quem faz a vira pelo brasil
Conheça os Virajovens em 20 Estados brasileiros e no Distrito Federal: Aracaju (SE) Belém (PA) Boa Vista (RR) Boituva (SP) Brasília (DF) Campo Grande (MS) Curitiba (PR) Fortaleza (CE) João Pessoa (PB) Lavras (MG) Lima Duarte (MG) Macapá (AP) Maceió (AL) Manaus (AM) Natal (RN) Picuí (PB) Pinheiros (ES) Porto Alegre (RS) Recife (PE) Rio Branco (AC) Rio de Janeiro (RJ) Salvador (BA) S. Gabriel da Cachoeira (AM) São Luís (MA) São Paulo (SP) Sud Mennucci (SP) Vitória (ES)
Auçuba Comunicação e Educomunicação – Recife (PE) • Avalanche Missões Urbanas Underground – Vitória (ES) • Buxé Fixe - Amadora (Portugal) • Casa Peque Davi – João Pessoa (PB) • Catavento Comunicação e Educação – Fortaleza (CE) • Cipó Comunicação Iterativa – Salvador (BA) • Ciranda – Central de Notícia dos Direitos da Infância e Adolescência – Curitiba (PR) • Coletivo Jovem – Movimento Nossa São Luís – São Luís (MA) • Gira Solidário – Campo Grande (MS) • Grupo Conectados de Comunicação Alternativa GCCA – Fortaleza (CE) • Grupo Makunaima Protagonismo Juvenil – Boa Vista (RR) • IACEP – Instituto Amazônico de Comunicação e Educação Popular – Belém (PA) • Instituto de Desenvolvimento, Educação e Cultura da Amazônia – Manaus (AM) • Instituto Universidade Popular – Belém (PA) • Mídia Periférica – Salvador (BA) • Instituto Candeia de Cidadania – Lima Duarte (MG) • Jornal O Cidadão – Rio de Janeiro (RJ) • Lunos – Boituva (SP) • Movimento de Intercâmbio de Adolescentes de Lavras – Lavras (MG) • Oi Kabum – Rio de Janeiro (RJ) • Parafuso Educomunicação – Curitiba (PR) • Projeto de Extensão Vir-a-Vila (UFRN) - Natal (RN) • Projeto Juventude, Educação e Comunicação Alternativa – Maceió (AL) • Rejupe • União da Juventude Socialista – Rio Branco (AC)
Copie sem moderação! Você pode: • Copiar e distribuir • Criar obras derivadas Basta dar o crédito para a Vira!
editorial
A mídia que a gente precisa
E
m maio de 2015, a Vira participou do Encontro de Midialivrismo e Juventude, promovido pela Secretaria de Cidadania e Diversidade, do Ministério da Cultura, em parceria com Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), no Rio de Janeiro. Participaram desse evento diversos jovens, pertencentes a coletivos e redes dedicadas a produção de narrativas, que destacam as questões de grupos sociais que não se vêem representados na mídia tradicional. E é por meio das novas mídias, sobretudo em blogs e redes sociais, que essa juventude denuncia, pauta e problematiza visões conservadores de mundo e violações de direitos humanos. Foi a partir de então que, mais incisivamente, percebemos um importante movimento de articulação de jovens que fazem da comunicação um recurso político para enfrentar discursos sectaristas, violências de toda ordem e, mais recentemente, tentativas de golpe à democracia brasileira. Esta edição da Revista Viração é uma contribuição para destacar esse movimento, imprescindível nos dias de hoje, em que o fascismo Viração é uma ameaça a tão recente conquista de direitos de mulheres, negros, organização não LGBTs, indígenas, adolescentes e jovens de periferias e governamental outros grupos historicamente marginalizados, na (ONG) de educomunicação, última década. Esta edição é sua! Aproveite e sem fins lucrativos, criada em engaje-se nesse movimento! março de 2003. Boa leitura! Recebe apoio institucional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), do Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo e da ANDI - Comunicação e Direitos. Além de produzir a revista, oferece cursos e oficinas em comunicação popular feita para jovens, por jovens e com jovens em escolas, grupos e comunidades em todo o Brasil. Para a produção da revista impressa e eletrônica, contamos com Apoio institucional a participação dos conselhos editoriais jovens de 20 Estados, que reúnem representantes de escolas públicas e particulares, projetos e movimentos sociais. Entre os prêmios conquistados nesses dez anos, estão Prêmio Don Mario Pasini Comunicatore, em Roma (Itália), o Prêmio Cidadania Mundial, concedido pela Comunidade Bahá’í. E mais: no ranking da ANDI, a Viração é a primeira entre as revistas voltadas para jovens. Participe você também desse projeto.
quem somos
A
Paulo Pereira Lima Diretor Executivo da Viração – MTB 27.300
Asso
ciazione Jangada
Representação nos grandes meios
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O que é Mídia Livre? Entenda o conceito de mídia livre, como ela começou no Brasil e seu papel na luta pela conquista de direitos humanos.
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Eles estão em alta A experiência da Mídia Ninja é referência na prática de mídia independente e inspira novas iniciativas entre jovens.
Conflito nas redes Discursos tradicionais e contra hegemônicos circulam a todo vapor na internet, o que acirra a polarização entre esquerda e direta.
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Democratização da Mídia Entenda o atual cenário de concentração da mídia no Brasil e suas consequências danosas à democracia do país.
sempre na vira:
Manda Vê Que Figura No Escurinho Como se Faz Rap Dez
RG da Vira: Revista Viração - ISSN 2236-6806 Conselho Editorial
06 15 24 34 35
Primeira-Secretária Áurea Lopes
Diretor Executivo Paulo Lima
Conselho Fiscal
Edição e Redação
Conselho Pedagógico
Coordenação Vania Correia e Adriano Oliveira Bruno Ferreira e Pedro Neves Fonseca
Equipe
Susana Piñol Sarmiento
Adriele Araújo, Bruno Ferreira, Cleide Agostinho, Daniel Fagundes, Daniele Rabelo, Douglas Ramos, Elisangela Nunes, Giovanni Nardin, Ingrid Cordeiro, Pedro Neves Fonseca e Welton Gabriel
Vice-Presidente
Mobilizadores da Vira
Alexsandro Santos, Aparecida Jurado, Isabel Santos, Leandro Nonato e Vera Lion
Presidenta
Rafael Alves da Silva
Acre (Leonardo Nora), Alagoas (Alan Fagner
Comunicação de jovem pra jovem As práticas de educomunicação podem ser entendidas como uma experiência de mídia livre e incidência política de adolescentes e jovens.
Querem calar a favela!
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Mídias comunitárias do Rio de Janeiro têm fortalecido comunidades, mas sofrem com a censura violenta da polícia.
Funk: um gênero político Conheça um projeto de SP em que o funk é um instrumento de sensibilização e formação política de adolescentes e jovens.
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Eugênio Bucci, Ismar de Oliveira, Izabel Leão, Immaculada Lopez, João Pedro Baresi, Mara Luquet e Valdênia Paulino Everaldo Oliveira, Renata Rosa e Rodrigo Bandeira
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A imprensa reforça a ideia de punição da juventude, estigmatizando-a e defendendo, nas entrelinhas, a redução da maioridade penal
Mulheres nas redes O enfrentamento ao machismo se intensifica nas redes sociais, com campanhas que discutem a violência contra a mulher.
Visibilidade indígena A internet e as redes sociais são espaços de resistência de uma rede de indígenas que publicam conteúdos sobre luta por terra.
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Produção livre Editoras independentes têm disseminado novos discursos e estéticas com seus livros, produzidos fora da lógica capitalista.
Ferreira), Amapá (Alessandro Brandão), Amazonas (Jhony Abreu, Claudia Maria Ferraz e Sebastian Roa), Bahia (Emilae Sena e Mariana Sebastião), Ceará (Alcindo Costa e Rones Maciel), Distrito Federal (Webert da Cruz), Espírito Santo (Jéssica Delcarro e Izabela Silva), Maranhão (Nikolas Martins e Maria do Socorro Costa), Mato Grosso do Sul (Fernanda Pereira), Minas Gerais (Emília Merlini, Reynaldo Gosmão e Silmara Aparecida dos Santos), Pará (Diego Souza Teofilo), Paraíba (José Carlos Santos e Manassés de Oliveira), Paraná (Juliana Cordeiro e Diego Henrique Silva), Pernambuco (Edneusa Lopes e Luiz Felipe Bessa), Rio de Janeiro (Gizele Martins), Rio Grande do Norte (Alessandro Muniz), Rio Grande do Sul (Evelin Haslinger e Joaquim Moura), Roraima (Graciele Oliveira
dos Santos), Sergipe (Elvacir Luiz) e São Paulo (Igor Bueno e Luciano Frontelle).
Colaboradores
Alex Hercog, João Lin, Márcio Baraldi, Novaes e Sérgio Rizzo
Arte
Manuela Ribeiro
Revisão
Izabel Leão
Jornalista Responsável
Paulo Pereira Lima – MTb 27.300
Divulgação
Equipe Viração
E-mail da Redação redacao@viracao.org
Doação
doacao@viracao.org
diga lá!
O que é Educomunicação?
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É comum, nas edições da Vira, encontrar a palavra “educomunicação” ou o termo “educomunicativo”. A educomunicação é um campo de intervenção que surge da interrelação comunicação/educação para a transformação social. Dizemos que um projeto ou prática é educomunicativa quando adota em seus processos, especialmente do jovem, o caráter comunicacional, como o diálogo, a horizontalidade de relações e o incentivo à participação, fazendo com que os sujeitos exerçam plenamente o direito humano à expressão e à comunicação, em diferentes âmbitos e contextos. A Viração promove ações educomunicativas por meio da produção midiática, incentivando que adolescentes e jovens produzam reportagens coletivas em diferentes linguagens.
Viração Educomunicação Banco do Brasil Agência: 6501-3 Conta Corrente: 200.023-7 CNPJ: 11.228.471/0001-78
Como virar um virajovem?
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Para garantir a igualdade entre os gêneros na linguagem da Vira, onde se lê “o jovem” ou “os jovens”, leia-se também “a jovem” ou “as jovens”, assim como outros substantivos com variação de masculino e feminino.
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Virajovens são os integrantes dos conselhos editoriais jovens da Viração, que produzem conteúdos em suas cidades. O conselho pode ser um coletivo autônomo de jovens ou um grupo ligado a uma entidade, organização, movimento social, escola pública ou privada, que dará apoio para que os virajovens produzam conteúdos. A parceria entre a Vira e entidade é oficializada com um termo de compromisso e com a publicação do logotipo da organização na revista Quer saber mais? Entre em contato com a gente: redacao@viracao.org.
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manda vê
Bruno Ferreira, da Redação; Caroline Musskopf, do Virajovem Porto Alegre (RS)
Os meios de comunicação de massa dominam o imaginário social e reforçam valores, alguns bastante preconceituosos, em seus discursos. Mas uma mídia que não ajuda a sociedade a refletir sobre seus hábitos e crenças, colaborando para sua revisão, ajuda a transformar um mundo num lugar melhor, mais pacífico, solidário e harmônico? Certamente você sabe essa resposta. Para contrapor as ideias difundidas pelos grandes veículos de comunicação há a mídia livre, cujas iniciativas têm crescido e envolvido jovens críticos e politizados em seus processos de produção.
Mas o que é mídia livre pra você? Sabrine Freitas 16 anos | São Paulo (SP) “Mídia livre para mim significa explorar o mundo com meus próprios olhos, e não se deparar mais com informações mastigadas cheias de opiniões dos outros, que influenciam a população de forma abusiva. É uma forma de escolher o que pensar, a partir do momento em que se tem uma informação verdadeira, e que não busca transformar grande parte da população em alienados.”
Priscila Vezzaro 18 anos | Canoas (RS) “Acho que no sentido mais amplo possível seria literalmente o que o nome diz, uma mídia independente, que poderia publicar o que quisesse, fazer as matérias que quisesse, independente de instituições, de outros grupos de comunicação, dos partidos políticos e todos os outros aspectos que poderiam influenciar.”
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Revista Viração • Ano 13 • Edição 110
João Pedro Valença Dezordi 18 anos | Canoas (RS) “É a comunicação isenta da influência de interesses, comprometida com a liberdade da informação. O jornalismo independente tem muito a explorar nas novas mídias digitais, como a Internet, que permitem um grande contato com o público até para aqueles que não possuem o mesmo calibre de um gigante da comunicação. Cada vez mais as pessoas compartilham informação via redes sociais.”
Daniel Barbieri
Adressa Miyasato
17 anos | São Paulo (SP):
27 anos | São Paulo (SP):
“É uma forma de comunicar diferente do que grande parte da população está acostumada a ver. Uma maneira de expor ideias e opiniões de forma limpa, ao contrário do que há dentro das grandes mídias, que manipulam as informações e entregam para o público aquilo que vai gerar resultados de mercado, independente do impacto que pode ser causado. A Mídia Livre procura seguir outros caminhos.”
“Eu entendo por mídia livre uma plataforma em que eu possa me expressar, divulgar, publicar, compartilhar informações, notícias, acontecimentos em geral de forma espontânea. Acho que o Facebook pode ser um exemplo de mídia livre, pois é uma plataforma em que circulam centenas de informações variadas por segundo e cada usuário descreve de forma livre e como bem entender.”
Laura Tonello
Ricardo Lombardo
16 anos | Canoas (RS)
16 anos | Canoas (RS):
“Para mim, é quando todos os meios de comunicação tem sua própria liberdade de falar, escrever e repassar para as pessoas tudo, sem ter nenhuma intervenção do governo ou de instituições. A internet é, por enquanto, o meio mais acessível para isso, porque nela você pode expor as coisas, além de ser um lugar mais difícil de sofrer censuras.”
“Mídia Livre é um tipo de meio de comunicação e produção cultural que pode se expressar da maneira que achar melhor, livremente. Mas, hoje em dia, muita gente não se interessa por esse tipo de coisa porque só querem ler pensamentos que sejam iguais aos seus próprios. Quando são assuntos mais críticos, as pessoas ficam incomodadas.”
FAZ PARTE Atualmente, há muitas formas de estimular a juventude a ser autora de narrativas sobre sua própria realidade de exclusão e violações de direitos. Iniciativas de educação e a comunicação populares, que discutem e dão visibilidade às questões sociais sob o ponto de vista dos direitos humanos e as práticas de educomunicação, que despertam em crianças, adolescentes e jovens o desejo pela expressão e pela produção de mídias, colaboram para a circulação de novos sentidos sociais. Você encontra mais sobre esses temas nas próximas páginas desta edição!
*Virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal
PARA LER NO BUSÃO Um panorama conceitual pode ser encontrado no livro Mídia Radical. Rebeldia nas comunicações e movimentos sociais, de John Downing (Editora Senac), que é referência para compreender o fenômeno da mídia livre e alternativa e sua importante contribuição para a democracia, uma vez que ela é de iniciativa popular e coloca em circulação novos sentidos e saberes que não são representados e valorizados pelos grandes meios de comunicação e pela cultura dominante. Conceitos de hegemonia, cultura popular, comunidade, democracia e sua relação com a mídia, além de uma abordagem sobre comunicação popular e iniciativas emblemáticas de mídia livre em alguns lugares do mundo podem ser encontrados nesse importante livro.
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Por uma mídia para chamar de nossa A Mídia livre no Brasil ainda precisa ser aprofundada em tema e práticas, porém se faz importante na história da luta por direitos
Webert da Cruz, do Virajovem Brasília (DF); Luiz Felipe Bessa e Sheyla Guthemberg, do Virajovem Recife (PE)*
“A
nimai-vos, povo baianense, que está para chegar o tempo feliz de nossa liberdade, o tempo em que todos serão iguais”, disse um boletim alternativo no Brasil em 1798. Essa mensagem burlou vigilâncias na Bahia às vésperas da Conjuração Baiana, movimento que lutou por mudanças como a liberdade de comércio e o fim da ordem escravista. Chegada antes mesmo da imprensa no país com o Correio Brasiliense e a Gazeta do Rio de Janeiro em 1808, a mídia livre se faz presente na história essencialmente durante reivindicações e luta por direitos no Brasil. Não se tem muitas informações desses boletins da Conjuração Baiana nem de outros informativos de movimentos antigos no país. Também não há consenso entre os pesquisadores sobre o que é mídia livre, alternativa e independente, bem como suas origens. Alguns autores consideram o surgimento da comunicação livre nos movimentos populares dos anos 1960 e 1970 no Brasil, anos da ditadura militar. Porém, esse boletim de 1798, além de um registro cronológico, reconhece o surgimento de mensagens contestadoras que já enfrentavam barreiras e censura do governo colonial e difundia os rumores de novas ideias espalhadas
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pela Revolução Francesa: igualdade, liberdade e fraternidade. A palavra já diz tudo. Hoje o que se entende por midialivrismo é que toda e qualquer pessoa pode comunicar de forma livre, utilizando a plataforma ou meio que preferir. O midialivrismo de massa reúne experiências de movimentos sociais organizados que produzem mídias comunitárias e populares, que experimentam novas linguagens e narrativas, de uma forma mais democrática, se afirmando como práticas da sociedade civil alternativa em relação ao modo de se fazer comunicação dos conglomerados empresariais transnacionais e nacionais de mídia. Apesar do termo mídia livre ser recente no Brasil, ele está intimamente ligado à mídia independente, alternativa, tática e a cultura digital. “Sou crítico deste uso que se hegemonizou do termo mídia livre pelo Fora do Eixo, que já vem sendo usado bem antes desse pessoal surgir, seja pelos ativistas e coletivos da mídia independente, seja pelos pesquisadores, educadores e experimentalistas ligados à cultura digital. Uma grande referência disto que estou falando são as rádios livres, que são distintas das rádios comunitárias.” afirma Diego Mendonça, do Centro de Mídia Independente - CMI.
Comunicação livre e de luta Segundo o professor de comunicação Muniz Sodré da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ), a comunicação alternativa representa uma contra-comunicação, ou outra comunicação. Ela é elaborada no âmbito dos movimentos populares e comunidades e exercita a liberdade de expressão, oferece conteúdos diferenciados, serve de instrumento de conscientização e, assim, é uma tentativa de democratizar a informação e o acesso da população aos meios de comunicação, de modo a contribuir para a transformação social. A mídia livre acontece em diferentes meios, como jornais, rádio, vídeo, televisão, alto-falante, internet, panfleto, faixa, cartaz, poesia de cordel, teatro popular, adequando-se ao contexto no qual é desenvolvida. No âmbito das novas formas de mídia, possibilitadas graças à internet, o midialivrismo ciberativista reúne experiências particulares que constroem tecnologias e processos compartilhados de comunicação, a partir de um processo de colaboração social em rede e de tecnologias informáticas. A principal expectativa é que haja a produção de um mundo sem intermediários, baseada na criação livre, sem quaisquer níveis de hierarquia que reproduza igualmente a dinâmica de comunicação a todos. Apesar de boas práticas e iniciativas de mídia livre, ampliando-se cada vez mais, há uma preocupação sobre a perspectiva pontual e espontaneísta praticada por alguns grupos que se identificam com as mídias livres. “Sempre acaba em oficinas pontuais, de maneira muito reativa e a reboque da realidade num sentido mais amplo. Acredito que falta um olhar mais estrutural, estratégico e com escala para o pensamento e propostas midialivristas”, critica Diego. Nesse sentido, observa-se a luta de movimentos sociais pela democratização da comunicação, que pautam a necessidade de políticas públicas efetivas, que sejam estruturais no fomento e incentivo contínuo a esses atores que, em suas comunidades e territórios, desempenham a função muitas vezes não preenchida pelos grandes veículos: a de prestadores de serviço social e cultural no nível comunitário e, em alguns casos, regional e nacional.
Além disso, há movimentos e grupos que se dedicam a tornar o âmbito digital mais democrático, com a utilização de softwares livres que façam frente ao monopólio e restrições impostas por grandes empresas. Para Diego Mendonça, o desenvolvimento colaborativo de softwares se tornam cada vez mais essenciais para o avanço não apenas das tecnologias, mas também da democracia e da segurança na internet. No entanto, ele acredita que é preciso haver mais fomento a esse tipo de experiência, pois “tudo nesse sentido é desenvolvido em micro-experiências por aqui, longe das propostas que podem alcançar processos de transformações mais amplas, aí acabamos sempre ridicularizados diante do avanço do mercado com Apple, Samsung e Google da vida”, afirma. No âmbito do movimento social da mídia livre hoje no Brasil, também existe uma necessidade de rearticulação de redes de midialivristas para fortalecer a luta pela democratização da comunicação. Tanto para as pessoas exercitarem mais e melhor o direito à comunicação, quanto para agregarmos mais nuances populares por uma comunicação mais descentralizada no país.
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Seja ninja! A mídia livre popularizou-se, nos últimos anos, a partir do Mídia Ninja,
Jornadas de Junho de 2013 são cobertas pelo Mídia Ninja em várias capitais brasileiras
uma rede de comunicadores ativistas Clara Wardi, Virajovem do Rio de Janeiro (RJ)* Fotos: Divulgação/Mídia Ninja
O
Fora do Eixo, um dos maiores fomentadores do midialivrismo no país, inspirado em uma filosofia coletivista e independente, mostra caminhos mais orgânicos para tornar possível o direito humano à comunicação. O grupo é criador do Mídia Ninja, veículo de comunicação articulado em rede que burla a lógica corporativista da informação, disseminando conteúdos relacionados aos direitos humanos, modos alternativos de vida e manifestações políticas de esquerda, numa tentativa de também ser contraponto ao que veiculam os meios de comunicação de massa. “Nós descobrimos a tecnologia e jogamos na roda”, diz Ney Hugo, de 30 anos, integrante do Fora do Eixo de Brasília, que ilustra bem o que é a filosofia e a contribuição dessa rede de comunicação e cultura que fomenta o midialivrismo no Brasil. Desde a época em que se organizaram para criar um cenário musical brasileiro sustentável, em 2005, ao surgimento do Mídia Ninja, em 2012, que se popularizou nas manifestações de junho de 2013 – o Fora do Eixo tem ganhado evidência e promovido o exercício de direitos civis por meio da comunicação livre e em rede.
Tudo começou com a música
Segundo Ney Hugo, o modelo de midialivrismodo Fora do Eixo já vinha sendo fomentado desde suas origens. Em Cuiabá, o grupo começou a criar um cenário musical alternativo para viabilizar shows de artistas que ficavam excluídos do mercado, muito centralizado no eixo Rio-São Paulo. A partir de então, surgiu o festival integrado Grito Rock que proporcionava uma estrutura de produção de conteúdo e circulação das bandas a
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Ney Hugo, integrante do Coletivo Fora do Eixo, em visita ao Senado, em Brasília (DF)
partir de um trabalho coletivo e orgânico dos próprios integrantes. Apesar da dificuldade de comunicação dos anos de 2005, em comparação aos dias de hoje, (naquela época sequer existia o Youtube), e pela insatisfação com o sistema cultural vigente, o grupo começou a investir em uma maneira particular de realização do evento. Criou-se, então, uma moeda própria, uma Universidade, um banco próprio e casas coletivas com caixas – também coletivas - para guardar dinheiro que fazem parte da logística de funcionamento do Fora do Eixo até hoje. Com toda essa organização, tornou-se possível colocar o Festival Calango – um dos eventos precursores da rede - “pau-a-pau”com os grandes festivais, como afirma Ney Hugo. A partir da conquista desses espaços, os jovens se viram capazes de colocarem em prática seus projetos, vendo que era possível seguirem caminhos mais orgânicos para realizarem os seus sonhos.
Arte que leva à política A reflexão política que deu origem ao Fora do Eixo no contexto da música, dando visibilidade a inúmeros artistas, aproxima o grupo dos movimentos sociais. Surge então o Mídia Ninja (Narrativas Independentes Jornalismo e Ação) como segundo momento do recorte da difusão do midialivrismo do grupo. “Apesar de ter ganhado popularidade na cobertura das manifestações de 2013, o Mídia Ninja não surge aí, ele já estava organizado e encubado com os parceiros de comunicação”, lembra Ney Hugo. A plataforma que transmitia ao vivo os atos políticos por todo o Brasil proporcionava uma produção de conteúdo horizontal que permitia a qualquer um que quisesse contribuir fazendo uso de sua própria câmera de celular. “Seja ninja” era o mote da campanha mídia ativista que visava o empoderamento e protagonismo do manifestante na transmissão de informação. Apesar de o Ninja ter ficado famoso por cobrir manifestações políticas, o projeto tem conteúdo diversificado como: violência policial, questões indígenas, desapropriação de terras, entre outros temas de denúncia social.
Mídia Ninja cobre a Marcha da Maconha de 2014, em São Paulo
Ser ninja é ser hacker Nos últimos anos, tem havido no país um deslocamento do domínio do jornalismo tradicional “tendencioso, corporativo e pior possível”, dando a possibilidade de criar narrativas independentes por meio da participação coletiva. Mas há também os que sabem se infiltrar dentro dessa lógica, mantendo suas opiniões preservadas, pautando questões e visões diferentes e até antagônicas às enfatizadas pelos grandes meios. Esses são os “hackers” - metáfora usada por Ney. Segundo ele, os hackers não necessariamente fazem mal, roubam senhas e invadem sistemas, mas são pessoas que conhecem os caminhos e conseguem levar outras narrativas para as grandes corporações midiáticas. Pessoas públicas nesse perfil são Emicida e Gregório Duvivier, por exemplo. Enquanto não temos meios de comunicação democratizados, o midialivrismo é o caminho que temos, sem dúvida uma forma de intervir com outros pontos de vista num cenário de circulação de discursos conservadores, preconceituosos e binários. No atual momento histórico, em que nas redes e nas ruas se luta pela garantia de direitos, não se pode mais negar que “a comunicação é um direito humano”, algo reforçado por Ney durante a entrevista e o que justifica a existência dos ninjas Brasil afora. Assim, o Fora do Eixo vai jogando não só suas tecnologias, mas, também, seus fundamentos numa roda cada vez maior que quer se sentir protagonista do que ouve e vê.
tá na mão Você pode passar a acompanhar as coberturas do Mídia Ninja no link: https://ninja. oximity.com/ Confira o link sugerido pelo QR Code!
Evento Mulheres contra Cunha, que reuniu cerca de 4 mil pessoas no RJ, ganha destaque nos canais do Mídia Ninja, em 2015
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Polarização nas mídias A diversidade de discursos circula na internet num momento político dramático, o que acirra a polarização entre pessoas de diferentes visões políticas Pedro Neves, da Redação
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Mídia Ninja
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os últimos meses, acompanhamos uma crise política no Brasil, a Operação Lava Jato, o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff conduzido por Eduardo Cunha, réu no Supremo Tribunal Federal, a presidência assumida interinamente por Michel Temer, um político ficha suja e inelegível por oito anos, e outros episódios que evidenciam um momento turbulento no país. Uma nação é governada por poderes e, se pudéssemos citar algumas das principais forças que ditam uma sociedade, com certeza a mídia está no topo da lista. Porém, nos últimos anos, a grande mídia vem cobrindo os acontecimentos políticos de uma maneira e a mídia alternativa (ou mídia independente) de outra. Essa diferença escancara diferentes concepções políticas da mídia, o que contribui para a polarização do brasileiro, fazendo da política um grande clássico futebolístico. “O jornalismo deixa de cumprir seu papel quando alimenta a polarização da sociedade, se limitando a oferecer ao seu público apenas as informações que reforçam seu ponto de vista. É isso que tem acontecido hoje”, diz Fausto Salvadori, da Ponte Jornalismo,uma organização de jornalismo independente com foco em segurança pública, justiça e direitos humanos, lançada em junho de 2014. Isso se deve ao avanço da internet no país, como conta o professor de Sociologia Contemporânea e de Ciberativismo e Cibercultura da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Rafael Araujo: “A internet passou por diferentes fases, de uma rede centralizada, em que existia um polo que concentrava toda a informação, passando pela rede descentralizada, em que os centros não deixam de existir, mas agora são vários centros de acesso, até chegar no protocolo Peer-to-Peer ou pessoa para pessoa, traduzindo para o português em que a informação não passa mais por uma centralidade, mas sim por uma distribuição de informação”, explica.
Ou seja, nesse momento, a partir de 2011, é possível mandar uma mensagem do meu celular para o seu sem nenhum provedor mediando. Foi nesse período que os meios alternativos ganham mais força no Brasil e têm seu boom há três anos, nas manifestações que aconteceram por todo o país: “A partir de 2013, com toda a situação política fervendo, alguns grupos, como os Anônimos e Mídia Ninja, apresentaram um poder imenso de credibilidade com a sociedade, exercendo um papel, inclusive convocatório nas manifestações daquele ano”, diz Rafael. Nesse contexto, os meios de comunicação de massa perceberam o potencial das redes sociais para disseminar e fazer novos sentidos circularem. A partir daí, grandes grupos de comunicação começam a investir de modo mais incisivo no conteúdo online. “De 2015 para cá, o mapeamento de rede mostra que os meios conservadores já são predominantes na internet e a crise política atual nasce nesse momento em que as duas forças estão muito presentes nas redes. A TV, Rádio, Revista e Jornal têm o discurso dos grandes meios e agora a internet, que serviria como o outro lado da moeda,
Ato pelo Dia Nacional pela Democratização da Comunicação
Mídia Ninja
caso de Collor e Lula nas eleições de 1989. Isso acontece porque a elite que mantém o poder, que se informa pelos meios de comunicação tradicionais, não se contentou com a ideia de esperar mais quatro anos de governo do PT”, conclui. Com isso, o papel do jornalismo e do jornalista se transformou. Antes detentores da verdade absoluta, tornaram-se responsáveis por criar mais dúvidas nas pessoas, que se informam sobre o que lhes convém e esnobam o “outro lado”. “A missão do jornalismo não é criar ilhas, mas fazer pontes. O jornalista é o cara que me conta sobre realidades que não conheço e me conta visões de mundo de pessoas que não fazem parte do meu dia a dia e deve abrir mais para as dúvidas e deixar tantas certezas de lado, aceitar que o mundo é complexo e que não dá para resumir tudo em petralha contra coxinhas”, diz. “Não podemos ter medo de provocar o leitor, de mexer com as crenças dele e de mostrar o mundo com todas as suas contradições”, completa Araujo.
Eduardo Figueiredo/MidiaNinja
também é dominada pelos veículos tradicionais, criando uma situação de polarização”, explica Rafael. Segundo Fausto Salvadori, o tamanho de uma empresa como a Globo, que concentra a produção e a transmissão de conteúdo televisivo, e que ao mesmo tempo é dona de importantes jornais impressos, portais de internet e rádios, é o tipo de gigantismo que muitas democracias pelo mundo tentam evitar, por meio de ações antitruste e de limites à propriedade cruzada. O monopólio da mídia transcende os novos meios e inicia o processo de incitação ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff, desde o seu primeiro dia de mandato: “A crise atual revela uma polarização de opiniões que teve início em 2014, com o resultado das eleições presidenciais. No dia seguinte à posse de Dilma já se falava em impeachment, uma eleição muito apertada e que acima da presidenta, teve uma vitória do PT”, diz Araujo. “Já tivemos resultados apertados em outras eleições que não resultaram em crise, como o
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Mídia Livre:
a parte que nos cabe nesse latifúndio
Alex Hercog*
“O
cupar, resistir, produzir”: esse é o lema do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Em um país continental como o Brasil, cerca de 1% de proprietários são donos de aproximadamente metade das terras brasileiras. O oligopólio midiático fere os princípios da democracia. Quando poucos produzem e distribuem o conteúdo que será debatido pela sociedade, a diversidade de ideias e opiniões e a pluralidade das representações sociais ficam comprometidas. A hegemonia midiática cerceia a liberdade de expressão, torna o debate político tendencioso e compromete o direito à comunicação. Tal como a terra, a mídia também é um bem público. Para uma TV ou rádio funcionarem, por exemplo, é necessário concessões e autorizações do Governo. No entanto, tal como o direito à terra, o direito à comunicação é algo distante no país. Para os midialivristas, a desigualdade econômica impede a competição justa com as grandes empresas que
Alex Hercog é comunicador social e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação.
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dominam o mercado. Já para a mídia hegemônica, os interesses políticos e financeiros se colocam acima do interesse público. No entanto, tal como o MST, diversos movimentos buscam ocupar o latifúndio midiático. Iniciativas coletivas e individuais resistem e ajudam a diversificar a comunicação no país. Nesse sentido, a mídia livre cumpre o papel de produzir um conteúdo diferenciado, abordando temas que a grande mídia não aborda ou o faz de forma preconceituosa; mostrando outros olhares sobre determinado fato; e diversificando a representação social (regional, racial, geracional, de gênero, sexualidade etc). Brasil a dentro, surgem bons exemplos: sites e revistas com recortes raciais; vídeos para o Youtube ou para o cinema produzidos nas periferias; grupos buscando fortalecer a TV pública; saraus poéticos; rodas de diálogo; páginas no Facebook relatando fatos das comunidades; blogs; eventos, etc. Na ausência de um Estado que garanta o direito à comunicação, é preciso lutar por uma mídia democrática: ocupando, resistindo e produzindo.
que figura!
Com fita K-7 se faz cidadania
Mario Kaplún foi um comunicador popular que, preocupado com a aproximação de
comunidades uruguaias, utilizou o rádio para aprimorar o diálogo entre camponeses Manassés de Oliveira, colaborador da Vira em Picuí (PB) comunicação elaborada por quem se comunica, aliada ao intercâmbio de mensagens. Competência linguística, portanto, é uma conversa inteligente. Um papo cabeça. Portanto, os projetos de mídia livre de hoje têm uma relação direta com as ideias de Mario Kaplún. Quando uma pessoa se comunica bem, ela prova que pensa bem e aprendeu sobre o que viu, ouviu e sentiu ao seu redor. Nas palavras de Kaplún:“A aquisição das palavras é um fator cultural. Um produto do diálogo no espaço social. O sujeito consegue expressar uma ideia de modo que os outros possam compreendê-la, somente quando ele mesmo a compreende e a apreende verdadeiramente”. Novaes
O
argentino Mario Kaplún (1923-1998) faz parte do grupo que o professor Ismar de Oliveira Soares – responsável pela elaboração do conceito de Educomunicação – chama de primeira geração de educomunicadores. Para quem não sabe, educomunicação é uma experiência pedagógica que utiliza a comunicação para promover a educação das pessoas. Mario Kaplún era jornalista, radialista, professor universitário e consultor independente no Uruguai. Foi nesse país que ele realizou uma experiência educomunicativa chamada de Cassete-fórum.O projeto era realizado com camponeses e consistia no uso de fitas K-7, quando ainda não existia computador nem internet, para promover o diálogo entre os membros de uma organização popular e seus dirigentes. Os dois agentes comunicativos estavam separados geograficamente. Para se comunicar com seus membros e discutir assuntos importantes para a organização, os dirigentes gravavam mensagens de um lado de várias fitas e remetiam o material para diversos membros espalhados por algumas regiões uruguaias. Quando os camponeses recebiam o material, ouviam a mensagem, discutiam os temas propostos pelos dirigentes, gravavam suas opiniões no lado virgem da fita e devolviam o k-7 recebido. Não parava por aí. No livro Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania, a professora Cicilia Peruzzo afirma que “as mensagens, depois de selecionadas, resenhadas e editadas com as palavras dos próprios participantes, acrescidas de uma nova proposta comum, são postas em outras fitas, de novo enviadas a todos os grupos, para que cada um se informasse das opiniões dos demais e pudesse confrontá-las com suas próprias. Completa-se assim um fórum”. À capacidade de modelar o pensamento e intervir no mundo pela linguagem, Kaplún chamou de competência linguística. Para ele, essa competência é obtida pela
*Virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal
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Mídia que nega a juventude Os meios de comunicação reforçam a ideia de punição e aumentam o estigma da juventude negra, pobre e periférica Bruno Ferreira, da Redação
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punição é, dentro da lógica do senso comum, consequência natural ao erro. Crianças ficam “de castigo” se desobedecem aos pais, alunos de todas as idades são reprovados se não atingem uma nota mínima ao término de um ciclo de aprendizagem escolar, pessoas que praticam a violência são privadas da liberdade, ou – como em países do Oriente Médio, África e alguns estados dos Estados Unidos – até mesmo condenadas à morte. É nesse contexto que a ideia da redução da maioridade penal se fortalece politicamente no Brasil e repercute nos meios de comunicação de massa como solução ao envolvimento de adolescentes em crimes e ao que a grande mídia tem chamado de “impunidade” com relação a adolescentes em conflito com a lei. A cobertura do processo de votação na Câmara Federal da PEC 171/1993, que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, por alguns veículos de comunicação, em julho do ano passado, demonstra que os grandes meios reforçam essa medida, em vez de problematizar, como sendo a solução para o problema de adolescentes em conflito com a Lei. A edição do programa Brasil Urgente exibida pela TV Bandeirantes em 1º de julho de 2015 manifesta sua posição ao noticiar a rejeição dos deputados à proposta. Enquanto o apresentador José Luiz Datena
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comentava o fato, os dizeres apareciam na tela da TV de milhões de expectadores: “Livres para matar. Redução da maioridade penal é rejeitada por cinco votos”. Segundo a página do Facebook da Revista Carta Capital, “José Luiz Datena, apresentador do Brasil Urgente, se indignou com a rejeição da redução da maioridade no Plenário da Câmara, na noite de terça-feira, 30. Nesta quarta, o apresentador afirmou que os deputados contrários ao projeto ‘votaram contra o Brasil’, atribuiu o resultado ao PT e disse que menores ‘matam mais que todos os 007 juntos’”.
Discurso equivocado Especialistas e movimentos sociais na área da infância e juventude consideram que a abordagem dos meios de comunicação de massa sobre a questão da redução da maioridade penal tem sido rasa e apelativa, utilizandose de imagens espetaculares que reforçam o ideário de juventude criminosa e impune. “A mídia hegemônica acaba por disseminar diversos mitos, como, por exemplo, o de que os menores de 18 anos que cometem atos infracionais saem impunes. Ignora-se que a responsabilização em nosso país ocorre a partir dos 12 anos e que existe o sistema socioeducativo, serviço imensamente mais eficiente do que simplesmente encarcerar pessoas em presídios regulares, apresentando, inclusive, índices de reincidência muito menores”, afirma Barbara Pansardi, colaboradora da ONG Oficina de Imagens, de Belo Horizonte, que realizou no ano passado um monitoramento da abordagem da questão pelos grandes meios de comunicação de Minas Gerais. A partir desse estudo, constatou-se que a mídia abordou, basicamente, a tramitação do projeto de lei, sem problematizar suas implicações. “Uma abordagem recorrente era simplesmente trazer o posicionamento de políticos sobre o tema – eles, aliás, foram as fontes mais consultadas, correspondendo a mais de um terço do total (37%) –, ao passo que as organizações da sociedade civil raramente foram ouvidas (não chegaram a 5%)”, explica Barbara. Os movimentos sociais defendem um debate racional, que considere dados estatísticos que revelam a condição social da adolescência e juventude brasileiras, como os do Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência (UNICEF), que afirma que atualmente 0,01% dos adolescentes brasileiros cometem crimes contra a vida e que a cada hora um adolescente é morto no Brasil, o segundo país no mundo em homicídio de adolescentes. “Esqueceram-se dos argumentos qualificados. Não importa que apenas 1% dos homicídios no Brasil seja cometido por menores de 18 anos ou que, comprovadamente, a juventude seja muito mais o alvo da violência, sendo ela a mais atingida por homicídios”,
critica Douglas Belchior, midialivrista e militante negro, autor do blog Negro Belchior. Para ele, o papel da mídia livre é contrapor o discurso preconceituoso e infundado dos grandes meios de comunicação, pautando um debate qualificado da questão: “Das mídias alternativas poderá surgir um novo discurso, uma nova narrativa. Mas infelizmente elas são boicotadas do acesso a recursos e as que sobrevivem, o faz a partir do sacrifício da militância”. Barbara Pansardi observa que a mídia hegemônica tem muito mais alcance para disputar mentalidades, mas acredita que o esforço conjunto de iniciativas de mídia livre, ao abordar a questão, pode pressionar os grandes meios a seguir o mesmo caminho: “A mídia alternativa pode e deve trazer um discurso mais qualificado, convocando atores diversos para se manifestarem sobre o tema, sob a ótica de abordagens mais inovadoras. É justamente nesta inovação, na sua diversidade de recursos narrativos e estéticos e no seu potencial de penetração em nichos específicos que a mídia alternativa é capaz de fazer frente à mídia hegemônica. Se a penetração massiva nos lares brasileiros não é seu forte, ao menos ela [mídia alternativa] coloca em circulação na sociedade novos sentidos sobre o tema, mais bem fundamentados e críticos”, diz.
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Comunicação também é instrumento político A Educomunicação, prática presente em escolas e no terceiro setor, aproxima crianças e jovens de seus direitos e da participação política Rones Maciel, colaborador da Vira em Fortaleza (CE); Bruno Ferreira, da Redação
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facilita até na forma de entendimento, já que é uma linguagem mais informal. A Educomunicação une o útil ao agradável, adolescentes fazendo algo para adolescentes. Isso é o protagonismo. É o ECA saindo do papel”, diz o adolescente que é ativista social e mobilizador do NUCA em sua cidade. Já no litoral oeste, cerca de 230 km da capital cearense, o município de Acaraú também tem comemorado nos últimos anos, com a redução do trabalho infantil, com ações que envolvem convivência e fortalecimento por meio da Educomunicação nos Núcleos de Convivência e Comunicação do projeto Compromisso Vivo, desenvolvido pela ONG Instituto da Infância – IFAN. Para a jovem Lorena Gentileza, que foi até ano passado monitora do projeto, a Educom tem fortalecido a luta na conquista de direitos. “A Educomunicação contribui para o processo de empoderamento pessoal e emancipatório das pessoas, consequentemente auxilia nas ações e mudanças nos espaços em que ocupam. Seria no mínimo uma ‘arma’ bacana e criativa, na menor das hipóteses, uma técnica ousada que se consolidaria entre as novas formas de fazer promoção e garantia de direitos”.
Felipe Caetano
E
m espaços públicos de discussão, em especial fóruns e conferências, tem sido cada vez mais comum a presença de grupos de jovens com câmeras, microfones e gravadores interagindo com pessoas, colhendo depoimentos e noticiando o que ouvem e veem. Essa prática chama a atenção especialmente de adultos para o envolvimento desses meninos e meninas com mídias, a partir das quais marcam sua presença e exercem seu direito à participação em espaços formais, ainda muito centrados nos adultos. Em muitos casos, a prática de mídia por crianças, adolescentes e jovens representa mais do que o empoderamento do direito à expressão. Trata-se, sobretudo, do início para uma articulação política entre esses sujeitos, que continuarão atuantes em torno da luta pela garantia de direitos. Esse foi o caso do grupo que participou de atividades de Educomunicação, com jornal mural, jornal humano, áudios, fotos, vídeos e textos na 10ª Conferência Estadual dos Direitos de Crianças e Adolescentes do Ceará. O evento aconteceu no ano passado, mas a articulação nos municípios continua firme e forte. O Ceará foi um dos estados que apresentou redução no número de crianças e adolescentes em situação de trabalho, cerca de 2000, de acordo com a última PNAD/IBGE. Esses bons resultados refletem bem as ações que organizações, em parceria com a iniciativa privada e governamental, vêm desenvolvendo em todo o Estado. Três delas se destacam: a primeira é a experiência dos Núcleos de Cidadania dos/as Adolescentes – NUCAs, uma articulação de diversas organizações municipais com o intuito de criar processos de formação e intervenção nos espaços onde esses adolescentes estão inseridos. Os municípios são participantes do Selo UNICEF Município Aprovado. O adolescente Felipe Caetano, de 14 anos, que mora no município de Aquiraz, região metropolitana de Fortaleza, vivencia de perto as contribuições da Educomunicação na promoção de direitos da meninada: “É um conteúdo de adolescente para adolescente, que
Adolescente media Seminário Ser Adolescente no Município de Quixeré (CE)
De igual pra igual
Cerca de 60 adolescentes entrevistam, em 2012, a então ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, numa prática de mídia e intervenção política
Adolescentes produzem Mural Arretad@s pelos Direitos durante a cobertura Educom na IX Conferência Estadual dos Direitos de Crianças e Adolescentes do Estado do Ceará
Coletivo Educom pelos Direitos CE
A Viração Educomunicação também tem casos muito significativos para recordar as coberturas realizadas por adolescentes e jovens em eventos que vão muito além da experiência midiática em si. Há quase quatro anos, durante a cobertura da 9ª Conferência Nacional sobre Direitos da Infância e Adolescência, que aconteceu em agosto de 2012, em Brasília, duas meninas piauienses integraram o grupo de 60 adolescentes que realizaram a cobertura do evento. O contato delas com a então chefe da pasta de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes, durante uma entrevista coletiva com a autoridade, fizeram a secretária de Estado rever uma política que estava sendo construída por autoridades e delegados da conferência sobre abrigamento de crianças e adolescentes. Outra experiência importante para a Viração foi a articulação de adolescentes de 21 Estados brasileiros durante a cobertura jovem da 3ª Conferência Global sobre Trabalho Infantil, em outubro de 2013. Na ocasião, além de realizar a cobertura do evento, que reuniu cinco mil participantes de mais de cem países do mundo e entrevistar a ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, bem como o Prêmio Nobel da Paz Kailash Satyarthi, os adolescentes realizaram um manifesto em nome de crianças e adolescentes brasileiros, manifestando a realidade de exploração a que muitos estão sujeitos e cobrando as autoridades nacionais e internacionais por comprometimento na erradicação de todas as formas de trabalho infantil até 2020.
tá na mão Conheça os projetos Compromisso Vivo e Nuca visitando suas páginas no Facebook: @compromissovivo e @NUCA.
Em 2013, adolescentes entrevistam a ministra Tereza Campello, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, durante 3ª Conferência Global sobre Trabalho Infantil
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A favela resiste, mas com dificuldade Dois desafios se colocam aos midialivristas das favelas: inovar em estratégias de comunicação com a comunidade e driblar censura violenta por parte do Estado Gizele Martins, colaboradora da Vira no Rio de Janeiro (RJ)
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ão inúmeros os desafios que se fazem presente no dia a dia da comunicação comunitária em todo o país: a questão da sustentabilidade; como abordar a insegurança pública cotidiana sofrida por moradores de favelas; falta de espaço para a realização de reuniões de pautas; além da falta de pessoas para participarem da equipe. Para este papo, foram entrevistados Michel Silva, de 22 anos, estudante de jornalismo e um dos comunicadores do Jornal Fala Roça, que circula na Rocinha, uma das maiores favelas do Rio de Janeiro; e a Lu Brasil, de 38 anos, comunicadora comunitária, blogueira, moradora de Caxias, também periferia do Rio. Segundo Michel, o desafio de realizar a comunicação comunitária passa por vários níveis: como formar uma mídia; como os moradores terão acesso a ela, quais pautas abordar, entre outros problemas. Mas, mesmo assim, ele diz que sempre sonhou ser comunicador e que desde pequeno seu pai lhe dava jornais para ler, o que alimentou o seu sonho de ser jornalista. “Eu sou comunicador
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comunitário desde o final de 2011, quando as forças policiais do Estado ocuparam a Rocinha para a instalação de uma UPP. Mas meu amor pelo jornalismo começou há uns cinco anos antes da ocupação”, diz. Em 2010, ele teve a ideia de criar um jornal digital chamado Viva Rocinha para falar sobre as coisas boas da Rocinha, porque, segundo ele, já estava saturado de ler tantas notícias sobre violência, guerras e etc. Os jornais retratavam (ainda retratam) as favelas como um lugar de marginais e Michel não concordava com o que era noticiado. Mas, o comunicador percebeu que o Viva Rocinha ainda não atingia uma boa parte dos moradores do lugar. Afinal, nem todos tinham acesso à internet. Daí teve a ideia de criar um jornal impresso, mas era muito difícil realizar a ideia por três motivos: faltava dinheiro, não tinha equipe e pensava: “um jornal impresso na era digital?”. No final de 2012, Michel conheceu outros jovens no curso da Agência de Redes da Juventude que
gostaram da ideia de criar um jornal. “As melhores ideias ganharam um apoio de R$ 10 mil. Criamos o Fala Roça para homenagear a grande população de nordestinos que tem aqui na Rocinha. A linha editorial é totalmente dedicada à cultura na favela, nada é dito sobre violência porque a grande mídia já cobre esses assuntos. Temos cinco pessoas fixas e alguns voluntários. Nos sustentamos com outros financiamentos da Agência, editais e alguns anunciantes”, completa Michel. Já para Lu Brasil, de Caxias, Baixada Fluminense, tudo começou quando ela percebeu que tinha uma pilha de diários que colecionou ao longo da sua adolescência e daí resolveu transferir as coisas que ela vivia para um blog, o Periferia em Movimento, que no começo se chamava Corpo em Movimento. O veículo era mais pessoal, falava de tudo que a movimentava, ou seja, se existia eventos de dança, teatro, audiovisual, cultura e educação ela estava lá para falar sobre o assunto. Eram temas que, na verdade, movimentavam o seu interesse pessoal. A blogueira até achava que falava sozinha, mas quando o blog Lurdinha passou a publicar o que ela escrevia e colocava seu próprio nome como referência percebeu que não era bem assim. “Percebi que eu não escrevia somente para mim, que o meu blog já não era
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Parte do trabalho de comunicação comunitária da Lu Brasil, moradora da Baixada Fluminense, que discute a questão racial e periférica
o meu diário virtual, mas fazia parte da periferia e que principalmente eu escrevia para o público do conhecido blog Lurdinha”, afirma Lu Brasil. Assim como Michel sentiu a necessidade de reformular sua prática na comunicação comunitária na Rocinha, saindo da internet e criando um jornal, Lu preferiu diversificar a sua forma de comunicar através da linguagem teatral, danças urbanas, contação de histórias, audiovisual e, agora, o graffiti que, de acordo com ela, é uma arte de resistência criada nos guetos e que dialoga diretamente com a periferia. Ou seja, é perceptível que, mesmo com tantos desafios, a galera que faz hoje a comunicação comunitária nas periferias do Rio de Janeiro, têm pensado em mudar suas formas de comunicação para além do impresso. Nos depoimentos de Lu e Michel, os dois sentem a necessidade de atingir ainda mais os moradores de diferentes formas que podem ser por teatro, música, dança e o audiovisual. No Rio, a discussão da inovação e de como avançar a comunicação comunitária, de como uma mesma mensagem pode chegar aos públicos periféricos e favelados têm sido colocada cada vez mais em discussão. É preciso alcançar esse público alvo que não sabe ler, é preciso alcançar os que não têm internet, além daqueles que não curtem ler e nem curtem a internet, mas que param para ver uma dança e um grupo teatral no meio de uma praça popular da favela. Pode-se dizer que esse é um dos desafios atuais desta comunicação, mas que tem ajudado a renovar as formas de comunicação dos que agitam os pensamentos contra hegemônicos das favelas e periferias.
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Censura da comunicação comunitária em época de democracia
Alessandra Cruz
A comunicação comunitária, realizada em inúmeras favelas e periferias de todo o país, vem fazendo diferença desde os tempos da ditadura militar, onde falar, opinar, denunciar, já era proibido. Hoje, nas favelas cariocas, mesmo com o aumento das mídias e outras ações comunitárias, é possível perceber o quanto esses meios e os comunicadores têm sofrido com a censura. Afinal, são aproximadamente 50 favelas que estão hoje ocupadas pela Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Atualmente é quase um suicídio abrir a boca e
colocar para fora o que está ocorrendo dentro delas. Em um relatório realizado pelo Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro, inúmeras denúncias de comunicadores ameaçados, revistados e afastados de seus locais de moradia e atuação têm crescido dentro das favelas do Rio por causa da entrada das UPPs. A comunicadora comunitária e coordenadora do Jornal O Cidadão, que circula há 16 anos no Conjunto de Favelas da Maré, localizada na Zona Norte do Rio, Thais Cavalcante, contou que fazer comunicação dentro das favelas têm sido algo bem delicado. “A comunicação que acontece dentro da favela é mais delicada do que a que temos em outros lugares. Além de jornalistas, somos moradores. O cuidado é redobrado e tudo nos envolve emocionalmente também”, completa. Ainda de acordo com Thais, quando a ocupação militar estava pelas ruas da favela da Maré, os comunicadores se sentiam limitados para circular pelas ruas e até de fazer matérias sobre temas ligados aos direitos humanos. “Nos sentíamos limitados quanto a relatar e fotografar o que acontecia. Seja a respeito do exército ou o evento cultural de cada dia. Já recebi gritos de militar, sobre como falar ou dar bom dia. Mas não respondi. Ninguém é obrigado a ser educado com o opressor. Como comunicadora, sempre tive cuidado com o que fazia próximo a eles, mas
Capas de diversos jornais comunitários que circulam em favelas do Rio de Janeiro
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muitas vezes tive que me identificar, dizer de que veículo eu era, qual o site, qual meu nome…etc”, finaliza. De acordo com o relatório do Fórum, acontecimentos como esses são generalizados em outras favelas. O relato de uma jovem participante do projeto em Manguinhos, outra favela do Rio, e comunicadora comunitária mostra isto: “presenciei uma abordagem policial de um cidadão que passava em seu carro ouvindo funk alto. Os policiais fizeram a abordagem apontando fuzil e mandando parar. Do outro lado da rua, eu filmava essa abordagem. O policial viu e disse que eu não poderia filmá-los e que iriam me levar para a DP [distrito policial]. Pressão psicológica daqui e dali por parte da UPP. Ao final terminaram anotando nós todos. O cidadão do carro e seu carona, mais eu que filmava, em um cadastro que desconheço. No meio desse caso, mais dois cidadãos chegaram e tentaram dialogar com o policial e o mesmo diz que se pegar o motorista ouvindo música chula e a pessoa que filmou fazendo isso outra vez vão levar ambos para a DP.” Em algumas favelas, as revistas e proibições de circular com celulares nas ruas têm aumentado, já que esses aparelhos podem servir como grandes instrumentos de denúncias de violações de direitos cometidos pelos policiais. Exemplo disso é o que o Coletivo Papo Reto,
que funciona no Complexo do Alemão, também na Zona Norte do Rio, abordou no mesmo relatório e nas mídias sociais quando eles sofreram ameaça e intimidação por parte da polícia: “acabamos de sair da 45º DP daqui do Alemão, onde o nosso amigo fotógrafo Carlos Cout foi liberado depois de ser detido por ‘Desacato’ e ‘Auto de Resistência’ por não deixar os policiais da UPP do Alemão ver seu celular. Cout é repórter fotográfico do Coletivo Papo Reto e mesmo mostrando a sua identificação foi conduzido para a delegacia. Chegando lá, quando viram diversas ligações e a repercussão, foi dado a ele a oportunidade de ‘deixar isso pra lá’ e o Carlos não arrematou e prosseguiu com a queixa e, como tudo indica, é mais uma violação nas mídias comunitárias”. Ou seja, essas intimidações não são casos isolados, não são em uma ou duas favelas ocupadas pelas UPPs, todos os três relatos são de comunicadores que têm feito importantes trabalhos de denúncias dentro dos seus locais de atuação. São vários os casos que eles conseguiram viralizar e mostrar a real situação de suas favelas, que são constantemente ameaçadas e que sofrem diariamente as violações de direitos por parte do Estado. É preciso que a sociedade, que os jornalistas e defensores de direitos humanos se atentem a esses fatos colocados pelos comunicadores comunitários, que não estão mais conseguindo realizar seu trabalho dentro das favelas do Rio de Janeiro. A presidente do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro, Paula Mairán, afirma que “tivemos o fim da ditadura no Brasil, mas não o fim da censura na comunicação. Temos uma lógica de manutenção de poder político e econômico minoritário que é composto por alguns empresários da mídia. Não é de interesse deles, para quem defende esse modelo político e econômico, que o povo tenha voz. Temos casos de violência física, temos casos de prisão. As mídias populares e comunitárias hoje atuam na resistência e até na clandestinidade, por isso, a pauta pelo direito à comunicação não pode ser uma pauta de poucos, ela é de todos, da sociedade, dos jornalistas e comunicadores, é uma pauta central. A comunicação é um direito humano. O povo tem que ter acesso e possa se expressar pelos seus próprios veículos de comunicação”, conclui.
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no escurinho
Nas ondas livres do rádio
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s avanços tecnológicos do século 21 contribuíram para a criação de um novo ecossistema de comunicação global, recorrendo ao jargão apreciado por muitos. Com isso, quem quer e precisa se comunicar – com seus pares e com a sociedade – ganhou novas ferramentas, dos grupos de WhatsApp aos canais do YouTube. Até pouco tempo atrás, no entanto, as possibilidades eram muito mais restritas. O controle dos meios de comunicação de massa estava (e ainda está) nas mãos de poucos grupos, e ai de quem ousasse desafiá-los (isso, ainda bem, já mudou um bocado – podemos e devemos enfrentá-los). Naquele cenário sociopolítico, as rádios alternativas (ou “piratas”, como gostavam de chamar as autoridades de plantão) tiveram um papel precursor na busca por espaço e no desafio a uma legislação que só favorece empresários e os que detêm os meios de fazer barganhas políticas. Aprender com esse capítulo da história nos ajudou a pensar nos desafios da atualidade. A trajetória da Rádio Favela de Belo Horizonte (MG), por exemplo, foi recriada pelo diretor mineiro Helvécio Raton – o mesmo de A Dança dos Bonecos (1986) e Batismo de Sangue (2006) – em Uma Onda no Ar (2002). O filme recua até o início dos anos 1980, quando quatro amigos (interpretados por Alexandre Moreno, Babu Santana, Adolfo Moura e Benjamin Abras) começaram a operar a rádio, na Vila Nossa Senhora de Fátima. Em 1996, ela foi constituída como associação cultural e hoje ocupa a frequência 106,7 MHz. Até mesmo Hollywood falou desse tema, ainda que tenha sido com outra abordagem, também interessante. Lançado em 1990, Um Som Diferente (Pump Up the Volume) narra a história de um adolescente (interpretado por Christian Slater, à época no auge de seu prestígio como astro juvenil) que monta em casa uma rádio. Na pele do DJ Hard Harry, ele passa a influenciar outros adolescentes da região. O fato de o diretor da escola local ser criticado pela rádio e também um incidente com um dos ouvintes fazem com que a polícia procure tirar Hard Harry do ar. *www.sergiorizzo.com.br
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Imagens: Divulgação
Sérgio Rizzo*
O brasileiro Uma Onda no Ar (2002) e estadunidense Pump Up the Volume (1990) abordam a questão da Mídia Livre
A arte do gueto e os “traficantes” de informação Conheça a Liga do Funk, um projeto que “lapida” funkeiros
por meio de políticas públicas e pelo empoderamento da fala Texto e fotos: Pedro Neves, da Redação
“B
oladão peitei o mundo/ deixei o sistema maluco/ tentaram me alienar/ mas eu criei o meu mundo”, canta Mc Poneis , um dos embaixadores da Liga do Funk, em entrevista à Revista Viração. A letra pode ser identificada facilmente como gênero de Funk brasileiro, mas também remete a outro fenômeno do século 21, as redes sociais. Apesar de pensar que uma coisa não tem nada a ver com a outra, o crescimento do funk se deve muito ao avanço da internet. Redes como Youtube, Facebook e Twitter alavancaram muitos artistas e abriram um espaço midiático livre para os MCs se expressarem de maneira autônoma, contando sua história e transmitindo sua mensagem sem mediação. O movimento funk vem ao longo dos anos emergindo de maneira avassaladora. As crianças que sonhavam em ser jogadoras de futebol, agora sonham em virar funkeiras. Caminhando pela rua, não é difícil encontrar uma roda de “parças” fazendo um beat e rimando por cima, a juventude periférica abraça o funk como uma oportunidade de contar sua história e difundir sua mensagem. Há três anos, o produtor Marcelo Galático, conhecido no meio artístico, realizou seu sonho de criar a Liga do Funk, um projeto social que visa formar MCs e ajudá-los na carreira profissional: “os jovens sabem muito bem que a Liga não é uma produtora, somos um projeto que visa ajudar essa galera na carreira por meio da construção de valores, como a valorização de suas histórias de vida, a criação de um repertório político e social para debates e diálogos, além de aulas para aperfeiçoarem suas técnicas”, explica Laila Almeida, produtora cultural da Liga do Funk.
Cadeira Elétrica é uma roda de debate em que a Liga do Funk convida personalidades do mundo da arte
O papel da organização é fomentar essa juventude que sonha em viver do funk, profissionalizando seu trabalho. Eles oferecem aulas de dança, presença de palco, canto, entre outras atividades. Também dão a oportunidade de fecharem um contrato com uma grande produtora, no concurso Voz da Liga, além de incentivar a garotada com a parceria na radio Transcontinental, que abre espaço de sua programação para que os MCs contem suas histórias e cantem suas músicas. “Existem várias ONGs e produtoras que trabalham com funk, só que a maioria não dá a oportunidade que esperamos. A Liga do Funk é essa oportunidade de realizar nosso sonho”, conta Klever Roberto Carvalho Souza, 23 anos, mais conhecido como MC Gigante. A criação de redes entre os profissionais é o grande diferencial da Liga: “passamos para os jovens que a Revista Viração • Ano 13 • Edição 110
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construção de uma rede de parceiros e contatos faz a diferença em suas carreiras”, conta Laila. “A liga do funk é um movimento essencial para o país, pelos temas que debate, pela maneira que socializa as pessoas e pela família que é. O mais bacana é poder encontrar pessoas que são de quebradas diferentes, mas com gostos e vontades parecidos, um excelente lugar para criar redes”, explica Diego Pereira da Silva ou MC Diih Pura Calma, 25 anos. Uma maneira de criar esse contato entre os diferentes jovens é por meio de um evento chamado Cadeira Elétrica, em que toda semana convidam profissionais do funk para debater temas tabus e delicados no meio social e musical. O formato é simples: os convidados ficam no palco falando do seu trabalho e respondendo questionamentos dos jovens presentes. No último dia 2 de março os convidados eram Emicida, Evandro Fiote, DJ Perera e Viegas. Um tema recorrente durante o debate era a questão do estudo musical e a velocidade da informação no século 21: “A primeira prisão do pobre é a falta de informação e a libertação desse cárcere vem por meio do fluxo de conhecimento. Antigamente, o tráfico de drogas era a saída, mas hoje temos o fenômeno do ‘tráfico’ de informação”, apontou Emicida. E essa informação com velocidade e alcance é uma moeda de dois lados. Por isso, a Liga se preocupa com a construção de valores, como o respeito. “Todos temos direitos iguais e a sociedade, em vez de exaltar isso, nos mostra o que você deve ou não deve fazer. É sobre isto que conversamos na Liga: nossos direitos, dar respeito para ser respeitado, passar que não somos melhores ou piores que ninguém, apenas diferentes”, explica Mc Poneis. Ele prossegue seu raciocínio falando da essência do movimento: “precisamos passar adiante o que sentimos e vivemos, o mais importante é dividir e difundir conhecimento para todos, crescer pessoalmente e ter a preocupação de sempre expandir sua rede pessoal e profissional”, completa.
Futuros MCs prestam atenção na oficina da Liga do Funk
Jovens, convidados e educadores após mais um dia de oficinas
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Primavera das mulheres As mulheres tomaram conta da Internet – e das ruas – e garantiram pioneirismo em novas formas de organização e combate à opressão Edda Ribeiro, virajovem do Rio de Janeiro (RJ)
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mídia livre é uma ferramenta de poder incrível. A evolução das mídias sociais facilita esse uso, mas a forma como vem sendo usada pelas pessoas é o que garante eficiência. A construção das redes políticas e culturais, a resistência dos movimentos e a consolidação de ideias vai aumentando e a juventude não fica de fora dessa. Pelo contrário. Adapta novas linguagens e, portanto, novas formas de comunicação surgem de maneira independente e organizada. Já tivemos, nos últimos anos, grandes exemplos disso e a experiência feminista foi gloriosa nesse sentido, especialmente no
que se refere à participação de mulheres jovens. Em 2015 aconteceram grandes eventos políticos e as mulheres garantiram o tom, sendo protagonistas em inúmeras manifestações. Sobretudo diante das políticas que fazem com que seus direitos retrocedam no Brasil, além dos rankings que o país atinge quanto à violência de gênero. Com a consolidação de redes sociais, bem como o uso das plataformas como Twitter e Facebook muitas discussões emergiram em comunidades, culminando na, formação de redes para as manifestações que tomaram as ruas em outubro.
Não é de hoje O machismo não é produto do século XXI, tampouco a resistência a ele. A variedade de agressões às mulheres são de origem física e simbólica. Isto é, ao mesmo tempo que elas estão expostas, no mundo inteiro, a estupros, mutilação genital, violência doméstica e abusos de diferentes tipos; elas também sofrem com salários mais baixos, funções sociais pré-determinadas, e assédios implícitos. A violência é física e moral e as respostas sempre foram incisivas, como a conquista pelo voto feminino, campanhas pelo fim da exploração sexual, a incorporação da temática de gênero pelos Direitos Humanos, entre outras. Mas ainda que haja um avanço na adoção de políticas nos últimos dez anos no Brasil, como a Lei Maria da Penha, tratar a questão de forma institucional não é suficiente. Atualmente, a violência contra mulheres e meninas atinge patamares distintos. O meio virtual, enquanto espaço de reprodução das contradições políticas reais, reinsere, em relatos expostos em rede, os pressupostos do machismo. Por outro lado, o feminismo coabita esse espaço enquanto resposta e enfrentamento. O Brasil ocupa o patamar de 2° país do mundo em número de estupros, abaixo apenas da Índia. O índice de crescimento anual é de 150% e, em 2013, somaram-se mais de 50 mil casos. Aliado aos demais tipos de agressão, atingimos o 7° lugar mundial em violência contra a mulher. É também necessário ressaltar que o acesso a direitos sexuais e reprodutivos é escasso, principalmente para mulheres pobres, negras e de áreas rurais.
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#meuprimeiroassedio No ano passado, já com as crescentes publicações de blogueiras e com osgrupos de discussão no Facebook, a campanha #meuprimeiroassedio ganhou vida pelos mais de 100 mil tweets sobre relatos de assédios sofridos no passado e no presente. Um alívio surgiu pela revelação do horror vivido em silêncio pelas mulheres. Manifestações explicitamente pedófilas nas redes, tendo como alvo uma menina de 12 anos, participante do programa MasterChef Junior, um reality show culinário da TV Bandeirantes, motivaram o coletivo Think Olga a desenvolver uma iniciativa de propagação de relatos. O resultado foi revelador: com a campanha, no Twitter, milhares de mulheres contaram histórias de abusos sofridos na infância e a hashtag #meuprimeiroassedio foi replicada mais de 100 mil vezes. Os abusos sexuais são mais comuns do que parecem - as primeiras agressões ocorrem, em média, entre 9 e 10 anos de idade. Outras hashtags semelhantes foram criadas, como a
#meuamigosecreto, aumentando a força das articulações em rede. Em maioria, as campanhas são criadas de maneira independente por meninas de coletivos regionais, setoriais e universitárias, seja no ambiente de trabalho, na escola, no bairro onde moram. E isso só multiplica a visibilidade, a fala e a denúncia, garantindo liberdade e estimulando a coragem para se manifestar. O estopim chegou às ruas. Mulheres de todas as idades foram protestar contra a votação da PL 5069/13, que restringe o acesso ao aborto em casos de violência sexual, além de outros retrocessos. Com cartazes e rostos pintados, elas caminhavam, cantavam e denunciavam, exigindo respeito e igualdade. Materializou-se a campanha Mulheres Contra Cunha, em referência ao então autor do projeto de lei, o deputado federal Eduardo Cunha. A seguir, você confere vão alguns relatos de meninas e mulheres que participaram diretamente das campanhas e manifestações:
“Compartilhei no Twitter o assédio que sofri aos 10 ou 11 anos, quando eu e uma colega fomos perseguidas por um homem em uma vã e chamadas de gostosas. Senti um alívio e ao mesmo tempo um enorme desconforto ao perceber que a maioria das meninas sofre assédio ainda muito crianças e que eu não era única. Foi na internet que eu soube que era feminista.” Juliet Matos, 26 anos, Rio Branco (AC)
“A Primavera Feminista me ajudou a fortalecer os lados na militância, ajudou várias outras mulheres a denunciarem os abusos que sofreram, pondo seus agressores que viviam em segredo em pânico e me ajudou a entender o empoderamento, que ajuda muitas mulheres a seguir em frente.” Juliana Rosa, 21 anos, Manaus (AM)
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“O movimento feminista me fez ter mais voz, decidir o que eu quero. Me fez amar a minha pele, amar o meu corpo, amar o meu cabelo. Ser quem eu sou. A dizer não quando não quero, e sim quando convém.” Kerolayne Kremblin, 20 anos, Manaus (AM)
“Acho lindo ver pautas e discussões feministas abrindo espaço no dia a dia das pessoas. Acho que é mais evidente para cada mulher que não estamos sozinhas, que muitas de nossas dores são compartilhadas e que se mexer é preciso.” Mirella Rabaioli, 25 anos, Canoas (RS)
“Não foi fácil a exposição, a decisão de falar de uma das fases mais complicadas da minha vida numa rede social. Mas conversando com uma amiga, que também teve a coragem de relatar abusos de um ex-relacionamento, eu me dei conta de que era preciso superar esse medo de exposição.” Thaise Monteiro, 27 anos, Rio de Janeiro (RJ)
“Ser uma jovem negra da periferia de uma cidade com o Rio de Janeiro não é fácil, as barreiras culturais e sociais são enormes. Observando minha trajetória, percebo que muitos fatores foram importantes para a minha emancipação pessoal, mas com certeza conhecer mulheres feministas foi fundamental para esse processo de ruptura com os obstáculos que o machismo representa e impõe na vida de qualquer mulher.” Tassia Gusmão, 27 anos, Rio de Janeiro (RJ)
*Com informações do Mapa da Violência, Observatório de Gênero, Coletivo Feminista Think Olga e Agência Patrícia Galvão
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Contraponto se faz na web As populações indígenas ainda lutam por reconhecimento e por direitos básicos. A comunicação na internet é um importante instrumento na disputa por visibilidade Diego Teófilo e Augusto Ramos, do Virajovem Belém (PA)* Fotos: Jéssica Delcarro/Acervo Viração
S
egundo o último censo demográfico realizado pelo IBGE em 2010, foi constatada a existência de 305 etnias de indígenas no país, com 274 línguas, somando uma população total de 896.917 pessoas, distribuídas em 505 territórios, sendo alguns deles localizados em áreas urbanas. Atualmente, tramita no Congresso Nacional a passos largos a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que transfere do Poder Executivo para o próprio Congresso a prerrogativa de demarcações de terras indígenas, a titulação dos territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação ambiental. Isso quer dizer que deputados e senadores, muitos dos quais são latifundiários e que possuem interesses diretos na exploração dessas áreas e na expulsão dessas populações, podem passar a decidir sobre o destino dos povos indígenas futuramente. Vivemos em um momento histórico em que o atual Congresso Nacional é o mais conservador desde 1964, e possui representação ruralista de mais de 50%, com 257 deputados nesta bancada. São eles os maiores responsáveis pela violência nos conflitos que envolvem as disputas por áreas de terras indígenas e, sobretudo, pela omissão e ausência do Estado no sentido de garantir os direitos desses povos. A pesquisa Indígenas no Brasil – Demandas dos Povos e Percepções da Opinião Pública, realizada pela Fundação Perseu Abramo e Instituto Rosa Luxemburgo Stiftung,
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com etnias indígenas de todas as regiões do país, revela que os maiores problemas dos povos indígenas da atualidade são relacionados a terra, como os conflitos, invasão, perda e abandono, seguido de falta de acesso a saúde e educação, respectivamente. Para superar esse cenário, em que o processo de invisibilização é pautado no campo da educação - uma vez que suas narrativas são negadas nos livros didáticos, deturpadas pelos grandes meios de comunicação e a população pouco assistida pelo Estado brasileiro -, os povos indígenas, assim como outros segmentos, buscam alternativas para se comunicarem.
Participantes jovens do Encontro da Rede Índios Online, em Ilhéus (BA), em setembro de 2012
Sobre os Índios Online
Em 2012, a Rede Índios Online discutiu as ameaças da PEC 215, que passa a tarefa de demarcar terras indígenas ao Congresso Nacional
Um dos estereótipos que precisam sair do imaginário da sociedade é que as populações indígenas vivem somente isoladas e que, ao terem contato com as novas tecnologias, passam a perder sua identidade indígena. É preciso, portanto, compreender que os próprios índios construíram por anos suas formas de se comunicar e que a comunicação também é essencial na manutenção das relações.
Desde quando entrou no ar em 2004, o portal da Rede Índios Online teve mais de 5 milhões de visualizações, 4.252 matérias publicadas, participação de 921 usuários de 35 etnias de 16 estados. No entanto, pouco menos da metade dos usuários são jovens ou adolescentes. Tratase de uma rede composta por voluntários que buscam o desenvolvimento humano, cultural, social e econômico de suas nações e benefícios para todos os seres vivos sem distinção de nacionalidade, raça, cor, crenças. Trabalhando constantemente para sua qualificação e conquista de autonomia, a rede conta com apoio da ONG Thydêwá, de Ilhéus (BA), do Ministério da Cultura e outros parceiros.
Resistência na rede
Seguir avançando é o grande desafio, criar as condições de acesso e apropriação de novas tecnologias e instrumentalizá-la para emancipação coletiva e enfrentamento de violações de direitos é a alternativa inteligente para superar as desigualdades e construir parcerias estratégicas com outros parentes de etnias irmãs para sobrevivência de nossa cultura, assim surge o portal Índios Online, uma rede que reúne diferentes etnias num canal de diálogo, encontro e troca. Um de seus objetivos é facilitar o acesso à informação e comunicação para diferentes povos indígenas, estimular o diálogo intercultural, conhecer e refletir sobre a situação atual das populações indígenas. Ou seja, um espaço virtual para comunicar e construir um outro olhar sobre elas, rompendo com a visão colonizadora. Para o integrante da Rede Índios Online Fabrício Titiah, da etnia Pataxó Hahãhãe, “os usuários da rede usam o portal (www.indiosonline.net) para esclarecer determinados assuntos, fazer denúncias de determinadas coisas que não estão funcionado na comunidade e para dar visibilidade às suas comunidades. Nas retomadas de nossas terras, as mídias, em geral, criam uma outra visão, distorcendo nossa imagem, transmitindo uma péssima ideia aos expectadores. É nesse momento que a atuação dos jovens indígenas com a rede Índios Online nos ajuda fortemente a divulgar o que está acontecendo e quem somos realmente”, afirma.
tá na mão Conheça os conteúdos dos Índios Online: http://www. indiosonline.net/
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Mais que um livro, uma experiência Editoras Independentes inovam e ousam novas formas de fazer e se relacionar com livros Alessandro Muniz e Ayhuma Pires, do Virajovem de Natal (RN)*
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m livro, em que cada exemplar tem capas únicas, borrifadas manualmente com aquarela, outro que resgata personagens da cultura e do folclore popular nunca registrados em uma história em quadrinhos, um que traz conteúdos marginalizados, antes indisponíveise de difícil acesso. O universo das editoras independentes não para de crescer. A cada ano, novas são criadas. E para se diferenciar do mercado tradicional, elas trazem outros olhares para o livro e a relação entre leitora, obra e artistas desse mundo.
As obras da Editora Tribo são cuidadosamente pensadas para levar à leitora uma experiência poética ampla, visual, sensitiva, textual.
Faz-se aqui uma opção política por uma linguagem crítica ao machismo da língua portuguesa, que toma o masculino como universal. Desta forma, escrevemos de acordo com o universal “pessoa”, sendo todos os substantivos, adjetivos e pronomes concordando com “pessoa”.
Outras formas de contar histórias Viajando pela Argentina, tentando entender o que estava querendo com seu curso de comunicação social, a potiguar Themis Lima, 25 anos, iniciou a escrita de um livro reportagem que seria também seu trabalho de conclusão do curso de graduação. Nesse percurso, começou a se interessar por todo o processo de produção do livro e, ao voltar para o Brasil e se graduar, resolveu criar a Editora Tribo, em 2013. O foco da editora é contar histórias, sejam elas de ficção, quadrinhos ou não ficção. E cada projeto é único, pensado com muito cuidado, integrando o conteúdo textual com toda a produção editorial, a diagramação, as tipografias, inovações de formato. Um exemplo é a obra Diário de Âncoras, do poeta Rodrigo Sérvulo. É notório que poesia não é o gênero 32
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mais vendável no país. Por isso, a Editora, em diálogo e colaboração com o autor, buscou formas de construir com a poética uma viagem vivida nas imagens e detalhes da obra. Desta maneira, palavras nas poesias foram retiradas para que fossem preenchidas pela leitora conforme a própria inspiração, outras poesias foram escritas em paredes, em folhas de papel e até pintadas no corpo e então fotografadas e colocadas no livro, cada capa foi pintada manualmente para criar particularidades, ou seja, diversos gestos e maneiras de aprofundar a experiência de leitura, criando interação, experiências visuais e singularidades. Existem muitos jovens no mercado editorial, mas também tem gente de outras gerações. Muitas pessoas que saíram das grandes empresas querendo fazer algo diferente. Para ela, o trabalho de editora e artista independente já é uma guerrilha diária que transforma a
realidade. “O futuro é do virtual, do digital, do papel, do audiovisual, ou seja, é da comunicação horizontal. Não importa a mídia, o que importa é como ela vai ser feita, de forma colaborativa”.
Foi você quem escreveu? Desmistificar a literatura e a produção editorial, o diálogo com a autora, explica Marcos Guerra, 30 anos, quadrinista e idealizador da K-ótica, coletivo editorial e loja de quadrinhos em Natal, existente desde 2009. Autor de novelas gráficas e quadrinhos, ele fala sobre a importância da relação com a outra pessoa na produção, para além da relação com o produto. Diversas vezes vendendo suas obras e produtos da K-ótica em feiras e universidades, se deparou com a indagação “você é o autor?” e a surpresa da pessoa ao receber resposta afirmativa. Fazer uma produção independente, autoral, diferente do molde da indústria ainda é visto com muita resistência, afirma Marcos. Para ele, “a nossa relação com o fazer desapareceu, hoje temos uma relação forte com a reprodução. A gente acha absurdo conhecermos alguém que produz quadrinhos, publica livros. Estamos acostumados a conviver apenas com os objetos reproduzidos, sem as pessoas por trás deles”. Estimular a produção autoral é uma das formas de fazer as pessoas pensarem fora dos moldes. Daí surgiu a ideia de realizar um curso de quadrinhos com jovens, em que ao final se estimula a publicação das produções. O quadrinho passa a ser não só algo a ser consumido, mas entendido como forma de expressão de cada pessoa.
Uma editora marginal
Aos 31 anos de idade, o estudante universitário Edu toca uma editora artesanal em Acari, Rio Grande do Norte. A tumulto. Para o jovem editor, A tumulto não é independente, mas sim marginal. Isso porque ela conta com a colaboração de várias pessoas na produção, mas não está inserida em nenhum âmbito legal, funciona informal e autonomamente. Em 2012, Edu aprendeu a arte de produzir livros na I Feira Anarquista de Natal e, desde então, tem usado o seu trabalho para levar até jovens do interior do Estado suas publicações de literaturas marginais, anarquistas e libertárias. Para Edu, editoras independentes ou marginais como a dele se diferem das editoras comerciais pela motivação de cada uma delas em existir. “Uma editora comercial, como o próprio termo já propõe, é motivada – basicamente – por uma proposta de comércio que lhe
seja financeiramente vantajosa, passíveis de lhes render lucros, enquanto A tumulto é motivada, principalmente, pela promoção de ideias. Também nos diferenciamos pelo baixo custo e pela sua pequena capacidade de produção”. O universo das editoras independentes é muito vasto, com inúmeras experiências e características diferentes. Mas uma coisa é certa: elas inovam e ressignificam nossa relação com o livro e aproximam autoras, editoras e leitoras.
Marcos e a produção autoral da K-Ótica, com traços que misturam a identidade potiguar com elementos de várias outras culturas
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como se faz! Mídia independente Reúna um grupo de amigos e crie você também uma iniciativa de mídia livre
Luiz Felipe Bessa, do Virajovem Recife (PE)*; e Bruno Ferreira, da Redação
Passo a passo
S
1. Reúna uma galera que tenha vontade de debater sobre mídia livres e formas de fazer midialivrismo em uma praça, parque ou até na sua casa. É interessante que essas pessoas estejam ideologicamente alinhadas e sejam interessadas em se engajar em questões sociais e sejam criativas.
e após ler toda essa edição, com diversas iniciativas de mídia livre, você ainda tem dúvidas sobre como criar um veículo de comunicação, não se preocupe. Criamos um passo a passo para te ajudar a articular uma galera e produzir conteúdos de modo colaborativo e alternativo. Há muitas formas de informar pessoas de maneira diferente da mídia tradicional. Fanzine, jornal e rádio comunitárias, canal no YouTube, blog e páginas em redes sociais são veículos interessantes por meio dos quais seu grupo pode disseminar conteúdos e instigar a reflexão sobre direitos humanos e questões sociais. Veja a seguir algumas dicas de como fazer mídia livre no seu dia a dia.
2. Definam sobre o que a sua iniciativa vai tratar. Que temas serão mais recorrentes e em que formato serão abordados (vídeo, textos escritos, áudio etc). Isso, inclusive, irá orientar a definição dos veículos de comunicação que irão utilizar. 3. Estabeleçam uma rotina de encontros, sobretudo para planejar conteúdos e definir pautas. Para ajudar, é legal pesquisar como grupos de midialivristas se organizam no dia a dia e fazem coberturas colaborativas. 4. Faça uma chuva de ideias para penar em um nome para a iniciativa Lembre-se também de, em grupo, elaborar sua identidade visual. 5. Crie um plano de comunicação colaborativa, pensando também em mapear interessados e trocar conteúdos com outras iniciativas de mídia livre. 6. Tenha sempre em mente seu público-alvo, para conseguir utilizar uma linguagem adequada em seus conteúdos. 7. Compartilhe tudo o que fizer nas redes sociais e dê preferência para o uso de softwares e plataformas livres, que são gratuitas e democráticas, uma vez que não são controladas por grandes corporações. *Virajovens presentes em 20 Estados do País e no Distrito Federal