s o h n i quadr
s o h n i r d a qu história MoDerna De uMa arte global D e 196 8 a t é o s d i a s d e h o j e com 289 ilustrações, 125 coloridas
Tradução
Marilena Moraes Revisão técnica
Waldomiro Vergueiro
Dan Mazur & alexanDer Danner são paulo 2014
suMÁrio
7
PreFÁCio
10
introDuÇÃo
CAPÍTULO 05
78
a GARO e o MangÁ alternatiVo A GARO E O MANGÁ WATAKUSHI CAPÍTULO 06
88
tezuKa CAPÍTULO 07
92
L’AGE ADULTE: PILOTE E QUADRINHOs ACADÊMICOs • FANTAsIA E FORMALIDADE • FUMETTI D’AUTORE • A CONEXÃO ARGENTINA
Parte uM
1968-1978 Esta obra foi publicada originalmente em inglês com o título comics – a global history, 1968 to thE prEsEnt por thames & hudson Esta edição foi publicada por acordo com a thames & hudson, londres. copyright © 2014 thames & hudson ltd, london todos os direitos reservados. Este livro não pode ser reproduzido, no todo ou em parte, nem armazenado em sistemas eletrônicos recuperáveis nem transmitido por nenhuma forma ou meio eletrônico, mecânico ou outros, sem a prévia autorização por escrito do Editor.
CAPÍTULO 08 CAPÍTULO 01
22
a noVa Cena eDitorial euroPeia L’ECHO DES SAVANES • MOEBIUs, FICÇÃO CIENTÍFICA E O METAL GRITANTE • O UNDERGROUND EUROPEU E O INGLÊs • MUNDO DOs LIVROs: FUTUROPOLIs • QUADRINHOs COMO ARTE MAIOR: OVELHAs DEsGARRADAs E PRECURsOREs
CAPÍTULO 02
44
QuaDrinhos MainstreaM norte-aMeriCanos ALVORECER DOs ANOs 1970: A ARMADILHA DO sUPER-HERÓI • ROMPIMENTO COM O MODELO: NEAL ADAMs • A LUTA PELA LIBERDADE CRIATIVA: O REINO LIVRE DE KIRBY • RUMO À GRAPHIC NOVEL: A “FICÇÃO PICTÓRICA” DE GIL KANE
1ª. edição 2014
CAPÍTULO 03
52
QuaDrinhos MainstreaM norte-aMeriCanos: uMa noVa geraÇÃo Os CORAJOsOs TRADICIONALIsTAs: VELHAs FONTEs, NOVAs ATITUDEs • QUADRINHOs GROUND-LEVEL: O ENCONTRO ENTRE O MAINsTREAM E O UNDERGROUND
ISBN 978-85-7827-792-5
CAPÍTULO 04
Impresso na China todos os direitos desta edição reservados à Editora WMF Martins Fontes Ltda. rua prof. laerte ramos de carvalho, 133 01325-030 são paulo sp brasil tel. (11) 3293-8150 Fax (11) 3101-1042 e-mail: info@wmfmartinsfontes.com.br http://www.wmfmartinsfontes.com.br
o unDergrounD e o Que Veio DePois
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ROBERT CRUMB • A DIVERsIDADE UNDERGROUND • O FIM? • O PÓs-UNDERGROUND E QUADRINHOs DE NÃO FICÇÃO
copyright © 2014, Editora WmF martins Fontes ltda., são paulo, para a presente edição.
Tradução marilena moraes Revisão técnica Waldomiro Vergueiro Acompanhamento editorial márcia leme Revisões gráficas letícia braun, sandra garcia cortes, malu Favret e ana maria de o. m. barbosa Paginação moacir Katsumi matsusaki
L’AGE ADULTE na BANDE DESSINÉE e outros QuaDrinhos euroPeus
62
MangÁ MainstreaM MANGÁ SHONEN • MANGÁ SEINEN • MANGÁ SHOUJO
Parte Dois
1978-1990 CAPÍTULO 09
130
A SUIVRE e a inVasÃo bÁrbara BANDE DESSINÉE ROMANESQUE: MODELOs LITERÁRIOs E TRANCHES DE LA VIE • ABsURDO CEREBRAL E HUMOR NEGRO ORIGINAL • NOUVEAU RÉALISME • O RETORNO DA LIGNE CLAIRE: “LA FIN DE LA BANDE DESSINÉE ADULTE”
CAPÍTULO 10
154
CAPÍTULO 18
NOVAS TENDÊNCIAS NOS QUADRINHOS ITALIANOS E ESPANHÓIS
276
ITÁLIA: Os NOVOs FUMETTI ADULTOs • EsPANHA: LINEA CHUNGA E NEOTEBEO
ALTERNATIVA COMERCIAL E POLINIZAÇÃO CRUZADA INTERNACIONAL • BREVE HIsTÓRIA DO MANHWA COREANO • LA NOUVELLE BANDE DESSINÉE • A EDITORA COCONINO E Os QUADRINHOs ALTERNATIVOs ITALIANOs • MINIMALIsMO NOs CARTUNs E REVIVAL DO “BIG HEAD”
CAPÍTULO 11
164
REBELDES MAINSTREAM NOS ESTADOS UNIDOS E NA INGLATERRA 2000 A.D. E O RENAsCIMENTO DA FICÇÃO CIENTÍFICA • DE CHRIs CLAREMONT A FRANK MILLER: HIsTÓRIAs MAIs LONGAs, TEMAs MAIs sOMBRIOs • A INVAsÃO INGLEsA, A PRIMEIRA ONDA
PARTE TRÊS
a Partir De 1990 CAPÍTULO 14
214
CAPÍTULO 12
180
O ALVORECER DA GRAPHIC NOVEL, A GERAÇÃO RAW E OS COMIX PUNK O ALVORECER DA GRAPHIC NOVEL • A RAW E Os NOVOs QUADRINHOs ALTERNATIVOs • Os EDITOREs INDEPENDENTEs sUBVERsIVOs E Os “NEWAVE MINICOMIX” • QUADRINHOs ALTERNATIVOs EM JORNAL CAPÍTULO 13
198
228
O CRESCIMENTO DO REALISMO NO MANGÁ
O DECLÍNIO DAs sÉRIEs E O NAsCIMENTO DO MOVIMENTO GRAPHIC NOVEL • HIsTÓRIAs REAIs (E QUAsE REAIs) • A ERA DE OURO DAs GRAPHIC NOVELS PARA JOVENs ADULTOs • DIsTRIBUIÇÃO DEMOCRATIZADA: As WEBCOMICs
310
notas
CAPÍTULO 15
311
bibliograFia
313
ÍnDiCe De CriaDores
316
ÍnDiCe De obras
319
CréDitos Das ilustraÇões
320
agraDeCiMentos
QuaDrinhos alternatiVos norte-aMeriCanos Dos anos 1990
QuaDrinhos euroPeus nos anos 1990 A STRAPAZIN E A VANGUARDA sUÍÇO-ALEMÃ • A BANDE DESSINÉE MAINsTREAM: DEsTAQUEs EM UMA MONÓTONA PAIsAGEM UNIFORME • BANDE DESSINÉE ALTERNATIVA E DE VANGUARDA: L’AssOCIATION • EMPREENDIMENTOs sIMILAREs NO CONTINENTE CAPÍTULO 17
266
noVos ForMatos, noVas teCnologias, noVos PÚbliCos
sANDMAN E O NAsCIMENTO DA VERTIGO • O ALTERNATIVO INTERPRETA O MAINsTREAM • Os sUPERsTARs E O BOOM EsPECULADOR • DEsAFIOs PARA Os QUADRINHOs MAINsTREAM: DARK HORsE E IMAGE • QUADRINHOs DEsCOMPRIMIDOs, NOsTALGIA EsTILIZADA E AsPIRAÇÕEs CINEMATOGRÁFICAs
CAPÍTULO 16
246
CAPÍTULO 19
292
QuaDrinhos MainstreaM norte-aMeriCanos nos anos 1990
PUBLICAÇÃO INDEPENDENTE E O BOOM DO PRETO E BRANCO • ALTERNATIVOs DOs ANOs 1990: AUTOBIOGRAFIA E NOsTALGIA MELANCÓLICA • FORT THUNDER, HIGHWATER BOOKs E QUADRINHOs COMO ARTE
HIsTÓRIAs DIsTÓPICAs, IMAGENs REALÍsTICAs • AMOR TABU, ROMANCE ADULTO E O NAsCIMENTO DO JOSEI • MANGÁ ALTERNATIVO: GARO 1978-1990
QUADRINHOS NO SÉCULO XXI: UMA FORMA INTERNACIONAL DE ARTE
A BUSCA PELO MANGÁ “RESPEITÁVEL” O AUMENTO DO PAPEL DOs EDITOREs NA CRIAÇÃO • REssURGIMENTO E REINVENÇÃO DE GÊNEROs EM DECADÊNCIA • Os ÚLTIMOs DIAs DA GARO
Ao lADo
P. Craig Russell The Avatar and the Chimera Imagine n. 2 • 1978-1979 Russell demonstrava claramente seu interesse pelo design art nouveau, com seus personagens neoclássicos se movendo em ambientes saídos diretamente de Mucha ou Parrish. Russell continuou a adaptar óperas clássicas para quadrinhos, bem como os contos de oscar Wilde, entre outros. À DIReITA
Howard Chaykin Starbuck, Star Reach n. 4 • 1976 Chaykin usou a liberdade do formato alternativo de publicação para fazer experimentos com complexos leiautes e padronizações de páginas em preto e branco, e com um estilo de arte-final mais solto, apresentando pretos e brancos sólidos, influência de Alex Toth. Aqui ele cria um ritmo de fortes contrastes e padrões envolvendo o leitor visualmente em um push-and-pull de valores através de uma grade normal. Há também alusões a ilustradores anteriores, como as imagens de aventura de Howard Pyle e as glamourosas imagens de JC leyendecker.
oferecia aos criadores a vantagem de conservarem os direitos autorais de todo o material original. A maior parte da nova geração de artistas mais jovens da DC e da Marvel apareceu na star reach (e em imagine, o livro seguinte de Friedrich), incluindo Starlin, Smith, Howard Chaykin, P. Craig Russell e Frank Brunner, além de Neal Adams. Lee Marrs, da cooperativa underground Wimmen’s Comix, teve várias de suas histórias publicadas nas edições de Friedrich, tornando a Star Reach Press um dos raros locais onde o mainstream e o underground se encontravam. Chaykin, que começara como assistente de Gil Kane em blackmark, tinha recentemente conseguido que a DC publicasse uma série de sua autoria, nos cada vez mais populares gêneros espada e bruxaria e ficção científica fantasia. Escrevendo e desenhando o material de seu star reach, Chaykin desenvolveu o tipo de heróis rabugentos, fanfarrões, semissérios (em mundos retrô/futuristas), que se tornariam sua marca registrada. Seu Cody Starbuck é um pirata do espaço arrojado, e Chaykin aproveitou o ambiente de censura livre para empurrar o personagem para um nível de amoralidade exultante, o que teria sido impossível no setor comercial daquele tempo. Como Chaykin, P. Craig Russell trabalhou para ambas as editoras mainstream e para essa nova alternativa. Dono de um estilo notável, ele mostrou uma afinidade particular com os etéreos pintores pré-rafaelitas e uma inclina-
capítulo 03 • quadrinhos MainstrEaM nortE-aMEricanos: uMa nova gEração
59
04 MangÁ MainstreaM
No final dos anos 1960, a “revolta” gekiga tinha triunfado. Os jovens leitores de mangá dos anos 1950 e do início dos anos 1960 estavam crescendo e exigiam material mais maduro: mais corajoso e sexualizado, além de social e psicologicamente relevante para quem chegava à idade adulta. Para atender a essa demanda, os editores de Tóquio se inspiraram na outrora desacreditada indústria de baixo custo de mangá com sede em Osaka. Takao Saito¯, membro original do grupo gekiga, que vinha publicando revistas cheias de histórias de crime tipo noir para o mercado de lojas que alugavam livros, tinha se tornado um grande fornecedor da Weekly shonen magazine, o mangá mais vendido. Começando em 1966, a mesma revista teve um grande sucesso com a série de Shigeru Mizuki, gegege no Kitaro, sobre um morto-vivo, um rapaz meio-demônio que vive em um cemitério e luta contra demônios, que Mizuki tinha publicado primeiro no formato barato de capa feia feita de papelão, conhecido como akahon. Havia categorias diversificadas – a partir de uma divisão simples entre mangá shonen (para meninos) e shoujo (para meninas), mangá seinen (para rapazes) e mangá josei (para senhoras). As distinções eram imprecisas, às vezes, e a terminologia, inconstante. Enquanto a Weekly shonen magazine estava publicando material de influência gekiga, as revistas seinen se identificavam simplesmente pela palavra “mangá” (como em Weekly manga action), ou komikku, do inglês “comic”, como biggu Komikku. Mas os títulos shonen ainda eram os mais vendidos.
Kazuo Umezu Hyouryuu Kyoushitsu • 1972 A arte de Umezu tem uma qualidade primitiva; as figuras são rígidas e parecem congeladas para sempre em atitudes de terror, raiva e um árduo esforço, olhos e bocas abertos, cenhos franzidos. Mas, em situações de alta emoção, a estranheza de seu estilo visual resulta em imagens brutais de beleza e força grotescas.
MangÁ ShONEN
À medida que a economia japonesa melhorava espetacularmente, a televisão passou a ser concorrente dos mangás entre os mais jovens. Os editores responderam acelerando o cronograma de produção de mensal para semanal. O mangá shonen ficou mais colorido, com mais ação e mais provocador. O mangá gag, como tensai bakabon [idiota genial] (1967), de Fujio Akatsuka, ou Dame oyaji [isso não é legal, papai] (1970), de Mitsutoshi Furuya, oferecia um pastelão bizarramente amplo, irreverente e muitas vezes escatológico, enquanto os gêneros ação e drama tornaram-se mais sombrios e mais violentos, e os leiautes, ainda mais extravagantemente dinâmicos.
capítulo 04 • mangá mainstream
63
09 A SUIVRE e a inVasÃo bÁrbara
“As histórias começam com a história da humanidade. Jamais existiu um povo sem histórias… É por isso que a suivre se interessa pela história, em todas as suas formas.”1 Essas foram as primeiras palavras do primeiro editorial do primeiro número da revista em quadrinhos a suivre, lançada em fevereiro de 1978, e elas anunciavam o início de uma nova era nos quadrinhos franceses. Com o conceito de “bande dessinée adulte” firmemente estabelecido, criadores e editores agora buscavam mais legitimidade para o meio, situando-o no mundo da literatura, como o editorial deixava claro: “Com toda a sua densidade romanesca, a suivre será a invasão bárbara da bande dessinée na literatura.”2
Hugo Pratt (ARTe) e Etienne Robial (DeSIGN DA CAPA) capa, A Suivre n. 31-32 • 1980 As sofisticadas aventuras de Corto Maltese, narrativa longa de autoria de Hugo Pratt, inspiraram o lançamento da revista. etienne Robial, mais conhecido como cofundador da editora Futuropolis, era também o designer do logo da Métal Hurlant. ele deu o tom para a abordagem madura da bande dessinée em A Suivre, com seu logo e sua maquete elegantes.
Publicada mensalmente, a suivre tinha como atração narrativas em série que permitiam aos criadores expandir seus argumentos a um espaço romanesco, a um passo dos experimentos, às vezes indisciplinados, da primeira onda de quadrinhos adultos franceses, rumo a uma narrativa mais estruturada. “Verdadeiros romans en bande dessinée, divididos em capítulos”, afirmou um editorial3. (Mais tarde, naquele mesmo ano, foi lançada, nos Estados Unidos, a contract with god [Um contrato com Deus], de Will Eisner, um divisor de águas no movimento da graphic novel norte-americana, embora com menor impacto imediato que a suivre.) A revista rapidamente fez jus às suas promessas, atraindo os melhores talentos e oferecendo quadrinhos de alta qualidade, destinados a adultos, sem a ênfase em sexo e violência que caracterizava a métal hurlant, a l’Echo des savanes e a Fluide glacial. A Editora Casterman havia estabelecido um precedente de sucesso com a versão francesa de a balada do mar salgado [la ballade de la mer salée], de Hugo Pratt, editado como álbum, em 1975. Com sensibilidade adulta combinada aos prazeres da narrativa à moda antiga, com extensão-padrão de romance, serviu de modelo para a suivre. Outras aventuras de Corto Maltese foram publicadas como série na revista.
capítulo 09 • a suivre e a invasão bárbara
131
À DIReITA
nha durante os protestos estudantis de 1977 e suas consequências. A obra de Pazienza, como a de Crumb e Shelton, incorporava um Zeitgest geracional. A série seguinte de Pazienza, Zanardi, em que o humor da vida real muitas vezes cruza de forma abrupta a linha e dá em violência súbita nas aventuras de três jovens sem rumo − indelevelmente expressava a desilusão e a frustração na Bolonha pós-1977. A obra de Pazienza, vigorosa e elástica, desliza do realismo ao exagero do cartum, incorporando muitas vezes o imaginário da cultura pop. Ele dominava a capacidade inerente dos quadrinhos de misturar realismo, fantasia, crítica social e humor transgressor, mantendo-se acessível e cativante. Infelizmente, não foi apenas em seu trabalho que Pazienza encarnou o desespero da época; ele morreu em 1988, aos 32 anos, de uma overdose de heroína. Os outros membros do grupo cannibale/Frigidaire eram geralmente mais formais, em sintonia com o cinismo pós-moderno e o ecletismo irônico daqueles tempos. Em snake agent, Tamburini reescreveu uma antiga história em quadrinhos norte-americana (secret agent X-9 [agente secreto X-9], desenhada por Mel Graff nos anos 1940 e 1950), tendo-a submetido a distorções ao movimentar os originais pela superfície de uma fotocopiadora. As marcas fotográficas resultantes são explicadas pela capacidade de o protagonista acelerar o tempo, mas esse efeito supostamente “futurista”, criado a partir da desajeitada má
Andrea Pazienza Zanardi: La Prima Delle Tre • 1984 Pazienza foi influenciado pelos quadrinhos underground norte-americanos e Zanardi, com seu trio de adolescentes bolonheses amorais, foi um “Furry Freak Brothers” para a juventude italiana dos anos 1980, niilista e desiludida. “A principal característica de Zanardi é o vazio”, o artista explicou. “Um vazio absoluto que permeia todas as ações.”1 o negativismo foi reforçado pela incrível inventividade gráfica de Pazienza, como pode ser visto nas surpreendentes variações animadas de marcas, na mistura fluida de fantástico e real, e na expressividade de seus personagens. Apesar da violência e do desespero do tema de Pazienza, ele acabou sendo um grande contador de histórias humanista e um cronista de seu tempo. Ao lADo
Massimo Mattioli Panic in the City Starring Superwest, Frigidaire n. 10 • 1981 Sob o pretexto de criar quadrinhos com um divertido animal super-herói para crianças, Mattioli destaca com humor as qualidades abstratas da página e o minimalismo bizarro do gênero por meio de toques como a janela retangular cheia de rostos iconográficos idênticos e sem dimensão no segundo quadrinho, com o “eles” não diferenciado ou a personificação da cidade em pânico com os grandes olhos no sexto quadrinho, e o uso abstrato de cor seletiva em vez da descritiva. Com suas manchas planas, arbitrárias, de cores primárias brilhantes, Mattioli transforma as páginas das fumetti em uma grade colorida de Mondrian.
156
Parte dois • 1978-1990
como Francesca Ghermandi e Gabriella Giandelli. Foi um uso amplo e envolvente do veículo que permitiria a esses artistas participar de um movimento de arte de quadrinhos internacional cada vez maior na década seguinte. esPanha: LINEA chUNGA e NEOTEBEO
Lorenzo Mattotti Fuochi • 1985 Diferentemente de Igort e outros membros do grupo Valvoline, os estilos de pintura de arte moderna funcionam em Mattotti como linguagem expressiva, não citação irônica. Chama a atenção especialmente o uso que Mattotti faz da cor como elemento emocional e narrativo. o único precedente real para essas qualidades pode ser encontrado no trabalho recente de Alberto Breccia (ver p. 108).
Na Espanha, o final dos anos 1970 e os 1980 foram um período de liberdade recém-descoberta e energias desenfreadas após a morte do ditador fascista Franco, em 1975, e o fim de seu reinado de quase quarenta anos. Há muito dominadas pelos tebeos juvenis (um termo genérico, derivado da revista semanal infantil de quadrinhos extremamente popular, a tbo), as histórias em quadrinhos espanholas começaram a mostrar sinais de rebelião já no fim do regime de Franco. A satírica El papus, surgida em 1972, era semelhante em tom e estética à francesa hara Kiri. El rrollo Enmascarado foi fundada, em 1973, por um grupo de artistas underground de Barcelona e, em 1974, o jornal star começou a dar aos leitores espanhóis uma ideia dos comix underground norte-americanos e europeus. Com a chegada da democracia, as comportas se abriram, e os quadrinhos desempenharam um papel importante na cultura recém-liberada, levando a um sem precedentes na produção e na inovação das histórias em quadrinhos. Carlos Giménez tinha sido uma figura importante nos quadrinhos espanhóis antes da queda de Franco, trabalhando nos gêneros faroeste, aventura e ficção científica. Agora, Giménez se voltava para autobiografia, para explorar temas da vida suprimidos pelo fascismo. paracuellos (1977-2002) e barrio (1977), publicados em El papus, se baseavam em sua infância e adolescência no pós-guerra, enquanto los profesionales (1981-1985) narra seu início de carreira como artista de quadrinhos. Giménez é um exímio contador de histórias, cujo clássico estilo gráfico varia de realismo cru ao exagero atraente e expressivo. Os quadrinhos refletindo a realidade social e a vida cotidiana na nova Espanha se tornaram um dos gêneros mais populares das inúmeras revistas de quadrinhos adultos que começavam a aparecer. A besame mucho (sucessora da star depois que esta fechou em 1977) oferecia material como la noche de siempre, de Montesol e Ramón (Javier Ballester e Ramón de España), uma comédia de costumes romântica entre os jovens de Barcelona, desenhado com o jeito casual e sem pressa de um cartum. Outras novas revistas, como totem e 1984, se dedicaram principalmente às importações de quadrinhos franceses, italianos e norte-americanos, com foco em ficção científica e terror. Mas as principais tendências em quadrinhos adultos espanhóis eram representadas pelas duas revistas mais importantes do período, cairo e El Víbora. El Víbora, fundada em Barcelona, em 1979, pelo editor Josep Maria Berenguer, exemplificava as tendências pós-underground, punk/alternativas da Espanha, no espírito da italiana Frigidaire ou da norte-americana raW. A revista se ligava à energia juvenil da vida urbana, oferecendo uma ampla gama de conteúdo baseado na realidade. Um tom de energia desprezível e canalha – a chamada estética “linea chunga” [linha de merda] – prevalecia na obra de artistas como Nazario Luque, Alfredo Pons ou Marti (Marti Riera). Javier Mariscal povoou suas histórias joviais de aventuras noturnas com animais de cartum, desenhadas em um estilo ao mesmo tempo rabiscado e elegantemente moderno. Uma versão satírica da ligne claire foi criada por artistas como Max (Francesc Capdevila), autor de peter pank, uma das séries mais populares de El Víbora. Artistas internacionais como Andrea Pazienza, Giorgio Carpinteri, Muñoz e Sampayo, Charles Burns e Art Spiegelman também apareceram, e El Víbora até editou histórias de Yoshihiro Tatsumi, duas décadas antes de as editoras ocidentais traduzirem qualquer outro mangá alternativo. A cairo, fundada em 1981, defendia a versão espanhola do renascimento da ligne claire (em espanhol, línea clara). Seu primeiro editorial lembrava os das francesas a suivre e circus, prometendo aos leitores algo a que chamaram
capítulo 10 • novas tendências nos quadrinhos italianos e espanhÓis
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11 rebelDes MainstreaM nos estaDos uniDos e na inglaterra
2000 A.D. e o renasCiMento Da FiCÇÃo CientÍFiCa
Kevin O’Neill capa, 2000 A.D. n. 1 • 1977 Com a novidade de trazer como brinde um “space spinner” e ostentando uma nova versão do título Dan Dare, de 27 anos, a capa do primeiro número de 2000 A.D. mostrava ser falso o impacto profundo que a revista teria sobre os quadrinhos mainstream britânicos e norte-americanos.
Nos anos 1980, a maturação lenta que os quadrinhos mainstream norte-americanos tinham experimentado ao longo da década anterior deu um salto espetacular, devido, em grande parte, à infusão de uma safra de ambiciosos jovens escritores colhidos do solo fértil das antologias de ficção científica inglesas. Como a antologia star reach dos anos 1970, essas antologias não sofriam restrições do Comics Code, liberando os criadores para se inspirarem em temas mais sofisticados. Em sintonia com a tendência norte-americana para histórias mais longas e com mais envolvimento, isso levou a um novo foco sobre o ofício de escrever para o veículo histórias em quadrinhos como um exercício literário em si, em vez de ser apenas uma estrutura na qual pendurar a arte. Apenas uma década antes, boa parte dos quadrinhos ingleses estivera estagnada. Juntamente com as antologias de humor tradicionais, um excesso de histórias de aventuras imperialistas dominava, em grande parte nos moldes de Dan Dare, o nobre aventureiro do espaço de Frank Hampson, que fez sua estreia na Eagle em 1950. Dan Dare inspirou inúmeras imitações nas duas décadas seguintes; cresceu pouco, mas se especializou, enquanto as antologias brotavam concentradas em nichos de aventura cada vez mais estreitos. Histórias de propaganda de guerra, sem sofisticação ou insight, eram particularmente comuns. Em meados dos anos 1970, quando Kelvin Gosnell, então subdiretor de competições na IPC (International Publishing Corporation), sugeriu uma nova antologia de ficção científica em quadrinhos, a resposta da empresa foi clara: “A ficção científica está morta.” Dado o interesse cada vez menor em histórias de aventura, junto com as breves vidas da star reach e outras antologias norte-americanas de quadrinhos de ficção científica, esta parecia uma conclusão razoável. No entanto, Gosnell estava de olho em uma futura ópera espacial de Hollywood, que ele corretamente adivinhou que estimularia uma nova moda sci-fi em que valia a pena capitalizar. Conseguiu convencer a editora; assim, o primeiro número da nova revista chegou às bancas em 1977, mesmo ano em que star Wars [guerra nas estrelas] fez nascer uma nova geração de fanáticos por ficção científica. Prevendo que o ressurgimento teria curta duração, a IPC deu à antologia o título futurista 2000 a.D., supondo, erradamente,
capítulo 11 • rebeldes mainstream nos estados unidos e na inglaterra
165
ráveis da Marvel Comics, detalhando a corrupção e a consequente morte de Jean Grey na forma de The Phoenix [Fênix] (e começando a reputação de Byrne como artista icônico da franquia no processo). Na época, foi chocante ver um personagem reconhecido e popular morrer, dando à história um ar de tragédia e importância. Em uma espécie de surpresa para todos os envolvidos, o gênero super-herói, em declínio desde o final dos anos 1960, estava de volta. Esse revigoramento não veio pelo fato de acrescentar mais relevância social e realismo ao mundo dos personagens fantasiados (por exemplo, lanterna Verde, de O’Neil e Adams), ou por tirar o time de campo, à moda do Quarto mundo de Kirby. Em vez disso, Claremont fez acréscimos aos códigos já existentes nos antigos sucessos da Marvel, aprofundando a participação dos leitores nas relações entre os heróis, por meio de histórias mais longas e mais complexas e um elenco maior de personagens. A maioria das histórias em quadrinhos mainstream logo seguiu o exemplo de Claremont, um movimento que ajudou a pôr em foco as contribuições dos escritores; sem restrições, eles tinham muito mais liberdade para explorar tramas mais amplas e evoluir a caracterização, sem ter de começar e terminar uma história quase no mesmo lugar. No entanto, essas histórias longas também acentuaram o fato de os quadrinhos serem “colecionáveis”, já que agora os leitores, para entender o enredo, precisavam ter todas as edições de um título. O mercado direto, crescendo simultaneamente, tornou as coleções um hobby
À DIReITA
Chris Claremont (TexTo) Dave Cockrum (DeSeNHo) e Frank Chiaramonte (ARTe-FINAl) The Uncanny X- Men n. 101 • 1976 Depois de pilotar um ônibus espacial fora de controle em meio à radiação solar, Jean Grey aparece pela primeira vez disfarçada de Fênix. A morte de Jean Grey ressaltou a mortalidade − e, portanto, a condição humana − dos super-heróis. No entanto, a ressurreição de Jean Grey acabou por ser a primeira de muitas, um padrão repetido com inúmeros personagens, finalmente tornando a morte uma coisa trivial nos quadrinhos mainstream em geral. Ao lADo
Howard Chaykin American Flagg! n. 2 • 1983 o estilo visual de Chaykin enfatiza o design forte da página − sempre estruturado em função do objetivo da narrativa. Acima da beleza da representação ele usou de forma emocionante os efeitos sonoros como elemento gráfico. Chaykin constantemente incorporou comentários dos locutores de notícias de TV (a principal arma dos rebeldes era uma estação de cabo pirata), estabelecendo uma visão pós-modernista do futuro como paródia do presente.
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Parte dois • 1978-1990
do caminho, as minicomix se tornaram simplesmente minicomics, evitando-se os aspectos mais pesados de sua estética, em grande parte por melhorias na tecnologia de fotocópia, além do advento dos computadores pessoais e da editoração eletrônica. QuaDrinhos alternatiVos eM jornal
Matt Feazell Cynicalman • 1989 Cynicalman descobre as consequências do exercício da liberdade. Feazell dá personalidade aos seus simples bonecos palito através de expressões faciais pitorescas, além de chapéus, gravatas e outros acessórios cômicos.
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A evolução do underground à forma alternativa nesse período também se refletiu em uma série de tiras de quadrinhos publicadas em jornais alternativos. Várias dessas tiras se mostraram cultural e artisticamente importantes, desenvolvendo os talentos de cartunistas de peso, além de influenciar o tom dos quadrinhos mainstream de jornal. Os quadrinhos continuaram a aparecer nas páginas da maioria dos jornais norte-americanos, mas o formato estava em declínio, pelo menos desde os anos 1960. Artisticamente, o poder visual da tira havia sido drasticamente diminuído, devido à redução do espaço dado pelos jornais, enquanto o papel dominante da televisão na cultura norte-americana enfraqueceu a importância dos quadrinhos como entretenimento em série. Muitas tiras de jornal continuaram a divertir e entreter, e o campo merece uma consideração que não cabe aqui explanar, mas, desde a década de 1960, apenas algumas deixaram sua marca na consciência popular: Doonesbury, de Garry Trudeau (1970-até hoje), e, mais tarde, calvin & hobbes [calvin e haroldo] (1985-1995), de Bill Watterson, foram notáveis exceções. O humor irreverente surreal e muitas vezes “doente” do comix underground fez algumas incursões nas seções de quadrinhos dos jornais tradicionais. Zippy
Parte dois • 1978-1990
Bill Griffith Zippy the Pinhead, distribuído por King Features Syndicate • 1986 A cínica atração de Griffith pelos absurdos e excessos da política e da cultura pop norte-americana, expressa pelo personagem Zippy, intenso e maníaco, fez a ponte entre contracultura e mainstream, quando a tira deu o salto dos comix underground para ampla distribuição em jornais diários.
the pinhead, de Bill Griffith, passou da imprensa underground para o King Features Syndicate, em 1986, trazendo o humor off-beat e cínico de Griffith no fórum improvável das histórias em quadrinhos mainstream, sendo ainda publicado em 2012 em diferentes veículos simultaneamente. the Far side, de Gary Larson, uma tira gag em quadro único publicada pelo san Francisco chronicle em 1980, tornou-se imensamente popular com a força do absurdo inspirado de Larson, até ele se aposentar em 1995. the Far side sozinho provocou um renascimento do formato de quadro único; entre as muitas tiras que copiavam sua estranheza discreta, bizarro, de Dan Piraro, era um herdeiro particularmente digno. A explosão de jornais da contracultura tinha sido uma importante incubadora para o comix underground dos anos 1960. No final dos anos 1970 havia uma rede nacional relativamente estável de jornais alternativos semanais que acolheram cartunistas que se adequassem a seu ritmo mais calmo, mas ainda com o tom irreverente e a política progressista. Ernie pook’s comeek, de Lynda Barry, que começou a aparecer no Chicago Reader, em 1979, era uma série off-beat, diária, sobre adolescentes desajeitados. A autenticidade íntima dos diálogos e das observações de Barry e a expressividade rústica de seu desenho foram qualidades que ela traria para sua graphic novel nas décadas seguintes. life in hell [Vida no inferno] era uma tira minimamente elaborada que expressava o humor cínico do criador Matt Groening através de personagens como o coelho rabugento, Binky, e o casal gay que usa chapéu “fez”, Akbar e Jeff. A presença de Vida no inferno no los angeles reader começou em 1980, e levou a Groening a oportunidade de criar a série animada de televisão os simpsons. Dykes to Watch out For, de Alison Bechdel, criada em 1983 e publicada principalmente em periódicos GLBT, foi uma soap opera (novela no estilo norte-americano, ou seja, de longa duração) cômica que resgatou, no plano da subcultura, a importância da história em quadrinhos como marco comunal compartilhado, especialmente para um grupo que estava, naquele momento, excluído da representação da mídia tradicional. Como Linda Barry, Alison Bechdel se tornaria um dos mais importantes criadores de graphic novels no futuro, quando se acabaram os refúgios dos quadrinhos alternativos.
capítulo 12 • o alvorecer da graphic novel, a geração raw e os comix punk
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