Revista Viração - Edição 21 - Outubro/2005

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Projeto social impresso · Ano 3 · No21 · Outubro de 2005 · R$4,00 · www.revistaviracao.com.br

V iRAÇÃO Mudança,

atitude e

ousadia jovem

RALOIN, nada! 31 de outubro é Dia do Saci

GERAÇÃO CIDADÃ Juventude, trabalho e cidadania juntos

Amores de rua

Longe da família, jovens e adolescentes criam novas relações de amizade e namoro

E D IN R B

Cartão-Postal QUE FIGURA!


E Mais uma, na paz! Fotos: Fábio Feijó

Projetos escolhidos no Programa da Ipaz recebem formação em marketing e propaganda

A

Vira recebeu outro prêmio em 2005! Fomos selecionados entre 157 Organizações Não-Governamentais (ONGs) de São Paulo, inscritas para obter a ajuda da Agência Internacional pela Paz (Ipaz) na elaboração de uma estratégia de marketing e publicidade. Esse auxílio faz parte do Programa Ipaz (Pipaz), que terá duração de um semestre. Ao todo, foram escolhidas quatro organizações para o último semestre de 2005 e outras quatro para 2006. Estamos no primeiro grupo, que ainda conta com as organizações União das Mulheres de São Paulo, Fique Vivo e Sociedade Alternativa.

Integrantes dos projetos vencedores do Pipaz participam de oficinas

A equipe da Vira está participando de oficinas de capacitação para melhor elaborar as áreas de marketing, de publicidade e nossa página na internet. Em outras palavras, estaremos mais preparados para conversar com os possíveis investidores que possibilitarão a continuidade do nosso trabalho.


A I L Í M A F

diferente

N

esta edição, trazemos à galera uma reportagem especial sobre a afetividade dos jovens e adolescentes em situação de rua. Como se dão as amizades, relacionamentos amorosos, brigas e conflitos, mostrando que, de certa forma, os amores de rua acabam por substituir a família perdida. Embora excluídos e marginalizados, eles sonham, se amam e se viram para não perder de vista a esperança de liberdade, de uma vida diferente e de um ideal positivo com perspectiva de melhora. Longe dos traumas domésticos, da violência sexual ou de desastres familiares.

Na seção Galera Repórter, uma entrevista também diferente, feita pela galera que participou da Consulta Nacional sobre Violência contra Criança e Adolescente, em São Paulo. No evento organizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), mais de 30 jovens de diversos Estados entrevistaram o relator da Organização das Nações Unidas (ONU) Paulo Sérgio Pinheiro, que não tem papa na língua: “O Estado não tem competência para assegurar os direitos da criança e do adolescente e quer jogar na cadeia as suas responsabilidades”. Advogado e carioca, Paulo coordena o primeiro relatório global sobre a violência contra a criança e o adolescente, a pedido do secretário-geral da ONU, Kofi Annan. Para não perder o embalo do mês de outubro, oferecemos uma super-reportagem com o nosso brasileiríssimo Saci, ilustrada por cartunistas de primeira linha no Brasil. Nomes como Ziraldo, Paulo Caruso e Angeli mostram um pouco do encapetado de uma perna só, que já prometeu muitas travessuras para quem decidir comemorar o raloim no dia 31. Afinal, o dia é dele e de seus amigos: Boitatá, Curupira, Mula-sem-Cabeça...

Apoio Institucional

Virajovem de São Luís

Editorial

Galera do Virajovem de São Luís (MA): (dir. à esq.): Raimunda Ferraz, Abel Lopes no fundo, Lissandra, Viviane, Marcelo, Leonardo, Silvano, Vanessa, Dayse Rio, Ademar Danilo, colaborador no programa de rádio Atitude Jovem, Jailson Santos, Erica Roberta, Daiana Roberta, Maria Claúdia, Ismael Silva, Rafaela Glleysa e Diego Leonardo. Eles integram a Agência de Notícias da Infância Matraca, parceira da Vira. VIRAJOVENS PELO BRASIL • São Paulo (SP): Adriano Rangel, Atiely Santos, Carol Lima, Carolina Coimbra, Chindalena Barbosa, Diego Rodrigo Pauli, Diego Pacci, Douglas Lima dos Santos, Fabíola Quadros, Fábio Mallart, Fernanda B. Tobias, Gisele Palla, Giovana Camargo, Heloísa Sato, Isis Lima Soares, Juliana Martins, Leandro Gonçalves Pena, Pedro Henrique Santos de Araújo, Sálua de Paula Oliveira, Sara Santos Araújo,Taluana BrisaTeodoro Maria,Thayani Prates Pinatti,Tiago Idalino de Oliveira, Tiago Luiz Silva, Elisa Fingermann, Rafael Artusi, Roziane Rodrigues da Silva, Camila Paula Macedo, Diego Sierra, Mariana Rosa, Orlando Tonholi, Giorgio D’Onofrio, Nadja Talita Bium Piloto; • Curitiba (PR): Monalisa Stefani, Leonardo Jianoti, Augusto Cuginotti, Paula Batista, Ubirajara Barbosa da Fonseca e Suelen Safiano; • Porto Alegre (RS): Aline Schonarth, Angelo Kirst Adami e Márcia Veiga; • Belo Horizonte (MG): Luana Silva, Mariana, Pedro Henrique Silva, Regina Mendes e Rebeca; • Rio de Janeiro (RJ): Débora Motta, Juliana Lanzarini, Gustavo Barreto, Maria Cecília Leão, Rafael Andrade de Souza e Vitória Aguiar; • Brasília (DF): Ionara Talita Silva, Danuse Silva de Queiroz, Silvia Bertoldo, Julio Osano, Alisson Jeferson e Maria Claudia Barros; • Fortaleza (CE): Cristiane Parente, Verônica Rodrigues, Giovanni dos Santos, Daniela Aureliano, Nágia Leite e Ludovica Duarte; • Manaus (AM): Jhony Abreu e Izabelly Costa.

VIRAÇÃO é publicada mensalmente em São Paulo (SP) pelo Projeto Viração da Associação de Apoio a Meninas e Meninos da Região Sé de São Paulo, filiada ao Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais e Revistas de São Paulo; CNPJ (MF) 74.121.880/0003-52; Inscrição Estadual: 116.773.830.119; Inscrição Municipal: 3.308.838-1

ATENDIMENTO AO LEITOR Rua Fernando de Albuquerque, 93 – Conj. 3 Consolação – 01309-030 – São Paulo (SP) Tel./Fax: (11) 3237-4091 e (11) 9440-7866 HORÁRIO DE ATENDIMENTO das 9 às 13h e das 14 às 18h E-MAIL REDAÇÃO E ASSINATURA redacao@revistaviracao.com.br assinatura@revistaviracao.com.br


Conselho Editorial Cecília Garcez, Ismar de Oliveira e Izabel Leão (Núcleo de Comunicação e Educação – ECA/USP), Immaculada Lopez, João Pedro Baresi, Mara Luquet e Valdênia Paulino

MAPA Maíra Soares

da

Equipe Pedagógica Aparecida Jurado, Auro Lescher, Cássia Vasconcelos, Isabel Santos, Márcia Cunha e Vera Lion

mina

Diretor Paulo Pereira Lima Redação Carlos Gutierrez, Daniela Landin, Felipe Jordani, Gabriel Mitani, Marília Almeida e Silvana Salles Colaboradores Ana Lucia Pires, Carmen Franco, Carol Coimbra, Danilo Gomes, Fabiana Salviano, Giorgio D’Onofrio, Ionara Silva, José Manoel Rodrigues, Juliana Lanzarini, Juliana Rocha, Laiara Borges, Maíra Soares, Marana Borges, Marcio Baraldi, Mariana Cacau, Mariana Rosa, Natália Forcat, Novaes, Ohi, Ric Marinetti, Robson de Oliveira, Saciólogos, Sérgio Rizzo, Susana Piñol Sarmiento e Warley Bomb Consultor de Marketing Thomas Steward Relacionamento Institucional Geraldo Virgínio e Luci Ferraz Revisão Andréa Pontes Projeto Gráfico IDENTITÀ Adriana Toledo Bergamaschi Marta Mendonça de Almeida Fotolito Digital SANT’ANA Birô Impressão Editora Referência Jornalista Responsável Paulo Pereira Lima – MTB 27.300 Divulgação Equipe Viração Administração Miguel W. da Silva E-mail Redação e Assinatura redacao@revistaviracao.com.br assinatura@revistaviracao.com.br PREÇO DA ASSINATURA ANUAL Assinatura Nova R$ 40,00 Renovação R$ 35,00 De colaboração R$ 50,00 Exterior US$ 35,00

Participe ! Mande suas sugestões, elogios e críticas por carta ou e-mail

Aguardamos sua participação!

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Revista ViRAÇÃO · Ano 3 · nº 21

• CARINHO URBANO 12 • As relações de afetividade dos adolescentes • em situação de rua na cidade de São Paulo • GERAÇÃO CIDADÃ 16 Conheça mais sobre o Consórcio Social da Juventude que está fazendo a cabeça da galera de seis municípios da grande São Paulo • ONDA JOVEM 17 Estudo de IPEA fala sobre a maior geração de jovens da história do Brasil • A VEZ DO PERERÊ 18 31 de outubro é o Dia Nacional do Saci, eleito o símbolo da cidade paulista de Monteiro Lobato

Ohi

RG

• UMA HISTÓRIA DE MUDANÇA 21 Os 15 anos de vida da Fundação Abrinq são comemorados por meio de um balanço histórico positivo • VIRA E COMUNICAÇÃO 26 A Revista Viração é tema de trabalho no 28o Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom 2005)

Sempre na Vira DIGA LÁ ENTRE ASPAS VIRATUDO TESÃO VIRA OU NÃO VIRA GALERA REPÓRTER MAIS IGUAL

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QUE FIGURA! NO ESCURINHO TODOS OS SONS REVELE-SE TURMA DA VIRA DESAFIO VIRAÇÃO SOCIAL

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DIGA LÁ

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REVISTA DO CONHECIMENTO Mariana Batista Uberlândia (MG)

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Tenho 17 anos e estou mandando essa mensagem pra dizer que adoro as reportagens que vocês fazem e as histórias de índios e mártires. Quero pedir para que vocês focalizem mais na questão de índios no Brasil e de nativos do mundo inteiro, que estão espalhados por aí. Também gostaria que vocês mostrassem as belezas e a biodiversidade brasileira que estão ligadas com os índios do norte do Brasil, ressaltando a importância e estimativas da água no mundo e os vários recursos renováveis que são possíveis para uma vida humana com mais dignidade, como, por exemplo, a energia eólica solar geotérmica. Conto com vocês porque a Vira é a revista do conhecimento.

VIRA VIRANDO Fabrício Artesi por e-mail

!

Estive lendo uma publicação na página de vocês cujo tema era Perigo! Corpo perfeito perigo!, que relata uma pesquisa feita por Daniel Carreira Filho sobre o que os jovens pensam do corpo. Gostaria (se possível) de receber esse artigo na íntegra, pois estou terminando meu Trabalho de Conclusão de Curso esse assunto me interessa muito.

!

!

Sou acadêmica de economia e não sei como encontrei o site de vocês, mas adorei. Como também faço umas matérias sobre economia e sobre como economizar, queria saber se posso fazer umas citações de uma parte do texto que li de vocês.

Sou coordenadora do Comitê Jovem pela Qualidade na Informação e gostaríamos de participar enviando poesias, desenhos, depoimentos, pesquisas e coberturas de eventos que participamos.

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Mande seus comentários sobre a Vira, dizendo o que achou de nossas reportagens e seções. Suas sugestões serão bem-vindas!

OPS!

GALERA, pisamos na bola com os virajovens de Salvador (BA). Na edição 21, pág. 3, a legenda da foto saiu errada. Os nomes corretos são: Tássia Batista, Danilo Araújo, Naiana Magalhães, Scheilla Gumes e Nilton Lopes

M ral

Escreva para nosso endereço: Rua Fernando de Albuquerque, 93 – Conj. 03 Consolação – 01309-030 – São Paulo (SP) Tel/Fax: (11) 3237-4091 ou para o e-mail: redacao@revistaviracao.com.br Aguardamos sua participação!

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FALA AÍ !

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Jacqueline Campos São Luís do Maranhão (MA)

Glauber Henrique por e-mail

Faço parte de um grupo de estudo, no qual estou desenvolvendo materiais sobre consumo consciente infantil. Gostaria de receber algum material para que eu possa enriquecer meu trabalho.

Elaine Cavalheiro por e-mail

PARTICIPAÇÃO

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Direto aos

D

ia 13 de julho de 1990. Foi essa a data de uma vitória da democracia brasileira, dos cidadãos dessa nação e, principalmente, das crianças e dos adolescentes. Há 15 anos depositava-se muita esperança no futuro do país, pois era criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Os resultados positivos, no entanto, custam a aparecer. O assunto é polêmico e gera muitas discussões. É inegável a importância de um estatuto dirigido especialmente àqueles cidadãos que necessitam do

direitos

amparo do Estado, mas a real aplicação do ECA tem sido muito questionada. As crianças e os adolescentes ainda sofrem de desnutrição, falta de moradia, pobreza, ensino de péssima qualidade (ou falta dele) e dos abusos do trabalho infantil e da violência. Tudo em números alarmantes que são revoltantes. Um dos primeiros passos para a verdadeira aplicação do estatuto seria torná-lo acessível a toda a população, com uma linguagem objetiva e direta – fácil de se entender. Os virajovens botam a boca no trombone e dão as próprias opiniões sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.

E VOCÊ, tá por dentro do ECA?

SIBELE GUERREIRO, 14 anos, estudante do Ensino Fundamental Samambaia (DF) Conheço os direitos básicos como os que garantem o acesso à educação, moradia, saúde e cultura. O estatuto deve ser trabalhado como uma matéria auxiliar levada para a sala de aula. Acho essencial saber dos nossos direitos. Seria ideal uma aula de cidadania focada no estatuto. Como está escrito na forma de lei, é uma garantia real que a gente pode cobrar e correr atrás. A iniciativa de divulgar deve partir do governo, já que ele tem verba suficiente e pode fazer uma super-campanha.

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VITOR SALMAZO, 16 anos, estudante do Ensino Médio Curitiba (PR) Não conheço direito o ECA. Pelo que eu sei, são leis para as crianças poderem crescer, mas ele não funciona direito. Tem muita gente que faz “vistas grossas” do estatuto. Sempre que falam em Estatuto da Criança e do Adolescente eu penso em trabalho infantil, e acho que também é o que a maioria das pessoas pensa.


texto e fotos VIRAJOVENS DE BRASÍLIA e CURITIBA

GLÁUCIO SOARES, 19 anos, estudante do Ensino Médio Planaltina de Goiás (GO) Conheço o estatuto, mas a gente pensa que é uma coisa e, na realidade, é outra. Já tentei correr atrás dos meus direitos, mas é uma parada que não sai do papel. Na escola eu já ouvi falar algumas vezes sobre o estatuto, mas acho difícil essa lei ser cumprida. Quem tem dinheiro sempre se dá bem! O que adianta sabermos do nosso direito, se na prática ele não se aplica?

MARINA BUCHMANN, 16 anos, estudante do Ensino Médio Curitiba (PR) Eu não sei o que é exatamente o ECA. Acho que é o estatuto que protege as crianças e os adolescentes. E essas leis influenciam indiretamente minha vida.

RAYMAN JUK, 15 anos, estudante do Ensino Médio – Curitiba (PR) A primeira coisa que me vem à cabeça quando ouço falar “ECA” é aquela palavra que expressa nojo. Mas o Estatuto da Criança e do Adolescente é um conjunto de leis e direitos que deveriam reger os direitos das crianças e dos adolescentes no território nacional. A maioria da população não o conhece, nem eu sei direito o que é. Isso é culpa do governo. Ele não faz nada para a população conhecer e nem quer que conheça o estatuto. O ECA não influencia em nada a minha vida.

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PAULO PONTES, 14 anos, estudante do Ensino Fundamental – Granja do Torto (DF)

Eu não conheço o estatuto, nem sei o que é isso! Não tenho contato com os meus direitos e minha escola também não trabalha de nenhuma forma o ECA. Deveriam ser organizadas palestras sobre o assunto na escola para a gente conhecê-lo melhor.

RENAN SOBREIRA, 16 anos, estudante do Ensino Médio Curitiba (PR) Boa parte dos jovens não conhece seus direitos. Como isso não é algo do interesse da sociedade, de um modo geral, poucos têm contato com o estatuto. Claro que noções básicas dos direitos e deveres dos jovens todos têm: é um senso comum. Mas em termos estruturais, não há muita influência.

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RESPIRANDO LIBERDADE

Divulgação

Todo mundo sabe que o cigarro causa inúmeros malefícios e que é necessário conscientizar os jovens sobre o problema. Mas como mostrar que o fumo é ruim sem ser chato? A reposta pode ser encontrada no livro Respirando Liberdade, de Moacyr Scliar, lançado pela Editora Larousse. A obra narra a história de Sérgio, um adolescente que sempre morou com a mãe no interior. Quando ela decide se casar novamente, Sérgio muda-se para a capital para viver com o pai, um homem fechado, que ele mal conhecia. Só que o garoto não sabia que o pai fumava dois maços de cigarro por dia, coisa que Sérgio detestava. Como ajudar o pai a se dar conta e enfrentar o vício é a grande tarefa que o jovem protagonista da história toma para si.

Divulgação

Dica de Livro

Bom de boca Atentos ao beijo! Quem dá o sinal de alerta é o médico Valter Moura Ferreira, especialista em cirurgia e traumatologia facial. “O beijo pode ser o fio condutor de uma série de doenças”, diz. Uma delas é a gengivite – infecção bacteriana transmissível que provoca vermelhidão no contorno dos dentes, gengiva inchada e sangramento. Segundo ele, essa doença aumentou muito nos últimos anos em decorrência do hábito de beijar muitas pessoas.

Divulgação

Ação educativa

Dica de Site: Redvoluciones Cansado da versão do mundo dada pela mídia grande? De nunca ter espaço para participar na produção de cultura e informação? Então, o portal Redvoluciones é uma boa pedida para você. O objetivo do site é promover a participação do público na construção de uma mídia voltada aos interesses da classe trabalhadora, abrindo espaço para o debate e para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Participe desse projeto fazendo um pequeno cadastro no site, que possui versão em português e espanhol. O endereço é: www.redvoluciones.org. Entre em contato com um dos coordenadores, escrevendo para: gutierrez@redvoluciones.org

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Telesul no ar

O caminho para o Brasil erradicar o analfabetismo funcional é longo. No país, apenas 25% das pessoas na faixa etária dos 15 aos 64 anos são plenamente alfabetizados, ou seja, dominam a leitura e a escrita. Os números constam do Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional, uma pesquisa nacional realizada por duas organizações não-governamentais, o Instituto Paulo Montenegro e a Ação Educativa. O analfabetismo atinge principalmente os mais pobres. A pesquisa mostra que o nível de renda interfere no grau de domínio da leitura e da escrita: mais de 80% das pessoas que não sabem ler nem escrever pertencem às classes D e E. A Telesul é uma rede de televisão criada pela Venezuela, Argentina, Uruguai e Cuba, e tem como objetivos: combater a manipulação das transnacionais e a desinformação e lutar pela democratização dos meios de comunicação. Segundo Beto Almeida, responsável pela nova televisão aqui no Brasil, “a Telesul é a TV da integração latino-americana, um sonho de gerações de lutadores sociais, que agora passarão a ser representados. A programação deverá ser diversificada e plural, sem racismo, sem banalização do sexo e da violência, sem glorificação dos valores do capitalismo, da opressão, do consumismo, com notícias contextualizadas, com espaço para o cinema latino-americano, com os povos sendo os verdadeiros protagonistas na tela”. Dá para assistir a Telesul pelos canais comunitários de Brasília, Florianópolis, Rio de Janeiro, Niterói, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte e na TV Rocinha. É possível acessá-la pelo site: www.redvoluciones.org


Google no banco dos réus

“De nada valem as idéias sem homens que possam pô-las em prática.”

Karl Marx, filósofo alemão Um grupo de escritores estadunidenses está processando o site de buscas na internet Google, afirmando que o plano da empresa para digitalizar as coleções de livros das principais bibliotecas desrespeita os direitos autorais. O Authors Guild (Associação de Autores) entrou com a ação contra o Google numa corte distrital de Nova York. A ação classista pede indenizações e uma ordem judicial contra futuros casos de desrespeito aos direitos autorais. O Google disse lamentar a ação da associação dos escritores e pediu mais conversações, alegando que seu projeto beneficiaria os autores. O plano do Google é de “organizar a informação mundial e torná-la mais acessível e útil universalmente”. O site espera investir 200 milhões de dólares para criar um arquivo digital de milhões de livros das quatro principais bibliotecas dos Estados Unidos – as bibliotecas das universidades de Stanford, Michigan e Harvard e a Biblioteca Pública de Nova York – até 2015. (Envolverde/BBC Brasil) texto CÁSSIA VASCONCELOS foto PAULO VICENTI

DO CONTRA

Por que você é contra bater papo no MSN em horário de trabalho? – Você é a favor de falar no celular enquanto o professor dá aula sobre algo que você não sabe? Acha legal transar e ler Nietzsche (filósofo alemão) ao mesmo tempo? Acha possível um médico fazer uma cirurgia delicada assistindo à CPI do mensalão? É o que acontece com quem bate papo no MSN em seu ambiente de trabalho! Qual o motivo que faz as pessoas usarem esta ferramenta no trabalho? – O motivo obviamente é fugir do trampo e ficar no papo furado, investigando a vida alheia. Há uma frase exemplar de Machado de Assis para os adeptos desse, que é um novo canal de futilidades: “Nós matamos o tempo e o tempo nos enterra”. Você poderia sugerir uma medida “anti-papo” no MSN? – Não há como mudar a cabeça de quem faz questão de gastar seu tempo com fofocas e babados. Não se constrói uma carreira consistente assim. Não há espaço para as conversas vazias de MSN na vida dos grandes profissionais.

Curió Na língua tupi-guarani significa ”Amigo do Homem”

Como todo passarinho, o curió viaja pelo mundo e vê coisas interessantes. Ele não fica de bico fechado. Sai logo por aí contando tudo para a gente, que não teve a sorte de nascer com asas.

VOCÊ SABIA QUE a lenda do Saci data do fim do século 18? Durante a escravidão, as amas-secas e os caboclos-velhos contavam às crianças os relatos das travessuras dele. Seu nome no Brasil é de origem Tupi Guarani. Em muitas regiões, o Saci é considerado um ser brincalhão enquanto que em outros lugares ele é visto como um ser maligno. Ele é representado com uma perna só, fuma cachimbo e usa na cabeça uma carapuça vermelha que lhe dá poderes mágicos, como o de desaparecer e aparecer onde quiser. Existem três tipos de Sacis: O Pererê, que é negro, O Trique, brincalhão, e o Saçurá, que tem olhos vermelhos.

Ilustração: Érica Dias

João Anzanello Carrascoza, redator da agência publicitária J.W.Thompson, que não quer nem ouvir falar do uso do MSN (serviço virtual de mensagem instantânea) no trabalho. Nisso ele é realmente do contra.

Fonte: Folclore Brasileiro Ilustrado – Lenda do Saci Perêrê

“Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato.” Barão de Itararé, humorista brasileiro “Sou um pessimista pela inteligência e um otimista por desejo.” Antonio Gramsci, pensador italiano

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Mestre no

texto e foto CARLOS GUTIERREZ

Reginaldo Leôncio Ribeiro, mais conhecido como Régis, encontra naquela profissão muitas vezes esquecida a razão para trabalhar “Mais importante do que uma prova é aprender a ser um motorista que dirija com cuidado e responsabilidade”

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ão tem prazer maior do que ver um aluno que mal sabia conduzir o veículo tornar-se um bom motorista”, afirma o instrutor de auto-escola Reginaldo Leôncio Ribeiro. Conhecido entre os amigos como Régis, ele tem 39 anos, dá aulas de direção há 17 e é completamente apaixonado pela profissão. Cinto de segurança, concentração e mão à obra! “Um amigo meu era professor de auto-escola e teve de se ausentar por alguns dias. Daí ele me pediu para substituí-lo e eu aceitei. Os alunos gostaram muito de mim e queriam que eu voltasse. Então, o dono da escola decidiu me contratar”, lembra Régis de seu começo na profissão. Ele sempre trabalhou com automóveis. “Fui ajudante de mecânico e de funileiro por muito tempo”, explica. Mas como instrutor de auto-escola é que descobriu sua vocação. “Fiz o curso para formação de instrutores e gostei bastante. Aprendi muita coisa sobre didática, psicologia, o que me ajudou para elaborar minhas aulas”, conta Régis, para quem sexo e diferença de idade não determinam se o aluno terá mais ou menos dificuldade no volante. “O que pesa é a humildade da pessoa. Tem muita gente que vem tomar aulas e não quer seguir as orientações do instrutor, acha que já sabe tudo”. Para ele o maior incentivo é transformar as pessoas em bons motoristas. “Gosto de preparar o aluno não só para o exame, mas ensiná-lo a como se comportar no trânsito”. Uma época, Régis estava trabalhando como motorista de diretoria de um grande banco multinacional. “Um amigo tinha acabado de montar uma auto-escola e me chamou para eu ir lá dar aulas. Estava muito bem no meu emprego, estabilizado, mas acabei aceitando o pedido”, relembra. “Minha mulher ficou louca da vida, falou que eu largaria algo certo por uma aventura, mas fazer o quê, se é o que eu gosto?”. Segundo ele, a maior alegria em sua carreira foi dada por uma ex-aluna, professora da rede estadual de ensino. “Ela já tinha carta, mas não dirigia há muito tempo. O carro dela era um Fusca todo estourado, sem condições. Ela teve primeiro de arrumar a parte mecânica do carro, para depois eu poder dar aulas nele”. A professora gostou tanto do trabalho do Régis que decidiu mandar reformar o Fusca. “Ela pegou gosto por dirigir”, conta, orgulhoso. Nosso ás no volante dá um conselho para o jovem que pretende tirar carta: “temos que entender que mais importante do que uma prova é aprender a ser um motorista que dirija com cuidado e responsabilidade, dando valor à segurança e respeitando a vida no trânsito”.

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Um dia com um profissional para ajudar você a escolher sua carreira

Historiadora MARIANA ROSA

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Daniela Landin

entei com o Vinícius Carneiro, e respirei fundo. Não sabia muito bem o que me esperava. Para mim, História sempre foi algo distante. E mesmo assim, a vontade de me aprofundar nisso só crescia! O Vinícius, formado em História e doutorando pela Universidade de São Paulo (USP) parecia a pessoa certa para me explicar o que era a tal da profissão de historiador. Ao contrário do que eu pensava, uma pessoa formada em História pode, além de dar aulas em escolas e faculdades, trabalhar em empresas, catalogando fotografias, vídeos, notícias. Podem escrever livros, dar consultoria sobre dados históricos para museus, jornais e editoras... Achou pouco? O Vinícius me contou ainda que historiadores têm um campo muito mais amplo do que todos nós acreditamos. Na faculdade, cujo curso dura quatro anos, os alunos podem optar por várias matérias, que garantem uma formação ampla e bem diversificada. Com isso, um historiador não é simplesmente um expert em História, mas alguém que entende de várias áreas O historiador Vinícius e a estudante Mariana do conhecimento! trocam experiências e quebram tabus Outro tabu quebrado na conversa com o Vinícius foi a da formação: se é possível optar pela licenciatura no último ano de faculdade. Um curso superior de História não é, necessariamente, formador de professores. Se antes eu ainda tinha dúvidas sobre qual seria a função da História, depois da conversa com o Vinícius, percebi que fazemos História todo dia, quando interferimos, nos organizamos e nos mobilizamos por nossos ideais! Vamos todos fazer História?

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Mariana Rosa, 17 anos, é aluna do 3o ano da Escola Técnica Estadual Carlos de Campos, em São Paulo

tá na mão • Site da Associação Nacional de História: www.anpuh.uepg.br/anpuh/index2.htm • Site do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil: www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/ • Site que divulga o conhecimento histórico: www.nethistoria.com • Site da Revista Brasileira de História: www.scielo.br/scielo.php?pid=0102-0188&script=sci_serial


Foto: Robson Oliveira

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Mães de rua, pais de rua, irmãos de rua. É assim que crianças e adolescentes se relacionam e buscam companhia, para dar e receber carinho, trocar confidências e segredos, formar famílias

texto GABRIEL MITANI e CARLOS GUTIERREZ fotos MAÍRA SOARES

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ais um dia nublado e frio em São Paulo. É terça-feira e, próximo à Estação da Luz, no centro da cidade, a chuva fininha misturase a uma confusão de cartazes coloridos e desbotados. Eles anunciam o intenso comércio informal que abarrota a região. O cenário se completa com crianças e adolescentes desabrigados drogando-se nas praças e ruas das redondezas. Meninos e meninas vivem nessa situação de pobreza e passam o dia buscando alternativas para ocupar o tempo ocioso por falta de um local para lazer e estudo. São pessoas que fazem das ruas mais que um lugar de sobrevivência: um espaço de interação social, identificação, aprendizado e afetividade. É o caso dos irmãos Maurício e Anderson, de nove e sete anos, respectivamente, vindos de uma família soteropolitana de 6 filhos. Os dois passam o dia brincando em uma praça e voltam para casa somente à noite, onde fazem uma única refeição. Segundo eles, o pai, que está desempregado, cuida das duas meninas pequenas, enquanto a mãe vende celulares na Galeria do Rock. A principal diversão dos garotos é “tacar

A GRANDE

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NÓIA

pedras nos nóias e nos mendigos”. Maurício lamenta o fato de sua mãe ainda não o ter matriculado na escola. “Eu peço, só que ela ainda não quis me colocar”, conta. Assim, alguns outros amigos que vão à praça brincar com eles acabam sendo substitutos da família, quase sempre ausente. Usuário de crack, droga de alto teor destrutivo derivada da cocaína

FAMÍLIA DE VERDADE Maurício e Anderson têm onde morar – o que não acontece com todas as crianças e adolescentes em situação de rua. Muitos se abrigam e moram debaixo de viadutos e pontes. Vivem unidos nesses locais como uma grande família, acompanhados dos membros mais velhos, que quase sempre lideram o grupo. “As pessoas em situação de rua geralmente andam junto como uma necessidade de sobrevivência, para proteger uns aos outros”, explica Mônica Silva do Nascimento, psicóloga do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente “Mariano Cléber dos Santos” (Cedeca Sé). Ela confirma a constante presença de um líder com mais idade, servindo de referência para os pequenos: “A própria figura da família de rua é muito importante, pois é uma forma de sobrevivência e proteção”. “A nossa amizade é de irmão, mas ninguém é pai de ninguém”, diz Diogo um adolescente de 15 anos em situação de rua. Entre os meninos, a amizade mostra-se muito intensa, apesar de eles terem certa vergonha de admitir que, na rua, constroem um forte laço afetivo. Ao contrário do que acontece com muitas meninas – que contam com a “mãe de rua”, uma amiga mais velha que as ajuda no cotidiano –, a maioria dos garotos não tem um “pai de rua”. Eles mesmos se ajudam e se protegem, mas “quando o perigo aperta, é cada um por si”, alerta Diogo (leia quadro na página 15). “A figura do pai de rua está mais vinculada aos pequenos, que não têm como se proteger”, explica Mônica. “Com esses pais quase sempre há uma relação de exploração: em troca de proteção, os garotos roubam, arranjam drogas e prestam favores”, afirma. E por que a figura de mãe de rua está mais presente? Segundo o sociólogo Mário Mendes Raucci, autor da tese Meninos de rua em São Paulo: socialização e sobrevivência, as meninas são mais preparadas para ser mãe desde pequenas, pois nas brincadeiras cuidam das bonecas. “Elas sempre têm um certo poder e influência em relação às outras”, explica. Essas mesmas mães de rua são, por vezes, mal vistas pela ala masculina da turma. “Eu tava afim de uma mina lá, joguei idéia, mas a mãe de rua dela num deixou o negócio ir pra frente porque eu cheirava thinner”, conta Diogo. Como sintetiza Raucci, a relação afetiva entre essas pessoas é fundamental para sobreviverem nessas situações: “A pessoa faz um amigo com quem anda sempre junto e a quem é muito apegada. Eles se ajudam bastante e quando um é expulso do grupo, o outro acompanha”.

FAMÍLIA

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SE O CIRCO PEGA FOGO Além de carinho e conversa, também há muito desentendimento, como em qualquer família. A briga pode começar com um tapinha na cabeça do amigo ou se um quiser fumar, cheirar ou comer mais que os outros. “A gente briga quando um quer ser mais que o amigo”, descreve Sara, garota de 15 anos que vive debaixo do viaduto no final da Avenida Paulista, tradicional centro empresarial da América Latina. “Amigo de rua dá abraço, mas também dá esfregão”, explica Raucci. “Essas crianças vivem sob um código de ética muito rígido: ninguém pode negar comida, ou será muito mal visto pelo grupo”. Mas dinheiro, cada um tem o seu e não é obrigado a repartir com os outros – o que também acaba causando muita encrenca. Porém, brigas entre amigos resolvem-se rapidamente. Mais sérios são os desentendimentos com os

adultos e com policiais, que na maioria das vezes terminam em pancadaria. Nessa questão, os meninos são radicalmente diferentes das meninas. Para eles, não há amizade que justifique uma surra. “Se vier algum ‘polícia’ bater em ‘nóis’, a gente sai correndo. Aí quem fica por último é que apanha”, conta Diogo. Ajudar os companheiros está quase sempre fora de cogitação. “Eu, ein! Apanhar pra quê?!”, brinca o garoto. As meninas parecem não suportar ver a companheira apanhando sozinha e – dizem – sempre se metem no meio da confusão para ajudar. “Mesmo se tiver que apanhar, eu entro”, garante Sara. “Se o ‘polícia’ quiser bater em uma, bate em todas”.

“Amigo de rua dá abraço, mas também dá esfregão”

ALÉM DO XAVECO

A vida na rua não se restringe apenas à afetividade familiar e às brigas. Quem disse que não rola paquera? Diogo, por exemplo, nunca

FAÇO DE TUDO

E

la se penteia em frente ao espelho e canta bem baixinho. Leva no estojo rosa pertences de higiene pesso-

al como uma escova de dentes, batons, lápis de olho e creme para o cabelo. A conversa começa tímida, com respostas curtas e secas: ela claramente não se sente à vontade para falar da própria vida com estranhos. Aos poucos, porém, vai soltando o verbo e as histórias que narra são carregadas de rancor e raiva: “Na rua, cheiro cola, thinner, fumo maconha, pedra, faço de tudo”. Conta que resolveu sair de casa há pouco tempo. Não se entendia com o padrasto por um motivo que faz questão de não deixar claro; o suficiente, porém, para tornar insuportável o convívio familiar. “Minha mãe preferiu ele”, resmunga. “E pelo menos aqui na rua eu tenho o que comer”, diz a menina ao passar batom nos lábios. Ela dorme debaixo do viaduto no final da Avenida Paulista, coração financeiro do Brasil, com os amigos e sua família de rua. Visita a avó nos finais de semana, quando reencontra parte da família de sangue. Gasta o tempo nas ruas, normalmente, brincando com as amigas ou arranjando dinheiro para comer e comprar drogas. Quando termina de se maquiar, guarda seus pertences

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e fecha o estojo. Ela, Carla, de apenas 13 anos. Revista ViRAÇÃO · Ano 3 · nº 21


namorou, mas já engravidou uma garota, que perdeu o bebê. “Vacilei... era a nossa primeira vez e transamos sem camisinha”, admite o garoto. Diogo ainda reitera que não gosta de beijar ou fazer sexo com meninas em situação de rua porque, em sua opinião, “são muito oferecidas, interesseiras e porcas”. Porém, não hesita: “Na hora do aperto, eu vou com qualquer uma mesmo”. Sara trata o assunto com delicadeza feminina. “Não brigo por causa de homem, não”, confessa, sorridente. Apesar da pouca idade, Sara tem uma filha de um ano e meio – foi mãe aos 13. E ela continua namorando o pai da criança, mas sabe que não há muita fidelidade no relacionamento. “Se eu sei que ele vive beijando um monte de ‘mina’ por aí, por que eu não posso também?”, provoca. Para a psicóloga do Cedeca Sé, são comportamentos naturais. Os meninos têm um envolvimento mais físico, não querem se comprometer com relacionamento sério. Já as meninas são mais sensíveis e tendem a ser mais fiéis. De acordo com Mônica, essa característica feminina pode prejudicá-las, pois muitas vezes elas acabam se tornando propriedades dos garotos.

NÃO GOSTAVA DE ESTUDAR

D

iogo tem a mesma idade do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): 15 anos. É um garoto

falante, simpático e educado. Abre um belo sorriso quando faz as próprias piadas e olha fixamente nos olhos da pessoa com quem dialoga. Entusiasmado, revela o grande sonho de sua vida: tornar-se jogador de futebol. Já treinou em algumas categorias de base e hoje ainda procura um time que

“Eles buscam uma companhia, uma pessoa para dar e receber carinho, trocar confidências e segredos.”

Ela explica que a vida sexual desses jovens é precoce por vários motivos: “Eles muitas vezes já chegam na rua com um histórico de violência sexual de dentro de casa”. Outros fatores são os rituais de iniciação sexual, quando são recepcionados em novas famílias de rua, ou a carência afetiva que sentem longe das famílias de sangue, segundo a psicóloga do Cedeca Sé. Entretanto, engana-se quem acredita que é o desejo sexual que leva os jovens a namorar. “Eles buscam uma companhia, uma pessoa para dar e receber carinho, trocar confidências e segredos”, afirma Raucci. “Já vi um casal de lésbicas em que uma traiu a outra e a traída tentou se suicidar botando fogo no quarto pois havia perdido sua companheira, que era tudo o que tinha na vida”, lembra o sociólogo. OUTROS RUMOS

o aceite definitivamente. “Lateral-direita, volante, zagueiro... não importa a posição!”, exclama. Seus pais morreram há cerca de dois anos e hoje ele vive na tutela da irmã mais velha. “Eu não gostava muito de estudar”, conta. Por isso, resolveu interromper os estudos no 1o ano do Ensino Médio. Durante o dia, vaga pelas pracinhas perto da sua casa, em Itaquera. “À noite, o que eu gosto mesmo é de ficar jogando fliperama”, confessa. E leva muita bronca da irmã, que não gosta que volte de madrugada – ou, muitas vezes, nem volte para casa. Desde que largou os estudos, começou a se envolver com as drogas. Diogo é o retrato do abandono de políticas públicas de apoio ao adolescente e da falta de aplicação do ECA.

Alternando dias de amizade, brigas, beijos, correria, carinhos e “barato”, os jovens encontram na rua uma esperança de liberdade, de uma vida diferente e de um ideal positivo com perspectiva de melhora. Longe dos traumas domésticos, da violência sexual ou de desastres familiares que afetam a vida dessas pessoas. Vivem, antes de tudo, à espera da aplicação de seus direitos garantidos pela Constituição Federal, mais exatamente no 227o Artigo, que coloca como dever da família, da sociedade e do Estado “assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Enquanto isso, se viram como podem, como conta Sara: “A gente conversa bastante e se ajuda nos momentos de aperto. Quando faz frio, por exemplo, é gostoso dormir juntinho pra se esquentar”.

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Consórcio Social da Juventude oferece capacitação profissional e para a cidadania a 2 mil jovens de Embu das Artes, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra, Juquitiba, São Lourenço da Serra e Taboão da Serra

CAROLINA COIMBRA

N

o mercado de trabalho tão competitivo experiência é tudo. Tudo o que muitos jovens andam querendo, mas não conseguem por simples falta de currículo e oportunidade. Na opinião de Douglas Carlos de Oliveira, 17 anos, morador de Embu das Artes, também “faltam cursos profissionalizantes, mais áreas de trabalho, mais opções de escolha”. Para auxiliar Douglas e outros milhares de jovens na conquista de um lugar ao sol, o Ministério do Trabalho e Emprego criou o Consórcio Social da Juventude. Na região sudoeste da Grande São Paulo, o Consórcio Social da Juventude adotou o nome fantasia de Geração Cidadã e oferece diversas opções de cursos para 2 mil jovens dos municípios de Embu das Artes, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra, Juquitiba, São Lourenço da Serra e Taboão da Serra. Para Nilton Bispo, coordenador geral do Geração Cidadã, “mesmo que o consórcio não consiga atingir a meta de inserção (cerca de 600 jovens empregados), a capacitação deles já é uma grande oportunidade”. Na sua avaliação, o consórcio tem um grande diferencial em relação a outros programas voltados para o jovem: “Faz do jovem um sujeito de direitos, favorece o protagonismo juvenil”, diz Nilton, ex-assessor da Juventude da Prefeitura de Embú. Todo consórcio – são mais de 15 espalhados pelo Brasil – conta com uma organização responsável, a entidade-âncora. No Geração Cidadã é a Associação dos Moradores da Região do Jardim Independência (ASMOREJI). “Este tipo de projeto mostra como é importante a parceria entre sociedade civil e poder público, unindo forças em torno de um só objetivo”, acredita Tereza Ruas Amorim, presidente-fundadora da associação. No consórcio, além da ASMOREJI, são mais de 30 outras Organiza• Associação dos moradores ções Não-Governamentais envolvidas, as chamadas entidades execudo Jardim Independência toras. Elas vão ajudar na capacitação profissional dos jovens. www.asmoreji.org.br A escolha da entidade-âncora é realizada a partir da história Tel.: 11 4244-6079 / 4203-0521 e da importância que esta organização representa na região. A da ASMOREJI vem muito antes de sua criação jurídica. Em 1975, ela nascia pela mobilização de seus fundadores, quando começaram um movimento para regularizar o fornecimento de água tratada no bairro Jardim Independência. Hoje, a ASMOREJI realiza diversos projetos. Em 2004 atenderam mais de 400 famílias nos programas Creche, Movimento de Alfabetização de Adultos (MOVA), Projeto Periferia Cultural (Grafite, Futebol, Orientação Social), Capoeira e Banco de Alimentos.

tá na mão

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Maíra Soares / Geração Cidadã

Nilton, Adeguimar e Tereza, unindo forças em torno do Geração Cidadã


Onda jovem Estudo do Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA) revela pontos críticos vividos pelos jovens no Brasil FELIPE JORDANI

N

Divulgação

unca houve tantos jovens no Brasil como atualmente. É o que diz o relatório Brasil: o estado de uma nação, recém-lançado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). O capítulo dedicado à juventude mostra que, em 2003, o país tinha 33,85 milhões de jovens entre 15 a 24 anos, o que representava 19,5% da população. Caso as taxas de crescimento e morte da população continuem as mesmas, essa será a maior onda populacional do país. Os números levantam uma questão básica: será que temos escolas e emprego para todos? O estudo do IPEA tenta responder essa pergunta e até aponta de que forma é preciso mudar estratégias para que as respostas não continuem sendo negativas. Também faz denúncias das desigualdades sociais existentes no país, ao apresentar as famílias mais privilegiadas financeiramente, tendo como determinantes para isso os anos de estudo dos pais, a região onde moram e até suas descendências. Enquanto os jovens brasileiros têm, em média, quase oito anos de estudo, os jovens negros da região Nordeste, por exemplo, têm cerca de 50% a menos. Diferente dos países europeus, o Brasil ainda se encontra em processo de construção, o que será um grande desafio para os jovens. “Por isso é preciso capacitá-los para realizar as mudanças possíveis

Jovens brasileiros tem, em média, 8 anos de estudo

Relatório Brasil, faz denúncias das desigualdades sociais existentes em todo país e diminuir o grande desnível social”, diz Paulo Taffner, um dos responsáveis pelo relatório. Outro dado que chamou a atenção foi o de que, apesar do aumento nas taxas de crescimento do nível de escolaridade, o país ainda levará, em média, 15 anos para alcançar números educacionais parecidos, por exemplo, com os do Chile (país com índices sociais muito à frente do Brasil). Ainda pelo estudo, cerca de 11,7 milhões dos jovens encontram-se abaixo da linha de pobreza. A partir dessa premissa, já podemos ter certeza de que não há emprego para todos. Quanto menor o índice de escolaridade dos pais, mais cedo o jovem entra no mercado de trabalho e menos tempo tem para se dedicar à própria formação. Apesar de trabalhar mais, ele acaba tendo uma projeção salarial menor durante a vida, pois não houve investimentos em sua base. Segundo o IPEA, os jovens geralmente ganham a metade do salário dos adultos e com freqüência executam trabalhos informais, ou seja, não são registrados.

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tá na mão • Conheça mais a fundo o relatório Brasil: o estado de uma nação na página na internet do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA): http://en.ipea.gov.br/index.php

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O Saci assobia

e pede passagem Esse personagem de tirar qualquer um do sério agora é também símbolo da cidade paulista de Monteiro Lobato. Dia 31 de outubro é só festa em todo o País

o ruz Ca

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texto SACIÓLOGOS ilustras ANGELI, CARTUM, EDER, JAL, LUÍS MAGNANI, PAULO CARUSO, OHI e ZIRALDO

Ohi

Orlando

M

onteiro Lobato, no Estado de São Paulo, tornou-se no dia 20 de agosto a primeira cidade do país a eleger o Saci Perêrê como seu símbolo. Mesmo com uma perna só, o Saci derrotou seus quatro oponentes, conquistando dois terços dos votos da população. Algumas semanas antes da votação, um grupo de ilustres representantes da cidade procurou a prefeitura, com a proposta de criar um símbolo que atraísse turistas, uma maneira de impulsionar a economia local. O símbolo escolhido foi o pica-pau amarelo. A decisão surpreendeu: “Mas quem escolheu?”, perguntou um incauto. Os eméritos cidadãos não vacilaram: “É o símbolo que o povo quer, sabemos disso”. A prefeitura propôs então que fosse feita uma consulta ao povo. E assim foi feito. Do resultado dessa consulta surgiram cinco símbolos a serem escolhidos: o pica-pau amarelo, o livro, o sabiá-laranjeira, a sibipiruna (árvore que predomina na cidade) e ele, o Saci Perêrê, com apoio da Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci), que nomeou um sació-logo, o Mirra, para acompanhar o pleito. A eleição foi marcada para os dias

Dia do Saci e seus amigos A

Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci) está

organizando em escolas de São Paulo e também de

outras cidades mostras sobre o Saci, com ilustrações de cartunistas de primeira linha como os que ilustram essas páginas da Vira. A organização também está promovendo um abaixo-assinado virtual em que pede ao ministro da Cultura, Gilberto Gil, que abrace esta causa de valorização da cultura popular brasileira, instituindo o 31 de outubro como “Dia do Saci e seus amigos”.

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19 e 20 de agosto. Todos os cidadãos lobatenses com idade superior a 10 anos puderam votar. Ao final da tarde do dia 20, as urnas foram abertas: o Saci emplacou com 532 votos (66% do total), deixando o pica-pau bicando o vazio com apenas 174.

Pouco após a divulgação do resultado, o padre de Monteiro Lobato procurou a prefeitura para reclamar e tentar virar a mesa: a cidade não podia ter o Saci como símbolo; isso era coisa do Satanás. Foi lembrado ao sacerdote que a lei aprovada pela Assembléia Legislativa de São Paulo, incluindo no calendário turístico do Estado o Dia do Saci e Seus Amigos, festejado em São Luís do Paraitinga em 31 de outubro, fora de autoria de um colega seu, o deputado estadual do Partido Verde, Padre Afonso Lobato, muito longe de ser um coroinha de Lúcifer (o anjo mau). Alguns integrantes da Sosaci manifestaram-se de forma otimista. “É, agora que o Saci ganha maior visibilidade, pois torna-se o símbolo oficial de uma cidade”, comentou um deles. “Desde já, vamos tomar algumas iniciativas para arrecadar fundos para o Dia do Saci e Seus Amigos”, disse outro. “Foi mais que um pulo; foi um verdadeiro redemoinho!”, garante outro dos anciãos. Há, portanto, um clima de otimismo, contrastando com a idéia de que a festa deste ano poderia não ser realizada, uma vez que não havia sequer fundos para bancar o custo das atividades previstas... O Saci assobia e pede passagem!

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tá na mão • A página na internet da Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci) é: www.sosaci.org

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Ziraldo

AMIGOS DO SACI


Do brinquedo à ação DANIELA LANDIN

Fundação Abrinq completa 15 anos de uma história bem-sucedida com trajetória de atuação social em prol das crianças e dos adolescentes

São Paulo. Ele se considera uma “prova viva” de que é possível alcançar objetivos. Orlando, que foi escolhido entre 160 jovens para ser o homenageado pelo até então projeto Biblioteca Viva em fevereiro de 2000, sente-se realizado. “Foi legal porque essas coisas que aconteceram são frutos de um trabalho”, diz.

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Jovem participa de oficina de artes oferecida pela Casa do Zezinho, organização apoiada pela Fundação Abrinq Pedro Rube ns

H

á 15 anos, o Brasil viveu um duplo marco histórico na proteção à criança e ao adolescente. Em 1990, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi criado, nasceu também a Fundação Abrinq, organização pioneira na defesa dos direitos que constituem o ECA. Esse fato não é coincidência. “É fruto da mobilização da sociedade”, diz Itamar Batista Gonçalves, 42 anos, gerente de mobilização e políticas públicas da entidade. De lá para cá, ainda há muita coisa a ser feita. Em 1989, o país envergonhava-se de uma situação dramática em que 350 mil crianças morriam por ano antes de completar cinco anos de idade. Diante dessa realidade, a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq) decidiu criar uma Diretoria de Defesa dos Direitos da Criança que, um ano depois, no dia 13 de fevereiro, seria a Fundação Abrinq. Segundo Itamar, entre os programas fundamentais para a estruturação da Fundação, estão o Nossas Crianças, que proporciona a adoção financeira de uma criança da região metropolitana de São Paulo, e o Empresa Amiga da Criança, que faz um pacto com as empresas que se comprometem a fiscalizar os locais onde ainda há trabalho infantil. Orlando Araújo Tonholi, 21 anos, conta que colhe os frutos, depois de sete anos envolvendose com a Fundação. O contato foi por meio da organização Centro Social Parelheiros, na zona sul da capital paulista, que fez a ponte entre ele e a Fundação pelo projeto Biblioteca Viva, hoje, Mudando a História, responsável por estimular uma maior atuação do jovem na comunidade. Outro projeto que participou foi o Virada do Futuro, que faz concessão de bolsas universitárias. “Pude escolher um curso que eu sempre quis fazer”, diz Orlando, que cursa Publicidade e Propaganda. “Nesses 15 anos, com esses programas, influenciamos, de fato, a política pública”, analisa Itamar. Segundo ele, sem os avanços conquistados pelo ECA e pela Fundação, o índice de mortalidade infantil seria maior e o abuso sexual, por exemplo, não teria uma legislação específica. “Sabemos que ainda há lacunas. Ainda não entramos para formatar um programa do sistema de justiça”, conta Itamar. Para Orlando, um ponto positivo da Fundação é a parceria com organizações sociais em toda a Grande

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Em evento promovido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em São Paulo, jovens e educadores discutem formas para acabar com a violência contra a criança e o adolescente

Maíra Soares

GALERA REPÓRTER

Retrato-falado da violência

O relator da Organização das Nações Unidas (ONU), Paulo Sérgio Pinheiro, prepara um relatório sobre a violência contra crianças e adolescentes no mundo Paulo com os virajovens durante a entrevista: “O Estado não tem competência para assegurar os direitos da criança e do adolescente e quer jogar na cadeia as suas responsabilidades.”

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ANDRÉIA ALMEIDA, 15 anos (Caarapó – MS); BEATRIZ DA SILVA, 19 anos (Curitiba – PR); BRUNO CELESTINO, 18 anos (Rio de Janeiro – RJ); CARLOS DA SILVA FILHO, 17 anos (Cabo de Santo Agostinho – PE); DIONIS PEREIRA, 16 anos (Itapecuru-Mirim – MA); GLEICIELLE HOLANDA, 17 anos (Palmeira dos Índios – AL); HALEILDE PEREIRA, 16 anos (Itapecuru-mirim – MA); JAIR PEREIRA, 16 anos (Teresina – PI); JOSÉ DA SILVA, 18 anos (Palmeira dos Índios – AL); KEISE DE JESUS, 14 anos (São Luís – MA); LUCAS SOARES, 17 anos (Salvador – BA); LUCAS BUENO, 14 anos (Curitiba – PR); MAGALY DE ANDRADE, 16 anos (Cabo de Santo Agostinho – PE); MÁRCIA DA COSTA, 15 anos (Marabá – PA); NAÉLIA DE MELO, 20 anos (Parauapebas – PA); SUZANA MARTINS, 15 anos (Anápolis – GO); TAISA DA SILVA, 17 anos (Salvador – BA); VANDINEI DE JESUS, 15 anos (Nova Fátima – BA); VINÍCIUS VIEIRA, 16 anos (Curitiba – PR), e quatro adolescentes do posto de liberdade assistida de Barueri (SP) do Projeto ComunicaBem, GABRIEL MITANI e SILVANA SALLES da Redação e fotos MAÍRA SOARES

“E

m alguns países da América Central, as gangues se identificam por meio de tatuagens. Os Estados criaram políticas de mão-dura para combater a violência, fazendo prisões maciças de todos os jovens tatuados. Será que essa é a melhor maneira de se combater a violência?”. Essa é apenas uma das indagações que Paulo Sérgio Pinheiro faz aos políticos do mundo inteiro. O carioca, de 61 anos, tem presenciado esse tipo de ações, pois coordena o primeiro relatório global sobre a violência contra a criança, a pedido do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan. Paulo é um advogado especialista em direitos humanos. Formado, ainda, em Sociologia e Ciências Políticas na França, criou o Núcleo de Estudos da Violência em 1987, na Universidade de São Paulo (USP). Nos últimos dez anos, tem dedicado seu trabalho à ONU, chegando a ser relator especial dos direitos humanos no Burundi e na Birmânia.


Em agosto, ele participou, em São Paulo, da Consulta Nacional sobre Violência contra a Criança e o Adolescente (um dos passos fundamentais para a realização do relatório global), promovido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Muitos dos adolescentes presentes no evento, representando diversos Estados, toparam entrevistar Paulo para o Galera Repórter desta edição sobre o seu trabalho pelo mundo afora. Para isso, contamos com a valiosa contribuição do Instituto Internacional para O Desenvolvimento da Cidadania (IIDAC) e do Unicef, parceiros da Vira. Como surgiu o relatório? – O meu envolvimento com os direitos humanos vem de longa data. Em São Paulo, juntamente com alguns amigos, criei o Núcleo de Estudos da Violência, onde trabalhava especialmente com assassinato de jovens. Publicamos a primeira pesquisa no Brasil sobre assassinatos de jovens pela polícia em 1987, quando relatamos que não há lugar no mundo onde se matam tantos jovens – principalmente afrodescendentes – como no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Recife. Já em 2002, a Assembléia-Geral da ONU chegou a uma resolução, propondo um estudo sobre a violência contra crianças e os adolescentes. Assim, o secretáriogeral Kofi Annan me nomeou para coordenar o trabalho. Qual a importância do relatório? – No mundo, não há um retrato fiel da situação da violência. O relatório é o primeiro retrato-falado da situação da violência. As consultas nacionais ajudam a dar fidelidade a esse retrato. Ele é, além de tudo, uma proposta de políticas aos governos. O relatório cobra promessas e compromissos dos governos. Não é uma varinha de condão: não

vai mudar nada sozinho. Só vai mudar se os governos se empenharem em cumprir as recomendações. Os parlamentares têm vida muito fácil aqui. O que eles estão fazendo em relação aos direitos das crianças e dos jovens? Recebem um dos maiores salários do mundo para os devidos cargos e não fazem nada. Só cobrando é que vamos conseguir mudanças. Sem mobiliza-

Os parlamentares têm vida muito fácil aqui. O que eles estão fazendo em relação aos direitos das crianças e dos jovens? ção não há mudanças. É preciso fazer alianças e ir à luta com as crianças e os adolescentes. Não é papel da sociedade civil baixar taxas de homicídios. O responsável por isso é o governo, o Estado. E qual é a contribuição do Brasil? – Há poucos brasileiros na ONU. No Alto Comissariado para os Direitos Humanos, temos 800 membros, dos quais apenas dois são brasileiros. Nós temos o complexo de que somos sempre os maiores e os melhores. Há pequenos países que têm um bom número de funcionários internacionais, diferentemente do Brasil. Eu vejo isso como uma timidez da política externa brasileira de ocupar espaços nas organizações internacionais. Depois, os nossos jovens são muito pouco informados. Desse jeito, como entrarão 4 em uma organização internacional? Além disso, há também o problema da língua. Nós somos muito “monoglotas”. O português

não é uma língua oficial na ONU. Se não se fala inglês, não há como trabalhar. Falar espanhol ou francês ajuda, mas não vai resolver. Há algo de especial sendo feito no nosso país para que se diminua o índice de violência? – O Brasil hoje tem a taxa de 27 homicídios por 100 mil pessoas. Se você comparar com o Japão, que tem 1 homicídio por 100 mil pessoas, esse índice é escandaloso. Se formos a um bairro de classe média alta de São Paulo, essa taxa é de 3 homicídios por 100 mil pessoas, mas se formos para São Miguel Paulista (periferia de São Paulo), a taxa sobe para cerca de 100 homicídios por 100 mil habitantes. O Estado brasileiro é incompetente no que diz respeito a homicídio de jovens. Desde o final da ditadura, o governo não consegue implantar uma política de segurança decente para protegê-los. Não temos que mudar a cultura, mas aplicar políticas corretas. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) é uma ótima iniciativa. No governo passado, conseguiu tirar um milhão de crianças do trabalho. Mas é preciso oferecer dinheiro e alternativas para as famílias e os jovens. É só investir no PETI que se tira milhões de jovens do trabalho imediatamente. Não dá para tolerar uma democracia com três milhões de crianças no trabalho forçado. Como você encara os problemas sociais do país? – Esse negócio de falar que o Brasil é um país pobre não existe. Há alguns anos, tínhamos a 8a economia industrial, hoje somos a 12a do mundo. O país não é pobre, mas injusto. As riquezas aqui estão concentradas nas mãos da elite branca. Portanto, o nosso problema não é a riqueza, mas a distribuição dela. Evidentemente, o Brasil

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tem uma situação ambígua: temos problemas dos países subdesenvolvidos com as virtualidades dos países desenvolvidos. Quando achamos que a América Latina é muito precária, temos que olhar para o resto do mundo também. No documento da ONU haverá espaço para falar do trabalho infantil? – Há um capítulo só sobre o trabalho infantil. A receita é fortalecer a aplicação das convenções. Na verdade, o orçamento federal precisa prever recursos para programas que atuem nesta área. O Brasil oferece dois bons programas nessa área: o PETI e o Núcleo Móvel para a Eliminação do Trabalho Forçado. Eu acho que o relatório vai contar a história do PETI, mostrando os caminhos para as soluções. Não é só tirar a criança do trabalho, mas dar sustento à família para que a criança não precise voltar para o trabalho. Nessa história, elas são vítimas, eu não atribuo responsabilidades aos jovens e aos adolescentes. Os verdadeiros responsáveis pela violência são o Estado e os parlamentares. Como lidar com os diversos aspectos culturais relacionados à violência? – Na África também há muitas especificidades culturais e isso se torna um problema. Uma prática muito comum é a mutilação da genitália feminina. Acontece que os países assinaram as convenções de direitos humanos e têm que descobrir maneiras de lidar com isso. No Senegal, por exemplo, há regiões onde as pessoas conseguiram, através do trabalho com

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a comunidade, que certas práticas tradicionais e culturais não continuassem a ser praticadas. Eu não vejo a cultura como obstáculo, ela pode até melhorar a aplicação dos direitos humanos. É claro que com culturas indígenas, como no Brasil, esse diálogo tem que ser feito de maneira apropriada. Mas várias culturas não têm dificuldade para a aplicação. O que você tem a dizer de políticos que falam que abuso sexual é um acidente? – Essas pessoas que falam uma estupidez desse teor são merecedoras de perder o mandato. Os parlamentares são muito pouco cobrados. Ainda que o voto seja obrigatório, a maioria dos eleitores não tem condição de fazer cobrança e, muitas vezes, não sabe que tem esse direito e dever. Assim, os picaretas continuam dizendo bobagens e não fazendo o que deveriam fazer. Há muitos interesses em jogo para que a situação não seja alterada. Mas eu acho que os parlamentares têm que ser educados. Os “300 picaretas”, como diria o nosso presidente, talvez não tenham a mínima idéia do que estamos discutindo agora e, portanto, não vão realizar as mudanças necessárias. Nesse sentido, o estudo tem sido útil junto à União Parlamentar Internacional – uma organização que agrega parlamentares de todo o mundo –, produzindo um manual de orientação para que os políticos saibam lidar com questões ligadas aos direitos da criança. Porém, ainda é preciso fazer uma tradução para o português e distribuir aos parlamentares daqui.

Qual a sua posição em relação ao debate sobre a diminuição da maioridade penal? – Sempre tive a mesma opinião: a maioridade penal não pode ser reduzida. E é importante que o presidente faça declarações para que todos ouçam que ele não vai alterar as leis nesse sentido. Não adianta em nada reduzir a maioridade. Isso é demagogia pura. O Estado não tem competência em assegurar os direitos da criança e do adolescente e quer jogar na cadeia as suas responsabilidades. Há uma “demonização” da criança e do adolescente: são sempre considerados candidatos ao crime. Mas os crimes mais violentos não são cometidos por crianças ou adolescentes, mas por jovens entre 19 e 25 anos, articulados por quadrilhas. E essa bandeira que levanto não pode ser abandonada nunca. Senão, para determinadas classes é preferível fazer o seguinte: as crianças saem do berçário direto para prisão, assim as classes média e alta saem privilegiadas. Não seria a hora de mudar a abordagem da escola, dando uma formação mais humanitária? – Eu não tenho grande entusiasmo por educação de cidadania na escola. Não acredito muito nisso. Acredito na participação efetiva dos adolescentes. As Filipinas, por exemplo, tem um parlamento infantil. Eu acredito mais em levar os jovens a sério. Não tratá-los como seres inferiores. Não que ética não tenha que ser ensinada na escola. Mas acho que um ensino totalmente voltado à cidadania não daria certo. Os direitos humanos devem estar presentes em todas as matérias.

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F a m í l i a

MARANA BORGES

Literatura Negra Pesquisa aponta rompimento do discurso da democracia racial no Brasil

U

m estudo aprofundado sobre a representação do negro na literatura infantil e juvenil indicou um universo ainda problemático das relações étnico-raciais. De um lado, os raros livros que trazem personagens negras ainda são escritos por brancos e repetem preconceitos. De outro, estudantes afirmam a existência do racismo no Brasil. “Este pode ser um indício de rompimento do discurso da democracia racial no país, dificilmente observável em outras décadas”, afirma a pesquisadora Andréia Lisboa. Em sua pesquisa de mestrado realizada na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Andréia lançou um olhar sobre um tema que ainda é tabu na escola. Por meio de leituras, desenhos, questionários e discussões, alunos de 5a a 8a séries de um colégio público na zona oeste de São Paulo indicaram um cenário contraditório. Apesar de a preferência por padrões estéticos brancos não ter impedido uma recepção favorável às obras que enfocam o negro, a consciência racial esteve presente apenas no discurso racional dos estudantes. “A mídia exerce grande influência sobre os adolescentes”, pontua Andréia, que atualmente é sub-coordenadora de políticas educacionais do Ministério da Educação. Quando questionados sobre quais eram seus artistas e heróis preferidos, a maioria dos alunos apontou ícones brancos. “É um problema de democracia. O mercado não investe nem publica autores negros que tratem da questão racial, como não há espaço para eles em cargos de alto escalão”, critica Andréia. Ela esmiuçou as características estéticas e temáticas de grande parte da produção editorial brasileira. Segundo a pesquisadora, os livros também não apresentam diversidade de traços nos personagens negros. “A Nauzinha é diferente da Cinderela, que é totalmente diferente de Alice no País das Maravilhas”, afirma Andréia. Em contrapartida, o negro é resumido com lenço no cabelo, enorme boca vermelha e nariz achatado. “Não queremos maquiar a realidade, mas deve-se garantir a diversidade”, defende Andréia. Para ela, os cenários em que está inserida a personagem sempre se relacionam à pobreza. Além do impacto sobre a auto-representação dos leitores, o problema de se formar uma única visão do negro-pobre se alia à constante luta contra o racismo, marca de tantas obras.

VOCÊ SABIA QUE... • A Lei 10.639 de 2003, promulgada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, institui o ensino de História da África, do negro no Brasil e da Cultura Afro-brasileira e Africana no Ensino Fundamental e Médio das escolas do país. • Com apenas três artigos, a Lei 10.639 determina que as escolas de Ensino Fundamental e Médio, das redes pública e particular de todo o país, incluam no currículo a temática da cultura e história afrobrasileiras; indica as principais disciplinas que sofrerão modificações (História, Língua Portuguesa e Educação Artística); e institui no calendário oficial das escolas como Dia Nacional da Consciência Negra, o dia 20 de novembro.

Estes livros abordam a cultura afro-brasileira a partir dos negros • A história dos livros que abordam a temática negra revela o racismo no país. Até os anos 80, a personagem era associada à imagem de escravo, babá ou doméstica. Como alternativa da resistência diante do preconceito no mercado editorial, a partir da década de 90 alguns autores publicaram obras de forma independente. Com pequena tiragem e abrangência local, esses livros contribuem para a representação positiva dos negros.

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Marana Borges é repórter da Agência USP (Universidade de São Paulo) e colaboradora da Vira

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Evento sobre educomunicação discute projeto da Vira em congresso nacional de comunicação; Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (NCE-ECA-USP) leva prêmio DA REDAÇÃO

P

VIROU

A ACADEMIA

esquisadores do Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (NCE-ECA-USP) escolheram o projetoda Revista Viração como um dos temas de trabalhos para apresentar no 28o Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom 2005), realizado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) de 5 a 9 de setembro. Cerca de 80 pessoas (universitários, professores e pesquisadores) acompanharam a mesa temática que discutiu sobre educomunicação. Além do trabalho que analisou o protagonismo juvenil defendido pela Vira, assinado pela jornalista Izabel Leão, outros membros do NCE partilharam suas produções: as pesquisadoras Patrícia Horta e Eliany Salvatierra falaram sobre o papel do núcleo em projetos de intervenção social como o Educom.rádio e o Educom Centro-oeste, enquanto a professora Cláudia Lago apresentou a experiência de gestão educomunicativa na área da saúde (trabalho assinado também por Richard Romancini Divulgação e Denise Condeixa). Completando a série de exposições, foi apresentado o trabalho do professor Claudemir Viana, que traçou um paralelo entre o lúdico e a aprendizagem na cibercultura através dos jogos digitais. A mesa acompanhou com interesse a experiência da Associação Reciclázaro (www.reciclazaro.org.br), que leva a comunicação para a reinclusão social de populações em situação de risco (moradores de rua, dependentes químicos, mulheres vítimas de violência). O jornalista José Manoel Rodrigues apresentou o trabalho que documenta o emprego da educomunicação nos processos de retomada da expressão, através da produção cultural em oficinas de jornal-mural e de rádio.

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Professor Ismar de Oliveira (ao centro) comemora com a equipe o Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação

NCE GANHA O PRÊMIO LUIZ BELTRÃO

N

26

úcleo de Comunicação e Educação da Escola de

dêmico e político. “O corporativo porque foi dada pela

Comunicações e Artes da Universidade de São

maior associação de pesquisadores da comunicação

Paulo (NCE-ECA-USP) recebeu o Prêmio Luiz Beltrão

da América Latina, a Intercom; por sua vez, a

de Ciências da Comunicação, como grupo inovador,

legitimação acadêmica se vê na criação da linha de

durante o 28º Congresso da Intercom, no Rio de Ja-

pesquisa sobre educomunicação pelo Programa de

neiro. O prêmio reconhece a qualidade do trabalho

Pós-Graduação da Escola de Comunicações e Artes da

acadêmico realizado nas universidades.

USP; e o político é representado pela criação da lei

Para o professor Ismar de Oliveira Soares, coordena-

Educom no município de São Paulo, sancionada por

dor geral do NCE, o prêmio significou a legitimação Revista Ano 3três · nº 21 do ViRAÇÃO núcleo, · sob pontos de vista: corporativo, aca-

Marta Suplicy e regulamentada por José Serra, dia 15 de agosto de 2005”.


QUE FIGURA

...

PAULO PEREIRA LIMA

Padre Ezequiel missionário destemido O

utubro não é marcado apenas por datas comemo rativas como o Dia das Crianças, ou cívicas, como o Dia do Professor. Para os católicos, por exemplo, celebra-se o Mês Missionário. Tempo forte de celebrações para divulgar a mensagem cristã e lembrar quem doou sua vida por causas nobres, como a defesa da paz, a luta pela terra e os direitos humanos. É o caso do padre Ezequiel Ramin, que tinha 32 anos quando foi assassinado por um grupo de pistoleiros, em Cacoal, interior de Rondônia. Seu corpo foi crivado por mais de 50 tiros, um preço alto, muito alto, que esse jovem sacerdote missionário italiano pagou por ter se colocado do lado dos sem-terra e dos povos indígenas da região. Lele, como era chamado e hoje lembrado pelos amigos, pertencia ao grupo dos Missionários Combonianos, seguidores de um santo que não mediu esforços para lutar junto com o povo africano no século 19, São Daniel Comboni. O martírio de Lele completa vinte anos. Ele foi morto em 24 de julho de 1985, quando a mão dura dos militares ainda ditava as leis no Brasil. Junto a adolescentes, na cidade natal de Pádua, ele se engajou em movimentos que defendiam a igualdade entre países ricos e pobres. Participou da organização Mãos Estendidas e atuou contra as máfias italianas. Antes mesmo de vir ao Brasil, divulgou livros e mais livros de personagens que marcaram a sua trajetória: os bispos Hélder Câmara e Pedro Casaldáliga e o educador Paulo Freire. Lele tinha cinco anos de sacerdócio; um entre a sua gente de Cacoal. Pouco? Não parece, quando o tempo é vivido com a intensidade com a qual ele abraçou a causa grande da solidariedade. Já nas suas primeiras homilias aos fiéis, ele explicitou aquela que era a sua escolha desde o momento em que soube que seria enviado ao Brasil: os pobres, os povos indígenas, os irmãos mais explorados da terra. “Quero caminhar e lutar com vocês mesmo sabendo que esta op-

ção possa me levar à prisão, à tortura e até mesmo ao derramamento de sangue”, disse. O que chamou muito a atenção de quem trabalhou com Lele foi a sua determinação. “Ele era um jovem muito entusiasta, tremendamente crítico e coerente até o fim”, testemunha Antonio Possamai, bispo da diocese de JiParaná, em Rondônia. O martírio de padre Ezequiel não marcou apenas a história de Cacoal. Tornou-se um símbolo para a Igreja que procura caminhar com os mais pobres e também para as lutas sociais. É comum encontrar seu nome em ruas e praças, escolas e centros comunitários para jovens e acampamentos dos trabalhadores rurais sem-terra. A lista é longa. Os lugares são muitos: no Brasil, no Peru, no México, na Itália e nos Estados Unidos.

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NO ESCURINHO

...

SÉRGIO RIZZO – CRÍTICO DE CINEMA

Fotos: Divulgação

Maria Cheia de Graça N

ada pior, para um jovem, do que uma sociedade que não lhe oferece perspectiva de futuro. Sem ela, o presente é um espaço nebuloso, em parte desprovido de sentido. Assim, torna-se natural que o vazio conduza muita gente a correr riscos – o princípio é o do “tanto faz, tanto fez”. Acrescente-se ao quadro a dura batalha pela sobrevivência, a necessidade de contribuir para o sustento da família e dos próprios desejos, e entendese com facilidade por que tantos jovens em países do Terceiro Mundo estabelecem ligações perigosas com o submundo do crime. Esse é o pano-de-fundo de Maria Cheia de Graça, que valeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz para a colombiana Catalina Sandino Moreno. Ela interpreta Maria, 17 anos, que vive em uma pequena cidade no interior da Colômbia. Tudo na sua vida é um pouco besta: o namorado imaturo, que só parece interessado em transar; a família nada saudável emocionalmente, que joga responsabilidades exageradas sobre os seus ombros; e o emprego mecânico em uma plantação de rosas, a principal empregadora do lugar. Não parece existir razão nenhuma para ficar ali. Então, Maria parte. Para os Estados Unidos. Como “mula” de traficantes. A angústia que a jornada de Maria desperta é realçada pelo tom documental, bem realista, empregado pelo diretor estadunidense Joshua Marston. Acompanhamos, em sombrios detalhes, as aventuras da jovem. Vislumbramos a todo momento o que pode lhe ocorrer, e nunca é pouco, tanto sob o ponto de vista legal quanto sob o psicológico. Sofremos com ela e, na medida em que vivências individuais iluminam experiências coletivas, sentimos um pouco do que passam os jovens que abandonam tudo pelo sonho de pôr alguns dólares na carteira. Sonho que se desmancha, claro, diante da evidência de que, nessa linha de fuga, não se costuma viver para contar a história.

MARIA CHEIA DE

GRAÇA

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Cenas de Maria Cheia de Graça: tom realista para falar de jovens que buscam ganhar a vida nos Estados Unidos

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RIC MARINETTI

TERRITÓRIO INDEPENDENTE

U

m bom lugar para garimpar trabalhos de artistas inde-

pendentes é o portal TramaVirtual (www.tramavirtual.com.br). Criado pela gravadora Trama, ele oferece hospedagem grátis de páginas eletrônicas e MP3 grátis. O usuário comum pode navegar por todo o portal, ler notícias, buscar artistas pelas listas das mais tocadas ou pelo buscador e consultar a agenda de eventos. Ainda é possível escrever resenhas nas páginas de artistas, postar opiniões no fórum e utilizar o serviço de classificados. O site tem aberto cada vez mais espaço também para a divulgação de e-zines. Se você tem um e quer ver suas matérias linkadas no TramaVirtual, pode entrar em contato com a equipe do portal através do email tramavirtual@trama.com.br.

tá na mão

S

abe quando as coisas começam a ficar meio chatas e, de repente, aparece alguém para dar uma animada na situação? Pois é isso que acontece com a banda paulista de hard rock Exxótica, que foge ao padrão dos grupos de rock. Num momento em que o rock nacional começa a se tornar repetitivo, aparecem estes quatro mascarados fazendo um rock cheio de guitarras distorcidas e visual inspirado em Kiss e Alice Cooper, dois monstros do rock teatral. Ao contrário de muitos grupos de rock pesado, não adotaram o inglês para cantar, preferindo fazê-lo na nossa língua natal. Com conteúdo. Porcos no quintal, por exemplo, é dedicada àquele público mal-(in)formado e acomodado, que tem preguiça de procurar opções culturais melhores. Tudo isso embalado por um rock poderoso e dançante, repleto de solos virtuosos, que ficam a cargo de Daniel Iasbeck, um dos melhores guitarristas de São Paulo. Além de Daniel na guitarra e vocal, completam a banda o baixista e vocalista Marcelo Rossi, o guitarrista Bóris, o Louco, e o baterista Espectro, uma esdrúxula caveira que espanca sem dó seus tambores. Uma formação tão bizarra só poderia resultar em shows altamente animados e divertidos, que atraem pencas de adolescentes pelo Brasil afora. Formado em 2000, o Exxótica já tem dois CDs (Estranhos no Ninho e Capítulo Dois) e acaba de lançar um DVD duplo com shows, videoclipes e muito besteirol. A banda tem também um gibi que conta sua “origem secreta” e foi responsável pela trilha sonora do game Roko-Loko no castelo do Ratozinger, de autoria de Marcio Baraldi, cartunista da Vira. Enfim, quem acha que o rock nacional anda chato é porque ainda não descobriu o Exxótica!

TODOS OS SONS

Rock pra chutar o balde

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• Visite o site do Exxótica: www.exxotica.com.br

Pode não parecer, mas a galera do Exxótica defende radicalmente o português em suas composições

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REVELE-SE

O remédio Natural esse medo de mudar... O que eu não agüento mais é chorar Há alguns anos que a tristeza passou a fazer parte da minha vida E eu fazia de conta que ela não estava aqui Sofrer sozinha Sofri sozinha Afinal, quem pode amar uma sofredora? E o caminho para livrar-me do sofrimento Foi vão Foi tolo Foi desesperador Mas foi o caminho da dor Que enfim Só trouxe Mais Mais Mais e mais dor Perdoar-me Amar-me Dedicar-me Sorrir Não mentir São alguns dos remédios Que busco Onde estão? Aqui Dentro de mim Onde mora Você

! A Rede Jovem de Cidadania de Belo Horizonte é um projeto da Associação Imagem Comunitária, com o patrocinio da Petrobras, envolve centenas de jovens e adolescentes e mobiliza mais de 250 entidades e grupos ligados à juventude na capital mineira. Conheça o projeto:www.aic.org.br/rede

Música

Juliana Lanzarini Rio de Janeiro (RJ)

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São sentimentos que se tornam notas Que evoluem e viram acordes Palavras que transpõem pensamentos Que evoluem e viram sonhos Dedos se mexem rolando o som Que evoluem e passam positiva vibração Que percorrem ouvidos e se transformam em emoção Que envolvem e produzem dança Que retornam e interpretam o som Que se expandem e provocam atitudes

Revista ViRAÇÃO · Ano 3 · nº 21

Arte produzida e publicada pela galera do TÁ NA REDE, jornal da Rede Jovem

Com sentimentos bons Que relembram os sons Que dominam os sonhos Que desfazem a raiva e surge um grito de guerra, de garra, de paz, de cultura, de amor de beleza, de um parto, de uma vida, de uma simples canção Que produziu todas essas reações João Carlos Lopes Ferreira - São Paulo (SP)


O

hip hop que agita BH

Q

Mudança, atitude e ousadia jovem

ue som é esse que acorda a periferia e invade os barracos como uma epidemia?

Que som é esse que se tornou a arma do gueto? Que som é esse que mostra a realidade de nossos morros? Que som é esse que trata de nossa política e de nossas desigualdades sociais e raciais? Que som é esse que busca fazer nossos jovens refletirem?

Esse é o som do rap!

Que som é esse que embala nossos sonhos?

Rap com rock, rap com pop, rap com reggae, rap com rap. Cheio de misturas, mas sem perder a ideologia e a identidade. Música inteligente e engajada. Música que pode ser criada mesmo por quem não tem acesso a guitarras eletrônicas e baterias. Basta microfone, papel e caneta para bombardear aqueles que fingem não ver o cotidiano de milhares de meninos e meninas e de suas famílias.

texto Laiara Borges ilustrações Warley Bombi Publicado pela galera que faz o TÁ NA REDE, jornal da Rede Jovem de Cidadania de Belo Horizonte

CUPOM DE ASSINATURA anual e renovação 10 edições É MUITO FÁCIL FAZER OU RENOVAR A ASSINATURA DA SUA REVISTA VIRAÇÃO Basta preencher e nos enviar o cupom que está no verso junto com o comprovante (ou cópia) do seu depósito. Para o pagamento, escolha uma das seguintes opções: 1. CHEQUE NOMINAL e cruzado em favor de PROJETO VIRAÇÃO. 2. DEPÓSITO INSTANTÂNEO numa das agências do seguinte banco, em qualquer parte do Brasil: • BRADESCO – Agência 126-0 Conta corrente 82330-9 em nome de PROJETO VIRAÇÃO OBS: O comprovante do depósito também pode ser enviado por fax. 3. VALE POSTAL em favor de PROJETO VIRAÇÃO, pagável na Agência Augusta – São Paulo (SP), código 72300078 4. BOLETO BANCÁRIO (R$2,95 de taxa bancária) nº 21 · Ano 3 · Revista ViRAÇÃO

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Revista ViRAÇÃO · Ano 3 · nº 21 Márcio Baraldi

NOME _________________________________________________________________________________ SEXO ______ EST. CIVIL _______

R$ 40,00 R$ 35,00 R$ 50,00 US$ 35,00

ENDEREÇO ____________________________________________________________________________ BAIRRO ______________________ CEP _________________________________________ FONE (RES.) ___________________ FONE (COM.) ___________________________ CIDADE ______________________________ ESTADO _________DATA DE NASC. __________ E-MAIL ____________________________

Assinatura nova Renovação De colaboração Exterior

PREÇO DA ASSINATURA

R. Fernando de Albuquerque, 93 Conj. 03 – Consolação 01309-030 – São Paulo (SP) Tel./Fax: (11) 3237-4091

Cheque nominal Depósito bancário no banco ___________________________________ em ____ / ____ / ____ Vale Postal Boleto Bancário

FORMA DE PAGAMENTO:

Revista Viração

Assinatura nova Renovação De colaboração Exterior

TIPO DE ASSINATURA:

Márcio Baraldi é cartunista, ilustrador e colaborador da Revista Viração www.marciobaraldi.com.br – mbaraldi@spbancarios.com.br


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Palavras Cruzadas Diretas

Divulgação

Pense e responda

DESAFIf

1) Dois pastores A e B, ambos com ovelhas, encontram-se. Diz o A: – Se me deres uma das tuas ovelhas fico com o dobro das tuas. Diz o B: – Se me deres uma das tuas ficamos com igual número de ovelhas. Quantas ovelhas tem cada pastor? 2) Dois homens queriam entrar numa casa, mas tinham perdido a chave; resolveram então descer pela chaminé. Quando conseguiram chegar dentro da casa, olharam-se. Um deles estava com a cara preta de fuligem, mas o outro estava com a cara limpa. Sem dizer uma palavra, o homem que estava com a cara limpa foi lavar o rosto, enquanto o homem com a cara suja nada fez. Como você explica isso? 3) Em meu rebanho, todos são camelos menos dois, todos são cabras menos dois e todos são cavalos menos dois. Quantos animais tenho em meu rebanho? 4) Se 3 gatos caçam 3 ratos em 3 minutos. Quanto tempo levarão 100 gatos para caçar 100 ratos ? 5) Somos dois números inversos, em que um é o quádruplo do outro. Quem somos? 1) O pastor A tem 7 ovelhas e o pastor B tem 5. Explicação: Se B der 1 ovelha a A este fica com 8 e B com 4, logo A tem o dobro das ovelhas de B. Ao invés, se A der 1 ovelha a A ficam ambos com 6 ovelhas. – 2) Dois homens queriam entrar numa casa, mas tinham perdido a chave; resolveram então descer pela chaminé. Quando conseguiram chegar dentro da casa, olharamse. Um deles estava coma cara preta de fuligem, mas o outro estava com a cara limpa. Sem dizer uma palavra, o homem que estava com a cara limpa foi lavar o rosto, enquanto o homem com a cara suja nada fez. – 3) O rebanho é composto por 3 animais. Sendo um cavalo, um camelo e uma cabra. – 4) 3 minutos. Cada gato caça 1 rato em 3 minutos. – 5) Somos os números 2 e 1/2

Envie suas sugestões e idéias para a seção DESAFIO através do nosso e-mail: redacao@revistaviracao.com.br

RESPOSTAS:

Colabore

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POR UMA COMUNICAÇÃO DEMOCRÁTICA

VIRAÇÃO SOCIAL R

N

o Brasil, nove famílias falam, 175 milhões de pessoas escutam. Nove famílias têm o controle dos meios de comunicação impressos, televisivos, radiofônicos e digitais, enquanto 175 milhões de pessoas apenas recebem essas informações e, na maioria das vezes, sem questioná-las. Muitas pessoas cansaram de só escutar, de não se verem representadas, de não verem seus direitos defendidos e atendidos, de serem uma grande massa manobrada. Muitos grupos cansaram de perder sua cultura, sua identidade, suas raízes e começaram a se movimentar, a se organizar, a lutar pelos seus direitos. Criaram formas de comunicação alternativas: rádios comunitárias, TVs comunitárias, blogs, sites, jornais e revistas com enfoques diferentes ao dado pela mídia grande. É claro que essa real democracia dos meios incomoda e incomodou. Nos últimos dois anos, mais de 7 mil rádios comunitárias foram fechadas e seus comunicadores presos. Mesmo assim, muita coisa vem sendo realizada e construída. De 17 a 22 de outubro, será realizada a 3ª Semana Nacional da Democratização da Comunicação. É um desafio. Desafio mostrar à população, em geral, que até hoje só se construiu um país, se não um mundo, por poucos pontos de vista, sem reflexões, sem diálogos democráticos. Desafio formar profissionais de comunicação que, ao invés de defender os direitos públicos, de questionar, de facilitar a democracia, o acesso, têm trabalhado para essas poucas famílias, para defender poucos interesses. Participe você também da 3a Semana Nacional da Democratização da Comunicação.

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tá na mão • www.intervozes.org.br O Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social é uma associação civil que atua para transformar a comunicação em um bem público e efetivá-la como um direito humano fundamental para a realização plena da cidadania e da democracia. • www.midiaindependente.org/ O Centro de Mídia Independente – Brasil é uma rede de produtores e produtoras independentes de mídia que busca oferecer ao público informação alternativa e crítica de qualidade que contribua para a construção de uma sociedade livre, igualitária e que respeite o meio ambiente.


Aquela travessura incontrolĂĄvel que escapa de dentro de vocĂŞ

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