Revista XCultura - Edição nº 1

Page 1



Caro leitor

EXPEDIENTE

FAZEMOS PORQUE ACREDITAMOS

Esta é a primeira edição da XCultura, uma revista que nasceu depois de muita conversa, muita análise e, principalmente, muito querer. Nós que fazemos a revista, estamos criando algo que tem como público-alvo pessoas como nós mesmos. Pautas, textos, fotos, estilos, fazemos tudo desse jeito porque gostamos assim. E achamos que esta é a melhor maneira de estabelecer um vínculo com você, leitor, que vai acreditar e apreciar o que está vendo e lendo.

Music Box, pág. 12

Para lançar esta nova publicação, estampamos, logo na capa, a imagem de uma banda santista em que estamos botando a maior fé, a Music Box. Começou fazendo covers e hoje já está divulgando quatro músicas próprias e dois vídeo-clipes gravados, além de ser a única da Baixada Santista fazendo shows regulares em São Paulo. Mais do que ler a matéria, entenda, procurando as músicas que estão disponibilizadas na internet gratuitamente. Outro destaque da edição é o guitarrista Mauro Hector. Nesse, a gente não está botando fé, já acrediHector pág. 16 tamos. Com quatro CDs lançados e alguns vídeos gravados em Los Angeles, nos Estados Unidos, o músico está na estrada há 30 anos. Ele nos conta do início na guitarra

e do apoio de Dona Rosita, mãe dele, que não se incomoda com o barulho e com os cabeludos na casa dela. E na hora de gravar, qual estúdio escolher? Aquele que fica perto para faEstúdios, pág. 6 cilitar a logística? Mas se a sua necessidade é a criação de trilhas sonoras para comerciais e filmes, talvez a gravadora melhor esteja a milhares de quilômetros de distância. As Oficinas Querô continuam revelando Querô, pág. 10 talentos. 20 adolescentes ajudaram a produzir e gravar o curta Tempo É Morfina, com locações em Santos, em pouco mais de 48 horas. Em nossa matéria de “perfil”, conheça Isabel Ortega, uma ex-atriz de teatro que agora virou “cartola” da Isabel, arte e, para pág. 20 isso, tem que atuar mais do que nunca. E para finalizar esta primeira edição, o lançamento de um livro escrito por Livro, pág. 22 três senhorinhas simpáticas, permitindo a quem o lê, receber histórias do passado com muita poesia e até ilustrações feitas por elas. Esperamos que desfrutem do que vão ver na mesma proporção que adoramos produzir estes textos. Boa leitura!

A Revista X Cultura é trabalho curricular da disciplina Laboratório de Texto III do 3º ano do curso de Jornalismo da Unisanta Diretor da FaAC Humberto Iafullo Challoub Coordenador de Jornalismo Robson Bastos Professores Responsáveis Textos Helder Marques Coelho Raquel Alves Diagramação Fernando Claudio Peel Fotografia Luiz C. T. Nascimento

Editor Wagner Tavares Repórteres Carolina Yasuda Jéssica Alves Matheus José Maria Vinicius Kepe Yonny Furukawa Wagner Tavares Fotos Carolina Yasuda Thiago Costa Yonny Furukawa Wagner Tavares Diagramação e artes Wagner Tavares Carolina Yasuda


Índice 12 NOVEMBRO DE 2014 | ANO 1, NÚMERO 1

CAPA

MUSIC BOX, a banda da Baixada Santista que está fazendo sucesso aqui e promete muito na capital

ARTISTA

16

MAURO HECTOR, o guitarrista que tem a sorte de ter apoio (e o apartamento) da mãe até hoje para fazer muito barulho

AUDIOVISUAL OFICINAS QUERÔ e seus alunos produzem mais um filme em Santos

4

10

X CULTURA | NOVEMBRO 2014


a marca do seu entretenimento

06

técnica

ESTÚDIOS de gravação podem estar perto de você ou muito distantes. Com a internet, isso não importa

20 22

PERFIL De ATRIZ a “CARTOLA” das artes cênicas. A trajetória de Isabel Ortega

LEITURA Três senhoras se juntam para escrever histórias, poesias e desenhar. Dessa amizade veio um livro

NOVEMBRO 2014 | X CULTURA

5


Técnica

Mas onde?

Estúdios de gravação de som podem se diferenciar em preço, localização, qualidade técnica, conforto, disponibilidade. Todos têm itens distintos, mas alguns podem existir fisicamente e outros nem tanto Por Wagner Tavares Fotos: Wagner Tavares Cheguei ao endereço marcado, um lugar rodeado de comércios na avenida Siqueira Campos, mais conhecida como Canal 4, na cidade de Santos, litoral de São Paulo. Constatei que o número era aquele mesmo, mas não havia placa identificando o estabelecimento que eu queria encontrar. Era o lugar certo? Aproximei-me da porta de entrada, bem antiga, de cor bege, descascada e estreita, com uma abertura pequena na altura do rosto, grade e janelinha de vidro com desenhos em relevo. “Isso é um estúdio?”, pensei. Toquei a campainha, daquelas padrão “cigarra”, nada agradável. Enquanto aguardava, olhei pela abertura, com a parte inferior do vidro quebrada, e veio a confirmação de que havia acertado o endereço. Um som de rock abafado e de estilo bem pesado descia por aquela escadaria comprida. O próprio administrador do local apareceu, Nando Bassetto, dono do Estúdio Play Rec, que nem precisou descer, pois no topo da escada havia um interruptor. Quando o acionou... “TÁ-TÁ”. Essa infantil onomatopeia escrita não evidencia o susto que levei. Parecia o duplo disparo de uma arma de fogo. cima, a certeza de se estar em um estúdio Na subida, mais bege. Tudo bege! de gravação é completa. Quando se chega, ofegante, na parte de Tapando um pouco desse mar de 6

X CULTURA | NOVEMBRO 2014

bege infinito, fotos de ídolos do rock, pratos de bateria, discos de vinil e um extintor. O último item estava estranho ali, tão a mão, até atrapalhando a passagem, mas entendi logo quando Basseto me convidou para dar uma olhada geral. Havia muito revestimento acústico, conhecido pela marca, Sonex. São feitos de espuma e, por isso, tal cuidado. É aplicado em algumas salas, mas, estranhamente, não no principal estúdio de gravação. Ali, era acabamento em madeira em três das paredes e um inusitado muro de pedras cobria a última parede. Segundo meu anfitrião, a gravação precisa de uma certa reverberação, um eco, na medida certa, para adquirir qualidade, e esse tipo de arquitetura proporciona isso. O estabelecimento já existia desde 1996. Bassetto, guitarrista que passou por várias bandas, inclusive pela primeira formação do Charlie Brown Jr., e hoje está na banda de hard rock Garage Fuzz, começou a prestar mais atenção nos detalhes de produção enquanto alugava o local para gravação das músicas de sua banda de estreia, o Mr. Green, formada em 1989, e que fazia a linha hard rock instrumental. Em toda sessão, ele ficava de olho nas dedilhadas do antigo dono, Alexandre Siaglia, na centena de botões


da mesa de som e no manuseio do mouse para operar os softwares de áudio, como o aclamado Pro Tools. Bassetto interessou-se tanto pela parte técnica que começou a trazer outras bandas a partir de 2005 para ele mesmo fazer a produção. Nessa época, o estúdio ganhou um prêmio Grammy com o Charlie Brown Jr. na categoria Melhor Álbum de Rock Brasileiro, pelo trabalh’o Tamo Aí na Atividade . Em 2008, assumiu de vez o comando dos equipamentos, pois Siaglia seguiu para outra carreira, advocacia! A Play Rec tem quatro salas. A principal, a de gravação, é anexada à sala de comando, onde ficam os equipamentos de captura e de processamento de áudio. É nessa sala que Bassetto assume o papel de grande comandante. Dali, ele dirige os músicos

falando em um microfone e também fazendo gestos bem exaltados através do vidro que liga os dois cômodos. Há mais duas salas de ensaio, onde são ministradas aulas de instrumentos, principalmente guitarra. Ainda bem que existe isolante acústico na sala do general. A entrevista foi feita lá, pois há barulho em todas as outras salas. E por um bom período do dia, tudo acontece ao mesmo tempo. No meio das perguntas, o mestre de todo aquele equipamento ia me falando curiosidades de uma área que desconheço. Apesar de o computador possuir todas as ferramentas necessárias para captura, edição, processamento e finalização do áudio, é nos aparelhos antigos, os analógicos, que estão a qualidade, o peso do som. Ali, naquele lugar, a mesa com vários canais e o PC são os principais, mas há muitos equipamentos espalhados, com aquela cara de antigo que, segundo ele, ainda são essenciais para a boa gravação. E gravação de quê? Estranho, mas fiz essa pergunta. Sempre de som, lógico, mas com muitas vertentes. Sempre há a tradicional gravação de CDs e EPs (um CD com menos faixas, não considerado como um álbum), além de músicos que querem mandar seu trabalho, instrumental ou vocal, para um concurso; o cantor ou instrumentista que apenas quer eternizar o talento próprio em boa qualidade; produção de trilhas sonoras de filmes, vídeos e

Nando Basseto, proprietário e comandante da Play Rec

TV; jingles comerciais e de campanhas políticas; o grupo de rodinha de samba, por exemplo, que quer ter essa experiência, mesmo sem a pretensão de se tornar profissional da música. Logicamente que todo trabalho tem um preço, e Basseto abriu o jogo com os valores. São R$ 75 por hora. O estúdio tem a alternativa do pacote, que sai por R$ 650 cada música gravada e finalizada. Apesar do estúdio tradicional, perguntei se a internet entra em algum momento do processo. Resposta afirmativa. Principalmente nos testes, quando ele precisa enviar uma demo para alguém aprovar. Mas diz que até quando tem de mandar o produto final, com total qualidade, para uma empresa de remasterização, não há impedimento. “Com as velocidades que a rede tem hoje, tudo pode ser feito”. Basseto pilotando o equipamento central do estúdio de gravação

NOVEMBRO 2014 | X CULTURA

7


Técnica

Fotos: Arquivo pessoal

Tem estúdio que não está mais em um lugar físico, virou virtual Fui atrás de outro estúdio, um que já conhecia, o de Flávio Medeiros. Passei em frente onde ficava o imóvel, também em Santos, no canal 2. Decepção! Atualmente, no local, há uma escola infantil e de ensino fundamental. Como nunca marquei o telefone de Flávio, comecei a procurá-lo na internet. Achei o site oficial dele, www. flaviomedeiros.com.br, mas notei um detalhe. Havia um telefone de contato com códigos dos Estados Unidos. Fui para o batido, mas salvador, Facebook. Ali, em uma breve procura, encontrei o perfil dele. Sem hesitar, enviei uma mensagem pedindo uma entrevista e onde eu poderia encontrá-lo. A resposta confirmou o número de telefone disponível em seu site. O produtor musical e engenheiro de som está trabalhando em Los Angeles há três anos. “Aqui nós pós-produzimos e mixamos os trailers oficiais que o mundo todo vê nas salas de cinema. Nossos clientes são Universal Studios, Disney, MGM,

Legendary, 20th Century Fox, DreamWorks, Warner, Pixar, Miramax, Lions Gate e outros”. Em 2012, Flávio se formou pela The Los Angeles Recording School. ´Associate of Science in Recording Arts´, nos Estados Unidos. “Após o curso, fui recomendado e contratado por uma em- Flávio em estúdio da Los Angeles Recording School, locado por ele, para presa de pós-produção de realizar um trabalho de mixagem de uma faixa de samba áudio para o mercado de cinema, chamada Benchmark Sound atuante desde 1986, realizava gravaServices, que atua dentro da NBC Uni- ções caseiras em um pequeno quarto versal Studios, em Hollywood, Califór- no próprio apartamento, onde atendia nia. Hoje, atuo nesta empresa como alguns clientes e bandas. Foi contratacompositor, produtor musical e enge- do pela Rádio Cultura, de Santos, em nheiro de áudio”. 1990. Atuou na emissora por um ano Mas Flávio tem uma longa história como compositor e produtor musical. antes dessa mudança para outro país. Quando saiu da rádio, montou seu priDurante mais de 25 anos, foi autodi- meiro negócio, os “Estúdios Flávio Medata, investiu e trabalhou profissio- deiros”, nome que usa até hoje na sua nalmente na área de áudio. Músico empresa. Era em um imóvel alugado na Rua Euclides da Cunha. Eram apenas duas salas de 4 por 6 metros. Por cinco anos, realizou vários trabalhos nesse primeiro local. Em 1995, montou o segundo estúdio, em uma edícula de um imóvel próprio, o mesmo onde hoje é uma escola infantil. Na frente, dois comércios administrados pelos pais dele. Na parte de cima, uma loja de aluguel de roupas e embaixo, uma loja de doces e salgados. Mesmo nos fundos, Flávio não ficou tímido em seu espaço. Em 2008, expandiu a edícula e montou o maior estúdio de gravação de áudio da cidade, obedecendo normas técnicas em uma obra de engenharia extremamente complexa, segundo ele. Eram dois Flávio, ao centro, mixando a trilha sonora que fez para um curta-metragem - L.A. Film Dub Stage- Campus Hollywood 8

X CULTURA | NOVEMBRO 2014


estúdios bem maiores, uma sala técnica e uma cabine de gravação de voz. E a variação de serviços executados ali também era grande. Vários álbuns em CD para o Brasil e exterior, muitos jingles comerciais e de campanha eleitoral, projetos especiais para grandes empresas, musicais teatrais, trilhas sonoras e pós-produção de áudio para documentários e audiovisuais diversos. Até otimização de áudio para investigações e dublagem e voice-over em conferências internacionais. “Enfim, sempre há trabalho a fazer”. Também lista alguns nomes conhecidos que fizeram trabalhos com ele: os músicos Cláudio Zoli, Tomati (do Sexteto Onze e Meia) e José Simonian. Artistas do vídeo também, como Marcelo Tas, Selton Mello, Francisco Cuoco, Carlos Casagrande, Humberto Martins, Marcos Pasquim, Monique Alfradique e Oscar Magrini. E há mais um nome, que ficou bem em evidência durante as eleições presidenciais, Marina Silva. A equipe de campanha da ex-candidata contratou Flávio, mesmo ele estando em um país distante. “Já tenho um histórico de mais de dez anos trabalhando em campanhas políticas. Para esta campanha da candidata, fui contratado por um cliente de marketing político com quem já trabalhei anteriormente. Posso dizer que esta conquista é fruto de um histórico positivo de trabalho”. Flávio era o responsável pela música e áudio dos programas. Recebia os vídeos da produção pela internet. Como tem trabalho fixo nos E.U.A, criava as músicas para os audiovisuais durante a noite e depois as enviava para um colaborador. Em Santos, Flávio conta com um engenheiro de som, Vinicius Suzuki, seu funcionário desde 2005, que cuida das finalizações e pós-produção do som. Com tudo pronto, o material era entregue para o pessoal de produção da candidata.

Mesmo criando, ele próprio, as trilhas e músicas, Flávio diz que mudou muito pouca coisa dos tempos em que tinha o maior estúdio de Santos. “Se necessário, contrato músicos. Se eu estiver produzindo uma banda, vou até ela, usando o estúdio que o cliente pode pagar. Ele me contrata como produtor musical, como músico intérprete ou como engenheiro de som, fazendo uma ou mais do que uma função”. Se o trabalho se restringe apenas a criar uma trilha, isto é, se Flávio não depende de mais ninguém para realizá-lo, ele faz no próprio estúdio em casa. Mas há outros serviços que necessitam de um lugar acusticamente tratado e com equipamento apropriado. Mas, em Santos, na Rua São Francisco, ainda mantém um estúdio em funcionamento desde 2012, com a ajuda do engenheiro de som Vinicius Suzuki, que atende os clien-

tes locais e faz a manutenção do equipamento. Quando há produção, Flávio fica online pelo Skype, um software de computador que permite comunicação com áudio e vídeo em tempo real. Flávio e Suzuki trabalham em conjunto com os clientes que querem produção ou algo especifico, mas ainda com a supervisão do próprio Flávio. “Vários trabalhos foram agilizados dessa forma e o cliente não se sente abandonado por mim. Enfim, funciona!”. Em outra locação de estúdio, na Paramount American Studios, em North Hollywood, Flávio faz a mixagem final do CD da banda santista No Froid, produzido no estúdio de Santos, com a presença virtual dele, e depois mixado em casa, nos Estados Unidos

NOVEMBRO 2014 | X CULTURA

9


Audiovisual Alunos de cinema das Oficinas Querô finalizaram as gravações de Tempo É Morfina, escrito exclusivamente pelo diretor Rafael Aidar. Perto de completar dez anos, o Instituto Querô continua a revelar jovens talentos da Baixada Santista para o cenário Por Vinicius Kepe Acostumados a produzir em ritmo acelerado, a turma avançada do projeto Oficinas Querô terminou as filmagens de Tempo é Morfina, curta-metragem produzido por 20 alunos de audiovisual sob a coordenação do Instituto Querô. O filme é uma adaptação do roteiro escrito pelo premiado diretor paulistano de O Pacote (2011), Rafael Aidar, 35 anos, convidado especialmente para orientar os estudantes durante a gravação das cenas, todas feitas em Santos. O enredo do filme é baseado em uma experiência relatada por uma amiga do diretor, que teve seu relacionamento abalado com as sucessivas recaídas do marido no vício das drogas. Porém, no roteiro escrito exclusivamente para os alunos, Aidar contou que resolveu inverter os papéis assim que recebeu o convite feito pela produção. “Eu já tinha toda essa história na cabeça, porque ela seria o tema do meu próximo curta-metragem. Fiquei tão surpreso e feliz com o convite que sentei e escrevi todo o roteiro em um único dia. Essa é a primeira vez que trabalho como orientador de alunos de Audiovisual”, confessa Aidar. Luz, câmera e ação! Após mais de 48 horas de gravação, foi possível notar a expectativa de toda a equipe que participou da produção do filme para dar forma a mais um sonho que estava saindo do papel. Com os olhos cheios de lágrimas, a diretora Kamilli Semenov, 16 anos, também responsável pela direção do premiado curta Visão Privilegiada (2013), disse que, mesmo com o tempo apertado, todos os objetivos planejados para as gravações do filme foram alcançados. “Esse foi um trabalho muito importante para mim. Falar sobre drogas e de reações pessoais que não são suas é uma tarefa difícil. Porém, trabalhar com profissionais como 10

Fotos: Vinicius Kepe

cinematográfico

O diretor Rafael Aidar (esq.) orientando os jovens diretores Kamilli e Daniel, durante as gravações de Tempo é Morfina

o diretor Rafael e os atores Vinícius e Priscilla facilitou bastante todo esse processo. Todos nós chegamos a um equilíbrio”. Igualmente emocionado, Daniel Queija, 17 anos, que divide a direção do filme com Kamilli, comentou que todos tiveram muito trabalho durante os dois dias de filmagem, mas que todas as ideias se encaixaram. O esforço, físico e mental, parece ter sido compensado pela oportunidade de trabalhar ao lado do diretor paulistano. “Foi incrível. Todos nós estávamos em sintonia na hora de filmar. Não tenho mais explicações para dizer como foi bom trabalhar neste filme.” Atores Os atores escalados para dar vida aos personagens já foram premiados por outros trabalhos. Um deles, o ator brasiliense Vinícius Ferreira, 38 anos, ganhou em 2004 o prêmio de Melhor Ator no II Encontro de Teatro Latino-Americano, em Bogotá, pela sua atuação no curta-metragem Danae, do diretor Gustavo Galvão (38). Seus últimos

X CULTURA | NOVEMBRO 2014

trabalhos foram em Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa e Nove Crônicas para um Coração aos Berros, ambos de 2013. “Fiquei muito contente e assustado por ter sido escolhido pelos alunos. Eu assisti ao filme Querô (2007) quando ainda estava morando em Brasília e fiquei surpreso, pois não sabia que a produção tinha originado esse excelente projeto. A pouca idade dos alunos não interferiu em nada. Notei que todos estavam bem focados no que estavam fazendo. Me senti seguro.” Já a atriz paulistana Priscilla Maia, 39 anos, que interpreta a dependente química da história, venceu em 2002 como Melhor Atriz por seu trabalho em Rasgue Minha Roupa, do diretor Lufe Steffen, durante o Festival de Cinema Super 8 de Campinas. Em 2010, Priscila integrou o elenco da produção Belas Adormecidas, de Érika Fromm, desempenhando o papel de uma jovem em busca da beleza. “Trabalhar em Tempo é Morfina foi um verdadeiro desafio. Tive pouco tempo para trabalhar a personagem. A concentração


Os premiados atores Priscilla Maia (esquerda) e Vinícius Ferreira (centro) foram escalados para dar vida aos personagens centrais da trama. Na foto à direita, cena de bastidores

e objetividade dos alunos me ajudaram a compreender o que eles queriam. Gosto de desafios. E trabalhar com tanta gente nova, como o Vinícius e o Rafael, além dos estudantes, foi uma grande experiência. Me entreguei neste trabalho.” Equipe de filmagem Uma preparação é feita para que os alunos, adolescentes entre 15 e 18 anos de idade, se acostumem com o mercado de trabalho. Entre outras atividades, eles aprendem a fazer o próprio portfólio, assim como sua apresentação, criação de currículo, desenvolvimento de projetos para inscrição em festivais e editais culturais e, por fim, a produção de um curta-metragem como verdadeiros profissionais de audiovisual disputando o mercado de trabalho. Entre os estudantes está Bianca Munhoz, 18 anos, moradora do bairro Cidade Náutica, em São Vicente. A aluna tem um tio que sempre teve uma coleção de máquinas fotográficas antigas, o que explica sua estreita relação com a fotografia. Com o término do ensino médio, Bianca, que admira os trabalhos do cineasta norte-americano Tim Burton, decidiu que está pronta para cursar uma faculdade de Cinema. “Mesmo eu não sendo uma profissional, as Oficinas Querô abriram a minha cabeça para que eu pudesse trabalhar como tal. Aprendemos a lidar mais com as nossas próprias ideias e com as outras pessoas. Tudo o que eu sei sobre cinema foi por causa das Oficinas Querô, que deixa de ser uma escola convencional para dar liberdade e conforto para os alunos extraírem todo conhecimento que puderem”. Primeiro capítulo Em 2005, 1.200 jovens que moravam em bairros com população de baixa renda em Santos foram selecionados para participar do teste de elenco do filme Querô (2007), que teve boa parte de suas cenas

gravadas na zona portuária e no centro histórico pelo cineasta Carlos Cortez. Nessa experiência foram descobertos novos talentos para o cinema, o que fez nascer oficialmente em 2005 o projeto Oficinas Querô, idealizado pela produtora Gullane Filmes, com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Em 2008, alunos trabalharam e decidiram criar a própria produtora, a Querô Filmes, considerada em 2010 a primeira produtora social do País. Um dos jovens que participaram do filme, e que logo após se tornou um dos primeiros alunos, foi Nildo Ferreira. Aos 25 anos, o garoto, que sonhava ser jogador de futebol, acabou se tornando diretor, roteirista e professor de roteiro em Santos. Ele contou que foi “fisgado” pelo cinema e que não se arrependeu nem um pouco de ter abandonado o antigo sonho. Entre as experiências que teve enquanto estudante destacou sua atuação na direção de fotografia de Ver ou Não Ver, curta-metragem que integra o filme Mundo Invisível, do aclamado cineasta alemão Wim Wenders. “Prestar atenção em tudo e

em todos, além de nunca ter medo de perguntar ou de aprender. Isso foi o que mais aprendi com as Oficias Querô. Sem ela, não teria conseguido nada do que conquistei e venho conquistando”, explica Nildo. Sem final Perto de completar dez anos, as Oficinas Querô continuam a capacitar com aulas de audiovisual jovens que moram em bairros de vulnerabilidade social da Baixada Santista. Ao longo deste período, foram produzidos 14 filmes, além de vídeos institucionais e webprogramas. Alguns destes trabalhos foram premiados em importantes festivais brasileiros de cinema, como o filme Carregadores do Monte (2013), que recebeu menção honrosa no Festival de Cinema de Gramado. Desde então, as aulas e os exercícios práticos, agora desenvolvidos anualmente em parceria com uma universidade de Santos, continuam com o foco em seus principais objetivos: estimular novos talentos e formar profissionais competitivos, tudo em prol do fomento do mercado cinematográfico regional.

Equipe de filmagem formada por 20 alunos das Oficinas Querô gravaram por mais de 48 horas em Santos

NOVEMBRO 2014 | X CULTURA

11


Capa

12

X CULTURA | NOVEMBRO 2014


Music Box é uma banda independente que busca sucesso no estilo rock ‘n’ roll e encara as dificuldades de viver de música com o apoio de amigos e familiares

NOVEMBRO 2014 | X CULTURA

13


Capa

A independência de uma caixinha de música Fotos: Arquivo pessoal da banda / divulgação

Por Jéssica Alves Horários apertados, noites mal dormidas, busca pela própria identidade. Essa descrição pode ser a da vida de qualquer um, mas se acrescentar ensaios noturnos que avançam na madrugada e pesquisa árdua por patrocinadores, se torna, de cara, a definição da banda Music Box. Existente há três anos, o reconhecimento começou a chegar após a divulgação do primeiro clipe Nosso Tempo Começou, que, há cinco meses tem mais de 20 mil visualizações no Youtube. “A coisa está saindo do nosso controle. Outro dia me pararam no shopping e perguntaram: Music Box?”, conta Carol. E mais que reconhecimento, já tem muita gente vestindo a camisa do grupo. “Eu já vi gente andando na rua com a blusa que tem a nossa marca”, diz André, surpreso. A banda é composta por Carol Germano (21) no vocal, Percy Castanho (32) na guitarra e no vocal, Bruno Soares (25) na bateria, André Ricardo (34) no baixo e Luiz Ramos (30) nos teclados. Carol, que cantava em festas de família, também costumava dar canjas em um bar em Praia Grande, onde conhecia o dono. Nada profissional, mas que chamou a atenção do Percy, que já havia notado “os berros da hora” que ela dava. “A gente estava na banda de alguém, era outra formação. Aí, eu CAROL

14

PERCY

Juntos há três anos, a banda é a unica da Baixada Santista que faz shows regularmente em São Paulo

e o Luizinho, decidimos chamá-la pra formar uma banda nossa, como se fosse a nossa empresa”, conta o guitarrista. Desde então, o boca a boca dos amigos e a rede social têm sido aliados da banda em busca do sucesso. A Rock Show, empresa que promove a maioria dos eventos musicais em Santos, é parceira do grupo e ajuda no valor pago pela banda à Lobo Estúdio, onde ensaiam duas vezes por semana, das 23 às 2 horas da madrugada. Sem assessoria ou outro tipo de apoio, fica por conta dos integrantes: alimentação da página na rede social, busca por espaço em rádios e emissoras de BRUNO

X CULTURA | NOVEMBRO 2014

ANDRE

televisão, e contatos para os shows. Para realizar o clipe não foi diferente, “A gente quase pediu uma bolsa clipe pra Dilma ou fez uma passeata. Foi mais difícil que ter um filho”, desabafa Carol. “Ganhamos a produção de um clipe em um festival de bandas independentes, mas quando a empresa soube que teria que descer a serra para gravar, cobrou 1.500 reais”. Os integrantes correram atrás de inúmeras gravadoras de pequeno, médio e grande porte, mas não obtiveram resposta de nenhuma quanto a valores e disponibilidade de gravação. Após um ano de tentativas, LUIZ


o videoclipe da música Nosso Tempo Começou foi lançado em junho e concorreu na categoria Videoclipe Caiçara no Curta Santos 2014. No mês de setembro, a banda lançou o seu segundo clipe, desta vez, da música Bailinho. Totalmente custeado pelos próprios músicos, o escolhido para dirigir o videoclipe foi o Lucas Romor, responsável por videoclipes premiados. PRIORIDADES A banda é prioridade para todos os integrantes e uma das principais regras é não deixar os problemas pessoais atrapalharem os ensaios ou compromissos do grupo. “Se você quer fazer um trabalho profissional, não tem essa de horário. Você tem que abrir mão do lazer, família e, muitas vezes de tudo o que você gosta de fazer. É lógico que a gente tem bom senso, como no caso do Bruno”, explica Percy. O baterista Bruno Soares tem a rotina mais puxada, acorda diariamente às 6 horas, trabalha e faz faculdade de Direito. Quando tem show em uma região distante durante a semana, o chefe conseEm todos os shows Carol faz um cover de Janis Joplin, principal influência da vocalista

A Music Box agitou a galera, que retribuiu calorosamente, na abertura do show das bandas NX Zero e Gloria, em Santos

gue liberá-lo na metade do dia. “É uma correria boa, então a gente vai levando. Mas sempre durmo na van na hora de voltar e o pessoal tenta fazer menos barulho, mas o Percy e a Carol não conseguem ficar quietos”, brinca Bruno. Todos têm um trabalho paralelo à banda. A vocalista Carol dá aulas de canto em sua própria residência e vende acessórios femininos; Percy Castanho trabalha com o pai, que também é músico e compositor; André Ricardo é analista de sistemas; Luiz Ramos ministra aulas de teclado e faz frilas para outras bandas. Por ser uma banda sem patrocínio, cada um é responsável pelos seus instrumentos. “Isso é um investimento pessoal, cada um tem que ter o seu. E, claro, a gente também investiu em conjunto para comprar coisas que a banda inteira usa, por exemplo, mesa de som e caixa de som”, explica Percy. E para conseguir uma grana extra, o conjunto vende CDs a 5 reais, camisetas e canecas a 30 reais. “Sempre que estou no palco e vejo alguém interessado, ou perguntando para uma pessoa onde vende a camiseta da banda, peço para um conhecido começar a vender. Fico responsável por essa parte porque não tem quem ajude, então eu conto com o auxílio dos fãs”, explica Carol. SHOW A faixa etária dos frequentadores é de 30 anos. O local é rústico e com poucos assentos, mas parece não incomodar o público. Pouco tempo antes de o show começar, o Torto Bar já estava lotado. Num clima totalmente rock ‘n’ roll, as pessoas se soltavam conforme as músicas tocadas. “Gosto muito da banda Music Box.

Eu tenho 45 anos e sempre que posso venho aqui para ouví-los. O show me remete a momentos marcantes da minha vida. As músicas dos anos 70, 80 e 90, como, por exemplo, Queen, Legião Urbana, Guns N’ Roses e Aerosmith ajudaram na minha formação. É muito difícil encontrar jovens que gostem de rock e que façam rock, por isso os prestigio”, afirma o empresário Luis Gomes Lamaison. Assim como Gomes, outras pessoas também frequentam assiduamente o local para assistir ao show. O estudante William Andrade, de 24 anos, viu a performance da banda pela primeira vez e ficou comovido. “Eu gosto de rock por causa dos meus pais. Cresci ouvindo esse tipo de música e, hoje, não consigo ouvir outra coisa. Quando passei por aqui e escutei tocarem My Sacrifice, da banda Creed, tive que parar. Fiquei emocionado com o desempenho de todos no palco”. “Cada vez que a gente conversa sobre sucesso e fãs, percebemos o quanto estamos ficando mais conhecidos. Ainda não temos noção dessa popularidade. Pra gente, todos são amigos, conhecidos e etc.”, fala Percy. A banda tem um EP lançado com as quatro músicas próprias (Nosso tempo começou, Bailinho, Etiqueta ou Patrão e Minha vida) que foi produzido pelo Nando Bassetto, guitarrista da banda hardcore Garage Fuzz (mais sobre ele na pág. 6). Além dessas canções, o grupo que se intitula pop/rock, costuma fazer covers de artistas como Janis Joplin, Led Zeppelin, The Beatles, The Doors, Jessie J, Joss Stone, Pitty, Charlie Brown jr. De acordo com a casa em que a banda toca, eles também atendem aos pedidos do público.

NOVEMBRO 2014 | X CULTURA

15


Artista

Com vocês...

Mauro Hector! Por Carolina Yasuda A orla da praia de Santos é um mesclado de arranha-céus modernos, luxuosos e exuberantes, com edifícios antigos, tortos e residenciais. Dentre esses mais velhos, está o prédio Astro. Uma construção com 14 andares, com arquitetura ímpar e corredores com vista panorâmica para o Atlântico. Quem nunca olhou para as janelas dos apartamentos e tentou imaginar o que acontece neles? Pois é, um desses apartamentos já presenciou muitas histórias e muita “sonzeira”. É o lar da Dona Rosita, mãe do guitarrista e compositor santista Mauro Hector. Foi nesse lugar que tudo começou. Desde a sua adolescência, o músico produziu, compôs, improvisou e tocou com sua primeira banda, “Os Druidas” – que existe até hoje. Dona Rosita se acostumou rápido com o entra e sai do pessoal da banda. “Minha mãe via um pessoal cabeludo chegando e já sabia que ia rolar um barulho”. Talvez, para a época, muitos pais poderiam não ter apoiado a escolha de um filho que queria ser guitarrista, mas a família de Mauro sempre o apoiou. Hoje em dia o músico é casado e não mora mais com a mãe, mas ainda utiliza o apartamento para receber seus alunos e estudar música com mais tranquilidade. Mas de onde surgiu a ideia de tocar guitarra? Depois de entrar por engano em uma sala de cinema do antigo cine Roxy e assistir ao filme AC/DC: Let There Be Rock, Mauro resolveu que esse seria seu caminho. “Foi naquele dia que eu gostei de rock e quis ser guitarrista”. 16

X CULTURA | NOVEMBRO 2014

Foto: carolina Yasuda


Foto: carolina Yasuda

Atitude Blues 2007 (Independente) Blues From Earth 2000 (Demo) Mauro Hector 2000 (Demo) Sonoridades 2002 (Independente)

MAIS RECENTE

Retratos 2011 (Independente)

Durante sua trajetória, o músico escolheu o rock, o blues e o jazz para trabalhar. Lançou quatro CDs, tocou em diversos palcos brasileiros, gravou vídeos em Los Angeles, nos Estados Unidos, e criou, aos poucos, uma rotina intensa, incluindo o “trampo” de professor de guitarra. “A vida artística é meio complicada e incerta, mas graças a Deus foi tudo bem”. Mauro vive de música, respira música e todos os dias tem atividades que envolvem essa arte. Durante a semana, costuma reservar algumas manhãs para estudo e ensaios. As tardes e noites são para dar aulas de guitarra. Nos finais de semana, além das aulas nas manhãs de sábado, as tardes e noites são para tocar em lugares diferentes, de acordo com sua agenda mensal. Mas, e a família? “Bom, a gente vai se encaixando. Minha esposa,

Ana Sierra, me apoia e fica responsável pelo equilíbrio entre trabalho e lazer”, brinca o guitarrista. Essa vida corrida foi inevitável para construir seu espaço no meio musical. Como Mauro dá aulas desde os 15 anos, está um pouco mais acostumado, mas nem sempre as coisas foram fáceis. “A profissão de músico, assim como as outras, exige bastante disciplina, dedicação e estudo. Músico não para de estudar”. Fora as suas responsabilidades profissionais, o guitarrista percebeu alguns problemas durante esses 30 anos de carreira. “Existe uma falta de respeito com música na cena nacional. Os próprios instrumentistas não se valorizam e isso se reflete no público. Muita gente prefere pagar 600 reais para ver um guitarrista gringo do que pagar 20 reais para ir ao show de um brasileiro. Isso atrapalha muito.”

Essa desvalorização gera um desabafo. “No Brasil, temos um dos melhores guitarristas do mundo, Heraldo do Monte. Também temos Hélio Delmiro, que é um gênio, e aqui em Santos, temos o Alexandre Birkett. Quais desses as pessoas conhecem?” Um conselho que Mauro dá para quem quer ser guitarrista profissional é se acostumar a frequentar shows. “Quer ser prestigiado? Prestigie.” Apesar de reconhecer que é um músico privilegiado pela presença constante de seu público em shows e workshops, ele também avalia que, na Baixada Santista, muitas coisas poderiam ser diferentes. “Por aqui temos muitas bandas de rock e pop que são boas, mas acho que ainda faltam espaços para tocar. Isso mudaria a cultura das cidades e incentivaria novos projetos”.

NOVEMBRO 2014 | X CULTURA

17


Foto: Thiago Costa

Artista técnicas e guitarrIces Para a maioria dos músicos, chegar ao ponto de improvisar numa canção talvez seja uma das conquistas mais complexas de estudo do instrumento. Para Mauro Hector, essa habilidade sempre fez parte do seu som. “Gosto pra caramba de improvisar. No começo, a gente não conseguia tocar como as músicas estavam gravadas nos discos, então improvisava. Lógico que depois estudei técnica, escalas e tudo mais.” Para finalizar, Mauro Hector dá algumas

18

X CULTURA | NOVEMBRO 2014

dicas diferentes para quem quer se arriscar na área musical. Ele não só fala sobre estudo e interpretação da arte, mas coloca pontos de caráter individual como itens indispensáveis para ser um bom guitarrista. “Primeiro, o cara tem de ser legal. Assim como nas outras profissões, não acho que um bom guitarrista vai passar por cima dos outros ou tentar se promover de uma forma inadequada. Depois, ele tem de ser humilde, criativo, sensível e, acima de tudo, comprometido. Quando o músico é comprometido com os estudos, seu público e sua arte, tudo flui.”


NOVEMBRO 2014 | X CULTURA

19


ISABEL ORTEGA

Perfil

Uma vida dedicada ao

TEatro

Por Matheus J. Maria Uma coisa que não se pode dizer de Isabel Ortega é que ela passa despercebida. Pequena – não tem mais que 1,55m. Ela pode parecer frágil, mas seu olhar firme e a entonação da voz mostram uma altivez inesperada. Sua postura é firme e correta, quase como a de uma pessoa que por anos dançou balé e sabe da importância de andar com as costas retas e olhar firme para a frente. Pode ser confundida com uma dessas avós mais modernas, que se recusam a ficar em casa tricotando e se vestem com roupas elegantes, porém sóbrias e se divertem com o que ainda lhes desperta o interesse. Os cabelos pintados de vermelho lutam contra os fios brancos que insistem em se fazer notar e contrastam com os olhos azuis que não perdem o brilho. “O teatro me mantém viva e jovem. É quase como uma fonte da juventude” diz com orgulho, enquanto conta sua trajetória. Mesmo fora da cena teatral, percebe-se que ela não abandona a postura teatral. Seus gestos, suspiros, olhares e falas são pontuados, pausados, quase que ensaiados, mas apresentados de modo que não pareçam artificiais. Vivendo na Espanha atualmente, Isabel adora usar um ou outro termo em espanhol e realmente me põe em dúvida se é um costume comum ou apenas uma forma de enfeitar sua fala e criar uma aura de glamour. “Holá Matheus, como estás?” é como ela normalmente me cumprimenta, com um sorriso que exibe os dentes um pouco amarelados pelos anos do vício em cigarro. Se precisasse dizer uma palavra para definí-la, acho que seria elegância. Sim, 20

essa é uma palavra que posso atribuir a ela com certeza. Nos dias em que passamos juntos, sempre notei como ela era discreta – pelo menos no que tange a seu vestuário – e sempre combinava as peças com os adereços. Lenços e echarpes europeias com terninhos claros que sempre realçam seus olhos, dos quais ela faz questão de falar e exibir. Outras pessoas, como alguns técnicos que trabalham diretamente com ela, já usariam outros termos como arrogante, mas isso dito “em off”, longe dos ouvidos atentos dela. Isabel é muito bem relacionada com grandes personalidades e mesmo que alguns digam que “ela ainda vive muito de aparência”, é inegável que é uma pessoa influente. “Esses olhos já viram muitos países e muitos palcos diferentes” diz sorrindo e piscando um pouco mais que o necessário. Pouco fala de sua origem riopretense, não por vergonha ou vaidade, mas percebe-se que sua vida gira em torno da Europa e dos festivais de teatro por onde circula, ora como curadora, ora como convidada ou palestrante. Com um pouco de insistência, ela conta sua origem artística e deixa seus olhos marejarem ao falar do início da sua carreira na década de 1970, e como foi premiada como atriz revelação, com a peça A Exceção e a Regra, de Bertold Brecht. “Em plena ditadura, ganhei o prêmio Governador do Estado e, com isso, recebi uma bolsa para estudar música. Foi algo que ajudou a alavancar minha carreira”, diz. A bolsa de música era o prêmio comum dado na época e não necessariamente era desejado por todos. Para Isabel, teve pouca utilidade prática, porém a colocou em contato com outras pessoas do meio artístico e cultural, o que re-

X CULTURA | NOVEMBRO 2014

“O teatro me mantém viva e jovem. É quase como uma fonte da juventude” sultou em outro convite. Como era filha de pais espanhóis, foi convidada pelo Consulado Espanhol para concorrer a uma bolsa na Real Escola Superior de Teatro e Ópera Oficial da Espanha. Esse convite surgiu devido ao fato de já ter feito Macunaíma no teatro e, também, por estar se tornando um nome conhecido no teatro nacional. “Fui para lá, e achei que fosse ficar só o tempo que durasse o curso, mas surgiu um convite do diretor para que eu me tornasse sua assistente. Aceitei e fui ficando na Espanha”. Nessa época, já era casada e mãe de dois filhos. Casou cedo, aos 18 anos, e veio de uma família tão humilde quanto grande. Tendo outros dez irmãos, foi criada sem qualquer influência artística e, também, sem o apoio dos pais, que eram trabalhadores rurais. Sua voz falha um pouco – mais uma vez quase como se estivesse atuando para acentuar a sensação de tristeza


Foto: arquivo pessoal

– ao contar que nunca teve apoio de sua família e que nenhum de seus familiares chegou a vê-la atuar. Isabel foi uma das idealizadoras do festival Mirada – o Festival Ibero-americano de Artes Cênicas -, quando conheceu o diretor regional do Sesc São Paulo em Cádiz (Espanha), mas não é muito bem vista pelos outros organizadores. Sabendo dessa situação delicada e por vezes desconfortável para os que trabalham próximos a ela e aos demais organizadores, ela sempre faz questão de reforçar sua posição e autoridade, por vezes de forma discreta e por vezes de forma incisiva, recitando a lista de contatos e conhecidos que ela tem. Para Sérgio Luis Oliveira, um dos coordenadores do Mirada, “ela é uma figura a ser isolada pouco a pouco”, alguém que usa de suas relações para manter-se em uma posição de status. E de fato ela gosta de sempre frisar que é uma das criadoras desse festival e que certas coisas “podem acontecer ou não,

dependendo da minha permissão”, fala essa que suscita alguns risos contidos e olhares de desaprovação a sua volta. Sentada em sua mesa e isolada das demais pessoas que trabalham na organização do Mirada 2014, ela passa o dia entre telefonemas para seus amigos e convidados internacionais que, segundo ela, precisam estar aqui. A cada intervenção realizada por ela em alguma lista de convites já feita ou discussão em andamento, o sorriso de aquiescência é seguido por um rolar de olhos das pessoas envolvidas. “Deixa ela falar e achar que faz e depois fazemos o que realmente temos que fazer”, essa é a orientação mais comum dada pela coordenação do evento a todos que entram na sala e a conhecem pela primeira vez. Esse tipo de comentário e piadas ditas em tom baixo, longe dos ouvidos atentos de Isabel, são comuns e por diversos momentos criam um ar de constrangimento em que todos são obrigados a atuar para

não transparecer o que realmente está acontecendo. Pergunto-me se ela realmente percebe a situação que a cerca, o desconforto com algumas decisões que ela toma à revelia da organização ou se ela percebe, mas apenas não se importa. Isabel é tão atriz que talvez esse ar alheio seja apenas uma encenação, uma peça pela qual ela conduz as pessoas à sua volta sem que elas se deem conta de que estão sendo manipuladas. Mas talvez o ego dela que, embora permaneça domado na maior parte do tempo, a cegue para o que realmente acontece ao redor. Seja como for, uma coisa que não se pode negar é que Isabel Ortega encara o mundo e a vida como um grande espetáculo onde ela sempre precisa atuar da melhor forma e, se possível, ser a estrela. Afinal de contas, como ela sempre me dizia “O show só acaba quando a luz apaga e a cortina fecha. Até lá, não podemos parar de dar o nosso melhor”.

NOVEMBRO 2014 | X CULTURA

21


Leitura

um, dois, três... Foto: yonny furukawa

Um livro e três autoras. As amigas que, juntas, são pura cultura, arte e sabedoria

Por Yonny Furukawa Três autoras, três estilos literários diferentes. Vamos contar essa história? As amigas Wilma Terezinha Fernandes de Andrade, Graziella Tognetti e Maria Zilda da Cruz resolveram unir suas experiências e fantasias para encantar os leitores em um livro. O início do livro Um, dois, três... Vamos Contar Histórias foi há dois anos e o incentivo foi aproximar as velhas amigas de faculdade e, no futuro, mostrar tudo para os netos. A ideia surgiu através de uma ligação telefônica na qual Maria Zilda convidou Graziela a escrever o livro. Depois, para completar a equipe, chamaram a amiga Wilma, que se surpreendeu e adorou a ideia. Estão registradas em 232 páginas editadas pela Comunicar, histórias que atra-

22

As três autoras exibem com orgulho o livro que criaram pensando nos netos e tque também ajudou a se reaproximarem

vessam gerações, mescladas com a experiência, aprendizado e uma “pitadinha” de ficção. Com mais de 60 anos, as escritoras nos levam à reflexão por meio de narrativas, poesias, contos e crônicas. O leitor viaja por guerras, conhece grandes personagens, entre escritores e trabalhadores comuns, e também sobre animais de estimação. Além de entender aquelas histórias de mãe para filha e pensar sobre acontecimentos vividos no dia a dia. Tudo com muito bom humor. Escrita em dois países, Brasil e Itália, a obra foi montada pela internet, via Skype, e mesmo a distância foi superada com muita dedicação. Wilma Therezinha é nascida em Santos, formada em História e Geografia pela Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC), mestre e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Já foi professora por mais de 40 anos e é escritora premiada. Teve a oportunidade de resgatar no livro o primeiro texto de sua carreira, escrito aos 17 anos. “Me sinto muito feliz e realizada em poder reviver e publicar o meu primeiro texto no nosso livro”. Já Maria Zilda não nasceu em Santos, mas cresceu na cidade. Concluiu Pedagogia e História na Universidade Católica de Santos (Unisantos) e é mestra e dou-

X CULTURA | NOVEMBRO 2014

tora em psicologia também pela USP. Já lecionou em universidades e hoje escreve por hobby. Ela preenche o livro com poesias, e garante que a inspiração pode vir de onde menos se espera. “É uma coisa que nasce de dentro de você, não dá para explicar”, contou sorrindo. Zilda escreve sobre o cotidiano, mas a sua predileção é detalhar a natureza. E além de escrever poesias, conta que cuidou de toda a parte gráfica do livro. “Não foi tão difícil, a tecnologia me ajudou bastante. Foi um jogo de aprendizagem”. E as ilustrações? A italiana Graziella Tognetti, que veio da Itália recentemente, adotou o Brasil como seu segundo lar. Formada em Ciências Econômicas e Comerciais pela Unisantos, especializou-se em Sociologia Educacional em Santo André e em Economia na Itália. Inspirou-se nas obras das amigas e nos fatos que retratou no livro, para criar as imagens que dão vida à história. “Leio uma ou duas vezes cada texto e pronto. A imaginação vem. Adoro desenhar”. Para quem quer adquirir o livro, é possível encontrá-lo na Papelaria Organização, em Santos e nas, nas livrarias Realejo e Loyola, também em Santos, por R$ 39,00. Se você pensa que acabou por aí, não! As autoras disseram que é só o começo, e que pretendem continuar a escrever novos livros.




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.