de 2001. Já o bairro se localiza na parte su doeste da cidade, onde há os menores valores de renda da cidade e onde se encontra um grande número de assentamentos precários (Mapa 2) de acordo com mapeamento do PLHISFor (2012,2016). a ocupação carlos marighella: símbolo, exemplo e piloto. um breve histórico mapa 2: localização da ocupação carlos marighella em fortaleza fonte: elaborado pelo autor a partir de PMF (2019), PLHIS (2016), SEFIN.

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A área ocupada pelas famílias da OCM se localiza em um setor da cidade distante das principais centralidades, entretanto consiste em uma área entre bairros que está em constante valorização, claro que em escala e velocidade bem menores que as áreas do centro expandido da cidade. Há uma grande presença de escolas e equipa mentos de saúde, assim como de casas, prédios e condomínios ocu pados destinados à população de classe média da cidade, setor do mercado imobiliário predominante na área, o que é favorecido pela proximidade com o Terminal do Siqueira e com o sistema cicloviário. Além disso, apesar da área não possuir esgotamento sanitário, seu entorno é impactado por planos específicos prioritários do Plano Es tratégico Fortaleza 2040, como o projeto de intervenção ao longo do Rio Maranguapinho e da Linha Sul do Metrô de Fortaleza.

Essa breve leitura permite compreender os motivos das duas tentativas de remoção e demolição dos barracos das famílias por agentes privados com apoio de agentes policiais logo após a ocu pação do terreno. O que se afirmava era que o terreno era de pro priedade da empresa incorporadora Akasa Participações LTDA e que seria vendido para Construtora Direcional para construção futura de um lançamento imobiliário com unidades cujos valores eram desti nados à classe média. Representantes destas empresas então mar caram uma reunião no próprio terreno com as famílias e assessorias técnicas da ocupação, onde propuseram em troca da saída das famí lias a doação de um terreno próximo ao terreno ocupado. Entretanto, dois dias após o acordo informal, as empresas entraram com ação de reintegração de posse referente à área em questão.

mapa 3: Leitura do áreajetosmobilidadeequipamentos,entorno:eprodestinadosàdoentornodaOCM.

fonte: Elaborado pelo autor a partir de PMF (2019), IPLANFOR (2018), Cagece (2015).

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mapa 4: Localização inicial da OCM e polígono da empresa LTDA.ParticipaçõesAkasa fonte: Elaborado pelo autor a partir de atividade do grupo de assesso ria técnica à OCM.

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Em seguida, nos primeiros meses de 2021, houve outra onda do coronavírus na cidade e todas as atividades paralisaram, a não ser a vida cotidiana das famílias da ocupação. É durante a elaboração deste trabalho que há o retorno de reuniões da coordenação e moradores da OCM, juntamente das assessorias e com a HABITAFOR, a fim de dar encaminhamentos nos processos de negociação para

mapa 5: Localização inicial da OCM e locali zação do PMF.desafetadoterrenopela fonte: Elaborado pelo autor a partir de atividade do grupo de assesso ria técnica à OCM.

Os ocupantes então, com auxílio do Escritório Frei Tito de Alencar e das assessorias técnicas, organizaram-se para recorrer da decisão judicial de reintegração de posse e conseguiram o adiamen to da desocupação por um mês. Ao passo que o prazo se encerrava, outros adiamentos do despejo aconteceram, acarretando em deci sões judiciais variadas quanto à remoção. Ao longo desse processo, a Ocupação Carlos Marighella atuou politicamente, usando de várias estratégias para resistir e conseguir negociar com o poder público. Foi então que ocorreram reuniões entre os órgãos públicos (com representante da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habita cional de Fortaleza - HABITAFOR e o coordenador de habitação da Secretaria das Cidades do Governo Estadual), moradores e asses sorias para debater soluções para a OCM. Foi aí que o poder público apresentou a proposta de concessão de aluguel social e realocação das famílias em conjuntos habitacionais. Tal proposta foi recusada pela coordenação e moradores da OCM em assembleia. Nesse contexto as assessorias técnicas, Taramela Asses soria Técnica, Coletivo Escalar e arquitetos autônomos, realizaram estudos e a elaboração de duas versões de um Plano Emergencial de Negociação (PEN), onde foi apresentada a realidade das famílias perante a crise da COVID-19 e as possíveis viabilidades espacial, ins titucional e financeira para construção das 85 moradias. Esse plano foi discutido nas reuniões subsequentes com o poder público, mas nada parecia andar na direção de encaminhamentos concretos. Diante disso, os moradores da OCM decidiram ocupar a sede do PDT, partido do então prefeito de Fortaleza, que era do mesmo partido do prefeito recém eleito na época, a fim de conseguirem se reunir com o chefe executivo do poder municipal. Foi então, em dezembro de 2020, que a Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF), por meio de pressão popular e dos estudos do PEN realizados nos quais se apontava um terreno da prefeitura ao lado do terreno ocupado, que houve a desafetação do novo terreno e foi autorizada a transferência dos barracos para a nova área (Mapa 5).

Assim, um ponto importante a se salientar na organização da OCM é a preocupação de provisão de moradia, mas de uma forma que respeite o meio ambiente e não se sobreponha a ele sem nenhuma preocupação, que a busca pela solução de um problema não gere nem ignore outros. No decorrer dos meses de 2021 o diálogo com a HABITAFOR continuou, entretanto de forma bem espaçada, e a pressão feita pela coordenação da OCM e pela Taramela era para elaboração de um projeto piloto de provisão habitacional municipal por meio da auto gestão, a qual sofreu resistências por não se encaixar perfeitamente no arranjo institucional e no escopo das políticas do órgão público.

Apesar disso, em meio a esse processo, os movimentos sociais da coordenação da OCM compactuaram que seria interessante a dispu ta primeiro pela contratação da equipe de assessores técnicos para realização de estudos e dos projetos necessários, para o que o pro cesso seja mais rápido pois os assessores não estariam trabalhando nas suas horas vagas e de forma voluntária. Foi a partir disso que se começou a dialogar com a HABITAFOR a elaboração de um termo de referência para contratação de uma equipe multidisciplinar, envol vendo os campos social, ambiental e arquitetônico, para realização de um Plano Popular Urbanístico e Ambiental da Ocupação Carlos Marighella (PPUA), no qual estaria contido o projeto arquitetônico, mapa 6: CarlosMicrozonemanetodaOcupaçãoMarighella.

Durante o ano de 2021 as atividades de acompanhamento e assessoria foram sendo retomadas aos poucos. É de extrema im portância destacar que a Ocupação Carlos Marighella conta com o apoio do mandato do Vereador Gabriel Aguiar, acompanhado de sua equipe técnica, de teor ambientalista.

fonte: Mapa extra ído doAmbientalDiagnósticoda OCM de autoria do Mandato Fortaleza Verde do GabrielVereadorAguiar.

Assim, desde o início deste ano o mandato fez várias visitas ao terreno desapropriado para realizar conversas sobre o meio am biente e a luta por moradia acompanhada de consciência ambien tal, mas principalmente o grupo de biólogos realizou um diagnóstico ambiental da área listando as espécies de animais e plantas encon tradas durante o reconhecimento do terreno, um estudo sobre as águas do córrego próximo e o solo encontrado. Também foi produ zido um zoneamento de muita importância para as famílias e para a assessoria de arquitetura, no qual eram identificadas a área ocupada pelos barracos, áreas íngremes com risco de erosão, áreas alagáveis e uma área com potencial de se transformar em uma agrofloresta.

5150 elaboração do projeto das unidades.

5352 urbanístico e projetos complementares, acompanhados de uma gestão ambiental e um plano de geração de emprego e ren da para as famílias. Assim, visando traba lhar da melhor forma com a complexidade e completude do caso da Ocupação Carlos Marighella.Entretanto, em meio a dificulda des de articulação interna e de contato com a HABITAFOR, o termo de referência está em vias de conclusão mas em se gundo plano devido a aprovação do Pro jeto Participativo para Melhorias da Habi tabilidade da Ocupação Carlos Marighella pelo Edital do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU-CE) de apoio institucional para práticas de assessoria técnica. O Projeto consistiu no processo inicial de planejamento da ocupação do terreno, inicialmente sendo realizado um censo comunitário pela equipe de arqui tetos e estudantes de arquitetura, para levantamento de informações sobre as famílias, e realização de seis oficinas de planejamento e projeto inicial. Esse tra balho de assessoria técnica foi feito de forma coletiva pela equipe técnica de seis pessoas, entre integrantes da Taramela e arquitetos independentes, e algumas partes dele servem de base para a conclusão do presente trabalho, sobretudo as oficinas nas quais foi discutido as tipologias desejadas.Por fim, é importante ressaltar que durante esse processo de assessoria do ano de 2021 a coordenação da OCM, composta por movimentos sociais e assessoria técnica, decidiu recuar na toma da de decisões e realizar uma nova forma de articulação para maior mobilização das famílias. As tarefas coletivas de limpeza do terreno entre outras atividades foram organizadas e distribuídas pelas fa mílias, todas as decisões seriam tomadas em assembleia geral com a presença de todos incluindo movimentos e assessoria e que seria montado um calendário de luta, contendo as oficinas mencionadas, ações formativas, manifestações políticas e atividades de organiza ção interna.Assim, buscando maior mobilização e organização interna das famílias, a qual ficou abalada após o período em que as ativida des cessaram devido à pandemia, os movimentos sociais envolvidos buscaram estimular os moradores a tomarem as rédeas da luta, da conquista das casas e do projeto delas.

imagem 8: Ocu pação Marighella,Carlos fonte: pessoal.Acervo

imagem 5, 6 e 7: OcupaçãoMarighella.Carlos fonte:pessoal.Acervo

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6 Organização Popular de Aracati que recentemente alterou seu nome para apenas Organização Popular.

7 Para mais informações sobre a ocupação ver o trabalho “Ocupação Gre gório Bezerra: uma experiência de assessoria técnica na luta pelo direito à mora dia” de Lucas Lessa (2017).

É de extrema importância salientar que os movimentos que organizaram as famílias e coordenam a ocupação, a OPA6 e a Uni dade Classista, são grupos organizados que já realizaram outras ocupações, sendo muitas delas urbanas. Na mais recente delas, a Ocupação Gregório Bezerra7, a maioria das famílias depois de meses de luta aceitaram o acordo com o poder público para receberem unidades no Conjunto Cidade Jardim do MCMV, no extremo sul de Fortaleza. Dentre as famílias estavam alguns dos coordenadores do movimento que após a mudança perceberam que sofriam a privação e ausência do direito à cidade. Assim, desde o início do assessoramento prestado à Ocupação Carlos Marighella os movimentos que a organizaram têm como pauta a autogestão da produção de suas moradias e o ponto central irredutível de que querem suas moradias construídas em um terreno vazio perto do local onde moravam. Os próprios movimentos sociais envolvidos, tanto os dois já citados como outros que prestam apoio a ocupação, tem clara a no ção do dever do Estado de prover moradia e desejam conquistar e construir isso de forma coletiva, democrática e firme, sem sucumbir aos acordos paliativos do poder público. Foi durante as negociações com os órgãos da prefeitura e a Secretaria das Cidades do Governo do Estado que, em consonância, se começou a lutar e debater a ideia

de uma política municipal de produção de moradia por autogestão para além da conquista imediata das unidades habitacionais. A Ocu pação Carlos Marighella deseja não apenas conquistar as moradias e o direito de autogerir sua construção, mas também busca ser um exemplo a ser seguido, no que tange a sua forma de organização e de enfrentamento do Estado, e um piloto da desejada política ou prática municipal de produção de moradias por autogestão. A OCM deseja ser a primeira de muitas ocupações a conquistar esse direito e apoio para autogestão de suas moradias. Diante disso, é fundamental o desejo de autogestão na pro dução das moradias vir do próprio movimento, quando é uma ideia, historicamente nas experiências realizadas, geralmente trazida e democratizada nos movimentos e associações pelos assessores técnicos. Além disso, a ocupação traz um traço particular de que alguns de seus integrantes, tanto ocupantes como coordenadores dos movimentos, são trabalhadores da construção civil, inclusive do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil. Entretanto, ao su gerir e eleger como meta o termo autogestão, os coordenadores dos movimentos sociais ainda tinham em mente apenas a liberdade de escolher um terreno vazio próximo para as habitações e escolher a tipologia que teria as unidades habitacionais. Ainda estava abstrata a noção de autogestão dos recursos, contratação de assessoria e autogestão no canteiro de obras durante os processos de constru ção das unidades, que serão melhor exploradas na próxima parte do trabalho. Além disso, ainda tinha-se pela frente a democratização desse ideal e das práticas coletivas necessárias para sua introdução, o que se iniciou ao longo de 2021 e adentrará os anos seguintes. prelúdio da autogestão e a produção de moradia

(NASCIMENTO, 2008, p. 31) “ Segundo Lefebvre (1966), experiências de autogestão não surgem a qualquer momento. É preciso uma conjuntura específica e um lugar privilegiado, e nesses momentos seria possível a tendência destas ações se generalizarem. Assim, a autogestão não pode evitar o choque com o sistema, pois seus princípios já são contra ele, no Vale dizer que o sonho possível não se trata de uma idealização ingênua, mas emerge justamente da reflexão crítica acerca das condições sociais de opressão cuja percepção não se faz determinista, mas compreende a realidade como mutável a partir da participação dos sujeitos que a cons tituem, sendo igualmente por ela constituídos. Desse modo, incluir-se na luta por sonhos possíveis implica assumir um duplo compromisso: o compromisso com a denúncia da realidade excludente e o anúncio de possibilidades de sua democratização, bem como o compromisso com a criação de condições sociais de concretização de tais (FREIRE,possibilidades.”2001,p.28) “ Assim, dispõe-se de um terreno a se regularizar (Mapa 5) e dispõe-se de contato e cobranças diretas à prefeitura, juntamente de grande visibilidade da OCM na internet. Diante disso, é neces sário o salto para fora do modelo existente e “calcificado” de arran jo institucional, de provisão de terrenos urbanizados e de provisão de recursos por parte do Estado para que seja possível realizar um novo, mas não tão novo assim, modo de produzir o espaço urbano. Através da autogestão do movimento popular e dos moradores na

caso da autogestão da produção de moradia, ela vai contra o pró prio modelo capitalista de produção do espaço. Entretanto, para isso a autogestão deve procurar ocupar os “pontos fortes” da estrutura social que operam contra ela. É isto que a organização entre movi mentos, famílias e assessoria da Ocupação Carlos Marighella estão buscando por meio da proposta de uma política ou prática municipal de produção de moradia por autogestão. De certa forma, é um sonho e uma utopia por ser algo desejado para além da realidade capitalis ta encontrada, entretanto é um sonho possível, um inédito viável a que Paulo Freire se refere: Neste sentido, o consenso e a unificação da luta se iniciam, permanecendo em constante construção a prática política e for mativa da autogestão. Assim, Nascimento (2008) em seu texto ao abordar e discutir a autogestão e suas origens cita Bayat que tenta sistematizar as experiências de autogestão em quatro categorias e a última delas consiste não em um exemplo histórico mas em uma possibilidade, que é a “possibilidade de autogestão em condições normais na periferia do capitalismo” (BAYAT, 1991 apud NASCI MENTO, 2008). É a partir disso e do cenário descrito da cidade de Fortaleza que é possível afirmar novamente que as experiências de autogestão surgem nos “pontos fracos” da sociedade em meio aos “pontos fortes” que sustentam o Estado. São nas áreas frágeis e nas fissuras que ocorrem fatos novos, e é aí que, quando grupos sociais incidem sobre elas, há a transformação destes “pontos fracos” em algo diferente do que havia antes na sociedade, nem “pontos fortes” nem “pontos fracos” (LEFEBVRE, 1966). É baseado nisso que Nasci mento afirma: Os “pontos frágeis”, os vazios, só se revelam na prática ou às iniciativas de indivíduos capazes ou às pesquisas de grupos capazes de agir. Os “pontos frágeis” podem resultar de um “abalo” ou de uma “desestrutura ção” do conjunto.”

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58 construção de suas casas e de ambientes coletivos à comunidade, com acompanhamento de assessorias técnicas.

Dessa forma, interligado com a prática da assessoria inicia da em agosto de 2020 e que continua em exercício, é que se coloca a questão central deste trabalho. Não existe horizonte próximo de construção de moradias para classes baixas de 0 a 3 salários-míni mos em âmbito nacional. Esta responsabilidade recai sobre o poder municipal, tendo em mente os recursos financeiros e a capacidade institucional reduzidos. Percebe-se tentativas históricas de inter venções no âmbito municipal na provisão de moradia, mas nenhu ma que tenha uma prática efetiva e que perdure no tempo (LESSA, 2021). Assim, a OCM por meio de sua organização e poder popular trilha um caminho único que abre espaço para outros movimentos e outras ocupações, mas além disso, abre espaço para o desenvol vimento ou ao menos a idealização dos meios de execução de uma provisão de moradia que garanta uma atividade continuada. Um modo de produzir moradia na cidade de Fortaleza em paralelo com a produção de grande escala de programas habitacionais nacionais. Uma política pública municipal de produção habitacional que permita a inserção da autogestão e o seu exercício.

São Paulo - FUNAPS Comunitário e práticas de assessoria da Usina CTAH e Peabiru TCA (19891995 e 1990 - 2004) FUNAPS Comunitário (1989 - 1995) Usina CTAH, Peabiru TCA e a produção por autogestão nos anos 90 e 2000 (1990 - 2004)

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Minas Gerais - autogestão em Ipatinga e Belo Horizonte (1989 - 1998 e 1994 - 2004 ) autogestão em Ipatinga (1989 - 1998) autogestão em Belo Horizonte (1994 - 2004)

Ley 341 e o Programa de Autogestión para la Vivienda (2000 - ) Urbanizador Social em Porto Alegre (2003 - )

Crédito Solidário e Minha Casa Minha Vida Entidades (2004 - e 2009 - 2020) reflexões para o início de uma proposição: as ex periências de produção de moradia por autogestão e a realidade de Fortaleza A NAAUTOGESTÃOPRODUÇÃODE MORADIA 123153144138116108108101868672

Ley de Viviendas e FUCVAM no Uruguai (1968 - )

“ No Brasil também o primeiro indício de organização que ca minha para esse sentido de autogestão ocorre com o surgimento dos chamados Comitês Populares Democráticos nas favelas, no período do pós-Segunda Guerra, vinculados ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) no Rio de Janeiro. Assim, também no contexto brasileiro foi o movimento operário fortalecido pelos Comitês Populares Democrá ticos que tiveram papel importante na formação de uma consciência voltada para a luta autogestionária. Apesar da autogestão ter sua raiz nesse momento de surgi mento e ascensão do pensamento socialista, o cerne da ideia conti da neste termo é a recusa em separar os meios e os fins, ou seja, de separar o processo de trabalho e o de produção do resultado final, do produto. Assim, lidar com a autogestão no contexto atual, prin cipalmente na realidade de Fortaleza, uma cidade financeirizada na periferia do capitalismo, requer uma transposição dessa ideia para uma realidade neoliberal na qual se espera trabalhar com os “pontos fracos” e fissuras do sistema, como já abordado anteriormente, en contrados na potência contida na organização coletiva. Dessa forma, a construção da ideia da autogestão e da sua execução em uma rea lidade mais pragmática inserida no capitalismo busca trabalhar nas oportunidades de articulações coletivas que vão de encontro com algumas dinâmicas sistêmicas, e assim se possa construir relações, tanto políticas, econômicas como espaciais, porém mais coletivas e democráticas. Algo que caminhe na direção de uma “outra coisa”, para além das práticas, dinâmicas, lógicas e organizações que exis tem na realidade neoliberal atual. Transpondo essa ideia para a autogestão na produção de moradia, e tornando-a mais palpável de ser realizada dentro do sis

Em 1980, nas edições da CLAS (Cuestiones Actuales Del So cialismo) apresenta-se a seguinte definição do termo “autogestão socialista” da então época: A autogestão é, antes de tudo, uma relação socioeconômica entre os ho mens que se funda no princípio da distribuição segundo o trabalho e não sobre a base do capital, dos meios de produção. A autogestão é, de um modo eloqüente, uma categoria socialista. A mesma só pode desenvol ver-se no campo da propriedade social, isto é, em relações de proprieda de em que os meios de produção e o capital social não são propriedade privada do capitalista nem de grupos de trabalhadores de determinadas empresas, nem objeto de gestão monopólica do aparato burocrático ou tecnocrático do Estado”. (CLAS, 1980 apud Nascimento, 2008).

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Inicialmente, é importante esclarecer o entendimento que se tem do termo autogestão utilizado na parte anterior, mas que permeia todo este trabalho. Esta palavra foi introduzida na língua francesa nos anos 60 para se referir às experiências iugoslavas de autogestão iniciadas nos anos 1950 e dissolvidas a partir do final dos anos 1988 devido à restauração capitalista do país.

Entretanto, a prática da autogestão é bem mais antiga, se originando desde a organização do movimento operário em coope rativas no início do século XIX, buscando outras formas de produção e de trabalho para além das impostas pelas indústrias capitalistas, principalmente a partir da ideologia e das práticas dos pensadores e reformistas Charles Fourier e Robert Owen (BARAVELLI, 2006). A autogestão, assim, está contida nos moldes do movimento operário e do seu movimento de emancipação.

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Além disso, a autogestão em comunidades ou associações de moradores pode prosseguir, após a construção das moradias, para a construção de espaços coletivos e a formação e gestão de aparatos comunitários que geram emprego e renda, como pequenas empresas e cooperativas de consumo, comércio ou de trabalho.

tema capitalista encontrado, chega-se justamente à exigência dos movimentos sociais que as famílias participem do processo de pro dução de suas moradias como um todo, não só apenas ansiando pelo produto final que é a moradia. Isso não se refere ao processo de construção em si das unidades, não se refere à política de mu tirão e autoconstrução por si só, mas na verdade a autogestão na produção de moradia consiste no poder das famílias de escolher e, como já sugere o nome, de gerir os recursos destinados à produção de suas casas. Estas escolhas e recursos podem abranger processos decisórios relacionados à ocupação, à doação, à compra ou ao finan ciamento do terreno, à contratação de assessoria para elaboração do projeto, à aquisição de materiais de construção e ao aluguel de ferramentas, assim como à organização, à administração das obras e ao pagamento de mão de obra.

Na parte anterior do trabalho, afirmou-se que o desenvolvi mento de uma prática ou política de produção de moradias em âmbito municipal por meio da autogestão dos moradores com acompanha mento de assessoria técnica, que é o objetivo da articulação política que se inicia na Ocupação Carlos Marighella (OCM) e que se deseja am plificar, é um novo, mas não tão novo assim, modo de produzir o espa ço urbano. Afirma-se esse enfoque na questão temporal pois, apesar de ser uma prática efetivamente nova para a cidade de Fortaleza, ex periências do mesmo teor já ocorreram em outros países da América Latina e em outros estados do Brasil. Assim, é importante o estudo de experiências passadas de teor parecido para se trilhar a constru ção e a idealização de uma intervenção no contexto de Fortaleza.

No âmbito da habitação, a inserção dos moradores no uni verso da autogestão acompanhados por assessoria em práticas li gadas ao meio institucional vem ocorrendo de diferentes formas na América Latina desde o fim dos anos 60, no caso das cooperativas uruguaias chegando nas cooperativas de Buenos Aires em uma polí tica de âmbito municipal iniciada em 2001 e, no caso do Brasil, desde o fim dos anos 80 especialmente em estados do sudeste do país com direta influência das práticas uruguaias, como em São Paulo e Minas Gerais. Assim, cabe inicialmente o estudo de alguns “recortes de experiências” - termo utilizado neste trabalho devido à escolha de práticas e políticas públicas em períodos específicos - para com preensão dos processos autogeridos na produção de moradia assim como suas conquistas, entraves e lacunas identificados na realidade latino-americana em que se encontram. Portanto, acredita-se que os recortes de experiência da Ley de Viviendas e da FUCVAM no Uruguai, do FUNAPS Comunitá rio em São Paulo, assim como das políticas municipais em Ipatinga e Belo Horizonte em Minas Gerais e das práticas das assessorias Usina e Peabiru nas décadas de 90 e 2000, da Ley 341 e do Pro grama de Autogestión para la Vivienda (PAV) em Buenos Aires e da experiência do instrumento Urbanizador Social em Porto Alegre, a serem estudadas nesta parte do trabalho, de certa forma repre sentam alguns dos principais casos. Estes são importantes para a

Para construção da metodologia desses estudos, a partir do reconhecimento dos elementos comuns entre os recortes de experi ências estudados, e da realidade dos elementos encontrados no pro cesso de assessoria à OCM, foram identificados sete eixos principais que estruturam a descrição, o estudo e a reflexão de cada um dos re cortes de experiência (Figura 3). São eles o marco legal disponível, o processo de obtenção do terreno e do financiamento, o processo de autogestão dos movimentos sociais, o papel desempenhado pelo Es tado e pelas assessorias e como se deu as construções das unidades.

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Uruguai - Ley de Viviendas São Paulo - FUNAPS Co munitário, Usina e Peabiru Belo Horizonte e Ipatinga Buenos Aires - Ley 341PVAe Porto AlegreCréditoUrbanizadorSocialSolidário Minha Casa MinhaEntidadesVida Marco ObtençãoLegaldo ConstruçãoPapelPapelMov.sociaisAutogestão/FinanciamentoterrenodoEstadodaassessoriaefluxogramasleituras, entrevistas3.figura criadametodologia derecortesdosestudopara referência.

compreensão da prática da autogestão na realidade de um capi talismo dependente e periférico. Além disso, escolheu-se incluir o estudo dos programas Crédito Solidário e Minha Casa Minha Vida

Entidades para se observar como se deu a inserção da autoges tão de movimentos populares nos programas habitacionais mais recentes e, mais que isso, em uma política de âmbito nacional.

Como metodologia para realização desta segunda parte do trabalho, além da leitura de fontes secundárias, dissertações, teses e artigos, e fontes primárias, as leis referentes aos casos, procurou -se realizar entrevistas com experts com o intuito de complementar o estudo dos recortes de experiências, favorecendo a sua melhor compreensão, assim como alimentando as reflexões e os questio namentos levantadas ao fim desta parte. Destaque para a compo sição de fluxogramas específicos de cada experiência, facilitando a apreensão dos papéis e das relações entre os agentes. Os estudos contidos nesta parte do trabalho também contribuem com o escopo de exemplos de metodologias, arran jos e técnicas já postos em prática para que depois seja pos sível o melhor desenvolvimento dos produtos deste trabalho, tomando como base a Ocupação Carlos Marighella no atual ce nário de Fortaleza. Além disso, as análises buscam também fo mentar uma reflexão e discussão sobre o papel dos agentes en volvidos nesses processos, as problemáticas encontradas na relação entre agentes e na manutenção da própria autogestão, assim como sobre o aparato institucional disponível em cada caso. Ao fim desta parte, baseando-se no apresentado nos re cortes de experiência, busca-se traçar reflexões e levantar ques tões relativos aos seguintes temas: a autogestão dos movi mentos sociais e dos moradores; o papel da assessoria técnica; os impasses envolvidos; o papel desempenhado pelo Estado e as consequências de sua atuação. Levanta-se essas questões a fim de se chegar na reflexão sobre a idealização e execução das experiências de produção de moradia por autogestão dia logando com a realidade que a cidade de Fortaleza se encontra.

MARCO LEGAL: Verificar a partir de quais dispositivos nor mativos se deram os recortes de experiências estudados. Obser var se a lei é municipal, estadual ou federal, os seus conteúdos, atribuições e ações presentes no seu corpo de texto, referentes às atividades e obras possíveis de serem realizadas, aos agentes envolvidos e suas respectivas funções a serem desempenhadas.

OBTENÇÃO DO TERRENO: Analisar as formas (única opção ou opções variadas), como ocorreu a aquisição / conquista dos terrenos destinados para produção habitacional dos recortes de experiências estudados e apresentar suas principais características. Observar se os terrenos eram desapropriados ou cedidos pelo estado, se eram públicos e se faziam parte de um banco de terras. Verificar se eram privados, se foram adquiridos por meio de financiamentos a longo prazo ou comprados via mercado formal por associações, coopera tivas ou outros coletivos; nesse caso se houve negociações direta mente com o proprietário, a presença de algum intermediário ou de algum mecanismo de facilitação desempenhado pelo Estado. Por último, se o terreno depois de adquirido veio a ser regularizado e se as unidades residenciais tiveram as condições de posse solucionadas.

6968 ementa dos eixos observados em cada recorte de experiência Este tópico tem como finalidade a melhor constru ção da metodologia deste trabalho. Assim, os eixos a se guir apresentam uma descrição dos elementos que se deseja observar e extrair de cada caso estudado, como pode-se observar a seguir na ementa de cada um destes eixos.

FINANCIAMENTO: Investigar como se deu e o que foi abar cado pelo financiamento dos recursos financeiros para realiza ção das atividades e das obras previstas de acordo com o recorte de experiência em especial nos seguintes aspectos: urbanização, compra de materiais, construção e remuneração parcial ou total da mão de obra empenhada. Observar se o agente financiador foi um ente privado, público ou um misto de agentes viabilizadores do financiamento. No caso de ser público, observar se os recursos são municipais, estaduais, federais ou mistos, e como são com postos. Por último, observar qual a forma de obtenção e repasse dos recursos para a associação/cooperativa, famílias ou empresa.

AUTOGESTÃO / MOVIMENTOS SOCIAIS: Verificar como se deu a organização dos movimentos sociais durante os processos realizados nos recortes de experiências estudados. Observar se houve autoges tão no recorte em questão, como se deu e a intensidade da autoges tão dos movimentos sociais e do processo autogestionário de orga nização, projeto, gestão e construção das habitações. Caso não haja autogestão, analisar os motivos da ausência e seus desdobramentos.

PAPEL DO ESTADO: Identificar as atividades desempenha das pelo Estado, como ocorreram e com que intensidade; verificar se havia alguma atividade prevista mas não foi realizada ou que foi delegada para outro agente. Observar a atuação do Estado como

7170 um todo (nos casos que abordam esses serviços), incluindo tanto os espaços de uso coletivo, como as unidades habitacionais. Em segui da, observar as condições de remuneração do regime de construção em questão (mutirão voluntário, mutirão remunerado, contratação de mão-de-obra especializada, contratação de pequena empresa ou contratação de empreiteira), se houve alguma inovação tecnológica de material ou no canteiro de obras, o tempo médio da construção e a redução de custos durante a construção, investigando as suas causas e seus efeitos. articulador, na institucionalização do processo e na obtenção de re cursos. No caso de utilização de recursos públicos, verificar a ori gem, a esfera de governo (municipal, estadual ou federal), de outros agentes financeiros, ou de organismos internacionais, inclusive da cooperação. No caso de recursos privados, observar as relações do Estado com o agente financiador, bem como os papéis, atividades, interesses e influências de cada um na gestão e repasse de recursos.

Primeiro observando em que tipo de regime eram construídos, a ur banização e a implantação de infraestrutura no assentamento como

Observar como se deu a as sessoria nas fases do processo, no projeto e se em alguma outra anterior ou posterior ao projeto, as relações de aproximação com as famílias e, mais especificamente importante, as relações en tre assessoria e famílias durante a elaboração do projeto (se hou ve efetiva participação das famílias em uma ou mais etapas ou se o projeto se deu de forma mais tecnicista), assim como o fechamen to das atividades e/ou posterior acompanhamento pós-ocupação.

PAPEL DA ASSESSORIA: Verificar quais atividades foram de sempenhadas pela assessoria técnica, qual a sua composição, como eram desempenhadas, com que intensidade e se houve alguma ati vidade que não foi desempenhada, apesar da expectativa. Observar se as assessorias atuaram como intermediador entre movimento e Estado, se estavam diretamente ligadas e/ou contratadas pelos movimento/associação/cooperativa.

CONSTRUÇÃO: Analisar como se deu a produção habitacional de cada recorte de experiência estudado, em suas diferentes etapas.

O desenvolvimento econômico e social, acompanhados pela industrialização e urbanização do Uruguai ocorreu de modo menos intenso do que no Brasil, assim apresentando um crescimento popu lacional lento. A população uruguaia dobrou num espaço de 40 anos, entre 1920 e 1960, e após isso o crescimento começa a ser menos acentuado. Entretanto, com a ditadura militar assumindo o país de 1973 a 1985, o país entra em uma outra lógica de gestão e a partir dos anos 90 apresenta índices crescentes de desemprego e pobreza em suas cidades. Montevidéu, a capital, nos últimos anos registra um esvaziamento dos centros urbanos, com muitos imóveis vazios, e a concentração populacional em áreas periféricas e em habitações congestionadas (BARAVELLI, 2006). Passa a apresentar alguns dos traços encontrados nas cidades brasileiras diante do regime neoli beral e da financeirização das cidades.

Esta lei é até hoje o mais importante marco legal da urbani zação uruguaia, sendo responsável por constituir um fundo nacional, o Fondo Nacional de Vivienda, composto por recursos do Impuesto a la Retribuciones Personales (IRP), um imposto territorial dos solos referente a parte da massa salarial do país. Este fundo é operado

Ley de Viviendas e FUCVAM no Uruguai (1968 - )

Como primeiro recorte de experiência estudado, tem-se o Uruguai e sua Ley de Viviendas, os quais são fundamentais estudar e compreender, pois constituem a primeira experiência na América Latina que se dispõe de um marco legal e práticas cooperativas e autogestionárias na produção de moradia. Apesar de ser um caso em âmbito nacional, em uma realidade de maior compreensão da questão urbana da moradia e de maior mobilização em torno dela, é importante conhecer as questões organizacionais e as relações en volvidas já que esta experiência foi precursora de todas as outras estudadas nesta parte do trabalho.

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O Uruguai, país por muito tempo conhecido como a “Suíça da América”, devido às suas grandes reformas e conquistas sociais, foi o primeiro a se assemelhar a um Estado de bem-estar social na América Latina. A partir da década de 1920 praticamente não havia mais analfabetismo no país8, e foi aí quando houve a consolidação de uma rede de instituições econômicas e sociais, nas quais se identifi cam a universalização do ensino público, a implantação de legislação trabalhista e previdenciária, a regulação do sistema financeiro e a infraestrutura exportadora do país, principalmente de produtos re lacionados a criação de gado (BARAVELLI, 2006).

8 Informação extraída de uma aula ministrada por Gustavo González du rante o Curso Internacional “El Modelo de FUCVAM: una solución real para la vi vienda popular” em maio de 2021.

Entretanto, é durante a década de 60 depois de todo esse período de desenvolvimento e de conquistas sociais que, diante de um cenário internacional efervescente com o Maio de 68 na França e a Revolução Cubana, que surgem as três primeiras experiências de produção de moradia por ajuda mútua em 1966 realizadas pelo Centro Cooperativista Uruguayo (CCU), o primeiro grupo de assesso ria, fundado mesmo antes do marco legal. Logo após, é criada a Ley Nacional de Vivienda em 1968.

7574 e gerido por um banco de financiamento, o Banco Hipotecário del Uruguay (BHU). Como Baravelli (2006) aponta, é um sistema seme lhante, mas em moldes completamente diferentes, ao encontrado no Brasil durante o SFH operado pelo BNH (BARAVELLI, 2006).

Em termos de funcionamento da lei e organização para ob tenção do financiamento, os recursos são transferidos para o fundo em questão pelo Ministerio de Vivienda, Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente, o qual prevê quatro faixas de subsídio: 100% para as famílias sem renda, compondo os “núcleos básicos evolutivos”, e para as demais modalidades os subsídios vão de 20% a 46% de acordo com o custo de construção total da unidade. Assim há a possibilidade de atendimento de famílias organizadas em cooperativas, estas poden do ser de “ahorro previo” ou de “ayuda mutua” (BARAVELLI, 2006).

Para melhor compreensão, cooperativas são empreendi mentos econômicos, são associações autônomas de pessoas unidas voluntariamente para satisfazer necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, assim consistem em empresas de propriedade co letiva e geridas de forma democrática. Dessa forma, as cooperativas de “ahorro previo” são empresas coletivas de consumo combinadas com aquisição de crédito nas quais as famílias possuem uma peque na renda prévia que periodicamente investem na cooperativa, assim esse tipo de organização e seus cooperados são capazes de assumir compromissos nos quais já apresentem uma entrada de recursos e contribuições previamente para a aquisição de habitações. Dife rentemente das cooperativas de “ayuda mutua”, as quais são uma forma de empresas de investimento não monetarizado. Ou seja, são compostas por famílias de mais baixa renda que não tem condições de contribuir periodicamente em um fundo coletivo, mas possuem uma renda mínima capaz de amortizar dívidas a longo prazo. Assim, esse tipo de cooperativa ao invés de consistir em uma união de ca pacidades de consumo, consiste em uma união de forças de trabalho para que através dela sejam garantidos o financiamento estatal, a terra, a aquisição de insumos, contratação de assessoramento téc nico e de mão de obra especializada. Diante disso, o foco aqui será o estudo da produção das mo radias pelas cooperativas de ajuda mútua por meio de mutirão, que reúnem famílias de mais baixas rendas que representam a maior parte do déficit habitacional. Baravelli (2006) afirma que a lei é res ponsável por proporcionar um marco legal e de crédito para as coo perativas de habitação por ajuda mútua, que devem possuir núme ro de associados no mínimo 10 famílias e no máximo 200 famílias, divididas nas comissões fiscal, de formação cooperativa e conselho de direção. O financiamento não deveria exceder a 20% da renda das famílias e os subsídios proporcionados pelo Estado à habitação con sistem em contribuições em dinheiro, mão de obra ou serviços téc nicos ou administrativos que contribuam para financiar o acesso à moradia. A organização entre esse tipo de cooperativa e a parte do fundo destinada a elas se mostra muito importante pois é apenas destinada a pequenas empresas coletivas do tipo, deixando de fora desse campo de atuação as empreiteiras, que tendem a monopolizar as atividades de construção civil no sistema capitalista.

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Na Ley de Viviendas se estabelece que as cooperativas po dem se associar a organizações nacionais e internacionais e é as sim que nasce a FUCVAM. A Federación Uruguaya de Cooperativas de Vivienda por Ayuda Mútua (FUCVAM), fundada em 1970, tem um papel fundamental de organização política e formativa, respon sável por unificar as representações das cooperativas9 por ajuda mútua uruguaia de forma que conquista uma proporção capaz de negociar frente a frente com o Estado e com o setor privado. Essa federação é responsável por capacitar quadros de direção e orga nizar a demanda por moradia, o que foi fundamental para a reali dade do Uruguai por possibilitar a resistência desse tipo de prática política às investidas do capital e do próprio Estado tanto no perí odo da ditadura (73-85) como após isso (BARAVELLI, 2006). Além disso, a organização e formação política das cooperativas asso ciadas foi fundamental para produção de milhares de moradias produzidas10 e para disseminação do modelo e formação de no 9 De acordo com a página da FUCVAM, 650 cooperativas são associadas à federação até o momento (21/07/2021) - https://www.fucvam.org.uy/acerca-de/ 10 Segundo Baravelli (2006) até o ano de 2005 haviam sido construídas mais de 16 mil moradias, hoje em 2021, quase 20 anos depois, apesar de não ter sido possível o acesso a esse dado atualizado, acredita-se que o número deverá ser bem maior.

Para seguir na mesma lógica de não permitir a apropriação por empreiteiras ou grandes empresas, nessa relação de produção habitacional por mutirões autogeridos as assessorias técnicas en volvidas são obrigadas a constituírem uma rede de Institutos de Asistencia Técnica (IATs). Isso ocorre com o objetivo de afastar escri tórios ligados às empreiteiras.

fonte: Kaya Lazarini(2013).

imagem 9: Con junto rativaCovimthabitacional1,coopedaFucvam,emMontevideo.

fonte: BARAVELLI(2006).

imagens 10 e 11: CovimtCooperativa9emMontevidéu.

A FUCVAM apresenta instrumentos políticos os quais são fundamentais para o desenvolvimento do seu modelo. São eles o financiamento estatal, a política de solo e os marcos legais. Assim, a partir da Ley de Vivienda, que já assegura a participação do Estado, estabelece um marco legal, gera empregos de assistência técnica, cria relações e condições econômicas para o desenvolvimento de coope rativas de ajuda mútua e, uma das coisas mais importantes, introduz a propriedade coletiva à sociedade, a FUCVAM passa a disputar em meio a isso pela preservação dos instrumentos políticos menciona dos. A lei, dessa forma, inclui a terra, a construção e a assistência téc nica no seu escopo por meio do financiamento, ela em si já é um mar co legal e a partir disso é composta uma “Cartera de Tieras” no país, como um banco de terras do poder público para provisão habitacional, assim garantindo os terrenos para produção de moradia. Entretanto, a lei não inclui no seu planejamento e recursos o pós-obra.

7978 vas gerações de profissionais, tanto assessores técnicos no cam po da arquitetura como em diversos outros campos profissionais.

É importantíssimo a compreensão do nível de aparatos legais e de organização política do processo de construção das moradias, pois são esses elementos que garantiram a durabilidade e a coesão das famílias e cooperativas ao longo dos processos e ao longo dos anos de existência dessa prática. Seguindo os eixos da FUCVAM, que são a autogestão, a ajuda mútua, a propriedade coletiva e a demo cracia direta, as cooperativas ao se organizarem passam por vários momentos de formação política e técnica, com o avançar do proces so, para construção das moradias. Nelas eram obrigatórias algumas atividades, sendo uma delas a participação nas assembleias. Junta mente disso, há uma preocupação fundamental no desenvolvimento da consciência crítica dos cooperados através da práxis, a constru ção da ligação da prática, construção das unidades, com a teoria e o processo de idealização. Assim, apenas após esse processo interno de capacitação e após os trâmites burocráticos de repasse de re cursos para as cooperativas, já descritos, e contratação dos serviços que se dá início aos regimes de mutirões (Figura 4). Estes podem se dar por meio estritamente da mão de obra recém capacitada dos co operados pelas assessorias, mas também pode haver a contratação de mão de obra especializada para o desempenho de ações e etapas específicas. Esta última é uma alternativa que será reproduzida nas experiências seguintes. ley nacional de viviendas (1968) regulamentação,autogestãoerecursos.

4.figura institucionalarranjo

Ministério de Vivienda Ordena miento Territorial y Medio Ambiente BHU (OPERADOR) Fondo Nacional deFUCVAMViviendaImposto a PersonalesRetribucionesla(IRP)Cooperativas de ayuda mutua com número de associa dos mín. 10 e máx. 200 assessoria terra construção - mutirão - mutirão com mão de obra especializada institutos de técnicaassessoria(IAT`s) distribuição dos recursos ViviendasdeLeydaexperiência Uruguai.noFUCVAMe

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Curso Internacional “El Modelo de FUCVAM: una solución real para la vi vienda popular”, realizado em maio de 2021.

o indivíduo e sua família das investidas do Estado burguês. Assim, a cooperativa tem a posse do empreendimento e os cooperados têm o direito de uso da moradia, desde que cumpram suas obrigações diante da organização e gestão coletiva e democrática do empreendimento. Além disso, recentemente a partir de 2005 vem sendo im plementada uma política pública nacional de habitação que tem o modo cooperativo como um de seus pilares e a qual é conduzida por meio de “Planes Quinquenais de Vivienda”. Segundo artigo de Sal vador Schelotto em 201612, estes planos são elaborados de forma participativa e com transparência de gestão dos recursos do fundo público, e são estes planos que somados à prática da FUCVAM per mitiram retomar o impulso do sistema cooperativo no país, não só nas principais cidades uruguaias, mas se disseminando para diver sos territórios. Assim, no primeiro plano quinquenal (2005-2009), do que chamam “onda progressista” no Uruguai, foram produzidas 1.800 moradias, enquanto no segundo (2010-2014) foram produ zidas mais de 3.700 moradias das quais metade se localizavam no interior do país. Já no terceiro plano (2015-2019) a previsão era de financiar 10.000 moradias cooperativas (SCHELOTTO, 2016), mas de acordo com o quarto plano em 202013 mais de 14 mil moradias cooperativas foram terminadas ou estavam em execução até 2019. Assim, assume-se que nos mais de 50 anos da Ley de Viviendas fo

12 Diretor Nacional de Habitação do Uruguai na época de publicação da edi ção em questão da Revista Vivienda Popular. 13 Plan Quinquenal de Vivienda 2020-2024. Disponível em: nal%20de%20Vivienda%202020%20-%202024.pdf-ordenamiento-territorial/files/documentos/publicaciones/Plan%20Quinquegub.uy/ministerio-vivienda-ordenamiento-territorial/sites/ministerio-viviendahttps://www.

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Com a organização e permanente capacitação ocorren do ao nível descrito era possível a melhor gerenciamento, otimi zação da produtividade e menores custos nos canteiros de obras, o que obviamente possibilitou a redução dos custos de produ ção das moradias e que, como consequência, possibilitou a ide alização de unidades com maiores áreas e a execução de tipolo gias diversas de habitações. Essa foi a principal contribuição do modelo uruguaio para o mundo, a comprovação que era possível a produção de moradias de qualidade e de formas variadas res peitando e escutando os futuros moradores com os mesmos re cursos desempenhados na construção tradicional de habitações.

Outro elemento importante trazido pela lei, ou seja, regula mentado pelo próprio Estado, e reforçado na mentalidade das famí lias que integram as cooperativas de ajuda mútua é a noção da pro priedade coletiva. Este é também um dos pontos centrais do modelo e que ainda não conseguiu ser replicado em outros países. A cons trução da noção e preservação da propriedade coletiva mantida pela FUCVAM é fundamental para construção da ideia da autogestão e da sua manutenção. Ramón Fratti (Pro Secretário Geral da FUCVAM), durante a exposição de uma aula do curso realizado pela FUCVAM em 202111, apontou que a importância da propriedade coletiva está ligada à resistência ao capitalismo acumulativo que incide nos terre nos e imóveis, representa uma alternativa à tradicional propriedade privada, garante o exercício do direito humano à moradia e protege

institutos de assessoria técnica (IAT`s) assistênciatécnica - jurídica - educação cooperativa - financeira - econômica - social - projetual - direção de obras formação administrativa dosassociados gestão do canteiro de obras responsabilidade técnicaprojeto e e canteiro 3 frentes de apoio uso econômico do tijolo aparente pré-fabricação leve em canteiro inovações projetuais racionalização dos mutirões figura 5. fluxograma referente à atuação da assistência técnica no Uruguai Com o desenvolvimento de todas as ati vidades organizativas, capacitivas e coletivas, foi possível o desenvolvimento de métodos no vos de gestão do canteiro de obras, dos recur sos e a criação de tipologias novas e diversas, como já mencionado. Assim, Baravelli em seu estudo afirma que a racionalização dos muti rões uruguaios ocorria devido a duas frentes de ações: ao uso mais econômico do tijolo aparen te e à prática de pré-fabricações de elementos construtivos no próprio canteiro de obras, como os trechos de laje compostos de tijolos e arga massa, como se fossem painéis (Imagem 12). Diante dessas frentes de ação muitas inovações e alternativas projetuais foram criadas ao longo dos anos, como um exemplo Baravelli cita: A prova mais bem sucedida é o “sistema cáscara” - sistema casca - implan tado com variações pelos IATs Covima e CCU. Neste sistema, a técnica das paredes de alvenaria pré-fabricadas em canteiro é adaptada para produ zir uma casa de dois pavimentos na qual estaria ausente a laje interme diária entre o piso térreo e a cobertura. Esta “casca” de pé direito duplo e área inicial de 37 m² vai abrigar como único espaço encerrado um banhei ro, cuja parede hidráulica alimenta também uma bancada de cozinha vol tada para o estar e o comedor. Uma pequena laje cobre esta área molha da. Acessada por uma escada, pode servir como dormitório independente. O crescimento da casa (seu caráter “evolutivo”) acontecerá portanto den tro das paredes externas já erguidas através da expansão da laje que cobre a área molhada. Para isso está pronta uma linha de apoio embu tida ao longo de todas as paredes, além de duas vigas centrais que fa “ imagem 12: Laje de painéis de alvenaria e arga massa. fonte: (2006)Baravelli

8382 ram produzidas por volta de mais de 35 mil moradias cooperativas. No que tange ao assessoramento técnico uruguaio, que se assemelha mais às atividades de uma assistência no campo da ar quitetura, poderia envolver ações jurídicas, de educação cooperati va, questões financeiras, econômicas, sociais, de projeto e de dire ção de obras, e além de tudo, possui o limite de 7% do custo total do empreendimento como remuneração máxima. Afirma-se sobre a semelhança da prática profissional mais com a prática de assis tência técnica com relação às atividades de projeto, nas quais as fa mílias não tinham tanta participação na idealização e discussão dos projetos das unidades, sendo um tanto dissociado o processo polí tico pedagógico da FUCVAM da concepção do projeto arquitetônico. Apesar disso, há o apoio dos IATs às cooperativas em 3 frentes: na formação administrativa dos associados para integrar a cooperativa e um empreendimento de construção civil, na gestão do canteiro de obras, especificamente no controle financeiro da construção, e na responsabilidade técnica tanto do projeto quanto do canteiro.

8584 zem o travamento de todo conjunto contra flambagens. Três dormitórios podem ser acrescentados no interior da “casca” já construída, aumen tando para até 72 m² a área útil da moradia. As novas lajes podem ser acrescentadas com sistemas estruturais secos, como vigas de madeira ou perfis metálicos.” (BARAVELLI, 2006, p.131).

Por isso, Baravelli (2006) afirma que diante do jogo de forças entres as cooperativas de habitação e o ambiente institucional da política de habitação existem duas bases de sustentação das coo perativas, uma interna ao canteiro exercida pelos IATs e outra ex terna ao canteiro exercida pela FUCVAM. Apesar da dissociação do processo político pedagógico da FUCVAM da concepção do projeto arquitetônico no que tange a participação no ato de projetar, as tipologias habitacionais geradas a partir dessa experiência mesmo assim refletem o caráter coletivo constantemente construído entre as cooperativas por ajuda mútua na FUCVAM. A maioria das tipolo gias conformam a ideia de coletividade e de propriedade coletiva ao não apresentar a divisão em pequenos lotes, a formação de ambientes coletivos tanto externos quanto internos aos empreendimentos executados (Imagens 9, 10, 11, 13, 14 e 15). Assim, além das ino vações mencionadas, as cooperativas por ajuda mútua uruguaias conseguiram trazer à tona uma possibilidade de provisão habitacio nal que não estão nos moldes padrão de casinhas individuais ou de grandes conjuntos. Prezam pela construção de uma edificação e de ambientes que surgiram de uma organização coletiva e que preten de sediar por muito tempo essa mesma organização coletiva depois de concluídas as obras. Estas obras uruguaias por mutirão tinham como duração mínima o período de 5 anos.

imagens 13, 14 e 15 mente):(respectivaCooperati va de Usuarios por Ayuda Mutua de Mujeres Jefas de Familia MUJEFA, anos geração.detacionalComplexoe2016yViviendaCooperativas1994-97,deCastaliaCuareim,anos–4ªgeraçãoCooperativaHabiBulevard,1972-74–2ª

fonte: Anaís Jorcin. Dessa forma, a prática cooperativa por ajuda mútua autoges tionada de produção de moradia no Uruguai, foi pioneira e o primeiro exemplo do tipo na América Latina, e até hoje o modelo que apre senta maior durabilidade e maior produção habitacional, assim como impacto na economia local por meio do estímulo da criação de coo perativas. Estas podem se ramificar em outras cooperativas de tra balho depois que seus cooperados foram capacitados e adquiriram experiência. Essa experiência, foi responsável por expor ao mundo e provar o potencial autogestionário de organizações coletivas com a finalidade de produção de moradia em menor escala, assim, sendo o ponto de partida de muitas outras práticas do tipo mundo afora, mas especialmente na América Latina (Paraguai, Bolívia, Brasil e mais recentemente em Nicarágua, El Salvador, Guatemala, Honduras e Cos ta Rica). Inclusive sendo referência para outras experiências auto gestionárias realizadas em mais de um estado brasileiro anos depois.

A experiência de autogestão no âmbito do município paulista se dá, como já mencionado, em um cenário de redemocratização no qual a prática do mutirão e da simples e pura autoconstrução são abordados em programas federais como o PROFILURB, PROMORAR, João de Barro e o Programa Nacional de Mutirões Comunitários na década de 80. Entretanto, não havia ainda a autogestão da associa ção de moradores por ajuda mútua. É apenas quando Luiza Erundina é eleita prefeita de São Paulo em 1988, que no ano seguinte come ça-se uma organização do aparato institucional para que seja possí vel a realização de uma política pública municipal destinada a verda deira prática autogestionária na provisão de moradias de qualidade.

8786 per 8” para a comunidade de Vila Nova Cachoeirinha. Lá a associação de moradores adota a ideia e passa a reivindicar à prefeitura os re cursos para execução da construção autogerida por ajuda mútua das moradias. Este caso, cuja primeira casa modelo foi construída em 1982, tem suas atividades e obras estendidas até o fim dos anos 90, tornando-se a semente para a futura implementação do FUNAPS Comunitário na cidade de São Paulo (BARAVELLI, 2006).

O primeiro ano da gestão Erundina foi praticamente para es truturar o arranjo institucional a ser operacionalizado pela SEHAB (Secretaria de Habitação da cidade de São Paulo), mais especifica mente pela sua Superintendência de Habitação Popular (HABI), a qual buscou descentralizar as atividades exercidas ampliando as sim as diretorias regionais existentes, para uma gestão mais apro ximada dos territórios da cidade. Além disso, nessa fase inicial en controu-se conjuntos habitacionais em condições precárias, com problemas de drenagem e problemas estruturais, então sendo ne

São PauloFUNAPS Comunitário e práticas de asessoria da Usina CTAH e Peabiru TCA (1989 - 1995 e 1990 - 2004 )

A consolidação da experiência do cooperativismo autogestionário por ajuda mútua no Uruguai foi o catalisador necessário para a transposição e adaptação dessa prática para o Brasil. Enfrentando uma ditadura militar e com ela grande repressão de movimentos so ciais, o país mesmo assim no início da década de 80 já se encontrava em um cenário efervescente com surgimento de diversas lutas urbanas e de movimentos populares. Como mostrado na parte ante rior do trabalho, a questão da moradia sempre existiu nas cidades brasileiras, e não foi diferente nesse período histórico de grande ar ticulação popular onde houve a organização de associações de mo radores exigindo seus direitos à terra, à moradia e à cidade.

Particularmente em São Paulo, diante da mobilização em tor no da comunidade da Vila Nova Cachoeirinha em 1980/81, o enge nheiro Guilherme Coelho viaja ao Uruguai e filma as cooperativas em execução e construídas e sua organização. Constituindo um marco na prática autogestionária brasileira, o engenheiro traz a filmagem e expõe em diversas favelas promovendo discussões e apresentações do que é aquele tipo de prática, e também apresenta o filme em “Su o funaps comunitário (1989 - 1995)

8988 parte da mão de obra especializada. As vantagens do uso de recursos provenientes de um fundo público, segundo Baravelli (2006) se dava devido ao fato de ser des vinculado das contingências e anualidades do orçamento municipal e também por prever a participação da sociedade organizada através de conselhos gestores, com isso não deixando o gerenciamento dos recursos a cargo exclusivo do poder executivo. É nessa época também que se dá início aos processos até hoje realizados de disputa de movi mentos e associações por políticas e fundos públicos com empresas. cessárias intervenções e até demolições na época (RONCONI, 1995). Diante disso, a Prefeitura de São Paulo cria o Programa FUNA COM no ano de 1989, cujo objetivo era implantar um programa com ações de mutirão na estrutura já existente e depois apenas acom panhar o planejamento estratégico de seu desenvolvimento. Para isso, utilizou-se do Fundo de Atendimento à População Moradora de Habitação Subnormal, o FUNAPS, criado em 1979, destinado à apli cação em regime de fundo perdido, de soluções para os problemas habitacionais da população de baixa renda moradora no município de São Paulo. Sua constante mudança de inserção na máquina ad ministrativa prejudicava o desenvolvimento de suas ações. A partir desse fundo já existente, e criado por lei, criou-se uma ramificação destinada ao atendimento de financiamentos habitacionais volta dos para a política de mutirões autogeridos, o FUNAPS Comunitário.

O programa municipal tinha como objetivo atender famílias de baixa renda por meio da provisão subsidiada de recursos para fi nanciamento a fundo perdido com recursos do FUNAPS Comunitá rio. As famílias deveriam se organizar em associações de mutirantes legalmente constituídas, formadas por grupos de 20 a 200 famílias e os pagamentos a serem realizados por elas possuíam um valor baixo a ser pago ao longo de 144 meses (12 anos). Assim, uma vez or ganizadas em associações, as famílias pleiteavam o financiamento por meio de submissão à supervisão e mediação de produtividade da HABI. Este financiamento concedido pelo fundo às associações destinava recursos para que estas pudessem se autogerir na con tratação de assessoria técnica, compra de ferramentas, aluguel de equipamentos, organização do canteiro de obras e pagamento de figura 6. organização de coordenações da HABI secretariahabitaçãode (SEHAB) superintendência de habitação popular provisão de obras por empreiteiras p/ edificações provisão de obras por empreiteiras p/ infraestrutura construção de lotes favelas FUNAPS comunitário convênios jurídicos cortiços destinado a associa ções de constituídaslegalmentemutirantes as cooperativas de habitação ou associações comunitárias de cons trução, geridas pelos próprios asso ciados, assim como as entidades de assessoria à habitação popular e de desenvolvimento tecnológico reco nhecidas publicamente, receberão apoio e estímulo da administraçãomunicipal.

(HABI) figura 6. processo dedoaprovaçãoconvênio demanda assinatura do convênio regionalescr. coordenação gabinete FUNAPS

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Assim, de acordo com a lei do FUNAPS Comunitário e com o programa que estava inserido, consistindo assim no marco legal desta experiência, haveria a provisão de financiamento para os ele mentos já mencionados por meio do fundo público, e também have ria a disponibilização de terrenos. Neste caso, formou-se um banco de terras pela prefeitura, cujos terrenos poderiam ser obtidos de três formas: adquiridos como propriedade da associação de mutirantes, por doação da Prefeitura ou poderiam ser adquiridos com financia mento especial do FUNAPS, assim somando-se ao valor financiado num período de 12 anos. Houve casos diversos se utilizando dos três tipos de possibilidade de obtenção do terreno.

a otimização do canteiro de obras e a pré-fabricação de alguns ele mentos construtivos, além de sempre que possível buscarem se uti lizar de equipamentos automatizados até para execução da constru ção, a fim de facilitá-la e agilizá-la. A elaboração de um orçamento genérico no início referente à área construída e às demais atividades de construção levando em conta os pontos de financiamento como custos do canteiro, da mão de obra, do acompanhamento técnico e dos materiais de construção foi umas das alternativas de organiza ção prévia de gestão do empreendimento.

estipula um valor máx. por família e um valor máx. por m2 7.figura daoperacionalfluxograma comunitárioFUNAPS financiamento.e- assessoria - compra de ferramentas - locação de equipamentos - organ. do canteiro - pagamento de parte da mão de obra. destina recursos a: 1989 canteiro/equip.-- 4% assessoria -- 4% mão de obra -- 10% material -- 82% obtenção de terreno acomp.proj.3,2%1991--2%--7%13,85%73,95% em 144 meses (12 anos) de acordo com a renda da associaçõesfamíliade 20 a 200 famílias

Apesar de o financiamento estabelecido pelo FUNAPS esti pular um valor máximo por família, o programa estabeleceu também um valor máximo por m² das unidades e o valor de uma área mínima para construção das unidades de 60 m². Assim, nessa política habita cional havia limites de financiamento voltados exclusivamente para construção de unidades habitacionais, mas não havia limites de fi nanciamento para instalação de infraestrutura e aquisição do terreno.

Seguindo as experiências do Uruguai somando-se com o ideário da Reforma Urbana surgido anos antes, as assessorias pre tendiam discutir o projeto das unidades em assembleias e oficinas, incluindo os mutirantes desde o início do processo de concepção do empreendimento, utilizando-se para isso de várias interfaces de participação, sendo a mais comum o uso de maquetes móveis. Sem pre seguindo a lógica de ligação entre o processo de produção e o produto da autogestão. Com isso as assessorias também buscavam programa FUNACOM (1989) - construção mínima de 60 m2 - ao fim, foram produzidas uni dades de 56m2 e 75m2 FUNAPS Comunitário financiamento - propriedade da -associaçãopropriedade da FUNAPSespecial-prefeiturafinanciamentodo

Já o trabalho da assessoria técnica nos anos 80 e 90 foi mui to importante para as disputas na época, inclusive para concepção de programas alternativos, formas de controle das ações do poder público e em assumir o processo de gestão de produção de mora dia. Assim, elas eram contratadas pelas associações dentro do valor subsidiado e financiado pelo Estado, e tinham como valor máximo de sua remuneração 4% do valor total do financiamento, podendo haver um acréscimo de 1% em projetos de infraestrutura mais complexa.

É uma relação dialética, onde a nitidez dos papéis é (RONCONI,inquestionável”.1995,p.59). Assim, para além da simples visão da autogestão óbvia das associações que ocorreu no programa, na qual ficava claro que os recursos eram transferidos e elas eram responsáveis pelas contra tações e gestão de como investir esse dinheiro, há uma visão mais complexa. A autogestão das associações estava inserida numa reNa execução dessa política, que aqui neste trabalho se consi dera o período de 1989 a 1995, englobando além dos anos de gover no Erundina o primeiro, quando havia recursos devido ao orçamento aprovado no ano anterior, e o segundo ano de governo municipal de Paulo Maluf quando a participação do FUNAPS no orçamento da Se cretaria de Habitação foi praticamente extinta (BARAVELLI, 2006), houve algumas problemáticas. Uma delas, como Ronconi (1995) aponta, foi a dificuldade dos pagamentos no período em que havia grande inflação e com isso aumentando os valores financiados em alguns pontos da noite para o dia. Esse fato levanta uma questão fundamental, que será discutida mais a frente, sobre o cuidado que se deve ter com o endividamento da população pobre ao se inserir em sistemas de crédito e de financiamento. Uma outra dificuldade foi a demora na liberação dos recursos às associações.

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E é somente a autogestão do empreendimento que viabiliza o programa. Da forma, tradicional, com a HABI comprando materiais, contratando mão-de-obra, remunerando a elaboração do projeto, etc. Não seria pos sível realizar com os mesmos custos o mesmo produto. Mas, simultaneamente, é apenas porque a Prefeitura normatizou e implantou um programa com essas características, que foi possível o desenvolvimento das associações nesse campo, que foi possível o de senvolvimento das assessorias técnicas e o próprio desenvolvimento de alguns setores da máquina pública.

mutirantes e do processo produtivo. Esta desalienação resultou na qualidade de execução da edificação, no controle de desperdícios de obra e na permanência da vida associativa (BARAVELLI, 2006). So mado às vantagens conquistadas nesse processo, Baravelli afirma que “a desalienação do trabalho é a sua única tecnologia própria”, entretanto, isso toca no ponto da precarização e do sobretrabalho imposto às famílias associadas não remuneradas pelo trabalho re alizado. Este ponto e suas questões serão melhor discutidos ao fim desta parte do trabalho, frente a todos os recortes de experiências estudados. Diante disso, a autogestão se mostra essencial para exe cução do programa paulista como conta Ronconi (1995):

Por outro lado, a autogestão das associações formadas é um ponto importante. Nesse caso da experiência de São Paulo, apesar de não haver uma organização formativa e coletiva tão grande e duradoura como na FUCVAM, as famílias se apropriam bastante de todo processo produtivo, principalmente do projeto das suas mo radias, talvez até mais do que as famílias cooperadas uruguaias. O processo de mutirão paulista baseado nas cooperativas uruguaias acaba assumindo uma questão das cooperativas de produção nesse ponto, que seria transformar em vantagem a desalienação do traba lho por meio de um processo pedagógico. Assim, a importância das discussões e do período de capacitação nas associações construindo o ideário da autogestão foi chave para construção dessa “coletivi zação do empreendedorismo” e da noção dessa desalienação dos “

No início foram produzidas casas térreas em lotes individu ais e depois com o avançar da política houve a grande produção de casas e sobrados geminados, formando uma ou duas fileiras de ca sas justapostas. As casas apresentavam em cada caso suas pecu liaridades, mas aqui tentou-se fazer um esforço de extrair a ideia central das tipologias de sobrado que consistia basicamente no tér reo forma primeiro pela sala, um banheiro no espaço intermediário e uma cozinha, podendo também ter área de serviço, e no primeiro pavimento se localizam os quartos, sendo dois ou três e um banhei ComunitárioFUNAPSdoexperiência

habitacionais diversas como no Uruguai. Entretanto houve uma adaptação à realidade brasileira inclusive de materiais mais comuns, diferente dos tijolinhos usados pelas cooperativas uruguaias. Outro fator que caracteriza as tipologias surgidas no FUNAPS é a presença forte da noção de propriedade privada e ausência de alternativas de propriedade coletiva, mas também da própria mentalidade do grupo de aceitar usufruir do direito de uso do imóvel e não da sua posse individual.Foi diante disso que os mutirões do FUNAPS Comunitário apresentavam em média cerca de três tipologias diferentes levando em conta a conformação das famílias, às vezes com a mesma área outra vezes com pequenas diferenças de tamanho. Assim, todas as tipologias eram desenvolvidas levando em conta a opinião e as von tades dos mutirantes apresentando assim uma conformação indivi dual de casinhas, ou sobrados e depois, a partir de 1991, quando se realizou uma alteração na lei do FUNAPS melhor distribuindo os re cursos (Figura 8), de “predinhos” de 3 a 5 andares (RONCONI, 1995).

A autogestão das associações e essa co-responsabilidade entre os recursos, juntamente do acompanhamento próximo das assessorias na elaboração dos projetos mas principalmente duran te o canteiro de obras, possibilitou o desenvolvimento de tipologias

alidade institucional, ou seja, cabia também ao poder público a sua organização para angariar recursos em grandes volumes, para após isso os gerir e distribuir entre os empreendimentos a serem realiza dos. Como consequência também cabia às associações o empenho desses recursos, disponibilizados em parcelas, nas atividades pre vistas a serem executadas. Devido a isso que o autor acima citado também afirma que durante a política municipal do FUNAPS Comu nitário, ao se olhar por esse lado, houve a co-responsabilidade entre Estado e associações no uso de recursos (RONCONI, 1995).

FUNAPS Comunitário associações (20 a 200 famílias) HABI/SEHAB/Prefeitura assessoriaconstruçãoterra - mutirão - mutirão com mão de obra especializada locaçãocompramateriaisdeferramentasdeequipamentosorgan.docanteiropagamentodepartedamãodeobra distribuição dos recursos8.figura dainstitucionalarranjo

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Paulo.Sãodecidadena

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ro. Com uma característica bem brasileira, os sobrados geralmente apresentavam uma varandinha no pavimento superior, ocupando apenas metade da fachada do pavimento ou ela inteira.

figura 9: Foto pág. 129 pologiasautorReginaldodissertaçãoRonconi(1995)ondeoapresentatidesenvolvidasnosmutirõesQueroumTetoI,IIeIII.

Outro grande mérito das experiências do FUNAPS Comunitá rio em São Paulo foi a gestão do canteiro de obras e o uso de alter nativas, pré-fabricação e de diversos materiais construtivos. As uni dades construídas por mutirão foram inicialmente utilizando blocos de concreto estrutural, com armações nas amarrações de parede, depois também se usou blocos cerâmicos estruturais, alguns que possibilitaram a passagem das instalações e tubulações pequenas quando as paredes eram levantadas. Houve uso também de alvena ria armada, outros de blocos de concreto e uso de concreto indepen dente, alvenaria autoportante e por último houve alguns casos de uso do sistema construtivo hoje tradicional de estrutura de concreto e tijolos cerâmicos como vedação. Estes três últimos sistemas foram utilizados na construção dos pequenos edifícios. Os revestimentos ficavam a cargo das famílias e variavam de acordo com a capacidade de investimento delas.

fonte: RONCO NI (1995, p. 129). imagens 16-23: Tipologias produzi das no Comunitário.FUNAPS fonte: (1995)RONCONI

Projeto “Quero um Teto I” tipologia 1 com 66 m2. Projeto “Quero um Teto II” tipologia 2 com 67 m2. figura 54. Projeto “Quero um Teto I” tipologia 1 com 66 m2. figura 55. Projeto “Quero um Teto II” tipologia 2 com 67 m2.

fonte: RONCONI(1995)

Além disso, também tomando como referência as cooperati vas uruguaias, houve o desenvolvimento da pré-fabricação do pró prio canteiro, onde os mutirantes e assessorias construíram oficinas e usinas para sediar as atividades de pré-fabricação e que depois serviriam de áreas de uso comum. Nesses espaços, eram fabricados painéis de elementos cerâmicos e concreto armado, vigas jacaré e degraus em argamassa para montagem das escadas, assim também como algumas peças de esquadrias e contra-vergas de alvenarias e argamassa. Para isso havia a divisão dos mutirantes entre equipes destinadas à pré-fabricação, às fundações, à argamassa, ao levanta mento de paredes e outra dependendo das necessidades. As obras, devido a constância no repasse de recursos, tinham sua duração média por volta de 14 meses ou pouco menos que um ano e meio.

imagens 24-27: Organização painéisdenitário.FUNAPSpré-fabricaçõeseproduzidasnoComuRespectivamente:Equipedefundaçõesdomutirão,equipepré-fabricaçãodeelementosemconcreto,vergapré-fabricadaedeelementoscerâmicoseconcretoarmadopré-fabricado.

A experiência do Funaps Comunitário durante a gestão de Luiza Erundina em São Paulo foi o marco inicial que mostrou que era possível e de que formas era possível executar uma prática de produção de moradia por autogestão no Brasil. Adaptando para a realidade política, social e jurídica brasileira o FUNACOM transpôs os elementos fundamentais do modelo uruguaio, com exceção da propriedade coletiva que se chocava com o modelo jurídico brasi leiro, a autogestão das famílias, o processo político pedagógico de construção de uma ideologia coletiva e a capacitação de possíveis funcionários da construção civil. Assim, tornou-se um modelo brasi leiro estudado até hoje e que serviu de base para reprodução deste tipo de política habitacional para outros municípios como Ipatinga, Belo Horizonte, Porto Alegre e Fortaleza.

Apesar de não consistir uma experiência de produção de mo radia por autogestão em âmbito municipal, é importante para este

Dentre elas estavam as assessorias Usina CTAH, criada em 1990, e Peabiru TCA, criada em 1993, ambas ainda em atuação vinculadas às práticas autogestionárias da habitação.

Foram esses tipos de escolhas e de atividades desempenha das na época que possibilitaram que houvesse a construção de uni dades de áreas variando entre 56m² a 75m², e, comparado à produção habitacional padrão da época em São Paulo, por empreiteira dentro do Programa Cingapura, que as unidades feitas pelo FUNAPS fossem 98,97% mais baratas e com apartamentos 30% maiores em área (RON CONI, 1995). Sem falar de todo o processo formativo e de capacitação profissional e político por qual as associações passaram. Assim, esta política municipal que durou praticamente o tempo de uma gestão de prefeitura foi responsável pela produção de mais de 12 mil moradias.

usina ctah, peabiru tca e a produção por autogestão nos anos 90 e 2000 (1990 - 2004) Após a desmobilização de recursos destinados aos FUNAPS Comunitário em 1994, impactando completamente os recursos do ano seguinte destinado a esse fundo e portanto, destinado aos mu tirões autogeridos, houve o arrefecimento da produção habitacional municipal de São Paulo por autogestão. Ao mesmo tempo que acontecem as políticas do BNH de mutirão e a política municipal do FUNAPS, no âmbito estadual de São Paulo há a criação primeira mente do Programa Municipal de Habitação em 1984, o qual tinha o mutirão como pressuposto, e após ele o Programa Mutirão União dos Movimentos por Moradia (UMM) em 1991. Esses programas são responsáveis por financiar algumas obras de produção de mora dia por autogestão no âmbito estadual que foram importantes para dar continuidade a essa prática mesmo após o fim do FUNACOM. Entretanto, ainda no “limbo” de políticas habitacionais nacionais de grande escala e de políticas municipais de produção de moradia por autogestão, há a construção de um programa estadual em São Paulo voltado aos mutirões autogeridos, o Programa Paulista de Mutirão e Autogestão em 1995, aproveitando-se da crescente mobilização popular e do surgimento do grande número de assessorias técnicas.

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Diante disso, o Programa Mutirão União dos Movimentos por Moradia (UMM) nasceu da reivindicação de movimentos orga nizados de luta por moradia e tinha inicialmente como objetivo a construção de mais de 3 mil moradias. A provisão de terrenos foi completamente realizada por doação de órgãos públicos, sendo eles de patrimônio da CDHU, ou doados pela Prefeitura de São Paulo, ou terrenos das associações hipotecados à CDHU ou terrenos doados por outras prefeituras da Região Metropolitana. Assim, em um mo mento de profusão de movimentos populares e de surgimentos de várias ocupações, a Companhia passou a privilegiar a formação de estoques de terrenos (ROYER, 2007).

assessoriaconstruçãoterra - mutirão - mutirão

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trabalho observar os elementos desse tipo de prática, principalmen te com relação às duas assessorias citadas e suas práticas. A Usina é uma assessoria criada por três arquitetos no ano de 1990, no momento efervescente de mutirões paulista. Esse grupo se tornou referência pela defesa da ideia de arquitetura como prática política nas políticas de mutirão e por produzirem, de forma verda deiramente participativa, uma diversidade de tipologias de unidades habitacionais, principalmente inovando em práticas no canteiro de obras e na verticalização de conjuntos construídos por regime de mutirão. A Usina, apesar de surgir no início dos anos 90, só possui três projeto inserido no FUNAPS Comunitário (Conjunto Talara, 26 de Julho e Casa Branca) e concentrou suas práticas dessa década e do início da década seguinte no Programa Paulista de Mutirão e Auto gestão, executando pela Companhia de Desenvolvimento Habitacio nal e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), algumas inseridas no Programa Mutirão União dos Movimentos por Moradia (UMM) e em práticas executadas pela Companhia de Habitação Popular (COHAB), de responsabilidade do governo municipal. A Peabiru Trabalhos Comunitários e Ambientais é uma ONG de assessoria técnica fundada em 1993 por profissionais multidisci plinares. O grupo atua em diversas frentes, desde acompanhamento de comunidades e movimentos até a realização de pesquisa, planos, projetos urbanísticos e arquitetônicos de forma participativa. Além disso, o grupo também desenvolve projetos de cursos populares e oficinas de assessoria técnica. Desde o fim dos anos 90 a Peabiru também atua na produção de moradia de forma participativa, pos suindo projetos desenvolvidos com orçamento e inseridas em polí associações Prefeitura com de obra especializada

locaçãocompramateriaisdeferramentasdeequipamentosorgan.docanteiropagamentodepartedamãodeobra distribuição dos recursos doação - infraestrutura - ativ. téc. fiscalizaçãode depois 10.figura institucionalarranjo naCDHUdaexperiênciasde 90.dedécada

ticas públicas de diversas prefeituras do estado de São Paulo, pela Prefeitura de São Paulo e por projetos em âmbito nacional, com o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) e pelo Programa Mi nha Casa Minha Vida Entidades. Assim, sua atuação na produção de moradia por autogestão no Estado de São Paulo não é tão frequente, como também não corresponde ao seu único foco; entretanto esse tipo de atuação desempenhado pelo grupo também se manteve ao longo das últimas décadas, inserida nas políticas habitacionais.

CDHU

mão

Esse programa estadual funcionava de modo parecido com o FUNAPS Comunitário. Segundo Royer (2007), inclusive a autogestão realizada dentro dele teve muita influência das experiências do pro grama municipal da época. Assim, os recursos para construção dos conjuntos eram repassados da CDHU para as associações comunitá rias cadastradas na Companhia, estas então realizavam a autoges tão do empreendimento decidindo sobre as atividades que o recurso buscava abarcar: compra do material de construção, de mão de obra especializada, de projetos e de administração de obra e de canteiro (contratação de assessoria). Os terrenos, como já mencionado, de propriedade da CDHU, ou de prefeituras ou das próprias associações recebiam infraestrutura por meio da CDHU ou pelas associações com apoio das prefeituras. No entanto, se o terreno fosse da CDHU e ela também fosse responsável pela infraestrutura os custos seriam financiados à população juntamente com o valor para as outras ati vidades descritas. Já quanto às tipologias, Royer (2007) conta que a maioria adotada pelas associações consistia em edifícios de quatro a cinco pavimentos, os “predinhos” construídos por mutirão iniciados no FUNAPS, e com área útil máxima de 54 m²/unidade. Após a experiência do Programa Mutirão UMM que chegou a produzir 3.554 unidades e que provou que era possível atingir 54 m² de área útil com mutirão enquanto o padrão CDHU atingia 51 m², foi desenhado o Programa Paulista de Mutirão e Autogestão. Este programa funciona de modo parecido com o anterior apresentando a CDHU como agente financiador, entretanto agora inserindo no valor custos indiretos. Além de disponibilizar para financiamento os re cursos para edificação, projetos e administração de obras, também imagens 28 e 29: Conjunto (1991-1998)Copromo fonte: Usina CTAH. imagens 30 e 31: Conjunto União da Juta (1992-1998) e Conjunto Juta Nova (1993-1999).Esperança fonte: Usina CTAH.

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insere no financiamento recursos para o custo de terrenos e obras de infraestrutura realizadas pela CDHU, assim como atividades téc nicas e de fiscalização da Companhia (ROYER, 2007). O tempo de execução das obras de mutirão eram relativos, mas a maioria con sistia entre 9 ou 10 anos de duração para todo o processo desde o primeiro contato.

imagens 33, 34, 35 e 36: Conjunto Che Guevara (2008). fonte: Peabiru rutca.org.br/).(http://www.peabiTCA imagens 35 e 36: Conjunto Parque do Gato (2003). fonte: Peabiru rutca.org.br/).(http://www.peabiTCA

imagem 32: Con junto Che Guevara (2008). fonte: Pe abiru TCA www.peabirutca.(http://org.br/).

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Nesse programa, após se verificar alguns entraves no ante rior com relação a formalidade das associações e preenchimento das exigências técnicas do programa, assim como a dificuldade de dispo nibilização de terrenos, a CDHU tomou uma posição mais limitadora. Assim, a Companhia acabou incidindo na autogestão do processo pelas associações assumindo decisões que caberiam a estas últimas e não ao órgão estadual, como a proibição da elaboração de proje tos próprios pelas assessorias e a influência que exercia diretamen te sobre as associações na escolha das assessorias (ROYER, 2007).

Era nesse contexto que somando a posterior ação de provi são de financiamento da COHAB/SP que houve a produção marcan te de conjuntos construídos por meio de mutirão e de um processo autogestionário político pedagógico, cujo resultado foram unidades com qualidade arquitetônica e espacial, assim como duráveis. Foi com o financiamento realizado pelas políticas da CDHU que foram realizados os mutirões dos conjuntos Copromo, União da Juta e Juta Nova Esperança pela assessoria Usina. E foi ao fim dos anos 90 com apoio da COHAB/SP que a assessoria Peabiru realizou em parceria com as famílias os projetos e obras dos conjuntos Recanto da Felici dade (1999) e Che Guevara (2008). Nessa experiência da Peabiru não se conseguiu informações sobre o tempo de execução das obras de mutirão.

O Mutirão Nova Conquista era gerido completamente por gestão popular e organização das famílias de maneira autônoma. O financiamento se deu ao início por meio de recursos arrecadados por meio de rifas, festas e serviços feito pelos moradores e depois de algum tempo a PMI se comprometeu a arcar com 50% dos gastos, entretanto sem ceder técnicos para a obra. Assim, todo o gerencia mento, concepção e execução da obra foram feitos pela coordenação do mutirão e pelas famílias organizadas, dispondo apenas de ação da prefeitura quanto ao uso de máquinas para movimentação de terra no terreno. O mutirão foi finalizado em 1990, as casas ocupa das assim que terminadas e essa prática consistiu em um elemento que o poder público não poderia ignorar na formulação da política habitacionalApesarmunicipal.daautogestão e grande organização dos mutirantes, nesse piloto pode-se dizer que não houve o desenvolvimento de for ma adequada pois impôs um grande trabalho sem acompanhamen to técnico, por tanto passível de alguns equívocos, além do fato das famílias arcarem com metade dos custos em um momento de uma autogestão em ipatinga (1989 - 1998)

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Minas GeraisAutogestão em Ipatinga e Belo Horizonte (1989 - 1998 e 1994 - 2004 )

A Ocupação Nova Conquista é realizada em um terreno da cidade, com organização das famílias e dos movimentos, e seu mu tirão tem início quando são doados 2.500 lotes e a distribuição de título de propriedade. Entretanto, isso ocorreu no final da gestão do prefeito e nas vésperas da eleição, assim após o prefeito perder a eleição o proprietário da área pediu a reintegração de posse ou em troca uma indenização. Diante disso, o governo municipal é assu mido pelo PT (1989-93), que era ligado ao movimento por moradia, e depois de idas e vindas a Prefeitura Municipal de Ipatinga (PMI) decide expropriar a área e permitir a permanência das famílias para início do mutirão (CONTI, 1999).

Ipatinga é uma jovem cidade que teve seu desenvolvimento urbano e econômico com a chegada da Usiminas, siderúrgica em operação desde 1962. A estruturação da cidade se dá por meio de duas famílias latifundiárias que também assumiram a administração municipal. Assim, a usina buscava estimular o crescimento autôno mo da cidade, por isso Ipatinga recebeu linhas de financiamentos habitacionais e de desenvolvimento urbano. O acesso à moradia e à moradia era possível através do mercado imobiliário ou através de um emprego na usina (conjuntos e vilas operárias), assim excluindo completamente as famílias de baixa renda que não conseguiam em prego na usina (CONTI, 1999). A partir da década de 80 houve um “boom” econômico e de desenvolvimento da cidade, quando chegaram novas atividades econômicas e mais a frente uma nova administração do município de cunho popular. É nessa década que surge a Ocupação Nova Con quista que se tornará o piloto da prática de autogestão no município.

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Além disso, a PMI buscou bastantes referências nas práti cas realizadas durante o FUNAPS Comunitário em São Paulo, bus cando inclusive, nas suas primeiras experiências, a contratação da assessoria Ação Direta que já havia construído conjuntos por meio de mutirões autogeridos. Entretanto esse fato contribuiu para o em bate e desentendimento desta assessoria com a AHI, pois esta últi ma reunia todas as associações de moradores da cidade, tinha uma prática autônoma e impositiva muitas vezes não levando em conta a opinião técnica, assim como possuía uma relação muito próxima com a gestão do PT municipal. Após isso, a AHI montou uma equipe de técnicos locais já conhecidos e alinhados com a associação.

PMI associação assessoriatécnica distribuição dos recursos depois financiador construção - frentes voluntárias - frentes de trabalho remuneradoempreiteirasmutirão compra dadesapropriaçãoou terra 11.figura deinstitucionalarranjo autogestãodeexperiências Ipatinga.em

Dessa forma, a prática de produção por autogestão em Ipatinga se dava por meio de repasses de recursos da PMI às asso ciações, por meio da AHI, para estas então gerirem o dinheiro para situação habitacional precária. Entretanto, no ano de 1990 foi criada a Associação Habitacional de Ipatinga (AHI) cujo objetivo era levar ao poder público as reivindicações das famílias de baixa renda. No mesmo ano foi criada a Coordenadoria de Habitação (CHI). É impor tante ressaltar que a gestão municipal era bem alinhada com o mo vimento de moradia e por isso havia uma forte relação entre o PMI e a AHI, somando-se com uma relação próxima com a Igreja Católica que possuía forte mobilização popular na época. Assim foi montada uma estrutura para viabilização das ex periências de autogestão na produção habitacional em Ipatinga. So mado a isso, a incorporação de dois profissionais que haviam traba lhado em Belo Horizonte na elaboração do PRODECOM (1979) e do PROFAVELA (1983) foi fundamental para inserção da autogestão no aparato institucional. Os programas citados são os primeiros de Mi nas Gerais a introduzirem a autogestão por organização popular na produção de moradia e serão aprofundados no tópico seguinte deste trabalho. Foi a partir das experiências desses programas que Ipatin ga, com os elementos fundamentais a disposição que eram uma as sociação habitacional, afinidade desta com a PMI e recursos da PMI a disposição, adotou a criação de crédito habitacional, a diminuição de entraves burocráticos, a participação das famílias como agentes interlocutores, promotores, executores e fiscalizadores das ativida des. Além disso, o valor financiado pela prefeitura para autogestão das famílias também englobava a remuneração de uma frente de trabalho e a contratação de assessoria técnica (CONTI, 1999).

geridos e geridos pelo poder público, assim como sua quantificação (Figura 12). Assim, é possível ver a gradual mudança de teor das prá ticas de provisão de moradia ao longo do tempo.

a aquisição de materiais, equipamentos, mão de obra e para con tratação de equipe local, apesar de inicialmente, de acordo com as fontes de pesquisa utilizadas14, a PMI ter realizado a contratação da assessoria de fora. Após isso, os mutirões dispunham de Frentes de Trabalho Remunerado (FTRs), que ocorriam durante a semana, e Frentes de Trabalho Voluntárias (FTV), que ocorriam nos finais de semana. Cabe ressaltar que nas FTRs os mutirantes eram treinados e contratados pela associação para as obras. Estes recursos repas sados, entretanto, não provinham de nenhum Fundo Municipal, por tanto, dependiam apenas das disponibilidades orçamentárias e da vontade do poder executivo da cidade (BOREL, 2020).

14 CONTI

O caso de Ipatinga se torna um pouco inconstante quando se observa que ao longo do tempo, por não estar inserido em nenhum programa, nem contar com seus recursos financeiros vindo de al gum fundo público, culminando com o reconhecimento de arranjos institucionais bem variados na sua composição. Com o passar do tempo a PMI que arcava com os custos das unidades, em alguns ca sos, passou a tentar dividir a provisão de recursos com outros agen tes públicos e privados, como foi o caso da Caixa Econômica Federal e da Companhia Vale do Rio Doce, como no caso da construção do Conjunto Vale do Sol (CONTI, 1999). Além disso, os empreendimen tos nem sempre foram autogestionários. Ao longo dos anos hou ve atuações variando entre a autogestão por meio de mutirões e a construção gerida pelo poder público por meio de empreiteiras. Conti (1999) traz em sua dissertação a divisão dos conjuntos entre auto (1999); BOREL (2019); MORAIS (2019). Diante disso, é importante reconhecer que a prática da autogestão de mutirões em Ipatinga foi importante para mostrar a po tência da organização popular e a importância do apoio do governo municipal. Conti (1999) e Borel (2020) afirmam que essas práticas só foram iniciadas devido à forte coesão entre os participantes, ao apoio e presença do movimento da Igreja Católica e ao apoio da então gestão municipal, sendo o modelo autogestionário de Ipatinga marcado por estes três fatores. O recorte de experiência de Ipatinga traz também êxitos fundamentais para a defesa da prática autogestionária. Duran te os processos de mutirão foi possível a redução do custo das moradias, a qualificação dos mutirantes, o uso de frentes de tra figura 12: Conjun tos de Ipatinga de 1989 até 1998. fonte: pág. 103 de CONTI (1999).

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Por último, cabe aqui relatar que não se obteve muitas infor mações e imagens sobre as tipologias habitacionais geradas pelos mutirões de Ipatinga, chegando apenas aos registros da construção dos “predinhos” de dois ou três andares. Estes construídos por alve naria estrutural e argamassa como já mencionado.

possível se fazer um paralelo com o que Marcelo Lopes de Souza de fine como cooptação, sendo essa perversa no sentido que promove a desmobilização e enfraquecimento dos movimentos. A autogestão assim, não foi devidamente exercida, talvez até pode-se afirmar que não houve autogestão efetivamente ao observar-se rigorosamente o processo de projeto, no qual não havia participação popular e auto gestão, esta última era apenas exercida durante as obras. Somado a isso, é importante para este trabalho lançar atenção sobre o fato de a falta de um fundo público e de uma política habitacional consisten te contribuíram para que a verdadeira prática autogestionária não tenha se consolidado em Ipatinga.

figura 13: Mutirão 1° de Maio Ipatinga.em fonte: FERREIRA E PEREIRA (2014).

balho remunerado com os próprios mutirantes e, além de tudo, inovações tecnológicas. Foi nos mutirões de Ipatinga, especifi camente no Mutirão 1° de Maio, que houve o desenvolvimento de práticas de uso de alvenaria estrutural não armada e do bloco Usamix, um bloco de solo cimento formando tijolos furados e la minados. A duração de execução dos mutirões autogeridos de Ipatinga girava em torno de 4 a 5 anos para serem finalizados.

Entretanto, cabe aqui apontar algumas problemáticas encontradas neste caso. Primeiramente Conti (1999) afirma que a AHI, por sua grande proximidade com o poder municipal, acabou se en contrando sem muita autonomia e com ações limitadas, isso tam bém devido à constante inflação da época. Borel (2020) afirma que é imagem 37: Muti rão 1° de Maio em Ipatinga. fonte: FERREIRA E PEREIRA (2014).

Nesse contexto local, e também, se alimentando das ideias do FUNAPS e de Ipatinga, o Fundo Municipal de Habitação Popular (FMHP) recebe nova regulamentação pela gestão de BH em 1993, e seus recursos seriam geridos pela URBEL, e fiscalizados pelo Conselho Municipal de Habitação (CMH) criado pela mesma lei neste ano, Lei 6326/1993. Segundo Morais (2019) diante disso o Sistema Mu nicipal de Habitação durante a gestão é formado por uma Política Municipal de Habitação (PMH), que deveria ser elaborada pelo CMH e executada pela URBEL com recursos do FMHP.

autogestão em belo horizonte (1994 - 2004) A experiência de Belo Horizonte (BH) surge diante dos resul tados alcançados em São Paulo e em Ipatinga no início dos anos 90. A autogestão em BH surgiu a partir da gestão municipal também do PT que assumiu em 1993. Mas antes é importante falar que a polí tica municipal instaurada em 93 é resultado de intensa luta urbana por moradia, e também, dos programas PROFAVELA e PRODECOM.

Primeiramente o Programa de Desenvolvimento de Comuni dades (PRODECOM), criado em 1979, era destinado ao atendimento de melhorias e investimentos em assentamentos informais. É ape nas a partir desse programa que segundo Morais (2019) a cidade passa a encarar as favelas de outro modo e não como um caso de polícia ou problema sanitário. Nesse programa havia a autogestão de empreendimentos públicos em favelas consolidadas, com recur sos repassados da prefeitura às associações, assim introduzindo a prática autogestionária na cidade. Após isso, é criado o PROFAVELA em 1983, que é administrado pela Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (UR BEL). Neste programa houve o foco em aspectos jurídico-fundiários para resolver a propriedade da terra, assim dando maior atenção ao estabelecimento da propriedade privada individual. Assim, o PROFAVELA contribuiu para a perda de organização popular (MORAIS, 2019).

Em 1994 foi elaborada a PMH de Belo Horizonte por meio de participação popular dos movimentos de moradia. Esta política pos suía duas principais frentes de ação, a primeira referente a assenta mentos existentes e a segunda referente a novos assentamentos, esta última poderia apresentar três formas de gestão nas suas ativi dades: gestão pública, cogestão e autogestão.

Com a PMH dando esta abertura de uma frente de ação voltada para novos assentamentos em 1996 é criado o Programa de Produção de Conjuntos Habitacionais por Autogestão. O programa foi criado por técnicos da URBEL contando com a expertise da assessoria Usina CTAH. Assim, o Programa de Produção de Conjuntos Habitacionais por Autogestão apresentava seu arranjo institucional em quatro partes, como agente operador do poder público a URBEL, os gru “

A primeira consiste “na forma de gestão onde o poder público gerencia todo o processo de produção do programa habitacional, incluindo a com pra de área, a elaboração dos projetos, a execução das obras e serviços e o acompanhamento pós ocupação”, a segunda consiste “na forma de ges tão onde há uma divisão das atribuições de gerenciamento do processo de produção do programa habitacional entre o poder público e o movimento popular organizado e a terceira se refere à “forma de gestão onde o movi mento popular organizado gerencia todo o processo de produção do pro grama habitacional” (BELO HORIZONTE, 1994, s/p apud MORAIS, 2019).

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participativoorçamentohabitacional(OPH)

Buscando uma visão mais interna na elaboração de gestão do programa, Morais (2019) identifica que não havia consenso quanto aos grupos políticos envolvidos e movimentos, alguns objetivando o andamento do programa e outros afirmando que afirmavam precari zar ainda mais os trabalhadores se assumissem a produção dos em preendimentos. Ou seja, dentro do próprio movimento estava se de batendo sobre a questão do sobretrabalho nos mutirões autogeridos.

Este impasse ocorreu até dentro da URBEL, após isso, a Com panhia buscou se organizar para que essa ideia da autogestão se espa lhasse e começou a atuar em duas frentes: uma voltada para o campo institucional e outra concentrada no movimento social e na assesso ria técnica. Aqui é importante salientar que a iniciativa de construção de conjuntos por meio da autogestão veio do governo municipal e não na pressão do movimento popular como em São Paulo. Devido à isso havia o investimento do poder público em realizar capacitações com o movimento e também junto ao setor técnico. O interessante também deste caso é que parte da mão de obra remunerada nos mutirões, assim como as capacitações de moradores no geral, foram realizadas por ex-mutirantes de Ipatinga. Esse grupo de ex-mutiran te que formavam as FTRs em Ipatinga também foram absorvidos em pos associados responsáveis pela elaboração dos projetos e pelo planejamento, execução e administração financeira das obras, a assessoria técnica e o próprio associado encarregado de contratar um financiamento de contrato individual depois de terminadas as obras junto a URBEL. Todos os recursos para financiamento pro vindos do Fundo Municipal de Habitação Popular, entretanto an tes eram disputados por meio do Orçamento Participativo (OP) da cidade criado pela gestão, mas no ano de 1995 o orçamento des tinado à habitação foi separado, criando-se o Orçamento Parti cipativo da Habitação (OPH). Esta alternativa foi realizada devido ao grande volume de recursos que os movimentos sociais esta vam conseguindo no OP, assim com o OPH os movimentos passa riam a pleitear recursos sob um valor limitado (MORAIS, 2019). fundo municipal de habitação popular (FMHP) associações Prefeitura assessoriaterra compramateriaisde ferramentas locação de equipamentos organ. do pagamentocanteirodeparte da mão de obradistribuição dos recursos pressão construção - frentes voluntárias - frentes de trabalho remunerado mutirão operador figura 14. arranjo institucional de experiências de autogestão em Belo Horizonte.

As associações então seriam responsáveis por gerir os recursos como nos casos estudados anteriormente. Já os mu tirões também ocorriam de forma semelhante aos de Ipatin ga no sentido de possuírem frente de trabalho voluntário no final de semana, nos quais deveriam ser cumpridas 16 horas to tais de trabalho dividido nos dois dias, e FTRs durante a semana.

imagens 38 e 39: Organização em equipes. vergalhõesdetivamente:Respecequipedobramentodeeequipetrabalhandoestruturametálicadotelhado. (2019)MORAISacervoASCA-BH.

No que tange às tipologias geradas a partir dessa experiên cia, houve a adoção da tipologia de sobrados geminados, que permi tiam um aproveitamento de área equivalente à tipologia do prédio de quatro andares. A adoção dos sobrados geminados permitia então a otimização do aproveitamento da área e, além de tudo, permitia a

elaborados pelas assessorias, que muitas vezes era contratada pelo próprio Estado, e eram levados apenas para aprovação na assem bleia dos futuros moradores. Porém, todo o processo até mesmo de escolha e compra dos terrenos pela URBEL era acompanha do pelos associados e pela assessoria. Entretanto, consistia só em acompanhamento, quem operava, realizava todas as ações e mon tava o cronograma que deveria ser seguido à risca era a Prefeitura. Segundo o apresentado por Borel (2020), os relatos das expe riências de construção dos 11 conjuntos construídos nessa primeira fase da autogestão em BH demonstram: “uma forte vinculação his tórica dos moradores com o momento da conquista e da constru ção das moradias; o engajamento coletivo das famílias durante os mutirões; a divisão organizada de tarefas; a gestão compartilhada dos empreendimentos; e a formação de diversos profissionais para a construção civil.” Assim, ressalta-se a importância da organização coletiva dos associados na divisão de tarefas - entre a comissão de administrativo/econômico/gestão e a de execução/obras - e do acompanhamento, mesmo diante das questões apresentadas, das assessorias técnicas durante o processo que chamaram de autoges tionário. Outro ponto importante é que no caso dos conjuntos de BH muitos deles já finalizaram o financiamento com a URBEL e já estão com título de propriedade (privada).

alguns canteiros de BH compondo as Frentes de Trabalho Solidária.15 É diante disso que cabe a reflexão colocada por Morais (2019) sobre a autogestão inserida nesse programa ao apontar que é ne cessário um trabalho de convencimento a ser realizado pelo poder público com os movimentos, sendo assim a proposta de autogestão e o modo de executá-la não estavam provindo da classe trabalhado ra que é o agente portador da autogestão. Juntamente disso, no meio institucional técnicos da URBEL e da Prefeitura já apresentavam re sistência quanto à prática de produção de conjuntos por autoges tão, o que, reforçado pela mudança de gestão nos anos seguintes, contribuiu para o abandono do ideal autogestionário. Este voltando apenas de maneira fragmentada à Prefeitura de Belo Horizonte com o Programa Crédito Solidário em 2004 e produzindo 13 conjuntos. Além dos impasses no meio institucional, a autogestão e a partici pação na elaboração dos projetos também apresentavam algumas problemáticas. Como em Ipatinga em muitos casos a autogestão ocorria apenas na execução das obras, enquanto os projetos eram 15 Ocorreu a ida de 3 ou 4 pessoas de Ipatinga no caso do empreendimento do mutirão do Havaí em Belo Horizonte (MORAIS, 2019).

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fonte:

No contexto Argentino, com a inflexão do regime neoliberal na América Latina, as ações e investimentos no âmbito habitacional sofrem fortes perdas. Em 1980, em Buenos Aires, se registrou uma queda nos investimentos em habitação e entre os anos de 1992 e 1995 suspenderam-se as ações em matéria de política habitacional. Nesse período havia apenas políticas voltadas para autoconstrução assistida e a construção de moradias “semillas” (embrião). Entretan to, em 1996, a cidade com nova administração, a qual permitiu maior autonomia de movimentos e maior participação popular, foi elaborada uma constituição para Buenos Aires, que é como um distrito presença de quintais nas unidades habitacionais. No caso do Resi dencial ASCA, a primeira associação a conseguir recursos por meio do OP em 1993, houve a construção de duas casas modelo para ave riguar os materiais e processos construtivos, em ambas sendo utili zado a alvenaria estrutural não armada. Em uma delas foram usados blocos Sical e na outra blocos Usimix, já citados desenvolvidos em Ipatinga. Assim, devido às experiências já realizadas e aos custos menores de entrega até BH, optou-se pelo uso do Usimix no conjun to (Imagens 40, 41 e 42) (MORAIS, 2019). A duração da execução dos mutirões em BH gira em torno de 5 anos, desde o início do processo com o pleito de recursos do OP e depois do OPH. imagem 40: Casas modelo em blocos Usimix a frente e Sical atrás. fonte: (2019)MORAISacervoASCA-BH. imagem 41 e 42: Residencial ASCA em construção fonte: MORAIS(2019) imagens 43 e 44: Residencial ASCA já ocupado e apro priado. fonte: OLIVEI RA, SILVEIRA & GODINHO (2007) e Urbel. Ley 341 e o Programa de Autogestión para la Vivienda (2000 - )

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A experiência de Buenos Aires é uma das principais e um dos pilares deste trabalho, por ser a mais atual prática de produção auto gestionária no âmbito municipal em uma realidade latinoamericana. Antes de tudo é preciso esclarecer que a Argentina não possui um aparato legislativo nacional como o Brasil, especialmente não tem um marco normativo que se aproxime do Estatuto da Cidade.

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Aires.Buenos

Quanto ao marco legal trazido pela Ley 341, diferente mente da lei uruguaia, é importante ressaltar o fato de que ela permite a propriedade individual e não impõe a propriedade cole tiva como obrigatória. Lazarini (2013) observa que devido a isso algumas cooperativas acabavam por fim tendo um caráter apenas transitório. Ou seja, elas se formavam para acessar os recursos e não havia formação política ou social dos membros para se discu tir e se apropriar dos conceitos de autogestão e cooperativismo, então após a obtenção das moradias a cooperativa se dissolvia.

federal (LAZARINI, 2013). Assim, neste período, além da falta de recursos exposta, ha via ao mesmo tempo a efervescência de movimentos populares, desde a década de 80 em Buenos Aires e que continuaram suas lu tas e disputas por moradia em políticas públicas, quando não havia política habitacional nem a nível federal nem a municipal. Como con sequência dessa realidade, e muito apoiado no exemplo do Uruguai com a Ley de Viviendas e a FUCVAM, por meio de uma lei de inicia tiva popular, aprovada em 2000 e implementada no ano seguinte, criou-se a Ley 341 em Buenos Aires direcionada para construção por autogestão. Nela permitiu-se o acesso à obtenção de recursos financeiros para compra de edifícios abandonados e terrenos à co operativas organizadas. Além disso, os créditos eram outorgados também para construção ou reforma de moradias e para contra tação de assessoria técnica, de no mínimo 4 profissionais. Esta lei, juntamente do seu contexto político, potencializou o surgimento de organizações autogestionárias e com elas diversas cooperativas.

15.figura

Com o marco legal trazido pela Ley 341, surge em 2002 o Programa de Autogestión para la Vivienda (PAV) por meio do qual os recursos seriam realocados, disponibilizados e repassados para as cooperativas anualmente através de decisões do governo, com gran de pressão popular, por meio de leis orçamentárias anuais como no Brasil. O programa municipal possui então duas modalidades: mo dalidade de créditos individuais para famílias de baixa renda e a mo dalidade de créditos para pessoa jurídica. Com os mesmos princípios e preocupações que as outras experiências estudadas anteriormen te de não comprometer muito a renda das famílias de baixa renda, o

lei 341 recursos.autogestãoregulamentação,e Programa de Autogestión para la Vivienda Instituto de Vivienda de la Ciudad (IVC) cooperativas construção/assessoriacomprareforma - mutirão - mutirão com mão de obra -especializadacontratação de pequena ou média empresa distribuição dos recursos

Institucionalarranjo emautogestãodeexperiências

programa disponibiliza esses créditos para serem devolvidos pelas famílias no espaço de 30 anos em parcelas mensais que não devem ultrapassar 20% da renda familiar. Este programa estava sob res ponsabilidade da Comisión Municipal de la Vivienda (CMV), que de pois se tornou Instituto de Vivienda de la Ciudad (IVC), este é um ente autárquico responsável pela execução das políticas habitacionais de Buenos Aires, e responsável por outorgar os créditos coletivos com taxas subsidiadas entre 0% e 4% (RODRIGUEZ & ZAPATA, 2020).

Ainda no que tange ao meio legal, é interessante observar o que a lei define e o que ela deixa em aberto. Assim, a Ley 341 se mostra mais atual e busca conciliar os ideais de autogestão e mu tirão com a realidade neoliberal encontrada na Argentina, um pou

Assim, a Ley 341 com a flexibilidade organizacional que per mite, possibilita o mutirão, mas não o torna obrigatório. As coope rativas podem optar por variações de organização para realização das construções desde mutirões de autoconstrução, passando por contratação de cooperativas de trabalho surgidas durante o mutirão até a contratação de pequenas empresas construtoras.

co parecida com a brasileira. Afirma-se isso ao observar-se que a lei delimita as atuações a serem desempenhadas, primeiramente, por se constituir em uma lei municipal, portanto, referente apenas ao território da cidade de Buenos Aires, assim os movimentos e co operativas passam a disputar apenas terras dentro do perímetro urbano, terras consolidadas e com infraestrutura. Além disso, a lei possibilita e estimula por meio do acolhimento de demanda de coo perativas a produção de projetos e obras em escala reduzidas e, por último, devido a inserção da autogestão, permite a heterogeneidade das cooperativas, das organizações sociais e, como consequência, das tipologias habitacionais.

Como já mencionado, dentro do escopo da Ley 341 e do PAV, permite-se o acesso ao crédito para a contratação de assessoria, construção e aquisição de prédio existentes ou terrenos na cidade. Para esta aquisição dos terrenos e de edificações, entretanto, não há nenhum tipo de banco de terras como no Uruguai. Os terrenos e edi ficações são então adquiridos por meio da compra no mercado for mal, o que de certa forma limita a instalação dos empreendimentos a algumas localizações da cidade, nas quais é possível uma coope rativa habitacional arcar com os preços estabelecidos pelo mercado imobiliário. Ou seja, as cooperativas se encontram no lado oposto ao Entretanto, há algumas organizações que buscam atuar como a FUCVAM no sentido de reunir a representação e organização de cooperativas em uma articulação maior. É aí que se insere o Mo vimento de Ocupantes e Inquilinos (MOI), que busca ser uma federa ção de cooperativas de habitação e que teve sua origem no fim dos anos 80, participando diretamente na luta pela lei e no seu processo de escrita. Dentro deste movimento se associam cooperativas para obtenção de recursos e início das construções das unidades por meio de uma organização centralista na coordenação do movimento, mas que não impedia que formas de organização autônomas pudessem surgir. Inicialmente as famílias passam por um período de 6 meses de organização e formação chamado “las guardias de autogestión” (LAZARINI,Além2013).disso, o movimento possuía algumas exigências para com a cooperativas integrantes, uma delas era que, após a constru ção das unidades, a posse do empreendimento deveria ser coletiva. Assim, apesar dos dirigentes do MOI objetivarem a construção de um ideal de coletividade antes, durante e depois dos mutirões como no Uruguai, essas exigências fizeram com que muitas cooperativas não se associassem ao movimento, principalmente devido à exigên cia da posse coletiva. Este fator evidencia e reforça o caráter tran sitório que muitas cooperativas adquiriram ao longo dos anos em Buenos Aires (LAZARINI, 2013).

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Assim, o papel desempenhado pelo Estado neste caso envol veu respostas à pressão popular, mas também vontade política. O Estado, para além de questões legais e financeiras, também exercia funções de fiscalização, seleção e lidava com toda burocracia envol vida no processo, mostrando uma relação total entre o programa e o Estado. Em entrevista com a arquiteta e urbanista Kaya Lazarini, integrante da assessoria técnica Usina e que fez seu mestrado com foco na Ley 341 e no PAV, se perguntou sobre as atividades desem penhadas pelo poder público e a arquiteta relatou: Olha eu acho que em todos, não só lá na Argentina, mas em todos os pro cessos que a gente tá conversando o papel do Estado é fundamental. (...)

129128 vetor de crescimento do mercado imobiliário, mas são dotadas de infraestrutura devido à cidade de Buenos Aires possuir quase a to talidade de sua extensão nessas condições. Assim, a localização de instalação das cooperativas é uma decisão de cada grupo. Entretan to, Lazarini (2013) aponta como a principal contradição do programa e da lei em questão o fato de apesar de possibilitar que as cooperati vas escolham o terreno, ele é comprado via mercado formal por elas, tendo suas escolhas limitadas pelos preços (LAZARINI, 2013).

de

cooperativas 1983 - 1999 moradiasterminadasexecuçãoobrasterrenosemobrasnovasterminadas 2000 - 2002 2003 - 2008 2009 - 2017 TOTAL 2418611 53420 39013091288 s/d202932737 10274011757 figura 16: Produ ção emautogestionáriacooperativaBuenosAires. fonte: reproduzidaTabela a partir de Rodriguez e Zapata (2020), fontes Urbano(2017);(2009);RodríguezZapataTejido(2017). A tabela trazida por Rodriguez e Zapata (2020) mostra clara mente o fim do cadastramento de novas cooperativas e novos finan ciamentos pelo PAV a partir de 2008. O que se observa nos anos se guintes é a luta das cooperativas para execução e término das obras

Qual que é o papel do Estado? O papel não é só gerar a lei e pagar, mas aprovar o projeto, selecionar um grupo ... então, se tal grupo consegue ou não … depois acompanhar, tem um técnico que vai lá e mede o projeto, e aí se esse técnico não vai, não paga (…). Então essas relações locais, elas são muito complicadas e complexas. (...) Não, é muito difícil. Mas é isso assim, a relação com o Estado lá é bem maior do que só fazer o progra ma e pagar. É uma relação total. Tanto que é isso, entra Macri e não tem conversa, não conseguem mais nada, é cada vez menos dinheiro. É isso correlação de forças, né?”. (Trecho da entrevista com Kaya Lazarini em julho de 2021). “ O que a arquiteta relata é fundamental para se compreender a relação direta entre o programa e a administração pública. É pre ciso, para além de um aparato legal, o trabalho em conjunto com o Estado, por mais burocrático que seja. É por isso que, segundo Ro driguez e Zapata (2020), no período neodesenvolvimentista de 2003 a 2015 às políticas estatais voltaram a reforçar os agentes tradi cionais do capitalismo e donos da produção das cidades, portanto grandes agentes econômicos. A partir de 2004 as autoridades e os organismos públicos da cidade sofreram mudanças e com isso houve maior burocratização e menor participação popular no PAV, havendo decisões a portas fechadas e reuniões apenas informati vas aos movimentos. Em 2008 com a nova gestão da cidade e do país começou-se o congelamento da lei e a suspensão da compra terrenos e imóveis, assim como redução das obras já em curso.

131130 iniciadas anos antes. Com isso, cabe aqui também ressaltar que a Ley 341 e o PAV têm sido levados a passos extremamente lentos, com demora nos trâmites burocráticos e no tempo de cada passo executado no programa (LAZARINI, 2013). No caso das relações das assessorias a experiência de Bue nos Aires é mais complexa do que as até agora estudadas. Isso pois a assessoria era contratada pelas cooperativas dentro do financia mento disponibilizado no PAV, entretanto, como se trata de uma ci dade, Buenos Aires possui uma lei mais flexível e uma realidade na qual não se encontram órgãos unificadores como a FUCVAM e os Institutos de Assistência Técnica, há diversos tipos de práticas de assessoria. Assim, no contexto do MOI, movimento fundado e diri gido por um arquiteto, havia uma certa distância das famílias com o projeto arquitetônico. Assim como também os arquitetos não estão presentes no cotidiano da obra e nem das cooperativas, assim as famílias eram os sujeitos centrais do processo como um todo, mas muitas vezes experimentam um grau limitado de autonomia. Ou seja, dentro do movimento não havia projeto participativo de fato nem apropriação da práxis, da concepção e idealização das unidades para depois estas serem executadas no mutirão.

Muitas vezes ocorreu apenas a consulta e a apresentação dos projetos em assembleias para serem aprovados, o que não con figura um projeto participativo segundo a escala de participação de Marcelo Lopes de Souza (2002) aqui tomada como parâmetro. “Existe consulta das pessoas. As pessoas veem o que que é. En tão por exemplo a cada modificação eles levavam em assembleia (...) Por exemplo eu tava lá e aí teve uma mudança que ia ter que ti “

rar uma parede e essa parede ia ser substituída por “durlock”... tipo uma divisória de escritório sabe? … e aí teve essa proposta de substi tuição, foi pra assembleia ... nem me lembro se foi o caso de aprovar ou não, mas acho que sim a assembleia aprovou. Mas assim a galera tava xingando muito ... que era tipo “ah vai por no meu apartamen to um negócio de escritório? Porque na casa deles ele não põem”. (Trecho da entrevista com Kaya Lazarini em julho de 2021).

Entretanto, como já mencionado, havia uma variedade de práticas. As cooperativas não associadas ao MOI, apesar de não possuírem o ideal coletivo de propriedade coletiva e toda a formação política proporcionada no movimen to, contratavam assessorias independentes que possuíam outras metodologias e em muitas delas o projeto participativo entrava. A participação, assim, possuiu diversos graus de profundidade e seu exercício pelas famílias no planejamento das obras apresentaram variações. Quando questionada sobre a variedade da prática das assessorias Kaya conta: “Aí é muito legal porque você abriu um outro mundo. Porque tem uma coisa interessante que é quando surgem esses impulsos de política e autogestão ... surgem várias assessorias. E aí por exemplo um arquiteto que trabalhava com Nestor (MOI), ele sai e aí ele funda uma assesso ria. Aí outro grupo que também trabalhava com MOI, eram 3 arquite tos novinhos, de repente saem e abrem o TAVA. E eles abrem o TAVA quando eu tava lá, e aí foi muito legal porque a gente se conheceu e eu fui passando pra eles tudo que a Usina fazia em apresentação mesmo, tipo workshop. E aí eles começaram a fazer participativo aí é isso. E aí tinham outros grupos, e aí tinha alguns grupos que eram arquitetos in dividuais e tinham alguns grupos que eram antigos escritórios e que se especializam na produção autogestionária. Então teve várias situações”. (Trecho da entrevista com Kaya Lazarini em julho de 2021). No que tange ao mutirão e às tipologias geradas duran te a experiência, a heterogeneidade predomina. Geralmente con “

imagem 45 e 46: CooperativaFabrica.La fonte: Lazarini(2013).

imagem 47: Coo perativa El Molino. fonte: Lazarini(2013).

Essa diversidade tipológica, além de ser originada devido aos vá rios arranjos autogestionários, também se deve ao fato de o pro grama abarcar a compra e reforma de edifícios. Assim, houve a aquisição de edifícios que possuíam outros usos e foram adapta dos para moradia, como é o caso da Cooperativa La Fábrica, uma antiga fábrica comprada por uma cooperativa associada ao MOI. Assim, as decisões projetuais possuíam a variação entre a concepção de algo do zero e a reforma de algo existente, e tam bém, possuía a diferença de, nos casos ligados ao MOI, o imóvel ser destinado ao fim à propriedade coletiva e em outros casos desti nado à propriedade privada. Com isso pode-se observar a forma ção de tipologias que envolvem e representam o ideário coletivo parecidas com as cooperativas uruguaias, como as cooperativas El Molino, Yatay e La Fabrica, e outra que se assemelham a pré dios comuns de classe média, com espaços bem individualizados, como as cooperativas Emergencias, El Palomar e Nueva Imagen. Os canteiros de obra, como mencionado, poderiam ser com postos de apenas mutirão das famílias associadas como podiam ser

imagem 48: rativaCoopeYatay. fonte: Lazarini(2013).

16 Conjuntos variando de 20 unidades até 100 unidades, com a maioria dos conjuntos formados por de 30 a 50 famílias.

sistem em conjuntos pequenos, com poucas unidades16 e locali zados em lotes inseridos na malha urbana. As unidades possuem metragem variando entre 50 m² e 90 m², com média de 71 m², e apresentavam possibilidade de ampliação, comportando às ve zes mais uma laje ou dois dormitórios extras (LAZARINI, 2013).

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fonte: Lazarini (2013) e Rodriguez e Zapa ta (2020). compostos por mutirão associado com contratação de cooperativas de trabalho ou por meio de pequenas e médias empresas constru toras. Focando aqui nas alternativas que envolvem o mutirão, a di nâmica encontrada nas experiências de Buenos Aires é bem peculiar, assim como, apresenta o desenvolvimento de inovações e técnicas no canteiro de obras, como a pré-fabricação. Entretanto, não apre senta tantas inovações no processo de organização e apropriação das famílias durante o processo inteiro, antes, durante e depois, como a formação de comissões de atividades e grupos de decisões, já que havia uma relação de dependência com os arquitetos.

Uma das inovações consistiu na constituição de cooperativas de trabalho durante o processo da obra para provisão de elementos específicos, desde esquadrias até peças estruturais, e como os de senhos de alguns projetos colaboraram com a constituição dessas cooperativas. Em entrevista Kaya Lazarini relata que nas experiên cias de Buenos Aires não havia projetos todos compostos de pré -fabricados ou de estrutura metálica. Os projetos trabalharam com

sistema construtivo tradicional de alvenaria comum com pilar e viga tradicional ou alvenaria estrutural. Entretanto, o sistema de mutirão, pelo menos referente ao MOI, era bem diferente dos realizados no Brasil e possuíam a pré-fabricação de alguns elementos de laje, se melhantes aos painéis uruguaios pré-fabricados.

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“Então pré-fabricação tinha, por exemplo, no canteiro do MOI eles faziam as “abobadijas” que era umas abobadinhas assim, entre duas vigas, em geral metálicas, é um sistema espanhol de fazer lage. Que é você põe uma forma apoiada em duas vigas, uma curvinha bem o formatinho de abobada, mas é uma mini abóbada. A diferença de espaçamento entre as vigas tem no máximo 80, e aí põe essa abobadinha. Quem fazia era o mutirão, então cada um tinha que cumprir 3 mil horas de mutirão, e aí você faz nessas horas quando você quiser. E aí eu me lembro que dife rente aqui do Brasil, quando a gente faz um mutirão aqui em São Paulo a gente organiza o dia do mutirão, tem uma atividade específica, vai todo mundo junto, vai embora junto. Lá não. Lá a pessoa chegava, tocava a campainha da obra e entrava e começava a fazer a sua própria aboba dija. E aí outras coisas pré moldadas tinha, tipo contramarco de janela.” (Trecho da entrevista com Kaya Lazarini em julho de 2021).

Dessa forma, o estilo de regime de mutirão e sua falta de racionalidade no canteiro dificultou um pouco a produção em série ou simplificada dos componentes, aumentando o tempo de cons trução em alguns casos, como na Cooperativa La Fabrica. A tecno logia nas obras, como se pôde ver, era artesanal e bem fluida (LA ZARINI, 2013). As obras até então realizadas no PAV tiveram como tempo médio de construção 4 anos e meio, chegando a 9 anos na obra mais lenta. E no presente momento algumas cooperativas es tão em processo de regularização após as obras, outras ainda não “ imagem 49, 50 e 51: Respectiva mente CooperativaperativaEmergencias,CooperativaCooPalomareNuevaImagen.

17 Segundo Kaya Lazarini em entrevista realizada, levando em conta infor mações até o ano de 2014. imagens 53, 54, 55 e 56: Esqua drias fabricadas na cooperativa de trabalho. fonte: (2013).Lazarini imagem 52: Uni dadedaHabitacionalCooperativaLaFabricacom“abobadijas”. fonte: Lazarini(2013).

137136 estão regularizadas nem iniciaram o processo17. Entretanto, apon ta-se que o desenvolvimento dessa produção autogestionária de moradia acompanhada por assessoria técnica teve seus êxitos quanto a obtenção de maior área das moradias, do uso de melho res materiais, da existência de espaços comuns, do acesso ao di reito à beleza e do êxito de mais obras sendo devidamente termi nadas (RODRIGUEZ & ZAPATA, 2020), sem falar na capacitação dos cooperados e ainda mais em alguns casos da constituição de cooperativas de trabalho que puderam depois atuar no mercado.

De acordo com PD Fiscalizador e licenciador Habilitado a comprar Baseado no privadousualmentemercado,paraaclassemédiaSistemabancárioe/oufinanciamentoatravésdoempreededorRelaçõescompetitivasdemercado Inadequada para o ‘mercado formal Bastante depois da ocupação e oferecida de forma parcial Estabelecidas informalmente pelos moradores Tolerante à informalidade Grupos que não tem outra alternativa Baseado no tamanho do lote e no tipo de serviço Compradores assumem o financiamento Cumplicidadeantecipadamentepagandoosencargosfuturosatravésdastransaçõesilegais Indicada para ocupação Concomitante à ocupação e planejada com antecedência Flexíveis, ajustadas ao tipo de área e de acordo com os futuros moradores Responsável desde a concepção até implementação Pessoas cadastradas previamente pelo poder público Negociado com loteadores previamente e adequado ao público alvo do programa Linhas especiais de crédito do governo local e da CEF Parcerias negociadas com definição clara responsabilidadesdas

139138 formal, assim buscando sua inserção (Figura 17) (DAMASIO, 2006).

- )

Assim, o programa por meio do instrumento Urbanizador So cial funcionaria por meio da abertura de uma linha de financiamento da Caixa Econômica Federal (CEF) para aquisição de terrenos e lotes urbanizados “na planta”, antes dos lotes serem produzidos. Esse fi nanciamento é concedido ao comprador para adquirir seu lote, e o valor é repassado para um empreendedor privado para financiar a urbanização do lote. Este empreendedor podem ser loteadores clan destinos, que agora conseguiriam trabalhar no meio legal devido às menores exigências da Prefeitura, ou empreendedores privados re gulares da cidade. Dessa forma, seria uma parceria público privada e o Urbanizador Social é um empreendedor imobiliário privado cadas trado no município e que tem interesse em realizar investimentos (2006).SmolkativosprocessospelosocupaçãoentreComparaçõesformasdedaterraagentesealternaextraídodeeDamasio fonte: Smolka e Damásio (2006).

figura 17:

Urbanizador Social em Porto Alegre (2003

Neste tópico aborda-se uma experiência que, apesar de não se encaixar na produção de moradia por autogestão, contribui para a construção futura da proposição deste trabalho. A realidade da cidade de Porto Alegre, na qual houve o primeiro caso de Orçamento Participativo em um município brasileiro, teve em seu plano diretor de 1999 já a presença de diversos instrumentos urbanísticos que visavam garantir a gestão democrática e o combate à especulação imobiliária. Um desses instrumentos inovadores foi o Urbanizador Social regulamentado em 2003 pela Lei 9.162 e que teve a imple mentação dos seus projetos pilotos em 2005. Em Porto Alegre, como modo de incidir na política urba na nas suas diferentes dimensões, jurídica, urbanística e social, a gestão pública vai incidir por meio da provisão habitacional padrão, mas também incide nas políticas de solo por meio do Urbanizador Social. Este instrumento foi resultado de um diálogo entre enti dades da construção civil, loteadores, cooperativas habitacionais, agentes financeiros e a Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Seu objetivo consiste em, dentro de uma cidade cuja extensão da infraestrutura básica de água e esgoto é ampla e bem distribuída, possibilitar a provisão de loteamentos urbanizados a custos me nores do que os encontrados no mercado imobiliário. Para isso o instrumento buscou um meio termo para conciliar loteadores que atuavam no mercado informal e seus compradores com o mercado área a ser ocupada mercado formal oferta de ocupantes/públicopapelnormasinfraestrturadeusoeocupaçãodoEstadoalvo mercado informal urbanismo social Identificada Antesempreededorpelodaocupação preço possibilidadelote/deacessofinanciamentosrelaçãoentreagentes

Os tipos de loteamentos realizados são variados, desde mais orgânicos em terrenos inclinados até loteamentos padronizados em terrenos mais regulares, estes que tiveram orientação técnica. Os lotes variam também de acordo com o uso e o estilo de vida dos mo em áreas adequadas para a habitação de interesse social. O papel de Urbanizador Social também pode ser desempenhado por cooperati vas autogestionárias habitacionais (DAMASIO, 2006).

18.figura arranjo doexperiênciadainstitucional Social.Urbanizador Urbanizador Social CEF PMPA+ associações distribuição dos recursos Prefeitura contrapartidaproprietárioterrade lote urbanizado privadosempreendedores crédito solicitação financiamentode construção de moradia

O processo se resume no cadastramento dos agentes priva dos na Prefeitura, que tem interesse nesse tipo de parceria, estes apresentando contrapartidas ao poder público como doação de lotes à Prefeitura ou venda destes a preço popular. As famílias que são atendidas são as de 3 a 6 salários-mínimos, também cadastradas na Prefeitura, que se localizam no intervalo entre a provisão habi tacional para baixa renda até 3 salários e as famílias de a partir de 6 salários que pleiteiam financiamento diretamente da CEF. Assim, o recurso é pleiteado pelas famílias por meio deste programa, e é repassado da CEF para Prefeitura, esta direcionando o dinheiro para compra do terreno e para obras de urbanização (DAMASIO, 2006).

O poder público dessa forma seria um facilitador do processo, atuando também como um indutor e regulador da oferta do solo ur banizado ao oferecer estímulos ao setor privado, por meio da lei que regulariza o instrumento, benefícios como a possibilidade de urbani zação progressiva ou parcial e a transferência dos direitos de cons truir. Assim, o Estado reduziria também a normatizações, não exigiria análise de risco do empreendedor e facilitaria os processos de apro vações e licenciamentos para diminuir o custo da urbanização dos terrenos. Além disso, o poder público promove uma relação direta por meio do financiamento entre o dono da terra a ser comprada, o em preendedor e as famílias alvo do programa, o que também reduziria os custos de tramitação. O Estado também seria responsável por in duzir esse processo de urbanização nas áreas aptas para isso, tutelar o processo de aprovação e implantação do loteamento e por garantir que os lotes tenham um valor de venda adequado ao público-alvo.

Apesar de fugir um pouco da lógica das experiências aqui estudadas, o interessante dessa experiência é a tentativa de inci dência na política dos solos da cidade e na sua regulação, para com bate à especulação e inclusão de famílias no mercado formal, que geralmente comprariam lotes informais. Entretanto, como Damásio (2006) afirma, este instrumento “só trará resultados significativos se o poder público incorporar seus princípios de forma estratégica e a longo prazo” e como Alfonsin (2006) complementa dizendo que estes instrumentos “por si só, não será capaz de operar grandes mu danças na dinâmica de produção do urbano em Porto Alegre”. Assim, essa política de solos só servirá se implantada em conjuntos com políticas de regularização fundiária e provisão habitacional.

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A de que mesmo que este instrumento seja devidamente executa do por cooperativas autogestionárias, em comunicação com outras políticas e com boa vontade do poder municipal, as famílias inseri das entrariam em um sistema maior de créditos. Além do principal fator que seria a pura autoconstrução após a aquisição dos lotes por meio de financiamento, sem mutirão, processo político pedagógi co e assessoria técnica. Ainda teriam que arcar com os custos da construção de suas casas e muitas famílias acabariam por erguer suas próprias moradias, reforçando assim a lógica, a que Francis co de Oliveira (2005) se refere, do sobretrabalho e da autoconstru ção imposta pelo capitalismo, e que o reforça e o constitui no Brasil. Formas de apropriação dos lotes e tipologias do Social.Urbanizador fonte: Urbanizador Social é Parceiro > Dis ponível em: ceiro.pdf.dor_social_e_pardoc/31_urbanizaprefpoa/spm/usu_com.br/pmpa/lproweb.procempa.http://

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radores, alguns apresentando uso para cultivo de hortas e desejo de maior presença do meio natural. Assim como o tipo de apropriação destes lotes pelas moradias construídas pelas famílias, sendo acom panhado por equipe técnica ou não. Há a apropriação do terreno de forma gradual pelas casas construídas pelos próprios moradores, algumas vezes ocupando apenas uma parte da largura do terreno e em outras ocupa toda sua extensão deixando um quintal aos fundos. Entretanto, ainda assim cabe aqui se colocar uma questão.

figura 19:

O Programa Crédito Solidário surge em 2004 quando o então Ministério das Cidades propôs a utilização do Fundo de Desenvolvi mento Social (FDS) em programas autogestionários, sendo a Caixa Econômica Federal (CEF) o agente operador. O intuito do programa era oferecer crédito por meio da CEF a famílias de baixa renda agru padas em cooperativas ou a entidades organizadas, como movimen tos populares e associação de moradores, para que estes pudessem gerir o recurso para aquisição do terreno, pagamento de assesso ria e construção, reforma ou melhorias de habitação. O beneficiário deve retornar integralmente o valor do investimento em até 20 anos sem taxas de juros (MINEIRO & RODRIGUES, 2012). Entretanto, nes te programa havia um grau de exigência burocrática para realização dos investimentos e para registro das entidades, como por exemplo a etapa de análise cadastral que compromete as famílias que pos suem seu nome no SPC ou no SERASA.

Afirma-se isso pois esses dois programas foram criados na primeira década dos anos 2000 diante de um contexto no qual o governo fe deral estava de certa forma alinhado com a questão da moradia no país e atendia às demandas dos movimentos sociais organizados.

Por mais que haja inúmeras e importantíssimas problemáticas en volvidas, reconhecidas e estudadas ao longo dos anos, é importante reconhecer o intuito original e pioneiro destes programas.

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A seleção dos projetos das entidades se dava por uma pro posta preliminar direcionada ao Ministério das Cidades que deveria conter informações sobre a entidade, sobre a área utilizada e sobre o projeto a ser construído. Após a seleção do projeto, seriam entregues o projeto, os documentos do terreno - que deveria ter a titularida de previamente atestada -, e a aprovação nas Gerências Regionais de Desenvolvimento Urbano. Os terrenos poderiam ser financiados pelo programa para aquisição, ou poderiam ser de doação do poder público ou adquirido pelas próprias famílias. Entretanto, isso seria feito via mercado formal, apresentando o problema de as entidades Crédito Solidário e Minha Casa Minha Vida Entidades (2004 - e 2009 - 2020) Por fim, o estudo, por mais que superficial, que aqui se en contra, dos programas Crédito Solidário e Minha Casa Minha Vida Entidades (MCMV-E) torna-se necessário para o fechamento desse panorama e do raciocínio que se pretende construir neste trabalho.

Fugindo um pouco da linha de experiências estudadas, por o Programa Crédito Solidário e o MCMV-E abrangerem uma escala nacional, este tópico busca apenas reconhecer de forma geral os agen tes e arranjos presentes em cada programa, de forma breve. Para com isso chegar-se ao fechamento dos estudos aqui feitos ao abor dar as experiências mais recentes que incorporaram a autogestão e o mutirão, e ao elencar algumas das principais questões e problemá-

ticas surgidas a partir delas. Portanto, problemáticas mais próximas da realidade atual das cidades neoliberais e financeirizadas.

Assim, foi com os programas citados que houve as mais recentes tentativas de incorporar a autogestão e o mutirão, em alguns casos, a programas habitacionais, e mais que isso, foi com eles que houve a primeira tentativa de se estruturar algo do tipo em escala nacional.

20.figura arranjo doexperiênciadainstitucional

- adquirido previamente pelas famílias

Os terrenos eram obtidos da mesma forma que no Programa Crédito Solidário, financiados pelo programa para aquisição, ou po deriam ser de doação do poder público ou adquirido pelas próprias famílias. Juntamente disso, os regimes de construção que “inseriram a autogestão” são semelhantes. As construções poderiam ser por autoconstrução, por mutirão, administração direta, ou por cogestão através da empreitada global da obra a ser feita por uma construto ra. Além disso, havia também a opção de administração direta com mutirão parcial, um regime misto.

sos destinados ao Programa como um todo e apresentava duas modalidades: compra antecipada, que garantia uma primeira fase de liberação de recursos - para aquisição do terreno e pagamento da as sistência técnica para elabora ção do projeto e uma segunda fase de liberação de recursos para construção - e construção ou requalificação de prédio habitacional.

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As entidades deveriam pleitear financiamento pela CEF e Ministé rio das Cidades apresentando alguns dados como no Crédito Soli dário, inclusive em muitos casos já apresentando um projeto pre liminar de arquitetura. Segundo Rossetto e D’Ottaviano (2021), do total de recursos contratados nos 12 anos de existência o PMCMV, apenas 0,70% foi destinado ao Entidades, totalizando 1,36% do to tal de unidades contratadas (ROSSETTO & D’0TTAVIANO, 2021).

Quanto aos regimes de construção para produção de mora dias no Crédito Solidário, estes poderiam ser de três tipos: autocons trução, pelas próprias famílias; auto-ajuda ou mutirão; ou adminis tração direta, com contratação de profissionais ou empresas para execução de serviços especializados (MINEIRO & RODRIGUES, 2012).

Solidário.CréditoPrograma ProgramaSolidárioCrédito público

Fundo Desenvolde-vimento(FDS) distribuição dos recursos CEF/ Ministério das Cidades cooperativas e associações operador solicitação financiamentode - CONSTRUÇÃO/REFORMA - ASSESSORIA - TERRENO admmutirãoauto-ajudaautoconstruçãooudireta - financiamento - doação do poder

Já o PMCMV foi criado em 2009 e logo sofreu pressão dos movimentos populares para que houvesse uma opção de cons trução por autogestão e mutirão. Assim, no mesmo ano foi criado o MCMV-E, estruturado de forma semelhante ao Crédito Solidário, com recursos do FDS, entretanto, provenientes do Orçamento Ge ral da União. Esta faixa do Programa recebia 2% do total de recur imagem 57: Casa construída a partir do Programa Crédito Solidário na Vivendas São Tomé próximo a Porto Alegre. fonte: (2011).Drago

Os recursos financiados para a faixa de 0 a 3 salário-míni disputarem terras urbanas com os agentes privados, fazendo com que consigam apenas terras mais baratas, estas se localizando na periferia das cidades dando continuidade a lógica de periferização dessas famílias e de conjuntos.

149148 mos, na qual a modalidade Entidades se inseria, partiam da capa cidade de pagamento da família beneficiária, diferentemente do Crédito Solidário. Assim, as mensalidades do financiamento deve riam representar 10% da renda das famílias e tinha seu prazo de pagamento de 10 anos. É interessante ressaltar que poderia se solicitar o valor máximo do financiamento definido pelo Programa somente por meio do regime de construção de empreitada global, as opções ligadas à autogestão sofreram uma redução de 8% no va lor máximo do financiamento (ROSSETTO & D’0TTAVIANO, 2021).

Outro fator é que, principalmente com relação ao Programa Crédito Solidário, o sistema de financiamentos de todos os elemen tos do conjunto, sem nenhuma contribuição, doação ou subsídios do Programa MCMV-E Fundo Desenvoldevimento(FDS) distribuição dos recursos CEF/ Ministério das Cidades Entidades operador solicitação financiamentode - CONSTRUÇÃO/REFORMA - ASSESSORIA - TERRENO admmutirãoauto-ajudaautoconstruçãooudireta - financiamento - doação do poder público - adquirido previamente pelas famílias OGU tirãodiretamistoglobalempreeitadacogestão/-admcommuparcialcompra antecipada ou constr. ou requalifiação de prédio habitacional exdainstitucionalarranjo- MCMV-E.Programadoperiência

Ambos os programas brevemente descritos, apesar de obje tivarem a possibilidade de autogestão de grupos de famílias de baixa renda, acabaram por incidir no déficit habitacional, mas geraram outros problemas que aqui cabe-se levantar. A lógica de periferização dos conjuntos habitacionais dessas famílias de baixa renda se man teve e foi imposta de forma indireta, mas de um modo que não conse guiu se contornar. Tanto a possibilidade de aquisição de terrenos via mercado formal por meio de financiamento ou compra direta pelas famílias como a parceria com construtoras privadas foram respon sáveis pela localização desses empreendimentos nos terrenos mais baratos das cidades. Terrenos sem infraestrutura urbana e, muitas vezes sem cidade como relatado na primeira parte deste trabalho.

21.figura

Os terrenos eram obtidos da mesma forma que no Programa Crédito Solidário, financiados pelo programa para aquisição, ou po deriam ser de doação do poder público ou adquirido pelas próprias famílias. Juntamente disso, os regimes de construção que “inseriram a autogestão” são semelhantes. As construções poderiam ser por autoconstrução, por mutirão, administração direta, ou por cogestão através da empreitada global da obra a ser feita por uma construto ra. Além disso, havia também a opção de administração direta com mutirão parcial, um regime misto. Os recursos financiados para a faixa de 0 a 3 salário-míni mos, na qual a modalidade Entidades se inseria, partiam da capaci dade de pagamento da família beneficiária, diferentemente do Cré dito Solidário. Assim, as mensalidades do financiamento deveriam representar 10% da renda das famílias e tinha seu prazo de paga mento de 10 anos. É interessante ressaltar que poderia se solicitar o valor máximo do financiamento definido pelo Programa somente por meio do regime de construção de empreitada global, as opções ligadas à autogestão sofreram uma redução de 8% no valor máximo do financiamento (ROSSETTO & D’0TTAVIANO, 2021).

Estado coloca as famílias de baixa renda num ciclo de dívidas a longo prazo. Pois estas famílias não financiam apenas o terreno, o projeto e a construção. O sistema de créditos e dívidas permeia praticamen te todas as relações econômicas que as famílias de baixa renda, e toda a sociedade em geral, tentam realizar via mercado formal.

imagem 58 e 59: Imagens do Con junto Luiz Gonzaga do MCMV-E em Fortaleza.fonte: Acervo de Lucas Lessa, 2021.

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Por fim, cabe aqui salientar o tipo de projeto e as tipologias resultantes desses programas. Apesar de ocorrerem por autogestão e, por isso, obterem muito mais qualidade arquitetônica e em área por unidades, houve sempre a dependência da burocratização do Estado e do seu repasse de recursos. Com isso, houve sempre limi tações impostas pelos agentes públicos, por trâmites legais e pelos recursos, ainda mais quando se optava pelo regime de empreitada global, envolvendo diretamente assim mais um grupo de interesses, o do setor privado. Os empreendimentos, assim, adquiriram tipolo gias padronizadas e de qualidade muito inferiores ao que se obteve em outros programas habitacionais que envolviam a autogestão, consistindo em grandes blocos habitacionais, com unidades de pro jetos genéricos possuindo poucas variações tipológicas18, de áreas em torno de 40 m² a 60 m² no máximo, e que não possibilitam am pliação ou obras de qualquer tipo. Os blocos possuíam uma variação plástica mínima, assim em sua maioria consistindo no formato em H padrão utilizado até de forma parecida em produções habitacionais anteriores como nas políticas do BNH ou da CDHU. As áreas coletivas não se mostram tão presentes também como nas concepções de espaço das experi ências do Uruguai e da Argentina, pois há o foco maior nas unidades habitacionais. Elementos estes que também tem sua área e qualida de construtiva comprometida devido às limitações mencionadas e à demanda de rapidez na execução das obras pelas empreiteiras, para garantir sua margem de lucro. Seus espaços coletivos são também padronizados pelos órgãos públicos e distribuídos pelos conjuntos, entretanto percebe-se que estes espaços não são o foco nem priori dade dos projetos. Um bom exemplo disso é o Conjunto Residencial Luiz Gonzaga, em Fortaleza, o maior conjunto produzido pelo MCMV -E, com 1720 unidades construídas de 46 m² (Imagens 58, 59, 60 e 61). 18 Os projetos do MCMV possuíam apenas variações tipológicas das unida des adaptadas para deficientes físicos e, às vezes, adaptação para famílias com dois ou três quartos.

Os recortes de experiências estudados permitem o levanta mento de questões importantes, tanto sobre os contextos nas quais surgiram, como sobre entraves durante suas execuções e problemá ticas surgidas após suas práticas (Figura 23). Ao se buscar refletir sobre essas experiências e transpor esta reflexão para o contexto atual, mais ainda para o contexto de Fortaleza, surgem diversos questionamentos e contradições.

Reflexões para o início de uma proposição: as experiências de produção de moradia por autogestão e a realidade de Fortaleza

153152 imagens 60 e 61: Imagens internas do Conjunto Luiz Gonzaga do MCM V-E em Fortaleza. fonte: Acervo de Lucas Lessa, 2021. figura 22: Planta do bloco de apartamentos do Conjunto Luiz Gon zaga do MCMV-E em Fortaleza. fonte: Acervo de Lucas Lessa, 2021.

Lopes e Rizek (2006) elencaram em seus estudos três aspec tos do que consideraram inovador nas experiências autogestionárias que estudaram em São Paulo, Belo Horizonte e Fortaleza. São eles: novos processos de gestão popular de fundos públicos, novos pro cedimentos tecnológicos e novas formas de prática política e social. Os autores comentam que ao longo do tempo no Brasil os “proce dimentos autogestionários foram sistematicamente adotados sem qualquer avaliação de contexto e ajuste dos meios” nos quais se in seriram (LOPES & RIZEK, 2006). Por isso, nesta segunda parte do trabalho buscou-se compreender e avaliar as principais experiências de autogestão na produção de moradias, com o intuito de refletir so bre a transposição de alguns elementos destas práticas para o atual

155154 contexto da cidade de Fortaleza. Importante ressaltar de antemão que as experiências se localizam em diferentes períodos históricos e contextos políticos na América Latina. Dito isso, é fundamental se compreender que a realidade do Uruguai, pioneira na prática autogestionária estu dada, é única e completamente diferente da brasileira, seja na dé cada de 60 seja em 2021. Ao começar pela instituição de uma lei nacional na qual se estabelece já política de solos, destinação de recursos federais e inserção da prática da autogestão acompa nhada por assessores técnicos, reforçando práticas já existen tes na época e que peculiarmente se disseminaram do interior do país para as capitais. Enquanto as experiências brasileiras que efetivamente permitem a inserção da autogestão ocorrem na es cala municipal em curtos períodos, muito associados às gestões. figura 23. linha do tempo dos recortes de experiência 1960 64 ditadura militar e BNH 66 primeirasriênciasexpe-coo-perativasdeajudamútua 68viviendasdeleyFUCVAM-Uruguai 1970 1980 75 PROFILURB 79 PROMORAR 82 vila tosdosmobilizaçõesecachoeirinhanovaprimeirasmovimensociais84/85 João de Barro 86 fim do BNH 881990 95 89comunitárioFUNAPS dacriaçãoUsina 93 criação da Peabiru 93 início experiênciasdas em Belo Horizonte 01 ley 341 e PAV Buenos Aires 03 04 crédito solidário 05 2010 09 MCMV-E 2020 21 2000 PortosocialurbanizadorAlegreinícioexperiênciasemIpatinga

sendo vantajosa a criação de cooperativas de pequeno porte como as habitacionais. Assim, apesar de uma cooperativa possibilitar ser viços de base econômica para os associados, a alternativa possível no Brasil se mostrou ser a constituição de Associações Comunitárias de Construção (BARAVELLI, 2006). Estes fatores são de certa for ma frutos da reprodução capitalista e a reforçam, pois juntamente dela protegem e estimulam o ideal da propriedade privada e da casa própria. É por isso que até hoje no Brasil não existe propriedade co letiva e que todas as experiências das associações na produção de moradias por autogestão findaram com o recebimento do papel da casa, ou nem isso, apenas com o recebimento das obras finalizadas.

É aqui que se apresenta a primeira contradição entre o dis curso e a tentativa de proposição prática, pragmática e ao mesmo tempo política do trabalho. O sujeito nos processos autogestionários devem ser sujeitos coletivos e compor uma coletividade organizada antes, durante e depois da construção das moradias. Entretanto, na realidade brasileira, principalmente na realidade atual de Fortaleza, o ideal da propriedade privada é predominante e isso acaba por pre valecer sobre a manutenção da organização coletiva das famílias, e quanto a isso não se pode julgar as famílias de baixa renda, à mar gem da sociedade, que sonham com a casa própria. Aponta-se isso como contradição, pois seria ideal, no pós-obra, a continuidade da gestão do empreendimento pelas famílias de forma coletiva. Mes mo não existindo propriedade coletiva, a manutenção dos espaços participativos e as decisões idealmente deveriam ser tomadas cole tivamente e pensando no coletivo mesmo que sejam com relação a questões de uma única unidade habitacional. Entretanto, é compre Além disso, o contexto cultural e social de Fortaleza e das ou tras cidades brasileiras é completamente diferente ao se observar as leis trabalhistas e de bem-estar social uruguaias que vem se assen tando há mais de 80 anos, e associado a isso a prática normalizada e facilitada burocraticamente da constituição de cooperativas não só habitacionais, mas para o desempenho de todo tipo de serviços. As sim, no Uruguai, também pode-se dizer que na realidade argentina de Buenos Aires, é cultural a realização de práticas coletivas para execução de serviços (infraestrutura urbana, industrial, produção de móveis, produção de produtos agrícolas e outros) por pequenas empresas em forma de cooperativas, assim como a constituição de cooperativas de consumo, crédito e comércio. Dessa forma, a pro dução de moradia por autogestão uruguaia é de certa forma mais naturalizada e não apresenta tantos obstáculos e entraves, mesmo na realidade neoliberal, como no Brasil. Olhando por esses termos também em Buenos Aires, não tanto quanto no Uruguai, há uma cul tura e maior facilitação jurídica na constituição de cooperativas. A legislação brasileira dificulta a constituição de cooperativas ao impor muitos controles e burocracias para sua criação. De forma breve, o principal motivo que não apresenta vantagens para um grupo de pessoas autônomas criarem uma cooperativa de qualquer tipo é a bitributação imposta pelo sistema jurídico, na qual os trabalhadores autônomos pagam seus impostos como tais, entretanto, deveriam pagar os impostos referentes a sua empresa (cooperativa) também, e estes sendo a mesma porcentagem de impostos pago por grandes empresas. Isso foi responsável por concentrar a quase totalidade das cooperativas nas mãos dos grandes produtores e indústrias, não

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Nos casos das políticas e práticas brasileiras até 2004 a obtenção dos terrenos se dava na quase totalidade dos casos pela doação dos terrenos pelas prefeituras ou órgãos estaduais como a CDHU em São Paulo, isso facilitou bastante a realização dos mutirões e só ocorreu devido ou interesse e apoio local, seja espontâneo ou por pressão dos movimentos. Já no caso de Buenos Aires e em alguns casos esporádicos

Aqui se apresenta a segunda contradição entre o discurso ideal e a prática possível tentando-se conservar o ideal contra-hege mônico. Todas as experiências se inserem no sistema de créditos por meio de financiamentos a longo prazo para viabilização das constru ções. Apesar de a autogestão ser um conceito de origem socialista e da prática político pedagógica entre assessorias e mutirantes na construção autogestionária de habitações ser algo anti-sistêmico, para viabilização de tais práticas é inevitável não se inserir na lógi ca de créditos a longo prazo, principalmente quando se pensa esse tipo de prática autogestionária no âmbito municipal, cujos recursos são mais limitados, como no caso de Fortaleza. O valor das parcelas em baixas porcentagens dos salários das famílias visa não impactar tanto a renda familiar, mas apesar de tudo insere famílias de baixa renda, e renda muitas vezes inconstante, no ciclo de dívidas. Cabe aqui levantar essa questão, além de tudo, devido ao atual contexto pandêmico com altas taxas de desemprego e crescente déficit habi ensível que, como falam Lopes e Rizek (2006), os sujeitos que são operários, mutuários e proprietários ajam como tal, mas também desejem ser reconhecidos como patrões, desejem ter a posse indi vidual da sua casa e intervir como queiram nela, pois estão inseridos em um sistema de exploração no qual não possuem nenhuma segu rança financeira a longo prazo.

no Brasil como em BH, em Porto Alegre com o Urbanizador Social e, um pouco mais distante, nas políticas nacionais do Crédito Solidário e do MCMV-E, os terrenos foram obtidos por meio da compra ou de financiamento - seja ele específico para o terreno ou direcionado a todo empreendimento incluindo a compra do terreno. Mais uma vez é importante lembrar que os contextos também entre Brasil e Argentina são bem distintos. Entretanto, esse grupo de experiências reúne em comum, além da limitação de aquisição de terras mais ba ratas nas cidades devido aos preços, um fator chave da sociedade neoliberal que impacta as famílias mutirantes até anos depois da conclusão das obras: o endividamento.

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Uma das principais questões presente em todas as experi ências autogestionárias de construção de moradias é a terra. A ob tenção ou conquista do terreno para desenvolvimento do processo autogestionário é sempre o nó (Maricato, 2008), e no cenário atual brasileiro é a primeira grande dificuldade enfrentada. Diante dos re cortes de experiências apresentados, pode-se perceber a importân cia de uma política de gestão do solo urbano para realização não só desse tipo de produção habitacional, mas de qualquer política ha bitacional desenvolvida pelo Estado. Isso se mostra indispensável principalmente no atual contexto neoliberal de cidades financeiriza das. Os casos estudados reforçam essa afirmação, em especial no Uruguai, o recorte mais impressionante de certa forma, por haver um banco de terras destinado à provisão de habitação, um dos fa tores que permitiu o estabelecimento e a continuidade das práticas.

A autogestão plena e ideal não é possível, mas sim uma ges tão partilhada com o Estado, na qual este é responsável por gerir institucionalmente a prática ou política, repassar recursos e organi zar o cronograma de atividades, enquanto a associação de morado res depois de receber o recurso financiado realiza então a chamada autogestão deste, do projeto e do canteiro. Lopes e Rizek (2006) co mentam que “trata-se de um partilhamento de um poder fraciona do, e não de uma parceria privatista de um poder centralizado”, além disso os autores afirmam que o desafio é conduzir os procedimentos autogestionários e as novas formas de apropriação territorial urbana conciliado com o cronograma físico-financeiro e exigências burocrá ticas do Estado. O cuidado que se deve ter, portanto, é com a pre carização e incorporação desses procedimentos pelas gestões e, na verdade, um grande desafio constante a ser enfrentado é a adapta ção da autogestão aos moldes possíveis atuais, que são capitalistas, mas que se busque resistir e preservar os pilares da autogestão e da tacional que assolam a cidade de Fortaleza. Ainda sobre a questão do financiamento, em todos os casos percebe-se a importância do marco legal, assim como dos dispositi vos normativos que indiquem a operacionalização e o repasse de re cursos constantes por meio de uma política pública. O caso do Uru guai novamente é o mais ideal, pois possui um aparato legislativo nacional e organização política que constituíram uma política pública e fizeram com que essa prática perdurasse no tempo. Todos os outros casos estudados tiveram suas experiências limitadas ou findadas pela diminuição ou término do repasse de recursos. A alimentação das políticas ou práticas estudadas acabaram por estarem direta mente ligadas e dependentes das gestões do poder executivo mu nicipal, por isso tiveram curtas durações limitadas a gestões espe cíficas. Não houve a construção de políticas públicas que pudessem permanecer para além da gestão. No caso de Buenos Aires, como já mencionado anteriormente, ainda existe toda a estrutura da Ley 341 e do PAV, entretanto desde 2008, com a mudança de prefeitura, não há mais repasse de recursos e a compra de terrenos e imóveis. Com isso pode-se observar também a importância do pa pel do Estado na realização dos casos latino-americanos estuda dos. Esse papel vai muito além da aprovação de leis e repasse de recursos, permeia toda a gestão dos agentes envolvidos, seleção de grupos de moradores, assessores, fiscalização das atividades e organização do cronograma físico-financeiro. Assim, acredita-se que aqui se apresenta a terceira contradição quanto ao puro ide al da autogestão e a prática possível no presente momento. Ape sar do ideal contra hegemônico e anti-sistêmico da autogestão da

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produção de moradia, é indispensável a associação com o Estado neoliberal, inclusive é o que se busca, mais do que isso, busca-se um cenário ideal no qual haja a inserção deste ideal autogestio nário em atividades do Estado. Afirma-se isso como contradição também devido ao fato dos procedimentos similares desenvol vidos no Brasil geralmente serem incorporados e arrimados pelas prefeituras, tanto por questões políticas eleitoreiras como pela ar ticulação dos mecanismos do Estado de redução maior dos recur sos por se tratar de mutirões e pela dissociação cada vez maior do processo efetivamente autogestionário das práticas que bus cam ocorrer em curtos espaços de tempo (LOPES & RIZEK, 2006).

como contou Kaya Lazarini em entrevista, concentra uma grande questão quanto à inclusão da participação na elaboração do projeto das unidades em alguns casos, a qual se deu apenas por aprovação e discussão em assembleia. Em Ipatinga e em BH também a proxi midade na relação entre movimento e prefeitura muitas vezes impu nha sobre as famílias associadas um nível mais baixo de autonomia, como a consulta e em casos mais graves a cooptação (MORAIS, 2019).

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Entretanto, apresenta-se ainda, no cerne de tudo isso, a dis cussão sobre o sobretrabalho travada há décadas. Considera-se que a quarta contradição está entre essa discussão e o impasse do uso do regime de mutirão nas práticas anti-sistêmicas dentro do sistema capitalista. Esse ponto traz uma grande complexidade na qual aqui se aponta como contradição como modo de se des tacar e chamar atenção. O mutirão quando apropriado pelo poder público e dissociado dos procedimentos autogestionários e do pro cesso formativo político-pedagógico, como ocorrido em Fortaleza, também é incorporado e alimenta o sistema capitalista por impor o puro sobretrabalho da autoconstrução das casas sobre os in divíduos como aponta Francisco de Oliveira (2005). Entretanto, o mutirão quando inserido em um sistema de trabalho emancipa tório, participativo e formativo se torna um trabalho desalienado, como Kaya Lazarini comenta em entrevista sobre a Usina CTAH.

Esse tipo de trabalho pode contornar o sistema ou ao menos plei tear novas alternativas de produção e de organização coletiva. “A questão do mutirão como sobretrabalho, acho que na Usina a gente observa o mutirão sob outra perspectiva. Numa perspectiva muito mais “ participação popular efetiva nos processos.

É essencial ressaltar que o processo autogestionário possui diversas fases, desde a mobilização das famílias até o pós-obra, e que apresenta diferentes níveis de autonomia dependendo do con texto e dos agentes envolvidos. A compreensão deste processo é algo fundamental desde o início, entretanto é comum que os movi mentos sociais e associações de moradores possuam uma compre ensão mais simplificada do conceito, muitas vezes referente apenas às decisões projetuais ou ao mutirão. O papel das assessorias téc nicas se insere aí com bastante importância. A partir dos estudos dos recortes de experiências abordados e das entrevistas realizadas percebeu-se que, para além do papel técnico, os assessores possu íram um papel também político, formador e capacitador durante a sua implementação. Desde uma alta organização política como no Uruguai aos casos de São Paulo e Minas Gerais isso é perceptível, seja nos períodos que antecedem os mutirões ou seja durante eles. A relação de proximidade entre assessores e associados ou mutirantes foi fundamental para o desenvolvimento das experiên cias. Entretanto, como mencionado em cada estudo anterior, houve diferentes tipos de relações e proximidades entre esses agentes. Nos casos brasileiros, muito mais antes das políticas do Crédito Solidário e MCMV-E, percebe-se uma maior proximidade das famílias com o projeto arquitetônico e com as escolhas e gestão do canteiro de obras. As cooperativas uruguaias também usufruem dos Institutos de As sistência Técnica que possuem metodologias participativas, entre tanto não se observou uma relação tão próxima quanto por exemplo as experiências no FUNAPS Comunitário. O caso de Buenos Aires,

nica, tanto em termos de espaços quanto em materiais utilizados, dos projetos estudados possibilitaram o desenvolvimento de tipolo gias diversas, o que é algo positivo em termos de apropriação esté tica, mas mais que isso, é extremamente positivo a demonstração e conquista de que projetos bem elaborados e não padronizados são possíveis de serem construídos por práticas públicas. Demonstram assim que não é só no mercado privado e formal de imóveis que se pode ter acesso a projetos de qualidade e que escutem as demandas dos futuros moradores. Lopes e Rizek (2006) contam que os proces sos de discussão dos projetos contribuíram para as mais diversas formas de apropriação da moradia, por apresentar o diferencial de que tenha sido o morador que havia construído tudo, projeto, obra e o processo. Os autores afirmam que o relevante das experiências brasileiras efetivamente é a qualidade do sistema de produção como um todo, muito mais do que apenas inovações tecnológicas no sis tema construtivo e do que os sistemas de materiais aplicados. As sim, não parece existir certezas entre os modelos utilizados e os re sultados obtidos, tudo depende, portanto, da instrução dos agentes e da condução do processo, assim como da organização do grupo de moradores (LOPES & RIZEK, 2006).

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Para além do simples barateamentos das obras por não se pagar mão de obra, o mutirão autogerido primeiramente busca inúmeras outras alternativas de redução de custos, inclusive para re muneração de frentes de trabalho. Porém, acredita-se que o cerne da sua prática está na busca do “sonho possível”, de meios de se trabalhar com demandas urgentes e necessárias conciliando o ideal socialista presente na origem da autogestão com a realidade prática encontrada, com todos seus agentes, arranjos institucionais e buro cracias. A prática do mutirão deve ser autogestionária, deve buscar preservar e priorizar procedimentos formativos, políticos e pedagó gicos, mas também é a maneira encontrada de luta contra o modo de produção capitalista de moradias, e possui contradições. No que tange aos projetos gerados por experiências autoges tionárias, é indiscutível o desenvolvimento de alternativas projetuais, tipológicas e de metodologias participativas. A qualidade arquitetô

As tipologias e os projetos gerados ao longo dos anos de acordo com o observado desde a Parte 1 do trabalho revelam a in flexão de evolução e diversificação dos projetos e outras vezes de recrudescimento destes. Nas décadas de 1960 e 1970 tem-se ao mesmo tempo os projetos autogestionados e participativos das co operativas uruguaias e a produção habitacional brasileira do BNH, com poucas variações geralmente padronizada e muitas vezes se vinculada ao conceito de trabalho emancipatório, ao trabalho desaliena do e no limite ao trabalho livre, que o Sérgio Ferro fala muito né? Isso não significa negar a crítica do Chico de Oliveira, mas sim situá-la no lugar que ela está. Quando o Chico fala do mutirão como sobretrabalho ele tá falando da autoconstrução, ele não tá falando dos mutirões dos movi mentos de moradias ou dos grupos que querem fazer a autogestão. Na perspectiva da autogestão, e ai agora já to falando na minha opinião, o mutirão ele é muito mais trabalho desalienado do que sobretrabalho. E claro, tem que ter uma perspectiva da importância do trabalho do mu tirão, né? Enquanto formador de uma outra sociabilidade, de um outro modo de produção, ensaiando novas práticas no canteiro de obras que, se a gente se pretende, a autogestão é uma totalidade, acho que isso que é muito legal.“ (Trecho da entrevista com Kaya Lazarini em julho de 2021).

- apartamentos de tamanho médio ou de dois pavimentos(4) em con juntos de médio ou pequeno porte de teor mais coletivo, como os de Buenos Aires e Uruguai e algumas experiências da Usina e Peabiru. 1980 1990 2000 2010 2020 figura 24. linha do tempo das tipologias habitacionais

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guindo a conformação em H do pavimento tipo, assim como anos depois seriam os conjuntos produzidos pela CDHU e pelo Programa MCMV-E. Nesse intervalo de tempo se observa a exploração de tipos habitacionais de unidades, de pavimentos e volumetrias dos empre endimentos diversas, desde casas unifamiliares em lotes, passando por prédios de 4 ou 5 andares até os prédios produzidos pelo MCM V-E chegando a 13 andares, como o ainda em construção Conjunto Alexios Jafet. Entretanto, a recente produção habitacional para famí lias de baixa renda se resume a pequenos prédios de planta genérica localizados em grandes conjuntos periféricos.

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De maneira geral, após o estudo realizado, buscando organizar metodologicamente os projetos habitacionais observados, chegou -se a tipologias padrão. De forma bem generalista, deixando de lado os modelos de produção, as relações entre agentes, as conformações espaciais entre ambientes públicos e privados, dentre outros pontos observados anteriormente, e extraindo apenas tipologias arquitetô nicas de unidades habitacionais chegou-se a 4 tipologias. São essas:

- casas térreas(1) e sobrados(2) em empreendimentos unifamiliares, como alguns obtidos durante o Funaps Comunitário.

- apartamentos de tamanhos bem reduzidos(3) em grandes con juntos habitacionais, como os obtidos no BNH, CDHU e MCMV.

ções sobre Fortaleza e seu territórios presentes em planos, proje tos e leis que os movimentos e comunidades não possuem acesso e nem mesmo sabem que existem.

Afinal, antes de tudo a prefeitura sempre busca usar argumentos de que já possui um corpo técnico para desempenhar atividades de projeto e planejamento; entretanto esse grupo vem sendo cada vez mais reduzido, portanto sem condições de abarcar as demandas que surgem na cidade.

A estrutura institucional de Fortaleza consiste na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Habitacional (HABITAFOR), respon sável pelas questões habitacionais, no Instituto de Planejamento de Fortaleza (IPLANFOR) e na Secretaria de Urbanismo e Meio Am biente (SEUMA), os dois últimos são mais responsáveis pelo controle urbano e pela condução de processos de planejamento urbano da A realidade de Fortaleza, assim, apresenta limitações e não foge das problemáticas e contradições apontadas. Apesar de ser a quinta capital do país em termos de economia e população e de se localizar num estado de economia crescente, Fortaleza apresenta uma estrutura institucional complexa, porém com recursos menores que os de São Paulo ou Belo Horizonte. As experiências realizadas nos anos 90 de mutirões habitacionais não incluíram devidamente a autogestão no processo e foram rapidamente incorporadas e adap tadas pelo poder público local (LESSA, 2021). Assim, o mar de muti rões, ao quais alguns autores se referiam em Fortaleza, consistiram em práticas deturpadas, e um tanto coronelistas, de procedimentos autogestionários, envolvendo inclusive agentes financiadores inter nacionais (LOPES & RIZEK, 2006). As práticas já realizadas na cidade, portanto, não foram ide ais nem obtiveram sucesso na qualidade dos empreendimentos nem na continuidade da prática autogestionária. No cenário de Fortale za, as principais questões que surgem para o desenvolvimento de uma produção local de habitações por autogestão é, primeiramente a questão fundiária, ao se observar a disponibilidade de terras pela cidade, ainda mais de terras urbanizadas mais próximas ao centro urbano, e ao mesmo tempo o controle delas pelo mercado imobiliá rio. Outra questão seria a disponibilidade de recursos limitada, mas que já se provou que é capaz de se investir na produção de habita ções em pequena escala. Ainda mais, a questão organizacional dos movimentos sociais para exigir a provisão habitacional e seu acesso às informações, cabe aqui como outro fator juntamente do interesse do poder público de realizar tais projetos. Existem muitas informa

É aí que se coloca a questão do reconhecimento da neces sidade de inserção da prática de assessoria técnica em atividades do poder municipal. Apesar do reconhecimento nacional da Lei de Assistência Técnica (Lei 11.888/2008), a assessoria técnica por ser outro tipo de abordagem (AMORE, 2016) ainda não tem sua práti ca reconhecida nem estimulada pelas atividades do poder público.

O contexto de Fortaleza é um contexto neoliberal e que apresenta muitos obstáculos a serem superados. É uma realidade diferente de qualquer uma estudada anteriormente e por isso é ne cessária a apropriação dos seus agentes, corpo institucional e ele mentos. Por isso, é necessária uma adaptação à realidade da cidade e ao mesmo tempo uma nova apropriação territorial urbana, assim como dos meios institucionais disponíveis.

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Dessa forma, é necessária a melhor compreensão des sa estrutura institucional, principalmente dos programas que en volvem atividades habitacionais existentes, ou destinam recur sos para elas, assim como dos fundos públicos que poderiam ser apropriados para realização de produção habitacional. É impor tante também, a partir do discutido, a formação de um banco de terras ou no mínimo o uso efetivo de instrumentos urbanísticos, em termo de estudos, trabalhos, projetos e práticas, facilitando que os vazios urbanos já identificados em planos públicos pos sam ser utilizados para o recebimento de habitações sociais.

170 cidade. Essa divisão já introduz um pouco da questão da dissocia ção do planejamento urbano das políticas habitacionais. A cidade também possui fundos públicos destinados à habitação de interesse social sendo o principal deles o Fundo Municipal de Habitação de In teresse Social (FMHIS), o qual entretanto não recebe investimentos suficientes do poder público.

03 A produção de moradia por autogestão possível em Fortaleza e o caso da Ocupação Carlos Marighella o caso dos vazios urbanos em fortaleza potencial dos vazios urbanos o vazio urbano da Ocupação Carlos Marighella assessoria técnica à Ocupação Carlos Marighella e desenvolvimento de tipologias habitacionais processos recentes da assessoria oficinas: elaboração e discussão do projeto custos das tipologias diretrizes para práticas futuras de assessoria técnica à ocupações urbanas para produção de moradia em Fortaleza identificação de vazios urbanos para habitação implantação e tipologias habitacionais custos e recursos arranjo institucional 243235230224223219193190187179176

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Os recortes de experiências anteriormente estudados, como já mencionado, buscam construir um arcabouço teórico e uma baga gem de experiências, com seus êxitos, lacunas e questionamentos, de modo a contribuir com o desenvolvimento deste trabalho. Contu do, faz-se necessário um estudo prévio relativo à realidade local. Neste sentido, esta parte do trabalho busca estudar e iden tificar elementos presentes no cenário de Fortaleza quanto à dis ponibilidade de terras urbanizadas, disponibilidade de recursos e de legislações existentes e possíveis, para constituir a viabilidade da proposta tipológica habitacional para a Ocupação Carlos Ma righella a serem geradas no fim deste processo. Os produtos ge rados andaram em paralelo com a prática da assessoria técnica à OCM e buscam contribuir na luta para a conquista de moradias dignas pelas famílias da OCM, mas também de outras ocupações urbanas e de grupos organizados (associações ou cooperativas de moradores) em Fortaleza. Pretendem também contribuir com a prática de assessoria técnica a movimentos sociais urbanos na efetuação de ocupações ao estabelecer uma base de procedimen tos e informações da qual grupos de assessoria poderiam partir para realizar estudos emergenciais e iniciais, como o Plano Emer gencial de Negociação elaborado no fim de 2020 para a OCM. Ali mentando assim a luta por terra, orçamento, moradia e cidade. Esta etapa do trabalho tem sua metodologia fundada nos instrumentos políticos necessários para a realização e continuidade da prática autogestionária de produção de moradia no Uruguai. Nes te sentido, suas bases adotam o que a FUCVAM denomina como ins trumentos políticos, os quais são o Financiamento Estatal, a Política de Solos e os Marcos Legais. Diante disso, a finalidade foi o desen volvimento de um trabalho de assessoria técnica junto à Ocupação Carlos Marighella e elaboração, através de métodos participativos, de um estudo tipológico habitacional para as famílias da ocupação.

Por fim, tentar contribuir para práticas futuras de assessoria técnica às ocupações urbanas visando a produção de moradia por autoges tão em Fortaleza; importante ressaltar tanto as possíveis limitações deste trabalho elaborado por uma só pessoa ainda que inserida num processo de projeto coletivo, mas também por estar ciente das con tradições que o sistema e a lógica neoliberal impõe sobre as práticas autogestionárias. figura 25: Metodo logia para elabora ção dos produtos. fonte: Smolka e Damásio (2006). operador FUCVAM e instrumentos políticos pilares para o desenvolvimento da experiênciafinanciamentoestatalmarcoslegais questões centrais a trabalhadasserem recursos disponíveis e possíveis para Fortaleza estudo de possibilidade de recursos e tamanho políticasolosdos vazios urbanos desti nados a HIS, PLHIS e ZEIS 3 estudo, mapeamento e tipologia dos vazios PLHIS e ZEIS 3 autogestão e noreguladosassessoriaeinstitucional atribuição de regulamentaçãosugestãoagentes/de escala e diferentes tipos de projetos elaboração de tipologias volumétricas para as habitações da OCM

O caso dos vazios urbanos de Fortaleza Diante do nó da terra destacado por Maricato (2008), con sidera-se que a discussão a respeito dos vazios urbanos em For taleza seja essencial para que se possa formular uma proposta de produção autogestionária da habitação. Afinal, o reconhecimento de fatores que contribuam com a localização bem inserida na cidade e a disponibilidade de dispositivos normativos que favoreçam uma política fundiária, são aspectos fundamentais para a democratização do acesso à terra urbanizada, notadamente numa cidade desigual e incompleta como Fortaleza. Desde a constituição de 1988 está presente na lei brasileira o reconhecimento da desapropriação de terras improdutivas, junto a isso o reconhecimento da moradia como um direito fundamental. Treze anos depois o Estatuto da Cidade aborda a função social da propriedade nas cidades brasileiras e apresenta uma série de ins trumentos urbanísticos para se planejar e gerir a cidade, alguns voltados para recuperação da mais valia urbana e outros voltados para gestão democrática da cidade e acesso democrático à terra urba nizada. O segundo grupo, que é o que interessa a este tópico por incidir no acesso de terras urbanas para população de baixa renda, é composto por instrumentos como o IPTU Progressivo no Tempo, a Desapropriação com pagamento de títulos, o Usucapião Especial de Imóvel Urbano, o Direito de Preempção e as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) - um zoneamento especial que se configura como instrumento.Ousodesses instrumentos referentes à desapropriação de terras improdutivas e destinação delas para usos democráticos, dentre eles a construção de moradias populares, cabe aos planeja mentos urbanos locais através dos Planos Diretores e Planos Locais de Habitação. Ambos existem em Fortaleza, entretanto 20 anos de pois do Estatuto se coloca a questão de que estabelecer zoneamen tos especiais em planos é uma saída fácil e que não garante muita coisa. Por exemplo, para regularização das ZEIS o percurso é longo e muito complexo para se conseguir pequenas conquistas, como tem se observado na realidade de Fortaleza, sem se falar da situação das ZEIS de vazio que tem suas áreas reduzidas a cada ano por apropria ção do mercado imobiliário. Assim, tem-se a disposição, por lei, de instrumentos para democratizar o acesso à terra urbanizada, entretanto, é preciso a apropriação destes dados e decisões pelo poder público em práticas efetivas. Julga-se que por meio do reconhecimento de vazios urba nos dotados de infraestrutura nesses planos, juntamente dos ins trumentos disponíveis, é necessário uma incidência técnica e política sobre o poder público para construção, a partir dessas informações, de uma prática ou política pública que usufrua dos vazios urbanos. Podendo-se até trabalhar com a ideia de constituição de um banco de terras da prefeitura, ou que ela teria prioridade na aquisição, cujos terrenos receberiam construções de habitação de interesse social.

Sabe-se que o cenário de Fortaleza quanto aos vazios urbanos não é diferente do de outras metrópoles brasileiras. O planejamento urbano da capital do Ceará apresenta primeiramente no seu Plano

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Diretor de 2009 a identificação de áreas de ZEIS 319 por toda a cida de e, após isso, na elaboração do Plano Local de Habitação (PLHIS For) em 2012 identifica-se uma série de vazios urbanos indicados para provisão habitacional de interesse social, os quais ainda são classificados em três tipos de acordo com a disponibilidade de infra estrutura no seu entorno (Mapa 7). Estes vazios estão distribuídos por toda a cidade, chamando atenção para o mapeamento de vazios urbanos em áreas centrais dotadas de infraestrutura, evidencian do a disponibilidade de terrenos que comportam HIS nestas áreas. 19 Zonas Especiais de Interesse Social do tipo 3 consistem em vazios ur banos basicamente destinados à provisão de HIS ou destinados à construção de equipamentos públicos.

mapa 7: Vazios Ur banos do PLHISFor 2012 e ZEIS 3 em FortalezadosdestinaaHIS. fonte: PLHIS (2012), PDPFor (2009) e Prefeitura de Fortaleza. Ela borado pelo autor.

Enquanto isso, a política habitacional de Fortaleza, como já apresentado, por décadas tem promovido a realização de empreen dimentos habitacionais para famílias de baixa renda em grandes ter renos na periferia urbana não dotados de infraestrutura urbana, ne gando seu direito à cidade. Ao focar nessa contradição, observa-se o escancaramento de forma definitiva da dissociação entre as políticas urbanas e as políticas habitacionais, principalmente em um contexto de crise habitacional pós pandemia e de déficit habitacional crescente.

potencial dos vazios urbanos Diante do exposto, este tópico busca tratar dos vazios urba nos apenas levando em consideração as informações sobre: vazios do PLHIS de tipo 1 e 2, os mais adequados para desenvolvimento de pro jetos habitacionais, vazios de ZEIS 3 e terrenos vazios de propriedade do Município de Fortaleza ou do Estado do Ceará, ou seja, públicos. A partir da seleção de informações a serem trabalhadas, ob servou-se a distribuição de mais vazios do PLHIS nas regiões da ci dade ao passo que se afastam do centro, entretanto a presença de ZEIS 3 e de terrenos de domínio público são melhor distribuídos no território da cidade. Por meio desta leitura, buscou se selecionar alguns recortes que reúnem as variáveis de disponibilidade de infraes trutura, transporte e mobilidade, assim como o número, o tamanho e a variedade na presença de vazios do PLHIS e de ZEIS, mas princi palmente de vazios urbanos de domínio público, os quais poderiam ser adquiridos sem ser por meio da compra, apenas por meio de desapropriação como ocorreu com o terreno da OCM.

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mapa 8: Recortes em Fortaleza de concentração dos Vazios Urbanos do PLHISFor 2012 e ZEIS 3 destinados a HIS e vazios pú blicos.fonte: PLHIS (2012), PDPFor (2009) e Prefeitura de Fortaleza. Ela borado pelo autor. mapa 9: Recortes em Fortaleza de concentração dos Vazios Urbanos do PLHISFor 2012 e ZEIS 3 destinados a HIS e vazios pú blicos.fonte: PLHIS (2012), PDPFor (2009) e Prefeitura de Fortaleza. Ela borado pelo autor.

Identificou-se assim oito regiões de possível interesse e dispu ta por vazios urbanos para serem destinados à provisão de habitação de interesse social, levando também em conta que em algumas localidades a presença de comunidades organizadas seriam fun damentais para organização e enfrentamento. As oito regiões são referentes às áreas: da Barra do Ceará, do PICI, do Bom Jardim, do Mondubim, do Palmeiras, da Messejana, do Edson Queiroz e do Serviluz (Mapas 8 e 9).

Para fins metodológicos se estabeleceu estes recortes por meio dos limites dos bairros que os vazios estão contidos e sele cionou-se duas das oito regiões de vazios urbanos para se realizar a atualização dos vazios identificados nos shapes, no sentido de ape nas mapear os terrenos que ainda estão vazios: a região do Edson Queiroz, por apresentar todos os tipos de vazios, principalmente de PLHIS tipo 1 e vazios de posse do município, e a região do Mondu bim, por ser o recorte da Ocupação Carlos Marighella e apresentar vazios do PLHIS e de posse do município.

É perceptível a grande disponibilidade de vazios nos dois recortes selecionados e, observando as tabelas, coincidentemente em ambos a área total de vazios urbanos disponíveis se assemelha, constando no recorte do Edson Queiroz uma área de 1.113.032,96 m², reunindo 222 vazios, enquanto no recorte do Mondubim uma área de 1.225.208,74 m², reunindo 70 vazios.

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Ao selecionar um recorte em uma área relativamente central, próxima ao centro expandido da cidade, e em constante valorização como o Edson Queiroz e outra em uma região periférica e com mer cado imobiliário focado nas classes baixas e médias como o Mon dubim, objetivou-se estudar realidades diferentes de disponibilidade de vazios urbanos e as características desses. Assim, como uma ati vidade introdutória que tem finalidade de mostrar opções existentes na cidade para formação de um banco de terras em Fortaleza, identi fica-se nas duas regiões demonstrativas que, enquanto a mais cen tral, sendo um dos principais alvos do mercado imobiliário, apresen

Após isso, buscou-se calcular as áreas dos terrenos vazios de cada recorte e a partir delas calcular a capacidade de atendimento de unidades habitacionais, primeiramente tendo em vista o que é estabelecido no Plano Diretor e no PLHIS. O cálculo foi feito levando em consideração os índices de loteamentos para habitação de inte resse social nos quais deveriam ser destinados 20% do terreno para equipamentos comunitários, 10% para espaços de lazer e 5% para equipamentos sociais, totalizando 35% dos terrenos, restando 65% do terreno para os lotes. Assim os cálculos levaram em conta lotes de 125m², como estabelecido pela lei de parcelamento municipal, e de 90m², assim como a fração de lote estabelecida no zoneamento do Plano Diretor. O cálculo consiste na fórmula: (Área do Terreno x 0,65) / Tamanho do lote em questão. Já em um outro cenário foi realizado o mesmo cálculo com relação ao contexto de conversão dos terrenos em ZEIS e maior fle xibilização quanto aos lotes e quanto à verticalização. Assim, os cál culos levaram em conta lotes de 70m²20 e considerando cenários de empreendimentos unifamiliares com casas térreas e multifamiliares com blocos de 2 pavimentos e de 4 pavimentos. Para isso foram geradas duas tabelas e, após isso, em ambos os casos, foi gerado uma classificação quanto ao atendimento de unidades habitacionais, ou seja, tomando como base a experiência

do Funaps Comunitário que atendiam grupos de 20 a 200 famílias, se atendiam por si só pelo menos 20 famílias ou seria necessário a integração com outro terreno próximo. Além disso, por meio das áreas dos terrenos, estes foram classificados em Pequenos - se sua área ficasse entre 750m² e 5.000m² -, Médios - se sua área ficas se entre 5.000m² e 10.000m², menor que uma quadra que não ne cessitam de arruamento e eletricidade interna -, Grandes - se sua área ficasse entre 10.000m² e 12.550m², terrenos de dimensões de uma quadra - e Gleba necessitada de projeto urbanístico - terrenos maiores que 12.550m², maiores que uma quadra nos quais seria ne cessário um zoneamento, plano de ocupação e divisão de lotes.

20 Estabeleceu-se 10m² a mais considerando o lote mínimo de 60m² esta belecido pelos PIRFs e somando-se uma área que pudesse promover recuos em pelo menos 2 dimensões do lote.

mapa 10: Tipifica ção dos vazios do recorte do Edson Queiroz de acordo com a (Anexoárea1e2). mapa 11 Diferen tes tipos de vazios urbanos no recorte do Edson Queiroz mapa 12: Tipifica ção dos vazios do recorte do Mondu bim de acordo com a (Anexoárea1e2). mapa 13: Diferen tes tipos de vazios urbanos no recorte do Mondubim.

0 750 1.500m mapa 10 mapa 11 mapa 12 mapa 13

184 ta muito mais vazios propícios para produção de HIS, muitos deles sendo de porte Pequeno ou Médio, a área periférica do Mondubim apresenta muito menos vazios entretanto estes são em sua maioria de porte Médio e, acima de tudo, se identificam grandes glebas ainda não loteadas. O número e porte de vazios encontrados reflete as ca racterísticas de interesse do mercado imobiliário e do próprio poder público, pois é perceptível um maior número de terrenos vazios do Município e do Estado no recorte do Mondubim, sendo um deles in clusive o terreno desapropriado para a Ocupação Carlos Marighella.

fonte:

Acredita-se que por meio deste estudo de duas regiões ca racterísticas da cidade pode-se ter uma noção preliminar dos tipos de vazios disponíveis, do PLHIS, de ZEIS 3 e de terrenos públicos, e de suas localidades, características e capacidades. Assim, combinados com instrumentos do tipo Direito de Preempção, ZEIS e devida aplica ção do IPTU Progressivo, a identificação destes vazios podem servir de base para reivindicações de movimentos populares e assessorias técnicas para provisão habitacional. Para além disso, como já men cionado, essa metodologia e prática pode ser reproduzida em outros territórios foco de atuação de movimentos sociais e poderia ser início de uma verdadeira construção de um banco de terras com boas ca pacidades de atendimento habitacional, condições de infraestrutura e de mobilidade para combater o déficit habitacional de Fortaleza.

Mondumbim.eQueirozEdsonbairrosnos

(2012),PLHISdodadosdepartiraautorpeloElaboradoPDPFor(2009)edaPrefeituradeFortaleza. tiposxvaziosáreasxvazios

vaziosdosanálisedemapas

Atendimento da Capacidade Mínima Atende Médio Diante do cálculo anteriormente apresentado, o terreno em questão, de maneira preliminar e genericamente abordado, comporta no mínimo 45 famílias se o lote for de 125m² e no máximo 324 famílias se o lote for de 70m² e a tipologia for de predinhos de 4 andares. Entretanto, essa metodologia exposta é útil apenas para um cálculo inicial e em regime de emergência e de luta pelo direito à terra urbanizada. Afirma-se isso, pois esta foi uma etapa fundamental para conquista do terreno pela Ocupação Carlos Marighella, entretanto de acordo com as fases atuais de assessoria, nas quais buscou-se um maior aprofundamento no projeto de implantação e das unidades, os valores encontrados não condizem com a realidade. Cada terreno possui suas questões, tanto vantagens como proble máticas e limitações, e quando se tenta trabalhar com ele e projetar dentro dele essas questões impõem alguns empecilhos e decisões projetuais.No caso do terreno em questão, depois de desapropriado e depois que as famílias passaram seus barracos para ele, por meio de visitas realizadas pela equipe, complementadas pelo diagnóstico ambiental do Mandato Fortaleza Verde, identificou-se uma série de problemáticas com as quais deveria-se conviver. Primeiramente o terreno apresenta um grande desnível, a declividade do terreno varia de 0 a 19°. Segundo uma classificação do INCRA21, este intervalo enquadra o terreno como forte ondulado. Assim, uma plena e rápida implantação de unidades sem a realização de nenhum trabalho de terraplanagem se torna muito difícil. Outros dois fatores limitantes são a grande quantidade de vegetação no terreno e a grande área alagável no seu interior, possuindo um solo nenhum pouco ideal para construções. Esses fatores podem sim ser conciliados com a cons trução habitacional, apenas exigindo maior complexidade no projeto e maior custo para construções em áreas alagáveis.

Num. Tipo Área (m²) Capacidades considerando lotes de 125m² e 90m² e edificação multifamiliar por meio de fração do lote ClassificaçãodosVazios

48 TerrenoPúblico 8.713,65m² 45 63 194 Atendimento da Capacidade Mínima Atende Médio Num. Tipo Área (m²) Capacidades considerando lotes de 70m² e flexibilização de edificação multifamiliar por meio de transformação dos terrenos em ZEIS ClassificaçãodosVazios

Tipo Térreo (u.h. em lote de 125m²) Tipo Térreo (u.h. em lote de 90m²) Tipo Multifamiliar (u.h. de acordo com a fração do lote)

48 TerrenoPúblico 8.713,65m² 81 162 324

Vazio da Ocupação Carlos Marighella

Tipo Térreo (u.h. em lote de 125m²) Tipo Térreo (u.h. em lote de 90m²) Tipo Multifamiliar (u.h. de acordo com a fração do lote)

O vazio urbano no qual se encontra a Ocupação Carlos Ma righella consiste, como já mencionado, em um terreno antes de patrimônio do município e agora desapropriado, no aguardo de ser transferido para a associação de moradores que busca se consti tuir. Assim, de acordo com o tópico anterior e com os estudos nele realizados, observou-se a simulação da sua capacidade de atendi mento habitacional, como apresentado na tabela abaixo (Figura 26).

Dito isso, todas essas questões e limitações a serem enfren tadas reduzem bastante a área passível de ocupação e, com isso,

21 Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária figura 26: Dados sobre o vazio em questão da Ocu pação Carlos Ma righella com base na metodologia de cálculo e classifi cação descrita. fonte: peloElaboradoautor.

188187 o vazio urbano da ocupação carlos marighella

A Ocupação Carlos Marighella, como mencionado na primeira parte deste trabalho, teve uma nova dinâmica no ano de 2021. Antes mesmo de se comentar o desenvolvimento das tipologias habita cionais por meio do Projeto Participativo para Melhorias da Habi tabilidade da Ocupação Carlos Marighella, aprovado pelo Edital do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU-CE) de apoio institucional para práticas de assessoria técnica, são necessárias al gumas considerações, observações e comentários sobre o processo de assessoria técnica em arquitetura à Ocupação nesse período. Após a desafetação do terreno ocorrida em dezembro de 2020, no ano seguinte a dinâmica dentro da Ocupação mudou, tanto quanto à organização das famílias, como quanto dos movimentos da coordenação, e por consequência do teor de assessoria técnica exer cida. A partir desse momento, inicialmente a prioridade passou a ser a organização espacial dos barracos das famílias e sua construção. Nesse momento, outra onda de COVID-19 surgiu na cidade, o que contribuiu para o distanciamento da assessoria, como também, jun tamente de outras práticas políticas e outras ocupações desenvolvi das no interior do Ceará, dos movimentos sociais da coordenação da Ocupação Carlos Marighella.

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reduzem também bastante o número de unidades que o terreno comporta. É importante essa percepção e a compreensão dos tipos de informações e discursos e até quando devem ser utilizados.

Assim, o tipo de cálculo apresentado anteriormente sobre a capacidade de atendimento dos terrenos vazios de Fortaleza é muito útil para luta política e reivindicação de terras urbanas para habitação de interesse social. Entretanto, não deve se apoiar estritamente nis so durante todo o processo de assessoria, pois especificidades sur girão e poderão impor limitações ao projeto, podendo se chegar ao número de unidades estipulado inicialmente por meio de soluções de projeto que busquem adensamento. Porém, também pode-se che gar a conclusão de que arquitetonicamente e legalmente, de manei ra pragmática, o terreno por meio das limitações encontradas possui uma capacidade reduzida de atendimento de unidade habitacional. A questão da limitação do número de unidades que podem ser constru ídas também podem surgir durante o processo de assessoria técnica, como será abordado nos tópicos seguintes algumas dessas questões.

Assessoria à Ocupação Carlos Marighella e Desenvolvimento de Tipologia Habitacional processos recentes da assessoria

Nesse meio tempo, dispondo de toda a razão de necessidades pragmáticas e do cansaço de um ano de luta, as famílias se pergun tavam porque não limpar e aterrar o que fosse possível elas mesmas e construir em alvenaria suas casas. Foi nesse período de meados de 2021 que houve maior mobilização para elaboração do Termo de Referência que propunha a elaboração e execução do Plano Popu lar Urbanístico e Ambiental da Ocupação Carlos Marighella (PPUA), juntamente da HABITAFOR, e a submissão do projeto de melhorias de habitabilidade para o CAU-CE, buscando debater questões emer genciais e a criação de comissões, mas acima de tudo, iniciar os pro jetos para o terreno conquistado. Além disso, iniciaram-se conver sas sobre a necessidade de se passar a propriedade do terreno para a associação dos moradores e, apenas depois e em conforme com as leis municipais, de se iniciarem a construção das casas com as devi das obras de infraestrutura e com a devida qualidade arquitetônica dos espaços coletivos e principalmente das unidades habitacionais.

A prática de assessoria técnica nesse contexto se encontrava em meio a uma transição. Anteriormente, muito presente na progra mação de resistência das famílias, entretanto funcionando em um ritmo acelerado, de urgência, e muitas vezes, devido a isso, não tão participativa. Isso se deu devido a grande mobilização das famílias em 2020 e a necessidade de resistências às diversas reintegrações de posse do terreno antigo e de conquista de uma terra o quanto antes para as famílias. Já na nova fase, havia uma dificuldade de presença no território, mas buscava-se o diálogo com a Prefeitura e outros agentes políticos e sociais da cidade para viabilização e apoio para o projeto e construção das unidades por mutirão. Além disso, foi uma etapa que intensificou a importância de conversas coletivas e assembleias gerais na tomada de decisões e negociações com a Prefeitura de Fortaleza (PMF). Entretanto, o ritmo era outro, mais lento e gradual durante uma etapa de negociação, buscando-se che gar ainda no momento do projeto participativo com as devidas con dições de contratação e financiamento da PMF.

Com a aprovação do projeto pelo CAU e a necessidade de re construção da organização interna, em assembleia definiu-se cons truir um calendário de atividades de luta, no qual haveria formações políticas feitas pelos movimentos sociais, atividades culturais, as sembleias gerais mensais e em todas as quintas-feiras dos meses de outubro e novembro seriam realizadas as oficinas de projeto. Ademais, decidiu-se em assembleia que o fechamento do Termo de Referência com a HABITAFOR para realização do PPUA da Ocupação ficaria em segundo plano, no aguardo para ser continuado depois das demandas mais urgentes citadas. Nestas oficinas foi discutido seguindo a ordem em que ocor reram: a questão da regularização fundiária, dos espaços coletivos do terreno e desejados para o projeto futuro, de referências pro

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No primeiro semestre de 2021 houve uma mudança de clima na organização da OCM, assim como uma desmobilização política das famílias e início de conflitos internos, pois o terreno já estava “disponível”, mas na verdade a posse ainda não era de ninguém, e nada parecia acontecer para a construção da casas. Além de tudo, havia o medo de outras pessoas ocuparem o resto do terreno, assim como também havia o surgimento de novas famílias demandando ingressar na luta e construir seu barraco no terreno.

As duas primeiras oficinas buscavam relembrar e discutir o porquê a terra ainda não era da Ocupação e o que era necessário para que isso acontecesse, assim como buscou-se identificar a lei tura que os moradores tinham do terreno e o que queriam que ele abrigasse no futuro em termos de espaços, para com isso constituir o programa de necessidades do projeto.

jetuais de espaços coletivos e dos tipos de habitação desejado, de possibilidades de implantação no terreno, de tipologias e início de desenho da opção de casa térrea e de sobrados e por fim, na última oficina, foi discutido o processo percorrido e os resultados.

É importante ressaltar que o processo foi constituído por apenas seis oficinas no espaço de quase dois meses devido a necessidade de se respeitar o calendário imposto pelo CAU-CE, que limitava a rea lização do projeto a três meses. O primeiro mês foi dedicado à organi zação e planejamento das atividades, mas sobretudo a realização do censo comunitário pela equipe de assessores juntamente das famílias.

A assessoria técnica em arquitetura foi, portanto, aos poucos voltando gradualmente a se encaixar nas atividades semanais das famílias da Ocupação. Principalmente o desenvolvimento do Censo Comunitário e das oficinas, assim como a presença e contato cons tante com os moradores, foi essencial para compreensão mais apro fundada da nova realidade social, econômica e espacial das famílias da Ocupação Carlos Marighella, e com isso compreensão também das relações, conflitos e desejos internos.

O tema das tipologias habitacionais permeou as próximas três oficinas. A terceira oficina de título “O que cabe no nosso proje to?” tinha como objetivo retomar os espaços desejados pelos mora dores mencionados na oficina anterior, mas acima de tudo promo ver a discussão sobre que tipo de casas e quantas o terreno poderia comportar.

O objetivo geral das oficinas foi auxiliar na volta da constru ção da luta por moradia e unidade das famílias, a divisão entre áreas coletivas e privadas, a implantação do projeto e as unidades. Tudo isso a nível preliminar, pois foi desenvolvido em um curto espaço de tempo e sem apoio e auxílio da Prefeitura ou nenhum órgão público.

Dito isso, o foco desta parte do trabalho se atém ao desen volvimento das tipologias habitacionais para as famílias da Ocupa ção Carlos Marighella. Cabe salientar que este processo é gradual e ainda não está definitivamente finalizado, pois o tempo do proces so de assessoria é longo e sempre está em constante construção e alteração, portanto, diferente do tempo de elaboração do presente trabalho acadêmico. Assim, o que foi desenvolvido na prática de as sessoria técnica e no desenvolvimento deste trabalho não necessa riamente será a versão final ou definitiva do projeto, pois ainda há um longo caminho a ser percorrido.

O processo de realização das seis oficinas foi desenvolvido durante os meses de outubro e novembro, tendo ocorrido a última no início de dezembro para fins de fechamento de um ciclo. As oficinas foram estruturadas e planejadas pelo grupo de assessores técnicos por meio da elaboração da metologia para cada oficina em reuniões que se davam uma semana antes de cada encontro com os moradores.

oficinas: discussão e elaboração do projeto

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fonte:pessoal.Acervo imagens 67-69 Registros da Ofi cina 3 com os mo radores tentando iniciar os estudos sobre implantação e tipologia. imagens 70-72: Registros da Ofici na 3 com morado res apresentando as imagens selecionaram.que fonte: pessoal.Acervo

Para isso utilizou-se de uma maquete 3D do terreno, a par tir da qual por parte da assessoria técnica foram apresentadas al gumas explicações dos limitantes impostos pelo terreno referente à área alagada, ao grande declive e à vegetação presente. Após a compreensão da morfologia do terreno pelos moradores presentes, buscou-se estimular que eles fizessem escolhas de imagens de pro jetos habitacionais contendo tanto espaços coletivos como unida des privadas e que segurassem as imagens impressas que estavam distribuídas na maquete. A maioria das imagens de tipologias foram de experiências do FUNAPS, de autogestão em Belo Horizonte e de construções realizadas pela Usina e Peabiru, contendo algumas de projetos do MCMV e de outros projetos variados encontrados nas pesquisas. Com isso, as pessoas foram realizando o chamado estu do de referências projetuais. Logo após, sugeriu-se que as pessoas a partir de isopos re cortados com o volume de casas e de prédios de 4 andares fossem alocados no terreno de acordo com a preferência e com as imagens que haviam selecionado. Isso tendo em mente as limitantes e difi culdades construtivas do terreno. imagens 62-66: Registros da Oficina 3 apresentaçãocomdascaracterísticasecapacidadedoterrenoeestudodereferências.

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As pessoas foram aos poucos entendendo que não se po deria colar a casa em todos os limites do terreno, pois a casa ficaria abafada e sem entrada de sol, o que poderia facilitar a proliferação de mofo e de doenças nas áreas molhadas.

Na oficina seguinte, a quarta, a partir da disposição de casas feitas pelos moradores e tentando ocupar o mínimo possível a área alagável, levou-se para discussão três opções de implantação com tipologias habitacionais diferentes e suas capacidades. Observaram que a opção de sobrados proporciona mais espaços livres e de circu lação pelo terreno do que a de casas térreas e que alcançava um bom número de unidades habitacionais sem ocupar a área alagável. En tretanto, os moradores ficaram divididos, alguns optando pela casa térrea, outros optando pelo sobrado, estes com esperança de nessa opção caberem 3 quartos no projeto e de se liberar mais espaços no terreno o que contribuiria para aumento do número de unidades que o terreno comportaria, já que os sobrado teriam seus térreos meno res, em torno de 30m² e seu primeiro pavimento da mesma forma.

A partir desse exercício, a maioria das tipologias selecionadas foi de casas térreas logo seguido pela tipologia de sobrados apresen tada, a maioria das famílias não quer morar em apartamentos. Com as tentativas de implantação dos isopores, as pessoas perceberam que devido às dificuldades impostas pelo terreno, a implantação das unidades ficava limitada cabendo poucas unidades de casas térreas e algumas mais se optassem pela tipologia de sobrado.

A primeira casa construída possuía uma sala conectada ao corredor da casa, uma suite de casal, um outro quarto com cama de solteiro, um banheiro comum a casa como um todo e ao segundo quarto, uma cozinha ao fim da casa e a área de serviço no espaço aberto do recuo dos fundos. Depois de terminada a casa as pessoas acharam que poderia melhorar e poderiam aproveitar melhor o es paço para que não se formasse um corredor tão extenso como ficou.

A quinta oficina foi dedicada à discussão do projeto das ca sas. As pessoas foram divididas em três grupos, um de crianças, no qual se trabalhou desenhos lúdicos da casa desejada, e outros dois de adultos, nos quais os desenhos do projeto seriam desenvolvidos a partir de plantas baixas elaboradas por eles mesmo em uma ofici na realizada em 2020, uma elaborada pelos homens e outras pelas mulheres.

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As pessoas então olhando a planta elaborada na oficina de 2020 e pensando a partir dela, porém fazendo alterações, cons truíram a primeira possibilidade de casa térrea que desejavam por meio da montagem de paredes o que permitia a visualização da casa como um todo (seu volume) e a relação dos cômodos internos. Tam bém foram sendo posicionados o mobiliário de cada ambiente.

No grupo que trabalhou a partir da planta das mulheres, a discussão e construção do projeto se deu em torno de um tabulei ro elaborado para representação em 3d do projeto que as pessoas estavam propondo, por meio da fixação de planos representando as paredes do projeto. Foi explicado para o grupo o tamanho do lote de 6mx10m totalizando 60m² e mostrado a demarcação no tabuleiro. A explicação se baseava no fato de ser necessário pelo menos recuos em alguns pontos das laterais do terreno e nos fundos para permitir a iluminação e ventilação do máximo de cômodos da casa, principal mente dos quartos e da sala.

A segunda casa construída tinha outra conformação. As pessoas pensaram nas dimensões dos cômodos a partir do quadricula do do tabuleiro, que representavam 1 metro, e optaram por colocar a circulação ao meio da casa e distribuir os ambientes à direita e à esquerda. Também decidiram expandir um pouco até o limite do ter reno um trecho final da casa de forma que a sala e os quartos ainda conseguissem receber vento e luz, servindo apenas para ampliação da cozinha ao fim da casa. Esta tipologia gerada possuía uma sala a direita conectada com um corredor menor, logo a esquerda o quarto do casal com um banheiro, após a sala do lado direito um quarto de solteiro, e depois a cozinha expandida até o limite do lote para ao lado caber também um terceiro quarto e um banheiro a ser compar tilhado para o resto da casa. imagens 74 e 75: Registros da Oficina 5: primeira tipologia de casa térrea elaborada no tabuleiro. fonte: pessoal.Acervo imagens 76 e 77: Registros da Oficina 5: segunda tipologia de casa térrea elaborada no tabuleiro. fonte: pessoal.Acervo imagens 78 e 79: Registros da Ofici na 5: tipologia de sobrado elaborada no tabuleiro. fonte: pessoal.Acervo imagem 73: Registros da Ofici na 5: discussão do tipo habitacional a partir das elaboradasplantasem2020. fonte:pessoal.Acervo

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Assim, foram elaboradas em oficina propostas iniciais pelos moradores de plantas baixas de uma casa térrea comportando 3 quartos e de um sobrado. Estes desenhos servem como base para o desenvolvimento técnico do projeto preliminar para as unidades habitacionais e como produto deste trabalho. Entretanto, durante as conversas com os moradores percebeu-se que todos desejavam ter o seu lote do mesmo tamanho, no mínimo 60 m², seja casa térrea ou seja sobrado. Isso resultou em uma situação na qual o número de unidades habitacionais que caberiam no terreno seria a mesma em ambos os cenários de implantação entre essas duas tipologias.

Quanto ao grupo da planta baixa elaborada pelos homens em 2020, alguns estavam nos dois momentos e de início já tomaram a iniciativa de explicar a casa que tinham desenhado anteriormente.

Essa planta era bem ampla, o que levaria a uma grande taxa de ocu pação do terreno, limitando as condições de ventilação e iluminação natural e aumentando o custo de sua construção.

202201

Interessante observar na planta baixa da casa térrea elabora da na oficina como ela foi pensada buscando aproveitar espaço, não imagem 80: Registros da Ofici na 5: discussão da tipologia a partir da planta elabora da pelosemhomens2020. fonte:pessoal.Acervo

Inicialmente procurou-se debater sobre o conforto ambiental daquele desenho, tendo em vista que ainda não haviam janelas. Fo ram escolhidos coletivamente pontos para implantação de janelas e levantado pela assessoria técnica a importância da ventilação cruza da. Para ampliar essa possibilidade decidiu-se abrir um corredor na lateral doEmterreno.seguida, devido aos custos de construir a casa de grande tamanho, foi incentivado a pensar sobre a possibilidade de diminui ção dos espaços, a partir de uma hierarquização de quais cômodos eram mais importantes para aquele grupo. Também foi trabalhada a hipótese da construção da casa do tipo sobrado.

Foram pactuadas duas plantas: uma térrea com dois quartos, um banheiro entre estes dois quartos, sala e cozinha e um planta de dois andares com a escada próxima a entrada da casa e uma área de lazer nos fundos do lote. Durante a oficina também foi perguntado sobre a experiên cias dos moradores na construção civil, tendo quase a totalidade já trabalhado como servente e foi relatado que existem alguns pedrei ros na Ocupação. Foi debatida também a forma de construção das casas, onde os moradores apontaram para a construção por muti rão, tendo os homens ressaltado a importância de colaborarem na construção de casas de pessoas que teriam mais dificuldade em construir, como os idosos. Dessa forma, considerou-se como tipologias principais a se rem trabalhadas a casa térrea de 3 cômodos montada pelo grupo das mulheres e o sobrado surgido nos dois grupos (Figuras 27 e 28).

figura 27: Casa térrea com 3 cô modos projetada no tabuleiro em oficina pelas pes soas da Ocupação Carlos Marighella. fonte: peloElaboradoautor.

figura 28: Sobrado projetado no ta buleiro em oficina pelas pessoas da Ocupação Marighella.Carlos fonte: Elaborado pelo autor.

204203 ter grande área de corredor, e uma compartimentação interessante entre áreas coletivas e privadas. Para além disso, a proporção da co zinha com relação ao quartos, mas também com relação a sala que é outro ambiente coletivo teoricamente de confraternização. Em oposição, o desenho do sobrado evidencia o desejo pelo carro e o tanto de espaço que ocupa em uma casa. Nesse desenho o primeiro ambiente montado foi a garagem e só depois a sala e cozinha, ambientes coletivos que recebem o fluxo da casa antes de qualquer coisa e que são geralmente os maiores interesses e os pri meiros a serem desenhados.

tipos 1 e 2 sobrepostos, o 2ª estando no pavimento superior

figura 30: Planta baixa do tipo 1 ela borada a partir do produto das ofici nas para o Projeto para o CAU-CE. fonte: Elaborado pelo autor. figura 31: Planta baixa do tipo 2 ela borada a partir do produto das ofici nas para o Projeto para o CAU-CE. fonte: Elaborado pelo autor.

Diante disso, como resultado do trabalho do projeto em questão financiado pelo CAU-CE e como estudo preliminar no pro cesso de assessoria à Ocupação, buscou-se trabalhar uma proposta levando em conta a tipologia de casa térrea montada, já que o ter reno seria o mesmo em ambos os casos e a casa térrea possui uma integração melhor entre os espaços e maior facilidade construtiva. O desafio imposto era atingir um bom número de unidades habitacio nais, localizando-as na área passível de ocupação do terreno. Assim, buscando-se aproveitar os grandes desníveis do ter reno, em algumas área chegando a ser de 6 metros de altura, produ ziu-se uma proposta de casas térreas e casas térreas sobrepostas aproveitando o desnível, onde na superior o acesso se daria pela par te mais elevada do terreno por meio de uma via no nível da entra da e na inferior se daria pela parte mais baixa do terreno, próximo às áreas coletivas, por meio de uma via um nível abaixo. Portanto, apresentando duas tipologias, a tipologia 1 sendo uma casas térrea, cuja implantação nas partes mais externas do terreno era somente como casa térrea e nas partes mais internas as casas seriam semi enterradas e localizadas embaixo da outra tipologia, e a tipologia 2 uma casa semelhante à primeira, mas com algumas modificações para poder ser construída em cima da primeira deixando os vazios para exaustão de ar dos ambientes. Um ponto importante a se salientar é que durante as ofici nas alguns casais e famílias manifestaram desejo de espaços para se estacionar carros, seja em forma de estacionamento coletivo, seja perto das unidades com vagas privativas. Apesar de atualmen te a Ocupação possuir menos de dez famílias com carros, julgou-se válido pois o carro poderia ser um bem desejado e planejado pelas famílias futuramente. Por isso, as tipologias projetadas nessa fase vinham acompanhadas de uma faixa de 2,5 m ao lado da casa para servir como uma área de jardim, caso a família desejasse e não ti vesse carro, ou garagem, caso tivesse. Isso ocorria tanto para tipolo gia 1 como para a 2 como pode-se observar nas imagens a seguir. figura 29. perspectiva das tipologias elaboradas no projeto para o tipoCAU-CE.1

206 207205

A:51,40m²Casa ÁreaA:71,37m²construída Área A:83,55m²total

209

Essas plantas foram elaboradas dentro do prazo do projeto financiado pelo CAU e a tempo para que houvesse ainda uma oficina na qual seriam mostrados alguns dos resultados obtidos dentre eles as plantas acima. É importante apontar aqui que esse projeto não possuía a qualidade desejada, mesmo para um nível preliminar pois apresentava ainda alguns elementos que deveriam melhorar. Como a exaustão dos banheiros e dos ambientes mais ao fundo do lote, principalmente da tipologia 1, a iluminação natural e o melhor apro veitamento dos espaços do lote de 60m².

O trecho de garagem/jardim de 2,5m para atender a deman da de carros ocupou muito espaço e impactou o número de unidades comportado pelo terreno. O que desviou um pouco da proposta ori ginal que tinha como foco a moradia em si e o aproveitamento do es paço para moradia e espaços de confraternização. Um fator impor tante foram as pessoas presentes nas oficinas, as quais variavam e não eram a totalidade dos integrantes da Ocupação. Além disso, algumas famílias não moram nos barracos, por limitações de espa ço, tanto do próprio terreno com suas áreas passíveis de ocupação atuais, como dentro dos barracos montados, seja devido ao tama nho da família que não cabe em um barraco de 15m², seja devido a famílias que moram de favor com alguém e possuem a oportunidade de não precisar ocupar um barraco. Assim, devido aos diferentes tipos de integrantes e de suas situações na luta por moradia na Ocupação Carlos Marighella, no dia da última oficina houveram algumas divergências entre a existên cias de espaços para carros e a prioridade máxima de se comportar moradias. Outro fator percebido e fundamental, ainda estava incerto exatamente quantas famílias buscariam ser contempladas ao fim, ou seja, se o número permanecia 85 unidades, se era menor ou se o movimento, como é comum, aproveitaria a oportunidade para conseguir moradia para mais pessoas. Esse foi o fator mais agra vante, pois ele impactava diretamente a implantação idealizada e como consequência a tipologia. E como já mencionado, por questões morfológicas e geológicas do terreno não é possível um alto nível de adensamento.Diante disso, e devido ao ritmo do processo de assesso figura 32. planta de implantação elaborada durante o Projeto para o CAU-CE.

Com isso, no dia da oficina de apresentação dos resultados e discussão, ao mostrar as tipologias e unidades, as famílias presen tes falaram que não queriam morar sobrepostas a outras famílias, não queriam dividir a laje entre pavimentos, pois se morassem na casa de baixo não queriam escutar barulho de móveis arrastando e de crianças brincando. Entretanto, com a limitações do terreno só foi possível passar de 60 unidades no projeto devido a escolha de casas sobrepostas.

210 ria técnica que perdura e está distante de ter seu fim, por ser algo contínuo e gradual que necessita de muitos diálogos, organização e que se adapta ao cenário em que se insere e às suas mudanças, decidiu-se elaborar para este trabalho tipologias habitacionais com pletamente baseadas no processo percorrido até o momento, princi palmente nas oficinas realizadas. Entretanto, decidiu-se aqui incidir de maneira individual no projeto da maneira que provavelmente o grupo de assessores técnicos incidirá nos próximos meses junta mente das famílias: fazendo algumas alterações projetuais para que a proposta atinja um bom nível arquitetônico. Além disso, alterações que buscam lidar de forma pragmática com a realidade imposta pelo terreno e pela demanda de moradias no atual cenário, levando em conta principalmente a responsabilidade central do assessor técnico de arquitetura e urbanismo que é trazer, em meio a um processo participativo, as formas possíveis de soluções que sejam responsá veis, tecnicamente bem resolvidas e adaptadas o cenário no qual se encontra.Assim, as primeiras conclusões projetuais é que a melhor so lução consiste nas casas sobrepostas e na priorização do número de casas no terreno, visando uma arquitetura que se assemelhe a casas de rua comuns e não caminhe para a tipologia de apartamen tos e blocos, e principalmente na necessidade de maior capacida de de atendimento habitacional do terreno. Apesar da conquista de um terreno de quase nove mil metros quadrados, essa se mostrou a melhor solução para um adensamento considerável e que poderia ser comportado pelo solo da área em questão. Entretanto, as casas sobrepostas não seriam mais semi enterradas mas sim projetadas para se desenvolver a partir de um mesmo nível, o que facilitaria também o trabalho de terraplanagem por constituir o acesso às ca sas por uma única possível via que acompanha a declividade do ter reno na sua extensão, dessa forma não necessitando a construção de outra rua um nível inferior.

Como o foco deste trabalho é o desenvolvimento das tipo logias, mas ciente de que esta ainda depende da sua localização no terreno, elaborou-se uma implantação muito preliminar das casas sobrepostas mencionadas. Nela as casas seriam justapostas, mas separadas uma da outra por uma escada e um corredor de 1 metro, a sua frente calçadas de 2 metros e vias de em média 3,30 metros.

figura 33. planta de implantação da nova tipologia elaborada para o presente trabalho.

O primeiro tipo consiste em uma casa de 55,2m² com três quartos, e também dois banheiros - algo que foi salientado nas ofi cinas -, assim como uma sala, uma cozinha, uma área de serviço e, para aproveitar o vão deixado pela escada e laje na sua lateral, por uma área parte coberta e parte aberta que pode servir de depósito de materiais de limpeza e como uma área para se secar as roupas lavadas. O acesso se dá pela frente do lote logo pela sala, à esquerda das plantas a seguir. Considerando as áreas laterais proporcionadas pelo vão criado embaixo da escada e da laje superior constituindo a área de possível depósito, totaliza uma área de 65m².

figura 34: Planta Baixa do Tipo 1 com cotas e áreas. fonte: Elaborado pelo autor.

figura 35: Planta Baixa da Tipologia 1 com layouts. fonte: Elaborado pelo autor.

Com base no contato com as famílias, nas oficinas e princi palmente no censo realizado inicialmente, no qual foi identificado que a maioria das famílias possui de 3 a 5 membros, existindo duas com mais de cinco membros, chegou-se aqui a duas tipologias: a Ti pologia 1 de uma casa no nível do térreo com 3 quartos e a Tipologia 2 de uma casa no nível do primeiro pavimento com 2 quartos.

Diante disso, sabe-se que a situação como um todo não é a ideal, inclusive algumas áreas estabelecidas no projeto, principal mente o tamanho dos lotes. Mas objetivando trabalhar com a rea lidade imposta e a necessidade de provisão habitacional, busca-se fazer o melhor possível diante do cenário não ideal, com isso, bus cou-se melhores soluções arquitetônicas e maior aproveitamento do espaço dos lotes de 60m². Para isso, a área da casa foi expandida para os limites do lote, visando maiores dimensões para os cômodos e áreas coletivas e priorizando a criação de vãos para exaustão de alguns ambientes ao fundo do terreno.

213212

215214

A segunda tipologia consiste em uma unidade de 53,3m² com dois quartos, um banheiro, uma área de serviço, cozinha, sala e uma varanda. Seu acesso se dá por meio da escada e de uma laje que se estende até o limite da parede com a casa ao lado. Considerando as áreas proporcionadas pela escada e laje lateral, totaliza uma área de 63,95m². A maioria dos ambientes se sobrepõe com relação a casa abaixo, visando facilidade construtiva, menos a organização da sala e da cozinha que consistem em espaços mais amplos, juntamente da varanda, o que só foi possível pela subtração do terceiro quarto.

A idealização das tipologias levou em conta o sistema cons trutivo tradicional de estrutura de concreto e alvenaria de vedação, pois, apesar dos argumentos apresentados anteriormente sobre a formação de mão de obra e maior racionalidade construtiva com al venaria estrutural, há o fator raro de que os moradores da Ocupação já tem experiência na construção civil e tem prática na execução des te sistema de construção. Com isso, devido ao sistema construtivo, a tipologia 2 ainda apresenta a possibilidade futura de reforma pelos moradores e construção de um terceiro quarto. Apenas com a reade quação das áreas da cozinha e da varanda.

figura 36: Planta Baixa do Tipo 1 com cotas e áreas. fonte: Elaborado pelo autor. figura 37: Planta Baixa da Tipologia 1 com layouts. fonte: Elaborado pelo autor.

figura 39. perspectiva das casas sobrepostas.

217216 Assim, os ambientes das duas tipologias buscam ser posicio nados de forma que consigam a exaustão por regiões externas. Tan to os quartos, como principalmente os banheiros possuem melhor iluminação e circulação de vento. Para que se tenha também um flu xo de vento internamente, promoveu-se aberturas na área de servi ço para que houvesse circulação de vento entre os ambientes. Além disso, a cobertura das casas sobrepostas são compostas por duas águas, uma mais elevada que a outra para proporcionar a exaustão dos ambientes da cozinha e da sala da Tipologia 2 e também devido ao espaço para a caixa d’água logo acima. Dessa forma, expõe-se aqui um processo que, por meio de soluções e decisões projetuais, contempla 104 unidades habitacio nais, compostas por 52 casas sobrepostas.

figura 38: Planta da área da caixa d’água das sobrepostas.casas fonte: peloElaboradoautor.

42.figura sobrepostas.casasdasexplodidaperspectiva

figura 40. vista frontal de um conjunto de casas sobrepostas.

figura 41. vista traseira de um conjunto de casas sobrepostas.

figura 43: Tabela de custo de proje to/m ² por tipo de projeto e padrão de acabamento. fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do IBGE - Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil.

Os valores encontrados são praticamente os mesmos, senão mais baratos que os valores das unidades de programas habitacio nais federais como o MCMV em suas últimas obras, custando prati mês referência dezembro 2021 nível UF código 23 unidade da

federação Ceará padrão de acabamento alto normal baixo mínimo preço/m² empWCservicbanheiciquartos,v1Casa(CR.1-2Q.....62)residencial,pavimento,aranda,sala,2rculação,ro,ozinha,áreadeço,quartoederegada; R$ 1647,35 R$ 1219,66 R$ 1071,65 Casa(CP.1-2Q.....46)popular,1pavimento,varanda,sala,2quartos,circulação,banheiroecozinha; R$ 1478,16 R$ 1069,12 R$ 925,46 custo total do projeto tipo 1 (CR.12Q): 65m² R$ 107.077,75 R$ 79.277,90 R$ 69.657,25 tipo 2 (CP.12Q): 63,95m² R$ 94.528,33 R$ 68.370,22 R$ 51.183,17

220219 custo das tipologias Para além do desenho, pensando em termos de custo do pro jeto elaborado e visando o pensamento na sua totalidade de fases, cauculou-se o preço de construção das unidades por meio de dados da plataforma do SINAP (Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil). Assim, tendo em mente as tipologias elaboradas de 3 e 2 quartos e o sistema construtivo tradicional le vado em conta por motivos já expostos, selecionou-se dois tipos de projetos que representassem as tipologias aqui apresentadas. Os dados são relativos ao preço do metro quadrado por Estado, que possui variações de acordo com o padrão de acabamento.

O método de cálculo que se dá pelo metro quadrado nessa fase é efetivo, não necessitando de um orçamento muito detalha do, pois os preços encontrados são bem aproximados da realidade e os custos detalhados das obras possuem muitas especificações de materiais e de modos de lidar com tais materiais e ferramentas.

Assim, o detalhamento de custo feito não apenas por materiais, mas por meio da previsão de máquinas utilizadas no canteiro de obra, ferramentas específicas e o modo de trabalho com tais elementos só vale a pena ser realizado quando o projeto está em vias de execução ou em execução, e ainda assim será uma estimativa.

Assim, levando em conta as áreas totais referentes às ti pologias elaboradas e não só áreas internas da unidade, tem-se a Tipologia 1 de 65m² e a Tipologia 2 de 63,95m². De acordo com esses valores calculou-se os preços de construção para os três padrões de acabamento disponíveis. Os valores destacados na ta bela de custo (Figura 43) são os mais indicados, levando em con sideração uma boa qualidade de projeto no qual poderia-se tanto ter alvenarias expostas como chapisco e reboco nos acabamentos.

fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do IBGE - Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil.

fundapequenascdemovimentaçãoterra,onteçõeseções;

camente 100 mil reais por unidade da Faixa 1. Entretanto, ao pensar em toda sua execução para além dos custos diretos primeiramente calculados, os valores aumentam con sideravelmente ao se inserir os valores do BDI e dos custos indiretos referentes ao projeto. O que realça a necessidade da maior racionali zação do canteiro de obras e escolhas organizacionais e construtivas que contribuam para diminuição destes valores que já ultrapassam os valores de programas de produção em massa de moradia, dificul tando a obtenção de financiamentos.

10% R$10.707,78 R$9.452,83 R$7.927,79 R$6.837,02 BDI (bonificação e indiretadespesass) 25% R$26.769,44 R$23.632,08 R$19.819,48 R$17.092,56 custo parcial R$144.554,96 R$127.613,25 R$107.025,17 R$92.299,80 indiretoscustos preçãoarticula-aprprojeto,ovação,nafeitura; 5% R$ 7.227,75 R$6.380,66 R$5.351,26 R$4.614,99 ofiscalizaçãgestãonhemento,(técnicaassessoriaacompa-edeobra)

Além disso, um ponto importante é que esse valor de cus to é preliminar e como trata-se aqui de construção por muti rão das unidades por pessoas que já tem experiência no ramo da construção civil, o valor real pode ser até menor. Afirma-se isso pois, como já observado nos estudos realizados, com uma boa gestão do canteiro de obras, com logística e sem desperdí cio de materiais, o custo das unidades poderia ainda ser reduzido. Dessa forma, expõe-se aqui um processo de elaboração que tem seu fim sem ter seu fim na realidade. Um projeto finalizado to mando liberdades projetuais para elaboração de um produto final de um trabalho de conclusão de curso, porém que procura compro var sua viabilidade. Por meio dessas soluções e decisões projetuais, chegou-se a este resultado que contempla 104 unidades habitacio nais, compostas por 52 casas sobrepostas, e que busca qualidade e pragmatismo visando pensar na totalidade da sua execução, valo rizando o processo pré-obra, levando em conta o durante a obra e principalmente o depois. padrão acabamentode normal baixo tipologia tipo 1 (CR.1-2Q) tipo 2 (CP.1-2Q) tipo 1 (CR.1-2Q) tipo 2 (CP.1-2Q) custos diretos (CD) R$107.077,75 R$94.528,33 R$79.277,90 R$68.370,22

8% R$ 11.564,40 R$ 10.209,06 R$8.562,01 R$7.383,98 socialtrabalho 2,5% R$3.613,87 R$ 3.190,33 R$2.675,63 R$2.307,49 custo total R$ 166.960,98 R$ 147.393,30 R$ 123.614,07 R$106.606,27 figura 44: Tabela de custos totais de projeto por tipo de projeto e padrão de acabamento.

Assim, as diretrizes a seguir propostas procuram ser apenas preliminares e introdutórias, mas algo que possa auxiliar futuros as sessores em suas práticas.

224223

A luta pelas conquistas de produção autogestionária de HIS apoiada pelo poder municipal possui quatro fases, cada uma tendo como foco e objetivo uma conquista essencial para a construção de moradia digna. De acordo com os estudos realizados e os relatos de experiência, são elas: luta pela conquista da terra luta pela conquista de recursos para elaboração do projeto luta pela construção das casas luta pelafundiáriaregularização

Diretrizes para práticas futuras de Assessoria Técnica às ocupações urbanas para produção de moradia em Fortaleza Como um dos objetivos do trabalho, a partir da observação e leitura do cenário atual de Fortaleza e dos recortes de experiências estudados, assim como dos percursos da experiência de assessoria técnica à Ocupação Carlos Marighella ainda em curso, busca-se aqui a tentativa de se esboçar diretrizes para práticas de assessoria com este mesmo cerne. Parte-se aqui da necessidade que este trabalho busca evidenciar da multiplicação de apoios técnicos à ocupações urbanas, e mais que isso, da necessidade, através de práticas desse tipo, da construção e conquista da produção de habitação de interes se social (HIS) por autogestão apoiada pelo Município de Fortaleza.

Dessa forma, este tópico consiste também como resultado do processo de assessoria à Ocupação Carlos Marighella e dos estu dos feitos para esse processo e para o desenvolvimento do presente trabalho de graduação. Portanto, a tentativa de esboço de algumas diretrizes é a síntese de atividades metodológicas, que deram certo e que não deram certo ou poderiam ser melhoradas, e de estudos, abordagens e ações que poderiam ter sido feitas de outras maneiras para melhor compreensão, apropriação e aproveitamento de tempo das famílias da Ocupação Carlos Marighella.

fonte: Elabora do pelo autor a partir de dados do IPLANFOR(2016). fonte: de(2009)(2012),PLHISPDPForePrefeituraFortaleza.

mapa 15. shapes disponíveis de vazios urbanos em Fortaleza destinados a HIS e públicos

1.1 - Levantamento de informações disponíveis (vazios públicos, PLHIS, ZEIS e Iplanfor) Nesta proposta assume-se que a terra é o primeiro alvo e ob jetivo de conquista. Fortaleza, apesar de ser uma grande metrópole do país e uma das cidades mais densas, apresenta vazios urbanos de vários tipos distribuídos pelo seu território. Alguns deles se loca lizando em áreas centrais e outros se concentrando em áreas espe cíficas daParacidade.início da identificação dos vazios urbanos é essencial o levantamento de informações disponíveis sobre eles. Atualmente temos os shapes mencionados anteriormente, referente ao PLHIS, às ZEIS 3 e aos terrenos do Município e do Estado. Além disso, ohabitaçãoparaurbanosvaziosdeidentificação1etapa

dado mais recente de mapeamento de vazios urbanos é o shape do IPLANFOR de 2016, entretanto este apresenta de forma geral todos os vazios urbanos de Fortaleza, sejam públicos ou privados, sejam destinados para HIS ou não.

mapa 14: Vazios urbanosIPLANFOR.dosmapeapelo

1.2 - Seleção de recorte de interesse Por meio do diálogo com os movimentos sociais ou grupos organizados, é importante a apresentação didática desses dados e a partir disso, se já não houver, a seleção do recorte da cidade ou gran de área de concentração de vazios na cidade que tenham interesse.

1.3 - Atualização dos Shape de vazios urbanos do recorte de interesse Assim, é necessária a atualização da disponibilidade de va zios no recorte da cidade de interesse. Indica-se que isso seja reali zado, até o presente momento, com uso desses shapes, a partir da leitura por meio de imagens de satélite e da identificação mais atual dos vazios proporcionada pelo IPLANFOR. Com isso, é muito impor tante o estudo e escolha de terrenos centrais se possível, dotados de infraestrutura sanitária, viária, de transporte e de serviços públicos.

Além disso, de terrenos de mais fácil aquisição, ou seja de posse do Município ou Estado, devido a possibilidade de realização da desa propriação da terra em vez de um longo e burocrático processo de compra de terreno, seja pelo município seja por financiamento das famílias organizadas.

O próximo passo corresponde à assessoria, em regime de urgência, para justificar a escolha do terreno pelas suas qualidades urbanísticas e morfológicas, mediante a formulação de um breve diagnóstico. Nesta etapa cabe ao assessores investigar o potencial do terreno, ou seja, realizar cálculos genéricos com base na área do terreno para saber quantas unidades habitacionais o terreno com porta. É importante que essa simulação leve em conta cenários di ferentes atrelados a variáveis presentes na legislação como a área do lote estabelecida por zona no Plano Diretor e a área do lote se o terreno for tornado uma ZEIS vazio. É importante também simular nos cálculos a capacidade de atendimento em cenários de diferentes tipos habitacionais, horizontalizadas ou verticalizadas; unifamiliares ou multifamiliares; térreas, sobrados ou sobrepostas; estritamen te residencial ou de uso misto, etc. Esses cálculos podem seguir os valores gerais utilizados anteriormente neste trabalho, dispondo de 20% do terreno para equipamentos comunitários, 10% para espaços de lazer e 5% para equipamentos sociais, totalizando 35% do terreno, restando 65% do terreno para os lotes.

Entretanto, a partir da experiência de assessoria realizada, cabe aqui ressaltar a importância, quando se apresentar tais pro dutos internamente para o movimento social e para as famílias, do esclarecimento da narrativa desses estudos. Como já mencionado o número de unidades encontrado por meio do cálculo tem grande probabilidade de ser maior que o valor real, assim como o estudo volumétrico será realizado sem os devidos estudos sobre a morfolo gia e o solo do terreno em questão. Por isso, o esclarecimento para as famílias de que os produtos elaborados compõem um discurso e uma narrativa que busca a conquista do terreno perante o órgão

228227

1.4 - Cálculo preliminar de capacidade do(s) vazio(s) levando em conta cenários diferentes de legislação urbana e de tipologias

Com o intuito de auxiliar na conquista do terreno, a elabo ração de um projeto volumétrico, para o terreno, sem muitos deta lhes, ajuda a construir a narrativa da potência do terreno, mostrando como um terreno sem uso poderia incidir no déficit habitacional.

fonte:peloElaboradoautor.

implantaçãoehabitacionaltipologiadeestudos

figura 45: Quadro de sintetização da etapa 1 das diretri zes teturatécnicaparapreliminaresatuaçãodeumaassessoriaemarquieurbanismoàumaocupaçãourbana.

identificação de vazios urbanos para habitação Levantamento de informações disponíveis (vazios públicos, PLHIS, ZEIS e Iplanfor) Seleção de recorte de interesse Atualização das bases de dados de vazios urba nos do recorte de interesse Cálculo preliminar de capacidade do(s) vazio(s) levando em conta cenários diferentes de legislação urbana e de tipologias

As condições dos espaços coletivos correspondem a um tópi co importante no debate e escolha dos terrenos. Partindo da leitura do terreno e seu entorno imediato pelas famílias futuras moradoras, a listagem dos espaços coletivos importantes para a comunidade, assim como os espaços prioritários em caso de restrição de área do terreno, se mostra um ponto de relevância para o desenvolvimento do projeto das unidades. 2.2 - Estabelecer a demanda habitacional em questão Outro ponto fundamental, e pode-se dizer central, é o co nhecimento da demanda habitacional em questão. É imprescindível

Diante disso, o reconhecimento do terreno e de suas carac terísticas é fundamental para compreensão de modos de incidir e projetar. Em cenários ideais, os estudos referentes ao tipo de solo do terreno e da vegetação ali existente são interessantes para saber se as construções precisam de reforço de fundação ou se há limitações no gabarito devido às condições geotécnicas do terreno, assim como saber se há risco de alagamentos, erosão e como se conciliar a vege tação característica da área com a demanda habitacional.

2etapa 01

público e não necessariamente o projeto das casas está feito e será dessa maneira. Deve haver sempre o manejo das expectativas. Aponta-se isso devido a questões levantadas pelos próprios moradores da Ocupação Carlos Marighella após a conquista do ter reno e no início das oficinas, sobre: porque o projeto não poderia ser do jeito que foi feito inicialmente no Plano Emergencial de Negocia ção (PEN), porque queria-se fazer oficinas se o projeto já havia sido trabalhado anteriormente e porque não cabe tantas unidades habi tacionais no Entretanto,terreno.a conquista do terreno só ocorre com muita or ganização das famílias, muita resistência e muita pressão exercida pelo movimento social e pelas famílias para com o poder público. No caso da OCM esse foi o grande fator, a assessoria apenas se juntou a luta e ajudou a mostrar o potencial do terreno.

230229

2.1 - Reconhecimento do terreno e de suas características Para um projeto, seja ele qual for, e independente da meto dologia adotada para a sua elaboração, é necessário o conhecimento do espaço em que se insere. Em um projeto de habitação desen volvido por assessoria isso se torna muito mais fundamental, pois quanto melhor conhecimento do terreno disponível, do seu entorno, de suas limitações e vantagens melhor o projeto pode se tornar em termos de qualidade e custo-benefício.

1.41.31.21.1

2.3 - Apresentação da variedade de tipologias e oficinas sobre tipologias desejadas e tipologias possíveis É fundamental partir desse ponto, pois é ele que vai indicar o escopo e a variedade possível de tipologias que o terreno pode com portar. Por meio das oficinas realizadas e da não realização dessa atividade, percebeu-se que são pontos facilitadores para trabalhar essa questão desde o início e apresentar graficamente tipologias ge néricas, como de casas térreas com dois ou três quartos, sobrados, predinhos de dois pavimentos ou de quatro etc. Seja por meio de perspectivas ou imagens, relacionando-as ao respectivo nome, os tipos seriam introduzidos e familiarizados antes de se dar início aos debates.Assim, os debates sobre a tipologia habitacional se apoiam nas imagens apresentadas e pode-se iniciar a discussão sobre a tipologia desejada com mais propriedade. A partir disso, a reflexão sobre os tipos possíveis se impõe partindo da demanda habitacional do movimento já estabelecida, dos limitantes impostos pelo terre no, dos espaços coletivos escolhidos e do custo construtivo. Levan do todos esses fatores em conta será possível a ponderação sobre quais, dentre os tipos apresentados, fariam maior sentido para o projeto.

o diálogo constante entre a assessoria, o movimento e as famílias para se estabelecer se na luta por moradia há um número certo de unidades que se deseja conquistar ou se o projeto a ser desenvolvido deve buscar comportar o máximo de famílias que conseguir.

figura 46: isomé tricas de varieda des tipológicas. fonte: Elaborado pelo autor .

232231

2.3 - Projeto Participativo de Implantação É nesse ponto que se iniciam os debates em assembleia e oficinas efetivamente sobre o projeto a ser elaborado. Entretanto, outro fator se mostra importante: a implantação. De forma que não basta escolher por unanimidade em assembleia geral uma tipologia e um projeto se não é viável uma implantação dos espaços coleti vos e das unidades escolhidas no terreno. Isso pode acontecer por inúmeros motivos, seja pela necessidade de organização das habi tações em pequenos quarteirões ou ao longo de extensas ruas, seja pela necessidade de instalação de ruas internas, calçadas, espaços para instalações de esgoto, de água e elétrica. Nesse caso, é neces sário que haja uma análise de cada terreno, verificando as possibili dades de demarcação de lotes, dos espaços coletivos e simulações com os diferentes tipos possíveis para se chegar a uma implantação que atenda a demanda habitacional estabelecida. Cada experiência tem sua particularidade, seu tempo, seus limitantes e questões es paciais a serem resolvidas.

2.5 - Desenvolvimento participativo do projeto e tipologia particular da experiência em questão Com isso, as conversas, debates, oficinas e assembleias se debruçam sobre os tipos habitacionais aos quais se chegou ao fim, levando em conta qual tipologia faria mais sentido para o projeto e para implantação, e desenvolvem-se os projetos e tipologias par ticulares da experiência de assessoria técnica protagonizada pelas famílias em questão.

Seleção de recorte de interesse Atualização das bases de dados de vazios urba nos do recorte de interesse Cálculo preliminar de capacidade do(s) vazio(s) levando em conta cenários diferentes de legis lação urbana e de tipologias

01

1.41.31.21.1 02 estudos de tipologia habitacional e tipologias de implantação Reconhecimento do terreno e de suas características Estabelecer a demanda habitacionalemquestão

Desenvolvimento participativo do projeto e tipo particular da experiência em questão 2.5

Apresentação da variedade de tipologias e oficinas sobre tipologias desejadas e tipologiaspossíveis

figura 47: Quadro de sintetização da etapa 2 das diretri zes urbana.àteturatécnicaumaparapreliminaresatuaçãodeassessoriaemarquieurbanismoumaocupação

identificação de vazios urbanos para habitação Levantamento de informações disponíveis (vazios públicos, PLHIS, ZEIS e Iplanfor)

234233

Projeto participativo de implantação

2.42.32.22.1

fonte: Elaborado pelo autor .

236235 3.1 - Identificação da tipologia habitacional escolhida na plataforma do SINAP

O cálculo de custo de uma tipologia habitacional pode ser re alizado de modo simples, por meio do preço do m² de acordo com o tipo de projeto (ou tipologia) e nível de acabamento. Esse cálculo pode ser realizado por meio dos dados e da plataforma do SINAP (Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Ci vil)22. Foi extraída dessa fonte os custos de 3 grandes tipos de proje tos: primeiro, os que representam uma casa térrea, sendo um com 2 quartos e 1 banheiro, uma casa térrea com 3 quartos e 2 banheiros, um embrião com sala, cozinha e banheiro, um embrião com quarto, sala cozinha e banheiro; em seguida, dois tipos referentes a sobra dos, uma com aspecto de embrião e outra contendo já circulação e mais um quarto; por último, os tipos de projeto de prédios de cinco pavimentos um com unidades com 2 quartos e outro com unidades de 3 quartos (Figura 48). 22 Tabela sobre custos de tipo de projeto no site do SINAP: https://sidra.ibge. gov.br/tabela/647.

recursosecustosfinanceiros:aspectos

csala,"AEspecificação(EA.1-1Q.....30)tipo,1pavimento,1quarto,ozinhaebanheiro; - R$ 1377,36 R$ 1210,54 csala,"BEspecificação(EB.2-2Q.....45)tipo"2pavimentos,2quartos,ozinhaebanheiro; - R$ 1242,32 R$ 1087,62 (CP.2-3Q.....56) Casa popular 2 pavimentos, sala, 3 quartos, circulação, banheiro e cozinha; R$ 1527,05 R$ 1198,65 R$ 1061,98 2(PR4-QT...1433) Prédio residencial, térreo, 4 pavimentos tipo, sala, 2 quartos, circ., banheiro, cozinha, área de serviço, quarto e WC de empregada. R$ 1843,01 R$ 1584,19 R$ 1266,82 3(PR4-QT...2264) Prédio residencial, térreo, 4 pavimentos tipo, sala, 3 quartos, circ., banheiro, avabo, cozinha, área de serviço, quarto e WC de empregada. R$ 1635,40 R$ 1381,27 R$ 1142,55 figura 48: Tabela de custos de projeto por tipo de projeto e padrão de acabamento. fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados do IBGE - Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil.

Tanto em um contexto de assessoria em regime emergencial, quanto em um ritmo mais lento, é importante munir-se de informa ções que reforcem a narrativa que se deseja construir. Durante os em bates entre movimentos sociais na luta por moradia, comunidades e assessorias com o poder público, o tópico sobre custos e recursos sempre vem à tona como maneira de descredibilizar ou informar a impossibilidade de investimento na luta por moradia em questão. No percurso de assessoria à OCM esse é um assunto sempre evocado pela Prefeitura e por isso é importante o conhecimento preliminar de custos construtivos e de disponibilidade de recursos para habitação.

mês referência dezembro 2021 nível UF código 23 unidade da federação Ceará padrão de acabamento alto normal baixo mínimo custo projetodo/m² (CR.1-2Q.....62) Casa residencial, 1 pavimento, varanda, sala,2 quartos, circulação, banheiro, cozinha, área de serviço, quarto e WC de empregada; R$ 1647,35 R$ 1219,66 R$ 1071,65 (CP.1-2Q.....46) Casa popular 1 pavimento, varanda, sala, 2 quartos, circulação, banheiro e cozinha; R$ 1478,16 R$ 1069,12 R$ 925,46

3etapa

banheisala,"BEspecificação(EA.1-0Q.....22)tipo"1pavimento,cozinhaero; - R$ 1528,64 R$ 1360,61

3.3 - Pesquisa de recursos para habitação na LOA Diante disso, a Lei Orçamentária Anual (LOA) traz a relação dos recursos disponíveis e previstos para cada área. Mostra-se im portante a identificação da quantidade dos recursos destinados à habitação e o percurso desses recursos no aparato institucional, para poder também por meio dessas informações incidir sobre o discurso de órgãos públicos quando afirmam que não há dinheiro suficiente para se investir em habitação. O conhecimento das disponibilidades dos recursos auxilia na construção do discurso de luta que exige in vestimento e atenção para a luta por moradia, mas também pode servir para evidenciar o pouco investimento que a cidade como um todo apresenta na área de habitação.

3.4 - Disponibilidade de recursos de uma secretaria e/ou fun do para determinadas ações que envolvem a produção de moradia Assim, Fortaleza apresenta uma estrutura dividida também entre fundos. Há o fundo destinado ao desempenho de atividades de planejamento urbano, elaboração de planos e obras de infraestrutu ra, o Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB). Por outro lado há na cidade também o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FMHIS), o qual concentra as atividades relaciona

238237 3.2 - Cálculo por meio do m² do preço das unidades e cálculo do projeto habitacional como um todo É importante aqui salientar que os custos para a construção de alguns ambientes são mais caros que de outros, como os banhei ros e cozinhas. Assim, a diferença de custos entre os m² dos tipos de projetos ocorre em função de dois fatores: a área total do tipo de projeto e o custo dos ambientes nele contidos. Por exemplo, os m² mais caros da tabela exposta, considerando o nível de acabamento baixo, é do projeto embrião que contém apenas três ambientes, dos quais dois são os de custo mais caro e de maior dificuldade de cons trução. Por isso, como é um projeto pequeno e a maior parte de sua área representa esses ambientes, o preço do seu m² sobe. Os preços mais baratos do m² representam a casa térrea de dois quartos, o sobrado de três quartos e o prédio de unidade de três quartos, pois apesar de naturalmente qualquer projeto com esses programas de necessidades possuírem maiores áreas que os outros, a maior parte dos ambientes são de mais fácil e barata construção, apresentando também apenas uma cozinha e um banheiro de am bientes mais custosos. Por isso, em casos extremos de necessidade e de escassez de recursos opta-se pela escolha de construção de embriões, pois a expansão futura destes, a ser realizada pelas pró prias famílias, será mais barata já que os ambientes mais custosos estariam construídos.

Vale mencionar que a LOA é elaborada nos últimos meses do ano, sendo primeiramente apresentada e publicizada como Projeto da Lei Orçamentária Anual (PLOA), onde é muito importante a in cidência pública e política nos valores e propostas de ações na sua composição. O conhecimento dessa oportunidade de reivindicação no orçamento e o aumento da pressão na sua elaboração é funda mental para se conseguir mais recursos para habitação na cidade. Após isso, o PLOA segue para votação e aprovação dos vereadores na Câmara Municipal de Fortaleza.

FMHISFMHISFMHISFMHISFMHISFMHISFMHIS R$ 1.358.130 R$ 5.092.987 R$ 1.759.990 R$ 19.013.818 R$ 3.497.184 R$ 4.365.289 R$ R$R$R$18.334.753339.5324.583.688R$2.435.7584.950.524 FortalezaHabitar

quista do terreno. Assim, observando-se a tabela, há a previsão de recursos para provisão habitacional de 272 unidades, assim como a remuneração pela realização de estudos e projetos para fins habita cionais e realização de trabalhos técnicos junto a famílias de baixa renda. Esses recursos podem oferecer a justificativa necessária para que os movimentos sociais, comunidades e assessorias técnicas exijam ação do poder municipal, tanto para construção de unidades e melhorias habitacionais, como para remuneração de atividades de assessoria técnica em áreas onde o poder público não chega, ou mesmo onde não atinge aos necessários níveis de profundidade.

Há então a esperança de com esta prática se inicie um maior ritmo de atividades de assessoria, no que tange à moradia, que saiam um pouco da lógica do trabalho militante e voluntário e que acompa O conhecimento da disponibilidade de recursos do poder pú blico foi fundamental, por exemplo, para as famílias e a assessoria técnica à Ocupação Carlos Marighella pressionarem ainda mais a prefeitura por meio do PEN e de reuniões que culminaram na con figura 49: Recur sos municipais de Fortaleza previstos para 2022 referen tes a habitação. fonte: deprópriaElaboraçãoapartirdadosdaLOA2022.

FMHISFMHISFMHISFMHISProdução de Unidade Habitacional de Interesse Social (unid. = 272) Implantação de Infraestrutura Urbana - ZEIS (unid. = 2) Melhoria de Habitação de Interesse Social - ZEIS (unid. = 730) Apoio à Implementação de Infraestrutura - Programa Minha Casa Verde Amarela (unid. = 262) Realização de Estudos e Projetos para fins Habitacionais - ZEIS (unid. = 2) Regularização Fundiária de Interesse Social (unid. = 1.000) Regularização Fundiária de Interesse Social - ZEIS (unid. = Promoção9.000)deLocação Social para famílias de baixa renda em casos emergenciais (unid. = 1.203)

Programa

Uma delas, como já mencionado, seria a variação do modo de produ ção de moradias pelo Estado.

Dessa forma, esse tipo de informação apresenta ampla uti lidade. Como mencionado, tanto na luta por conquistas que visam combater o déficit habitacional, como na rara contratação de pro fissionais pelo poder público para realizarem atividades de asses soria técnica. No caso do processo aqui descrito, o desenvolvimento das atividades se deu em grande parte por meio de voluntariado e três meses de pagamento realizado por um ente privado. Entretan to, frente às demandas impostas atualmente pela cidade, também pode evidenciar e servir de base para reivindicação da necessidade de aumento nos recursos, tendo em vista o crescente déficit habita cional, a pequena provisão de moradias, assim como a necessidade de execução de melhorias habitacionais e regularizações fundiárias.

240239 das à provisão habitacional, melhorias e obras de infraestrutura. Ao observar-se a LOA de 2022, o FMHIS possui um protagonismo que vem crescendo e se mostra a fonte de todos os recursos da Sub função de Habitação Urbana no orçamento, todas as suas ativida des estando ligadas ao então programa existente Habitar Fortaleza. Como pode-se observar na tabela a seguir (Figura 49). LOA 2022 SubfunçãoFunção Órgão Valor Habitação Urbana Habitação R$ 69.388.749 R$ 65.901.420 Secretaria Municipal de Desenvolvimento(HABITAFOR)Habitacinal Gestão e Manutenção Programa Habitar Fortaleza Secretaria Municipal de Desenvolvimento Habitacional Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FMHIS) R$ 65.901.420 R$ 3.568.329 Realização de Estudos e Projetos para fins Habitacionais (unid. = 1) FMHIS R$ 169.767 Implantação de Infraestrutura Urbana (unid. = 1) Realização de Trabalhos Técnico Social juntos às famílias de baixa renda (unid. = 9.534) Melhoria de Habitação de Interesse Social (unid. = 243)

A complexidade de se idealizar e montar um arranjo institu cional, amplamente detalhado quanto às esferas de governo, e com pletamente executável, é considerável. Isto exige, tanto uma abor dagem multidisciplinar, dados os diferentes setores e as atividades envolvidas, do qual resulta o número de pessoas e suas respectivas funções. Este tópico consiste em uma tentativa de elaboração de um arranjo voltado para o que foi observado tanto na Parte 2 desse trabalho como na Parte 3, baseado em considerações no campo da assessoria técnica em arquitetura e urbanismo.

nhe o crescente déficit habitacional da cidade e as várias ocupações urbanas que têm surgido e que já existiam. arranjo institucional e condições de implementação

2.42.32.22.1

Disponibilidade de recursos de uma secretaria e/ou fundo para determinadas ações que envolvem a produção de moradia

fonte:peloElaboradoautor.

A proposta aqui elaborada se dá baseada nos estudos dos recortes de experiências realizados, considerando todas as ques tões surgidas, assim como nas constatações ao longo das diferen tes fases de lutas do processo autogestionário observado. Consiste, portanto, na clássica articulação entre movimentos sociais/famílias, assessoria técnica e prefeitura, levando-se em conta a necessidade da presença de recursos e do agente financiador em todas as fases.

figura 50: Quadro de sintetização da etapa 3 das diretri zes teturatécnicaparapreliminaresatuaçãodeumaassessoriaemarquieurbanismoàumaocupaçãourbana.

242241

3.43.33.23.1

Diante da estrutura que se tem em Fortaleza, trabalhando com a inexistência de um programa específico para esse tipo de ação, as atividades do agente municipal seriam concentradas na Secretaria de Desenvolvimento Habitacional (HABITAFOR), a qual encontra-se eventualmente articulada com o gabinete do prefeito para algumas decisões de gestão e de financiamentos. Assim, consequentemente, os financiamentos teriam como principal fonte o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FMHIS), que para 2022 tem mais de 65 milhões, administrado pela secretaria em questão. De manei ra similar ao caso de BH, os recursos viriam de um fundo operado por uma secretaria. Assim, diante do observado, e ainda trabalhan 02 estudos de tipologia habitacional e tipologias de implantação

Reconhecimento do terreno e de suas características Estabelecer a demanda habitacionalemquestão

Apresentação da variedade de tipologias e oficinas sobre tipologias desejadas e tipologiaspossíveis Projeto participativo de implantação

Desenvolvimento participativo do projeto e tipo particular da experiência em questão 2.5 03 aspectos financeiros: custos e recursos Identificação da tipologia habitacional escolhida na plataforma do SINAP Cálculo por meio do m² do preço das unidades e cálculo do projeto habitacional como um todo Pesquisa de recursos para habitação na LOA

244243 do com a realidade existente, a ação de produção de moradia por autogestão pode estar inserida no Programa Habitar Fortaleza que concentra todos os recursos do FMHIS. Entretanto, dependendo do montante do investimento, é possível que haja a inclusão complementar de um agente financia dor privado na provisão de recursos. E além desses agentes, é claro, tem-se os movimentos sociais e comunidades e as assessorias téc nicas inseridas no processo, especialmente na condição de compo nente da instância de controle social. Em todas as fases as decisões serão tomadas pelas asso ciações de moradores já criadas. Os recursos devem sempre ser re passados para estas, as quais seguirão um regimento previamente elaborado, contendo os requisitos básicos. Com isso, caminhando para a constituição da autogestão.

Dito isso, na primeira fase, de conquista ou aquisição do ter reno, como mencionado, há a possibilidade de terrenos públicos através de desapropriação e doação, podendo em alguns casos dis pensar a presença do agente financiador. Entretanto, há a maior dis ponibilidade de terrenos vazios no geral, identificados pelo IPLAN FOR, e de terrenos mapeados pelo PLHIS e considerados ZEIS 3.

Neste caso, os terrenos privados deveriam ser adquiridos pelas pre feituras e repassados aos moradores por meio de concessão, como também poderia ser repassado para as famílias por meio de doação, o que seria o ideal. Considerando as despesas cartoriais, poderiam ser financiados com subsídio para as famílias, como observou-se na maioria dos casos. Dito isso, a construção de um banco de terras maior e transparente seria muito importante e um facilitador para o

processo.Na segunda fase, a relação se dá no repasse do dinheiro para as associações organizadas para remuneração da equipe técnica para realização do projeto participativo. Esse recurso deve vir do Es tado, do FMHIS, qualquer que seja o cenário. Mas em casos extremos que isso não se realiza, é possível conseguir algum financiamento com editais de entidades privadas como o Conselho de Arquitetura e Urbanismo.Jána terceira fase, a de execução do projeto, o repasse tam bém deve se dar para associação. O repasse de recursos pode ser re alizado segundo um calendário e deve provir do FMHIS. Nessa fase, podem ser realizados vários tipos de canteiro de produção e vários tipos de habitações. O recurso pode ser direcionado para os mate riais, e o canteiro de obras se daria por meio de mutirão, com con tratação de mão de obra especializada, inclusive podendo empregar pessoas que já passaram e já foram capacitados por um processo de mutirão. Poderiam ser divididos também entre frentes de trabalho voluntário na semana e frentes de trabalho remunerado nos finais de semana, como nos casos de Ipatinga e BH, ou trabalho voluntário nos finais de semana e contratação de mão de obra especializada na semana como nas experiências da Usina. Assim havendo a autoges tão do canteiro de obras também.

Vale salientar que em todas as fases é importante que tome parte do grupo de assessores um assessor jurídico para acompa nhar todo o processo e suas questões legais. Entretanto, na fase de regularização, é fundamental a assessoria jurídica e sua articulação com o órgão responsável do município, seja o Departamento de Re

figura 51: Quadro síntese de etapas e assessoriapreliminaresdiretrizesparaatuaçãodeumatécnicaemarquiteturaeurbanismoàumaocupaçãourbana.

gularização Fundiária da HABITAFOR, ou a procuradoria do municí pio, para guiar o processo de regularização e conquistar o papel das habitaçõesDessaconstruídas.forma,levando em conta o processo percorrido até o momento na assessoria técnica e no exposto nos tópicos anteriores, apresenta-se aqui um quadro síntese de etapas e diretrizes preli minares para atuação de uma assessoria técnica em arquitetura e urbanismo à uma ocupação urbana. Buscando auxiliar na luta pela conquista do terreno e dos recursos e visando a construção das ha bitações desejadas. fundo municipal de habitação de interesse social associações(FMHIS)

figura 51: assessoriaplantaçãocondiçõesinstitucionalArranjoedeimdeumapráticadeproduçãodeHIScomtécnicaeautogestão.

fonte:peloElaboradoautor.

locaçãocompramateriaisdeferramentasdeequipamentosorgan.docanteiropagamentodepartedamãodeobradistribuição dos recursos construção - trabalho voluntário no final de semana - contratação de mão de obra especializada mutirão ProgramaHabitarFortaleza operador ou - frentes voluntárias na semana - frente de

pressãoderemuneradotrabalhonosfinaissemana desapropriação,compraoudoaçãosubsidiadofinanciamentopressão

2.42.32.22.1

Apresentação da variedade de tipologias e oficinas sobre tipologias desejadas e tipologiaspossíveis

Reconhecimento do terreno e de suas características Estabelecer a demanda habitacionalemquestão

01 identificação de vazios urbanos para habitação Seleção de recorte de interesse; Atualização das bases de dados de vazios urba nos do recorte de interesse; Cálculo preliminar de capacidade do(s) vazio(s) levando em conta cenários diferentes de legis lação urbana e de tipologias;

3.43.33.23.1

Levantamento de informações disponíveis (va zios públicos, PLHIS, ZEIS e Iplanfor);1.41.31.21.1

245

fonte:peloElaboradoautor.

Projeto participativo de implantação

HABITAFOR/Prefeitura assessoriaterra

02 estudos de tipologia habitacional e tipologias de implantação

Desenvolvimento participativo do projeto e tipo particular da experiência em questão 2.5 03 aspectos financeiros: custos e recursos Identificação da tipologia habitacional escolhida na plataforma do SINAP Cálculo por meio do m² do preço das unidades e cálculo do projeto habitacional como um todo Pesquisa de recursos para habitação na LOA Disponibilidade de recursos de uma secreta ria e/ou fundo para determinadas ações que envolvem a produção de moradia

248 conclusão

Para fins de conclusão deste trabalho, torna-se interessante o relato de que no dia 11 de janeiro de 2022 o Governo do Estado do Ceará aprovou a Lei Complementar N°276, que institui o Progra ma Moradia Ceará para produção de habitação de interesse social pela instância estadual. A instituição dessa Lei reconhece o cenário exposto neste trabalho e as necessidades de incidência na provi são habitacional por outras instâncias de governo, seja estadual ou municipal. Durante a sua elaboração foi sugerida a incorporação do modo de produção de moradia por mutirão e autogestão, entretan to não foi completamente acatado na votação, constituindo-se em um programa que acaba por entrar na mesma lógica e estrutura dos programas governamentais aqui mencionados. Entretanto, apesar de apresentar os elementos clássicos de cons trução por meio de empreiteiras, dos mesmos ritos burocráticos, como o Programa MCMV, a Lei deixa algumas brechas para uma for ma alternativa de produção habitacional. Ela menciona a possibili dade de apoio às iniciativas de autogestão, assim como aponta que as construções das unidades podem ser feitas por associações e/ou cooperativas, e também poderia haver parcerias com outras esfe ras de governo, inclusive municipal. Além disso, não por coincidên cia, fala-se nas diretrizes do Programa sobre a utilização de terrenos de propriedade do Poder Público quando viável tecnicamente, as sim como prioritariamente de lotes que já possuem infraestrutura.

O Fundo Estadual de Habitação de Interesse Social (FEHIS) também entra como fonte de recursos e, acima de tudo, há o seguinte pa rágrafo único na Lei “Fica autorizado o Poder Executivo a celebrar convênios com prefeituras para criação de programas habitacionais

A instituição desse Programa comprova a demanda que este traba lho afirma durante toda sua extensão, mas além disso, reforça os elementos e as diretrizes aqui expostos e elaborados, antes mesmo da aprovação da Lei, a partir dos estudos e do trabalho de campo Apesarrealizado.das contradições impostas pelo sistema de um país de ca pitalismo periférico e dependente, e dos desafios presentes no pro cesso de assessoria técnica à Ocupação Carlos Marighella, o percur so da Ocupação, suas conquistas até agora e a visibilidade de alcance nacional que ela conseguiu, expõe e estimula os movimentos sociais, as assessorias e o poder público a se movimentarem e pensarem em novas realidades. Durante o ano de 2021, muitas outras ocupações urbanas, tanto independentes quanto coordenadas e organizadas por movimentos sociais, surgiram e continuam a ocorrer em Fortale za, distribuídas pelo território. Assim como atividades de assessoria técnica também vem crescendo na cidade com novos grupos sendo formados. Por outro lado, o corpo técnico da Prefeitura demonstra não ter o devido porte para lidar com as demandas habitacionais crescentes, necessitando de mais profissionais. Ao longo do processo de acompanhamento da Ocupação Carlos Marighella e elaboração deste trabalho, a assessoria técnica se viu diante de dificuldades de atuação, de articulação com as famílias e com a Prefeitura, e de inquietações sobre o papel que deveria de sempenhar, seja estritamente técnico ou adentrando em algumas articulações e organizações políticas. Entretanto, ao lidar com tais dificuldades, passou por um processo formativo e de aprendizado com os movimentos sociais e as famílias, fazendo parte da luta por moradia e procurando melhorar sua atuação.

Dessa forma, este trabalho tendo como produto o estudo tipológico habitacional para a Ocupação se encerra no meio de um processo, mas busca contribuir e estimular tais práticas e atuações. O cenário encontrado em Fortaleza com os exemplos de ocupações urbanas assessoradas abrem caminhos para mais articulações entre movi mentos e assessores. Cada vez mais se verifica a procura das as sessorias por representantes de movimentos sociais, porém sem o devido apoio institucional do município.

Por fim, tem-se aqui a esperança de construção de um modo alter nativo de produzir moradias com assessoria e autogestão em um período de reconstrução, que possibilita a construção de algo dife rente do que tem sido feito. Construção de algo que não pode ser ignorado e que, de qualquer forma, vem sendo reconhecido pelos movimentos sociais, comunidades e também pelo Poder Público como observado. Construção de um sonho possível, de um abalo que transforme esse “ponto fraco” da sociedade em algo mais forte, em outras alternativas possíveis.

250249 em regime de mutirão, bem como destinar recursos conforme esta belecido no caput deste artigo.”

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