Editora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo R. Barão de Mauá, nº 30 - Jucutuquara 29040-689 - Vitória - ES www.edifes.ifes.edu.br | editora@ifes.edu.br Reitor: Jadir José Pela Pró-Reitor de Administração e Orçamento: Lezi José Ferreira Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional: Luciano de Oliveira Toledo Pró-Reitora de Ensino: Adriana Pionttkovsky Barcellos Pró-Reitor de Extensão: Lodovico Ortlieb Faria Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: André Romero da Silva Coordenador da Edifes: Adonai José Lacruz Conselho Editorial Aline Freitas da Silva de Carvalho * Aparecida de Fátima Madella de Oliveira * Eduardo Fausto Kuster Cid * Felipe Zamborlini Saiter * Filipe Ferreira Ghidetti * Gabriel Domingos Carvalho * Jamille Locatelli * Marcio de Souza Bolzan * Mariella Berger Andrade * Ricardo Ramos Costa * Rosana Vilarim da Silva * Rossanna dos Santos Santana Rubim * Viviane Bessa Lopes Alvarenga. Coordenadora nacional do ProfEPT: Danielle Piontkovisky Coordenadora local do ProfEPT: Poliana Daré Zampirolli Pires COMISSÃO CIENTÍFICA Dr. Edmar Reis Thiengo Dr. Nelson Martinelli Filho Dra. Larissy Alves Cotonhoto REVISÃO TÉCNICA Ma. Camila Anizio de Almeida Dra. Pollyana dos Santos Dra. Márcia Gonçalves Oliveira Dra. Poliana Daré Zampirolli Pires REVISÃO DE TEXTO José Júnior de Almeida josealmeida.junior@yahoo.com Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Biblioteca Nilo Peçanha do Instituto Federal do Espírito Santo) P474 Pesquisas em Educação Profissional e Tecnológica [recurso eletrônico] : diálogos com as teorias do ensino e da aprendizagem / organizadoras, Pollyana dos Santos, Márcia Gonçalves de Oliveira, Poliana Daré Zampirolli Pires. – 1. ed. – Vitória, ES : Instituto Federal do Espírito Santo, 2021. 170 p. : il. Vários autores. ISBN: 978-85-8263-521-6 (e-book) 1. Ensino profissional – Pesquisa – Estudo e ensino. 2. Ensino profissional – Formação. 3. Ensino técnico. 4. Aprendizagem – Estudo e ensino. 5. Educação não-formal. 6. Professores de ensino técnico – Formação. I. Santos, Pollyana dos. II. Oliveira, Márcia Gonçalves de. III. Pires, Poliana Daré Zampirolli. IV. Instituto Federal do Espírito Santo. V. Título. CDD 21 – 374.013 Elaborada por Marcileia Seibert de Barcellos – CRB-6/ES - 656 DOI: 10.36524/ 978-85-8263-521-6 Esta obra está licenciada com uma Licença Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Brasil.
PREFÁCIO “A pesquisa em Educação e em Educação Profissional não pode ser realizada a partir dos procedimentos técnicos de obscurecimento da realidade, como é o caso do positivismo e de bem-intencionadas pesquisas qualitativas que se esmeram na descrição dos fenômenos, mas não se ocupam do contexto e das contradições sociais, econômicas e políticas que geram a história da sociedade em que eles ocorrem. Assim, perdem-se as relações sociais subjacentes que lhes dão forma e significado. [...] Como em outras questões, a pesquisa em Educação não se faz em abstrato, mas em determinado espaço-tempo, sobre determinados aspectos da realidade, fenômenos ou problemas” (CIAVATTA, 2015, p. 26-27)1.
Iniciamos essa escrita com o que nos ensina a autora. Lembramos que as Pesquisas em Educação Profissional e Tecnológica tecem diálogos, apresentam rigor científico, trazem pressupostos teórico-metodológicos, localizam-se em espaços-tempos, discutem relações sociais e, nesse movimento, encontram o mundo do trabalho e a escola. Eis a perspectiva que nos move: colocar em análise as relações entre trabalho e educação. Nessa busca, seguimos com as ideias de Ciavatta (2015) – e de tantos outros autores dessa área do conhecimento – que não nos deixam esquecer que essa relação é o campo em que se situa a Educação Profissional e Tecnológica, compreendendo o trabalho como um valor intrínseco à sobrevivência e o conhecimento que ele proporciona na relação com a sociedade como um princípio de cidadania, “no sentido de participação legítima nos benefícios da riqueza social” (Idem, p. 29). Parece-nos crucial, nessa conversa, lembrar também o esforço que vem sendo feito por professores/as, pesquisadores/as e professores/as-pesquisadores/as no sentido de discutir e propor caminhos possíveis no âmbito dessa relação [trabalho-educação] a partir do entendimento da complexidade que nos atinge diante da historicidade do mundo do trabalho – ora como atividade criadora e potencializadora da vida humana, ora como atividade degradante e alienadora do ser humano e de suas condições de produção – e da práxis educativa – compreendida como “prática da liberdade”, que exige “esforço de recriação e de procura”, exige “reinvenção”, como tão bem compreendeu Freire (2018, p. 127). 2 E agora, também nós, compreendemos como o autor. Existem possibilidades de transformação. Transformação das práticas educativas e das relações vividas no mundo do trabalho. Há que se apostar, portanto, “no poder transformador de uma educação politicamente orientada”3que dê condições aos nossos estudantes, inclusive, de entender que isso cabe [é possível] num mundo que queremos para nós: em que todos e todas tenham condições de 1 CIAVATTA, Maria. O trabalho docente e os caminhos do conhecimento: a historicidade da Educação Profissional. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015. 2
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 44ª ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e
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KOHAN, Walter. Paulo Freire, mais do que nunca: uma biografia filosófica. Belo Horizonte: Ves-
Terra, 2018. tígio, 2019.
vida mais justas, inclusivas e emancipatórias. É nessa perspectiva que os/as autores/as desse livro se colocam. Um grupo do qual temos tanta alegria em fazer parte! Somos professores/as e mestrandos/as que apostam na Educação Profissional e Tecnológica (EPT) e nos inúmeros diálogos possíveis com as teorias do ensino e da aprendizagem como sinalizamos no título dessa obra]. Apostamos, portanto, nas interfaces entre a EPT e a formação humana integral e a indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão e a educação de jovens e adultos e as perspectivas contra hegemônicas de ensino e a multiplicidade de metodologias e o protagonismo dos estudantes e tantas outras abordagens aqui realizadas. Somos e compomos [e não estamos sozinhos/as] o Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica em Rede Nacional (ProfEPT), presente em todo o território brasileiro. Vale a pena não esquecer! O Programa, nesse contexto, nos possibilita vivenciar o Curso de Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), no Campus Vitória. Talvez o leitor/a se pergunte porque falamos da produção aqui realizada e também do curso parecendo externar uma satisfação com ambas as ações. Então afirmamos que não há engano. O curso se consolida – num cenário de ataques à educação pública e àqueles/as que a realizam nesse país – também em virtude das discussões e pesquisas aqui apresentadas. Fazemo-nos presentes, enquanto pesquisadores/as da EPT, produzindo conhecimentos apartir das mais diversas perspectivas teórico-político-metodológicas – como mostram nossos artigos –mas, sobretudo, em defesa da continuidade do referido curso [e do Programa], do fortalecimento de seu alcance em todas as regiões brasileiras e da possibilidade de formação e ampliação de saberes mediante a sua oferta. Enfim, porque defendemos a Educação Profissional e Tecnológica como uma possibilidade legítima de democratização do acesso à escola pública, às tecnologias, à diversidade cultural, à ciência e, de modo especial, aos saberes inerentes ao mundo do trabalho. Assim, ao dizer de nossas defesas e dos estudos/pesquisas que produzimos, somos invadidos por um lampejo de esperança por “dias melhores” porque nós, professores/as, seguimos nessa travessia, mas, de modo muito especial, porque temos aqueles/as que farão ainda mais, nossos/as mestrandos/as. Por isso, acreditando que “mudar o mundo é tão difícil quanto possível” (FREIRE, 2000, p. 39) , convidamos o leitor/a a não ficar de fora dessa mudança. Vem com a gente? 4
Danielle Piontkovsky
APRESENTAÇÃO Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais; caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar (Cantares, Antônio Machado)
Este livro apresenta uma coletânea de artigos produzidos por estudantes do Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica do Ifes- Campus Vitória, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica em rede nacional (ProfEPT). Os trabalhos foram desenvolvidos ao longo da disciplina Teorias e Práticas de Ensino e Aprendizagem e contou com a colaboração dos professores orientadores dos mestrandos. O Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica (EPT) tem como objetivo principal proporcionar formação em EPT, visando tanto a produção de conhecimento como o desenvolvimento de produtos, por meio da realização de pesquisas da área de ensino5. Considerando que para a formação de um pesquisador o caminho também se faz ao andar, a proposta feita aos autores dos artigos visou aproximar as teorias do ensino e da aprendizagem estudadas na disciplina das temáticas de pesquisa e/ou dos produtos educacionais a serem desenvolvidos por eles ao longo do mestrado profissional. O exercício reflexivo teve, portanto, a intenção de explorar como os estudos sobre os teóricos ou as teorias contribuiriam para a problematização de temas desafiadores ao campo da educação profissional e tecnológica seja no que tange aos processos formativos desenvolvidos em espaços formais ou não formais, seja na gestão organizacional de processos educativos na educação profissional e tecnológica. Assim como o caminho são as pegadas do caminhante, as escolhas realizadas pelos autores dos artigos permitiram identificar os eixos temáticos que compõem este livro, a saber: A formação humana integral e as perspectivas contra hegemônicas na educação profissional e tecnológica; O estudante como centro do processo de ensino e aprendizagem na educação profissional e tecnológica; A educação profissional e tecnológica na interface com outras modalidades de educação e ensino. Convidamos os leitores a se aproximarem das reflexões propostas nos textos compilados neste livro e a caminharem os caminhos trilhados pelos seus autores na inserção do campo da pesquisa na educação profissional e tecnológica em busca de desenvolver estratégias que venham a contribuir para a melhoria do ensino. Boa leitura! Pollyana dos Santos 5 INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica em Rede. Regulamento. Vitória: Ifes, 2017.
COMISSÃO CIENTÍFICA Depois de concluída a leitura do material enviado, avalio que os artigos apresentam segurança no campo teórico abordado, em completa harmonia com os propósitos do ProfEPT, e apresentam referenciais teóricos adequados e atualizados, com generosas bibliografias. Tudo isso demonstra o resultado de orientações atenciosas, que levaram os mestrandos a produzirem textos com olhar crítico, dentro de um rigor científico e formal necessários no contexto de pesquisa acadêmica. Desejo sucesso na publicação! Prof. Dr. Nelson Martinelli Filho O convite para a leitura e apreciação do material neste livro foi um presente nesse ano tão atípico. Retomar a literatura na área de aprendizagem e ensino considero ser um dever do docente-pesquisador. Manifesto minha felicidade ao ler os artigos que, de forma clara e segura, retomam as abordagens teóricas da área. E minha alegria se completa ao observar que os autores conseguem alinhar suas descobertas teóricas com as demandas do ProfEPT. Parabéns aos organizadores e autores por cuidarem primorosamente das exposições teóricas e pela tentativa do diálogo com as novas bibliografias disponíveis. A pesquisa acadêmica sempre será espaço de aprendizagem e construção, do saber, do fazer e do humano. A transformação do homem e, consequentemente, da sociedade, passa pela pesquisa científica e pela transposição dessa em prática práticas. Profa. Dra. Larissy Alves Cotonhoto Ao longo dos capítulos somos agraciados com textos sobre temas ligados à educação profissional, que envolvem desde a tríade ensino, pesquisa e extensão, e passam pela abordagem sociocultural, humanista e integral, discutindo políticas públicas e escolas sem partido, analisando o uso de metodologias ativas, a pedagogia histórico-crítica, a dimensão política, a pedagógica crítico-social dos conteúdos e alcançam as contribuições de Robert Gagné para a aprendizagem e de Paulo Freire para as pesquisas e os processos educativos na EPT. A leitura cuidadosa e o estudo de cada texto apresentado nos direcionam a importantes discussões crítico-reflexivas acerca da temática. Assim, parabenizo as organizadoras, os professores envolvidos, os pesquisadores e o Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica do Instituto Federal do Espírito Santo (ProfEPT-Ifes). Nosso convite, portanto, é para que a leitura dos artigos que compõem esta obra nos conduza a repensar os limites e as possibilidades no campo das pesquisas em educação profissional e tecnológica e seus diálogos com as teorias de ensino e de aprendizagem.Boa leitura! Prof. Dr. Edmar Reis Thiengo
ÍNDICE ABORDAGEM SOCIOCULTURAL E FORMAÇÃO HUMANA INTEGRAL: POSSÍVEIS DIÁLOGOS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL...................................................................... 10 INDISSOCIABILIDADE ENTRE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: RUMO ÀS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA UMA FORMAÇÃO HUMANA INTEGRAL.............................................................................................................................. 20 A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA: CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO INTEGRAL............................................................ 29 A DIMENSÃO POLÍTICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA NA ABORDAGEM SOCIOCULTURAL DE PAULO FREIRE CONTRA O PL 246/2019 PROGRAMA ESCOLA SEM PARTIDO.................................................................................. 44 O USO DE METODOLOGIAS ATIVAS NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: A IMPORTÂNCIA DA MEDIAÇÃO DO PROFESSOR NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM....... 56 AS CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM HUMANISTA PARA A CONSTRUÇÃO DAS TEORIAS DE APRENDIZAGEM NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA..................................................................................................................... 65 ABORDAGEM SOCIOCULTURAL DO ENSINO E SUAS RELAÇÕES COM METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS DE PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NO PROEJA........................................................ 77 REFLEXÕES ACERCA DA PEDAGOGIA CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTEÚDOS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS..................................................... 91 CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA A REFLEXÃO SOBRE A PESQUISA E OS PROCESSOS EDUCATIVOS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA............ 99 A ABORDAGEM SOCIOCULTURAL NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA DE JOVENS E ADULTOS ALFABETIZANDOS............................................................................ 107 CONTRIBUIÇÕES DE ROBERT GAGNÉ PARA A EDUCAÇÃO........................................... 116 A TEORIA SOCIOCULTURAL FREIREANA, A TAREFA HISTÓRICA DOS HOMENS E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA INCLUSIVA.............................................. 127 CONTRIBUIÇÕES DAS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA INTEGRADA AO ENSINO MÉDIO NO CONTEXTO DO AVANÇO LIBERAL-CONSERVADOR.................................................................................... 142 ABORDAGEM COGNITIVISTA E METODOLOGIAS ATIVAS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA....................................................................................... 160
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ABORDAGEM SOCIOCULTURAL E FORMAÇÃO HUMANA INTEGRAL: POSSÍVEIS DIÁLOGOS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL Kamilla Berardinelli Scarpini6 Kenia Olympia Fontan Ventorim7 Danielle Piontkovsky8 Edson Maciel Peixoto9 Resumo: O presente artigo enfoca a abordagem sociocultural da educação, propondo uma reflexão sobre sua relação com a formação humana integral dos alunos dos cursos de Educação Profissional e Tecnológica dos institutos federais. Os objetivos dos Institutos Federais preveem que a educação profissional deva ir além do desenvolvimento de habilidades demandadas pelo mercado de trabalho ao privilegiar a formação integral do aluno, discutindo valores e atitudes fundamentais para seu desenvolvimento individual e social. Por esse motivo, a abordagem sociocultural pode respaldar essa formação, tendo em vista a ênfase que é dada à análise do sujeito no contexto histórico-social em que se insere e da busca por uma educação libertadora, na qual o homem se torne sujeito da sua história. Espera-se com esse artigo contribuir para uma reflexão atual no que tange às influências da abordagem sociocultural da educação e da teoria freireana para a educação profissional, na perspectiva de integração, possibilitando o reconhecimento do aluno como pessoa, sujeito crítico e transformador do mundo, primando pela formação política e cidadã desse educando. Palavras-chaves:Abordagem sociocultural da educação. Educação libertadora. Formação integral. Educação Profissional e Tecnológica.
1 Introdução O propósito deste trabalho é realizar uma aproximação entre a abordagem sociocultural da educação e a formação humana integral do educando, a partir dos pressupostos teóricos do educador Paulo Freire. Para isso, pretendemos refletir acerca do papel da escola e do educador, no processo de ensino e aprendizagem, e, especialmente, sobre o papel do aluno, enquanto sujeito ativo do processo educacional e cultural no qual se insere. A fim de contextualizar a aproximação que pretendemos realizar, se faz necessária a apresentação dos conceitos, e características centrais, que nortearão este trabalho. Inicialmente, destacamos que a formação humana integral pressupõe a emancipação (libertação) humana, que só é possível a partir da análise da totalidade das relações que integram a vida em sociedade. Para a autora, A ideia de formação integrada sugere superar o ser humano dividido historicamente
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Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica- PofEPT Ifes Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica- PofEPT Ifes Professora Doutora em Educação Professor Doutor em Educação 10
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pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar. [...] Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação que, neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos (CIAVATTA, 2012, p. 85).
Esta ideia de formação humana integral parte do conceito de omnilateralidade, defendido por Marx e apresentado por Bezerra como [...] a necessidade do chegar o histórico do homem a uma totalidade de capacidade, sobretudo, o usufruir dos bens espirituais, além dos materiais de que o trabalho tem estado excluído em consequência da divisão do trabalho. O homem, portanto, pode ser um ser unilateral ou omnilateral, em outros termos, pode ser um ser parcial ou completo. A compreensão do homem enquanto omnilateral pressupõe proporcionar condições para que ele possa, diante das atrocidades do capital, se sobressair de forma consciente e autônoma, como ser demandante de direitos e deveres, mas que compreende a ação praticada na sociedade capitalista (BEZERRA, 2013, p. 37).
Assim, pensar em uma formação humana integral pressupõe a compreensão das circunstâncias sociais e dos objetos, em sua relação com o meio social. “[...] A ação didática integradora ganha sentido, assim enquanto ação ético-política, de promoção da integração, entre os saberes e práticas locais com as práticas sociais globais [...]” (ARAÚJO; FRIGOTTO, 2018, p. 256). Trata-se, portanto, de defender a formação do aluno na perspectiva da formação humana integral, de forma omnilateral. Nesse sentido, vemos que a “omnilateralidade é, portanto, a chegada histórica do homem a uma totalidade de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consumo e prazeres” (MANACORDA, 2007, p. 90). Então, sob pena de incorrermos em uma visão reducionista da formação humana, não podemos pensar a formação omnilateral dissociada da análise da totalidade das ações humanas e suas repercussões na vida social, uma vez que “[...] a prática social põe-se, portanto, como ponto de partida e o ponto de chegada da prática educativa [...]” (SAVIANI, 2008, p. 422). Assim, Saviani (2008), delimitando a fundamentação teórica da pedagogia histórico-crítica , prossegue defendendo que 10
A educação é entendida como o ato de produzir direta e intencionalmente em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Em outros termos, isso significa que a educação é entendida como mediação no seio da prática social global (SAVIANI, 2008, p. 422).
E é justamente nessa perspectiva que pretendemos relacionar a abordagem sociocultural, enquanto teorização histórico-crítica, com o pensar a educação para Paulo Freire, no desenvolvimento de uma proposta educacional fundada na escolha pela libertação, pela humanização do educando, em que ele seja capaz de constituir-se como pessoa, estabelecer relações transformadoras, produzir cultura. Para este estudo, iniciaremos com uma breve biografia sobre o educador Paulo Frei10
A denominação “teoria histórico-crítica” é exposta por Saviani (2008) que delimita, em linhas gerais, as teoriascrítico-reprodutivistas e teorias críticas. Aproxima tal conceituação da abordagem sociocultural, ligada à perspectiva das teorias críticas, tidas como contra-hegemônicas.
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re que fundamenta este artigo, bem como as principais ideias que compõem a abordagem sociocultural e, posteriormente, uma tentativa de aproximação da sua teoria com a referida abordagem, nos baseando nas ideias de Mizukami (1986). Dando sequência, apresentaremos as contribuições desse estudo para a formação humana integral na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), concluindo, posteriormente, acerca destas aproximações.
2 A Abordagem Sociocultural e Paulo Freire Paulo Freire11, educador brasileiro, nasceu em Recife (Pernambuco), no dia 19 de setembro de 1921. Iniciou o seu trabalho na educação no Colégio Oswaldo Cruz, onde exerceu a função de auxiliar de disciplina e, posteriormente, de professor de Língua Portuguesa. Em 1943, ingressou na Faculdade de Direito do Recife. Prosseguiu na carreira acadêmica e, em 1955, com outros educadores, fundou, em Recife, o Instituto Capibaribe, escola inovadora para a época e que permanece em atividade. À época, considerando o alto índice de analfabetismo na área rural dos estados nordestinos, Paulo Freire ficou conhecido pelo seu método de alfabetização que trazia, como base, o vocabulário do cotidiano dos alunos. As palavras eram discutidas e inseridas no contexto social do indivíduo e levavam os alunos a pensar nas questões sociais no seu trabalho, ampliando o seu vocabulário gradativamente. Freire foi reconhecido por seu trabalho na área da educação popular e sua prática pedagógica fundamentava-se na crença de que o educando assimilaria o objeto de estudo, fazendo uso de uma prática dialética com a realidade, em contraposição à por ele denominada educação bancária, tecnicista e alienante. Com o Golpe Militar de 1964, Paulo Freire foi acusado e preso, tendo, em seguida, se exilado no Chile. Nesse país, desenvolveu trabalhos em programas de educação de adultos no Instituto Chileno para a Reforma Agrária. Em 1969, lecionou na Universidade de Harvard e foi consultor especial do Departamento de Educação do Conselho Municipal das Igrejas, em Genebra, na Suíça. Na sequência, viajou por vários países dando consultoria educacional. Em 1980, com a anistia, ele retorna ao Brasil, estabelecendo-se em São Paulo. Foi professor da UNICAMP, da PUC e Secretário de Educação da Prefeitura de São Paulo. Por seu trabalho na área educacional, Paulo Freire foi reconhecido mundialmente. É o brasileiro com mais títulos de Doutor Honoris Causa, de diversas universidades, entre elas, Harvard, Cambridge e Oxford. Faleceu em São Paulo, no dia 2 de maio de 1997. Diante de toda implicação histórica descrita, definir qual a filosofia da educação de Paulo Freire é tarefa complexa, tendo em vista que ele dialoga com muitas filosofias e autores diversos. No entanto, como já salientado, o recorte feito nesse trabalho aproxima o autor da abordagem sociocultural, levando em consideração que sua teoria parte do sujeito, em sua 11
(2005).
Informações disponíveis na obra “Paulo Freire, educar para transformar: fotobiografia”, de Carlos Rodrigues Brandão
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totalidade, como ele aprende na relação com o mundo e como é influenciado por ele. Ou seja, quando Freire pensa as relações de produção do saber, não trata o sujeito como isolado da sociedade, procura, na condição de existência do aluno, a base para ampliação desses saberes. Analisando as relações homem-mundo, os temas geradores e o “conteúdo” da educação, Freire (2019) entende que “será a partir da situação presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo programático da educação ou da ação política” (FREIRE, 2019, pp. 119-120). Dessa forma, Freire (2001) declara que todo ato educativo é um ato político e, para isso, é preciso compreender a luta de classes, a demarcação de espaços e dos conteúdos da educação para assumir sua politicidade e não conceber a escola como um espaço neutro, em que os alunos são vistos como aprendizes e seres humanos acabados. A educação é a base para formar cidadãos autônomos, críticos e conscientes da realidade circundante, para uma compreensão mais ampla do seu papel na sociedade e da sua participação na construção dessa. Portanto, consideramos que a filosofia educacional trazida por Freire, em que a problematização dialógica e reflexiva ganha destaque, coaduna com as concepções educacionais da abordagem sociocultural. Segundo Mizukami (1986), “o homem se constrói e chega a ser sujeito na medida em que, integrado em seu contexto, reflete sobre ele e com ele se compromete, tomando consciência da sua historicidade” (MIZUKAMI, 1986, p. 90). No mesmo sentido, Freire (2019) reconhece que [...] não há como surpreender os temas históricos isolados, soltos, desconectados, coisificados, parados, mas em relação dialética com outros, seus opostos. Como também não há outro lugar para encontrá-los que não seja nas relações homens-mundo. O conjunto dos temas em interação constitui o “universo temático” da época (FREIRE, 2019, p. 129).
Contribui para o desenvolvimento da capacidade crítica do educando, que também é um dos objetivos da educação profissional técnica de nível médio, possibilita a construção do conhecimento do aluno numa perspectiva de integração. Todos estes conceitos fazem parte da construção da formação humana integral, da politecnia12, da omnilateralidade, onde a aprendizagem, com base crítica e reflexiva, tem papel significativo para a formação humanizadora e emancipatória do indivíduo. Portanto, pensar a escola em uma perspectiva sociocultural é optar pela investigação da educação como um processo de humanização, em que o ser humano encontra-se em foco. Como defendido por Paulo Freire, os grandes momentos em que a educação avançou foram nos momentos de crise social, em que se apresentavam as grandes questões humanas, em que emergiam com toda força os questionamentos mais existenciais (FREIRE, 2019, p.86). Trata-se, portanto, de pensar as relações de produção, considerando o aluno como 12
Neste trabalho, adotaremos como referência a noção de politecnia defendida por Saviani (2007), segundo o qual a ideia de politecnia se encaminha para superação da dicotomia entre trabalho manual e intelectual, entre instrução profissional e instrução geral. Defende a ruptura entre ciência e técnica e unidade indissolúvel entre os aspectos manuais e intelectuais, união entre escola e trabalho.
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sujeito central no processo educativo, de pensar a aprendizagem com foco num sujeito que participe ativa e democraticamente da vida social, econômica e política. De acordo com os ensinamentos de Freire (1967), é através da educação que adquirimos meios para a superação da captação mágica e ingênua da realidade, para uma dominantemente crítica. Quando estamos integrados ao nosso tempo e ao nosso espaço, podemos refletir sobre a ontológica vocação de serem sujeitos e sobre a luta concreta dos homens por liberdade.
3 Contribuições da Abordagem Sociocultural para a formação humana integral na EPT Partindo da visão de homem e mundo, presente na abordagem sociocultural, o homem precisa refletir sobre a realidade para tornar-se sujeito participante, comprometido em intervir nesta realidade e mudar quando necessário. Ou seja, o homem deve ser capaz de transformar a sociedade e não viver apenas adaptando-se a ela, evidenciando-se, assim, uma tendência interacionista homem-mundo. Para Freire (2018), este é o processo de tomada de consciência, da libertação. [...] Quanto ouvi pela primeira vez o termo conscientização, percebi imediatamente a profundidade de seu significado, pois estava absolutamente convencido de que a educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma abordagem crítica da realidade. [...] Quanto mais nos conscientizamos, mais “desvelamos” a realidade e mais aprofundamos a essência fenomênica do objeto diante do qual nos encontramos, com o intuito de analisá-lo. Por essa razão, a conscientização não consiste num “estar diante da realidade” assumindo uma posição falsamente intelectual. Ela não pode existir fora da praxis, ou seja, fora do ato ação-reflexão. Essa unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser, ou de transformar o mundo, e que é próprio dos homens. Por essa razão mesma, a conscientização é engajamento histórico. Ela é igualmente consciência histórica: por ser inserção crítica na história, ela implica que os homens assumam papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. E exige que os sujeitos criem sua própria existência com o material que a vida lhes oferece (FREIRE, 2018, p. 38).
Se Paulo Freire compreende o homem como ser histórico, sujeito dialético, capaz de promover a práxis, cuja ação é que transforma o mundo, as bases deste pensamento encontram-se ancoradas no materialismo histórico-dialético. Manacorda (2017), baseado em Marx, ressalta que: O homem não nasce homem [...] Grande parte do que transforma o homem em homem forma-se durante a sua vida, ou melhor, durante o seu longo treinamento por tornar-se ele mesmo, em que se acumulam sensações, experiências e noções, formam-se habilidades, constroem-se estruturas biológicas – nervosas e musculares – não dadas a priori pela natureza, mas fruto do exercício que se desenvolve nas relações sociais, graças às quais o homem chega a executar atos, tanto “humanos” quanto “não-naturais”, como o falar e o trabalhar segundo um plano e um objetivo. Ou talvez o homem nasça homem, mas apenas enquanto possibilidade, que, para se atualizar, requer, sem dúvida, uma aprendizagem num contexto social adequado (MANACORDA, 2017, p. 22).
E continua, O homem cresce juntamente com a natureza (concresce) justamente porque sua indústria, sua atividade produtiva, é uma atividade que se relaciona universalmente com a natureza, de modo livre, consciente e voluntário, para transformá-la e, nela, transformar a si mesmo. Nessa perspectiva, Marx postula a exigência de uma história natural que seja também história humana, de uma ciência natural que seja também uma ciência do homem (MANACORDA, 2017, p. 114).
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Nesta relação histórico-dialética com o mundo, o homem produz cultura através do seu trabalho, de sua ação no social. Para Mizukami (1986, p. 87), a “[...] cultura constitui a aquisição sistemática da experiência humana, aquisição esta que será crítica e criadora e não simplesmente armazenamento de informações justapostas”. Nesse processo de construção do homem, em que ele reflete sobre o meio, tomando consciência do seu papel social, produz conhecimento, transcendendo de uma simples apreensão da realidade para chegar a uma esfera mais crítica, penetrando em experiência fenomenológica. O conhecimento, na abordagem sociocultural, de forma semelhante, é considerado uma transformação contínua, pois é produto histórico e ato político (MIZUKAMI, 1986). Nesse processo, a educação tem papel fundamental, auxiliando na passagem de uma consciência primitiva para uma consciência crítica. Estabelecendo também um comparativo entre a teoria educacional proposta por Freire (2019) e a defendida por Saviani (1999), no contexto da pedagogia histórico-crítica, vislumbramos que essas se assemelham em vários aspectos, considerando que professor e aluno mantém uma relação direta e não hierarquizada, inseridos em um contexto social, por ele influenciados. Nesse sentido, o professor atua como instrumento de mediação na tomada de consciência desse educando (cidadão), que compreende o seu papel no contexto social e consegue incorporar elementos que integram a sua própria vida. Vejamos algumas perspectivas trazidas pelos autores. [...] Parte-se da crítica à pedagogia tradicional (pedagogia bancária) caracterizada pela passividade, transmissão de conteúdos, memorização, verbalismo etc. e advoga-se uma pedagogia ativa, centrada na iniciativa dos alunos, no diálogo (relação dialógica), na troca de conhecimentos. A diferença, entretanto, em relação à Escola Nova propriamente dita, consiste no fato de que Paulo Freire se empenhou em colocar essa concepção pedagógica a serviço dos interesses populares. Seu alvo inicial foi, com efeito, os adultos analfabetos. Esse fenômeno histórico do surgimento daquilo que chamei de “Escola Nova Popular” põe em evidência que a questão escolar na sociedade capitalista, dada a sua divisão em classes com interesses opostos, é objeto de disputa (SAVIANI, 1999, pp. 77-78).
Ainda no que diz respeito à teoria freireana, para a qual o currículo se baseia numa perspectiva crítico-emancipatória, é inerente a este processo a relação que se estabelece com o contexto histórico, social, político e cultural numa permanente dinâmica com seus atores, objetivando-lhes a emancipação. Ao substituir a educação tradicional pelo diálogo democrático, numa ação entre professor e aluno pela superação da ideologia opressora, problematizam-se questões reais para a tomada de consciência e, consequentemente, a transformação desta realidade. Analisando as ideias defendidas pelo referido educador, Mizukami (1986) salienta: Toda ação educativa, para que seja válida, deve, necessariamente, ser precedida tanto de uma reflexão sobre o homem como de uma análise do meio de vida desse homem concreto, a quem se quer ajudar para que se eduque. O homem se torna, nesta abordagem, sujeito da educação (MIZUKAMI, 1986, p. 94).
Em se tratando de Educação Profissional e Tecnológica, os discursos que convergem para esta formação emancipatória e libertadora defendem a necessidade de formar profissio15
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nais que não sejam limitados a determinadas funções, mas que, além destas competências, a educação seja pautada pela cidadania, ética, estética, tecnologia, cultura, entre outros aspectos que complementam a formação do trabalhador. A luta é justamente para que a qualificação humana não seja subordinada às leis do mercado e à sua adaptação e funcionamento, seja sob a forma de adestramento e treinamento da imagem do monodomestificável dos esquemas tayloristas, seja na forma da polivalência e formação abstrata, formação geral ou policognição reclamadas pelos modernos homens de negócio e os organismos que os representam (FRIGOTTO, 1996, p. 31).
Sob este aspecto, a educação profissional vai além da preparação técnica para o mercado de trabalho, necessitando considerar a formação integral do aluno, discutindo valores e atitudes, que contribuirão para seu desenvolvimento omnilateral. A formação integral abrange além da interdisciplinaridade13, a relação das disciplinas e dos diferentes saberes com o mundo real, com situações cotidianas que estão relacionadas com as dimensões do conhecimento científico, as quais servirão de base para a pesquisa, para o levantamento de dados, para a intervenção no meio e não mais para a realização de um ensino que distancia o aluno da sua realidade. Para Lima (2012), Uma formação integral, portanto, não somente possibilita o acesso a conhecimentos científicos, mas também promove a reflexão crítica sobre os padrões culturais que se constituem normas de conduta de um grupo social, assim como a apropriação de referências e tendências que se manifestam em tempos e espaços históricos, os quais expressam concepções, problemas, crises e potenciais de uma sociedade, que se vê traduzida e/ou questionada nas suas manifestações. Assim, evidencia-se a unicidade entre as dimensões científico-tecnológico-cultural, a partir da compreensão do trabalho em seu sentido ontológico (LIMA, 2012, p. 20).
Retomando Paulo Freire, é possível pensar em uma proposta de ensino menos fragmentada, valorizando elementos que dialogam com a prática interdisciplinar através da proposta de uma metodologia a partir dos temas geradores, defendendo uma prática integradora e contextualizada: Significa, apenas, que há uma visão mais específica, central de um tema, conforme a sua situação num domínio qualquer das especializações, [...] a delimitação temática feita por cada especialista, dentro do seu campo possibilita a integração e a discussão entre as diferentes áreas do conhecimento de modo a contribuir com a interpretação da realidade socioeducativa, [...] a “introdução destes temas, de necessidade comprovada nos currículos, corresponde, inclusive, à dialogicidade da educação (FREIRE, 2019, p. 115).
Ao analisarmos as propostas da EPT na atualidade, Freire (2019) se torna um referencial singular, pois aponta a construção do conhecimento por meio da relação do sujeito com a realidade, com sua cultura, ou seja, por sua relação com o contexto sociocultural. Para Frigotto, Ciavatta e Ramos (2012), entender essa integração é uma obrigação ética e política, visto que o Ensino Médio integrado ao ensino técnico, uma das possibilidades da EPT, sob uma base unitária, de formação geral, “é uma condição necessária para a travessia em direção ao Ensino Médio politécnico e à superação da dualidade educacional pela supera13
A interdisciplinaridade, de acordo com Fazenda (2002, p. 34), consiste essencialmente “num trabalho em comum tendo em vista a interação das disciplinas científicas, de seus conceitos e diretrizes, de suas metodologias, de seus procedimentos, de seus dados e da organização de seu ensino”.
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ção da dualidade de classes” (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 45). Na busca por uma formação integrada, portanto, não há receita pronta, há que se superar a lógica multidisciplinar sobre a qual, historicamente, se baseou o currículo escolar e, consequentemente, a fragmentação do saber. Conforme propõe a autora, a formação integrada entre o ensino geral e a educação profissional exige que se busquem os alicerces do pensamento e da produção da vida para além das práticas de educação profissional e das teorias da educação propedêutica que treinam para o vestibular. Ambas são práticas operacionais e mecanicistas, e não de formação humana o seu sentido pleno (CIAVATTA, 2012, p. 94).
Dessa forma, observa-se que a abordagem sociocultural dialoga com os objetivos da EPT, no que se refere ao homem como sujeito da sua própria história, capaz de transformar o mundo e, nesse processo, se transformar, estabelecendo uma relação dialética com a realidade na qual está inserido. Busca-se, portanto, uma formação crítica, consciente e contínua que prepare o aluno para transformações emancipatórias e criativas, em seu meio. 4 Considerações finais À guisa das discussões propostas, é válido destacar que consideramos limitado pensar numa formação humana integral e emancipatória sem que se discutam as condições materiais necessárias para uma permanência qualitativa dos alunos nas instituições de ensino e sem que se possa pensar na articulação entre as várias disciplinas, como compromisso ético-político de integração e de formação dos jovens. Com base nessas ideias, torna-se imprescindível pensar nos objetivos que pretendemos alcançar na concretização da EPT, avaliando se convergem para os preceitos de uma educação libertadora, como proposta por Paulo Freire. Nesse sentido, as ações precisam culminar na elaboração de práticas curriculares mais democráticas, embasadas pelo princípio da formação humana integral, possibilitando a participação ativa de todos os sujeitos envolvidos no processo educativo, a fim de contribuir para o processo de transformação social, migrando de uma prática de dominação, para uma prática da liberdade, de um conhecimento fragmentado para um conhecimento contextualizado, de uma escola dual para uma escola unitária, de uma formação específica, para uma formação integral. Afinal, tanto a teoria freireana quanto os pressupostos da teoria sociocultural apontam a educação como uma possibilidade de emancipação humana, como forma de superação da dominação e da opressão existentes na sociedade capitalista, partindo do entendimento que o sujeito integralmente formado é capaz de mudar seu contexto de vida e, concomitantemente, a sociedade.
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Referências ARAÚJO, Ronaldo Marcos de Lima; FRIGOTTO, Gaudêncio. Práticas pedagógicas e ensino integrado. In: FRIGOTTO, G. (Org.) Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: relação com o Ensino Médio integrado e o projeto societário de desenvolvimento. Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2018. BEZERRA, Daniella de Souza. O Ensino Médio (des)integrado: história, fundamentos, política, planejamento curricular. Natal-RN: IFRN Editora, 2013. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Paulo Freire, educar para transformar: fotobiografia. São Paulo: Mercado Cultural, 2005. CIAVATTA, Maria. A formação integrada: a escola e o trabalho como lugares de memória e de identidade. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. (orgs.) Ensino Médio Integrado: concepção e contradições.São Paulo: Cortez, 2012. FREIRE, Paulo. Política e educação:ensaios. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001. FREIRE, Paulo. Conscientização. São Paulo. Cortez, 2018. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 67. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019. FRIGOTTO, G; CIAVATTA, M; RAMOS, M. N. (Orgs.). Ensino Médio Integrado:concepção e contradições.3. ed. São Paulo. Cortez, 2012. FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1996. LIMA, José Fernandes de. Parecer CNE/CEB n 5/2011:diretrizes nacionais do Ensino Médio. Diário Oficial da União, 24 jan. 2012, Seção 1, p. 10, p. 64, 2012. MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna. 3. ed. São Paulo: Editora Alínea, 2017. MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino:as abordagens do processo. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária Ltda, 1986. SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 32. ed. Campinas-SP: Autores Associados, 1999. 18
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SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 2. ed. São Paulo: Autores Associados, 2008. SAVIANI, Dermeval. Trabalho e educação:fundamentos ontológicos e históricos. Revista Brasileira de Educação – ANPEd, Rio de Janeiro, v. 12, n. 34, jan./abr. 2007.
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INDISSOCIABILIDADE ENTRE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: RUMO ÀS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA UMA FORMAÇÃO HUMANA INTEGRAL Andressa Freire Ramos Couto14 Octávio Cavalari Júnior15 Pollyana dos Santos16 Resumo:A educação profissional, de acordo com a legislação vigente, deve estar voltada para a formação humana integral. Nesta perspectiva, a abordagem sociocultural pode ser utilizada nas ações pedagógicas para condução deste processo. Para tal, este artigo apresenta a possibilidade de articulação entre as práticas pedagógicas no ensino, pesquisa e extensão, na perspectiva de contribuir para a construção da Educação Profissional que contraponha à dicotomia teoria e prática e proporcione, ao discente, formas de ampliar sua visão de mundo no processo de aprendizagem, a partir de uma abordagem sociocultural. Diante das reflexões realizadas, a integração, a interdisciplinaridade e a indissociabilidade, são essenciais na construção das práticas pedagógicas para uma formação humana integral. Palavras-chave: Abordagem sociocultural. Práticas Pedagógicas. Formação Integral. Educação Profissional. 1 Introdução O ser humano se constrói à medida em que compreende, e atua, sobre o mundo, sendo protagonista de sua própria história e da história da sociedade. A educação profissional, neste contexto, tem uma grande contribuição, para que o exercício da profissão colabore para o protagonismo do homem na história. A formação humana integral rompe com os ideais hegemônicos, desconstrói uma visão positivista e é o norte para ações pedagógicas que motivem a sinergia entre a teoria e a prática, pois, por meio dessas ações, a aprendizagem se forma. A aprendizagem é alvo de estudo, pois é a partir desta que se forma o homem. Auler (2000) atribui o fracasso, em termos de aprendizagem, a uma formação “reducionista”, deixando de lado a formação cidadã, crítica e participante na sociedade em que o homem está inserido. Nessa perspectiva, este estudo tem o objetivo de apresentar as relações entre os pressupostos da abordagem sociocultural e os da educação profissional para uma construção da aprendizagem com foco na formação humana integral. Articulam-se, nessa discussão, as compreensões sobre integração, interdisciplinaridade e indissociabilidade nas ações pedagógicas Para realizar essa articulação, esse artigo se organiza da seguinte forma: inicialmente relaciona a abordagem sociocultural e a educação profissional objetivando a formação integral; 20
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em seguida, discorre sobre a integração, a interdisciplinaridade e a indissociabilidade como propostas de condução de ações pedagógicas nos Institutos Federais e finaliza ressaltando a importância de meios reais na gestão, para materializar ações indissociáveis.
2 A Abordagem Sociocultural e a Educação Profissional Segundo Mizukami (1986), a abordagem pedagógica deve partir do pressuposto de que “não existem senão homens concretos, situados no tempo e no espaço, inseridos num contexto “sócio-econômico-cultural-político” e histórico. Nesse sentido, as práticas pedagógicas partem da compreensão dos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, mediatizados pelos esses elementos que compõem o ser humano. A compreensão de tais elementos associados à prática pedagógica também está imbricada no entendimento sobre a produção do conhecimento nas diferentes esferas da vida em sociedade. Por essa razão, parte-se do princípio de que os conhecimentos são produzidos pelo homem na interação com o mundo objetivo, sendo também um produto sócio-cultural-histórico. Essa abordagem tem como principal representante, Paulo Freire, que desenvolveu suas propostas para a educação, partindo dessa compreensão de homem-sujeito e de conhecimento, como resultado das relações estruturantes nas quais eles são construídos na vida social. Desse modo, tomar conhecimento do educando, como produtor de conhecimento e compreender em que contextos seus saberes são produzidos, torna-se condição fundamental do educador, no processo educativo. A formação do “todo” é, de certo modo, uma utopia. No entanto, caminhar para uma direção que nos proporcione meios para chegar a este objetivo é de muita importância. “A verdade é o todo”. Com base nessa ideia hegeliana, trazida do plano ideal ao plano da historicidade do real por Karl Marx, compreendemos o conteúdo da proposta de ensino integrado e consideramos o desafio de pensar práticas pedagógicas que nos aproximem de uma leitura ampla da realidade, mesmo que conheçamos a impossibilidade de uma apropriação cognitiva desse “todo” (FRIGOTTO, 2018, p. 249).
Em uma breve análise da vida e obra de Paulo Freire, constatamos que a ideia de aproximar a academia da comunidade é sustentada pelo autor durante sua trajetória, como professor universitário. Na época em que o autor trabalhava diretamente com os projetos extensionistas de alfabetização, em uma perspectiva crítica, o contexto político não favorecia a disseminação de suas ideias no Brasil. A ditadura militar que vigorava, a partir de 1964, tentava impedir a educação, segundo os pressupostos dessa abordagem, pois a considerava subversiva. De fato, proporcionar ao educando a reflexão sobre sua própria condição social, dialogar sobre ela e questionar a realidade tal como estava posta, poderia gerar a formas de resistência ao modelo político e econômico vigentes. 21
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A aproximação entre Paulo Freire e os teóricos que estudam a educação profissional, neste texto, se dá a partir da formação cidadã e social, em uma visão integral. Para isso, é necessária uma leitura da realidade, para que o sujeito seja parte desta construção, sejam estes indivíduos alunos, professores, sejam servidores da escola ou a sociedade. Para Mizukami (1986), a interação entre o homem e o mundo é essencial na abordagem sociocultural, pois a elevação da consciência produz o compromisso com a mudança da realidade. Neste contexto, a educação e as práticas pedagógicas devem ter foco no indivíduo sem deixar de lado as questões sociais. A ausência de uma reflexão sobre o homem implica o risco de adoção de método educativos e diretrizes de trabalho que o reduzem à condição de objeto. Por outro lado, a ausência de uma análise do meio cultural implica o risco de se realizar uma educação pré-fabricada, não adaptada ao homem concreto a quem se destina (MIZUKAMI, 1986, p. 94).
Diante desta base, podemos pensar uma educação profissional por meio de ações pedagógicas que considerem o homem construtor da sua história e da história da sociedade. Para tal, tomamos, neste artigo, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia como foco de análise por se configurarem como instituições criadas com a finalidade de garantir uma formação profissional integrada ao ensino médio, que tenha como princípios pedagógicos a integração, a formação omnilateral e o trabalho como princípio educativo. Além disso, são instituições que assumem a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, como propostas de aproximação com a realidade em que a escola se encontra inserida e como eixos fundamentais do processo de formação do futuro trabalhador.
3 Os Institutos Federais e as práticas pedagógicas para a integração A Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008, institui os Institutos Federais em uma estrutura multicampi e pluricurricular, em um crescimento verticalizado do ensino, com a proposta de um projeto integrado. Segundo Araújo e Frigotto (2018), o projeto de ensino integrado é favorecido quando é organizado para promover a autonomia, por meio da valorização da atividade e da problematização, por meio do trabalho coletivo, cooperativo e solidário. Fiel a esse pressuposto, o parecer da CNE/CB Nº 11/2012, que trata de diretrizes curriculares nacionais para Educação Profissional de nível médio, entre outros itens, destaca a necessidade de aprimoramento da leitura de mundo, pois, como seres humanos sociais, sua atuação ocorre em um mundo concreto, em cuja ação se produzem conhecimentos. Assim, Pacheco (2011, p.11) descreve o objetivo dos Institutos Federais no que diz respeito à formação dos alunos: Nosso objetivo central não é formar um profissional para o mercado, mas sim um cidadão para o mundo do trabalho – um cidadão que tanto poderia ser um técnico quanto um filósofo, um escritor ou tudo isso. Significa superar o preconceito de classe de que um trabalhador não pode ser um intelectual, um artista. A música, tão cultivada em
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muitas de nossas escolas, deve ser incentivada e fazer parte da formação de nossos alunos, assim como as artes plásticas, o teatro e a literatura. Novas formas de inserção no mundo do trabalho e novas formas de organização produtiva como a economia solidária e o cooperativismo devem ser objeto de estudo na Rede Federal.
A educação profissional, historicamente, tem um caráter do “saber fazer”, separando os que pensam dos que executam as atividades. Em contraponto, as leis que regem a educação profissional se preocupam com o caráter humano, social e cultural. Mas o que é necessário para que o ensino seja integrado? Assumimos o ensino integrado como uma proposta não apenas para o ensino profissional. O ensino integrado é um projeto que traz um conteúdo político-pedagógico engajado, comprometido com ações formativas integradoras (em oposição as práticas fragmentadas do saber), capazes de promover a autonomia e ampliar os horizontes (a liberdade) dos sujeitos das práticas pedagógicas, professores e alunos principalmente (FRIGOTTO, 2018, p. 251).
As práticas pedagógicas desenvolvidas nos Institutos Federais podemser pensadas nessa perspectiva homem-mundo, defendida pela abordagem sociocultural, vislumbrando a formação humana integral. Romper os portões da escola, pensar novas formas nesta perspectiva sócio-histórica, para além da matriz curricular é um desafio para formação do profissional cidadão. A integração, a interdisciplinaridade, a indissociabilidade são práticas que propiciam a relação com a sociedade. A integração do ensino, da pesquisa e da extensão facilita a junção do propedêutico com a área técnica, no Ensino Médio Integrado. Tendo em vista a proposta dos Institutos Federais, isto deve ser articulado na instituição de forma tal, que resulte em ações pedagógicas integradoras, tanto no currículo quanto através de projetos ou programas. A preocupação, no Instituto Federal do Espírito Santo, com um currículo que seja, de fato, integrado tem se intensificado e ações têm sido implantadas. Um exemplo é a II Jornada de Integração do Ifes que reúne, trabalhos do ensino, da pesquisa e da extensão. Um outro evento intitulado “I Seminário dos Cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio; Concepções e Possibilidades” demonstra a preocupação do Ifes em gerir práticas pedagógicas integradoras. Essa iniciativa da gestão é importante para buscar o envolvimento e dar subsídios para que a integração ocorra, de fato, e de forma colaborativa. O Ensino Médio Integrado sofreu mudanças devido ao momento histórico-político na perspectiva de fragmentar a formação humana integral. Por esse motivo, as ações na gestão para fortalecer a base teórica da Educação Profissional, neste momento, relacionam-se com a abordagem sociocultural, pois somente conhecendo, e dialogando, entre os pares e com a comunidade é possível manter a perspectiva de uma formação humana integral. Segundo Dália e Frazão (2017), o Ensino Médio Integrado ganhou maior visibilidade a partir de 2008. No entanto, as discussões devem ultrapassar a articulação entre a formação 23
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geral e a profissional, sendo fundamental que toda práxis pedagógica possua um debate consolidado sobre o currículo integrado, pois norteará as ações e se apresentará como identidade institucional. O Plano de Desenvolvimento Institucional do Ifes (PDI, 41), direciona as propostas das ações pedagógicas no Instituto Federal do Espírito Santo, entre elas: potencializar o ser humano enquanto integralidade, práticas interativas com a realidade e uma formação para a vida. Diante da perspectiva teórica, percebe-se que a interação homem-mundo, proposta pela abordagem sociocultural, rompe com a dicotomia teoria e prática, visando ao diálogo e à consciência do sujeito, relacionando-se diretamente com os ideais do Instituto Federal do Espírito Santo. A articulação, o diálogo, a interação dos projetos de ensino, pesquisa e extensão também fazem parte desta construção integradora. Não se desqualifica, nessa ocasião, o campo do ensino e pesquisa das diversas disciplinas e especialistas, mas, sim, acredita-se no diálogo que pode ser estabelecido entre as várias áreas de conhecimento com o intuito de desenvolver no educando um olhar múltiplo sobre a sociedade. Isso evidencia o compromisso político da escola em formar cidadãos inteiros a partir e no meio do qual participa (DÁLIA; FRAZÃO, 2017, p. 169).
Entender a proposta das ações pedagógicas, em cada vertente é fundamental para que ocorra o diálogo e a transformação social.
4 A construção do conhecimento na condução da indissociabilidade A base do conhecimento se sustenta na matriz curricular, a qual proporciona ao aluno o gatilho inicial para sua formação, no entanto, o sujeito é formado a partir das interações e das relações com o mundo. O ensino, a pesquisa e a extensão indissociavelmente podem potencializar uma aproximação com a realidade. Dessa forma, é possível destacar a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, na proposta de construção do conhecimento da abordagem sociocultural, em diálogo com a formação humana integral, pois segundo Mizukami (1986, p. 91): A resposta que o homem dá a cada desafio não só modifica a realidade em que está inserido, como também modifica a si próprio, cada vez mais e de maneira sempre diferente (perspectiva interacionista na elaboração do conhecimento).
Essas maneiras diferentes de abordagem, no ambiente escolar, enriquecem as práticas pedagógicas as quais são propostas para construção do conhecimento no processo de ensino. Segundo Puhl e Dresch (2016, p.38): A indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão possibilita novas formas pedagógicas de reprodução, produção e socialização de conhecimentos, efetivando a interdisciplinaridade. Ela oportuniza também superar a dicotomia entre teoria/prática, sujeito/ objeto, empiria/razão, constituindo outro fundamento epistêmico.
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Nesse momento, é necessária uma reflexão sobre o tema indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, para que a gestão e a ação pedagógica sejam conduzidas em um único direcionamento para realização das práticas triúnas. Rays (2003) indica algumas questões sobre a gestão da indissociabilidade, no intuito de, buscar caminhos para que esta seja praticada: (a) Os cursos necessitam estar plenamente preparados e organizados para a materialização do processo de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. (b)
Sem a adequação correta das condições materiais e humanas aos entornos pedagógico, científico e social dos cursos, ao lado da ausência de um projeto curricular contextualizado, torna-se impraticável a sinergia entre a atividades-fins do ensino superior.
(c) O entendimento equivocado de um dos polos do “tripé básico” do ensino superior dificulta a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão? (d) A interdisciplinaridade, a articulação teoria-prática-teoria, a permeabilidade às transformações e a razão crítica, constituem-se nas interfaces da indissociabilidade? (e) Como romper com estruturas curriculares que induzem a uma cultura dissociativa entre o ensino, a pesquisa e a extensão? (f) Como flexibilizar os componentes curriculares com vistas a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão? (RAYS, 2003, p.10).
Diante de tantos desafios, a aplicação, de fato, das ações triúnas dependem, inicialmente, de um compromisso da gestão em institucionalizar, juntamente com a contribuição da comunidade acadêmica, as propostas dessas ações nos institutos federais. O Projeto Pedagógico Institucional deve prever a indissociabilidade como forma de gestão democrática, sua construção deve ser colaborativa e participativa para que seja apropriada pelos sujeitos. Segundo Rays (2003), entender o ensino, a pesquisa e a extensão de forma separada é o ponto de partida para iniciar qualquer movimento das práticas triúnas. Neste processo de formação das políticas pedagógicas, para construção das ações, professores e alunos podem se construir mutuamente a partir da clareza da finalidade de cada segmento. A gestão, nos institutos federais, de posse da plena consciência dos rumos da instituição, tem a missão de conduzir este processo com o intuito de formar profissionais preocupados com a sociedade, com o meio em que vivem, com sua realidade e com foco na contribuição da ciência e tecnologia para uma relação de cooperação com a sociedade. É na escola que este processo deve ser iniciado, sendo a indissociabilidade uma estratégia para transformar o conhecimento produzido na pesquisa aplicada em objetos a serem socializados na extensão. É preciso que os projetos e programas, as disciplinas curriculares, consolidem a interdisciplinaridade para dar lugar a novas perspectivas. O que se pretende, portanto, não é propor a superação de ensino organizado por disciplinas, mas a criação de condições de ensinar em função das relações dinâmicas entre as diferentes disciplinas, aliando-se aos problemas da sociedade. A interdisciplinaridade torna-se possível, então, na medida que se respeita a verdade e a relatividade de cada disciplina, tendo-se em vista um conhecer melhor (FAZENDA, 2011, p. 89).
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5 O projeto interdisciplinar A construção de diretrizes que facilitem, e conduzam, a indissociabilidade de maneira integrada e interdisciplinar é fundamental. Nesse processo, há alguns problemas básicos no entendimento do projeto interdisciplinar, que podem aparecer, segundo Fazenda (2011, p. 91): Várias são as causas que podem provocar esta atitude: um desconhecimento do real significado do projeto interdisciplinar, que muitas vezes é formado estritamente em seu aspecto metodológico; a falta de formação específica para este tipo de trabalho, constitui-se este no principal obstáculo à eliminação das barreiras entre as pessoas; a acomodação pessoal e coletiva, pois toda mudança requer uma nova sobrecarga de trabalho, um certo medo em “perder prestígio pessoal”, pois o espírito interdisciplinar chega até ao anonimato. O trabalho de um (embora talvez até mais valorizado do que num sistema tradicional) anula-se em favor de um objetivo maior.
Identificar estes pontos e atuar na formação, bem como, nas diretrizes é um trabalho de conscientização, para isso é preciso retomar a historicidade no ambiente escolar por meio da construção coletiva de editais, de projetos e programas que visem à interdisciplinaridade, à integração e à indissociabilidade. Partimos da premissa que a participação contribui para o maior entendimento e conhecimento da proposta. O educador, neste processo, tem um papel importante para construções em que o educando se perceba como protagonista: O educador é sempre um sujeito cognoscente, quer quando se prepara quer quando se encontra dialogicamente com os educandos. A educação problematizadora implica um constante ato de desvelamento da realidade e é um esforço permanente através do qual os homens vão percebendo criticamente como estão sendo no mundo. Esta educação supera, pois, o autoritarismo do educador bancário assim como o intelectualismo alienante e a falsa consciência do mundo (MIZUKAMI, 1986, p. 98).
A concretização da interdisciplinaridade indica problemáticas históricas na formação acadêmica, refletindo em condutas pessoais. O modo proposto para educação, a estrutura das salas de aula, a falta de tempo para o diálogo entre os professores, corroboram para uma gestão que segrega ao invés de integrar. Urge, pois, que a formação docente dialogue com o pensar epistemológico, valorizando a consistência do pensar ingênuo impregnado de curiosidade, revestindo-o do rigor necessário à teoria que subjaz à prática educacional. Urge que o currículo seja uma experiência de reflexão sobre a própria vida da escola. Que seja considerada a curiosidade ingênua que revela professores e alunos com vontade de “vir a ser mais”. Que os sujeitos sejam envolvidos no pensar sobre suas relações com o mundo, conscientizando-se, emancipando-as (SOARES, 2013, p. 7).
6 Considerações finais A integração, a indissociabilidade, a interdisciplinaridade e a gestão democrática têm seu papel para construção da missão dos Institutos Federais e, neste trabalho, focamos na construção da aprendizagem por meio da abordagem sociocultural. 26
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A Educação Profissional se liga intimamente à abordagem sociocultural, no que se refere a construção da formação de um cidadão crítico e, para isso, são necessárias que integrem, seja na formação do aluno, dos servidores, seja na formação da comunidade. A escola tem sua função social e isto deve ser percebido pelos institutos federais, mas a percepção, somente, não leva à mudança de paradigmas historicamente construídos, como a dicotomia teoria-prática. A gestão precisa induzir formas participativas de construção das ações pedagógicas e também, instrumentos que institucionalizem tais ações na gestão dos institutos federais. Por isso, estudos que contribuam para a perspectiva da conscientização, demonstrando os desafios e possibilidades, podem interferir no modelo positivista historicamente perpetuado na educação, para iniciar uma reflexão. Os desafios e as possibilidades na perspectiva sociocultural, para educação profissional, precisam ser objeto de estudo, para que a apropriação do conhecimento técnico tenha aplicação no social e a formação toque o sujeito na sua essência, interagindo com o mundo.
Referências ARAUJO, Ronaldo Marcos de Lima; FRIGOTTO, Gaudêncio. Práticas Pedagógicas e Ensino Integrado. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (Org). Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: relação com o ensino médio integrado e o projeto societário de desenvolvimento. Rio de Janeiro: UERJ, LPP, pp. 249-266, 2018. AULER, D. Articulação entre pressupostos do educador Paulo Freire e do movimento CTS: novos caminhos para a educação em ciências. Contexto & Educação, Ijuí, v. 77, n. 22, pp.167-188, 2007. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 05 abr. 2019. BRASIL. Lei n° 11.892 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Diário Oficial da União, 30 dez. 2008, Brasília-DF, 2008. DÁLIA, J.M.T.; FRAZÃO, G. A. Para além do ensino integrado: experiências, possibilidades e desafios da articulação entre ensino, pesquisa e extensão no currículo. In: ARAÚJO, A. C; SILVA, C. N. N (Org.). Ensino médio integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios. Brasília: IFB, cap. 9, pp.166-183, 2017. FAZENDA, I. C. A. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia. São Paulo: Loyola, 2011. 27
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A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA: CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO INTEGRAL
Míriam Klitzke Seibel17 Edgar Alvarenga Simões18 Poliana Daré Zampirolli Pires19 Danielli Veiga C. Sondermann20
Resumo:Este artigo discute as contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica – PHC para a Educação Profissional e Tecnológica – EPT, perpassando pela prática docente e culminando com a formação integral dos sujeitos. Desenvolver o trabalho educativo na perspectiva de superação do modo de produção capitalista requer uma pedagogia de inspiração marxista. Dessa forma, este estudo tem como objetivo realizar uma aproximação teórica para pensar a possibilidade da construção de uma práxis pedagógica que promova a formação integral dos sujeitos da EPT, frisando as contribuições da pedagogia histórico-crítica para a contraposição e a superação da ordem vigente, enfatizando as bases fundamentais para a efetivação de um ensino que colabore para a transformação da sociedade. A PHC posiciona o professor em relação ao ato de ensinar e provê os elementos teóricos e estratégicos que podem guiar o trabalho em sala de aula, pois é uma pedagogia centrada na prática social transformadora. Nesse sentido, a PHC pode contribuir significativamente para a Educação Profissional e Tecnológica, promovendo uma educação que coopere para a emancipação da classe trabalhadora.
Palavras-chave: Pedagogia Histórico-Crítica. Educação Profissional e Tecnológica. Prática docente. Formação integral.
1 Introdução Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado (MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte).
Este artigo aponta algumas contribuições da pedagogia histórico-crítica, que se configura como uma pedagogia contra-hegemônica, voltada para a educação popular, para a construção de uma práxis pedagógicacapaz de promover uma formação integral na Educação Profissional e Tecnológica. Para tanto, evidenciaremos a fundamentação teórica da PHC, situada no materialismo histórico dialético, tendo Dermeval Saviani como seu iniciador no Brasil. 29
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De acordo com Marsiglia e Cury (2017), Saviani nasceu em 1944, na cidade de Santo Antônio de Posse, concluiu seus estudos pela PUC-SP em 1966, tornando-se doutor em Filosofia da Educação, na mesma universidade, no ano de 1971. Em 1986, tornou-se livre docente em História da Educação pela Unicamp, tendo realizado estágio sênior na Itália entre os anos de 1994-1995. Recebeu, como condecoração, a medalha do mérito educacional do Ministério da Educação, sendo também condecorado com o Prêmio Zeferino Vaz da Unicamp, onde é atualmente professor emérito, coordenando o Grupo Nacional de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR). Em 2010, recebeu o título de Pesquisador emérito do CNPq. Trata-se de uma teoria que apresenta uma visão social da escola. Para Saviani (2009), a PHC baseia-se em um aporte teórico que se distancia de concepções idealistas de ensino e educação, situando o professor em relação ao ato de ensinar, fornecendo-lhe os elementos teóricos e estratégicos que podem direcionar o trabalho em sala de aula. Neste sentido, a PHC pode ser assim compreendida: Uma pedagogia articulada com os interesses populares valorizará, pois, a escola; não será indiferente ao que ocorre em seu interior; estará empenhada para que a escola funcione bem; portanto, estará interessada em métodos de ensino eficazes. Tais métodos situar-se-ão para além dos métodos tradicionais e novos. Serão métodos que estimularão a atividade e iniciativa dos alunos sem abrir mão, porém, da iniciativa do professor; favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o professor, mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acumulada historicamente; levarão em conta os interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, mas sem perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e gradação para efeitos do processo de transmissão/assimilação dos conteúdos cognitivos (SAVIANI, 2009, p. 62).
Em vista disso, a PHC almeja transmitir aos trabalhadores os conhecimentos clássicos, eruditos, permitindo-lhe acesso à cultura e de tal modolutar pela libertação da exploração da classe dominante. Compreendendo, então, a educação como “ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2008). Para Saviani (2001), o papel da escola está relacionado à socialização do saber sistematizado historicamente construído pelo homem. Todavia, a escola deve propiciar as condições necessárias para transmissão e assimilação desse saber. Assim, a PHC tem incumbência de superar o poder ilusório e a impotência “colocando nas mãos dos educadores uma arma de luta capaz de permitir-lhes o exercício de um poder real, ainda que limitado”. De tal modo, a pedagogia histórico-crítica apresenta um entendimento revolucionário de educação, tendo a prática social como o ponto de partida do processo de ensino aprendizagem, que suscita a inevitabilidade da problematização, quando se questiona os problemas da prática social, para, em seguida, propiciar ao aluno a possibilidade da apropriação do conhecimento científico por meio da instrumentalização. Para Aranha (2006), na PHC, a educação além de relacionar-se com desenvolvimento específico dos sujeitos, possui uma atribuição relevante que é o de permitir que o educando 30
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contribua para as mudanças na sociedade em que se insere. Prontamente, a PHC tem como seu principal objetivo transmitir os conhecimentos científicos, produzidos pela humanidade no decorrer da história e conduzir o aluno do senso comum à consciência filosófica. Tais preposições estão em consonância com a luta dos pesquisadores e defensores da EPT, que almejam possibilitar uma atuação docente de forma plena na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), promovendo uma educação integral.Segundo Ciavatta (2005), o termo integrar possui um sentido próprio em um âmbito específico. Sendo assim, integrar envolve uma integralidade, uma acepção de completude que fundamenta a proposta pedagógica direcionada para a educação geral integrada à educação profissional. Essa integração precisa ocorrer tanto nos processos educativos quanto nos processos de produção do trabalho, o qual pode não ser unicamente posto no Ensino Médio, bem como em outros níveis e modalidades de ensino. Nas palavras da autora: A ideia de formação integrada sugere superar o ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar a redução da preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional [...]. Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política (CIAVATTA, 2005, p. 85).
Nesse entendimento, a formação integral perpassa as concepções didático-pedagógicas, a fim de permitir a superação da dualidade histórica na educação brasileira, de uma formação para o trabalho e uma formação para vida, constituindo-se em um agir contra hegemônico na sociedade, na economia, na política, preconizando a integração do pensar e do fazer, do conhecimento e do fazer técnico com o saber tecnológico, científico e cultural. Neste contexto, na busca de correlacionar as concepções inicialmente apontadas, este artigo se propõe a discutir a possibilidade de a pedagogia histórico-crítica (PHC) colaborar para uma prática pedagógica politécnica e integrada, na proposta de ensino da Educação Profissional e Tecnológica.
2 Fundamentos teóricos Na sequência discutiremos as bases estruturais da Pedagogia Histórico-crítica: o materialismo histórico dialético de Marx (1982) e a escola unitária de Gramsci (1968; 1981), apresentando, ao final, as concepções a respeito da formação integral na EPT.
2.1 A tendência Pedagógica Histórico-crítica A Pedagogia Histórico-crítica é uma pedagogia socialista, fundamentada no materialismo histórico, na perspectiva do marxismo, concebida por Dermeval Saviani. Esta proposta pedagógica traz uma nova forma de entender a educação, ponderando para o acesso universal 31
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de todos, atentando principalmente para a classe trabalhadora, cuja formação é negligenciada no capitalismo (SAVIANI, 2009). Saviani e Duarte (2012, p. 76), esclarecem que a concepção pressuposta da Pedagogia Histórico-crítica é o materialismo histórico, ou seja, a compreensão da história a partir do desenvolvimento material, da determinação das condições materiais da existência humana.
Nesse sentido, a PHC é concretizada objetivando alcançar a superação das teorias existentes, propondo uma práxis no interior da escola, uma vez que, até então, não existiam possibilidades para os professores que almejavam uma atuação crítica. Assim, a PHC constitui uma nova relação entre educação e sociedade, procurando na teoria psicológica histórico-cultural as bases para o conceito científico na escola (DUARTE, 2012). De tal modo, “uma teoria crítica (que não seja reprodutivista) só poderá ser reformulada do ponto de vista dos interesses dos dominados” (SAVIANI, 2001, p. 30). Saviani enfatiza que “uma pedagogia articulada com os interesses populares valorizará, pois, a escola e [...] estará interessada em métodos de ensino eficazes” (SAVIANI, 2001, p.69). Nesse sentido, a PHC direciona-se para a promoção de uma educação transformadora, defendendo que não é por meio da escola que se dará a superação da sociedade capitalista e admite seus desafios nesta tarefa. Contudo, reconhece, além disso, que a educação escolar pode auxiliar uma formação que consinta à classe trabalhadora o acesso ao saber científico e sistematizado, de modo a estar mais bem preparada na luta de classes (SAVIANI, 2013). No entendimento de Saviani (2003), esta pedagogia conclui que a função social da escola é a socialização do saber sistematizado, do conhecimento científico capaz de instrumentalizar as camadas populares na superação de sua condição de alienada e explorada. Fundamentado no livro Escola e Democracia, de Dermeval Saviani, Gasparin (2007) nos apresenta os passos desta corrente pedagógica: 1 - Prática social inicial do conteúdo, que se caracteriza pelos desafios, pela mobilização do estudante para aprender, em que se procura a compreensão da prática social que ainda não foi entendida pelos alunos. Nesta etapa, o posicionamento teórico de alunos e professores é diferente, o aluno tem uma vaga ideia da prática social, de caráter sincrético, e o professor responsável pelo trabalho com o conteúdo, após desenvolver seus estudos naquela disciplina, tem uma amplitude maior da articulação deste conhecimento com a prática social, assumindo, assim, uma visão sintética. 2 - Problematização, que diz respeito às questões postas pela prática social inicial, destacando a relação entre escola e sociedade. Constitui, portanto, a busca das questões na prática social que ainda estão cobertas pela ideologia dominante. Transcorre a seleção dos conhecimentos que necessitam ser dominados pelos alunos para interferirem criticamente nesta prática. 32
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3 - Instrumentalização é o terceiro passo, que analisa a produção do saber social de forma elaborada. Nesta etapa, o professor será responsável por transmitir direta ou indiretamente conteúdos que possam levar os alunos à apropriação dos conhecimentos científicos, filosóficos e artísticos historicamente elaborados pela cultura, que se transformarão em conhecimento fundamentais à luta de classes contra a exploração. 4 - Catarse consiste no ponto alto do processo educativo, quando o estudante aprende o fenômeno de forma mais complexa e a aprendizagem se efetiva. É um vocábulo atrelado a Gramsci, e tem o desígnio de deliberar o momento de transformação da visão fragmentada à incorporação do conhecimento, que, uma vez entendido e dominado pelo aluno, contribui para a formação do pensamento crítico e para o esforço pela transformação social. 5 - Prática social (modificada) equivale ao momento da aplicação do conhecimento adquirido na prática social de uma forma elaborada, pensada e problematizada, ou seja, ocorre quando o aluno chega, pela visão sintética adquirida na catarse, ao mesmo nível de compreensão do professore, desse modo, a educação terá cumprido sua função social. Nas palavras do autor: Pode-se considerar que a pedagogia histórico-crítica é tributária da concepção dialética, especificamente na versão do materialismo histórico, tendo fortes afinidades, no que se refere às bases psicológicas, com a psicologia histórico-cultural desenvolvida pela escola de Vygotsky. A educação é entendida como ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens (SAVIANI; DUARTE, 2012, p. 422).
Assim sendo, a educação é ato intencional, na qual se faz imprescindível uma prática de ensino mais dinâmica, para dar respostas às pretensões educacionais. Por isso, Saviani (2008) propõe uma pedagogia que possua, como ponto de partida e chegada, a prática social, onde o sujeito buscará compreender o meioe, se necessário for, nele intervir, superando o senso comum, despertando o senso crítico. Segundo Saviani: Daí decorre um método pedagógico que parte da prática social onde professor e alunos se encontram igualmente inseridos, ocupando, porém, posições distintas para que se travem uma relação fecunda na compreensão e encaminhamento da solução dos problemas postos pela prática social, cabendo aos momentos intermediários do método identificar as questões suscitadas pela prática social (problematização), dispor os instrumentos teóricos e práticos para sua compreensão e solução (instrumentalização), viabilizar sua incorporação como elementos integrantes da própria vida dos alunos (catarse) (SAVIANI, 2013, p. 185).
Desse modo, a PHC se posiciona como uma pedagogia contra-hegemônica e revolucionária, que ambiciona à transformação social por meio de uma educação emancipadora que promove a socialização do conhecimento sistematizado, ou seja, a apropriação do conhecimento produzido historicamente pela humanidade. E para isso, a PHC baseia-se no materialismo histórico e no trabalho como princípio educativo, propostos por Marx e Engels. Além deles, 33
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Saviani se referenciou na obra de vários autores para a elaboração da PHC, como Makarenko, Suchodolski, Snyders, Charlot, entre outros (ARANHA, 2006). Saviani destaca: A fundamentação teórica da pedagogia histórico-crítica, nos aspectos filosóficos, históricos, econômicos e político-sociais, propõe-se explicitamente a seguir as trilhas abertas pelas agudas investigações desenvolvidas por Marx sobre as condições históricas de produção da existência humana que resultaram na forma da sociedade atual dominada pelo capital. É, pois, no espírito de suas investigações que essa proposta pedagógica se inspira. Frisa-se: é de inspiração que se trata e não de extrair dos clássicos do marxismo uma teoria pedagógica. Pois, como se sabe, nem Marx, nem Engels, Lênin ou Gramsci desenvolveram teoria pedagógica em sentido próprio. Assim, quando esses autores são citados, o que está em causa não é a transposição de seus textos para a pedagogia e, nem mesmo, a aplicação de suas análises ao contexto pedagógico. Aquilo que está em causa é a elaboração de uma concepção pedagógica em consonância com a concepção de mundo e de homem própria do materialismo histórico (SAVIANI, 2009, p. 420).
Dessa forma, a PHC enfatiza a natureza do trabalho educativo, como sendo um trabalho não material, produtor de ideias, valores, princípios, símbolos e conceitos. “É o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2008, p.13), cita como a especificidade do trabalho educativo. Saviani (2008) parte do princípio de que o trabalho educativo é o ato que produz no indivíduo a humanidade que é produzida coletivamente pelos homens. Dessa forma, pode‐se afirmar que o homem não se faz homem sozinho, para isso ele necessita do trabalho educativo, razão pela qual a escola deve ser o local de apropriação do saber sistematizado, ou seja, um saber elaborado e não espontâneo. Assim, a PHC (SAVIANI, 2008), tem o seu ápice na construção de uma escola que supere a escola tradicional e a escola nova. Sob este olhar, inclusive, o autor, ao avaliar os embates entre a escola tradicional e a escola nova, recupera uma transcrição de Gramsci como forma de sinalização de uma perspectiva superadora das referidas escolas: Deve-se distinguir entre escola criadora e escola ativa, mesmo na forma dada pelo método Dalton. Toda escola unitária é escola ativa, se bem que seja necessário limitar as ideologias libertárias nesse campo [...]. Ainda se está na fase romântica da escola ativa, na qual os elementos da luta contra a escola mecânica e jesuítica se dilataram morbidamente por causa do contraste e da polêmica: é necessário entrar na fase “clássica”, racional, encontrando nos fins a atingir a fonte natural para elaborar os métodos e as formas (GRAMSCI, 1968, p. 124 apud SAVIANI, 2008, p. 17).
Portanto, a Pedagogia Histórico‐crítica se constitui como uma proposta revolucionária, uma vez que almeja uma transformação da sociedade, “transformar as relações de produção que impedem a construção de uma sociedade igualitária”(GASPARIN, 2007, p. 141). 2.2 A formação humana na concepção do Materialismo Histórico-Dialético No entendimento de Alves (2017), no materialismo histórico e dialético, o meio de vida social, político e econômico é subordinado pelo modo de produção da vida material. São as condições materiais que desenvolvem as estruturas da sociedade, das suas organizações, va34
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lores e regras. Nessa lógica, a realidade (natural e social) evolui por contradição e se constitui num processo histórico. Esse processo é resultante das intervenções das práticas humanas. Isso, porque a formação e a transformação da sociedade ocorrem de modo dinâmico, contraditório e, através de conflitos, e necessita ser compreendida como um processo que está em permanente transformação. Por esse ângulo, compreendemos que o indivíduo e o objeto de conhecimento se conectam de modo dialético e se constituem pelo processo histórico-social. Assim sendo, as ideias são resultantes da relação do homem com a natureza e o conhecimento é definido pela matéria, pela realidade objetiva. O homem faz parte da natureza e recria suas ideias, a partir de sua interação com ela. Logo, a primeira premissa de toda a história humana é, naturalmente, a existência de indivíduos humanos vivos. (…) Toda a historiografia tem de partir dessas bases naturais e da sua modificação ao longo da história pela ação dos homens (MARX; ENGELS, 2009, p. 24).
Para Saviani (2008) o trabalho é categoria central, uma vez que o homem se humaniza (ou se desumaniza) pelo trabalho, ao passo que é por esta prática que ele transforma a realidade (natureza), adaptando-a as suas necessidades. Ao transformá-la, ele mesmo se transforma, mediado pelas relações que estabelece no processo de produção. Desse modo, pelo trabalho o homem se autoproduz, alterando sua visão de mundo. Saviani (2008, p.11) esclarece que: Diferentemente dos outros animais, que se adaptam à realidade natural tendo sua existência garantida naturalmente, o homem necessita produzir continuamente sua própria existência. Para tanto, em lugar de se adaptar à natureza, ele tem que adaptar a natureza a si, isto é, transformá-la. E isto é feito pelo trabalho.
Partindo deste fragmento temos que a diferenciação dos homens para os animais é o processo de trabalho, o qual não é qualquer tipo de atividade, porém, uma ação em que seu agente antecipa mentalmente e de forma intencional visando a atingir, por meio deste, um fim (SAVIANI, 2008). Corroborando, Antunes (1998, p. 121) afirma que: O trabalho desenvolve-se pelos laços de cooperação social existentes no processo de produção material. O ato de produção e reprodução da vida humana realiza-se pelo trabalho. É a partir do trabalho, em sua cotidianidade, que o homem se torna ser social, distinguindo-se de todas as formas não humanas.
Segundo Saviani (2008, p. 11) “para sobreviver o homem necessita extrair da natureza, ativa e intencionalmente, os meios de sua subsistência. Ao fazer isso, ele inicia o processo de transformação da natureza, criando um mundo humano (o mundo da cultura)”. Validando a centralidade do trabalho, confirma que, igualmente a cultura, e logo, a educação tem aí sua origem. Deriva desta relação que “a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos. Assim sendo, a compreensão da natureza da educação passa pela compreensão da natureza humana”. Consequentemente, a educação é uma necessidade do e para o trabalho o qual é, 35
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ao mesmo tempo, um processo de trabalho e este é tido como princípio educativo. Complementando a apreciação, Marx e Engels (2009, p.24) trazem que: Podemos distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião (…). Mas eles começam a distinguir-se dos animais assim que começam a produzir os seus meios de subsistência, passo esse que é requerido pela sua organização corpórea. Ao produzirem os seus meios de subsistência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material.
Elucidando Marx e Engels (2009), compreendemos que aquilo que os indivíduos são decorre das condições materiais da sua produção. Deste modo, embora o homem seja um ser biológico, não é o desenvolvimento natural, maso desenvolvimento sócio histórico do homem que o difere do animal na e por sua atividade vital, específica, e esta atividade, especificamente humana da vida, é o trabalho, no sentido amplo e filosófico. Partindo destas concepções, em uma sociedade em que somente uma parte tem acesso a essas mediações intencionais, com o objetivo de desenvolvimento de suas potencialidades, e a outra parte é direcionada para uma educação que objetive unicamente a formação para a sua inserção no mercado de trabalho, estará condenando esta parte a um estado de negação do desenvolvimento das potencialidades humanizadoras do sujeito. Assim, “não haveria espécie humana sem o trabalho, não há ser humano sem educação, mas ainda não foi construída uma solidariedade consciente, reflexiva e universal entre todos os seres humanos” (CHARLOT, 2014, p. 89). Charlot (2014) denuncia, enfim, que o trabalho na atualidade tomou a forma da escravidão e a educação se dividiu em escolas públicas pouco amparadas e,asparticulares, mais voltadas para a aprovação no vestibular do que com o modo de trabalho, de consumo, de vida coletiva e pessoal. Marx e Engels (2009) romperam com a concepção idealista de mundo, dando ênfase à sua materialidade para esclarecer os fenômenos sociais. Dessa maneira, apresentamos as palavras de Frigotto e Ciavatta (2004) para elucidar o materialismo histórico: Na perspectiva materialista histórica, o método está vinculado a uma concepção de realidade, de mundo e de vida no seu conjunto. A questão da postura, neste sentido, antecede ao método. Este constitui-se numa espécie de mediação no processo de apreender, revelar e expor a estruturação, o desenvolvimento e transformação dos fenômenos sociais. [...] romper com o modo de pensar dominante ou com a ideologia dominante é, pois, condição necessária para instaurar um método dialético de investigação (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2004, p. 77).
2.3 A atuação docente e a Pedagogia Histórico-crítica Duarte (2012) aponta que a Pedagogia Histórico-crítica anseia pela instrumentalização dos alunos, por meio da transmissão do conhecimento científico, artístico e filosófico, acreditando 36
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que a educação sozinha não transformará a sociedade, todavia uma práxis emancipatória do professor efetivará a função da escola. Sobre essa abordagem Saviani (2003, p. 80) reitera a importância da atuação docente: [...] um professor de história ou de matemática, de ciências ou estudos sociais, de comunicação ou expressão ou de literatura brasileira etc tem cada um uma contribuição específica a dar, em vista da democratização da sociedade brasileira, do atendimento aos interesses das camadas populares, da transformação estrutural da sociedade. Tal contribuição consubstancia-se na instrumentalização, isto é, nas ferramentas de caráter histórico, matemático, científico, literário etc., cuja apropriação o professor seja capaz de garantir aos alunos.
Logo, ao efetivar sua função de mediador do processo de ensino e aprendizagem, através do conhecimento de cada disciplina, o professor viabiliza, ao aluno, o desenvolvimento de uma consciência de si, no mundo, e, sobretudo, a lucidez de sua condição de explorado (SAVIANI, 2003). Para Saviani e Duarte (2012, p. 91), concerne ao educador pensar sobre sua atuação, já que “sua prática será tanto mais coerente e consistente, tanto mais qualitativa e desenvolvida, quando consciente for da teoria que a embasa [...]” Fiel a essa reflexão citamos Forquin (1993, p. 167) para quem ensinar se expressa quando é possível fazer alguém ascender a um grau ou a uma forma de desenvolvimento intelectual e pessoal que se considera desejável. “Educar, ensinar é colocar alguém em presença de certos elementos da cultura a fim de que ele se nutra, que se incorpore à sua substância, que ele construa sua identidade intelectual e pessoal em função deles”. Outros que dialogam com esses pressupostos são Barbosa e Fernandes (2018, p. 312), os quais apontam que na PHC, o [...] professor deve se posicionar em um novo papel, fazendo com que seus alunos também tenham outra posição quanto à escola e o ensino. Esse novo papel professoral passa a ser prático-teórico-prático em relação ao ensino-aprendizagem dos alunos, ou seja, parte-se da realidade social ampla, daí para a teoria e finaliza-se olhando a realidade novamente, mas aí já com novo ponto de vista em relação a ela.
Complementando a exposição acima, Gasparin (2007) considera que ao lidar com a abordagem da PHC, o professor une saber teórico (que a princípio tenha alcançado por meio de uma qualitativa formação inicial e/ou continuada) a práticas pedagógicas que demonstrem o ensino no sentido de estimular os alunos a descobrirem-se diante do mundo. A atuação docente permeada por práticas pedagógicas que enfatizem o ensino, no sentido de fazer, descobrir ou levar a pensar, impondo-se diante do mundo de modo a usar o pensamento crítico, respeitando suas hipóteses na construção de conhecimentos, é um dos postulados da PHC. É conveniente, ainda, ressaltar que a atuação docente deve extrapolar a mera transmissão de conteúdo. 3 Contribuições da pedagogia histórico–crítica para a formação integral na EPT A história da Educação Profissional e Tecnológica no Brasil (EPT) data do início do 37
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século XIX, tendo como meta profissionalizar jovens, filhos da classe proletária, desprovidos de recursos financeiros. Ao analisarmos os pesquisadores dessa área, compreendemos que esta modalidade de ensino tem uma natureza crescente na esfera educacional brasileira, isto é, percebe-se uma maior atenção a esta modalidade nas políticas públicas educacionais brasileiras. Considerando-se a necessidade de preparar uma geração apta a atender às exigências de um mercado de trabalho competitivo, o papel do professor se reveste de grande importância no contexto da EPT, visto que, parte do sucesso posterior do discente, no campo laboral, dependerá dos saberes construídos com seus professores (KUENZER, 2006). Realizando uma retrospectiva da trajetória da EPT, perpassamos pela chegada das máquinas e da industrialização dos processos de trabalho, que, consequentemente, acarretou a necessidade de formação profissional e multiplicação da mão de obra especializada, para a realização das funções técnicas nas indústrias. Nesse sentido, Moura (2007) pondera que à escola coube duas funções, uma como disciplinadora e outra direcionada para a preparação e a inserção dos trabalhadores à nova realidade. Para Canali (2009), os cursos profissionalizantes no Brasil nascem para atender a essa nova forma de produção. Assim, a educação transfigura-se de modo dual e a escola passa a cumprir um duplo papel: oferecer tanto formação geral quanto formação específica, a primeira de cunho intelectual e a segunda de preparação para o trabalho manual. A EPT insere-se, nesta última proposição, sendo entendida sob um olhar compensatório e assistencialista, como uma forma de educação para os pobres, com foco na racionalidade técnico-industrial, para atender ao modelo econômico de desenvolvimento brasileiro. Sobre isso, Manacorda (2007, p. 81) ressalta que: A inserção prematura dos jovens no mercado de trabalho, para a complementação da renda familiar ou para a auto sustentação, é reflexo das desigualdades sociais e educacionais, decorrentes da divisão social do trabalho. Esse fenômeno contribui para o embrutecimento do ser humano que se torna destruído e subsumido no processo do próprio maquinismo, transformado em seu acessório vivo, desprovendo-o de dignidade, de valores e retirando-lhe o direito a uma formação omnilateral.
Refutando o dualismo na educação no que diz respeito à formação para o trabalho, a EPT possui como propósito a formação do sujeito no seu sentido integral, ofertando uma formação que integra cultura, ciência, tecnologia e técnica, razão pela qual a EPT pode ser compreendida como uma educação que almeja a formação de sujeitos críticos, munidos de conhecimentos que os permita atuar reflexivamente sobre o processo de trabalho, visto como produção cultural (MANACORDA, 2007). Em consonância a essas prerrogativas, tendo um olhar para fortalecimento de uma formação integral, Gramsci (1978) assinala menções para a constituição de uma escola capaz de formar discentes para além do mercado de trabalho, ou seja, uma escola capaz de viabilizar o desenvolvimento da maturidade e da capacidade para a criação intelectual e prática. Gramsci (1978) nos orienta quanto à função exercida pelo sistema escolar para reprodução da ideologia dominante e manutenção dessa estrutura, ao tempo em que também nos 38
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aponta a possibilidade de a escola assumir um papel de instrumento emancipatório à medida em que aponta para a formação de intelectuais orgânicos. E sob essa égide, incorporamos a Pedagogia Histórico-crítica e sua contribuição para a efetivação de uma proposta contra-hegemônica para a supressão das bases do atual modo de produção e superação da soberania burguesa. Dessa forma, a contribuição da PHC está nos pressupostos filosóficos, na proposta pedagógico-metodológica e no significado político da sua realização, pois, conforme destaca Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005): Um projeto de educação integral de trabalhadores que tenha o trabalho como princípio educativo articula-se ao processo dinâmico e vivo das relações sociais, pressupondo-se a participação ativa dos sujeitos, como meio de alimentar de sentido a ação educativa mediada, dialogada, repensada, renovada e transformada continuamente, dialeticamente. Enfatiza a construção coletiva do conhecimento a partir da socialização dos diversos saberes e da realização de um trabalho integrado entre educadores, incorporando os acúmulos advindos das diversas experiências formativas trazidas, individualmente, pelos diferentes sujeitos educadores (FRIGOTTO; CIAVATA; RAMOS, 2005, p. 71).
Cabe ainda destacar que a gênese do conceito de formação integrada é remota e se constitui na educação que ambiciona formar o homem omnilateralmente, isto é, em todas as suas potencialidades, nas dimensões física, intelectual, cultural, política e científico-tecnológica. Essa formação omnilateral beneficia a todos, sobretudo aos sujeitos das classes menos favorecidas, com a perspectiva de integração ao mundo político-social, produtivo-econômico e cultural (CIAVATTA, 2005). Do mesmo modo, refletir sobre a EPT à luz dos postulados de Gramsci e das concepções da PHC é cogitar uma escola para além de seus muros, o que significa realçar a integralidade na formação do educando para o desenvolvimento da capacidade de ação e reflexão no mundo em que vive, superando a dicotomização entre ensino humano e profissional. Assim, dentro desta conjuntura e permeando as práticas docentes arraigadas na concepção da PHC, é possível promover a compreensão da realidade a partir das relações sociais problematizadas por uma prática social, mediadas pelo trabalho como princípio educativo e pelos conhecimentos sistematizados relacionadas a esta prática social (DUARTE, 2012). É importante refletir sobre a atuação docente na EPT no atual contexto do neoliberalismo, pois é necessário ter discernimento do que são as competências e habilidades em termos históricos e epistemológicos. É neste sentido que a pedagogia histórico-crítica pode contribuir para o desenvolvimento de uma atuação docente na EPT enquanto práxis (DUARTE, 2012). Sobre essa questão Saviani (2008, p. 30) esclarece que: [...] é justamente porque a competência técnica é política que se produziu a incompetência técnica dos professores, impedindo-os de transmitir o saber escolar às camadas dominadas quando estas, reivindicando o acesso a esse saber por percebê-lo, ainda que de modo difuso e contraditório, como algo útil à “superação de suas dificuldades objetivas de vida”, forçam e conseguem, embora parcialmente e de modo precário, ingressar nas escolas.
Nesta lógica, as contribuições da PHC para a atuação docente na EPT se apresentam 39
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como relevantes postulados pedagógicos para o desenvolvimento das práticas pedagógicas que tenham como referência o domínio do conhecimento sobre os fundamentos relacionados à natureza do trabalho educativo (DUARTE, 2012). Portanto, a PHC, compreendida como uma pedagogia que promove o compromisso político e a competência técnica do professor na luta pela transformação social, pode promover o resgate das discussões teórico-metodológicas centradas no materialismo histórico-dialético que se faz urgente nas práticas dos profissionais da educação profissional e tecnológica. Dessa forma, as contribuições desta pedagogia consistem na criação de possibilidades de superação do esvaziamento dos conteúdos críticos, evitando que o ensino na EPT não recaia em uma prática que Saviani (2008) definiu como “crítico-reprodutivista”, ou seja, uma prática educativa que reproduz as relações de exploração capitalista (SAVIANI, 2008).
4 Considerações finais As discussões que foram apresentadas neste artigo pretenderam apresentar as contribuições da PHC para a EPT, perpassando pela prática docente e culminando na formação integral dos sujeitos. Ao longo dos pressupostos apresentados, destacamos que ensinar, em um contexto dialético, é construir, com o aluno, uma diversidade de possibilidades de relações e mediações entre os envolvidos no ato educativo. As relações entre a PHC e a EPT formam uma alternativa que pode libertar das amarras do neoliberalismo. Para tanto, os fundamentos filosóficos da Pedagogia Histórico-crítica tornam-se elemento de luta e de solo firme nessa caminhada. Necessitamos, enfim, perceber a educação no seu desenvolvimento histórico-objetivo, instigando-nos a pactuar o compromisso com a transformação da sociedade para a mudança social que tanto almejamos. Por fim, é importante frisar que as contribuições da Pedagogia Histórico-crítica para a Educação Profissional e Tecnológica repousam sobre os pressupostos filosóficos, na sua proposta pedagógico-metodológica e no significado político da sua realização, posto que, ao se assentar em bases marxistas, conduz à percepção sob a valorização da história, da educação e do homem que educa. Por este ângulo que a pedagogia histórico-crítica e a EPT irão se aproximar e contribuir, uma com a outra, para a educação escolar de qualidade e onmilateral para todos.
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A DIMENSÃO POLÍTICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA NA ABORDAGEM SOCIOCULTURAL DE PAULO FREIRE CONTRA O PL 246/2019 PROGRAMA ESCOLA SEM PARTIDO Jean Carlos Neris de Paula21 Pollyana dos Santos22 Rogério Omar Caliari23 Resumo: O presente trabalho,baseado na observação e aproximação articulada de análises teóricas de trabalhos bibliográficos, pretende ratificar a relevância política da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) na abordagem sociocultural de Paulo Freire contra o Projeto de LeiPL 246/2019 Programa Escola sem Partido. Para tanto, as bases conceituais da EPT serão abordadas na perspectiva do conhecimento vivenciado como gerador de consciência crítica capaz de promover transformações socioculturais na ótica do mundo do trabalho, considerado como princípio educativo. Palavras-chave: Trabalho. Consciência. Educação Profissional e Tecnológica. Ideologia. Manipulação.
1 Introdução Considerando que educar constitui um ato político, e que a ação educativa se apresenta carregada de intenções, conforme defende Mizukami (2019), este trabalho tem o objetivo de destacar a importância da formação cidadã implicada nas bases conceituais da EPT e na abordagem sociocultural de Paulo Freire. A formação crítica do trabalhador precisa se mostrar dinâmica na conscientização transformadora da sociedade desigual. Para tanto, as falácias, os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), as Fake News e outras formas de manipulação e dominação da classe trabalhadora devem ser enfrentados na luta por uma EPT autônoma, de formação crítica do trabalhador. Dessa maneira, as classes, docente e discente, da EPT precisam entender a importância política do desenvolvimento de um ensino voltado à aprendizagem significativa no mundo sociocultural do trabalho. Confirmando isso, Ramos (2017, p. 81 e 82), questionando o PL 246/2019 Programa Escola sem Partido, revela que a proposta em debate representa repressão, perseguição e violência contra a classe docente, tudo isso tendo em vista o contexto conservador atual da política no Brasil. A autora explica que a defesa da separação entre educação e política se mostra tendenciosa e impossível de ocorrer: A inseparabilidade também se manifesta no fato de o currículo escolar ser alvo de disputa das classes e um processo de seleção cultural e ideológica. O Escola sem Partido é a própria comprovação deste fato. Trata-se de tentar imprimir ao currículo escolar sua ideologia a qual, enunciada como neutra, é, na verdade, totalmente comprometida com
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a classe dominante, pois impede que os interesses dos dominados sejam abordados na escola.
Para Ramos (2019), a tentativa de desmerecimento da figura do docente em sala representa a intenção persecutória ao professor que questiona a hegemonia que intenta definir o que deve ser trabalhado em sala. O real objetivo, segundo a autora, se mostra voltado à formação de professores conteudistas e simples instrutores. Contra tal propósito, nota-se a ligação da educação crítica com a abordagem sociocultural de Paulo Freire, tão atacado no contexto político atual, em tempos de proposição de Projeto de Lei 246/2019 Programa Escola sem Partido. O referido PL, em linhas gerais, apregoa: a neutralidade do docente em sala; a presença na escola da educação moral e religiosa dos pais; a inviabilidade de debates de temas relacionados à questão de gênero; a gravação de aulas como vigilância aos assuntos discutidos no ambiente escolar; e o impedimento de os estudantes se organizarem nos grêmios para a promoção de debates politizados. Algebaile (2017) explica o referido PL evidenciando que se trata de uma proposta antidemocrática e conservadora, relacionada à instrumentação jurídica e política de vinculação partidária que atua por uma educação técnica contrária, na escola,à liberdade questionadora de caráter anti-hegemônico, sobretudo no que diz respeito a debates sobre modelos familiares diversos, gênero e orientação sexual, educação tradicional questionada e exploração capitalista. Isso demonstra no PL 246/2019 Programa Escola sem Partido a tentativa de coibição de abordagens críticas do professor em sua práxis cotidiana na sala de aula. Por essa razão, a educação libertária de Paulo de Freire vem sendo tão atacada, e o pensador tão agredido, sem o devido respeito a sua biobibliografia, tendo em vista que Freire (1996, p.46) contesta a defesa de uma educação neutra: Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros, de forma neutra. Não posso estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas. A acomodação em mim é apenas caminho para a inserção, que implica decisão, escolha, intervenção na realidade.
A questionada educação bancária discutida por Paulo Freire manifesta-se assim na defesa de uma educação neutra e conteudista de caráter apenas técnico, conforme defende o PL 246/2019 Programa escola sem Partido.
2 Trabalho, cultura, linguagem e as bases conceituais da EPT O homem, dentro da perspectiva marxista, se criou a partir do trabalho. O que diferencia o ser humano do animal irracional, portanto, é o trabalho. O homem cria, recria, transforma a natureza e a si mesmo, enquanto o animal age apenas por instinto, utilizando-se do que a natureza lhe deu: cauda, bico, unha, asa, garra, dente, veneno. Já a humanidade não possui asa, mas inventa o avião, não possui unhas fortes, mas cria a cavadeira e a retroescavadeira. Como se observa, pelo trabalho o homem transforma a natureza a seu bel-prazer, já o animal apenas se adapta a ela. 45
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Engels e Marx (2007), assim, explicitam a tese de que o ser humano se diferencia do animal irracional por meio da centralidade do trabalho, uma vez que a humanidade, ao contrário do animal irracional que atua por adaptação à natureza, transforma o mundo natural e se modifica nessa transformação. Defendendo a ideia de que o trabalho deve representar a realização humana, os autores questionam a exploração capitalista que escraviza o trabalhador. Na luta contra tal exploração, baseada na divisão social do trabalho, a partir do valor de uso e de troca, surge a luta de classes. Essa luta se volta contra os discursos hegemônicos de manipulação da classe trabalhadora a partir da alienação implantada nas mentalidades dos sujeitos. Isso cria a necessidade de desvendamento do engodo presente nas ideologias trabalhadas pelo poder hegemônico. Entendendo que a cultura, toda realização humana, engloba muito o trabalho, transmitido de geração a geração por intermédio da linguagem, que constitui o sistema de comunicação interativa e dinâmica desenvolvido pela humanidade, nota-se que a cultura faz parte da linguagem, e que a linguagem faz parte da cultura. Percebe-se, ainda, que, sem a linguagem, não há cultura, uma vez que é por meio da comunicação que o trabalho humano se estende de uma geração a outra. Nessa visão marxista da linguagem, Bakhtin (1998, p.22) revela a ideologia na comunicação como espaço de luta de classe. Para o referido autor, “A criação ideológica - ato material e social – é introduzida à força no quadro da consciência individual. Esta, por sua vez, é privada de qualquer suporte na realidade”. Assim, Bakhtin (1998, p.45) esclarece: O tema ideológico possui sempre um índice de valor social. Por certo, todos os índices sociais de valor dos temas ideológicos chegam igualmente à consciência individual que, como sabemos, é toda ideologia. Aí eles se tornam, de certa forma, índices individuais de valor, na medida em que a consciência individual os absorve como sendo seus, mas sua fonte não se encontra na consciência individual. O índice de valor é por sua natureza interindividual.
Bakhtin (1998, p. 22), dentro da amplitude sociocultural da linguagem, entrelaça consciência e linguagem de forma mutuamente determinada: “A filosofia marxista da linguagem deve colocar como base de sua doutrina a enunciação, como realidade de língua e como estrutura sócio-ideológica”. Nessa perspectiva, analisando a importância da descoberta do conhecimento vivenciado na experiência cultural englobada em comunicações manipuladoras da realidade, no processo de formação da consciência crítica, Freire (1976, p.81) afirma: [...] enquanto a ação cultural para a libertação se caracteriza pelo diálogo, ‘somo selo’ do ato de conhecimento, a ação cultural para a domesticação procura embotar as consciências. A primeira problematiza; a segunda ‘sloganiza’. Desta forma, o fundamental na primeira modalidade de ação cultural, no próprio processo de organização das classes dominadas, é possibilitar a estas a compreensão crítica da verdade de sua realidade.
Com base nisso, percebe-se que a EPT precisa formar trabalhadores que entendam a importância sociocultural do trabalho e que valorizem a cultura da humanidade por meio de um processo de comunicação crítica dos conceitos do mundo da educação e do trabalho.
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A EPT, assim, procura primar pelo princípio educativo do trabalho na formação de trabalhadores cidadãos, portanto não busca apenas atender ao mercado de trabalho no fornecimento de mão de obra. Desse modo, apresenta-se contra-hegemônica, visto que o sistema capitalista de mercado não deseja a formação de trabalhadores politizados, tendo em vista colocar o lucro acima do ser humano. Uma EPT unitária, de formação omnilateral, valoriza a integralidade do sujeito no todo de sua vivência social, tanto na vida profissional quanto na vida pessoal. Nesse sentido, segundo Barato (2008), as obras dos trabalhadores representam a sua existência, o seu pertencimento, a sua realização, e as profissões interdependentes não podem ser limitadas na EPT dentro da divisão social do trabalho. Por isso, a formação integral do trabalhador não pode se limitar somente a aspectos técnicos de sua profissão, mas também a aspectos socioculturais e políticos da atuação profissional. A educação, ampla em sua formação, não pode ser dicotômica na separação trabalho intelectual vs. trabalho manual, pois o ser apreende no trabalho a aprender fazendo e a fazer aprendendo, de modo unitário e relevante ao todo da sociedade, consoante Moura (2007). A EPT tem assim o cuidado de conscientizar o trabalhador da importância do seu trabalho e da consciência da classe a que pertence para que seja preparado para transformar o mundo em que vive, não aceitando passivamente explorações. O dever da educação emancipadora se realiza na formação crítica do trabalhador, enredado em questões políticas das mais diversas. Segundo Antunes (2000), a classe trabalhadora necessita da compreensão dos sentidos da centralidade do trabalho e de sua potencialidade emancipadora, por isso precisa o trabalhador entender e reprovar a alienação e a exploração que trazem a dominação e a infelicidade do ser que produz. Nesse contexto, entende-se a crítica ao modelo capitalista exploratório, visto que o trabalho estruturante do capital se mostra extremamente desestruturante da humanidade, enquanto o trabalho que serve de estruturação do ser humano desestrutura o capital de exploração, de acordo com Antunes (2000). Desse conflito, surge a necessária luta por superação da acomodação ideológica. A EPT, assim, se mostra uma ferramenta de conscientização do trabalhador contra a sua própria exploração. Na confirmação disso, Mattos et al (2019, p. 96) afirma: Freire no cenário educacional brasileiro merece, inclusive, destaque, na direção contrária do que vem sendo ressaltado de forma reiterada e estereotipada pelo movimento Escola sem Partido, que o apresenta como referência nociva a ser “varrida” das escolas. Ao dialogarmos com nosso passado educacional, podemos perceber que esse educador teve justamente sua trajetória marcada pela defesa incansável da escola pública e pelo compromisso com práticas que valorizam os educandos como sujeitos ativos em seu processo formativo, aspectos que o aproximam de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, entre outros educadores e educadoras. Essa tradição democrática, reforçada no processo de redemocratização do país na década de 1980 e de crítica à ditadura civil-militar e a seus impactos na cena educacional, vem estimulando, não uma doutrinação “de esquerda”, como tentam fazer crer indivíduos totalmente distanciados do “chão da escola”, mas uma educação pautada pela autonomia, liberdade e pelo pensamento crítico.
Com base nessa dimensão de formação educacional, constata-se que uma educação pública e gratuita se faz importante à classe trabalhadora na formação da cidadania. Isso re47
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quer o entendimento de que a palavra cidadania significa o cidadão que se envolve com as questões políticas de sua cidade, uma vez que polis, de onde se origina política, representa cidade. Assim, a EPT não pode se furtar a práticas interdisciplinares de conscientização política contra a manipulação ideológica do capitalismo exploratório. Deve o trabalhador entender que o trabalho realiza o homem e não pode representar sua infelicidade. Por isso, com base nos escritos de Antunes (2000), precisa a EPT atuar firmemente na comunicação conscientizadora de que a classe trabalhadora deve se organizar na exigência da valorização cultural dos direitos e deveres da vida humana.
3 Ideologia e manipulação Dentro da formação educacional crítica, a partir da dialética marxista das contradições capitalistas na luta de classe, entende-se que a ideologia está nos discursos. Dessa forma, consta-se que não existe neutralidade. Os pronunciamentos se mostram ideológicos. Segundo Althusser (1980, p.69), a ideologia pode ser entendida como “sistema de ideias, de representações, que domina o espírito de um homem ou de um grupo social”. Para isso, existem os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIEs), utilizados para manipular as pessoas sem que elas saibam que estão sendo ludibriadas em discursos tendenciosos. Com tal propósito, a fim de alienar os indivíduos, utilizam-se a religião, a família, a mídia, a escola, o mundo do trabalho, o Estado. A falácia, estudo da lógica de argumentação, mostra a todos como o mundo atual, de aparente comunicação fácil, vem se utilizando de falácias conceituais na produção de Fake News, notícias falseadas em viés de verdade e de confirmação. Fragmentos discursivos descontextualizados, vídeos tirados de um contexto e colocados em outro, frases inventadas em legendas falsas de fotos e outros recursos impedem a comunicação de que a sociedade precisa para se organizar em torno de lutas comuns essenciais à sobrevivência digna, tais quais saúde, educação, emprego, segurança. Divididas em posições estrategicamente trabalhadas, as pessoas são mais facilmente dominadas. Assim, conforme sua pré-disposição, sem disposição a uma pesquisa mais aprofundada, a pessoa aceita uma verdade, encontra uma confirmação dessa verdade em algum caso ou exemplo e generaliza falaciosamente o tema, sem o conhecimento do todo. Isso caracteriza o viés de verdade e de confirmação usado na manipulação de Fake News publicadas em massa nas redes sociais.De acordo com Grego; Moreira e Costa (2017, p. 4): O Viés de Confirmação consiste na influência de crença ou ideia preconcebida dos indivíduos em suas decisões. Isto ocorre porque o indivíduo tende a selecionar, dentro de todas as informações disponíveis, apenas aquelas que sustentam ou confirmam suas expectativas estabelecidas anteriormente.
Nesse contexto, a EPT crítica pretende ser atuante na conscientização da importância do Agir Comunicativo de Habermas (2012) no que se refere à união da classe trabalhadora em busca do entendimento de que deve haver um esforço de cooperação comunicativa com base 48
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nos interesses comuns de luta contra a exploração e de criação de um mundo melhor: No agir comunicativo, a linguagem assume, além da função de entendimento, o papel de coordenação das atividades orientadas por fins de diferentes sujeitos da ação, e o papel de um meio da própria socialização dos sujeitos em ação. (HABERMAS 2012, p. 10)
Em vista disso, entende-se que a EPT não pode estar alienada da esfera comunicacional que envolve o mundo do trabalho e que manipula o trabalhador na divisão social do trabalho e na aceitação de discursos de dominação e exploração. Ao contrário, precisa ser atuante na análise crítica de discursos que servem para acomodar as desigualdades sociais. Para tanto, considera-se relevante a abordagem sociocultural de ensino proposta por Paulo Freire, uma vez que o pensador defende uma educação libertária mediada pelo processo intencional de formação da consciência crítica da classe trabalhadora. Contra a alienação, Freire (1983, p. 35) argumenta: A sociedade alienada não tem consciência do seu próprio existir. Um profissional alienado é um ser inautêntico. Seu pensar não está comprometido consigo mesmo, não é responsável. O ser alienado não olha para a realidade com critério pessoal, mas com olhos dos outros.
Por tudo isso, contrariando a tese defendida pelo PL 246/2019 Programa Escola sem Partido, a EPT não pode deixar de incluir em sua bibliografia autores ligados à formação crítica dos profissionais, para além da preparação mercadológica apenas.
4 Biobibliografia de Paulo Freire Patrono da educação brasileira, respeitado mundialmente, Paulo Freire nasce em 1921, na cidade de Pernambuco, Recife, e morre em 1997 na cidade de São Paulo. Homem politizado e educador engajado, Freire se mostra ligado à abordagem sociocultural de ensino. Como experiência educacional, ministra aula de Língua Portuguesa e de Filosofia da educação, é diretor de escola e cria o Instituto Capibaribe, instituição que provoca a curiosidade de muitos intelectuais da época e que existe ainda. Seu método de alfabetização, firmado no universo vocabular do aluno, a partir da vivência do educando, fica famoso em 1962, com a experiência de alfabetizar 300 trabalhadores do campo em 40 horas. Aplicado em Angicos (RS), a experiência fica marcada como “Quarenta horas de Angicos”. Como mostra de atraso social e tentativa de preservação da ignorância no formato de manipulação, proprietários de terras apelidam a experiência de alfabetização de “Praga Comunista”, de acordo com Frazão (2019). Isso mostra que educar representa incomodar aqueles que se aproveitam da deseducação. Conforme Mizukami (2019), o método educativo de Freire consiste em elencar palavras do universo dos educandos, eleger vocabulário gerador de reflexão, criar situações típicas vivenciadas pelos alunos, elaborar fichas com roteiros e fonéticas ligados a vocabulários geradores de descobertas de fonemas empregados na criação de novas palavras com sílabas conhecidas. Essas etapas devem evoluir para universos temáticos geradores de reflexão críti49
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ca. Paulo Freire apregoa a educação como um processo permanente de conscientização e de transformação de si mesmo e do mundo, o que caracteriza a sua abordagem em importantes questões políticas. Por entender o ato de educar como libertário, no contexto do regime militar implantado a partir de 1964, Freire é chamado subversivo e preso por mais de dois meses. Depois disso, exila-se no Chile, onde se envolve em processos educacionais de adultos. Com experiência educacional na Universidade de Harvard e na Suíça, também atua como consultor educacional em diversos países subdesenvolvidos. No Brasil, findada a ditadura militar, Freire retorna do exílio e leciona na PUC e na Unicamp. Também ocupa o cargo de Secretário de Educação da Prefeitura de São Paulo, conforme atesta Frazão (2019). Com mais de quatro dezenas de títulos de Doutor Honoris Causa, Freire pode ser apresentado como o intelectual brasileiro mais respeitado no cenário mundial, homenageado por Cambridge, Harvard e Oxford, entre outras instituições educacionais. As obras de Paulo Freire são indispensáveis a quem quer que seja que resolva estudar a educação brasileira e também a mundial, sobretudo a EPT. Disso decorre sua importância. Como pessoa politizada e educador crítico, até hoje incomoda aqueles que investem na ignorância contra a formação crítica da classe trabalhadora. Os títulos de suas principais obras revelam bem a importância que o pensador atribui à libertação pela prática educativa politizadora em busca da transformação social de que precisa a humanidade: Educação Como Prática da Liberdade (1967); Pedagogia do Oprimido (1968); Cartas à Guiné-Bissau (1975); Ação cultural para a liberdade (1975); Educação e Mudança (1981); A importância do ato de ler (1981); Prática e Educação (1985); Medo e ousadia: o cotidiano do professor (1986); Política e educação (1985); Por Uma Pedagogia da Pergunta (1985); A educação na cidade (1991); Pedagogia da Esperança (1992); Professora Sim, Tia Não; Carta a Quem Ousa Ensinar (1993); À Sombra Desta Mangueira (1995); Pedagogia da Autonomia (1997). Observadas a vida e a obra de Paulo Freire, nota-se a relevância do educador para a EPT crítica, sobretudo dentro do contexto político atual de defesa de formação acrítica, segundo consta no PL 246/2019 Programa escola sem Partido. Paulo Freire se mostra ligado à EPT no que se refere a colocar em prática a formação educacional libertária da classe trabalhadora. Por essa razão, o referido pensador representa bibliografia básica na formação de professores e estudantes que atuam na EPT e incomoda os defensores do PL 246/2019 Programa Escola sem Partido.
5 Abordagem sociocultural de Paulo Freire contra o PL- Programa Escola sem Partido na EPT 50
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Contrário à educação bancária de apenas transmissão de conhecimento considerando o educando um receptáculo de depósitos de conteúdo, Paulo Freire, dentro de uma perspectiva pedagógica sociocultural, defende a ideia de que o ato de educar implica questões políticas, culturais e sociais. Freire, na sua práxis educativa, se concentra na vivência do aluno em suas leituras de mundo, conforme explicita Mizukami (2019). Desse modo, a autora explica que abordagem sociocultural no ensino se baseia no aprendiz como sujeito do processo de sua educação. De maneira interacionista, os indivíduos precisam refletir sobre a realidade em que vivem para terem consciência e condição de modificá-la socialmente. Nesse processo, ligada à perspectiva de Freire (1996, p.110), o qual defende que “(...) a educação é uma forma de intervenção no mundo (...)”, a EPT constitui um fazer político, e o conhecimento é visto como dinâmico no processo continuado de modificação permanente apoiada na centralidade do sujeito aprendiz no seu aprender a aprender. O agir pedagógico precisa ser suportado em verbos de ação como organizar, cooperar, unir, solucionar, debater, respeitar, envolvendo o ato de aprender tanto para o aluno como para o professor, ambos aprendendo juntos. A aprendizagem deve assim ser ativa e significativa em sala. Sendo assim, uma educação politizada, como demonstra a abordagem sociocultural, busca a conscientização, a qual precisa ocorrer num clima de revelação da consciência crítica da realidade. Conforme Vieira (1960) há vários tipos de classificação de consciência: intransitiva, basicamente biológica e ligada à sobrevivência; transitiva ingênua, baseada em explanações fantasiosas, saudosistas, catastróficas, reacionárias; transitiva, centralizada no pensamento crítico, reflexivo, atento, questionador, criativo, inovador e antirreacionário. Os estudos sobre tais tipos de consciência, segundo Mizukami (2019, p.95 e 96), revelam: A passagem da consciência predominantemente intransitiva para a predominante transitiva ingênua se faz, segundo Paulo Freire, de forma paralela à promoção dos padrões econômicos da comunidade. Essa promoção é automática; no entanto, a promoção da consciência predominantemente transitivo-ingênua para a predominantemente transitivo-crítica não se dá automaticamente, mas apenas quando inserida num trabalho educativo com essa destinação. A criticidade implicará, portanto, uma crescente apropriação, pelo homem, de seu comportamento.
Como se observa, a educação como um todo, sobretudo a EPT, que atua na formação de trabalhadores, tem a destinação de formar cidadãos pensantes, conscientes, atuantes em temas sociais, políticos e culturais, tendo em vista o próprio Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004, o qual define que a EPT precisa articular educação, trabalho e emprego, entender o trabalho como princípio educativoe promover a indissociabilidade entre teoria e prática, considerações inclusas pelo decreto nº 8.268, de 2014. Não pode a EPT, pois, se curvar à tendenciosidade da ideia de neutralidade defendida no PL 246/2019 Programa Escola sem Partido. Freire (1975, p. 24) já discute isso: [...] a neutralidade da educação é impossível, como impossível é, por exemplo, a neutralidade na ciência. Isso quer dizer que, não importa se como educadores somos ou não conscientes, a nossa atividade desenvolve-se ou para a libertação dos homens - a sua humanização - ou para a sua domesticação – o domínio sobre eles.
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Bittencourt (2017, p. 127), questionando o PL 246/2019 Programa Escola sem Partido, reforça a ideia de Freire: Assim como não existe saber desinteressado, também não existe ação desinteressada. Mesmo a defesa incondicional da neutralidade axiológica já se configura uma tomada de decisão, uma escolha singular. Exigir neutralidade de alguém, portanto, denota tendenciosidade.
Cabe à EPT, em vista disso, adotar a trilha da libertação pela educação crítica do trabalhador, a fim de socioculturalmente promover o desenvolvimento da classe trabalhadora na busca da superação do modelo exploratório das forças de trabalho. Nessa direção, entende-se a integração da EPT na abordagem sociocultural de Paulo Freire, visto que a formação do trabalhador se dá dentro de um contexto de constituição de indivíduos capazes de desenvolver transformações na sua vida pessoal e coletiva de modo emancipatório.
6 Considerações finais A abordagem sociocultural de Paulo Freire se coaduna aos preceitos conceituais da EPT contrários ao PL 246/2019 Programa Escola sem Partido. Nesse sentido, a centralidade do trabalho considerado como princípio educativo se pauta numa pedagogia de conscientização crítica e libertária do trabalhador. Para isso, o combate à manipulação ideológica presente na proposição de neutralidade do professor em sua práxis educacional precisa ser enfrentado como uma tentativa de cercear a liberdade de cátedra assegurada aos mestres na pluralidade de debates sobre ideias, temas e teorias. Pelo trabalho, o homem se educa e se fortalece politicamente. Por essa razão, não pode o trabalhador aceitar pacificamente a divisão social do trabalho que desconsidera a relação de interdependência das mais variadas profissões honestas e dignas que dão sentido à vida humana. Sendo assim, a EPT tem o dever de trabalhar a dimensão política da formação profissional de combate contra-hegemônico às ideologias de dominação, numa atitude de libertação pela autovalorização do resultado de trabalho e pela luta por direitos e por combate à exploração capitalista. O ser humano deve receber formação profissional ampla e consciência crítica de acesso a bens culturais, científicos e tecnológicos que não lhe podem ser negados. A EPT tem de valorizar a indissociabilidade entre pensar e fazer, e a abordagem sociocultural de Paulo Freire se manifesta imprescindível à EPT no sentido de promover a tomada da consciência crítica na formação cidadã, uma vez que o educador serve de base para a EPT no sentido de indicar que o docente não pode ser neutro na preparação do trabalhador. Ao contrário, o professor crítico deve contextualizar socioculturalmente o ensino para o mundo do trabalho, e não pode ser alienado de esperar ingenuamente que a classe dominante queira oferecer à classe dominada uma educação libertária. Sendo assim, A EPT precisa ocorrer com qualidade de forma politizada no sentido de 52
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debater temas geradores ligados à questão do trabalho, como seguridade social, classes sociais, papel do povo, participação popular, trabalho escravo, trabalho infantil, desigualdade salarial entre gêneros, tolerância religiosa, combate ao racismo e à homofobia. Isso não significa transformar a sala de aula em diretório partidário, mas sim trazer para a discussão em sala temas políticos do mundo sociocultural do trabalho, com o objetivo de formar cidadãos questionadores de ideologias e de dominação exploratória. Desse modo, docentes e discentes da EPT não podem se curvar ao PL 246/2019 Programa Escola sem Partido. Moreira (2017, p.153) nos mostra, por exemplo, que: “O educador freireano dirige os trabalhos do educando para, com ele, ultrapassar sua ingenuidade inicial. É um educador diretivo, libertador, não manipulador, opressor, domesticador”. Tal atitude mediadora de formação crítica na EPT constitui a base da formação profissional ampla, em total consonância com a abordagem sociocultural de Paulo Freire, no que concerne a educar politicamente o trabalhador para a sua libertação contra tudo aquilo que o aprisiona e que o infelicita em sua existência. Mészaros (2004), ligando ideologia, política e ciência, expõe a impossibilidade de existência de atuação supraideológica, visto que o engodo ideológico se manifesta forte no combate a lutas emancipatórias, como se observa no PL 246/2019 Programa Escola sem Partido. Em vista disso, entende o autor que a busca por neutralidade educacional com a defesa de discursos anti-ideológicos significa na verdade apenas uma armadilha estratégica de ideologia voltada à alienação contra movimentos emancipatórios de formação crítica da classe trabalhadora. Nesse sentido, fortalece-se a necessidade de as classes dominadas constituírem seus intelectuais orgânicos, conforme defende Gramsci (1999), a fim de defenderem seus interesses. Assim sendo, o professor crítico pode ser visto como um intelectual orgânico contrário ao modelo capitalista injusto e exploratório. Por isso, Gramsci, assim como Freire, incomodam tanto os defensores do PL 246/2019 Programa Escola sem Partido. Sendo assim, contata-se que a busca contínua da consciência crítica na EPT deve ser feita, portanto, a partir da discussão concreta em sala de temas da realidade do trabalhador, o qual precisa se identificar na luta de classes contra a exploração de sua força de trabalho. Logo, a educação omnilateral de caráter emancipatório na EPT se faz de modo indispensável, por isso o educador tem de ter liberdade pedagógica para apresentar teorias e debates que historicamente permeiam a vida humana, bem como problemas e soluções sociais que precisam de enfrentamento crítico e organização da classe trabalhadora. Para tanto, a abordagem sociocultural de Paulo Freire se faz atrelada aos objetivos da EPT e precisa ser valorizada por docentes e discentes que buscam um aprendizado significativo dentro do contexto político do tecido social. Referências ALGEBAILE, Eveline. Escola sem Partido: o que é, como age, para que serve. In:FRIGO53
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O USO DE METODOLOGIAS ATIVAS NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: A IMPORTÂNCIA DA MEDIAÇÃO DO PROFESSOR NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM Gabriela Targa Leal24 Vanessa Araújo Bernardes25 Edson Maciel Peixoto26 Renata Gomes de Jesus27
Resumo: Este artigo tem o objetivo de analisar o papel do professor ao utilizar das metodologias ativas – Aprendizagem Baseada em Problemas e Aprendizagem Baseada em Projetos – nas práticas pedagógicas realizadas em sala de aula, com a finalidade de compreender de que forma sua atuação influencia no processo de ensino e aprendizagem dos alunos. Para colaborar com a discussão, utilizamos, entre outros, dos autores Mizukami (1986), Filatro e Cavalcanti (2018) e Moreira (2011). As práticas pedagógicas que utilizam das metodologias ativas contribuem para ajudar o aluno a aprender a pensar, refletir e criar, com autonomia, soluções para os problemas que enfrenta, mas é extremamente importante que o professor assuma uma postura de mediador desse processo, que seja um guia, um organizador das atividades. Se esta mediação não ocorre, o processo pode tornar-se vazio de significado.
Palavras-chave: Metodologias Ativas. Mediação. Práticas Pedagógicas.
1 Introdução Este artigo foi elaborado a partir de estudos realizados nas disciplinas que integram o Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Ifes). O tema central deste estudo são as metodologias ativas, que vêm sendo utilizadas no campo educacional, como contraponto às metodologias tradicionais. Na abordagem tradicional, conforme destaca Mizukami (1986), o ensino é centrado no que é externo ao aluno: no programa, nas disciplinas e no professor. O foco do ensino está na transmissão de conteúdos, por meio de aulas expositivas. Cabe ao aluno executar o que é determinado pelo professor, do qual exige-se repetição automática do que lhe foi previamente ensinado. Já as metodologias ativas, segundo Filatro e Cavalcanti (2018), baseiam-se em uma abordagem mais humanista e são inspiradas em teóricos que ergueram suas teses em contraposição aos modelos tradicionais vigentes. As metodologias ativas enfatizam o protagonismo 56
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do aluno e a centralidade no ser humano. Dessa forma, compreendem que o processo de ensino e aprendizagem acontece na colaboração entre os alunos e na ação-reflexão. É formada por um conjunto de práticas pedagógicas que auxiliam o professor a levar o aluno a fazer e a pensar sobre o que faz. Trata-se de abordagens de cunho ativo e colaborativo. As metodologias ativas, por incluírem estratégias, técnicas e abordagens de ensino que envolvem, e engajam, os alunos no desenvolvimento de projetos e/ou atividades práticas, visam a preparar o aprendiz para responder às necessidades pessoais e aos anseios de uma sociedade em constante transformação. Visam a preparar o aluno para pensar, refletir e criar, com autonomia, soluções para os problemas que enfrentam, e, não somente acumular saberes, mas aplicá-los em situações-problemas reais do dia a dia. Filatro e Cavalcanti (2018) expõem que, no âmbito das metodologias ativas, destacam-se abordagens como: aprendizagem baseada em projetos, aprendizagem baseada em problemas, movimento maker, instrução por pares, alunos como designers e designthinking. Neste trabalho, iremos apresentar dois tipos de metodologias ativas: Aprendizagem Baseada em Problemas e Aprendizagem Baseada em Projetos. As metodologias escolhidas foram desenvolvidas com foco no Ensino Superior. Nossa escolha por essas metodologias aconteceu por entendermos que há viabilidade em aplicá-las também no Ensino Médio. Baseado no estudo de Filatro e Cavalcanti (2018) sobre as metodologias ativas e as abordagens de Aprendizagem Baseada em Problemas e Aprendizagem Baseada em Projetos, destacamos que a primeira consiste em empregar situações reais, ou simuladas, como ponto de partida para iniciar o processo de ensino e aprendizagem de conhecimentos, sejam eles, conceituais, procedimentais e atitudinais. Nesta abordagem, o professor não pode perder de vista o aluno, por isso, se utiliza de situações-problema que façam sentido para a comunidade escolar, para que o aluno possa ser encantado pelo assunto a ser tratado. A finalidade da Aprendizagem Baseada em Problema é desenvolver o pensamento crítico, as várias habilidades para solucionar um problema e a aquisição de conhecimentos essenciais. Segundo Filatro e Cavalcanti (2018, p. 32), as atividades envolvidas nesta metodologia consistem em: identificar, investigar e solucionar um problema “podendo ser trabalhada de forma individual ou colaborativa a fim de aprender e pensar em soluções para um problema estudado”. Na abordagem da Aprendizagem Baseada em Projetos, os estudantes são organizados em grupos para desenvolver um projeto. Nessa metodologia, o professor apresenta um tema instigante que norteia as ações relacionadas ao projeto e é ele quem orienta os grupos, indicando prazos, escopo de trabalho, expectativas de resultados e critérios de avaliação. Geralmente o objetivo final pode ser a entrega de um produto que pode ser um relatório das atividades realizadas, um protótipo da solução concebida ou um plano de ação a ser implementado na comunidade local. A Aprendizagem Baseada em Projeto instiga o aluno a construir seu próprio conhecimento, assemelhando-se com uma prática profissional futura, pois favorece o desenvolvimento do pensamento crítico e da visão sistêmica, facilita a associação da teoria com a prática e desafia o aluno a encontrar soluções para demandas do mundo real. 57
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Essas duas abordagens podem ser trabalhadas conjuntamente e por meio delas os alunos têm a possibilidade de estudar, a partir de um problema real ou simulado, ao mesmo tempo em que desenvolvem, de forma colaborativa, um projeto que visa a propor uma solução para um problema investigado. Compreendemos que a utilização dessas metodologias pode se mostrar estratégica para formação de cidadãos colaborativos, capazes de solucionar problemas e de exercer liderança com pensamento crítico, cidadãos adaptáveis, analíticos ao acesso de informação e autônomos. Porém, para que isso efetivamente aconteça, é necessário que o professor assuma um papel de mediador, ao utilizar dessas abordagens, uma vez que, conforme Oliveira (2006, p.12), cabe ao professor “destacar os conteúdos conceituais e procedimentais possíveis de serem desenvolvidos, indicar fontes de informação, criar um clima de envolvimento e interesse do grupo e planejar etapas do projeto”. O objetivo deste estudo consiste em apresentar o papel do professor, ao utilizar estas metodologias ativas nas práticas pedagógicas realizadas em sala de aula, com a finalidade de compreender de que forma sua atuação influencia no processo de ensino e aprendizagem dos alunos. Esse artigo está organizado da seguinte forma: 1) apresentação das metodologias ativas, especificamente, as abordagens da Aprendizagem Baseada em Problema e Aprendizagem Baseada em Projeto; 2) apresentação do conceito de mediação em Vygotsky, relacionando-o à utilização das metodologias ativas nas práticas pedagógicas, com enfoque no papel do professor como mediador do processo de ensino e aprendizagem e; 3) aproximações entre a teoria de Vygotsky e as metodologias ativas de Aprendizagem Baseada em Projetos e Aprendizagem Baseada em Problemas.
2 Metodologias Ativas, Interdisciplinaridade e Mediação em debate 2.1 As metodologias ativas e a interdisciplinaridade As metodologias ativas, para Filatro e Cavalcanti (2018), partem do pressuposto de que a aprendizagem é um processo amplo que eleva o aluno à categoria de protagonista dentro do contexto de ensino e aprendizagem, contrariando, em suas raízes, toda a metodologia tradicional, cujo foco centra-se exclusivamente no professor. Para entendermos melhor este conceito, buscamos Bacich e Morán (2018, p.4) que afirmam: “[...] as metodologias ativas dão ênfase ao papel protagonista do aluno, ao seu envolvimento direto, participativo e reflexivo em todas as etapas do processo, experimentando, desenhando, criando, com orientação do professor”. É certo que, mesmo com as mais modernas técnicas que facilitam o ato de ensinar e aprender, colocando a luz no aluno, ainda assim, destaca-se a relevância do papel do professor. Segundo Filatro e Cavalcanti (2018), as metodologias ativas colocam o foco no aluno, mas apresentam alternativas de se trabalhar tanto individual quanto coletivamente. Independentemente da opção de trabalho, a aprendizagem acontece tanto de forma individual quanto 58
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colaborativaeo aluno é convocado a exercer o papel de sujeito ativo, que participa do seu processo de aprendizagem, refletindo sobre ele. Dentro desse viés metodológico, outro conceito relevante é o da interdisciplinaridade. Isto, porque as metodologias ativas consideram situações reais da vida cotidiana de seu aluno e da comunidade em que ele está inserido. Situações reais não se referem a uma única disciplina, englobam características de várias delas, favorecendo a aprendizagem significativa, a partir de uma contextualização que procure fazer sentido para o aprendiz. Dessa forma, podemos entender o conceito de interdisciplinaridade como sendo: A consciência da necessidade de um inter-relacionamento explícito e direto entre as disciplinas todas. Em outras palavras, a interdisciplinaridade é a tentativa de superação de um processo histórico de abstração do conhecimento que culmina com a total desarticulação do saber que nossos estudantes (e também nós, professores) têm o desprazer de experimentar (ALVES; GARCIA, 2000, p.17).
Dessa maneira, as metodologias ativas buscam uma articulação do saber, por meio da qual, faça sentido estudar, e aprender, determinado conteúdo, que só pode ser compreendido a partir de uma contextualização com a realidade do aluno. Conforme Filatro e Cavalcanti (2018, p.35) “[...] a interdisciplinaridade é promovida pela colaboração, interatividade e articulação entre campos do conhecimento”, características inerentes às metodologias ativas que serão definidas a seguir. Dentro das metodologias ativas, escolhemos nos aprofundar em duas delas: Aprendizagem Baseada em Problemas e Aprendizagem Baseada em Projetos. A primeira teve sua origem nos cursos superiores de medicina em universidades do Canadá e da Holanda. Essa metodologia foi baseada em conceitos do psicólogo que versou sobre a cognição, Jerome Bruner edo filósofo e professor que defendeu a ideia da união entre a teoria e as práticas de ensino, John Dewey. Propõe a utilização de situações reais ou simuladas – mas que permeiem a realidade do aluno e sua comunidade – para incentivar, motivar e focar a aprendizagem. A Aprendizagem Baseada em Problemas, segundo Ribeiro e Mizukami (2004, p.91), deve ser “[...] direcionada por um problema […] de fim aberto, que não comporta uma solução correta única, deve preceder à teoria, atuando como o foco da aprendizagem, e promover a integração dos conceitos e habilidades necessários para sua solução”. O trabalho do professor que utiliza essa metodologia, em sala de aula, está em articular-se com os demais professores em busca de uma situação-problema que faça sentido para seu aluno e que seja devidamente trabalhada, considerando todas as disciplinas envolvidas para que o conhecimento seja produzido. Já a aprendizagem baseada em projetos “[...] pode ser definida pela utilização de projetos autênticos e realistas, baseados em uma questão, tarefa ou problema altamente motivador e envolvente” (BENDER, 2014, p.16). A intenção é de ensinar conteúdos acadêmicos aos alunos, a partir de questões que o envolvem no mundo real, utilizando do trabalho cooperativo para resolver os problemas. Existe uma intersecção entre as duas metodologias: O foco na aprendizagem baseada em problemas é a pesquisa de diversas causas possíveis para um problema (p. ex., a inflamação de um joelho), enquanto na aprendiza-
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gem baseada em projetos, procura-se uma solução específica (construir uma ponte). Na prática, há grande inter-relação e, por isso, é frequente o uso das siglas como sinônimos (BACICH; MORÁN, 2018, p.15).
Importante ressaltar que a Aprendizagem Baseada em Problemas parte de um problema e pode ser realizada individualmente, ou seja, seu período de tempo é relativamente menor que a Aprendizagem Baseada em Projeto, que parte de um tema, algo bem mais abrangente, só pode ser realizada em grupo e, obrigatoriamente, apresenta um produto final. Independentemente de qual metodologia usar, ou mesmo se optar por usar as duas, necessário se faz a elaboração cuidadosa de um plano de aula com os objetivos bem traçados, de forma clara e concisa, ecom as etapas de desenvolvimento bem definidas. Portanto o papel do professor é fundamental para o sucesso da atividade.
2.2 A mediação em Vygotsky na utilização das metodologias ativas: o papel do professor Por compreendermos que o aluno tem papel de protagonista do processo de ensino e aprendizagem, quando se utiliza das metodologias ativas nas práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula, este trabalho preocupa-se em lançar um olhar sobre o papel do professor, que necessita assumir uma postura mediadora, durante todo o percurso para auxiliar o aluno a aprender a pensar, a refletir e a criar, com autonomia, soluções para os problemas que enfrentam. Ele precisa se apropriar de uma característica que é inerente ao seu papel no processo educativo, uma vez que “A ideia do professor medeia o que e o como a criança irá aprender; eles atuam como um filtro, orientando e selecionando as ideias que o aluno irá aprender” (FIGUEIRA et al., 2014, p.38). Nesta perspectiva, utilizaremos dos estudos de Moreira (2011) sobre a teoria da mediação em Vygotsky28 para nos embasar. Moreira (2011, p. 107) afirma que “[...] para explicar o desenvolvimento cognitivo, Lev Vygotsky (1896-1934) parte da premissa que esse desenvolvimento não pode ser entendido sem referência ao contexto social e cultural no qual ele ocorre”. Podemos, dessa forma, compreender que o indivíduo se desenvolve cognitivamente a depender do contexto social, histórico e cultural. A conversão do que está no contexto social em funções mentais individuais ocorre a partir da mediação, por meio da qual se internalizam comportamentos sócio-históricos e culturais. Essa ponderação da teoria de Vygotsky vai ao encontro da utilização das metodologias ativas, uma vez, que segundo Almeida (apud BACICH; MORAN, 2018, p.4), a metodologia ativa se caracteriza pela inter-relação entre educação, cultura, sociedade, política e escola, desenvolvida por meio de métodos ativos e criativos, centrados na atividade do aluno com a intenção de propiciar a aprendizagem. [...] utilizada em situações em que os estudantes assumem o protagonismo em seus processos de aprendi-
28 Vygotsky formou-se em Direito pela Universidade de Moscou, em 1917, mas especializou-se, e foi professor de literatura e psicologia. Mais tarde, interessou-se pela medicina e fez o curso de medicina no Instituto Médico de Moscou. Foi um erudito, com formação de largo espectro. Morreu de tuberculose em 1934, aos 38 anos, deixando incompletauma grande obra intelectual, que foi continuada e refinada por seus colaboradores, em particular A.N. Leontiev e A. R. Luria (MOREIRA, 2011, p. 108). 60
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zagem mediante a orientação de professores.
A teoria de Vygotsky enfoca a interação entre os indivíduos e o meio, como ferramenta fundamental para que ocorra o processo de ensino e aprendizagem. Essa interação social supõe envolvimento ativo dos envolvidos, não é necessário que seja no mesmo nível, no processo de experimentar e conhecer. Ou seja, o processo de ensino e aprendizagem ocorre por meio da troca de ideias, de experiências, de conhecimento. Para Vygotsky, “esta interação é fundamental para o desenvolvimento cognitivo e linguístico de qualquer indivíduo. Contudo, seus mecanismos são difíceis de identificar, qualificar e quantificar com precisão” (MOREIRA, 2011, p. 110). Vygotsky (1988) afirma que, para a aprendizagem ocorrer, essa interação deve acontecer dentro da zona de desenvolvimento proximal (ZDP), entendida como a [...] distância entre o nível de desenvolvimento cognitivo real do indivíduo, tal como medido por sua capacidade de resolver problemas independentemente, e o seu nível de desenvolvimento potencial, tal como medido por meio da solução de problemas sob orientação (Vygotsky, 1988 p. 97 apud MOREIRA, 2011, p. 114).
Nesse sentido, a aprendizagem ocorre no intervalo da ZDP, onde o conhecimento real é aquele que o sujeito tem capacidade para realizar sozinho e o potencial é aquele que há necessidade do auxílio de outros para resolver. Compreendemos, a partir de Moreira (2011), que o ensino se consuma quando aluno e professor compartilham significados, isto, porque o ensino acontece na interação social. Dentro da escola, o professor é aquele que possui um maior repertório de significados socialmente compartilhados. Ele, então, apresenta ao aluno esses significados, no contexto da matéria estudada, e o aluno precisa mostrar para ele que captou esse significado. Cabe ao professor verificar se o significado que o aluno demonstrou é o compartilhado socialmente, demonstrando a importância da sua mediação para o processo ensino e aprendizagem.
2.3 Aproximações entre a teoria de Vygotsky e as metodologias ativas abordadas No que se refere às aproximações entre as metodologias ativas tratadas nesse estudo e a teoria de Vygotsky, a partir da obra de Moreira (2011), ponderamos inicialmente a que aponta para o contexto social do aluno. “Lev Vygotskyparte da premissa que esse desenvolvimento [cognitivo] não pode ser entendido sem referência ao contexto social e cultural no qual ele ocorre” (p.107) e, dentro dessa assertiva, sua teoria se alinha com ambas as propostas metodológicas, que defendem que a aprendizagem deve ser direcionada por um problema que emerge do mundo real, portanto, que faça sentido para o aprendiz. A primeira etapa de ambas as metodologias é definir uma situação-problema que norteará a aprendizagem. Essa definição, considerando o contexto do aprendiz, não significa limitar-se, apenas, a questões específicas da comunidade em que o mesmo vive, bem como a 61
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tudo aquilo que nela acontece. Demanda, sobretudo, possibilitar uma interlocução com o mundo plural e globalizado, respeitando todo o aparato cultural, histórico e social do aluno, uma vez que “[...] o contexto social é grande fator de desenvolvimento; tem uma profunda influência no como e no que se pensa” (FIGUEIRA et al.,2014, p.39). Considerando a perspectiva vygotskyana, essa primeira etapa das metodologias ativas é de fundamental importância. Isto, porque, para esse autor, “[...] o desenvolvimento cognitivo é a conversão das relações sociais em funções mentais” (MOREIRA, 2011, p.108). Ou seja, a definição do problema a ser trabalhado implica o desenvolvimento cognitivo que poderá ocorrer. A partir dessa etapa, os estudantes precisam se organizar para resolver o problema proposto, contando com o apoio do professor e, segundo Moreira (2011, pp.108-109), “é por meio da socialização que ocorre o desenvolvimento cognitivo”. Nesse sentido, encontramos novamente aproximação das metodologias ativas com o conceito de mediação em Vygotsky, para quem a transformação de relações sociais em funções psicológicas (a internalização ou aprendizagem) acontece necessariamente através da mediação, que inclui o uso de instrumentos (algo que pode ser usado para alguma coisa) e signos (algo que significa alguma outra coisa). A mediação, neste contexto, acontece a partir da interação social. Segundo Moreira (2011), Vygotsky defende que o conhecimento social, construído histórica e culturalmente, é internalizado pelos indivíduos a partir da interação social, a qual ocorre a partir do intercâmbio ativo entre um mínimo de duas pessoas. Por intercâmbio ativo entendemos o espaço que cada elemento dessa interação tem de se colocar. No trabalho em grupo, todos os envolvidos têm seu lugar de fala e contribuem uns com os outros para a aprendizagem, para a internalização daquilo que ainda lhe é externo, apesar de seus níveis cognitivos não estarem, necessariamente, alinhados, pois envolve tanto os alunos quanto os professores. Por fim, ressaltamos que ambas as metodologias privilegiam o diálogo, o qual está presente em diversas situações no desenrolar da aplicação prática dessas metodologias ativas: quando o professor solicita que a turma se divida em grupos, favorecendo uma negociação entre os próprios estudantes; quando o professor expõe a situação-problema a que esses grupos serão submetidos, despertando a atenção e a curiosidade em cada membro do grupo; quando os alunos iniciam uma discussão rumo às propostas de solução do problema, aprendendo a se posicionar e a respeitar o posicionamento dos demais e finalmente, quando da consolidação da ideia, o resultado final precisa ser apresentado à turma ou à comunidade escolar. Em todos esses momentos, a linguagem está presente e evidenciada. Dessa forma, as metodologias, aqui descritas, se aproximam mais uma vez da teoria vygotskyana, que afirma que “[...] a linguagem é o mais importante sistema de signos para o desenvolvimento cognitivo” (MOREIRA, 2011, p.112). 3 Considerações finais Partindo da perspectiva vygotskyana, compreendemos que o desenvolvimento cogni62
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tivo do aluno ocorre por meio da interação com os outros alunos, com o professor e com o meio. A substancialidade do processo de aprendizagem está no envolvimento ativo da troca de experiências e ideias, que possibilita, por sua vez, a sucessão de novas experiências e conhecimentos. Nesse sentido, a aprendizagem é considerada uma experiência social, mediada pela interação. Para que ela ocorra, o professor deve mediar o processo de forma a utilizar-se de estratégias que levem o aluno a tornar-se independente e estimular seu conhecimento potencial. Uma das formas de o professor realizar essa mediação é estimular a realização de trabalho em grupos, utilizar técnicas para motivar e facilitar a aprendizagem de seus alunos. Dessa forma, a utilização das metodologias ativas – Aprendizagem Baseada em Problemas e Aprendizagem Baseada em Projetos – que visam àarticulação do saber, converge com a forma como Vygotsky compreende a aprendizagem. Assim, para mediar esse processo, buscando motivar e facilitar a aprendizagem, o professor orienta e organiza roteiros para propiciar aos alunos a construção de seu conhecimento com participação ativa e em cooperação com todos os envolvidos. A orientação do professor deve possibilitar a criação de ambientes de participação, colaboração e constantes desafios. A teoria de Vygotsky mostra-se adequada para atividades colaborativas, contudo, ressaltamos que as técnicas de ensinosão condições necessárias e favoráveis para o processo de ensino, mas elas, por si só não são suficientes. As técnicas estão sempre subordinadas a um fim, a um objetivo, permeadas de intencionalidade. Qualquer técnica, portanto, compreendida como mediação, deve ser reconhecida em seus limites e sem a certeza de que seja garantia de sucesso do ensino e da aprendizagem na formação das capacidades humanas. Utilizamos das metodologias ativas nas práticas pedagógicas no campo educacional de forma ampla, mas consideramos que, no âmbito da Educação Profissional e Tecnológica, elas ganham destaque importante, se utilizadas com a finalidade de desenvolver a autonomia, a capacidade criativa, a auto-organização das tarefas, o trabalho colaborativo, uma vez que estamos preparando este aluno para o mundo do trabalho. É importante refletir acerca da utilização dessas metodologias também como um agente fortalecedor na formação do trabalhador no aprendizado específico de sua área, na medida em que elas auxiliam o professor a fazer uma entrada no mundo real do trabalho, favorecendo uma contextualização da realidade para que o aluno desenvolva formas de responder aos problemas propostos. O desenvolvimento dessas habilidades não deve ocorrer unicamente para atender ao mercado de trabalho, mas pensadas sob uma lógica social. Para que isso possa ser efetivado, uma das formas é valorizar o trabalho realizado pelo coletivo, na colaboratividade, o que não significa negar a individualidade, mas as práticas indi63
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vidualistas, que promovam egocentrismo. O que não significa afirmar que o ensino não deva ter estratégicas de ensino individuais, mas que essas sejam momentos intermediários para o trabalho coletivo de ensinar e aprender. Referências ALVES, Nilda; GARCIA, Regina Leite (Orgs.). O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
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AS CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM HUMANISTA PARA A CONSTRUÇÃO DAS TEORIAS DE APRENDIZAGEM NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA Larissa Pereira Fraga29 Verônica Castro Sivirino30 Wheber Kaizer de Freitas31 Pollyana dos Santos32 Rogério Omar Caliari33 Rony Cláudio de Oliveira Freitas34 Resumo: Este artigo trata da abordagem humanista e suas contribuições no contexto da Educação Profissional e Tecnológica (EPT). Para tanto, parte-se da biografia de Carl Ramson Rogers como principal expoente dessa corrente de pensamento e seus componentes conceituais até chegar na abordagem centrada no indivíduo e seus desdobramentos no Brasil e na EPT. Em relação a Educação Profissional e Tecnológica, tal abordagem traz considerações relevantes para serem debatidas, pois devido a grande influência tecnicista nessa modalidade de educação ela lança um olhar diferenciado no sentido de se buscar realmente uma educação que considere todas as dimensões do aprendiz. Pode-se inferir que é perfeitamente possível uma aproximação dos conceitos humanistas na Educação Profissional uma vez que as bases da conceituais da EPT defendem o trabalho como princípio educativo e a formação humana integral e politécnica como eixos norteadores do processo de ensino aprendizagem. Palavras-chave: Abordagem humanista. Memória. Relações interpessoais. Ensino aprendizagem. Educação Profissional.
1 Introdução O enfoque deste trabalho é dar ênfase às contribuições da abordagem humanista no tocante a educação profissional e ao ensino. Diante disso, destaca-se, então, o indivíduo como centro em todas as suas dimensões, tudo gira em torno dele: o mundo, a sociedade, cultura, conhecimento, a educação, o ensino, a escola e a aprendizagem e seus elementos constituintes (MIZUKAMI, 1986). 29 30 31 32 33 34
Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica- ProfEPT Ifes Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica- ProfEPT Ifes Mestrando em Educação Profissional e Tecnológica-ProfEPT Ifes Professora Doutora em Educação
Professor Doutor em Educação Professor Doutor em Educação
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Nessa perspectiva, objetivamos com este artigo compreender a abordagem educacional que é centrada no aluno e suas aplicações nas práticas educativas do ensino e da aprendizagem, além de verificar a influência destas e outras teorias pedagógicas na formação de profissionais para o trabalho em educação ou mesmo para outras áreas além desta, como é o caso da saúde.
2 O humanismo de Carl Rogers 2.1 Biografia Carl Ramson Rogers, como representante principal da abordagem humanista, nasceu em 1902, na cidade de Chicago, com graduação em História e doutorado em Psicologia Educacional, mas dedicou a maior parte de sua vida aos estudos focados na pessoa (MOREIRA, 2011, pg. 137). Famoso psicólogo e psicoterapeuta norte-americano, durante toda a sua trajetória, Rogers dedicou-se aos trabalhos clínicos e acadêmicos nessas mesmas áreas. Segundo Fonseca (2009), a notoriedade e o reconhecimento acadêmico, sobretudo a partir da década de 40 nos Estados Unidos, surgiram a partir da nova abordagem que introduziu e aplicou no campo da psicoterapia, denominada Terapia Centrada no cliente ou Abordagem Centrada na Pessoa, tornando-se para alguns autores o mais influente psicólogo e psicoterapeuta da história americana. Opondo-se as abordagens convencionais dominantes da época, que compreendiam o determinismo behaviorista e o comportamentalismo em geral, a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) considera que a ação de aprender é individual, competindo à singularidade de cada indivíduo de modo que a experiência subjetiva seja levada em conta, visto que os sujeitos assimilam somente aquilo que lhes é relevante ou que esteja relacionado à sua realidade. De facto, esta nova abordagem, apresentando uma visão holística, ecológica, organísmica e sistémica da pessoa, fez dele o principal impulsionador e o maior responsável pelo desenvolvimento da Psicologia Humanista, também chamada Terceira Força em Psicologia, bem como o mais importante teórico no campo das teorias humanísticas da personalidade. (FONSECA, 2009, pg.1)
Central configura-se a sua concepção de homem, que começa por formar-se a partir de suas experiências e das suas vivências pessoais. E um dos campos em que Rogers aplicou os seus princípios foi o da Educação, propondo uma Pedagogia Central no Aluno ou Pedagogia Não-Diretiva, que será abordada neste estudo nos componentes conceituais da abordagem humanista. Os últimos anos de Rogers foram marcados, sobretudo após a morte de sua esposa (1979), por um maior interesse pela dimensão espiritual do homem, em sua integração numa globalidade que transcende e que se insere em uma global no universo. Destacam-se as suas participações em encontros transculturais com líderes de diversos países, para discutir os caminhos da paz para o mundo, o que lhe garantiu, em 1987, uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz. 66
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2.2 Componentes conceituais Vale salientar que buscaremos abordar alguns conceitos que em comunhão com o pensamento humanista, servirão para compor a fundamentação teórica dos produtos educacionais aqui envolvidos. Isto posto, ao falar de uma temática relacionada à historicização ou caracterização de certo período, não podemos deixar de trabalhar a priorio conceito de memória, o qual está associado à construção de identidades: o que se quer dizer é que a medida que vão se modificando as identidades dos indivíduos e dos grupos a memória vai sendo reconstruída permanentemente (Frigotto, 2005, pg. 97). Podemos aqui relacionar essa conceituação quando Rogers ao entender o ser humano como totalidade percebe que ele reconstrói o mundo ao redor de si mediante seus sentimentos, experiências, estímulos e percepções e dá significado à sua realidade a partir disso (MIZUKAMI, 1986, pg. 41). Não menos importante é a definição de identidade no sentido de pertencimento a determinado grupo ou mesmo à identificação de interesses comuns para que haja a construção coletiva de determinadas ações. Esta significação pode estar relacionada ao termo subjetividade, mas não podem confundir-se, visto que um diz respeito ao entendimento que temos de nós mesmos mediante pensamentos e emoções conscientes e inconscientes, e o outro,parte do contexto social, cultura e linguagem como condicionantes de nossas escolhas, posicionamentos, e assim nos identificamos a um grupo ou lugar (DA SILVA, 2000, pg. 55). Nesse componente teórico, é válido fazermos um paralelo com o autoconceito da abordagem rogeriana que é definido como um conjunto de crenças sobre o “eu”, determinando como o indivíduo se vê e como interage com o mundo, ou seja, ao experenciar o mundo e seus elementos constrói-se uma visão da realidade repleta de conotações particulares e de significados para esse sujeito (MIZUKAMI, 1986, pg. 42). Ligado de forma intrínseca às categorias anteriores está o conceito de representação social como constituição do indivíduo numa perspectiva social, ou seja, como produtor independente de suas representações sempre contextualizadas (SPINK, 1993). Por tudo isso, quando falamos de ações de sujeitos (trabalho de profissionais) em determinados espaços (escolas, hospitais, igrejas, repartições públicas, etc) torna-se imperioso registrar motivações, experiências, pensamentos, ideologias, cultura e saberes teóricos e práticos, os quais exercem influência considerável para que se compreenda todo o processo: o que se quer dizer é que para analisarmos todas essas manifestações nos embasamos nos conceitos outrora citados tendo por finalidade um melhor entendimento da temática a ser estudada.
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2.3 A Abordagem Humanista Comecemos com a caracterização de homem para Rogers que é único no mundo e encontra-se em processo contínuo de descoberta do próprio ser, já que está definido em um projeto permanente e incompleto, sem resultados, cuja existência encontra-se em constante construção de si mesmo, além de ser transformador de sua realidade. O ser humano é visto, pois, como totalidade, independente, diferente e autônomo, devendo ser respeitado, é uma pessoa cujos sentimentos e experiências exerçam papel primordial, sujeito com capacidade de desenvolver-se, autodirigir-se e reajustar-se, além de ser pessoa que está contextualizada num presente imediato e interage com outras, sendo compreendida e aceita (MIZUKAMI, 1986, pg. 38-41). O pensamento de Rogers acerca do ensino e da aprendizagem advém de seu ofício de psicólogo, a partir de onde é criada a Terapia Centrada no Cliente com participação ativa, voluntária e responsável do indivíduo numa relação de igualdade entre terapeuta e paciente: o que se quer dizer é que o terapeuta cria as condições para que o cliente expresse a compreensão que tem de si mesmo e das influências que o afetam (aceitação) em direção ao seu crescimento pessoal, de forma não-diretiva (MOREIRA, 2011, pg. 138). No que refere à relação ensino aprendizagem, esse método não-diretivo consiste num conjunto de técnicas que convergem para a confiança e respeito sem intervenções diretas no cognitivo e emocional do aluno, facilitando a comunicação do estudante sendo este responsável por criar seu comportamento experiencial nesse processo (MIZUKAMI, 1986, pg. 49). Quanto ao crescimento do homem, caminha na direção do engrandecimento de sua existência, tendendo assim à autorrealização (crescimento pessoal): Moreira quer nos dizer que através de sua percepção pessoal e subjetiva da realidade, este indivíduo tem a capacidade de desenvolver suas potencialidades sob ambiente e condições favoráveis a isso (MOREIRA, 2011, pg. 139-140). É a expressão da competência de ser flexível e se adaptar a problemas e situações, já que está em constante processo de mudança, numa dinâmica buscada e escolhida e nunca imposta e pronta, onde há um contraponto à abordagem comportamentalista de Skinner calcada no controle e manipulação de pessoas numa planificação social e cultural visando à “felicidade” dos indivíduos (MIZUKAMI, 1986, pg. 42-44). Outra característica cara na proposta de Rogers está nas considerações acerca da educação e dos componentes que a constituem (aprendizagem, ensino, avaliação, escola, metodologia e relação professor-aluno). Nessa linha, trabalhamos a exposição de um modelo educacional centrado no aluno, o qual deve ter como objetivos principais criar e facilitar as condições para a aprendizagem e o desenvolvimento intelectual e emocional em indivíduos com iniciativa, responsabilidade e discernimento para colocar-se frente a novos desafios. Diante disso, a escola deve ser um ambiente que possibilite condições para o desenvolvimento da autonomia desse educando, sem modelos prontos e conteúdos cimentados e rígidos a serviço de uma aprendizagem mais 68
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criativa e significativa (MIZUKAMI, 1986, pg. 44-47). Nos princípios da aprendizagem segundo o humanismo estão: a) seres humanos com tendência natural para aprender e aumentar seus conhecimentos e experiências, b) aprendizagem significativa com conteúdos relevantes impulsionando o aluno a atingir seus objetivos, c) o indivíduo deve ter seus próprios valores sobre a realidade para não se sentir ameaçado e resistir à aprendizagem, d) o aluno ao reduzir as ameaças externas com segurança, recebendo apoio e compreensão, possivelmente vai progredir no processo de aprendizagem, e) aprendizagem enriquecedora que coloca o aluno frente a problemas práticos do cotidiano, f) aprendizagem facilitada onde o próprio estudante escolhe sua direção e seus recursos, e elege seus problemas vivendo as consequências de suas escolhas, g) a aprendizagem iniciada profunda e abrangente que envolve o aprendiz como um todo, do aspecto cognitivo ao afetivo, h) autocrítica e autoavaliação são preponderantes para o desenvolvimento, independência e criatividade do aluno, e por fim, i) aprendizagem útil como o “aprender a aprender” na busca contínua pelo conhecimento (MOREIRA, 2011, pg. 140-143). Conforme já mencionamos, na perspectiva de Rogers, o ensino deve ter a finalidade de ser o facilitador da mudança e da aprendizagem haja vista o caráter dinâmico da sociedade em que vivemos que está em constante transformação. Para ele, as estratégias instrucionais tem importância secundária seguidas das técnicas e recursos padronizados onde o professor ensina e o aluno posiciona-se como mero receptáculo de informações prontas (MIZUKAMI, 1986, pg. 53). Nas palavras contemporâneas de Santiago (2001) Em qualquer circunstância,o que se espera é que a escola reorganize-se com base em uma nova concepção de conhecimento, operando com teorias de aprendizagem e formas de organização do ensino que superem as práticas pedagógicas tradicionalmente centradas na memorização e na reprodução de informações, ou no treinamento para “saber fazer”, já que a demanda, que hoje se coloca, é pela formação de cidadãos pensantes e criativos (SANTIAGO, 2001, p. 145).
Nesse âmbito, passemos agora às características do professor e seu valioso empréstimo como facilitador da aprendizagem, compreendendo e aceitando o aluno, num clima favorável, devendo ser autêntico e congruente para que o processo possa acontecer (MIZUKAMI, 1986, pg. 52). Ou seja, o educador portando-se como pessoa verdadeira, autêntica e genuína que aceita seus sentimentos e capacidades e compreende-se a si mesmo, não se colocará como mero mecanismo de transmissão de conhecimentos, impondo conteúdos (MOREIRA, 2011, pg. 144). Quanto à aceitação trata-se da estima pelo aprendiz, o apreço e valorização deste que apesar de ser um ser humano imperfeito, é uma pessoa que tem seu próprio valor, é dotado de potencialidades e,acima de tudo, é digno de confiança.Por fim, na compreensão empática esse educador consegue compreender o aluno no seu interior e suas ações a partir disso: ao colocar-se em seu lugar, o professor permite que o aprendiz sinta-se compreendido e não jul69
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gado e avaliado (MOREIRA, 2011, pg. 145). Em suma, procuramos mostrar uma abordagem onde o subjetivo ocupa o lugar principal, o não-diretivismo no ensino substitui o diretivismo tradicional, além de ser calcada na relação entre pessoas. Nessa linha, oferece diretrizes para uma ação didática e pedagógica mais sistemática e alternativa, já que não preocupa-se com a operacionalização de termos e regras, nem com planejamento e controle de tecnologias para viabilizá-las (MIZUKAMI, 1986, pg. 56). E, diante disso, sugerimos um alinhamento da abordagem rogeriana com as idéias de Da Glória Gohn (2006) acerca da categoria de educação não-formal como área de conhecimento em construção e como proposta de complementação do modelo de ensino padrão e formal vigente. Para ela, o método passa pela sistematização dos modos de agir e de pensar o mundo que circunda as pessoas. Penetra-se, portanto no campo do simbólico, das orientações e representações que conferem sentido e significado às ações humanas. Supõe a existência da motivação das pessoas que participam. Ela não se subordina às estruturas burocráticas. É dinâmica. Visa à formação integral dos indivíduos. Neste sentido tem um caráter humanista. (DA GLÓRIA GOHN, 2006, p. 18)
Diz respeito também à aprendizagem política dos indivíduos no que tange à cidadania em comunhão com objetivos comuns e à concepção da realidade a partir do que se passa ao redor. Quem educa é o “outro” por intermédio da interação e localizam-se nos espaços em que ocorrem a trajetória de vida dos indivíduos: trata-se da troca e transmissão de saberes construídos de maneira coletiva, e a formação de indivíduos para que sejam cidadãos plenos no mundo (DA GLÓRIA GOHN, 2006). Eis aí a principal contribuição de Rogers que é o enfoque das relações interpessoais como um todo, em que a aprendizagem do “eu” do indivíduo é conjugada à do “outro”, como via de mão dupla (DE ALMEIDA, 1999). Temos a dizer, pois, que Mizukami e Moreira concordam quando se trata da inviabilidade de implantação e aplicação desse modelo no contexto escolar atual, tendo em vista que a proposta pode ser entendida como ameaçadora, arriscada e perigosa para uma sociedade que não está preparada para colocá-la em prática. Há que se concordar com Moreira (2011) no sentido de darmos importância ao fato de que qualquer teoria, seja rogeriana ou não, deve se distanciar dos desconfortos causados em estudantes e professores, em prol da construção de um rico processo de aprendizagem (MOREIRA, 2011, pg. 146). Isto posto, concluímos que a prática profissional humanista só se fará presente quando vivenciarmos a formação de cultura política, o surgimento de laços de pertencimento e a construção de identidades coletivas de grupos, pois só diante desses fatores serão erigidos projetos emancipatórios com novas agendas que contemplem mudanças sociais, onde o homem é o centro de tudo (DA GLÓRIA GOHN, 2006). Falamos de repensar e melhorar os currículos dos cursos e propor reflexões sobre a própria práxis dos profissionais de maneira que contemplem essa formação crítica e libertadora (CASSIMIRO DE ARAÚJO, 2013). 70
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2.4 A abordagem humanista no contexto brasileiro Em termos históricos, a abordagem humanista marcou as tendências pedagógicas a partir da ascensão do pensamento liberal democrático e pelo advento do movimento conhecido como escolanovismo. Em contraposição à pedagogia tradicional, traçada pelo autoritarismo e o grande número de indivíduos marginalizados, sem direito à escola e a aquisição de conhecimentos, foi surgindo outra forma de pensar as práticas educativas voltadas a uma educação mais humanizada e capaz de se tornar instigadora da mudança social. Na perspectiva de Libâneo (1989), a abordagem humanista de Rogers é atribuída à pedagogia liberal em sua versão renovada não-diretiva. A tendência Liberal Renovada (ou pragmatista) determina um processo de ensino e aprendizagem que valoriza a auto-educação, tendo o aluno como sujeito do conhecimento; a experiência direta sobre o meio pela atividade e o ensino centrado no aluno e no grupo. Estrutura-se em duas versões distintas: a Renovada Progressista ou Pragmática, difundida pelos pioneiros da Escola Nova e; a Renovada Não-Diretiva, conduzindo aos objetivos de auto-realização pelo desenvolvimento pessoal e para as relações interpessoais, inerentes às concepções de Carl Rogers. E em análise às características observadas de não-diretividade do ensino e o primado do sujeito, ressaltadas por Dermeval Saviani em sua obra Escola e Democracia (1981) -apesar da ausência de explicitação do trabalho de Rogers - podemos enquadrar a abordagem humanista dentro do que o autor denomina de Pedagogia Nova. Como crítica à pedagogia tradicional, o movimento escolanovismo mantinha a crença no poder da escola e em sua função de equalizador social. Os escolanovistas, à semelhança de Dewey, acreditavam que, uma vez implantada e generalizada a Escola Nova, a sociedade iria se tornar gradativamente aberta. Isso não significaria a abolição das diferenças entre indivíduos ou classes. Significaria, isto sim, que as classes sociais seriam abertas, havendo amplas possibilidades para que um indivíduo nascido em uma classe pudesse ascender para outra, conforme suas qualidades intrínsecas, manifestadas pelo processo educacional (CAMPOS, SHIROMA, 2009, pg.489).
Esboçando uma nova maneira de interpretar a educação, a teoria pedagógica considera que o importante não é aprender, mas o aprender a aprender. Nesse viés, o professor agiria como um estimulador e orientador da aprendizagem cuja iniciativa caberia aos próprios alunos, em decorrência espontânea do ambiente estimulante e da relação estabelecida entre alunos e professor. Os escolanovistas criticavam a educação tradicional, centrada no mestre e na transmissão de conhecimento. Determinavam que a teoria e a prática deveriam fundamentar o ato na ação, valorizando a autoformação e a atividade espontânea do aluno. Desse modo, a educação não deveria ser um produto, mas um processo de reconstrução, reconstituição da experiência e de melhor permanente da eficiência individual. Só o aluno poderia ser autor da própria experiência e seus rendimentos seguiam seus próprios interesses vitais.
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3 A abordagem humanista e a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) Historicamente influenciada por diferentes concepções, que ora defendem uma formação voltada para atender aos anseios do desenvolvimento econômico pela formação tecnicista e ora almejam uma formação profissional humanista, unitária, na perspectiva da politecnia, a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) é uma modalidade educacional prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB 9.394/96, que abrange os cursos de formação inicial e continuada ou qualificação profissional, a Educação Profissional Técnica de Nível Médio e a Educação Profissional Tecnológica, de graduação e de pós-graduação. Embora as políticas públicas permaneçam em constantes mutações, as bases conceituais da Educação Profissional e Tecnológica no que se propõe o Decreto 5.154/2004 sustentam-se sobre o tripé composto pelo Trabalho como Princípio Educativo, Formação Humana Integral e Politécnica; exigindo necessariamente a articulação entre educação e cultura, trabalho e produção, ciência e técnica. “Esta inter-relação exige, portanto, a compreensão do trabalho como sendo além de uma ação prática, uma ação de produção cultural, diretamente relacionada ao homem” (ANDRADE; AZEVEDO; GONÇALVES, 2017, p.4). Compreende uma educação que “visa à formação de sujeitos críticos, munidos de conhecimentos que os possibilitam a agir reflexivamente sobre o processo do trabalho, visto não apenas como fruto da sua ação física, mas também como produção cultural” (ANDRADE; AZEVEDO; GONÇALVES, 2017, p.4). Para a superação da dualidade entre uma formação para o trabalho manual e outra para o trabalho intelectual, a Educação Profissional e Tecnológica tem como pressuposto uma formação do sujeito no seu sentido integral, por uma concepção que necessita de uma visão de homem como sujeito único na sua subjetividade e multi ao relacionar-se com os outros. Nesse contexto, atribuímos à EPT uma aproximação aos conceitos da abordagem rogeriana no que tange o ser humano como uma totalidade, um organismo em processo de integração, independente e autônomo, que interage fisicamente e espiritualmente com o mundo e com os outros homens, sendo compreendido e aceito como tal. Outro aspecto relevante da educação integral consiste em romper com a fragmentação curricular voltada à atender as necessidades do mercado de trabalho. A crítica ao currículo dualista que se baseia numa prática pedagógica voltada a simples transmissão de conteúdo é inerente à abordagem humanista, já que esta defende a busca por conhecimento, que por sua vez, deve ser significativo para os alunos e percebido como mutável, sendo capazes de criticá-lo, aperfeiçoá-lo ou até mesmo substituí-lo. Como proposta de pesquisa, estabelecendo uma articulação entre a abordagem humanista de Rogers e os produtos educacionais no contexto da EPT que serão desenvolvidos pelos autores desse artigo, determinamos enquanto premissa o estudo centrado no aluno na perspectiva da formação humana integral, abarcando uma discussão sobre as estratégias de integração curricular baseada em práticas interdisciplinares e metodologias contínuas, que 72
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integrariam as dimensões da ciência, do trabalho, da cultura e da tecnologia. São inúmeros os questionamentos quanto ao desenvolvimento de práticas pedagógicas humanistas consolidadas na Pedagogia Não-Diretiva, que poderia fortalecer o processo de ensino aprendizagem na EPT. Desmitificando a sua inviabilidade, acreditamos que a educação profissional e tecnológica configura-se como um contexto educacional propício à aplicabilidade dos conceitos de Rogers. Desse modo, iniciamos um estudo da metodologia de ensino com base nos conceitos humanísticos tendo como referência a experiência transformadora da Escola da Ponte35, de modo a nortear as estratégias educacionais que podem ser aplicadas em nossos produtos educacionais. Por se tratar de um conteúdo amplo, nos limitamos à apenas destacar os principais aspectos que possam contribuir nos processos educativos da EPT, conforme descrito por Silva (2006): 1. Um dos principais aspectos abordados na Escola da Ponte consiste na interdisciplinaridade do conhecimento, onde se estimula a percepção e a solução de problemas, de modo que o aluno trabalhe os conceitos em estruturas cognitivas cada vez mais complexas. O trabalho educativo se desenvolve partindo de um ensino individualizado e diferenciado, respeitando uma mesma plataforma curricular para todos os alunos. A organização do trabalho centrado no aluno contribui para que este aprenda a conhecer e a agir sobre o objeto do conhecimento. Nesse sentido, o currículo é dinâmico e apresenta um trabalho reflexivo permanente da equipe de orientadores educativos. 2. O percurso de aprendizagem é supervisionado por um orientador, atribuindo à função de tutor. Os alunos, junto com os orientadores educativos, desenvolvem estratégias necessárias ao desenvolvimento do trabalho diário na escola em planos de periodicidade conveniente e são responsáveis pela avaliação do trabalho que pretendem realizar, em que a evolução fica evidenciada em seu percurso escolar. O planejamento diário é feito pelos alunos e os orientadores ajudam nas dificuldades; os alunos trabalham a partir de planos individuais, embora sempre em grupos para que se ajudem entre si. Quando são capazes de dominar um determinado número de objetivos dos currículos passam a gerir com autonomia os seus tempos e espaços de aprendizagem. 3. Esse tipo de metodologia leva ao desenvolvimento de outras competências, atitudes e objetivos que qualificam o percurso educativo dos alunos. O currículo é entendido como um conjunto de conteúdos e métodos a serem aprendidos pelos alunos. É compreendido como uma introdução a um modo de vida que venha contribuir na formação de sujeitos autônomos, críticos e comprometidos com a democracia e com a 35 Trata-se de uma experiência na Vila das Aves em Portugal com o Projeto Fazer a Ponte que traz elementos inovadores em termos pedagógicos e administrativos, focando nas pessoas e nos currículos e principalmente dá enfoque à centralidade do indivíduo e às relações interpessoais (VASCONCELOS, 2006). 73
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justiça social. Sendo compreendida como um espaço de diálogo, onde existe o respeito à diversidade e onde pode se implementar um currículo multicultural, que permita o aluno compreender melhor o mundo e a sociedade que o rodeia, possibilitando que o conhecimento tenha aplicabilidade na vida cotidiana fora da escola. 4. A concepção da aprendizagem que respeita os desenvolvimentos afetivos, sociais e cognitivos do aluno, que considera como um agente construtor do seu conhecimento na interação com o outro e com o objeto do conhecimento. É uma proposta escolar com ênfase no trabalho coletivo, superando a compartimentalização do conhecimento, integrando os professores e alunos em torno das atividades comuns a partir de diferentes níveis de conhecimento. A articulação entre os principais aspectos da metodologia de ensino da abordagem humanista da Escola da Ponte com as bases conceituais da EPT resultaria em implicações significativas nas estratégias de integração curricular, sendo este o foco de discussão dos produtos educacionais. A inserção da Pedagogia Não-Diretiva na educação profissional e tecnológica contribuiria para a promoção de sujeitos-alunos autônomos capazes de desenvolverem suas próprias estratégias de aprendizagem, através do desenvolvimento de ensino individualizado integrado a um currículo multicultural. A interdisciplinaridade do conhecimento no que se refere à percepção e a solução de problemas compreende não apenas às práticas educativas, mas configura-se como elemento essencial às atividades práticas do exercício da profissão. No mais, a metodologia de ensino com abordagem humanista efetivaria o desenvolvimento de práticas pedagógicas integradas, emancipadas e inclusivas, destinadas à formação de profissionais comprometidos com as práticas de cidadania enquanto agentes de transformação da realidade social onde estão inseridos, motivados por interesses e intencionalidade, conscientes de seu papel histórico e social na construção de uma sociedade justa, solidária e igualitária, aos moldes da formação humana integral que se baseia a EPT.
4 Considerações finais Neste trabalho, buscou-se compreender a abordagem humanista e suas aplicações nas práticas educacionais de ensino aprendizagem com o intuito de verificar a influência destas e outras teorias pedagógicas na formação de profissionais para o trabalho em educação ou mesmo para outras áreas além desta, como, por exemplo, a área da saúde. Por meio do estudo dos componentes conceituais e da aplicação da abordagem no Brasil, e no contexto da Educação Profissional e Tecnológica, foi possível identificar a influência dos ideais humanistas no movimento conhecido como escolanovismo que rompeu com a chamada abordagem tradicional no âmbito educacional brasileiro. Em se tratando da EPT, que historicamente é influenciada pelas diferentes concepções de formação, a humanista encontra 74
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terreno fértil uma vez que o Decreto 5.154/2004, que regulamenta suas bases conceituais, defende a formação humana de maneira integral. A partir dos conceitos explicitados sobre a abordagem humanista e seus desdobramentos no Brasil e, consequentemente, na EPT é possível constatar que ela traz um olhar diferenciado sobre as questões tanto educacionais quanto profissionais, sobretudo, no tocante ao aprendiz e sua forma de aprender já que o enfoque dessa teoria é no ser humano. Nesse sentido, vale ressaltar que a abordagem humanista promove uma formação humana integral na Educação Profissional e Tecnológica, que é o foco principal deste artigo, pois ela leva em consideração o indivíduo como um ser único, com suas especificidades, e, portanto, ele deve ser considerado como tal no que tange ao modo pelo qual ele está inserido no contexto social. É importante destacar que as questões abordadas neste artigo estão longe de serem conclusivas, pelo contrário, o objetivo de elas serem levantadas apenas lançam uma luz sobre o tema da abordagem humanista no contexto educacional, principalmente, na EPT.
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ABORDAGEM SOCIOCULTURAL DO ENSINO E SUAS RELAÇÕES COM METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS DE PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INTERDISCIPLINARES NO PROEJA Victor Gagno Grillo36 Octavio Cavalari Júnior37 Resumo: O trabalho analisa como a abordagem sociocultural de ensino e o uso de metodologias participativas de pesquisa se relacionam com a propositura de práticas na Educação de Jovens e Adultos. Nesse contexto, será apresentada uma proposta para Curso Técnico de Guia de Turismo do Proeja- Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos entre as disciplinas de Língua Portuguesa e de História, que pode favorecer a apreensão de conhecimentos sobre o estado do Espírito Santo a partir de um olhar histórico e crítico das “Lendas Capixabas”. Palavras-chave: Práticas pedagógicas. Interdisciplinaridade. Proeja. Metodologias participativas.
1 Introdução A abordagem sociocultural de ensino enfatiza as dimensões sócio-político-culturais na implementação das práticas educativas. Assim, a construção do processo de ensino se dá a partir do desenvolvimento de temáticas sociais, o que se faz com a adoção de métodos que priorizam o diálogo, a problematização e a compreensão da relação entre determinantes sociais para a apreensão da realidade concreta e a consequente ação para sua transformação. Por sua vez, as metodologias participativas de pesquisa apontam que os sujeitos envolvidos no processo, por meio da participação coletiva e dialógica, são corresponsáveis pela produção do conhecimento. Na América Latina, essas metodologias guardam afinidade com a educação popular, pois, em que pese algumas diferenças, apresentam, como ponto comum, o propósito de desenvolver um conhecimento que conduza à emancipação do sujeito e à transformação da realidade. Assim, pretendemos analisar como a abordagem sociocultural de ensino e o uso de metodologias participativas de pesquisa se relacionam com as práticas pedagógicas na Educação de Jovens e Adultos, especialmente em articulação com a propositura de trabalhos interdisciplinares no Proeja. Diante desse cenário, procuramos fazer um recorte sobre o assunto, apresentando, inicialmente, a abordagem sociocultural do ensino e sua perspectiva contra-hegemônica. A seguir, será discutida a construção das práticas na Educação de Jovens e Adultos à luz da 77
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abordagem sociocultural de ensino. Após isso, será abordada a implementação de práticas pedagógicas interdisciplinares no Proeja. Na sequência, desenvolveremos uma reflexão sobre a adoção de metodologias participativas de pesquisa no Proeja, para apresentarmos uma proposta de prática pedagógica interdisciplinar para o Curso Técnico de Guia de Turismo no Proeja.
2 Abordagem sociocultural e a perspectiva contra-hegemônica Na obra “Ensino: as abordagens do processo”, Mizukami (2001) busca compreender diferentes perspectivas de ensino: tradicional, comportamentalista, humanista, cognitivista e sociocultural. Ressaltamos o esforço metodológico de Mizukami (2001) na análise de cada abordagem de ensino, uma vez que buscou categorizar os principais pontos de análise, possibilitando que o leitor fizesse uma diferenciação entre as principais concepções de ensino. O que se destaca é que as categorias elencadas só podem ser compreendidas se estudadas de forma articulada, ou seja, na busca do entendimento da abordagem como um todo. Até porque o conhecimento é construído historicamente e em sociedade, não sendo possível se apropriar dele de forma segmentada. Assim, Mizukami (2001, p. 85) destaca que o ponto nodal que destaca a abordagem sociocultural das demais concepções de ensino é a ênfase em aspectos sócio-político-culturais. Isso se dá porque os teóricos que adotam essa perspectiva de ensino dão bastante importância a questões latentes na sociedade, como política, cultura, direitos humanos, desigualdades sociais, segurança pública, economia e mundo do trabalho, dimensões que são abordadas a partir de métodos que priorizam o diálogo e a problematização da realidade concreta. Um dos maiores expoentes da abordagem sociocultural de ensino é Paulo Freire, educador brasileiro mundialmente conhecido por seu trabalho com a educação popular38, em especial com a Educação de Jovens e Adultos. Em sua obra “Paulo Freire: educar para transformar”, Brandão (2005) realiza um trabalho fotobibliográfico que sintetiza momentos marcantes da vida de Freire, destacando suas práticas educativas que serão apresentadas a seguir. Nascido em 19 de setembro 1921, em Recife/PE, Freire é autor de cerca de 40 obras, que já foram traduzidas em mais de 20 idiomas. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa por mais de quarenta universidades brasileiras e de outros países. Em 1947, Freire se formou em Direito na Faculdade de Direito de Recife, porém, pouco se dedicou ao mundo jurídico. Por outro lado, antes mesmo de concluir a faculdade de Direito, 38 Para Streck (2013, p. 114), a educação popular é um movimento pedagógico de resistência à dominação, seja ela de classe, de etnia, de gênero, podendo referir-se a práticas educativas nos mais variados âmbitos, às políticas públicas e até à própria forma de pesquisar. 78
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já lecionava Língua Portuguesa na Educação Básica. Neste mesmo ano assumiu a Diretoria da Divisão de Educação e Cultura do SESI em Pernambuco, sendo nomeado Diretor-Superintendente do Departamento Regional de Pernambuco do SESI-PE em 1954, cargo que ocupou até 1956. Em 1961, Freire foi nomeado professor de História e Filosofia da Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Recife, após lhe ter sido conferido o certificado de Livre-Docente pela Escola de Belas Artes de Pernambuco. Nos anos que se seguiram, o trabalho de Freire com a alfabetização de jovens e adultos passou a ter grande repercussão, assim, em 1964, o então Presidente João Goulart o convidou para coordenar o Plano Nacional de Educação. Porém, o programa foi extinto pelo Regime Militar, poucos meses depois de sua criação. Com o advento do Regime Militar, Freire deixou o país. O período do exílio durou 16 anos. Nessa época, viveu na Bolívia, Chile, Estados Unidos e Suíça, promovendo práticas pedagógicas com grupos populares e perseguidos políticos. Desenvolveu, também, trabalho em países africanos recém-independentes. Em 1980, Freire voltou ao Brasil aceitando convite para ser professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Quando já era professor da instituição, foi nomeado professor da Universidade Estadual de Campinas. Em 1989, tomou posse como Secretário Municipal de Educação de São Paulo, função que exerceu até 1991. Na oportunidade, deu ênfase à alfabetização de jovens e adultos. As práticas educativas de Freire (2005, pp. 65-66) buscam uma ruptura com o modelo tradicional de educação, denominado de “educação bancária”. Freire (2005, p. 37) propõe que as práticas educativas sejam dialógicas e problematizadoras, ou seja, que tenham por base a reflexão sobre as contradições que influenciam negativamente o contexto social em que os alunos estão inseridos, resultando no reconhecimento crítico da realidade objetiva e possível engajamento para a sua transformação. Portanto, a educação problematizadora deve partir de uma investigação dialógica do universo temático dos alunos, ancorando-se em práticas que repercutam o próprio meio social em que vivem, de modo a tornar a aprendizagem significativa e, por meio desenvolvimento de temas geradores e problemas, estimular a reflexão e conscientização crítica (FREIRE, 2005, p. 101; 119). Freire (2016, pp. 78-79; 120) explica que o professor que trabalha com a educação popular deve compreender a leitura de mundo dos educandos como um todo, considerando os saberes provenientes de suas experiências, pois a leitura de realidade feita por eles deve ser o ponto de partida para a produção de conhecimento. Nesse cenário, Moreira (2017, p. 153), ao analisar as práticas educativas enunciadas por Freire, entende que a educação dialógica e problematizadora “requer apropriação da significação dos conteúdos, a busca de relações entre os conteúdos e entre eles a aspectos his79
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tóricos, sociais e culturais do conhecimento”, permitindo que o aluno “se assuma como sujeito do ato de estudar e adote uma postura crítica e sistemática” (MOREIRA, 2017, p. 153). É preciso dar visibilidade à interpretação de Moreira (2017), pois as práticas educativas defendidas por Freire não desprezam a necessidade da assimilação do conhecimento sistematizado pelos alunos, como faz crer Libâneo (1991, p. 69), ao afirmar que as práticas educativas não se assentariam de forma prioritária nos conteúdos sistematizados, mas na participação dos alunos nas discussões e ações práticas sobre a realidade imediata. O que se faz, na verdade, é destacar a importância que isso ocorra a partir de um viés histórico, e crítico, sobre a produção de conhecimento, bem como de forma articulada com as demais dimensões sociais, para a compreensão da realidade objetiva em sua totalidade. Nesse sentido, Streck (2013, p.124) enuncia que a proposta pedagógica da educação popular se estende para além da instituição escolar e da aprendizagem do conteúdo das disciplinas, mas não nega nem a instituição nem os conteúdos, posicionando-se “diante do desafio de compreender as novas institucionalidades, as novas possibilidades de lidar com o conhecimento e de constituição dos sujeitos”. Por sua vez, Saviani (2007, pp. 323-330) também expressa que as ideias pedagógicas de Freire sofrem influência de diferentes matrizes epistemológicas, como o existencialismo (personalismo) cristão, a filosofia dialética, o marxismo e o solidarismo cristão. Uma leitura apressada das análises de Mizukami (2001) e Saviani (2007) pode sugerir que as propostas educacionais de Freire são possuem um rigor científico e compromisso epistemológico. No entanto, essa análise não corresponde com a perspectiva dos autores. Freire se apropria de conceitos e categorias de matrizes epistemológicas diferentes, em um esforço de compreender a educação e os processos que a envolvem, em sua complexidade. Para isso, ele propõe práticas educacionais que, ao darem ênfase à problematização e ao diálogo, em torno de contradições sociais, buscam compreender a realidade, a partir de uma perspectiva crítica. Nesse sentido, Streck (2013, p. 119) destaca que o conceito de libertação, em Freire, serviu para o abrigo de diferentes lutas sociais e áreas de conhecimento, havendo uma confluência teórica baseada mais na prática social dos movimentos de base do que em disputas sobre autores e conceitos, aproximando comunicadores, teólogos, sociólogos, artistas, educadores e outros profissionais. De qualquer forma, não há como negar o caráter contra-hegêmonico da abordagem sociocultural de ensino, uma vez que o processo reflexivo, em torno de temas geradores, permite desvelar o conhecimento, a partir de sua dimensão histórica. Além disso, a apropriação dos conhecimentos historicamente constituídos, sob um olhar crítico sobre as relações sociais e os meios de produção, favorece a construção de uma leitu80
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ra de mundo mais ampla, por parte dos alunos, possibilitando-lhes uma atuação concreta na sociedade, a fim de transformá-la.
3 Práticas educativas na Educação de Jovens e Adultos à luz da abordagem sociocultural de ensino Para Freire (2005), quando a estrutura social se apresenta de forma rígida, com uma feição dominadora, “as instituições que nela se constituem estarão, necessariamente, marcadas por seu clima, veiculando seus mitos e orientando sua ação, no estilo próprio da estrutura” (FREIRE, 2005, p.175). Dessa forma, a educação não pode ser neutra ou indiferente, porque ou ela está a serviço da “reprodução da ideologia da classe dominante ou a de sua contestação” (FREIRE, 2005, p. 96). Assim, diferentemente do discurso neoliberal que prega uma visão histórica imobilista que resulta na adaptação das classes populares à realidade, responsabilizando-a por estar em situações desvantajosas, é necessário entender o homem como um ser histórico, e a história, por sua vez, “como tempo de possibilidade e não de determinação” (FREIRE, 2016, p. 73; 80). Portanto, não podendo ser neutro e indiferente, Freire firmou compromisso com os interesses educacionais da classe trabalhadora39, entendendo ser necessário lhe propor, “através de certas contradições básicas, sua condição existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia e, assim, exige resposta, não só no nível intelectual, mas no nível de ação” (FREIRE, 2005, p. 100). Conforme exposto, Freire dedicou especial atenção à Educação de Jovens e Adultos, destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade aos estudos na idade própria. De acordo com a Lei nº 9.394 de 1996 (LDB), a Educação de Jovens e Adultos deve ser implementada de forma a proporcionar oportunidades educacionais adequadas ao seu público-alvo, conforme suas características, interesses, condições de vida e de trabalho (BRASIL, 1996). Uma das características dessa modalidade de educação é que os alunos possuem conhecimentos prévios, adquiridos na prática cotidiana, familiar e em outras relações sociais, com saberes profissionais sem elaboração científica ou com conhecimentos não sistematizados. Quanto a isso, Oliveira e Pinto (2012, p. 23) destacam que o trabalho, compreendido no sentido ontológico e histórico40, deve ser a categoria central para “tornar possível uma mediação entre o saber experiencial e o conhecimento científico”. 39 Antunes (2009, p. 103-104) entende que uma noção ampliada da classe trabalhadora inclui todos os que vendem sua força de trabalho em troca de salário, incorporando proletariado industrial, assalariados do setor de serviços, proletariado rural, trabalhadores terceirizados, part time, trabalhadores na economia informal e desempregados. 40 Para Ramos (2019), um projeto unitário de Ensino Médio deve compreender o trabalho no sentido ontológico, ou seja, como forma pela qual o homem produz a sua existência e o conhecimento a partir da relação com a natureza e com os outros homens, e também no sentido histórico, que no capitalismo se apresenta como categoria econômica e práxis diretamente produtiva.
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Com o Decreto nº 5.154 de 2004, foi permitida a integração entre Ensino Médio e a educação profissional, conduzindo o aluno à habilitação técnica de nível médio. Paralelo a isso, Oliveira e Machado (2012, p. 126-127) descrevem que foram necessários mecanismos de indução de uma política de educação profissional, materializados com o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja). Nesse sentido, o Decreto nº 5.478 de 2005 instituiu o Proeja, com o intuito de atender à demanda de Educação para Jovens e Adultos que, em 2006, por meio do Decreto nº 5.840, o Programa foi ampliado (BRASIL, 2005; 2006). A integração entre educação básica e educação profissional deve abranger a formação inicial e continuada para os trabalhadores e a educação profissional técnica de nível médio, sendo ofertadas disciplinas para formação geral e formação profissional (BRASIL, 2006).De acordo com Ferreira (2012, p. 104), “o Proeja pretende possibilitar o acesso à educação geral e à profissional na perspectiva de uma formação integral”. Assim, o Proeja deve promover uma educação que equilibre o desenvolvimento da capacidade de trabalhar tecnicamente com o desenvolvimento de capacidades intelectuais. Para isso, Castro, Machado e Alves (2010, pp. 30-31) defendem que, para se ofertar uma educação profissional de qualidade na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, é necessário, além de um itinerário formativo que articule conhecimentos gerais e técnicos, incorporar, na formação, as especificidades de seu público-alvo. A abordagem sociocultural do ensino exerce influência positiva sobre as práticas educativas a serem adotadas no Proeja, podendo contribuir para que os alunos passem a ter uma leitura de mundo mais ampla e crítica, com a apropriação do conhecimento sistematizado, a partir do diálogo e da problematização de temáticas inerentes à sociedade. Portanto, é necessário ofertar no Proeja uma educação que não possua apenas uma dimensão técnica, voltada para o mercado do trabalho, mas que contribua para a formação humana integral do aluno, com atividades relacionadas ao trabalho, à ciência e à cultura (RAMOS, 2019).
4 Ensino Médio Integrado e práticas educativas interdisciplinares no Proeja De acordo com Araújo e Frigotto (2015, pp. 62-64), é preciso pensar práticas educativas que conduzam o aluno a uma leitura ampla da realidade, por meio de ações atreladas a políticas emancipadoras e comprometidas com a concretização de um projeto de ensino integrado. Nesse âmbito, o Ensino Médio integrado se apresenta como uma proposta pedagógica comprometida com a formação integral, não se restringindo à socialização de fragmentos de cultura sistematizada, mas, pelo contrário, dando acesso a uma formação que promova o desenvolvimento amplo das faculdades físicas e intelectuais do homem (ARAUJO; FRIGOTTO, 82
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2015, p. 62). Assim, tomando a integração como princípio pedagógico orientador, é viável desenvolver práticas educativas que resultem na ampliação da compreensão de uma realidade específica e sua relação com a totalidade (ARAUJO; FRIGOTTO, 2015, p. 64). Araújo e Frigotto (2015, p. 68) entendem que a materialização dessas práticas educativas requer o embasamento em um currículo, na perspectiva integrada, que se distancia da oferta de uma formação parcial e vinculada ao imediatismo do mercado. Tal formação deve ter, como referência, a utilidade social, selecionando e organizando os conteúdos de maneira a permitir a formação dos alunos em suas múltiplas capacidades, tendo, como princípios basilares, a interdisciplinaridade41 e a transformação social, superando a leitura fragmentada da realidade. No mesmo sentido, Ramos (2019) defende uma ruptura com a perspectiva de Ensino Médio que, historicamente, está centrada no mercado de trabalho, substituindo esse viés por um projeto de Ensino Médio que supere a dualidade entre formação geral e específica e desloque o foco do mercado de trabalho para a pessoa humana, permitindo-lhe acesso aos conhecimentos socialmente construídos, a partir de uma base que sintetize humanismo e tecnologia. Moura (2014, p. 40) aponta elementos de aproximações entre a educação profissional e a Educação de Jovens e Adultos. Um desses aspectos é o fato de o adulto aprender pelo entendimento do sentido de certo conhecimento para a sua vida objetiva. Paralelo a isso, a articulação entre a educação profissional e a Educação de Jovens e Adultos é favorecida, ao trazer para a discussão a categoria trabalho, mundo do trabalho e produção material. Nesse contexto, é necessário refletir se deve existir uma única concepção de Ensino Médio integrado, tanto para alunos do ensino regular quanto para a Educação de Jovens e Adultos, ou se é necessária a coexistência de mais de um modelo de Ensino Médio, ou seja, um para alunos do ensino regular e outra para Educação de Jovens e Adultos (MOURA, 2014, pp. 41-42). A esse respeito, Moura (2014, p. 42) defende que é preciso assumir que as concepções sobre o Ensino Médio integrado devem ser únicas, considerando as especificidades dos dois públicos, posicionamento com o qual os autores desse artigo concordam. Nesse sentido, a oferta de um Ensino Médio integrado à EJA não deve ser mais branda ou possuir uma natureza meramente compensatória. Na verdade, é preciso que sejam adotadas práticas educativas diferenciadas para que os alunos possam se apropriar do conhecimento socialmente construído, de modo pleno e articulado, com sua realidade, e que a vivência, no mundo do trabalho, se faça de forma crítica e consciente. 41
Nesse cenário, Frigotto (2008, p. 48) compreende que o conhecimento humano é relati-
Para Ramos (2019), a interdisciplinaridade é um método de “reconstituição da totalidade pela relação entre os conceitos originados a partir de distintos recortes da realidade; isto é, dos diversos campos da ciência representados por disciplinas”.
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vo, parcial e incompleto. Assim, em vez de tentar esclarecer toda a realidade e as minúcias de um fato isolado, é mais relevante entender suas determinações e mediações fundamentais. O trabalho interdisciplinar, então, torna possível explicar as determinações que constituem a parte destacada para estudo, na busca de compreender a integralidade de suas características. Além disso, Frigotto (2008, p. 52-53) adverte que a interdisciplinaridade não deve ser tratada como um recurso didático que reúne dimensões particulares de conteúdos específicos, em uma totalidade harmônica, ou, como a justaposição arbitrária de disciplinas, pois a concepção integracionista, e neutra de conhecimentos é uma forma ideológica de interpretar a realidade, atrelada aos interesses da classe dominante. Então, é preciso romper com a concepção imparcial da apropriação do conhecimento, que reforça o senso comum do ecletismo. Para isso, deve ser premissa do trabalho interdisciplinar que a compreensão da realidade, dos conhecimentos e das categorias de análise sejam explicitados criticamente (FRIGOTTO, 2008, pp. 57-58). Essa forma de conceber a interdisciplinaridade resulta na conscientização dos alunos sobre o movimento histórico de produção e reprodução do conhecimento.
5 Metodologias participativas de pesquisa e a educação popular Para Leite (2018, pp. 52-53), o materialismo histórico-dialético é um método de investigação da realidade que parte da análise de polos contraditórios, na busca de compreender a realidade em movimento, constituída por contradições, síntese de muitas determinações. Essa abordagem metodológica contribui para a análise crítica do atual quadro histórico, social, político e econômico, ao fomentar reflexões sobre a realidade a partir da individualização de aspectos sociais e da verificação das múltiplas determinações entre eles (LEITE, 2018, p. 54). Nesse cenário, Leite (2018, p. 61) compreende que técnicas de pesquisa que se aproximam do materialismo histórico-dialético, e estimulam a participação coletiva e dialógica dos envolvidos, pode favorecer o desvelamento do real, contribuindo para o seu processo de superação e transformação. De acordo com Streck (2016, p. 538), metodologias participativas de pesquisa são aquelas em que todos os sujeitos envolvidos são considerados “coprodutores do conhecimento”, por participarem de forma ativa, e conjunta, de seu desenvolvimento. Na América Latina, essas metodologias têm, desde a origem, muita afinidade com a educação popular. Streck (2016, p. 538) aponta, como exemplos de metodologias participativas de pesquisa, desenvolvidas na América Latina, a pesquisa participante, a investigação temática, a investigação ação participativa e a sistematização de experiências, que, apesar de algumas diferenças, comungam do propósito de desenvolver um conhecimento inserido no contexto de emancipação do sujeito e na transformação da realidade. 84
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No Brasil, uma das experiências pioneiras com metodologias participativas de pesquisa, em educação popular, foi a experiência de alfabetização realizada por Freire em Angicos (PE), em 1963, época em que era professor da Universidade de Recife e diretor do Departamento de Extensão Cultural da instituição. Na ocasião, os temas geradores não foram criados na academia, mas a partir do diálogo entre uma equipe multidisciplinar e membros da comunidade (STRECK, 2013, p. 115; 118). Para este autor, para atender aos critérios de qualidade e validade, uma pesquisa em educação popular que utilize metodologias participativas deve ter relevância social, qualidade de descrição e de interpretação de dados, reflexividade, qualidade da relação entre os sujeitos e praticabilidade do conhecimento. O uso de metodologias participativas da pesquisa na Educação de Jovens e Adultospode favorecer a compreensão da especificidade desse público-alvo. A propositura de práticas educativas no Proejaque favoreçam a apropriação do conhecimento a partir de um viés histórico e crítico, que estimulem a reflexão e conscientização dos alunos, com o intuito de apreender a realidade objetiva em sua totalidade, identificando contradições sociais e as relações entre as múltiplas dimensões que constituem a sociedade, propicia ações para a sua transformação. Há muitas possibilidades de uso de metodologias participativas de pesquisas na Educação de Jovens e Adultos. A seguir, apresentamos uma proposta para o desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares no Proeja.
6 Proposta de prática pedagógica interdisciplinar no Proeja De acordo com Ramos (2019), a utilização de práticas pedagógicas interdisciplinaridades, inseridas no contexto do Ensino Médio integrado, faz-se necessária porque que os processos de produção podem ser estudados em múltiplas dimensões, tais como a econômica, social, política, cultural, técnica. Nesse sentido, apresentamos uma proposta de trabalho interdisciplinar a ser desenvolvida no Curso Técnico de Guia de Turismo do Proeja, especificamente com as disciplinas de Língua Portuguesa e História, envolvendo as “Lendas Capixabas”. De acordo com Bakhtin (2011, pp. 261-261), todos os campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem, cujo emprego se dá na forma de enunciados orais e escritos, proferidos pelas pessoas. Cada enunciado é individual, mas cada campo da língua elabora tipos relativamente estáveis de enunciados, denominados gêneros do discurso. Assim, são exemplos de gêneros do discurso: notícias, editoriais, ofícios, reportagens, depoimentos, relatos, gêneros publicitários, pesquisas científicas, romances, dramas, crônicas literárias, poesias.A diversidade de gêneros do discurso é inesgotável, porque são infinitas as possibilidades de interação e comunicação da atividade humana,que se vale do uso da linguagem. Os gêneros variam devido a determinadas funções a cumprir (científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana) e devido às condições de comunicação discursiva, conduzindo ao 85
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emprego de diferentes estilos, conteúdos temáticos e composições (BAKHTIN, 2011, p. 266). As lendas são gêneros do discurso, construídas em certas épocas da história, e em comunidades específicas, podendo envolver personalidades locais, atributos da natureza, rituais religiosos, acontecimentos importantes, aspectos relacionados com o próprio cotidiano. Em regra, as lendas são transmitidas de geração em geração, entre familiares, amigos e visitantes, por meio de enunciados orais, ou seja, em conversas informais do dia a dia, passando a fazer parte da cultura da sociedade. Com o passar do tempo, as lendas populares passaram também a ser objeto de pesquisa, muitas delas, sendo escritas, possibilitaram um maior acesso por parte população. Nesse contexto, em 1968, a historiadora Maria Stella de Novaes publicou a obra “Lendas Capixabas (Lendas e Estórias)” retratando as histórias do folclore capixaba. A proposta de trabalho que aqui pretendemos expor se baseia em versão mais atual da obra citada. Bakhtin (2011, p. 281) ressalta que cada enunciado, desde os mais simples aos mais complexos, traz sempre, em seu bojo, uma intencionalidade, devendo sempre ser interpretado dentro do contexto em que é proferido, ou seja, da situação concreta de comunicação discursiva. Uma análise preliminar das lendas capixabas demonstra a presença frequente dos seguintes elementos centrais: nativos e sua relação com os colonizadores, exploração de riquezas minerais, religiosidade e paisagens naturais. Nesse cenário, a proposta de um trabalho interdisciplinar, com a disciplina de História, tem como objetivo favorecer a compreensão de que as lendas capixabas são produzidas, em determinados contextos histórico-sociais, bem como que a construção desses enunciados, que transmitem a cultura popular, carrega consigo uma intencionalidade.Bakhtin (2011, p. 268) ressalta que “os enunciados e seus tipos, gêneros discursivos, são correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem”. Nesse sentido, em uma perspectiva crítica e históricaé possível desvelar a relação entre determinantes sociais que configuram contradições presentes na sociedade, desde a época de sua enunciação cotidiana. Em particular, a partir da análise do período histórico em que se consolidam, com maior sistematização, a transmissão das lendas, podem ser problematizadas temáticas como: influência dos valores europeus e religiosidade cristã sobre a construção da cultura popular capixaba, os conflitos entre nativos e portugueses e suas consequências locais, exploração das riquezas naturais do território e outras formas de produção econômica no Espírito Santo. Nesse cenário, é possível traçar um paralelo e verificar se essa dimensão da cultura capixaba, transmitida pela enunciação das lendas de geração em geração, tem a potencialidade de enaltecer a forma de vida e os valores de certos grupos sociais, a despeito dos demais. Portanto, a análise das lendas pode contribuir para a compreensão da dinâmica cultu86
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ral, das contradições e dos conflitos presentes na sociedade capixaba, pois, conforme Bakhtin (2010, p. 30), “a obra é viva e significante do ponto de vista cognitivo, social, político, econômico e religioso num mundo também vivo e significante”. Para isso, é importante propor a construção das práticas pedagógicas em conjunto com a coordenação do curso, professores envolvidos no trabalho interdisciplinar e, se possível, com representantes de alunos do curso, uma vez que são os maiores interessados e beneficiados com a proposta. Paralelo a isso, para a produção de dados para a pesquisa, devem ser privilegiadas técnicas que estimulem o diálogo entre professores e alunos, tais como discussões ou rodas de conversas baseadas na apresentação de vídeos, textos históricos, documentos e fotografias, visitas mediadas a espaços históricos e a pontos turísticos, bem como a produção de textos e relatos de experiências, como forma de registro de dados. Assim, o emprego de metodologias participativas de pesquisa potencializa que os pesquisadores, e demais sujeitos da pesquisa, tenham uma leitura mais ampla da realidade, desvelando contradições sociais e estimulando a compreensão de sua classe, com fins na transformação social (LEITE, 2018, p. 70). É recomendável, também, que a avaliação da prática pedagógica seja feita de forma compartilhada entre pesquisadores, professores a alunos, a fim de analisar se os objetivos traçados foram alcançados.O trabalho proposto com alunos do Curso Técnico em Guia de Turismo do Proeja, a partir de uma reconstrução de memória coletiva refletirá na sua atuação profissional, subsidiando seu trabalho com o incremento de conhecimentos históricos e culturais da sociedade capixaba, que poderão ser empregados na construção de enunciados junto ao seu público-alvo.
7 Considerações finais A abordagem sociocultural de ensino destaca a importância da reflexão sobre diferentes aspectos da vida social no contexto educacional.Nesse cenário, essa tendência pedagógica influencia a adoção de práticas pedagógicas no Proeja que estimulem os alunos a terem uma leitura de mundo mais ampla e crítica, com a apropriação do conhecimento a partir do diálogo e da problematização de temáticas inerentes à sociedade. As metodologias participativas de pesquisa indicam que os sujeitos envolvidos no processo são corresponsáveis pela produção do conhecimento, ao participarem, de forma coletiva e dialógica, de suas etapas, perpassando a definição do objeto de pesquisa, a produção de dados e a avaliação do processo de pesquisa. Em que pesem algumas diferenças entre elas, as metodologias participativas de pesquisa apresentam, em comum, o propósito de desenvolver um conhecimento que conduza à emancipação do sujeito. 87
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O uso de metodologias participativas de pesquisa no Proeja pode favorecer a compreensão das especificidades desse público-alvo, bem como a propositura de práticas pedagógicas que ressaltem o diálogo e problematização para o desvelamento das contradições sociais e das relações entre os determinantes que constituem a vida em sociedade, propiciando ações para a sua transformação. Referências ANTUNES, Ricardo L. C. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2009. ARAUJO, Ronaldo Marcos de.; FRIGOTTO, Gaudêncio. Práticas pedagógicas e ensino integrado. In: Revista Educação em Questão, Natal, v. 52, n. 38, pp. 61-80, maio/ago. 2015. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011. BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 2010. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Paulo Freire: educar para transformar. São Paulo: Mercado Cultural, 2005. BRASIL. Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 26 jul. 2004. BRASIL. Decreto nº 5.478, de 24 de junho de 2005. Institui, no âmbito das instituições federais da educação tecnológica, o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 27 jun. 2005. BRASIL. Decreto nº 5.840, de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 14 jul. 2006. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 23 dez. 1996. CASTRO, Mad’AnaDesirée Ribeiro de.; MACHADO, Maria Margarida.; ALVES, Miriam Fábia. O Proeja como desafio na política de educação voltada a jovens e adultos trabalhadores. In: 88
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REFLEXÕES ACERCA DA PEDAGOGIA CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTEÚDOS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS Camila Anizio de Almeida42 Poliana Daré Zampirolli Pires43 Resumo: Este artigo discute a utilização da abordagem crítico-social dos conteúdos como metodologia de ensino na Educação Profissional e Tecnológica- EPT integrada à Educação de Jovens e Adultos- EJA. A Pedagogia crítico-social dos conteúdos fundamenta-se na Pedagogia histórico-crítica, idealizada por Libâneo, e na Mediação de Vygostsky, para quem os processos de aprendizagem não poderiam ser considerados fora de um contexto social. A educação que considera a influência social na formação integral do aluno se baseia na lógica marxista da apropriação do trabalho como princípio educativo para embasar os direcionamentos dados e do ensino para a vida. A abordagem crítico-social dos conteúdos pode em muito contribuir para a Educação de Jovens e Adultos, pois o público dessa modalidade de ensino é específico e com muitas particularidades e necessidades, assim como as demais modalidades de ensino, que necessitam de metodologias específicas que atendam seu público-alvo. O público da EJA, em sua maioria, são trabalhadores já inseridos no mercado de trabalho e com uma bagagem cultural e social das experiências de vida. A proposta deste trabalho é discutir formas de tratar a relação de ensino e aprendizagem da perspectiva crítico-social dos conteúdos, historicamente construídos e cientificamente reconhecidos. Palavras-chave: Educação problematizadora. Pedagogia contra-hegemônica. Proeja. Pedagogia Crítico-social dos conteúdos.
1 Introdução O presente artigo aborda os elementos da pedagogia crítico-social dos conteúdos, de José Carlos Libâneo, a partir da proposta de mediação de Lev S. Vygotsky, e considera suas contribuições para a educação profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos, além de trazer algumas proposições acerca das reflexões despertadas pelo tema. José Carlos Libâneo nasceu em Angatuba, interior do estado de São Paulo, em 1945 e fez seus estudos iniciais e o Ensino Médio no Seminário Diocesano de Sorocaba (SP). Graduou-se em Filosofia na PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), em 1966, onde desenvolveu estudos de mestrado e doutorado e desde então, é um dos teóricos mais utilizados no campo da pedagogia e das características que permeiam a educação escolar. Considerando que as necessidades educativas presentes tornam a escola um lugar de mediação cultural e a pedagogia, ao viabilizar a educação, é a prática. Em seu livro “Democratização da Escola Pública – A Revisão Crítico-Social dos Conteúdos”, Libâneo 42
Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica- PofEPT Ifes
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Professora Doutora em Produção Vegetal 91
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(2002) defende um modelo de escola engajada no que tange às causas que envolvem as classes sociais menos favorecidas, tendo seus métodos de ensino pautados no estímulo do desenvolvimento da consciência crítica de cada indivíduo a fim de despertá-lo para a sua condição de oprimido e proporcionar-lhe subsídios para se tornar um agente transformador da sociedade. Essa tendência pedagógica surge na década de 80 e questiona e problematiza a pedagogia tecnicista, socialmente aceita e predominante nesse período, trazendo um conceito de educação como um instrumento de luta para a compreensão e transformação dos conceitos sociais hegemônicos. A pedagogia crítico-social dos conteúdos, em Libâneo (2002), prima pela apropriação do saber de forma significativa e intrinsecamente ligada à realidade social em que ele está alocado, utilizando-se dos costumes e conhecimentos já difundidos no seu meio, mesmo no que diz respeito ao ensino escolar ou de alguma profissão. Essa apropriação feita pelo aluno deve ser mediada pelo professor, que já traz uma bagagem cultural e científica e que, em tese, tem condições para provocar discussões e novas maneiras de se desenvolver o processo de aprendizagem. Isto posto, o saber inserido na realidade social do estudante, fundamentada na ideia gramsciniana da formação integral do sujeito, a educação para o trabalho deve ir além da profissionalização ou do ensino técnico específico voltado para desempenhar funções, mas deve abranger a totalidade do homem, em toda sua complexidade de relações interpessoais e dele com a natureza, incluindo o ensino para a profissão pretendida. Assim, a utilização do conhecimento empírico e das experiências reais do aluno, associadas a práticas que estimulem o posicionamento crítico, podem contribuir para uma formação mais ampla do trabalhador, como ser social e atuante, consciente de seu posicionamento. Entendemos que a abordagem Marxista do trabalho como princípio educativo em muito pode contribuir para a Educação de Jovens e Adultos- EJA, pois o público alcançado por essa modalidade de ensino é específico, e com muitas particularidades e necessidades, assim como as demais modalidades de ensino, que necessitam de metodologias específicas que alcancem seu público-alvo. Isso, porque, os alunos matriculados na EJA, em sua maioria, são trabalhadores, já inseridos no mercado de trabalho, e com uma bagagem cultural e social das experiências de vida. Um processo de ensino que prima pela aprendizagem efetiva deve ser embasado no conhecimento científico construído ao longo do tempo pela sociedade e também por atividades que façam sentido para o aluno, utilizando-se do conhecimento empírico que ele traz consigo (LIBÂNEO, 1994). A proposta deste trabalho é discutir formas de tratar a relação de ensino e aprendizagem a partir da perspectiva crítico-social dos conteúdos, historicamente construídos e cientificamente reconhecidos, e propor a utilização desta pedagogia na difusão deste conteúdo na Educação Profissional, integrada à Educação de Jovens e Adultos.
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2 Contribuições de Vygotsky acerca da mediação no processo de aprendizagem A Pedagogia Crítico-social dos conteúdos proposta por Libâneo fundamenta-se na mediação da aprendizagem por Vygostsky, que surgiu no século XIX, trazendo um novo olhar sobre as ideias já difundidas da Teoria Cognitivista Piagetiana, porém com algumas divergências significativas entre elas. Para diferenciar basicamente as duas vertentes, Piaget acreditava que a aprendizagem se dava por meio de processos de equilibração, primordialmente internos, do sujeito, já Vigotsky defendia que tais processos não poderiam ser considerados fora de um contexto social (MOREIRA, 2017). Para Vygotsky o desenvolvimento cognitivo do ser humano não pode ser considerado sem as relações sociais, porém não se trata apenas de considerar o meio social como uma variável importante, Vygotsky acreditava que por meio do desenvolvimento cognitivo, o indivíduo torna-se capaz de socializar, por meio da qual ocorrem os processos mentais superiores. As origens sociais dos processos psicológicos superiores, bem como a primazia dos processos em detrimentos dos produtos, defendidas por ele, refletem as raízes marxistas de sua proposta (MOREIRA, 2017). A compreensão da mediação em Vygostky enfatiza a interação social dos indivíduos com os objetos disponíveis em seu contexto e essa interação pressupõe envolvimento ativo e uma relação recíproca entre os envolvidos. No indivíduo, as relações sociais se convertem em funções psicológicas por meio da mediação, sendo então, a partir de atividades mediadoras indiretas – que se utilizam de instrumentos e signos desenvolvidos culturalmente, ao longo da história de uma determinada sociedade – possível a internalização de processos e comportamentos. Outra abordagem bem difundida de Vygotsky é a Zona de Desenvolvimento Pessoal – ZPD, que observa as capacidades de uma criança em desenvolver uma determinada atividade sem a ajuda de um adulto e, novamente, é observado o desenvolvimento dessa mesma criança, em desenvolver essa mesma atividade, agora com ajuda. Com essa observação é possível depreender o grau de cognição e cognição a criança e as potencialidades que ela pode, ou não, desenvolver, a partir de um novo aprendizado com a atividade aplicada (FINO, 2001). Quando relacionado ao ensino de jovens e adultos, essa interação social provoca maior participação dos alunos nas discussões medidas e tem o professor como um participante do processo, que já passou pelo processo de internalização dos significados superiores, e apresenta, aos alunos, aqueles significados socialmente aceitos, no contexto do ensino, fazendo com que o aluno demonstre ao professor o que conseguiu assimilar e compreender daquilo e o ensino se consuma quando ambos são capazes de compartilhar significados e aprendizagens.
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3 Sob a ótica da pedagogia “crítico-social dos conteúdos” A Pedagogia crítico-social dos conteúdos é uma tendência progressista, que surgiu logo com o fim da Ditadura Militar e após a insurgência da Pedagogia histórico-crítica, como uma resposta à tendência liberal tecnicista predominante, porém voltada para a didática. Essa tendência que abarca a pedagogia dos conteúdos busca propor modelos de ensino voltados para a interação conteúdos-realidades sociais e pretende avançar em termos de uma articulação do político e do pedagógico, aquele como extensão deste, ou seja, a educação a serviço da transformação das relações de produção (SAVIANI, 2010). A aprendizagem, nessa abordagem, é vista como um produto que decorre das relações sociais e suas necessidades. O autor é contra as dicotomias do ensino centrado no professor x centrado no aluno; professor autoritário x professor não diretivo. Para ele, tudo está relacionado em um processo integrado e contínuo. Nesse contexto, o papel da escola é atuar na difusão de conteúdos, que sejam vivos e concretos, e que tragam significado para as realidades sociais. A valorização da escola como instrumento de apropriação do saber é um benefício que se presta aos interesses das camadas populares, pois a própria escola pode contribuir para eliminar a seletividade social e tornar democrático o acesso ao saber (LIBÂNEO, 2002). Segundo Saviani (2010), o papel primário da escola, como o melhor serviço que pode prestar à população, é difundir os conteúdos reconhecidos e concretos, que são indissociáveis das realidades sociais. Assim, cabe ao professor se apropriar dos conhecimentos necessários para interligar os conteúdos científicos com as experiências reais do aluno, porém, indo mais além, auxiliando, e incentivando, para que ele rompa os limites alcançados dessas experiências. Tal tendência pedagógica valoriza os conteúdos de ensino, que são os conteúdos culturais universais que se constituíram em domínios de conhecimento relativamente autônomos, incorporados pela humanidade. É importante considerar que, embora se aceite que os conteúdos são realidades exteriores ao aluno, eles não são fechados às realidades sociais, devendo ser flexibilizados e adaptados, de acordo com cada realidade. Assim, não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados – ainda que bem ensinados – é preciso que se liguem, de forma indissociável, à sua significação humana e social. Para Libâneo (1994), o objetivo do ensino é privilegiar a aquisição do saber e, de um saber vinculado às realidades sociais, por isso os métodos precisam ser planejados de forma a associar os conteúdos com os interesses dos alunos e que estes possam reconhecer, nos conteúdos, o auxílio ao seu esforço de compreensão da realidade. Os métodos de uma pedagogia crítico-social dos conteúdos não se baseiam em um saber artificial, tampouco no saber espontâneo, mas em uma relação direta que confronta a experiência do aluno com o saber, relacionando a prática vivida por eles com os conteúdos propostos pelo professor. Considerando que a pedagogia crítico-social dos conteúdos propõe uma outra forma de apropriação do saber, utilizando-se das experiências prévias do aluno para a consolidação de uma aprendizagem efetiva na realidade social, a relação professor-aluno é vista a partir 94
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da mediação, defendida por Vygotsky. A aprendizagem não buscará satisfazer, apenas, às necessidades e carências, buscará despertar outras necessidades, exigir o esforço do aluno, propor conteúdos e modelos compatíveis com suas experiências vividas, para que o aluno se mobilize para uma participação ativa em sua aprendizagem.
4 Práticas integradoras na aprendizagem significativa do aluno trabalhador O Proeja - O Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos foi criado pelo Decreto 5.478/2005, de 24 de junho de 2005 e posteriormente reformulado em 2006, com o Decreto 5.840/2006, do Presidente da República, com vistas à formação inicial e continuada de trabalhadores e a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, podendo ser realizada de forma integrada ao Ensino Médio ou concomitante. Na apresentação do Documento Base, o Proeja é descrito como uma proposta oriunda da união de diversas ações complexas que buscavam a formação social e profissional para a construção de uma nova sociedade fundada na igualdade política, econômica e social (BRASIL, 2007). A modalidade de ensino EJA caracteriza-se como mecanismo de atendimento a um público ao qual foi negado o direito à educação durante um período da vida, seja por deficiência do sistema de ensino regular, seja por falta de incentivo do berço familiar, ou simplesmente pelo fator trabalho. Por medidas educacionais do governo, planejou-se um modelo de educação moldado, sem considerar por completo, as especificidades do público a ser atendido e não considerando as desigualdades para atender aos desiguais no processo de ensino. A partir da abordagem crítico-social dos conteúdos e do reconhecimento do conteúdo científico como aquele construído através de uma apropriação cultural e histórica de uma determinada sociedade, é possível compreender que a relação de ensino e aprendizagem do aluno adulto faz parte da apropriação de conhecimento por sujeitos atuantes na realidade social em que estão inseridos, com experiências anteriores e conhecimento empírico que interferem, e influenciam, essa aprendizagem. Santos (2010) elucida o paradigma emergente atual da ciência, que durante séculos mistificou o conhecimento científico irrefutável e desmereceu as experiências que formam o conhecimento empírico, em todos os seus aspectos, e hoje a precisa ir de encontro a esse pensamento, pois deve defender a valorização do senso comum e do conhecimento empírico na construção do conhecimento científico. O conhecimento deve ser entendido em sua totalidade de aplicação, sendo ele empírico ou científico, sendo que, para cada situação, há um tipo de conhecimento que deve ser aplicado. O conhecimento precisa ser considerado como algo processual, contínuo e inacabado, pois está sempre em construção (LIBÂNEO, 1994). Essa reflexão faz parte do processo de ensino e aprendizagem, já que a capacidade de abstração necessária para compreender as significações dessa reflexão contribui para o desenvolvimento intelectual e cognitivo do aluno trabalhador, inserido socialmente no mercado de trabalho, cujas exigências, muitas vezes, são injustas e de exclusão. 95
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O processo de ensino e aprendizagem é contínuo e dinâmico e conta com a participação de todos os envolvidos, seja na discussão do conteúdo ou no desenvolvimento das atividades, a partir de um conhecimento previamente assimilado pelo sujeito. O foco se dará no processo e na forma pela qual ele será conduzido pelo professor mediador, já que, em cada situação, haverá um protagonista diferente, de acordo com sua contribuição sobre o tema e o professor não é o único detentor do saber (LIBÂNEO, 1994). Habitualmente, o que se ouve nos corredores das instituições que oferecem ensino regular e Educação de Jovens e Adultos é que estes são muito defasados quando comparados aos primeiros. Em algumas escolas, os docentes não querem ministrar aulas para esse público, alegando estarem desmotivados pela falta de interesse e de interação dos alunos, além da dificuldade real que eles apresentam na aprendizagem. Na verdade, seguindo a vertente da mediação de Vygostsky e a Pedagogia Crítico-social de Libâneo, o que pode estar influenciando diretamente essa dificuldade do aluno adulto é a falta de significado daquele aprendizado no contexto da realidade social em que ele está inserido. Libâneo (1994) defende que a aprendizagem significativa só ocorre após uma maturidade social, utilização do conhecimento prévio para assimilação do novo conhecimento e sua abstração para uma realidade efetiva em que possa desenvolvê-lo. Para Vygotsky, os processos mentais superiores se originam dos processos sociais vivenciados pelo sujeito e para cuja compreensão é necessário que o indivíduo use linguagem e signos próprios da comunidade cultural e social em que está habituado. Assim, a transferência de um conteúdo, ou saberes, de forma incoerente, ou distante disso, pode desencadear dúvidas e dificuldades, no momento da aprendizagem, que levará à apropriação do conhecimento (MOREIRA, 2017). Uma das metodologias que abarca o compartilhamento de experiências e saberes na construção do conhecimento científico é a possibilidade de os próprios alunos fundamentarem as discussões e externarem suas opiniões no momento de aula. A participação dos pares na mediação da aprendizagem na abordagem crítico-social dos conteúdos, defendida por Fino (2001), é entendida como um momento de reflexão e de troca de experiências, que pode auxiliar no desenvolvimento das capacidades de cognição, fala e posicionamento dos envolvidos. Na educação profissional de jovens e adultos, é fundamental que se considerem as experiências anteriores no momento das discussões e na problematização dos temas e que se incentive a participação de todos, como forma de valorizá-los. Considerando a Educação Profissional e Tecnológica como umas das formas de desenvolvimento da EJA, é preciso compreender que tal ensino vai além da profissionalização, pois alcança a totalidade da educação que tem a formação integral do sujeito como objetivo fim e se baseia no trabalho como princípio educativo. No desenvolvimento desse ensino, os papéis de quem ensina e de quem aprende, por muitas vezes, muda de um sujeito para o outro. Para Libâneo (1994), a aprendizagem que se busca é aquela que permita ao aluno refletir e se posicionar criticamente frente às situações reais da sociedade, que dê condições para este mesmo aluno progrida nos estudos, se for de seu interesse, mas que também o capacite para 96
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desenvolver uma profissão que lhe dê condições de retorno financeiro, pois bem sabemos que nem só de ideias viverá o homem na sociedade atual. A pedagogia histórico-crítica, ao propor a assimilação dos conteúdos a partir dos saberes prévios individuais, construídos a partir de processos de socialização cultural, preconiza a necessidade da prática na educação profissional. A característica mais destacada do trabalho do professor, do ponto de vista didático, é a mediação didática, onde se empenha em ir além de uma adaptação curricular para o público adulto e/ou técnico para uma reformulação curricular que seja compatível com a realidade do aluno (LIBANEO, s/d). Na prática, desenvolver a criticidade do aluno, para gerar uma aprendizagem efetiva, a partir da abordagem crítica dos conteúdos, significa tratar os conteúdos escolares dentro de uma análise concreta das relações econômicas, sociais, culturais que envolvem a prática escolar. A pedagogia crítico-social quer contribuir efetivamente para a formação de sujeitos atuantes socialmente, pensantes e críticos, ou seja, quando pensada em relação ao aluno trabalhador, a formação escolar deve contribuir para seu desenvolvimento profissional e também individual.
5 Considerações finais Romper com os paradigmas existentes na Educação de Jovens e Adultos com vistas a buscar a reciprocidade do aluno no processo de ensino e aprendizagem se faz necessário, por isso este artigo discutiu sobre as pedagogias e metodologias de ensino, considerando como esse público sairá após passar por um curso profissional de educação tecnológica, na maneira em que se idealiza. A intenção é reforçar a importância das práticas integradoras na aprendizagem do aluno trabalhador, apontando para a articulação dos conhecimentos científicos às disciplinas básicas, técnicas e o mundo do trabalho. O diferencial é como se entende a integração e como ela se aplica na realidade da escola, pois a maioria das ações vivenciadas, até aqui, envolvem mais interdisciplinaridade do que integração. É notório que estes termos são semelhantes na execução das atividades, mas não é bom que se confunda seu entendimento, quando o objetivo maior é uma formação completa com vistas ao cidadão emancipado e crítico. Apropriar o conhecimento científico associado ao conhecimento empírico, no desenvolvimento de práticas que integrem esses conhecimentos, pode ser um caminho de esperança a ser trilhado, na expectativa de despertar o interesse e criticidade do aluno trabalhador inserido na educação profissional. Referências BRASIL. Ministério da Educação/SETEC. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos: Ensino Médio/Técnico – PROEJA: Documento Base. Brasília, 2007. 97
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FINO, Carlos Nogueira. Vygostsky e a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD): três implicações pedagógicas. Revista Portuguesa de Educação, Braga-Portugal, v. 14, n. 2, pp. 273-291, 2001. LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da Escola Pública: a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos. 18. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002. LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. LIBÂNEO, José Carlos. Fundamentos teórico-metodológicos da pedagogia críticosocial. [PDF], Goiás: Universidade Católica de Goiás. Disponível em: http://professor. pucgoias.edu.br/SiteDocente/home/disciplina.asp?key=5146&id=3552. Acesso em: 05 maio 2019. MARTINS, Roseli de Souza; MARTINS. Guilherme Henrique. Reflexões acerca das tendências pedagógicas liberais e progressistas e sua fundamentação para o Proeja. Disponível em: <https://periodicos.furg.br/momento/article/viewFile/2440/ 2202>. Acesso em: 14 maio 2019. MOREIRA, Marco Antonio. Teorias da aprendizagem. 2. ed. São Paulo: E.P.U, 2017. SAVIANI, Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2010. SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
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CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA A REFLEXÃO SOBRE A PESQUISA E OS PROCESSOS EDUCATIVOS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA Almir Ferreira Luz Junior44 Pollyana dos Santos45 Resumo: Este artigo discute sobre a categoria “pesquisa no ensino” em Paulo Freire, que foi um dos expoentes da pesquisa participante tratada por Brandão (2006). A pesquisa participante ocorre no contexto de grupos sociais marginalizados e populares e rompe com a antiga relação sujeito-objeto em pesquisa, na medida em que os participantes da pesquisa se tornam ativos no processo de construção do conhecimento. Além disso, nesse contexto, a pesquisa se insere como um ato intencional, político e ideológico de defesa dos interesses desses grupos estudados. Dessa forma, propostas educacionais que pretendem ser contra hegemônicas podem se apropriar dessa abordagem, em grupos pesquisados, de modo que incentivem seu desenvolvimento autônomo e transformador. Palavras-chave: Paulo Freire. Pesquisa Participante. Educação Profissional e Tecnológica.
1 Introdução Em razão de sua experiência nos primeiros anos de docência, e de sua vida ativa nos movimentos populares no Recife, Paulo Freire desenvolveu um método de alfabetização de adultos que levou sua fama pelo mundo todo. Já nas primeiras experiências com a criação do método (entre 1962 e 1964), teve que pedir asilo na embaixada da Bolívia em virtude das perseguições vividas no Brasil porque foi considerado inimigo dos “detentores de poder”. A proposta emancipadora e transformadora, pensada por Freire, colocava adultos trabalhadores em condição de refletir sobre suas próprias existências, sobre as produções de exploração a que estavam sujeitos e sobre a necessidade de atuação para modificar a realidade vivida(BEISIEGEL, 2010). Sendo sua vasta obra concebida a partir da influência da sua participação em movimentos populares e da observação do estágio de desenvolvimento da sociedade brasileira de sua época, desde suas teses iniciaisrejeitou a ideia de uma educação que posteriormente iria chamar de educação bancária - aquela em que o professor simplesmente deteria o saber e o depositaria no aluno sem que este participasse do processo de ensino e aprendizagem. Ao contrário, para Freire, as classes populares detêm um saber-fazer próprio que, orientado por um processo de emancipação (libertação), pode ser transformador do indivíduo e da sociedade. Assim, a função docente não se limita a transmitir conhecimentos que somente reproduzem a situação imposta, mas de forma intencional e ideológica no processo ensino e aprendizagem, deve incentivar a produção de uma consciência de classe que promove mudanças (FREIRE, 1996). 99
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Em uma de suas obras mais importantes, Pedagogia da Autonomia (1996), Paulo Freire vai enumerar e analisar os diversos saberes necessários à prática docente emancipadora. Entre eles, a premissa de que para ensinar é preciso pesquisar. Para Freire (1996, p. 29), Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 1996, p. 29).
Para o autor, pesquisar também implica reconhecer o senso comum em processo de mudança e a capacidade de criação do aluno. Também significa compreender que esse processo não se dá automaticamente, ou seja, precisa ser direcionado pelo docente (FREIRE, 1996). Brandão (2006) reconhece Freire como um dos precursores, na América Latina, da pesquisa participante, a qual não se limita a espaços formais de educação, mas que tem nos processos educacionais, em geral, grande potência transformadora. O professor, no lócus de sua prática docente, desenvolve, com seus alunos, a pesquisa e busca analisar temas pertinentes àquele grupo, de modo que torne sua situação mais justa. Sendo assim, esse trabalho abordará o conceito e as características da pesquisa participante em Paulo Freire e sua aplicabilidade em processos formativos, sejam eles institucionais ou não.
2 A pesquisa participante e a proposta emancipadora A compreensão de pesquisa participante presente em Freire, e conceituada por Brandão (2006), diz respeito a um movimento surgido no trabalho de docentes/pesquisadores envolvidos em grupos sociais populares, que buscavam processos emancipatórios. Paulo Freire usa o termo Educação Popular para definir sua atuação nesses grupos (BRANDÃO, 2006). Poder-se-ia, com isso, inferir que a pesquisa estivesse distante desse processo, mas não é esse o caso, já que, para aquele autor, a práxis (relação teoria e prática) era uma função muito cara da educação. Ou seja, o processo de pesquisa ocorre simultaneamente ao de ensino (BRANDÃO; BORGES, 2007). Esse tipo de pesquisa possui as seguintes características principais: em primeiro lugar os sujeitos sociais são mais que meros objetos de pesquisa ou “meros beneficiários passivos dos efeitos diretos e indiretos da pesquisa”; em segundo lugar, a própria investigação deve estar orientada pelas formas de organização popular e deve, assim, participar de processos de ação social em que a pesquisa participante é mais um instrumento de mobilização social. Seria uma via de mão dupla, em que a comunidade se mobiliza, em torno da pesquisa,e a pesquisa caminha, no decorrer das ações populares (BRANDÃO, 2006, p. 28). Outra característica é a de que o pesquisador faz um esforço de aproximação com o grupo sem uma rigidez de pressupostos já que a compreensão da realidade do grupo parte 100
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dos pesquisados. Porém, não quer dizer que não existam pressupostos, mas a compreensão destes pelo pesquisador será influenciada pela comunidade, que é a maior conhecedora de sua situação. E ainda, o retorno dos resultados da pesquisa ocorre por meio de um processo constante durante as discussões e, ao final do processo, por meio de discussões abertas (BRANDÃO, 2006). Brandão (2006) também enumera uma série de princípios para a realização da pesquisa participante. O primeiro diz respeito ao fato de que “o ponto de origem da pesquisa participante deve estar situado em uma perspectiva da realidade social, tomada como uma totalidade em sua estrutura e em sua dinâmica” (BRANDÃO, 2006, p. 39). Ou seja, a realidade concreta da vida cotidiana dos próprios participantes individuais, e coletivos, do processo, em suas diferentes dimensões e interações, deve ser contextualizada em sua dimensão histórica, pois é o que, em boa medida, explica uma realidade social (BRANDÃO, 2006). O segundo princípio é o de que [...] a relação tradicional sujeito-objeto entre investigador-educador e os grupos populares deve ser progressivamente convertida em uma relação do tipo sujeito-sujeito, a partir do suposto de que todas as pessoas e todas as culturas são fontes originais de saber e que é da interação entre os diferentes conhecimentos que uma forma partilhável de compreensão da realidade social pode ser construída através do exercício da pesquisa. O conhecimento científico e o popular articulam-se criticamente em um terceiro conhecimento novo e transformador. Deve-se partir em busca da unidade entre a teoria e a prática, construir e reconstruir a teoria e parir de uma sequência de práticas refletidas criticamente (BRANDÃO, 2006, p. 40).
Em terceiro lugar, a pesquisa participante é dinâmica porque está em um processo de ação social popular devendo estar, a esse, integrada. “As questões e os desafios surgidos ao longo de ações sociais definem a necessidade e o estilo de procedimentos de pesquisa participante”. Por consequência, o processo e os resultados de uma pesquisa interferem nas práticas sociais e, de forma cíclica, o seu curso vai levantando a necessidade e o momento da realização de novas investigações participativas (BRANDÃO, 2006). O quarto princípio é que A participação popular deve se dar, preferencialmente, através de todo o processo de investigação-educação-ação. De uma maneira crescente, de uma para outras experiências, as equipes responsáveis pela realização de pesquisa participativas devem incorporar e integrar agentes assessores e agentes populares. O ideal será que, em momentos posteriores, exista uma participação culturalmente diferenciada, mas social e politicamente equivalente e igualada, mesmo entre pessoas e grupos provenientes de tradições diferentes, quanto aos conteúdos e aos processos de criação social de conhecimentos(BRANDÃO, 2006, p. 41).
O quinto princípio é o de que compromisso político e ideológico46 do pesquisador é, an46 O termo ideológico para Paulo Freire diz respeito a uma visão de mundo proveniente da classe trabalhadora. Para este, já que não existe educação nem ciência descomprometidas com alguma ideologia, faz-se necessário que o professor progressista assuma essa visão de mundo de forma intencional se deseja promover a autonomia de seus educandos. 101
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tes de tudo, com os setores populares e com as suas causas. Em sexto lugar, de forma conexa com o princípio anterior, está o fato de que se deve reconhecer o caráter político e ideológico da atividade científica e pedagógica. Logo, a pesquisa participante é praticada de forma assumidamente política, sem neutralidade (BRANDÃO, 2006). E por fim, a investigação-educação-ação se converte em momento metodológico de um único processo dirigido à transformação social, mesmo em casos de pesquisas localizadas e orientadas a questões específicas de determinados grupos (BRANDÃO, 2006). É importante afirmar que esses princípios apontados por Brandão são característicos de toda uma tradição latino-americana de pesquisa participante que possui como expoente principal além de Paulo Freire, o pesquisador Orlando Falls Borda. Dessa forma, se faz necessário observar especificamente na obra de Freire, como se operacionalizou a pesquisa participante. Na obra Pedagogia do Oprimido (1997), Freire vai estabelecer de maneira mais categórica, e teórica, aquilo que se identificou como pesquisa participante. Freire (1997) parte da concepção de que a educação que promove a liberdade é aquela que se estabelece com base na dialogicidade. Para ele, é necessário estar em constante abertura para a escuta das perguntas daqueles que estão na posição de alunos e, dessa forma, saber de seus anseios pelo conhecimento. Ao contrário da educação bancária, em que o conhecimento é estabelecido e doado pelo professor, no processo dialógico, ambos determinam, coletivamente, o conteúdo programático do processo educacional. A citação a seguir descreve o pensamento do autor: Simplesmente, não podemos chegar aos operários, urbanos ou camponeses, estes, de modo geral, imersos num contexto colonial quase umbilicalmente ligados ao mundo da natureza de que se sentem mais partes que transformadores, para, à maneira da concepção “bancária”, entregar-lhes “conhecimento” ou impor-lhes um modelo de bom homem, contido no programa cujo conteúdo nós mesmos organizamos. Não seriam poucos os exemplos que poderiam ser citados, de planos, de natureza política ou simplesmente docente, que falharam porque os realizadores partiram de uma visão pessoal da realidade. Porque não levaram em conta, num mínimo instante, os homens em situação a quem se dirigia seu programa, a não ser com puras incidências de sua ação (FREIRE, 1997, p.117).
Na prática do diálogo, entre a visão de mundo do docente e dos educandos é que surgirão os temas geradores. E, partindo desses temas, um processo de pesquisa com base na totalidade social é realizado de forma que aquela comunidade se envolva na solução de seus problemas. O que temos de fazer, na verdade, é propor ao povo, através de certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia, e, assim, lhe exige respostas, não só no nível intelectual, mas no nível da ação. Nunca apenas dissertar sobre ela e jamais doar-lhe conteúdos que pouco ou nada tenham a ver com seus anseios, com suas dúvidas, com suas esperanças, com seus temores. Conteúdos que, às vezes, aumentam estes temores, temores de consciência oprimida (FREIRE, 1997, p. 120).
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Dessa perspectiva o que se investiga não são os homens numa relação sujeito-objeto entre pesquisador-pesquisado, mas a percepção de mundo e os níveis de percepção da realidade dos membros do grupo social. E, nessa percepção, estão inseridos os temas geradores, os quais indicam a necessidade de superação de situações-limite impostas historicamente. Sua superação ocorreria por uma série de atitudes, e atividades, que comporiam o universo temático daquele grupo social (FREIRE, 1997). Mas como se daria a investigação dos temas geradores em termos metodológicos? Para Freire (1997), a libertação ocorre por meio da observação da realidade, como um todo, em contraponto a uma visão fragmentada. Então, o docente deveria propor, aos seus educandos, sempre por meio do diálogo, que estes partissem do ponto inverso ao que estão habituados, da apreensão da visão geral do contexto para, assim, perceberem sua realidade específica: Este é um esforço que cabe realizar, não apenas na metodologia de investigação temática que advogamos, mas, também, na educação problematizadora que defendemos. O esforço de propor aos indivíduos dimensões significativas de sua realidade, cuja análise crítica lhes possibilite reconhecer a interação de suas partes (FREIRE, 1997, pp. 133-134).
Em termos práticos, Freire (1997) demarca alguns momentos da investigação: Em um primeiro momento, estaria a delimitação dos assuntos relevantes aos educandos, o que pode gerar algum estranhamento com os pesquisados, devido ao fato de ocorrer, em um período de contato inicial, seja em uma reunião com muitos membros da comunidade ou em contatos individuais. Dessa forma, conversas empáticas em que se expliquem os motivos da presença do pesquisador e de sua equipe são necessários para que se crie confiança. Além disso, os investigadores podem, ao se aproximar do campo, ter uma visão mais próxima da realidade do grupo social em que estão inseridos. E, se isso for feito por um grupo de pesquisadores, será necessário que estabeleçam momentos de diálogos como seminários, para que cada um exponha sua visão do que foi observado. A segunda etapa começa quando os investigadores apreendem as contradições surgidas no seio da investigação daquela comunidade. E, dessas contradições, elegem as mais relevantes para dar origem aos temas geradores. Esses temas devem ser reconhecíveis e compreensíveis pela comunidade ao serem apresentados a estes, sendo que, nesse momento de apresentação, também se inicia um processo cognoscente, que promove uma nova percepção da realidade. A terceira fase acontece quando os pesquisadores orientam um diálogo com o grupo social por meio dos “círculos de investigação temática”. Nesse momento, em que as temáticas analisadas pelo grupo são apresentadas, em forma de discussão com a comunidade envolvida, são realizadas gravações e anotações que serão utilizadasna última fase de análise dos dados. A última fase, de análise e estudos dos dados encontrados, também, pode ser realizada por uma equipe multidisciplinar. Do resultado da análise, ocorre uma devolutiva ao “povo” de 103
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modo que por meio de sua participação, na construção das ideias, se sintam motivados a promover as mudanças necessárias em sua realidade. Ao final do processo, deve-se ter em mente que: [...] do ponto de vista da educação libertadora, e não “bancária”, é que, em qualquer dos casos, os homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo, manifestada implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros (FREIRE, 1997, p. 166).
Em sua aplicabilidade ao contexto atual, a proposta de Freire poderia orientar abordagens e propostas educacionais que pretendem ser contra hegemônicas e problematizar os desafios enfrentados atualmente na sociedade brasileira.
3 Aproximações entre a compreensão de pesquisa em Freire e os processos educativos na Educação Profissional e Tecnológica Para tecer as articulações propostas, é importante ressaltar alguns aspectos que ora distanciam ou ora aproximam a proposta da pesquisa participante como produtora de conhecimento sobre uma dada realidade e a perspectiva da pesquisa, como possibilidade de aproximações com os saberes produzidos por estudantes, nos espaços de formação para o trabalho. À primeira vista, um aspecto poderia ser considerado um distanciamento entre as perspectivas: a pesquisa participante se volta a um trabalho sistemático desenvolvido com grupos específicos, tendo uma finalidade claramente expressa. Como explicado anteriormente, trata-se de grupos sociais populares, visando ao desenvolvimento de ações emancipatórias em suas comunidades de origem, o que não seria o caso de todas as ações desenvolvidas no âmbito da educação profissional e tecnológica, tendo em vista, o universo de cenários escolares e não escolares, formais e não formais em que ela se desenvolve e de realidades dos sujeitos envolvidos nos processos educativos na EPT. Assim, enquanto alguns grupos e cenários atenderiam a essa primeira delimitação da pesquisa, outros, no entanto, se aproximariam da proposta, por inspiração, em alguns princípios que a fundamentam, tais como: a proposta emancipadora, a dialogicidade, o reconhecimento dos saberes produzidos por todos os envolvidos e, por consequência, a horizontalidade estabelecida na relação pesquisador-grupo pesquisado. Partindo do princípio educativo que a própria pesquisa participante engendra e trazendo-a para a dimensão nos processos educativos desenvolvidos, na Educação Profissional e Tecnológica, duas aproximações são possíveis: 1) o “novo” olhar que essa abordagem pode trazer para o pesquisador, que se propõe a conhecer essa realidade e, nela, produzir mudanças significativas para os estudantes e professores que atuam na EPT; 2) a proposta pedagógica que torna possível mobilizar processos de ensinar e aprender na formação do trabalhador, tendo a pesquisa como princípio educativo – e, nesse sentido, frisamos a importância dada por Paulo Freire (1996) ao reconhecimento de que a pesquisa é intrínseca ao processo de 104
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aprender. Sobre o “novo” olhar que a pesquisa participante pode trazer ao universo das pesquisas desenvolvidas, na Educação Profissional e Tecnológica, a inspiração trazida por Freire e Brandão permite desnudar, e conhecer, a realidade, a partir dos olhares dos mais diferentes sujeitos (estudantes, professores e demais profissionais), que partilham experiências, angústias e desafios para essa modalidade de ensino. Sobretudo as pesquisas que se desenvolvem, em programas de mestrados e doutorado profissionais, as quais têm, por objetivos: Art. 2º [...] I- capacitar profissionais qualificados para o exercício da prática profissional avançada e transformadora de procedimentos, visando atender demandas sociais, organizacionais ou profissionais e do mercado de trabalho; II - transferir conhecimento para a sociedade, atendendo demandas específicas e de arranjos produtivos com vistas ao desenvolvimento nacional, regional ou local; III - promover a articulação integrada da formação profissional com entidades demandantes de naturezas diversas, visando melhorar a eficácia e a eficiência das organizações públicas e privadas por meio da solução de problemas e geração e aplicação de processos de inovação apropriados; e IV - contribuir para agregar competitividade e aumentar a produtividade em empresas,organizações públicas e privadas (BRASIL, 2017).
Nesse sentido, no âmbito da Educação Profissional e Tecnológica, as pesquisas que se propõema realizar intervenções em realidades onde essa modalidade de ensino se desenvolve, inspiradas na pesquisa participante, podem contrapor a visão hegemônica de que os resultados do processo investigativo sejam produzir saberes e conhecimentos que tenham a finalidade primordial de ampliar a competitividade e produtividade de determinados setores, tomados sob o ponto de vista econômico. Outras transformações nos cenários em que as pesquisas se inserem se tornam possíveis se tomadas pela perspectiva emancipatória. Ou seja, as realidades que tocam a formação profissional e tecnológica podem ser problematizadas pelo ponto de vista do trabalhador, sobre os processos produtivos, os direitos trabalhistas, sobre questões relacionadas à saúde do trabalhador e aos acidentes de trabalho. Sendo o processo emancipatório parte constituinte da pesquisa participante, tem-se, ainda, a aproximação com Freire no que se refere às práticas pedagógicas que podem ter o processo de pesquisar como princípio educativo. Sobre esse aspecto, torna-se possível pensar os processos educativos para além da inserção do pesquisador no campo da Educação Profissional e Tecnológica, mas nas propostas educacionais que podem ser tomadas por professores e estudantes, que atuam nessa modalidade de ensino. A proposta de trabalho a partir dos temas geradores, da apreensão e compreensão da realidade, em que o estudante se insere, e a problematização, que permite levantar os desafios e as propostas para tentar solucioná-los, situa o estudante como sujeito do seu processo de aprendizagem. Além disso, permite que as temáticas relativas ao campo de atuação profissional do trabalhador (ou do futuro trabalhador) se tornem elemento articulador da teoria e da prática que transita nos currículos escolares da educação profissional e tecnológica.
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4 Considerações finais A educação libertadora de Paulo Freire passa pelo trabalho de pesquisa, em que os sujeitos envolvidos deixam de ser somente sujeito-objeto, mas passam para uma relação de aproximação. Além disso, preza pela valorização do senso comum das culturas populares como fonte de conhecimento e rompe com a ideia de transmissão unilateral do conhecimento para uma relação de aprendizado constante, entre pesquisador-sujeitos da pesquisa e docente-educandos. Por fim, tem como princípio fundamental a dialogicidade da qual surgirão os conteúdos que poderão ser trabalhados com aquela comunidade, visando a incentivar a formação de grupos humanos que pensem, de forma autônoma, e construam caminhos que permitam repensar a própria existência e as condições materiais de existência em que desenvolvem suas trajetórias escolares e de vida. Referências BEISIEGEL, Celso de Rui. Paulo Freire. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pesquisa participante e a participação da pesquisa. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues; STRECK, Danilo R. (Orgs.). Pesquisa participante: a partilha do saber. Aparecida: Ideias e Letras, 2006. BRANDÃO, Carlos Rodrigues; BORGES, Maristela Correa. A pesquisa participante: um momento da educação popular. Revista de Educação Popular, Uberlândia, v. 6, n. 1, jan/dez, pp. 51–62, 2007. BRASIL. Ministério de Educação. Portaria N. 389, de 23 de março de 2017. Diário Oficial da União, 24 mar. 2017, Brasília-DF, 2017. FREIRE, Paulo. Pedaogogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
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A ABORDAGEM SOCIOCULTURAL NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA DE JOVENS E ADULTOS ALFABETIZANDOS Fernanda Alves Nobre47 Loziane Pereira Lima de Souza Ramos48 Alex Jordane49 Pollyana dos Santos50 Resumo: Este artigo tem por objetivo refletir sobre a abordagem sociocultural na educação Profissional e Tecnológica, tendo em vista a necessidade de um olhar direcionado aos alunos da EJA ainda não alfabetizados, mas encontram-se no mundo do trabalho com empregabilidade precarizada. Nesse sentido, busca-se fomentar reflexões sobre como a abordagem freireana pode agregar saberes para alunos que ainda estejam em fase de apropriação da leitura e escrita e possíveis ações que possam desencadear estudos que ampliem a perspectivas desses sujeitos na Educação Profissional e Tecnológica. Assim sendo, defende-se a abordagem sociocultural, que entende a construção do conhecimento como um processo dialógico que tem como ponto de partida o contexto social e cultural. Palavras-chave: Educação Profissional e Tecnológica. Paulo Freire. Alfabetização de Jovens e Adultos. Abordagem sociocultural.
1 Introdução É imprescindível na atual conjuntura da educação brasileira refletir sobre o processo de alfabetização de alunos da Educação de Jovens e Adultos–EJA no contexto da Educação Profissional e Tecnológica–EPT, isso, porque o mundo do trabalho contempla trabalhadores alfabetizados, ou, em poucos casos, em situação de letramento. Uma inquietação emergiu no transcurso do Mestrado Profissional e Tecnológico–ProfEPT, a partir da observação das realidades de atuação profissional, promovida pela disciplina de Teorias e Práticas do Ensino e Aprendizagem, e, também, das visitas técnicas a locais especializados em prover formação profissional. Nessasinvestidas, percebeu-se que a maioria dos espaços de formação são destinados, apenas, a sujeitos já alfabetizados. Buscando compreender esse cenário, este artigo discute como a abordagem sociocultural, a qual também é conhecida como Pedagogia Libertadora (SAVIANI, 2013), pode auxiliar no percurso formativo dos alunos da Educação de Jovens e Adultos no contexto da EPT. Segundo Brandão (2005), Paulo Reglus Neves Freire, pernambucano, nascido em 19 de setembro de 1921 era formado em direito, mas sua vocação como professor, por influência 47 48 49 50
Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica- PofEPT Ifes Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica- PofEPT Ifes Professor Doutor em Educação Professora Doutora em Educação 107
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de sua esposa Elza Maia Costa de Oliveira e de sua paixão pela linguagem, sem dúvida, foi imprescindível para sua atuação pedagógica. Teve uma infância pobre, em sua cidade natal, Recife, ambiente que favoreceu a gênese de sua prática educacional. Sua preocupação com os trabalhadores se deu enquanto diretor do Serviço Social da Indústria–SESI e, posteriormente, como superintendente. Também foi professor efetivo de Filosofia e História da Educação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da atual Universidade Federal de Pernambuco, entre outras ocupações (SAVIANI, 2013; BRANDÃO, 2005). Mas, “antes de tornar-me um cidadão do mundo, fui e sou um cidadão do Recife, a que cheguei a partir do meu quintal, no bairro de Casa Amarela” (BRANDÃO, 2005, p. 26). É nessa consciência de onde veio que Freire traz o significado do social e da cultura para uma aprendizagem no, e pelo mundo, em pares e consigo. Freire trouxe os movimentos populares para a educação, por meio do quê ficou conhecido pela pedagogia da cultura popular ou educação popular. Em 1960, participou como diretor da Divisão de Pesquisas no Movimento da Cultura Popular – MCP em Recife (SAVIANI, 2005). Paulo Freire concebeu uma educação que, da criança ao adulto, desenvolvesse na pessoa que aprende algo mais do que apenas algumas habilidades instrumentais, como saber ler e escrever palavras, ao lado de algumas habilitações funcionais dirigidas ao simples exercício do trabalho, como o saber usar as palavras aprendidas para ser um pedreiro, um contador, um advogado ou um professor (BRANDÃO, 2005, p. 20).
Nesse sentido, Freire sempre defendeu uma educação problematizadora, que contemplasse as especificidades de seu público-alvo, buscando um processo de alfabetização de adultos que fosse emancipador para que os alunos pudessem se reconhecer como homens, na sua vocação ontológica e histórica tornando-se sujeitos ativos e atuantes, capazes de transformar sua realidade (FREIRE, 2013). Nessa concepção de formação, aproximando ao conceito de omnilateralidade defendido por Manacorda (2007, p.87), busca-se “um desenvolvimento total, completo, multilateral, em todos os sentidos, das faculdades e das forças produtivas, das necessidades e da capacidade da sua satisfação”. O propósito da EPT deve ser, pois, oferecer uma formação integral, em que o sujeito seja protagonista de sua aprendizagem, e mais do que isso, que se reconheça como construtor de história e cultura, tanto social, quanto política, econômica e de sua própria existência. Objetiva-se, portanto, compreender como a abordagem sociocultural, defendida por Paulo Freire, pode ampliar os saberes e fazeres aos alunos da EJA, que ainda não estão alfabetizados, mas que se encontram no mundo do trabalho. O objetivo geral deste trabalho é discutir o processo de alfabetização de jovens e adultos, no contexto da formação Profissional e Tecnológica, aproximando da abordagem sociocultural de Paulo Freire. Para atender ao objetivo geral, este trabalho desdobra-se nas seguintes reflexões: (a) discussão sobre o processo de alfabetização de jovens e adultos numa abordagem sociocultural; (b) problematização sobre o processo de alfabetização de jovens e adultos, visando à compreensão de uma Educação Profissional e Tecnológica que forme os sujeitos críticos e reflexivos em seu sentido omnilateral. 108
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2 O processo de alfabetização de jovens e adultos numa abordagem sociocultural O debate sobre a Educação de Jovens e Adultos51 demanda entender, e conhecer, quem são esses jovens e adultos e quais são os seus lugares sociais. Oliveira (2001) chama a atenção para que, ao tratar sobre os educandos da EJA, é preciso partir do entendimento de que eles partilham de “condições de não-crianças”. Além disso, trazem em comum a “condição de excluídos da escola e a condição de membros de determinados grupos culturais” Arroyo (2007, p. 29), ao se referir à trajetória percorrida pelos jovens e adultos, ratifica que se trata de “trajetórias coletivas de negação de direitos, de exclusão e marginalização”. Sendo assim, a citação acima reafirma a necessidade de se romper uma prerrogativa social que “supervaloriza a escrita, em detrimento da fala, leva os indivíduos que não se apropriaram das tecnologias da escrita a desenvolverem expectativas tanto em relação à imagem que eles têm de si enquanto pessoas não alfabetizadas como em relação à imagem que lhes é atribuída pelos outros” (BARBOSA, 2005, p. 1).
Conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD (BRASIL, 2017), 7% da população, acima de 15 anos, ainda é analfabeta, ou seja, 11,5 milhões de cidadãos não estão alfabetizados, sendo 6,8% deste do sexo feminino e 7,1% masculino. As pessoas brancas representam 4% e mais que o dobro, 9,3% de pessoas pretas ou pardas. Em referência aos dados de 2016, houve uma queda de 0,5% no analfabetismo no Brasil. O número de pessoas que voltam para a escola na EJA, sem a apropriação da leitura e da escrita, ainda é grande. Se considerar que alunos com alto índice de reprovação por não terem se alfabetizado na idade certa vão para a EJA, esse número amplia-se mais. Ainda segundo a PNAD (2017), existem no nordeste 14,5%, norte 8%, centro-oeste 5,2%, sul 3,5% e sudeste 3,5% de analfabetos, o que evidencia um campo, ainda, alijado de ser resolvido. Os dados acima demonstram o desafio histórico de não alfabetização de jovens e adultos, o que tende a perpetuar as dificuldades no acesso, e permanência, dos alunos da EJA no espaço escolar e, consequentemente, a ocupar funções menos favorecidas no mundo do trabalho, intensificando os processos de exclusão social a que os sujeitos estão submetidos (FREIRE; MACEDO, 1990). Por que esses dados são relevantes? Por que é urgente a discussão, em meios acadêmicos, sobre essa temática? Por que continua a reprodução desse cenário nas formações? Por que as políticas públicas estão mais direcionadas a preparar um trabalhador para exercer, minimamente, sua função instrumental do que emancipar um sujeito de direitos? A concepção de aprendizagem utilizada pode promover práticas mais significativas para jovens e adultos na educação? Nesse sentido, faz-se necessário pensar em uma abordagem de formação que possa ampliar e contribuir, para a efetivação de processos inclusivos, que contemplem as singularidades e abram leques de formação profissional concomitantemente à alfabetização de jovens 51
Como recorte delineado por nosso objetivo, referimo-nos aos Jovens e adultos não-alfabetizados, excluídos dos processos formativos.
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e adultos. Nesse sentido, destaca-se a abordagem sociocultural. Cabe observar que os educadores e os espaços formativos também necessitam compreender como trabalhar com esses sujeitos. A abordagem sociocultural, a partir de uma perspectiva libertadora, poderá contribuir para o atendimento ao público jovem e adulto com escuta ativa, dialógica e contextual. Como explica Arroyo (2007, p. 21): “a finalidade não poderá ser suprir carências de escolarização, mas garantir direitos específicos de um tempo de vida. Garantir direitos dos sujeitos que os vivenciam”. Um direito à aprendizagem, ao longo da vida (LDB 9394/96), em que a apropriação da leitura e escrita emancipadora favoreçam uma mudança na educação de pessoas jovens e adultas, favorecendo uma melhor relação consigo mesmo, com os outros e com o mundo, deve ser o propósito da EJA no contexto da EPT.
2.1 É possível pensar a alfabetização de jovens e adultos na Educação Tecnológica na perspectiva da abordagem sociocultural?
Profissional e
Todo esse debate é altamente criticizador e motivador. O analfabeto apreende criticamente a necessidade de aprender a ler a escrever. Prepare-se para ser o agente deste aprendizado. E consegue fazê-lo, na medida mesma em que a alfabetização é mais do que simples domínio psicológico e mecânico de técnicas de escrever e de ler (FREIRE, 2013, p. 144).
A alfabetização de jovens e adultos tem suas próprias singularidades e carrega, em si, a marca de lutas, conquistas e perdas. A abordagem pedagógica, utilizada pelos educadores e escolas, numa visão contextualizada, valoriza as experiências socioculturais dos educandos e, assim, nessa perspectiva, o processo educativo torna-se dialógico, compreendendo que ensinar não é transferir conhecimentos, mas uma ação na qual quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender (FREIRE, 2014). Partindo dessa compreensão, segundo Mizukami (1986), a abordagem sociocultural tem papel preponderante na educação popular com referência freireana. Busca uma educação contextual em que o sujeito é peça fundamental no jogo da elaboração do conhecimento: é a partir dele, e de suas experiências, que são construídas as aprendizagens, tornando-o sujeito de sua práxis. Para isso, essa abordagem propõe que a educação, em sua validade, “deve levar em conta necessariamente tanto a vocação ontológica do homem (vocação de ser sujeito) quanto as condições em que ele vive (contexto)” (MIZUKAMI, 1986, p. 86). Assim, ao levar em consideração a singularidade desses sujeitos da EJA, o seu contexto e aproximando essa abordagem da Educação Profissional e Tecnológica, o educador terá como construção dialógica o conhecimento, entendendo que o aluno faz parte do processo e, ao professor, caberá “sair da posição de detentor de todo saber e considerar o educando como também portador de saberes”(MOURA, 2017, p. 153). A partir dessa compreensão, a educação possibilita que os homens discursem a sua problemática, que se insiram e se conheçam como fortes e corajosos, em suas lutas diárias (FREIRE, 2013, 2018).
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Portanto, a prática pedagógica do educador sofrerá mudanças para atender a um aluno que ainda se encontra no processo de aquisição da leitura e escrita, promovendo, não apenas a alfabetização, mas o letramento em “uma perspectiva social da linguagem, na qual os variados usos da escrita e a participação em diversas práticas letradas devem ser considerados” (VÓVIO; KLEIMAN, 2013, p. 3). Nos discursos nacionais e internacionais de diversas esferas públicas, a EJA é apontada como processo fundamental para a construção de um projeto de sociedade inclusiva e democrática. E a alfabetização é tomada como etapa fundamental para dar início e continuidade à escolarização, processo que deve prover o acesso a bens culturais construídos ao longo da história e a modelos culturais de ação, fundados em saberes, valores e práticas socialmente prestigiados (VÓVIO; KLEIMAN, 2013, p. 3).
Para realizar essa aproximação, entre uma proposta sociocultural de educação para adultos em processo de alfabetização e a formação para o trabalho, faz-se importante discorrer sobre como as duas modalidades de ensino que se responsabilizam por tal se inter-relacionam, no cenário da educação brasileira: a Educação de Jovens e Adultos e a Educação Profissional e Tecnológica. Ao analisar a Educação Profissional e Tecnológica - EPT, no Brasil, pode-se afirmar que não é preocupação primeira desta modalidade de Educação a alfabetização de jovens e adultos. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº 9394/96), no artigo 39: “a Educação Profissional e Tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia”. Quanto à oferta de cursos abrangidos pela educação profissional, tem-se, no mesmo artigo, no parágrafo segundo, o seguinte detalhamento: Art. 39- […] § 2º A educação profissional e tecnológica abrangerá os seguintes cursos: I – de formação inicial e continuada ou qualificação profissional; II – de educação profissional técnica de nível médio; III – de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação (BRASIL, 1996).
A interface entre a Educação Profissional e Tecnológica e a Educação de Jovens e Adultos, tem se estabelecido, institucionalmente, por meio do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). O Proeja foi criado pelo Decreto nº. 5.478, de 24/06/2005, sendo ampliado, posteriormente pelo Decreto nº. 5.840, de 13 de julho de 2006. O artigo primeiro, parágrafos primeiro e segundo, deste decreto, estabelece os cursos que podem ser ofertados pelo Programa: Art. 1o [...] § 1o O PROEJA abrangerá os seguintes cursos e programas de educação profissional:
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I - formação inicial e continuada de trabalhadores; e II - educação profissional técnica de nível médio. § 2o Os cursos e programas do PROEJA deverão considerar as características dos jovens e adultos atendidos e poderão ser articulados: I - ao ensino fundamental ou ao ensino médio, objetivando a elevação do nível de escolaridade do trabalhador, no caso da formação inicial e continuada de trabalhadores, nos termos do art. 3o, § 2o, do Decreto no 5.154, de 23 de julho de 2004; e II - ao ensino médio, de forma integrada ou concomitante, nos termos do art. 4o, § 1o, incisos I e II, do Decreto no 5.154, de 2004 (BRASIL, 2006).
Uma vez que os cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores são “abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não necessariamente ao nível de escolaridade” (BRASIL, LDB 9394/96, art. 42), é provável que englobe, em seu público,jovens e adultos trabalhadores não alfabetizados. Entretanto, por condicionar a matrícula à demonstração de “capacidade de aproveitamento”, também é possível que aqueles trabalhadores não alfabetizados, que necessitam de processos formativos de qualificação para o trabalho, não consigam acessar os cursos ofertados por intermédio do Proeja. Entre os sujeitos da EJA, quem chega à escola sem estar alfabetizado são, em sua maioria, trabalhadores que estão em empregos informais, precarizados, instrumentais, devido a sua própria condição de analfabeto. Nesse sentido, propõe-se a seguinte provocação para reflexão: seria possível atrelar os princípios que fundamentam a educação de jovens e adultos e as bases teóricas que balizam a Educação Profissional e Tecnológica à ampliação de espaços que incluam a formação de jovens e adultos trabalhadores não alfabetizados, atuando para que a escola e os educadores estejam preparados para atendê-los? Os objetivos da educação profissional têm relação indissociável com um processo de “formação inteira”. Ela tem “no compromisso com a redução das desigualdades sociais, o desenvolvimento socioeconômico, a vinculação à educação básica e a uma escola pública de qualidade” (SETEC/MEC, 2004, p. 6) e “[...] emerge a necessidade de se construir uma política educacional que integre a formação profissional ao campo de um sistema nacional de educação, universalizado e democratizado, em todos os níveis e modalidades” (ibid, p. 7). A partir do delineamento de tais objetivos, urge repensar, nos espaços de formação profissional, nas metodologias utilizadas, para quem são destinadas e qual abordagem tem norteado as práticas nessas formações profissionais, para que não se limite, na visão entre trabalho manual e trabalho intelectual. Assim, segundo Manacorda (2007), a escola, enquanto locus de possibilidades, deve lutar para que os alunos ampliem a visão de que podem ir além de sair da posição de mão-de-obra, para gestor de sua vida e profissão. A escola, por não ser socialmente qualificada ou discriminante, deve educar de modo que todo cidadão possa tornar-se dirigente. Pensa, portanto, num tipo de ensino e preparação ao trabalho que conserve ao máximo o caráter marxiano da omnilateralidade; quer que os elementos sociais utilizados no trabalho profissional não caiam na passividade intelectual, mas possam dispor de todas as possibilidades de atividade cultural e de trabalho científico (MANACORDA, 2007, pp. 138-139).
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Nesse sentido, favorecer uma formação profissional para os jovens e adultos não alfabetizados significa repensar a Educação Profissional e Tecnológica na sua essência, ou seja, uma formação integral, direcionada à classe de trabalhadores, sem excluir nenhum indivíduo, a qual vise a uma formação omnilateral, com objetivo de desenvolvimento, completo, multilateral, em todos os sentidos, das faculdades e das forças produtivas, das necessidades e da capacidade da sua satisfação (MANACORDA, 2007). Articulando os princípios da formação profissional a uma perspectiva emancipadora de alfabetização de jovens e adultos, tem-se uma aproximação, pelo viés crítico e transformador, das práticas educativas que podem promover: “a alfabetização como construtor radical, radicar-se em um espírito de crítica e num projeto de possibilidade que permitisse às pessoas participarem da compreensão e da transformação de sua sociedade” (FREIRE; MACEDO, 1990, p.2). Diante disso, há uma premência em mudar a visão de professores e dos próprios campos da educação profissional, no intento de promover uma formação não excludente. É preciso repensar em como pode ocorrer essa Educação Profissional, realinhada às incumbências de que a Educação de Jovens e Adultos não alfabetizados precisa buscar, em uma abordagem que contribua para a inserção da cultura desses jovens e adultos, oportunidades de aprendizagens mais efetivas. 3 Considerações finais Caminhamos, neste trabalho, refletindo sobre a necessidade de um repensar sobre a integração da Educação Profissional e Tecnológica à alfabetização de Jovens e Adultos, para a inserção do público da Educação de Jovens e Adultos alfabetizado. Nesse sentido, defendeu-se a importância de se desenvolver a concepção dialógica no processo de alfabetização, tendo como gênese da formação, para esses sujeitos, a utilização da Pedagogia Libertadora. O método pedagógico de Paulo Freire valoriza a aula discursiva, a aula dialógica, entre os pares, substituindo a ideia da passividade agregada historicamente ao substantivo aluno (SAVIANI, 2013). Trata-se de proporcionar uma formação profissional alfabetizadora, através do planejamento de um ensino de base profissional, buscando suas temáticas interdisciplinares com o processo de letramento. Por conseguinte, é necessário repensar formações destinadas a esse público, priorizando o diálogo, a criticidade do aluno, características da abordagem sociocultural. Desta forma, o currículo seria pensado como uma visão de mundo, em uma indissociabilidade entre a teoria e a prática. Nesse sentido, espera-se que este trabalho venha promover a reflexão sobre a necessidade de se pensar a construção dos saberes na Educação de Jovens e Adultos voltados para sujeitosem processo de alfabetização concomitantemente à Educação Profissional e Tecnológica, e sobre as abordagens pedagógicas que poderão favorecer uma Educação Profissional Crítica, humanizadora e emancipatória, compreendendo o trabalho em seu sentido ontológico e omnilateral. 113
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Sendo assim, é possível que o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos –PROEJA venha abarcar, em seu processo de formação, alunos ainda não alfabetizados? São provocações as quais precisamos dar voz, buscar discussão e posicionamento em favor de um segmento que necessita de políticas públicas que vão além do assistencialismo e, contrárias a isso, proporcionem ações que promovam inclusão social e possibilitem uma formação integrada que considere suas especificidades em uma formação profissional e tecnológica. Referências ARROYO, Miguel González. Educação de jovens e adultos: um campo de direitos e de responsabilidade pública. In: SOARES, Leôncio; GIOVANETTI, Maria Amélia (Orgs.). Diálogos na educação de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica, pp. 19-50, 2007. BARBOSA, M. L. F. F. A. Leitura e escrita na alfabetização de jovens e adultos: uma questão de autoimagem e identidade. In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 28, 2005, Caxambu. Anais...Caxambu, 2005b. Disponível em: <http//www.anped.otg./ reuniões/28/textos/gt18/gt180101.rtf>. Acesso em:18 ago. 2019. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Paulo Freire, educar para transformar:fotobiografia.São Paulo: Mercado Cultural, 2005. BRASIL. INEP. Censo 2017. Brasília-DF, 2017. BRASIL. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, de 23 de dez. 1996, Brasília-DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/ L9394.htm>. Acesso em: 15 nov. 2018.
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PESQUISAS EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA: DIÁLOGOS COM AS TERIOAS DE ENSINO E DA APRENDIZAGEM
CONTRIBUIÇÕES DE ROBERT GAGNÉ PARA A EDUCAÇÃO Fábio Ventorim Siqueira52 Márcia Gonçalves de Oliveira53 Resumo: Entender como ocorre o processo de aprendizagem dos alunos pode ser considerado um fator determinante para que educadores atinjam o sucesso na difícil arte de ensinar. Neste trabalho, mostramos a visão do psicólogo norte americano Robert Mills Gagné de como ocorre este processo. Este trabalho apresenta uma visão geral da teoria de aprendizagem segundo Robert Gagné, além de destacar brevemente alguns dos benefícios que podem ser alcançados ao fazer uso dos pressupostos dessa teoria da aprendizagem. Palavras chaves: Robert Gagné. Processo de Aprendizagem. Teoria da Aprendizagem.
1 Introdução Robert Mills Gagné foi um psicólogo norte americano influente no campo da educação nas décadas de 60 e 70. Nascido em North Andover, Massachusetts – EUA, em 21 de agosto de 1916, alcançou o grau de Mestre na Universidade de Yale, em 1937 e o título de doutor na Brown University, três anos mais tarde. Profissionalmente, destacou-se como professor nas universidades de Princeton, Berkeley e do estado da Flórida54. Obteve reconhecimento, também, através da publicação de artigos e livros relacionados à área de aprendizagem, entre os quais: As teorias da aprendizagem (1970), Princípios Essenciais da Aprendizagem para o Ensino (1976) e Princípios para o Planejamento do Ensino (1976). Inicialmente, os estudos de Gagné estavam relacionados ao Behaviorismo, o qual considera objeto de estudo apenas aquilo que é passível de observação. Porém, com o passar dos anos, ele passou a estudar a tendência cognitivista, que busca explicar como a informação é compreendida, transformada e armazenada na mente do indivíduo (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2010). Mizukami (2001) contribui para diferenciar essas abordagens, ao destacar que, no cognitivismo, tudo que é aprendido está relacionado a uma estrutura prévia de conhecimento armazenado na mente do aprendiz, enquanto que o behaviorismo, frequentemente, considera a fixação de respostas padronizadas como um processo de aprendizagem. Com base na teoria cognitivista, Gagné passou a considerar o processo de aprendizagem como um composto de eventos gerados da mente do indivíduo, os quais são deduzidos a partir de observações feitas por um observador externo (GAGNÉ, 1980). Ao estudar as condições da aprendizagem, mesclou as técnicas das duas teorias. No que diz respeito ao processo de ensino, em sala de aula, Gagné acreditava que, além do aprendiz, o professor tem papel fundamental no processo de aprendizagem do estu116
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dante, sendo tarefa do educador precaver-se de forma que as diversas influências ao redor do estudante sejam escolhidas e organizadas para promoção da aprendizagem (GAGNE, 1980). Nesse sentido, ele também destaca que o professor tem a importante tarefa de administrar a instrução do aprendiz e avaliar a aprendizagem desse aluno, considerando ser de grande relevância que os professores, em especial aqueles que planejam e produzem o material utilizado no processo de ensino, conheçam como ocorre o processo de aprendizagem dos alunos. O conhecimento dos princípios e da teoria da aprendizagem é de grande importância nessas atividades. Ao desempenhar essas tarefas, o professor é o planejador da instrução e deve ter um conhecimento excelente sobre aqueles princípios da aprendizagem que garantirão o sucesso daquilo que é planejado (GAGNE, 1980, p.3).
Além de relatar brevemente a bibliografia do psicólogo norte americano Robert Mills Gagné, este trabalho tem por objetivo apresentar suas principais ideias sobre o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem e como seus estudos contribuíram com o campo da Educação. Dessa forma, o trabalho aqui apresentado está organizado conforme a ordem a seguir. Na Seção 2, estão destacadas as principais propostas teóricas do psicólogo. Na Seção 3 são apresentadas algumas de suas contribuições para o ensino e, na Seção 4,concluímos as discussões. 2 Propostas teóricas As propostas apresentadas nesta seção são resultado de um estudo cuidadoso realizado no livro Princípios Essenciais da Aprendizagem para o Ensino, de Robert M. Gagné (1980). Este autor define a aprendizagem como modificação no comportamento do indivíduo, que permanece, por um longo período de tempo, ou durante toda a sua vida (GAGNE, 1980). Apesar de concordar com a tese de alguns psicólogos behavioristas, quando afirmavam que o aperfeiçoamento geralmente resultava da prática, era contrário à teoria de que o aperfeiçoamento depende de um processo de fortalecimento (GAGNE, 1980). Ou seja, para Gagné, praticar uma determinada ação, repetidas vezes, poderia levar à melhora no desempenho do indivíduo para realizar uma determinada ação. Porém, essa repetição não poderia ser considerada uma questão fundamental para o processo de aprendizagem. A base da teoria de Gagné é o processamento de informações (MOREIRA, 2017), elaborada com base na Teoria Moderna de Aprendizagem (GAGNÉ, 1980), a qual é considerada uma analogia à forma como ocorre o processamento de operações em um computador, já que, nesse modelo, os processos que precisam ser compreendidos sofrem determinados tipos de transformações, passando de “matéria prima” para “produto”. Essas diferentes formas de transformação que ocorrem na mente do aprendiz são definidas por Gagné como processos de aprendizagem e constituem a essência da moderna teoria de aprendizagem, na Figura 1. De acordo com esse modelo, as informações são captadas no ambiente pelo indivíduo por meio dos receptores. Essas informações são, então, enviadas pelo registrador sensorial, 117
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ao sistema nervoso. Essa é a estrutura responsável pela recepção inicial de objetos e eventos que o estudante sente, ouve e vê (GAGNÉ, 1980). Em seguida, a informação é codificada e armazenada na memória de breve duração, por alguns poucos segundos. Entrando na memória de curta duração, a informação passa por um novo processo de codificação, mas agora, de maneira abstrata. Caso seja necessário lembrar-se dessa informação futuramente, ela passará por um novo processo de transformação e é, então, armazenada na memória de longa duração. As informações armazenadas na memória de longa duração podem ser recuperadas pela memória de curta duração. Isso ocorre quando há necessidade de vincular um novo conceito a um conhecimento prévio, armazenado na memória de longa duração. Por fim, quando a informação é recuperada, seja da memória de curta ou de longa duração, ela passa por um gerador de respostas, que tem como objetivo transformar a informação em ação. Esta ação é o que permitirá observar se houve, de fato, a aprendizagem. Existem, ainda, dois grupos de estruturas presentes nesse modelo, as quais exercem grande influência na maneira como uma informação é armazenada na memória, pois atuam, diretamente, na forma como os estímulos são percebidos pelo indivíduo: controle executivo e expectativas (GAGNÉ, 1980). Figura 1 – Modelo básico da aprendizagem segundo a teoria de processamento de informação
Fonte: GAGNÉ (1980, p. 15)
2.1 Ato de aprendizagem e suas fases Segundo Gagné, o momento em que a informação entra na memória de breve duração para ser, mais tarde, armazenada na memória de longa duração é chamado de incidente essencial da aprendizagem (GAGNE, 1980), o qual é precedido de alguns eventos e seguido de outros. Os primeiros eventos estão relacionados à estimulação externa que atua sobre o estudante, ao passo que os últimos eventos correspondem a atividades internas que ocorrem no sistema nervoso central do aprendiz. 118
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Essa cadeia de eventos constitui aquilo o Gagné intitula como ato de aprendizagem, composto por oito fases: 1 - Fase da Motivação: Aborda a importância de o estudante estar motivado para que haja a dedicação necessária durante o processo de aprendizagem. Uma das formas de se alcançar a motivação é trabalhar com um processo denominado expectativa do estudante, considerado a antecipação de uma recompensa a ser alcançada com a conclusão de uma tarefa. Em outras palavras, a expectativa é algo que o estudante espera conquistar como consequência de sua aprendizagem. 2 - Fase da Apreensão: Estando devidamente estimulado, o estudante precisa atentar-se para as informações que lhe são apresentadas (processo de atenção). Por isso, o professor pode utilizar diversos recursos para alertar o aluno sobre as orientações que lhe serão transmitidas, como por exemplo, avisando oralmente, “agora prestem bastante atenção no que vou falar...”. Outro fato destacado nessa fase é que o aluno precisa, também, direcionar sua atenção para o que realmente é relevante durante o processo de aprendizagem (processo percepção seletiva) como, por exemplo: durante uma aula de trânsito, o aluno que deseja aprender a dirigir poderia atentar-se para os trajes do professor, ao invés das orientações transmitidas por ele, ou para a cor do veículo, ao invés dos recursos que ele precisa dominar para aprender a dirigir. 3 - Fase da Aquisição: Marca o momento em que a nova informação entra na memória de breve duração do aprendiz para, mais tarde, ser armazenada na memória de longa duração. Importante ressaltar o processo de codificação presente nessa fase, que implica a modificação da informação originalmente recebida pelo aprendiz, com o objetivo de ser mais facilmente recordada, quando necessário. Apesar de ser possível induzir o aluno no processo de codificação, incentivá-lo a utilizar seus próprios mecanismos de codificação pode ser o procedimento mais eficiente para alcançar a aprendizagem (GAGNÉ, 1980). 4 - Fase da Retenção: Neste momento, a informação é efetivamente armazenada na memória de longa duração, onde pode permanecer por anos. 5 - Fase da Rememoração: Esta fase marca a ato de recuperar a informação armazenada na memória. O processo de recuperação, presente nessa etapa, também pode ser influenciado por estimulação externa. Por exemplo, quando um aluno está tentando se recordar de uma informação, o professor pode auxiliá-lo fornecendo-lhe dicas que o ajudem a localizar a resposta em sua memória. 6 - Fase da Generalização: É marcada pelo processo de transferência de conhecimento, visando a permitir que o aprendiz não somente recupere a informação armazenada em sua memória, mas a aplique em um contexto prático. 7 - Fase do Desempenho: Permite que o observador avalie se houve aprendizagem do aluno. Ela é marcada quando o gerador de respostas (Figura 1) organiza as respostas do aluno, permitindo-lhe exibir um desempenho passível de análise do observador (professor), 119
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que avaliará se houve, de fato, aprendizagem. Por exemplo: um aluno demonstra que realmente aprendeu a utilizar uma linguagem de programação criando um programa utilizando essa linguagem. Ou, que aprendeu a falar outro idioma, conversando com outra pessoa no idioma aprendido. 8 - Fase de Feedback: Esta fase marca a percepção do aluno quanto ao conhecimento adquirido durante o processo de aprendizagem. Considerado por alguns teóricos como o reforço, essencial no processo de aprendizagem, uma vez que a expectativa estabelecida durante a fase de motivação é, agora, confirmada pelo aluno. Na Figura 2, destacamos as fases de um ato de aprendizagem e os processos associados a cada uma delas.
Figura 2 – Fases e processos de um ato de aprendizagem
Fonte: Elaborada pelos autores (2019)
2.2 Capacidades de Aprendizagem A exemplo de outros teóricos considerados cognitivistas, Gagné entende que a aprendizagem é produto da relação do homem com o meio cuja comprovação está relacionada à mudança persistente de comportamento do indivíduo, passíveis de observações externas (GAGNÉ, 1980). A essa mudança Gagné atribui o nome de capacidades. Em outras palavras, as capacidades são os resultados obtidos da aprendizagem e tornam possível o ser humano executar uma série de ações. Para o psicólogo, as capacidades podem ser classificadas de cinco maneiras diferentes: 120
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1- Informação Verbal: É a capacidade de o aluno dizer, escrever ou representar, o que ele aprendeu. Naturalmente, ao invés de repetir o que foi aprendido, o aluno pode enunciar “com suas próprias palavras”. 2- Habilidades Intelectuais: De maneira geral, essas habilidades consistem no fato de o estudante “saber como” comparado ao “saber o quê”. O ser humano aprende como fazer a leitura de sinais, como desenvolver um programa utilizando uma linguagem específica, como realizar cálculos matemáticos complexos, entre outros. Considerando que existem muitas particularidades, não seria possível adquirir todos esses conhecimentos apenas como fatos ou informação (GAGNÉ, 1980). O autor destaca, ainda, que as habilidades intelectuais podem ser divididas em muitas categorias, relacionadas entre si, uma vez que as habilidades mais complexas requerem a compreensão prévia de habilidades mais simples, conforme demonstrado na Figura 3. Figura 3 – Habilidades Intelectuais organizadas por complexidade de maneira crescente
Fonte: Elaborado pelos autores (2019)
3 - Estratégias Cognitivas: Segundo Gagné, trata-se de estruturas cognitivas organizadas, utilizadas pelo aluno para guiar sua atenção, recordação, aprendizagem e pensamento, em outras palavras, para controlar seu processo de aprendizagem. Quando o aluno se vê diante de um novo problema, essa habilidade permite a ele utilizar do conhecimento prévio retido em sua memória e estipular, de forma original, uma estratégia cognitiva para resolvê-lo. 4 - Atitudes: Com essa habilidade, o aluno pode optar por escolhas que resultem em atitudes que beneficiarão a ele e a sociedade como um todo. Espera-se, por exemplo, 121
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que o aluno se torne uma pessoa mais amável com o próximo, mais tolerável com as diferenças raciais, que escolha ter hábitos de vida mais saudáveis, como ler bons livros, praticar esportes, entre outros. 5 - Habilidades Motoras: Essa habilidade torna possível a execução de movimentos que fazem uso de músculos, como por exemplo: pilotar uma aeronave, dirigir um automóvel, realizar um movimento acrobático, entre outros.
2.3 Hierarquia de aprendizagem Conforme já mencionado na descrição da capacidade Habilidades Intelectuais, Gagné (1980) acreditava que toda habilidade cognitiva mais complexa estava ancorada em outras habilidades cognitivas de menor complexidade. Por exemplo, a capacidade para resolver cálculos matemáticos complexos estaria assentada em diversas outras habilidades mais simples, como possuir um raciocínio lógico apurado e dominar operações básicas de soma, subtração, multiplicação e divisão. Assim, só seria possível o desenvolvimento de uma solução de alto nível, a partir do domínio das habilidades mais básicas (Gagné, 1980). Nesse contexto, o autor sugere que habilidades mais complexas sejam realizadas, apenas, após o domínio prévio de habilidades mais simples. Essa compreensão de que existe uma hierarquia de habilidades deu origem ao método que ficou conhecido como hierarquia de aprendizagem. Na prática, esse método consistia no seguinte: uma vez que o professor estabelecesse o nível de habilidade cognitiva mais alta a ser desenvolvido pelos alunos, ele deveria identificar quais habilidades de nível menor os estudantes já possuíam e quais habilidades de nível intermediário ainda precisariam desenvolver. Feito esse diagnóstico, caberia ao professor propor atividades que auxiliassem os alunos a desenvolver essas habilidades intermediárias, que, por sua vez, serviriam de base para que os estudantes alcançassem habilidades de maior complexidade. A Figura 4 traz um exemplo da hierarquia de aprendizagem em Física, segundo a teoria de Gagné.
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Figura 4 – Exemplo de hierarquia de aprendizagem em física, segundo a teoria de Gagné
Fonte: MOREIRA (2017, p. 76)
3 Contribuições para a educação Considerando que, no início, os estudos de Gagné estavam relacionados ao behaviorismo e que, mais tarde, ele passou a estudar, também, o cognitivismo, a grande herança deixada por esse autor está na capacidade de mesclar as contribuições behavioristas e cognitivistas para a área da educação. O Quadro 1 destaca algumas dessas contribuições e como é possível beneficiar-se de sua aplicação na prática.
Quadro 1 – Contribuições de Gagné para educação CONTRIBUIÇÃO
APLICAÇÃO PRÁTICA
Mapear como ocorre o processo de aprendizagem na mente do aluno
Esse mapeamento é essencial para o professor conhecer como ocorre o processamento, o armazenamento e a recuperação de informações na mente do aluno. Principalmente para os profissionais que elaboram os materiais que serão utilizados durante o processo de ensino.
Mostrar as diferentes capacidades que podem ser aprendidas pelo ser humano
Ao aprender, o indivíduo se torna capaz de realizar algo, ou seja, de atingir um determinado desempenho. Existem cinco principais categorias de capacidades humanas aprendidas. Conhecer essas categorias pode auxiliar o educador a obter maior êxito no alcance dos objetivos de aprendizagem.
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Estabelecer o conceito de hierarquia de aprendizagem
O conceito de hierarquia de aprendizagem pode ser considerado de grande valor para o processo de ensino, já que orienta o educador a partir de conceitos mais simples para conceitos mais complexos.
Detalhar os procedimentos necessários para se alcançar cada uma das capacidades
Além de classificar a aprendizagem em cinco capacidades, o autor indica ações potenciais nas quais o educador pode exercer influência sobre a aprendizagem do estudante. Por exemplo, considerando que a capacidade informação verbal consiste no fato do aluno ser capaz de dizer, escrever ou representar, o que ele aprendeu, para alcançá-la, é aconselhável que o educador utilize alguns mecanismos, como por exemplo: alternar o volume da voz quando ele deseja transmitir uma informação oralmente; utilizar de “pistas” para auxiliar o aluno na rememoração de informações armazenada em sua mente, entre outros.
Mostrar como a aprendizagem pode ser mais efetiva e eficiente
Outra importante contribuição do teórico está em propor como os procedimentos de instrução podem ser planejados e aplicados com o objetivo de tornar a aprendizagem mais eficiente. Fonte: GAGNÉ (1980), adaptado pelos autores
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4 Considerações finais A proposta apresentada neste trabalho teve como objetivo desenvolver uma breve revisão acerca da proposta teórica de Gagné para a educação. Nesse contexto, foi possível observar que, para o teórico, a aprendizagem é composta por eventos externos, que iniciam com a motivação, e expectativa, do aluno em relação à aquisição do conhecimento e a eventos internos, marcados por atividades que ocorrem no sistema nervoso central do estudante. Também abordamos algumas contribuições do norte americano para a educação, mostrando os benefícios que podem ser alcançados, ao colocar em prática alguns de seus pressupostos. Nesse sentido, podemos considerar que as contribuições do teórico para a educação podem ser aplicadas em diferentes espaços de aprendizagem, sejam eles formais ou não. Essas contribuições encontram terreno fértil principalmente em espaços escolares onde a educação é uma importante ferramenta para o alcanço da efetiva liberdade. A formação para o trabalho, por meio do processo de educação, em espaços de privação de liberdade, como presídios e Institutos de Atendimento Socioeducativo (IAS), é uma difícil tarefa para os educadores, que encontram, nos alunos, uma resistência cultural aos estudos, já que, para eles, muitas vezes, a educação é sinônimo de frustração e fracasso (DE MAEYER, 2006). Em ambientes como esses, contribuições como: o preparo de um material adequado capaz de despertar a expectativa e motivação do aluno e a utilização de práticas de ensino que priorizem uma hierarquia de aprendizagem, onde o educador parte do conceito mais simples para o mais complexo, são ações que podem influenciar positivamente no processo de aprendizagem do aluno. A qualidade do ensino em sala de aula está diretamente relacionada ao conhecimento de referenciais teóricos que o norteiam, desde a elaboração de materiais, até o planejamento, aplicação e avaliação das práticas pedagógicas. Acreditamos que o trabalho aqui mostrado supre a função de apresentar resumidamente o autor e sua teoria.
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Referências MAEYER, M. (2006). Na prisão existe a perspectiva da educação ao longo da vida? Alfabetização e Cidadania, Revista de Educação de Jovens e Adultos, Brasília, n. 19, pp. 17-37, 2006. Disponível em: <http://www.precog.com.br/bc-texto/obras/ue000205.pdf#page=14>. Acesso em: 20 ago. 2019 GAGNE, Robert M. Princípios essenciais da aprendizagem para o ensino. Porto Alegre: Editora Globo, 1980. MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 2001. MOREIRA, Marco Antonio. Teorias de aprendizagem. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 2017. OSTERMANN, Fernanda; CAVALCANTI, CJ de H. Teorias de aprendizagem. 1. ed. Porto Alegre: Evangraf, 2011. Disponível em: <http://files.pibid-unibr-sao-vicente.webnode.com/ 200000051-d0a70e086/Teorias%20de%20aprendiza gem.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2019.
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A TEORIA SOCIOCULTURAL FREIREANA, A TAREFA HISTÓRICA DOS HOMENS E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA INCLUSIVA Renata Gandra de Melo55 Danielli Veiga Carneiro Sondermann56 Resumo:considerando a educação como direito social de todos e como um processo em que os sistemas sociais devem se tornar adequados à diversidade humana, objetivou-se neste artigo apresentar reflexões sobre como a abordagem sociocultural freireana pode contribuir para os processos de tomada de consciência e ação para a inclusão das pessoas com deficiência na educação regular, bem como reflexões sobre como a inclusão ocorre no contexto complexo das sociedades capitalistas. Para tanto, apresenta características da teoria educacional a partir de Mizukami (1986) assim como os paradigmas da inclusão a partir de Sassaki (2009, 2010). Para compreender as categorias teóricas da desigualdade e exclusão, optou-se por Santos (2006); Ramos (2008; 2017) e Saviani (1989) para a compreensão da educação integrada que visa à formação omnilateral dos sujeitos através de seus dois pilares, a escola unitária e a educação politécnica. O caminho o qual permite que as pessoas com deficiência usufruam de seus direitos e participem plenamente da vida escolar, e em sociedade, depende da superação de um culturalismo fundamentado na concepção médica de deficiência. A abordagem sociocultural freireana pode contribuir para o processo, possibilitando uma análise histórica dos problemas advindos do culturalismo, conduzindo a uma reflexão crítica e criadora a qual poderá propor mudanças que resultem na práxis de todas as pessoas envolvidas. Para tanto, será preciso a crítica superadora à forma alienante de inclusão do modo de produção capitalista e, a partir desta, o entendimento da educação sob a referência do trabalho como caminho legítimo para inclusão. Palavras-chave: Inclusão Escolar. Institutos Federais. Pedagogia do Oprimido. Pessoas com Deficiência. Pedagogia Libertadora. 1 Introdução A educação, conforme estabelecido na Constituição Federal do Brasil (BRASIL, 1988), é um direito social de todos e agrega um processo no qual os sistemas sociais devem se tornar adequados à diversidade humana. A escola inclusiva implica um esforço de modernização, e de reorganização, de processos e espaços para o recebimento do aluno com deficiência, tais como a estruturação de uma rede de apoio, e cooperação, entre os membros da comunidade escolar e a formação profissional continuada. Desafios assim devem ser superados a partir de uma mudança cultural profunda na forma como a deficiência é entendida por todos, vez que esta, ainda, ocorre sob a perspectiva do modelo médico (KARAGIANNIS; STAINBACK, 1999; MELO; SONDERMANN, 2019; O’BRIEN, 1999; SASSAKI, 2010). O presente artigo discute aspectos da abordagem sociocultural freireana, destacando os paradigmas do processo de inclusão das pessoas com deficiência, numa tentativa de refle55 56
Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica- PofEPT Ifes Professora Doutora em Educação 127
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tir como esta abordagem pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias pedagógicas para a defesa e efetivação de uma educação motivadora, enriquecedora, humanitária e inclusiva. É preciso um olhar atento para se compreender em que medida a inclusão ocorre ou necessita ocorrer no contexto complexo das sociedades capitalistas e das políticas sociais brasileiras (KASSAR, 2011). O artigo apresenta, também, uma reflexão sobre os desafios atuais da inclusão e a importância da educação sob a referência do trabalho57, nesta realidade. Trata-se de evidenciar, aqui, este artigo como o resultado de uma apropriação reflexiva, a qual permite construir sentidos para se compreender a importância da inclusão na Educação Profissional e Tecnológica como, também, para se interpretarem as disputas de poder que, aí, se estabelecem, atualmente. Além dessa breve introdução, dividiu-se o texto em quatro partes. A primeira, apresenta a abordagem sociocultural apresentada em Mizukami (1986) e seus fundamentos a partir de seu principal representante, Paulo Freire, com contribuições de Saviani (2013). Na segunda parte, com as contribuições, principalmente de Sassaki (2009, 2010), foram apresentados conceitos importantes relacionados ao paradigma da inclusão das pessoas com deficiência com destaque para a diferença do conceito de deficiência a partir do modelo médico e do modelo social e as consequências para a sociedade. Na terceira parte, procurou-se estabelecer um diálogo entre o método apresentado pela abordagem e a pertinência de sua aplicação nos processos de inclusão escolar, uma vez que estes processos requerem práticas pedagógicas que auxiliem na superação da cultura que perdura na sociedade e propicie o conhecimento da capacidade existente nos seres diferentes, ou seja, que proporcione a inserção crítica de todos os seres humanos na realidade social e a realização da tarefa histórica de todas as pessoas, inclusive aquelas com deficiência. Por fim, na quarta parte, refletiu-se, por meio das contribuições de Santos (2006), a respeito das categorias de desigualdade e exclusão, sobre os desafios da inclusão e em que medida esta ocorre no contexto das sociedades capitalistas contemporâneas. O que evidencia a importância de propostas para além do capital, que permitam legitimar a educação como direito social de todos “visando o pleno desenvolvimento humano, preparo para o exercício da cidadania e para o trabalho” (BRASIL, 1988) tais como a proposta do ensino médio integrado ofertado pelos Institutos Federais. Ramos (2008; 2017) e Saviani (1989) forneceram os referenciais teóricos para o Ensino Médio integrado.
2 A teoria educacional ou abordagem sociocultural Freireana De acordo com Mizukami (1986), o principal representante da teoria educacional ou abordagem sociocultural é Paulo Freire. Nascido a 19 de setembro de 1921, em Recife, Pernambuco, Paulo Freire ou Paulo Reglus Neves Freire, embora diplomado em Direito (1946), iniciou sua carreira profissional como diretor do Setor de Educação e Cultura do Serviço Social 57
O conceito de trabalho tal qual apresenta-se aqui é o trabalho em seu sentido ontológico, como processo inerente da formação e realização humana constituindo-se, não somente, a prática econômica de se ganhar a vida vendendo a força de trabalho mas, também, e principalmente, a ação humana de interação com a realidade para a satisfação de necessidades e produção de liberdade (RAMOS, 2008).
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da Indústria (SESI), em Recife, atuando neste de 1947 até 1954, quando passou a superintendente do mesmo até o ano de 1957 (SAVIANI, 2013). No ano de 1959, foi nomeado professor efetivo de Filosofia e História da Educação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da antiga Universidade de Recife (atualmente, Universidade Federal de Pernambuco); um ano mais tarde, assumiu a direção da Divisão de Pesquisa do Movimento de Cultura Popular (MCP), instituição sem fins lucrativos, cujo objetivo era a educação popular de adultos, nela permanecendo até 1962 quando, após criado o Serviço de Extensão Cultural (SEC) da Universidade de Recife, assumiu o cargo de diretor (SAVIANI, 2013). A repercussão da experiência exitosa de Paulo Freire com a alfabetização o conduziu a postos em nível nacional e, posteriormente, internacional. Em1963, presidiu a Comissão Nacional de Cultura Popular e, até 1964, participou da coordenação do Plano Nacional de Alfabetização. Devido ao golpe militar e ao fato de seu método ser considerado subversivo, interrompeu todas as iniciativas e mobilizações envolvendo a cultura e a educação popular para exilar-se no Chile. Em 1968, escreveu sua principal obra intitulada “Pedagogia do Oprimido”, a qual foi publicada no Brasil somente em 1974, com o início do processo de liberação cultural no país (SAVIANI, 2013). A partir de 1969, Freire foi professor visitante na Universidade de Harvard, Cambridge e, após um ano, foi consultor especial do Conselho Mundial das Igrejas em Genebra, Suíça (SAVIANI, 2013). De volta ao Brasil, na década de 80, atuou como professor da Universidade Estadual de Campinas sendo que, no período de 1989 e 1991, foi Secretário de Educação do Governo de São Paulo. Faleceu, em São Paulo, a 2 de maio de 1997. Inspiração para experiências educacionais no Brasil e em diversos lugares do mundo, Paulo Freire tem como ponto de partida o entendimento do homem como um ser inconcluso, mas consciente dessa inconclusão. Trata-se de um ser com vocação de ser sujeito58 da sua existência, a qual será construída historicamente em comunhão com os outros homens, definindo-o como ser dialogal e crítico, porém esbarrando em uma realidade social contraditória: as forças dominantes interessadas em mantê-lo em situação de alienação e dominação (SAVIANI, 2013). Freire (1994), então, situa, no interior deste processo, uma educação a serviço da conscientização e da libertação que se contrapõe à concepção “bancária”59 de educação, em que o educador se mantém em posições fixas, invariáveis, como o sujeito que sabe e os educandos serão sempre os que não sabem, que receberão conteúdos pré-definidos e sob os quais se acomodarão (FREIRE, 1994). Suas formulações e projetos pedagógicos tiveram como foco as classes populares brasileiras, dominadas secularmente pelas classes privilegiadas, e a educação do homem, através da ação política e incentivadora, para que o mesmo se torne agente da transformação da sua realidade social (MAFRA; CAMACHO, 2017; SAVIANI, 58
A vocação de ser sujeito, isto é, a vocação ontológica do ser, de acordo com Freire (1980, p.39) é construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens, relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história. Segundo Trombetta e Trombetta (2008, p. 416), é a partir da compreensão da vocação ontológica direcionada para o ser mais, onde cada pessoa assume a condição de sujeito de sua própria história, que o ser humano pode pensar o processo educativo e a possibilidade de humanização, libertação histórica. Existir, para este, é tarefa sem fim, processo permanente de construção de si e de realização na história e no tempo, de forma que cada pessoa é um processo que não acaba nunca. 59 Freire (1994) fornece o aporte teórico para o entendimento da concepção “bancária” de educação.
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2013). Para Saviani, [...] Freire interpretava a sociedade brasileira dos anos de 1960 como em processo de trânsito de uma sociedade fechada60 para uma sociedade aberta. No interior desse processo ele situa o dilema da educação: estar a serviço da alienação e da domesticação ou da conscientização e da libertação. Para Paulo Freire a educação surgia como um instrumento de crucial importância para promover a passagem da consciência popular do nível transitivo-ingênuo61 para o nível transitivo-crítico62, evitando-se a sua queda na consciência fanática63 (SAVIANI, 2013, p. 335).
A perspectiva com a abordagem, ou teoria educacional sociocultural freireana, é apresentada em Mizukami (1986), a caracteriza como um conjunto de ideias organizadas, mais ou menos sistematicamente, sobre a educação e que incluam análises de problemas e propostas de mudanças. Assim, a teoria educacional sociocultural freireana representa uma tendência no ensino brasileiro preocupada com a valorização da cultura popular e sua democratização, a qual forneceu, após a II Guerra Mundial, diretrizes para a ação docente em nosso país. Nela, os homens são reconhecidos como seres concretos, inseridos em um contexto sócio-econômico-cultural-político onde a educação só será válida se levar em consideração a vocação de ser sujeito, bem como o contexto em que o homem vive, de forma a fazê-lo refletir sobre sua realidade, e situação concreta, e se tornar consciente e comprometido para intervir e mudar esta realidade, sempre que necessário. Desta forma, é importante conscientizar educadores e educandos que, à medida em que os saberes são trocados, um novo saber é construído pois “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1994, p. 39). A ação conscientizadora, nesta abordagem, é extremamente relevante, pois, por meio da conscientização ou tomada de consciência, os sujeitos, fazendo e refazendo a si mesmos, assumem seu compromisso histórico, no processo de fazer e refazer, dentro de possibilidades concretas, o mundo (FREITAS, 2010). A elaboração e o desenvolvimento do conhecimento estão ligados ao processo de conscientização. O conhecimento é elaborado e criado a partir do mútuo condicionamento, pensamento e prática. Como processo e resultado, consiste ele na superação da di-
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As sociedades fechadas, de acordo com Mizukami (1986, p.87), caracterizam-se por estrutura social e hierárquica rígida; falta de mercados internos já que sua economia é controlada pelo exterior; exportação de matérias-primas e importação de produtos manufaturados; sistema precário e seletivo de educação, sendo a escola um instrumento de status quo; alta porcentagem de analfabetismo e de evasão escolar; enfermidades decorrentes do subdesenvolvimento e da dependência econômica; tênue esperança de vida e elevada taxa de criminalidade. 61 A consciência popular ingênua ou transitiva-ingênua, de acordo com Mizukami (1986, p. 92), caracteriza-se por forte inclinação ao gregarismo (massificação), pela impermeabilidade à investigação, pelo gosto a explicações fabulosas e pela fragilidade de argumentação. O indivíduo alega que o período atual é caracterizado por dissolução de valores e instituições, manifestando pessimismo e visão catastrófica, mas é contraditório: as condições do presente são miseráveis, mas se opõe a qualquer modificação que estabeleça condições inéditas de existência. 62 O nível transitivo-crítico ou consciência transitiva busca identificar e compreender os motivos e procedimentos pelos quais a representação do real de um país é produzido; é uma consciência dirigida à objetividade, aberta às coisas e aos acontecimentos e voltada para convivência com os homens. A pessoa vê a si própria, em função do mundo, explica-se em termos de dependência histórica, sente-se condicionada pelo processo social e justifica-se como variável neste processo, de acordo com as alterações da realidade (MIZUKAMI, 1986). 63 A consciência fanática, alienada ou intransitiva é um tipo de consciência que se resume ao domínio do que há de vital no homem, falta historicidade e, dele, escapa a apreensão dos problemas que extrapolam a esfera estritamente biológica. As explicações que oferece sobre os fenômenos são mágicas, não se relacionam com a realidade objetiva: o pensamento é dissociado da ação; há a diminuição da capacidade dos indivíduos em pensarem e agirem por si próprios (MIZUKAMI, 1986).
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cotomia sujeito-objeto. O processo de conscientização é sempre inacabado, contínuo e progressivo, é uma aproximação crítica da realidade que vai desde as formas de consciência mais primitivas até a mais crítica e problematizadora, e, consequentemente, criadora. Implica a possibilidade de transcender a esfera da simples apreensão da realidade para chegar a uma esfera crítica, na qual o homem assume uma posição epistemológica: a realidade se dá como um objeto cognoscível ao homem. Conscientização implica e consiste, portanto, um contínuo e progressivo desvelamento da realidade [...]. A nova realidade torna-se objeto de uma nova reflexão crítica (MIZUKAMI, 1986, p. 91).
A reflexão do homem sobre a sua realidade, e situação concreta, tornando-se progressiva e gradualmente consciente e de forma a intervir nesta, se necessário, para mudá-la, faz do homem um ser da práxis, um ser sujeito e não objeto. A práxis, como compreendida pela abordagem sociocultural freireana, é a “ação e reflexão dos homens sobre o mundo, com o objetivo de transformá-lo” (MIZUKAMI, 1986, p. 87). Toda ação educativa, tendo o homem como sujeito de sua própria educação, deverá levar à promoção de si mesmo e não ao seu ajuste à sociedade de forma que assumirá, cada vez mais, este papel, libertando-se (MIZUKAMI, 1986). 3 Os paradigmas da inclusão Considera-se como paradigma a estrutura do conhecimento numa dada área que se torna um modelo a seguir, de forma a funcionar como um padrão que permite explicar aspectos da realidade (BERTRAND, 2001). Com relação à inclusão das pessoas com deficiência, Sassaki (2010) destaca que é imprescindível o conhecimento de conceitos inclusivistas para o entendimento das práticas sociais, uma vez que estes moldam nossas ações, para que, a partir do seu entendimento, ocorra a participação ativa na construção de uma educação que, independentemente dos atributos pessoais de cada umsejapara todos. Existem duas formas de pensar a deficiência: a partir do modelo médico e a partir do modelo social. O modelo médico define a pessoa com deficiência com um papel desamparado e passivo de paciente, dependente do cuidado de outra(s) pessoa(s), incapaz de trabalhar e isento de deveres normais. Este conceito está relacionado com a homogeneidade, trata a deficiência como um problema do indivíduo, que deve esforçar-se para ser curado, tratado, reabilitado a fim de se adequar à sociedade tal qual ela é, sem modificações desta última (DANTAS, 2016; SEGALLA, 2012; SASSAKI, 2010). A pessoa com deficiência é condicionada, pelo modelo médico, a buscar uma normalidade para, então, vivenciar relacionamentos sociais sadios e participar, diretamente, da sociedade (DANTAS, 2016). Pelo modelo social da deficiência, formulado por pessoas com deficiência e, atualmente, aceito por profissionais sem deficiência, o problema da pessoa (com deficiência) não está nela tanto quanto está na sociedade que é chamada a entender, que cria barreiras que causam incapacidade (ou desvantagem) no desempenho de papéis sociais (SASSAKI, 2010). De acordo com Werneck (2005), neste modelo, a deficiência é a soma das sequelas existentes no corpo e das barreiras físicas, econômicas e sociais impostas pelo ambiente ao indivíduo, de forma a constituir-se, portanto, uma construção coletiva entre indivíduos (com ou sem deficiência) e a 131
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sociedade. Desta forma, o modelo social chama a atenção para a opressão à que as pessoas com deficiência estão submetidas e quebra a centralização, na função médica de reabilitação social, destas pessoas (DANTAS, 2016; MELO???; SONDERMANN, 2019). O modelo social, ao resistir à redução da deficiência aos impedimentos, ofereceu novos instrumentos para a transformação social e a garantia de direitos. Não era a natureza quem oprimia, mas a cultura da normalidade que descrevia alguns corpos como indesejáveis [...] Ao denunciar a opressão das estruturas sociais, o modelo social mostrou que os impedimentos são uma das muitas formas de vivenciar o corpo (DINIZ; BARBOSA; SANTOS, 2009, p. 69).
Assim, a pessoa com deficiência é definida pelo Decreto Legislativo n° 186, de 9 de julho de 2008 (BRASIL, 2008a, artigo 1º), e, posteriormente, pela Lei Federal nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (BRASIL, 2015, artigo 2º), como a pessoa que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015).
É importante atentar que o conceito perfaz um aspecto social para que sejam eliminadas barreiras conscientes e inconscientes formadas na sociedade pelo entendimento a partir do modelo médico, resultado de uma cultura que, ainda, permeia a sociedade e que é, portanto, combatido pelos movimentos da educação inclusiva (DANTAS, 2016; SEGALLA, 2012). O respeito à dignidade da pessoa com deficiência se estende à conceituação de deficiência que a sociedade tem, demonstrando a necessidade de migrar de um culturalismo64 arraigado, que remonta à deficiência como incapacitante e fomenta atitudes discriminatórias, para um modelo emancipatório, em um processo de inclusão e equiparação de oportunidades (DANTAS, 2016). A inclusão, de acordo com Sassaki (2009, p. 10): [...] é o processo pelo qual os sistemas sociais comuns são tornados adequados para toda a diversidade humana – composta por etnia, raça, língua, nacionalidade, gênero, orientação sexual, deficiência e outros atributos – com a participação das próprias pessoas na formulação e execução dessas adequações (SASSAKI, 2009, p. 10).
Nesse processo, há um movimento bilateral em que a sociedade inclusiva quebra barreiras e recebe os atributos pessoais como normais aos cidadãos e a pessoa com deficiência se prepara para assumir seu papel para que, junto a e com a sociedade, os problemas sejam equacionados, a fim de se encontrarem soluções que equiparem as oportunidades em qualquer escala (SASSAKI, 2010). A equiparação de oportunidades, conforme diretrizes da Organização das Nações Unidas (ONU), é o processo pelo qual os diversos sistemas da sociedade, inclusive os relacionados a oportunidades educacionais e de trabalho, são tornados acessíveis, principalmente para pessoas com deficiência (SASSAKI, 2009). Por fim, o conceito de acessibilidade, o qual, muito além de questões físicas e arquitetônicas, engloba as seguintes dimensões: [...] arquitetônica (sem barreiras físicas), comunicacional (sem barreiras na comunicação entre pessoas), metodológica (sem barreiras nos métodos e técnicas de lazer, trabalho, educação etc), instrumental (sem barreiras instrumentos, ferramentas, utensílios
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Entende-se por culturalismoa vertente do pensamento antropológico que confere à cultura o primado da explicação ou da responsabilidade pela diversidade humana (CONSORTE, 1997).
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etc), programática (sem barreiras embutidas em políticas públicas, legislações, normas etc) e atitudinal (sem preconceitos, estereótipos, estigmas e discriminações nos comportamentos da sociedade para pessoas que têm deficiência) (SASSAKI, 2009, pp. 10-11).
Considerada em todas as suas dimensões, a acessibilidade, nos processos escolares, com vistas a atender à diversidade humana, é um elemento essencial para que as pessoas com deficiência possam usufruir do direito à educação. O atendimento educacional a elas direcionado constituiu-se, historicamente, “como um campo de atuação específico, muitas vezes sem interlocução com a educação comum” (KASSAR, 2011, p. 62). Atualmente, o sistema escolar comum se apresenta com inúmeras barreiras65 que impedem o acesso a esse direito. Em síntese, a acessibilidade na escola não significa que todos devem receber as mesmas condições, mas que todos tenham direito à oportunidade, conforme as necessidades específicas de cada um, “eliminando barreiras e oferecendo ferramentas que promovam a autonomia dos sujeitos” (IFES, 2019). Uma sociedade bem como uma escola acessíveis são vias emancipatórias de direitos que permitem que as pessoas com deficiência usufruam de seus direitos humanos e participem plenamente da sociedade, por um processo que depende da conceituação do que é deficiência e da concretização, portanto, do modelo social que garante o respeito à dignidade da pessoa com deficiência, reconhece a interdependência necessária entre os seres (DANTAS, 2016) e o direito de ter suas necessidades específicas atendidas.
4 A tarefa histórica dos homens e a inclusão Para a abordagem sociocultural freireana, a educação é um instrumento crucial para promover a passagem da consciência transitiva-ingênua para seu nível crítico evitando sua queda na consciência alienada, proveniente do fenômeno de massificação. Da mesma forma, a educação sob os paradigmas da inclusão promove a passagem a um nível crítico, evitando a consciência alienada de que a nossa sociedade é, ou deve ser homogênea, sem respeitar as diferentes culturas e a diversidade humana. Soma-se a esta, sem dúvida, a abordagem de Paulo Freire que busca a inserção crítica, na realidade social, do cidadão e a sua práxis. É possível, analisando os aspectos que envolvem o processo de inclusão escolar de pessoas com deficiência, perceber uma ‘teoria do trânsito” (SAVIANI, 2013), em que o ponto de partida é o homem - representado por todas as pessoas, inclusive as com deficiência – que se constitui como ser de relações e que se afirma historicamente como sujeito de sua existência. Ocorre que, quando esse sujeito busca ser dialogal, e crítico, e em comunhão com o outro, se depara com a realidade de uma sociedade, na qual se inclui a escola66, que não permite a realização desta vocação, pois não são consideradas as diferenças intrínsecas de nossa espécie, imprimindo à deficiência a pecha de um “problema” do indivíduo que a tem e que este 65 São consideradas barreiras, conforme a Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015), qualquer entrave, obstáculo, atitude
ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros. 66 Considera-se a realidade da sociedade como a da escola uma vez que esta relaciona-se ao contexto político, econômico, científico e cultural da sociedade historicamente estabelecida.
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precisa adaptar-se à sociedade. A “teoria de trânsito”, entendida a partir de paradigmas inclusivos, é o processo de trânsito de uma sociedade alienada, que acredita ser a deficiência um problema existente exclusivamente na pessoa com deficiência, para uma sociedade que se abre às diferenças e à diversidade, compreendendoque as pessoas com deficiência têm suas diferenças um pouco mais perceptíveis. O modelo médico de deficiência tem como base um culturalismo gerador de uma situação de opressão, ao considerarmos a abertura e participação social das pessoas com deficiência no ambiente de direitos sendo, portanto, necessária sua superação, permitindo a inserção das pessoas com deficiência. Freire (1994, p.18) discorre sobre esta situação quando afirma [...] daí a necessidade que impõe de superar a situação opressora. Isso implica o reconhecimento crítico, na “razão” dessa situação, para que, através de uma ação transformadora que incida sobre ela, se instaure uma outra, que possibilite a busca do ser mais (FREIRE, 1994, p. 18).
Assim, a educação inclusiva é extremamente necessária e, mais ainda, um direito de todos (não só das pessoas com deficiência), pois a escola inclusiva proporciona uma educação que “ensina não apenas conhecimento técnico-científico, mas valores, princípios e atitudes. Ensina a viver junto, a conviver em ambiente de tolerância e harmonia em meio à diversidade” (SEGALLA, 2012, p. 132). A abordagem sociocultural dialoga com a educação inclusiva como um movimento bilateral, em que o educador quebra barreiras, ajudando a pessoa com deficiência a se preparar para assumir seu papel junto ao educador, num processo cuja marca é o diálogo. O educador, ao se deparar com o educando com deficiência, educa-se a si mesmo para desempenhar, da mesma forma que o educando, seu papel, de forma ativa na produção de conhecimento, caminho em que as condições materiais da existência humana devem ser reveladas para que ambos se tornem por meio de suas respectivas práxis, sujeitos (MAFRA; CAMACHO, 2017; SASSAKI, 2010). É possível inferir, portanto, que a abordagem sociocultural permite a reflexão sobre a educação sob uma perspectiva inclusiva pois, uma vez que tem por base uma concepção clara de homem-sociedade-educação, possibilita uma análise histórica dos problemas advindos do entendimento da pessoa com deficiência a partir do aspecto médico. Conforme em Mizukami (1986, p. 88), O homem chegará a ser sujeito através da reflexão sobre seu ambiente concreto: quanto mais ele reflete sobre a realidade, sobre a sua própria situação concreta, mais se torna progressiva e gradualmente consciente e comprometido a intervir na realidade para mudá-la (MIZUKAMI, 1986, p. 88).
Esta aquisição sistemática da experiência escolar poderá constituir-se numa evolução cultural na qual o homem responde historicamente às necessidades latentes de equiparação de oportunidades e participação em igualdade de direitos a todas as pessoas de forma que deixa de segregar e integrar para incluir a todos. Porém, conforme Bezerra (2016) nos chama a atenção, é preciso ter como referência principal a humanização do homem, porque a superação da opressão não pode se tornar um fetiche em torno das “minorias”, das diferenças individuais, de forma que não seja uma relação entre diferenças, mas, uma relação entre 134
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pessoas que estão engajadas no combate à sociedade que (re)produz uma lógica excludente, e, na formulação coletiva de um projeto societário mais justo. Para tanto, é necessário, que a política de educação inclusiva seja analisada no contexto complexo das sociedades capitalistas contemporâneas, a fim de se compreender em que medida se dá o acesso à educação (AMBROSINI; SCOTT, 2018; KASSAR, 2011) e o que pode ser feito para que esta seja, de fato, emancipatória.
5 Desafios da inclusão e a Educação Profissional e Tecnológica Nas políticas públicas de inclusão, o acesso à educação deve ser entendido de forma ampla, não bastando considerar a dimensão do ingresso, as dimensões da permanência do estudante, da qualidade para a formação e, consequentemente, o êxito educacional (SILVA; VELOSO, 2013). Então, ao se pensar sobre o acesso, cadauma destas dimensões necessita ser considerada em suas particularidades, como, também, em conjunto. O acesso relaciona-se, de certa forma, com a acessibilidade67, porém os termos diferem em sua essência, de maneira que o primeiro termo parece refletir um desejo de mudança e a busca a algum objetivo. Acesso parece significar o processo para atingir algo. O termo acesso significa a necessidade de luta para alcançar um objetivo. Parece estar relacionado à questão da atitude em relação à exclusão. Já o termo acessibilidade parece refletir algo mais concreto, palpável. O conceito de acessibilidade se sedimenta em situações que podem ser vivenciadas em condições concretas da vida cotidiana, ou seja, parece ser algo que pode ser observado, implementado, medido, legislado e avaliado. Dessa forma, pode-se criar condições de acessibilidade para que as pessoas possam ter acesso a determinadas situações ou lugares (MANZINI, 2005, pp. 31-32).
A acessibilidade, nos processos escolares os quais pretendem atender à diversidade humana, é um elemento essencial para que as pessoas com deficiência possam usufruir, em condições equiparadas, do direito à educação. Não obstante, é necessária uma análise crítica para compreender em que medida se dá o acesso à educação, nas sociedades capitalistas contemporâneas, para se pensar se existe, de fato, uma escola que inclui e que valoriza os sujeitos, e sua capacidade de produção de vida, reconhecendo a diversidade, garantindo o direito fundamental (RAMOS, 2008). Com o desenvolvimento do sistema capitalista, as sociedades modernas passaram a viver da contradição entre os princípios de emancipação, que apontam para a igualdade e inclusão social, e os princípios da regulação, que passaram a gerir os processos de desigualdade e exclusão, produzidos pelo próprio desenvolvimento do sistema capitalista (SANTOS, 2006). A desigualdade e a exclusão são dois sistemas de pertença hierarquizada. No sistema de desigualdade, a pertença dá-se pela integração subordinada enquanto que, no sistema de exclusão, a pertença dá-se pela exclusão. A desigualdade implica um sistema
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A Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015) define a acessibilidade como a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida.
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hierárquico de integração social. Quem está embaixo está dentro e a sua presença é indispensável. Ao contrário, a exclusão assenta num sistema igualmente hierárquico, mas dominado pelo princípio da segregação: pertence-se pela forma como se é excluído. Quem está embaixo, está fora. Estes dois sistemas de hierarquização social, assim formulados, são tipos ideais, pois que, na prática, os grupos sociais inserem-se simultaneamente nos dois sistemas, em combinações complexas (SANTOS, 2006, p. 280).
De acordo com esse autor, por meio da relação capital/trabalho68, na sociedade capitalista, ocorre a integração social, a qual não pode gerar igualdade pois, como o sistema é dividido em classes sociais, gera uma desigualdade classista baseada na exploração. Já a exclusão69 é “um processo histórico através do qual uma cultura, por via de um discurso de verdade, cria o interdito e o rejeita” (SANTOS, 2006, p. 281) constituindo-se em um fenômeno cultural e social. A regulação social da modernidade capitalista se, por um lado, é constituída por processos que geram desigualdade e exclusão, por outro, estabelece mecanismos que permitem controlar, ou manter dentro de certos limites, esses processos. Mecanismos que, pelo menos, impedem que se caia com demasiada frequência na desigualdade extrema ou na exclusão/segregação extrema. Estes mecanismos visam uma gestão controlada do sistema de desigualdade e de exclusão, e, com isso, a redução das possibilidades de emancipação social às que são possíveis na vigência do capitalismo. [...] No que respeita à desigualdade, a função consiste em manter a desigualdade dentro dos limites que não inviabilizem a integração subordinada, designada de inclusão social pelas políticas estatais. [...] No que respeita à exclusão, a função consiste em distinguir entre as diferentes formas de exclusão, aquelas que devem ser objecto de assimilação ou, pelo contrário, objeto de segregação, expulsão ou extermínio” (SANTOS, 2006, pp. 282-285).
Em relação às pessoas com deficiência, a escola procura resolver o problema da exclusão, mas ainda não atinge totalmente seu objetivo como, também, não atinge a questão da desigualdade. De acordo com Dubet (2004, p. 541) as sociedades “democráticas escolheram convictamente o mérito como um princípio essencial de justiça: a escola é justa porque cada um pode obter sucesso nela em função de seu trabalho e de suas qualidades”, porém, o critério de mérito, no caso das pessoas com deficiência, entra em conflito com a questão da igualdade de direitos e a equiparação de oportunidades. As políticas de ampliação e democratização de acesso à educação, considerando as pessoas com deficiência, oferecem uma condição formal70 de igualdade, porém, diferenças materiais ainda geram desigualdades no âmbito escolar bem como exclusões, tornando a pessoa responsável pelo seu próprio fracasso. Com as condições de acessibilidade garantidas, a escola pode resolver o problema da equiparação de oportunidades dessas pessoas, todavia, para resolver as questões relacionadas à desigualdade e exclusão, é preciso garantir acesso “aos conhecimentos, à cultura e às mediações necessárias para trabalhar e para produzir a existência e a riqueza social” (RAMOS, 2008, p. 2) em uma escola que vise a superar a dualidade da formação para o trabalho manual e a formação para o trabalho intelectual, ou seja, a dualidade educacional71. 68
A relação capital/trabalho é entendida por meio de MARX (1988), teorizador da desigualdade na modernidade capi-
talista.
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A exclusão em Santos (2006) é analisada a partir de Foucault (1977, 1980). Gomes (2001) fornece o aporte teórico necessário para compreender a igualdade formal e a igualdade material. A dualidade educacional surge, no Brasil, com a bifurcação dos sistemas de ensino nos ramos de formação geral e
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Dito de outra forma, é preciso garantir o acesso a uma escola em que ocorra uma relação entre pessoas e não uma relação entre diferenças que estão submetidas a uma sociedade produtora de mercadorias (BEZERRA, 2016). A proposta é lutar por umaescola que proporcione uma educação integrada, a qual, segundo Ramos (2008), possui dois pilares conceituais: a escola unitária72, garantindo a todos o direito de conhecimento, e não dual, e a educação politécnica, que possibilita acesso à ciência, à cultura e ao trabalho, por meio da educação básica e profissional. Segundo Saviani (1989, pp. 7-8), a educação politécnica é a educação em que o [...] ponto de referência é a noção de trabalho, o conceito e o fato do trabalho como princípio educativo geral. [...] Se é o trabalho que constitui a realidade humana, e se a formação do homem está centrada no trabalho – isto é, no processo pelo qual o homem produz sua existência –, é também o trabalho que define a existência histórica dos homens. Através desta atividade, o homem vai produzindo as condições de sua existência, transformando a natureza e criando, por tanto, a cultura e um mundo humano (SAVIANI, 1989, pp. 7-8).
A proposta pedagógica da educação politécnica, estruturada no Brasil no interior das lutas sociais instauradas na década de 80, embora não se tenha incorporado integralmente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), LDB, atravessa todo o processo de construção da mesma e tem por objetivo a formação onmilateral73 (RAMOS, 2017). Esta educação, sob a perspectiva de uma “formação básica sob a referência do trabalho” (RAMOS, 2017, p. 34), tendeu a se efetivar pela oferta do Ensino Médio integrado74 pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia que foram criados, alguns anos mais tarde, pela Lei Federal 11.892 (BRASIL, 2008b). O Ensino Médio integrado é considerado por Moura, Lima Filho e Silva (2015) como a gênese da formação politécnica no Brasil. A proposta do Ensino Médio integrado é, sem dúvida, a única no país que traz, em si, a convocatória pela inclusão escolar, quando atendidas as condições de acessibilidade, alinhadas, reciprocamente, ao combate de uma sociedade que reproduz a lógica de desigualdade e exclusão demonstrando ser, por enquanto, a única via que traz, em si, possibilidades reais de realização da práxis humana e da inclusão. Não se pretende com esta afirmação desvalorizar, ou invalidar, todas as outras propostas, pelo contrário, a partir do entendimento do processo de inclusão em sua totalidade, é possível perceber que todas estas propostas podem desemde formação profissional quando da criação dos cursos profissionalizantes devido à necessidade de qualificação específica para atender às mudanças, da base mecânica para a eletromecânica, do modo de produção capitalista (RAMOS, 2017; SAVIANI, 2007). 72 A escola unitária, com o objetivo de superar a dualidade educacional, de acordo com Ramos (2008), pressupõe que todos tenham acesso aos conhecimentos, à cultura e às mediações necessárias para trabalhar e para produzir a existência e a riqueza social; uma escola que proporcione uma educação de qualidade, que possibilite a apropriação dos conhecimentos construídos até então pela humanidade e que não seja dual – uma educação só para o trabalho manual para os segmentos menos favorecidos, ao lado de uma educação de qualidade e intelectual para outro grupo. É um dos pilares conceituais da educação integrada. 73 A formação onminilateral expressa uma concepção de formação humana que implica na integração de todas as dimensões fundamentais da vida que estruturam a prática social: o trabalho, compreendido como realização humana inerente ao ser (sentido ontológico) e como prática econômica (sentido histórico associado ao respectivo modo de produção); a ciência, compreendida como os conhecimentos produzidos pela humanidade que possibilita o contraditório avanço produtivo; e a cultura que corresponde aos valores éticos e estéticos que orientam as normas de conduta de uma sociedade (RAMOS, 2008). 74 A concepção de Ensino Médio integrado pode ser recuperada em Ramos (2017).
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penhar papel estratégico em desnudar as contradições sociais hoje existentes, uma vez que tais práticas põem, em perspectiva, a necessidade contraditória de nova organização social e escolar, para além do capital (BEZERRA, 2016). Sabe-se que a proposta do Ensino Médio integrado dos Institutos Federais representa, ainda, a gênese da educação politécnica, sobretudo é nessa práxis que se encontram caminhos para se propor, com legitimidade, a política educacional inclusiva brasileira.
6 Considerações finais Como apontado, o objetivo deste artigo foi apresentar pressupostos da abordagem sociocultural freireana estabelecendo um diálogo entre a perspectiva apresentada pela teoria e os paradigmas de inclusão, demonstrando a pertinência de sua aplicação nos processos de tomada de consciência e ação para a inclusão das pessoas com deficiência na educação regular, sem desconsiderar seus desafios devido ao modo de produçãocapitalista. O caminho o qual permite que as pessoas com deficiência usufruam de seus direitos e participem plenamente da vida escolar, e em sociedade, depende da superação do culturalismo fundamentado na concepção médica de deficiência, bem como da superação da inclusão alienada. A abordagem sociocultural freiriana pode contribuir para este processo, ao possibilitar uma análise histórica dos problemas advindos do culturalismo e das disputas engendradas pelo modo de produção capitalista, conduzindo a uma reflexão crítica e criadora a qual poderá propor mudanças, tais como a oferta de condições de acessibilidade, que resultem na autonomia e práxis de todos, e a necessidade uma reorganização social e escolar, para além do capital. A luta é por uma escola que ofereça um caminho legítimo para a inclusão, a educação integrada sob a referência do trabalho. Referências AMBROSINI, T. F.; SCOTT, C. M. O acesso da Educação Profissional e Tecnológica: da meritocracia à democratização. Revista Brasileira de Educação Profissional e Tecnológica, Natal, v. 1, n. 16, pp. 1-27, 2019. BERTRAND, Y. Teorias contemporâneas de Educação. Lisboa: Instituto Piaget, 2. ed. 2001. BEZERRA, G.F. Materialismo histórico-dialético e inclusão escolar: reflexões críticas. Marx e o Marxismo, Niterói, v. 4, n. 6, pp. 59-77, 2016. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 5 dez. 2019. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da edu138
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CONTRIBUIÇÕES DAS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA INTEGRADA AO ENSINO MÉDIO NO CONTEXTO DO AVANÇO LIBERAL-CONSERVADOR Adeylson Lichtenheld Craus Bertuani75 Antônio Carlos Barbosa Júnior76 Antonio Henrique Pinto77 Maria José de Resende Ferreira78 Resumo: Observamos nos últimos tempos o avanço conservador-liberal cujo mote é a negação da educação crítica, inclusiva, da liberdade docente. Neste cenário, é pertinente reafirmar as bases teóricas que sustentam práticas pedagógicas libertárias e contra hegemônicas, no contexto da Educação Profissional e Tecnológica Integrada ao Ensino Médio, tais como as teorias críticas e pós-críticas de currículo que objetivam a formação de cidadãos completos, que possam realizar leituras da realidade social de forma autônoma e que tenham a possibilidade de transformá-la. Objetiva-se, por meio da revisão de literatura, apresentar as principais contribuições das teorias críticas e pós-críticas de currículo na formação da cidadania. A partir dessa discussão, concluímos que as teorias críticas e pós-críticas oferecem importante contribuição frente ao avanço liberal-conservador, pois problematizam os conteúdos e a realidade social, bem como propõem a transformação social e possibilitam novos olhares interpretativos acerca dos grupos historicamente marginalizados. Palavras chaves: Currículo. Diversidade. Hegemonia. Autonomia.
1 Introdução O artigo parte da atual conjuntura política e social, marcada pelo recrudescimento do liberalismo econômico e do conservadorismo religioso, que atacam a concepção crítica de educação (defendidas pelas teorias críticas) e tentam inviabilizar a educação em direitos humanos (defendidas pelas teorias pós-críticas), por meio da atuação de uma nova ultradireita. Conforme nos indica Gandin, citando a contribuição de Michael Apple: Em seu livro Educando à Direita, a chamada Nova Direita trata-se de um conjunto de grupos que formam uma aliança entre neoliberais, neoconservadores, populistas autoritários e a nova classe média profissional. Para Apple, essa aliança é um bloco hegemônico, ou seja, uma união estratégica de interesses que garante a dominação desse grupo. Os neoliberais buscam a introdução da noção de mercado em todas as esferas da vida social (GANDIN, s/n. p. 18).
Frente a essa conjuntura e inseridos, no contexto escolar, na condição de trabalhadores da educação, consideramos importante reafirmar as bases teóricas que sustentam práticas de formação libertadoras e contra hegemônicas, que caracterizam nossas praxis. 75 76 77 78
Mestrando em Educação Profissional e Tecnológica- PofEPT Ifes Mestrando em Educação Profissional e Tecnológica- PofEPT Ifes Professor Doutor em Educação Professora Doutora em Educação 142
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Organizamos esse artigo com a seguinte estrutura: inicialmente, abordamos as tendências pedagógicas liberais, a partir de sua análise crítica, discutimos a constituição das teorias críticas de educação, currículo e suas contribuições; em seguida, analisamos as contribuições das teorias pós-críticas na perspectiva de contraponto ao recrudescimento político-social-cultural da atual conjuntura e, na sequência, com base nesse debate, intentamos uma interlocução com a proposta curricular da Educação Profissional e Tecnológica Integrada ao Ensino Médio.
2 As tendências pedagógicas liberais As teorias críticas de educação nascem como forma de contestação das concepções liberais de educação. Nesse sentido, antes de discutirmos as contribuições das teorias críticas, faremos uma análise sobre as tendências pedagógicas liberais. Até o início dos anos de 1930, predominava o modelo escolar tradicional, marcado por uma transmissão mecânica de conteúdos, do professor para o aluno, numa relação vertical em que o primeiro concentrava todo o poder da tarefa educativa e o segundo se limitava a receber passivamente os conteúdos. Nesse modelo, a escola estaria restrita ao processo de transmissão de informações e funcionaria como uma agência que sistematizaria uma cultura complexa (MISUKAMI, 2019). Como forma de contestação desse modelo de educação tradicional, surge o movimento pela Escola Nova, concepção que se fundamentou na epistemologia genética de Jean Piaget e tem como premissas a observação dos fatores biológicos/psicológicos dos estudantes para o desenvolvimento de ações pedagógicas e o foco no educando como sujeito ativo no processo de ensino e aprendizagem. Saviani (1999) considera que a pedagogia nova, em comparação com a pedagogia tradicional: tenha deslocado o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para o não-diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma pedagogia de inspiração experimental baseada principalmente nas contribuições da biologia e da psicologia. Em suma, trata-se de uma teoria pedagógica que considera que o importante não é aprender, mas aprender a aprender (SAVIANI, 1999, pp. 20-21).
A concepção escolanovista mostra-se, portanto, mais preocupada com os métodos de ensino, caracterizados pela participação ativa do estudante no processo pedagógico, do que com os conteúdos a serem ensinados. Nesse entendimento, os conteúdos deveriam ser construídos por descobertas, a partir de interesses manifestados nas interações, em salas de aulas. Desse ponto de vista, Dewey (SILVA, 2005) defendia, nesse contexto, que a educação deveria funcionar como uma preparação para vida ocupacional adulta, como local de vivência e prática direta de princípios democráticos. Dermeval Saviani (1999) considera que o escolanovismo, ao defender o afrouxamento da “disciplina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos, acabou por rebaixar 143
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o nível do ensino destinado às camadas populares, as quais muito frequentemente têm na escola o único meio de acesso ao conhecimento elaborado” (SAVIANI, 1999, p. 22). Em sintonia com o desenvolvimento industrial estadunidense, na primeira metade do século XX, cria-se a proposta pedagógica tecnicista. Nessa concepção, os princípios da empresa capitalista deveriam fundamentar a lógica da organização escolar. Conforme descreveu Saviani A partir do pressuposto de neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, essa pedagogia advoga a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pretende-se a objetivação do trabalho pedagógico (SAVIANI, 1999, p. 23).
Segundo Silva (2005), no campo do currículo, o principal defensor dessa proposta foi John Bobbitt. Ele propôs que a escola funcionasse da mesma forma que qualquer outra empresa comercial ou industrial. Tal como uma indústria, Bobbitt queria que o sistema educacional fosse capaz de especificar precisamente que resultados pretendia obter, que pudesse estabelecer métodos para obtê-los de forma precisa e formas de mensuração que permitissem saber com precisão se eles foram realmente alcançados. O sistema educacional deveria começar por estabelecer de forma precisa quais são seus objetivos. Esses objetivos, por sua vez, deveriam se basear num exame daquelas habilidades necessárias para exercer com eficiência as ocupações profissionais da vida adulta. O modelo de Bobbitt estava claramente voltado para a economia. Sua palavra-chave era “eficiência”. O sistema educacional deveria ser tão eficiente quanto qualquer outra empresa econômica. Bobbitt queria transferir para a escola o modelo de organização proposto por Frederick Taylor. Na proposta de Bobbitt, a educação deveria funcionar de acordo com os princípios da administração científica propostos por Taylor (SILVA, 2005, p. 23).
Nessa concepção, o currículo, supostamente imbuído de neutralidade científica, deveria ser construído por técnicos a partir do conjunto de habilidades profissionais exigidas pelo mercado. Assim, o currículo é visto como uma questão meramente burocrática, razão pela qual dá lugar à ideia de “desenvolvimento curricular”. Outro autor defensor dessa concepção é Ralph Tyler, o qual complementa a perspectiva de currículo de Bobbitt, ao apontar que os objetivos da educação devem considerar: “1 - estudos sobre os próprios aprendizes; 2 - estudos sobre a vida contemporânea fora da educação; 3 - sugestões dos especialistas das diferentes disciplinas” (SILVA, 2005, p. 25). E avança na explanação de “utilizar como “filtros” de seleção dos conteúdos a “filosofia social e educacional com a qual a escola está comprometida e a psicologia da aprendizagem, seguindo uma orientação comportamentalista para seu modelo de educação” (SILVA, 2005, p. 25). Silva (2005) avalia que tanto os modelos mais tecnicistas (Bobbitt e Tyler) quanto o modelo mais progressista (Dewey), confrontavam o currículo clássico humanista que se assentava nas obras literárias e artísticas da cultura clássica grega e latina. A visão tecnicista criticava os conteúdos clássicos humanistas por considerá-los inúteis para a vida moderna e para as práticas de trabalho e a visão progressista considerava esses conteúdos distantes das 144
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preferências e interesses dos jovens (SILVA, 2005). Gramsci também reflete sobre a crise da escola clássica, e aponta que o desenvolvimento industrial gerou a necessidade de uma formação técnica. Mas, se por um lado as perspectivas liberais rejeitavam a formação clássica humanista e advogavam uma formação alinhada com os princípios mercadológicos, por outro lado, Gramsci defendia uma escola que contemplasse a formação humanista e também a formação técnica, uma “escola única, inicial, de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre equanimemente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual” (GRAMSCI, 1982, p. 118). Os modelos tecnicistas dominaram a formação profissional nas escolas técnicas durante grande parte do século XX, formando trabalhadores limitados tanto nas possibilidades laborais como criativas. A educação, praticada nesses moldes, reforçou o caráter dual da educação brasileira, contribuiu para a imobilidade das classes sociais e para o aumento das diferenças sociais. Nesses modelos, o currículo é orientado para um fim prático, instrumental e ignora o acesso, a problematização e o debate, pelos estudantes, dos conteúdos que possibilitam novas interpretações e intervenções na realidade vivida. As teorias críticas da educação e do currículo surgem como contraponto, a partir dos anos 1960, a essas propostas, como possibilidade de reconstrução de práticas pedagógicas mais democráticas.
3 As teorias críticas da educação O movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, a resistência à ditadura militar no Brasil e a tentativa de revolução cultural promovida pelo movimento estudantil francês, representaram a efervescência política, social e cultural da década de 1960 que desencadeariam no surgimento das teorias críticas da Educação, na década de 1970. As primeiras teorias críticas, tais como: a teoria dos aparelhos ideológicos de Estado, de Althusser, a teoria da reprodução ou teoria da violência simbólica, de Bourdieu e Passeron e a teoria da escola capitalista, de Baudelot e Establet, apontavam que a escola cumpria um papel de instrumento de reprodução ideológica do sistema capitalista, de legitimação e conformação da ordem hegemônica e da estrutura de classes. Essas teorias cumpriram importante papel naquele contexto, ao romperem, e confrontarem, com a visão hegemônica das propostas liberais de educação, as quais se desdobraram em importantes debates sobre o currículo.
3.1 As teorias críticas do currículo Ao analisar as teorias críticas centradas nos estudos do currículo, Silva (2005), destaca a importância de teorizações como o “movimento de reconceptualização curricular” (desenvolvida nos EUA) e a “nova sociologia da educação” (desenvolvida na Inglaterra). Conforme a formulação do autor, o movimento de reconceptualização apresenta a seguinte configuração (Figura 1): 145
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Figura 1 – Configuração do movimento de reconceptualização
Fonte: SILVA (2005), adaptado pelos autores
De acordo com a perspectiva fenomenológica, Silva (2005) aponta que o currículo não se constitui de conceitos teóricos e abstratos, mas de significados subjetivos e intersubjetivos, das experiências vividas e das reflexões sobre essas experiências. Essa concepção trouxe importante reflexão sobre o papel da educação, na formação da subjetividade e da identidade, da formação e autotransformação dos sujeitos, apontando caminhos que levariam à emancipação do sujeito. Os estudos neomarxistas, de Bowles e Gintis e de Michael Apple, mostram-se relevantes por desenvolverem as questões iniciadas pelos teóricos críticos franceses. Os autores propõem o “currículo oculto” que, de acordo com seus entendimentos, seriam as formas de inculcação de valores e comportamentos nos estudantes, para garantir a reprodução cultural das ideologias dominantes. Os autores analisam as discussões que envolvem a construção do currículo, no que tange à seletividade do currículo, ao articular sua análise ao conceito Gramsciano de hegemonia e conclui que o currículo é a consolidação do poder hegemônico, não obstante, existirem espaços para as contradições, as ambiguidades, as mediações e as resistências no processo de reprodução. Nesse caminho, Henry Giroux com vistas a superar as análises mecanicistas e deterministas da escola, acredita na mediação humana e no que ele chamou de “pedagogia da possibilidade”, como concepção emancipadora e libertadora do currículo e da pedagogia. Os pilares dessa concepção são: a escola como esfera pública, que se coloca como uma arena de discussões democráticas; o professor como intelectual transformador, inspirado na ideia de “intelectual orgânico” de Gramsci, e da voz, no sentido de participação ativa da comunidade escolar. A pedagogia e o currículo seriam “política cultural”, na medida que funcionam como instrumentos de construção de significados e valores culturais, em disputa na sociedade de classe. 146
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A chamada “nova sociologia da educação”, que tem como expoente Michael Young, centra suas análises na questão das conexões entre currículo e poder, apontando que, antes de mais nada, é preciso analisar os processos de disputas que fazem com que alguns conhecimentos façam parte do currículo e outros sejam excluídos. Nesse sentido, o currículo seria considerado uma “construção social”. Para essa concepção, não importa saber qual conhecimento é verdadeiro, ou como os estudantes aprendem (enfoque das psicologias da aprendizagem), mas, analisar criticamente a forma como os currículos são constituídos. 3.2 Teorias críticas no Brasil 3.2.1 A Pedagogia Libertadora de Paulo Freire A obra de Paulo Freire apresenta uma visão crítica de educação, que busca a superação da educação tradicional (denominada por ele como “educação bancária”) que considerava o educando um ser passivo, objeto de “depósito” dos conteúdos. A educação deve se comprometer com a conscientização, libertação e emancipação dos sujeitos das classes populares. Misukami (2019) classifica a concepção freireana como “sociocultural”, fundada em diferentes fontes teóricas: o neotomismo, o humanismo, a fenomenologia, o existencialismo e o neomarxismo. Sua proposta consiste em uma pedagogia crítica, reflexiva e dialógica, em que o sujeito, e sua interação com seu contexto social, seja o centro da prática educativa. A obra de Paulo Freire se destaca como uma das principais formulações críticas em educação, no país, e, no mundo, pela sua importância histórica, filosófica, metodológica e pelos resultados alcançados no processo de alfabetização de adultos.
3.2.2 A Pedagogia Histórico-Crítica ou Crítico Social dos Conteúdos Enquanto as tendências liberais de educação (escolanovismo e tecnicismo) mantinham a ilusão de que a escola atuaria como um instrumento de inclusão e equalização social, capaz de promover a redução das desigualdades, as primeiras teorias críticas (crítico-reprodutivismo) apontavam a escola como um instrumento de reprodução das desigualdades sociais, portanto, de manutenção do status quo. Para se contrapor tanto às tendências pedagógicas denominadas como a-críticas (pedagogia tradicional, pedagogia nova e pedagogia tecnicista), quanto às teorias classificadas como crítico-reprodutivistas (teoria da escola enquanto aparelho ideológico de Estado, teoria da escola enquanto violência simbólica e teoria da escola dualista), Saviani elaborou uma proposta pedagógica que chamou inicialmente de “pedagogia revolucionária” e depois “Pedagogia Histórico-Crítica”. Libâneo a denominou de “Pedagogia Crítico Social dos Conteúdos”. A pedagogia histórico-crítica rompe com as tendências liberais, ao mesmo tempo em que visa a superar a visão crítico-reprodutivista, na medida em que defende a transmissão dos conhecimentos historicamente acumulados às classes populares, a fim de que possam atuar 147
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como dirigentes e organizar os meios necessários para problematização da realidade, com vistas à transformação social. Nesse direcionamento, a referida concepção pedagógica é defendida como uma proposta contra-hegemônica, que se relaciona com os interesses das camadas populares, que propõe a “transformação de conteúdos formais, fixos e abstratos, em conteúdos reais, dinâmicos e concretos” e que “considera a difusão de conteúdos, vivos e atualizados, uma das tarefas primordiais do processo educativo em geral e da escola em particular” (SAVIANI, 1999, pp. 74-75). Em relação aos conteúdos, Saviani defende, em sua proposta, que as classes populares devem ter acesso aos conhecimentos historicamente acumulados, ao saber sistematizado, ao conhecimento científicoe, assim, confronta as tendências pedagógicas liberais por esvaziarem a estrutura curricular sob o pretexto de superar as antigas formas de ensinar, relacionadas à pedagogia tradicional. Saviani assevera que: A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência) [...] é a partir do saber sistematizado que se estrutura o currículo da escola elementar. [...] o saber sistematizado, a cultura erudita, é uma cultura letrada. Daí que a primeira exigência para o acesso a esse tipo de saber seja aprender a ler e escrever. Além disso, é preciso conhecer também a linguagem dos números, a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade. Está aí o conteúdo fundamental da escola elementar: ler, escrever, contar, os rudimentos das ciências naturais e das ciências sociais (história e geografia) (SAVIANI, 2013, p. 14).
Saviani demonstra preocupação com o que define como “natureza e especificidade da educação” e, especialmente, com a garantia de que os saberes sistematizados sejam transmitidos às classes populares e não negados, como queriam as pedagogias liberais. Notadamente, ressalta a importância do professor na mediação do processo educativo, papel esse que vinha sendo secundarizado pelas pedagogias escolanovista e tecnicista. Não se trata, porém, de retomar o modelo de educação tradicional, que trabalhava esses conteúdos sem a devida contextualização e problematização. Para a concepção histórico-crítica, os conhecimentos devem ser relacionados com a prática social, que é comum aos discentes e aos docentes, passar por um processo de problematização e teorização e retomar o ponto de partida (prática social) sob uma nova perspectiva, a realidade concreta, com vistas a superá-la. A defesa da modernidade, como pressuposto de qualquer análise social ou natural, realizada por Saviani, é fortemente contestada pelas teorias pós-críticas, que identificam na racionalidade científica moderna formas de limitação do conhecimento humano e a centralidade da cosmovisão masculina, branca e europeia. Esta última subtrai dos currículos aspectos importantes da realidade social, tais como as múltiplas dimensões referentes aos posicionamentos dos sujeitos configurados por raça/etnia, gênero, classe, sexualidade, faixa etária, entre outras marcações sociais.
4 As teorias pós-críticas 148
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A década de 1990 é considerada como precursora das teorias pós-críticas de currículo, pois começaram a trazer novas discussões e temáticas desafiando a hegemonia da teoria crítica, ao colocar as categorias de cultura, identidade, subjetividade, raça/etnia, gênero, sexualidade, discurso e linguagem como centrais no debate sobre currículo. O poder, antes estático nas classes sociais dominantes e nos aparelhos de Estado, passa ser diluído nessas categorias, possibilitando novas interpretações sobre o currículo, abrindo novas frentes de estudos, na tentativa de compreender, e superar, as assimetrias das relações de poder, presentes nos diversos segmentos sociais. As teorias pós-críticas possuem como fundamentação filosófica, o pós-modernismo e o pós-estruturalismo, que, por sua vez, não são sinônimos, mas perspectivas filosóficas que se complementam. O pós-modernismo tem sua base filosófica “no perspectivismo de Nietzsche, na visão de conflito de Marx e no complexo conceito de homem de Freud” (ROCHA, 2011, p. 1). Assim, o conceito de pós-modernismo foi inicialmente cunhado, na década de 1980, por Lyotard ao afirmar que o mundo estaria numa “condição pós-moderna” abrindo os caminhos para Foucault, Derrida, Harvey e outros autores produzirem críticas e reflexões ao paradigma moderno iluminista de sujeito centrado na razão e na racionalidade, que, por meio dessa constituição, conseguiria estabelecer a verdade e construir o progresso. Silva (2005) afirma que o pós-modernismo tem profunda desconfiança das teorias modernas universalizantes, já que, por muitas vezes, foram utilizadas para justificar sistemas sociais de opressão e exploração que, em nome da racionalidade e do progresso, trouxeram miséria e sofrimento para boa parte da população mundial. O pós-moderno foca no local, nas incertezas, na subjetividade, rejeita determinismos, rompe com barreiras de gêneros, ao privilegiar o hibridismo intertextual e social. O pós-modernismo também coloca em xeque a rígida criação moderna de currículo segmentado em disciplinas, numa estrutura hierárquica de conhecimentos, onde os saberes cientificamente validados, por meio do método positivista, assumem o status de verdade libertadora. A contribuição pós-moderna ao currículo é descentrá-lo de verdades universais e problematizar a cultura local e os saberes locais, como socialmente válidos e constituintes do currículo, que deve ser desenvolvido sem hierarquias, por meio da interdisciplinaridade. Segundo Paulo Freire: Para superarmos, de um lado, os sectarismos fundados nas verdades universais e únicas; do outro, as acomodações pragmáticas aos fatos, como se eles tivessem virado imutáveis, tão ao gosto de posições modernas, os primeiros, e modernistas, as segundas, temos de ser pós-modernamente radicais e utópicos. Progressistas (FREIRE, 1992, p. 33).
O pós-estruturalismo não é uma negação do estruturalismo, como vimos na relação modernismo e pós-modernismo, apresenta-se como uma forma de expansão de fronteiras, um alargamento conceitual e interpretativo de suas próprias categorias de análise. Segundo Silva (2005), o pós-estruturalismo é mais restrito que o pós-modernismo, pois este analisa toda a sociedade contemporânea em seus diversos fenômenos sociais, enquanto aquele se debruça teoricamente acerca da linguagem, processos de significação e as relações de poder que permeiam essas categorias. Para Silva (2005), o estruturalismo teve sua origem nas décadas 149
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de 1950 e 1960 por meio do estruturalismo linguístico de Ferdinand de Saussure e alcançou diversas áreas do conhecimento, além da Linguística, como por exemplo, a Teoria Literária, a Psicanálise, a Filosofia, a Antropologia e a História. Tomaz Tadeu da Silva (2005) afirma que não existe uma teoria pós-estruturalista de currículo, pois essa linha teórica rejeita qualquer forma de sistematização. Entretanto, muitos autores da área de currículo utilizam as categorias de análise pós-estruturalistas como os postulados da indeterminação e da incerteza frente às verdades universais, vistas como socialmente produzidas e carregadas de relações de poder. A verdade e o conhecimento científico, socialmente aceito, são trabalhados na perspectiva de porquê tal conhecimento se tornou “verdadeiro”, e socialmente aceito, onde e por quem foram criados? Moreira e Candau (2007) compartilham dessa visão ao afirmarem que: Pretendemos que se propicie uma maior compreensão de como e em que contexto social um dado conhecimento surge e se difunde. Nesse sentido, vale examinar como um determinado conceito foi proposto historicamente, por que se tornou ou não aceito, por que permaneceu ou foi substituído, que tipos de discussões provocou, de que forma promoveu o avanço do conhecimento na área em pauta e, ainda, como esse avanço propiciou benefícios (ou não) à humanidade (ou a certos grupos da humanidade) (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 36).
O embasamento teórico, os debates e provocações proporcionados pelo pós-modernismo e pelo pós-estruturalismo possibilitaram o surgimento de um conjunto de estudos sobre currículo tais como o multiculturalismo, os estudos culturais, o pós-colonialismo, as relações étnicas e raciais, as relações de gênero, a teoria Queer e a pedagogia das instituições não escolares. Esse leque de novas teorizações curriculares foi categorizado como teorias pós-críticas de currículo. Essas teorias, em linhas gerais, têm origem nos Estados Unidos e Europa, em especial, a Inglaterra. O multiculturalismo, enquanto foco de estudos acadêmicos é recente, uma vez que a realidade social é historicamente multicultural, mesmo que as instituições e governos não façam esse reconhecimento. Devido a este não reconhecimento das diversas culturas e à defesa, por parte dos governantes e das elites, em formar uma cultura nacional homogênea, que nega várias expressões culturais, houve o surgimento, no interior das universidades norte-americanas e europeias, de grupos organizados que passaram a produzir estudos multiculturais e lutar politicamente pela inclusão desses estudos na academia, no intuito de garantir o seu reconhecimento social. Assim, “o multiculturalismo representa um importante instrumento de luta política”, expõe Silva (2005, p.86), pois desloca para a esfera política um debate que estava restrito à Antropologia. O multiculturalismo é trabalhado, teoricamente, com base em três visões que partem do entendimento antropológico de cultura como algo construído por determinados grupos humanos, em determinadas realidades sócio históricas, ou seja, as diferenças sociais são tratadas como algo superficial, que está aparente em relação à humanidade que é comum a todos. Tomaz Tadeu da Silva (2005) classifica a primeira visão como multiculturalismo liberal ou humanista, que parte do princípio antropológico de humanidade comum, e postula as bandeiras 150
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do respeito, tolerância e convivência pacífica entre as culturas. Segundo o autor, essa visão é criticada, pois reafirma hierarquias de poder, visto que respeitar e tolerar remete à ideia de que um grupo, em condições privilegiadas de poder, tem que respeitar e tolerar grupos em desvantagens de poder. A segunda perspectiva é definida, por Silva (2005), como multiculturalismo crítico pós-estruturalista que postula as diferenças culturais como um processo construído, fazendo uso de processos linguísticos e discursivos que envolvem relações de poder. Essa visão advoga que a diferença não surge naturalmente, mas, por meio de um processo discursivo produzido na relação com o não igual, e este, o diferente, adquire uma classificação que normalmente é negativa. A terceira visão é classificada como multiculturalismo crítico materialista, que possui fundamentação em Marx e critica a ênfase dada aos processos discursivos de produção das diferenças culturais. Essa perspectiva não nega a importância dos discursos criados para justificar as diferenciações culturais, mas coloca, em primeiro plano, as condicionantes econômica, institucionais e estruturais, como base de produção das discriminações e diferenciações culturais. Silva (2005) enfatiza que o currículo, da perspectiva multicultural, precisa ir além do respeito, da tolerância e da convivência harmoniosa entre as culturas, é necessário incluir e problematizar as temáticas de gênero, sexualidade e etnia, entre outras dimensões. O currículo multicultural intenta destituir o privilégio da cultura branca, masculina, europeia e heterossexual presente nos currículos tradicionais. Os defensores do multiculturalismo afirmam que é necessário ir além da proposta de respeito e tolerância cultural e colocar, em permanente questionamento, a produção dessas diferenças. Essa proposta curricular é veementemente política, pois postula que igualdade de condições não é o acesso universal a um currículo hegemônico, produzido nos centros do poder, mas sim, a construção de um currículo a partir da realidade local, que inclua sua diversidade e faça a reflexão sobre as desigualdades de poder e como estas moldam o que é considerado saber científico e o que deve ser estudado. Nesse entendimento, Moreira e Candau (2003) afirmam que os currículos hegemônicos estão imersos numa cultura da discriminação e pontuam que: A discriminação pode adquirir múltiplos rostos, referindo-se tanto a caráter étnico e caráter social, como a gênero, orientação sexual, etapas da vida, regiões geográficas de origem, características físicas e relacionadas à aparência, grupos culturais específicos (os funkeiros, os nerds etc.). Talvez seja possível afirmar que estamos imersos em uma cultura da discriminação, na qual a demarcação entre “nós” e “os outros” é uma prática social permanente que se manifesta pelo não reconhecimento dos que consideramos não somente diferentes, mas, em muitos casos, “inferiores”, por diferentes características identitárias e comportamentos (MOREIRA; CANDAU, 2003, p. 163).
Os estudos culturais partem da concepção de cultura desenvolvida por Raymond Williams, que não estabelece hierarquias culturais, tornando-a comum, como modo de vida e experiências vivenciadas pelos diversos agrupamentos humanos. Nessa perspectiva, a cultura popular equipara-se à cultura erudita e o cerne da questão torna-se a luta pela significação social, onde os variados grupos sociais, em relações assimétricas de poder, objetivam univer151
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salizar a sua cultura aos demais grupos. Logo, a cultura torna-se um espaço de contestação de significados, imerso num jogo de poder. Os estudos culturais compreendem o currículo como uma invenção, e construção social, constituído de relações de poder no processo de inclusão e exclusão dos conhecimentos válidos, no intuito de se produzirem identidades socioculturais. Os estudos culturais ao não privilegiarem certos tipos de conhecimento, possibilitam a construção de um currículo no qual os saberes populares, de povos tradicionais, possam ser incorporados ao ambiente escolar e apontam novas formas de relacionamento escola-comunidade. As populações tradicionais, a exemplos dos quilombolas, pescadores, seringueiros, agricultores, entre outras, e a chamadas subculturas urbanas possuem potencial curricular nessa perspectiva dos estudos culturais. A teoria pós-colonialista pode ser entendida como pertencente ao campo dos estudos culturais, com foco na relação entre nações europeias que realizaram o empreendimento colonizador e suas colônias, estabelecidas além-mar, que posteriormente, tornaram-se países independentes, porém, dependentes economicamente e culturalmente do colonizador. Segundo Silva (2005), essa teoria utiliza o conceito materialista de representação, ao focar nas produções literárias e artísticas desenvolvidas na relação colonizador e colonizado, como por exemplo, as construções discursivas do selvagem irracional e inferior. Entretanto, não são apenas as construções discursivas do europeu que são analisadas, mas também as produções dos colonizados, tanto na perspectiva de reprodutores do discurso de superioridade europeia, como também daqueles que postularam enfrentamentos a essa visão. De forma concisa, essa teoria se traduziria no currículo da seguinte forma: Uma perspectiva pós-colonial de currículo deveria estar particularmente atenta às formas aparentemente benignas de representação do Outro que estão em toda parte nos currículos contemporâneos. Nessas formas superficialmente vistas como multiculturais, o Outro é “visitado” de uma “perspectiva do turista”, a qual estimula uma abordagem superficial e voyeurística das culturas alheias. Uma perspectiva pós-colonial questionaria as experiências superficialmente multiculturais estimuladas nas chamadas “datas comemorativas”: o dia do negro, do índio, da mulher. Uma perspectiva pós-colonial exige um currículo multicultural que não separe questões de conhecimento, cultura e estética de questões de poder, política e interpretação. Ela reivindica, fundamentalmente, um currículo descolonizado (SILVA, 2005, p. 130).
Os debates sobre as relações étnicas e raciais no currículo brasileiro estão diretamente ligados à sua constituição histórica como colônia e, atualmente, como país dependente econômico dos países desenvolvidos. A ideia que a humanidade se divide por raças foi criada, no final do século XIX, adaptando-se à teoria da evolução das espécies de Darwin chegando ao Darwinismo Social. Os europeus, considerados os mais desenvolvidos, seriam portadores da obrigação de levar os avanços científicos e tecnológicos às outras raças ao redor do mundo. E desse modo, justificavam-se a submissão e o estabelecimento de assimetrias de poder entre várias populações. Estudos recentes sobre genética humana apontam que não existem fatores físicos ou biológicos que possam justificar a divisão da humanidade em raças. Não obstante, conforme 152
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demonstra Silva (2005), o termo raça continua sendo utilizado para caracterizar biologicamente determinadas populações e etnias para identificar aspectos culturais. As teorias pós-críticas, em especial o pós-estruturalismo, não consideram raça e etnia como algo fixo, imutável e definido biologicamente, mas um processo sócio-histórico, forjado na relação com o outro, que sempre está em formação e transformação. Um exemplo dessa dinâmica é a transformação das narrativas acerca do grupo étnico pomerano, que deixaram de ser negativas (povo estranho que não sabe falar o português, vive no mato, sujos, fedidos, malvestidos e que tem medo dos outros) e passaram a ser positivas e festejadas (língua tradicional, cultura própria, trabalhadores, mantém um modo de vida próprio). Silva (2005)afirma que um currículo crítico e contra-hegemônico deve evitar uma abordagem que se resume ao essencialismo cultural sobre identidade étnica e racial que intenciona engessá-la aos aspectos biológicos e ao fortalecimento de determinadas expressões culturais. O autor argumenta que é necessário analisar o racismo considerando a “complexa dinâmica da subjetividade que inclui contradições, medos, ansiedades, resistências e cisões” (SILVA, 2005, p.103) e, ao mesmo tempo, desvelar as estruturas institucionais e discursivas que constituem o racismo como um problema social e influem na subjetividade humana. O racismo deve ser trabalhado, curricularmente, na perspectiva dos estudos culturais, que estabelece o conceito de representação como central, ao definir que não existe uma forma verdadeira de ser humano, onde o não igual é discriminado, mas, representações que são construções linguísticas permeadas por relações de poder. Com esse direcionamento, os debates ou atividades, em sala de aula, deixam de ser em torno da busca pela verdade da constituição humana e de sua essência, e passam à esfera política de quem detém poder e como este constrói representações e inscrições racistas na sociedade. Vale ressaltar a criação das leis nº 10.693/03 e nº 11. 645/08 que tornaram curricular os estudos da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena no Ensino Fundamental e Médio. Segundo Marques e Calderoni (2016), esses marcos legais advêm das resistências, das lutas e dos protagonismos negro e indígena. Esses grupos sociais, por meio das lutas organizadas, conquistaram alteração da lógica adquirida da herança colonial e postularam outros paradigmas acerca das diferenças étnico-raciais que visam ao rompimento com os padrões hegemônicos. Essas legislações postulam a formação de profissionais da educação, na perspectiva dos estudos pós-coloniais, por meio de uma pedagogia crítica e contestadora do colonialismo. As teorias pós-críticas também desvelam as assimetrias de poder presentes na sociedade e no currículo, acerca dos estudos de gênero e de sexualidade. Os estudos de gênero problematizam que a própria ciência moderna é masculina, ao estabelecer que o método científico determina uma separação entre sujeito e objeto, na busca pela dominação e controle da natureza, e de outros seres humanos. O feminismo entendido como o conjunto de movimentos políticos, sociais e filosóficos tem como objetivo comum a luta de igualdade entre homens e mulheres, a promoção dos 153
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direitos das mulheres, o empoderamento feminino e a libertação dos padrões patriarcais, baseados em normas de gênero. Silva (2005) explana que o currículo tradicional, enquanto uma construção de cunho patriarcal, historicamente, contribuiu para constituição da divisão sexual do trabalho. Essa concepção, segundo Kergoat (2009) materializou distintos espaços - produtivos e reprodutivos – para homens e mulheres epriorizou as “[...] ocupações masculinas em funções de forte valor social agregado (políticas, religiosas, militares, etc)” (KERGOAT, 2009, p. 67), criando condições objetivas para as desigualdades de gênero, ao cercear as escolhas profissionais das mulheres e excluí-las dos espaços públicos de trabalho e de poder. Silva (2005) argumenta que os estudos feministas postulam que não basta, somente, o acesso das mulheres à escola, pois essa está estruturada num currículo que possui a cosmovisão masculina, centrada no domínio, controle, lógica, individualismo e competição. Para esse contraponto, é necessário construir um currículo, e práticas pedagógicas, que possuam características femininas como “a importância das ligações pessoais, a intuição e o pensamento divergente, as artes e a estética, o comunitarismo e a cooperação” (SILVA, 2005. p. 94). Os estudos de gênero desnudam as relações de poder existente entre homens e mulheres e identificam, no currículo, como este produz essas relações assimétricas que justificam variadas formas de violência contra as mulheres, nos diversos espaços de sociabilidade humana. Os estudos feministas, ao problematizarem as desigualdades de gênero e heteronormatividade da sociedade, possibilitaram a sua expansão às questões de sexualidade, ao colocar em xeque o determinismo biológico do binarismo masculino - feminino. Neste movimento contestatório, desenvolveu-se a teoria Queer que surge em um campo comum aos estudos gays e lésbicos. O termo Queer significa estranho e foi usado amplamente de forma pejorativa para identificar os homossexuais nos Estados Unidos e Inglaterra. O movimento LGBTQI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queer e Intersexuais) retoma a discussão, no intuito de se contrapor à aparente normalidade social e defende, com base nos estudos culturais, que identidade sexual não é definida biologicamente, não é fixa e imutável, constitui-se, também, como uma construção social e cultural, permeada por relações de poder, quando alguns grupos sociais conseguem impor suas significações aos outros. A teoria Queer defende que o homossexual, bissexual, o travestismo e transexuais, entre outras identidades trans, são estranhos e negados devido ao processo de significação que lhe foram impostos, por um determinado grupo social, formado por homens héteros que não os reconhecem como normais e ocupam posições de poder, que lhes permitiram realizar tal rotulação de “estranhos”. Silva (2005) afirma que a teoria Queer propõe um rasgo epistemológico, pois segundo este autor a teoria Queer busca nos fazer pensar queer (homossexual, mas também diferente) e não straight (heterossexual, mas também quadrado): ela nos obriga a considerar o impensável, o que é proibido pensar em vez de simplesmente o pensável o que é permitido pensar (SILVA, 2005, p. 107). As teorias pós-críticas partem do princípio que, em qualquer situação, haverá relações de poder e, dessa forma, não é possível considerar a possibilidade de surgimento de uma so154
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ciedade onde as pessoas sejam emancipadas e autônomas, pois estarão imersos em relações sociais de poder. “Para as teorias pós-críticas, o poder transforma-se, mas não desaparece. Nas teorias pós-críticas, o conhecimento não é exterior ao poder. O conhecimento não é aquilo que põe xeque o poder, o conhecimento é parte inerente do poder” (SILVA, 2005, p. 149).
5 Contribuições das teorias críticas e das teorias pós-críticas à Educação Profissional e Tecnológica A história da educação profissional, no Brasil, enquanto política pública do governo federal, teve seu início, em 1909, com o presidente Nilo Peçanha, que decretou a criação de 19 Escolas de Aprendizes e Artífices (EAA). Essas instituições tinham como principal objetivo retirar os “desvalidos” das ruas e realizar formação em ofícios manuais (SUETH et al., 2009). As mudanças ocorridas na legislação, a transformação das EAA´s em escolas técnicas e a introdução da pedagogia tecnicista, ao longo do século XX, modelaram a educação profissional e tecnológica (EPT) para formar trabalhadores em conformidade às necessidades do mercado e, consequentemente, limitando o acesso ao conhecimento científico, reforçando seu caráter dual. A reorganização produtiva, desencadeada a partir dos anos de 1970, devido aos avanços tecnológicos da informática e a crise do modelo de bem-estar social, acarretaram o surgimento das políticas neoliberais, com foco no Estado mínimo, extinção e criação de novas atividades laborais, aumento da internacionalização do trabalho e reformas educacionais que buscavam adequar a EPT a essa nova realidade, por meio da chamada Pedagogia das Competências. Dessa forma, a década de 1990 ficou marcada pelas reformas neoliberaisque, no âmbito da educação profissional, fortaleceram seu caráter dual, ao impossibilitarem a oferta do Ensino Médio integrado e proibir a abertura de novas escolas técnicas, com recursos exclusivos do governo federal. O avanço dos estudos sobre o mercado de trabalho não deixa, pois, margem à dúvida: um grave processo de precarização das condições de vida e de trabalho, como de exclusão social, acompanha a reestruturação produtiva desencadeada a partir dos anos 1980, mas, sobretudo, a partir das políticas macroeconômicas colocadas em prática com a abertura do mercado nos anos 1990. Marcado por profundas desigualdades de gênero, raça e idade, esse processo afeta desigualmente homens e mulheres, brancos e negros, jovens e adultos, punindo especialmente os setores mais discriminados (LEITE, 2003, p. 113).
Frente a este quadro, as teorias críticas apresentam-se de fundamental relevância para a Educação Profissional e Tecnológica. Primeiro porque questionam a dualidade dos sistemas educacionais que direcionam um tipo de educação para os filhos da classe dominante (formação intelectual que os conduzam às funções dirigentes) e de educação para os filhos dos trabalhadores (formação profissional restrita, que os capacite para ocupar funções subalternas). Também porque questionam a organização curricular e as práticas pedagógicas hegemônicas, que formam trabalhadores docilizados e submissos, forjados nos valores e na ideologia do capital e, notadamente, porque apontam para uma proposta de educação ampla, 155
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que integre os conhecimentos teóricos e práticos, que além de garantir uma formação integral, contempla, nos processos educativos, as diversas dimensões humanas. A EPT reconhece o trabalho como elemento constitutivo do ser humano e sua dimensão educativa, defendendo a necessidade de a educação escolar vincular-se ao mundo do trabalho e à pratica social. A ideia de formação integrada sugere superar o ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir e planejar. Trata-se de superar a redução da preparação ao trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado, escoimado dos conhecimentos que estão na sua gênese científico-tecnológica e na sua apropriação histórico-social. Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para atuação como pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação que, nesse sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos (CIAVATTA, 2005, p. 85).
No que tange às teorias pós-críticas, elas colocam em foco os principais debates sociais da atualidade tais como: multiculturalismo, relações étnicas e raciais, gênero e sexualidade para o ambiente escolar, não apenas no formato da informação pontual e de eventos específicos, mas para o dia a dia da sala de aula, colocando o currículo e as práticas pedagógicas em constante questionamento. As teorias pós-críticas desnaturalizam o saber científico historicamente presente nos currículos, ao indagarem os processos de construção desses saberes, quais saberes foram excluídos, a ideia de progresso e a quem se destina, quais grupos sociais foram excluídos ou estão representados por uma visão não orgânica e criadora de estereótipos. A Educação Profissional e Tecnológica Integrada ao Ensino Médio, ao pensar na formação integral do ser humano, não pode se abster deste debate e deve, em suas práticas de formação, problematizar essas questões, sem perder de vista que tipo de cidadão está sendo formado, para qual sociedade e a quem interessa esse processo formativo. Reconhecer os interesses dos grupos vinculados aos movimentos das mulheres, dos negros, dos trabalhadores do campo etc. não implica uma fragmentação das políticas públicas de qualificação profissional. A diversidade há de ser respeitada e valorizada, e esse seu reconhecimento irá se materializar pela efetivação de uma formação de caráter técnico-político em que os valores éticos e o respeito e a valorização das diferenças sejam postos em evidência (OLIVEIRA, 2012, p. 102).
Nessas reflexões, identificamos outra importante contribuição das teorias pós-críticas que é colocar a esfera política como central nos processos de ensino e aprendizagem, ao estabelecerem que o poder está diluído por toda a sociedade de forma assimétrica. Esse entendimento coloca em pauta, no cotidiano escolar, a dominação masculina heteronormativa, o cerceamento feminino, o racismo, a invisibilidade e negação do público LGBTQI e da cultura local, como fonte de saber e de expressões socialmente válidos. Em última análise, as teorias pós-críticas empoderam politicamente a comunidade escolar, possibilitando práticas de cidadania cotidianas frente às assimetrias de poder. Nesse sentido, cabe questionar se a Educação Profissional e Tecnológica Integrada ao Ensino Médio não está reafirmando estereótipos machistas em seus projetos de cursos técnicos, como, por exemplo, nas áreas do conhecimento e profissões ditas masculinas, assim como se as diversi156
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dades de gênero, culturais e os saberes locais estão presentes nesses currículos ou são apenas uma cópia de uma proposta hegemônica capitalista heteronormativa que visa à produção de trabalhadores/consumidores nos moldes necessários ao atual sistema hegemônico. As teorias críticas e pós-críticas necessitam estar presentes no cotidiano da EPT, pois sem elas não é possível realizar a formação integral dos sujeitos, sem elas não é possível formar um cidadão pleno. As teorias críticas e pós-críticas possibilitam que os processos didáticos pedagógicos sejam desenvolvidos em ambientes democráticos, com liberdade de expressão, dinâmicos e que garantam a presença, e reconhecimento, dos variados grupos sociais e culturais. Acreditamos que é possível, por meio dessas teorias, articular a diferença, o particular com o todo, de forma que seja possível romper com formações limitadas e limitadoras do potencial humano.
6 Considerações finais As teorias críticas e pós-críticas contribuem para concepções contra hegemônicas, frente à recomposição econômica, política, social e cultural do capital por meio do avanço do neoliberalismo econômico, associado ao conservadorismo moral vivenciados nos últimos tempos. As teorias críticas, desde que surgiram, vêm denunciando que as tendências pedagógicas liberais atuam no sentido de reprodução das condições sociais, utilizando a escola como instrumento de disseminação da ideologia dominante e perpetuação da estrutura de classes. A partir dessas críticas, desenvolveram-se outras análises que apontam para a educação e especialmente, o currículo, como arena de contradições e constantes disputas. O determinismo das análises crítico-reprodutivistas, deram lugar às novas perspectivas histórico-dialéticas, que defendem a importância da escola para as classes populares, como instrumento de emancipação e de transformação social. Consideramos que as teorias críticas e pós-críticas contribuem para práticas pedagógicas contra hegemônicas, problematizando a realidade social e a construção dos conhecimentos. A teoria crítica defende a concepção de democratização dos conhecimentos, para a transformação social. A concepção pós-crítica problematiza a construção desses conhecimentos, questionando a exclusão dos segmentos sociais historicamente marginalizados (negros, indígenas, mulheres, LGBTQIs, entre outros). As temáticas transversais desenvolvidas pela escola, muitas delas defendidas pelas teorias pós-críticas, são importantes para o reconhecimento dos saberes dos grupos marginalizados, entretanto, não devem ser trabalhadas de maneira ocasional, descontextualizadas e desconectadas aos conteúdos curriculares. Nesse sentido, essas atividades devem ser trabalhadas na perspectiva da integração curricular, da interdisciplinaridade e da contextualização com a realidade vivida, na educação como um todo e, notadamente, na Educação Profissional e Tecnológica. Após este percurso e frente à realidade cruel de um país caracterizado por um capi157
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talismo dependente e periférico, que gera enormes mazelas sociais, representado por uma elite política e social majoritariamente retrógrada, patriarcal, branca e heteronormativa, defendemos uma combinação entre a teoria crítica e pós-crítica. Essas teorias nos mostram que o currículo, principalmente na EPT, devido à sua função estratégica ao capital, nos potencializa para os embates acerca da construção do saber, da constituição da nossa identidade e dos meandros nas relações de poder. Para finalizar, reafirmamos que as teorias críticas e pós-críticas têm importante contribuição frente ao avanço liberal-conservador, visto que essas teorias problematizam os conteúdos e a realidade social vivenciada pelos estudantes, bem como propõem caminhos para as transformações sociais e abrem novas perspectivas e possibilidades interpretativas acerca dos grupos historicamente marginalizados. Referências CIAVATTA, Maria. A formação integrada: A escola e o trabalho como lugares de memórias e de identidade. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise Nogueira (Orgs.). Ensino médio integrado: concepção e contradições: São Paulo, 2005, pp. 83-105. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. 11. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1992. GANDIN, Luís Armando. Michael Apple: a educação sob a ótica da análise relacional. Revista Educação. Pedagogia Contemporânea, n. 4, Currículo e Política Educacional. São Paulo: Editora Segmento, 2010. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura.4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. KERGOAT, Danièle. Divisão Sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In: HIRATA, H.; LABORIE, F.; LE DOARÉ, H.; SENOTIER, D. (Org.). Dicionário Crítico do Feminismo. São Paulo: Editora da Unesp, 2009. LEITE, Márcia de Paula. Trabalho e sociedade em transformação: mudanças produtivas e atores sociais. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. MARQUES, Eugenia Portela Siqueira Marques; CALDERONI, Valeria Aparecida Mendonça de Oliveira. Os deslocamentos epistêmicos trazidos pelas Leis 10.639/2003 e 11.645/2008: possibilidades de subversão à colonialidade do currículo escolar. OPSIS, Catalão, v. 16, n. 2, parte 2, pp. 299-315, jul./dez. 2016. MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 158
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ABORDAGEM COGNITIVISTA E METODOLOGIAS ATIVAS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA Vânia Silvares Marquiori79 Heyder Vágner Ramos80 Márcia Gonçalves de Oliveira81 Marize Lyra Silva Passos82 Resumo:Este trabalho tem como objetivo discutir em linhas gerais a teoria cognitivista e como esta pode dialogar com as práticas no contexto da Educação Profissional e Tecnológica -EPT, através da utilização da metodologia Aprendizagem Baseada em Problemas -ABP. O foco da discussão aponta para dois estudiosos: Jean Piaget e L. S. Vygotsky, além da ABP e seus precursores, revelando algumas contribuições para as práticas na EPT. Palavras-chave:Abordagem Cognitivista. Aprendizagem Baseada emProblemas. Educação Profissional e Tecnológica. 1 Introdução A abordagem cognitivista considera a maneira pelas quais as pessoas lidam com o ambiente no qual estão inseridas, como percebem, e resolvem, seus problemas, com ênfase na capacidade humana de integrar, e processar, informações, embora também haja a preocupação com as relações sociais(MIZUKAMI, 1986). Ao relacionar a abordagem cognitivista (MOREIRA, 2011) com a metodologia ativa ABP (Aprendizagem Baseada em Problemas), que busca mediar a aprendizagem através de problemas que tenham significado para o sujeito da aprendizagem, dentro da Educação Profissional e Tecnológica, muitos resultados produtivos emergem. Nesse sentido, partindo das Diretrizes Curriculares da Educação Profissional e Tecnológica, que prega a indissociabilidade entre teoria e prática (BRASIL, 2012), com vistas a alcançar uma formação omnilateral, vislumbra-se que as metodologias ativas podem funcionar como uma ponte entre esses dois polos que compõem tal modalidade da educação, os quais, muitas vezes, encontram-se em posições de subordinação de um em relação ao outro, quando na verdade deveriam ser complementares em relação à formação do todo. Metodologias ativas são abordagens caracterizadas pela centralidade do aluno no processo, através da proposição de atividades práticas que levam à reflexão da ação, em um processo de atividade intelectual constante (FILATRO;CAVALCANTI, 2018).No caso específico da aprendizagem baseada em problema(ABP), que será a metodologia ativa abordada neste 79 Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica- PofEPT Ifes 80 Mestrando em Educação Profissional e Tecnológica- PofEPT Ifes 81 Professora Doutora em Engenharia Elétrica 82 Professora Doutora em Educação 160
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trabalho, sua principal característica é a proposição de um problema como ponto de partida para ensinar/mediar a aquisição de um conhecimento (FILATRO; CAVALCANTI, 2018). Surgida por volta da década de 60 (BACICH;MORAN, 2018), a ABP foi inicialmente utilizada em práticas de escolas de medicina, mas, atualmente, tem sido utilizada, com sucesso, em outras áreas. Um dos precursores dessa metodologia foi Jerome Bruner, que propunha a possibilidade de se introduzir o ensino de quaisquer assuntos, de maneira diferenciada, de acordo com o grau de desenvolvimento que se encontrassem os sujeitos da aprendizagem. Esse estudioso também propunha o ensino de forma gradativa, do mais simples para o mais complexo e se posicionou a favor do ensino por meio de problemas presentes nas esferas sociais (MOREIRA, 2011). As metodologias ativas têm por objetivo tornar a aprendizagem significativa, o que, na concepção de Bacich e Moran (2018), acontece quando se avança em espiral no aprendizado em todos os aspectos da vida, corroborando com as ideias de Jerome Bruner (MOREIRA, 2011). Diante dessa breve perspectiva acerca das bases cognitivistas da ABP, pode-se pressupor que há um relacionamento entre a filosofia dessa metodologia ativa com a EPT, no sentido de estabelecer diálogo entre teoria e prática e, também, no que diz respeito ao foco no desenvolvimento integral das capacidades humanas. Dentro desse contexto, a intenção desse trabalho é mostrar, de forma sucinta e não exaustiva, a influência de alguns conceitos desenvolvidos por Piaget e Vygotsky que permearam a abordagem cognitivista, baseados na definição de Moreira (2011), os quais guardam relação com o desenvolvimento integral do ser humano, podendo vir a materializar-se através da utilização ABP, nas práticas pedagógicas norteadoras da EPT. 2 Cognitivismo e Aprendizagem Baseada em Problemas De acordo com Moreira (2011), a abordagem cognitivista surge em contraposição ao comportamentalismo, este último centrado, apenas, nos comportamentos observáveis e mensuráveis, ao passo que o primeiro se ocupou do desenvolvimento mental dos indivíduos de forma científica. Desse modo, Moreira (2011) apresenta, baseado na ênfase cognitiva, a aproximação de alguns autores, que ele classifica como sendo de correntes cognitivistas. Na abordagem cognitivista, a centralidade do processo de ensino está voltada para o alunoe este é tomado como protagonista de sua aprendizagem, em um processo contínuo, que leva à autonomia, à reflexão crítica no processo de construção de sua própria aprendizagem. Partindo desse pressuposto, é possível destacar alguns autores que compartilham da filosofia cognitivista, baseados em diferentes variáveis, conforme denominados (Quadro 1):
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Quadro 1 – Enfoqueteórico na cognição para a aprendizagem e ensino COGNITIVISMO Conceito
Esquema
Signo
Subsunçor
Autor(es)
Piaget/ Bruner
Vygotsky
Ausubel
Fonte: MOREIRA (2011), adaptado pelos autores.
Embora Moreira (2011) cite mais autores, cada um dos quais aqui abordados apresentam um conceito que, em algum momento, converge quanto à aprendizagem que leva em conta, o meio social em que vive o aprendiz, de forma que o conhecimento que o aluno possui é valorizado. Os autores compreendem o aprendiz não como aquele que armazena informações, mas como ator que pode transformar essas informações em conhecimento e utilizá-las no meio em que vive. Moreira (2011) destaca que Bruner defendeu o processo de ensino de acordo com a faixa de desenvolvimento intelectual, independentemente do assunto, e, embora tenha defendido a estruturação no ensino de disciplinas, reconheceu, tempos depois, a importância do ensino dentro do contexto dos problemas sociais, caracterizando a valorização do contexto do educando. Dentro da abordagem cognitivista, destaca-se também Jean Piaget, um dos epistemólogos construtivistas mais influentes (MOREIRA, 2011), por considerar as ações humanas como base do comportamento humano, que é construído através da interação humana com o meio físico e sociocultural e se dá por meio do processo de reequilibração, sendo o desenvolvimento, uma sucessão de reequilibrações. O processo de amadurecimento humano vai tornando seu conhecimentomais complexo, e esta complexidade vai se tecendo através das modificações, o que Piaget denomina esquemas mentais, que é a ação frente a realidade dada. E a aquisição do conhecimento pode ocorrer por meio da assimilação, que é caracterizada pelo início da interação do homem, por iniciativa própria, com o objeto ou com o meio. O processo de assimilação, por sua vez, quando dotado da capacidade de modificar algum conhecimento preexistente, criando um novo esquema, é denominado acomodação. E, após a sucessão destes processos, ocorre a reequilibração, que dá origem a novos esquemas, permitindo, assim, a compreensão das situações a que o sujeito se expõe durante a vida (MOREIRA, 2011). Outro estudioso que também apresenta características cognitivistas, quando se trata da aprendizagem, principalmente no contexto de utilização de metodologias ativas é L. S. Vygotsky, que defendeu um enfoque em que o desenvolvimento cognitivo ocorre por meio da conversão das relações sociais em funções mentais, por meio da mediação, buscando a internalização de práticas que estão no contexto social, externo ao indivíduo (MOREIRA, 2011). 162
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A análise de Vygotsky, diferentemente da abordagem de Piaget, é pautada na interação entre o indivíduo e o contexto, o que supõe a participação ativa no desenvolvimento cognitivo próprio, ou seja, pressupõe o contato próprio com o objeto do conhecimento, passando pela experiência. Outro ponto que cabe destacar é o conceito de zona de desenvolvimento proximal, em que Vygotsky defende que o sujeito é capaz de resolver problemas compatíveis com seu próprio nível de desenvolvimento, através da mediação, que passa a ser o papel do professor. Por último, destaca-se (MOREIRA, 2011) Ausubel, que apresenta o conceito de subsunçor, definido como uma espécie de facilitador da aprendizagem. Sua teoria apresenta como conceito central a aprendizagem significativa, caracterizada pelo relacionamento entre o que se quer aprender e os conhecimentos preexistentes, onde o subsunçor se encarrega de estabelecer essa “ponte” para aquisição/construção de conhecimento. Os estudiosos brevemente apresentados desenvolveram concepções que são utilizadas na metodologia ativa ABP, como é o caso do protagonismo estudantil, abordado de diferentes maneiras por tais autores, quando estes consideram a realidade em que os alunos se encontram. Neste contexto, busca-se evidenciar como a abordagem cognitivista se encontra vinculada ao desenvolvimento da metodologia ativa ABP e como essa metodologia ativa é tomada para colaborar na EPT, dadas as afinidades entre os objetivos dessa metodologia, que consiste em tornar o aluno ativo em sua aprendizagem, e os da modalidade de ensino da Educação Profissional e Tecnológica, que propõe uma aprendizagem integral entre teoria e prática, no sentido de formar para o trabalho, mas de forma crítica. Balizando-se nos estudiosos apresentados, pretende-se traçar uma breve aproximação entre os conceitos de Piaget e Vygotsky no que se refere à ABP, considerando a utilização de problemas reais na aplicação dessa metodologia na condução do processo de aprendizagem, uma vez que Vygotsky defende a interação do indivíduo com o meio. Ao passo que Piaget defende que o verdadeiro conhecimento é aquele que pode ser replicado, ou seja abstraído e levado a outros contextos, de acordo com os pressupostos da metodologia, posicionamento, também, interpretado por Vygotsky, como produção de sentido, quando o aprendiz consegue aplicar determinado conhecimento a outra realidade. 2.1 Aprendizagem Baseada em Problemas A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), também conhecida pelo termo em inglês Problem Based Learning (PBL), surgiu da necessidade de aproximar o processo de aprendizagem, que ocorre dentro das escolas, da prática encontrada na vida real, para isso, o PBL “tem como foco a aprendizagem ativa, centrada no aluno, por meio do estudo autônomo e da discussão de problemas atuais, relacionados com a disciplina ou com outros contextos sociais” (ARAÚJO; ARANTES, 2009). O interesse pelo PBL nasceu da percepção de que a visão prática de determinado curso ou disciplina deveria levar em conta aspectos como a solução de problemas reais do cotidiano dos alunos. Considera, ainda, que recursos, e esforços, despendidos sejam dosados, em razão da análise, da discussão e resolução de determinado problema. Isso é muito atraente 163
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para os alunos, pois, em um primeiro entendimento, eles percebem que “não perderão tempo estudando coisas que nunca usarão” (FREZATTI, 2018, p. 32), o que poderia despertar maior interesse por parte dos mesmos. Para Frezatti (2018), o uso correto do PBL leva o aluno a “entender e aplicar dado conceito em uma situação contextual”, o que segundo o autor “proporciona a percepção de que estão estudando temas e gerando soluções com potencial de aplicação prática”.Segundo o mesmo autor, “é fundamental para o desenvolvimento da metodologia que o problema tenha vínculo com dada realidade (contexto do aluno envolvido), seja complexo, não completamente estruturado, interdisciplinar, e permita a investigação”. O autor destaca, também, a seguinte definição do processo de ensino e aprendizagem através do PBL: O processo de ensino e aprendizagem pelo método PBL gera uma dinâmica que possibilita a aproximação do aluno com a prática, isso, por meio da inserção e intervenção na realidade da área de formação. O método é estruturado por meio do questionamento do fenômeno ou de projetos e requer dos envolvidos a investigação, reflexão sobre o quadro delimitado e comunicação das observações e resultados; logo congrega prática profissional, pesquisa e ensino (FREZATTI, 2018, p. 35).
Outros autores trazem definições da aprendizagem baseada em problemas, sempre enfatizando a centralidade do aluno e a aproximação de problemas reais, como pode se perceber nas seguintes definições: 1 - Brandão, Alessandrini e Lima (1998) salientam que o método PBL está associado às teorias construtivistas, em que o conhecimento não é absoluto, mas construído pelo estudante, por meio de seu conhecimento pregresso e sua percepção global, dimensionando a necessidade de aprofundar, amplificar e integrar o conhecimento; 2 - Para Enemark e Kjaersdam (2009), trata-se de uma abordagem curricular centrada no aluno que o capacita a realizar pesquisas, integra teoria e prática, além de possibilitar a aplicação de conhecimentos, habilidades e atitudes para o desenvolvimento de uma solução viável para um problema definido. E ainda, de acordo com Barrows (1996, p. 5), a abordagem PBL possui os seguintes princípios: O aprendizado é centrado no aluno, ou seja, o aluno é o protagonista do processo de ensino-aprendizagem. O aprendizado ocorre em pequenos grupos, por meio dos quais os alunos interagem entre si, permitindo o desenvolvimento de competências, como o trabalho em equipe. Os professores são os facilitadores, tutores ou guias, e não os detentores do conhecimento a ser transmitido. Os problemas são o estímulo da aprendizagem, que transformam a busca pelo conhecimento em algo natural e adequado a um contexto prático. Os problemas são o veículo para o desenvolvimento das habilidades de solução de problemas, o que permite o desenvolvimento de competências alinhadas com as demandas do mercado de trabalho. As informações são obtidas diretamente pelos alunos, por meio da aprendizagem ativa, contrariando o paradigma de que o professor é responsável pela transmissão do conhecimento aos alunos (BARROWS, 1996, p. 5).
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Como se pode perceber, pelos conceitos apresentados, a ABP é uma metodologia ativa que é diferente das metodologias tradicionais e traz uma nova forma tanto de ensinar, quanto de aprender. A centralidade deixa de estar no professore passa a se situar no aluno, que se torna o protagonista do processo de ensino e aprendizagem, assim como ocorre na abordagem cognitivista. Ao invés do papel de detentor do conhecimento, o professor é visto como um facilitador ou mediador, disponível ao aluno em caso de possíveis dúvidas. As aulas expositivas dão lugar ao desenvolvimento de habilidades para resolução de problemas do cotidiano, levando em consideração, obviamente, a realidade dos alunos. Esta aproximação dá mais sentido ao aprendizado, o que pode aumentar o interesse dos alunos e desenvolver-lhes habilidades de relacionamento interpessoal, aprendizagem autodirigida e desenvolvimento cognitivo, permitindo a abstração de forma tal que seja possível a sua aplicabilidade a outras situações.
2.2 Abordagens teóricas que embasam a Aprendizagem Baseada em Problemas Existem diversas formas de compreensão, e implementação, da aprendizagem baseada em problemas, sendo predominante, na maioria das instituições, as bases teóricas de Piaget, Vygotsky, Dewey, Lewin e Bruner. E como característica semelhante presente, nas teorias desses estudiosos, encontra-se o princípio de focar a aprendizagem dos alunos, que também é uma característica da ABP, metodologia ativa apresentada. Diante desta semelhança, a intenção é aproximar a abordagem cognitivista e a ABP a possíveis práticas educativas para a EPT, uma vez que esta tem como objetivo aliar teoria e prática na construção do cidadão de forma que ele possa compreender diversas realidades a partir de sua formação. Acredita-se, nesse trabalho, que a perspectiva que trata da integração entre teoria e prática dentro da EPT pode se amparar na utilização da ABP, que guarda forte relação com os preceitos da abordagem cognitivista. Pois, da mesma forma que a aprendizagem na abordagem construtivista demanda questionamento por meio da exploração de um problema real, usando os processos e as ferramentas da disciplina em determinado contexto (COOMBS; ELDEN, 2004), a ABP explora essa técnica, o que poderá levar o aprendiz a se conceber como figura importante na construção de seus saberes. Isso, porque diante de um problema real, o aluno está exposto à exploração do todo, ou seja, da reflexão sobre o problema e também na forma prática de como resolvê-lo.
2.3 Histórico da Aprendizagem Baseada em Problemas no Brasil O método de Aprendizagem Baseada em Problemas configura-se como uma proposta de aprendizagem construtivista - com foco nos alunos. As primeiras experiências de aplicação 165
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da metodologia ocorreram em cursos na medicina e acredita-se que decorreram da necessidade de aproximação de teoria e prática de que a área médica necessita. Depois, aos poucos, a metodologia passou a ser utilizada, também, em outros cursos, como enfermagem, administração, ciências contábeis, engenharia e direito, entre outras áreas do conhecimento. Inicialmente, o método foi desenvolvido na Universidade McMaster, no Canadá, no fim da década de 1960, quando um grupo de docentes estruturou um novo programa para o curso de medicina. Desse centro universitário, o método foi disseminado para a Universidade de Maastricht, nos Países Baixos, em 1980, para Harvard e Cornell, nos Estados Unidos, entre outras mais de 60 escolas. No Brasil, a metodologia chega bem mais tarde, somente na década de 90. Inicialmente, na Faculdade de Medicina de Marília (Famema), em 1997, e depois na Universidade Estadual de Londrina (UEL), também no curso de medicina, em 1998. Mais tarde, em 2005, foi criada a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), no campus da Universidade de São Paulo (USP). A escola contava com vários cursos em diferentes áreas do conhecimento, entre elas ciências da atividade física, gerontologia, gestão ambiental, gestão de políticas públicas, lazer e turismo, marketing, obstetrícia, sistema de informação e têxtil e moda. Dos cursos lançados pela EACH, seis deles foram organizados por meio da metodologia de resolução de problemas (ARAÚJO; ARANTES, 2009). A Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEAUSP) de Ribeirão Preto iniciou pesquisas com aplicações práticas em cursos de graduação na área de ciências contábeis em 2008 e a FEAUSP, de São Paulo o faz desde 2011. Outras experiências relatadas ocorreram na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 2015, e na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), em 2016. Sobre os casos brasileiros, Komatsu, Zanolli e Lima (1998) reuniram estudos que evidenciam que estudantes de programas que usaram o PBL desenvolvem melhores habilidades de relacionamento interpessoal, integração biopsicossocial, utilização de biblioteca e recursos educacionais, educação permanente, aprendizagem autodirigida, satisfação profissional e desenvolvimento cognitivo. Notando uma inclinação da utilização da ABP voltada aos cursos superiores, que formam, no sentido de preparar para atuação no mercado, mas que a atuação no mercado não está presente no cotidiano, apenas, de pessoas que adentram o ensino superior, pode-se pressupor que seria uma metodologia proveitosa na formação em EPT. 2.4 Contribuições para a Educação Profissional Tecnológica A concepção de educação baseada nos conceitos trazidos por Marx toma por base o trabalho como princípio educativo. Segundo Manacorda (1996), Marx acreditava que ela deveria se estabelecer desde cedo, custeada pelo estado, e se basear na “instrução a todas as crianças, assim que possam prescindir dos cuidados maternos, em institutos nacionais e 166
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expensas da nação” (MANACORDA, 1996, p. 36). Este conceito se baseia no desenvolvimento completo do ser, rompendo com a dualidade histórica que o fragmenta, sendo, portanto, “um desenvolvimento total, completo, multilateral, em todos os sentidos das faculdades e das forças produtivas, das necessidades e da capacidade da sua satisfação” (MANACORDA, 1996, p. 87). Deste modo, Marx defende que o homem deveria ser, também, dirigente, atuar não somente nas ações de execução, mas também de pensamento, planejamento e direção. Portanto, a ideia de educação ideal trazida pela educação profissional tecnológica é aquela que contempla a formação do indivíduo como um todo, a qual está alinhada à prática da metodologia ativa ABP e, portanto, de bases psicológicas cognitivistas. De acordo com Bacich e Moran(2018), inicialmente, a ABP era utilizada em práticas de escolas de medicina, mas atualmente, tem sido utilizada, com sucesso, em outras áreas. A ABP começou a ser utilizada por pessoas que estavam sendo formadas para agir sobre determinada realidade, com simulação ou até mesmo práticas que iriam vivenciar em sua vida profissional. Sendo assim, cabe a nós uma reflexão no sentido de que a formação para o trabalho, dentro da EPT, também pode se apropriar dessa metodologia, como forma de superar a dicotomia entre teoria e prática, dotando de sentido a junção entre ambas. Uma vez que o próprio mercado não é abastecido, apenas, de pessoas formadas em cursos superiores, de forma que a ABP pode contribuir para a formação integral do ser humano, pretendida na modalidade EPT. Além disso, a ABP aproxima os alunos de sua realidade e de seu contexto, conforme preceitos do cognitivismo, o que reforça a ideia de que implantar essa metodologia em sala de aula cabe nas várias modalidades de ensino, incluindo a EPT, cuja história se fundamenta no trabalho que se modifica ao longo do tempo dentro de cada época/contexto social. E a teoria cognitivista traz um conceito de aprendizagem que enfatiza a cognição, o ato de conhecer, como o ser humano conhece o mundo. Para os cognitivistas, o foco deveria estar nas cognições, nos processos mentais superiores (percepção, resolução de problemas, tomada de decisões, processamento da informação, compreensão). Moreira (2011) enfatiza que, para o cognitivismo, o ser humano tem a capacidade criativa de interpretar e representar o mundo, não somente responder a ele, assim, não se admite mais, apenas, o método de ensino e aprendizagem tradicional. Igualmente, não se admite desconsiderar a individualidade dos alunos, seu contexto, particularidade e sua visão de mundo. Partindo deste ponto de vista, a contribuição da Aprendizagem Baseada em Problemas para a Educação Profissional Tecnológica pode ser facilmente demonstrada, por se tratar de uma metodologia centrada no aluno que “[...] exige dos estudantes criatividade, liderança, espírito investigativo, relacionamento interpessoal e expressão escrita e oral em muitas etapas” (FREZATTI et al., 2018, p.38), considerando a individualidade de cada um, seu interesse e ritmo de aprendizagem. Na APB, o aluno se torna o personagem principal do processo e o professor assume o papel de facilitador/mediador e os problemas a serem resolvidos levam 167
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em consideração a experiência e visão de mundo dos alunos, aproximando teórica e prática, reduzindo o estranhamento, fazendo sentido para quem aprende. 3 Considerações finais Este artigo se propôs a compreender a abordagem cognitivista, bem como identificar sua possível aplicação e influência no processo de ensino/aprendizagem através da Aprendizagem Baseada em Problemas (APB), também citada durante o trabalho por sua sigla em inglês mais popularizada: Problem-Based Learning (PBL). Para isso, em seu desenvolvimento, foi trazido o conceito de PBL a partir de diversos autores que já discorreram sobre o assunto, bem como as teorias que embasam a metodologia e demonstram sua possível abrangência pela abordagem cognitivista. Foi exposto, também, brevemente, um histórico da ABP no Brasil, citando exemplos de instituições de ensino que foram pioneiras na aplicação de metodologia. Conforme já citado anteriormente, pesquisas sobre essas experiências demonstraram que estudantes de programas que usaram o PBL desenvolvem melhores habilidades de relacionamento interpessoal, integração biopsicossocial, utilização de biblioteca e recursos educacionais, educação permanente, aprendizagem autodirigida, satisfação profissional e desenvolvimento cognitivo. Ao final, o trabalho procurou apontar as contribuições do PBL para a Educação Profissional Ecnológica, tomando por base a abordagem cognitivista. Devidamente aplicada, ela pode contribuir para a educação ideal pretendida pela EPT - omnilateral, integral e emancipadora, tendo em vista o caráter similar existente entre a modalidade educacional, a metodologia citada e seus pressupostos. Dessa forma, as concepções teóricas apresentadas corroboram com as diretrizes da EPT, que têm como direcionamento a formação do ser humano para o trabalho, e também como cidadão, que se adapta, compreendendo as modificações do meio em que vive, de forma concomitante e ativa. Referências ARAÚJO, Ulisses. F. Comunidade, conhecimento e resolução de problemas: o projeto acadêmico da USP Leste. São Paulo: Summus, 2009. BACICH, Lilian; MORAN, José (Orgs). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018. BARROWS, H. S. Problema-based learning in medicine and beyond: a brief overview. In: WILKERSON, L. GISELAERS, W. H. (eds.). Bringing problem-bsed learning to higher education: theory and practice. San Francisco: Jossey-Bass, 1996, pp. 3-12. BRANDÃO, Carlos Rodrigues; ALESSANDRINI, Cristina Dias; LIMA, Edvaldo Pereira. Criatividade e novas metodologias. São Paulo: Peirópolis, 1998. 168
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