Simultâneos

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Simultâneos W. V. Fochetto Junior

Amo quando, ao chegar a hora de dormir, detenho-me em duas tarefas com grau de parentesco: ler (um pouco) e escrever (um pouco mais). Eis-me ocupado da segunda tarefa.

Hora de dormir, não? Hummm... Por que não antes de me retirar da claridade, deitado, cabeça sobre o travesseiro, coberto com uma toalha de banho (faz frio nessa época do ano), olhos fechados, mente em busca de alguma serenidade, dar-me ao prazer de arriscar algumas linhas (como estas)?

Folheei “O Aleph”, de Borges (São Paulo: Globo, 1989). Detive-me em alguns trechos de “O Imortal”. Pensei, em simultâneo, no livro (de bolso ou quase) de Jean-Pierre Vernant (“Mito e Religião na Grécia Antiga”), o qual resolvi eu mesmo costurar, com linha novinha, porque tinha algumas partes soltas (não entendo o porquê desse descuido de alguns leitores...).


Antes de subir ao meu quarto, li trechos de “Clara dos Anjos”, de Lima Barreto. Estou começando a gostar de sua escritura (isto é, o modo como ele conduz as narrativas e fornece as descrições; essa é uma associação que eu faço com a definição de Leyla Perrone-Moisés, que afirma ser a escritura “o estilo de escrita de um escritor”). Nada demais nisso, mas como ele cita locais que remetem a sonhos de infância (alguns que eu tinha o desejo de conhecer...)

(Adendo ao texto original, escrito na noite anterior) Os anos não apenas passam: perdem-se quando somados às eras; e nossas vidas, dentro dos anos, limitam-se a meros lampejos de memória; histórias se (con)fundem umas às outras; o tempo não para – por um lado; e “estaciona”, de algum modo, por outro. Estacionar, assim me parece, tem alguma relação com o Eterno Retorno. Que ciclo mais doido esse! Doido/doído. Diferença

grafo-tônica

essa

(paróxitona/oxitona,

respectivamente), numa questão de semântica, as acepções se mostram diversas. Mas deixemos de lado essa nossa mania de gramaticalizar,

via

análise

semântica,

alguns

assuntos.

Brincando (isto é, dissertando sem muito compromisso com os aspectos racionais – mas um momento: em filosofia deve-se brincar muito também, não? A comparação me parece oportuna/justa) um pouco, talvez o Tempo conte com um Cone


Eterno, em que o passado se desfaça quase in toto, perdendose, para sempre, no Tempo. O passado desfeito, dele só restam as memória de alguns eventos que nos parecem de alguma importância. Em tempo: do passado, o único presente seria a própria palavra passado. Pretérito: pre-ter-ido. Pré-te rito. PréTempo. Pré-paração. Mas nada disso impede o Cone de engolir o tempo. Em nome do Tempo. Um buraco-negro maior que qualquer estrela massiva que tenha colapsado e passado a engolir, de modo brusco e violento, inclusive a luz. (E Borges já segue Imortal – há mais de três décadas.)

Poá, SP. 08 jul. 2017


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