ANTHONY HOROWITZ
Batalhas e Monstros Traduテァテ」o de Marilena Moraes e Fernanda Lobo
Sテグ PAULO 2015
SUMÁRIO
Introdução 7 O enigma da Esfinge 9 Mitologia grega
O incrível ovo pintado 15 Lenda dos índios Cheiene
O dragão e São Jorge 23 Lenda inglesa
A lavadeira no vau do rio 37 Lenda celta
A cabeça da Górgona 53 Mitologia grega
O Minotauro 73 Mitologia grega
O grande sino de Pequim 97 Lenda chinesa
Rômulo e Remo 107 Mitologia romana
Geriguiaguiatugo 117 Lenda dos índios Bororó
Uma oferenda para o Sol 127 Lenda inca
A esposa feia 133 Lenda celta
Dez feras e monstros incríveis de que você provavelmente nunca ouviu falar 147 Dez armas incríveis de mitos e lendas 151
I N T RO D U Ç Ã O
Sempre gostei de mitos e lendas, mas algumas versões que li na adolescência eram um tanto secas. Significa que tinham pouco humor. Não havia sangue suficiente. Os autores me davam a sensação de que eu estava lendo algo sério e importante só porque eram histórias famosas e antigas – e a linguagem usada era quase sempre deliberadamente antiquada. Era um pouco como andar por um museu, vendo relíquias empoeiradas, atrás de vitrines de vidro, com placas de “Não toque” por todo lado. Tomei duas decisões: primeiro, iria me divertir. Tentaria escrever as histórias como se estivessem sendo contadas pela primeira vez. Não precisaria ser muito reverente só porque estava tratando de deuses e heróis. Também queria lançar minha rede mais longe. Não
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Anthony Horowitz contaria só histórias que todos conhecem – O Cavalo de Troia, O Minotauro etc. Quase todas as histórias mais famosas vêm da Grécia Antiga, mas cada cultura tem seus próprios mitos e lendas. Por isso, também procuraria mitos dos chineses, egípcios, índios Cheiene, celtas, incas e assim por diante, do mundo todo. É incrível pensar quanta coisa aconteceu desde que comecei a trabalhar nesta coletânea. Quando escrevi as primeiras histórias (à máquina, pois na época não havia computadores), eu não era casado. Meus dois filhos não tinham nascido. Eu morava num quarto alugado na região oeste de Londres. O tal Alex Rider não existia, nem mesmo nos meus pensamentos mais distantes. Isso foi há muito tempo. Mas as histórias existiam muito antes disso. Na verdade, elas existem há séculos e, enquanto continuarmos a contá-las, certamente sobreviverão ainda por muitos séculos. Anthony Horowitz
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O enigma da Esfinge M I TO L O G I A G R E G A
– Qual criatura tem quatro pernas de manhã, duas pernas à tarde e três pernas à noite? É quase certo que este tenha sido o primeiro enigma inventado. Foi pronunciado por uma criatura medonha que, certa vez, chegou aos arredores da cidade de Tebas, na Grécia Antiga. A criatura foi chamada de Esfinge e tinha cabeça de mulher, corpo de leão, asas de águia e cauda de serpente. Havia apenas uma estrada para Tebas, o que tornava impossível entrar na cidade sem passar pela Esfinge. E era impossível passar por ela, que também era muito grande e veloz, sem decifrar o enigma. Uma das primeiras pessoas que cruzou com a Esfinge foi um jovem chamado Hemon. Seguia ao encontro do tio, rei de Tebas, quando viu seu caminho bloqueado. Muita gente teria fugido de tão bizarra mis-
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Anthony Horowitz tura de ave, fera, serpente e mulher, mas Hemon, que pertencia à linhagem real, não tinha medo de nada. – Pare onde está! – a Esfinge ordenou, com voz de professor zangado. Sua cauda se contorcia na poeira, e as asas se agitavam no ar. – O que você quer? – perguntou Hemon, com a mão já se dirigindo à sua espada. – Tenho um enigma para você decifrar – disse a Esfinge. – Um enigma? – Hemon relaxou. – Parece divertido. Qual é? – Qual criatura tem quatro pernas de manhã, duas pernas à tarde e três pernas à noite? – Bom... deixe-me ver. Quatro pernas de manhã? Não é um cachorro ou algo parecido? Certa vez vi uma cabra de três pernas, mas ela não estava viva, então acho que não conta. Um sapo, talvez? Não sei. Desisto... Mal as palavras acabaram de sair da boca de Hemon, a Esfinge o agarrou e saiu voando. Então, sua cauda deslizou até o pescoço do jovem e começou a apertar. Finalmente, enquanto seu rosto de mulher gargalhava insanamente, suas garras o rasgaram em mil pedaços
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Batalhas e Monstros e, em segundos, a estrada estava toda coberta de sangue. E esse foi um dos mais antigos gracejos: a palavra grega haimon significa “sangrento”. No entanto, Hemon, que estava sendo devorado, não achou muita graça. Também os habitantes de Tebas não acharam graça. Quando descobriram que era impossível ir a qualquer lugar próximo à cidade sem ser desafiado por um monstro terrível, chamado a resolver um enigma impossível e dilacerado se não conseguisse, quase armaram um rebelião. Porém não havia nada que pudessem fazer. Foi um ano ruim para os negócios em Tebas. As atividades turísticas entraram em franca decadência. Apesar de o rei Laio e a rainha Jocasta, que governavam a cidade, terem oferecido uma grande recompensa para quem os livrasse da Esfinge, ninguém jamais foi premiado. Claro que muitos príncipes e guerreiros vieram de longe para tentar lançar seu exército contra aquela criatura, mas ela jamais seria destruída por espadas e flechas. Sua pele era resistente como ferro. Suas garras enormes eram afiadas como navalha. Com suas asas podia erguer-se no ar, e sua cauda estrangulava qualquer pescoço num piscar de olhos. Algumas pessoas tentaram
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Anthony Horowitz decifrar o enigma. Com o passar dos meses, respostas de todo tipo foram tentadas: ratos, morcegos, gatos, mosquitos e jaguatiricas foram só algumas das respostas malsucedidas. A cada dia, mais um grito cortava os ares, e sangue fresco se espalhava pela estrada. Finalmente, a situação ficou tão ruim que o rei concluiu que precisaria fazer alguma coisa por conta própria. – Se pelo menos soubéssemos por que essa terrível criatura veio parar aqui – ele dizia –, talvez pudéssemos encontrar uma maneira de nos livrar dela. – Por que não perguntar ao Oráculo? – sugeriu a rainha Jocasta. Oráculo era o nome dado a uma sacerdotisa capaz de prever o futuro e, também, de responder a qualquer pergunta. Assim que a rainha fez a sugestão, Laio se perguntou por que ele mesmo nunca tinha pensado no Oráculo. – Ótima ideia, querida – disse ele. – Farei isso já. Ora, se o rei Laio tivesse procurado o Oráculo antes, teria tido uma surpresa desagradável. Na verdade, a Esfinge estava ali por culpa exclusiva de Laio, embora ele não soubesse.
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Batalhas e Monstros Pouco tempo antes, Laio havia estado com um amigo e ficara fascinado por seu filho. Na verdade, chegara a ponto de levar consigo o garoto, Crisipo, e mantê-lo como escravo no seu palácio em Tebas. Em dado momento, Crisipo se suicidara, e a história teria ficado nisso se não tivesse sido testemunhada por Hera, a rainha dos deuses. E para punir o rei Laio ela havia mandado a Esfinge para Tebas. Mas o rei Laio nunca consultou o Oráculo e nunca ficou sabendo disso. Pois, guiando sua carruagem pela estrada, ele cruzou com um jovem que estava a caminho de Tebas para desafiar a Esfinge. A estrada era estreita e não havia espaço suficiente para os dois passarem. Eles trocaram insultos, e o rei Laio passou com a carruagem por cima dos pés do jovem, que tinha temperamento violento e revidou, golpeando o estômago do rei com a lança antes de seguir seu caminho. O jovem se chamava Édipo e tinha um temperamento difícil. Apesar disso, não era má pessoa. Na verdade, queria ser herói, mas não sabia como consegui-lo. De qualquer maneira, estava agora nos arredores de Tebas, enfrentando a Esfinge.
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Anthony Horowitz – Pare onde está! – a Esfinge exclamou. – Se tem amor à vida, diga-me qual criatura tem quatro pernas de manhã, duas pernas à tarde e três pernas à noite. Édipo começou a pensar sobre a questão, enquanto a Esfinge lambia os beiços e preparava as garras. Entretanto, dessa vez ela não teve tanta sorte. – Já sei! – Édipo disse, finalmente. – A resposta é o homem. Pela manhã, quando é bebê, ele engatinha; na tarde da sua vida, anda sobre duas pernas; e, quando está velho, à noite, ele caminha com uma bengala. Quando a Esfinge se deu conta de que o enigma finalmente havia sido desvendado, ficou vermelha de raiva. Sua cabeça de mulher gritou, seu corpo de leão se contorceu, as penas das suas asas de águia caíram e seu rabo de serpente murchou. Por fim, ela saltou no ar e explodiu. E foi esse o seu fim. Já Édipo, como recompensa, recebeu a coroa de Tebas e se casou com a rainha Jocasta. Nem por um minuto ele suspeitou que, na verdade, a rainha era sua mãe, que havia muito tempo perdera de vista, e que o homem que matara na estrada era, na realidade, seu pai... Mas essa é, definitivamente, outra história.
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