OS BASTIDORES DA VIDA DE JESUS - ADÃO CARLOS NASCIMENTO

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ADÃO CARLOS NASCIMENTO

Os Bastidores da Vida de Jesus


Os Bastidores da Vida de Jesus Autor Adão Carlos Nascimento Editor Responsável Alberto José Bellan Coordenação Zezina Bellan Revisão Juana del Carmen C. Campos Capa, Produção e Diagramação

As citações bíblicas foram extraídas da tradução de João Ferreira de Almeida – Nova Almeida Atualizada, NAA – Sociedade Bíblica do Brasil, 2018. Outras versões quando usadas são identificadas nas referidas citações.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Nascimento, Adão Carlos Os Bastidores da vida de Jesus / Adão Carlos Nascimento. – 1. Edição - Santa Bárbara d`Oeste, SP: Z3 Editora e Livrarias, 2021. ISBN: 978-65-88048-36-8 1. Bíblia - Análise 2. Jesus Cristo - Biografia - Ensinamento bíblico I. Título. 21-84502

CDD-232.901 Índices para catálogo sistemático: 1. Jesus Crtisto : Biografia : Cristologia 232.901 Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380


ADÃO CARLOS NASCIMENTO

Os Bastidores da Vida de Jesus


Os Bastidores da Vida de Jesus

1ª Edição Outubro de 2021 © 2021 por Z3 Editora

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DEDICATÓRIA

Dedico este livro à Amanda, ao Davi e ao Lucas, meus netos e discípulos de Jesus.

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ÍNDICE

Introdução ............................................................................................ 11 O Nascimento de Jesus: Uma História Mal Contada ...........................13 A Plenitude do Tempo ..........................................................................21 Os Pastores de Belém...........................................................................27 O Recém-Nascido e sua Mãe Perante a Lei .........................................31 Os Magos e a Estrela............................................................................37 Os Herodes do Novo Testamento.........................................................47 A Infância e a Juventude de Jesus ........................................................57 O Batismo e a Tentação de Jesus .........................................................63 Os Primeiros Seguidores e o Primeiro Milagre ...................................71 A Primeira Páscoa em Jerusalém .........................................................79 O Ministério às Margens do Jordão e a Retirada para a Galileia.........85 De volta à Galileia ...............................................................................95 Fixando Residência em Cafarnaum ...................................................101 A Jornada pela Galileia ......................................................................107 A Cura do Paralítico que Desceu do Teto .......................................... 111 A Escolha mais Improvável ............................................................... 117 A Questão do Jejum ...........................................................................123 A Viagem para Participar de Uma Festa em Jerusalém .....................127 A Escolha dos Doze Apóstolos ..........................................................135 O Sermão do Monte ...........................................................................143 Cura e Ressurreição ...........................................................................157 João Batista ........................................................................................161 9


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A Pecadora que Ungiu os Pés de Jesus...............................................165 Mais uma Jornada pela Galileia..........................................................169 O Ensino por Parábolas.......................................................................175 A Cura de Dois Endemoniados...........................................................181 Curas e Ressurreição em Cafarnaum..................................................185 A Primeira Jornada Missionária dos Doze..........................................191 O Começo do Fim...............................................................................195 A Tradição dos Anciãos......................................................................201 Missão em Tiro e Sidom.....................................................................205 A Confissão de Pedro e a Transfiguração............................................209 De Cafarnaum Para Jerusalém............................................................217 Missão na Judeia.................................................................................225 Jesus na Festa da Dedicação...............................................................231 A Viagem de Efraim para Betânia.......................................................239 A Entrada Triunfal em Jerusalém........................................................247 A Segunda Purificação do Templo......................................................251 Jesus Novamente no Templo...............................................................255 Jesus no Monte das Oliveiras..............................................................259 Homenagem em Betânia.....................................................................265 A Celebração da Última Páscoa..........................................................269 Prisão e Julgamento............................................................................277 Crucificação e Morte...........................................................................289 Sepultamento e Ressurreição..............................................................297 As Aparições de Jesus após a Ressurreição........................................303 A Ascensão de Jesus............................................................................ 311 Bibliografia.........................................................................................315

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INTRODUÇÃO O título Os Bastidores da Vida de Jesus descreve bem o conteúdo deste livro. Quando você vai ao teatro, você vê o palco, o cenário e os atores apresentando a peça, mas não vê os bastidores. E é lá que estão os diretores, os técnicos, os sonoplastas, os iluminadores, os maquiadores, enfim, todo o suporte para que o espetáculo possa acontecer. Há mais gente nos bastidores do que no palco. Aplicando essa analogia a este livro, no palco estão os quatro evangelhos e neste livro os bastidores, isto é, a cultura, os costumes, a religião, a política, enfim, os elementos que explicam o que realmente Jesus fez, como fez e por que fez. A base deste livro são os quatro evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João. Esses evangelhos não narram tudo o que Jesus fez e ensinou. Eles registram apenas aquilo que as pessoas precisam saber para crerem “que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenham vida em seu nome” (João 20.31). Eles também não são uma biografia de Jesus. Por isto, as suas narrativas não seguem uma ordem cronológica. Nos quatro evangelhos o leitor encontra “as sagradas letras, que podem torná-lo sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus” (2 Timóteo 3.15). Mas não encontra um relato exaustivo da vida de Jesus. Cada evangelista registrou apenas os fatos que atendem ao propósito que o Espírito Santo certamente colocou em seu coração. Este livro vem preencher a lacuna que existe entre a narrativa dos evangelhos e a história de Jesus. Aqui os fatos, os eventos e os ensinos de Jesus são apresentados em ordem cronológica, com as informações e os esclarecimentos sobre os usos e os costumes daquela época. Para conhecer a vida de Jesus não basta ver o palco, é necessário conhecer os bastidores. O palco você conhece quando estuda os evangelhos; os bastidores você vê neste livro.

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O NASCIMENTO DE JESUS: UMA HISTÓRIA MAL CONTADA Há alguns anos eu estava em Israel, liderando um grupo que visitava os lugares onde Jesus viveu e realizou o seu ministério. Quando estávamos no Campo dos Pastores, nos arredores de Belém, falando sobre as circunstâncias do nascimento de Jesus, eu disse ao grupo que José e Maria partiram de Nazaré com destino a Belém da Judeia, onde José devia alistar-se no recenseamento decretado pelo imperador romano. A viagem deve ter durado uma semana. E, quando chegaram a Belém, a vila estava repleta de visitantes. Na hospedaria não havia lugar para eles. Bateram de porta em porta, mas todas as casas estavam cheias. Então, sem alternativa, se abrigaram em um curral. Continuando, apontei-lhes uma gruta, com um pequeno cercado na frente, que possibilitava aos animais ficarem ao ar livre durante o dia e abrigar-se na caverna à noite ou em dias chuvosos, e disse ao grupo: pois foi em um lugar como esse que Maria deu à luz seu filho primogênito, Jesus, enfaixou-o e o deitou na manjedoura, isto é, no cocho onde se colocava a ração para os animais. Após a breve preleção, o palestino que nos acompanhava na função de guia local me chamou à parte e, educadamente, me disse que o meu relato sobre as circunstâncias do nascimento de Jesus estava equivocado. Expôs-me uma versão que eu não conhecia e acrescentou que a sua interpretação tinha o aval de pesquisadores da Universidade Hebraica de Jerusalém. Naquele momento não dei muita importância ao que me disse o palestino. Passaram-se meses e anos e, então, resolvi pesquisar o assunto. E, pasmado, descobri que a história contada todos os anos, especialmente nas comemorações do Natal, não corresponde ao que está registrado nos evangelhos. Uma tradição, passada de uma geração a outra geração, ficou de tal maneira impregnada em nossa mente a ponto de não nos permitir perceber que não é aquilo que nos contam os Evangelhos de Mateus e de Lucas. 13


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Veja o registro de Lucas: Naqueles dias, foi publicado um decreto de César Augusto, convocando toda a população do império para recensear-se. Este, o primeiro recenseamento, foi feito quando Quirino era governador da Síria. Todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. José também saiu da Galileia, da cidade de Nazaré, e foi para a Judeia, até a cidade de Davi, chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi, a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. E aconteceu que, estando eles ali, chegou o tempo de ela ter a criança. Então Maria deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou o menino e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria (Lucas 2.1-7). A DIFERENÇA ENTRE HOSPEDARIA E ESTALAGEM

Lucas afirma que “Maria deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou o menino e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria”. Mas a palavra hospedaria, usada neste texto, não designa uma estalagem, pousada ou pensão, destinada a abrigar hóspedes. O substantivo que ele usou para indicar a hospedaria é a palavra grega katalyma, usada para designar o quarto de hóspedes em uma casa de família. Se ele estivesse se referindo a uma hospedaria comercial teria usado a palavra grega pandocheion. A distinção entre os dois vocábulos fica clara em dois registros do Evangelho de Lucas. O primeiro é a parábola do Bom Samaritano, onde Lucas menciona uma hospedaria comercial, para onde o samaritano levou o homem que encontrou ferido à beira da estrada. O substantivo que ele usou para designar a hospedaria é a palavra grega pandocheion (Lucas 10.34). A ocorrência do outro vocábulo está no registro da preparação do local onde Jesus se reuniu com os discípulos para celebrar, pela última vez, a Páscoa judaica. Chegou o dia da Festa dos Pães sem Fermento, em que era necessário fazer o sacrifício do cordeiro pascal. Então Jesus enviou Pedro e João, dizendo: — Vão e preparem a Páscoa para que a comamos.

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Os Bastidores da Vida de Jesus Eles lhe perguntaram: — Onde o senhor quer que a preparemos? Jesus lhes explicou: — Ao entrar na cidade, vocês encontrarão um homem com um cântaro de água; sigam esse homem até a casa em que ele entrar e digam ao dono da casa: “O Mestre pergunta: ‘Onde fica o aposento no qual comerei a Páscoa com os meus discípulos?’” Ele lhes mostrará um espaçoso cenáculo mobiliado; ali façam os preparativos. E, indo, acharam tudo como Jesus lhes tinha dito e prepararam a Páscoa (Lucas 22.7-13).

Seguindo a ordem dada por Jesus, Pedro e João disseram ao dono da casa: “O Mestre pergunta: ‘Onde fica o aposento – no grego, katalyma – no qual comerei a Páscoa com os meus discípulos?’” Neste registro, katalyma era “um espaçoso cenáculo mobiliado”, que ficava no terraço da casa. Mas em outras casas podia ser simplesmente um cômodo da casa ou anexo a ela destinado a hóspedes. A comparação entre esses dois textos deixa claro que katalyma e pandocheion designam coisas diferentes. Katalyma designa um cômodo da casa ou anexo a ela destinado a hóspedes; e pandocheion designa uma hospedaria comercial destinada a abrigar hóspedes. AS CASAS NA ÉPOCA DE JESUS

Henri Daniel-Rops, em sua obra A Vida Diária nos tempos de Jesus, informa que, nos dias de Jesus, “a casa comum era do tipo rudimentar, um cubo caiado com poucas aberturas, talvez nenhuma exceto a porta, e um único cômodo dentro, dividido em dois, metade para os animais, metade para a família”.01 A seguir ele informa também que Os proprietários da classe média não se contentavam com o cômodo único do pobre, que servia de cozinha, sala de jantar e quarto ao mesmo tempo. [...] Entre os mais abastados surgiu o hábito de mandar fazer uma construção leve sobre o teto, [...] e esta gradualmente se transformou num outro andar. [...] Esta construção era o “cenáculo” mencionado tantas vezes no evangelho. 01

ROPS, Henri Daniel. A Vida Diária nos Tempos de Jesus. Tradução de Neyd Siqueira. São Paulo: Vida Nova, 3ª edição, 2012, p. 252

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Adão Carlos Nascimento Os hóspedes que passavam a noite eram colocados ali - as escadas externas faziam com que ficassem em completa liberdade.02

Kenneth E. Bailey, um escritor que passou a sua infância no Egito e, durante quarenta anos lecionou em seminários no Egito, Líbano, Jerusalém e Chipre, informa que As casas simples das aldeias da Palestina em geral não tinham mais que dois cômodos. Um deles era exclusivamente para os hóspedes. [...] O cômodo principal era o ‘cômodo da família’, onde toda a família cozinhava, comia, dormia e vivia. A extremidade do cômodo próxima da porta ou tinha o piso rebaixado cerca de um metro em relação ao restante desse aposento ou era cercada com madeira pesada. Toda noite os animais da família, como a vaca, o burro e algumas ovelhas eram conduzidos para essa área. E todas as manhãs, os mesmos animais eram levados para fora e amarrados no pátio da casa.03

Naquela época, as pessoas não dispunham das comodidades de que dispõem hoje. Geralmente, era necessário produzir aquilo que necessitavam para a sua subsistência. Se alguém precisava de leite para uma criança ou para o alimento da família, devia produzir o seu próprio leite. Ou seja, devia ter uma cabrita ou uma ovelha para produzir leite. Para transportar o que colhiam no campo, as pessoas precisavam possuir animais de carga. Por isto, cada família tinha os seus próprios animais. E pelo menos alguns destes passavam a noite na estrebaria da casa. Segundo o registro de Lucas, “Maria deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou o menino e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na katalyma”. Ou seja, o quarto de hóspedes estava ocupado, por isto, Maria deu à luz o seu filho primogênito na estrebaria, isto é, na parte da casa destinada aos animais, enfaixou o menino e o deitou no cocho onde se colocava a ração para os animais. A ORIGEM DO EQUÍVOCO

Mas de onde veio a versão de que Maria havia dado à luz seu filho primogênito, Jesus, em um curral, nas cercanias de Belém? Veio de 02

ROPS, Henri Daniel. Op. Cit., p. 253

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BAILEY, Kenneth E. Jesus pela ótica do Oriente Médio. Tradução de Carlos E. S. Lopes. São Paulo: Vida Nova, 2017, p. 30.

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um livro apócrifo, chamado Protoevangelho de Tiago ou, simplesmente, Evangelho de Tiago. Depois de dizer que José, que era velho e tinha filhos, e recebeu de um sacerdote judeu a responsabilidade de cuidar de Maria, o livro narra o seguinte: Capítulo 17 [1] E veio uma ordem do imperador Augusto para que se fizesse o censo de todos os habitantes de Belém da Judeia. E disse José: “A meus filhos posso recensear, mas que farei desta donzela? Como vou incluí-la no censo? Como minha esposa? Envergonho-me. Como minha filha? Mas já sabem todos os filhos de Israel que não é! Este é o dia do Senhor, que se faça sua vontade.” [2] E, selando sua asna, fez com que Maria se acomodasse sobre ela, enquanto um de seus filhos ia à frente puxando o animal pelo cabresto. José os acompanhava. Quando estavam a três milhas de distância (de Belém), José virou-se para Maria e viu que ela estava triste; e disse consigo mesmo: “Deve ser a gravidez que lhe causa incômodo.” Mas, ao voltar-se novamente, encontrou-a sorrindo, e lhe disse: “Maria, que acontece, pois que algumas vezes te vejo sorridente e outras triste?” E ela lhe disse: “É que se apresentam dois povos diante de meus olhos; um que chora e se aflige e outro que se alegra e se regozija.” [3] E, ao chegar à metade do caminho, disse Maria a José: “Desça-me, porque o fruto de minhas entranhas luta por vir à luz.” E ele ajudou-a a apear da asna, dizendo-lhe: “Aonde poderia eu levar-te para resguardar teu pudor, já que estamos em campo aberto?” Capítulo 18 [1] E, encontrando uma caverna, levou-a para dentro e, havendo deixado os seus filhos com ela, foi buscar uma parteira hebreia na região de Belém. Capítulo 19 [1] E então uma mulher que descia da montanha me disse: “Aonde vais?” Ao que respondi: “Ando procurando uma parteira hebreia.” Ela replicou: “Mas és de Israel?” E respondi: “Sim.” “E quem é, acrescentou, a que está dando à luz na caverna?” “É minha esposa”, lhe disse eu. Ao que ela replicou: “Então, não é tua mulher?” 17


Adão Carlos Nascimento E eu lhe respondi: “É Maria, a que se criou no templo do Senhor, e ainda que me tivesse sido dada por mulher, não o é, pois que concebeu por virtude do Espírito Santo.” E interrogou-lhe a parteira: “Isto é verdade?” José respondeu: “Vem e verás.” Então a parteira se pôs a caminho junto com ele. [2] Ao chegar à gruta, pararam, e eis que esta estava sombreada por uma nuvem luminosa. [...] Esta, por um momento, começou a diminuir tanto que deu para ver o menino que estava tomando o peito de sua mãe, Maria. A parteira então deu um grito dizendo: “Grande é para mim o dia de hoje, já que pude ver com meus próprios olhos um novo milagre.”04

O Protoevangelho de Tiago é um livro apócrifo, escrito por alguém que não conhecia a Judeia e nem os costumes judaicos. A obra foi escrita em grego, por volta do ano 200 d.C., e traduzida para o latim e outras línguas faladas então no Oriente e na África. De acordo com Denis Farkasfalvy: As motivações para a produção de tais novas obras foram muitas e cada vez mais num ritmo crescente: a devoção, a satisfação da curiosidade, o apoio às necessidades doutrinárias, inovações, novas tendências, a influência de vários grupos eclesiais, alguns remanescentes em comunhão com o cristianismo tradicional, e alguns que se retiraram da comunhão ou aparecendo em isolamento aos olhos dos outros. Disputas doutrinais, comunidades que se dividiam e práticas aberrantes exigiram a produção de mais e mais “escritos sagrados.” Os mais importantes são aqueles escritos que tentam construir pontes entre os princípios fundamentais da tradição cristã e diferentes fluxos de movimentos filosóficos ou religiosos na sociedade helênica tardia.05

Jerônimo e outros eruditos cristãos daquela época mostraram que o Protoevangelho de Tiago é uma obra fantasiosa e falsa. Mas, mesmo assim, o seu conteúdo influenciou a interpretação que muitos cristãos dão aos evangelhos, inclusive a interpretação dos textos que registram o nascimento de Jesus. 04 Protoevangelho

de Tiago in Apócrifos e Pseudo-Epígrafos. Trad. Cláudio J. A. Rodrigues. São Paulo: Novo Século, 2004, p. 585-586.

FARKASFALVY, Denis. Inspiration & interpretation: a theological introduction to Sacred Scripture. Washington, DC: Catholic University of America Press, 2010, p. 50.

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Embora mais fantasias tenham sido acrescentadas à versão de que Jesus havia nascido em uma caverna, a base de tudo foi o relato falso desse autor anônimo. RECONSTITUIÇÃO

O registro do nascimento de Jesus, feito por Mateus e Lucas, à luz dos costumes daquela época, oferece elementos para uma reconstituição bastante verossímil dos fatos. Lucas registra que “José também saiu da Galileia, da cidade de Nazaré, e foi para a Judeia, até a cidade de Davi, chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi, a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida” (Lucas 2.4,5). Neste relato é possível perceber o cuidado de José com Maria. Ela não precisava ir a Belém para recensear-se, já que José, como chefe da família, é que devia fazê-lo. A companhia de Maria deve ser vista como demonstração do cuidado que José tinha com ela. Ele não quis deixá-la sozinha em Nazaré, às vésperas de dar à luz seu filho primogênito. Diante disso, fica difícil admitir que José tenha agido de forma tão leviana quanto ao parto de Maria. Como homem íntegro e chefe de família responsável, ele não se aventuraria a colocar sua esposa em situação tão vulnerável em circunstância tão especial de sua vida. Quando saiu de Nazaré, José levou Maria consciente de que, tendo parentes em Belém, certamente seria recebido e abrigado por eles. A pequena vila de Belém não ficava às margens de nenhuma estrada importante, de grande fluxo de pessoas. Portanto, é pouco provável que existisse ali alguma pandocheion, isto é, alguma estalagem ou hospedaria pública destinada a receber hóspedes que por lá passassem. Deve-se levar em consideração também que Lucas dá a entender que José e Maria chegaram a Belém alguns dias antes do nascimento de Jesus. Ele escreveu: “E aconteceu que, estando eles ali, chegou o tempo de ela ter a criança” (Lucas 2.6). Portanto, tiveram tempo para encontrar acomodação adequada. A hospitalidade era uma das marcas dos judeus daquela época. Nenhuma família deixaria perambulando pelas ruas da pequena vila de Belém uma mulher grávida, preste a dar à luz um filho. E mesmo estando o quarto de hóspedes, isto é, a katalyma, ocupado por pessoas que tinham chegado antes, uma família recebeu José e Maria em sua casa. O fato de ter ela dado à luz seu filho na estrebaria da casa, isto é, na parte onde 19


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ficavam os animais, se explica pelo pudor e recato com que era tratado o parto. Este não podia ser assistido por nenhum homem, nem mesmo pelo marido da parturiente. Geralmente, na hora do parto, todas as pessoas deixavam o cômodo onde a família habitava e a parturiente ficava sozinha com a parteira que a assistia. Como o nascimento de Jesus ocorreu à noite, não havia como tirar todas as pessoas daquela parte da casa para que Maria ficasse sozinha com a parteira. Por isto, ela se dirigiu para a estrebaria, e lá deu à luz o seu filho primogênito. O anjo que anunciou aos pastores o nascimento de Jesus, disse-lhes que o menino havia nascido em Belém, e não nos arredores de Belém. O anúncio do anjo foi este: “hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lucas 2.11). E para ver o menino, os pastores foram a Belém (Lucas 2.15,16). William McClure Thomson (1806-1894), missionário que trabalhou muitos anos no Oriente Médio na segunda metade do século 19, escreveu um livro que se tornou best-seller, com o título de The Land and the Book (A Terra e o Livro), onde afirmou: “Minha impressão é que o nascimento ocorreu realmente numa casa comum de algum camponês e que deitaram o bebê numa das manjedouras, que ainda são encontradas em casas de agricultores da região.”06 Mateus mostra que o nascimento de Jesus em Belém era o cumprimento de uma profecia. “E você, Belém, terra de Judá, de modo nenhum é a menor entre as principais de Judá; porque de você sairá o Guia que apascentará o meu povo, Israel.” (Mateus 2.6). Não houve nenhuma improvisação. A vinda do Messias estava sendo preparada desde o início da história da raça humana, e “quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gálatas 4.4,5). Jesus nasceu em Belém, na casa de uma família que hospedava José e Maria. A “manjedoura estava em uma casa aquecida e acolhedora, não em um estábulo frio e solitário.”07 Jesus nasceu pobre e na pobreza, mas não miserável. Esta história precisa ser recontada. 06

THOMPSON, William. The Land and the Book. New York: Harper & Brothers, 1871, volume 2, p. 503. Apud BAILEY, Kenneth E. Jesus pela ótica do Oriente Médio. Tradução de Carlos E. S. Lopes. São Paulo: Vida Nova, 2017, p. 33.

BAILEY, Kenneth E. Op. Cit., p. 38.

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