Walker Travels Magazine | 06 | China

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CHINA

TEMPLOS, JARDINS, PALテ,IOS, COMIDAS ESQUISITAS, C AV E R N A S B U D I S TA S E R O TA D A S E D A . RE V IS TA DE V IAGENS PRODUZIDA POR EDSON WALKER


edição, diagramação fotos e textos edson walker revisão ortográfica tânia ottoni julho 2013


Zhong Guo, em chinês, significa Centro da Terra. Marco Polo, quando chegou aqui, pensava que o centro era na Europa. Viajantes como ele acabam naturalmente mudando seus pontos de referência. Os elementos ao seu redor mudam de forma e sua identidade sofre durante a luta de adaptação às novas culturas. O viajante é aquele que está em constante construção e destruição de suas certezas, e a força da energia desse país faz com que esses processos sejam ainda mais intensos. A China pulsa num ritmo diferente em seu peito. É veloz, porém nem sempre cadenciada. Um dragão com muitas transformações. Imprevisível e complexo em sua aparente simplicidade. Assine também a revista e ganhe mensalmente um postal exclusivo feito por mim. Apenas R$ 30,00 mensais. edson.walker@gmail.com

É difícil prever algo assim que muda tão rapidamente de aparência. O materialismo parece consumir até mesmo sua cultura milenar, e os templos estão cheios de turistas.


sem medo de ser feliz


beijing china


boneca de porcelana chinesa


beijing china


praรงa tiananmen: we are watching you


beijing china


marcha soldado, cabeรงa de papel


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fantasias burguesas


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propaganda de cigarros


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muita coisa mudou por aqui


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os famosos patos de pequim


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reflexos chineses


beijing china


praรงa tiananmen


beijing china


Cheguei aqui em Beijing na madrugada da última quinta-feira. O ônibus-leito (e aqui são leitos mesmo, com 3 fileiras de beliches onde você realmente pode esticar as pernas) parou num estacionamento às 2:00h da madrugada e todo mundo continuou lá, dormindo. Pudemos ficar dormindo até o sol nascer, apesar de, por aqui, ele geralmente aparecer quando já está longe do horizonte devido à espessa camada de poluição que cobre a cidade. Acordei num local totalmente desconhecido. Na primeira hora da manhã, a cidade já pulsava intensamente e eu reconhecia novamente o cheiro da China. Pelo menos isso não havia mudado desde a minha primeira viagem, em 2010. Beijing é uma cidade monumental. Apesar da poluição do ar, possui vários parques bem cuidados e inúmeros locais históricos para se visitar, como a Cidade Proibida e o parque da Olimpíada. O complexo de edifícios, jardins e templos da Cidade Proibida é realmente impressionante. Na verdade, a China impressiona o tempo todo. É uma nação que, apesar de tão modernizada, ainda preserva uma cultura bem diferente da nossa. Ela dá constantemente ao viajante a sensação de estar descobrindo algo novo.

o parque como palco Apesar de tanta coisa imponente construída pelo homem para ser vista, até agora o que mais me emocionou foi, num parque, ver pessoas reunidas cantando na tarde de domingo. Eram canções antigas que traziam aos rostos lembranças de seu passado. Lindo vê-los cantando regidos por um maestro e embalados pela música de um antigo acordeão. Cantavam com tanta alegria e empolgação, que me faziam lembrar novamente


do que faz ser tão apaixonante viajar. Esses encontros com pessoas fazendo algo genuíno são as minhas mais valiosas memórias. Muitas coisas já me chamaram a atenção nesta primeira semana em Beijing. Eu adoro a simplicidade do povo chinês. Apesar de haver também patricinhas tirando fotos delas mesmas com seus iPhones (triste essa necessidade de alimentar o ego com tanta regularidade) nas ruas, aqui vale tudo, até sair de pijamas. Designers de moda ocidentais ficariam assustados com tanta variedade. Nos restaurantes, homens comem sem camisa enquanto bebem cerveja em pequenos copos de vidro e fumam. Os menus podem impressionar também pela variedade de pratos e tipos de carne. Come-se de tudo! Segundo dizem na minha cidade natal, nada além do berro do animal é desperdiçado. Uma vez perguntei a um japonês como ele conseguia reconhecer um chinês de outro povo asiático. “Fácil”, ele disse: “Falam alto e vestem-se mal”. Tirando o fato de que japoneses não gostam de chineses (e vice-versa), isso é bem verdade. Pior ainda quando decidem ter uma discussão perto da porta do seu quarto, como aconteceu na primeira manhã aqui no meu albergue. Nas

beijing china ruas há muito barulho. Eles parecem não se importar com isso. Tem ruídos por todo lado. Alguns vendedores possuem altofalantes que anunciam continuamente seus produtos. A marcha-ré dos carros e motos também possui uma mensagem de alerta em chinês que se repete de forma ensurdecedora. Até mesmo as >>

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calculadoras falam os números digitados. O povo chinês adora os ocidentais. Muitos deles pedem para tirar fotos com a gente. Na primeira noite aqui, num restaurante, uma mulher pediu gentilmente para tirar uma foto comigo. “Claro que sim”, respondi. No dia seguinte tirei mais umas 5 fotos com pessoas diferentes nas ruas. No início é até divertido, mas depois acaba perdendo a graça. Ser famoso não parece ser tão legal assim. Ainda não consigo entender bem o motivo, pois às vezes nem sequer perguntam seu nome e nem sabem de onde você vem. Ao redor da Cidade Proibida, um pouco de atenção é necessária, pois como em qualquer país, nem todo mundo é tão legal assim. É seguro andar pelas ruas. Quase impossível você ser assaltado à mão armada. Os poucos bandidos são tão expertos que não precisam usar recursos tão extremos. O principal golpe da cidade é aplicado por pessoas que começam a puxar uma conversa amigável na rua e logo lhe convidam para tomar algo ou comer no restaurante que faz parte do esquema. Quando o negócio está consumado, e você bebeu e comeu com seus novos “amigos”, vem a conta da sua ingenuidade. Os valores são absurdos e você logo percebe que o único jeito de sair da armadilha é lutar fisicamente com toda a quadrilha, ou pagar e evitar que o problema fique ainda maior. Esse é um golpe manjado na Ásia e felizmente até agora consegui evitá-lo. Fica muito mais fácil viajar com experiência. Aliás, esta viagem, até aqui, está sensacional. Tudo correndo naturalmente. Sinto-me num fluxo contínuo que me leva sempre para os lugares certos. Não acho que o mundo mudou desde que comecei a viajar. Acho que a mudança foi minha, internamente.


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a china antiga sobrevive


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a cidade proibida


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a cidade proibida


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a cidade proibida


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a cidade proibida


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a cidade proibida


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a cidade proibida


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a cidade proibida


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a cidade proibida


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a cidade proibida


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a cidade proibida


beijing china


a cidade proibida


beijing china


a cidade proibida


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Viajar sempre me dava aquele prazer que sentimos quando aprendemos algo novo. Aquela sensação de conquista do conhecimento sobre o mundo no qual vivemos. Porém, viajando pela China, tudo aquilo que já aprendi sobre o mundo parece não fazer mais sentido, e volto a sentir aquele sentimento de frustração diante do incompreensível. É um mundo muito diferente do nosso. Talvez precise apenas de um pouco mais de tempo para processar toda a informação que já absorvi durante essas duas semanas aqui no país mais populoso do mundo. Mas, segundo as novas estimativas de crescimento populacional, não será mais por muito tempo, pois a Índia, já em 2028, vai ultrapassá-la e continuar crescendo sem qualquer concorrente. Em 2050 teremos mais de 9 bilhões de habitantes no planeta, 3 dos quais apenas de chineses e indianos. Felizmente, ou infelizmente, como dizia meu professor de biologia no curso pré-vestibular em Santa Maria, não estaremos vivos para ver os resultados disso tudo. Enquanto isso, nos EUA, uma empresa trabalha num projeto comercial de colonização de Marte, e aqui na China está cada vez mais difícil tirar fotos de atrações turísticas sem um monte de gente na frente da câmera e alguém atrás de você cutucando pedindo para dar um passo de lado.

1,3 bilhão de chineses Eu pensava nessas coisas ontem, em cima da bicicleta alugada, quando saí do centro no intuito de encontrar algum lugar mais calmo, sem tanta gente e barulho. Estou agora na cidade de Xi’na, que já foi capital de vários impérios da China antiga e tem mais de 3100 anos de história. Aqui era o destino final da famosa Rota da Seda e foi


daqui também que partiu o monge budista Xuanzang, no século VII, rumo à Índia, para buscar manuscritos para a nova religião que florescia também aqui na China. Pedalei por mais de 1 hora no meio de uma cidade massiva, de trânsito caótico e em contínuo crescimento. Carros realmente não fazem parte dos meus conceitos de evolução e desenvolvimento. Segui em direção ao norte por puro instinto e casualidade. Imaginava que se seguisse qualquer direção, uma hora ou outra chegaria ao final da cidade. Devo confessar que cansei, até chegar a um parque onde os prédios pareciam distantes, quase desaparecendo na densa camada de poluição que as condições climáticas do dia impediam de se dissipar. Era um dia cinza e quente. Daqueles dias em que você tenta até respirar menos para inalar menos poluição. No parque deserto de humanos, uma pequena trilha cercada por chorões dividia dois campos com diferentes tipos de flores que cobriam o chão. Do meio das flores saíam centenas de pássaros que ficavam cantarolando ao redor, e até um faisão com seus dois filhotes voaram em disparada quando me aproximei do lugar onde se escondiam. O ar estava tão pesado, o horizonte tão cinza com a silhueta de vários prédios em construção, mas eu sorria quando respirava e sentia o cheiro de todas aquelas flores ali ao meu redor.

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Desse parque cheguei a uma imensa avenida no sentido leste-oeste e segui por ela, porque ao norte chegaria apenas ao aeroporto, nem tão distante dali, mas já totalmente escondido pela camada de poluição do ar. Seguindo em direção ao oeste por essa larga e totalmente arborizada avenida notei algo estranho. Havia menos tráfego que na avenida principal da vila onde cresci, e eu cantarolava feliz naquela plana imensidão. O governo chinês já está se preparando para o futuro. Ao redor dessa avenida, no meio de plantações de frutas ou verduras, imensos complexos imobiliários brotam rapidamente do chão. Dezenas, ou melhor, centenas, de novos prédios de 30 a 40 andares podem ser vistos por todos os lados, tanto no centro como ao redor do perímetro urbano que cresce a cada ano. E isso não é só aqui em Xi’na, mas também por toda a China. Alguns desses projetos chegam a formar até mesmo cidades satélites para mais de 350 mil habitantes, com toda a infraestrutura de uma cidade moderna. Em muitos desses casos, as cidades estão prontas já para receber moradores, mas são poucos ainda os que possuem condições de comprar seu pedaço de paraíso nesse sonho americano na China.

1,3 bilhão de chineses É desconcertante ver a velocidade do desenvolvimento econômico da China. Enquanto o Brasil dorme, eles trabalham. E não estou falando apenas da diferença de fuso horário. Hoje de manhã, pela TV estatal, os chineses acompanhavam a chegada de seus 3 astronautas que passaram 15 dias em órbita da Terra. Mas onde vai parar todo esse rápido desenvolvimento? Aqui da China, fico pen-


sando que talvez devamos repensar nossos sonhos para o futuro e parar de consumir tanta coisa de plástico que pisca e faz barulho. Parece uma hipnose coletiva. Os templos aqui na China são preservados apenas porque dão dinheiro com o turismo. Os monumentos históricos são preservados e logo ao seu redor planejam-se parques de diversão com um monte de luzes piscando, restaurantes e uma porção de bugigangas de artesanato industrial. Tudo parece tão vazio! Trabalha-se apenas para poder consumir mais. Trabalha-se demais para alimentar esse sonho consumista, onde existimos apenas se consumimos. Depois de outro dia de vários quilômetros caminhados, no meio de tanta gente, de tanto barulho e de tanto plástico, eu estava cansado. Frustrado por ter que pagar para entrar nos templos que queria ver, já estava desistindo daquele dia e voltando para o ar condicionado do meu albergue. No caminho, parei para comer algo na rua, um pastel redondo e gorduroso com carne de porco (pelo menos eu espero que seja) e, enquanto pensava que na China havia pouca gente cantando nas ruas, comecei

xi’an china a ouvir alguém cantando na praça ao lado. Era um jovem que tocava violão e cantava uma música em chinês, tão melodiosa que fazia parar muita gente. Cantava com tanta emoção que acalmava até os loucos da praça e fazia os casais de namorados apertarem ainda mais o abraço. Tive que segurar a emoção depois de algo tão belo e sincero naquele dia tão cheio de novas informações e falta de sentido.


templos chineses


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veias urbanas


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novas cadeias de montanhas


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imagens do passado


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caminhos de flores


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viadutos chineses


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peixes dourados


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mercado muรงulmano uygur


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modelos muรงulmanos


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vendendo doce na feira


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mesquita muรงulmana


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jogatina de todos os dias


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pagode do ganso branco


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dormindo em serviรงo


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enfeitiรงada pela luz


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o curioso mundo da moda


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Depois de duas semanas respirando o ar pesado de grandes cidades chinesas como Beijing e Xi’na, me deparei ontem respirando um ar tão fresco e puro que dava até vontade de engarrafá-lo e guardá-lo como lembrança dessa viagem à China. Estou agora em uma cidade do deserto de Gobi, um oásis com mais de 4 mil anos de história, grande parte dela como importante centro comercial e religioso da antiga Rota da Seda. Dunhuang é como um paraíso no meio do deserto. Até onde a água alcança, o verde predomina. Ao norte, estende-se uma imensidão desértica e plana e ao sul, uma longa cadeia de montanhas rochosas. Caminhei ontem entre imensos pomares de damascos, peras e uvas. Pequenas estradas asfaltadas com canais de irrigação ao seu redor ligam as diferentes propriedades. O verde impera e a umidade da água dá ao ar um frescor inesquecível mantido entre a copa das árvores e o chão. Entre as árvores frutíferas e os ciprestes usados para conter o vento, o andarilho caminha sorridente ao provar alguns dos damascos já maduros da estação. Lá fora o calor impera e, por entre as árvores, é possível ver no horizonte as gigantescas dunas de areia iluminadas pelos últimos raios do sol daquele dia.

na rota da seda Aqui, as casas possuem sempre um sofá velho ao lado da entrada, para o cochilo vespertino e um pátio interno utilizado para estacionar os pequenos tratores, secar frutas, ou jogar bola no inverno. Nas portas, é possível ver duas imagens de deuses protetores que afastam os maus espíritos com suas espadas e caras feias. Algumas dessas


casas possuem também currais onde guardam seus camelos, usados para transportar turistas pelas dunas vizinhas. Calmamente, eles olham para quem passa pela estrada, enquanto mastigam suas porções de avica fresca. O cheiro dessa planta me faz sempre ter saudades de casa. Cheiro de interior. Por aqui já passaram milhares de viajantes. Um ponto importante de encontro de comerciantes e peregrinos. Marco Polo escreveu, no início do século 13, sobre Dunhuang: “A maioria dos seus moradores são idólatras (budistas), mas há também alguns cristãos e sarracenos (muçulmanos).” O interesse dos comerciantes era sempre o mesmo (comprar e vender mercadorias), mas suas crenças religiosas variavam, já que vinham de lugares diferentes. Mas, foi mesmo o budismo que mais floresceu em Dunhuang e passou a ser um ponto de morada ou passagem de vários peregrinos que viajavam do leste da China para a Índia em busca de iluminação. Hoje, há também por aqui muitos muçulmanos mas, na verdade, parece mais que todos se renderam ao materialismo, como em praticamente todo o país. Dunhuang é um verdadeiro cruzamento da história. Nessa região, ainda podem ser vistas as centenas de cavernas que antiga-

dunhuang china mente abrigavam os monges de fé inabalável. Hoje, mais uma grande atividade para a fervorosa indústria do turismo chinesa, algumas dessas cavernas podem ser visitadas pelo público sempre acompanhado por guias do governo chinês.

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Grande parte dessas cavernas possui murais com figuras e desenhos budistas, a maior parte deles feitos nos séculos IX e XII. O valor artístico e histórico desses murais e estátuas é impressionante, pois, além de sua beleza estética, contam também o desenvolvimento dessa religião na China. No início do século XX, foi descoberta uma sala secreta, chamada pelos exploradores de biblioteca, contendo centenas de valiosos manuscritos e pinturas de imagens religiosas. Praticamente a maioria foi comprada por exploradores ingleses, franceses, americanos e japoneses. Pouco sobrou e o museu daqui possui poucos desses originais, sendo que a maioria dos documentos expostos são cópias. Nesses manuscritos podem ser encontrados documentos em diversas línguas como, por exemplo, uma bíblia escrita numa antiga língua falada na Síria. Há também tratados de astrologia e medicina, afinal, esses antigos centros de prática e estudos religiosos foram também as nossas primeiras universidades, centros de prática do conhecimento existente nas diferentes épocas.

a place that you can not “fotet” Você sabe o que significa a expressão “chinglish”? Não é difícil deparar-se com essa forma, muitas vezes incompreensível, da mistura de duas línguas tão diferentes uma da outra. Os chineses tendem geralmente a traduzir literalmente e criam algumas vezes textos engraçados como, por exemplo, o dessa embalagem de um doce de nozes (ipsis litteris conforme impresso):”Best Enjoyment. It is new taste we need qualty and we need the dest food here. You are the new man, how delicious can not fotet”. Pois é, caro leitor, está na hora de aprender inglês!


dunhuang china


a indĂşstria do turismo chinesa e suas cercas


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o deserto contra o oรกsis


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o deserto contra o oรกsis


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animais selvagens do deserto


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anjos chineses


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cavernas budistas de mogao


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cavernas budistas de mogao


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deserto próximo às cavernas de mogao


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Quando a tira do seu chinelo Havaianas, “Made in Brazil”, rompe-se enquanto você caminha despreocupadamente por uma agitada avenida de uma grande cidade chinesa, a primeira coisa que você pensa é: “O dia estava bom demais para ser verdade”. Sem perder o otimismo, você olha ao redor para ver se consegue encontrar uma loja com Havaianas “Made in China”, mas não há nada por perto. O terceiro pensamento é: “Eu tenho um canivete”. Nunca viaje sem um, pois há muito mais coisas para fazer com ele do que apenas descascar frutas. Não existe MacGyver sem um canivete. Encontro uma tira de plástico no chão, faço um furo na tira, alguns nós e sigo o meu caminho em direção ao mercado noturno Uygur, minoria muçulmana da cidade de Urumchi, na província de Xinjiang, noroeste da China. O sol acabava de esconder-se por entre os prédios e, ao passar por um restaurante e ver pedaços de melancia em cima de uma mesa colocada perto da calçada, penso: “É exatamente disso que eu preciso”. Olho ao redor para encontrar o vendedor e vejo 3 homens sentados na mesa ao lado, sorrindo, fazem sinais para que eu pegue um pedaço. “Cortesia? E ainda por cima gelada?” É tão fácil fazer o dia de alguém mais feliz e geralmente custa tão pouco!

chamado para a oração Continuando pela rua, encontrei o mercado, cheio de vendedores de frutas e pequenos restaurantes de rua. Havia muita gente andando de um lado para outro. A grande maioria, muçulmanos com feições da Ásia


Central, muito diferentes dos chineses que controlam o país. Crianças brincavam felizes nas ruas. Duas meninas vestidas com roupas típicas e véus cobrindo a cabeça defendiam-se com pedaços de pau do “bullying” dos meninos ao redor. Vendedores de melancia, alguns com suas longas barbas hirsutas, ofereciam pedaços para quem quisesse provar. Havia uma boa energia no local, pessoas sorriam com mais frequência do que nas outras cidades chinesas que eu havia visitado anteriormente. A mesquita na entrada da rua chamava agora para a última oração do dia e os homens apressavam-se para entrar. Da entrada, tirei uma foto com os homens já alinhados e com seus sapatos colocados ao redor do tapete à frente. Nesse momento, a minha sorte mudou completamente. Um homem chinês me cumprimentou, perguntou a minha nacionalidade e fez sinal para que eu o acompanhasse até o outro lado da rua. Lá, outros policiais, disfarçados, conversavam sentados em pequenos acentos. Não demonstravam sinais de agressividade. Pareciam querer apenas conversar, só que preferiram fazer isso na delegacia ali perto. Ninguém falava inglês e eu só pensando: “Que ridículo! Outra vez não!” Nesse momento, me lembrei de que estava sem o meu passaporte. Eu o havia deixado no consulado do Cazaquistão, naquela manhã,

urumchi china para a emissão do visto para a continuação da viagem. E, para piorar, a cópia que havia feito para essas situações estava na minha

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pasta de documentos no quarto do hotel. Para piorar ainda mais, se pedissem para ver as últimas fotos na câmera, provavelmente veriam uma que tirei algumas horas antes de um grupo de policiais andando em fila indiana carregando pedaços de pau do tamanho de tacos de baseball. Sentado na delegacia, lembrei-me do comentário de um francês feito naquela manhã no consulado cazaque: “Você tem uma cara de jornalista!” Levou algum tempo até que eu conseguisse explicar o motivo por estar sem o passaporte. Um policial me passou o celular para falar com seu amigo que falava um pouco de espanhol. Não adianta, pouca gente no mundo sabe que falamos português e a China realmente sabe muito pouco sobre o mundo. Depois de alguns minutos de espera, chegou um jovem policial, também à paisana, e começou a conversar comigo em um inglês quase fluente. Eles queriam saber o motivo de eu estar tirando fotos naquela rua. “Ah”, pensei. “É apenas essa mania conspiratória chinesa de que jornalistas internacionais vem aqui e escrevem o que pensam sem o consentimento do governo chinês”. O oficial estava tranquilo. Pediu para ver as últimas fotos que tirei e, felizmente, não tive que ir muito adiante. Fez mais um monte de perguntas, anotou informações minhas e, provavelmente, hoje tenho ficha aqui na

“time de baseball” da polícia local China também. A província de Xinjiang, onde moram os muçulmanos do país, possui um sistema de controle da polícia e do exército muito maior até do que o de Israel. Tem polícia pra todo lado, câmeras instaladas em vários pontos (cerca de 10.000


só na cidade de Urumchi) e, quando você não vê nenhum policial ao seu redor, provavelmente pode haver algum à paisana lhe observando. Há duas semanas, numa cidade vizinha, houve um ataque uygur contra policiais, no qual morreram 37 pessoas. Quando cheguei a Urumchi, na sexta-feira passada, havia tanques nas ruas e ainda hoje grupos de soldados estão espalhados por vários pontos da cidade. Aqui na China, não tem essa de manifestação nas ruas como no Brasil. O punho é de ferro, as balas não são de borracha e o cassetete do tamanho de tacos de baseball! Depois de sair da delegacia, fui comer algo num restaurante ali perto. Comi um delicioso calzone de carne de carneiro assado num forno à lenha. Para sobremesa, um pedaço de melão comprado de um vendedor na rua ao lado. Enquanto comia, escuto alguém perguntando em inglês se o melão estava doce. Olho para o lado e encontro o jovem oficial que havia me interrogado. Ele, descontraído, começa a falar sobre futebol e Ronaldinho. Conversamos por cerca de 15 minutos. Uma conversa agradável e amigável. Até cheguei a dar um dos meus cartões de visita a ele. Não adianta, eu tento, mas, no final, não consigo odiar esses chineses. É uma verdadeira relação de amor e ódio.

urumchi china


bullying comigo n達o!


urumchi china


bairro muรงulmano uygur


urumchi china


preparando um shaslik


urumchi china


restaurante uygur


urumchi china


p么r do sol


urumchi china


pequinĂŞs, mistura de leĂŁo com macaco (segund


ndo a lenda)

urumchi china


entardecer


urumchi china


pose para a foto


urumchi china


cidades chinesas


urumchi china



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