FACULDADE OLGA METTING CENTRO DE ESTUDOS DE PÓS-GRADUAÇÃO OLGA METTING
MARIA JOAQUINA MOURA PINTO
HISTÓRIAS CONTADAS SOBRE CAMACÃ: FILHA PRÓDIGA DE CANAVIEIRAS
SALVADOR 2004
MARIA JOAQUINA MOURA PINTO
HISTÓRIAS CONTADAS SOBRE CAMACÃ: FILHA PRÓDIGA DE CANAVIEIRAS
Monografia apresentada ao Centro de estudos de Pós-Graduação da Faculdade Olga Metting, como requisito parcial à obtenção do de grau de Qualificação Docente para o Magistério Superior em Turismo.
Orientadora: Profª. Vera Fartes
SALVADOR 2004
Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Damares de Oliveira. P72
PINTO, Maria Joaquina Moura. Histórias contadas sobre Camacã [manuscrito]: filha pródiga de Canavieiras / por Maria Joaquina Moura Pinto – 2004. 162 f. : il. Monografia (especialização) – Faculdade Olga Metting, Centro De Estudos De Pós-Graduação Olga Metting, 2004. Orientação: Profª.:Vera Fartes. 1. Cidade de Camaçã – Bahia - História. 2. Cacau - Bahia – I. Título. CDU – 911
MARIA JOAQUINA MOURA PINTO
HISTÓRIAS CONTADAS SOBRE CAMACÃ: FILHA PRÓDIGA DE CANAVIEIRAS
Esta Monografia foi julgada e aprovada para obtenção do de grau de Qualificação Docente para o Magistério Superior em Turismo.
Salvador, Bahia, _____/_________ de 2004.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________ Profª. Vera Fartes (Faculdade Olga Metting) Orientadora
_____________________________________ Prof.: (Instituição)
_____________________________________ Prof.: (Instituição)
A minha mãe aquela que me ensinou a enfrentar o mundo; A meu pai e minha avó raízes da minha inquietação pela busca do saber; e, Aos meus filhos e netos razão dos meus desafios.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Professora Vera Fartes que me introduziu com “Liberdade” nos primeiros passos pelo mundo dos registros.
Folha para escrever aqui sua epĂgrafe.
RESUMO
Reconstruindo a história de minha vida, solicitação requerida pela profissão abraçada (terapeuta de família), defrontei-me com as minhas origens e a história de Camacã. A inexistência de qualquer registro histórico quanto aos primeiros movimentos exploratórios à região, fez-nos sentir na obrigação de aprofundarmos essas informações, junto aqueles que conviveram com as figuras responsáveis pela idéia, pelo desbravamento destas matas e que também, viveram o processo de colonização desta área: os pioneiros desta terra, hoje chamada Camacã. Da origem de cacau no mundo, do consumo de chocolate e da sua expansão, chegamos a Canavieiras, berço da cacauricultura baiana e sua emancipação como formação do primeiro núcleo social de Camacã até a sua emancipação como cidade. Através de entrevistas abertas retratadas com fidelidade originária, percorremos a história desta região que alcançou, no período de apogeu da cacauricultura baiana, a condição de município mais rico, pelo volume de produção e qualidade de cacau. O registro originário dessas entrevistas expressa a preocupação em fornecer primeiros passos da história às próximas gerações para questionamentos, aprofundamento, compreensão ou interpretação de fatos sociais, históricos, econômicos e políticos de uma região, que com a cultura de uma época, deixou marcado um certo modo de ser desta Região.
Palavras-Chave: Cidade de Camaçã – Bahia – História; Cacau – Bahia.
ABSTRACT Reconstructing the history of my life, request required for the hugged profession (therapeutic of family), I confrotted with my origins and the history of Camacã. The inexistence of any historical register how much to the first exploratórios movements to the region, it made to feel us in the obligation to deepen these information, together those that had coexisted the responsible figures for the idea, for the desbravamento of these bushes and that also, had lived the process of settling of this area: the pioneers of this land, today called Camacã. Of the origin of cacao in the world, of the consumption of chocolate and its expansion, we arrive the Canavieiras, cradle of the bahian cacauricultura and its emancipation as formation of the first social nucleus of Camacã until its emancipation as city. Through portraied open interviews with originary allegiance, we cover the history of this region that reached, in the period of apogee of the bahian cacauricultura, the condition of richer city, for the volume of production and quality of cacao. The originary register of these interviews express the concern in supplying first steps of history to the next generations questionings, deepening, understanding or interpretation of social, historical, economic facts and politicians of a region, that with the culture of a time, left marked a certain way of being of this Region.
Keywords: City of Camaçã - Bahia - History; Cacao - Bahia.
SUMÁRIO f. 1
INTRODUÇÃO ..........................................................................
11
2
UMA CULTURA ENVOLTA DE LENDAS E MITOS ................
19
3
A ONDE MEU TIO QUERIA CHEGAR
26
.....................................
4
FAZENDA LAGOS: SIMBOLO DA LUTA PELA INDEPENDÊNCIA DA BAHIA ......................................................
39
5
OS PRIMOS: JOÃO ELIAS E MÃE CALÚ .............................
44
6
A FESTA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO
51
................... 6.1
LEMBRANÇAS DO PASSADO: RELÍQUIAS DE UM TEMPO .
56
7
“MISSÃO CUMPRIDA” ............................................................
59
8
UM SONHO, UMA LUTA, UMA CONQUISTA .........................
66
9
“CACAURICULTORES DE PÉS DESCALSOS” ....................
96
10
CONCLUSÃO ...........................................................................
115
REFERÊNCIAS ........................................................................
118
ANEXOS: DOCUMENTAÇÕES E ILUSTRAÇÕES
119
...................
1 INTRODUÇÃO
Ao lermos qualquer historia construímos um cenário próprio certamente diferente de quem nos conta, uma idéia própria. Com isso, sempre nossa subjetividade interfere comprometendo algumas vezes, aquilo que nos foi transmitido, mas é com essa preocupação de espírito, que aqui tentarei ser a mais fiel possível às informações a mim passadas. E, antes de começar a contar a história do nascimento da região de Camacã, minha terra “com gosto de chocolate”, não podia deixar de contar outra história de como nasceu essa vontade. Desde criança, muito curiosa, como diziam os mais velhos, me interessava profundamente, pelo relato dos mesmos quando relembravam os anos idos das suas existências. Assim, já acumulava muito cedo, cenas construídas na minha mente da história da família de origem de minha mãe, oriunda da cidade de Canavieiras. Professora primária inicialmente, carreira que mais atendeu ao desejo de minha mãe, não tardei pular para outras atividades profissionais com as quais, mais me identificava. Pertencendo a uma geração ainda de fortes repressões à mulher, carrego lembranças marcadas, por exclusões, que talvez nem consciência ainda naquela época tivesse, mas que fizeram toda a diferença nos meus
projetos, alguns já até mesmo esquecidos ou superados na trajetória da vida. Descendente de família de origem rural, sem tradições familiares ligadas a cultura acadêmica, vi-me na Universidade fazendo o curso de Serviço Social sem maior consciência do meu ato. Mais uma vez escolhia outra profissão eminentemente feminina, talvez inconscientemente atendendo novamente minha mãe, preocupada com separações conjugais futuras, em que argumentava que o “magistério público”, por certo, protegeria o casamento, contra o consolo de qualquer colega de trabalho do sexo oposto. De estudante de Serviço Social, líder estudantil de esquerda a vida profissional, o caminho foi rápido entrecortado pelo golpe militar de Estado de 1964, quando boa parte daquela gente abandonou os ideais socialistas ou os reprimiu. Casamento, filhos, reflexões, inquietações e eis que recebo um convite para participar de um grupo interessado no estudo da Psicanálise. Começando por nossa análise, não tardamos a iniciar a formação psicanalítica com renomados professores argentinos que nos vinham mensalmente ministrar os seminários. Já daí, começávamos as nossas inquietações, quanto a nossa história de origem. Agora frente a conhecimentos extremamente revolucionários da Psicanálise, talvez como defesa frente às frustrações e a
realidade política ainda repressora, mudava o foco quanto aos questionamentos dos sofrimentos humanos, provindos da cultura, da vida cotidiana. Interessada sempre pela denuncia quanto aos movimentos de opressão quer pela família ou pela cultura, ou pela sociedade, que afligem o homem desde a infância, adolescência até a fase adulta, exercida através das ideologias políticas, econômicas ou sociais de uma época, consegui redirecionar as minhas angustias em busca de aprender a lidar com essa nova forma de intervir, de contribuir para estimular a capacidade auto reflexiva do ser humano. Agora de uma forma menos agressiva, mas de resultados extremamente profundos, responsáveis e conscientes, junto à daqueles que compartilhavam e se identificavam com essas idéias, partia em direção a uma nova aventura. Mais uma vez mergulhava numa utopia, que me fazia dar um significado mais digno a minha existência. Sempre direcionada ao estudo da família, essa intrigante instituição, que vai desde a representação de um santuário a fabrica de loucos, não tardei a me interessar pela Terapia de Família e Casal estruturada a partir de 1950 nos EEUU e Europa. A pobreza em publicações no Brasil, nesta área, fez-me recorrer às obras importadas da Argentina, celeiro na época, de grandes
contribuições culturais. Aos poucos fui construindo um saber, com ajuda valiosa de Marta Berlin, psicanalista e terapeuta de família argentina, que me introduziu a um novo conceito de mulher e a conseqüente resignificação de família. Mergulhava agora no inquietante desafio de decifrar: o que sou? Quem eu sou? (a família). Alguns anos se passaram quando num curso em Massachuset vivenciando um trabalho sobre a TOF (Terapia de Família de Origem) comecei a dar maior forma a essa construção. Era o ano de 1997, quando nos foi pedido que deixasse vir à mente algo que representasse a nossa família de origem. A idéia logo se transformou numa imagem de uma vaca holandesa de tetas esvaídas... E foi ai que a história começou... Talvez um presságio de uma crise por vir. De posse já de algumas narrativas, abriram-se outras curiosidades que retornando ao Brasil, às pressas, recorri a minha mãe que um dia me disse: “deixe os mortos em paz” para não dizer não me faça lembrar do que é difícil para mim... Ou “você esta querendo saber demais...”. O tempo passava e a construção seguia. Conversas na mesa, nas tardes de domingo, a parada na casa de minha mãe para o cafezinho com leite após a volta do trabalho, tudo isso me fazia retornar ao tempo no meu imaginário. Era fantástico acompanhar as historias, os casos que nas páginas seguintes iremos relatar com a delicadeza, com a inocência de uma época que jamais retornará.
À medida que avançávamos sobre o passado mais fascinantes eram as cenas e personagens descritas. Inigualáveis relatos foram me levando a um lugar comum: a origem, o nascimento de uma região, a esperança de um povo, a busca de um novo, o sempre recomeçar da própria natureza humana, e eis que de uma forma simples, rude, aventureira, esse antepassados fundam um lugar hoje Camacã. Durante 10 anos saí coletando todos os tipos de informações que podiam me chegar às mãos, através de histórias orais gravadas, filmadas, de fotografias, de publicações em jornais e correspondências da época, hoje um banco de dados que me impõem a obrigação de registrá-los, como um acervo, que não mais me pertence e sim, às futuras gerações, particularmente à cidade de Camacã. Sem pretensões de publicar um inusitado trabalho, desejamos apenas deixar registrada aqui uma história que passou por nossas mãos e que servirão no futuro de subsídios para a compreensão de fatos sociais, históricos, econômicos e políticos de uma região que com a cultura de sua época deixou marcado um certo modo de ser desta Região. Quero aqui ressaltar a grande contribuição dada a esse trabalho a pessoa de um tio meu Boaventura Ribeiro de Moura (vê anexo, fig. 1), sem o qual, essa pesquisa não seria possível. Dele tirei as maiores contribuições deste trabalho através dos seus relatos, estímulos, e muita força.
No transcurso desse escrito usarei as suas próprias palavras e dos demais colaboradores, como uma forma de manter intacto o conteúdo do mesmo e a conseqüente preservação do original, tentando com isso manter melhor fidelidade para as interpretações futuras. Lembro-me da sua figura, um líder natural carismático que já não se “fabrica” mais, não mais se encontra, nesta “modernidade liquida” segundo o sociólogo Bauman. Temperamento
explosivo,
onde
escondia
uma
profunda
sensibilidade, um bom pai, íntegro, inteligente, de memória invejável, sempre otimista, poucas vezes o vi “surumbático” nem mesmo no meio das “vassouras de bruxa”. Lembro-me também, talvez para consolo, várias vezes ele brincando com sua esposa Licia dizendo: “mulher... mulher... quando eu morrer, quero morrer em pé e ela dizia: ih! Que defunto feio. E isso terminava sempre com muita risada”. Mas acredito que foi realmente assim que ele morreu, lutando. Já com uma saúde frágil, priorizava sempre os compromissos assumidos. Em Brasília defendendo os interesse da região sentiu-se mal, depois de interpelado pelo então Ministro da Agricultura quando lhe perguntou se ainda acreditava na lavoura do cacau. Isso o deixou extremamente furioso e conseqüentemente desapontado. Voltando de Brasília seu estado de saúde agravou-se vindo a falecer meses depois no dia 20 de maio de 2000, deixando um vazio na Região, e muitas saudades.
Quero também destacar aqui, a grande contribuição que muitas outras pessoas me deram, principalmente quando não mais tinha a presença viva de meu tio Boaventura, como as de tia Lourdes, 90 anos, que mesmo convalescente, com muito entusiasmo completou as informações por mim solicitadas. A minha mãe, Rosalina, 89 anos que com meu sobrinho Marcos detalharam outras, embora com certa resistência desta, em fornecer dados que considerava inadequado o registro dos mesmos. A meu tio Luís Moura, 69 anos, quase meu irmão, filho caçula de minha avó, Nanhinha, que me acresceu muito, quanto à história de meu avô Joviano Moura. A Zé Campos, que me surpreendeu com o seu nível de informação, quanto a determinados aspectos, registrados neste trabalho. A tia Carmelita, que vibrava ao ver as lembranças da sua infância resgatadas. A Pastora, com sua peculiar irreverência e suas denúncias quanto a violações aos “bons costumes”. A Maria Rita, 88 anos, última companheira de João Vargens, e por fim, mais recentemente, Sr. Rosalvo Bião, 82 anos, antigo trabalhador rural dos Ribeiros e de Joviano Moura, posteriormente, fazendeiro . Quero ainda registrar aqui, o meu desapontamento de não ter conseguido entrevistar, um número maior de trabalhadores daquela época, e que com isso, pudessem retratar, dentro da sua ótica, a história de Camacã. Várias tentativas foram feitas, e pouco até agora consegui,
entretanto não fechei essa possibilidade, uma vez que ainda continuo a busca deste encontro. Aproveito, entretanto, a oportunidade para citar alguns nomes dos trabalhadores de meu avô e homenageá-los em nome de todos aqueles, que com seus braços fortes, ajudaram a erguer esta Região. Foram eles: Domingos do Nascimento, Domingão (vê anexo, fig. 2) como chamávamos, negro alto, esguio, homem bom, fiel escudeiro de meu avô que o acompanhou desde criança, pai da professora Edna Nascimento, Martinho Apolinário, Antonio Bispo, Zé Tomas, Juca, Afrodísio, João Bimba e tantos outros. Trabalhadores que com suor da sua faina, chegaram muitos deles até condição de fazendeiros de cacau. Homenagem especial a Mestre Augusto (vê anexo, fig. 3), o “tropeiro” da Fazenda Santa Maria, que quando lá chegávamos, no fim do ano, nos conduzia nos burros e nos contava os “causos” da caipora. Comadre Ângela, sua esposa, circunspecta, senhora convicta do poder das suas orações, curandeira dos “maus olhados”, era a rezadeira da fazenda onde sempre nos entregamos para nos tirar os maus espíritos. Figuras lendárias da nossa região. Doces recordações!
2 UMA CULTURA ENVOLTA EM LENDAS E MITOS
Desde estudante e como uma boa “virginiana” sempre tinha dificuldade em memorizar assuntos de história ou geografia cujo aprendizado passasse apenas pelo “decoreba” (leia-se decorar) sem nenhuma vinculação com a realidade, sem nenhuma imagem real, que pudesse dar significado ao dito ou ao fato. Lembro-me, certa vez, nos idos anos de 1953, estudante do curso de ginásio do Instituto Feminino da Bahia, aspirando mais conhecimento além daqueles contidos no único livro de história indicado pela professora, resolvi por conta própria buscar informações em outras fontes sobre o assunto em questão. O fracasso foi total, viajei tanto, tanto que na prova tirei nota três. A professora surpresa com o meu desempenho, pois era boa aluna em história, resolveu me dar uma outra chance quando aí, abandonando a referida “pesquisa”, voltei-me para o velho livro que continha as perguntas das provas e tudo voltou ao normal. Talvez por esses “traumas” persiga hoje a necessidade de contextualizar qualquer informação por mim repassada. E é dentro deste espírito que trago um pouco da história do cacau no mundo antes de
começar a contar sobre a origem da cidade de Camacã - Canavieiras, cuja história se confunde com a história do cacau na Bahia. Hoje, falar das coisas que se passaram no mundo não é mais “bicho de sete cabeças”. Com a tecnologia oferecendo a instantaneidade dos fatos “ao vivo” e “a cores” agregamos informações investigadas que facilitam a compreensão do conhecimento que se busca. A humanidade, com isso, nunca fora tão rápida na sua evolução como tem sido nestes últimos séculos. Entretanto, longo, foi o período em que o homem no seu percurso pela humanidade, passou da condição de tribo nômade a um povo sedentário e dai para a sua fixação ao solo. De uma estrutura inicialmente caçadora-pastoral, transformou-se gradativamente numa sociedade agrária. Portanto, não faz sentido imaginar, a existência naquela época, de longos períodos para colha. Decorreram-se assim, milênios de anos do período que vai da catagem de frutos silvestres até o início do período para que o homem começasse a fase do plantio de sementes, de ciclos curtos em princípio, até que chegasse ao cultivo de árvores e arbustos de ciclos maiores. Com a introdução de um cultivo de ciclos perenes na agricultura inaugurou-se um novo ciclo da humanidade e a árvore do cacau foi provavelmente uma das primeiras a ser cultivadas pelos Olmecs no Golfo do México (1200 a c. – 300 a c.) atravessando posteriormente o vasto território Maia.
Numa perfeita interação entre a natureza e a cultura estruturase um novo período da humanidade, onde a agricultura e o homem evoluíam influenciando-se mutuamente. Atravessando civilizações dos Olmcs, dos Toltecs, (900 – 900) seguindo dos Astecas, os quais viveram na antiga região Maia, a árvore do cacaueiro continuou a ser cultivada pelo homem. A árvore era considerada por esses povos como uma dádiva dos deuses, plantadas por eles, enquanto a semente germinada no seio da deusa Terra era conduzida e cultivada pela mão do homem. É neste período da humanidade que aprece pela primeira vez a deusa do cacau que vem se juntar aos grupos dos deuses agrários. Podemos deduzir que a descoberta desta árvore vem complementar a série de plantas sobre as quais se baseia a economia maia. A crença dos povos primitivos conduzia a que toda a natureza tornava-se susceptível de revelar-se como sagrado e o sagrado significa transmutação da realidade para uma realidade sobrenatural, significa ser, poder, perenidade e eficácia. E o cacau expandia-se levando consigo toda essa história. Mas, é na civilização dos Astecas (vê anexo, fig. 4) que vamos então encontrar, de uma forma mais reveladora
o cacaueiro, chamado
“cacahault”, tido como sagrado, de origem divina, planta nobre, de grande beleza decorativa, cujo cultivo se acompanhava
de solenes
liturgias. Esse significado religioso provavelmente influenciou o botânico sueco Carolus Linneu (1707 – 1778), que denominou a planta de Theobroma cacao, chamando-a assim, de “manjar dos deuses”. Nesta sociedade, as sementes de cacau eram tão valiosas que o povo usava como moedas. O imperador Montezuma (vê anexo, fig. 5) costumava receber 200 xiquipil (1,6 milhões de sementes) como tributo da cidade de Tabasco corresponde hoje a trinta sacas de 60 quilos. Conclui-se, portanto, que os Astecas no México, os Maias na América Central, e outros povos da Bacia Amazônica cultivavam o cacau bem antes da chegada dos colonizadores espanhóis quando o chocolate já era apreciado por estes quando já preparavam infusão das amêndoas de cacau. O imperador Asteca Momtezuma (1440 – 1469) tinha fama de beber 50 frascos de chocolate ao dia, e como tal bebida representava uma grande fonte de vitalidade, o Imperador sempre ingeria um cálice antes de visitar seu harém. A história relata que no século XVI o imperador Montezuma apreciador contumaz do chocolate, convidou Hernan Cortés (vê anexo, fig. 6), conquistador espanhol, a experimentá-la depois da conquista de Tenochititlán, em 1519. Embora Cortés não tenha se mostrado interessado, mas observou, entretanto o alto valor nutritivo das amêndoas que sustentavam os guerreiros, dias após dia, em suas longas marchas. Posteriormente entusiasmado pelo rápido e grande valor econômico dos frutos do cacau, presenteou o rei Chales V com brown gold (ouro marrom) em 1580.
A história também relata que o cacaueiro originário da cabeceira da Bacia Amazônica se dispersou em duas direções (vê anexo, fig. 7): para
o leste, ao longo do rio Amazonas, dando origem ao tipo denominado “Forasteiro” ou “Amelonado”, sendo, portanto este considerado o verdadeiro cacau brasileiro com superfície lisa, sementes violeta escuro ou, algumas vezes, quase preto. Para o norte e oeste, cruzando os Andes, e avançando para o rio Orinoco penetrando pela América Central até o sul do México, originou-se o tipo “Criollo”, de frutos e sementes grandes, com o interior branco ou violeta pálido. Do Pará, planta nativa da região, o cacaueiro foi introduzido na Bahia em 1746, com sementes trazidas pelo colono francês Frederico Warneou e, plantadas por Antônio Dias Ribeiro na Fazenda Cubículo (vê anexo, fig. 8), à margem direita do rio Pardo, no atual município de Canavieiras, como planta ornamental. Continuando a sua expansão, o cacaueiro do Brasil foi introduzido na Ilha de Príncipe em 1822 pelo Coronel português Ferreira Gomes e na Ilha de São Tomé pelo Barão de Água. Em 1879 os espanhóis o levaram para Fernando Pó, de onde foi introduzido em Ghana, então Costa do Ouro, por intermédio de um ferreiro de nome Tetteh Quarshie, natural daquela ex-colonia inglesa e de Ghana foi para diversos países do Golfo da Guiné, como Nigéria, Costa do Marfim, Camarões e outros da África, chegando aos países asiáticos.
Mas, foram realmente os espanhóis àqueles que incluíram no preparo do chocolate além do açúcar, o leite, e introduziram e o transformaram em bebida favorita da aristocracia em toda a Europa, cabendo, entretanto, aos padres missionários da América Espanhola, que viajando com os conquistadores, a grande colaboração na melhoria dos processos do chocolate e difusão do seu uso entre o povo, permitindo que fosse servido nas igrejas. Cita-se que as damas mais ricas costumavam assistir as missas acompanhadas de escravos que lhes serviam chocolate em taça de ouro ricamente gravada. Dizia-se que Louis XII trouxe para a França em 1615, por ocasião do seu casamento, o chocolate para “adoçar” a infanta espanhola Anne da Áustria. E foi graças a certos casamentos e ao comércio, que o chocolate correu pela Europa. Entretanto, nem sempre o chocolate foi considerado um “alimento sagrado”. Em 1624 Francisco Pauch afirmava que o chocolate era uma bebida estimulante e devia ser proibida nos mosteiros pelas supostas propriedades. Mas, a partir do Séc. XVIII o chocolate já passava ser feito pelos monges e freiras e com a permissão de Cardeal Brancato o chocolate líquido passou a ser ingerido, não comprometendo o jejum e conquistando toda a Europa. Todavia ainda, se constituía artigo de luxo custando um quilo “60 sous”, o equivalente a quatro dias de trabalho de um camponês.
O chocolate tinha um lugar especial na corte francesa (vê anexo, fig. 9) citações abaixo dão conta disso, confirmam essa afirmação: Mazain
nunca foi a lugar nenhum sem seu “fazedor de chocolate”. Quando Maria Teresa da Áustria casou-se com Luís XIV declarou que ela tinha duas paixões: o chocolate e o Rei, levando consigo uma criada muito hábil no preparo do chocolate. Conta-se que o Cardeal Richelieu bebia chocolate “para acalmar seu mau humor e difícil temperamento. Madame de Sevigne disse a sua filha que não havia nada igual a: “truffes, une potage de céleri” e um chocolate. Casanova colocava o chocolate no topo da lista dos seus estimulantes favoritos. Em 1702, Louis Lemery escreveu que “o chocolate tinha propriedades que estimulava o ardor de Vênus”. Talvez supostas pesquisas tenham produzido evidências de ingredientes no chocolate como estimulantes sexuais.
3 A ONDE MEU TIO QUERIA CHEGAR
Muitas foram às vezes que sentados na varanda da sua casa na Fazenda ou no gabinete de sua residência em Salvador, ouvia atentamente as histórias que meu tio Boaventura contava sobre a Família Ribeiro, sobre Camacã e Canavieiras. A cerca desta última, ele sempre iniciava fazendo questão de comentar sobre a passagem do Arquiduque da Áustria Maximiliano, por Canavieiras em 1815, registrando as suas impressões por essas terras. (COSTA, 1963, p. 17-18). Em 1860: O Arquiduque visitou ainda nos arredores da Bahia, o engenho de açúcar do Barão de Geremoabo, no Recôncavo da Bahia e perto de Ilhéus, a fazenda de café e de cacau do Barão Ferdinando Steiger, de Munsingen (Suíça), filho de uma família patrícia de Berna que possuía também propriedades na Áustria. De Ilhéus seguiu viagem ao Rio e dali retornou a Europa Maximiliano da Áustria, futuro Imperador do México, posteriormente foi morto, fuzilado entre o período de 1865/67. (WILDBERGER, 1971, p. 29, 64, 65, grifo meu).
Era curioso como meu tio se referia ao “Príncipe”, como assim ele o chamava, onde o visitante mencionava ter visto pés de cacau nos quintais, além de observações quanto aos indígenas, quanto à fauna, etc. Eu ouvia, mas não entendia a inquietação que isso lhe provocava e onde ele queria chegar até que um certo dia, eu lhe comuniquei que iria conseguir algumas teses da Universidade Federal da Bahia, sobre o cacau. E foi o que fiz. Passei às suas mãos as teses de Angelina Garcez e de Antônio Guerreiro, bem como outros materiais que me chegaram às mãos, após uma laboriosa garimpagem. Fizemos algumas visitas em busca de mais subsídios como, uma delas, a Sra, Verena Willdberg, a procura de um livro editado por seu pai Arnold Wildberger, mas sem sucesso. Embora a família tivesse
conhecimento do fato, não sabia como conseguir um exemplar. Mas, a vida tem certas coisas interessantes, neste período conversando sobre o assunto, com um amigo meu, Ernesto Drehmer o mesmo dissera-me possuir um livro na sua biblioteca sobre esse tema, oferecido ao sogro dele por Arnold Wildberger Noticias Históricas de Wildberger & Cia 1829 – 1942. E, para quem coleciona raridades, como essa, sabe o que isso significa. Um achado desse equivale a um orgasmo as tais “sublimações” que tanto o velho Freud falava. De posse desse exemplar prontamente entreguei a tio Boaventura e esse logo se debruçou sobre todas essas informações. As conversas continuaram e eu então convidei para um almoço em minha casa o mestre Guerreiro e tio Boaventura. A conversa foi longa, informações trocadas, um bom “papo” um almoço num dia de domingo a beira de frondosas árvores, onde durante muitos anos residia. Fizemos uma viagem também a Canavieiras, onde tivemos uma entrevista com o filho de Norete Reis, Fernando Reis, conhecedor profundo da história desta cidade, cuja entrevista também tenho gravada.
Durante anos coletamos através fita casset e vídeos todas essas conversas, que tivemos durante esse tempo, e que estão registradas neste trabalho. Procurando sempre ser fiel a suas idéias e a de todos que contribuíram para esse acervo, fiz apenas alguns cortes em decorrência de repetições transmitindo informações, as mais isentas possíveis de interpretações pessoais, salvo quando declaradas. Em princípio, logo cheguei a conclusão de que para se conhecer melhor a história do cacau na Bahia, difícil seria deixar de trazer um pouco também a história de Canavieiras e até chegarmos a Camacã. Tio Boaventura começava a contar a história de Canavieiras pelos nativos, isto é, os índios, e com isso, nos fornece subsídios para compreender a origem pacata desta Região e por extensão Camacã. Sem maiores aprofundamentos, inicia ele: Queremos salientar a existência dos primeiros habitantes da região, ou seja, os índios que se caracterizavam como tribos nômades devido às condições climáticas e a densa umidade das regiões da mata.
Apresentavam-se mais pacíficos em Canavieiras, chegando a serem brincalhões até em excesso, daí a compreensão de não serem registrados informações de ataques indígenas nesta região, mais propicia a cultura do cacau, enquanto que em Ilhéus se apresentavam [os índios] mais agressivos. (BOAVENTURA MOURA, 2004) 1 Isso me fez lembrar a antropóloga Margaret Mead (1979), que estudando sobre a população aborígine de Samoa, identifica dois comportamentos adversos naquele povo: um grupo provindo de uma cultura onde a agressividade era estimulada pelos mais velhos, gerando comportamento aguerrido, distinto daquele outro grupo, que cultuava atitudes mais pacíficas. Esses fatos nos trazem subsídios para melhor entender a inexistência de graves conflitos registrados nesta região, em contrastes com outras, bem lembradas na literatura de Jorge Amado. As tribos dos Ran-Ran-Ran, Camacans, e Patachos viviam a maior parte do tempo nas regiões litorâneas devido (também) a alimentação fácil, comprovada pelo registro, até muito tempo, da presença de “sambaquis” e “caeras” na beira da praia, destruídas posteriormente, hoje áreas conhecidas como de pecuária. (BOAVENTURA MOURA, 2004). Isso ele repetia muito, demonstrando o sentimento de perda de tão valioso sítio arqueológico. As condições iniciais da colônia no século XVI, como todos sabem, tiveram como a 1
Todas as falas de Boaventura Moura contida no decorrer deste trabalho é expressa de informação verbal.
primeira atividade comercial o extrativismo da madeira do jacarandá e do pau-brasil por durante 300 anos. Os indivíduos viviam da economia de subsistência, isto é, pesca, mandioca, cereais como milho, arroz, cana de açúcar, cujo próprio nome, canavieiro, fornece um indicio desta atividade, entretanto, o alto índice pluviométrico comprometia, gerando uma baixa produção destes produtos. (BOAVENTURA MOURA, 2004). Quanto ao nome da cidade, conta-se ter sido um desejo da família dos Vieiras, em ligar o nome Canavieiras a estes, entretanto não havia receptividade da população em aceitar essa vinculação, dado a má fama em torno do patriarca da família, cujo caso mais esdrúxulo Costa (1963 apud EDMUNDO (19-), p. 393-394), nos conta e eu aqui transcrevo na integra: O mais curioso e o mais feroz, porém, de todos os casos explicados pelo abuso de autoridade paterna no Brasil de outros tempos, é o que está revelado numa memória arquivada no Instituto Histórico desta Cidade, escrita por Tristão de Araripe. Note-se que o episódio ao qual nos referimos ocorreu sete anos depois da nossa independência, isso quando, ao sôpro da civilização, que começa a entrar no Brasil, os ditatorias do Páter-famílie vinham singularmente diminuindo. Horrível caso. Pedro Vieira era português das ilhas e tinha um engenho em Canavieiras. Sobravam-lhes recursos. E temperamento. Um tanto velho, pai e
filhos já casados, já avó, viviam, entretanto, entre as suas canas-de-açúcar, como um sátiro feliz, a caçar ninfas negras. Ora, acontece que um dia, o veterano e caprino caçador, babando luxuria e raiva, em meio a sua diversão mitológica, descobre que justamente a ninfa preferida dos seus desvelos havia cedido a outro, e logo a quem? Ao seu filho de sua própria carne! Como pai e Juiz, pensa um pouco no caso e resolve, tranqüilamente, mandar mata-lo. Quer, porém, faze-lo com requinte. Para isso manda chamar outro filho, o mais velho. Chega este e humildemente indaga do pai o que deseja: - Tens contigo garrucha? - Tenho, senhor pai! - Pois trate de aperrá-la melhor, e com ela mata o infame de seu irmão que, de matá-lo eu próprio, até me enojo. E já. São ordens. Parte o outro. momentos após.
Volta,
entretanto
Mataste-o? Indaga o homem ignominioso ao filho trêmulo, que chega, baixa os olhos e fala: - Ainda não. Senhor pai. É que o mano manda pedir a vossa mercê perdão, e diz que compromete a desaparecer, fugir, abandonar o lugar e a província, com ele levando, apenas desde que vossa mercê assim consinta, a mocinha e a vida.
- Não. Não quero. Não perdôo. Ele terá que morrer. É a minha vontade, diz o pai. Volta. Mate-o. - No dia imediato, Carlos Augusto Peixoto de Alencar, Padre Coadjutor da pequena Freguesia de Canavieiras, recebeu uma carta do ilhéu. Essa carta, que consta da memória de onde se extraem estas notas, começa assim:
Reverendíssimo Senhor Padre Coadjutor. Como Deus foi servido que mandasse matar meu filho, rogo-lhe o favor de chegar até essa sua casa, a fim de assistir o enterro do rapaz... No seu caixão singelo, um Cristo de prata entre dois círios trêmulos já estava o corpo do infeliz cercados das lágrimas de toda a família, inclusive as de sua própria esposa e mais as duas filhinhas menores de dez anos. O quadro é na verdade horrível! Então, tio Boaventura continua contando a sua história sobre a origem de Camacã: Pertencendo a capitania de Ilhéus, a cidade de Canavieiras surgiu em 1700 da colonização de brasileiros e portugueses refugiados de Ilhéus em conseqüência dos constantes ataques dos índios patachos. Fixaram-se no inicio na região, onde foi fundada em 1718, a freguesia do Puxim pelo arcebispo de Salvador D. Sebastião da Vide. Posteriormente alguns colonos estenderam a sua ocupação até a uma grande ilha na embocadura do rio Pardo,
mais favorável a agricultura pela fertilidade, e passando a se chamar mais tarde de Canavieiras, a Princesa do Sul. Em 1746 chega a Canavieiras, procedente do Pará, as primeiras sementes do cacau, que acreditamos nós, ter sido mudas, pois não nos parece, estas, suportassem uma viajem pelas linhas tórridas do Equador de aproximadamente 30 dias e chegar com capacidade germinativa. Além do mais, se assim fosse não teria sido um pé. Tais mudas ou sementes foram trazidas pelo francês Luís Frederico Warneux por solicitação de Visconde de Cairú, estadista de visão e entusiasta do livre comércio e introduzidas na fazenda Cubículo freguesia de São Boaventura do Puxim por Antônio Dias Ribeiro. (BOAVENTURA MOURA, 2004). E, assim, continua ele a nos contar: Em 1798 registra-se operação comercial de exportação de cacau em torno de 2.160 kg Guerreiro, os registros arquivados [acima já mencionados] mostram a visita do Príncipe Maximiliano da Áustria a região de Ilhéus e Canavieiras e alusões que fez quanto a presença de fruteiras de cacau em quintais particulares nesta última. Isso nos leva a concluir que a fase inicial da exploração do cacau teve a sua origem nas margens do rio Pardo em Canavieiras. (BOAVENTURA MOURA, 2004).
Aí meu tio começa a me dar pistas a onde ele queria chegar. Daí, ele segue contando mais história: A partir de 1825 surge o cacau como um outro significado, isto é, de uma atividade econômica. Adaptado ao clima da região, o cacaueiro respondeu de uma forma “excepcional”, Mais do que certo, deu resultado, e o cacaueiro atravessou estágios até chegar aos nossos tempos. Os seus frutos foram distribuídos e disseminados por todo o sul e zona litorânea do estado da Bahia, inicialmente como iguarias, árvore exótica nos pomares encontrados de Itaparica até Porto Seguro. Nos quintais, o cacau se misturava com outras fruteiras, chegando a ter mais ou menos 20 a 30 pés. Já em 1825 surge as chácaras com aproximadamente 100 pés como exemplo temos a Fazenda Lagos. As “buraras” que já imprimiam a necessidade de “derruba”, para plantar exclusivamente cacau, situadas nas partes baixas e com isso nasce a cultura racional do cacau, 100 pés em diante. Como roças alcança-se pressupões-se 500 pés para baixo. De 1835 a 1850 as propriedades já se caracterizavam como fazenda acima de 1000 pés de cacaueiros em diante. A partir de 1850, através de Ilhéus, o cacau adquire força e se expande pelos vales dos quatro rios: Rio de Contas, Rio Almada e Cachoeira, Rio Pardo e Rio
Jequitinhonha. Seu plantio iniciado nas barrancas dos rios, foi aos poucos se transformando em atividade econômicas nas regiões litorâneas, entretanto com a escassez de terras deste tipo, bem como dos conflitos de terra e enchentes devastadoras, seguiu-se a interiorizarão e com ela uma revisão do processo, direcionando o plantio para regiões altas da mata. Enquanto isso, o Big Bang das minas do “Salobro”, região conhecida como possuidora dos melhores diamantes do mundo, na época, atraia pessoas pelo enriquecimento rápido, gerando a escassez de mão-de-obra nas outras regiões. Ante à crise da Europa, e na busca de novas oportunidades, registra-se aproximadamente entre 1845 a 1848, a chegada dos primeiros europeus, André e Felipe Keller (vê anexo, fig. 10), banqueiros suíços. Os Kellers vieram tentar a vida na América do Sul. Nesta época era Canavieiras e Lavras de Andaraí. [Lençóis] Consulado de Lavras do Andaraí em França, se constituíam os dois grandes pólos urbanos. Atraídos então, os Kellers, pelas minas de diamantes do Salobro [Canavieiras] maior conglomerado na época com 12 mil habitantes, logo foram chamadas as atenções quanto ao perigo que esta região representava. Com isso, resolveram arriscar ir para Canavieiras. Lá chegando viram, e interrogaram, o que era isso? Empreendedores de tradição, suíços acostumados ao consumo dos chocolates de pronto identificaram o cacau, concluíram que “o ouro estava ali” naquela fruta.
Retornando um deles a Europa a busca de capitais, já por volta de 1855, a
Inglaterra começava a liberar recursos para o financiamento do plantio do cacau. Passam então os Kellers, a desempenharem na história do cacau, na Bahia, um grande papel: o de estimular e transformar a cacauricultura como uma atividade comercial. (BOAVENTURA MOURA, 2004). Neste período, próximo às minas do Salobro, em princípio fazenda Jacarandá (vê anexo, fig. 11), de propriedade do Capitão Francisco Afrânio Peixoto, situada à margem esquerda do Rio Pardo prosperando, tornando-se distrito de Canavieiras. Celebrizou-se em decorrência do fluxo de garimpeiros atraídos pela riqueza das jazidas diamantíferas do Salôbro, tornando-se um núcleo político irredutível, um centro comercial de larga importância econômicofinanceira. Ali prosperaram Antônio Martins Pereira Lima, Saback & Cia, Anísio Sabino Loureiro, Pedro Borges, Carlos Costa, Muller & Cia. Cap. F. Afrânio Peixoto era também pai de Afrânio Peixoto (vê anexo fig. 12), escritor, que produziu dentro de muitas obras, duas pérolas da literatura regional “Maria Bonita” e “Fruto do Mato” retratando de forma singular a historia desta região, Com a hecatombe de 1914 (enchente) iniciou-se o declínio desse povoado, desaparecendo totalmente a sua vida com o carregamento do comercio para o porto da Vila de Mascote e a conseqüente formação do povoado de Santa Luzia, à beira da estrada VargitoCanavieiras. Continua meu tio:
Em 1886 (85) a 1890 começa o esgotamento das Minas do Salobro e inicia-se o êxodo, promovendo a mobilização da população, agora por terra de cacau, e nessa dispersão foi-se levando: semente, a cultura e a mentalidade do cacau como atividade econômica para essas regiões. (BOAVENTURA MOURA, 2004). Crescia a busca de capitais para o financiamento do plantio do cacau para a região através de firmas como Jezler Keller e Companhia e como desdobramento, as subseqüentes correntes migratórias.
No mesmo ano de 1890, em que foi aberta a filial do Rio de Janeiro, eram abertas também outras duas filiais, a saber: uma em Ilhéus e outra em Canavieiras, ambas no Estado da Baia, especialmente para a compra de cacau, pois os negócios neste produto vinham a certo tempo tomando grande incremento, tornando aquelas duas zonas muito prósperas. Em 1890 exportava-se já de Ilhéus cerca de dez mil sacos de cacau, e de Canavieiras um pouco mais do que a citada quantidade. (WILDBERGER, 1942, p. 29, grifo meu). Retomando a história do meu tio, ele destrincha: Assim se consolidava a exploração de cacau como economia racional e de exportação. O sucesso desta agricultura garantia a aquele que plantasse cacau com 3 anos teria ressarcido o seu empréstimo. De 1876 a 1877 o Big Bag [do cacau]: 15 anos de enriquecimento rápido e escassez de mão de obra na agricultura. A alta rentabilidade do cacau proporcionou a formação de uma sociedade constituída de uma classe de alto poder aquisitivo, alto lucro desta comercialização e o crescente aumento da migração, concretizava-se assim o mito do enriquecimento rápido e fácil. Todos movidos pelo alto lucro que repercutem na Europa instalam-se firmas comerciais francesas, “os suíços” e alemães, promovendo o deslocamento de pessoas para esta Região.
Com a escassez de mão-de-obra, num período onde não há registro de senhor de escravos, e conseqüentemente escravos. O momento em que a economia começa a ficar poderosa, já era uma época que se falava em liberdade dos escravos. A economia cacaueira surgia com a idéia da abolição. A sociedade canavierence da época era constituída por uma elite que dividia o seu domicílio entre Canavieiras e Europa. Com uma produção 1 500 arrobas famílias viviam de uma forma nobre, metade do ano em Paris como exemplo disso, temos: Nicolau Pinheiro “As Peltier”. A partir de 1870 a 1880 em diante a migração européia era direcionada para a região do cacau devido a crise econômica da Europa. Após a chegada dos Keller, seguiu-se os franceses: Blanchet, Granchet, Wounoux, Lachet, Loubade, Madeira; os italianos: Magnavita (1890), Tedesco. Minervino [aos últimos], Lavigne; os alemães: Weber, Fucs; os americanos: White, Bouch, Boida; os judeus: Bejanmim, Saback. Os últimos foram os árabes, espanhóis e portugueses. Depois de 1880 surgem os colonos árabes, os caxixes, como comerciantes. A migração européia provocou uma verdadeira revolução de mentalidade. Além das contribuições de ordem econômicas, físicas, etc, o europeu também introduziu um comportamento
ético, que modelou os valores da época. Os aspectos morais rígidos da cultura dos estrangeiros refletiram-se nos princípios da comercialização do cacau. A seriedade européia, pela qual as Companhias praticavam o comércio do cacau, fazia com que fazendeiros entregassem as [suas] fazendas às firmas para administrar e viajassem. Havia seriedade com 5 anos eram pagos os juros. De 1860 a 1870 vamos encontrar um novo contingente populacional interno que se dirige para a região decorrente aos seguintes fatores: negro liberto, procedente da guerra do Paraguai; o nordestino, fugitivo da seca de 1870; e uma população procedente do recôncavo provindos do declínio da cana de açúcar; e por fim o sergipano. Além de presenças significativas destes últimos, os sergipanos trouxeram também uma outra mentalidade comercial contribuindo para a formação histórica da organização comercial da Região. Esse processo migratório veio a declinar entre 1886 a 1890. Evidentemente já existia nesta época registro de exportação de amêndoas para Lisboa de pequenas e inespressíveis experiências de remessas eventuais de cacau. Lembro que nesta época a grande exportação brasileira de cacau era da província do Pará. Segundo prof. Guerreiro já em 1798 houve uma operação
de cacau em torno de 2 160 kg. Entretanto, ele próprio reconhece de que só muito tempo depois iria se tornar realidade tal atividade. Segundo professor Guerreiro, Aline Garcez e Frederico Edelwiss todo unânimes em afirmar de que só a partir de 1830 a 1840 surgiu de modo inespressível as primeiras exportações regulares de cacau originadas da Bahia. A morosidade no processo de desenvolvimento da agricultura do cacau deveu-se a falta de colonização estrangeira, que neste período tanto contribuiu com a sua participação no desenvolvimento do sul do País. Sabemos de que realmente só a partir de 1835 o produto cacau passou a ser artigo regular e constante na ponta de exportação de grande agricultura, talvez a mais importante delas, que nascia no estado da Bahia. No dizer de Frederico Edelweis, como exploração comercial o cacau teve origem modesta em seu principio. Na produção agrícola deve-se o seu inicio sem nenhuma dúvida a margens do rio Prado o principio da cultura cacaueira na Bahia. (BOAVENTURA MOURA, 2004, grifo meu). Neste trecho percebe-se que ele chegou onde queria. E, continua a descrever a história: Inicialmente sem objetivar nenhuma tese sobre o assunto já estudado e analisando
por diversos autores, mesmo assim, chamo atenção para o fato de todos eles, sem exceção, apresentarem em suas teses do histórico referente ao cacau a partir de 1746 e posteriormente focalizar o eixo Ilhéus Itabuna, a partir de 1880 como resultado final. Concluímos então, que embora sem referências calcadas [em maiores] documentos, a dura realidade é de que: é mesmo nas margens estreitas do rio Pardo, em Canavieiras, que a cultura racional do cacau, como atividade de exportação comercial, teve inicio. Confesso, entretanto, ser realmente escassas as informações sobre esse período com esclarecimentos convincentes, sem interesse de indivíduos, organizações ou região. Com estas citações nós, apenas, pretendemos demonstrar de que a fase inicial da consolidação de exploração comercial tem sua origem nas margens do rio Pardo em Canavieiras. Ao que parece esta atividade com este objetivo só começa atingir Ilhéus por volta de 1860 a 1870, por uma série de fatores (alguns já acima citados) que teriam sido como causa a lentidão do processo de expansão da cultura Cacaueira. (BOAVENTURA MOURA, 2004, grifo meu). Tio Boaventura acrescenta concluindo: Pois se observarmos com atenção devida, verificamos que o crescimento das exportações do cacau em amêndoas, só
atinge ao estágio significativo realmente a partir de 1880, quando a rigor começa a entrar em regime de produção, as extensas áreas geográficas de Ilhéus e adjacências. Existe um espaço em branco nas diversas narrativas deste período. É bom lembrar de que a vila de Canvieiras era parte do todo da Comarca de Ilhéus só vindo a se separar desta, em 13 de dezembro de 1832 que tinha como limites, ao sul do rio Jequitinhonha, ao norte o rio Jequiriçá, portanto não vejo nada de anormal quando se diz que a cultura do cacau surgiu na Bahia no município de Ilhéus. Ora, nós de Canavieiras [aí ele resgata o seu débito de gratidão a essa cidade], não pretendemos reescrever a história, mas esclarecer fatos obscuros, não devidamente esclarecidos ao longo do percurso deste processo entre 1746 e 1880, onde desempenhamos notável papel histórico na lavoura cacaueira, como atividade comercial explorativa, É do nosso interesse, e de modo especial para Canavieiras, o esclarecimento que envolve o inicio da atividade cacaueira até a sua consolidação e posteriormente de sua expansão a partir de 1880. (BOAVENTURA MOURA, 2004). Recentemente, entretanto, “fusando os alfarapos” após a morte de meu tio, deparei-me com a seguinte informação procedente de uma outra publicação de
Arnold Wildberger no seu livro Notícias Históricas de Wildberger & Cia 1829 de 1942 (pág, 29) diz: No mesmo ano de 1890, em que foi aberta a filial do Rio de Janeiro, eram abertas também outras duas filiais, a saber: Uma em Ilhéus, e outra em Canavieiras, ambas no Estado da Bahia, especialmente para a compra de CACAU, pois os negócios neste produto vinham a certo ponto tomando grande incremento, tornando aquelas duas zonas muito prosperas. Em 1890 exportava-se de Ilhéus cerca de dez mil sacos de cacau, e de Canavieiras um pouco mais do que a citada quantidade (vê anexo fig. 13). Encerrando este trabalho retrospectivo, que vem documentar 113 anos de existência profícua, na Baia, de uma das firmas que mais se desenvolveu no decorrer do tempo, desejamos salientar, com particular carinho, que as firmas C.F. Keller & Cia., Braem Wildberger & Cia e Wildberger & Cia, foram por assim dizer as pioneiras do crédito agrícola no Sul do Estado da Baia. Essas firmas, com a facilidade de crédito de que dispunham nos mercados europeus, conseguiram sempre o numerário necessário para o financiamento dos lavradores baianos, especialmente de cacau. Inúmeros são os fazendeiros abastados nas zonas do Sul do estado que devem o seu crescimento progressivo a estas três firmas.
Quanto ainda a vida social da época (vê anexo fig. 14, 15 e 16), nas entrevistas feita, registramos ainda importantes informações que, por certo, serão úteis em futuras especulações com relação a essa sociedade: O amor de hoje era diferente do amor de antigamente... Não deixava faltar nada. Médico... Médico... Morria uma pessoa de parto porque o marido não deixava olhar... Morria. Os homens eram machões, a mulher daquela época não comprava um sapato, quem comprava era o marido, não ia a loja. O medo da filha com o olhar da mãe... Se obedecia. (Perguntava-se) você quer ir a festa?... não... não queria... Punição: palmatória, orelhas, não deu a lição... Rosvaldo [irmão de entrevistada] coitadinho foi trancado no quarto escuro pela professora.Ela foi para a rua. Quando minha mãe... Todo mundo aflito e quando minha mãe foi encontrar... Nada se percebia porque o povo era calado a mulher sofria calada. D. Nina, dizem que morreu virgem dizem que nunca foi homem o marido dela... Outra Dininha, Adélia de Persival... Isso não se falava. Formada: O destaque maior passava pela condição de professora. Havia o curso suplementar, bacharela em ciências e letras. A preocupação era botar os filhos para estudar em Salvador, dar uma educação, internato.
Havia uma preocupação com a aquisição de conhecimentos... Pensionato já havia Soledade, Sacramentina, Antônio Vieira e Maristas. Os paquetes iam cheios de estudantes. Preconceitos: No Baiano de Tênis não entrava no clube, nos conventos também, as freiras de cor, só comungavam depois que os brancos comungavam. No colégio interno as que tinham dinheiro eram muito bem tratadas, destacava-se Cintra Monteiro, Manoel Joaquim de Carvalho elas eram internas, 6 horas da manhã elas telefonavam para o pai para tomar a benção... Mas como era Cintra Monteiro... Tia Naninha [minha avó] tinha o sonho de um filho padre. Havia um padre na família Ribeiro que gostava de dançar, de noites saia para dançar. O padre irmão de Leocadia... De minha tia Sussu. Tirava a batina e mandava brasa lá pela rua da Jaqueira... O povo falava. Iara Sabino fazia versos... É tia de Dr. Mário Sabino, o pai era rábula, mais preparado que os formados. (PASTORA, 2004).
4 FAZENDA LAGOS: SÍMBOLO DA LUTA PELA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
A história da Fazenda Lagos teve o seu começo quando Leandro Ribeiro, chamado a participar das forças nacionalistas da Bahia, ocorrido um ano após a independência do Brasil, proclamada pôr D. Pedro I, recebeu como recompensa uma sesmaria. Engajando-se como membro do famoso batalhão dos Periquitos, assim chamado pôr trazerem nos seus “chapéus de palha” fitas verde e amarela, símbolo da nacionalidade, conseguem realizar a façanha histórica memorável na batalha de “Cabritos e Pirajá” expulsando definitivamente as tropas portuguesas sediadas na Bahia, comandadas pelo general Madeira de Melo em 2 de Julho de 1889, data essa a qual se comemora a independência da Bahia. De natureza extremamente aguerrida, esses convocados “era uma gente tão boa” que vieram depois, esses [mesmos] combatentes, a matar o general comandante do batalhão, batalhão esse dissolvido posteriormente por “Leal”. Esse era o tipo de homem que se compunha [as forças armadas da época] não são anjos são ferras. (BOAVENTURA MOURA, 2004).
Concluiu Boaventura de Moura. Como recompensa pela sua participação, em tão glorioso feito, recebeu como soldo uma sesmaria assim como também seus companheiros, nas margens do rio Pardo no atual município de Canavieiras. A área recebida, segundo constava em pergaminho assinado pelo Imperador D. Pedro I correspondia a uma légua – 6 km de Rio Pardo e o fundo o quanto pudesse explorar [...] o quanto quisesse. Leandro Ribeiro, filho natural de um médico português com uma índia, conseqüentemente mameluco, natural do recôncavo baiano, de Nazaré das Farinhas, de classe média baixa, família humilde, exercia atividade agrícola, possuindo plantações de açúcar com um primo.
No seu regresso, [da guerra] voltando pôr Santo Amaro, entrou em litígio por problema de mulher e o primo mandou matá-lo [...] a gravidade era mulher [...] tinha essa modalidade. Primo carnal ilegítimo, agora proscrito pela justiça, perseguido pela justiça [o parente devia ser uma pessoa de influência política], para se proteger, refugiou-se. Leandro Ribeiro passando por Nazaré das Farinhas, casa-se com uma parenta, Felipa com 12 anos de idade de procedência portuguesa, segundo consta natural de Catú, neta de um médico. Neste período casamento entre parentes eram freqüentes, havia poucas famílias e 50 % da população era de escravos. Felipa mulher simples, mas com forte espírito de religiosidade, meiga, com uma fé inquebrantável em Deus e Leandro, homem rude e determinado partiram para Canavieiras levando na bagagem amor, espírito de luta e determinação. Lá chegando em 1826, Leandro Ribeiro localizando a terra, começou a explorar na região de Estreito, implantando a Fazenda Lagos, terra pródiga, região rica em cana. Leandro dedicou-se a lavoura de subsistência: arroz, milho, mandioca, vindo a se transformar, posteriormente esta fazenda, num poço de desenvolvimento e religiosidade. Em condições ambientais extremamente adversas, Leandro durante o processo de implantação da fazenda saía de sua cabana e ao chegar ao local de trabalho “derrubava a mata ‘nu’”. O suor rapidamente estragava as roupas e como roupa era cara e difícil, ele tirava, porém não se afastava do seu “mosquetão”. [tipo de arma usada na época]. Região habitada por índios podia-se ouvir a reação dos mesmos ao longo da mata quando na derrubada das árvores. Conta-se também que fiel ao seu atavismo, sua herança indígena, mameluco, Leandro Ribeiro também urrava durante o processo de derruba das arvores. Ao seu lado Felipa, com espingarda na mão e rosário, vigiava o entorno. (BOAVENTURA MOURA, 2004).
E, para dar continuidade a esse episodia, Zé Campos nos conta o seguinte: O “velho” Leandro veio de Ambupe depois de ter participado da Guerra da Independência da Bahia e dos combatentes recebeu uma sesmaria [...]. Aqui se casou teve filhos. Foram João José Silveira, meu avô. Que era gêmeo, o outro faleceu, eles ficaram explorando os Lagos eram praticamente autos suficientes só
compravam o que não podia produzir, compravam em Canavieiras, compravam sal, criavam gado, trouxeram gado de Canavieiras, tinham ricas pastagens na Lagoa Grande, Lagoa do Alfaiate, regiões também alagadiças com a enchente do rio do Pardo [...] até hoje. (ZÉ CAMPOS, 2004).
Ainda sobre esse episódio, Boaventura retoma a história nos contando que: Leandro e Felipa tiveram muitos filhos entre eles Simião o mais velho João Elias e José. A família morava em jirau sobre palafitas no rabo da lagoa em cima da lagoa, numa posição estratégica [...] tinha que vir de peito com a saída na retaguarda em caso de ataque de índios. Quando a família à noite se recolhia, removia a escada que dava acesso a parte superior do abrigo, enquanto a área abaixo era cercada para maior proteção. Com todas as evidências de perigo, Leandro não admitia medo por parte de seus filhos. Dizem que por ser mais velho seu filho Simião sofreu muito. Um certo dia Leandro, exímio atirador, mandou seu filho Simião pegar um pato morto por ele, dentro da lagoa cheia de jacaré. Simião tremendo de medo nada em busca do pato, enquanto Leandro com sua repetição observava o movimento dos jacarés pronto para disparar um tiro certeiro, enquanto Felipa rezava fervorosamente pedindo proteção para o seu filho. Leandro era convicto de que com sua espingarda seria capaz de salvar o menino. Conta-se também que um certo dia estando os pais na roça e os filhos pequenos no terreiro, [esses] perceberam a proximidade de uma onça, rapidamente recolheram-se e com grande esforço Simião, o mais velho, puxava com uma corda a escada que dava acesso ao jirau, enquanto a onça espreitava balançando o rabo. Leandro também costumava colocar armadilhas [para caça] e os filhos eram quem olhavam. Um dia, um deles, foi olhar a armadilha escorregou e caiu, quando ouviu uma gargalhada do índio e ele tremendo de medo voltou correndo e contou a mãe [...]. Se ele contasse ao pai só faltava matar de porrada [...] pancada. Não admitia que o homem tivesse medo, homem para ele não podia ter medo, filho com 11[...] 12 anos já era homem para Leandro. Mais tarde a mãe conseguiu com jeito contar o fato ao marido.
Patriarca feroz não era surpresa que a mulher fosse tratada como escrava naquela época. Felipa dispunha de apenas um quilo de sabão por ano e ainda ouvia reclamação do marido. Leandro Ribeiro de físico avantajado, mãos grandes, com uma força física de “Hércules” era acatado e respeitado pela redondeza pela sua impulsividade. Dias de domingo ia para “bodega”. Certo dia, estando numa bodega e estimulado pôr um grupo, desafia jogando cachaça no olho de um índio, aí, conta tia Lourdes, cada um dos presentes dizia que era o índio, o mais forte, outros diziam que era Leandro [...] então fizeram um joguinho [...] vamos ver quem é o mais forte. No fim o velho Leandro saiu vitorioso depois de destruir, na luta, a bodega de sopapo. Machão por excelência, reflexo de uma época [...] aí, quem bulisse com as bonecas dele [...] [filhas]. Num determinado período houve um fato de um trabalhador ter bulido com a boneca dele [...] e lá em Minas [...] ele levou 3 anos matando gente daí, até Januário porque roubou a filha dele [...] e quando a filha se perdeu gritava para a mulher: “mulher por que pariu feme”. A preferência era por um filho homem, a Igreja influenciava. (BOAVENTURA MOURA, 2004).
Acrescentou Boaventura Moura:
Entretanto, Leandro era uma figura que por essa ou aquela razão desaparecia, onde fez vários filhos, muitas famílias ele deve ter deixado [...] fabricou [...] mameluco [...] o processo o qual ele foi gerado ele também [...] o método por aí ele continuou [...] era uma epopéia cheia de casos [...]. Quando saia não procurava saber se em casa o que faltava, o que tinha [...] a mulher era que tomasse as providências. A mulher assumia. Numa dessas crises periódicas, ele desapareceu. Os gêmeos que eram mais moços agüentaram a mãe, um deles era o João Elias Ribeiro. Anos depois, alguns anos depois, aparece o tal Leandro [...] foi muito bem recebido por todo mundo, mas um belo dia Leandro, era realmente uma fera, absolutamente agressivo, intempestivo para a modalidade da época, quis dar pancada neles. O nosso avô, João Elias, do qual descendemos a nossa prole, tinha 16 anos, chorando abraçou a mãe [...] essa parte é a mais sentimental da família disse: nós não vamos embora não, você nos deixou numa casa de palha e passando fome, hoje nós temos uma casa de telha, casa de farinha [...] e foi descrevendo o que eles fizeram.
Leandro então emocionado abraçou os filhos e a mulher e disse: abençoados vocês até a próxima 3ª e 4ª geração [...] essa é uma parte muito bonita da família [...] isso são tópicos que caracterizam a família no vale do Rio Pardo. (BOAVENTURA MOURA, 2004).
Esse fato foi também registrado com destaque durante a entrevista que fizemos com Antonieta Ribeiro, filha do primeiro casamento de Boaventura Ribeiro, falecida em 2000. Comenta Antonieta: Dizem que ele também arranjou uma mulher, não sei se é verdade ou mentira e arribou no mundo [Leandro Ribeiro] e tinha uma tal de farinheira, e o que eu acho muito bonito da família é essa passagem: vocês não bulam na minha farinheira, por favor, arribou [Leandro] ninguém sabia onde andava [...] às vezes a família pode até não gostar [...] ele viajou, ai os meninos deixaram o mato tomar conta da farinheira. Então, conta João Elias e Manoel: Eles foram à fazenda de Zé de Souza [...] pediu um dinheiro emprestado para fazer [...] montar um forno, fazer a farinha, mas que quando ele vendesse a farinha logo, logo eles pagariam o dinheiro que ele emprestou [...] para comprar o forno não sei [...] lá forno. Quando eles fizeram a farinha foram lá levar o dinheiro a Zé de Souza, fazendeiro, e aí dizem que Zé de Souza disse: não vocês não precisam pagar agora, já vi que vocês são homens, os dois. Vou emprestar para vocês suspenderem a farinheira de vocês [...] e vocês vão me pagando as percentagens. Aí eles suspenderam [...] anos [...] o meu avô: o tal Leandro, voltou. Quando voltou viu a farinheira dentro dos matos, a dele, e a dos meninos construída e eles fazendo farinha. Aí ele disse: meus filhos vocês deixam eu entrar? E eles: pode entrar meu pai. Então disse que Leandro disse: abençoado de Deus e da Virgem Maria sejam vocês. O que sei dos Ribeiros que achei bonito foi isso. Só o capricho deles de serem honrados, de pagarem a Zé de Souza, e assim como também ter amor próprio, não buliam na farinheira do pai. Mostrou que eram homens. (ANTONIETA RIBEIRO, 2004).
Percebemos pelas entrevistas feitas que esse fato representou para a família um marco simbólico, um sentimento despertado de força, desafio, honestidade e redefinições de valores que vem se perpetuando como um brasão, como uma herança a ser cumprida pelas futuras gerações.
5 OS PRIMOS: MÃE CALÚ E JOÃO ELIAS
Carolina Severiana Ribeiro (vê anexo fig. 17), Mãe Calú, como era chamada, era prima de João Elias, filha de sua tia Aurelina, mulher essa de gênio forte e estourado, procedente de Alagoinhas. Depois de ter recebido uma carta, um convite, porque estavam precisando de uma pessoa para ajudar na fazenda, Carolina aportou em Canavieiras com seu esposo, um filho e grávida de outro. Entretanto, uma tragédia abateu-se sobre sua família, quando seu marido veio a falecer, três meses depois da sua chegada. Dos seus dois filhos, Pedro e Marcolino, desta primeira relação de Carolina, ambos vieram a falecer mais tarde sendo um deles, de morte violenta. João Elias Ribeiro (vê anexo fig. 18) era natural de Canavieiras, nasceu em 20 de julho de 1812, filho de Leandro Ribeiro de Sousa e Felipa S. Thiago e Sousa. Carolina, desamparada, sozinha, foi acolhida por João Elias Ribeiro, seu primo solteiro, ‘bicho livre’ como dizia o meu tio Boaventura. “aí a vontade” porém sensível preocupado com a moral da prima lhe pede em casamento e esta aceita.
João Elias e Carolina Ribeiro casaram-se em 1872. Dessa união nascera um profundo sentimento de companheirismo, de amor e fraternidade. Conta-nos a história que Carolina e João Elias preservando os vínculos que os tornaram tão cúmplices na vida, continuaram na intimidade para o resto da vida a se tratarem com a forma afetiva de primo e prima. Todavia, Boaventura relata esta história: Enquanto João Elias, originário do Baixo Rio Pardo, tipicamente mateiro, homem rígido e decidido, sem nenhuma cultura, gênio estourado; Carolina Ribeiro procedia de um outro centro, ela veio de Catú [...] Alagoinhas [...] Salvador, era uma mulher sensível e meiga de profundo senso religioso, carismática, empreendedora, de percepção aguçada quanto a negócios e educação, preocupava-se desde cedo, com o futuro de seus filhos. Deste lastro nasce a Família Ribeiro procedente de classe média baixa, agricultores, gente humilde, determinada para o crescimento, para ser alguma coisa na vida e profundamente religiosa.
João Elias e Carolina tiveram vários filhos: Manoel, Antônio, João, Boaventura, Josefa, Joaquina, Belmira, Ana, e Maria Carolina. João Elias, homem muito farto, e mãe Calú, mulher muito caridosa, inicialmente cultivaram mandioca, onde se usava colocar a mandioca num saco dentro do rio ou prensava. Tinham feijão, arroz, milho, aipim, criatório de galinha, coco não faltava, da banana produzia-se o vinagre, faziam sabão em grandes tachos, doces e licor de jenipapo e várias outras frutas, bolo de fubá, só compravam e armazenavam querosene, sal, massa procedente de Jacarandá centro florescente da época. Companheira na luta pela conquista de algo maior, Mãe Calú embrenhava-se pela mata em companhia de seu marido para a luta diária. Conta tia Lourdes um fato que um certo dia, quando já haviam se tornados produtores de cacau, Mãe Calú tirando cacau quando desceu uma cobra e se enrolou no braço dela [...] e ela jogou pra lá: [exclamando] Valei-me Nossa Senhora! Entretanto, fatos como esse faziam parte da rotina da vida daquela época. (BOAVENTURA RIBEIRO, 2004).
Contava, também, tio Boaventura Ribeiro que minha avó (Mãe Calú) gostava muito de peixe: Então, ela um dia resolveu comer um peixe de escama pela beira de rio [...] no rio Prado uma vereda de estrada [...] quando ela chegou lá, leva os 3 meninos [...] tudo pequeno 7, 8 anos qual o nome deles eu não sei [...] quando ela disse: me esqueci do meu
“cacumbu” uma faca pequena para cortar peixe etc [...] Mandou o mais velho voltar para pegar o “cacumbu” que ela deixara em casa [...] mas sentido de mãe. (BOAVENTURA RIBEIRO, 2004).
Continua essa história, tio Boaventura Moura:
Ela pressentiu alguma coisa, quando ela volta [...] ela viu o pé do menino e o rastro da onça, ela saiu como uma gata quando exatamente a onça ia pegando o menino. O grito dela [...] a onça evadiu. Isso era a soma de um fato comum para as famílias da época, eram os perigos que eles viviam concluiu. (BOAVENTURA MOURA, 2004).
Uma certa vez, conta tio Boaventura Moura que:
Maus amigos aconselharam o marido [João Elias] a se meter com alambique de cana, ela [Mãe Calú] vinha de uma região e sabia que não dava certo, então lutou e tiveram sérios aborrecimentos [o casal]. Em decorrência disso João Elias entrou numa crise econômica muito difícil e então logrou [leia-se resultou] com isso os 2 filhos mais velhos não puderam vir estudar para poder ajudar a eles sair da crise que foram Manoel e Antônio [...] os dois primeiros. E disseram: vamos fazer dos nossos irmãos doutores. Carolina Ribeiro era o cérebro da família, disciplinada “botava os pingos nos iis”. Mãe Calú, conhecedora do processo aqui do recôncavo e não aceitava, a religiosidade dela não permitia o abuso, a violência. Na fazenda havia muitos agregados e 4 escravos que tinham liberdade tanto quanto os outros tinham [...]. Tratava muito bem os escravos, tanto que quando se deu a abolição haviam 4 escravos que continuaram lá [...] tinha uma escrava chamada Benedita (vê anexo fig. 19). Carolina Ribeiro, para que pudesse desempenhar tão bem o seu papel de companheira de João Elias, recebeu de sua irmã Rosalina inestimável apoio para a criação dos seus filhos, que com grande devoção assumiu esse papel de mãe substituta [...] quando ela tinha filho [...] eu vi meu tio João e mamãe confirmava, ela entregava os filhos pequenos a sua tia, ela tinha uma verdadeira autoridade e obedeciam severamente. (BOAVENTURA MOURA, 2004).
Para completar, Lourdes Moura, também relata que: “Contava-se que um dos seus filhos João ‘Vargens’ disse um dia: não sei das duas quem mais quero bem, se minha mãe ou minha tia, [...] por que minha mãe tinha obrigação”. A relação de tia Rosalina com os sobrinhos deixou marcas profundas de gratidão, fazendo com que sua sobrinha Ana, minha avó, em homenagem a essa tia desse o seu nome a sua segunda filha. João Elias, embora homem rude possuía uma sensibilidade e gestos que o fez capaz de grandes atos. Já Maria Rosalina nos conta que:
Elias Ribeiro [como também era conhecido] era um homem valente, na época da revolução, ele e o irmão encontraram os soldados que pegaram as espingardas e apontaram para eles [Elias Ribeiro e o irmão] e pediram para que dessem as armas e ele falou: só se for o que tiver dentro – ‘chumbo’ - e o que tá fora não [espingarda]. E o soldado disse: deixem esses bravos e fortes rapazes seguirem. Isso ocorreu aproximadamente logo após a independência. (MARIA ROSALINA, 2004).
Acrescenta Boaventura Moura: “Figura destemida, conhecida como único que tinha a coragem no Rio Pardo de sair da cidade de Canavieiras remando contra maré”.
Mas também sensível e capaz de escrever versos como esse abaixo:
Bem-ti-vi Eu vi bem-ti-vi cantando Triste vida é a tua Te vejo em tão mau estado Andando assim pela rua Vejo muitos indivíduos Que não querem trabalhar Só querem é boa roupa Cavalo para passear E hoje para viverem Estão fazendo cassuá Valei-me Nossa Senhora Meu Deus do que será Com tantos filhos e mulher Sem eu puder sustentar Foi no romper da aurora Que eu vi bem-ti-vi cantar. ******* ******** ******* Caixa de Rapé Abre-te caixa do rio Toma tabaco, sucena Meu avô tinha Duas caixas Uma grande Outra pequena Em uma tomava mais Na outra tomava menos Quando tomava gostava E como gostava chorou No reino do céu se veja Que o bom Tabaco inventou
****** ******** ****** A folhinha de alecrim Cheira mais quando pisado. Há muita gente que é assim, Quer mais bem se desprezado... (Versos de João Elias Ribeiro).
João Elias veio a falecer no dia 12 de abril de 1908, (vê anexo fig. 20, periódico, Monitor do Sul de 19/04/1908). “Vítima de tétano, causado pôr um prego que lhe perfurara o pé”. (BOAVENTURA MOURA, 2004), “[...] e continuou calcando o sapato, ele foi a Canavieiras, quando voltou aos Lagos adoeceu”. (ZÉ CAMPOS, 2004). Retornando a história de Mãe Calú, conta-se também um fato, fato esse que, como mãe, registro como a maior significância quanto ao espírito de abnegação e humanidade de ante de Deus desta mulher. Relata tia Lourdes: Numa certa ocasião, ela recebeu um pedido de ajuda de comida de um preso, cujo preso havia morto um dos seus filhos do primeiro matrimonio. E ela diante do pedido enviou o alimento. Quando as pessoas comentaram censurando, ela disse: Ele mandou pedir pelo amor de Deus. Sua bondade a fez querida de toda aquela população ribeirinha. (LURDES MOURA, 2004).
E, ela continua narrando: “Mãe Calú, como era conhecida Carolina Ribeiro, era morena, usava bata e no cabelo um coque. Matriarca era uma mulher forte e tinha o hábito dela mesmo vender o cacau junto a firma compradora em Canavieiras”. Lurdes Moura (2004) acrescenta: Mulher forte, reconhecendo que havia chegado a sua hora dirigiu-se a sua filha Joaquina dizendo: “traga essa Nossa Senhora porque estou no final [...] traga a minha médica [...]. Começou a rezar o ofício quando “Quininha”, como era chamada tia Joaquina, sentiu que ela estava cansada e disse:
mamãe fique rezando, fixe no seu pensamento, e assim ela se foi.
Mãe Calú, como era carinhosamente chamada, aos 75 anos vítima de um aneurisma, diagnosticado pelo seu filho médico, João Vargens, veio a falecer no dia 12 de setembro de 1924, conforme consta no periódico local da época, o “Progressista” (vê anexo fig. 21). Seu corpo foi removido para Canavieiras onde foi sepultada as 17:00 do mesmo dia. O percurso feito de canoa foi várias vezes, interrompido, por aqueles que queriam vê-la pela última vez. “Carolina Ribeiro figura marcante por possuir uma inteligência brilhante, imprimiu um caráter respeitável, determinada, esse processo
conservador
que
eles
(BOAVENTURA MOURA, 2004).
[a
família]
mantém
até
hoje”.
6 A FESTA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO
Era o dia 8 de dezembro de 2003 quando eu, minha filha Cristiana, minha irmã Vitória, meu genro e meu neto, nos movíamos em direção a fazenda Lagos para mais uma comemoração e celebração da festa de Nossa Senhora da Conceição. Após deixarmos a BR 101, trecho Camacã, alcançamos a estrada de acesso a cidade de Canavieiras, e num atalho, chegamos aos Lagos onde tudo parecia que o tempo não passara. Ao penetrarmos na sede da fazenda, enquanto o carro deslizava pela estrada e a medida que descortinávamos os “Lagos”, o silêncio me fez sentir, como uma criança, inebriada pela fantasia. Passávamos pelas velhas jaqueiras, pela farinheira e eis que lá estava a “velha” e a “nova casa” cheia de gente como há 125 anos (vê anexo fig. 22). Ao darmos acesso a “casa grande” (vê anexo fig. 23) encontramos João Elias, neto do velho João Elias, conversando com o Padre. Estava também, além de muitos outros, “Caçula” (Cecília Félix dos Santos), terceira esposa de Boaventura Ribeiro, mulher de fibra, cuja
imagem trago na lembrança, quando um dia a vi, alguns anos atrás, com um grande chapéu de palha empunhando uma enxada. Hoje, com 78 anos mantém, com seu filho João Elias, a tradição secular da família acolhendo a todos com o carisma de uma guardiã de um velho templo. Enquanto isso, minha filha Cristiana, sensível a imagens, fotografava como uma arqueóloga as marcas do passado. Seus olhos deslizavam e se prendiam a objetos dos quais sua avó Rosalina tanta vida os deu, nos relatos da sua infância... O tacho grande de fazer sabão (vê anexo fig. 24), a talha de água no mesmo canto... Ah! A dispensa que fazia lembrar a história da “cabaça” que minha tia Lourdes com tanta saudade nos contou que, a cozinha, a mesa comprida com bancos compridos laterais e mais, uma mesa também com bancos compridos, local preferido para as conversas de família, as mesmas mesas que serviam uma para as visitas e a outra para as pessoas de casa. Enfim, um perfeito registro memorável do mobiliário de uma época. Ao dentrarmos a casa nova, como ainda é chamada, do lado direito da varanda que circula toda a casa, junto a um grande e velho sino (vê anexo fig. 25), uma senhora cuidadosamente assentava os nomes das crianças que haviam de receber o sagrado sacramento do batismo. Após preparativos, a missa começou a ser celebrada na velha capela da “casa nova”, a mesma capela que assistiu silenciosamente a celebração de muitos casamentos e batizados. Algumas crianças com seus
trajes domingueiros circulavam pela varanda a espera do momento do batismo. Enquanto a missa corria meus olhos se detinham nas portas e paredes onde pouca coisa dava sinal de mudança, exceto ponto de luz ali e acolá, como sinal da necessidade de segurança dos novos tempos. A capela anexada a grande sala como nos mostra as fotos (vê anexo fig. 25), representava para a família, o lugar sagrado da casa, local de recolhimento e preces. Antigamente, na distância das paróquias, localizadas nas cidades, as famílias dos proprietários de terra erguiam altares preservados com o maior zelo e respeito. Não havia fazenda que se prezasse que não houvesse um altar no qual se pudesse receber uma visita de um padre. O acervo de fotos (da região) (vê anexo fig. 26, 27 e 28) de altares existentes revela a realidade da época como um símbolo sagrado e importância do significado da religião católica para as famílias da Região. A existência do local sagrado abria-se o acesso às pessoas que quisessem a esse se dirigir. A religião proporcionava a união entre patrões e empregados diante do temor e poder de Deus. Essas famílias em ocasiões especiais recebiam a visita do “Santo Padre” e “Senhor Bispo” Dom Eduardo (vê anexo fig. 29) como um sinal de mérito e prestigio social. O prestigio da presença de representantes do clero (vê anexo fig. 30) deixava em pavorosa a fazenda. A vida pacata se
transformava num “corre-corre” “um deus nos acuda” para que tudo saísse conforme ano ou até anos planejado. A cozinha enchia-se das comadres que viam dar um “adjutório”. As galinhas, os porcos, os carneiros cevados eram sacrificados nesta época e os padres e bispos se empanturravam das deliciosas comidas feitas com o maior esmero e carinho. Oito dias antes já se começava a ralar o coco para os bolos, para a festa de Nossa Senhora da Conceição. A história da vida religiosa da fazenda Lagos contava tia Lourdes e tio Boaventura, começou quando Carolina “Mãe Calú” chegando da região do recôncavo baiano, Alagoinhas, trouxe consigo a imagem de Nossa Senhora da Conceição. A festa de Nossa Senhora da Conceição representava para a fazenda Lagos e toda a vizinhança das margens do rio Pardo uma oportunidade de congraçamento onde todos participavam e contribuíam. “No período de dezembro”, lembra tia Lourdes com emoção: Havia a novena de Nossa Senhora, era rezada à noite por todos os presentes os presentes, no final quando terminava a ladainha de Nossa Senhora todos cantavam: Louvemos a mãe de Deus Louvemos com alegria
Beijemos todos contritos A Conceição de Maria Em seguida todos da família e demais que estavam presentes iam beijar o altar [...]. (LOURDES MOURA, 2004).
Emocionada tia Lourdes interrompeu a sua fala. Refeita da emoção, provocada pela lembrança, acrescenta: Detalhes [...] eu fico com um pouco de cerimônia, descendemos de uma família humilde e esta festa de Nossa Senhora nunca faltava nada, mas um certo dia era festa de Nossa Senhora da Conceição, eu nunca ouvi minha mãe contar [...] A minha tia Joaquina que não era de mentira ou anedotas contava que as duas estavam cantando o hino [Joaquina e Josefa] (vê anexo fig. 31 e 32) ao tempo em que contavam as “patacas” para a festa de Nossa Senhora da Conceição quando uma delas disse para a outra: oh! Minha irmã esta faltando! [...] e aí ouviram um “tirintimtim” de dinheiro e apareceu a “pataca”. As duas se abraçaram e ficaram comovidas com aquilo e muito agradecidas a Nossa Senhora. (LOURDES MOURA, 2004).
Concluiu mais uma vez emocionada tia Lourdes. A festa da Conceição não somente era marcada pelo sagrado, mas também pelo profano. Havia a parte folclórica, como relata, ainda Lurdes Moura: E eu era menina como meus netos [...] então ali mesmo na fazenda faziam-se aqueles “Ternos de Reis” [...] fechava-se a porta, o violão tocando [...]um conjuntinho com bandeiras, meninotas fantasiadas com guirlandas, bandeirolas, tocando os pandeirinhos [...] porta fechada [...] janela fechada [...] naquela época era assim, elas tinham que cantar e a dona da casa abria a porta: Dona da casa [...] garrafa de vinho [...] doce de araçá [...] ela então abria a porta cumprimentavam Nossa Senhora na capela dos Lagos e depois ela [...] tinha danças ali mesmo no salão. (LOURDES MOURA, 2004).
Boaventura Moura (2004) conta que: Mas a fazenda Lagos, cuja sede situava-se no alto, não só abrigava a população vizinha em épocas de festa, mas também nos períodos das grandes enchentes do Rio Pardo (vê anexo fig. 33), onde toda a população ribeirinha abandonava a suas casas e se abrigavam nos Lagos. Assim, a fazenda Lagos cumpria a sua função também humanitária.
Contava minha avó “Naninha”, Ana Ribeiro de Moura, filha de João Elias Ribeiro que quando havia enchente, todo aquele povo subia em busca de acolhimento e ali ficavam até que as águas baixassem. Neste período de enchentes que eram freqüentes “as panelas não restavam [...] latas de gás. Matava-se boi, contavam os mais velhos”. Maria Rosalina (2004) completa: O Senhor Bispo, D. Eduardo, durante as “missões” tinha o hábito de ir descansar na fazenda Lagos, ocasião que nos seus aposentos privados fazia uso para o seu asseio pessoal de bacia e jarro antigo, que hoje se encontram em mãos de Maria Rosalina [minha mãe] neta de João Elias e Mãe Calú. Em Ilhéus além da Catedral construída no Pontal por esse Bispo, há um museu retratando a sua vida. Dom Eduardo é venerado pela população de Ilhéus que lhe atribui milagres realizados junto a população. Conta-se que um casal de Ilhéus se separou e o marido arranjou outra mulher. O Bispo já havia falecido e a esposa em lágrimas pediu misericórdia a Dom Eduardo que aparecendo ao marido apontava para direção da antiga casa dele. E ele voltou pedindo desculpa para a mulher.
6.1 LEMBRANÇAS DO PASSADO: RELÍQUIAS DE UM TEMPO
Aqui são registradas lembranças que tia Lourdes me passou, fruto dos seus momentos de recordações da sua infância e que nos presenteia e nos revelam a forma de vida de uma época, de um tempo que não volta mais. Escova de dente do pobre era um pedaço de saboeira, faziam uma espécie de pincel. Cigarros de fumar, eles mesmo faziam os cigarros. Também tinha uma latinha pequena de rapé, fumo desmanchado e carregavam nos bolsos da calça, ofereciam aos amigos.
Festas junina, muita laranja, licor de jenipapo, os amigos se presenteavam trocando prato de canjica. Não havia graxa para pobre, usavam graxa vermelha para limpeza do sapato. Não tinham dinheiro para comprar perfume, lavavam suas roupas com folhas de patixuli. Quando tinham de ir a uma festa, colocavam a roupa de preferência, enrolada numa toalha no braço, andavam quilômetros pés descalços e sapato nas mãos até a festa. Na igreja, faziam promessas, ajoelhados, entravam de pé descalços até o altar, algumas vezes com vela acesa. Quando morria um amigo, mandavam bandejas de flores, uma bandeja de esmalte com o nome no fundo. Acompanhavam o enterro,
baianas carregando as bandejas, demais flores erram carregadas numa cocha, quatro pessoas carregando. Os palitos eram feitos com talo de folhas de palmeira de ouricuri. As meninas brincavam de guisado, cozinhavam com as amiguinhas. As amiguinhas levavam arroz, feijão e assim faziam seu cozinhado. Natal festa que toda a família se reunia como hoje em vez de ser este comércio, todo mundo fazia seus bolos, sequilhos, bolacinhas de goma, peru, assado de porco. Papai Noel trazia presentes pondo nos sapatos.. Quando a mãe esperava um neném, o anjo trazia ou a cegonha, eu achava muito era daquela época. Noite de Reis, havia ternos com roupas, diversos arcos com lanternas de papel, conjunto de violão, cavaquinho, flauta, visitavam o presépio depois ia para uma casa amiga e aí dançavam toda à noite. Pote, com concha de pau. Cafeteira de flande, para coar o café e o coador. Uma moringa tendo como tampa, uma pecinha de crochê. Cuia de cabeça para farinheira e cabaça pequena, saboneteira. Vassoura e vassourinha para varrer chão batido. Frufú de castanha torrada, feita em triângulo de papel.
Cestinha de papel de seda cortado para colocar queimadas. Cocada preta de cortar. PĂŠ-de-moleque, coco farinha e rapadura, aufere de rapadura. Almofada para fazer renda com bilros de madeira. Bastidor para bordar. Bonecas de pano preta, cor-de-pele, mulata.
7 “MISSÃO CUMPRIDA”
Com a expansão da cacauricultura na região de Canavieiras, precisamente vale do Rio Pardo de clima quente úmido e solos férteis, a agricultura do cacau veio a florescer passando a Bahia a despontar como produtora e conseqüentemente, exportadora do produto. Neste período, João Elias passa a ser agricultor de cacau juntamente com seus dois filhos mais velhos: Manoel e Antônio uma vez que os dois mais moços, já havia deixado a fazenda e ido para a “Bahia” (diga-se Salvador, como assim se dizia) a fim de darem início a sua formação acadêmica, Boaventura como engenheiro, e João “Vargens” como médico. Ambos, depois de formados abandonaram suas profissões a despeito de excelentes convites de trabalho em São Paulo e Rio de Janeiro, retornando às suas terras de origem. Entretanto, embora a região apresentasse condições favoráveis ao plantio do cacau, situações adversas como terras sujeitas a freqüentes enchentes e aos limites do vale do rio Pardo, fizeram com que João Elias e seus filhos resolvessem procurar terras altas e férteis como alternativa para novas plantações. Diante dessas circunstâncias, João Elias após analisar, planejar, resolveu por em pratica sua idéia de realizar uma expedição e, conseqüentemente, a ocupação de uma área hoje chamada de Camacã. Quero crer que ele já conhecia a região pelas razões de tanta certeza, em sua afirmação aos seus filhos, na orientação da primeira excursão a bacia do Panelão. Possivelmente, como caçador ou como explorador de minérios, pois nesta época, pouco antes de sua intenção em cultivar na bacia hidrográfica do
Panelão, tributário do Rio Pardo, ele exerceu por algum tempo, atividade de garimpeiro, atividade esta, que fazia dos indivíduos verdadeiros desbravadores. Ano fins de 1888, o ano em que minha mãe nasceu, penúltima filha do casal Carolina Severiano Ribeiro e João Elias Ribeiro, possivelmente, no verão, mas como eles eram religiosissímos embora planejava para 1888 teria sido realmente em fins de dezembro a janeiro de 1889 a ocorrência do fato, ou seja: em pleno verão, melhor probabilidade de contar como meio mais favorável, e, portanto, logo após o Natal uma festa máxima da fazenda Lagos. Homem determinado, conhecido como único que tinha a coragem no Rio Pardo ao sair da cidade de Canavieiras remando contra a maré, o seu horário de viagem, não importava se era vazante ou enchente, não lhe interessava se por ventura atrasasse ou adiantasse na sua viagem, o horário e a data eram para ser cumprida a qualquer preço! No entanto, não havia razões ou motivos que pudesse alterar o seu comportamento, compromisso e horário são coisas sagradas. Mas, nem sempre, os fatos ocorrem como gostaríamos que acontecesse, e ele João Elias Ribeiro, adoece as vésperas da data fatídica. Duas alternativas lhe ocorrem: mudar a data, adiando a incursão, ou, transferindo o comando ao seu filho mais velho com apenas 19 anos. Fiel a seus princípios, e amargurado por não poder partir, chama Manoel Ribeiro 19 anos (vê anexo fig. 34) e Antônio Ribeiro, então com 16 anos (vê anexo fig. 35), e os transfere o comando e determinações a serem cumpridas rigorosamente neste trajeto de 30 dias entre saída e o regresso. Acostumado ao rigor da ordem paterna, ninguém ousava contestar, e então sobre o comando de
dois imberbes, 15 homens aceitando o desafio, partem para esta memorável jornada de desbravadores. A missão proposta por Elias Ribeiro era subir Rio Pardo de canoa até a desembocadura do Rio Panelão, no Rio Pardo, disseminando em locais favoráveis e que pudessem, sementes de cacau ao longo do caminho e daí até subirem, ainda encontrar o rio Aliança, percorrendo o mesmo até chegar ao mar. Esta expedição tinha ordens de João Elias Ribeiro de regressar dentro de um prazo de trinta dias, período este que garantia o sucesso ou insucesso da expedição. Região habitada por índios (vê anexo fig. 36, 37 e 38), contam os expedicionários que jamais chegou a avistar neste trajeto, qualquer índio, não deixando de perceber, contudo, a presença dos mesmos através de sons, movimentos das árvores, etc. Levavam uma pequena e leve bagagem individual, bijuterias espelhos e argolas etc. como presentes para os índios, como um meio de acalmá-los. Conta Antônio Ribeiro, o filho mais novo da incursão, que jamais viu um índio, mas que, no entanto, inúmeras vezes abatiam uma caça e não conseguia apanhá-la pois o índio chegava primeiro. Concluíam eles, portanto de que estavam sendo seguidos desde o estuário do rio Panelão em todo o seu trajeto. Passos, movimentos de galho assobios, etc. todos esses indícios, mantinha toda a equipe em estado de alerta. Até chegar as nascentes do Panelão numa serra escarpada hoje divisória dos municípios de Jussarí, Una, e Camacã Arataca. A seguir veremos o relato de Boaventura Moura sobre a primeira e a segunda expedição: Primeira expedição: A primeira expedição, segundo Antônio Ribeiro, foi atingido aproximadamente
quando era cerca de mais ou menos três horas da tarde, local de uma pedreira encostada na serra, o Panelão um filete de água, depoimento de Antônio Ribeiro e Manoel que de posse de um facão escarifica a rocha, deixa sua marca como referência e mais e mais alguns cortes de machado num pé de Jequitibá bem próximo e disse: Missão cumprida e sentou-se exausto. O regresso desta expedição se deu por sugestão de Manoel Ribeiro, por outro caminho que pretendia alcançar os campos da Fabiana, evitando encontrar “estrepes” caso voltasse pela trilha. Todos se acercaram dele e disse a palavra que atenciosamente aguardavam: “vamos voltar”. Ele Manoel sisudo, calado falou: por onde? Por unanimidade falaram todos: pelo mesmo lugar que viemos. Antônio aguardou Manoel falar. E Manoel bradou: Não por aí não. Antônio sem entender perguntou: por que não? –
eles estão nos esperando com “estrepes” [significa armadilhas]. categórico: eu acompanho meu irmão! Ante o fato, todos concordaram, concordaram com Manoel e aí eles acamparam para reiniciar a viagem de retorno, na orientação predeterminada por Manoel em que pretendia alcançar os Lagos [fazenda] pelos campos da Fabiana. Antônio
foi
logo
O trajeto escolhido era complemente diferente da ida, e em breve, observava-se não mais a companhia suspeita e intranqüilo dos índios. Salvo a incomoda condução do enfermo, nada registrar até mais ou menos a serra, hoje serra de Rio Branco, no atual município de Arataca Especialmente agora em que um imprevisto ocorreu: um doente sendo conduzido numa rede, e em plena mata também, não era novidade para eles de que os índios estavam a pouco dali, e que eles embora de acampamento em acampamento deixavam lembranças de bijuterias, mas nas estradas dos índios, foram praticados alguns estragos, especialmente para se fazer passar rede com o doente, ou seja, cortar cipós que obstaculavam o trânsito, e isso, em estradas dos índios, equivale declarar guerra. O velho João Elias havia orientado que eles descessem a serra e saíssem nos campos para ser mais fácil no litoral, por isso, que eu acho que ele conhecia a região como caçador. Desciam eles a serra em coluna indiana quando inesperadamente, um brado de alerta, tendo como causa [cheiro de fumaça], pois havia a possibilidade de se irromper um acampamento indígena e conseqüentemente haveria luta, mas para felicidade de todos era uma “pioneira farinheira” em pleno funcionamento.
Quando eles saíram no córrego estavam as mulheres fazendo farinha, quando as mulheres olharam os caras com barbas deste tamanho, não ficou ninguém [...] e aí eles gritavam: ei gente [...] somos de paz [...] eu sou filho de João Elias Ribeiro. Eles gritavam, mas as mulheres correram com os filhos todos [...] gritavam para a mata: [...] pode aparecer [...]. Naquela época mulher não tinha confiança, todo mundo era bandido, fugitivo [...]. Mais tarde apareceu um cara, o marido de uma delas, que tinha trabalhado na fazenda Lagos e conheciam o velho patriarca da família Ribeiro, e aí foram bem recebidos, reconhecidos e identificados, entraram comeram “farinha fresquinha” – as primeiras penetrações agrícolas. Depois da confraternização, esse cara levou eles de canoa, saiu dali de Rio Branco e levou eles até em baixo, [o rio era muito mais perene do que hoje] do Rio Branco até quase [...] eu acredito adiante onde é a fazenda de Marcelo Gedeon, porque daí eles tiraram uma reta para dentro pegaram os campos e foram sair em Canavieiras. A preocupação de Manoel de agora em diante era sobre “prazos concedidos pelo seu pai” considerando o atraso que o doente ocasionou neste percurso, e pela máxima brevidade, ele sabia que o tempo seria estourado e as conseqüências que
haveria de advir, portanto tratou ao máximo de acelerar o regresso. Nesta altura o velho João Elias deu um prazo a eles de voltar e eles já tinham ultrapassado 2 dias e já tinha reunido 20 homens para ir a trás deles. Mesmo assim o doente era um problema em se transportar. Gastou-se uma semana do atual Rio Branco a fazenda Lagos, onde o velho patriarca João Elias Ribeiro já se preparava para partir em busca dos filhos com mais de 30 homens devidamente preparados para toda sorte de circunstâncias. Tudo aquilo a risca programado no dia tal, no dia tal olhe lá... no dia tal... a volta... Não sei quantos dias eles subiram rio Prado e entraram no Panelão. A mãe Calú já preocupada pela ausência dos filhos, aí vem a influência..., Deixava ele intranqüilo, ficou preocupadíssima pela briga da mulher. Entretanto, Manoel sabia do pai dele... E mandou um cara na frente que esperasse eles que eles estavam chegando. Ao chegarem, João Elias, já se preparava para ir a busca dos expedicionários, com 30 homens preparados para qualquer tipo de embate. Essa é a primeira missão exploradora da bacia Hidrográfica do Panelão. (BOAVENTURA MOURA, 2004).
Segunda Expedição: Em 1894 partia segunda expedição comandada pelo seu idealizador João Elias Ribeiro, que ao alcançar as áreas semeadas pela expedição anterior, onde é hoje o Vargito, confluência do Panelinha com Panelão, e defrontando-se com as mudas de cacau com tamanha e exuberância, com lágrimas nos olhos disse: “Gostaria de ter menos de vinte anos. Oh! quanto tempo perdido! Aqui esta o sucesso e a Glória.” João Elias explorando a Região ainda nesta mesma ocasião, alcançando a atual local da Fazenda Santa Maria, sentado admirando a cachoeira [que posteriormente passou depois a ter o seu nome] disse: “Se eu conheço aqui há vinte anos atrás teria feito os meus Lagos aqui!” (BOAVENTURA MOURA, 2004) (vê anexo fig. 39). Existe, entretanto, uma outra versão apresentada por José Campos, filho de Antônio Ribeiro, que embora haja uma divergência quanto as primeiras expedições não compromete o teor da essência, mas achei de bom senso trazer ao conhecimento do leitor para que esse, faça a sua própria conclusão. Para Zé Campos, como familiarmente o conhecemos, a 1ª expedição vieram João Elias, Manoel o pai de Jaci, eles chegando na região dos Campos, o cozinheiro disparou a arma nele mesmo, em vista disso eles voltaram, depois de 3 ou 4 dias, eles voltaram foram
para Canavieiras para levar ao conhecimento das autoridades o que tinha ocorrido. Então prepararam uma segunda expedição, foi quando o velho João Elias adoeceu e não pode vir. Essa segunda expedição tinha o itinerário totalmente diverso. A primeira expedição viria dos Lagos cortando o Salobro que já tinha... Tinha direta pra aqui. A segunda, eles vieram para o ocidente e visitar o lugar onde o acidentado ficou sepultado... Se morreu?.... Morreu imediatamente, dizem que jorrava sangue pelo pescoço parecendo um boi. A segunda expedição eles vieram até esse ponto para daí ir em direção ao rio Pardo e daí começaram a subí-lo margiando. Foram sair em Cachoeirinha de Camacã, foram a Una, de Una foram para Comandatuba a Canavieiras, de Camacã subiram o Rio Pardo sem nada de profícuo, sem nada observarem nesta expedição porque praticamente foi a primeira, porque a primeira foi frustrada. Na segunda expedição já sim, eles adentraram na mata e vieram acampar aqui na confluência do Rio Panelão e Panelinha. “Eu vi o esteio aí no chão, é no alto aqui daqui, a 100 metros daqui, atravessando o Panelinha aí”. (ZÉ CAMPOS, 2004).
8 UM SONHO, UMA LUTA, UMA CONQUISTA Como todo começo, esse não foi diferente para os primeiros colonizadores que penetraram nestas virgens matas. Isolamento, solidão e nevoeiro constante. Segundo meu tio avô, Boaventura Ribeiro, o denso nevoeiro causado pelo alto índice pluviométrico, inviabilizava uma maior penetração nas florestas, recém descobertas. Nessas circunstâncias, para aqui vieram esses homens, os “doidos”, assim chamados, que deixando a civilização, embrenharam-se nestas matas em busca de um sonho. O nome da cidade, Camacã, representa uma justa homenagem aos verdadeiros proprietários da terra, os índios da tribo dos Camacãs, que pacificamente recuavam, de ante da ocupação dos homens brancos. De acordo com essas afirmações, Zé Campos (2004) corrobora: A cidade, hoje Camacã, deve-se a Dr. João Vargens “doutor de cacaio nas costas” como era carinhosamente tratado pelos íntimos pela atitude altruísta de desapropriar parte de sua fazenda, Camacã, situada na bacia do rio Panelão, destinando graciosamente lotes de terra a todo aquele que ai desejasse estabelecer residência, ou um ponto comercial.
Orlando Midlej e Silva, por ocasião das comemorações dos nove anos da cidade de Camacã, num artigo publicado no jornal TABU, em 1977, Canavieiras, define a ortografia correta da palavra Camacã. Camacã na língua indígena significa “pedra alta”. Contamos, para esse capítulo, com um maior número de entrevistados, todos eles pessoas que conviveram na intimidade, com os desbravadores desta região, hoje Camacã. Poderíamos contar, entretanto, com um número um pouco maior, caso não tivesse um prazo a cumprir. Porém, acredito que pela coincidência das informações, as possibilidades de equívocos, são bastante reduzidas, conforme documentações consultadas e anexadas ao trabalho.
Os entrevistados para essa sessão foram os seguintes: Boaventura Ribeiro de Moura, nasceu em: 11/12/1925 (vê anexo fig. 40), e faleceu em: 20/05/2004; José Campos (Zé Campos) nascido em: 31/12/1926(vê anexo fig. 41); Maria de Lourdes Ribeiro de Moura (vê anexo fig. 42), nascida em: 15/04/1913; Maria de Rosalina Moura Pinto (vê anexo fig. 43), nascida em: 06/03/1915; Maria Carmelita Ribeiro de Moura (vê anexo fig. 44), nascida em: 08/07/.....; Luis Moura (vê anexo fig. 45); Maria Pastora Martins (vê anexo fig. 46), nascida em: 09/12/1914; e, Rosalvo Bião (vê anexo fig. 47), nascido em 13/04/1918; Maria Rita (vê anexo fig. 48) Após a 1a e a 2a expedição eles semeavam, vinham aqui, olhavam e voltavam e foram expandindo as plantações. Houve várias excursões para a região, até que eles se estabelecerem definitivamente. (BOAVENTURA MOURA, 2004). A Revista “Camacã e o Cacau” (1988), falando de Boaventura Moura, traz a seguinte informação: Em 1897 é feita uma grande plantação de cacau nas terras novas descobertas, ricas às margens do rio Panelão. Foram dez mil pés plantados, “trazidos nas costas até aqui”, como gosta de frisar o pioneiro Boaventura Moura, primeiro prefeito de Camacã. A partir de 1905, com a grande enchente, “avassaladora” ocorrida nesta época, é que surgem as primeiras “buraras” (pequenas plantações de cacau)
iniciando assim o movimento de fixação à região. A esta Revista, Boaventura Moura, faz a seguinte declaração: Decorridos cinco anos, em 1902, retorna a expedição às terras novas descobertas e novamente a expectativa é superada: os dez mil pés de cacau plantados estão plenos de produção. (BOAVENTURA MOURA, 1988). A sesmaria [Fazenda Lagos] de João Elias, que recebeu, era muita terra de campo. Pra cacau era na margem do rio Pardo, terreno fertilíssimo, mas de dimensões muito pequenas. Com o crescer da família, chegaram a conclusão que a renda não era suficiente, então tentaram explorar isso aqui, solos próprios para cacau. João Elias nunca se instalou aqui em Camacã, ele veio apenas chefiando e comandando as expedições, orientando. Só os filhos tiveram propriedades aqui. (ZÉ CAMPOS, 2004).
E, Boaventura Moura (2004), completa: “Em 1907 Boaventura Ribeiro e João Vargem, formados, após rejeitarem convites profissionais em outros Estados, retornam a Canavieiras”. E, assim, continua Zé Campos (2004): Com o intuito de complementar e ajudar a obra de seu pai. [Boaventura Ribeiro e João Vargens], aí, morre o velho [...]. O velho deve ter morrido mais ou menos em 1906, 1907 [...] de tétano de um espinho ou prego no pé, continuou calçando o sapato. Isso era muito comum naquela época. Ele foi a Canavieiras quando voltou aos Lagos adoeceu.[...] vindo a falecer posteriormente. Com a crise, Antônio Ribeiro e João Vargem, vieram e fizeram o primeiro rancho de palha, depois foram reformando, de madeira, de taipa. Plantaram um cacaueiro aqui, não sei se você conheceu o cacaueiro plantado aqui [...] foi o primeiro cacaueiro da região plantado aqui. Morreu com a construção da barragem na Santa Maria, a água ficou represada e terminou
matando, mas antes dele morrer, eu tirei, eu tive o cuidado de tirar sementes dele e plantei aqui, filho dele, era uma árvore que dava mais de duas arrobas por ano. Cada colha era uma caixa, três a quatro arrobas, um saco de cacau.
As casas eram de palha, todas. Antônio Ribeiro ficou aqui, João Vargem também ficou aqui, [na fazenda Vargito], mas explorando lá pelo lado de Camacã, a serra de Itamutinga Tapitanga e se instalaram aqui depois do casamento deles, a exceção de tio João que a mulher não quis vir [...] menos dona Luíza. Dona Luiza só veio aqui para morrer, há 5 a 6 anos atrás, ficou na casa de Neuza [sua nora] e foi enterrada em Camacã. O fato é que em aqui chegando definitivamente no início do século passado, puseram-se os Ribeiros imediatamente e de facão em punho a “cabruncar” mata virgem no intuito do plantio do cacau.
O artigo “terra” era facílima obtenção, portanto milhares e milhares de quilômetros quadrados de floresta intocada aguardavam por quem quisesse e pudesse explorá-las. Já o mesmo infelizmente não acontecia para quem tão somente procurava trabalho, emprego, isso em decorrência de ser o serviço executado nas fazendas em processo de formação, responsabilidade única dos seus próprios familiares. Só mais tarde essa situação viria modificar-se com o emprego de mão-de-obra. Tal circunstância ocorria simplesmente pelo fato de serem os primeiros cacauricultores, de um modo geral faltosos de maiores recursos financeiros, contando apenas com a força dos seus braços e a infalível proteção Divina. Como vimos sem qualquer tipo de ajuda governamental, quer fosse de ordem financeira, médica ou social, estavam os bravos lutadores a mercê dos mais completo desamparo porem nem por isso tiveram suas forças arrefecidas, muito pelo contrário, quais modernas fênix, tiveram-se
redobradas, dispostos a enfrentar toda espécie de adversidade: chuva, diluviais, índios, febres palustres, escassez de alimentos, feras sem número, serpentes as mais peçonhentas eram apenas algumas dificuldades a enfrentar no seu espinhoso caminho. Todavia venceram-nas todas sem inconteste de que o trabalho e a perseverança quando alicerçados em base sólida tornam-se indestrutíveis, mesmo diante de obstáculos considerados intransponíveis. Conclui-se, então, que inicialmente eles vieram sozinhos. Posteriormente Antônio Ribeiro casa-se com professora Chiquinha (vê anexo fig. 48) e fixa residência no Vargito, já João Vargem, embora casado com professora Luíza (vê anexo fig. 49), veio sozinho, negando-se a mesma acompanhá-lo, talvez pelas condições precárias de vida da época, vindo apenas para a região muito tempo depois, onde fixou residência e terminou seus dias. Conforme Boaventura Moura (2004): “Inicia-se assim, o processo migratório para a bacia Hidrográfica do Papelão” Zé Campo (2004), por sua vez diz: “Muita gente não quis mais plantar cacau [nas regiões sujeitas a inundações] e então preferiu ir pra lá com todas as dificuldades”. E, completa Boventura Moura (2004): “Tudo isso era muito devagar, não era veloz como hoje em dia”. Assim, narra Zé Campos (2004): Em todo esse período de exploração, Antônio Ribeiro nunca viu índio, embora estes deixassem marcas de sua passagem, através de água toldada, dos cipós lacticínios, ainda vazando o leite, que os índios torciam de propósito, para demonstrar a presença deles aqui; mas visualmente
nunca teve contato, dava presentes, facão, machados, espelhos tudo isso ele dava. Chegava nos acampamentos dos índios, depositava lá, nos acampamentos dos índios e os índios recuando pacificamente, vendo que não havia nenhuma hostilidade pelos intrusos. Uma conquista totalmente pacifica o que não aconteceu com os exploradores de Santa Rosa [hoje Pau Brasil]. Nós tínhamos aqui, uma flecha de índio manchada de sangue, agora, com a morte do “velho” desapareceu, não sei onde, foi tirado das costas de um agricultor de Santa Rosa, ele invadiu as terras e os índios em represália mataram. Enfrentando as mata virgens, esses pioneiros, defrontava-se com todos os tipos de adversidade e um certo dia conta Zé Campos (2004): Eles estavam num acampamento, chovia muito, meu pai levantou para urinar, naquele tempo não tinha lanterna elétrica, era um facho, se protegia esse facho com muito cuidado, era de casca de biriba, tirava as ripas e forma o facho e é de fácil combustão, contanto que não molhe. Eles tinham mais cuidado com o facho, do que com eles próprios. Eles podiam se molhar, mas o facho não, era a única recomendação que tinham. [...] riscavam o fósforo [...] Na volta, o facho clareou e ele viu em baixo da tarimba de meu tio João [tarimba era uma espécie de cama com quatro forquilhas onde são estendidas varas paralelas e em cima dessas varas, eles depositavam um couro de boi curtido, com um tosco travesseiro e uma coberta e ai dormiam], o mobiliário, e não dispensavam a fogueira. O rancho permitia a fácil ventilação, não permitia dificuldades. [...] Ele viu dois olhos clareando em baixo da cama de tio João e ele percebeu que se tratava de uma cobra gigantesca ele disse: Oh João! Oh João! Oh João! (tio João tinha um sono pesado) e João disse: o que é? João esfrie o corpo e saía devagarinho de sua tarimba e João perguntou: por que? Porque em baixo tem uma cobra muito grande [...] parecia que João tinha sido impulsionado por uma mola, pulou já fora do rancho e aí ele atirou com o “parabelo” que ele tinha na cobra, de quase dois metros de comprimento. Ela tinha entrado ou a noite ou durante o dia, eles estavam trabalhando fora, era um “pico de jaca”.
Depois desse relato, Zé Campos (2004), informou ainda que: “Boaventura (vê anexo fig. 50) já como engenheiro, começa a fazer as primeiras medições,
locações, abrindo as primeiras estradas de pedestres que serviam para delimitar as áreas de ocupação”. Ao que relatou Boaventura Moura (2004): Ele filosoficamente não admitia grandes áreas, não permitia latifúndio. O sujeito media 30, 40 ha. [...] era uma retaliação incrível, mas mesmo assim, ele não aceitava. Ele como Delegado de Terra dava 30 a 40 ha. e quem quisesse depois mais, isto é, depois que tivesse explorado a área dada. Todo este movimento de ocupação da terra decorria, sob a vigilância de Delegacia de Terra dirigida pelo Dr. João Marques e Dr. Boaventura Ribeiro que através de doações de títulos com o máximo de 50 ha. Com isso prevenia ação dos caxixeiros e gananciosos de terras, bem como futuros conflitos de lutas pela terra tão literariamente narrada em outros municípios da Região. Aquele negócio de dizer aquela área é minha, não tinha nada disso. (BOAVENTURA MOURA, 2004). Questionei, entretanto, a meu tio Boaventura Moura: Se as áreas obedeciam a esse limite, que explicação havia, depois, para as grandes fazendas na Região? A explicação a mim dada foi que as grandes áreas foram geradas para comprar das pequenas áreas e como prova disso, essas grandes áreas eram ou ainda são constituídas de várias escrituras. Mas Dr. Boaventura Moura, colonizador emérito da Região, não se notabilizou apenas por esse fato, mas também teve um outro grande mérito: “O cuidado de
selecionar as sementes ao ser conduzida do rio Pardo para o Panelão, esta seleção garantiu ao longo tempo, o melhor cacau de exportação da Bahia tanto pelo tamanho da amêndoa, como pelo teor de gordura.” (grifo meu).
Após locadas as áreas [...] tia Naninha escolheu a Santa Maria. (vê anexo fig. 51) Antônio Ribeiro já tinha escolhido a Santa Maria, mas em vista da irmã se enamorar pela Santa Maria, declinou, cedeu a irmã, e tio Boaventura ficou mais longe, no Chororão (vê anexo fig. 52), e Manoel ficou aqui algum tempo, e depois migrou para o Prado. Lá então subiu o rio Jucurussu [?] e fez a primeira fazenda na atual cidade de [...] entre Eunápolis e Teixeira de Freitas, antigamente Dois Irmãos, e a fazenda hoje pertence aos herdeiros [...] irmãos [...] eu não sei se ele plantou cacau lá também [...] o essencial lá é pecuária [...] Itamarajú levava oito dias subindo o rio Jucurussú, Prado, até chegar a Fazenda Dois Irmãos. (ZÉ CAMPOS, 2004).
Aqui se estabelece o marco onde Manoel Ribeiro, filho mais velho de João Elias, que conduziu a primeira expedição, se afasta definitivamente da Região. João Vargens morava no início [também] no Vargito (vê anexo fig. 53), aos domingos ele sempre vinha para a casa do “Velho”. Foi médico aqui e era alcunhado de “médico de cacaio nas costas” por que saia antes de mudar para Itamutinga, de manhã, de madrugada, quer fizesse sol ou chuva, ia para lá, se desse tempo para voltar ele voltava, se não desce, lá ficava e ele já levava a “bagaceira” dele toda nas costas: cobertor, roupa e muitas e muitas vezes as “raparigas” dele ficavam aí. Ele não teve uma só, teve Anita que eu conheci, Arlete que conheci muito, ela gostava muito de mim porque eu chamava ela de tia, Maria Rita ainda é viva e mora em Camacã. (ZÉ CAMPOS, 2004).
Carmerlita Moura (2004), também relata esta história: “João Vargens na roça, juntamente com os trabalhadores, plantando cacau, rezava o ofício de Nossa Senhora: Estrela do mar saúde certa. É porta que estais para o céu aberta”.
E, Zé Campos (2004), explica: João Elias nunca se instalou aqui em Camacã, o filho, João Elias, é que deu o nome, o nome a uma fazenda aí vizinha a Camacã de João Elias, se chamava antigamente de “A Criminosa”, porque uma cobra havia picado o trabalhador e esse trabalhador morreu. Havia um córrego, puseram o nome do córrego da Criminosa por causa da cobra. Ele [João Vargens] não tinha tempo para política, em um espaço de tempo, ele plantou cacau, um milhão de cacaueiros, sem comprar roça de ninguém, tudo feito por ele e os trabalhadores. [...] ele era adepto do “Brigadeiro” [...] ele era “udenista” militante. Era uma personalidade totalmente inversa do irmão Antônio; ele tinha mais afinidade com tio Boaventura que gostava da “pandega”. Antônio Ribeiro era um homem sério não admitia bebida, mulher e os irmãos não. Ele era Capitão da Guarda Nacional, ele se dizia: Capitão não sóis nada. Este título, eu acredito que tenha sido homologado pelos ancestrais do velho Leandro... General Marques de Souza depois Conde de Porto Alegre. Quando ele sumia havia um berrante, chifre de boi, para [tia Chiquinha] chamá-lo na roça, até pouco tempo tinha aí, eu vou procurar o berrante [...]. A abertura de estradas, contatos e ocupações de áreas, implicavam num relacionamento e segurança através de uma rede de vizinhança que imprimia um cunho especial a esta sociedade que nascia. Nesta região a chuva era em demasia, chovia quase 350 dias no ano [...] eu me lembro [...] minha mãe dizia o seguinte: uma certa feita ela anotou num caderno em 1917, ela notou no caderno os dias de sol no ano, foi uma semana, tudo mais é chuva e eu alcancei daqui pra lá a lama dava no joelho, não tinha essas botas de borracha, usava tamanco, metia o pé no atoleiro o pé saia puro e o tamanco soterrado. Os Ribeiros nunca fora afeitos a isso... O único movimento de jagunços foi Guerreiro, que foi pôr questão de vida ou morte e não foi jagunço propriamente dito, porque jagunço recebe dinheiro, foram os amigos que se prontificaram a vir defender e, os trabalhadores daqui, que eram poucos, uma meia dúzia talvez. Eu tenho um subsídio interessante sobre isso: 1928 ou 1929 apareceram aqui dois trabalhadores aqui, famintos, mal trajados, esgotados pedindo um pouso, uma ajuda, meu pai conversou com... Acorrentando-nos no tronco, evidentemente ele mostrou o pé ferido nas pernas das correntes. Basilínho que você deve
conhecer chegou a ver o tronco. Esse pessoal ficou aqui fugido, dentro de algum tempo. O velho recebeu uma carta de Leonidio Guerreiro pedindo que os trabalhadores fossem devolvidos. Então o “velho” respondeu a ele, que ele não era autoridade policial para obrigar os homens a voltar. Os homens voltariam se quisessem... Fez uma carta e mandou para ele. Ele não ficou satisfeito com a carta e mandou outra, dizendo que se não fosse remetido os trabalhadores, viria buscá-los. Mas aí o “velho” se preparou, eu era menino tinha 3 pra 4 anos, eu me lembro, aí nesta varanda aí, repleta de trabalhadores, gente de toda a redondeza, tinha armas... Não sei de onde apareceu tanta arma esperando Guerreiro, e ele aqui não apareceu. Caluniou muito o “velho” em Canavieiras, mas no final a verdade triunfou, os homens não foram devolvidos e ele, a título de vingança, mandou um jagunço tirar a vida de meu pai aqui. Este jagunço foi preso, e confessou o local onde ele se escondia, era uma pimenteira. Esse depoimento foi prestado em Canavieiras no cartório de João Flores, deve estar ainda lá. Quando ele afirmava que teve o velho Antônio Ribeiro, diversas vezes sob a mira da repetição, da arma, mas que no momento que ele ia pressionar o gatilho, surgia na frente dele, uma mulher vestida de azul e branco e não conseguia atirar. Tanto que quando lhe prestou esse depoimento, o Juiz disse: uma moita de pimenteira? Como uma moita de pé de pimenteira pode esconder um homem durante dois ou três dias? Ele disse: pode... E eu me escondi... Tanto que o juiz remeteu pra aqui um retratista acompanhado de um oficial de justiça para fotografar essa pimenteira. Ele fotografou e levou pra lá e ele se convenceu então. Era uma pimenteira gigantesca, o solo fértil, recentemente aberto, a mata. Foi isso... Depois, houve uma série... A polícia tentou invadir os Lagos, cercou a casa, mas Antônio Ribeiro não entregou os pontos, resistiu a tudo e a todos e terminou vencedor. (CARMELITA MOURA, 2004)
O processo de migração e circulação desta região, eixo Canavieiras Camacã, era feito inicialmente de canoa através do rio Pardo, amplamente navegável, passando por Jacarandá, distrito de maior
desenvolvimento da época, povoado de Mascote e por fim Vargito – Camacã. Quanto ainda ao acesso era rodoviário, as conquistas nem sempre foram tão fáceis, lutas de interesses políticos, tiveram que ser travadas pelos Ribeiros, para que pudessem alcançar os objetivos que beneficiariam esta Região. Em “Jacarandá e Salobro” de Alcides Costa (1968), vamos encontrar as seguintes informações: 1915, já agora em decorrência da intensificação da lavoura cacaueira para o interior do Município, neste ano iniciada, graças à iniciativa dos Drs. João Ribeiro Vargens, Boaventura Ribeiro e seus irmãos, e que se utilizaram do seu porto e do seu comércio. Diferentes interesses conduziam a Canavieiras se ligasse a Itabuna com um projeto de uma estrada de rodagem pelo Instituto de Cacau. Dr. João Vargem e seus irmãos, os Ribeiros, já por aquela época os maiores produtores de cacau da zona centro do município, opuseram-se tenazmente a esse desejo, conseguindo partisse esta de Mascote, atravessando Pimenta, Vargito e Secador, em busca de Camacã, suas propriedades. Jacarandá, de prospera que era, de florescente 2o distrito deste Município, tornou-se “terra de ninguém”, mudada a sua sede para Santa Luzia.
Maria Rosalina (2004), nos conta que: Josefa Ribeiro, filha de João Elias, possuía uma canoa grande [transporte usado na época] chamada “Primavera” símbolo de prestígio social, daquele tempo, decorrente da herança deixada pelo seu falecido marido. Todo esse trajeto quer seja das pessoas ou da produção agrícola, era feito de canoa (vê anexo fig. 54). Posteriormente seguiram-se as lanchas (vê anexo fig. 55), transporte mais rápido, também muitas vezes fretado pelas famílias. Entretanto, para que se alcançasse as áreas já exploradas, o acesso inicialmente era feito à pé, e se quisesse ir de
burros, ter-se-ia que fazê-lo pelo mato, obrigandose a uma grande volta. Eram essa as ordens do Dr. Nelson Batista, engenheiro responsável pelas estradas.
Já Zé Campos (2004), por sua vez diz: Uma das maiores [dificuldades] referente ao abastecimento, não só no que tange aos gêneros de primeiras necessidades, como aos demais, inclusive ao de insumos para agricultura, sem os quais sofria essas limitações imprevisíveis. A situação em foco estava sendo agravada ainda face ausência quase absoluta de meios de transporte e comunicação, haja vista que uma viagem do Vargito a Canavieiras durava em média uma semana, sendo o percurso inicial até Mascote realizado em não menos de três dias, vencido a pé ou em lombo de burro, através uma simples vereda em mata aberta, digo em mata bruta, a golpes de facão, assim mesmo variando sua duração, de acordo a intensidade das chuvas caídas e obviamente ao estado de “conservação” geralmente um atoleiro só. O último trecho da “via crucis” [Mascote – Canavieiras] cumprindo em canoas que transportavam o cacau até esse porto, era realizado em não menos de dois dias, de extremo cansaço. Somente decorrido algum tempo, ou seja, no início dos anos trinta, seria inaugurado após o trabalho insano, o primeiro trecho rodoviário da Região (vê anexo fig. 56) ligando o porto fluvial de Mascote ao Vargito, numa extensão de vinte e cinco quilômetros, estrada essa inicialmente utilizada com imensa dificuldade, face ao diluviano regime pluviométrico então vigente no sul da Bahia, considerado um dos mais elevados de todo o País. Os atoleiros multiplicavam-se a todo instante, tornando-se mesmo insuperável, constante a erosão em decorrência, abria enormes fendas no “grade” da via recém construída arrastando todo o material aí depositado, inviabilizando, por conseguinte o trafego, muitas vezes por até meses. O trabalho em busca de algo revestidor do solo era redobrado, utilizavam-se pedras, cascalho, torras de madeira, tudo isso em vão, pois a terra encharcada, empapada, numa fome voraz, a tudo engolia, impossibilitando desse modo a passagem dos frágeis caminhões (vê anexo fig. 57), durante as quadras mais chuvosas do ano, ou seja, o inverno. Tal situação perduraria durante muito tempo, até quando a “Companhia Viação Sul Baiana”, construtora e concessionária da rodovia, num momento de rara felicidade, adotasse radicais
modificações em sua estrutura administrativa, criando nos pólos onde prestava serviços, superintendências regionais proporcionando-lhes, em conseqüência, uma maior viabilidade no seu trabalho. Coube então a rodovia Mascote – Vargito, o privilégio de ter como seu primeiro Superintendente, o engenheiro Nelson Batista, jovem recém formado pela escola Politécnica da Bahia onde fora o primeiro aluno de sua turma, profissional de inigualável competência, cujo caráter de integridade a toda prova, fora sem dúvida fator de capital importância no êxito enorme do seu primeiro cargo a frente da “SULBA” em nossa Região. Alias-se esses raros dotes do Nelson, um outro, quiçá maior, fiel amigo sempre presente em todos os instantes de tristeza ou alegria, prestando sempre solidariedade irrestrita aqueles a quem de votava a sua sincera amizade. Sob sua gestão prestaria a nova “companhia” inestimáveis serviços a lavoura cacaueira do futuro município, começando por normalizar o trafego da rodovia até então viável somente na quadra da estiagem, mediante um intenso trabalho de encascalhamento e uma rigorosa fiscalização a fim de evitar o trânsito de “tropas” pelo leito da mesma. Louve-se ainda a construção de mais quatro quilômetros estendendo a rodovia até o “Secador”, ponto terminal para canoas que descendo o rio Panelão, eram responsáveis pelo escoamento de grande produção cacaueira do seu alto custo. Além do mais esse prolongamento seria como parte inicial da rodovia que iria dentro em breve ligar o Vargito, a futura cidade.
Diante dos fatos agora narrados, acreditamos ser Camacã devedora de uma justa homenagem àquele que em vida, muito contribuiu de maneira direta e insofismável, não só pela sua fundação, como também para o progresso e desenvolvimento de toda micro região amada pelo Dr. Nelson Batista como se seu filho fosse. Apesar da gigantesca melhoria observada no setor das comunicações, persistiam, no entanto, os males quanto ao abastecimento, graças ao estrangulamento do setor, causada pela precaríssima modalidade
de transporte fluvial vigente entre os portos de Canavieiras e Mascote, todo ele, realizado através de simples canoas impulsionadas a custo do esforço tirânico dos canoeiros, dia e noite, subindo e descendo o rio Pardo na incontida fauna de conduzir a seiva vivificante de um povo, que em tempo algum, jamais, aprendera a conjugar o verbo temer. Lourdes Moura (2004), afirma que: O transporte do cacau, nesta época, era feito através das tropas de burros que chegava a alcançar 30 a 40 animais e eram guiadas pela conhecida “Madrinha da Tropa” (vê anexo fig. 58) que portando um peitoral com sinos, atraia com o seu som os outros animais, arrastando-os para o destino almejado. Essa movimentação de animais era feita sem interrupção, não havia descanso. Quando chegou a rodagem a situação melhorou, ai se pode ter caminhão, automóvel e hoje temos esse progresso ligando todo o Brasil.
Zé Campos (2004), ainda fala: “As casas eram de palha, todas, só com a criação dessas estradas ligando Camacã... Entrava governo, saia governo, não atendia a essa aspiração dele”. Neste momento Zé Campos refere-se ao trecho Canavieiras –Vargito. E, continua: Foi ai que entrou Luís Viana nomeou para Secretário de Obras Públicas um colega de turma de tio Boaventura. Quando tio Boaventura soube desta história, fez uma carta pedindo que ele se interessasse junto ao governo do Estado no sentido... O que antes... Implantasse essa estrada... Fez uma explanação minuciosa, arrazoada, os interesses da zona do Vargito, de toda essa Região. Então o Governador mandou uma comissão de engenheiros para estudar a viabilidade econômica e técnica da referida
estada. Chegou aí a comissão, fez a explanação precaríssima até a beira dos pântanos, mangues alagados, chegaram aí, empurraram uma vara, até a beira do pântano, mangue, alagadiço. Voltaram para Canavieiras e Salvador e fizeram um relatório ao Governador afirmando ser inviável a construção, por dificuldade inviável, a preço elevadíssimo, a preço astronômico. O Secretário remeteu uma cópia a tio Boaventura, tio Boaventura então “tomou uma duas” fez uma carta ao Governador, que o Governador tivesse o cuidado de na próxima vez mandar para locar a estrada um... De engenheiro e não uma tropa de burro que ele mandou para aqui e... Mas vieram para aqui, beber cachaça e comer capim.... Quando o Secretário recebeu essa carta ficou alucinado, foi ao Governador: por favor, atenda esse homem porque ele não nos [vai] deixar sossegado, nem a mim nem a V. S. e no final ele disse que assume a responsabilidade de construir a estrada e se não construísse a estrada, queimaria em praça publica, o diploma de engenheiro. Aí o Governador não teve outra saída, mandou procurar o Secretário e resolveu construir a estrada. Fez uma carta a tio Boaventura aceitando a oferta dele, para a construção da estrada. Dr. Boaventura começou a construir a estrada. Com um ano e pouco... E venceu o tal obstáculo intransponível que era o alagadiço. Já pronta esta parte, os senhores construam o resto e... Voltou ao o Chororão. Depois recebeu uma carta do Secretário, colega dele, acompanhando a carta um cheque como bonificação dos trabalhos prestados ao Estado. Tio Boaventura recebeu o cheque rasgou todo, botou dentro do envelope e remeteu para ele dizendo que não era corrupto, nem vil. A palavra dele dada, é que construiria a estrada gratuitamente e tinha que ser assim. (ZÉ CAMPOS, 2004).
O nome do trecho da estrada Canavieiras – Vargito, a qual se refere o Zé Campos, chamou-se: “O Canto do Baiano”, e, Pastora (2004), completa: “o único engenheiro que drenou, foi Boaventura”. Boaventura Moura (2004), prossegue:
A partir de 1910 ao caracterizarem-se as possibilidades de êxito, evidentemente, começam a aparecer algumas famílias de expressão da sociedade de Canavieiras timidamente e desconfiadas ante os sofrimentos impostos pelas tremendas dificuldades que o meio impunha, aos pioneiros desta leva inicial. Em 1914 ocorre uma grande enchente talvez a maior que já ouve no sul do Estado, comprometendo de maneira destruidora todas as plantações do baixo Rio Pardo, que se levou anos para se recuperarem. Muitos agricultores transferiram-se, engrossando para a bacia do Panelão, onde estaria resguardado deste tipo de calamidade. Incrementam-se assim as primeiras plantações de cacau realmente. Daqui em diante melhor tentar no Panelão, que era inicialmente conhecido como Vargito, onde se apresentava uma realidade e não mais uma promessa. E define-se o Rio Panelão, particularmente a localidade de Vargito, a esperança de novos tempos. Dois fatores contribuíram de maneira contundente e visível para o aumento do processo migratório, acrescenta tio Boaventura Moura: “Chamo atenção para a ocupação da bacia hidrografia do Panelão, para a relação enchentes rio Pardo e seca do sertão, são adições de notável contribuição ao aumento demográfico da Região.” “O desenvolvimento da lavoura
cacaueira estava intimamente ligada as secas do nordeste”. Depois de deflagradas tais situações, revelavamse sensivelmente o crescimento da produção de cacau 4 a 5 anos depois, observa tio Boaventura. A Região “passou a ser uma espécie de refúgio do alto sertão castigado pela seca”. “1914, 1920, 1930, 1940, 1950 são datas e referenciais significativas em relação a seca [versus] enchente que proporcionaram anos após a sensíveis aumentos de produção da economia agrícola cacaueira, até a sua situação dos idos de 1970 a 1980.” Numa entrevista dada ao Jornal “A Tarde” datada de / / . Ana Ribeiro de Moura, minha avó, filha de João Elias e esposa de Joviano Pinheiro de Moura, um dos primeiros imigrantes da Região, presta o seguinte depoimento: Os pioneiros da colonização da região de Camacã são os seguintes, a começar pelo período que antecedeu a 1920. Antes de 1920 foram eles: Januário Barbosa, Pedro Bispo, Joviano Moura, Antônio Guimarães, Vila Nova, José Torquato, Davino Figueredo, Cristino Teles Amorim, Trihutino André da Rocha, José Izidro da Conceição, João Batista Viana, José Gerônimo, João Vicente, Manoel Bahia, João Gonçalves de Jesus, Leopoldo Pereira Santos. De 1920 a 1930: Eugênio José Santana, Antônio Barreto, Georgino Guimarães, Antônio Jaques Weher, Leonidio Guerreiro, Prisco Passo Viana, Eulino Vasconcelos, Manoel Badu, Secundino Delmot, José Maria Oliveira, Anisio Sabino Loureiro, Francisco Barreto,
Antônio Guimarães, José Cerqueira dos Anjos, João Flores, Leovigildo Tolentino Melgaço, Anisio Seabra Veloso, Osvaldo de Oliveira Pinto, Francisco Pereira, e Cezar Santos. De 1930 a 1940: Antônio Badaró, Eduardo Valter, Domingos Carlos, Demóstenes Vinhas, Edgar Castro, Afrodizio Ribeiro. De 1940 em diante o fluxo de pessoas para a região foi grande. Maiores detalhamentos deste movimento migratório, acrescenta tio Boaventura: Em 1904 chegam os Ribeiros com João Gonçalves de J... Após 1910 os Loureiros, Barretos, Souza. Em 1914, Joviano Moura. Após 1920 chegam Antônio Martins, Engenheiro Lucilo Wolfgand [apelidado Pau Queimado], Afrodisio Ribeiro, Manoel de Freitas, Leonídio Guerreiro, Prisco Viana, Domingos Carlos da Silva, Virgílio Bóia. Fixando-se inicialmente em suas propriedades rurais, não houve nesta época uma concentração urbana por parte deste, que justificasse a construção de residências em áreas afastadas da labuta diária. Essa concentração passa a ser feita pelos pequenos comerciantes e migrantes sem maiores vínculos com a atividade agrícola. (BOAVENTURA MOURA, 2004).
Zé Campos (2004), diz que:
Logo as primeiras construções foram surgindo, rudimentares inicialmente, muita erguida sobre rodas numa caracterização toda particular podendo mudar de localização a capricho dos seus donos. No início de 1946 poder-se-ia já contar as centenas o número de edificações de madeira existente na futura cidade, estendendo-se inicialmente na margem esquerda do Panelão até o “Tapa”, onde algum tempo depois, se estabeleceria o primeiro “centro noturno de lazer”, o que alias, se constituiu no mais absoluto sucesso, tanto que para as suas vizinhanças ocorreram alguns bares, pensões, etc., provocando em conseqüência um sensível movimento (nas noites) até então monótonas e insossas. A proximidade da fazenda, meu tio João morava aqui, então não tinha por que mudar-se para Camacã se vivo fosse. Mesmo porque ele morreu antes de Camacã se desenvolver... Camacã era um acampamento, não tinha uma condição para se instalar uma casa em Camacã. Camacã durante muito tempo as casas eram feitas sobre rodas a margem da BR3.
Essas “casas de roda” (vê anexo fig. 59) eram pequenas habitações movidas a roda, forma mais fácil de deslocá-las, cuja replica podemos encontrar na Pousada Fazenda Rainha do Sul situada a BR 101 km 580, neste mesmo Município.
Essa proximidade com o futuro, cidade de Camacã, não permitia que eles deixassem seus afazeres, suas moradas dentro da sua propriedade. Sr Anísio já tinha sua casa pronta aí, os Barretos também tinham, vocês já tinham a fazenda, instalados, não ia se mudar para Camacã. Bejamin era comerciante em Canavieiras, com a evolução ai da fazenda, eles vieram para cá, Tivinha, tio Antônio Martins. Então só moravam comerciantes, profissionais liberais,... As terras de Camacan de direito não foi doadas, eu acho, não se deu ao trabalho de ir para o cartório nem nada, tio João Vargens mandou que abrissem a mata, cortasse cacau, se preciso, e construir. O que ele queria a trilogia: cachaça, jogo e mulher. Em 1945 João Vargem já estava doente foi para Salvador e não mais voltou, ele não viu Camacã. (ZÉ CAMPOS, 2004).
À medida que Camacã crescia, as residências já definidas nas propriedades rurais, com suas instalações melhoradas, dispensava a
necessidade ainda maior de residências na área urbana deste centro, que se descortinava muito promissor. Entretanto um aspecto curioso, quanto a questão imobiliária da cidade de Camacã, me chamava atenção, principalmente no período áureo do cacau onde, nesta região, jorrava dinheiro. A aparência externa de suas casas revelava um senso estético, distinto daquelas pobres do nordeste, onde até uma casa de “sopapo” o seu “reboco” tem a sua beleza. . Havia também, naquela época, além da falta de um centro urbano, uma pobreza social e conseqüentemente cultural que perdurou e que ainda em determinados aspectos perduram até hoje, se confrontarmos a atual realidade com a dos períodos áureos do cacau conforme nota publicada do “Jornal da Bahia” nas comemorações dos 17º aniversário da emancipação de Camacã: “Camacã é o 1º na produção cacaueira” (vê anexo fig. 60).
Não havia atividade social em Camacã, havia uma pobreza muito grande social. Os fazendeiros faziam visitas aos outros fazendeiros de canoa. Eu me lembro que vocês vinham a noite eu me lembro que nós estávamos rezando, porque a ”velha" rezava toda noite oito e meia, nove horas quando ouvimos aquela algazarra... A lua muito bonita, o que era... O que era... A canoa cheia, sua mãe, suas tias, sua avó, só não o velho, aquele povo todo tomando banho. Havia um intercâmbio muito grande entre eles e nós aqui, eles vinham aqui passavam dias, eu ia lá passava dias na Santa Maria, tomava banho ai na Cachoeira. (ZÉ CAMPOS, 2004).
Retornando ao processo de desenvolvimento econômico e conseqüentemente migratório da Região, vamos ter:
A década de 1920 após a Primeira Grande Guerra Mundial até a quebra das Bolsas de Londres e de New York em 1929 e 1930 proporcionou um notável desenvolvimento, com as consolidações das fazendas, nascimento e implantações de outras garantiam um processo de desenvolvimento com o aparecimento dos primeiros núcleos de habitação como fora o caso de Mascote. Abertura de estradas, contatos e ocupações de áreas, implicavam num relacionamento e segurança da presença do vizinho como tranqüilidade. A década de 1930 a 1940 representou um processo de crescimento e desenvolvimento da Região causada pela crise econômica mundial, mas Vargito depois Camacan significa [ainda] uma extensão de Canavieiras nos seus aspectos econômicos, culturais, políticos e sociais. Em 1946 a estrada alcança a cidade de Itabuna. (BOAVENTURA MOURA, 2004).
José Rosalvo de Matos (2004), - o sr. Rosalvo foi o único trabalhador rural da época, que até agora tivemos acesso e oportunidade de entrevistar, ele diz: Sou sergipano, nasci em 13 de março de 1918, cheguei aqui neste pedaço de terra dia 27 de abril de 1928. Vinte e oito (28) foi um ano maravilhoso, sempre diziam, 29 foi uma coisa triste, o pessoal chorava... Aí meu Deus... Eu tinha onze anos e um mês e pouco, 13 de março eu ainda estava Itabaianinha em Sergipe
saímos de lá em fevereiro, no inicio de fevereiro chegamos aqui no dia 27 de abril do ano de 29.
Quando aqui cheguei encontrei Antônio Faustino da Fonseca era morador daqui há onze anos, onde é hoje o posto Mangueira. João Vargens falava que vinha uma rodagem [risada] ai vem a guerra brava ai o cacau veio pra... Seu avô Joviano Moura comprava a 5 mil reis em 29... Em Camacã morava Zé Barbosa, filho de José Barbosa tinha uma venda pagava a 4 mil reis a @ e quem tivesse coragem de levar para Canavieiras lá cortava 100 caroços, só um caroço, pagava 10 mil reis a @, se encontrasse 3, 4 era [cortava para saber se tinha mofo] 7, 800. Em 29 amanheceu assim, o dólar despencou... Ave Maria e outra: diziam que o corte de gado, de boi até meio dia era 2 quilos para um mil reis, meio dia pra tarde era 3 k e em 29 passou o gado para um mil reis o quilo, de meio dia pra tarde e ate meio dia 800 reis. A diária do trabalhador era 6 mil reis passou para 2 mil reis , mas ninguém pagava porque não podia, eles trabalhavam só para comer, quando Dr. João Vargens plantou um milhão e tanto de pés de cacau em Itamutinga, dando de comer ao povo que vinha morrendo de fome da seca de 31, 30 que arrasou o nordeste. Trinta e dois (32), trinta (30) chegou a guerra de São Paulo e levém... levém... Só veio melhorar em 38 que cacau deu um preço mais ou menos, em 48 é que deu um preço bom, 48 cacau chegou a dar 400 e tantas a @... O pessoal dizia: se eu soubesse, se eu soubesse, tinha plantado cacau... (risada). Aí vem Camacã, o início da rodagem, a rodagem para o Rio de Janeiro, começaram a chamar a BA 2. João Vargens no ano de 1943, 44 mandou derrubar um rocadão para fazer uma cidade, fazer uma cidade aqui, parece que ele
tinha uma coisa na cabeça... Quando entrou o ano de 44, 45, chuva muito, aí vem a rodagem cortando, ai pessoal começaram a invadir, aí o filho, Jonga Vargens, estava no Rio veio embora prá ai só... Faz da rodagem de cima para baixo. Aquela confusão, mas não teve jeito, o pessoal começou a invadir, invadir e Camacã surgiu. Osmário Batista era Prefeito de Canavieiras, a política de 61 fizeram o “plesbicitio” de Camacã, Panelinha chamava-se antigamente o “Rói”, João Gonçalves de Jesus e ai eu ajudei... muito dizia ao pessoal: vamos minha gente emancipar Camacã, porque em vez de ir para Canavieiras, tudo em Canavieiras, ai amanhã a gente vai ter tudo aqui, Banco do Brasil... ó deixei de ser besta... aí emancipou Camacã em 61, o “plesbicitio” o resultado Camacã, perdeu por Camacã, não era plebiscito, o Leoventura, que era os “Quatro” antigo, perdeu, Jacareci, também perdeu, Panelinha ganhou, botamos 284 votos de frente. Camacã surgiu em 1961. A primeira eleição foi Boinha Moura, seu tio, ganhou muito bem. Aí começou Camacã e até hoje cidade. Eu cheguei aqui de Sergipe com meu pai montado em 28, nós trouxemos uma “cavalhada” [não ficou muito nítida essa palavra] para Antônio Ribeiro e João Vargens, Boaventura Ribeiro e Joviano Moura. Mandaram comprar 100 burros lá de Sergipe e trazer, cacau de um preço bom ,não tinha estrada, tudo ruim. Tinha que levar o cacau para Mascote e de Mascote descia de canoa para Canavieiras para levar para Salvador ou entregar nas firmas Wildeberg, Correia Ribeiro, aquelas firmas importantes, quer dizer, vendiam ai mesmo, chegavam os navios Ilhéus, Canavieiras carregavam para Salvador, isso já foi no ano de 28 que trouxe a maravilha do preço de cacau, 29 foi um arraso. Ficamos aqui na luta. No ano de 36 Joviano Moura mandou plantar cacau, abrir uma plantação de cacau lá na fazenda Santa Maria, e eu fui mais um tio, lá fizemos um plantio de cacau, uns 10 boqueirão, plantamos cacau, balizamos mesmo com vara, 100 mil reis, mil pés de cacau. Tirei um saldo, vim embora morando aqui mesmo com meu pai, minha mãe. Botei um negociozinho, mas não deu certo, ficamos aqui mesmo, daqui surgiu Camacã e foi melhorando. Boinha Moura foi o primeiro Prefeito de Camacã. Camacã surgiu... Um município que segundo me dizem foi o primeiro ou o segundo município em produção de cacau. Ouviu falar isso? Foi quando Moura Pinto veio com José Moura botaram uma venda boa, ali, depois não deu certo.
O cacau tinha isso, subia e caia. Desde que eu cheguei aqui em 28, eu tinha 10 anos. Em 38 deu outro preço bom, em 48 deu outro preço mais ou menos o pessoal... em 54 deu 550 mil reis a @ - período áureo passou 77 outro preço de 850 uma @ de cacau... Caiu... Caiu... Veio o preço mínimo. Juscelino Kubichek, o preço mínimo em Ilhéus o último preço que deu bom, mas caiu que era o cruzeiro foi em 83 e ai agora pronto. Eu sei que em 28 os 4 irmão: Antônio João Vargens Boaventura e Ana de Joviano Moura mandaram comprar 100 burros em Sergipe e trazer gente para trabalhar aqui, aqui não tinha gente, bem pouca, meu pai conhecia um cara por nome Nicolau comprar uns animais.. 100 burros e que vieram também e que vieram também trouxeram... Foi 3 meses e tanto de viagem, fez agora 76 anos foi foguete, foi tudo Ave Maria! , foi uma festa a chegada da tropa dos burros em Vargito. Meu pai forneceu algum dinheiro, meu pai trouxe algum negócio para vender e teve que vender no caminho uns animais para inteirar o dinheiro da viagem, de sorte que, os 100 burros que foi comprado chegou no Vargito 84 burros, mas morreu na estrada, se estropiou, ou se perdeu pela mata, outro vendeu para interar o dinheiro para chegar.
Então, Sr. Rosalvo conta a brincadeira: Aí Antônio diz seu Nicolau... Parece que estou vendo João Vargens, papai tocava um acordeom e João Vargens diz deixa de conversa Antônio, não me fale uma coisa dessa, nós temos que comprar uma roça pra esse homem. Sair de Sergipe com 100 burros e chegar aqui com 84 pra nós 21 Ah! Só indo comprar uma roça para esse homem com 100 burros e chegou aqui 84 “ganhou de boca”. Toca uma coisa, vamos acabar com essa conversa, uma roça para Nicolau comprar... Soltando foguete... Em dezembro do mesmo ano, voltamos para Sergipe esse. [o pai] comprou esse lugar aqui essa posse. Voltamos para Sergipe: eu meu pai e mais uns que... Voltamos, veio eu, meu pai, meu tio e mais uns dois. Andamos mais ligeiro, da saída para chegar aqui 15 ou 17 de fevereiro e chegamos aqui 27 de abril, não me esqueço nunca do ano de 29 [?]. Pessoal muito bom, não gostava de briga, eram uns homens de paz e sempre ajudava o pessoal mais fraco. Aí tinha uns pessoal, os Guerreiros, bravos, Nossa Senhor, o pessoal trabalhava, tirava algum dinheiro, dizia que tocaiava e tomava o dinheiro e os Ribeiros, os Vargens eram diferentes. Eu mesmo trabalhei em 36 plantando um cacau, tirei um saldo de 510, 800, o velho que trabalha com Joviano que era caixeiro do Barração dizia no dia 30 de outubro pode vir receber seu dinheiro. Quando cheguei lá,
Zé Moura... Cadê aquele dinheiro... Tal... Veio aquele papel de 500 mil reis, deste tamanho, um negócio amarelo, aí Antônio Ribeiro, sim senhor... Olhe suas bolsas aí, esse dinheiro aí, é meio conto de reis, segure que dá ali pra você comprar uma rocinha. Aí Zé Moura disse: não ele já tem uma rocinha... E você já médio? [perguntou Antônio Ribeiro] se você quiser meu irmão Boaventura, é engenheiro e mede. A atitude desse pessoal era essa assim... Veio me recomendar que eu olhasse os bolsos, e que aquele dinheiro era meio conto de... Antônio Ribeiro... Na hora que você quiser medir, pode falar. Era um pessoal que faziam muito favor, eram as pessoas que comandavam por aqui,. Antônio Ribeiro João Vargens Boaventura Ribeiro, Joviano Moura, eram muito respeitados. João Vargens era muito amado, eu trabalhei para ele 66 dias no Camacã, ele [o pai]... Quebrando cacau eu bandeirando, quando ele fez a conta de meu pai, ele pegou 3 mil, esse dia deu 198 mil reis, ó eu vou dar 2 mil reis de gratificação a Rosalvo e se voltar aqui vai trabalhar mais eu... Você banderaram cacau muito bem. Meu pai recebeu em Canavieiras em Wildeberg uma ordem. O dinheiro aqui era pouco, tinha, ordem de João Vargens, Antônio Ribeiro desse pessoal, Boaventura Moura, uma ordem desse pessoal era dinheiro. Já o outro Guerreiro, Ave Maria! Os Ribeiros eram de paz, harmonia e de direito. Os guerreiros eram de matar, pintar o diabo, tomar roça, se acabaram. Guerreiro foi embora, foi vendendo coisa... Repetição em baixo do queixo e acabou. Tinha a festa do Vargito, a missa do Vargito, naquela época era no dia 11 de novembro, de ano em ano, vinha um padre de Canavieiras. Para viajar para Itabuna daqui, eu fiz umas duas ou três viagens para Itabuna montado em um burro, uma mula boa mesmo de 500 mil reis, três dias de burro... Morria na estrada... No ano de 38, 39 Antônio Ribeiro tinha rádio né? Juntava 5, 6 rapazes, eu, uns que morreu, Manoel Bahia.... nós saímos daqui pra ver o rádio no Vargito, de pé. Chegava na casa de Antônio Ribeiro lá o rádio tocando, depois a gente vinha embora, de vez em quando a gente ia ver o rádio tocar. Naquele tempo se vivia alegre, sorrindo. Aí João Vargens ia para Itamutinga para ver os trabalhos, mas com meu pai... Ó Zé, nós tinha um canavial... De cana fazia um café com garapa de cana que era bom.Ó dona Zefinha eu quero meu café com açúcar numa latinha bem lavadinha. Fazia o café e ele dizia que só queria numa latinha de leite e era o café com garapa.
Eu só vi um lugar em “fiura” igual a Camacã, aqui mesmo na Bahia, perto de Bom Jesus da Lapa... Bem olhado o Camacã é feio, a topografia... Hoje tá melhor, Antigamente era uma coisa seria, aquelas ladeiras... Grotas. Ele dizia queria e deu certo, tem fama mundial, foi o primeiro município em produção de cacau. Tenho 140 há, João Vargens me ensinou a conhecer terra boa. Conheci e conheço terra boa de cacau, de primeira, de segunda, são 5 faixas de terra que existe aqui. Boaventura viveu 96 anos, eu estava em Canavieira em 74, veio se enterrar nos Lagos. Antônio Ribeiro um catolicismo... Boaventura Ribeiro tomava umas pingas, era uma pessoa muito popular. Existe uma determinação, meu pai chegou aqui pegou umas terras ruins, tem outras influências também, tem uma determinação de vida, uns tem, outros não tem, uns tem mais, outros têm menos.
Tinha fazendeiro que pagava outro não. João Vargens, Antônio Ribeiro... Você ia trabalhar com confiança, você ia comparar uma terra, eles orientavam, uma terrinha boa, mediam Boaventura... De Vargito até Panelinha... Veio gente do norte... Antônio Faustino, João Soares, tudo tinha posse aqui, Pedro Bispo. Subiu aí até Itamutinga tudo ligado com os Vargens, era uma maneira que tinha respeito. Muitas pessoas eles colocaram, orientaram. Numa entrevista [...] dada pelo então Prefeito Luciano Santana, o mesmo menciona a alta rentabilidade das propriedades agrícolas antes da queda dos preços e da “vassoura de bruxa” e faziam com que – “[...] os fazendeiros promovessem assistência médica por contra própria aos seus trabalhadores, além de pagar o Funrural.” O Prefeito fez
questão de lembrar também o Dr. Osvaldo Valverde (vê anexo fig. 61), o primeiro médico do Município “e que teve inestimáveis serviços prestados a essa terra” Mais adiante o agricultor Anizinho Loureiro explicou que a assistência dada pêlos próprios fazendeiros aos seus empregados, justifica-se pela rapidez com que eles são atendidos e, também, pôr uma elementar política de administrar “não deixando faltar nada, mas nada mesmo, as pessoas que nos ajudam”. A região de Camacã nasceu com um espírito de respeito, de solidariedade, e religiosidade cunhado e plantado nesta terra pelos primeiros desbravadores. A fazenda Vargito surgiu como primeiro núcleo, representando durante muito tempo, o centro religioso da Região. Fernando Reis, conhecedor profundo da história de Canavieiras e conseqüentemente, dos Ribeiros, referindo-se a professar da religião católica, me disse, uma vez, que dessa grande família ele só conheceu uma pessoa, Luana, que havia migrado para outra religião. Não nos atrelando aos exageros, mas vamos realmente encontrar uma forte veia religiosa desta família herdada daqueles que primeiro pisaram os pés no solo desta Região. O acervo que disponho de fotografias de capelas encontradas nas residências das zonas rurais, nos revelam o grande número de famílias que também eram católicas praticantes.
Mas, para tudo, existe um começo, uma história e ninguém melhor para nos contar essa história do que Zé Campos (2004) que passou toda a sua vida neste berço de religiosidade: Nós fizemos uma viagem até Buerarema montados no lombo dos burros, passamos por diversos lugares: Cavaco, Fartura... Três dias viajando até chegar Buerarema onde era vigário o Pe. Granja, já tinha sido vigário muitos anos em Canavieiras e tornou-se amigo do “velho” Antônio Ribeiro. Lá então embarcamos numa “marionete”, antigamente se chamava de marionete não era ônibus e fomos para Ilhéus ter uma entrevista com o Bispo D. Benedito Rosse... Então expôs que aqui na Fazenda já tinha uma capela pronta com tudo necessário para instalação da Paroquia, só faltava a homologação do Bispo que imediatamente o fez... Homologou dentro de pouco tempo foi enviado o Primeiro Pároco daqui que foi um padre Manoel Peredes, um espanhol. A inauguração da igreja do Vargito foi em fevereiro de 1942. .De lá para cá sucederam-se vários padres e o último foi.... E ai eu quero dizer qualquer coisa sobre esse último padre... Pediu continuou:
para
desligar
o
gravador,
depois
O último vigário aqui foi Pe. Mário Tomasete, italiano, esta vivo, hoje na
igreja da Boa Viagem em Salvador, foi vigário em Itabuna em Jequié já tinha sido em Salvador agora retornou para Boa Viagem, deve Ter uns oitenta e tantos anos, ainda disposto forte Enquanto a paróquia era no Vargito, casamento e batizados eram realizados aqui. Com o desenvolvimento urbano da cidade, depois de uma compreensiva resistência da professora Chiquinha em aceitar a transferência, a sede da Paróquia passou a ser na cidade de Camacã. A igreja de Camacã foi praticamente construída por tio Boaventura Ribeiro. Doou sacos e mais sacos de cacau. (ZÉ CAMPOS, 2004). Retornando ainda ao crescimento da Região: Esta fase de desenvolvimento vinculado ao comércio de cacau poderemos estendêla até 1965 com as suas alternâncias de preço razoáveis e péssimos, especialmente pela introdução da violenta política do confisco cambial aplicada pelo governo federal. (BOAVENTURA MOURA, 2004). Quanto ainda a formação social-política da Região vamos ter, conforme Boaventura Moura (2004): “portanto inicialmente Vargito e posteriormente Camacã”. “A política era toda ela toda ditada por Canavieiras”. Era [Camacã] em princípio uma extensão de Canavieiras, economicamente, cultural e social, até a década de 1940, quando surge os povoados de Santa Rosa hoje Pau
Brasil, o Roi hoje São João do Panelinha (vê anexo fig. 62), Jacareci, Pimenta, Leoventura, Belém porém hoje Potiraguá e, evidente considerando a época, sem nenhum planejamento devido. A ameaça de divórcio político com Canavieiras começou a pairar na região quando esses centros urbanos passaram a serem olhados como ameaça futura a sua integridade territorial. Eram lançadas as primeiras sementes da emancipação de Camacan e nascia, de certo modo, uma animosidade contra a velha Camacan. Com a morte de João Vargens em 1946, surgiu uma lacuna no mundo político desta Região, um vazio.Em 1946 o deputado Herbet de Castro apresentou um projeto de emancipação de Camacan e uma nova liderança surge. Com o falecimento de João Vargens em 1946, líder da região, recebeu-se a princípio a noticias do projeto, até com certa frieza, pois eram ainda muito fortes os vínculos com Canavieiras, mas o amadurecimento político da região não se fez tardar, surgindo nos irmãos Moura, os novos herdeiros da política local de João Vargens, por sinal também netos do patriarca João Elias Ribeiro. O vento das emancipações municipais a partir de 1946 varreram o estado da Bahia, criando-se dezenas de municípios novos, e neste bojo de interesse político,
nasce o projeto de Camacan apresentado pelo deputado Ramiro Berbet de Castro com vínculo com a Região. As eleições de 1950 e 1945 consolidaram em definitivo a liderança José Ribeiro de Moura, que passou a capitanear a luta reivindicatória da emancipação política de Camacã. Com a tentativa de Osmário Batista, como prefeito, de instalar uma nova oligarquia no município de Canavieiras, uma parte da sociedade de Canavieiras apoiava a emancipação de Camacã como meio de diminuir o poder político do Prefeito. Nas as eleições de 1958, o Sr. José Moura consegue exercer o mandato de deputado, onde através de uma ação pessoal consegue da Assembléia do Estado sua aprovação para o plebiscito, ocorrido meses e depois, com a aprovação popular em manchetes de jornais da época na capital do Estado, como “sui generi” e único do Estado a ter este tipo de desdobramento para a emancipação do município. Após 2 anos em 1961 houve a eleição para o primeiro mandato de prefeito do novo município. Eu, Boaventura Ribeiro de Moura, sem ser político desempenhei com a minha contribuição pessoal em grande esforço pelos contatos pessoais visando o plebiscito da emancipação, sem saber, construí através este contato uma liderança política, em que não pode
desvincular por um grande e longo período de anos na política local.” E nas eleições para o primeiro prefeito embora relutasse como candidato, cedi as evidências a concorrente contra Afonso Castro UDN César e Silva PTB, João Alfredo do Carmo, João Bitu, fui consagrado com o resultado de 84% dos votos num atestado vivo de agradecimento histórico a família Ribeiro em minha pessoa Boaventura Ribeiro de Moura, neto do patriarca João Elias Ribeiro. Partir do nada e realizar algum feito não é fácil e especialmente quando se depara pela frente forças contrárias e retornados aos interesse coletivos na intenção do aproveitamento pessoal as conseqüências é um tremendo prejuízo a comunidade, como ocorreu com Camacã. As conseqüências ainda hoje se refletem, pois a oportunidade dificilmente aparece duas vezes e o que fizeram para prejudicar, não me atingiu e sim toda comunidade atrasando o seu desenvolvimento até hoje sentido. É claro, o nascimento de uma estrutura social partindo do zero, como não podia deixar de ser, surgiu fundamentada nos valores econômicos e político, temos que reconhecer ser o seu valor intelectual muito baixo, considerando ter recebido o município com apenas uma única escola primária. O cidadão, pioneiro da cidade
recém criada, era um indivíduo diferente do homem rural, habitante do município há decênios. Os urbanos era bem mais recentes, sem nenhum vínculo de tradição dos rurais [rurais de Canavieiras tinham uma tradição].Muito tempo depois, aparece somente com o surgimento efetivo, necessários ao desenvolvimento urbanos, urbanos procediam de Itabuna eram “aventureiros” que permitira as consolidações aos conglomerados, embriões das futuras cidades. Criação do ginásio, escolas primárias, serviços de saúde e ainda uma infraestrutura, foram desafios vencidos e contra a incompreensão do Governo Estadual, manipulado por mesquinhos interesses locais. Por último a instalação da Comarca que ocasionou desvinculamento final de Canavieiras. Este período conturbado da cidade para mim não deixar saudades, mas acredito ter feito o máximo que me foi possível pela terra. Tenho que registrar a compreensão da população, que sempre me apoiou nos momentos mais difíceis, pois juntos vencemos várias eleições numa tácita aprovação e legitima condenação a atuação de indivíduos, contra aos interesses locais. (BOAVENTURA MOURA, 2004, grifo meu).
Conforme o jornal “TABU”: A povoação de Camacã, a partir de então, aumentava rapidamente sua população e seu comércio e em 1953, através da Lei n.º 628, foi elevada à categoria de Distrito de Canavieiras. Oito anos mais tarde a Lei Estadual em 29, 30 ou 31 de agosto de 1961, a Lei Estadual n.º 1.465 criava o município de Camacã, desmembrando-o do município de Canavieiras. A lei foi assinada [no governo de Juracy Magalhães] pelo então do vice-governador no exercício do cargo de governador, Orlando Moscoso, e pelo secretário de Interior e Justiça, Manso Cabral (vê anexo fig. 63). A instalação do novo município, porém somente ocorreu quase dois anos depois, no dia 6 ou 7 de abril de 1963, quando tomaram posse seu primeiro prefeito (vê anexo fig. 64), Boaventura Ribeiro de Moura, e sua primeira Câmara de Vereadores. A eleição tinha sido realizada a 3 de outubro do ano anterior. Nesta mesma reportagem encontramos ainda o seguinte registro: Camacã situa-se como o município mais rico da Bahia, com um per capita de Cr$ 13 mil, vendendo uma média de 25 carros por mês, de acordo com a recém instalada agência Camacã Veículos. [...] nas ruas não se vê , por exemplo, um mendigo sequer. Recentemente, a Ceplac divulgou seu boletim que dá conta dos maiores produtores de cacau do Estado. Camacã passou a liderar a lista, ultrapassando Ilhéus em mais de 20 mil arrobas. Por outro lado, o município paga alto o preço da sua condição econômica: tem também,o maior custo de vida do Estado. Camacã Hoje:
Localizado na Microregião Cacaueira, o Município de Camacã, comportando uma área de 667 km 2, abriga os distritos de São João do Panelinha, Itamarati, Jacareci, e Leoventura. Seu relevo é montanhoso e ondulado, verificandose a predominância do clima quente e úmido, com temperatura máxima em torno de 33 e mínima de 18 graus, com precipitação pluviométrica superior a 1.300 milímetros. Possuindo vários rios, o Município tem entre os seus principais, o Pardo, o Panelão, o Água Preta e o Panelinha.
A cidade que sonhamos não é o que hoje ela apresenta. Perdemos substancias intelectuais, política e econômicas; me parece... Ainda continua os interesses pessoais e muito forte. Embora a sociedade tenha dado demonstrações cabais de modificar esta situação, repetindo, as oportunidades não andam aparecendo sempre, elas são escassas e passageiras e o tempo perdido é irrecuperável. Numa crise econômica de monocultura, com o advento da “Vassoura de Bruxa” ao nosso principal produto e a incompreensão das autoridades responsáveis, quero crer, e lamentavelmente acho o nosso futuro risonho, comprometido, salvo muita luta, imaginação e união dos seguimentos da
sociedade e como meio de virar esta situação. Posso assegurar difícil e dificílima a nossa situação.Entretanto, termino concluindo: mas não é impossível, é necessário que se tente e continue a luta, outrora dos Ribeiros hoje, de toda a comunidade. Deixo aqui o meu amargo registro, de que em todo este trajeto não encontramos a presença, quer seja do poder Estadual, ou Federal na implantação desta cultura, realizada por obra e graça único do povo brasileiro, e de forma limitada por discretos financiamentos de firmas estrangeiras. A única contribuição do Estado foi em 1930 com a criação do ICB – Instituo de Cacau da Bahia, mesmo assim com recursos da própria lavoura. A Ceplac posteriormente em 1958 da parte do Governo Federal. Após 30 anos de arrecadação forçada da lavoura, amealhou aproximadamente 4 bilhões de dólares, descapitalizando tal maneira todo o esforço econômico da região ao longo de decênios, promovendo deste modo a maior das crises econômicas que passa a lavoura. Não obstante, juntese a negligencia, a incapacidade e ambição somadas a irresponsabilidade de alguns dirigentes de órgãos. Deixaram para a lavoura como herança de sua quase má fé, o maior de seus
inimigos: a “Vassoura de Bruxa”, que ameaça a todos nós a própria sorte, sobreviventes de nossa atividade, neste naufrágio sem rumo. (BOAVENTIRA MOURA, 2004). Em entrevista ao Caderno Especial do jornal “A Tarde” de 29 de agosto de 1978, numa reportagem feita, na data de aniversário da cidade a meu tio Boaventura Moura, o mesmo, num clamor, apela para a “mocidade tomar os destinos de Camacã” ao tempo em que concluiu: “Estamos vivendo os últimos instantes de nossa influência, como desbravadores”.
9 “CACAUICULTORES DE PÉS DESCALÇOS”
“Cacauicultores de pés descalços” eram assim chamados os primeiros fazendeiros da nossa Região. Trabalhadores e colonizadores, cúmplices na luta pela conquista da Região, se misturavam em busca de um mesmo ideal. Com atitudes simples, e de privações que a própria época impunha, as diferenças entre patrão e empregados eram diminutas. De origem humilde, os primeiros desbravadores, cunharam nas veias desta terra um jeito próprio de viver. Esse “jeito simples” jamais foi perdido ou esquecido, mesmo quando alcançaram a condição de grandes fazendeiros. A relação com os trabalhadores também se mantivera com o mesmo sentimento de cumplicidade, parceiros de luta, quando muito daqueles também se tornaram proprietários de terra, coisa muito freqüente naquela época, resultado dos grandes saldos que estes conseguiam. Esse traço dos Ribeiros, isto é, nas relações com os trabalhadores rurais, acompanharam seus descendentes através de atitudes reivindicatórias, quando cessados os seus recursos financeiros que costumavam suprir as deficiências que o contexto impunha, conforme nota anexa. Neste capítulo dedicamos uma justa homenagem àqueles jovens desbravadores, que em função de um ideal, se embrenharam pelas matas virgens em busca de um sonho que se tornou realidade. Antônio Ribeiro e Manoel Ribeiro depois João Vargens e Boaventura Ribeiro aqui chegaram, trazendo muita fé e coragem, dignos dos grandes homens. Seguem-se depoimentos extraídos de entrevistas feitas com pessoas que conviveram com os mesmos, durante as suas vidas. São eles: Zé Campos, filho de Antônio Ribeiro, Lourdes e Rosalina, netas do velho João Elias, Antonieta Ribeiro, filha de
Boaventura Ribeiro, Maria Rita, última companheira de João Vargem. Antônio Ribeiro: Lembro-me quando pequena da sua figura esguia e bonita, sempre a trajar-se de palitó na varanda da sua casa no Vargito e sua esposa professora Francisca ou professora Chiquinha como a chamavam. Morena, usava coque no cabelo e vestia bata, não me lembro de vê-la sorrir das vezes que estivemos juntas. O casal não teve filhos, mas adotaram um sobrinho, José Campos, mais conhecido por Zé Campos a quem devo os maiores agradecimentos pela gentileza que repetidas vezes me recebeu, ele e sua esposa Lúcia, na sua casa da fazenda Vargito e pelas informações prestadas e aqui registradas. Relata Zé Campos (2004): A região aqui girava em torno de Antônio Ribeiro, e não em torno dos irmãos. Ele era semi-analfabeto e os irmãos eram doutores, formados. Não se movia uma palha que não se viesse consultar ao Capitão Antônio Ribeiro, confiabilidade ilimitada. Ele era Capitão da Guarda Nacional, ele se dizia “Capitão não sois nada”. Este título, eu acredito que tenha sido homenagem pelos ancestrais do velho. Eu tenho o documento deste título de Antônio Ribeiro. Professora Francisca - era natural da ilha de Itaparica, formou-se em professora e foi nomeada... Ela pensava que era para Canavieiras, mas era para a Fazenda Lagos onde conheceu Antônio Ribeiro, [filho de João Elias Ribeiro] Tanto ela, como a professora Luiza [esposa de João Vargens] todas duas ensinaram na nos Lagos. Depois que ela casou, não ensinou mais. Antônio Ribeiro e Chiquinha viviam numa harmonia completa. Antônio Ribeiro deixou-se, em face de ser um homem sem grandes culturas, casado com uma mulher culta, professora, ela sempre exerceu um domínio forte sobre ele. Predomínio esse que foi muito benéfico.Ele só veio a rebelar-se já no fim da vida. Mas, viviam muito bem, ele se submetia aos desejos dela e ela tinha uma loucura por ele... Doentio. Ciúme, ciúme?... Eu nunca presenciei, agora extremos cuidados, zelosa. Quando ele sumia havia um berrante de chifre de... Foi para chamá-lo na roça. Até pouco tempo tinha ai... Eu vou procurar... O berrante...
Já Antonieta Ribeiro (2004), declara: Antônio Ribeiro não sei nada, só sei que era controlado pela mulher, só fazia o que ela queria, e tivesse que fazer alguma coisa pra família tinha que ser escondido. Foi um bom tio comigo, como também eu fui boa para ele, mas me enganou, ele e Zé Campos não agiram, não foram homens comigo.
Manoel Ribeiro: Lourdes Moura (2004), em poucas palavras descreve Manoel Ribeiro: Manoel um dos primeiros expedicionários da Região foi um dos únicos filhos de João Elias que não permaneceu na Região. Conta-se que ele era noivo e na ante véspera do casamento a noiva confessou a irmã dele, que não era mais virgem... Naquele tempo... Antonieta Ribeiro (2004), também fala de Manoel Ribeiro, ela diz: [...] então ele “arribou” deixou uma casa muito bonita construída na beira do rio, arribou para o Prado. Disse que João Elias [o pai] caiu nele de moleque, de tudo, ofendendo muito porque achava que o filho era o “devedor” [...] Ele foi embora para o Prado. Lá casou-se com Dulce construiu família. E cá depois a mulher na hora do parto confessou que não tinha sido ele. Quando o pai ficou doente (João Elias) mandaram avisar a ele, mas ele não veio. Quando o pai morreu, ele veio ver a mãe... Por capricho. Manoel e Dulce
tiveram também muitos filhos: Terezinha que casou-se com Artur; Benedito; Jaci casada com José Augusto [Zé Có], que tiveram Zé Luis, Tininha, José Augusto, Fátima e Angela; Raimundo também casado que teve: Dulce Maria, Maoel Elias e João Elias.
Boaventura Ribeiro:
Tive o prazer de conhecê-lo ainda em plena atividade, figura impar, irreverente, com um vozeirão peculiar. Nasceu em 06/04/1882 vindo a falecer em 21/01/1974. O testemunho de Antonieta Ribeiro (2004), traz informações bastante relevantes sobre a pessoa de Boaventura Ribeiro, ele conta: Formou-se em engenharia civil, sua primeira união foi Úrsula Lima Ribeiro, viúva com 17 anos do tenente Albuquerque, tinham dois filhos Pedro e Edson. Homem de posses ela ficou rica, deixou para a viúva um engenho em Alagoas que depois foi vendido para ajudar a meu pai fazer essa roça. Meu pai e minha mãe viveram 20 e tantos anos, mas não eram felizes. Desta primeira união nasceram: “filhos do casal” Leocadia, Antonieta, Maria José, Antônio, Maria que faleceu e Carmem. O princípio do Chororão veio dos bens de minha mãe, de Pedro e Edson teve muita injustiça. Minha mãe faleceu. Antes de minha mãe falecer, ele [Boaventura R.] era amasiado com Maria Antônia, faleceu.... Ficou muito tempo, depois Caçula. Minha mãe também sofreu muito... Ele viveu vinte e tantos anos. Muitas pessoas censuravam ela, mas ela também foi vítima, não estou dizendo isso porque é minha mãe, mas é para fazer justiça. Meu pai também fez certas coisas que nós, filhos dele, sabemos que fez coisas que não devia ter feito, mas ele quis fazer. Meu pai era um pouco rude, não vou, porque é da família nem ficar contando garganta. Nunca deixei de rezar por ele, mas ele não foi o que precisava ser para os filhos e alias, sei que com os outros é a mesma coisa.
Todos nós trabalhávamos muito, carregamos água na cabeça, não tínhamos empregados não. Quando eu pedi a ele ajuda por que meu filho queria ser engenheiro, ele disse que formatura de pobre era “estorvenga”. Ele era engenheiro.
Da convivência com Maria Antônia nasceram: Marta (Martinha), Olga Helena, Irene, Boaventura Filho, Istefánio e Silvia. Com o falecimeno desta última, Boaventura Ribeiro passou a ter como companheira Cecilia Félix dos Santos conhecida por “Cacula”. Desta união nasceram: Manoel que se casou com Luciene e tiveram um filho por nome Boaventura; Antõnio Mariano casado com Safira e tiveram Francisco e Mariana; Rodolfo Elias casou-se com Conceição e tiveram Ana Paula, Rodolfo e Carolina; João Elias casado com Maria Nelci que tiveram Leandro e Ulisses; Diogenes casado com Lourdes e tiveram Diogenes Junior, Luciana e Elane; Leonia casada com Francisco e tiveram Jamile Fredy e Frank; Guido casou-se com Célia tiveram Cristiane, Juliana e Geovana. Boaventura Ribeiro era um homem de muito vigor. Lembro-me de um comentário, até de certo modo repulsivo de minha mãe, quanto a atitude de meu tio, que ao retornar da roça (possivelmente com o vigor, a energia, que a natureza lhe dava), com um sinal, chamava a companheira para o quarto.
João Vargens:
Conheci tio João já acometido de uma enfermidade (câncer de fígado) em estado terminal. Infelizmente a imagem que guardo dele é bem diferente daquele homem forte, disposto a desfiar a vida. Quando acompanhando minha mãe, o vimos pela última vez. Estava com 4 anos de idade e até hoje recordo-me da cena tão perturbadora que me fez sair com destino a porta da rua e embaraçando-me com a porta que se dobrava, meu pânico aumentou. Embora sendo Ribeiro de sobrenome, dizem os mais velhos, que João Vagens, para não ser confundido com um indivíduo por nome João Ribeiro muito procurado pela policia baiana, portanto um “charra” seu, achou por bem mudar o seu nome para João Vargens, protegendo-se, portanto, de qualquer mal entendido. Alcides Costa em seu livro Canavieiras: Sua História e sua Gente, no capítulo IV, que dedica a bibliografia de filhos ilustres de Canavieiras cita o nome de Dr. João Ribeiro Vargens, nasceu nesta Cidade, em 1º de junho de 1880, sendo seus pais João Elias Ribeiro, um dos pioneiros da lavoura cacaueira no Município e D. Carolina Ribeiro, doutorou-se pela antiga Faculdade de Medicina da Bahia em cujo curso obteve sempre ótimas aprovações. Não seguiu a carreira profissional, dedicando-se à lavoura cacaueira, sendo o desbravador impávido das florestas do interior do Município em 1914, depois da cheia do Rio Pardo, que destruiu grande parte das propriedades ribeirinhas. Faleceu na capital do estado, em 28 de dezembro de 1914. Em 1916 foi o Dr. Vargens nomeado médico da higiene, neste Município, cargo que abandonou logo em seguida, pois como dissemos linhas acima, a sua aptidão exclusiva era a lavoura cacaueira que e desenvolveu consideravelmente, legando aos seus filhos vultuoso
patrimônio, feito exclusivamente com seu esforço indômito, a custa de sacrifícios inumeráveis, numa época em que escassos, ou quase nulos eram os auxílios à lavoura. Ainda em 1916, organizou-se nesta cidade um partido político sob a sua chefia, fundando-se o jornal o “Progressista”. Em 1920 foi nomeado Intendente Municipal da cidade, e logo a seguir eleito para o mesmo cargo, que exerceu até o ano de 1923, tendo reconstituído as finanças da comuna e imposto a paz e a tranqüilidade em todo o seu território. Zé Campos (2004) discorre que: Já conheci tio João separado dela [profª. Luíza]... Tio João com “raparigas” tinha uma tal de Maria Rita. Morava no inicio no Vargito, aos domingos ele sempre vinha para casa do “velho”. Teve várias companheiras. Foi médico aqui e era alcunhado de “médico de cacaio nas costas” porque saia... Antes de se mudar para Itamutinga, de manhã, de madrugada quer fizesse sol ou chuva ia pra lá se desse tempo para voltar ele voltava, senão descesse lá ele ficava e ele já levava a “bagaceira” dele toda nas costas, cobertor, roupa, muitas e muitas vezes as raparigas dele ficava aí. Ele não teve uma só, teve Anita que eu conheci, Arlete que conheci muito, ela gostava muito de mim porque eu chamava ela de tia, Maria Rita ainda é viva e mora em Camacã. Ele não tinha tempo para política, em um espaço de tempo ele plantou cacau, 1
milhão de cacaueiros sem comprar roça de ninguém, tudo feito por ele e os trabalhadores. Eles viviam separados de fato, de direito não. Ele só voltou a conviver com D. Luíza quando adoeceu. Ele morava na rua Nova de São Bento e eu morava na casa de tia Libania ali nas Mercês. Todo dia eu ia lá conversar... Ele era adepto do Brigadeiro... Ele era udensita militante. Era uma personalidade totalmente inversa do irmão Antônio, ele tinha mais afinidade com tio Boaventura que gostava da “pandega”. Antônio Ribeiro era um homem sério, não admitia bebida, mulher e os irmãos não.
Antonieta Ribeiro (2004), nos que: Era um tio de que eu queria muito bem, foi um pai para mim. Era muito dedicado mais do que meu pai como tio. Aquela forma de tratar, era muito dado comigo e eu também. Saber sobre a professora Luzia? Não sei, porque não conheci as particularidades da família dela. Já conheci tio João separado dela... Tio João com raparigas esses negócios... Tinha uma tal de Maria Rita, da vida íntima não sei de nada.
Naquele tempo que ele era Prefeito, [de Canavieiras] eu tinha cuidado com ele, com a roupa dele. Ele tratava todos bem, mas como eu morava na casa de mãe Calú, ele se hospedava lá, aí ele tinha a dedicação que eu tinha a ele, chegava da mata eu apanhava a cela. Naquele tempo tinha o tal da ”pala” todo sujo de lama, eu ia lavar, tudo isso... Ele era um homem reconhecido, tinha também aquele cuidado comigo, atencioso, sentava para conversar, tudo isso.
Os herdeiros de João Vargem foram: João Elias [Jonga], passou aqui muito pouco tempo porque adoeceu e foi para o Rio e Olimpio era intinerante, não tinha pousada, pra lá e pra cá, José Maria
[Zelito] também morava em Salvador, era professor, com a morte dele vieram os filhos dele uns casaram-se estabeleceramse ai. Dora mora ai, em Camacã, mas também tinha parada perto de Camacã ali a fazenda. Do casamento contraído de Dr. João Vargem, Ribeiro de origem, com a professora Luiza Edyale nasceram os seguintes filhos: João Elias da Costa Vargens conhecido por Jonga, médico, casou-se com Neuza; José Maria, “advogado de largo conceito na capital do estado e professor de Direito na faculdade Católica de Direito”, casado com Dora; Olímpio Baldoino, engenheiro, casado com Regina Tavares, conforme Alcides Costa (1963). Até a conclusão deste trabalho, não conseguimos registrar todos os nomes das gerações que se seguiram. Após entrevistar algumas pessoas, cheguei, por indicação de Lucia e Zé Campos, à Maria Rita, última companheira de João Vargens, vivendo em Camacã em um estado de muita pobreza. Foime extremamente receptiva à entrevista, e comentou já ter sido muito procurada para fornecer dados sobre a história da cidade. Hoje com 88 anos, olhos claros, traços finos, estatura mediana, seu rosto ainda revela a mulher bonita que foi na juventude. Maria Rita (2004), relata assim a história: Cheguei pra aqui com vinte anos, sou filha de Canavieiras, vim de canoa. Vivi lá no Vargito 25 anos, de Vargito a aqui, tenho 68 anos. Moro há 40 anos aqui em Camacã. Quando eu aqui cheguei tudo aqui era lama, lama, lama mesmo que a gente saia de Vargito para a fazenda Camacã a lama dava na barriga do animal, atolava, a gente caia do animal. Isso aqui era mata pura.
Eu cheguei aí no Vargito em 1933, quem morava lá era Dr. João Vargens, era uma Fazenda muito boa, depois abriram lá um escritório... Abriram um cartório, o senhor que tinha lá era o escriturário seu Clery. Como João Vargem era quem tinha maior aproximação, uma pessoa ótima, muito boa, muito caridoso, foi ele... Ele comprou essas terras aqui em 30 pra 31, o presidente era Getúlio Vargas, era um mundo de terra, ele comprou tudo barato, mas veio explorar para ver se dava o cacau com os engenheiros, não deu, mas deu, terreno seco, aí ele deu pra cidade. Ele tinha várias fazendas, 15 fazendas, ele era rico, riquíssimo. Tudo era irmão dele, eram muito ricos, fazendas, tudo unida, tudo rico, fartura muita, Com os empregados o seu trato era bem... A não ser quando ele tomava uns “pauzinhos”, tomava uns pauzinhos... Teve uma briga contra os Guerreiros, foi no ano que cheguei, isso foi horrível, foi por causa de um trabalhador, o rapaz tirou um saldo e ele não queria pagar ao rapaz, queria espancar o rapaz então foi para o Vargito. Chegou lá foi tirar o trabalhador a pulso a família toda se revoltou e teve muita briga morte e tudo... Muita gente do lado dos Guerreiros, muita gente e tiroteio... Neste tempo, dona menina, existia jagunçada.
Os Barretão atacaram eles nos Lagos... O Leonídio Guerreiro queria tirar o trabalhador dele a pulso da fazenda do Vargito... Teve briga teve morte, teve tudo. Não conheci ninguém que morreu; de Leonidio morreu uns 3 ou 4, eles vieram atacar a fazenda Santo Antonio nos Vargitos, que era do seu Antônio Ribeiro. Dos trabalhadores do Vargito não morreu ninguém, mas de Leonidio morreu uns 3 ou 4. Isso foi em 31, quando eu cheguei... No começo eu estava em Canavieiras quando eu cheguei ainda encontrei. [declara que não conheceu ninguém que morreu]. Com índio teve [problema] por que essa fazenda, Camacã aqui dizem que era dos índios, tanto que o velho João Vargens, pegou duas caboquinhas: uma morreu, que a irmã dele Joaquina criou, não resistiu, e a outra foi criada pela sobrinha dele, Antonieta, até hoje é casada em Canavieiras chama-se Moaci. Eles não invadiram, estava abandonada, aí ele entrou e plantou cacau. Ele era casado abandonado pela família, a mulher que abandonou ele, a mulher dele chamava-se Luíza, professora Luíza, de Canavieiras, se abandonaram um ao outro, e ela nunca veio aqui, não conhecia Vargito e então ele arrumou várias mulheres, mas nenhuma ficou, elas eram que não ficavam, porque aí, dona menina, filho chorava e mãe não via. Se
morria por falta de um purgante de sulfato aqui. Era mata pura isso aqui, chovia muito. Ele tinha muito gosto de conhecer a cidade, o ano que ele liberou foi o ano que ele morreu... Vai fazer agora 50 anos que ele morreu, no dia 28 de dezembro. Aqui foi invadindo, muita lama... Foi chegando os comerciantes: João Bitú, a primeira farmácia de Luis da Veiga. A primeira missa foi celebrada pelo padre Emiliano Britão, celebrada de baixo daquele sobrado que é hoje de Francisquinho Almeida. A primeira firma de cacau foi de Wilddberg, depois veio a Correia Ribeiro. João Vargens era político, aqui não foi, não chegou ao ponto de ser... Em Canavieiras ele foi prefeito em Canavieiras, tornou a se candidatar e não levou. Abandonou a clínica e entrou por essas matas, novo, novo, moderno, que o povo em Canavieiras chamava ele de doido. Ele só vivia com o “cacaio” nas costas nestas matas. Ele veio sozinho, era vistoso alto, simpático, ele entrou para aqui em 1925. Depois que os pais morreram, eles vieram para aqui, eles enfrentaram isso aqui. As companheiras de João Vargem nenhuma ficou. Só quem ficou foi eu [aqui, Maria Rita se revela e assume a condição de última companheira de João
Vargens]. Quinze anos na companhia dele. Encontrei ele abandonado, ele não merece que eu diga, mas eu digo: abandonado feito cão sem dono, dentro dessas matas jogado... Não sei não... Natureza desse homem. Agüentei 15 anos, eu tive pena dele, abandonado nestas matas. Arlete era de Salvador, depois ele teve outra, a Maria Marques não ficou era, das fazendas deles lá, com essa, ele teve duas filhas: Lourdes e Anita e deixou como herança a parte dos pais dele. [da Fazenda Lagos]. Ela [professora Luíza] era exigente e grossa demais e por sinal era professora em Canavieiras, falar a verdade, ela não conviveu com ele, não por ele, por ela. De fato ele foi noivo, mas não em Salvador, a primeira noiva dele chamava-se Anita de Catalar, eu ouvia ele falando, a primeira noiva, a primeira não... A primeira foi Luíza, depois ela acabou ele já arrumou essa Anita, ela... Até que ele desistiu da outra e casou com essa Luiza é onde não deu certo. Todos me trataram bem, até hoje. O velho João Vargem ajudou muito [os trabalhadores] que tem suas fazendas, agora, tempos não pagava, indenização... Trabalhavam pela diária quando tinham saldo recebiam, muitos levavam repetição pelos peitos, não eles daí, como
Leonidio Guerreiro que levava repetição nos peito dos trabalhadores. O velho era muito legal, muito boa, muito educado, basta que ele não era de conversa. Ele só ofendia quando se via ofendido. Os “barrações” (vê anexo fig. 65) vinha mecadoria de Canavieiras de canoa, cacau descia de canoa, depois lancha. Os barracões era para os trabalhadores se fornecer. Todas as fazendas tinham um barracão. Os trabalhadores faziam as suas compras dia de sexta a sábado. O querosene vinha em caixa, bacalhau para Semana Santa vinha da Noruega, naquelas barricas, comprava de Pascale Queto, saco de coco distribuía com os trabalhadores. Comida... era feijão com jabá, pescavam [também]. Quando [os trabalhadores] se precisava, [de médico] mandava logo para Canavieiras. Depois que eu fui indo para Canavieiras e ele era médico, me dava a nota, eu ia na farmácia de Laurindo, trazia caixotes cheio de remédios para indicar para o povo, para os trabalhadores. Se morria, uma pessoa, pela falta de um purgante de sulfato. .Eu ia, trazia aqueles caixotes, tratava de panarísco, de gripe, de sinusite, e uma porção de coisa. Aí, a coisa já ia melhorando, mas antes tinha que mandar para Canavieiras. Veio Dr. Valverde que ficou lá, morando no
Vargito, que vivia lá com Antônio Ribeiro e Zé Campos, depois começou a abrir a cidade, comércio... Euvaldo Maia [médico] veio em 1954, com a carta e coragem, com lama no joelho. No meu conhecimento nunca vi isso [tortura ou maus tratos]. O Dr. João Vargens era uma pessoa tão digna, tão simples e caridosa, fazia caridade, ele tinha injuria de ofender as pessoas. Muito religioso, a família toda, eu aprendi com ele, com o Vargito, eu nem era tanto assim, até hoje ainda continuo. Ele ia para roça de manhã tomava café... O homem só falava em cacau, calçava umas botas, ia para roça, vezes chegar de noite deu mandar um trabalhador atrás, pensando que tinha acontecido alguma coisa, chegar 6 e tanta 7 [horas da noite]. Fanatismo em cacau, Canavieiras toda, chamava de doido. Foi D. Francisquinha que é muito católica, foi ela que trouxe,... Quando eu cheguei os padres faziam desabriga, de fazenda em fazenda, depois ela arrumou com os padres e construiu a igreja ai de Santo Antônio no Vargito. Já casamento, batizado, tudo vinha dessas matas desses, cantos e assistir a festa de Santo Antônio, era uma festona... A igreja aqui [no Camacã] foi feita pelo povo, pelos fazendeiros, muita gente carregou pedra, a Primeira Missa foi celebrada ali onde é Francisquinho Almeida e quem celebrou
foi o padre Emiliano, um padre preto, alto, magro. Mascote nunca teve padre. O padre vinha de Canavieiras, o padre Granja vinha fazer desobriga aqui, celebrava a missa aqui, em Vargito, em Mascote. Neste tempo nem se falava em cidade. Conheci todos [primeiros comerciantes]: primeiro João Bitu, segundo os Batistas, terceiro os Firminos; farmácia: Luis da Viga; médico: Valverde e Euvaldo Maia. Cidade muito rica, agora ficou pobre. Rico aqui não tem nenhum. Rico mesmo só tem um, que é Deus. Carmelita, família Ribeiro, pessoas explosivas. Joviano Moura: Joviano Moura, meu avô, ramo de quem descendo, casado com minha avó, Ana, Naninha como era conhecida, filha de João Elias, embora tivesse chegado a Região depois de seus cunhados, os Ribeiros, foi, entretanto um dos primeiros que se transferiu definitivamente para a Região. Lembro bastante dele, tinha 12 anos, quando ele veio a falecer em conseqüência de um “infarte”, convalescente de uma cirurgia, que havia se submetido. Estatura mediana, “alvo”, de olhos claros, rosto largo, vestia-se sempre com um terno na cor caqui e usava um chapéu “Panamá”. Era um homem de pouca conversa ou afagos, mas também, nunca o vi com um comportamento agressivo ou hostil frente a qualquer pessoa. Não queria que batesse nos filhos, ficava aborrecido. Havia uma
expressão sua, quando percebia um certo excesso dos filhos, que minha avó sempre repetia e que dizia muito da sua conduta: “Naninha abra os olhos, senão esses meninos te comem viva”. Com uma saúde frágil, teve em minha avó, sua companheira e parceira nas grandes dificuldades, e nas grandes conquistas. Meu avô nasceu no dia 1o de agosto de 1880, na cidade de Nossa Senhora das Dores, no estado de Sergipe, filho Manoel Pinheiro de Moura e Maria Pastora de Moura, agricultores. Família numerosa, Joviano Moura, com apenas 18 anos de idade, deixou sua cidade natal a busca de melhores oportunidades. Em 1898 chegando em Aracaju conseguiu um emprego na firma comercial Costa Santos & Cia “onde permaneceu por dois anos conquistando simpatia e confiança de seus chefes e colegas”. Resolveu posteriormente ir para Salvador. Funcionário de uma empresa na Cidade Baixa, mas atento às noticias que chegavam com os navios ou por intermédio de clientes e viajantes, resolveu partir para Canavieiras, cidade litorânea no sul do estado da Bahia, onde o comércio e a agricultura estavam em ascensão (Jornal Folha do Cacau, 2004). Relata Boaventura Moura (2004) sobre a pessoa de Joveniano Moura: Sergipano, 19 anos chegou em Canavieiras e trazia uma larga experiência no comércio e ai tentou se estabeleceu em Canavieiras. (aqui existe uma divergência quanto a idade que Joviano Moura deixou a família e chegou em Canavieiras. Primeiro em Salvador não teve êxito, voltou para Canavieiras também não teve êxito. Ao cabo de um ano e meio, estava encerrando os seus
negócios para ir embora, não sabia se para o Espirito Santo, São Mateus. Estava indeciso, ou para o Amazonas. Nesta época escusado dizer que estava na febre da borracha... borracha era um negócio sensacional era o ouro.. 1904 não tinha borracha no mundo surgindo as grandes industrias a aplicação da borracha. Então Joviano Moura foi fazer o balanço das contas dele para ir embora esteve hospedado no hotel, em que neste hotel, se hospedou um cara vindo do Rio Jequitinhonha, o cara de uma lábia desgraçada, terrível é o atual sogro... Avó... Da esposa do chefe de policia [Enio...] Furtunato Bejamin Saback. Meu pai era um homem determinado, não aceitava mudar de hipótese nenhuma o comportamento. Essa cara tinha uma lábia tão desgraçada [que] conseguiu convencer a Joviano Moura a fazer uma tentativa. Olhe que ele estava encerrando o negócio dele... Uma quitanda não deu certo... Ele era uma espécie de contador da época, então entrou em Canavieiras com 600,00 mil reis, já estava com 900,00 mil reis, estava dando balanço nas outras firmas para terminar e ir embora. Então Saback então convenceu ele de ficar. Eles fizeram uma sociedade que ele entrou com um conto de reis, e Saback
com um conto e quientos e abriram a casa. Excusado dizer que depois de 2 anos o êxito era retumbante. Seu avô Joviano Moura não sabia... Em balcão era péssimo, [mas] era um homem de uma organização louca, rígido e era o contrario Saback. Só faltava meter a mão no bolso do cara, mas em organização não tinha nenhuma. Juntos os dois, atividades diferentes, então criaram a firma Saback & Cia. Conhecendo Ana Ribeiro, casou-se na fazenda Lagos em 24 de dezembro, ela tinha 22 anos. Para a época, casou-se tarde. Naquela época casou-se velha, depois de casados, foram para Canavieiras... Até tem um detalhe meus tios... Estava uma enchente no casamento deles, meus tios... Não sei como foi... Foram dar um passeio de barco, papai quis se meter a nadar, não tinha pratica de meus tios, quase que morre afogado, me lembro de mamãe falar isso. Mãe Calú que ia na mesma canoa achou... Ainda reprovou, porque mamãe [Ana] começou a dar risada, quando ela viu ele... (BOAVENTURA MOURA, 2004). Luís (2004), descreve sua versão: Meus avós paternos são naturais de Sergipe da cidade de Dores. Meu avô chama-se Manoel e minha avó Pastora. Segundo consta, eles tinham descendência holandesa, proveniente da invasão holandesa de Pernambuco, que durante
mais ou menos 30 anos dominou parte do nordeste brasileiro. Meus avós tiveram vários filhos e entre eles Joviano Pinheiro de Moura que jovem, ainda aos 15 anos, por sentir que sua cidade natal, Dores, Sergipe, não tinha oportunidade para ele, resolveu tentar a vida em Salvador, cidade próspera e capital do estado da Bahia. Em Salvador trabalhou como balconista em uma empresa do comércio local, onde conseguiu à duras penas, fazer uma poupança . Naquela época a cidade mais próspera do sul do estado, era Canavieiras, conhecida como “a Princesa do Sul”. Com algum capital, muitas idéias na cabeça, força de vontade e capacidade de trabalho, partiu Joviano para Canavieiras. Lá chegando, estabeleceu-se com uma pequena casa comercial de secos e molhados que deu o nome de o “Furo”. Lourdes Moura (2004), complementa: “Ali mesmo ele morava, lavava, cozinhava. Um certo dia estava preparando a comida, um cachorro entrou e levou a carne que preparava. Sem dinheiro para comprar outra, teve que comer pão, para matar a fome”. Luis Moura (2004), continua sua versão: Comenta-se que no dia da inauguração da loja o “Furo” formou-se um arco-íris em sua porta, o que para os presentes, significou prosperidade para o proprietário. Mas o tempo passava e os
negócios não estavam tendo o desenvolvimento que Joviano esperava, desiludido, resolveu partir para o Amazonas (que) estava em plena febre da borracha, onde ele tinha um irmão que por sinal, veio a morrer, flexado pelos índios, quando banhava-se no rio. Em uma reunião, de fim de ano, um colega de republica Fortunato SabacK conseguiu demovê-lo desta idéia e [cria] uma sociedade com ele [Saback]. Estava criada então a Saback & Cia. Foi uma união feliz, de um lado Joviano com planejamento e controle, e do outro Fortunato, comerciante com grande poder de comunicação e convencimento. Foram anos de prosperidade em que empresa nos ramos de secos e molhados e partiu para o comércio em geral incluindo a comercialização de cacau. Levaram o primeiro caminhão para Canavieiras [e]) adquiriram embarcações para transporte de mercadorias para Salvador. Um êxito retumbante. Nesta época, Joviano conhece a jovem Ana, filha caçula de João Elias Ribeiro e, em uma noite de Natal, 24 de dezembro de 1910, sob a proteção de Nossa Senhora da Conceição, casaram-se na fazenda Lagos. Meu pai, Joviano (vê anexo fig. 66), e minha mãe, Ana, como disse, moravam
em Canavieiras e tiveram 9 filhos: Maria de Lourdes, José, Maria Rosalina, Antônio, Boaventura, Maria Carmelita, Mário, João e Luís Gonzaga, entretanto foram 24 as gravidezes ente abortos espontâneos e nati-mortos, gravidezes levadas a termo. Lourdes Moura (2004) também dá sua contrição: Vinte e dois anos depois Joviano Moura resolveu se separar, dissolver-se dessa sociedade, e criar a sua própria [firma] Moura & Companhia, onde passou a ter uma filial, em Jacaranda, tendo como sócio, Pedro Borges e em Mascote com seu irmão Manoel Moura, pai de Zequinha Moura e Margarida, [depois dissolvida por não ter progredido] Segundo o Folha do Cacau (2004), em 1917, Joviano começou a fazer seus primeiros plantios de cacau. A crise de 1929 trouxe reflexos graves a economia local: “Crise do cacau, mortes [por] suicídio, dívidas de cacau, etc”. O prejuízo auferido pelos débitos de cacauicultores fez com que meu avô abandonasse a condição de comerciante, para ingressar exclusivamente à condição de agricultor. Na década de 1930 em função das dificuldades econômicas, ainda em decorrência da crise mundial de 1929, meu pai e minha mãe, resolveram morar na fazenda Santa Maria, propriedade medida pela família (os irmãos Ribeiros), e meu pai obteve um grande êxito, como fazendeiro, porque naqueles idos, ele
introduziu a organização do comércio como contabilidade e controles na administração das fazendas, coisa rara na época. Seus filhos seguiram a mesma atividade econômica. (LUIS, 2004). Com o desenvolvimento das fazendas, em..../..../.... meu avô cria a companhia Agrícola Joviano Moura. Carmelita (2004), depõe: Joviano Moura comerciante e [posteriormente] agricultor “era no lápis e fazia todos os cálculos no lápis, e saia tudo certo e era comerciante”. Joviano, de Sergipe, disse a irmã: Rosentina, [mãe da entrevistada] se eu me der bem lá, venho te buscar. Lourdes era pequenininha e [Joviano] foi buscar minha mãe, e veio minha tia Evangelina. E minha mãe disse a minha tia Clarinha: se ela se casse e fosse feliz, ela vinha buscar tia Clarinha, como foi, e que se casou com Dr. Lucilo. Tio Manoel, [irmão de Joviano Moura] acho, veio antes de tia Clarinha (Pastora). Antonieta Ribeiro (2004), afirma: D. Naninha era culta, era vaidosa, quer vencer... Quando Joviano esteve doente, então disse a Ana o que tinha e o que não tinha. Ah! Tem disso né... Disse as reservas, que ela não sabia. Ela ficou esperta, também ajudou muito ele. Todos eles, homens, são assim. Lourdes Moura (2004), por sua vez, conta: Meu Pai passou a residir na Santa Maria com a crise do cacau, não sei se foi 1929 ou 1930. A casa da Santa Maria era
tábua, casa simples, tomávamos café na lata de leite condensado, pois xícara, era para uma visita. Os empregados quando vinham receber seus vencimentos sentavam na mesa, com a família. Certa feita, um empregado de nome, Olegário, sentou-se a mesa para tomar sopa. Papai se serviu e passou para o mesmo, mas não foi assim que ele colocou farinha na sopa, quando ele viu que ninguém tinha feito isso disse: Seu Joviano, o senhor não gosta de colocar farinha? Papai respondeu: eu não gosto, mas tem gente que gosta. Nós éramos mocinhas e começamos a rir. Papai passou um olhar... Comíamos muita banana da terra, prata, aipim, carne de oito em oito dias, tinha um cidadão que matava boi, também pão, um homem passava com uns balaios vendendo pão. Todos tinham criação de galinha, porco, pescavam no Panelão, caça, tatu, paca, capivara, jacaré. Os móveis... Tinha uma mesa na sala de jantar, dois bancos, na sala de entra, um grupo de vime. Cama de casal, tínhamos dois cavaletes formavam a cama com tábua, colchão, capim seco, costurava o saco e enchia. “Tia Naninha tinha o sonho de um filho padre”. (ANTONIETA RIBEIRO, 2004). Herdado de mãe Calú, minha avó, conta tia Lourdes, festejava o São João com
canjicas, fogueira e tudo mais que a festa do Santo tinha direito. Semana Santa com todos os seus rituais e abstinência conforme mandava a “Santa Madre Igreja”; e o Natal, cuja festa começava com as novenas de Nossa Senhora da Conceição. Nestas datas magnas, de confraternização, minha avó costumava enviar para a cadeia um tabuleiro de comidas. (LOURDES MOURA, 2004). Lembra ainda tia Lourdes, que não havendo espaço, nem local adequado para celebrações religiosas na antiga casa da fazenda Santa Maria, meu avô conduziu, em procissão, a imagem de Nossa Senhora da sua residência até o armazém de cacau, onde foi realizada a Santa Missa. No Natal ainda havia distribuição de presentes, mas só para os empregados. Lembro-me, muito pequena, do cuidado que minha avó tinha de comprar, com bastante antecedência em Salvador, e embrulhando os presentes com os nomes dos adultos e das crianças que vinham para a festa. Havia corrida de sacos, pau de sebo, e já, nesta ocasião, a missa era celebrada na capela da casa grande, como passou a ser chamada a nova casa. Lembro-me também, do dia em que esperávamos o meu avô chegar para passar o Natal, o “jeep” entrando na fazenda, tia Lourdes correndo para abrir as janelas da casa nova, que ele ainda não havia conhecido, e nós a procurá-lo entre os que estavam no carro. A tristeza veio em seguida, e abateu-se sobre nós. Meu avô não se recuperara, como esperávamos. Um ano depois, neste mesmo período, ele veio a falecer.
Passamos um longo período de luto, que se seguiu com a doença e morte também de meu tio João, assunto tabu e de dor da família. A esses primeiros colonizadores que lideraram o movimento de ocupação da então hoje Camacã seguiram-se os Mouras descentes dos Ribeiros, filhos de Joviano Pinheiro de Moura e Ana Ribeiro de Moura, filha do idealizador desta Região, João Elias Ribeiro. Ao assumir a liderança dos Ribeiros, os Mouras inauguram uma nova etapa na história de Camacã, que já começa a ser contada, pelos novos filhos da Região.
10 CONCLUSÃO
Quando comecei a escrever este trabalho, iniciei contando um pouco de minha vida, e o interesse em buscar informações que pudessem abrir mais caminhos, percorrer túneis e labirintos e decifrar enigmas da minha trajetória neste mundo. Tirei daí, a minha primeira conclusão: quanto ainda tenho a aprender, a descobrir e a compreender e que, talvez, nunca o farei o quanto desejaria... a eterna incompletude, a eterna falta humana.
Se a agricultura foi a primeira forma sistematizada da atividade dos povos mais primitivos, com ela também veio as formas mais primitivas da religiosidade do homem, onde toda a natureza era passível de ser sagrada. Foi nesse cenário que apareceu o cacau “alimentos dos deuses”. De “alimento dos deuses” a “fruto de ouro” passaram-se muitos séculos. O cacau, hoje, além de carregar sua origem de mitos e lendas, agrega contribuições contemporâneas que retratam a saga de uma Região através da literatura de Jorge Amado, Adonias Filho, Afrânio Peixoto e muitos outros Através de dados concretos, meu tio Boaventura se vivo fosse, resgataria com a divulgação desse trabalho, a elevação da imagem de sua cidade natal, Canavieiras, ao pódio do primeiro pólo de exportação significativa de cacau no estado da Bahia, esquecida ou subestimada após a expansão da cacauricultura pelos quatro rios: .Almada, Cachoeira, Pardo e Jequitionha. Após laborioso trabalho de investigação quanto a história desta Região, cheguei a dolorosa conclusão da inexistência de quaisquer dados
registrados por alguns dos membros, descendentes da família Ribeiro, quanto ao seu idealizador (João Elias Ribeiro), desbravadores (Antônio, Manoel, João Vargens e Boaventura Ribeiro) e colonizadores da Região, salvo algumas poucas reportagens em jornais do Estado da Bahia e tablóides dos Municípios de Canavieiras e Camacã. Centrando minha busca nas origens, no berço da Região investigada, isto é, na figura de seu idealizador e seus desbravadores, em tempo, consegui resgatar, através meu tio Boaventura Moura (maior parte desta história), informações advindas do seu convívio com tio Boaventura Ribeiro, um dos desbravadores. Os relatos do primeiro foram sempre cuidadosamente agregados a datas e informações checadas, que nós conduzem a uma maior confiabilidade quanto aos dados repassados. Entretanto, todas as outras contribuições acrescidas, além de se constituírem informações sem as quais este trabalho estaria incompleto, foram de excelente conteúdo e veracidade, uma vez que partiram também de pessoas que vivenciaram boa parte das suas vidas, junto a essas figuras, que aqui retratamos um pouco de suas histórias. Sem dúvida, todas as entrevistas realizadas, dados coletados, bibliografias, entrevistas e artigos publicados na
impressa escrita,
confirmam quanto a fidelidade do nascimento da Região de Camacã, isto é, quem trouxe o cacau para Camacã, porque veio e como veio.
Após tal acervo constituído de entrevistas em vídeo, gravadas e digitado, publicações e provas documentais, hoje Camacã dispõem de recursos para o estudo e aprofundamento de aspectos a serem investigados através deste material coletado. Isso significa que muitas especulações quanto a questões passadas e presentes poderão ser reabertas, entendidas, explicadas e reinvestigadas, provindas deste material desde os aspectos naturais, fisicosambientais aos aspectos comportamentais humanos, isto é, sociais, culturais, morais e éticos de uma sociedade. Espero que esse material que chega, hoje, apenas ao fim de uma etapa simbolize a “chave” de uma porta ainda a ser aberta,. pr oporcionando às futuras gerações o prazer, a inquietação, a liberdade de que0stionar, de discordar e acima de tudo de criar o “Novo”, o “Belo”.
REFERÊNCIAS
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COSTA, Alcides. Canavieiras: sua história e sua gente: lenda e festas. Salvador: Imprensa Oficial, 1963.
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WILDBERGER, Arnold. Fatos e reminiscências em torno à história do consulado da Bélgica, 1837 a 1971. salvador: Fundação Gonçalo Muniz, 1971. WILDBERGER, Arnold. Notícia histórica de Wildberger & Cia de 1829 a 1942. Salvador: Tipografia Beneditina, 1942.
ANEXOS: DOCUMENTAÇÕES E ILUSTRAÇÕES