Os Ignorantes

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Étienne Davodeau

OS IGNORANTES Relato

de

duas

iniciações

Tradução

Monica Stahel



Se entendi bem, para fazer um livro você quer vir trabalhar de graça nos meus vinhedos... É isso? Também quero que você me explique o que acontece na sua adega e me inicie na degustação. E não é só isso.

Em troca, você vai descobrir a história em quadrinhos, a HQ. Vou lhe trazer livros. Vamos visitar autores... e produtores de vinho. Vai ser uma amolação, hein... Vou ficar no seu pé durante meses. Vai tomar seu tempo. Se é para fazer, vamos fazer direito... Então pense por alguns dias antes de me responder.

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Pronto. Já pensei.

Vamos começar. Prove estes quatro vinhos. E me fale das diferenças e das semelhanças entre eles.

Quanto às videiras, vamos começar pela poda... Vista roupas quentes.

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CAPÍTULO UM

ENTÃO, A PODA (E UMA IMPRESSÃO BELGA)



Primeiro, você precisa saber que a videira é uma liana.

Liana?

Pois é. É da família das lianas. É preciso escorá-la, senão ela escapa e acabou-se.

Mas podar não é cortar de qualquer jeito. É preciso organizar o pé da videira. Agora, no inverno, ele está adormecido. Mas imagine no verão, entendeu?

Hmm... 7


É só isso?

É preciso prever o trajeto da seiva. E também dar à planta uma forma harmoniosa, bem arejada, para que ela apanhe vento e sol.

Não.

A gente deixa quatro ou cinco nós, nada mais.

Uma coisa importante: tentar dar ao pé uma forma de castiçal, bem no eixo da fileira...

isso. corte enviesado. sempre.

Entendeu? Vamos lá, mãos à obra! Assim? ... para o trator não o estragar quando passar.

vamos lá. vamos fazer quatro fileiras antes do meio-dia.

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é, bom, vamos ver.


de quando são as suas videiras?

é mais animador do que a sua prancheta, não é?

foram plantadas nos anos sessenta...

ha ha ha!

temos a mesma idade...

são contemporâneas nossas, então... ah é, são mesmo!

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ha ha ha!

nunca tinha pensado nisso!


vamos lá. como ontem: quatro fileiras de manhã...

três hectares? quinze mil pés. animador, sim.

ei! o que foi? mais ou menos três meses. de janeiro a março, por aí.

quanto tempo você leva pra podar tudo isso sozinho?

ha ha ha! estou reconhecendo o que você podou ontem!

muito comprido clac

muito comprido clac

e este aqui? ho ho ho! forma bem original... é mesmo tudo bem.

muito comprido clac

ah, este aqui também é esquisito!

curto demais. não vai dar uva este ano.

haha! e este, então?! ooooo olha só... ah, olha aqui um que foi podado muito curto...

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bom. vamos começar?


mijando nas tuas videiras? muito bem!

tenta não fazer isso muitas vezes. preciso ganhar a vida.

assim elas me reconhecem.

e aí, vovô?

se nos der mais um ou dois cachos este ano, já está bom demais.

você não tem muito mais a dizer, né...

vamos lá... vamos tentar assim... 11


3 de março de 2010. meu livro anterior, segundo volume de “lulu mulher nua”, vai ser publicado. arranco richard das vinhas dele.

rumo a tournai, bélgica.

acompanhamos fabien, chefe de produção do meu editor.

os autores vêm sempre com você à gráfica? não, só os que fazem questão.

os mais chatos, né?

ha ha ha!

apresento meu amigo ao pessoal que nos recebe.

senhores, as máquinas estão à sua espera. começamos pela capa?

vinicultor? interessante. aqui não recebemos muitos vinicultores. pois aqui está um.

como sempre!

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não ficou ruim, não é?

é... talvez um pouco vermelho...

posso visitar? claro. vamos ficar nessa máquina com fabien e étienne. até já... absorvido pelos acertos do meu livro, esqueço um pouco o vinicultor.

ele perambula pela oficina barulhenta.

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ele observa o circuito alucinado e preciso do papel.

sente o cheiro quente das tintas.

ouve as explicações dos operadores das máquinas. então, em que pé vocês estão?

em suma, é dia de turismo industrial.

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vamos passar para esta outra máquina para os acertos do primeiro caderno. a impressão é feita em cadernos de dezesseis páginas. este livro tem oitenta páginas.

estamos assinando a prova final de impressão da capa. o quê? a prova final de impressão é a folha cujas regulagens servirão de referência para toda a tiragem da capa.

portanto, cinco cadernos. é isso aí.

pronto, assinado!

deve ser possível realçar a luz desta cena, não é?

nesta mesa é o ajuste das cores?

hmm... podemos tentar levantar os amarelos e um pouco os vermelhos.

é isso. aqui eu levanto um pouco as cores.

principalmente os amarelos, na minha opinião.

deixamos a máquina entintar um pouco. aí imprimimos uma folha...

e vemos a diferença. está melhor, o que você acha, richard?

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está vendo esses pontinhos? são azuis, vermelhos ou amarelos. são as cores primárias. e mais o preto. o olho mistura todas elas e enxerga o espectro todo.

mmm... não vejo diferença. posso olhar com essa sua lupa? isto se chama conta-fios!

é, veja só!

quando um caderno entra em máquina, a gente mata o tempo numa salinha, esperando a impressão ficar pronta.

batemos papo, comparamos os vários livros de quadrinhos impressos aqui.

estão esperando vocês para o segundo caderno. depois vamos almoçar. conheço um excelente bar de vinhos na cidade!

entrou o segundo caderno.

perfeito. temos duas horas até o terceiro!

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esse senhor é vinicultor. é ele que vai escolher o vinho. é bom ele trabalhar um pouquinho, mesmo.

vinicultor? onde fica seu estabelecimento?

vins

grmbll... não, este não vamos tomar, tenha dó... nem este, não vamos apelar...pfff... este? também não... não se preocupe, ele é sempre assim.

nas encostas do layon, na frança... vamos ver esta carta. posso perguntar seu nome?

ah, bom?

leroy. richard leroy.

vins vins

ora, richard, não vamos ficar a tarde toda aqui...

pronto, pronto... me falaram bem deste. vamos experimentar.

o vinho é bom. a comida também. conversamos sobre nossos respectivos trabalhos...

certo, obrigado.

vins

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o senhor ĂŠ richard leroy?

nĂŁo acredito!

o dono do restaurante.

os colegas vinicultores! as melhores safras... e o projeto do livro que tambĂŠm explicamos!

o sommelier o avisou. o loire! montbenault! les rouliers!

tomam um trago. cumprimentam-se. voltaremos!

numa estante do restaurante, encontram outro livro sobre os vinicultores independentes, acham uma foto de richard, mais jovem, sem seu agasalho de inverno. nada a ver com o druida hirsuto que levei atĂŠ eles.

temos que ir, senhores!

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vai fazer vinte anos que publico livros e nunca tive oportunidade de ver isso...

... principalmente se quiserem ver a oficina de encadernação.

você não é nada curioso.

por favor.

recém-chegados da gráfica, os cadernos de um livro (que não é o meu) deslizam pelas esteiras. têm o aspecto, meio ridículo, de cachorros molhados. então, sem aviso prévio, numa curva, dão de encontro com a folha dupla da capa cartonada, em que se abrigam.

e pronto. empilhado, embalado, ele desaparece rumo a seu destino, que esperamos ser as mãos de um leitor.

objeto autônomo, permanente, e, em suma, um pouco mágico, de repente o livro está ali, debaixo dos nossos olhos.

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diga uma coisa, eu estava olhando todos aqueles grandes rolos de papel...

de volta à gráfica. terceiro caderno liberado.

é tudo para o seu livro?

isso? é, sim. quase tudo.

e daí?

não sei.

e nesses cestos de lixo? são os cadernos jogados durante os ajustes? são milhares. perdão, árvores.

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o táxi aqui está um exemplar chegou! de cada caderno impresso hoje. até logo obrigado... a todos! e parabéns!

o tgv para paris é por ali. vou indo. quando os livros chegarem ao escritório, mando um para você.

uffffa... na gráfica faz mais barulho do que em montbenault. estou com as orelhas estourando.

até logo, o nosso chefe de é por produção! ali!

então, gostou da visita?

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não é por nada, mas temos que podar a vinha!

hein?


ah, bom, é diferente. achei muito interessante ver a precisão daqueles caras.

até hoje, a única oportunidade que tive de entrar numa gráfica foi por causa dos rótulos das minhas garrafas...

é até de supor que os ajustes mais minuciosos que você pediu nenhum leitor vai enxergar, não é?

e então?

mas eu enxergo!

quando entrego minhas páginas ao impressor, já dediquei a elas um ano e meio da minha vida, ou mais.

não é que eu seja pretensioso, mas é meu trabalho. eles são as primeiras pessoas a interferir nele... e essa interferência é definitiva...

desenhos, cores, fiz tudo com estas mãozinhas...

por isso faço questão de aprovar as provas finais pessoalmente.

montbenault. compreendo perfeitamente...

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... para a natureza.

... queremos fazer tudo para ter nas mãos o controle do nosso trabalho, pelo maior tempo possível...

toma. obrigado.

é: saber exatamente o que queremos, mas deixar as coisas acontecerem.

... mas, ao mesmo tempo, deixar espaço para o acaso, o imprevisto...

falando assim, parece coisa de psicopata!

hahaha! é isso que nós somos!

vamos, mãos à obra.

hopopop! cuidado... cuidaaaaado!

veja! estamos podando o topo da colina! são as videiras que dão o que há de melhor em montbenault. tem que ser uma poda im-pe-cá-vel!

“o topo”, “o topo”... também não são as grandes jorasses... 23

o que foi agora?


ah, cacete, fora de gozação! não está sentindo o vento? estamos em pleno sudoeste! aqui tem sol e vento o ano todo!

montbenault é um terroir com ventilação impecável. meu vinhedo está sempre bem, mesmo com sol intenso. no verão ele bate forte nesses pedregulhos, sabia?

por que está me olhando desse jeito?

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o que estou olhando, o que me intriga e tento compreender é o que liga aquele cara ao seu vinhedo.

é muito mais do que a história de uma terra cadastrada e de seu proprietário.

aos olhos de richard, montbenault é uma entidade viva e complexa da qual ele é companheiro atento e parceiro exigente.

o que meus olhos veem é a singular fusão entre um indivíduo e um pedaço de rocha batido pelos ventos.

na semana passada, richard recebeu uma visita...

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frequentemente ele recebe cavistas, importadores estrangeiros ou donos de restaurantes.

aqueles vinham da espanha. carro esporte e roupas de cidade.

estoicos em meio à bise cortante, os espanhóis o ouviram cantar as glórias de suas pedras.

será possível falar de vinho sem falar de terra? claro que não! richard ruma para rugi, direção de le coteau.

riólito, senhores!

riólito é rocha vulcânica! aqui estamos sobre a era primária!

entre duzentos e cinquenta e quinhentos e quarenta milhões de anos! já imaginaram?

e pouca gente sabe, mas aqui...

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... estamos à beira de uma das falhas mais orientais do maciço armoricano... os últimos seixos bretões!

e isso é excelente para o amadurecimento da uva!

o fantástico é que à noite o riólito propaga muito bem o calor...

estão entendendo?

si, si...

então, para evitar que pegassem uma pneumonia, a aula foi abreviada e descemos à adega para degustar os vinhos.

ficamos um tempão falando do solo, do céu, do sol e do vento. os espanhóis estavam roxos de frio.

este rio é a fronteira. estamos deixando o maciço armoricano e chegando aos aluviões da bacia parisiense.

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então é isto: para fazer vinho, antes da uva, antes da vinha, é preciso considerar a terra.

trata-se então de considerar o vinho como um vínculo, forte e misterioso, entre a terra e o homem.

não misture muita metafísica nessa história. é um projeto bem concreto: nos dar de beber um vinho que fala da terra ao nosso corpo.

estou pensando na nossa visita à gráfica. o difícil para você é o momento em que, pela primeira vez, seu trabalho depende do trabalho dos outros...

enfrento isso na hora de escolher tonéis para o meu vinho... digo isso porque um toneleiro acabou de me convidar para visitar sua oficina, na região do gers...

gostaria de vir junto?

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