Editoria de esporte da revista Terceira Idade

Page 1

ALÉM DE VOAR, FLUTUA A história de Yamin, que aos 63 anos de idade é instrutor de paraquedismo. Salta há aproximadamente 30 anos e desde que entrou na profissão, não pensa em fazer outra coisa. A gratidão dele é ensinar Yonny Furukawa

S

Arqu ivope ssoa l

Arquivopessoal

altar a quase cinco mil metros de altura, despencar a aproximadamente trezentos quilômetros por hora em queda livre, enfrentar temperaturas abaixo de zero. Acima, apenas nuvens. Abaixo, uma cidade em miniatura. Só resta flutuar. Até o solo. Em um passeio ao Centro Nacional de Paraquedismo, em Boituva, interior de São Paulo, entendi que a sensação de voar não é tão assustadora como parece. Inúmeras pessoas simplesmente precisam dessa experiência para se sentirem realmente felizes. Coisa estranha para quem, como eu, não consegue olhar da sacada de um prédio do 3º andar. Lá

Terceira Idade

conheci, por acaso, Roberto Emílio Yamin, para os mais chegados apenas Yamin, um dos instrutores de paraquedismo mais solicitados da região. Simpático, de bem com a vida, super radical, brincalhão e ao mesmo tempo rígido, calculista e extremamente exigente. Foi o que intui logo no primeiro contato. – “Vamos saltar de paraquedas?” perguntou. Neguei na hora. O medo me impede de viver essa experiência. Conversa vai, conversa vem, já tinha ouvido um pedacinho da vida do renomado instrutor e contado sobre a minha também. Fiquei encantada desde então. Uns dois meses mais tarde, não me veio outra pessoa à cabeça quando o assunto da nossa revista era justamente idosos e a minha editoria era esportes. Mas, idosos? Quantos anos afinal têm esse instrutor super radical?

A resposta me fez acreditar que o personagem que eu buscava estava exatamente diante de mim e era Yamin, referência no esporte radical entre os esportistas com mais de 60 anos. Bate-papo Sábado dia 26 de abril, fui com a minha família à Boituva, especificamente na escola onde Yamin trabalha. Três horas e meia dentro do carro, dez pedágios, irmão gritando, mas, enfim, chegamos. Yamin não estava lá. Com o tempo ruim, desmarquei a minha ida um dia antes, mas resolvi correr o risco e apostar na aparição do sol. Acordei cedo e o vento soprou ao meu favor, cheguei no horário do almoço, com aquele clima típico de interior: brisa gelada e sol forte. Liguei, o instrutor ficou surpreso, mas em 10 minutos o vi de longe pilotando sua moto, todo paramentado. Como a primeira despedida deixou aquele gostinho de quero te conhecer mais, o reencontro

ESPORTE

1


YonnyFurukawa

Yamin conta um pouco de seus 30 anos de saltos

foi fantástico. Com toda a hospitalidade nos cumprimentamos e fomos a uma sala longe do barulho. Do lado de fora os roncos do motor do avião, mais os gritos cheios de adrenalina e conversas entusiasmadas dominavam todo o espaço. A postos para a entrevista, gravador ligado, bloco de anotações e caneta em mãos, uma inesperada interrupção. Yamin, tão requisitado, precisava assinar documentos autorizando a passagem de alunos para a próxima etapa do curso e tinha também que liberar os paraquedistas para que pudessem voar em outros estados. Quanta responsabilidade! E depois disso, lá vamos nós de volta à entrevista. Saltando desde março de 1985, quando tinha 34 anos de idade, Yamin já contabiliza quase 30 anos pelos ares. Aproximadamente 5.000 saltos em mais de 10 lugares diferentes dentro e fora do país. Sem acidentes e nenhuma pontinha de medo.

2

ESPORTE

O paulista, nascido no bairro da Aclimação, no centro de São Paulo, em 10 de julho de 1951, ganha a vida de uma maneira curiosa para um já considerado senhor, mas, que não admite ser chamado de senhor. Com cabelos brancos e aparência de um homem mais “experiente” (se é que quando ele ler esta matéria não vai achar ruim comigo – risos) Yamin tem mesmo uma história surpreendente. Começo de tudo Piloto de avião e lançador de paraquedistas foi dominado pela adrenalina e resolveu entrar no esporte. Foi uma das primeiras pessoas formadas no curso AFF (Acceleratted Free Fall) oficial de paraquedismo, que significa queda livre acelerada. Yamin é referência para os instrutores e amantes do paraquedismo. “Pensei por muitos anos que tinha paixão pelos aviões, mas me enganei. Sou apaixonado mesmo por saltar de paraquedas. É o meu combustível”, disse sor-

rindo. É com orgulho que hoje, o “jovem” Yamin, vive de voar. Começou sem visar lucro e atualmente além de ser a sua motivação de vida, é também de onde tira o seu sustento. Yamin adora ensinar: “cada aluno é de um jeito, isso que é interessante. Tenho que descobrir seus pontos fortes e fracos para não fracassarmos”. Ele deixa claro que o paraquedismo é sim um esporte com riscos, pode decretar vida ou morte em questão de segundos, mas se orgulha de nunca ter passado por uma pane – ter que acionar o paraquedas reserva, por exemplo – e nunca ter deixado nenhum de seus alunos passarem momentos de sufoco, enquanto estavam em aula. E olha que falando de alunos, em apenas três anos como coach (instrutor) mais de mil aspirantes a paraquedistas passaram pela preparação de Yamin. Também comentamos sobre o recordista mundial Paulo Assis, que inclusive é dono da escola onde Yamin ministra as aulas, a Sky Radical. Paulo participou da formação de 100 paraquedas abertos, realizado na Flórida, Estados Unidos e chegou a seu quarto recorde mundial dentro do esporte. Por um momento o recordista nos interrompeu para enaltecer ainda mais o currículo do meu entrevistado (risos). Com uma amizade de longa data, Yamin fala sobre a relação de carinho e respeito entre eles. “Sou reconhecido no meu trabalho, por todos, me sinto valorizado. Isso é maravilhoso”.

Terceira Idade


Medo Quando citei a palavra medo, ouvi aquele sorrisinho de quem não sabe o que isso significa. Yamin diz que o medo é uma defesa. Todas as pessoas inteligentes têm medo, mas ele serve apenas como alerta. “Nada pode ser excessivo”, explica “tudo que é demais sobra, é ruim. É preciso encontrar o equilíbrio entre corpo e mente, como andar de bicicleta”. Yamin é mesmo um sujeito fora do comum. Não gosta de rotina, monotonia, nada que se repita. Gosta sim é de viver sensações diferentes e momentos desafiantes a todo instante. Por isso, não consegue largar o paraquedismo, mesmo tendo outras opções de vida.

instrutor. Mas, porquê? “Yonny, eu sinto amor por ensinar as pessoas. Na verdade é uma certa gratidão por aquelas pessoas que já me ensinaram tantas coisas. Hoje retribuo e me sinto satisfeito repassando o que mais gosto e sei fazer”. Confesso que foi curioso ouvir isso, essa ligação, esse afeto em relação aos que querem aprender. Além disso, ele diz que esse é o estímulo para seu cérebro, o seu equilíbrio psicológico, imprescindível para a saúde mental que com o passar da idade precisa ser constantemente exercitada. Família Falamos, falamos, falamos e quanto mais falávamos, mais me encantava com o meu entrevistado. Chegou a hora de conversar sobre família. “Meus pais eram um caso sério, por eles não faria nada do que faço”. Yamin disse que só começou a andar de moto, pilotar avião e saltar de paraquedas quando seus pais faleceram. Até então ele seguia à risca as orientações dos pais e só quando ficou realmente independente, é que começou a fazer o que tinha

Terceira Idade

Arquivopessoal

Oportunidades “Sou músico, toco na noite”, disse sorrindo. Ele realmente sabe tocar de tudo: piano, violão, violino, violoncelo e teclado. Yamin tem uma banda há quase 15 anos que se reúne toda semana. Ensaiam bastante, mas se recusam a tocar comercialmente. Como voluntários, fazem apenas shows em projetos beneficentes. Yamin também poderia tirar uns trocados como “piloto” de drones. Espera aí, mas o que é isso? O próprio Yamin explica: “drones são aparelhos controlados aqui do solo que possuem uma câmera para filmar acidentes naturais, fenômenos da natureza, vistos de cima”. – É incrível, mas esse senhorzinho sabe de tudo um pouco. Há 20 anos aprendeu a técnica de pilotar os aviõezinhos que tanto gosta e tem como hobby, mas não larga de jeito nenhum a profissão de No início da radicalidade

vontade. Entre os irmãos, ainda impera o medo pela profissão que escolheu. “A visão do leigo é diferente, é quase sinônimo de morte ou autodestruição, mas a do esportista é o mais puro contato com a vida. Nós e a natureza no meio da imensidão” reflete sorrindo. Yamin nunca foi casado e também não tem filhos. Com inúmeros talentos, além de piloto de avião, de drones, paraquedista e músico, já foi também mergulhador profissional, além de ter trabalhado em supermercados, madeireiras, na pecuária, serralherias e na fazenda de seus pais, no Mato Grosso. Com tantas e tão diversificadas experiências foi mesmo no paraquedismo que ele encontrou a cumplicidade de uma verdadeira família, mais presente do que a de sangue. No final do bate-papo, que na verdade era para ser uma entrevista, mas a descontração transformou em conversa de velhos amigos, Yamin diz algo ainda mais curioso. Na década de 90 teve sua própria escola de paraquedismo, chamada Vento Relativo, em Boituva também. Não deu certo por falta de aviões e como o custo era e ainda é muito alto, desistiu. Mesmo com o preço do curso AFF, estar em torno de 4 mil a 5 mil reais o lucro é pequeno, se consideradas as despesas do avião e todos os equipamentos necessários para instrutor e alunos. Saltando quase 10 vezes por dia, Yamin já conheceu a imensidão do céu e também as profundezas do oceano antes mesmo de saltar pela primeira vez. Tendo nível de comparação, não troca as nuvens por nada.

ESPORTE

3


Torcida de raça... ...e de idade

Wagner Tavares

V

ila Belmiro, 20 de maio. Jogo entre Santos e Sport, o primeiro do Peixe no Campeonato Brasileiro de 2014. E ali, no meio da arquibancada da social, muitos vovôs e vovós. Uns com netos, outros com a família toda, em casais ou até grupos de amigos formado por senhores de cabeça branca. Mas sempre o que chama a atenção é o inusitado, o único. E isso vem em forma de duas senhorinhas, sozinhas num canto, vestidas com camisas do time da casa, que acompanham tranquilamente o movimento da bola em campo. Para tudo! No primeiro erro cometido pela defesa santista, murros vigorosos são dados no ar por aquelas mãos que pareciam feitas apenas para servir fatias de bolos quentinhos aos netos. Em um lance de quase gol, as mãos, agora, formam uma concha e apoiam o rosto reclinado pelo peso da decepção. É o primeiro jogo do Brasileirão no ano, mas, com certeza, mais um entre tantos nas vidas de Zulmira Oliveira Figueira

4

ESPORTE

Fotos: Wagner Tavares

Muito se fala sobre a violência nos estádios de futebol, mas há alguma ternura que teima em disputar espaço. Além das crianças acompanhadas pelos pais, e dos românticos, as arquibancadas são frequentadas também por simpáticas vovós torcedoras. Só que com elas a doçura tem limite

As amigas torcedoras Terezinha e Zulmira vibram pelo Peixe

e Terezinha Luiz, com 77 e 70 anos de idade, respectivamente. Ambas vão ao estádio juntas, há mais de 20 anos e nem se lembram com exatidão quando essa rotina gratificante começou, só que a emoção a cada jogo continua forte. Antes de se tornarem amigas, elas já eram torcedoras, mas não formavam uma “tabelinha” afia-

da. “Não, não somos parentes, mas o amor pelo Santos nos uniu na torcida. Um dia, a gente acabou se juntando para ver um jogo e estamos assim até hoje”, disseram as duas, quase que numa espécie de jogral improvisado. Além das reações às jogadas, a vivacidade é perceptível também na ausência de óculos no rosto franzido de dona Zulmira

Terceira Idade


A chuva cai, e já estão preparadas e juntas para evitá-la

e até nas preferências mais contemporâneas sobre o time do coração. Ela diz que a melhor fase do Santos foi a segunda geração dos chamados Meninos da Vila, aquela de 2002, com Robinho e Diego, e com total aprovação da companheira, dona Terezinha. “Aqueles eram amigos”, diz ela. Quando a fase de Pelé é citada como uma possível opção, um forte “NÃO” em uníssono é soado. Sem maiores detalhes, a impressão é que o Rei não tem o reinado garantido, pelo menos para nossas torcedoras. No meio da partida, um vento começa a soprar acompanhado de uma chuvinha fina. As duas senhorinhas não se importam. Sem tentar procurar proteção em alguma área coberta, continuam onde estavam e, com os olhos sempre atentos às jogadas, Zulmira saca a capa de chuva. Terezinha também mete a mão na bolsa, só que para tirar um guarda-chuva. Torcedoras prevenidas e solidárias, elas se aproximam mais para aproveitar a cobertura

Terceira Idade

do guarda-chuva. Dona Terezinha, sorrindo, desvia por um instante o olhar do campo só para dizer: “O Santos é que nem o Senna, gosta de chuva”. Pelo menos em um um aspecto as duas são diferentes: na assiduidade. Terezinha não vai à Vila em dia de semana. Zulmira não perde um jogo. “Até doente eu venho”, pontua já sem paciência E a chuva aperta. Guarda-chuva e capa já não bastam. Mesmo assim, com segunda etapa rolando, ficam na dúvida de se se deslocarem e se arriscarem a perder algum lance. Até que a chuva aperta ainda mais. “Que péd´água, meu Deus!”, exclama a dona do guarda-chuva que está quase sendo levado das mãos pelo vento. Elas

decidem, então, ir para um local coberto. Por sorte, nenhum lance importante aconteceu durante a locomoção. Arranjaram dois lugarzinhos sob a marquise e ali ficaram do mesmo jeito que estavam antes, mas sem a necessidade de todo aquele aparato anti-água. E foi só chegarem ali, o time adversário marcou o primeiro gol. Silêncio no estádio. Sabe aquelas senhorinhas simpáticas que foram descritas no começo deste texto? Esqueça! Uma mistura de raiva e decepção tomou conta daqueles rostos envelhecidos. Dali em diante, a fisionomia pesada não mudou muito, até que... GOL DO SANTOS!!! E as duas se abraçaram, gritaram, ficaram de pé. Ufa, semblantes de alegria e tranquilidade ressurgem. Restam apenas mais uns 10 minutos de jogo. Mesmo sem novas emoções, a última é a que ficou estampada. Fim de jogo, Zulmira e Terezinha descem degrau por degrau pela arquibancada, uma apoiando a outra delicadamente. No próximo jogo, estarão ali de novo, também dando apoio, só que ao time do coração e não, não tão delicadamente, pois as senhorinhas torcem com muita gana!

Dona Zulmira decepcionada com o 1 a 1 sem graça que assistiu na Vila Belmiro

ESPORTE

5


O Canhão da Vila está “enferrujado” Jéssica Alves Carolina Yasuda

J

osé Macia, mais conhecido como Pepe, é um ex-futebolista e ex-treinador brasileiro, que atuou como ponta-esquerda. Com 405 gols marcados em 750 partidas, Pepe tem 79 anos e é o segundo maior artilheiro da história do Santos, perdendo apenas para Pelé. Ele faz questão de lembrar que é “o maior artilheiro humano da história do Santos considerando que Pelé veio de Saturno, como costuma brincar”. Em 15 anos de clube (1954 a 1969), ganhou o apelido de “Canhão da Vila”, por seu fortíssimo chute de esquerda. Também ganhou duas Copas do Mundo pela Seleção Brasileira em 1958 e 1962, mas sofreu contusões às vésperas dos dois eventos e nem chegou a entrar em campo. Da primeira vez, sofreu uma pancada no tornozelo num amistoso na Itália. Na segunda, teve uma torção no joelho num jogo amistoso no Morumbi. Quando jovem, Pepe demonstrava um ar sério nas fotografias, sempre com o olhar reto ou superior à sua estatura. Há quem diga

6

ESPORTE

que o topete era sua marca e não existia mais sensual. Lustrosa e com algumas sardas, a careca atual tomou o lugar de uma vasta cabeleira preta, que deixou somente alguns fios brancos perdidos. Os braços e peitoral fortes faziam as mulheres ligarem para as rádios e declarar seu amor ao atleta oferecendo-lhe músicas românticas. Hoje, o aposentado que leva sempre um sorriso no rosto dedica todo o seu amor a uma única mulher, Lélia. Seu andar, mais lento que o do

Jéssica Alves

Sentado confortavelmente no sofá de casa, Pepe relembra momentos históricos de sua carreira e fala sobre a atual rotina

juvenil Canhão da Vila Belmiro, o leva até uma poltrona aconchegante. Sentado ali, Pepe fica de costas para uma parede, que é o seu museu onde estão fotos, medalhas e quadros de sua época de jogador. De frente, uma televisão o conecta com o futebol. Ao alcance das mãos, um caderninho de palavras cruzadas. O tempo passou assim como os anos de glória e viagens e deu espaço a vida mansa e reflexiva. Terceira Idade: Segundo especialistas, ex-atletas têm tendência a desenvolver doenças crônicas. Você sofre com alguma doença ou contusão? Pepe: Eu não pratico nenhuma atividade física, fora assistir aos jogos de futebol na televisão (risos). Minha mulher, a Lélia, pratica muito mais exercício que eu, vai pra ginástica todos os dias. Mas, graças a Deus não tenho nenhum problema de saúde fora as dores que sinto de vez em quando no joelho, por causa das lesões que tive em campo. A única coisa que está intacta em mim é a minha cabeça, ando sempre com esse livrinho de palavras cruzadas, o que não deixa de ser um exercício.

Terceira Idade


,

O “Canhão” de sandálias ao lado de um busto em sua homenagem Jéssica Alves

Pepe e dona Lélia, casados há 50 anos, namoro que começou em 1958 Jéssica Alves

Terceira Idade

que o Pepe não estava à venda e que a torcida, que me considerava um menino de ouro, iria colocar fogo no estádio caso eu fosse vendido. Não sei se chega a ser arrependimento, mas o Guardiola foi meu jogador quando eu trabalhei como técnico no Catár e tivemos um bom contato durante oito meses. Eu me orgulho disso, mas fiquei irritado quando ele meteu 8 gols no Santos, quando era técnico do Barcelona. Me arrependo de ter ensinado tanto a ele. TI: Já se imaginou jogador nos tempos atuais? P: Na época não tinha essa imprensa colada no jogador e nem internet com as reportagens toda hora. Foram momentos felizes, nosso time era muito vencedor e tivemos a oportunidade de conhecer 60 países por causa do futebol. Pude conhecer minha família na Espanha no dia de folga que tive quando fomos jogar lá. Não sei como seria a minha realidade. Acredito que ainda estou no passado. TI: Qual é a sua rotina? As pessoas te abordam ainda na rua pra pedir autógrafos? P: Olha, só quem é da minha época mesmo. Antes era diferente, ninguém me abordava pra nada, mas acho que com esse negócio de internet, todo mundo sabe de tudo e acabo ainda sendo chamado pra bastante coisa. Eu dou palestras no Sesc de São Paulo, participo de eventos aqui em Santos, mas não deixo de ir ao meu encontro com a turma do Recreativo Continental de São Vicente. Nos encontramos em frente ao Gaúdio, na orla da praia, todo domingo, ao meio dia. Só quando chove é que não vamos porque somos velhos e adoecemos facilmente (risos).

CarolinaYasuda

TI: Tem mais alguma coisa que o senhor faz pra manter a cabeça no lugar? P: Eu anotava tudo. Tenho dois cadernos tipo brochura onde eu anotei quantos jogos joguei, quem jogou, contra qual time, e valores de tudo. Acho que isso me ajuda a lembrar de muita coisa. Quando você passa para o papel fica mais fácil. Tanto que o Santos Futebol Clube ainda me liga pra perguntar coisas do passado. TI: Algo da sua vida de jogador permanece até hoje? P: Parei de jogar aos 34 anos e a minha despedida como jogador não foi traumática. Independentemente disso, eu continuo vendo todos os jogos pela televisão, inclusive, de vez em quando sonho que estou jogando. TI: Seu filho, Pepinho Macia, acabou seguindo seus passos e é o atual treinador da equipe sub20 do Santos. O senhor dá muitas dicas pra ele? P: Dizem que você ensina tudo para as pessoas, menos o pulo do gato. Para o Pepinho, eu ensinei o pulo do gato. Ele está preparado. Quando eu estava como técnico no Catár, ele foi mais técnico que eu. Dava muitas dicas e especulava muitas finalizações. Pepinho vai vencer na carreira. TI: Você se arrependeu de algo que deveria ter feito na Sua época de jogador? P: Não chega a ser um arrependimento, mas eu imagino como teria sido se eu tivesse aceitado as propostas do Barcelona, Mílan, Valencia e times espanhóis. Eu era muito procurado por causa da minha descendência espanhola. Eu sempre dizia, “olha, eu tô bem no Santos, os dirigentes que resolvam isso”, mas eles sempre disseram

Pepe em seu sofá, à frente do “museu” particular, com muitas lembranças na parede

ESPORTE

7


Fotos: Matheus José Maria

Idosos e esporte: uma combinação que pode, sim, dar certo Matheus José Maria

O

senhor Itamar poderia ser confundido com qualquer cidadão de Santos, uma cidade onde o número de idosos que pratica atividade física é muito alto. Caminhando pela praia com seu personal trainner, ele segue com um ritmo próprio, meio trôpego, mas constante. Ele é um senhor alto e forte, com o olhar firme, porém meio vago. Foi taxista por 35 anos e é faixa preta de judô. O seu Itamar não consegue mais como antes, a diferença é um quadro de insuficiência respiratória e Alzheimer, além de outras limitações físicas que os 80 anos impõe ao seu corpo.

8

ESPORTE

Itamar é só mais um dos tantos idosos que hoje fazem parte da chamada “melhor idade”, um grupo que não se sente mais condenado a passar os dias em casa esperando os netos para o almoço de domingo, mas que vão ganhando cada vez mais espaço nas praias, clubes e academias. Com o avanço da medicina e os cuidados preventivos, as pessoas passaram a viver mais e com maior qualidade de vida. Quem costuma correr na orla da praia ou participar de competições não pode negar o aumento do número de participantes com mais de 60 anos e com forma física invejável em alguns casos.

Aliás, já é mais do que provado que praticar alguma atividade esportiva é extremamente benéfica para qualquer pessoa, seja ela de 20, 30 ou 80 anos. Para atender aos interesses e necessidades desse público, alguns profissionais de educação física desenvolveram programas de treinos específicos para a terceira idade. Kauã Cabrera, educador físico e personal trainner diz que os benefícios são inegáveis e que a prática regular retarda os efeitos do envelhecimento, além de promover uma melhora na qualidade de vida. É bom frisar que há limites impostos pela idade e deve-se respeitá-los.

Terceira Idade


“O idoso tem que reconhecer seus limites e praticar uma atividade adequada às suas condições, além de sempre ser orientado por um profissional.”, diz Cabrera que atualmente desenvolve mestrado na área de esporte para a terceira idade. Cabrera diz também que hoje a oferta de esportes adaptados abrange praticamente todo, desde musculação e dança até vôlei e tênis. Sempre terá uma opção para qualquer gosto e interesse. É importante observar a diferença de capacidade física encontrada em cada faixa idade. O auge da força física, por exemplo, é atingido entre os 20 e 30 anos. O declínio, de pelo menos 20%, se dá por volta dos 65 anos de idade. Sendo assim, é obvio que há um ritmo diferenciado de intensidade física de acordo com as funções fisiológicas. O volume de sangue por minuto que o coração consegue bombear cai de 20 a 30% aos 80 anos, bem como a capacidade respiratória máxima, que nessa idade é 40% menor em relação a indivíduos de 20 anos. Diante desses dados é natural que as modalidades tenham que ser adaptadas à idade do praticante. Se feitas com o cuidado devido e dentro dos limites os benefícios para a saúde são inúmeros como, por exemplo, o retardo da diminuição da força e da massa muscular. Outro ponto importante é que não existe uma atividade física a ser evitada, o que não significa que todas podem ser praticadas de modo irrestrito. Deve-se usar sempre o bom senso e contar com uma orientação adequada, de modo a evitar atividades que

Terceira Idade

Professor Marcelo Coffani em aulas de atividade física no Sesc

possam apresentar risco de lesões musculares ou fraturas. Por exemplo, um dos esportes mais procurados por idosos é a corrida, embora nem todos possam praticá-la já que o risco de lesões articulares, problemas mecânicos ou perda de visão (dificuldade de enxergar obstáculos no caminho) podem constituir fatores de impedimento. A natação, em alguns casos, é recomendável, uma vez que ela não gera impacto. Marcelo Coffani, instrutor de atividades físicas do Sesc e proprietário da empresa de assessoria esportiva Lazer Consciente, diz que normalmente as atividades mais procuradas são o alongamento e hidroginástica, práticas realizadas com fins terapêuticos. “Normalmente os idosos procuram essas atividades através de uma recomenda-

ção médica” diz ele que também destaca que outro grande benefício dessas atividades está no convívio em grupo e na socialização. “Muitos são viúvos e vivem sozinhos, então as aulas se tornam um lugar para fazer novas amizades e com isso dão um novo sentido para suas vidas.”, reforça Coffani. Um cuidado que o professor Coffani faz questão de destacar é que muitos idosos se recusam a aceitar o fato de estarem envelhecendo e procuram nos esportes a esperança de negar esse processo que é natural, e isso é perigoso, pois pode levar a problemas físicos e a um estado de depressão. “O primeiro passo para se envelhecer com qualidade de vida é aceitar que isso é um processo natural e, a partir daí, buscar o que há de melhor nessa fase.”, encerra Coffani.

ESPORTE

9


Eles não deixam o rótulo de terceira idade intimidá-los. Ativos, focados e competitivos, o que eles querem mesmo é o primeiro lugar do pódio Vinicius Kepe

E

sporte na vida de pessoas com mais de 60 anos sempre deve ser praticado com cautela e muitas objeções, avisam os médicos especialistas. O aumento das limitações físicas e mentais diminui significativamente o leque de atividades esportivas para as pessoas na terceira idade. E quando o assunto é competição, tanto o número de modalidades quanto o de atletas em idades avançadas é bem menor. Fernando Lopes, 74 anos, há 35 pratica tiro esportivo, um dos esportes que admitem longevidade. Dono de uma visão precisa e de mãos firmes, o atirador explica que, nesse esporte, a experiência compensa a desvantagem de um menor rigor físico diante dos atletas mais jovens. “É ruim falar de si mesmo, mas eu tenho

10

ESPORTE

Arquivopessoal

Os terceiros querem ser os primeiros

Fernando é dono de um recorde que há 26 anos não é batido

recordes brasileiros, conquistados depois dos 60 anos. Comprova que não atiro somente por exibicionismo ou por gosto, mas porque realmente sou competitivo”. O atleta santista é o maior recordista em competições de tiro em âmbito estadual e brasileiro. Na sua coleção de conquistas, entre 1988 e 2013, Fernando tem sete recordes estaduais e três brasileiros nas categorias sênior (entre 21 e 55 anos), master (acima de 55 anos) e veterano (acima de 65 anos). Um dos recordes, de 1988, na modalidade pistola 50 metros masculino (livre), ainda não foi batido mesmo 26 anos depois de ser conquistado. Mesmo sabendo da sua capacidade física e mental, o atirador diz que sente a diferença na hora de competir com pessoas mais novas. “O ego, neste

caso, funciona. É evidente que quando tinha menos de 60 anos, eu não tinha medo de jovem nenhum. Por mais que a gente queira entender que a idade não permite determinadas coisas, não gostamos de perder... ainda”. Fernando diz ter orgulho de vencer, mas perdeu muitas vezes. “Às vezes a gente não assimila, mas é um orgulho estar competindo e saber que os mais novos me olham e falam ‘será que esse idoso vai ganhar de mim?’” (risos). Certo dia, um de seus grandes amigos ficou a um ponto de bater um de seus recordes. Fernando afirmou que quando atirava melhor, bater ou não o recorde, era indiferente. “Se alguém me passasse, eu retornaria no próximo ano para reconquistar minha posição. Agora, é diferente. Se alguém bater, bateu, será muito difícil conseguir recuperar. Mas não

Terceira Idade


Requisitos O tiro esportivo requer muita concentração e disposição dos atletas. Além disso, pesa sobre o competidor a responsabilidade de manter a equipe bem colocada nas provas com a conquista de pontos. “Eu acho que vou atirar por mais uns dois ou três anos. Vou parar, não por falta de força física, mas porque realmente viajar toda semana para competir deixa a gente afastada da família.” O senhor Itamar poderia ser confundido com qualquer cidadão de Santos, uma cidade onde o número de idosos que pratica atividade física é muito alto. Caminhando pela praia com seu personal trainner, ele segue com um ritmo próprio, meio trôpego, mas constante. Ele é um senhor alto e forte, com o olhar firme, porém meio vago. Foi taxista por 35 anos e é faixa preta de judô. O seu Itamar não consegue mais como antes, a diferença é um quadro de insuficiência respiratória e Alzheimer, além de outras limitações físicas que os 80 anos impõe ao seu corpo. Itamar é só mais um dos tantos idosos que hoje fazem parte da chamada “melhor idade”, um grupo que não se sente mais condenado a passar os dias em casa esperando os netos para o almoço de domingo, mas que vão ganhando cada vez mais espaço nas praias, clubes e academias. Com o avanço da medicina e os cuidados preventivos, as

Terceira Idade

pessoas passaram a viver mais e com maior qualidade de vida. Quem costuma correr na orla da praia ou participar de competições não pode negar o aumento do número de participantes com mais de 60 anos e com forma física invejável em alguns casos. Aliás, já é mais do que provado que praticar alguma atividade esportiva é extremamente benéfica para qualquer pessoa, seja ela de 20, 30 ou 80 anos. Para atender aos interesses e necessidades desse público, alguns profissionais de educação física desenvolveram programas de treinos específicos para a terceira idade. Kauã Cabrera, educador físico e personal trainner diz que os benefícios são inegáveis e que a prática regular retarda os efeitos do envelhecimento, além de promover uma melhora na qualidade de vida. É bom frisar que há limites impostos pela idade e deve-se respeitá-los. De 0 a 42 quilômetros Roberto Junqueira, maratonista de 68 anos, é outro atleta que não abre mão de brigar pelas melhores colocações. Competidor há mais de sete anos, o morador do Guarujá conquistou entre 2011 e 2013, na categoria de 65 a 69 anos, três primeiros lugares em maratonas que aconteceram em Punta del Este e Assunção, no Paraguai. “A vida é uma competição constante. Em qualquer idade você é obrigado a competir. No esporte, a briga continua.” Depois de problemas na coluna, Roberto foi submetido a uma cirurgia aos 61 anos. Foram seis meses de hidroginástica por recomendação médica. Após esse período, o atleta começou a correr

Arquivopessoal

fico com isso na cabeça. Os resultados já me deram muita alegria. Olha você agora, me entrevistando, vai ficar tudo registrado”.

Roberto calcula ter participado de ao menos 200 provas

na praia e arriscar alguns trotes com mais velocidade. “Um dia eu estava correndo e uma pessoa me parou e perguntou se eu não ia participar da prova dos 10 km Tribuna FM – tradicional prova santista. Mesmo pensando ‘o que é que eu vou fazer lá?’, me inscrevi, sem avisar ninguém da família. Foi a minha primeira competição. Terminei o percurso morrendo, mas terminei.” Durante os sete anos de competições, Roberto calcula ter feito mais de 200 corridas e destaca três delas como as mais relevantes da sua carreira: o 4º lugar na Maratona do Rio de Janeiro, em 2011; a 5ª posição na Maratona de São Paulo, em 2012; e a Maratona de Boston (EUA), em 2013, onde não conseguiu terminar o percurso por conta do atentado terrorista com bombas que matou três pessoas e feriu mais de 170. Primeiros títulos Atleta nenhum esquece a primeira vez que subiu no pódio. A vez de Roberto aconteceu em Praia Grande durante circuitos de cinco quilômetros, em 2008, onde ficou em segundo lugar. O primeiro lugar foi conquistado após uma prova de dez quilômetros, no

ESPORTE

11


Dedicação dobrada Recém admitido no time da terceira idade, João Varelo acaba de completar 60 anos no último mês de abril. Ele quer continuar competindo não apenas em uma, mas nas duas modalidades que pratica. Isso porque, 30 anos atrás, João optou por começar a praticar ciclismo e, no mesmo

12

ESPORTE

muitas verduras e legumes. Evito comer besteiras na rua. Não como pastel e essas coisas que contém muito óleo. Não bebo e não fumo. Durmo muito bem. Quando acaba a novela das João Varelo, aos 60 anos, além participar nove eu vou de maratonas, também é ciclista me deitar”. ano, resolveu também ser maraQuando duas competições tonista. “Chegar nesta idade prati- caem no mesmo dia, João não cando e competindo em duas mo- demora para responder por qual dalidades é um prazer. Não tenho modalidade ele tem preferência: preguiça de fazer nada. Tudo isso “ciclismo”. Este ano será a nova é muito bom para a minha saúde. vez que o atleta irá participar da Eu faço de tudo para não ficar maratona de São Silvestre, em dentro de casa”. São Paulo, mas confessa que João começou a participar de sempre teve vontade de particicompetições em Natal, cidade par de algum evento esportivo onde nasceu, mas foi no municí- no exterior. “Eu levei uma faipio de Cubatão que ele se desen- xa com o nome da empresa que volveu como competidor, com me patrocina para correr na São patrocínio e tudo mais. Sempre Silvestre. O nome dela saiu em com bom humor, ele comenta rede nacional. Todo mundo lisobre os benefícios que o espor- gou para dizer que viu. Essa te lhe proporciona. Ele diz não foi a maneira mais fácil e basentir dor em nenhuma parte do rata que encontrei para fazer corpo e também o que o faz sen- uma propaganda”. tir bem é saber que vai ficar um Às vezes, pela manhã, João velho “sarado”. Para onde ele vai, costuma pegar a sua bicicleta usa a bicicleta. E onde chega, é e ir de Cubatão até a praia do reconhecido. Gonzaga, em Santos, a 17 quilômetros de distância. Nesses Alimentação dias, os treinos de fortalecimenO pedreiro – que já foi dono de to das pernas consiste em peruma oficina de bicicletas por 10 correr 500 metros com a água anos - quase todos os finais de se- do mar nos joelhos, correr a mana participa de alguma prova mesma distância pela areia da de ciclismo ou pedestrianismo. orla, sem contar as pedaladas João afirma que não segue uma para ir e voltar. “O importante dieta para manter a forma e que é cada um manter o seu ritmo, come pouco, mas bem. “Como mas nunca pensar em desistir”.

Arquivopessoal

mesmo ano, em Guarujá. “Depois desses primeiros títulos, procurei correr percursos maiores. Passe para provas de 12 e 16 quilômetros, depois vieram as maratonas (42 quilômetros). A primeira foi em novembro de 2010, lá em Curitiba. Foi tão difícil quanto os primeiros 10 quilômetros que corri em Santo”. Os treinos são feitos em dias alternados. As corridas na orla da praia Pitangueira, em Guarujá, duram até duas horas. Em um pequeno caderno, Roberto anota tudo o que faz: dia e tempo feito e o percurso; pontos do corpo com dores; e até o motivo da ausência em dia de treino. “Isso me ajuda a controlar minhas atividades e saber exatamente como treinar melhor, minha progressão e como prevenir para que minha saúde não seja prejudicada”. Mesmo com os sacrifícios da modalidade, Roberto comenta sobre os vínculos que criou com outros competidores e a importância das amizades quando se tem uma idade avançada. “É muita emoção que a gente vive competindo. Quando a gente é velho, a nossa vida quase que se resume à família. Esquecemos que existem outras pessoas para conhecer. Eu nunca pensei que poderia criar mais de 400 amizades depois dos 60 anos.”

Terceira Idade


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.