O que significa ser eterno

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A Queda dos Tempos ou O que Significa Ser Eterno

Wellington Vinícius Fochetto Junior1

O cara não tem muito o que fazer: já lecionou de manhã, numa escola muito legal, cheia de gente boa e interessante. Viu rostos atentos, sonolentos, impacientes, rostos diferentes. Levou seu amorzinho ao veterinário, para trocar de curativos. A clínica, recém reformada, promete melhor acomodamento. O ruim são os fumantes que, lá fora, não se sabe se por falta de noção ou de educação mesmo, resolvem poluir o ambiente por conta dos vitrôs abertos. Smoke from Hell, man. Eat it!

Então o cara resolve ensaiar uma crônica com o título bem característico de “Ser Eterno”. E vai falar do que mesmo, xará? Ah, tá. Muda aí, né? Melhor, sabe? Ele lembra de “Al Qaeda e o que significa ser moderno”, de John Gray, professor de pensamento europeu (rapaz, quando eu li isso na orelha da quarta capa de “Cachorros de Palha”, logo pensei comigo: “como pode haver um ‘pensamento europeu’? Seria, pois, possível, generalizar uma linha de pensamento, tornado europeu, sei lá?) na London School Of Economics...

Como o dia do escritor foi marcado por “Nightmare”, do Avenged Sevenfold (muitos de seus alunos adoram essa banda nova, exatamente pela sua

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Publicitário profissional, professor da rede municipal de Poá/SP (Língua Portuguesa) e autor de diversos textos avulsos, alguns livros para publicar e uma paixão pelo gênero crônica.


fortíssima pegada comercial), é justamente ao som dessa canção que ele resolve escrever uma crônica. Bem parecida com a que segue.

Já parou pra se perguntar o que a gente leva dessa vida senão a vida que a gente leva? Sei: há mais um montão de perguntas parecidas com essa, não? E ficam meio que formigando na língua da gente, meio que latentes, no coração, até que nossa língua resolve verbalizá-la. Sei como é. Também sofro disso às vezes. Perguntar sobre o nosso lugar no mundo, na vida, não? Da hora, bixo. Muito bom como exercício de autoreflexão. Que, de primeira, não deve servir pra muita coisa. Mas, no fim, se não servir pra nada, um dia terá valido a pena apenas como um passatempo aos que se perguntam o que é a vida, o que é o tempo, e se tudo não passa de uma ilusão. E que gostosa ilusão essa, não? Cheia de dores, de prazeres, de pregos, de cimento, de becos sem saída. Com a morte nos vencendo no final... Incentivador isso, não? Eh...

Daí que, falando em tanta coisa, senti-me aproximando-me de um ponto que eu gostaria muito de citar. Eu devo confessar que gostaria muito de perguntar a um deus do trovão – o Thor dos quadrinhos, de preferência – sobre o que significa ser eterno. “‘Eterno’, tu queres dizer?” “Sim, Thor, sim. ‘Eterno’.” “Pois bem. Ser Eterno significa, numa das primeiras coisas que me vem à mente, contemplar a vida, o mundo, a realidade que nos chega aos olhos, aos sentidos, de um ponto de vista bem diverso, cumpre dizê-lo, de Vós, mortais. Acompanhamos o Tempo, sua passagem pela nossa vida, com outras preocupações. Mas disto já devia sabê-lo, não? Pois continuemos nesta nossa brevíssima dissertação verbal. ‘Eterno’: ‘o que não é mortal, não está limitado a ação do Tempo; imortal.’ Boas definições para um termo estranho aos seres


humanos.” Diz isso e cala-se. Contempla meu rosto por alguns instantes e, em seguida, olha ao céu. Por um tempo bem maior. Como quem parece procurar por algo lá, uma resposta, algo assim. Fico sem ação. Sem jeito. “Devo partir”, declara o imortal. Imagino que algo totalmente desconhecido ao universo humano deve esperar por ele lá em cima.

Não há, realmente, muito o que fazer, sabe? Mas sou teimoso e devo continuar.

Eis que eu resolvo perguntar ao leitor se o conceito de Eternidade tem, hoje, o mesmo significado que tinha há uns trinta, quarenta anos. Asimov, especialista em ficção científica, resolvera dar um fim a Ela num livro cujo título me parece no mínimo curioso: “O Fim da Eternidade”. E aí: ela acaba mesmo ou não? Não me parece surpresa supor que, antes de Asimov dar esse passo, Wells, com sua “Máquina do Tempo”, já teria esboçado, de modo bem peculiar, os passos mais importantes para esse assunto. Tanto que o escritor russo, ao que me consta, sofrera forte influencia dele. E pergunto ao leitor sobre essa eventual mudança de sentido de uma das palavrinhas-chave que marcam essa crônica. Mudou ou não?

Ora, tanta coisa muda. Heráclito não me deixa mentir. Ele já o afirmava há um certo tempo, antes de qualquer um de nós estar aqui para pensar nisso. E que visão a dele, hein? Naquele tempo, já se falava em Eternidade e de rios que fluem e não voltam. Talvez a Eternidade seja um rio do Tempo, não? Um rio em que a vida flui. E não volta. E tentar voltar não poderia culminar em


desintegração? Ora, alcançar uma velocidade superior à da luz é o primeiro passo para se poder voltar no tempo. Mas numa velocidade dessa não se poderia ver a luz em partículas tão pequenas, com seus passos que mantém o universo unido, em funcionamento? Coisinha complicada essa...

Voltar no Tempo – resolver algumas falhas que marcaram nossas vidas de algum modo negativo. Se pudéssemos... Faríamos mesmo?

Acho que me esqueci de dizer o que acho de ser Eterno. Acho que... hã... olhem, sem ser Eterno, não tenho como achar muita coisa disso. Mas, mesmo assim, arrisco um palpite: sê-lo deve nos fazer sofrer, partindo do pressuposto de que estaríamos fadados a viver tudo sem a perspectiva de contar com um desligamento certeiro, que, pela nossa ciência de sua existência, nos deveria fazer pensar com mais cuidado no fato de não sermos Eternos em nada. Se ser Eterno significasse algo mais que ser Humano, com toda certeza iríamos nos perguntar o que significaria ser Humano. O caminho desse Eterno Retorno, ouroboricamente, já causa um certo espanto. Mas que não seja Eterno. Até porque mesmo essa crônica acaba de chegar a seu fim...


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