Baltazar Ushca

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BALTAZAR USCHA

O Homem de Gelo Por Wagner Esteves


D EDICATÓRIA

Toda obra pelo esforço aplicado em sua elaboração, para lá de ser oferecido tem o autor o mister de dedica-la.

Eu não poderia deixa-lo de fazer de uma maneira gentil e sincera: Eu te dedico Shodileyne Marcela, por me entusiasmar e arrimar esse meu passatempo que é a fotografia, pela maneira sempre responsável de reprochar o resultado de cada um dos meus disparos, que se revelam em forma de imagens.

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S OBRE O A UTOR

Sobre o Autor

Wagner Esteves, nascido em 09 de junho de 1976 em Itanhandu - Mg - Brasil. Engenheiro de Planejamento de profissĂŁo, tem como passa tempo e uma de suas paixĂľes a fotografia.

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Divisor de Águas

Na primeira parte do dia, assinamos os documentos, nos tiraram duvidas entre outras coisas. Após o almoço regressamos a sala, onde nos esperava uma banca de palestrantes, foi onde tudo começou, aquilo não tinha nada a ver com o trabalho, e sim com uma imersão cultural, um senhor que já trabalhara por mais de uma década naquele país nos ensinara o antes e o depois da guerra civil que assolara aquele pais, nos contava sobre a taxa de mortalidade pela contaminação da AIDS, as doenças que assolam os países africanos como: febre amarela, doença do sono (tsé-tsé), malária, paludismo, entre outras, que se não nos matassem nos deixariam com sequelas pro resto de nossas vidas.

Todos nós temos os divisores de águas em nossa vida, um acontecimento que cria uma marco ente um “antes” e “depois”. Certamente eu tive vários ao longo desses quarenta anos de minha vida, certamente o que sempre vem em minha memória como se ainda fosse ontem, foi o ocorrido no dia 24 de outubro de 2008, naquele dia acordei bem cedo e tomei um voo de São José dos Campos - SP ao Rio de Janeiro - Capital, sem saber que estava preste a mudar a maneira de como passaria a ver a minha circunvizinhança a partir daquela ocasião.

Naqueles momentos não se ouvia nenhum outro som na sala a não ser a voz do palestrante, em minha mente passava uma única: Eu não vou entrar naquele avião, daqui eu volto pra São José dos Campos agora mesmo. Já estava guardando minhas coisas e prestes a interromper aquilo tudo e pedir que rasgassem meu contrato de trabalho, quando um outro palestrante se levantou e começou a falar de suas experiências na Republica de Angola, sobre seu território, suas fronteiras, da colonização portuguesa, até que de sua voz veio a palavra mágica que talvez tenha mudado minha maneira de pensar:

Chegando a capital carioca me dirigi ao hotel O.K, aonde assinaria meu novo contrato de trabalho, passaria ali o dia e ao final da tarde embarcaria para a Luanda - Angola. iii


“Aculturação: processo de modificação cultural de indivíduo, grupo ou povo que se adapta a outra cultura ou dela retira traços significativos”

Em seguida essa mesma pessoa nos orientou: vocês precisam passar por um processo de fusão de culturas decorrente de contato continuado, os angolanos tem sua própria cultura, ninguém dessa sala está indo pra lá para colonizar, escravizar ou ensinar sua cultura, se deixem apaixonar pela Africa e por sua cultura. Estudem sobre esse povo, forma de vestir, de falar, suas danças, trajes e religião. Aquela palavra: aculturação fez com que eu tomasse aquele voo e permanecesse por quase dois anos naquele país, meu pesar é que aquela época ainda não tinha essa fascinação que tenho hoje pela fotografia, mais nem por isso deixei de me aculturar. Provei da culinária, escutei suas músicas, usei o famoso “Bubu” um traje colorido e muito bonito, conheci suas províncias, fiz amigos e não me arrependo sequer de um segundo por tudo que tive oportunidade de ter o contato. Passado mais dois anos de meu retorno ao Brasil, tive a felicidade de ser convidado novamente a trabalhar fora do país, dessa vez meu destino seria um país da América do Sul mais especificamente o Equador. Em poucos minutos de desligar ao telefonema, onde estávamos tratando de assuntos específicos quanto ao trabalho, quase que imediatamente sem sombras de dúvidas depois de

alguns bons gritos de felicidade na sala do apartamento, corri para o computador, precisava de aculturação, me veio instantaneamente aquele dia, o divisor de águas, e de imediato me deu uma sede de Equador, precisava saber: qual é a capital, quais idiomas se falam além do espanhol, o que comem, como se vestem, quais suas danças, altitude, qual é o mar que banha esse país, quantos habitantes e quantas províncias. Em poucos dias me encontrava em um mine povoado chamado Cielo Verde, um “pueblito” com menos de 250 pessoas, um campo de futebol ao meio e casas de madeira em seu entorno, a cidade mais próxima Pedro Vicente Maldonado ficava a duas horas de carro e Quito a capital pelo menos mais três. Horas de estrada sinuosa e com imensas subidas e descidas devido a formação geográfica da região. Foi na escala do voo de Guarulhos-Panamá-Quito, na cidade do Panamá que tive a feliz idéia de comprar minha câmera fotográfica uma Canon T3i, como um leigo, pensava que tinha adquirido a supra-sumo das digitais, a mais possante das ferraris fotográficas. Chegando ao Equador, coloquei a super potente câmera que havia adquirido recentemente em meu armário e por lá permaneceu por longos e duradouros quatro anos sem nenhum disparo. Em um dia ensolarado de Quito, com aquele céu difícil de se ver, sem nenhuma nuvem e com uma temperatura agraiv


dável, logo de passar por um processo aculturação interna, deixava de ser uma pessoa casada e passava a ter a palavra divorciado registrado em minha cédula de identidade equatoriana. Sim por mais cômico que se parece nesse país, se registra o estado civil em seu RG, aquilo me soava meio estranho, mais sempre me lembrava da palavra mágica “cultura”, e passava a ser mais um cidadão equatoriano recém divorciado. Foi ai que tive a grande idéia de abrir um mapa e fazer uma grande circulo com uma distancia que poderia me locomover em meu automóvel por duas horas, conhecer algum lugar e retornar ao meu apartamento no mesmo dia, geralmente aos domingos. Sim somente aos domingos porque usualmente meus sábados são laborados. Tirei a câmera do armário, carreguei a bateria, e comecei a pesquisar, me vieram lugares que me pareciam sair de historia de revistas e que não poderiam estar tão perto de mim tais como o Quilotoa, Machachi, Baños de Agua Santa, e vinham lagunas e mais paisagens, vulcões, sem contar o centro histórico de Quito, teleférico, Cotacachi, e não parava mais de surgir nomes, lugares, cidades. Minha vontade era de largar o emprego e sair viajando e fotografando, típico desejo imediatista irresponsável. Logo aquela vontade interminável de cultura passou, pois no amanhecer do dia ja era segunda feira e a rotina voltou novamente.

Em minhas andanças por Quito afora, em um desses domingos ensolarados conheci um adepto ao aero-modelimo e das fotografias, um jovem que abrira uma empresa de levantamento topográfico e que utilizava pequenas aeronaves com voos pré programados, fazendo levantamento de grandes áreas em pouco tempo. Ele me contara que havia ganhado um concurso de fotografias em Quito e que com isso conseguira comprar uma câmera melhor, se via seu entusiasmo em sua fala. Geralmente aos domingos nos encontrávamos junto com os demais “Parkflyers” no parque Bicentenário ou em outro local pre determinado para subir e descer nossos drones, aviões ou qualquer outra coisa que se chocara contra o piso, quando nos faltara habilidade, que quase sempre colocávamos responsabilidade em um servo motor ou no radio ou em uma rajada de vento inesperada, tudo mentira, o problema estava entre o piso e o controle remoto. Foi em um desses domingos que esse jovem me contou sobre sobre seus voos a trabalho e que havia estado cerca do vulcão Chimborazo fazendo uma exibição sobre utilização de drones para controle de pragas em plantações de batatas, inclusive em essa demonstração havia levado um hexacoptero que eu mesmo havia comprado as peças na China, montado e testado. Sim funcionava e voava com perfeição, o tenho guardado até hoje. Em seguida me disse, esteve bem perto da terra de um dos equatorianos mais conhecido mundialmente, o Sr. Baltav


zar Ushca, e com um tom entusiasmado me disse logo, vamos até o Chimborazo para fazer umas fotos dele, eu sem pestanejar com a cabeça balançando para cima e para baixo em sinal de positivo confirmava participar de seus planos. Se passaram quase dois anos desde o primeiro plano e desde então todas as vezes que nos encontrávamos ele me dizia amigavelmente: Wagner para quando vamos nos encontrar com o ultimo geleiro do Chimborazo, e eu sempre lhe dizia, vamos no próximo final de semana?

Me atende a ligação uma voz “catafónica” seguida de tosses que me diz “hola pana”, não estou bem, estou muito resfriado e não poderei ir conhecer o nosso guia ilustre, gostaria muito de ir, mas não estou em condições de sair da cama, já tomei um par de remédios e um bom “caldo de gallina”, espero que tenha um dia muito bacana e que consiga tirar fotos maravilhosas, aproveite muito. Bem, lhe disse, melhoras, quando chegar eu te conto como foi e te mando as fotos.

Até que um dia esse amigo me escreve: sábado dia 30/ 09/2017 sairá uma excursão de Quito rumo ao Chimborazo e serão guiados pelo ultimo “hielero” vamos? eu de imediato disse “passame la voz”, assim obtive o telefone e reservei meu lugar. Durante quase toda a semana o entusiamo não me faltava, vinha a todo momento na cabeça “me vou ao Chimborazo guiado pelo homem que mais conhece aquele nevado” Paguei o passeio, arrumei a matula, carreguei as baterias, limpei as lentes, separei as “chompas”, tudo preparado e em minha mente vinha uma palavra “rumbo al chimborazo”, vamos conhecer o Homem do Gelo. O passeio sairia no sábado, ao final do trabalho chegando em casa, quase me preparando pra descansar pro grande dia, lembre de ligar pro amigo e perguntar se estava entusiasmado com o próximo dia.

Eu fui ele não!

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O Outro Título

O Dia que caminhei com

Quando voltava a caminho de Quito, depois de uma tarde emocionante, com uma das mais belas das paisagens andinas eu me perguntava o que faria com o material fotográfico que tinha guardado no cartão de memória de minha câmera. Ao meio do cansaço da caminhada rumo ao majestoso Chimborazo, vinha em minha cabeça fazer um post em um blog ou algo parecido, todavia me parecia pouco pra retratar aquele momento único e incomparável, me surgiu quase de imediato a idéia de um foto-livro. Quase que instantaneamente me auto-sugeria seu título!

Baltazarr Ushca vii


D E Q UITO A U RBINA

Urbina

Estação Urbina, uma parada à beira do Chimborazo Chegar a este lugar gera uma grande emoção, por estar tão próximo ao pé do mais alto nevado do mundo e do ponto mais próximo do sol, o imponente Chimborazo. Essa é a famosa parada do Trem de Gelo. O Lugar foi restaurado para receber seus visitantes com conforto e beleza.

Abriga um museu sobre o trem do gelo, restaurante e uma feirinha com objetivo de apresentar aos visitantes o artesanato local, como luvas, casacos, lenços feitos com lã de alpaca, entre outros produtos. Esses artigos são feitos por mulheres locais, que se unem para fabricá-las e oferecê-las aos turistas.


O Trem de Gelo: trem turĂ­stico que faz o trajeto Rio Bamba - Urbina - Rio Bamba


Estação de Trem Urbina: Ao pé do Chimborazo a estação recebe turistas do mundo inteiro.


Ferrocarriles Ecuador: A empresa pública equatoriana, mantém sua malha ferroviária impecável


Alpacas: os camelĂ­deos sul americanos fazem parte das paisagens dos Andes


Canelazos: bebida tĂ­pica equatoriano que ajuda a espantar o frio


Camelídeos: Ao longo dos altos caminhos andinos, elas costumam acompanhar o passo dos pastores com uma graça admiråvel.


Auto- Retrato: enquanto esperรกvamos nosso ilustre guia, me sobrou tempo para um auto disparo.


Saímos de Quito as 7:15 do dia 30 de setembro de 2017 rumo a estação Urbina, tomamos a Panamericana E-35 sentido a província de Chimborazo, ainda que o tempo estivesse chuvoso e nublado, nosso guia entre a pausa que fazia sobre equipamentos de escaladas, botas, meias especiais, camadas, casacos, nos relatava suas experiências por quase todos os picos mais dos mais altos dos vulcões da cordilheira dos andes equatoriana, e nos informava com muito bom humor: nesse exato momento se olharem a sua direita avistarão o vulcão Cotopaxi e detalhava sua altitude sua formação, ultima erupção, que estava fechado para escaladas, porém que até dezembro/2017 se esperava com muita ansiedade sua reabertura, inclusive já havia reservado a data de 16 de dezembro em sua programação de escaladas para fazer o nevado até o seu ponto mais alto. Novamente retomava as atividades dentro do transporte coletivo para que a viagem se torna-se mais agradável possível, trazendo informação sobre montanhismo, alimentação saudável, digestão, hidratação e um sua dinâmica de memorizar os nomes e gravar “tips” relacionados a cada nome falado, novamente se voltava e dizia: a nossa direta como podem ver está localizado a reserva ecológica dos Llinizas, estamos programando a escalada do llinizas norte no próximo mês de outubro, e com um nível de detalhe impressionante descrevia novamente sua formação rochosa, elevação sobre o nível do mar, dificultada de se chegar até o pico entre outra. E assim fomos até Ambato, sem perceber, quando nos demos conta já estávamos na estação de trem Urbina, ao pé do gigantesco Chimborazo.

Um vento gelado e um céu escuro, que anunciava uma chuva, nos recebia na entrada da Estação. Logo de nossa chegada o gigante de aço, o trem do gelo parou na estação nos presenteando com essa belíssima paisagem que seria mais perfeita ainda se o tempo estivesse aberto e o majestoso Chimborazo como pano de fundo. Cruzamos a via férrea e nos dirigimos até a Pousada da Estação, um aconchegante espaço não tão somente que serve de hotelaria, más também como um pequeno espaço para os turistas visitar e conhecer um pouco mais sobre a cultura andina equatoriana. Caminhando até o pátio dos fundos da pousada se pode ver as enigmáticos arvores de papel. Muitas pessoas arrancam um ou vários pedaços para leva-los como uma recordação da beleza natural dessa zona. Entre alguns turistas, uma cabana de palha natural dos páramos andinos, é possível acercar-se das alpacas, elegantes e atentas a qualquer interrupção de sua paz natura. Um par de vacas e cavalos que adicionam cenas bucólicas a paisagem. Na cabana de palha alguns artesanatos e um fogão a lenha, sobre o fogão uma chaleira com água para preparar o “Té de Coca” e em outro recipiente de onde se emanava o típico cheiro do famoso e original “canelazo” que é preparado fervendose água com canela e açúcar ou rapadura, misturado então com uma bebida alcoólica local, feita da cana-de-açúcar, chamada de punta. Pra quem está com frio, o “canelazo” é efetivamente uma bebida que aquece.

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Antes de cruzar a via férrea me sobrou tempo de um auto-retrato, posicionei a câmera sobre os dormentes que apoiam os trilhos, acionei o modulo wifi da câmera, emparelhei a DSLR com meu telefone celular e com a mão sobre as pernas um leve disparo, tempos modernos com auto-retratos quase profissionais, se não fosse eu um mero fotógrafo amador. Mais alguns passos adentrei a estação Urbina, em uma porta o museu do trem de gelo, em outra um restaurante e logo a seguir uma muito bem organizada loja de “Souvenirs”, os atendentes como de praxe de uma educação incomparável em seus trajes e vestimentas locais. Subitamente fomos interrompidos de nossas compras, pelo dono da pousada que nos informara que o nosso ilustre guia rumo ao glacial do Chimborazo acabara de chegar. Era a hora de conhecer o ilustre senhor Baltazar Ushca - O Último Geleiro do Chimborazo.

mou e me disse: poderia trazer seu modelo para que meu pai vê-lo? seguido da pergunta: foi você mesmo quem o construiu? Me aproximei do senhor que estava sentado em uma cadeira apreciando os modelos passando pela cabeceira da pista sobre seus olhos, quando me dei conta, lá estava ele, o senhor “Mashi” uma palavra em quíchua popularizada pelo próprio presidente equatoriana, com significado “companheiro”, tamanha popularidade que sua conta no twitter tem o prefixo @MashiRafael. Aproveitei a ocasião e lhe perguntei se poderíamos tirar uma foto, ali estávamos entre poucas emoções entre ambas as partes, Rafael Correa, meu ugly stick vermelho com suásticas nazis e eu, o pior aeromodelista de Quito, um encontro frio e nada esperado.

Confesso que já havia estado com o primeiro mandatário do Equador, a época o Senhor Presidente Rafael Correa, em uma manhã dominical de voos de aero-modelos no parque Bicentenário em Quito, seu filho também apaixonado por este passa tempo, por vezes escutava que o mandatário dava as caras por ali e costumava passar horas no parque.

Voltando a estação Urbina, dessa vez era diferente, a sensação era impar, eu iria conhecer o Rei do Chimborazo, o homem que caminhava até o imponente, o ponto mais próximo ao sol, arrancava blocos de gelo, os colocava sobre seus burricos e regressava ao mercado para vende-los.

Uma certa manhã, me preparava para mais de um de meus frustrados, com muitas quedas e pouco voos, e chega um senhor com sua bicicleta acompanhado de outros ciclistas, logo atrás um menino franzino, e eu sem perceber estava sendo vigiado de bem perto por seus guardas-costas, que reparavam a qualquer movimento dos “parkflyers”, o tal menino se aproxi-

Deixei os souvenirs de lado e fui em direção ao ônibus, subindo as escadas, me deparo sentado no primeiro assento “o homem” em sua vestimenta típica, bota negra, calça preta, um poncho de lã muito espesso, chapéu típico andino e sorriso no rosto e com polegar em riste indicando um jóia a quem subisse ao coletivo. Sentado no assento posterior ao seu, também muito bem trajada com um elegante chapéu negro com uma 17


facha branca, cabelos longos, saia com temas andinos, uma camisa branca que destacava seu colar de contas vermelhas, um poncho vermelho com um alfinete grande dourado que o prendia e uma espécie de xale azul, nada ocasional para uma caminhada morro acima em sentido ao Chimborazo. Em seguida a senhora se levantou, em seu sotaque quíchua falando um espanhol com sua total simplicidade, agradeceu a todos que estavam ali, se apresentou como a filha mais velha da família, contou sobe a vida de 50 anos de labor do “Taita Baltazar”, que em quíchua significa “o homem mais velho merece respeito”. Nesse momento o silencio imperava, apenas suas palavras emanavam pelo ar com as palavras que enchia de informação os ouvidos mais atentos, explanações sobre os mais de cinquenta anos de trabalho de seu pai e suas inda e vindas do mercado de Riobamba ao glacial, e do glacial ao mercado com as enormes pedra de gelos.

Estávamos no caminho percorrido diariamente por um dos homens mais conhecido do Equador. Ao descer do coletivo, todos com muita euforia cercam o senhor que leva uma vida inteira subindo e descendo sua montanha em busca de gelo. Se inicia a série de perguntas e caminhada.

Logo vieram algumas perguntas, contestadas sempre com um muito obrigado antes de cada resposta. Sem muita ligação com a curiosidade do coletivo a gentil descente Ushca começou a discursar sobe “comida de chatarra”, o que para nós significa “fastfood”, enfatizando que a longevidade dos Ushcas têm como base a alimentação saudável com muito milho, habas, cuy, batatas entre outros produtos orgânicos de cultivo próprio. O coletivo seguiu por mais alguns minutos, tomou um acesso a uma estrada de terra, logo estacionou.

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C APÍTULO 2

Balzatar Uscha

Baltazar Ushca, um quíchua de 75 anos, é conhecido como o último “Hielero” do Chimborazo. Seu ofício poderia ser um dos mais ameaçados pelo aquecimento global ainda mais no Equador, cujas geleiras são reduzidas ano após ano.


Os Ushcas: Sr. Baltazar e a filha nos recebem com muita simpatia, na estrada mais conhecida como “o caminho do gelo�


Ao mesmo tempo que revisava a mochila com os apetrechos fotográficos, planejava algumas perguntas que gostaria de fazer ao homem de gelo, tentava elabora-las, porém uma única e simples questão não deixava que fossem elaboradas outras perguntas, ela vinha em minha mente toda hora: “E se o gelo desse colosso de 6.310 metros localizado ao Sul do Equador se acabar com o aquecimento global?” A resposta em uma voz que se misturava com um sotaque quíchua, com tom sereno, não poderia me causar maior surpresa: “Nunca ouvi dizer e tão pouco me falaram que se acabará o gelo. Se acontecer será o Fim do Mundo.”

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Ushca: o Homem de Gelo, Sr. Baltazar, um senhor de 75 anos que nĂŁo acredita em aquecimento global.


O Ăşltimo geleiro da montanha mais alta que o Everest


Passado um pouco a euforia e após algumas palavras do Sr. Ushca, me veio a cabeça uma pergunta “O Senhor sabe que o Chimborazo é a montanha mais alta do mundo quando medida desde o centro da terra? Mais alta que o Everest, que foi considerado sempre com o teto do mundo?

Sem pestanejar: “No sé” - Não sei

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Sim, o senhor Baltazar Uscha, o último geleiro do Chimborazo sabe que a grande montanha fica a quatro horas a passos bem largos de sua casa, caminho que é sua rotina, seu trabalho, sua vida. Começamos a caminhar e lhe disse: hoje está muito nublado e chuvoso o senhor acha que o Chimborazo nos dará as caras? Sami (Sorte em Quíchua), você me parece ser um homem de boa Sorte Wagner, sim você verá a majestosa montanha, me responde o senhor que caminha com passos compassados e ligeiros em seus mais de setenta anos de vida, com isso deixou quase todo o grupo para trás e seguia adiante. Antes de elaborar outra pergunta ele me disse: você caminha rápido igual a Baltazar, vamos chegar logo la em cima, você vai ver, toda vez que estou próximo a montanha me recordo do meu pai, ele era como o “Taita Chimborazo”, tinha a carinha branca e os cabelos brancos. Então o senhor Wagner me disse que “el Chimbo”, é a montanha mais alta do mundo desde o centro da terra? Parecia interessado em saber e desfrutar da caminhada com a informação de que os 6.634,416 Quilómetros que separam o pico de seu "taita Chimborazo" do centro geológico da Tierra superam de longe as medidas do Everest. Sim lhe confirmei e o Chimborazo é o rei e o senhor, Baltazar, seu último geleiro. Sorrindo me disse: Brasileiro é engraçado! 25


Traje Andino: Eles se vestem em camadas como uma “cebola�, se esta quente tiram camadas, se esta frio agregam camadas.


Razu Surcuna: o caminho do gelo, trajeto percorrido por Baltazar Uscha em seus 50 anos de trabalho.


Ao meio dos meus apetrechos fotográficos um bloco de papel com algumas anotações, perguntei ao Senhor de passos rápidos, se “mientras” caminhávamos poderia ler algumas anotações que tinha feito, ele em sinal de positivo balançou a cabeça. Até o século XIX se considerou o Chimborazo como a mais alta montanha do planeta terra, esta reputação levou a muitas pessoas tentar chegar ao seu ponto mais alto, especialmente durante os séculos XVII e XVIII. En 1802 o famoso barão Alexander Von Humboldt, acompanhado de Aimé Bonpland e o equatoriano Carlos Montúfar, tentaram chegar ao seu cume, porém desistiram quando chegaram aos 5875 msnm por causa do “soroche” (mal-estar caudado por os efeitos da altitude), nesse ponto o barão se encontrava na mais alta parte da montanha conquistada por um europeu O primeiro a chegar ao cume foi Edward Whymper com os irmãos Louis y Jean-Antoine Carrel em 1880. Muitas pessoas duvidavam de seu êxito, Whymper subiu outra vez, por um camino diferente no mesmo ano com dois equatorianos David Beltrán y Francisco Campaña. Sabia o senhor que em um dia ensolarado, com o céu bem limpo, eu já avistei o Chimborazo, desde a cidade Guayaquil, que está a 142 km? Sorridente me respondeu: E porque teve que ir tão longe, 142 km de distância, se Baltazar poderia te levar até ele? pra que foi tão longe “guagua Wagner”, que em quíchua quer dizer “jovem Wagner”. 28


Anteriormente: existiam 40 homens que subiam ao Chimborazo para cortar gelo, as geladeiras substituĂ­ram seu trabalho.Â


O Ponto da Terra mais prรณximo ao Sol


Sombrero: o chapéu andino feito de lã de carneiro, expressa o estado civil e a relação com a terra.


Nessa altura da caminhada já haviam se passado pelo menos uma hora e meia e a subida parecia interminável. Sua filha se aproximou e muito sabiamente me disse: Então se o “Chimbo” é a montanha mais alta da terra, podemos dizer que é o ponto mais próximo ao Sol. Confirmando sua pergunta lhe respondi que sim. Que efetivamente o Vulcão equatoriano é o ponto mais próximo ao espaço exterior, já que medido desde o centro da terra é a montanha mais alta do planeta, superando em dois quilómetros a altura do Everest, por esto carinhosamente se diz que é ponto mais próximo ao Sol. No entanto, a inclinação do eixo da Terra atinge, além das diferenças de altura entre os diferentes pontos da crosta Terrestre, que os pontos mais próximos do Sol são, dependendo do dia do ano, daqueles ao redor do Trópico do Câncer ( 20/21 de junho, solstício de verão no hemisfério norte) para aqueles que fazem fronteira com o Trópico de Capricórnio (21/22 de dezembro, solstício de verão no Hemisfério Sul); Por sua vez, os pontos do globo na linha equatorial são apenas candidatos para serem mais próximos do Sol nos tempos intermediários, dos equinócios (20/21 de março, 22/23 de setembro). Tendo em conta o fato de que os raios do sol chegam perpendicularmente na zona equatorial, a quantidade de energia recebida por unidade de área ao nível do solo é maior no equador do que nos pólos. Uma pequena pausa para descanso e uma foto! 32


Uma pergunta para o perguntador: “Parece que o “guagua Wagner” gostou do animalito, quer compra-lo, é da prima Ushca?

“Não tenho uma “finca” no Brasil para colocá-la senhor Baltazar. Se referindo a bela Alpaca que muito curiosa nos vigiava

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Curiosidade: os camelĂ­deos sul americanos tem como caracterĂ­stica sua curiosidade, sempre atentas a qualquer movimento.


Burrico: do alto de um morro, o burrico nos observa enquanto seguimos nossa caminhada rumo ao Chimborazo.


Em tom descontraído: “Sr. Uscha, mas aquele burrico lá em cima está a venda também?

“Brasileiro engraçado!” E apontou sua vista para o morro

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Paramo: também é classificado biogeograficamente como prado, vegetação rasteira, abriga muitas espécies como os condores.


Parou a chuva: “Taita Baltazar, parou a chuva olha quem esta dando as caras!”

“Sr. Wagner, eu lhe falei que o senhor é um homem de sorte” E sorriu olhando para o Chimborazo entre a névoa

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Chimborazo: em meio a nĂŠvoa o ponto mais alto da terra com seus 6.268 msnm, o ponto da terra mais prĂłximo ao sol.


Páramo: é um ecossistema de montanha intertropical com predominância de vegetação seca e rasteira


Chimborazo: um estratovulcão do Equador e a mais alta montanha do país. situa-se perto de Riobamba, a cerca de 180 km de Quito.


Enquanto descansamos, segue a conversa, eu pergunto ao senhor mais conhecido dessas terras por onde nos encontrávamos. O senhor sofreu algum acidente nessas suas subidas ao imponente vulcão? No final de um mês de fevereiro, enquanto trabalhava nas encostas do nevado, ele sofreu um acidente. Um enorme bloco de gelo quase o esmagou depois que ele foi removido. Enquanto se esquivava, o bloco de gelo o golpeou em seu pé. Ushca estava sozinho. Como a maior parte do tempo, quando ele escala a montanha. Sem se queixar, ele conseguiu montar um dos burros e voltou para casa ferido. Mais de cinquenta anos como Geleiro e um único acidente. Este é Baltazar Uscha. Seguindo a conversa me contou que não dói, que não sente medo, que sempre trabalhou muito tranquilo, e que o ocorrido já ficou no passado, já foi superado e esquecido, aquele grande pedaço de gelo que trazia sustento a família em toda sua vida daquela vez havia lhe causado um acidente jamais ocorrido anteriormente. Onde o senhor mora? Vivo em uma pequena casa de paredes de cimento e telhas de zinco, em “Las Cuatro Esquinas”, uma cidadezinha a três horas de Quito capital do Equador. Pouquíssimos habitantes, menos pessoas que na capital quando os espanhóis chegaram, responde sorrindo. Pela descrição veio a minha cabeça um território como muitos outros em qualquer país sul-americano. Com muros repletos de cartazes de campanhas eleitorais passadas, nada muito estranho para quem vive nos andes.

Sem se importar com o peso de sua idade e da lesão, Baltazar conta com muita alegria e paciência suas aventuras pelas encostas geladas. Sempre se remete ao passado sente falta de seu "taita". Ele se orgulha do trabalho que labora desde que tinha 15 anos e herdou de seus antepassados. "Eu costumava ir com meu pai e minha mãe, toda a família trabalhava com o gelo, sempre nos pediam mais e mais gelo. O Papo seguia firme, tão firme quanto aos passos do senhor Baltazar, eis que me surge uma pergunta: E as geladeiras senhor Baltazar? aqueles eletrodomésticos que mantêm a temperatura dos alimentos por meio do frio gerado por um compressor, movido por um motor? Tiro meu pequeno caderno de anotações e começo a lhe contar minha pequena pesquisa: Em 1856, uma fábrica australiana de cerveja contratou o também australiano James Herrison para elaborar um sistema que fosse capaz de refrigerar e manter a temperatura do produto baixa, usando o princípio da compressão de vapor. Em 1854 foi feito o primeiro sistema refrigerador para a indústria de carnes, em um frigorífico de Chicago, EUA. Em 1866, também nos Estados Unidos, foi feito outro aperfeiçoamento da invenção, o que permitiu a refrigeração de frutas e legumes. Até então, todas as geladeiras criadas eram usadas para fins industriais. A primeira geladeira doméstica surgiu em 1913 e foi chamada de “Domelre” (Domestic Electric Refrigerator), nome que posteriormente foi substituído. 42


Imediatamente ao deixar de contar a história das caixas de lata que conservam alimentos, o Sr. Baltazar balançando a cabeça negativamente lamenta que os refrigeradores tenham substituído seu trabalho. Trabalhava junto a seus familiares por muitos e muitos anos, com o aparecimento das geladeiras, a procura diminuiu em muito, passou a fornecer para apenas dois velhos conhecidos no mercado de Riobamba, capital da província que compartilha o nome do nevado. Complementa, o gelo do “Chimbo” é natural, defende Uscha. E muito bom para os ossos, sabia jovem Wagner que é excelente antídoto para o “chuchaqui”? ressaca em quíchua. Antes eu o vendia para fazer sorvetes, preparar bebidas, agora pela magia dos refrigerados se transformou em apenas uma atração turística. As vendedores do mercado exibem seus anúncios que indicam a procedência do seu gelo “do ponto mais alto da terra”, as pessoas ficam entusiasmada, tocam o gelo, provam, sorriem, ficam encantadas com aquilo. É um trabalho duro, perigoso, não é trabalho de “niño”, fala Ushca, enquanto a sua filha ao meu lado solta uma gargalhada. Eu complemento, não deve ser mesmo Sr. Baltazar, o Chimborazo tem 6.268 msnm, e sua geleira começa a partir dos 5.000 msnm. Escutei que ele recebe seus visitantes com rajadas frias de vento, com neve, com chuva de granizo. Ele me interrompe e me diz, porém Baltazar conhece muito bem e antes de começar a subir em sua direção costumo pedir autorização ao vulcão e suas geleiras para escalar até o seus glaciais, como fiz lá atrás quando começamos a

caminhar jovem Wagner. Sou o ultimo “hielero del Chimborazo”, me diz em um espanhol com sotaque quíchua. Sua língua materna. O quíchua nortenho, quíchua equatoriano ou simplesmente quíchua, é o segundo idioma mais falado de toda a família de línguas quechuas. É falada na serra Oriente do Equador, no sudeste da Colombia e na selva do norte do Perú, por aproximadamente 2.5 milhões de pessoas. É a língua co-oficial junto ao espanhol em três países. Sendo que no Equador existe uma norma conhecida como Kichwa Unificado. Seguindo nosso papo, comento ao senhor Uscha que tinha visto excelentes fotografias dele estampada em reportagens que haviam ganhado prêmios ao redor do mundo com seu rosto. Quase de imediato, me comenta que não tem muito conhecimento sobre isso, porque muitas pessoas já o fotografaram e o entrevistaram e que havia sido convidado para receber um prêmio nos Estados Unidos e que a pedido de sua família não foi recebe-lo. Aproveitando o nosso entorno, o Sr. Baltazar aponta para o trajeto que estamos fazendo, e se direciona para a paisagem que se contrasta com a mudança da vegetação e um colorido diferente entre a grama verde e e palha seca do páramo, a terra arada bem negra e o verde onde pastam algumas ovelhas, todo esse contrate se une o branco do gelo e por onde se olha em qualquer direção lá está a chquiragua. Uma flor da família Asteraceae, em qualquer páramo que estive no Equador, lá estava ela. E seguimos nossa caminhada. 43


Baltazar: por mais de meio sĂŠculo, muitas vezes durante as semanas, subia as ladeiras do Chimborazo para sustentar sua famĂ­lia.


Chimborazo: em dias de cÊu aberto o imponente pode ser avistado desde a cidade de Guayaquil mais de 140 km de distância.


Geleira: a parte superior do monte Chimborazo estĂĄ completamente coberta por glaciares, localizados a 5000Â msnm.


Ponto mais prĂłximo ao Sol: Superando em quase 2km a altura do monte Everest, o Chimborazo ĂŠ o ponto mais alto da terra.


Segue o trajeto e me vem mais uma pergunta “O que o senhor fazia durante as quatro horas de caminhada rumo a geleira?

“Com suas mãos ásperas o geleiro pega um monte de palhas do páramo, as corta, sacudindo contra o vento, com uma habilidade e técnica inigualável, faz uma corda de palhas trançadas. Junta mais um pouco de palhas e me diz: subia juntando palha para envolver o gelo para não derreter e fazendo cordas para amarra-lo”

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O Preço de um trabalho árduo: “Quanto te pagavam por cada bloco de gelo?”

“dois dólares, jovem Wagner”

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Ushca: Enquanto seu pai eu eu conversรกvamos, a jovem Ushca nos observava atentamente.


Voltamos ao nossos passos ao som do vento e da natureza que nos rodeia, estamos no meio do “Razu Surcuna” o caminho do gelo. Um caminho de sedimentos vulcânicos, chovia e fazia muito frio, ao nosso lado uma grande “quebrada” que indica que por ali passou uma grande quantidade de Lahar, (palavra com origem em lahar, avalanche em javanês, uma das línguas da Indonésia) é a designação dada a um movimento de massa exclusivo das regiões vulcânicas, formado pelo deslocamento ao longo de vales ou de encostas íngremes, em forma de avalanche, de lama composta por materiais piroclásticos e água. Sigo os passos do homem de gelo rumo ao Chimborazo, sigo escutando suas palavras. Me comenta que sobre os 5000 metros, chegaríamos ao Glacial. Que pegaríamos algumas ferramentas, com picaretas e outras e começaríamos a cortar o gelo que se depositara no glacial ao longos dos milhões de anos. Quando terminado de corta-lo deveríamos envolve-lo na palha que iríamos coletando pelo caminho, o amarraríamos e o colocaríamos sobre o lombo do burro. De posse dos grandes blocos de gelo deveríamos regressar a cidade para vende-lo no mercado. Tudo isso se fossemos faze-lo, porque hoje Baltazar veio aqui apenas para caminhar com o jovem Wagner, não vamos chegar ao Glacial. Enquanto suas palavras sábias eram ditas, sua filha nos observa confortavelmente deitada no páramo.

Derrepente:

“Juan Ushca se chamava meu pai, era um “cabeça Branca”, filho do taita Chimborazo. Com ele eu aprendi a tirar o gelo, carregar, amarrar. Desde os meus 15 anos quando aceitei seus ensinamentos como minha única herança”

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Trajes Andinos: entre xales e ponchos de lĂŁ de ovelha e alpaca, a jovem Uscha nos espera confortavelmente junto ao pĂĄramo


“Já se foram os dias meu jovem, quando esse caminho era rota de alguns grupos, os geleiros subiam e baixavam pedindo que não lhes passassem o mal da altura “soroche”. Depois passei a fazer esse caminho solitariamente, observando a natureza e conversando com meus burricos que me acompanhavam”. Agora é hora de retornar. Um bom almoço nos espera Sr. Wagner me diz sorrindo nosso guia ilustre, o Homem de Gelo.


El ultimo hielero: em 02 de abril de 2015 o diรกrio The New York Times estampa em sua capa a foto de Baltazar Ushca.


Aprendiz: “Pensei que o senhor iria me ensinar a arte de extrair o gelo da montanha?”

Museu:

“Lá no museu de Guano, Baltazar ensina como fazia”

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A mesa: em qualquer ocasião, grandes vasilhas com “canguil”, acompanhado de ají” para o início da refeição.


Simplicidade: a simplicidade dos indĂ­genas quĂ­chuas e algo incomparĂĄvel.


Retornamos a pousada da estação, um ambiente aquecido por uma lareira onde nos esperava um típico almoço equatoriano. De entrada Locro de Espinaca, um caldo de batatas, folhas de espinafre, queijo fresco, fervido ao leite, temperado com cebolas e manteiga. Como “Segundo” ou “Plato fuerte”, o prato principal um excelente arroz com frango desfiado, não podia faltar o “aji”, um molho de pimenta com tomate de árvore, que acompanha toda e qualquer comida equatoriana. Ah! já ia esquecendo é claro que o caldo de espinafre tem que ser acompanhado do “canguil”, que é a nossa pipoca. Poucas palavras na refeição, apenas se escutava o barulho dos talheres e alguns estalos da madeira pegando fogo na lareira. Uma voz interrompe o silencio. O Homem de Gelo diz:

“Isso e comida, não é essa comida que vocês estão acostumados a comer por ai, essa comida de “chatarra” A menção “chatarra” se referia a comida como se fosse uma sucata, como um material residual, que não funciona ou não tem valor nenhum. Como menção a alimentação influenciada pelas grandes cidades que implica em pouca seleção e preparação dos alimentos.

Aos poucos fomos terminando nosso almoço e nos preparando para seguir nosso trajeto até a cidade de Guano, onde deixaríamos nosso guia, O Senhor do Gelo. Se não fosse o tempo frio e a névoa, da pousada da estação se poderia avistar o majestoso vulcão, o ponto mais próximo do sol. O ganha pão do Sr. Ushca por mais de 50 anos. Antes de seguir viagem, me peguei olhando fixamente para aquela paisagem, como que com a força do meu pensamento pudesse tirar toda névoa que cobria a montanha, nem que fosse pelo menos por cinco segundos, tempo necessário para tirar uma foto do Chimborazo completamente “despejado”. Seguimos em direção Guano um cantão do Equador localizado na província de Chimborazo. A capital do cantão é a cidade de Guano. É um importante centro artesanal de tecidos de lã. Sua especialidade é a elaboração de tapetes. Faz fronteira com a provincia de Tungurahua e com o cantão de Riobamba. Guano é um belo vale, ao pé das encostas do sul de Igualata, conquistou fama internacional graças aos seus tapetes e entre os equatorianos é conhecida pelo seu povo trabalhador. É o lugar das culturas antigas. Muitos arqueólogos e pesquisadores encontraram pouso nessa cidade, encontrando traços de culturas de milhares de anos atrás, aparentemente as culturas Tuncahuán se estabeleceram alí. E lá fomos nós deixar o Sr. Ushca em seu atual emprego e conhecer um pouco dessa cidadezinha equatoriana.

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Da Pousada: em dias ensolarados e de cĂŠu limpo ĂŠ possĂ­vel se avistar o majestoso Chimborazo, sem precisar caminhar!


No Museu da Cidade Baltazar Uscha “el último hielero” é motivo de visita, emoção e admiração dos próprios equatorianos e de estrangeiros


Chegando na cidadezinha, enquanto algumas pessoas saem em disparada a ruína do monastério. Eu sigo os passos do Sr. Ushca até a entrada do museu, faço minha contribuição com os cinquenta centavos de dólares americano que e cobrado para sua visitação. Pelo local, muitas peças arqueológicas e uma múmia de um franciscano, que não me chamam atenção, logo mais a frente um espaço reservado ao Sr. Baltazar, uma foto em gigantografia de uma parede de gelo do Chimborazo e uma picareta nela cravada. No piso cordas e cestas feitas de palha, uma estátua do Senhor do Chimborazo, ferramentas e utensílios que ele utilizava em seu labor diário. De imediato ele me diz “Baltazar” vai te mostrar como fazia, e junta a picareta cravada na foto estampado na parede e me diz: “Essa e a foto que o guagua Wagner queria tirar?”. Eu não pude deixar de sorrir e respondi ao senhor simpático do gelo, sim, era essa mesmo, só que lá em cima. Então a sabedoria da simplicidade responde, Chimborazo muito frio, aqui museu é melhor para tirar foto. Seguimos conversando por longos quinze minutos, onde me mostrou detalhadamente suas ferramentas, as cordas de palha, o caminho percorrido, fotos, revistas onde havia estampado a capa, uma tiragem do The New York Times e por fim sua estátua, motivo de orgulho pessoal, pois a cada momento se virava para a estátua e dizia “Uscha - el ultimo hielero”, Saindo do Museu, um aperto de mão, e um muito gentil muito obrigado me despedi do Homem de Gelo. 61


Copyright

Š Wagner Esteves 2017 Publicado em outubro de 2017, todas a fotos e direitos sobre este livro são reservados ao autor Wagner Esteves da Fonseca.

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