Relacionando a Justiça cognitiva e social

Page 1

RELACIONANDO A JUSTIÇA COGNITIVA E SOCIAL: EXPERIÊNCIAS NUMA MORADIA ESTUDANTIL UNIVERSITARIA Carlos Riádigos Mosquera - UERJ Marlon Santos - UFRJ Resumo: O presente trabalho pretende refletir sobre a relação entre os saberes envolvidos num conselho administrativo de uma residência estudantil mantida por uma Universidade pública federal, de forma a entender limites e possibilidades de sua estrutura na garantia de melhores condições de permanência do estudante na graduação. Dialogando com as contribuições de Boaventura de Sousa Santos sobre relação entre justiça social e justiça cognitiva, a partir dos registros desses encontros, das perspectivas dos integrantes do conselho expressas em suas narrativas e dos movimentos cotidianos dos moradores da residência pelo direito de colocarem suas demandas, objetivamos compreender caminhos que possam potencializar uma relação ecológica entre os saberes dos diferentes sujeitos inseridos nos processos de decisões coletivas na residência. Palavras chave: Justiça cognitiva, Justiça social, representatividade, moradia estudantil, saberes

Algumas reflexões: Boaventura e a justiça social e cognitiva As realidades que encerra a expressão “Justiça Social” são tão numerosas, plurais, e variáveis que faz com que esta seja uma história com muitas possíveis leituras. O apelido que leva a expressão, “social”, faz com que o nome, “justiça” tenha que estar inexoravelmente relacionado com tudo aquilo que afete aos seres humanos, e também aos não humanos (Nussbaum, 2006). São tantas as circunstâncias por volta da justiça social que o seu estudo e cuidado prometem ir constantemente caminhando juntos com os seres humanos ao longo do seu devir, como uma tarefa em permanente melhora, reforma e manutenção. Nessa labor de permanente construção e melhora a educação ocupa uns dos pilares mais importantes para o avanço e desenvolvimento de noções mais inclusivas, respeitosas e justas com todos os seres humanos e o seu entorno.


A pesares da sua relativa juventude, a Justiça Social já desfruta de uma importância crucial como marco de referência nas interações humanas. Se bem é certo que as injustiças são permanentes, também o é que nunca antes os Direitos Humanos foram um marco regulador tão influente na Justiça Social e à hora de elaborar Constituições ou fazer de guia do comportamento humano. John Rawls (2002) apontou que para que haja um acordo sobre os princípios de justiça deve haver acordo sobre as pautas de investigação pública e os critérios para decidir que tipo de informação e conhecimento é relevante, o que está muito na linha do que Boaventura de Sousa Santos aborda com sua Ecologia de Saberes, a qual se baseia no reconhecimento da pluralidade de conhecimentos heterogêneos (Pág. 53) e é uma das principais propostas de justiça cognitiva. Segundo Boaventura, a Ecologia de Saberes é um conjunto de práticas que promovem uma nova convivência ativa de saberes com o suposto de que todos eles, incluindo o saber científico, podem ser enriquecido com esse diálogo (2010, pág. 144). Esta tem uma importância decisiva em o pensamento Pós-Abissal, que é o que racha com as formas ocidentais modernas de pensamento e ação (2010, pág. 53). É pensar sobre o lado do abismo tradicionalmente dominado pela gente desse lado; é aprender com o Sul, com a epistemologia do Sul. Esse pensamento é aquele que tem que superar o abismo de conhecimentos gerado pelo confronto da ciência moderna como paradigma de conhecimento dominante, com muitos outros tais como a filosofia ou os saberes “populares”; toda essa separação conforma o Pensamento Abisal, que é aquele que dá à Ciência Moderna o monopólio de saber o que é verdadeiro ou falso mediante as Canonizacões, que é como Boaventura se refere àquelas “verdades”, que estão assentadas e parecem impossíveis de modificar; os saberes ocidentais, modernos e pós-modernos. Outra forma que tem o Pensamento Abissal de criar abismo é a separação do legal, alegal e ilegal (2010, pág. 34), seguindo os critérios de quem tiver no poder. As diferenças entre os saberes são a desculpa do Pensamento Abissal para negar a ecologia de saberes, mas Boaventura argumenta que através da tradução se torna possível identificar preocupações comuns, aproximações e também contradições. É o suporte sobre o qual as realidades invisibilizadas, excluídas e deslegitimadas dialogam entre elas, pra criar a Epistemologia do Sul que Boaventura chama Cosmopolitismo subalterno (2010, pág. 41), este consiste num conjunto de redes, iniciativas, organizações e movimentos que lutam contra a exclusão econômica, social, política e cultural. O conhecimento dominante nomeia os outros conhecimentos como conhecimentos locais, etnociências ou superstições... Portanto, as pessoas dividem-se entre as especialistas e


as leigas, ou o que é o mesmo, quem possui os saberes cientificistas face quem possui os não especializados, os da cidadania “normal”, os quais estão a ser marginados e desprestigiados. As formas de conhecimento invisibilizadas são os populares, os leigos, plebeus, indígenas, entre outros (pág. 34), os quais para o pensamento moderno não são “conhecimento” senão crenças, opiniões ou magia. O trabalho de M. Foucault (1988) sobre a transformação do ser humano em sujeito, bem como das lógicas de poder geradas nelas, supôs uma análise decisiva à hora de entender estes processos de interação humana. Assim, o poder põe em jogo as relações entre os indivíduos (ou entre grupos). O termo "poder" designa os relacionamentos entre "colegas", e o que define uma relação deste tipo é que este é um modo de ação que não opera direta ou imediatamente sobre os demais. Em mudança, o poder atua sobre as ações dos outros; uma ação sobre outra ação. As lógicas do poder estão necessariamente relacionadas entre sim e interconectadas. Os processos de dominação em diferentes campos sociais, a pesar de ter características próprias e definitórias, conservam o fator estrutural do poder. Em um momento histórico em que a exclusão de pessoas e coletivos em as tomadas de decisões comunitárias não são politicamente corretas, os processos de invisibilização hoje em dia são inclusive mais importantes que a exclusão (Santos, 2010). Pra que essa invisibilização não se produza, as pessoas deveriam ser capazes de desenvolver suas próprias caraterísticas, tanto a nível individual como grupal, o que suporia o direito à diferença e que esta seja tida em conta. Ao mesmo tempo, isto não pode ser assim se não partimos de uma base igualitária que nos dê a todas as ferramentas básicas para esse desenvolvimento diferenciado. Comunicar é uma forma de atuar sobre as demais pessoas, pelo que as relações de poder estão muito presentes nos relacionamentos que transmitem informação por meio dá linguagem ou qualquer outro sistema simbólico. A linguagem pode assim ser um veículo que transporte essas desigualdades sem exercer discriminações de forma explícita. É chave ter em conta que o conhecimento, a cultura, são contribuições de muitos seres humanos ao longo da história, não de alguns poucos em momentos determinados. Ao mesmo tempo, está construído da mão das emoções, desejos e sentimentos, os quais nos acompanham sempre, sendo impossível que fiquem à margem do processo de construção desse conhecimento. É por isso que a multiplicidade de visões e perspectivas é imprescindível para obter um conhecimento o mais fiável que seja possível. A ciência moderna, que teve sua origem em a Ilustração europeia, é assinalada por


Boaventura de Sousa Santos (2005b) por sua contribuição à hora de dominar o conhecimento e a cultura, universais, através de seus postulados. Mas as visões monolíticas do conhecimento, como acontece em este caso, têm que enfrentar às interrogações que se lhes propõem tanto desde um ponto de vista interno (é capaz a ciência e seu método de definir e analisar o mundo por si mesma e sem nenhum tipo de erro?) como externo (é capaz de beber de outras fontes e relacionar com outros conhecimentos?). Assim, a insistência em a metodologia empírica da ciência moderna como única via para analisar todo tipo de realidades, sejam ou não sociais e multi-variáveis, pode ser um exemplo de como se tenta compreender a complexidade do mundo mediante a simplicidade de uma única perspectiva. Portanto, é necessário um modo razoável aberto e amplo, no que a revisão contínua de tudo o que se vai edificando é fundamental. As discussões exigem compromissos avaliativos e interpretativos por parte das pessoas implicadas em diferentes níveis, com a necessidade da paridade participativa para isto. A razão em a que se apoia a ciência moderna para sustentar seus postulados é chamada por Boaventura de Razão Indolente (2006). Caracteriza-se basicamente porque as suas argumentações estão dirigidas a negar a possibilidade de realizar mudanças e transformações na sociedade, não há alternativa possível. Além disso, existem cinco fatores que concretam ou nos que se manifesta a razão indolente (2006): 1. a monocultura do saber, 2. a monocultura do tempo linear, 3. a lógica da classificação social (naturalizar a desigualdade), 4. a lógica da escala dominante, a do universal e o global, 5. a lógica produtivista que assume que o crescimento econômico é um objetivo racional inquestionável. A alternativa proposta pelo autor à razão indolente é a cosmopolita, que entende que a justiça social global não é possível sem uma justiça cognitiva global.

Resumo dos pontos mais importantes das atas dos conselhos em relação a justiça social e cognitiva 1.REGISTRO-15-06-11. Registro da instalação do conselho de administração da residência estudantil - O Magnífico Reitor da Universidade... presidiu a cerimônia de instalação - O Magnífico Reitor terminou a cerimônia de instalação e retirou-se da reunião, passando a coordenação dos trabalhos ao Presidente, prof. A.


- O prof. A ainda ressaltou a iniciativa da representação discente... A representação estudantil manifestou-se favoravelmente. - A partir dessas considerações, foi dada a palavra a todos os membros, para que fizessem suas 66 apresentações e considerações. - O prof. A perguntou aos alunos sobre o horário que fosse mais conveniente... 2.REGISTRO-29-06-11. Registro da visita dos membros às dependências da residência

estudantil - Existência dos problemas... que por diversas vezes foram denunciados pelos próprios moradores, direção ou representantes discentes da Residência Estudantil... - … a instalação pelo Magnífico Reitor B atribuíram status oficial às atividades do Conselho - Profa. C, Coordenadora do Sistema de Alimentação - Solicitaram ao presidente, prof. A, que intercedesse junto à futura Pró-Reitora de Graduação, profa. D, para que, no caso de uma eventual mudança administrativa, o corpo discente (ou sua representação) fosse ouvido... - Alguns alunos também se mostraram ansiosos e temerosos... O prof. A deixou claro que o próprio Regimento da Residência Estudantil, em seu Art. 21, estabelece... - Entretanto o prof. A salientou que a Residência Estudantil se destina, exclusivamente, a estudantes da Universidade... Lembrou também aos alunos que tem representação diversificada... - … Nesse sentido, o(a) Diretor(a)/Administrador(a) estará sujeito(a) às diretrizes apontadas e aprovadas pelo Colegiado, que será o elo entre a Residência Estudantil e a Administração Central - O professor A também se dispôs... para apresentar ao corpo discente as propostas de estruturação da Superintendência de Políticas Estudantis e, obviamente, ouvir dos alunos as demandas que ultrapassem as questões específicas da Residência Estudantil. 3.ATA-11-07-11. Ata da primeira sessão ordinária do conselho de 1 administração da residência estudantil

- … caberá ao novo reitor, professor E, a designação da Direção da Residência Estudantil. - … o presidente também solicitou aos membros que enviassem sugestões, propostas ou demandas dos estudantes moradores para composição das futuras pautas das sessões


4.ATA-15-08-11. Ata da reunião do conselho de administração da residência estudantil

- (Aluna) expôs ao Conselho uma proposta de reformulação do “Projeto Atividade Física” 5.ATA-12-09-11. Ata da reunião do conselho de administração da residência estudantil

- Incluir em suas reuniões alguns convidados fixos, com voz e sem voto, sendo eles: um representante discente do Grupo de Trabalho (GT) de Assistência Estudantil do CEG/ SuperEst; um representante da Divisão de Saúde do Estudante (DISAE); um representante discente do Conselho de Ensino e Graduação (CEG); um representante da União Nacional dos Estudantes (UNE) - O Prof. A pediu a (aluno) uma lista de todos os funcionários da Residência Estudantil... - O Prof. A afirmou a marcação de uma reunião com (aluna), (aluna) e Diretor da EEFD - (Aluna) falou sobre uma horta que os moradores da Residência irão preparar e pediu colaboração com materiais. - (Aluna) leu um extenso documento, assinado pela Assembléia dos Moradores da Residência … O Prof. A pediu que o documento fosse encaminhado à Ouvidoria da Universidade. 6.ATA-10-10-11. Ata da reunião do conselho de administração da residência estudantil

- O Prof. A informou ao Conselho que a Profa. F está deixando em função de não ser mais conselheira do CEG - O Prof. A reuniu-se com o Diretor G e a Procuradoria da Universidade para uma conversa sobre agregados, irregulares, quartos trancados etc. - O Prof. A explicitou sua intenção de reivindicar 6 (seis) bolsas estudantis à PBPD... - O Prof. A diz que, de acordo com o Regimento, cabe ao Diretor encaminhar registros de ocorrências para a abertura de processos de sanções e penalidades quando necessário. 7.ATA-16-11-11. Ata da reunião do conselho de administração da residência estudantil da universidade federal do rio de janeiro

- O Prof. A comprometeu-se a tentar apoio na Reitoria. - A moradora (aluna) relatou transtornos com os quais convive... (Aluno), (aluno) e (aluna) apoiaram a discussão sobre o caso de (aluna moradora) ainda que não estivesse previsto na


pauta da reunião. O Prof. A afirmou que a aluna está sendo assistida... - No caso de ausência do Superintendente, o Diretor da Residência Estudantil presidirá 8.ATA-13-12-11. Ata da reunião do conselho de administração da residência estudantil da universidade federal do rio de janeiro

- O Prof. A falou sobre “judicialização do Estado e das instituições de ensino”... - O Prof. A solicitou a (aluno), de imediato, um documento à Prefeitura Universitária... - O Prof. A falou sobre o conjunto de requisições que a Superintendência realizou... - O Prof. A partiu da leitura do Memorando... em resposta ao Ministério Público... - (Aluna) apresentou e entregou ao Conselho as seguintes propostas para elaboração e desenvolvimento de projetos... 9.ATA-12-03-12. Ata da reunião do conselho de administração da residência estudantil da universidade federal do rio de janeiro

- Prof. A mencionou a falta da representação da Prefeitura Universitária - (Aluno) levantou a necessidade do Sistema de Alimentação pensar em alternativas para que se possa atender aos alunos que estudam à noite... - Prof. A argumentou sobre o aumento das demandas... sobre a política de moradia para os estudantes. (Aluna) sugeriu que haja alojamentos provisórios para alunos que venham de outros estados... 10.ATA-09-04-12. Ata da reunião do conselho de administração da residência estudantil

- Prof. A deu informes sobre o Decreto Nº que dispõe sobre a utilização de transporte oficial que não pode ser utilizado de forma regular para atendimento aos alunos. Afirmou que, mesmo assim, ele como gestor concorda e autoriza... - Diante desta informação a professora H solicitou o registro em ata... para atendimento a servidores e alunos no que se refere ao transporte em caso de situações de saúde - Prof. A falou da questão da relação dos estudantes representantes. Falou também das reuniões marcadas com ele, ou com os diretores, a pedido dos alunos representantes... - Prof. A informou que o momento é de pedir bolsistas para atuar como monitor e, respondendo à (aluna), quanto as necessidades de pessoal, que o (aluno) precisa passar esta


informação para a Superintendência o que não foi feito na última reunião de diretores. - (Aluno) informou sobre os problemas em relação à falsificação de assinaturas... Prof. A solicitou ao Prof. I levar a questão... Os alunos informaram que isto não resolve o problema... informando que os alunos voluntários continuam sendo a melhor alternativa.

Pensando e analisando as atas do conselho da moradia A aproximação de um conselho recém criado por uma Universidade pública federal para servir de consulta em questões acerca da moradia de estudantes ao Conselho de graduação da mesma instituição, dá-se numa tentativa de análise das relações de saberes envolvidos na constituição deste órgão e em seus encaminhamentos. Para tal análise, o grupo que o compõe foi distinto entre os que vivenciam o espaço na condição de morador e os que se utilizam do espaço para tarefas pontualmente laborais. A constituição de tal conselho surge a partir da criação de um grupo de trabalho de assistência estudantil, que trabalhou na construção para o regimento da moradia estudantil da Universidade que há mais de 30 anos estava em funcionamento sem tal regulamentação. Tal medida, foi pensada a partir do reconhecimento da necessidade de uma administração menos centralizada na figura de um diretor, situação que se apresentou insustentável para uma estrutura de qualidade nas condições de moradia estudantil. Com o intuito de tornar a composição mais diversa, foi pensado uma estrutura de conselho que congregasse diferentes setores da Universidade envolvidos com a manutenção de condições propícias de moradia estudantil. A assembléia dos moradores da residência universitária já existia enquanto entidade representativa dos moradores, mas não foi pensada enquanto uma das entidades relacionadas à moradia estudantil a serem representadas no conselho. Este fato viabilizou a constituição de uma representação de moradores através de um processo eleitoral corrido e com aspectos de tradicionais práticas político-partidárias que culmina numa representação contestada pelos moradores organizados em assembléia. No que diz respeito à tentativa de descentralização das responsabilidades nas decisões da residência sobre a figura do diretor, as manifestações contra arbitrariedades da administração sobre políticas cotidianas da residência mostra que a criação do conselho ainda não consegue inibir tal atuação. Todavia, a presença desses setores nas reuniões que ocorrem na residência à portas abertas permite uma integração mínima dos moradores com os setores envolvidos com as demandas de manutenção e melhoria das condições de moradia na


residência. Em função do estudo realizado das atas das reuniões do conselho administrativo da residência estudantil de uma Universidade pública federal, podemos estabelecer vínculos de união com as propostas anteriormente analisadas de Boaventura de Sousa Santos e outros autores. Assim, a análise das mesmas nos valerá para tentar estudar estas propostas em as interações que se deduzem das atas. Em primeiro lugar é importante saber como está conformado o grupo. E na segunda reunião do mesmo, a posterior a sua formação, teve o maior número de participantes e é onde pode ser visto com mais nitidez como este está conformado. Teve a seguinte representação: Professor dá Pró-Reitora de Graduação, - Professor presidente, - Diretora da Residência Estudantil, - Representante da PR-3, - Assistente Social representante da Divisão de Assistência ao Estudante (DAE-PR1), - Representante do Conselho de Ensino de Graduação (CEG), - Representante efetiva dois moradores da Residência não Conselho, - Discente representante efetivo dois moradores da Residência não Conselho, - Discente representante suplente dois moradores da Residência não Conselho, - Discente representante suplente dois moradores da Residência não Conselho, - Discente representante designado cabelo Diretório Central duas Estudantes, - Representante da Prefeitura Universitária. Pelos componentes do grupo podemos ver que há uma boa quantidade de pessoas com cargos administrativos e que não estão habitualmente na residência de estudantes. São mais e ocupam locais de maior poder que os que têm os estudantes. Por outro lado, as reuniões levam-se a cabo com a participação da representação de estudantes, ficando em verdadeiro modo fechadas à participação de qualquer residente que não passe pelos filtros da representação. Assim, a participação direta própria de alguns sistemas assembleários e da democracia direta não se vê refletida. Em segundo lugar, parece que a forma de participar nas assembleias da residência não é independente dos cargos ocupados. Em a análise das atas parece claro que as pessoas que ocupam lugares de maior responsabilidade levam a iniciativa e sua participação poderia ser definida de ativa (tomam a palavra, abrem sessões, cedem turnos, etc.), enquanto os estudantes pelo geral ocupam um papel mais secundário e passivo. Portanto, os requisitos de participação paritária por indivíduos afetados dos que, por exemplo, fala Nancy Fraser (2008) poderiam não se ver satisfeitos: − Tomando a palavra o Magnífico Reitor deu as boas vindas aos membros (1º Registro)


− A partir dessas considerações, foi dada a palavra a todos os membros, para que fizessem suas 66 apresentações e considerações (1º Registro) Em terceiro lugar, a frequência nas atas das figuras que ocupam lugares com poder é maior que as das não “importantes”. Em um resumo realizado das atas, em o que se recolheram a maior parte das ocasiões às quais se fazia referência às pessoas participantes, se contabilizaram 48 aparecimentos de pessoas com cargos de direção, enquanto teve 43 sem cargos. Além disso, é necessário ter em conta que a maioria das pessoas afetadas sobre o debate são estudantes, pelo que talvez fosse desejável uma representação conforme isto. Em quarto lugar, adiante das figuras importantes sempre costuma ir um título acompanhando o nome, tal como “Magnífico Reitor”, “Professor”, etc. O alunado é nomeado por seus nomes de pilha ou de forma genérica (aluno, morador, etc.): − O Magnífico Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro... presidiu a cerimônia de instalação (1º Registro) − O prof. A ainda ressaltou a iniciativa da representação (1º Registro) − Profa. C, Coordenadora do Sistema de Alimentação (2º Registro) −

A representação estudantil manifestou-se favoravelmente (1º Registro)

O Prof. A solicitou a (aluno), de imediato, um documento (8º Registro)

(Aluna) leu um extenso documento, assinado pela Assembléia dos Moradores da Residência Estudantil (5º Registro)

Em quinto lugar, as figuras com mais poder são nomeadas individualmente enquanto as que têm menos, como coletivo: − O Prof. A reuniu-se com o Diretor G... (6º Registro) − −

Alguns alunos também se mostraram ansiosos e temerosos (2º Registro) Prof. A solicitou ao Prof. I,... levar a questão... Os alunos informaram que isto não resolve o problema porque... (10º Registro)

Conclusões


A proposta de dimensionar limites e possibilidades da atuação deste conselho para uma ecologia de saberes, não nos permite perder de vista as condições impostas por órgãos fiscalizadores de uma instituição pública. Desta forma, seria possível pensar a autogestão da residência como alternativa de gestão democrática sem considerar os pressupostos jurídicos implicados na gestão governamental do erário público? Boaventura nos aponta a clivagem entre o Estado inimigo ou aliado potencial como algo a ser superado, a aprendemos que “a desregulação é uma regulação social como qualquer outra, e, portanto, um campo político onde se deve agir para isso” (Santos, 2005a p. 94). Também ainda não é possível dimensionar o quanto o morador ou um grupo destes está interessado em assumir responsabilidades de organização e consequente administração do espaço, pois uma das críticas feitas à organização da assembleia dos moradores é a estimativa de atuação inferior à 10 % do total de moradores nas reuniões. Mas como desconsiderar o legado de organização política dos moradores numa assembléia que foi se estendendo por anos a fio com inúmeras conquistas para o coletivo? As reflexões dos moradores sobre o espaço em que vivem está expressa em diversos trabalhos de conclusão de curso. Além disso, a mobilização dos moradores para iniciativas para além da gestão oficializada que denotam apropriação do espaço e capacidade de gestão coletiva está expressa em espaços que são absolutamente autogestionados, tal como o acesso à internet nas dependências dos prédios, organizado exclusivamente em esquemas de voluntariado. Entendemos que o potencial das contribuições de diferentes segmentos da Universidade envolvidos na manutenção e melhoria das condições de moradia universitária são interessantes do ponto de vista da pluralidade, mas que não garantem uma “democracia enquanto uma obra de arte político-cotidiana que exige atuar no saber de que ninguém é dono da verdade e que o outro é tão legítimo quanto qualquer um” (Maturana, 1999 p. 95). Os saberes tecidos no viver cotidiano da residência estudantil não podem estar expressos num conselho cujo os representantes em sua maioria não vivenciam o espaço, portanto, um movimento interessante para a valorização deste saber seria a agregamento dos sujeitos do conselho à Assembleia dos moradores da residência estudantil. Do contrário, a presença de moradores no conselho poderia ser entendida apenas como um instrumento para referendar as decisões intransigentes de quem entende saber o que é melhor para um outro subestimado na sua capacidade de discutir soluções para questões inerentes à sua própria condição de morador.


BIBLIOGRAFIA FOUCAULT, Michael (1988). El Sujeto y el Poder. Revista Mexicana de Sociología, No. 3 FRASER, N. (2008): Escalas de Justicia. Barcelona: Herder MATURANA, Humberto (1999). Emoções e Linguagem na Educação e na Política. Belo Horizonte: Ed. UFMG NUSSBAUM, Martha (2006): Las fronteras de la justicia. Barcelona: Paidós RAWLS, John (2001): La Justicia como Equidad. Madrid: Tecnos SANTOS, Boaventura de Sousa (2005a). O Forum Social Mundial: manual de uso. São Paulo: Cortez SANTOS, Boaventura de Souza (2005b): Semear outras soluções. Os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização brasileira SANTOS, Boaventura de Souza. (2006). A Gramática do tempo: para unha nova cultura política. Porto: Edições Afrontamento. SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução. In: Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre as ciências revisitado. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006. p.1759 SANTOS, Boaventura de Souza. Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. Em: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. 2010. p . 31-83


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.