Rudyard Kipling
Mogli
o Menino Lobo
Mogli, o Menino Lobo
Essas três histórias sobre o Menino Lobo, publicadas há mais de um século em O Livro da Selva, continuam encantando crianças e adultos. Elas contam como Mogli foi criado pelos lobos, as lições de vida que recebeu de Balu, o urso, de Baguera, a pantera-negra, e de Kaa, a cobra píton. Com belíssimas ilustrações do mexicano Gabriel Pacheco, este é um livro para guardar para sempre!
Rudyard Kipling Ilustrações de Gabriel Pacheco Tradução de Monica Stahel
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Os irm達os de Mogli
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São Paulo 2016
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As três histórias que compõem esta obra foram extraídas do livro THE JUNGLE BOOK, publicado originalmente em inglês, em 1894. Copyright © 2013, Gabriel Pacheco para as ilustrações. As ilustrações foram negociadas através da Sea of Stories Literary Agency, www.seaofstories.com, sidonie@seaofstories.com. Copyright © 2016, EDITORA WMF MARTINS FONTES LTDA., São Paulo, para a presente edição. Todos os direitos reservados. Este livro não pode ser reproduzido, no todo ou em parte, armazenado em sistemas eletrônicos recuperáveis nem transmitido por nenhuma forma ou meio eletrônico, mecânico ou outros, sem a prévia autorização por escrito do editor. 1ª. edição 2016 Tradução Monica Stahel Acompanhamento editorial Fabiana Werneck Barcinski Revisões gráficas Maria Luiza Favret e Ana Paula Luccisano Edição de arte e projeto gráfico Katia Harumi Terasaka Produção gráfica Geraldo Alves Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Kipling, Rudyard, 1865-1936. Mogli, o Menino Lobo / Rudyard Kipling ; ilustrações de Gabriel Pacheco ; tradução de Monica Stahel. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2016. Título original: The jungle book. ISBN 978-85-469-0040-4 1. Literatura infantojuvenil I. Pacheco, Gabriel. II. Título. 16-01402
CDD-028.5 Índices para catálogo sistemático:
1. Ficção : Literatura infantojuvenil 028.5 2. Ficção : Literatura juvenil 028.5 Todos os direitos desta edição reservados à Editora WMF Martins Fontes Ltda. Rua Prof. Laerte Ramos de Carvalho, 133 01325-030 São Paulo SP Brasil Tel. (11) 3293-8150 Fax (11) 3101-1042 e-mail: info@wmfmartinsfontes.com.br http://www.wmfmartinsfontes.com.br
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S u m á rio
Os irmãos de Mogli 09 • Canção de caça da Alcateia de Seeonee 37 •
A caçada de Kaa 39 • Canção da estrada dos Bandar-log 68 •
Tigre! Tigre! 71 • Canção de Mogli 92 •
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OS IRMÃOS DE MOGLI
Chil o abutre traz a noite agora Que Mang o morcego libertou em boa hora... O rebanho está no estábulo, trancado, E nós soltos até o amanhecer. Esta é a hora de orgulho e poder, Garras, unhas, luta acirrada, E de toda parte vem o chamado: É a lei da selva! Vamos à caçada! Canção noturna da selva
Eram sete horas de uma noite muito quente nas montanhas Seeonee quando o Pai Lobo acordou de sua soneca da tarde, se coçou, bocejou e esticou as patas, uma a uma, para espantar a sonolência. A Mãe Lobo estava deitada com o enorme focinho cinzento pousado sobre seus quatro filhotes, que guinchavam e se enroscavam uns nos outros. E o brilho da Lua entrava pela porta da caverna onde eles moravam. – Arrr! – disse Pai Lobo. – Está na hora de caçar de novo. E ele já ia correr montanha abaixo quando um pequeno vulto de rabo peludo cruzou a entrada, ganindo: 9
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– Boa sorte para você, ó Chefe dos Lobos. Boa sorte e dentes brancos e fortes para seus nobres filhotes, que eles nunca se esqueçam da fome que vai pelo mundo. Era o chacal, Tabaqui, o Lambe-pratos. Os lobos da Índia desprezam Tabaqui porque ele sempre prega peças, conta mentiras e come sobras e pedaços de couro dos montes de lixo da aldeia. Mas também têm medo dele porque Tabaqui, mais do que qualquer outra criatura da selva, é capaz de enlouquecer e, então, sem temer ninguém, corre pela floresta mordendo tudo o que encontra pelo caminho. Até o tigre sai correndo para se esconder quando o pequeno Tabaqui tem seus acessos, pois a loucura é a maior desgraça que pode atingir uma criatura selvagem. Chamamos isso de hidrofobia, mas na selva chamam a loucura de dewanee, e todos correm dela. – Entre, então, e veja – disse Pai Lobo, cerimonioso. – Mas aqui não temos comida. – Não para lobos – disse Tabaqui –, mas, para um ser humilde como eu, um osso seco já é um bom banquete. Quem somos nós, os Gidurlog, a raça dos chacais, para querer escolher? – Ele correu até o fundo da caverna, onde encontrou um osso de veado ainda com um pouco de carne, e sentou roendo a ponta todo feliz. – Muito obrigado por esta boa refeição – agradeceu, lambendo os beiços. – Como são lindos seus nobres filhotes! Que olhos grandes! E tão novinhos! Certo, certo, eu deveria ter lembrado que os filhos dos reis já nascem prontos! Ora, Tabaqui sabia, como todo o mundo sabe, que não há nada mais prejudicial do que elogiar crianças na presença delas, e gostou de ver Mãe Lobo e Pai Lobo parecendo tão incomodados. Tabaqui ficou quieto, desfrutando o desconforto que tinha provocado. Depois disse, com malícia: – Shere Khan, o grande, mudou seu território de caça. Disse que na próxima Lua vai caçar entre estas montanhas. 10
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Shere Khan era o tigre que vivia perto do rio Waingunga, a trinta milhas dali. – Ele não tem esse direito! – Pai Lobo começou, zangado. – Pela Lei da Selva ele não tem direito de mudar seu território de caça sem avisar. Vai assustar todas as presas num raio de dez milhas... E esses dias tenho de caçar por dois. – Não é para menos que a mãe lhe deu o nome de Lungri (o manco) – disse Mãe Lobo, baixinho. – Ele manca de uma perna desde nascença. Por isso só mata gado. Os aldeões de Waingunga estão furiosos com ele, e veio para cá para enfurecer os nossos. Vão vasculhar a selva para achá-lo e ele estará longe, e nós vamos ter de correr com nossos filhotes quando a mata pegar fogo. Com certeza temos muito o que agradecer a Shere Khan! – Quer que transmita a ele sua gratidão? – disse Tabaqui. – Fora daqui! – esbravejou Pai Lobo. – Vá embora caçar com seu patrão. Você já causou muita confusão esta noite. – Já vou – disse Tabaqui, tranquilamente. – Já podemos ouvir Shere Khan na mata. Nem vou precisar dar o recado. Pai Lobo prestou atenção e, lá embaixo, no vale que ia dar num riacho, ouviu o ganido seco, raivoso, mal-humorado e monótono de um tigre que não conseguiu apanhar nada e fazia questão de que toda a selva ficasse sabendo disso. – Que tolo! – disse Pai Lobo. – Começar o trabalho noturno com essa barulheira! Será que ele acha que nossos veados são como aqueles bois gordos de Waingunga? – Psiu! Esta noite ele não está caçando nem veado nem touro – disse Mãe Lobo. – Está caçando gente! O ganido tinha se transformado numa espécie de rosnado que parecia vir de todos os lados. Era o ruído que transtorna lenhadores e ciganos que dormem ao relento, e muitas vezes os faz correr direto para a boca do tigre. – Gente – falou Pai Lobo, mostrando os dentes brancos. – Ora essa! Já não há besouros e sapos suficientes nas lagoas para ele ter de devorar homens? E no nosso território! 11
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A Lei da Selva, que nunca decreta nada sem razão, proíbe os animais de devorar homens, a não ser que seja para ensinar os filhotes a matar, e nesse caso devem fazê-lo fora do território do seu grupo ou da sua tribo. A verdadeira razão disso é que matar gente significa a chegada, mais cedo ou mais tarde, dos homens brancos montados em elefantes com armas de fogo e centenas de homens marrons com gongos, rojões e tochas. Então todos os seres da selva sofrem. A razão que os animais alegam é que o homem é o mais fraco e indefeso de todos os seres vivos, e tocar nele é indigno. Também dizem, e é verdade, que devoradores de homens perdem a força e os dentes. O rosnado se tornou mais alto e acabou se transformando num “Aaargh!” a plenos pulmões, sinal de ataque do tigre. Depois veio um uivo, um uivo que nem parecia de tigre, menos ainda de Shere Khan. – Errou! – disse Mãe Lobo. – O que será? Pai Lobo saiu, deu alguns passos, e ouviu Shere Khan resmungando e murmurando com raiva, andando aos tombos pelo mato. – O tolo fez a loucura de pular em cima de uma fogueira de lenhadores e queimou as patas – falou Pai Lobo, com um grunhido. – Tabaqui está com ele. – Alguma coisa está subindo a montanha – disse Mãe Lobo, erguendo as orelhas. – Prepare-se. O mato farfalhou e Pai Lobo sentou-se sobre as ancas preparado para saltar. Quem estivesse observando, teria visto a coisa mais maravilhosa do mundo: o lobo interrompeu o salto no meio. Tinha dado o bote antes de ver sobre o que estava avançando, e então tentou se deter. Elevou-se a uma altura de mais de dois metros e foi aterrissar quase no mesmo lugar de onde tinha-se lançado. – Homem! – exclamou. – Um filhote de homem! Vejam! Bem à sua frente, apoiando-se num galho baixo, estava um menininho nu, de pele marrom, que mal sabia andar. Era uma coisinha macia e cheia de 12
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covinhas, como nunca tinha aparecido igual numa caverna de lobos à noite. Ele ergueu os olhos para o rosto do Pai Lobo e riu. – Isso é filhote de homem? – perguntou Mãe Lobo. – Nunca vi nenhum. Traga-o aqui. Um lobo, acostumado a carregar os próprios filhotes, consegue, se necessário, abocanhar um ovo sem quebrá-lo. Pai Lobo agarrou o menino pelas costas com a mandíbula e o colocou entre seus filhotes, sem que seus dentes lhe provocassem nenhum arranhãozinho na pele. – Que pequenino! Como ele é pelado e... ousado! – disse Mãe Lobo, baixinho. O bebê abria caminho entre os lobinhos para se aconchegar no quentinho. – Veja, ele está se alimentando com os outros. Então filhote de homem é assim... Será que algum lobo já pôde se gabar de ter um filhote de gente entre seus filhos? – Já ouvi falar disso uma vez ou outra, mas não na nossa alcateia nem na nossa época – disse Pai Lobo. – Ele também não tem cabelo, e eu seria capaz de matá-lo com um toque da minha pata. Mas repare como ele olha para cima sem medo. A luz da Lua se apagou na caverna, pois a cabeçona quadrada e os ombros de Shere Khan se aproximaram da entrada e a bloquearam. Atrás dele, Tabaqui guinchava: – Senhor, ele entrou aqui, senhor! – Shere Khan nos dá muita honra – disse Pai Lobo, mas seu olhar era de fúria. – Shere Khan está precisando de alguma coisa? – Minha presa. Um filhote de gente veio para cá – falou Shere Khan. – Seus pais fugiram. Entreguem-no para mim. Shere Khan tinha pulado na fogueira de um acampamento de lenhadores, conforme Pai Lobo contara, e estava enfurecido de dor nas patas queimadas. Porém Pai Lobo sabia que a abertura da caverna era muito estreita para um tigre conseguir entrar nela. Os ombros e as patas dianteiras de Shere Khan estavam entalados, como ficaria um homem que tentasse entrar num barril. 13
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– Os lobos são um povo livre – disse Pai Lobo. – Aceitam ordens apenas do chefe da alcateia, e de nenhum matador de gado, cheio de listras. O filhote de homem é nosso, e podemos até matá-lo, se quisermos. – Que história é essa de querer ou não querer? Depois do touro que matei, será que sou obrigado a ficar metido nessa sua toca de cachorro para obter o que é meu por direito? Sou eu, Shere Khan, que estou falando! O rugido do tigre ecoou na caverna como um trovão. Mãe Lobo saiu do meio dos filhotes e se adiantou com um salto. Seus olhos, parecendo duas luas verdes no meio da escuridão, encararam os olhos incandescentes de Shere Khan. – E sou eu, Raksha, o demônio, que estou respondendo: o filhote de homem é meu, Lungri, muito meu! Ele não vai ser morto. Vai viver para correr e caçar com a alcateia, e no fim, veja bem, seu caçador de filhotes nus, comedor de sapos, matador de peixes, ele vai caçar você! Agora vá embora ou, pelo veado que matei (pois não como gado faminto), volte para o fantasma da sua mãe, fera queimada da selva, mais manco do que chegou ao mundo! Vá! Pai Lobo olhava, estupefato. Tinha quase esquecido os dias em que tinha conquistado Mãe Lobo em luta justa contra cinco outros lobos, quando ela corria com a alcateia e não por acaso era chamada de demônio. Shere Khan poderia até ter enfrentado Pai Lobo, mas não conseguiria reagir contra Mãe Lobo, pois sabia que, naquelas condições, ela levava vantagem e lutaria até a morte. Então ele se desentalou da porta da caverna, resmungando, e, quando se viu livre, gritou: – Cada cão ladra em seu próprio quintal! Vamos ver o que seu bando vai dizer dessa adoção de filhotes de homem. O filhote é meu e vai acabar entre meus dentes. Seus ladrões, rabos felpudos! Mãe Lobo, ofegante, voltou a deitar entre os filhotes, e Pai Lobo lhe falou, seriamente: – Shere Khan disse uma verdade. O filhote precisa ser apresentado à alcateia. Quer mesmo ficar com ele, Mãe? 14
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– Ficar com ele! – ela disse, arquejando. – Ele chegou nu, à noite, sozinho e faminto, mesmo assim não teve medo! Veja, já se acomodou empurrando um dos meus bebês para o lado. E aquele carniceiro manco o teria matado e fugido para o Waingunga, enquanto os aldeões vasculhariam todas as nossas tocas em busca de vingança! Ficar com ele? Certamente vou ficar com ele. Fique tranquilo, sapinho. Ó Mogli, pois vou chamá-lo de Mogli, o sapo, um dia você há de caçar Shere Khan, assim como ele caçou você. – Mas o que dirá nosso bando? A Lei da Selva estabelece muito claramente que todo lobo, ao se casar, deve se retirar da alcateia a que pertence, mas, assim que seus filhotes tiverem idade suficiente para se manter em pé, deverão ser levados ao Conselho da Alcateia, que geralmente se realiza uma vez por mês, na lua cheia, para que os outros lobos possam identificá-los. Depois dessa verificação, os filhotes estarão livres para correr por onde quiserem, e, se um lobo adulto do bando matá-los antes que tenham matado seu primeiro veado, nenhuma desculpa será aceita. A punição será a morte, onde quer que o assassino seja encontrado. E, pensando bem, é preciso que seja assim. Pai Lobo esperou seus filhotes serem capazes de correr um pouco e então, na noite da reunião da alcateia, levou-os junto com Mogli e Mãe Lobo à Pedra do Conselho, o topo de uma montanha coberto de pedras e seixos, onde dava para uma centena de lobos se esconder. Akela, o grande lobo solitário cinzento, que dirigia o bando com força e astúcia, estava instalado em sua pedra. Abaixo dele havia quarenta lobos ou mais, de todos os tamanhos e cores, desde veteranos pardos, que davam conta sozinhos de um veado, até jovens pretos de três anos de idade que se achavam capazes do mesmo feito. O Lobo Solitário os governava havia um ano. Quando jovem, tinha caído duas vezes numa armadilha, e certa vez fora espancado e largado quase morto. Então ele conhecia os modos e costumes dos homens. Na Pedra pouco se falava. Os filhotes se enroscavam uns nos outros no centro do círculo que 15
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