Dinâmica de Colisão no Karate Extraido de: http://www.flaviocosta-karatedo.com/2013/01/dinamica-de-colisao-no-karate.html de Richard Garrelts traduzido por Marcos Piolla
Encontrei esse artigo, MUUUITO NERD, sobre dinâmica de colisão no Karate (Collision Dynamics in Karate) e achei interessante traduzir... apesar da nerdice, acho que vale a pena dar uma olhada. Quaisquer heresias científicas ou corrupção de termos durante a tradução são responsabilidade unicamente minha e dos meus parcos conhecimentos da física abordada nesse artigo. Antes que fiquem muito animados ou muito desanimados com os conceitos expostos nesse modelo simplificado, quero lembrar que Karate é uma arte! Uma Arte deve ser sentida pelo artista e tentar imbuir um cunho científico ou matemático não necessariamente o fará mais eficiente se o resultado não for sentido pelo artista e, claro, testado a ferro e fogo. ------------------------------------------------------------------------------------------Procure em qualquer fórum de artes marciais na internet e logo encontrará um debate acirrado sobre física. Apesar das questões levantadas abrangerem desde se o calcanhar deve ou não levantar durante um gyaku-zuki até a definição de kime, parece que há, em quase todos os casos, uma grande confusão em rondando, justamente, o que é que faz um golpe potente.
O propósito desse artigo é delinear um modelo simplificado de soco que permitirá que alguns dos conceitos mais comuns sejam abordados qualitativamente. Também apresento uma visão alternativa da técnica, que evita apelar à noções ingênuas de força como sendo uma propriedade intrínseca de objetos em movimento para explicar o papel importante das dinâmicas corporais. De forma alguma esse modelo aqui representado pretende cobrir todos os aspectos de socar (nem todos os conceitos errados). Ao invés disso, espero que o leitor extraia dessa apresentação uma maior apreciação da física fundamental envolvida em socar, assim como as formas de simplificações feitas tipicamente quando abordamos problemas do mundo real. Em nossa busca por uma equação capaz de predizer o efeito de uma técnica, podemos primeiramente, definir inércia (momentum). Pode parecer promissor, a princípio, pois parece que objetos pesados em movimento rápido geram um impacto maior que objetos leves movendo-se devagar. Por outro lado, suspeito que deveríamos todos concordar que ser atingido por um objeto de 1kg movendo-se a 100m/s é pior que ser atingido por um de 100kg movendo-se a 1m/s, apesar de os dois terem a mesma inércia. Pode ser, portanto, tentador ressaltar KE=1/2mv2, como a correta equação a se usar quando tentamos determinar o resultado de um soco. O problema é que essa equação não nos diz nada! Nós simplesmente demos nome a uma quantidade! Poderíamos facilmente ter dito que a massa tende a ser maximizada porque uma outra quantidade inventada é proporcional ao cubo dessa massa, ou é exponencial em massa, ou seja lá o que for... Nada é realmente previsível até que mostremos o quanto uma quantidade (como energia cinética) é relacionada com outra quantidade mensurável (ou quantidades). Deveríamos realmente estar buscando um modelo determinista da colisão que prediga o que acontece quando o objeto A bate no objeto B. Ao fazê-lo precisaremos de um pouco mais de trabalho do que simplesmente fuçar o livro de física de um calouro em busca de uma equação que tenha todas as variáveis "certas".[i] É aí que entra o modelo. Precisamos fazer pressuposições razoáveis (e talvez alguma não tão razoáveis assim!) sobre as propriedades físicas de objetos em colisão. Claro que precisam ter alguma massa (digamos m e M, respectivamente) e precisam colidir a uma velocidade relativa v — caso contrário você poderia concluir que não haveria nem colisão, para começar! Assumiremos, também, pela simplicidade, que o alvo não está apoiado. O que mais? Certamente a dureza faz diferença e, aqui é onde nossa primeira aproximação deve entrar em cena: Vamos assumir que a força aplicada pelos
objetos em colisão é proporcional a quanto as partes em contato foram comprimidas (uma pressuposição razoável visto que não foram comprimidas demais). Podemos também adicionar outros termos proporcionais à razão com que os objetos foram comprimidos, ou até à razão com que essa razão é alterada (whew!), mas estamos apenas procurando por uma primeira aproximação aqui, e pela simplicidade, vamos ignorar isso, por hora. Estamos prestes a nos deparar com nosso primeiro obstáculo: Nosso punho não é um objeto isolado no espaço. Há forças sendo aplicadas por nossos músculos, tecidos conectivos, ossos, etc... e não temos nem ideia de quão importantes elas são. A abordagem usual é ignorar essas forças porque o tempo de colisão é "pequeno" — quer dizer, podemos imaginar que nosso braço socando e o alvo formam um "sistema fechado" e que a inércia e a energia são (pelo menos grosseiramente) conservados. Infelizmente, essa não é uma boa razão (por si só) para dizer que a inércia é conservada. Afinal, mesmo se o tempo de colisão for da ordem de milissegundos, se a força externa aplicada pelo corpo do atacante for grande o suficiente, a inércia do sistema pode, ainda, mudar notavelmente. Aqui, invocaremos o modelo de contração muscular originado por Archibald Hill. O que Hill descobriu é que a força aplicada por um músculo depende da razão com a qual o músculo é contraído (a chamada "velocidade contrátil"). E ela o faz de tal forma que, à medida que o músculo contrai-se rumo à "velocidade máxima", a força decai para zero. Essa será nossa motivação para negligenciar as forças aplicadas pela contração muscular. Lutadores de Boxe são vistos frequentemente aplicando forças na ordem de meia tonelada quando socam sacos de pancada usando luvas. Como o efeito de músculos contraindo se comparam com isso? É muito fácil descobrir: simplesmente assuma uma posição de soco e empurre contra uma balança apoiada na parede. Você vai provavelmente notar que a força registrada pela balança é significantemente menor que as registradas por socos de boxers em sacos de pancada. Note, também, que a força real aplicada por nossos músculos decai (pela relação de Hill) à medida que eles contraem. Então, mesmo se fôssemos incluir nossa força máxima estática ao empurrar (que superestimaria a força real que estaríamos aplicando) em nosso modelo de soco, o resultado final não mudaria apreciativamente. Podemos, então, negligenciar com segurança provável as forças aplicadas pelos músculos do braço (pelo menos durante o impacto!).[ii]
Nós agora queremos descobrir a força máxima aplicada durante a colisão (a força aplicada quando os dois objetos estão na mesma velocidade). Se negligenciarmos o efeito das forças musculares aplicadas durante a colisão,[iii] é preciso apenas de um pouco de álgebra simples para mostrar que, via conservação de inércia e energia,
onde k e K são as "durezas" dos objetos com massas m e M, respectivamente. [iv] Interessante, nossa intuição sobre a importância relativa de massa e velocidade não estava aparentemente tão "fora", pois à medida que M fica muito maior que m, Fmax torna-se v[kK/(K+k)]1/2m1/2. Ser atingido por um objeto de 1kg movendo-se a 1000m/s é realmente bem pior! Mas note que nosso resultado final não é simplesmente igual à energia cinética também. Se fosse, deveríamos esperar que uma massa de 106 kg movendo-se a 1m/s provocaria os mesmos danos que 1kg do mesmo material movendo-se a 103m/s. Aparentemente, nem inércia nem energia cinética são, individualmente, bons indicadores do efeito de uma técnica. De fato, não há nenhuma propriedade intrínseca de um objeto em movimento suficiente para predizer o que acontece quando colide com um outro não especificado. Colisões não acontecem isoladamente! Área de Superfície Ao desenvolver nosso modelo simples, mencionamos en passant a "dureza" dos objetos em colisão. Pode parecer que essa quantidade seria inteiramente dependente do material com que os objetos são compostos mas, se fosse o caso, uma barra de 0.5 cm de diâmetro não seria mais fácil de dobrar que uma de 10 cm. Evidentemente que a propriedade intrínseca do material que caracteriza o quão difícil é para dobrá-lo não é a "dureza", mas sim as interações entre os átomos e moléculas de que o material é composto, mas já que qualquer objeto macroscópico é feito de diversos tipos de moléculas e átomos diferentes,
devemos saber algo a respeito do seu número e arranjo para predizer a "dureza" do objeto que formam. Entre outras coisas, isso significa também que a magnitude da força de colisão será dependente da área de superfície na qual a força é aplicada. Para verificar, devemos considerar o exemplo simples de uma tábua vertical atingida por um gyaku-zuki: à medida que o punho colide com a tábua, as partes mais próximas da tábua em contato com o punho serão mais comprimidas que as partes mais distantes. Isso significa que a interação entre tábua e punho acontece entre relativamente menos moléculas quando a força é aplicada em uma área de superfície menor. Essa interação decrescente resulta numa menor "dureza efetiva" do que se a força de colisão fosse espalhada por uma maior superfície e significa que a força de colisão, em si, deve ser atenuada. Esse resultado é um tando contra-intuitivo. A sabedoria comum diz que, para maximizar a possibilidade da tábua quebrar, a força deve ser concentrada na menor área possível. Então, qual é a correta? De fato, as duas afirmações estão parcialmente corretas: A força de colisão realmente aumenta à medida que a área de contato aumenta, mas note que ela não o faz linearmente — isso só aconteceria se as partes do objeto atingido, não em contato direto com o punho, não experimentassem nenhum movimento como resultado da colisão. Mas mesmo essas partes, mais distantes da área de colisão apresentam, pelo menos, algum movimento como resultado das forças aplicadas ao resto do objeto. Essa força, entretanto, não é suficiente para assegurar que as seções adjacentes do objeto experimentem a mesma aceleração e, portanto, haverá um dobramento do objeto em larga escala à partir do punho. À medida que ele dobra, a distância das moléculas adjacentes aumenta e, a certo ponto, um quebramento ocorre. Essa torção tende a aumentar à medida em que a força de colisão é localizada em uma área cada vez menor ao centro do objeto, particularmente se as extremidades forem fixadas. Porque não é a força de colisão, em si, que determina se um quebramento ocorre ou não, mas sim, as forças aplicadas por seções adjacentes do objeto nas outras subsequentes, a força de colisão realmente deve ser concentrada na menor área possível para que o quebramento ocorra. O Papel da Técnica É bem comum encontrar argumentos que o movimento das partes mais remotas do corpo é importante porque aumenta a massa em F=ma. Essa concepção aparece enraizada na noção ingênua de força como uma propriedade de objetos em aceleração: Aumente a massa de um objeto em aceleração e estará
aumentando a "força" que ele "tem". Ao invés disso, devemos argumentar que o movimento sequencial de partes do corpo é de importância primordial em aumentar a velocidade dos membros. Lembramos que a mudança na energia cinética de um objeto é igual ao trabalho impresso nesse objeto. Agora, suponhamos que queremos calcular a velocidade correspondente. O que teríamos que fazer é somar todas as forças (vetorialmente) aplicadas ao braço (incluindo aquelas devidas à contração muscular) e multiplicar essa força pela distância em que ela foi aplicada. Devagar! A equação de Hill nos diz que a parte muscular da nossa rede de força aplicada não é uma constante, mas sim, decrescente à razão com que o músculo contrai! Então, se simplesmente multiplicarmos nossa máxima força muscular estática pela distância total em que foi aplicada, teremos superestimado sua contribuição em v. Mas, espere! Eis uma ideia! Poderíamos simplesmente quebrar a distância total em que a força foi aplicada em segmentos bem pequenos— segmentos tão pequenos que podemos considerar a força aplicada em cada um (essencialmente) como uma constante. Então, começando do repouso, multiplicaríamos uma força inicial apropriada por uma pequena distância, e então, adicionaríamos a isso, uma diferente (menor) força (pois o músculo está realmente encurtando) multiplicada pela próxima ínfima distância e, então, adicionaríamos a isso uma (menor ainda) força multiplicada pela próxima distância diminuta, e então....até que o punho tenha percorrido todo o caminho rumo ao alvo. Pode estar ponderando porque alguém iria querer fazer isso e, realmente, me pergunto isso a mim mesmo! Entretanto, essa análise é útil para nos dizer qualitativamente o que devemos fazer para maximizar a velocidade do braço e, consequentemente, a força máxima aplicada durante a colisão. Queremos que o trabalho impresso no braço seja o maior possível para que a velocidade de impacto seja igualmente grande. Mas, se o tronco contrarotacionar, ou, pior ainda, deliberadamente puxar o lado que soca durante o soco, o músculo encurtaria a uma maior razão e, de acordo com Hill, a força aplicada sobre uma das nossas diminutas distâncias seria menor do que se mantivéssemos os ombros fixos ou, melhor ainda, se tivéssemos torcido nosso lado que soca em direção ao alvo antes de começar a soltar o braço. Também, por causa do alcance limitado do braço, a distância total na qual nossa força variável é aplicada no primeiro caso seria menor do que no segundo caso. Tem mais ainda do que isso: Rotacionar os ombros antes de estender o braço também muda o trabalho impresso no mesmo ao aproveitar a elasticidade passiva dos músculos, aumentando assim a força aplicada durante os primeiros movimentos ainda mais. E finalmente, por causa da força aplicada inicialmente
no braço aumentar à medida que o tempo em que o músculo foi "ativado" a uma distância fixa, teremos ainda uma outra razão para antecipar o movimento do braço com uma rotação do tronco. Se aplicarmos o mesmo argumento acima aos quadris e ombros, veremos que os quadris deveriam ter alguma inércia angular para maximizar tanto a força aplicada ao ombro que bate quanto a distância na qual essa força é aplicada. Para finalizar, forças friccionais suficientes agindo nos pés são necessárias para assegurar que a força aplicada nos quadris (e a distância em que isso acontece) sejam, também, máximas. Para apreciar a importância disso, tente arremessar um objeto pesado em pé sobre o gelo e compare com os resultados com os obtidos ao fazer o mesmo sobre o concreto. Massa Efetiva Um argumento comum é que, para aplicar uma grande força de colisão, precisamos de tanta massa quanto possível viajando em direção ao alvo. Enquanto isso pode parecer intuitivamente plausível (ou até óbvio e desnecessário dizer), essa não é a forma que as coisas realmente funcionam. Na realidade, a massa do corpo só importa até o ponto em que altera a inércia ou a energia do membro que golpeia rumo ao alvo e, quando nenhuma força for aplicada por ele, seria melhor que nem estivesse lá. Argumentamos, até aqui, que os torques musculares típicos serão bem menores do que os derivados da colisão. Entretanto, precisamos levar em conta que o efeito da inércia do braço (pelo menos num soco reto)[v] e possivelmente outras partes do corpo (apesar de geralmente considerados de menor importância), e isso pode ser obtido ao introduzir uma massa "efetiva" que vem através da medida da massa do objeto atingido junto com a velocidade de ambos objetos antes e depois do início da colisão. Assumindo que o alvo está, inicialmente, em repouso, teremos então,
, onde vf é a velocidade final do objeto atingido (de massa M) e do punho, e vi é a velocidade inicial do punho. É geralmente assim que pesquisadores têm definido a massa efetiva ao conduzir experimentos em Boxe e Karate e, interessante notar, a massa efetiva mensurada cai bem abaixo (normalmente por mais de uma ordem de magnitude) da massa corporal total do atacante. A razão para isso é mais aparente se tomarmos uma abordagem ligeiramente diferente (que acredito ser, intuitivamente, de mais apelo) para definir a massa efetiva como:
onde Fcoll é a força aplicada durante a colisão e a é a aceleração da superfície que golpeia em direção a essa força. Assim como no caso da definição prévia, essa massa efetiva é, de fato, dependente de dois fatores: 1) forças externas aplicadas no membro que golpeia e, 2) a orientação do membro que golpeia durante a colisão. O primeiro elemento é um tanto óbvio: se há uma força externa aplicada no braço durante a colisão, o braço irá acelerar diferentemente (por uma dada força de colisão) do que iria ser na ausência de tal força. O efeito da orientação do membro que golpeia na massa efetiva pode ser entendida qualitativamente da seguinte forma: Para um objeto que se comporta como um corpo rígido durante a colisão[vi] (uma melhor opção para ganchos do que para socos retos, certamente, mas não é mal para uma abordagem inicial), nossa expressão para a massa efetiva pode ser escrita como,
onde I é o momento de inércia do objeto a cerca do seu centro de gravidade e R é a distância perpendicular entre os centros de gravidade dos objetos e a linha que se estende paralelamente da força de colisão. Falando de forma simples, se fechar os olhos e empurrar um objeto, a parte do objeto em contato com sua mão será mais fácil de acelerar se o empurrão fizer o objeto rotacionar de alguma forma, em vez de simplesmente transladar. E, se tentar mover o objeto sem a rotação, a massa efetiva é, simplesmente, a massa do objeto. Isso deveria ser meio óbvio como, se tentar empurrar diretamente em direção ao centro de gravidade de um objeto, você não terá como saber como a massa do objeto é distribuída; toda a massa pode muito bem estar localizada no centro da massa. Podemos, assim, entender a massa efetiva do objeto de acordo com a aparente resistência da área atingida em mudar de direção. Mas note que essa massa efetiva é completamente independente da história da técnica. Ou seja, não importa se os quadris ainda estão se movendo durante a colisão ou se foram usados somente para gerar o movimento, quando seu punho colide com o alvo, a massa efetiva é inteiramente determinada pela orientação do seu corpo no espaço. No que diz respeito à massa efetiva, não faz diferença quais partes do corpo se movem ou se estavam ou não se movendo rumo ao alvo! Qualquer efeito positivo que o movimento de partes mais distantes do corpo (coincidentemente mais maciças no caso do soco) possa ter no resultado de uma técnica deve, então, estar limitado ao aumento relativo de velocidade com a qual o membro que golpeia e o alvo colidem. Nossas elucubrações iniciais implicam que um tetsui deve ter uma massa efetiva menor que um choku-zuki (no qual o antebraço se mantém paralelo à força de colisão durante a execução da técnica). Isso que dizer que um chokuzuki imprimirá uma maior força no alvo? Não necessariamente. Tenha em mente que os tetsui têm se mostrado ter maior velocidade que os choku-zuki.
Também, nosso modelo prevê que a força máxima aplicada não depende simplesmente da massa efetiva do braço mas, ao invés disso, na quantidade meffMeff/(meff+Meff). Isso significa que, se alguém soca um objeto com uma massa efetiva muito menor do que a do membro que golpeia, haverá pouco benefício em aumentar a massa efetiva desse membro. Por outro lado, é sempre benéfico aumentar a velocidade relativa com que os objetos colidem (tudo mais send igual). Resumindo, não se pode dizer se essa ou aquela técnica irá "bater mais forte" sem especificar as propriedades do objeto a ser golpeado. De volta a nossa expressão para a massa efetiva, vemos a razão pela qual a totalidade de nossa massa corporal não deve entrar na equação: a massa efetiva só é igual à massa total se uma força é aplicada diretamente rumo ao centro da massa (raramente no caso de um soco). Tenha em mente, também, que a relação acima assume que o corpo não deforma, de maneira alguma, durante a colisão. Ou seja, para ter uma massa efetiva igual à nossa massa corporal total, todos os músculos agonistas no nosso corpo teriam que contrair com uma força tamanha, para que todas as partes do nosso corpo possam sofrer a mesma aceleração. Deve-se também notar que filmagens com câmeras de alta rotação de tameshiwari mostram que a onda de choque produzida durante a colisão, não acaba de se propagar pela totalidade do comprimento do braço antes do fim da colisão. Isso sugere que nosso modelo de corpo rígido, de alguma forma, superestima a real massa efetiva do membro que golpeia, mesmo se alguém for capaz de aplicar forças musculares grandes o suficiente para assegurar que todas as partes do corpo sofram a mesma aceleração angular, pelo menos, em colisões com objetos maciços e rígidos. O Papel de Músculos Antagonistas Pode ser tentador ver a discussão acima como uma justificativa para deliberadamente enrijecer todos os músculos do corpo durante a colisão, uma orientação comum em muitos dojo. Isso parece ser baseado na pressuposição de que, já que coisas "duras" não deformam perceptivelmente sob uma força aplicada, o corpo todo deve ser "endurecido" durante o impacto (presumivelmente ao contrair tudo ou "cravando") para que também não deforme perceptivelmente. Como um simples exemplo, podemos considerar um poste vertical mantido por um grupo de três cordas, todas tensionadas, conectadas à base em que o poste está montado. Quando nada está empurrando o poste, os torques gerados
pelas cordas devem anular-se, uns aos outros, e isso pode parecer uma justificativa para "se contrair" durante o impacto: O poste e a base formam um objeto coeso e, queremos que todo nosso corpo aja, também, como um objeto coeso, então, tudo deve ser tensionado, como as cordas do poste. Entretanto, na presença de uma outra força (seja devido à um empurrão, colisão, ou o que quer que seja), o poste e a base só agem como um simples e unificado objeto se houver um aumento na tensão das cordas que aplicam um torque diretamente oposto. E esse aumento de tensão deve ser maior se não houver um decréscimo comensurado na tensão das outras cordas. Se as tensões em todas as cordas permanecerem constantes, o poste teria tombado da sua base tão facilmente quanto se não houvesse nenhuma corda! Em primeira vista, isso pode parecer contradizer a experiência. Afinal de contas, é certamente mais difícil dobrar o braço de alguém quando seu bíceps e tríceps são ativados simultaneamente do que quando o braço está relaxado. Apesar de parecer que os músculos de ambos os lados do braço estão igualmente tensionados aqui, esse certamente não é o caso. Isso é porque os músculos ativados agem como estruturas elásticas (muito similares às cordas da ilustração acima) e, à medida que a articulação começa a dobrar, o bíceps encurta e imprime uma força ligeiramente menor ao mesmo tempo em que o tríceps se expande e é exposto a uma maior tensão. O efeito desencadeado é que, à medida que o cotovelo dobra mais e mais, torna-se mais e mais difícil de dobrar ainda mais. Isso continua até que a tensão necessária não possa mais ser mantida e o músculo falha. Mas note que a força necessária para dobrar o braço (e, portanto, a massa efetiva do braço) iria aumentar se o bíceps simplesmente ficasse tão relaxado quanto possível durante o exercício, enquanto apenas o tríceps seria ativado (o segredo, se é que há alguma, para o braço indobrável do Aikido). A ideia, então deve ser conscientemente contrair somente os músculos apropriados durante a colisão, ao invés de contraí-los a todos indiscriminadamente. Em movimentos mais balísticos, é ainda mais importante que a tensão nos músculos antagonistas seja minimizada. Como vimos anteriormente, a força máxima aplicada durante a colisão depende da velocidade na qual os objetos colidem, e da tensão mantida nos músculos antagonistas que irá limitar essa velocidade. Alguns podem argumentar que ainda é vantajoso aplicar deliberadamente tensão muscular antagônica se o aumento geral da massa efetiva for maior que
o decréscimo de velocidade, mas acabamos de ver que a tensão muscular antagônica limita, não só a velocidade, como também, a massa efetiva. A co-ativação de grupos musculares opostos só é vantajoso nos casos onde os agonistas e antagonistas não podem ser identificados antecipadamente. Num exemplo simples, consideremos o pulso num choku-zuki. Já que o objetivo primordial da tensão muscular nessa área seria de prevenir que o pulso se dobre, pode parecer que deveríamos simplesmente contrair os músculos que se opõem ao torque devido à colisão, mas não é fácil ver, de antemão, quais músculos serão esses! Afinal de contas, dependendo de como o alvo se move antes da colisão, o impacto pode fazer o pulso dobrar tanto para cima quanto para baixo e para os lados, e como a colisão ocorre durante um tempo tão curto, não podemos esperar que sejamos capazes de reagir à tempo e, só então, acionar os grupos Musculares apropriados. Em vez disso, contraímos tudo no punho e antebraço e deixamos que as propriedades elásticas dos músculos façam o restante. E o fazemos sabendo muito bem que essa é uma solução "mambembe" mas, às vezes, temos que nos contentar com o que temos. Hikite Um dos aspectos mais incomuns do treino de Karate é a insistência em puxar violentamente a mão que não golpeia para o quadril durante a execução de várias técnicas. As interpretações desse movimento variam, mas é comumente aceito que essa ação resulta em uma maior força de colisão por que "deve haver uma reação igual e oposta" do corpo movendo-se para a frente. Apesar de o corpo realmente se mover para a frente durante o hikite, isso é bem longe do cenário total. O corpo não apenas deve acelerar (segundo a terceira lei de Newton) em uma direção oposta ao movimento, mas deve também rotacionar, visto que a força igual e oposta aplicada pelo braço no corpo também aplica um torque em torno do seu centro de gravidade. Esse torque é vantajoso nos casos de golpes horizontais desferidos com a mão de trás, mas em casos de socos retos ele tende a causar uma rotação que é oposta à direção na qual o corpo deveria se mover para maximizar a velocidade do membro que golpeia. E pelo fato de nossos membros estarem localizados nas extremidades do tronco e o centro de gravidade do tronco não estar, a aceleração do lado do corpo que golpeia tende, devido ao torque, a ser maior do que a gerada pela força, o que faz com que o efeito desencadeado pelo hikite, num soco direto, force o lado do tronco que golpeia a se afastar do alvo! Isso fica aparente se
simplesmente ficarmos em pé com um braço estendido horizontalmente à frente e, mantendo os quadris parados, puxarmos esse braço com força para o quadril sem ativar os músculos do abdome. Esse efeito tende a se exacerbar se usarmos a ação do hikite para segurar o oponente e puxá-lo. Isso não implica, entretanto, que a ação do hikite durante o soco reto seja inteiramente inútil. Como a força de colisão depende de quaisquer forças externas aplicadas ao alvo, incluindo qualquer força aplicada pelo hikite, é certamente plausível que o seu efeito ao ancorar o oponente no lugar irá ofuscar qualquer decréscimo na velocidade rotacional do torso. Isso é particularmente verdadeiro em golpes onde o corpo tem proporcionalmente mais velocidade translacional que rotacional e em alvos cuja massa é relativamente menor do que a massa efetiva do membro que golpeia. De volta à noção do hikite sem agarrar o oponente, devemos notar que, apesar da ação de puxar o braço ter, realmente, o efeito de forçar o lado do tronco que soca a rotacionar para longe do alvo, o ato de parar bruscamente o punho junto ao quadril tem o efeito oposto. Isso significa que, se sincronizarmos a ação do hikite de forma que a parada do punho ao quadril ocorra quando o ombro inicia sua torção rumo ao soco, a manobra pode ser útil em aumentar a velocidade do braço que golpeia. Note, no entanto, que isso não ocorre por causa do efeito da "ação e reação" do movimento do corpo mas, oa invés disso, pela rotação do tronco que ocorre como resultado de fazer o braço parar. Para se beneficiar disso, o hikite deve começar antes do braço começar a socar. Para o choku-zuki desferido de uma posição mais ou menos estacionária, na qual a velocidade rotacional do tronco é fundamental, uma forma ligeiramente diferente de hikite pode ser usada com grande efeito: em vez de puxar a mão que não soca de volta ao quadril, puxamo-la junto à face de forma similar à nagashi-uke. Se esse movimento for conduzido enquanto se agarra o braço ou roupa do oponente, o aumento resultante na velocidade rotacional do tronco será ainda maior. Ainda, uma outra forma de hikite foi favorecida por Jack Dempsey: quando desferindo um gancho, evemos estender ligeiramente a mão que não soca à frente e, então, permitir que ela volte em um arco suave, ao invés de numa linha reta, à posição de guarda assim que o tronco começa a girar. Ao permitir primeiro que o braço gire com o corpo antes de puxá-lo violentamente para a guarda, disponibilizamos uma quantidade adicional de trabalho que pode aumentar a velocidade rotacional do torso. Algum cuidado, é claro, deve ser tomado para não exagerar esse movimento e ficar aberto e desprotegido durante a manobra.
De fato, pode-se ponderar se deveríamos sequer mencionar essas "melhorias" teóricas já que parece, nesse caso, que os riscos óbvios podem ofuscar os possíveis benefícios. Um observador cauteloso irá, entretanto, notar que para a maior parte dos casos, senão todos os maiores artistas do gancho, tais quais Joe Frazier, Floyd Patterson e Mike Tyson usaram uma forma desse movimento, (talvez sem saber) como parte de sua própria técnica. O que mencionamos aqui não é uma inovação, de forma alguma, mas o reconhecimento de que esses aspectos de suas técnicas poderiam ser mais do que um simples cacoete pessoal. Base Apropriada Ao socar alvos relativamente estáticos, irá parecer, às vezes, que apesar de estarmos "enraizados" no solo como resultado da força de reação, seria melhor levantar o calcanhar traseiro do chão ou, "aliviar" o peso da perna dianteira durante o impacto e isso pode soar como subestimar a importância de uma boa base. Um argumento comum é que, sem isso, o atacante será empurrado para trás e isso deve significar que alguma parte da "força de reação" migrou para "o corpo do atacante" ao invés de "para o alvo". Na realidade, forças de ação-reação são sempre iguais e opostas e uma força de reação maior aplicada no corpo de alguém não deixa "menos força" sobrando para "migrar" para lugar nenhum. Certamente alguém encarará isso como se devessem deixar sempre que a mão seja repelida de volta pela força de colisão, mas isso também é errado, já que a força não é uma propriedade de objetos em movimento. Em outras palavras, não podemos dizer que uma força de reação é maior ou menor simplesmente ao observar se um objeto volta depois de uma colisão. Basicamente, se o atacante é ou não empurrado de volta durante a colisão é uma questão à parte de se uma grande força foi ou não impressa num alvo. Para responder isso, devemos somar todas as forças aplicadas pelo atacante. Mas há pouca razão para isso, pois a força em cadeia pode muito bem ser grande, pequena ou qualquer coisa sem que afete a força que foi impressa no alvo. A sensação de estar "enraizado" no solo é largamente devida ao efeito da contração muscular (i.e. continuar a empurrar o alvo em adição à ter aplicado uma força de colisão) e isso, também não é um sinal de que uma grande força tenha sido impressa no alvo. Afinal de contas, deve achar que experimenta essa mesma sensação mesmo quando empurra estaticamente contra uma parede, onde nesse caso, nenhuma
colisão aconteceu! Apesar de não haver nenhum problema com um empurrãozinho extra (desde que não fique desguarnecido), a deformação resultante de empurrar deve ser sobrepujada pela impressa como resultado da colisão; e se achar que não é, você deveria estar movendo seu punho mais rápido! Por outro lado, uma base sólida e um empurrão extra durante e depois da colisão são de alguma utilidade se estiver pretendendo parar um objeto maciço vindo em sua direção. Isso é porque, apesar de a força de colisão ser tipicamente grande, ela só acontece por um espaço muito curto de tempo (normalmente na ordem dos milissegundos) e é, portanto, incapaz de parar, por si só, um saco de areia pesado ou oponente vindo em cima de você. Então, se você é persuasivo como um lutador de Sumo, vá em frente e empurre o quanto quiser:provavelmente não causará muitos danos, mas evitará que seja atropelado, pelo menos momentaneamente! Também já foi sugerido que "aliviando" o peso da perna dianteira durante o impacto aumenta-se significativamente a força de colisão. Geralmente, uma simples demonstração de equilíbrio é usado para mostrar que um aumento de força no alvo acontece ao simplesmente levantar a perna dianteira um pouco do solo: fique de frente par uma parede em zenkutsu-dachi com uma mão estendida em contato com a parede. Ao levantar a perna da frente, a força aplicada pela mão irá aumentar e isso é tomado como uma força que é adicionada" ao golpe. Deve-se notar, no entanto, que essa força extra sentida pela mão só ocorre se os músculos segurando o braço no lugar também começarem a aplicar mais força. Assim, todo o argumento sobre "aliviar" a perna dianteira é reduzido ao não tão impressionante "insight" de que empurrar mais forte com o braço aumenta a força. A correlação entre levantar a perna e o aumento de força sentido pela mão é trazida inteiramente pelas condições de equilíbrio sob as quais a demonstração é feita. Certamente que levantar a perna não aumenta, magicamente, a força do braço que golpeia. O aumento acontece ao aumentar a força do braço, o que pode ser feito sem levantar a perna. Talvez seja possível que a força direcional, por si só, dependa de se a perna é ou não "aliviada"? Certamente. De fato, se considerarmos a dependência da força muscular na velocidade contrátil, deve ser fácil ver que uma maior força muscular será aplicada durante o levantar da perna do que sem isso. Mas isso tudo acaba sendo muita discussão sobre um efeito muito irrisório. Para qualquer soco razoável, a força do empurrão irá, no máximo, resultar em 5 a 10 por cento de aumento na força de colisão, mesmo se a perna da frente for
"aliviada". É apenas em imagens em câmera lenta que socos contra alvos bem macios, porém maciços, que o empurrão tem um efeito notável no alvo e, nesses casos, não há muitos danos no mesmo. Então, se a meta é realmente empurrar o alvo para trás, então, realmente alivie o peso da perna da frente. Do contrário, não é algo a se considerar. Me pergunto se os testemunhos positivos em aliviar o peso da perna da frente não foram, de fato, baseados em pressuposições equivocadas. Eu diria que, pessoalmente, tenho achado tentador encarar qualquer pressão que sinto no meu pé dianteiro como força que poderia ter ido para o golpe. Se um soco é somente "choque", então qualquer "choque" que sinto no pé deve ser "choque" que não foi pro alvo. Pensando assim, aliviar o peso da perna da frente significa menos "choque" no pé a mais no alvo. Infelizmente, as coisas não funcionam dessa forma e não há nenhuma quantidade conservada chamada "choque" que flui através dos nossos corpos procurando um lugar para vazar e, particularmente, tentando evitar vazar em nossos alvos! Mas se, inconscientemente assumimos que as coisas funcionam dessa forma, e eu sou culpado disso tanto quanto qualquer um, pode ser muito fácil nos enganarmos e acreditar que uma maior força foi aplicada no alvo do que realmente foi. Avaliando a Técnica É de aceitação comum que um saco de pancadas pesado não deve balançar notadamente quando atingido, pois isso significaria que um pouco da "força" ou "energia" foi usada para empurrar o saco para trás ao invés de deformá-lo. Mas note que a distância percorrida pelo saco poderia ser, de igual forma, grande sem, de forma alguma, diminuir o quanto ele é deformado. De fato, se nós fôssemos simplesmente aumentar a massa do membro que golpeia enquanto mantemos tudo mais parado, o saco iria balançar mais e, ainda assim, experimentar uma deformação ainda maior. Sem dúvida, o único caso em que um saco de pancadas não irá balançar é quando nenhuma força for nele aplicada! Entretanto, isso não quer dizer que um saco de pancadas balançando implica que o socamos corretamente, visto que pode-se obter o mesmo efeito aplicando uma força menor por um espaço maior de tempo, como ao empurrá-lo de leve. Resumindo, a técnica de socar deve ser avaliada ao observar a aceleração ou a deformação do saco de pancadas em vez do quanto ele balança. Mas já que ambas essas quantidades dependem da massa e da dureza do alvo, devemos
nos preocupar em também treinar com alvos mais leves, pois caso o contrário, desenvolvemos hábitos apropriados somente para bater em objetos pesados. Um Aviso de Cautela Pode ser tentador, à essa altura, usar nossos conhecimentos recém adquiridos de física para re-formular algumas de nossas técnicas. Por exemplo, desde que descobrimos que a força de colisão máxima depende da massa e da velocidade dos objetos que colidem, podemos achar que se executarmos um choku-zuki ou qualquer soco direto num objeto maciço, devemos fazer contato não quando o punho está em máxima velocidade, mas um puco depois, visto que é quando sua massa efetiva será ligeiramente maior. Isso parece razoável, à princípio, até que notamos que a velocidade do braço decresce dramaticamente rumo ao fim do soco, como resultado dos tecidos conectados e músculos aplicando forças para evitar que o braço saia do seu soquete. Adicione isso ao fato de que a massa efetiva de um soco reto a 85% de sua extensão não é muito maior do que a 75% e não há razão para nos obcecarmos ante tais minúcias. Claro que a força máxima será um pouco maior, mas teríamos que poder controlar a distância ao nível milimétrico. Na prática, acertamos qualquer alvo que se nos apresenta com qualquer técnica que pareça mais apropriada no momento sem nos preocuparmos se o oponente está inspirando ou expirando, ou a posição do dedão do pé ou o quanto se relógio de pulso vai acrescentar na massa efetiva da técnica em questão. Deveríamos todos reconhecer que essas coisas influenciam parcialmente o resultado, mas não precisamos, nem devemos, ficar escravizados e somente executar certas técnicas quando a situação se mostrar ideal na margem de 5 casas decimais. Nem tampouco devemos permitir que nossos argumentos em mecânica corporal alterem, ou nos faça abandonar, técnicas que não se beneficiam de movimento sequencial corporal, tais quais jabs de Boxe e kizami mawashi-geri onde o movimento é limitado primariamente pela canela. Obviamente, um soco incrivelmente rápido é inútil se o adversário o detectar previamente. Não deve ser surpresa, então, que algumas técnicas não pretendem maximizar a força de colisão em absoluto. Algumas só estão lá para distrair ou preparar um ataque, e outras requerem um equilíbrio entre mecânicas corporais "ideais" e dinâmicas "circunstanciais" para que haja uma remota chance de, sequer, fazer contato.
Uma técnica capaz de maximizar a força de colisão mas tem pouca esperança de acertar o alvo é inútil para qualquer coisa além de quebrar tábuas. Se já não houvesse tanto nonsense escrito sobre a física do Karate, a serventia do nosso recém adquirido conhecimento seria limitado a mostrar que joelhadas funcionam melhor quando agarramos e puxamos o oponente, ou que pancadas com a parte de trás dos dedos não são efetivas no corpo, coisas do tipo que já deveriam ser óbvias. Dessa forma, um pouco de conhecimento de física tem certo valor no dojo como forma de filtrar explicações questionáveis, mas é praticamente, só isso. Esse conhecimento não irá, certamente, trazer nenhum "insight" profundo para o sensacional poder destrutivo de uma técnica, doravante secreta, de nossa própria criação e, se assim parecer, deveríamos questionar nossos motivos. Por muito tempo, pessoas vêm competindo em ambientes onde o sucesso é mensurado objetivamente e, um processo associado de seleção resultou em técnicas e métodos de treinamento que são, geralmente, bem optimizados para atingir um resultado específico. Então, sempre que acharmos que uma grande maioria de atletas bem treinados e bem sucedidos fazem é dramaticamente diferente do que acreditamos ser o melhor, sob circunstâncias similares, é melhor nos perguntarmos porquê. Talvez haja uma boa razão. Pouco conhecimento pode ser uma coisa perigosa. Comentários Finais Se há um ponto a ser tirado de tudo isso é que a força aplicada durante a colisão depende tanto das propriedades do objeto sendo atingido quanto do que atinge. Somos, assim, diretamente confrontados com o fato de que força não é uma propriedade intrínseca do soco (ou do objeto que soca), mas sim, uma forma de caracterizar uma interação entre dois objetos. Frases como "a força de um soco" são, portanto, sem sentido, pois nenhuma força é aplicada antes de haver uma interação e, a magnitude da força aplicada vai depender obrigatoriamente das características dessa interação. Nem estaremos justificados em argumentar que forma apropriada é instrumental em "canalizar" forças "reativas" de forma inócua no solo ou "focálas" de volta rumo a nosso alvo. O argumento de que "forças reativas" devem ser minimizadas ou "diminuídas" de alguma forma durante a colisão parece estar enraizado na noção dúbia de que objetos têm, tão somente, alguma "força" neles e, que uma maior "força indo para" o atacante significa menos "força indo para" o alvo.
Ao contrário, força não é uma substância conservada e, pela lei de Newton, uma grande força aplicada no membro que golpeia implica automaticamente em uma grande força aplicada no alvo. O quadro comum (e ingênuo), de que força é uma substância transferível ou propriedade de um objeto em movimento (ou em aceleração) deve estar entre as primeiras intuições descartadas ao desenvolvermos um entendimento significativo de colisões, ou de física, em geral. Há também uma noção largamente difundida de que F-ma implica que, para que a força de colisão seja grande, a duração do contato deve ser tão pequena quanto possível e isso justifica puxar o punho de volta ao quadril assim que atinge o alvo. Deve-se notar, entretanto, que no nosso modelo de colisão, a duração da mesma é determinada inteiramente pelas propriedades dos objetos que colidem. Puxar o punho de volta (hikite) assim que há o contato simplesmente decresce a compressão máxima no objeto atingido e, portanto, a máxima força de colisão. Mesmo que o punho por ventura sofra uma maior mudança na inércia por unidade de tempo em um soco "chicote", deve ser compreendido que isso se dá pela força, aplicada pelo atacante, ao puxar o punho para longe do alvo e não por uma força maior aplicada no alvo em si. Leitores que favorecem uma abordagem baseada em energia para colisões devem notar a conexão entre nosso simples modelo e os baseados num coeficiente de restituição: Quando a força de colisão é máxima, os objetos estão se movendo à mesma velocidade. Então, se fôssemos especificar que a colisão acaba nesse ponto, devido à permanente deformação de um dos dois objetos, teríamos um coeficiente de restituição igual à zero e, a energia cinética perdida durante a colisão seria igual à aquela necessária para que a deformação ocorra. Isso não deve, entretanto, ser tomado como evidência de que nosso modelo simplificado prevê coeficientes de restituição. O coeficiente de restituição de uma dada colisão, em geral, depende de uma enorme gama de fatores e é, em materiais reais uma função da velocidade relativa de objetos em colisão. Esse comportamento complexo requer testes empíricos mas pode levar a uma mais confiável figura de alguns dos aspectos da dinâmica de colisões, como a geralmente de maior significância da velocidade que o nosso modelo prevê, desde que o coeficiente de restituição de uma determinada colisão seja bem estudado. Eu escolhi não tomar tal abordagem nesse ensaio pois, em minha experiência, muitos mal-entendidos fundamentais da natureza da força são facilmente escondidos nas considerações gerais sobre aplicação de energia.
Por causa da força cinética ser, ao contrário da força, uma propriedade de objetos em movimento, algumas intuições ingênuas, obviamente inadequadas para entendimento de força, podem parecer relativamente palatáveis sob o ponto de vista da energia. Isso torna mais fácil cair, sem saber, em conceitos intuitivos de física que levarão a conclusões tão questionáveis quanto as baseadas em argumentos ingênuos. Há muito inexplorado sobre isso. Notadamente, as influências de forças externas diferentes de zero, arrasto viscoso, e deformação em larga escala de objetos em colisão pela máxima força colisional não são levadas em consideração pelo nosso modelo simplificado. Apesar de a adição desses efeitos introduzirem caminhos de estudo interessantes, o propósito desse ensaio não é exaurir o assunto das dinâmicas de colisão, pois sem dúvida, há um pequeno sub-campo da engenharia devotada a esse assunto. Ao invés disso, apenas introduzimos um modelo simplificado capaz de mostrar comportamentos aparentes observados em colisões com o objetivo de iluminar alguns mal-entendidos da física fundamental e sua aplicação no Karate. Alguns leitores podem objetar que nossa abordagem foi muito simplória e que, em negligenciar algumas complexidades, ignoramos fenômenos que fazem de uma técnica de Karate fundamentalmente diferente daquelas do Boxe ou Muay Thay. Admito que há uma remota possibilidade de que seja esse o caso, porém, até o momento, afirmações sobre a singularidade da técnica do Karate são largamente baseadas em mal-entendidos fundamentais das físicas inerentes e, enquanto isso persistir, adicionar complexidade ao problema não é garantia de o resultado mostrar algum vislumbre significativo. Após os últimos 60 anos de história do Karate moderno, uma enorme gama de desinformação e física questionável inundou os livros e os dojo como os argumentos típicos servindo menos como ciência e mais como justificativa para dogmas estilísticos. Apesar de haver uma grande quantidade de bons (ou excelentes) treinadores nos círculos de Karate, é uma pena que muitos instrutores se achem qualificados para oferecer explicações de fenômenos além do alcance de suas áreas de expertise. Em particular, por que instrutores não são normalmente familiarizados com a lógica necessária para desenvolver modelos determinísticos de colisões, eles são forçados, ao invés disso, a recorrer a explicações ad hoc (para um fim específico) e equações fora de lugar em tentativas elaboradas para justificar o que poderia ser, talvez, instrução útil. No melhor dos casos, isso é meramente um desperdício inócuo de tempo de treino. No pior dos casos, pode resultar no desenvolvimento de técnicas e
métodos de treinamento altamente questionáveis que agem como impedimento no progresso até dos mais sérios alunos. Esperamos que o modelo simples acima irá remediar a escassez de material nos círculos de Karate no que diz respeito a modelos de colisão e que sirva de impulso para o futuro entendimento do leitor das dinâmicas do impacto. [i] Enquanto pode ser tentador acreditar que o resultado de uma colisão é inteiramente determinado por alguma declaração fundamental, como F=ma ou KE=1/2mv2, deve ser fácil ver que nossa escolha de modelo irá ter um papel decisivo em determinar como as forças de colisão dependem de quantidades como o tamanho e velocidade dos objetos colidindo. Afinal, se fôssemos limitar nossa discussão exclusivamente a corpos infinitamente rígidos, poderíamos predizer que objetos colidindo sempre sofrem uma mudança diferente de zero em inércia em tempo zero. Em outras palavras, a força aplicada iria sempre ser infinita e independeria de coisas como velocidade relativa dos objetos em colisão ou suas massas. Poderíamos imaginar, da mesma forma, alguns materiais para os quais a força aplicada decresce à velocidade com que colidem. E isso acontece apesar do fato que F=ma e KE=1/2mv2 ainda se mantém verdadeiro em todos esses casos. [ii] Para simplificar, consideraremos o caso em que o torso não sofre mudança significativa em sua velocidade angular ou linear durante a colisão (isso é o mesmo que assumir que a massa do torso e a inércia são infinitas). A soma dos torques (na altura do ombro) aplicados ao braço é
onde τm é o torque aplicado pelos músculos relevantes, τext é o torque aplicado pelo antebraço no braço, Iua é a inércia do braço na altura do ombro, e α é a aceleração angular. Similarmente, para o antebraço / punho,
onde τext é o torque aplicado no antebraço,
τcoll é o torque aplicado pela colisão, e If é a inércia do antebraço e punho ao ombro. Se o cotovelo não deformar muito durante a colisão, a aceleração angular experimentada pelo antebraço deve ser a mesma experimentada pelo cotovelo. Então
Poderia ser injustificado negligenciar o torque aplicado pelos músculos se esse for o caso do torque aplicado pelo antebraço no braço:
Um pouco de álgebra mostra que esse só é o caso quando o torque apicado pelo músculo é comparável ao aplicado pela colisão, desde que o momento de inércia do antebraço e punho não seja de ordens de magnitude maiores do que o momento de inércia do antebraço, nesse caso não precisaríamos nos preocupar com nada a não ser o antebraço e o punho. Mas aplicar condições de equilíbrio ao nosso experimento de escala simples mostra que, quando muito,
τm~τscale. Portanto, enquanto Fcol l >>Fscale, podemos negligenciar com segurança o torque aplicado pelos músculos. [iii] O leitor astuto pode protestar nesse ponto, dizendo que precisamos ainda lidar com uma força externa aplicada pelas partes do corpo em contato com o braço. Isso é absolutamente verdadeiro. Ainda assim, nem todas as forças externas são iguais; forças externas que são
por si só determinadas pela força de colisão não apresentam nenhuma dificuldade, desde que possamos definir apropriadamente a "massa", e isso será feito mais tarde. A questão da aplicabilidade da nossa simplificação é então reduzida a se as forças externas que são independentes da força de colisão podem ser ou não ignoradas com segurança.
[iv] Vale mencionar a esta altura que a relação acima assume que os dois objetos em colisão podem ser considerados massas completamente rígidas com "para-choques" sem massa acoplados em uma das extremidades. Pelo fato de qualquer objeto macroscópico ser realmente feito de uma coleção de partículas, cada uma delas com uma massa qualquer, não é imediatamente aparente que nosso modelo tenha muito a ver com o comportamento de objetos reais em colisão. Na verdade, quando uma força é aplicada a um objeto qualquer sofrendo aceleração uniforme, as moléculas mais próximas ao ponto de aplicação da força são comprimidas juntas muito mais do que as restantes. Isso pode ser devido tanto aos comprimentos totais dos objetos sendo muito maiores do que as dimensões da área de contato quanto à presença de alguma camada de material macio amortecendo o alvo sólido (carne sobre os ossos). Nesses casos, a deformação do objeto é localizada numa região de muito menor massa que aquela do objeto como um todo. Portanto, tal objeto pode muito bem ser considerado uma combinação perfeitamente rígida de partículas e um "para-choques" sem massa. A questão é, então, se esse comportamento se aplica ou não também a colisões. Durante a colisão, as moléculas que compõe os objetos em colisão, sem dúvida, sofrem mudanças muito complicadas de movimento, mas, num tempo muito curto, as várias interações começam a cancelar-se, umas às outras. Se a força não for muito grande, eventualmente, o objeto como um todo começa a deformar exatamente como um objeto sofrendo aceleração uniforme. A duração do tempo necessária para que tudo isso aconteça é similar ao tempo que uma onda sonora leva para atravessar o comprimento dos objetos colidindo uma dúzia de vezes. A aplicação do nosso modelo é então limitado àquelas colisões nas quais esse tempo é menor que a duração da colisão e a deformação é localizada na área diretamente em contato com o alvo. Filmagens em câmera lenta de tameshiwari, entretanto, mostram que o punho e o antebraço experimentam algum movimento relativo durante a colisão e, sendo assim, não se comportam como um objeto completamente rígido. Similarmente, as tábuas dobram-se dramaticamente durante a colisão e, se o quebramento é bem sucedido, nunca experimentam aceleração uniforme. Um modelo muito melhor deveria, portanto, separar tanto o membro que golpeia e a tábua em segmentos de diferentes massas e, então, incluir uma mola sem massa entre esses segmentos. Infelizmente, tal modelo seria muito mais difícil de resolver. De qualquer modo, nós estamos aqui interessados em obter apenas uma ideia qualitativa aproximada do que acontece quando objetos
colidem entre si. Se fôssemos nos preocupar com o comportamento detalhado exato de toda e qualquer molécula que compõe os objetos colidindo, iríamos perceber rapidamente que inviabilizaríamos o problema e isso nos privaria de começar a entender até os mais básicos aspectos da mecânica das colisões. O nosso progresso em entender colisões não requer conhecimento detalhado (nem uma familiaridade passageira) com todas essas inúmeras complexidades é impressionante e necessário! Sem dúvida, todo o empreendimento científico estaria perdido de outra forma.
[v]Para ver porque esse é o caso, simplesmente somamos os torques, à altura do ombro, aplicados ao antebraço (assumindo novamente, para simplificar, que o torso sofre mudanças irrisórias nas velocidades translacional e rotacional):
τext é o torque aplicado ao antabraço pelo braço e If é o momento de inércia do antebraço. onde
Da mesma forma, para o braço, negligenciando o torque comparativamente menor aplicado pelos músculos:
Assumindo então, de novo, que o braço não deforma muito,
Vemos então que τext << τcoll somente quando If >> Iua; se não incluirmos a massa (efetiva) do braço num soco reto, teríamos que considerar o efeito de uma força externa aplicada pelo antebraço.
[vi] Então o que fazemos se o corpo não se comporta como um corpo completamente rígido durante a colisão? Como um simples exemplo, podemos considerar dois bastões conectados por uma dobradiça. Se uma força é aplicada a um dos bastões, ele irá acelerar. Mas, por causa da dobradiça, o outro bastão irá começar a acelerar como resultado da força aplicada nele pelo primeiro bastão. Se adicionarmos uma limitação de que a aceleração das extremidades dos dois bastões conectados à dobradiça deve ser a mesma, podemos calcular a relação para a massa efetiva deste sistema simplificado. A extensão desse modelo ao corpo humano é portanto (conceitualmente, no mínimo) relativamente direta: nó simplesmente achamos a equação do movimento para cada osso relevante no corpo e então forçamos a aceleração das extremidades adjacentes de cada grupo de dois ossos diferentes a ser a mesma. Apesar de ser mais complicada, essa abordagem é capaz de levar em conta o efeito de toda e qualquer parte do corpo na massa efetiva. E se simplesmente incluirmos a Terra no nosso grupo de objetos interagindo, nem precisamos nos preocupar com os efeitos complicados devido às forças friccionais aplicadas aos pés, desde que os pés não derrapem durante a colisão. Voltando ao exemplo simples dos dois bastões, vemos que poderíamos ter chegado à mesma resposta facilmente, primeiro achando a massa efetiva do bastão mais longe do empurrado. Nós, então, adicionaríamos simplesmente essa massa efetiva à extremidade da dobradiça do bastão sendo empurrado (apesar de ser irrisória). A massa efetiva desse bastão hipotético com massa irrisória na extremidade é a mesma que a massa efetiva do sistema de duplo bastão real. Essa abordagem recursiva faria a extensão do modelo de uma "junção de corpos rígidos" ao movimento humano muito mais trivial. Há, porém, outro aspecto do nosso modelo que aflora nesse momento: Se as orientações relativas das várias partes do membro que golpeia variam largamente durante a colisão, nosso resultado anterior para a força máxima não é mais justificável. Isso é por que nós assumimos, em sua derivação, que a massa (efetiva) de objetos em colisão foi mantida estática. Mas se o membro que golpeia dobra-se ou estica-se dramaticamente ao curso da colisão, ele se comportará como se tivesse diferentes massas em diferentes estágios da mesma. Enquanto o tempo de duração da colisão for suficientemente curto, não precisamos nos preocupar com isso. Só mencionei aqui meramente com interesse em abordar tudo e não porque possa introduzir nenhum comportamento diverso. Ao desenvolver qualquer modelo, é sempre bom ver o quanto se pode exigir dele antes que caia. No nosso caso, esse modelo não funciona bem com colisões de baixa velocidade contra alvos muito macios mas com massa relativamente alta. É claro que já sabíamos disso, pois, nessas colisões, as forças externas aplicadas pela contração muscular ( empurrar para frente e atropelar o alvo, como no sumo, depois do golpe ) não podem ser negligenciadas.
Espero que a leitura tenha sido útil e que tenham conseguido chegar até o fim do artigo, apesar do aspecto excessivamente científico do texto. OSS!