Desmascarando Mitos
Uma tradução do “Debunking Handbook” de John Cook e Stephan Lewandowski VOMI ed.
Desmascarando Mitos
“Essa Zine foi traduzida para que o máximo de pessoas possa entrar em contato com técnicas de comunicação para desmascarar mitos. Hoje, no Brasil, temos um “mito” que se proclama diferente da velha política, mesmo estado a mais de 20 anos no congresso nacional. Este “mito” já defendeu a ditadura, homenageou torturador, e ofendeu toda minoria e maioria desse país. Suas palavras ecoaram muito mais do que qualquer um imaginava, criando um clima de ódio e violência pelo país. Sua campanha se baseou em fake news, informações falsas e abusou de desinformações. O efeito disso é uma massa da população que acredita que o nazismo foi de esquerda, que o PT é comunista, e outras mentiras mais ou menos graves. Qualquer um que vive agora sabe como é frustrante tentar convencer um seguidor do “mito” de fatos que até agora pareciam óbvios, como os citados acima. Porém a situação é complexa, algumas pessoas realmente acreditam na sua boa fé nessas informações, que chegam à eles de infinitas maneiras, principalmente por grupos de whatsapp. Esse guia foi traduzido justamente para que o difícil trabalho de tirar da cabeça das pessoas as mentiras espalhadas pelo “mito”. Utilizar a ciência da comunicação para entender porque tantas pessoas acreditam em fatos esdrúxulos, e porque é tão difícil de convencê-las do contrário. Principalmente, este guia foi traduzido para que as conversas de facebook, whatsapp e nas mesas de bar sejam mais efetivas, pois o perigo está aí. (Não sou especialista em comunicação, traduzi do inglês de acordo com meu entendimento do assunto.) 11 de outubro de 2018.”
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Desmascarar mitos é problemático. Se não tomarmos grandes cuidados, qualquer esforço para desmascarar desinformação pode, sem perceber, reforçar os mesmos mitos que se quer corrigir. Para evitar esse "tiro pela culatra", desmascarar mitos requer três elementos principais. Primeiro, a refutação deve focar nos fatos nucleares em vez do próprio mito, para evitar que a desinformação se torne familiar. Segundo, qualquer menção ao mito deve ser precedida por avisos explícitos para avisar o leitor (ou interlocutor) que o que vem a seguir é falso. Finalmente, a refutação deve incluir uma explicação alternativa que leva em conta aspectos importantes da desinformação original.
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DESMASCARANDO O PRIMEIRO MITO SOBRE DESMASCARAR MITOS É evidente que sociedades democráticas devem basear suas decisões em informações verificadas. Em várias questões, porém, a desinformação pode se tornar entranhada em partes da comunidade, principalmente quando interesses particulares estão envolvidos. Reduzindo a influência da desinformação é um desafio complexo e difícil. Um erro comum sobre mitos é a noção de que removendo sua influência é tão simples como empacotar mais informação na cabeça das pessoas. Essa abordagem supõe que concepções erradas do público são causadas por falta de conhecimento e que a solução é mais informação - na ciência da comunicação é conhecido como "information deficit model". Mas esse modelo é errado: as pessoas não processam informação como um hard drive de computador baixando informação. Refutar desinformação envolve lidar com processos cognitivos complexos. Para transmitir informações de forma efetiva, comunicadores devem entender como as pessoas processam informação, como eles modificam seus conhecimentos existentes e como visões de mundo afetam sua
habilidade de pensar racionalmente. Não é apenas o que as pessoas pensam que importa, mas como elas pensam. Primeiro, vamos deixar claro sobre o que significa "desinformação" - usamos para nos referir a qualquer informação que as pessoas adquiriram que é incorreta, não importante porque e como aquela informação foi adquirida em primeiro lugar. Estamos preocupados com o processo cognitivo que governa como as pessoas processam correções à informações que eles já adquiriram - se você descobrir que algo que acredita está errado, como você atualiza seu conhecimento e memória? Quando as pessoas recebem desinformações, é um tanto difícil remover sua influência. Isso foi demonstrado em uma experiência de 1994 onde pessoas foram expostas à informações erradas sobre um incêndio em um depósito fictício, depois receberam a informação correta, esclarecendo as partes sobre a história que foram dadas incorretas. Apesar de lembrar e aceitar a correção, as pessoas ainda mostravam um efeito duradouro, referindo à informação errada quando
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respondiam questões sobre a história. É possível eliminar completamente a influência da desinformação? As evidências indicam que não importa quão vigorosamente e repetidamente nós corrigimos informações falsas, por exemplo repetindo a informação correta de novo e de novo, a sua influência permanece detectável. Existe ainda uma complicação adicional. Não apenas informações falsas são difíceis de remover, como desmascarar um mito pode na verdade fortalecê-lo na cabeça das pessoas. Vários efeitos diferentes de "backfire" foram observados, surgidos de fazer os mitos mais familiares, de
apresentar argumentos demais, ou apresentar evidência que abalam a visão de mundo da pessoa. A última coisa que você quer fazer quando desmascara informações falsas é errar e piorar a situação. Então esse livro de mão tem um foco específico - provindo dicas práticas para efetivamente desmascarar informações falsas e evitar o tiro pela culatra. Para conseguir isso, é necessário um entendimento do processo cognitivo. Nós explicaremos um pouco sobre interessantes pesquisas psicológicas nessa área e finalizaremos com um exemplo de uma refutação de um mito comum.
O TIRO PELA CULATRA DA FAMILIARIDADE
Pra desmascarar um mito, você tem que trazer ele à tona, se não, como as pessoas saberão do que se trata? Porém, isso faz as pessoas se familiarizarem com o mito e aí fica mais fácil de aceitá-lo como verdade. Isso significa que desmascarar um mito pode reforçá-lo na cabeça das pessoas? Para testar esse efeito "backfire", pessoas receberam um flyer que desmistifica mitos comuns sobre a vacina da gripe. Depois, foram perguntados para separar o mito da realidade. Quando perguntados imediatamente após ler o flyer, as pessoas identificaram corretamente os mitos. Porém, depois de 30 minutos algumas pessoas responderam pior ainda do que depois de ler o flyer. A desmistificação está fortalecendo os mitos. Esse efeito "backfire" é real. A força motriz é o fato de que a familiaridade aumenta as chances de aceitar a informação como verdadeira. Imediatamente após ler o flyer, as pessoas lembraram os detalhes que desmascaram o mito e identificaram corretamente as informações falsas.
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Depois de passado um tempo, a memória dos detalhes desapareceu e tudo que as pessoas lembraram foi o mito sem a "etiqueta" que identificava como falso. Esse efeito é particularmente forte em adultos mais velhos, porque a sua memória é mais vulnerável ao esquecimento de detalhes. Como evitar o efeito "backfire" da familiaridade? Idealmente, evitar mencionar o mito ao mesmo tempo que o corrige. Quando se busca conter a desinformação, a melhor abordagem é focar nos fatos que se deseja comunicar. Não mencionar o mito é as vezes impraticável. Neste caso, a ênfase em desmascarar o mito deve ser nos fatos. A técnica, muitas vezes vista, de começar a desmascarar com o próprio mito é a última coisa que você quer fazer. Em vez, comunique o fato principal que se quer passar logo no início. A desmascaração (debunking) deve começar com ênfase no fato, não no mito. Seu objetivo é aumentar a familiaridade das pessoas com os fatos.
O TIRO PELA CULATRA DO EXAGERO
Um princípio que comunicadores da ciência geralmente falham em seguir é fazer seu conteúdo fácil de digerir. Isso significa fácil de ler, fácil de entender e sucinto. Informação que é fácil de processar é mais provável de ser aceita como verdade. Meramente destacar o contraste de cores de uma fonte impressa já pode aumentar, por exemplo, a aceitação de um afirmação verdadeira. É de conhecimento comum que quanto mais argumentos você apresentar, mais bem sucedido será em desmascarar um mito. Acontece que o oposto pode ser verdade. Quando falamos de refutar desinformações, menos é mais. Apresentar três argumentos, por exemplo, pode ser mais efetivo
na hora de reduzir concepções erradas que apresentar doze, o que pode reforçar o mito inicial. O efeito do tiro pela culatra do exagero ocorre porque processar muitos argumentos demanda um esforço maior do que considerar apenas alguns. Um simples mito é mais cognitivamente atrativo do que uma correção super complicada. A solução é manter seu conteúdo "esbelto", médio e fácil de ler. Fazer seu conteúdo fácil de processar significa usar todos os artifícios disponíveis. Usar linguagem simples, frases curtas, sub-títulos e parágrafos. Evite linguagem dramática e comentários depreciativos que alienam as pessoas. Se atenha aos fatos.
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Finalize com uma mensagem simples e forte que as pessoas vão lembrar e tuitar aos seus amigos, como "97 de 100 cientistas do clima concordam que os humanos estão causando o aquecimento global", ou "Estudos mostram que a vacina MMR é segura". Use gráficos onde for possível para ilustrar seu argumento.
Cientistas tem seguido os princípios do Modelo de déficit de informação, que sugere que as pessoas se seguram à visões erradas porque elas não tem toda a informação. Mas informação demais é um tiro pela culatra. Em vez disso, se mantenha o princípio KISS: "Keep it Simple, Stupid!"
O TIRO PELA CULATRA DA VISÃO DE MUNDO
O terceiro que talvez mais potente efeito 'tiro pela culatra' ocorre com tópicos que mexem na visão de mundo das pessoas e seu senso de identidade cultural. Vários processos cognitivos podem causar que as pessoas inconscientemente processem a informação de maneira enviesada. Para aqueles que são fortemente apegados à suas visões, ser confrontado com contra-argumentos pode causar sua visão se fortalecer. Um processo cognitivo que contribui para esse efeito é 'Viés Confirmante' (Confirmation Bias), onde pessoas seletivamente procuram informações que impulsionem sua visão de mundo. Em outro experimento, pessoas receberam informações sobre questões polêmicas, como controle de armas e ações afirmativas. Cada parcela da informação era cadastrada pela sua fonte, claramente indicando que a informação seria a favor ou contra (instituições pró ou contra armas, por ex.). Ainda que instruídos para serem "neutros", as pessoas optaram por fontes que combinavam suas visões pré-existentes. O estudo descobriu que mesmo quando as pessoas recebem um conjunto de fatos balanceados, eles reforçam suas visões de mundo 'gravitando' em direção às informações que eles já tem. A polarização foi maior entre as pessoas com fortes visões de mundo. O que acontece quando você remove os elementos de escolha e apresenta a alguém argumentos que vão contra sua visão de mundo? Neste caso, o processo cognitivo que vem antes é o 'Viés Desconfirmante', o oposto do 'Viés Confirmante'. É aqui que as pessoas gastam significativamente mais tempo e pensam ativamente argumentando contra argumentos opostos.
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Isso foi demonstrado quando Republicanos que acreditavam que Saddam Hussein estava ligado aos atentados de 11/9 receberam informações de que não houve conexão entre os dois, incluindo uma citação direta do Presidente Bush. Apenas 2% dos participantes mudaram de opinião (apesar de que interessantes 14% negaram que acreditavam no link pra começar). A vasta maioria se apegou à conexão entre o Iraque e 11/09, empregando uma série de argumentos para deixar de lado as evidências. A resposta mais comum foi uma reforço na atitude - trazendo fatos que apoiam a visão de mundo enquanto ignorando qualquer fato contrário. O processo de trazer antes fatos apoiadores resultou num fortalecimento das crenças erradas das pessoas. Se fatos não podem dissuadir uma pessoa da sua crença pré-existente, e pode as vezes fazer as coisas piorarem, como é possível reduzir as desinformações? Existem duas fontes de esperança. Primeiro, o efeito da visão de mundo é mais forte entre aqueles que já estão fixados nas suas visões. Você, então, está frente a uma grande chance de corrigir desinformação entre aqueles que não estão fortemente decididos sobre assuntos polêmicos. Isso sugere que o alcance deve ser direcionado àquela maioria indecisa do que a minoria que não escuta. Segundo, mensagens podem ser apresentadas de formas que reduzem a resistência psicológica mais comum. Por exemplo, quando mensagens que ameaçam a visão de mundo de alguém são juntadas com a chamada auto-afirmação, as pessoas ficam mais balanceadas em considerar informações a favor ou contra. Auto-afirmação pode ser conseguida pedindo para as pessoas para escreverem umas poucas frases curtas sobre um tempo em que elas se sentiram bem sobre si mesmas, porque agiram segundo um valor que é importante para elas. Assim, as pessoas começam a ser mais receptivas às mensagens que, de outro modo, poderiam ameaçar sua visão de mundo, comparado com pessoas que não receberam o efeito da auto-afirmação. É interessante, o efeito "auto-afirmação" é mais forte entre as pessoas cuja ideologia é central para seu senso de auto-valor. Outro jeito em que a informação pode ser feita mais aceitável é "recortando" ela, de um jeito que seja menos ameaçadora à visão de mundo da pessoa. Por exemplo, Republicanos são mais prováveis de aceitar uma política que não tenha a palavra "imposto" ou "taxa", ao contrário de Democratas e
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Independentes, porque seus valores não são contestados pela palavra "imposto". Auto-afirmação e recorte não são sobre manipular pessoas. Isso dá uma chance aos fatos na luta contra a desinformação.
PREENCHENDO O VAZIO COM UMA EXPLICAÇÃO ALTERNATIVA
Assumindo que você negociou de forma efetiva os vários efeitos 'pela culatra', qual a maneira mais efetiva de desmascarar um mito? O desafio é que uma vez que a desinformação entra na cabeça da pessoa, é muito difícil de tirá-la de lá. Esse é o case mesmo quando as pessoas lembrar e aceitam a correção. Isso foi demonstrado em um experimento em qeu as pessoas liam uma ficcção sobre um incêndio em um armazém. Foram feitas menções à latas de tinta e gás durante a explosão. Depois, na estória, foi deixado claro que tinta e gás não estavam presentes no incêndio. Mesmo quando as pessoas lembravam e aceitavam essa correção, eles ainda citavam tinta e gás quando perguntados sobre o incêndio. Quando perguntados "Porque você acha que tinha tanta fumaça?", as pessoas rotineiramente invocavam
a tinta à óleo mesmo recém reconhecido que não havia. Quando as pessoas escutam desinformações, elas constroem um modelo mental, com o mito fornecendo a explicação. Quando o mito é desmascarado, um lapso é deixado no seu modelo mental. Para lidar com esse dilema, as pessoas preferem um modelo incorreto do que um modelo incompleto. Na ausência de uma explicação melhor, elas optam por uma explicação errada. No experimento do incêndio do galpão, quando uma explicação alternativa envolvendo fluido de isqueiro e acelerante foi oferecida, as pessoas geralmente não citavam mais o gás ou as tintas. A maneira mais efetiva de reduzir a desinformação é oferecer uma explicação alternativa para os eventos presentes na desinformação.
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A estratégia é ilustrada claramente em cenários de julgamentos de assassinatos ficcionais. Acusando um suspeito alternativo aumenta expressivamente o número de vereditos 'culpado' de participantes que agem como juris, comparado com a defesa que meramente explicava porque o acusado não era culpado. Para a alternativa ser aceita, deve ser plausível e explicar todos os fatores observados do evento. Quando você desmascara um mito, é criado um lapso na mente da pessoa. Para ser efetivo, seu 'debunking' deve preencher esse lapso. Um vazio que talvez requer preenchimento é explicar porque o mito está errado. Isso pode ser alcançado expondo as técnicas retóricas usadas na desinformação. Um punhado de referencias de técnicas comuns a vários movimentos que negam consensos científicos é encontrado no Negacionismo (Denialism): o que é e como os cientistas devem responder? Essa técnica inclui 'escolher a dedo' informações, teorias da conspiração e especialistas falsos. Outra narrativa alternativa pode ser explicar porque os desinformantes promoveram o
mito. Levantar suspeitas da fonte da informação tem mostrado redução na influência da desinformação; Outro elemento chave para refutar efetivamente é usar um aviso explícito ('cuidado, voce está sendo enganado') antes de mencionar o mito. Experimentações com diferentes estruturas de refutação se mostraram mais efetivas combinadas incluindo uma explicação alternativa e um aviso explícito. Gráficos são também uma parte importante das ferramentes de refutar, e são significativamente mais efetivas que um texto ao reduzir noções errôneas. Quando as pessoas lêem uma refutação que vai contra suas crenças, elas aproveitam ambiguidades para construir uma interpretação alternativa. Gráficos apresentam mais clareza e menos oportunidade para uma interpretação errada. Por exemplo, Republicanos aceitaram mais o aquecimento global quando viram gráficos de temperatura do que aqueles que receberam a informação escrita. Se o seu conteúdo pode ser expressado visualmente, sempre escolha colocar um gráfico na sua refutação.
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ANATOMIA DE UM DESMASCARAMENTO EFETIVO Trazendo todas as etapas junto, um 'debunking' efetivo precisa de: - Fatos Nucleares: a refutação mostra ênfase no fato, não no mito. Apresente apenas fatos chave para evitar um tiro pela culatra por exagero. - Avisos explícitos: Antes de mencionar um mito, pistas visuais ou escritas devem mostrar que a informação que vem é falsa. - Explicação alternativa: Quaisquer vazios deixados pela desmascaração precisa ser preenchido. Isso pode ser alcançado apresentando uma explicação alternativa casual de porque o mito está errado e, opcional, porque os desinformantes promoveram o mito em primeiro lugar. - Gráficos: Fatos centrais devem ser colocados graficamente se possível.
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