A escola e a cidade: formação integral na comunidade Capivari/Ingleses - Livreto II

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ESPAÇO E PEDAGOGIA

Livreto II

Universidade Federal de Santa Catarina Arquitetura e Urbanismo Trabalho de Conclusão de Curso 2019.1 Acadêmico Vinícius Mariot Orientadora Profa. Dra. Maria Inês Sugai


Foto capa CEU Butantã 2003 - São Paulo/SP Foto: Portal Aprendiz

Procuro discutir neste livreto tendências pedagógicas que me influenciaram na concepção de um novo lugar escolar. Não é objetivo aqui tratar extensivamente e profundamente sobre a pedagogia, afinal é um campo de estudos extremamente amplo e complexo, que conta com uma gama de profissionais especializados no assunto. Meu objetivo, entretanto, é relacionar a pedagogia e o espaço. Desse modo, listo e analiso de forma genérica as vertentes pedagógicas - e seus respectivos pensadores - que julguei mais influentes para o meu trabalho e procuro articulálos a manifestações no ambiente físico por meio de arquiteturas.


INTRODUÇÃO O processo de aprendizado ocorre, segundo Kowaltowlski (2011), de maneira geral através de três agentes de ensino. Em primeiro lugar, pelos próprios professores, instrutores ou tutores responsáveis. Em seguida, pelo material didático usado. Por último, mas não menos importante, pelo ambiente físico em que o aprendizado acontece. Ao atentar-se de que em uma escola de ensino integral a criança passa um terço do dia dentro da instituição escolar, a importância do espaço pedagógico fica ainda maior e que, na grande maioria das vezes (principalmente nas escolas públicas), não merece a atenção que deveria. Compreende-se por espaço pedagógico todos os ambientes frequentados pela criança para além da sala de aula, incluindo esta, e abrangendo todo o ambiente escolar. Alguns autores ainda consideram a habitação e o espaço urbano frequentado pela criança como espaços de aprendizado, e com razão. Neste livreto, entretanto, como recorte de análise, o espaço pedagógico é restringido a apenas a instituição escolar formal. Pressuposto de que a arquitetura escolar tem influência no ensino, ela é a materialidade de valores pedagógicos, políticos, de ordem, ideais, disciplina, cultura, tempo e pedagogia. Frago e Escolano (2001) definem o espaço escolar como o currículo oculto de uma instituição, responsável por reafirmar e complementar os valores ali transmitidos. Em atenção a essa relação entre pedagogias e espaços, a seguir são analisadas três tendências pedagógicas brasileiras refletidas em ambientes escolares reconhecidos. Como base de análise da pedagogia, foi adotado o livro "Democratização da Escola Pública", de José Carlos Libâneo (1989). Libâneo analisa a pedagogia brasileira classificando-a em tendências pedagógicas e

divide-as em dois grandes grupos: tendências liberais e tendências progressistas. As liberais são as pedagogias mais tradicionais, que defendem a sala de aula "clássica" e a realidade social conservadora. As tendências progressistas, por outro lado, são aquelas que promovem a análise crítica da realidade social e também a política que envolve a educação. Foram selecionadas para análise três pedagogias progressistas, por se aproximarem do ideal de escola que é pretendido projetar: renovada progressivista, libertadora e libertária. As escolas atreladas a cada pedagogia são selecionadas por este trabalho, não refletindo necessariamente o ideal pedagógico por completo ao qual estão relacionadas.

Índice 1. Tendência Renovada Prograssivista 1.a. Centro Educacional Carneiro Ribeiro 1.b. Centros Integrados de Educação Pública 1.c. Centro de Integração de Apoio à Criança e ao Adolescente 1.d. Escola Transitória 1.e. Centros Educacionais Unificados 2. Tendência Libertadora 2.a. Escola Nacional Florestan Fernandes 3. Tendência Libertária 3.a. Projeto Âncora 4. A escola que se quer 5. Programa arquitetônico preliminar


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1 A tendência renovada progressivista vê como papel da escola adequar as necessidades individuais do aluno à sociedade. Ela deve retratar, portanto, a vida de modo mais próximo possível. Assim, as atividades escolares aparecem mais diversificadas em contraste com as outras tendências liberais. É valorizado o aprendizado a partir de experiências práticas, resolução de problemas, estudo do meio natural e social, sempre incentivando o trabalho em grupo. É mais importante o aprender a aprender do que o conhecimento em si. A relação professor-aluno aparece como vivência democrática, com um desenvolvimento dos estudos mais livre e espontâneo. A avaliação é fluida e contínua.

Papel da escola: aproximar a realidade social da escola, alinhar os interesses individuais ao meio social. Conteúdos de ensino: a partir de interesses e necessidades do aluno e da sociedade. Método de ensino: o aprender fazendo, tentativas experimentais e pesquisa. Relacionamento professor-aluno: professor como auxiliar ao desenvolvimento livre e espontâneo da criança. Pressupostos de aprendizagem: motivação do aprendizado interna ao aluno, ambiente como meio estimulador.

Centro Educacional Carneiro Ribeiro 1950 - Salvador, BA Foto Secretaria do Estado de Cultura da Bahia

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1.a. Centro de Educação Popular: uma educação integral, de período integral, pública e para todos. Dados técnicos Arquitetura: Escritório de arquitetura Paulo Assis Ribeiro, Diógenes Rebouças e Hélio Duarte Ano: Inaugurado em 1950, construção dada como encerrada em 1964. Capacidade: 4.000 alunos do ensino básico Localização: Salvador, BA

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Centro Educacional Carneiro Ribeiro 1950 - Salvador, BA Foto Hans Mann


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Idealizado enquanto Anísio Teixeira era secretário de educação do estado da Bahia, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR) representa uma tentativa de reorganizar o sistema vigente de ensino do estado, considerado insuficiente e ineficaz. O CECR aparece como instituição educacional pioneira do então proposto novo sistema de ensino, com intenções de ser replicado por Salvador e pela Bahia. O lugar da primeira experiência não é escolhido ao acaso: a região do bairro Liberdade em Salvador era uma das áreas mais pobres do município e com um dos maiores números de crianças fora da escola. É considerada a primeira experiência efetiva de ensino público integral no Brasil (EBOLI, 1969). O sistema do Centro Educacional buscou manter o mesmo número de classes e propôs o aumento do período letivo para tempo integral, ao contrário do historicamente comum no Brasil, que sempre justificou desdobramentos de períodos e redução de séries para ampliar quantitativamente o sistema público de ensino. O programa de atividades educativas também é ampliado, com uma educação mais rica e completa. A proposta defende que a escola deve oferecer maior amplitude de conhecimentos à criança: atividades de estudo, artes, sociabilidade e recreação. Em suma, todo o conceito de escola é ampliado: a instituição deve proporcionar experiências que tragam conhecimentos para diversas situações da vida. O centro educacional incentiva oportunidades de interação entre os alunos e a riqueza em possibilidades sociais.

Centro Educacional Carneiro Ribeiro 1950 - Salvador, BA Foto Hans Mann

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O Centro Educacional propõe um programa de ensino integral em que as crianças ocupam duas instituições, uma em cada turno. Os alunos passavam quatro horas em aulas tradicionais nas escolas-classe. Após a mudança de turno, os alunos se encaminham à escola-parque, para praticar atividades diversas, e os que estavam nesta, dirigem-se às escolas-classe. O CECR comportava quatro escolas-classe com capacidade para 1000 alunos cada, atendendo metade desta quantidade por turno. Os prédios de arquitetura “grande, ampla e moderna" (EBOLI, 1969) estavam localizados estrategicamente a aproximadamente 500 metros da escola-parque. As escolas-classe continham, cada: • 12 salas de aula; • área coberta; • gabinete médico; • gabinete dentário; • instalações para administração; • jardins; • hortas; • áreas livres. O conteúdo da escola-classe abrangia linguagem, aritmética, ciências e estudos sociais. A escola-parque, com capacidade para 4000 alunos, 2000 por turno, era composta por sete pavilhões, que abrigavam um tipo específico de atividade cada, formando uma “pequenina universidade infantil”. Grupos de 20 a 30 alunos eram formados por semelhança de idade e preferências pessoais e migravam entre os espaços da escola para praticar os diversos tipos de atividades que esses pavilhões comportavam. São demonstrados a seguir 6 setores com pavilhões, que completam o conjunto com o sétimo pavilhão, administrativo.

Centro Educacional Carneiro Ribeiro 1950 - Salvador, BA Foto Hans Mann

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1 - Pavilhão de Trabalho: Artes Aplicadas, Industriais, Práticas. Grande pavilhão com 4000m2, de planta aberta. Duas grandes alas, uma para meninas e outra para meninos, compõem o pavimento térreo. As turmas, de entorno de 20 alunos que se agrupam ao redor de mesas retangulares, são separadas por armários colocados entre os grupos. O primeiro andar é destinado à administração do setor e não possui parede nas laterais, o que possibilita a vista das duas alas do pavilhão. 2 - Setor de Educação Física, Jogos e Recreação Este setor é composto pelo Pavilhão de Educação Física (2.775m2), com características semelhantes ao Pavilhão de Trabalho, um campo gramado de esportes, outro campo de basquete e um de voleibol cobertos, 120 banheiros com ducha, pequena cantina para os professores, 4 salas para guardar o material específico do setor; e sala de reunião para a coordenação. 3 - Setor Artístico: Teatro, música e dança O último setor a ser construído da escola. Consta com instalações propriados ao teatro, dança e música. O teatro possui palco giratório e capacidade para 5.000 pessoas. 4 - Biblioteca Assim como o restante do conjunto, o prédio que comporta a biblioteca contém traços da arquitetura moderna. De planta circular, o espaço é dividido radialmente em setores por pequenos muros de estantes de livros, e comporta no centro um balcão circular de administração e atendimento.

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Centro Educacional Carneiro Ribeiro 1950 - Salvador, BA Foto Hans Mann


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ANÍSIO TEIXEIRA

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Grande nome da história da educação brasileira, foi um dos autores do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, na década de 30. O movimento escolanovista teve como objetivo a consolidação de um ensino público, gratuito, laico e popular por todo o Brasil. Anísio Teixeira lutava pela função social da escola e foi o maior responsável pela implementação do primeiro modelo de educação integral no país.


5 - Setor Socializante O setor socializante abrange o Banco Comércio e Indústria, o Jornal, a Rádio, o Grêmio e a Loja. Eram todas instituições dirigidas por alunos e apenas supervisionadas por uma professora. As atividades desse setor têm como objetivo incentivar a integração na comunidade escolar e preparar os alunos para viver em comunidade, conscientes de seus direitos e deveres. 6 - Cantina Grande pavilhão envidraçado, medindo 1.200 m2 “A assistência alimentar de uma escola brasileira ainda é um dos grandes atrativos para a população que chega em busca de matrícula. Um pequeno pão é abençoado por uma mãe de aluno pobre, com quinze filhos para alimentar, quanto mais uma merenda completa e um almôço-lanche, como o do CECR, que, até 1963, era constituído de sopa de legumes ou sanduíches de pão e carne, ovos ou peixes!” (EBOLI, 1969, p. 35) O projeto da escola-parque previa, ainda a construção de habitação para as crianças sem lar, mas foi a parte do projeto que não foi concretizada. “O CECR pretendia integrar os alunos na comunidade escolar, torná-los conscientes dos seus direitos e deveres e desenvolver com eles atitudes de autonomia, iniciativa, responsabilidade, cooperação, honestidade, respeito por si mesmo e pelos outros.”

Terezinha Eboli, 1969

Anísio Teixeira 1900 - 1971 Foto: Jornal Grande Bahia

Centro Educacional Carneiro Ribeiro 1950 - Salvador, BA Fotos Hans Mann Centro Educacional Carneiro Ribeiro 1950 - Salvador, BA Elaboração do autor sobre ortofoto Maps

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Administração

Atividades Biblioteca

Auditório

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Refeitรณrio

s socializantes

Ginรกsio

Atividades de trabalho Teatro ao ar livre

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1.b.

Educação integral como política de governo estadual: aplicação em larga escala. Dados técnicos Arquitetura: Oscar Niemeyer Ano: Anos 80 Capacidade: 1000 alunos Localização: Estado do Rio de Janeiro

CIEP 1980' - Rio de Janeiro/RJ Foto Livro dos CIEPS

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Os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) apareceram com intuito de uma política de estado, a ser aplicada em larga escala. A proposta era de levar ensino integral, de 8 horas diárias, para o maior número de crianças. Em atenção à realidade social e financeira dos alunos atendidos, os CIEPS ofereciam assistência médicoodontológica, quatro refeições e banhos diários. Os alunos eram agrupados por faixa etária e poderiam estudar durante o dia, em um turno das 8h às 17h, ou nas vagas noturnas, se tivessem de 14 a 20 anos (RIBEIRO, 1986). Foi exigido da arquitetura baixo custo e rapidez de execução de modo que ela fosse replicável. A solução de Niemeyer foi uma estrutura prémoldada de concreto que permitia a montagem rápida de cada CIEP, em apenas 4 meses. Isso possibilitou que, numa primeira fase, fossem construídas 60 escolas. O número chegou a 127 escolas em 1986, no fim do primeiro governo Brizola. Por descontinuidade de governo, durante um período, o número de construções ficou paralisado, retornando somente no segundo governo Brizola, na década de 90, com mais 379 CIEPs construídos, totalizando 506 (CASTRO, 2009). Assim como o CECR, os CIEPs são compostos por um conjunto de edificações com funções complementares. Cada escola é composta por 3 construções distintas: o Prédio Principal, o Salão Polivalente e a Biblioteca.

1 - Prédio Principal Na concepção original, o prédio principal possui três pavimentos interligados por uma rampa central. O térreo comporta a cozinha e o refeitório, com capacidade para 200 pessoas e servir café da manhã, almoço e lanche para 1.000 crianças. No outro lado térreo do edifício, localiza-se o centro médico, conformando no centro um pátio coberto para recreação. Nos pavimentos superiores estão as salas de aula, auditório, administração e salas de estudo especiais. O terraço fica livre para atividades de lazer. 2 - Salão Polivalente Trata-se de um ginásio poliesportivo coberto, com arquibancada, vestiário e depósito para materiais. 3 - Biblioteca A biblioteca propunha atender os alunos em consultas individuais e em grupos. Estaria, também, disponível para a comunidade. Na concepção original, sob a biblioteca havia alojamentos para 12 meninos ou meninas que precisassem morar na escola, e seriam cuidados por um casal que dispunha também de residência própria. Para terrenos em que não fosse possível instalar todo o complexo, projetou-se a versão compacta do CIEP, em que todas as atividades eram reduzidas ao prédio principal, que abriga a biblioteca, a quadra e os vestiários no terraço.

Relação de áreas dos CIEPs CIEP Padrão Prédio principal: 5.400m2 + Biblioteca/Alojamento: 320m2 + Ginásio: 1.018m2 Total 6.800 m2 CIEP Compacto Prédio principal: 5.400 m2

Projeto Genérico CIEPs 1980' - Rio de Janeiro Fonte Livro dos CIEPS CIEP 414 - Tarso de Castro 1983- São Gonçalo/RJ Foto Prefeitura São Gonçalo


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1.c. Escola integral para o país todo. Adaptabilidade e racionalização da construção. Dados técnicos Arquitetura: João Filgueiras Lima (Lelé)** Ano: Década de 1990 Localização: Pulverizado em todo o território nacional

*Em 1993, durante o governo do vice Itamar Franco, houve mudanças no projeto e as escolas passaram a se chamar CAICs – Centro de Atenção Integral à Criança. (FREITAS, GALTER, 2007). **Lelé e sua equipe técnica participaram apenas da construção de dois protótipos e da elaboração do projeto, modificados posteriormente. O desligamento aconteceu por divergências políticas.

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Croqui CAIC 1990 - Brasília/DF João Filgueiras Lima


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O projeto dos CIACS foi desenvolvido em 1990 como proposta de governo do Presidente Fernando Collor de Mello e, portanto, de âmbito nacional. Inicialmente denominado “Projeto Minha Gente”, tinha como escopo a escola de tempo integral, com abrangência de creches, pré-escola e ensino de 1º e 2º grau, além de atendimento médico e odontológico, convivência comunitária e incentivo desportivo. O programa estava ligado a uma estratégia governamental que afirmava a importância do papel da escola na solução dos problemas sociais, proporcionando dignidade à criança através da qualidade do ensino, saúde e qualidade de vida (GOULART, 2014). Com escala nacional, o projeto tinha meta de construir 5 mil escolas no país e atender 6 milhões de alunos (FREITAS, GALTER, 2007). Além da grande escala de abrangência, a implementação das escolas tinha tempo limitado para acontecer, visto a histórica descontinuidade de políticas de governo no Brasil. Assim, com o desafio de construir em larga escala em curto período de tempo, o arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé) foi convidado a pensar na parte arquitetônica do projeto, visto sua reconhecida experiência e conhecimento em pré-fabricados em argamassa armada. Foi elaborado um complexo programa arquitetônico e grande variedade de implantação, com o desenho de mais de 200 componentes pré-fabricados (GOULART, 2014). De acordo com o arquiteto, o desafio do projeto era criar uma arquitetura de conforto ambiental razoável com uma construção de baixo custo. Todo o projeto é construído em elementos prémoldados, pensados no custo e facilidade de transporte. A solução adotada pela cobertura do ginásio merece destaque, visto que se constitui de vigas inclinadas, com 1,25m de largura, 0,60 de altura e 17m de comprimento, divididas em duas seções de modo a facilitar o transporte (LIMA,1991). 25

Croqui CAIC João Filgueiras Lima Fonte Revista Projeto Design CAIC 1990' - Bagé/RS Foto Érica Eickoff


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A planta dos CIACs é marcada pela implementação em blocos independentes interligados por caminhos cobertos, em que cada um abriga um conjunto de funções do programa. O primeiro bloco comporta as oficinas, o segundo uma creche, o terceiro é destinado ao posto médico, o quarto é o bloco que comporta as salas de aula, biblioteca, cozinha, refeitório e serviços. O último é o ginásio coberto, destinado às atividades esportivas.

Planta protótipo CAIC João Filgueiras Lima Fonte Revista Projeto Design

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Estratégias Bioclimáticas

As estratégias bioclimáticas do projeto dos CIACs foram apontadas com base nas observações de Goulart, 2014. A vegetação permeia o projeto, barrando a reemissão de calor ao mesmo tempo em que cria microclimas mais estáveis devido ao processo de fotossíntese e transpiração, além de aumentar a permeabilidade do solo e transmitir sensação agradável aos usuários. Sistema de ventilação em que o ar é captado pelas janelas e expulso pelos sheds no teto, ou viceversa, de acordo com a orientação do edifício. É permitido também a circulação de ar entre os ambientes pelas janelas altas das divisórias internas. Os sheds, além de cumprirem papel fundamental na ventilação, proporcionam iluminação zenital nos espaços de forma mais uniforme para além da iluminação lateral proporcionada pelas janelas. O desenho e orientação são pensados de forma que não haja incidência direta do sol. CAIC - Escola Pedro Severino Bezerra 1994 - Santa Cruz/RN Foto Blog CAIC Santa Cruz

Croqui CAIC João Filgueiras Lima Fonte Revista Projeto Design Croqui, planta e foto Escola Transitória 1984 - Abadiânia/GO João Filgueiras Lima

O modelo de esquadria funciona também como brises verticais. O seu design pivotante e duas placas opacas por folha da janela proporcionam opção de fechamento total da janela, abertura para incidência direta - com a janela fechada, mas as partes opacas abertas - ou posição em brise. As pestanas amarelas são posicionadas sobre janelas e portas com orientação que permita incidência direta do sol. São instaladas em dois tamanhos, variando de acordo com o peitoril da janela ou se estão sobre uma porta. As janelas com peitoril menor estão localizadas em salas de aula projetadas para crianças menores, permitindo a visualização externa por esses usuários de estatura menor e também o cruzamento de ar na parte mais abaixo do ambiente.

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1.d. ESCOLA TRANSITÓRIA Dados técnicos Arquitetura: João Filgueiras Lima (Lelé) Ano: 1984 Capacidade: 50 alunos Localização: Abadiânia/GO Outra experiência de destaque projetada por Lelé foram as escolas transitórias rurais de Goiânia. Na época, a instabilidade da política agrícola e o uso predatório da terra geravam transitoriedade das famílias rurais e, com isso, o estado encontrou dificuldade de manter a infraestrutura educacional. (LIMA, 1984) O arquiteto e equipe propuseram como solução uma escola totalmente extensível e desmontável, com industrialização simples. O projeto possui planta flexível de quadros-negros em divisórias móveis que podem ser ajustadas de acordo com o número e agrupamento de alunos, bem como, se removidas, formar um espaço polivalente de uso comunitário. (LIMA, 1984) Houve a construção de um protótipo em Abadiânia-GO em argamassa armada que, comparado com um protótipo semelhante em madeira, teve vantagens de durabilidade, conforto ambiental, manutenção e rapidez na obra. O projeto tem planta simples e modular e é composto por peças pequenas e leves que facilitam a montagem e desmontagem da escola. Houve a produção de uma espécie de manual de instruções de construção e que objetivou facilitar o treinamento de pessoal não qualificado das próprias comunidades para a execução. Foram propostas usinas de fabricação das peças distribuídas pelo estado de Goiânia, de modo que atendesse demandas de todo o território. (LIMA, 1984) 31


l - Sala de Aula 2 - Cozinha 3 - Professor/depรณsito 4 - Banheiro 5 - Pรกtio

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1.e.

Educação como um catalisador econômico, social e urbano. Dados técnicos Arquitetura: Alexandre Delijaicov e André Takyia (EDIF) Ano: 2003 - atual Capacidade: em torno de 2400 alunos + população geral Localização: São Paulo/SP

CEU Butantã 2003 - São Paulo/SP Foto Nelson Kon

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"Reconhece-se uma base conceitual que, anterior à execução desses projetos, é de extrema importância para o entendimento da natureza e do alcance da intervenção: os CEUs, que apresentam a maturidade e o passo mais recente dentro de uma longa história de interação entre arquitetos e educadores. Desenvolveu-se uma metodologia para a localização dos equipamentos, definindoos, simultaneamente, como unidades locais de importância no bairro e como uma ampla rede social organizada em escala metropolitana. Essa prática ilustra o pensamento de um urbanismo em rede, aplicado a São Paulo. ” (PADILHA; SILVA, 2004 p. 35 apud SOARES, 2013)

O projeto arquitetônico do Centro Educacional Unificado é de autoria do departamento de edificações da prefeitura de São Paulo, especificamente por um grupo de arquitetos, com destaque para Alexandre Delijaicov e André Takyia. O Centro Educacional Unificado (CEU) se fundamenta em seu impacto urbano por meio da educação, lazer e senso de comunidade (SOARES, 2013). O conceito do CEU é desenvolvido a partir das experiências anteriores, como a escola-parque de Anísio Teixeira. A proposta é juntar diferentes equipamentos comunitários em um complexo público único, com estrutura pré-moldada e que possa se adequar a diferentes terrenos. A proposta busca formar um catalizador econômico, social e urbano. O centro, além de conter as atividades das escolas e creche em período integral, abriga atividades de saúde e lazer, que podem ser abertas à comunidade em períodos que não são utilizados pelos estudantes (ANELLI, 2004). 35

“Podemos definir três frentes: na primeira frente, estão os sistemas de redes integradas de infraestruturas urbanas e infraestruturas territoriais. Na segunda frente, os sistemas de redes de equipamentos públicos municipais, isto é, os equipamentos que amparam o cidadão desde as primeiras semanas de vida até a construção do seu caráter filosófico e de seu ser político. Essa formação permite que o cidadão seja um agente transformador do seu próprio lugar, já que a arquitetura que nos interessa é a arquitetura do lugar, a construção de nosso endereço. Tais equipamentos (do berçário à pós-graduação, o centro comunitário, a casa de cultura) vão construir a constelação de redes, que formam um mosaico dos espaços constituintes da cidade. A terceira frente é um espaço presente em tudo: a habitação produzida pelo poder público municipal, vinculada à(s) rede(s) de infraestruturas.” (DELIJAICOV, 2011) Dessa forma, a localização dos CEUs é fundamental. Atrelado diretamente à distribuição espacial da habitação, em especial de zonas mais carentes, os complexos são localizados dentro de comunidades. Transpondo esses conceitos sociais e pedagógicos em objeto arquitetônico, os arquitetos desenvolveram um edifício básico e padrão com elementos pré-moldados de concreto, de modo a permitir sua adaptação a diferentes terrenos e entornos (MELENDEZ, 2003). Além do edifício básico destinado à educação infantil e fundamental, completam o conjunto um bloco destinado a atividades culturais, quadras esportivas, parque aquático com três piscinas e o edifício circular da creche.

CEU Butantã 2003 - São Paulo/SP Foto Nelson Kon


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A articulação entre os três volumes varia caso a caso de acordo com o terreno. Duas soluções aparecem com frequência: alinhar os edifícios, ou posicionar os dois menores ao lado do pavilhão ortogonal, conformando uma praça entre eles. Nos espaços abertos localizam-se as quadras descobertas, o conjunto de piscinas, piscina de skate, e, se houver espaço disponível, campo de futebol.

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CEU Butantã 2003 - São Paulo/SP Foto Nelson Kon


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CEU ROSA DA CHINA Dados técnicos Ano: 2003 Capacidade: 1430 alunos Localização: São Paulo/SP

CEU Rosa da China 2003 - São Paulo/SP Foto CEU Rosa da China

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CEU Rosa da China 2003 - São Paulo/SP Fonte CEU Rosa da China Desenhos CEU Rosa da China 2003 - São Paulo/SP Fonte Revista Projeto Design

O distrito de Sapopemba está na região leste da cidade de São Paulo e cerca de 17% dos seus habitantes se distribuem em 33 favelas. Entre 31% e 46% da área é ocupada por loteamentos irregulares, sendo que quase metade dos domicílios têm renda de até 5 salários mínimos. A escolaridade é de 6,5 anos, em média. (SOARES, 2013). 41

O CEU Rosa da China é rodeado por zonas residenciais de baixa renda, transformando-se em um marco referencial urbano. O complexo possui duas entradas, por ambos os lados, e os blocos de aula e esportivo estão implantados linearmente por exigências do terreno. Além do “disco” que abriga a creche, nas áreas abertas há o conjunto de piscinas, pista de skate e duas quadras cobertas.


l - Bloco didรกtico 2 - Bloco cultural/ desportivo 3 - Conjunto aquรกtico 4 - Creche

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2 Papel da escola: sua marca é a educação popular e não formal. Busca mudar a relação do homem com a natureza e entre os homens. Educação para criar o pensamento crítico. Conteúdos de ensino: os conteúdos são organizados em torno de “temas geradores”, extraídos da problematização da realidade dos educandos. Os conteúdos tradicionais são recusados porque o grupo de envolvidos já possui os conteúdos próprios, mesmo que em situação rudimentar. Valorização do saber popular. Método de ensino: grupos de discussão autogeridos em que o educador está inserido como um animador e deve “descer" no nível dos alunos, intervir o mínimo possível, mas, se necessário, pode passar conteúdos até de modo sistemático. Relacionamento professor-aluno: com diálogo e uma relação horizontal, ambos como sujeitos do objeto de conhecimento. Pressupostos de aprendizagem: situaçãoproblema em que se toma distância para analisá-la criticamente. Aprender é conhecer a realidade. Compreensão, reflexão e crítica.

Emersão das consciências e inserção crítica na realidade.

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Paulo Freire 1921 - 1997 Foto Alice Hattori

PAULO FREIRE O mais célebre e reconhecido educador brasileiro, Paulo Freire foi reconhecido inicialmente por seu programa de alfabetização em 1963, quando alfabetizou 300 pessoas em um mês em Angicos - RN. Entretanto, a contribuição de Freire vai muito além disso: os pensamentos do educador acabaram por fundamentar uma completa tendência pedagógica que afirma o caráter político da educação e que valoriza a conscientização e capacidade de pensamento crítico do educando. A obra mais popular de Paulo Freire é a Pedagogia do Oprimido, uma das obras sobre pedagogia mais citadas em todo o mundo. Freire foi nomeado doutor honoris causa de 28 universidades em vários países e teve obras traduzidas em mais de 20 idiomas. (FERRARI, 2008)


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“Depois de Paulo Freire, ninguém mais pode ignorar que a educação é sempre um ato político. Aqueles que tentam argumentar ao contrário, afirmando que o educador não pode “fazer política”, estão defendendo uma certa política, a política da despolitização. Pelo contrário, se a educação, notadamente a brasileira, sempre ignorou a política, a política nunca ignorou a educação. Não estamos politizando a educação. Ela sempre foi política. Ela sempre esteve a serviço das classes dominantes.”

Moacir Gadotti, 1983

A tendência libertadora valoriza a experiência vivida do educando bem como o processo de educação "informal", que acontece fora da sala de aula tradicional. Desse modo, defende que a instituição de ensino e a realidade do educando devem estar intimamente ligados de maneira que a prática vivida e o saber popular estejam presentes nos assuntos de aprendizado da escola.

O processo educativo deve ter relação com o lado emocional e social do aluno, respeito à sua autonomia, dignidade e identidade. 47

A partir da realidade próxima do aluno, a pedagogia libertadora busca a formação de sua capacidade de pensamento crítico, na qual quem aprende é sujeito também do processo. Tais pensamentos aparecem contrários ao processo "bancário" de ensino, em que o aluno apenas recebe conhecimentos depositados em sua mente. "Formar é diferente de treinar" (FREIRE, 2005). A aprendizagem acontece em grupo, com troca de conhecimentos entre os educadores e educandos, de forma não autoritária e impulsionada pela curiosidade epistemológica de todos. A educação libertadora procura tornar os educandos conscientes e sujeitos da história e sociedade, de modo em que os alunos encarem a realidade não como fruto do acaso, mas sim fruto da ação dos homens, e assim, percebem-se como capazes de transformá-la. A tendência libertadora vai de encontro ao sistema de ensino tradicional e por isso não possui escolas referência neste meio. Segundo Paulo Freire, a pedagogia libertadora não pode ser posta em prática nas instituições oficiais sem antes a transformação da sociedade. Atualmente as ONGs desempenham atividades mais próximas aos ideais desta pedagogia. Além disso, muitos educadores do sistema regular de ensino utilizam os pensamentos de Freire como referência e guia do seu processo pedagógico.

CURIOSIDADE EPISTEMOLÓGICA - curiosidade autônoma, crítica. De acordo com Freire, a curiosidade epistemológica é construída pelo exercício crítico da capacidade de aprender. "É a curiosidade que se torna metodicamente rigorosa e se opõe à curiosidade ingênua que caracteriza o senso comum."


“Uma das tarefas mais importantes da prática educativocrítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumirse como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumirse como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outredade” do “não eu” ou do tu, que me faz assumir a radicalidade do meu eu”.

(FREIRE, 2005, p.41)

Pedagogia de Alfabetização Paulo Freire Foto 29ª Bienal de São Paulo

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2.a. Educação é política. Dados técnicos Arquitetura: Lilian Avivia Lubochinski Ano: 2005 Localização: Guararema/SP

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Escola Nacional Florestan Fernandes 2005 - Guararema/SP Foto Fundação BB


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Apesar de não estar diretamente ligada à tendência libertadora nem aos processos pedagógicos de Paulo Freire, a Escola Nacional Florestan Fernandes aparece como um destaque nacional quando o assunto é relacionado a política e educação. Concebida antes do fim da construção da sede física em 2005, a ENFF foi criada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) como um espaço de aprendizado político para movimentos sociais do mundo todo. Segundo Parizotti (2016), são 63 instituições de 19 países envolvidas na escola. O conteúdo de ensino, estreitamente relacionado à vida do campo, engloba, além do conteúdo formal, o trabalho, as relações humanas, a cultura e a arte. Além disso, a instituição oferece cursos como Filosofia, Política, Teoria do Conhecimento, Sociologia Rural, Economia Política da Agricultura, História Social do Brasil, Conjuntura Internacional, Administração e Gestão Social, Educação do Campo, Estudos Latino-americanos, entre outros (PARIZOTTI, 2016). É importante destacar que o sistema de manutenção do edifício é dividido entre todos os estudantes da escola e militantes trabalhadores que residem próximo ao local. A escola é mantida por meio de doações, financiamento de projetos nacionais e internacionais, além de trabalho voluntário. A construção foi financiada por doações e executada por meio de mutirão. Fazem parte da estrutura física da escola biblioteca, três salas de aula, auditório e dois anfiteatros, além dos quatro blocos de alojamento, refeitórios e lavanderia. Escola Nacional Florestan Fernandes 2005 - Guararema/SP Foto ENFF

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Escola Nacional Florestan Fernandes 2005 - Guararema/SP Foto Talles Reis


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3 A tendência pedagógica libertária se mostra contrária à burocracia, autoridade e ao controle total do Estado sobre a educação. A crítica é sobre a impessoalidade massificante do ensino tradicional, que compromete o crescimento pessoal de cada aluno. O objetivo da pedagogia libertária é transformar a personalidade do aluno, de modo a garanti-lo autonomia, proatividade e capacidade de decisão.

como atividades extra-classe, mas sim como parte fundamental da metodologia.

As matérias e conteúdos não são exigidas de modo rígido, mas colocadas à disposição do educando, que decide a melhor forma de estudá-las. O processo de aprendizado acontece em grupos, de forma que se favoreça a discussão e troca de conhecimentos de maneira horizontal. Assim, o ideal é que os conteúdos surjam de forma orgânica, a partir das discussões e necessidades apresentadas. A partir dessa metodologia, as matérias estudadas estão diretamente relacionadas à realidade do aluno, têm certa aplicação prática e instigam a curiosidade e aspirações sobre o aprendizado.

Papel da escola: instigar a autonomia e formação de grupos fora da escola (assembleias, conselhos, reuniões, associações, etc). O aluno participa e leva seu conhecimento em grupos autogestionários de pessoas com princípios parecidos. Valorização da aprendizagem informal.

No decorrer do processo, a autonomia do aluno é desenvolvida de modo gradual. A medida em que avança nos estudos, atinge grau maior de independência, capacidade de organização e de tomadas de decisão sobre a própria trajetória de aprendizado. O professor aparece durante esse processo apenas como orientador e catalisador, com o objetivo auxiliar. A tendência libertária instiga os educandos a participar de outros grupos fora da escola, como reuniões, associações, eleições, assembleias, conselhos, entre outros. Vistos e valorizados como fonte de aprendizado informal, esses grupos funcionam como “caminhos” de conhecimentos e informações. Esses grupos não são encarados 55

Tendo como base grupos autogestionários de estudo, dentro ou fora da escola formal, a pedagogia libertária assume o caráter político da educação, inserindo o aluno no centro do processo de ensino de maneira crítica e independente.

Conteúdos de ensino: matérias dispostas para o aluno, mas não exigidas. O importante é a participação em grupo e o aprendizado crítico que se tem com isso. Os conteúdos são as necessidades e interesses levantados pelo grupo. Método de ensino: vivência grupal de autogestão. Os alunos tem poder de decisão em tudo o que é possível (exceto elaboração dos programas e decisão dos exames). Relacionamento professor-aluno: muda a relação professor aluno para não-diretiva. O professor entra como parte do grupo para reflexões em comum, como conselheiro e instrutor-mentor. A pedagogia institucional recusa qualquer forma de poder ou autoridade. Pressupostos de aprendizagem: a motivação vem do interesse de crescer dentro da vivência do grupo. Somente o vivido e experimentado é incorporado e aprendido. Escola Amorim Lima São Paul/SP Foto Blog da Formação


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3.a. Formação autônoma, cidadã e comunitária. Dados técnicos Ano: projeto de 1995. Escola em 2012 Capacidade: 180 alunos Localização: Cotia/SP

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Escola Projeto Âncora 2012 - Cotia/SP Foto Paulo Vieira


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O Projeto Âncora surgiu com o objetivo de contribuir para a formação integral de crianças e jovens de baixa renda. O projeto inicialmente promovia reforço escolar e uma biblioteca para alunos de escola pública. Em 2012, foi fundada a Escola Âncora, que passou a acompanhar estudantes do ensino fundamental I e II em período e ensino integral. Em 2017, a Escola passou a atender também o ensino médio. A política pedagógica do Projeto Âncora é firmada sobre a formação cidadã e comunitária. O projeto engloba o desenvolvimento social de seus estudantes, buscando a formação de cidadãos conscientes, com capacidade de formar uma sociedade justa, equilibrada e sustentável (ÂNCORA, 1998). A Escola Âncora trabalha com assistência social, fortalecimento de vínculos, autonomia, protagonismo e cidadania. Abandonado o modelo organizacional em séries e turmas, os alunos aprendem individualmente ou a partir de grupos de estudos em projetos de acordo com seus próprios objetivos e interesse. O processo se dá através da pesquisa e tutoria, com uma avaliação contínua. O maior objetivo é o "aprender a aprender", ou seja, desenvolver nos educandos a capacidade de formular perguntas e buscar informações (ÂNCORA, 2018). A infraestrutura da escola é composta por salas de aula, laboratórios, quadra de esportes, circo, bibliotecas, cozinhas, pista de skate, refeitório, hospedaria para visitantes, áreas verdes com frutíferas, canteiros de ervas e horta. Diferente da pedagogia tradicional, em que o lugar de ensino é concentrado na sala de aula, na Escola Âncora cada ambiente é encarado como espaço de aprendizado. 59


Movimento Ôkupa Âncora O movimento nasceu da comunidade com intuito de ocupar os espaços da escola fora dos horários de aula. São fornecidos aula de yoga, música, brincadeiras com bebês, contação de histórias, circo, fantoches e teatro.

Projeto destaque Grupo de Responsabilidade da Alimentação Os grupos de responsabilidade são formados pelos alunos e absorvem as necessidades da escola e incorporam atividades teóricas e práticas. O GR da Alimentação, junto ao GR da horta, foi estruturado com objetivo de melhorar a alimentação de todos na escola. Os resultados, além dos conhecimentos adquiridos, foram a redução do consumo de açúcar, aumento do consumo de orgânicos, de sucos naturais e de verduras. Foi criado também o movimento da "segunda sem carne" com objetivo de conscientizar sobre o consumo insustentável de carne no planeta.

Escola Projeto Âncora 2012 - Cotia/SP Croqui Pat Borges Escola Projeto Âncora 2012 - Cotia/SP Foto Jornal D'aqui

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4 O ambiente escolar deve ser disposto como meio estimulante para experiências que tragam conhecimentos diversos a partir de problematizações, questionamentos, práticas, resolução de problemas, estudo do meio social e natural. Deve facilitar também a vivência democrática entre professores, funcionários, alunos e comunidade. A infraestrutura deve oferecer oportunidades de interação e riqueza em relaçoes sociais, possibilidades de troca. O objetivo geral é fazer o aluno ser capaz de assumir-se como ser social e histórico, como agente da realidade, pensante e transformador, bem como educá-lo para sua autonomia e criação do próprio pensamento crítico. Elementos importantes permeiam a concepção arquitetônica de uma escola ideal. Para tal, espaço e pedagogia devem estar estreitamente relacionados. Com o intuito de permitir maior liberdade pedagógica aos profissionais do ensino e também ser apta a dar suporte a modificações do sistema de ensino ao longo dos anos, a infraestrutura da "escola que se quer" não está relacionada apenas a uma pedagogia específica, mas sim a elementos comuns e complementares de três pedagogias progressistas brasileiras: renovada progressivista, libertadora e libertária. O recorte feito sobre pedagogias brasileiras se justifica pelo fato de que o sistema de ensino deve estar relacionado à realidade sociocultural do lugar. As pedagogias progressistas foram selecionadas por ofertar um ensino mais completo, crítico e que vai ao encontro com as propostas de ensino integral. De modo a ligar pedagogia e espaço, foi usado como referência o artigo "Linking Pedagogy and Spaces", do professor australiano Kenn Fischer. 63

PROGRESSIVISTA Diversidade de atividades, ensino integral Experiências práticas e concretas Ambiente de ensino motivador e produtivo LIBERTADORA Valorização do saber popular e educação informal Proximidade com a realidade política e social Envolvimento político da educação LIBERTÁRIA Fomento à autonomia do aluno Estímulo a estudos em grupos Ensino para o espaço além da instituição escolar

Principais atividades do processo de ensino e aprendizado e suas reflexões espaciais, segundo Fischer (2005)


SUPORTES ESPACIAIS Espaços variados que ofereçam suporte a diferentes tipos de atividades promovidas pelos alunos e professores durante diversos períodos de tempo e que instiguem um currículo integrado e multidisciplinar. Ambiente que respeite e demonstre diversidade sociocultural e que seja aconchegante e familiar aos usuários. Clareza e liberdade de escolha espacial, com oportunidades para estudos individuais ou em pequenos grupos. Espaço rico em possibilidades de encontros para aprendizagem de forma informal e de lazer. Conexão espacial entre entorno urbano e espaço escolar. Possibilidade de a comunidade em geral utilizar a infraestrutura da escola enquanto ela não for usada pelos alunos da forma regular.

Planta aberta e flexível Diversidade espacial Integração com elementos culturais Escola como referencial urbano Diferentes escalas espaciais Mobiliário flexível e multiuso Valorização do espaço informal Uso de espaços abertos Integração direta com o entorno Permeabilidade visual

APRESENTAR

Apresentações formais, instruções, foco na apresentação e aprendizado passivo.

APLICAR

Observação, aprendizado individual, mestre e aprendiz, informal e aprendizado ativo.

CRIAR

Múltiplas disciplinas, surgimento de líderes, igualdade, aprendizado casual e ativo.

COMUNICAR

Aprendizado casual e ativo, conhecimento compartilhado e disperso.

TOMAR DECISÕES

Troca de conhecimentos, tomada de decisões, aprendizado formal. 64


aprendizado individual reflexivo

Espaço silencioso para estudo individual ou pequenos grupos. Para descanso ou trabalhos que exigem concentração e reflexão.

laboratório colaborativo

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Espaço de criação e reunião. Acesso à tecnologia e outros suportes para demonstração de ideias. Suporte à criatividade, trabalho em grupo e desenvolvimento de projetos.

aprendizado em grupo

Trabalho em grupo de diferentes tamanhos. Espaços próximos de suporte para materiais e suporte para instrutores. Incentiva o aprendizado em grupo, monitoria interdisciplinar e discussões informais.

apresentação

Apresentação de ideias ou conceitos. Oportunidade para compatilhamento de conhecimento por fonte "única" a várias pessoas.


exposição

Suporte para exposição de ideias em desenvolvimento ou concluídas. Oferece espaço para compartilhamento de ideias e incentiva a crítica construtiva.

laboratório especializado

Oferecimento de infraestrutura específica para determinado tipo de atividade. Desenvolvimento de habilidades específicas e suporte a fortalecimento de grupos e sensação de pertencimento.

projetos

Variedade de áreas de trabalho, com armários com ferramentas e espaço de armazenamento. Suporte ao trabalho em grupo, produção e compartilhamento de conhecimento através de projetos.

aprendizado ao ar livre

Espaços verdes e ao ar livre. Oferta ambientes para ensino informal, lazer, descanso e interação com o meio natural.

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recursos e armazenamento

Suporte de armazenamento de materiais e recursos necessários para atividades. Também contempla equipamentos de suporte.

aprendizado informal e de lazer

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Corredores largos, pátios, áreas de estar que proporcionam interação entre atividades formais da escola. Incluem o refeitório. Oferecem conforto, relaxamento e aconchego e proporcionam grande suporte ao ensino informal e relacionamento social.

encontro professores

Espaço para professores prepararem material e estratégias pedagógicas, individualmente ou em grupo. Fomenta o planejamento pedagógico em grupo e de maneira interdisciplinar. Inclui área específica para o restante do quadro de funcionários.


5 encontro professores laboratório colaborativo aprendizado individual reflexivo projetos aprendizado em grupo laboratório especializado apresentação aprendizado informal e de lazer aprendizado ao ar livre exposição recursos e armazenamento

Direção Coordenação Sala professores Reuniões Recepção Sala compartilhada Oficinas Salas estudos fundamental I Salas estudos fundamental II Salas estudos médio Biblioteca Mídia Auditório/teatro Laboratórios Sala compartilhada Dança Música Poliesportiva coberta Corredores Pátio coberto Refeitório Poliesportiva descoberta Quadra de areia Parque infantil Horta Pátio aberto Vestiários Consultório Depósito D.M.L B.W.C. Cozinha

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ANELLI, Renato. Centros Educacionais Unificados: arquitetura e educação em São Paulo. Arquitextos, n. 55.02. São Paulo, Portal Vitruvius, dez. 2004. CASTRO, Carlos Dunham M. S. de. O Espaço da Escola na Cidade: CIEP e Arquitetura Pública Escolar. 2009. 127 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 2009. DELIJAICOV, Alexandre. Arquitetura do lugar. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, número 03, página 30 - 31, 2011. EBOLI, Terezinha. Uma experiência de ensino integral. Salvador: INEP, 1969. 85 p. FERRARI, Márcio. Paulo Freire, o mentor da Educação para a consciência. 2008. Disponível em: <https://novaescola. org.br/conteudo/460/mentor-educacao-consciencia>. Acesso em: 14 jan. 2019. FISHER, Kenn. Linking Pedagogy and Space: proposed planning principles. Department Of Education And Training, Victoria/Australia, mar. 2005. FREITAS, C. R.; GALTER, M. I. Reflexões sobre a educação em tempo integral no decorrer do século. EducereetEducare, v. 2, n.3, p. 123-138, 2007. FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. 79 p. ______. Pedagogia do Oprimido. 18. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. 184 p. ______. Pedagogia da Autonomia. 31. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. 148 p. GOULART, Mariana Fortes. Conforto Térmico no Colégio de Aplicação Pedagógica da Universidade Estadual de Maringá: proposta para melhoria do desempenho térmico de um antigo CAIC. 2014. 144 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2014. KOWALTOWSKI, Doris C. C. K.. Arquitetura escolar: o projeto no ambiente de ensino. 2011. ed. São Paulo: Oficina de Textos, 2011. 272 p. LATORRACA, Giancarlo (Org.). João Filgueiras Lima: Lelé. Lisboa: Ed. Blau, 2000. 264 p. (Série Arquitetos Brasileiros). Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, São Paulo - SP. LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da Escola Pública: pedagogia crítico-social dos conteúdos. 9. ed. São Paulo: Loyola, 1989. 149 p. (Coleção Educar). LIMA, João Filgueiras. Escola Transitória: modelo rural. Brasília: MEC/CEDATE, 1984. 116 p. ______. CIACs em escala industrial. Au: Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, v. 7, n. 37, p.50-55, Ago/Set 1991. MELENDEZ. Adilson. Centros Educacionais Unificados (CEUs), São Paulo. Revista PROJETODESIGN, n. 284. São Paulo, out. 2003. PARIZOTTI, Roberto. 10 coisas que você deve saber sobre a Escola Florestan Fernandes. 2016. Disponível em: <http://www.pt.org.br/10-coisas-que-voce-deve-saber-sobre-a-escola-florestan-fernandes/>. Acesso em: 16 jan. 2019. PROJETO NCORA (São Paulo). Transformação Social e Inovação em Educação. 2018. Disponível em: <https://drive. google.com/file/d/1Unc8BeTkGhuMedV1FJpCmMvQA5yo76iP/view>. Acesso em: 16 jan. 2019. ______. Planejamento Estratégico 1998. 1998. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/1w3vhJb6bm4QoncmoPP0 1PMf1ncpNoHd1/view>. Acesso em: 16 jan. 2019. RIBEIRO, Darcy. O livro dos CIEPS. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1986. 156 p. SOARES, Patricia de Palma. Arquitetura como projeto social: Os casos dos Centros de Educação Unificada (CEUs) em São Paulo, Brasil e dos Parques Bibliotecas em Medellín, Colômbia. 288 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013. 70


Arq. Urb. UFSC TCC 19.1 Acadêmico Vinícius Mariot Orientadora Profa. Dra. Maria Inês Sugai

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1 - Educação, Política e Sociedade

2- Espaço e Pedagogia 3 - Cidade, Bairro e Escola


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