Notas sobre "Companhia e outros textos", de S. Beckett

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PossiBilidadeS1

Wellington V. Fochetto Junior Publicitário profissional e Professor da Rede Estadual/SP letrasefilosofia@gmail.com

Rupturas: possibilidades de se introduzir o novo, o que trará a mudança para um mundo cansado e cansativo.

E, se mudar não basta, que se mude, sim, mas promovendo a transformação do ferro em bronze, do bronze em prata, da prata em ouro. E, se possível, do ouro em diamante. E, por que não, deste em ser humano?

Por que só o que é humano – no sentido incorrupto, puro, harmonioso, original (= de origem) do termo – é digno de nota. De atenção. Rupturas: sulcos, fendas, que se formam nalguma superfície e permitem a entrada e/ou saída de algo que trará novos ares. Redescobrir.

Rupturas: desvios de caminhos – porém, não meras digressões. Desvios necessários. Chances de receber o novo, o desconhecido.

Não temamos o desconhecido: somos parte dele.

Irmãos Campos, Décio Pignatari, Samuel Beckett, Paul Valéry, Allen Ginsberg, mais um montão de gente boa: Obrigado, Mestres. Porque me encontro em parte qualitativa de Vossos textos. Isto é: reconheço-me como um “intertextualista” deles, mesmo sem o saber.

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Notas para futuros ensaios sobre literatura e poesia em prosa – a começar por Samuel Beckett (1906-1989).


Samuel Beckett, por Guillermo Contreras

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Companhia e outros textos (São Paulo: Globo, 2012. 134 p.), de S. Beckett é isso: pura ruptura literária (algo entre a poesia em prosa e o texto dramatúrgico), com seus “intervalos mentais” transferidos ao papel. As vírgulas do texto podem ser contadas numa só mão; períodos curtos, com pontos finais, para dar uma pausa, atribuir peso ao texto, à ideia por trás de tudo. Uma voz chega a alguém no escuro. Imaginar. (BECKETT, 2012, p. 27) (...) Sozinho. (id., ibid., p. 63)

“Sozinhos estamos todos nós”: esse período se encaixaria muito bem nos “Ensaios e Anseios Crípticos” de Paulo Leminski. Beckett é o poeta da solidão e da incomunicabilidade. (LEMINSKI, 2011, p. 198)


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Se Companhia e outros textos pudesse ser vertido em música, haveria de ser na forma de Death House, do Attrition2. Se faltam referências, tentaremos “traduzir” o exposto. Para tanto, observemos: “(...) Rastejando e caindo então.” Salvo alguns trechos que possam fugir de nossos interesses de análise comparativa, a sequência de informações descritivas, iniciadas com a citação acima, bem poderiam ser acompanhadas de Crawling3, caso se decidisse transpor o texto para o teatro, com música de fundo.

3 Ainda penumbra, ainda adiante. (BECKETT, 2012, p. 76)

Penumbra pouca é bobagem. O que se quer é a escuridão. O lado escuro da compreensão. Da leitura. Da literatura. Da dor de ler-não-compreender. Do buscar saber. Por que ainda não se é leitor o suficiente. Porque re-ler é preciso – o resto, compreensão e aproveitamento, vem com o tempo. Mas vem sim, pode esperar.

Penumbra: metáfora para um ambiente que impede a visão de agir e de facilitar a assimilação do conteúdo observado. Na penumbra não se observa: é-se absorvido. Faz-se penumbrado. É-se parte dela. Momento de reflexão. Sozinho na escuridão.

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1. Grupo inglês de música eletrônica, formado em 1980. 2. Death House contém apenas duas faixas. Conforme resenha publicada no fanzine Outlet (1983) e extraída da página oficial da banda, Crawling. a windswept island of desolation currents, creating a picture of creeping, infinite coldness. Full of trickling instruments pressing downward upon a frozen keyboard. It's (sic) deepness is only interrupted by the computer-like jabbering of the machine it serves. Dead of night.the same arctic framework with the addition of a lone keyboard figure and a rushing of air. sometimes it bubbles, sometimes it festers like an open, untreated wound. these cold winds will seep through the marrow of your bones and chill you.

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“Rastejar” ou “rastejando”, conforme o contexto da tradução; ainda acreditamos que, neste caso, “rastejar” seja o mais adequado.


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Ler Beckett (2012) requer um duro trabalho de reconhecimento do absurdo humano de existir. Olhos, coração, alma.

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Síntese (crítica) de Teto (BECKETT, 2012, p. 99-100): Ao voltar a si a primeira visão é de branco. (...) Querida visão temida.

Síntese (crítica) de Ouvido no escuro II (BECKETT, 2012, p. 107;109): Flor da idade. (...) Naquela quietude.

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Crítica da crítica a Companhia e outros textos

O absurdo do texto beckettiano de Companhia..., mais do que provocar a crítica, deveria nos levar a repensar o absurdo de nossas vidas hoje. Absurdo oculto – ou não queremos vê-lo. Absurdo gratuito? E se não o for? Lembremos: a obra aqui analisada por um dos maiores representantes do Teatro do Absurdo. Nessa proposta dramatúrgica o que predomina é a desolação e a falta de referências ao homem moderno.

Se não se compreende – ou nem ao menos se entende – o texto beckettiano de Companhia..., a razão para tanto só pode ser uma dessas: 1. Ou ainda não atingimos grau caótico tão fronteiriço ou 2. já ultrapassamos essa borderline, embora ignoremos ela, por quaisquer motivos.


7 Tudo de outrora. Nada mais nunca. Nunca tentado. Nunca falhado. Não importa. Tentar de novo. Falhar de novo. Falhar melhor. (BECKETT, 2012, p. 65)

Pode o criador rastejante rastejando no mesmo escuro criado que a sua criatura criar enquanto rasteja? (id., ibid., p. 56)

Beckett é um escritor de vertigens. (LEMINSKI, 2011, p. 195)

Uma pessoa que possa comentar o texto beckettiano de Companhia e outros textos, com propriedade, é detentora de certo conhecimento da alma humana. Isto é: de alguns pontos em que os altos e baixos da psique coincidem, a ponto de motivarem o registro desses momentos híbridos sob a forma de texto literário.

Como compor mentalmente as imagens que a leitura do livro em questão nos ordena? Como fazê-lo sem desligar-se do mundo real? De um caos a outro, faz-se necessária uma desaceleração da leitura em favor da compreensão. Recomenda-se, para tanto, todo o tempo disponível. Há muito mais imagens num conjunto de frases (períodos) que num álbum de fotografias. Porque, no caso do livro a que nos referimos aqui, deve-se rastejar mentalmente para acompanhar os passos escritos e sombrios da trama. Acompanhamento esse que culminará no reflexo do próprio texto sobre a mente do leitor.

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Beckett tirava coisas do nada. Transformadas em Companhia..., relacionamse de forma paradoxal com seu lugar de origem: representam-no bem, não obstante pareçam combatê-lo.

Nesse livro de Beckett o ser humano tenta ser algo a mais que nada; acaba conseguindo – mas que diferença isso faz? Não há esperanças naquele mundo-nãomundo em que ser faz parte de não-ser. Alguma coisa acontece. Não acontece. E não voltará a acontecer na escuridão, de costas para uma luz fraca que passa por


dentro do crânio. E se apaga. E se apega. À escuridão. Pode a penumbra rastejar sozinha? E por que não pode?

9 Desaparecer e reaparecer em outro onde nunca. (BECKETT, 2012, p. 92)

Um período-parágrafo para prender você. Nas teias tecidas pela penumbra que cobre os sulcos deixados pela falta de nexo na leitura parcial do texto.

Um período-parágrafo. Po(de) (se)r (o) último. Ou cristalizar-se em silêncio.

Um silêncio parágrafo como este:


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECKETT, Samuel. Companhia e outros textos. 1 ed. Trad. Ana Helena Souza. São Paulo: Globo, 2012. 134 p.

LEMINSKI, Paulo. Ensaios e anseios crípticos. Campinas: Unicamp, 2011. 334 p.

INTERNET

Attrition – Death House. Disponível em: <http://www.attrition.freeserve.co.uk/>. Acesso em: 07 jul. 2012.

Guillermo

Contreras

Samuel

Beckett

drawing.

Disponível

<http://images.fineartamerica.com/images-medium/5-samuel-beckett-guillermocontreras.jpg>. Acesso em: 09 jul. 2012.

em:


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