BELLZEBUUU, nr. 4. ANTICAPITALISMO. Org. Sérgio Fantini e Adriane Garcia. Fev/2020

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bellzebuuu nยบ 4 // BH/MG // janeiro de 2020


POR QUE DESPREZAMOS O CAPITALISMO Adriane Garcia & Sérgio Fantini Desprezamos o capitalismo e não somos capitalistas: não dominamos os meios de produção e defendemos que os meios de produção sejam controlados pelos trabalhadores. Desprezamos o capitalismo porque é um sistema de exploração: os donos dos meios de produção exploram os que são donos apenas do seu corpo e da sua força de trabalho. Desprezamos o capitalismo porque é um sistema que só deu certo onde e quando assumiu as ideias socialistas de bem-estar geral como férias remuneradas, assistência social, previdência, educação e saúde públicas e gratuitas para todos, por exemplo. Desprezamos o capitalismo porque as 20 maiores empresas do mundo têm receita maior do que a soma das economias dos 80 países mais pobres do mundo. O capitalismo faz um mundo de poucos ricos e muitos pobres: um mundo injusto e desigual. Desprezamos o capitalismo porque ele exige que haja um consumo infinito, o que gera a necessidade de uma produção exterminadora de bens naturais e seres humanos. Assim, ele nos torna cúmplices da destruição do planeta e da humanidade. Desprezamos o capitalismo, a lama de suas barragens que soterra cidades inteiras, o fogo que extingue as florestas para gerar pastos e extrair minério e o óleo que mata a vida marinha e polui as praias. Desprezamos o capitalismo porque ele é assassino. Desprezamos o capitalismo porque para os milhões de miseráveis que ele gera só ofere-


ce a morte como solução: morte por fome, por contaminação dos esgotos a céu aberto, por excesso de trabalho, por falta de saúde, por ignorância. Desprezamos o capitalismo porque ele promove revoluções tecnológicas e nenhuma revolução social e, com isso, gera gente descartável para se beneficiar de suas próprias tecnologias. Desprezamos o capitalismo porque ele considera seres humanos como engrenagens para ganhar mal, comer mal, dormir mal e viver mal, apenas para servi-lo eternamente. Desprezamos o capitalismo porque ele é a negação da comunidade, do coletivismo, do apoio mútuo, da fraternidade, da cooperação, da solidariedade, da empatia, enfim, o capitalismo é o oposto da democracia. Desprezamos o capitalismo, pois para ele tempo é dinheiro, mas, para nós, tempo não é dinheiro. Tempo é vida. Desprezamos o capitalismo porque ele rouba o tempo e tira vidas.


Medidas aquáticas Não há atlântidas na Terra: Esse campo de concentração As sereias têm que ser protegidas Das indústrias dos enlatados Por isso Se ouvir o canto Vá Mas não conte Para ninguém.

Adriane Garcia

(Belo Horizonte/MG)


Noturno nº 4 À noite, No descanso das injustiças e das fraquezas, Eles decretam no palácio a tua próxima fome. Quando amanhece, o sol não nos fala Nele, uma cortina de 100 dólares ponta de estoque Em nós, o medo e o mito do silêncio. Bronze o dia as aflições pelo trabalho e pelo sono E quando enfim madruga e a jornada de tantas horas parece que chega ao fim Eles dizem que haverá mais Que haverá mais porque é preciso cansaço para os nossos olhos É preciso sangue Para que não se possa meditar Para que sigamos Máquina aos moinhos A moer tudo aquilo que somos, tudo aquilo que não podemos ser.

Clarissa Macedo

(Salvador/BA)


(sem título) os homens ásperos derramam sobre o mundo palavras intestinas gotejam fel sangram corpos e sonhos eles nunca se aninham à espera da névoa e da luz de uma certa manhã antiga e calma os homens ásperos se aliam e se vendem como se detivessem o verbo e a verdade como se consentissem a vida e suas bênçãos cegos e rebotos divertem-se a lançar garras pontiagudas sobre nossas cabeças os homens ásperos se fartam de noites e tempestades em todas as línguas e nunca saberão a cor dos teus olhos

Dagmar Braga

(Belo Horizonte/MG)


A PRESA NA REDE Sobreveio o bullying dos deuses e os deuses confinaram sua vida numa barra de rolagem. NĂŁo porque ousara traficar para os seus semelhantes o divino segredo do fogo, mas porque aos deuses quisera a obscuridade dos mortais transmitir. E todos os dias a rapina suga sua alma pelos olhos. E todos os dias ele se recompĂľe apenas o bastante para a narcose do dia seguinte.

Gilson Ribeiro

(Belo Horizonte/MG)


MAIS UM INVERNO Há que se criar novos heróis e humanos Estão aí os consumistas robóticos Seja Só respire Ainda há um pouco de ar Na vertigem oscilamos de lá pra cá O centro roda para a direita Há distorção para a esquerda Estamos vivendo ventos e despedidas Mortas folhas de mais um inverno As flores ainda não chegaram O tempo anda curto para esta tarefa Se prepara no aleatório nos ferindo Com coisas velhas e violências Do capitalismo colonialista.

Neuza Ladeira

(Belo Horizonte/MG)


Abaixo a Utopia! Viva o Socialismo de carne e osso! O desmonte de experiências em transição para além da sociabilidade vigente e a vitória da contraofensiva do capital no Leste Europeu abriram caminho para a negação ao socialismo. Em O Fim da História, 1989, Francis Fukuyama reeditava, como suposta novidade, a tese de que o capitalismo e a democracia burguesa seriam o ápice civilizacional. Como o autor não combinara com os russos, a luta de classes, como Anjo de Pernas Tortas, driblou quem anunciou sua morte e permaneceu protagonista da História. De outra parte, há quem concentre a crítica nas tentativas de implantação socialista. Como se a vontade de liberdade e os quilombolas pudessem ser condenados pela derrota de Palmares ou responsabilizados pela tardia abolição. Ainda há quem se refugie em utopias, esgrimindo relações perfeitas, consciências de horizontes nebulosos, democracias imaginárias e sociedades passadas, tão idílicas quanto inexistentes. As inocências e as malandragens que se ligam ao Jogo do Contente, abandonam Clio, a Musa de Hélicon. Como a jovem Pollyanna, negam que toda construção humana seja objetiva, violadora, contraditória e prenhe de possibilidades impossíveis. Socialismo não é utopia. É propósito: obra erguida por vontades e determinação, por condições e meios próprios de realização. Como tudo que nos diz respeito, é feito por pessoas paridas e cevadas pelo mundo real, decadente, injusto e cruel. Está sujeito, pois, a idas e vindas, erros e acertos, progressos e recuos. Longe dos delírios, o socialismo tem que unir as necessidades de hoje com o propósito de amanhã. Senão, se reduziria à mera impotência do desejo.

Sávio Bones

(Belo Horizonte/MG)


Sérgio Fantini (Belo Horizonte/MG)

Ninguém é rico impunemente.


(sem título) De condomínio privé, panela, le creuset, e elegância clichê. Premium unique gold master ultra soft mega blaster muito além do per-so-na-li-té. Con Sumiu-se O corpo Poesia pra quê.

Val Prochnow

(Belo Horizonte/MG)


Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres. (Rosa Luxemburgo) É preciso autodisciplina interior, maturidade intelectual, seriedade moral, senso de dignidade e de responsabilidade, todo um renascimento interior do proletário. Com homens preguiçosos, levianos, egoístas, irrefletidos e indiferentes não se pode realizar o socialismo.

(Rosa Luxemburgo) Sempre haverá descontentes porque sempre haverá aqueles que são sacrificados.

(Bakunin) Você tem que agir como se fosse possível transformar radicalmente o mundo. E você tem que fazer isso o tempo todo.

(Angela Davis) Todos esses capitalistas, exploradores dos pobres, sanguessugas do povo. Ninguém reclama, ninguém protesta e eles fazendo dos humildes gato e sapato. Aumentam o preço de tudo quando querem, sem o mínimo respeito, sem a mínima consideração. Uns atrevidos soltos nas suas ganâncias. Uns atrevidões!

(Zélia Gattai) Eu não estou disponível para o capital não sou moeda de troca

(Edvaldo Santana) O capitalismo é a raquete da classe dominante.

(Al Capone)


Os ricos farão de tudo pelos pobres, menos descer de suas costas. (Tolstoi) Não me sento à mesa com patrão. Todo patrão é filho da puta.

(Graciliano Ramos) Quando começou a comprar almas, o diabo inventou a sociedade de consumo.

(Millôr Fernandes) O capital existe, se forma e sobrevive à custa da sociedade que trabalha e nem sempre é recompensada pelos lucros que gera.

(Machado de Assis) Nós representamos a sustentação da propriedade privada.

(Hitler) Dinheiro na mão é vendaval.

(Paulinho da Viola) A desvalorização do mundo humano aumenta em proporção direta com a valorização do mundo das coisas.

(Marx) O que são as pessoas de carne e osso? Para os mais notórios economistas, números. Para os mais poderosos banqueiros, devedores. Para os mais influentes tecnocratas, incômodos. E para os mais exitosos políticos, votos.

(Eduardo Galeano)


Quem? Como? Onde? Por quê? Quando? Bellzebuuu é um panfleto literário criado e editado por Adriane Garcia e Sérgio Fantini, com a participação financeira e autoral dos convidados. O nº 1, de agosto/2017, teve o tema antirreligião. O nº 2, de dezembro/2018, foi uma seleção de Contos para futuro nenhum, publicados anteriormente pela Adriane em sua página pessoal. O nº 3, de junho/2019, foi um manifesto contra a censura. Este nº 4, anticapitalismo & crítica ao consumismo, tem a parceria da Pulo e da Entrecampo. Todas as edições estão disponíveis na web.


Iara Ariel

(Belo Horizonte/MG)


Gilson Ribeiro

(Belo Horizonte/MG)


”Ouviram do Ipiranga...” ...e Mariana? E Mariana? - ouviram, heim? ...e Mariana? Ou viram ou deram clicks compartilharam ou conversaram Poucos solidários se indignaram ...e se calaram! Psiu, psiu...silenciados! Não é educado falar exaltado MINAS é o estado em que o “bons modos” está atrelado ao sentimento que nos mantém calados Não ouviram nem do Ipiranga nem do morro mais alto de Bento Rodrigues nenhum aviso do que viria Ao contrário da D.Graça invadiu a praça, as casas espalhou o que não se junta deixou sujas as ruas por onde ninguém há mais de passar Fez barro na flor, quase secou o amor SAMARCO que não se esquece silêncio que vela vidas A quem lar não é memória pra carregar Escorreu pro além de Mariana a face oculta de minerar

Nívea Sabino

(Belo Horizonte/MG)


O Analfabeto Político O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo da vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos: O político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.

Bertolt Brecht


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