Ar t& CULT
Arquitetura + Moda + Travestis + Líbero Luxardo Teatros de Porão + Cozinha Paraense + Noite
e mais
Expediente
Professores
Renato Nascimento (Oficina de Jornalismo Impresso) Érika Siqueira (Técnicas de Edição em Jornalismo) Flávia Mutran (Fotografia Jornalística II)
Textos e fotos
Luziângela Lima David Mendes Delano Almeida Antônico Cavalcante Rose Ane Abreu Patrícia Teixeira
Diagramação David Mendes
MAI / 2009 literatura
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Eneida de Moraes A autora paraense que fez história com seu trabalho e sua vida 05 D. H. Lawrence Um perfil e uma “entrevista” polêmica com o romancista inglês 08
noite
música
Entretenimento em todos os cantos Festas para todos os gostos 11
A herança de Carlos
O legado de Carlos Gomes na terra onde ele morreu
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cinema
100 A produção local após os cem anos do nascimento de Luxardo 16 As bonecas de Audrey A atriz que ficou marcada por persosagens delicados 19
teatro
Belém em cena Os teatros independentes e seus encantos pouco conhecidos 22
cozinha
Cozinha paraense ganha o Brasil Os sabores regionais na boca do país 25
comportamento
Moda O pacht work cultural que é a criação de design de estilo no Pará 27 24 horas O cotidiano da Belém que não dorme 30 Mulheres por opção no corpo ou na alma 32 Verdade ou Mentira As lendas que povoam o imaginário popular 34
arte
Mariano Klautau Filho Entrevista com o fotográfo da memória e da paisagem urbana 36 Arquitetura O histórico belenense da arte funciona de construir 38
crônica
Nostalgia por Delano Almeida 40 Fuga da realidade por Toni Cavalcante 41
Editorial
Trazer informação é mudar a vida de alguém. Muda a vida de quem faz a reportagem, porque para descrever, tem que saber, ouvir, entender, enfim, viver. Muda a vida de quem edita, já que cortar, tirar, ressaltar, ou colocar um título, faz com que você imprima sua personalidade e deixe se contaminar pela personalidade de alguém. Também muda a vida de quem diagrama, pois é mais um desafio para encaixar textos imagens, títulos, pensando nas cores, tamanhos e formatos. E, por último, muda a vida de quem lê, pois todo o discurso é carregada de significados, tanto no texto, quanto no processo de apreensão da informação. Dessa forma, decidimos falar de cultura paraense, para que pudéssemos engrandecer nosso conhecimento, editá-la de acordo com as informações que temos ao nosso redor; diagramar com base na nossa cultura visual e, finalmente, mostrar ao leitor uma visão só nossa do nosso Estado.
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Eneida Escritora, radialista, jornalista, mãe, militante política... São várias as facetas de Eneida de Moraes, a autora paraense de talento reconhecido, que entrou para a história como personagem de destaque. Por Luziangela Lima
Eneida de Moraes virou praça em Belém: homenagem póstuma à escritora que adorava mangueiras.
O
Eneida de Moraes está presente nas páginas de “Conheço-a há pouco tempo, mas tenho por ela a maior das simpatias. É mulher vibrátil, inteligente, bonita e espirituosa. Fala-me de coisas belas e boas da vida, e outro dia subitamente perguntou-me se não cogito de fazer uma ope ração plástica facial, que acabe com as minhas rugas, devolvendome ao rosto a louçania de passadas eras”. Este excerto extraído do livro Aruanda, resume bem um pouco do caráter alegre, extrovertido e humano da autora que foi tema-enredo da escola de samba Salgueiro em 1973. Mas além do caráter autobiográfico de suas obras, ela foi o espelho e o retrato de um povo inteiro. Isso porque uma parte importante do mundo leitor nacional começou a conhecer o Pará quando começou a ler Eneida de Moraes. E para muita gente foi uma surpresa descobrir nos seus livros, com a mais transparente das evidências, a complexa heterogeneidade, não só racial, mas cultural, da sociedade amazônica”. perfil de
seus livros:
Nasce uma Autora e uma Personagem Eneida Costa de Moraes nasceu em Belém, no dia 23 de outubro de 1904. Filha de Guilherme Costa e Julia Vilas-Boas, cresceu influenciada pelas idéias comunistas do início do século XX que a acompanharam durante toda a vida. Incentivada pela mãe publicou seu primeiro conto aos sete anos numa revista local da época, chamada O Tico-Tico. Antes de abraçar a carreira de literata, o seu talento para as letras ficou registrado nas cartas que trocou com a mãe, durante o internato no Rio de janeiro, no rigoroso e tradicional Colégio Sion, diz Eunice Ferreira dos Santos, professora de Literatura Comparada da UFPA, cujo doutorado foi Eneida de Moraes: Militância e Memória. As lembranças das suas correspondências ficaram impressas em um de seus contos, “Promessa em Azul e Branco”. Na crônica ela conta como suas missivas eram guardadas com
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Eneida Costa de Moraes nasceu em Belém, no dia 23 de outubro de 1904. Filha de Guilherme Costa e Julia Vilas-Boas, cresceu influenciada pelas idéias comunistas do início do século XX que a acompanharam durante toda a vida. Incentivada pela mãe publicou seu primeiro conto aos sete anos numa revista local da época, chamada O Tico-Tico. Antes de abraçar a carreira de literata, o seu talento para as letras ficou registrado nas cartas que trocou com a mãe, durante o internato no Rio de janeiro, no rigoroso e tradicional Colégio Sion, diz Eunice Ferreira dos Santos, professora de Literatura Comparada da UFPA, cujo doutorado foi Eneida de Moraes: Militância e Memória. As lembranças das suas correspondências ficaram impressas em um de seus contos, “Promessa em Azul e Branco”. Na crônica ela conta como suas missivas eram guardadas com muito apreço numa antiga caixa de macacaúba (madeira pesada, de cor castanha avermelhada, usada na construção civil, em assoalhos domésticos, e para a fabricação de móveis) rajada. “Sempre as escondi, amei-as com um exagerado ciúme, o mesmo ciúme que tenho dos meus livros, dos retratos, das cartas de meus amigos”, dizia ela. Nos seus escritos ela contava desde o cotidiano de Sion até a dificuldade em se adaptar ao regime disciplinar do colégio. Segundo Eunice o valor da produção dessa época está no estilo epistolar que marcou essa fase da literatura de Eneida. Apesar do zelo dela com o material escrito, ninguém nunca terá acesso a ele, porque durante o Governo Ditatorial de Vargas a polícia invadiu a sua casa em busca de documentos subversivos que ela “deveria ter.” Este episódio da vida da escritora é relatado no livro Aruanda. Segundo a professora da UFPA “Aruanda é o lugar onde moram os Orixás e as entidades superiores, para os adeptos dos cultos afro-brasileiros, mas, para Eneida, seria uma espécie de lugar catártico, como era Pasárgada para Manuel Bandeira ou Gondal para as irmãs Brontë”. Mas não foi só a poesia de suas obras que fizeram de Eneida uma das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos, situando-a ao lado de outros expoentes da ficção regionalista como Jorge Amado e Graciliano Ramos. Ela também foi uma revolucionária, uma militante esquerdista que lutou ao lado de outros intelectuais por um mundo melhor sem injustiças nem desigualdades sociais. E é esse espírito subversivo, sedento de mudanças sociais, que fará com que Eneida abandone o marido Benairo de Moraes e os dois filhos pequenos e vá para o para o Rio de Janeiro, abraçando a causa socialista integralmente, em 1929. Mas a mulher rebelde nasceu muito antes deste período. Surgiu em uma época imemorial quando ainda era uma criança e descobriu que só podia usar vestidos azul claro ou branco por conta de uma promessa feita pela avó. Quando descobriu foi questionar a mãe porque ela tinha que pagar uma promessa feita por outra pessoa. Julia explicou-lhe que pouco antes do seu nascimento, o pai, Guilherme, tinha adoecido gravemente. Sua avó com medo que ela crescesse sem ele, fez uma promessa à Nossa Senhora de Nazaré. Se o filho sarasse, a neta, que estava para nascer, só usaria vestidos azul claro ou branco até os quinze anos. Ela ficou consternada, mas consolada pela mãe, aceitou o desafio de pagar o voto até a idade determinada. Também não aceitava a sujeição masculina. Numa época em que as mulheres de sua classe social eram prendadas, criadas numa redoma, entre o jardim e o piano, à espera de um casamento que as habilitasse a perpetuar a condição em que viviam, Eneida quebrou o molde da escravidão doméstica. Em 1920, contrariando a vontade do pai, começou a atuar como jornalista, aproximando-se dos intelectuais do período e participando de reuniões de grupos, associações e espaços que até então eram reservados exclusivamente aos homens. Nesses clubes ela travou seus primeiros contatos com as teorias esquerdistas em voga. Dos saraus, o mais famoso é a Associação dos Novos, academia literária que reunia intelectuais como Bruno de Menezes, Peregrino Júnior e Abiguar Bastos. Na década de 30 no Rio de Janeiro colaborou escrevendo em vários jornais como Para Todos, A Manhã e Diário de Notícias, onde trabalhou como cronista pelo resto da vida. Para a pesquisadora Eunice, Eneida optou pela crônica, porque era a maneira mais acessível de fazer as idéias dela chegarem a um número maior de pessoas. O diferencial é que todas tinham um caráter narrativo além de refletirem suas idéias políticas, sendo difícil, assim, separar a escritora da militante. Ela só escreveu uma obra de ficção: Terra Verde, um con-
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junto de poemas em prosa. Eneida de Moraes: a praça. Mas essa obsessão pela escrita teve um preço! Em 1936 foi presa e mandada para a Casa de Correção no Rio de Ja- A idéia de fundar uma praça em homenagem à escritora neiro, onde “de dia, no verão, as paredes ficavam molhadas surgiu em 1996 por iniciativa da, hoje extinta, Fundação pelo calor; no inverno, as paredes ficavam úmidas e um frio Parques e Áreas Verdes de Belém (FUNVERDE). Para criar de doer os ossos tomava conta de nossos menores gestos”. um projeto à altura, convidaram o arquiteto Luciano OliSuas memórias deste período ficaram registradas no seu veira para idealizar o logradouro. conto Companheiras. Graciliano Ramos que estava preso Nela, tudo foi planejado respeitando os ideais e fontes de no mesmo local também a citou no seu livro Memórias do inspiração da escritora, como anfiteatro, caramanchão e Cárcere. bancos, além do jardim com plantas e árvores típicas da Outro preço que teve que pagar em nome de sua militância Amazônia. A diretora da Secretaria Municipal de Meio Amesquerdista foi o de nunca mais ter visto os filhos depois que biente, Lulianne Moutinho, explica que “todo o projeto sefoi embora de Belém. Para Eunice “não é que ela não acre- guiu um traçado orgânico e aproveitou todo o espaço. As ditasse em casamento, mas achava que a mulher poderia mangueiras foram plantadas porque eram uma das paixões ter um papel além desse. Ainda segundo a pesquisadora, o da Eneida.” Além disso há também uma placa com a crônifato de ela não se enquadrar no esquema da mulher como ca As mangueiras de Eneida de João Carlos Pereira. ‘rainha do lar’ foi o que a levou a separação.” Situada no trecho de encontro das avenidas Alcindo Cacela Apesar de ela ter ido para Rio em 1929, o casamento estava e Pedro Miranda, a praça Eneida de Moraes, (ou praça da destroçado três anos antes pela opção política da escritora Unama, como é mais conhecida) “passou pelo seu primeiro de “Banho de Cheiro”. Para Ferreira dos Santos esse episódio ciclo de urbanização e saneamento na década de 50, duteve uma outra conseqüência para a autora: a construção rante o governo de Magalhães Barata. Todas as obras do do estereótipo de uma mulher desalmada e mãe desumana local foram coordenadas por Pedro Miranda”, diz o professor que abandonou a família por amor de um partido político. de História José Valente. Fazendo com que sua obra fosse pouco estudada localmente. No Pará, porque no Rio de Janeiro, Eneida é uma mulher Cronologia de talento conhecido e reconhecido. Outra face pouco explorada da Eneida que contribuiu para uma visão negativa da autora foi o seu amor pelo carnaval. 23 de outubro de 1904 Para Eunice, o fato tinha um porquê. A militante comunista Nasce Eneida Costa de Moraes via a festa como um veículo de difusão das idéias marxistas por ser um evento popular em que não há separação de 1910 - Publicação do Primeiro Conto na Revista Tico-Tico gênero nem de classes sociais. Pensando assim em 1958 publicou A História do Carnaval Carioca. Sete anos 1913 - Vai estudar no Colégio Interno Sion no Rio de janeiro depois, os Acadêmicos do Salgueiro desfilaram com um enredo baseado em seu livro. Ela participou 1918 - Regressa à Belém do desfile integrando a Ala dos Pierrôs e a escola sagrou-se campeã. 1926 - Colabora como cronista na revista Belém Nova Em 1971 enfraquecida pelo câncer faleceu, em 27 de abril. Mas mesmo antes, fragilizada pela 1929 - Atua como radiojornalista na Rádio Clube do Pará enfermidade, continuava a mesma, inteligenPublica Terra Verde te, intensa e divertida. A quem todos admiravam e a quem Carlos Drummond de Andrade 1930 - Muda-se para o Rio de Janeiro, partindo como militante do Partido Comunishomenageou na sua crônica Valente Eneida. ta; E que inspirou a Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro a fazerem um tema-enredo 1932 - É presa pela Delegacia de Ordem e Política Social (DOPS). Só sendo liberta em sua homenagem intitulado “Eneida, Amor quatro meses depois. e Fantasia”, de Geraldo Babão, classificada em terceiro lugar naquele ano. 1936 - Publica O Quarteirão; Ela poderia dizer como Getúlio “saio da vida para entrar na História”. Mas mesmo morta, continua viva 1937 - É presa pelo Tribunal de segurança nacional sob a alegaatravés de seus contos, poesias em forma e prosa, que ção de redigir e divulgar material panfletário de “caráter a imortalizaram na Academia Literária. Ao falecer, seu subversivo”; corpo foi velado no Museu da Imagem e do Som no Rio de Janeiro. E seus restos foram levados para a cidade de Belém 1971 - Falece no Rio de Janeiro. do Pará, onde foi enterrada, como era da sua vontade.
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Entrevista
D. H. Lawrence
O autor do livro “Mulheres Apaixonadas”, expõe suas polêmicas opiniões nessa entrevista baseada em seu romance “O Amante de Lady Chatterley”. Por Luziangela Lima
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uando David Hebert Lawrence escreveu O Amante de Lady Chatterley em 1928 provavelmente não imaginou que teria escrito sua obra-prima. Morreu dois anos de pois sem vê -la publicada na Inglaterra. Mas não foi a primeira vez que uma obra sua foi rejeitada pelos editores. O exemplo já tinha se repetido com outros livros seus como O Arco-Íris e Mulheres Apaixonadas. Razão? Ele foi o primeiro autor a falar sobre sexo com franqueza, deixando a sociedade vitoriana, conservadora e hipócrita, chocada. A idéia de escrever um livro que discutisse as relações humanas através de um equilíbrio entre masculino e feminino surgiu quando morava em Florença em 1926. Quando foi publicado seu romance, O Amante de Lady Chatterley, a crítica o classificou como “uma latrina”. Um tablóide foi mais longe e escreveu que “os esgotos da pornografia francesa não tinham produzido nada de comparável”. Em resposta aos críticos, fez um artigo intitulado A Propósito de O Amante de Lady Chatterley, em que defendeu sua obra acusando seus detratores de hipócritas por considerarem o sexo um tabu. Quarto dos cinco filhos do mineiro Arthur John Lawrence e da professora Lydia Beardsall (uma burguesa cuja família tinha caído na decadência). David nasceu em onze de setembro de 1885 na cidade de Eastwood, Inglaterra. Sua infância foi marcada pela pobreza e pela brigas conjugais
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de seus pais. Seu pai, um alcóolatra inveterado, dispendiava todo o dinheiro da casa com bebidas e com jogos. Foi sua mãe que através do seu ofício esmerou-se para dar aos filhos uma boa educação, que segundo ela “era o único caminho para uma pessoa humilde ascender na vida”. E Lawrence da sua parte contribuiu. Ainda na infância ganhou uma bolsa de estudos em uma escola tradicional da sua cidade e aos vinte e dois anos já estava formado pela Universidade Nottingham, de onde saiu para seguir carreira de docente na Escola Davidson Road, em Londres. Quando tinha vinte e cinco anos, sua mãe, Lydia, faleceu. A notícia o deixou tão desolado que rompeu o noivado com sua namorada de adolescência Jessie Chambers, alegando que ninguém poderia “possuir sua alma”, que fora dada a mãe. Foi Jessie a primeira pessoa que reconheceu os talentos de Hebert, coletando suas poesias e publicando-as numa revista English Review, recebendo uma boa acolhida por parte das críticas. Entusiasmado com a receptividade dos editores, lançou O Pavão Branco em 1911. Dois anos depois escreveu Filhos e Amantes, a primeira das suas obras a ser rejeitada pelas editoras. Em 1915 novo golpe: Seu livro O Arco-Íris foi proibido de circular por ser considerado obsceno, tendo mais de 1000 cópias apreendidas e queimadas em praça pública. O fato lhe trouxe embaraços legais e dificultou a aceitação de publicações posteriores. Durante a Primeira Guerra, casado com a professora Frieda von Richthofen, foi obrigado a fugir da Inglaterra refugiando-se na Itália. Pois sua esposa, alemã, era vista como uma “estrangeira suspeita”. Na Toscana ele escreveu Garota Perdida, The Rainbow e Mulheres Apaixonadas. Mas Lawrence queria escrever um livro que discutisse a relação humana. E foi assim que “nasceu” O Amante de Lady Chatterley. Considerada sua obra mais ousada, começou a ser escrita em 1926 e só foi concluída dois anos mais tarde. Banida dos Estados Unidos e da Inglaterra como pornográfica, a obra só foi publicada na Grã-Bretanha, sem censura, em 1960, quando já era considerada por muitos analistas uma das maiores obras-primas da literatura inglesa. Tísico e desolado D.H. Lawrence faleceu em dois de março de 1930 sem ver a revolução na sociedade para a qual ele em parte contribuiu. Antes da sua morte saiu uma edição modesta do seu último livro na França. Mas foi sua esposa, Frieda, quem após a morte dele não mediu esforços para introduzir o livro na Inglaterra, que só foi publicado em Lon-
dres três anos depois da morte do autor. Em 2004, Harold Bloom incluiu seu nome na lista dos cem maiores gênios da literatura de todos os tempos e a pesquisadora Christine Perkins o inseriu entre os cem maiores autores de todos os tempos. Nesta entrevista extraída do livro O Amante de Lady Chatterley, o leitor poderá conhecer um pouco das suas idéias sobre a vida e sobre o mundo. AC – No início de seu livro você faz uma crítica aos poetas e filósofos da época que afirmavam que a mulher valorizava mais o sentimento do que o amor físico, através da personagem Constance que na obra, abandona o marido para ficar com o amante, pertencente a uma classe inferior, quando descobre ao lado dele o amor verdadeiro. O que você acha de em pleno século XXI essas afirmações ainda serem feitas por cientistas de áreas como Antropologia, Psicologia e Biologia. Lawrence – “Que mentirosos os poetas e toda essa gente! Fazem-nos crer que só precisamos de sentimentos. Mas na realidade do que precisamos é dessa penetrante, ardentíssima e terrível sensualidade. Éo que nos faz homens verdadeiros, e não simples macacos. Sim, é a ternura, é o interesse pelo cono. Sexo não passa de toque, contato, o mais íntimo dos contatos. O tal supremo prazer do espírito! Para purificar o espírito é necessária essa ardente sensualidade, ousada e selvagem.”
Lawrence – “Todas as ‘grandes palavras’ parecem ter perdido o sentido para a gente de sua geração. Todas essas grandes palavras estão semi-mortas e cada dia morrendo mais. A casa já é apenas o lugar material onde a gente vive; o amor uma coisa que não engana a ninguém; a alegria, uma palavra aplicável a uma boa festa; felicidade, um termo hipócrita empregado para iludir os outros; pai, uma pessoa que goza a vida; marido, o homem com quem vivemos e que procuramos manter de bom humor. Quanto ao sexo, última das “grandes palavras”, não passa de um nome de coquetel aplicado a uma pequena excitação que nos faz fremir por um instante e nos deixa em pior estado do que antes. Coisa usada! Gasta! Um tecido já esgarçado e reduzido a pó. Amor, sexo...se não lhes damos importância excessiva, nada valem”. AC – Por que você comparou o sexo a um coquetel? Lawrence – “O sexo é um coquetel: dura o mesmo tempo, tem o mesmo efeito e quase que a mesma significação.”
“A AC – Ainda há pouco você longa união falou bem brevemente sobre o amor. Como poeta, durante toda a você acredita na máxima de que “só se ama de uma vez”? vida; (...) A coisa longa, verdade Lawrence – “Perfeitamena gente amou lenta, durável, eis o que te.umaQuando vez de verdade é impossível amar novamente. A mulher que uma vez faz a nossa vida... e não amou um homem pode testemunhar afeição a qualquer ocasionais espas- outro que tenha necessidade dela...mas não é a mesma coisa. mos.” Neste caso não entra o amor. Por AC – Mesmo sendo tão boêmio em sua juventude, você conseguiu ter um casamento bem sucedido que durou a vida toda com a professora Frieda von Richthofen Weekley Lawrence. Qual foi o segredo da longevidade do seu matrimônio? Lawrence – “A longa união durante toda uma vida; a vida em comum de todos os dias, e não o leito em comum de algumas noites. A coisa longa, lenta, durável, eis o que faz a nossa vida... e não ocasionais espasmos. Pouco a pouco, à força de viver juntos, dois seres chegam a uma espécie de união, de tal modo as sensações se misturam. É este o verdadeiro segredo do casamento, e não o ato físico... a simples função sexual.” AC – Com a decadência da sociedade e essa conseqüente mudança de valores familiares como você definiria atualmente casa, amor, alegria, felicidade, pai, marido e sexo.
isso afirmo que a maioria das mulheres não ama nunca, nem sabe o que é amar de verdade.
AC – E os homens? Lawrence – “Tampouco. Eu quando vejo uma mulher amando de verdade sinto um grande dó...meu coração aperta.” AC – E o dinheiro? Qual a sua opinião sobre ele? Lawrence – “O dinheiro envenena aos que o possuem e esfaima aos que não o possuem. Os moços enfurecem-se por não disporem de bastante dinheiro para gastar. A vida lhes é uma questão de dinheiro para gastar e agora não o tem... As mulheres são as mais danadas para consumir. Se fosse possível fazê-las compreender que há grande diferença entre viver e gastar dinheiro! Mas é inútil! Se as mulheres fossem educadas de modo a ‘sentir’ em vez de “ganhar e gastar” arrumar-se-iam muito bem com vinte e cinco reais*”.
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AC – Como assim? Lawrence – “Viver para outra coisa. Que o nosso fim não seja unicamente ganhar dinheiro, nem para nós mesmos, nem para o que quer que seja. Hoje somos forçados a isso. A ganhar um pouco para nós e muito para os patrões... contentemo-nos com pouco dinheiro porque no fundo temos necessidade de muita pouca coisa.” AC – O que você fala é muito bonito, mas complexo. Como você explicaria este assunto numa palestra ou conferência? Lawrence – “...Não faria sermões...Apenas os poria nus, dizendo: ‘Olhai. Vede-vos. É a isso que se reduz quem só trabalha por amor ao dinheiro...Vede vossas mulheres! Não se apegam aos homens porque os homens não se apegam a elas. Por quê? Porque o tempo todo foi passado na caça ao dinheiro...Olha para vós mesmos; um ombro mais alto que o outro; pernas tortas, pés deformados! Que resultou de tanto trabalhar? Estragos... Devíeis ser vivos e belos, e estais feios e semi-mortos”.
Moderna e parece não ter sido um entusiasta desse tipo de arte, por quê? Lawrence – “Parece um massacre!... A mim me parece que todos aqueles tubos e latas onduladas são a própria estupidez e muito sentimentais, pois se mostram apiedados de si mesmos... Sua arte era toda tubos, válvulas, espirais e cores raras ultramodernas, mas apresentadas com certa força, certa pureza de forma e tom. Achei aquilo simplesmente, repugnante.” AC – O que você acha da preocupação excessiva das mulheres de hoje com o corpo? Lawrence – “As mulheres da moda cuidam do corpo como de uma porcelana delicada e mantém-lhe o brilho à força de cuidados exteriores, embora dentro da porcelana nada exista.” AC – Você foi contemporâneo da era das grandes revoluções como a Revolução Russa e o Imperialismo, por exemplo. Atualmente, questiona-se o imperialismo norte-americano que pretende levar a outros países como os orientais seu modelo políticoeconômico, o que você acha disso? Lawrence – “A ‘sociedade dos civilizados’ é louca. O dinheiro e isso a que chamam de amor constituem suas grandes “manias”, dinheiro principalmente.”
“A ‘sociedade dos civilizados’ é AC – Seu nome foi incluílouca. O dinheiro e isso do na lista dos cem maiores gênio da literatura de a que chamam de amor todos os tempos de Harold Bloom, maior crítico literário da atualidade. O constituem suas grantítulo de “verdadeiro escritor” não o deixa orgulhoso? des “manias” Lawrence – “Passar por um ‘verdadeiro escritor’ é refinada tolice. Verdadeiro escritor é o que encontra leitores. Que vale um “verdadeiro escritor” sem público? A maior parte dos ‘verdadeiros escritores’ lembram criaturas que perderam o ônibus e permaneceram na calçada, no grupo dos outros que também perderam o ônibus.” AC – No seu tempo não havia as modernas técnicas de concepção como a fertilização “in vitro” e mais recentemente a possibilidade da clonagem. A segunda ainda é uma “utopia”, mas a primeira tem possibilitado a muitos casais ter filhos. Coisa inconcebível em sua época, caso um dos cônjuges fosse estéril. Por que você era tão crítico destes modernos métodos de reprodução como a clonagem, por exemplo? Lawrence – “Toda a maquinaria do amor, por exemplo, poderia desaparecer... e desaparecerá, quando cultivarmos as crianças em garrafas. Eu sou pela democracia do contato! Quando fazemos amor, nasce uma nova chama. Até as flores são criadas pela cópula do sol com a terra.” AC – Você foi contemporâneo do Advento da Arte
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AC – Você foi contemporâneo da Revolução Russa e da militância política dos que acreditavam nos ideais marxistas. Você acredita numa “revolução das massas”? Lawrence – “As massas não são homens no sentido que você dá á palavra. São animais que você não compreende, nem poderá compreender nunca. Elas, as massas, são e serão sempre as mesmas. Em que os escravos de Nero dos nossos mineiros ou dos operários da Ford? Em muitíssimo pouco. Massas, nada as muda. Um indivíduo pode emergir da massa... mas esse fato excepcional não altera coisa nenhuma. Ninguém muda as massas: eis uma das mais importantes verdades da ciência social.” AC – Nem a educação? Lawrence – “A educação moderna parece um mal sucedâneo do circo de Roma. O que hoje nos perde é termos feito largo corte na parte circense do programa e envenenado a massa com um pouco de educação.”
Entretenimento em todos os cantos
Apesar das diferenças existentes em cada festa, Belém tem uma noite rica para todos tipos e gostos. Mas, seja para refletir ou descontrair, gratuitas ou pagas, todas oferecem algo em comum: a boa diversão. Por Toni Cavalcante e Larissa Saud
E
m alguns anos,
Belém
passou a ser uma
daquelas capitais que o fim de semana começa no meio da semana, às vezes, até
antes disso.
Belém
está cheia de lugares para
se entreter, basta procurar e ir para o que mais lhe agrade.
Opções
de lazer para todos
os gostos estão espalhadas pela cidade, cada uma com suas peculiaridades.
Um exemplo é o chavão “As pedras vão rolar!”. É uma velha característica para propagar ou dá início as festas de Reggae, que agora parece ser ouvido mais alto na cidade. A música Reggae em Belém está cruzando a fronteira entre o anonimato e a popularidade. Fernanda Monteiro, 35, produtora de festas de Reggae de Belém explica: “As festas de Reggae são velhas na cidade, a resposta que acontece do público hoje é fruto desse cenário bem consolidado que vem de anos”. A produtora se refere aos shows sempre lotados que acontecem na tradicional “Domingueira Reggae” no Açaí Biruta, estabelecimento que existe desde 2005, há dois anos mantêm o reggae como programação fixa. O Açaí Biruta é uma casa de show, não de reggae, e quando as festas do estilo da Jamaica começaram, aconteciam aos Sábados, porém não se firmou. “Sábado não pega legal pra reggae, não tem a energia
da música como o domingo. E, assim que passamos as festas pra domingo o retorno veio imediatamente” explica Fernanda. Uma das primeiras casas de reggae da cidade foi a “Toca do Reggae”. A partir de lá, o cenário reggae começou a se expandir. ”Reggae em Belém não tem exatidão com quem e onde começou, por que haviam barzinhos mal estruturados, coisa bem “roots” mesmo, que tocavam reggae até antes da “Toca do Reggae”, só que ela é que se consagrou como casa de reggae” revela Fernanda. A universitária Renata Maia, 24, é uma fã antiga da música que consagrou Bob Marley e uma freqüentadora da “Domingueira Reggae”. “A festa me atrai, chama minha atenção pela diversão e tranqüilidade, é um ambiente de paz mesmo” diz a estudante. O cenário está muito bem estabilizado em Belém e é freqüentado não só por regueiros, mas por pessoas que apreciam outros tipos de festas também. O estudante Bruno Lima, 19, é um deles: “Aqui tem cerveja, gente e mulher bonita dançando. Já freqüentei festas de pagode, mas ultimamente só vou pra reggae”. Nos shows de reggae, a dança é mesmo uma característica peculiar. Ela pode ser feita, tanto em casal como sozinho, com um gingado suave, casual, de cada um por si e em qualquer espaço. A universitária Paula Amaral, 22, diz que é o melhor da festa: “A dança junto com a música é a melhor coisa, acompanhar a vibração positiva do som” revela a universitária. Indo na contramão da calmaria das festas de reggae está a agitação dos shows de rock da capital. Sandro Ribeiro, 35, produtor há sete anos de shows de bandas de rock locais e nacionais e mais uma equipe de oito pessoas, a Abunai produções, trouxeram à Belém, no último sete de setembro, a banda do Espírito Santo, Dead Fish. A banda capixaba, de dezessete anos de estrada, é considera a mais bem sucedida nacionalmente no estilo Hardcore. O Dead Fish tocou no African Bar lotado, em um show que não deixou o público parado. O Tecnólogo em Rede de Computadores, Cassiano Carvalho, 21, fala que é exatamente isso que lhe atrai para o show Dead Fish. “Sou fã a muito tempo do Dead Fish, a banda é diferente, agita e interage com o publico, não é um tipo
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Shows de bandas como Dead Fish a preços acessíveis de banda que vemos na televisão, só aqui mesmo”. Ele ainda destaca algo importante do show: “E as letras passam uma mensagem, eles falam o que pouca gente tem coragem de dizer, com um som tão nervoso quanto as suas indagações”. O nervosismo realmente se faz presente no show, com uma, não muito definida, roda humana criada pelo público, onde ocorre toda agitação. O fotógrafo dos shows de hardcore da cidade, Edson Mutran, 19, segue a mesma linha na tentativa de explicar o show. “Hardcore é isso: primeiro a mensagem da letra, depois a energia forte do som”. Edson estava na produção do show, e diz que a melhor coisa do show de hardcore é não seguir regras. “Aqui, a maioria da galera que freqüenta os shows se conhece, todo mundo é livre pra se divertir, cantar aquilo que acredita junto com a banda” declara o fotógrafo. Shows como estes são pagos e, algumas vezes, a falta de dinheiro impede muita gente de ir. No entanto, o próprio Açaí Biruta tem entrada livre até as 16 horas aos Domingos, quando nenhum artista de fora se apresenta, e os shows de rock possuem preços acessíveis, dependendo da fama do artista. Mas quando isso não acontece, o jeito é procurar programas
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que apesar de baratos, funcionem do mesmo jeito na hora de espairecer. E em meio a essa estratégia de marketing, está o Bar The Beatles. O bar existe há oito anos na Cidade Velha, depois de funcionar no Bairro do Guamá. O Bar foi fundado pelo professor de Sociologia, João Cardoso, 47, para provar que não só existe público de Brega em Belém. “Queria provar que Belém não é uma cidade Brega, pois eu tinha muitos amigos e conhecidos que curtiam as músicas dos anos 70, 80 e 90. Infelizmente o povão prefere ser idiota, mas apesar disso o bar é bem movimentado” conta o proprietário. A estudante de Tecnologia Agro-Industrial de Alimentos, Amanacy Soares, 19, justifica o seu gosto pelo bar The Beatles: “A cerveja é boa e barata, o atendimento é bom e a música melhor, principalmente quando rola o vinil do Secos e Molhados”. Na pista de dança, os DJs do The Beatles colocam vinis pra tocar, com músicas da década de 90 pra trás, nacionais e internacionais. Segundo João, o Bar é tranqüilo, não rola briga, devido à boa freqüência. “As pessoas que vão ao The Beatles têm entendimento e apreciam boa música”. E pra quem não quer gastar nada, o “Projeto Ensaio Aberto”, da Loja Ná Figueredo é a pedida. Uma ou duas bandas autorais tocam nos fundos da loja, semelhante a uma garagem, em um ensaio aberto ao público, com entrada franca. O projeto existe desde 1999 e foi criado pelo próprio Ná Figueredo, dono da Loja, para divulgar as bandas de sons próprios da cidade. A estudante Tatiana Gomes, 17, gosta do ambiente descontraído do “Projeto Ensaio Aberto”. “É bem legal, a gente fica sentado vendo um ensaio mesmo. Tem ocasiões, que a banda erra, mas não tem problema nenhum porque, apesar de ter gente vendo, sabemos que é um ensaio. Não é uma coisa intocável como nos shows” declara a jovem. Os ensaios abertos possuem uma interatividade muito grande, por causa da aproximação que o lugar dá do público com a banda. Sempre se ouve brincadeiras da platéia com banda e vice-versa, do tipo: “Sai da ê”, “Cala boca e toca”, “Não sabe nem tocar” e por ai vai. Além do retorno imediato para a banda, da opinião das pessoas sobre o “show”. O melhor de tudo isso é que estes são programas de graça ou bem baratos, opção pra quem não pode gastar muito, mas quer se divertir. Belém ainda possui várias outras formas, sejam pagas ou gratuitas, de lazer.
Dificuldades de divulgação Apesar das particularidades de cada forma de lazer, várias dividem algo em comum: os problemas de divulgação. Muitas são difíceis de serem encontradas, por carência de recursos de publicação de algumas produtoras ou por falta de espaços nos principais veículos de comunicação da cidade. Porém, nada que as impeçam de existir. A resistência a própria insistência de fazerem o que gostam e acreditam é mais forte. “Já me dei mal muitas vezes fazendo show, mas continuo porque não ia conseguir viver sem fazer isso” confessa Sandro Ribeiro. Essas dificuldades se fazem presentes, na maioria das vezes, em festas de estilos de música que não movimenta multidões na cidade, como por exemplo, o rock. “Quando a banda usa apenas a internet para divulgar o trabalho dela, é complicado pra gente arranjar um espaço em jornais e TV. A menos que se tenha grana ou um bom contato pra comprar esse espaço” explica Sandro. A produtora de shows de Sandro teve a sorte por terem contatos nos meios de comunicações que freqüentavam os shows produzidos por eles. “Se não tivéssemos essa sorte e o Dead Fish ter um relativo conhecimento nacional, por já terem aparecido algumas vezes na mídia, ganhando prêmios e possuírem fãs por todo o país, não conseguiríamos anunciar o show no “JL cultural” da TV Liberal e no “Diário do Pará”. Mas tirando isso, foi mais a gente na rua com os cartazes e flyers” comenta o elaborador de shows de rock. Para Fernanda Monteiro “O boca a boca” basta para os shows de Reggae. Ela diz que os anúncios nos meios de comunicação só ficaram mais fácies agora, com a popularização do estilo na cidade. Entretanto, ela ainda acha pouca a divulgação. “É muito caro um anúncio na TV. Por isso, pra artista pouco conhecido, não dá pra fazer publicações todos os shows. E o “boca a boca” sempre proporciona mais retorno e ainda não cobra nada” afirma. As coisas de graça na cidade possuem, quase sempre, somente a auto publicidade “de lugar para gastar pouco ou nada” e o “boca a boca” também. Essas dificuldades realmente não são boas para quando se precisa de retorno financeiro. Mas, apesar dos lugares estarem sempre abertos para todos, os problemas servem para levar aos shows, festas e bares aqueles que realmente gostam de onde freqüentam, mostrando a reciprocidade com as idéias dos inventores, o que pra eles já é um grande retorno. Provando, que basta estar com força de vontade para encontrar entretenimento em todos os cantos.
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A herança de Carlos O compositor paulista Carlos Gomes fez sucesso na Europa e teve uma relação estreita com Belém no fim de sua vida. Os ecos desta aproximação ressoam como música suave mesmo após 112 anos de sua morte. Por David Mendes
E
1836. Em março, na Alemanha, “Das LiebesverWagner era apresentada pela primeira vez. Dois meses depois, o italiano Giuseppe Verdi se casava com Margherita Barezzi. Já em junho a ópera “Il Campanello di Notti”, de Gaetano Donizetti, estreava em Nápoles. A época não era produtiva apenas para músicos. Charles Darwin visitou o Brasil pela segunda vez naquele ano. Mas, sem dúvida, um dos fatos mais importantes daquele longínquo 1836 está relacionado ao campo musical. Foi o nascimento, em Campinas, de Antônio Carlos Gomes no dia 11 do mês de julho. ra o ano de
bot”, ópera de
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Manuel José Gomes, pai de Carlos, era músico. Por isto, além de Carlos Gomes, outros dos seus 26 filhos acabaram se interessando pela profissão do pai. Maneco, como Manuel era conhecido, casou-se 4 vezes, e com filhos para formar dois times de futebol e ainda manter 4 reservas, a família acabou constituindo uma banda que trabalhava para manter seu próprio sustento. Carlos perdeu a mãe ainda menino. Além da banda familiar, ele lecionou música e trabalhou em uma alfaiataria, durante a adolescência. Não demorou começar a compor e Verdi
estava entre os músicos em quem ele se espelhava na hora de escrever suas partituras. Aos 25 anos, assim como Verdi, Carlos Gomes estreou sua primeira ópera. Na época ela já não morava em Campinas. A obra era “Noite no Castelo” e ela foi apresentada no Rio de Janeiro. Carlos Gomes, apesar de ser um compositor de música erudita, pode ser considerado o primeiro pop star brasileiro. Ele conseguiu reconhecimento internacional com seu trabalho. Suas óperas foram apresentadas na Itália e na Inglaterra. A mais famosa delas, “O Guarani”, inspirada no livro de José de Alencar, teve estréia mundial no Teatro alla Scala, de Milão. Certamente você já deve ter ouvido, mesmo que em parte, este trabalho do maestro. Era 1870 e há sete anos ele passara a morar na Itália, a fim de se dedicar aos estudos. Ao fim da apresentação, Verdi teria dito: “Questo giovane comincia dove finisco io!” (“Este jovem começa de onde eu termino!”). O mestre italiano passava o bastão para o jovem do interior paulista. Mesmo com o trabalho reconhecido, ele preferia viver longe de sua pátria, a ter que se arriscar às incertezas com que sempre o país tratou seus artistas. Mas isto lhe debilitava física e emocionalmente. Por vezes sonhou e chegou a estar perto de ser nomeado para o cargo de diretor do Conservatório de Música do Brasil. Mas a Proclamação da República lhe frustrou o sonho, pois D. Pedro II, que era o responsável pela nomeação ao cargo, foi exilado deixando para trás diversos projetos não realizados. D. Pedro II era amigo e admirador de Carlos Gomes e quando o músico decidiu sair do país para estudar, o monarca sugeriu que ele fosse para Alemanha, já que admirava trabalho do alemão Wagner e queria que Carlos Gomes aproximasse seu estilo ao do compositor germânico. Só que o maestro se identificava com a escola italiana. Ainda hoje, Carlos Gomes pode ser ouvido diariamente nas rádios brasileira. E se a sua música não for a mais executada no Brasil, certamente o trecho de “O Guarani” que antecede a antiga famosa frase “Em Brasília, dezenove horas”, está entre as mais tocadas. Há 70 anos no ar, a música é vinheta da Voz do Brasil. O programa já mudou de locução, e até a frase inicial foi substituído por “Sete horas em Brasília”, no entanto, mesmo que em versão de samba ou choro, ou ainda tocada com berimbau, é a obra de Carlos Gomes que precede as notícias do país. Mas, no fim de sua vida, não era só o prestígio que o cercava. No entanto, já debilitado pelo câncer na garganta que lhe tiraria a vida, Carlos Gomes retornou ao Brasil, para enfim tomar conta de um conservatório. O convite viera do então governador do Pará, Lauro Sodré. O projeto era grandioso, por isto Carlos Gomes arrumou suas coisas, despediu-se dos amigos e familiares que ficariam na Itália e rumou ao Brasil em 1895. Ele chegou a Belém no dia 14 de maio do mesmo ano e, mesmo debilitado pela doença, não fazia idéia que teria pouco mais de um ano para pôr em prática o projeto de uma vida e instalar em Belém o terceiro estabelecimento que ofereceria curso completo de música no Brasil. Antes
dele só o Imperial Conservatório de Música criado no Rio de Janeiro em novembro de 1841 e o Instituto Musical da Bahia, fundado em janeiro de 1895, existiam. Mal chegara à cidade e ficou claro que seria bem difícil dirigir o conservatório. Carlos Gomes sofria com as dores intensas lhe tiravam a oportunidade de desfrutar do cargo que Sodré lhe dera. Mesmo com todos os esforços médicos possíveis, o maestro não apresentava melhoras e no ano que completou 60 anos, no dia 16 de setembro, ás 22h20 Carlos Gomes morreu, tendo dirigido por poucos meses o Conservatório de Música. Os jornais da época cobriram com intensidade o estado de Carlos Gomes. Em seu leito de morte, figuram paraenses proeminentes se reuniram, o que gerou a pintura Os Últimos Momentos de Carlos Gomes, de Deangelis exposta no Palácio Antonio Lemos, prédio que atualmente, além de um museu, abriga também a Prefeitura de Belém. A imagem é controversa, pois se comenta que Carlos Gomes morrera deitado em uma rede, mas, no momento de se representar iconograficamente a cena, acharam de mal tom retratá-lo nela e substituíram-na por uma cama. Mas a história não termina aí. O conservatório paraense de música continuou existindo e nos anos seguintes conseguiu prestígio e renome. Em 1898, Paes de Carvalho, quando governador do Pará, autorizou mudanças no Conservatório de Música: ele passaria a ser um estabelecimento público e se chamaria Instituto Carlos Gomes. Já em 1902, Augusto Montenegro reformou as instalações da Instituição. No entanto, seis anos depois, ainda sobre a gestão de Montenegro, o Instituto foi desativado. Belém passava pela decadência do ciclo da borracha e, foi alegando se tratar de uma medida de contenção econômica que o governo fechara as portas do Instituto. As portas do Instituto não permaneceriam fechadas para sempre. Em 1929, o Conservatório Carlos Gomes voltaria a abrir suas portas com toda a pompa que um estabelecimento representativo da música erudita no Pará merecia. A volta as atividades foi marcada por uma solenidade no Theatro da Paz, presidida por Eurico Valle, governador do estado, no mês de julho. Desde então o Conservatório tem se mostrado uma herança prodigiosa dos trabalhos de Carlos Gomes em Belém. Motivo de orgulho não só para os músicos. O curso técnico forma por ano 15 alunos. Já no bacharelado, que é conveniado à UEPA, cerca de 10 músicos são diplomados a cada ano. Parece pouco, mas a qualidade dos profissionais rende cada vez mais honrarias ao Conservatório. Só este ano o Carlos Gomes ganhou dois prêmios internacionais importantes: um na Áustria, com o Coro Carlos Gomes. Único representante brasileiro em uma competição de coros, o do Carlos Gomes ficou com duas medalhas. O outro veio do México, mas corresponde a toda a America Latina, e tem representatividade em todo o mundo. Este atesta a qualidade dos ensinamentos que instituição repassa. São sinais de que as composições do maestro campineiro continua viva e inspiradora, fazendo com que os acordes da música erudita no Pará nunca cessem.
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100 A produção cinematográfica paraense atual, apesar de bastante diferente, ainda enfrenta muitos dos problemas encontrados por Líbero Luxardo na época de suas experiências pioneiras. Ainda assim, o centenário do nascimento do cineasta da Amazônia é momento de se contabilizar os avanços. Por David Mendes
Na sala que leva seu nome, Luxardo foi homenageado com a exibição de seus filmes recuperados.
S
eria no último
Dia Nacional
do
Cinema, 5 de novembro, que Líbero Luxardo comEm um dia tipicamente paraense, com manhã Museu da Imagem e do Som (MIS) do estado do
pletaria cem anos desde seu nascimento.
Pará
ensolarada e tarde chuvosa, o
organizou uma mostra para exibir as recém recuperadas cópias do que se conseguiu
preservar da obra do primeiro cineasta a retratar a metragens.
Os
filmes de
Luxardo
Amazônia
e
Belém
em seus longas-
têm importante valor documental para o
registros únicos da vida na metrópole provinciana que é
Belém. Mas,
Pará,
pois são
além disto, a obra
do paulista pode ser considerada o embrião do que viria a ser o cenário atual.
“Um dia qualquer”, filme de 1961 foi exibido, no dia do aniversário do cineasta da Amazônia, na sala que leva o nome de Luxardo. Desde sua inauguração, em 1986, o Centur abriga o cinema que foi batizado em homenagem ao homem que está por trás de “Um Diamante e 5 Balas”, filme perdido, do qual só restaram cartazes
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e o trailer - cogita-se que este filme tenha sido vendido pelo próprio Luxardo e estaria hoje na Europa ou nos Estados Unidos. Na mesma noite, foi lançado um catálogo, que além de relacionar a obra de Luxardo, apresenta uma biografia dele. Neste catálogo também se encontram textos do crítico paraense de cinema Pedro Veriano, da jornalista e pesquisadora Dedé Mesquita, do historiador José Carneiro e do pesquisador Arthur Autran.
no cinema. Em produções internacionais, por vezes aparece como locação principal, mesmo que não identificada. Contudo, temas abordados em formato de documentário são os que mais pululam nas produções em que a região aparece como cenário. O cineasta paraense Fernando Segtowick, apesar de não compartilhar desta opinião, sugere que isto acontece porque este tipo de filme requer uma produção menor. No entanto, ele ressalta que muita coisa ruim acaba sendo lançada, coisas que nem sempre podem ser consiFim de sessão: os créditos finais ainda não chegaram na históris do cinema paraense. deradas como uma “verdadeira produção audioLuxardo, que costumava fazer desde o roteiro até a assis- visual”. Aliás, o que é sempre ressaltado sobre a produção de tência de fotografia, iniciou sua produção no Pará em 1938, filmes na Amazônia por cineastas amazônidas é, justamente, com o filme “Aruanã”. Antes, ele já tinha feito filmes no Mato o custo das produções. Mesmo tendo um caráter alternativo, Grosso, mas foi aqui que o cineasta decidiu fixar moradia, a produção paraense é dependente de mecanismos de incenmesmo com as dificuldades que limitavam suas possibilida- tivo, ainda raros na região. des de produção. Luxardo morreu em 1980 e foi sepultado no Luxardo também enfrentou este tipo de dificuldade ao prodia de finados, antes de conseguir levar às telas seu romance duzir seus filmes. Por vezes chegou a se desfazer de objetos e “Maldição”. Mas os créditos finais ainda não sobem aí. bens pessoais para custear os gastos de seus projetos. SegtoA Amazônia, como em outras áreas, também é recorrente wick lançou seu primeiro projeto, o curta “Dias” em 2000; o
No Cine Líbero Luxardo: os filmes de cineastas regionais fazem sucesso. 17
filme foi custeado por um programa que busca incentivar a produção de audiovisual em Belém. Ele havia passado uma temporada nos Estados Unidos, estudando cinema, durante o ano de 1999. Quando retornou, inscreveu seu roteiro em um edital lançado pela FUMBEL. A falta de recursos também é uma das explicações principais para a produção ser próspera em curtas e médias-metragens, mas escassa em longas. Os longas de baixo custo ficam em torno de R$ 1 milhão, chegam com facilidade aos R$ 3 milhões, o que é muito para os padrões regionais. Soma-se a isto os mesmos problemas que Luxardo deve ter enfrentado: a distância dos grandes centros, a falta de técnicos e de equipamentos. Sendo assim, o que explicaria a atividade intensa pela qual o cenário cinematográfico vem passando desde meados da década de 90? Belém é uma cidade de cinéfilos apaixonados. É só aqui que se encontra uma sala de exibição quase centenária ainda funcionando. É aqui que cine clubes são formados quase todos os anos, espaços para que as novas gerações descubram e discutam produções significativas do cinema mundial. É aqui que se tem um grupo de críticos capazes de fazer um multiplex exibir filmes não comerciais a preços módicos. Ou seja, o paraense tem um grande anseio de fazer o cinema acontecer. “Acho que nos sobra vontade de produzir e com certeza temos tido alguns êxitos, como filmes premiados (ficção, documentário e animação)”, é a opinião de Segtowick. Prova disto é a recepção do público quanto aos eventos que tem cinema como foco. A mostra em homenagem ao Líbero foi considerada sucesso de público. Paula Macedo, diretora do MIS, acredita que a obra do pioneiro “desperta uma curiosidade imensa no paraense que de alguma forma quer rever seu histórico e memória na telona através dos filmes dele”. O Museu, idealizado por Eneida de Moraes, conseguiu através do projeto Petrobrás Cinemateca o restauro de dois longas e de dois curtas-metragens estilo cinejornal do precursor do cinema local. Hoje, os filmes “Homenagem Póstuma a Magalhães Barata” (1959), “Um Dia Qualquer” (1961), “Marajó – Barreira do Mar” (1964) e “Belém 350
Jornais lembraram o centenário do cineasta pioneiro.
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anos” (1965), são guardados com o maior cuidado junto ao restante do acervo de cerca de 2.200 títulos, só em película. Outros entraves são relacionados à divulgação, distribuição e a ausência de espaços públicos para projeção de vídeos digitais. Priscilla Brasil, cineasta por trás do registro da festa da Chiquita, considera o cenário ainda “amalucado” nestes quesitos, mas ele vem melhorando. “Distribuição? Acho que só a Chiquita teve distribuição nacional, isso porque foi ajudado pela causa gay”, conta Brasil. A cineasta, que apesar de não se considerar uma cinéfila, sempre quis fazer filmes. Quando chegou a hora, precoce, já que Priscilla prestou vestibular aos 15 anos,de escolher uma profissão, ele teve que adiar a escolha pelo audiovisual: não tinha curso nesta área aqui em Belém e ela era muito nova para morar sozinha em outra cidade. Fez arquitetura, mas não tirou o cinema da cabeça e, assim que pode, foi fazer o que queria no Rio de Janeiro. “As filhas da Chiquita”, filme à que Priscilla se refere, é um documentário sobre a tradicional festa gay incluída nas festividades do Círio de Nazaré. Curioso é que Luxardo documentou a procissão da Virgem de Nazaré ainda em meados de 1970. Priscilla voltou a se envolver com festa religiosa durante a produção do videoclipe “A Vela” da banda Madame Satã. O vídeo teve estréia nacional na MTV, no dia 25 de novembro de 2008. Apesar de todas as dificuldades as produções não param. Priscilla, comparando o cenário atual com a época de Luxardo, afirma que “se hoje ainda é impossível, o que ele fez foi um trabalho hercúleo. Pensando assim, os problemas que passamos hoje pra produzir ficam pequenos, muito pequenos.” Segtowick, não tem opinião muito diferente e conta que “de Luxardo, o que fica é a coragem para realizar filmes aqui, sem escolas de cinemas, sem técnicos, com uma infraestrutura bastante precária.” O público prestigia, tanto que o MIS tem vontade de lançar um selo para distribuir os filmes de Luxardo. Ainda assim as produções não têm como se manter por si próprias, na opinião de Fernando. “Para existirem precisam ser bancadas por prêmios ou via leis de incentivo”, ele afirma. É verdade que boa parte do que se faz em audiovisual, excetuandose os vídeos publicitários e institucionais, são apoiados por editais públicos. Mas isto não tira os méritos nem as qualidades dos filmes daqui. Além de ser uma vantagem da qual Luxardo não pode usufruir, apesar da amizade com Magalhães Barata. O MIS, que por tradição monta seu acervo com doações, já possui material dos cineastas atuais. Priscilla já estuda a possibilidade de lançar uma ficçãozinha em 2009, sem deixar a realidade de lado, já que sempre foi ligada à linguagem documental, mas vem experimentando a ficção em videoclipes. Segtowick, que começou com um curta ficcional, mas seu filme mais recente é o documentário “Jovens, Tefé, AM”, irá voltar à ficção com seu próximo filme, intitulado “Matinta”. Pelo visto os créditos finais estão longe da tela do cinema local. E aos 100 de Luxardo, muitos outros anos podem se somar; muitas conquistas também.
As bonecas de Audrey Nascida em Bruxelas, a atriz Audrey Hepburn conquistou a América com personagens sensíveis e com sua imagem de menina delicada. Por David Mendes
U
ma mulher em um longo vestido preto, colar de brilhantes no pescoço, os cabelos presos em um coque alto, desce de um táxi numa rua quase deserta.
O
dia está nascendo e ela traz na mão uma sacola de papel branco, de
onde tira um copo de café e um croissant. joalheria, enquanto toma o café da manhã.
Audrey como a bonequinha de luxo criada por Capote.
Da
calçada ela observa a vitrine de uma
Uma bonequinha de porcelana sai de avião do Canadá para os EUA. Na viagem, ela é levada a tiracolo por uma jovem. Já nos EUA, a boneca acaba indo parar na casa de uma deficiente visual. De certo modo nada de extraordinário, certo? Não, pois a boneca não esta recheada apenas com espuma ou feltro. Seu corpo de cetim vermelho foi cortado e pelo furo, pacotinhos de cocaína foram inseridos na inocente bonequinha. Excetuando-se o Brasil, em quase todos os outros países a única coisa que poderíamos dizer que aproxima a descrição das cenas citadas é o fato de se tratarem de filmes, e filmes protagonizados por uma das atrizes de maior representatividade em sua época: Audrey Hepburn. Em terras Tupiniquins o famigerado pescoço de Audrey dá lugar às bonequinhas da atriz. Sim, pois o livro de Truman Capote, que no Brasil foi chamado de “Bonequinha de Luxo” (Breakfast at Tiffany’s), ganhou versão cinematográfica com o mesmo título em português, estrelada pela atriz em 1961. Seis anos depois, outra foi a bonequinha que caiu nas mãos de Audrey. Desta vez no filme “Um Clarão nas Trevas” (Wait Until Dark). A antológica cena da mulher tomando café em frente à joalheria é a abertura do filme de 1961. Audrey encarna Holly Golightly, uma moça do interior que, morando em Nova Iorque, aceita U$50 para ir ao toalete. Um tanto voluptuoso
19
para a imagem da jovem atriz que se destacara desde seu primeiro papel importante em Hollywood encarnando personagens bem castos (uma princesa, uma freira...). Isto porque Capote, prevendo a adaptação de seu conto para as telonas, pensara naquela que era a verdadeira encarnação da sensualidade à época: Marilyn Monroe. Mas coube à Mrs. Hepburn eternizar a personagem. Desta forma, o que poderia ser óbvio na pele de Marilyn, ganhou um toque de dubiedade na versão de Audrey Hepburn. Belga de Bruxelas, Hepburn nasceu em maio de 1929; filha de um banqueiro com uma baronesa holandesa. Talvez desta mistura refinada tenha vindo a linha corporal sofisticada que dava à Audrey elegância mesmo ao interpretar uma pobre vendedora de flores em “Minha Bela Dama” (My Fair Lady), de 1964. Por isto, Audrey sempre foi associada ao bom gosto. Sua amizade com o estilista Hubert de Givenchy aumentou seu status de ícone da moda. Mas a história desse en- N o f i l m e d e contro é um tanto curiosa. Por volta de 1954, a atriz se preparava para as gravações de “Sabrina”. O filme conta a história da filha do motorista de uma rica família norte-americana, que após um período estudando na França, volta para a América transformada em uma mulher charmosa e atraente. Para encarnar a personagem, Audrey marcou uma visita ao ateliê de Givenchy em Paris, pois já admirava seu trabalho. Mas o encontro havia sido marcado por telefone e Audrey se identificara como Mrs. Hepburn. Givenchy pensara em Ketherine Hepburn, porque Audrey ainda não era muito conhecida e Katherine já era uma das atrizes mais prestigiadas de Hollywood. Quando Audrey chegou à loja e Givenchy se deu conta do engano que cometera, tentou despachá-la afirmando que
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não tinha nada de novo para mostrar. A atriz insistiu e disse que aceitaria qualquer coisa. Givenchy lhe deu um vestido de uma coleção antiga para experimentar. O vestido caiu como uma luva, e Audrey acabou convencendo Givenchy a vesti-la em “Sabrina”. A partir de então ela se tornou um ideal de elegância para ele e uma espécie de musa inspiradora para seu trabalho. Outra curiosidade de “Sabrina” é que o filme foi produzido e dirigido por Billy Wilder, o mesmo que está por trás de “O Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard, 1950) e os dois filmes tiveram como locação principal a mesma casa. O padrão hollywoodiano que perdurou de 1940 até meados dos anos de 1960, dava preferência à atrizes curvilíneas e de baixa estatura. Audrey não era assim. Além de ser alta, seus pés eram grandes demais e seu nariz era inchado, o que 1 9 6 7 n ã o e r a e l a a b o n e c a . lhe dava uma aparência engraça. Sua magreza era quase incômoda. Era assim que a bonequinha se enxergava: como um patinho feio. E não era falsa modéstia, para muitos dos que a cercavam. No entanto, na edição número 9 da revista Cláudia, de 1962, se afirma que “nada, de Audrey Hepburn, nasceu ao acaso (...). Tudo é o resultado de um calculo inteligente.” O texto tem a intenção de desmistificar a imagem de perfeição que já cercava a atriz à época. A matéria é ácida; afirma que Audrey escolheu seu “tipo”: “moça ingênua que necessita de proteção.” De fato Mrs. Hepburn não nasceu Audrey. Kathleen era seu nome de batismo. No entanto, como era comum naquele período e ainda hoje, o nome foi definitivamente deixada para trás, quando Audrey conseguiu, com o consentimento da autora, o papel principal na versão teatral de “Gigi”. Era um passo para se aproximar de Hollywood ou da Broadway. O casamento com Mel Ferrer, par dela no filme “Guerra e Paz” (War and Peace, 1956), inspirado na obra de Leon Tolstoi, e com quem a atriz teve seu primeiro filho em 1961, rendeu a eles a definição de par perfeito. Mas foi idéia de Mel tentar afastar Audrey
da imagem de boa menina. fragilidade. Em 1967, Mel produzia “Um Clarão nas Trevas” e resolveu que Audrey Audrey Hepburn morreu no inicio da década de deveria interpretar a personagem principal do filme. A atriz estava 1990; trinta anos após viver Holly e mais de 20 aos poucos abandonando a carreira para se dedicar ao filho e ao ma- anos após ter filmado “Um Clarão nas Trevas”. A rido. A década de 1960 já não era tão produtiva quanto fora a de verdade é que este foi seu último grande filme. 1950. Até por isto, Ferrer queria mostrar que Audrey era uma atriz Nas duas décadas seguintes, além dos quatro filmultifacetada. Audrey aceitou o papel. mes que fez, ela se ligou a UNICEF e desenvolveu A personagem do filme de 1967 era, realmente, a mais diferente das um trabalho humanitário na África, o que daque entraram na vida de Hepburn. De uma forma ou de outra Au- ria um belo roteiro para cinema, não é? E Audrey sempre fazia a mulher frágil, mas perfeitamente estonteante. drey fez! O filme é de 1959, “Uma Cruz à Beira Uma bonequinha. Desta vez a boneca seria outra. do Abismo”. A atriz interpreta uma jovem belga O filme é uma adaptação da peça de Frederick Knott e Audrey in- que se torna freira para ajudar nativos africaterpretou Susy Hendrix. Cega, Susy é deixada sozinha em casa pelo nos. Não muito longe das bonecas a que estava marido. Três vilões perversos vão atrás dela a fim de recuperar aquela acostumada. boneca de porcelana citada no inicio desta matéria que foi parar na Sim, Audrey fez diversas bonequinhas, talvez até tecasa de Susy. É um thriller aflitivo, pois, para se passar a idéia da di- nha sido uma na vida real, e isto não tira seus méficuldade de Susy ao ter que encarar seus algozes, as cenas do clímax ritos. Mas certamente as bonecas de Hepburn não foram rodadas com pouca luz ou no escuro. Gritos e ameaças são as eram de porcelana, mas sim de algum material mais referências para os espectadores nestes trechos. resistente, capaz de resistir ao tempo e de sair Audrey não está com os melhores figurinos, ilesa de acidentes. Por isto ela se torcomo antes, e nem sobrecarregada de nou uma figura recorrente e Curiosidades subterfúgios para compor a perrevisitada com muita fresonagem. Ela dispensou até qüência até hoje. “A Princesa e o Plebeu” (Roma Holliday, 1953), recebeu 10 óculos escuros; apenas arindicações ao Oscar. Audrey levou o de melhor atriz em sua estréia regala os olhos e os fixa em Hollywood. em pontos indefinidos para sugerir a Grace Kelly a sucedeu como melhor atriz em 1954. deficiência visual. Ainda assim Audrey cantou Happy Birthday para JFK um ano após Marilyn Monroe ter feito isto. ela convence. Contudo, Como em “Bonequinha de Luxo”, Hepburn também entrou no lugar de outra atriz em “Minha Susy Hendrix Bela Dama”. Desta vez foi Julie Andrews, que fazia sucesso na versão teatral da história, difere em quem perdeu o papel para ela. algo mais de Holly Quando fez “Minha Bela Dama”, que é um musical, Audrey Hepburn já havia cantaGolightly. do no cinema, inclusive em “Bonequinha de Luxo”. Mas apesar do esforço da atriz, que Enquanto estudou canto para o filme, sua voz foi dublada por uma mais “suave”. a person a g e m Audrey foi apresentada a Mel Ferrer por Gregory Peck, seu par em “A Princesa e o de Capo- Plebeu”. Eles fizeram, juntos, a peça “Ondine”. Casaram-se na Bélgica, sete meses após te é clase conhecerem. ramente uma figuO vestido usado pela atriz em “Bonequinha de Luxo” foi arrematado por U$800 mil em um ra da moleilão realizado em 2005. d e r n i d a d e, uma mulher Em 2000 foi produzido um filme para TV norte-americana que conta a história da atriz. No paaté indepenpel principal, Jennifer Love Hewitt, aquela de “Eu sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado”, dente, a de foi muito criticada. O filme não foi lançado no Brasil. Knott, talvez até pela deficiência, se O fracasso da versão moderna de “Sabrina”, lançado logo após a morte de Aumostra atrelada à drey, pode ser uma das explicações para a não refilmagem dos filmes que conceitos já superadas Hepburn protagonizou. Mas sempre se cogita a possibilidade de repelas lutas feministas da makes. A israelense Natalie Portman está sempre entre as época. Enfim, uma personaque poderia substituir Audrey. gem com verdadeiros traços de
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Belém em cena
e seus encantos desconhecidos Bem no centro de Belém, casarões antigos que fazem parte da história do município abrem espaços para projetos da cena independente. São palcos que ganham, cada vez mais, destaque cam montagens locais e servem como alternativa para os tradicionais teatros da cidade. Ainda assim, as casas de espetacúlos já prestigiadas continuam com a importância que sempre tiveram, como o Theatro da Paz, de onde é sempre possível descobrir algo novo. Por Eliane Cardoso Cuíra (acima), Puta Merda e UNIPOP(à direita): representações alternativas
M
uito além dos teatros clássicos de
Belém
e de escolas teatrais reno-
madas, está escondidinho no andar de baixo dos casarões antigos da cidade, um mundo cheio de graça e de pura imaginação, que muitas
pessoas desconhecem
. São
os nossos teatros de porão que estão fazendo muito
sucesso e enchendo a cabeça de nossos espectadores querendo saber o que um espaço limitado e diferente dos outros pode oferecer.
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Marluce Oliveira , atriz e diretora teatral da UNIPOP (União Popular), diz que, por ter um aspecto diferenciado e limitado - ou seja, não convencional - o Teatro de Porão possibilita outras formas de encenação que não fica centrada em um espaço específico. Assim, se pode brincar um pouco com o ambiente de cada peça e com o público que vai prestigiar. Essa linha teatral cobra uma pequena taxa das pessoas que vão assistir ao evento. E é com esse recurso que são mantidos os custos de produção e que dão continuidade ao projeto, pois se trata de
uma organização independente e sem vínculos com o governo ou qualquer outro tipo de instituição. No caso da UNIPOP a situação é um pouco diferente, este teatro é uma ONG (Organização Não Governamental) e suas atividades são financiadas por instituições financeiras internacionais. O que proporciona a abertura das portas do teatro para a população e sem a cobrança de ingresso. Marluce fala que muitas pessoas acabam achando que o teatro, por ter esse aspecto acolhedor, é um espaço do ”povão” e como tudo que é da comunidade e do povão aparenta ser pobre, também acreditam que
o teatro de porão é pobre em cultura e em arte! Deste modo, muitos deixam de prestigiar ótimos eventos por terem a concepção de que não irão encontrar nada de bom. Os Teatros de Porão apresentam vários tipos de peças que vão desde comédias a dramas e tentam trabalhar com diversas formas de encenação. Hoje, Belém conta com o Teatro de Porão Puta Merda, de Wlad Lima e com o da UNIPOP, ditos os principias de Belém. As apresentações acontecem nos dias de semana e também aos sábados e domingos, geralmente à noite.
As fantasias criadas pelas escolas de teatro Para dar vida a personagens e encantar o público com seus gestos e emoções, os artistas passam por um processo de treinamento e aprendizagem que as escolas de teatro oferecem. Para Marluce Oliveira, a escola de teatro se empenha em formar atores e atrizes para atuarem em diversas áreas da arte cênica e teatral. A diretora afirma que a UNIPOP não é uma escola de teatro específica, ela tenta formar atores e atrizes sociais, que procuram mostrar os seus aprendizados sendo agentes sociais, ajudando na construção da cultura, da educação, do caráter e de comportamentos importantes que estruturam a sociedade. Ela também fala que as escolas de teatro funcionam de maneira diferenciada “Não posso dizer que as escolas trabalham a mesma coisa que nós trabalhamos, por exemplo : existem algumas que trabalham especificamente com bonecos e outras trabalham com a pessoa
Hoje é dia de teatro: o público se acomoda nos pequenos espaços dos porões. 23
em si de frente para o público”. Assim, o curso de iniciação teatral da UNIPOP tenta trabalhar um pouco de cada coisa, seja com bonecos ou não. Existem várias escolas de teatro em Belém e as principais são a do Curro Velho e da UFPA. Inclusive, a da UFPA está desenvolvendo um projeto muito interessante : Os Palhaços Trovadores. O diretor desse projeto, Marton Maués desenvolve um estudo junto ao grupo em seu trabalho de mestrado. Os Palhaços Trovadores são o primeiro grupo a trabalhar a pesquisa e a linguagem do clown em Belém do Pará. Eles fazem um trabalho voltado essencialmente para a cultura popular como palhaços, trovas, folguedos (pastorinha, Boi-Bumbá, quadrilha, mitos, lendas, canções e trovas). Apresentam-se em ruas, praças, centros comunitários, logradouros, escolas, visitam bairros e pequenas cidades, assim fazem com que o teatro fique popular e que as pessoas possam ter acesso a sua própria cultura. O grupo está empenhado em um espetáculo chamado ”O Singelo Auto de Jesus Cristinho”, inspirado nos autos natalinos que para nós é conhecido como pastorinhas. O evento mostra o nascimento do menino Jesus, que também é para os trovadores, o nascimento de um clown. A ligação com a linguagem popular gerou um auto de natal, com roteiro da conhecida diretora e atriz Wlad Lima, que colabora com o grupo. O trabalho lançou o núcleo de pesquisa na tarefa de realizar espetáculos ligados ao calendário cultural.
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E na casa tradicional... Tradicionalíssimo no Pará, quando ouvimos seu nome, pensamos que nada de novo está por ser dito. Todo mundo sabe que o Teatro da Paz foi idealizado em uma casa de cultura ao estilo Neoclássico Português. Mas, muitas pessoas desconhecem aspectos interessantes que ficaram escondidinhos dentro do teatro ao longo do tempo. Antes da sua primeira modificação, ao subir a escada de entrada do teatro, tínhamos uma porta que dava acesso diretamente ao salão de apresentações, mas como a acústica e a iluminação do interior ficaram prejudicadas a porta foi substituída e a partir de 1905, no seu lugar, colocou-se um enorme espelho e a primeira visão que se tem ao subir a escada é de se próprio entrando no teatro. O tetro foi construído obedecendo a divisão de classes da época. Então para a nobreza, o melhor lugar para assistir às apresentações era dentro do palco em camarotes reservados nas laterais. As classes rica e média ficavam no primeiro e no segundo andar, respectivamente: espaços onde a decoração era mais trabalhada, com lustres e pinturas lindas. O mais interessante é o lugar reservado a classe pobre e de empregados: estas pessoas assistiam aos espetáculos do terceiro andar e de pé, pois os organizadores do teatro não disponibilizavam cadeiras para eles sentarem, além disto, a decoração praticamente nem existia. Segundo os Historiadores, a plebe nem se preocupava com essas coisas, o que queriam mesmo era assistir aos espetáculos a qualquer custo, e além do mais, os ingressos para esse local era de graça, que para eles era o mais importante. Um dos fatos mais impressionantes do teatro é a piscina que existe embaixo do palco. Segundo Denize, instrutora do local, a piscina é uma técnica antiga de acústica que serve para igualar o som dentro do salão de apresentações. “Quando colocaram ar-condicionado no teatro, tiraram a água da piscina que servia tanto para resfriar o ambiente interno quanto para melhorar o som. Mas, com a observação de um maestro, percebeuse que a acústica tinha mudado, pois haviam esvaziado a piscina, então se resolveu enche-la novamente e ela está assim até hoje.”
A cozinha paraense ganha o Brasil Pratos que para o paraense não são nenhuma novidade, começam a tomar o paladar de todo o país. Por Luciano Nunes
Jambú e tucupi, tradicionais no tacacá, são agora usados em receitas de grandes chefes,
H
á poucos anos, ninguém no que era açaí.
A
Sul
do país sabia o
fruta tipicamente paraense, foi
ganhando espaço na mesa de todos os brasilei-
ros e hoje é um verdadeiro sucesso.
Em
qualquer canto do
Brasil, é possível encontrar alguma coisa feita com o açaí. E falando de frutas, o cupuaçu, o bacuri, o buriti e muitas outras também estão ganhando espaço. A castanhado-pará, por exemplo, já esta sendo chamada em algumas partes do país e até no exterior de castanha-do-brasil. Já os pratos prontos começam agora a aparecer na mesa dos
“estrangeiros”. Não se assuste ao chegar a um restaurante em São Paulo, por exemplo, e ver no cardápio “pato no tucupi”, essa iguaria da cozinha paraense já pode ser apreciado em diversos estabelecimentos em todo o brasil. O tucupi, um caldo amarelado extraído da mandioca, já esteve até na mesa do programa da Ana Maria Braga, da rede Globo, na ultima edição do reality show Super Chefe. Outros pratos estão cada vez mais divulgados lá fora como o tacacá e a maniçoba, mas o seu preparo ainda é quase que exclusivamente paraense, o que contribui para o incremento do turismo na região. O sucesso da nossa culinária se da em parte ao esforço de grandes chefes e entidades locais em divulgá-la. É o caso de Paulo Martins, reconhecido chefe que orga-
niza todos os anos desde 1999 o festival Ver-o-Peso da Cozinha Paraense, que já se tornou um dos principais eventos gastronômicos do país. Para Paulo Martins, a gastronomia mundial está em busca de novidades e já descobriu faz tempo as riquezas do Pará. A culinária paraense possui fortemente influência indígena, mas também é influenciada pela culinária portuguesa e africana. Como ingredientes básicos, diversas espécies de peixes, (tambaqui, tamuatá, tucunaré etc.) aves como pato, frango, folhas (maniva, chicória, coentro etc.). Talvez essa tamanha diversidade em pratos, temperos, ingredientes, seja um dos segredos do sucesso dessa culinária, os outros é o amor, carinho e orgulho que o paraense tem ao preparar os pratos.
Muito
além
de
maniçoba
e
tucupi
Quando falamos em diversidade gastronômica, o Pará não deixa nada a desejar. São tantos os pratos típicos que até mesmo quem nasceu aqui tem dificuldades em reconhecê-los. Você já comeu Piramanga? E picadinho de Tambaqui? A Piramanga, por exemplo, e preparada com pirarucu, manga e feijão, todos ingredientes facilmente encontrados na região, também tem a Mujica, um prato de aspecto cremoso ( como strogonof ) que pode ser feita de farinha de peixe conhecida como piracuí, massa de siri ou caranguejo. Alem desses existem mitos outros pratos com elementos bem típicos que a maioria dos paraenses ainda não conhece. E pra quem gosta de doce, ai cai uma receita para preparar uma bela torta de castanha-do-pará.
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Ingredientes - 12 claras - 500 g de açúcar - 12 colheres (sopa) de farinha de ros-
ca - 500 g de castanha-do-pará torrada e moída - 6 gemas Recheio: - 6 gemas - 6 colheres (sopa) de açúcar - 1 colher de margarina - 2 laranjas (suco) Cobertura: - 1 lata de creme de leite gelado s/soro - 4 colheres (sopa) de açúcar - 2 claras em ponto de neve - 200 g de lasca de castanha-do-pará
Modo de Preparo: - Massa: Bata as claras em neve, juntando o açúcar aos poucos e batendo até obter o ponto de suspiro. Acrescente as gemas sem parar de bater. Por último misture levemente as castanhas moídas e a farinha de rosca. Leve para assar em duas assadeiras untadas e forradas com papel manteiga também untado. - Recheio: Misture os ingredientes e leve ao fogo para fazer um creme, mexendo sempre até engrossar. Recheie uma torta e cubra com a outra. - Cobertura: Bata as claras em neve e junte o açúcar até formar um suspiro consistente. Junte o creme de leite sem parar de bater por mais ou menos 5 minutos. Cubra a torta e enfeite com as lascas de castanha. Leve à geladeira e sirva no dia seguinte.
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Patchwork Cultural Por Ane Mendes
Conceito Importado
O
Idade Média (século 15) e princípio da Renascença, na corte de Borgonha (atualmente parte da França), com o desenvolvimento das cidades e a organização da vida das cortes. A aproximação das pessoas na área urbana levou ao desejo de imitar: enriquecidos pelo comércio, os burgueses passaram a copiar as roupas dos nobres. Ao tentarem variar suas roupas para diferenciar-se dos burgueses, os nobres fizeram funcionar a engrenagem — os burgueses copiavam, os nobres inventavam algo novo, e assim por diante. Desde seu aparecimento, a moda trazia em si o caráter estratificador. Este conceito chegou a Belém durante um dos grandes ciclos de desenvolvimento econômico da região: (O ciclo da Borracha, de 1870 a 1912). E Belém chegou a ser considerada a Paris da Amazônia, uma pequena jóia da Belle- Époque, considerada época em que Belém(com a borracha)e São Paulo(com o café), eram as duas maiores economias do país. conceito de moda nasceu no final da
Estilo Belém Teoricamente a moda em Belém teria respeitado as condições climáticas da região não fosse o charme europeu a influenciar e dar tanto estilo ao jeito paraense de vestir. E tudo era importado. Os belos tecidos possibilitavam que os belenenses estivessem usando a “dernier cri” (moda derramada, importada)européia, normalmente adquirida nas lojas “Paris-Londres” e “Paris n’a América”. Esse costume perdurou até as décadas de 40, 50, 60 deste século, quando as modistas mais em voga da época – Isolda Maués Neves, Nelly Soares Paiva e Enid Almeida, ainda se orientavam pelos figurinos vindos diretamente do Velho Continente. Nesses navios - principalmente os franceses - não eram importados apenas os figurinos, os pianos e o mobiliário em geral. Junto com os filhos dos grandes seringalistas que retornavam de seus estudos no ex-
terior, vinham novos comportamentos, novas escolas filosóficas e, conseqüentemente, uma nova maneira de se comportar. Essa influência européia diferente alcança tal dimensão que tomou formas de controle sobre a vida privada dos que residiam nessa cidade. Antônio Lemos (intendente que administrou Belém no período de 1897 a 1910 ), conhecido por ter sido um dos principais organizadores da nova estética desta cidade que, em uma lei municipal de Códigos e Posturas, chegou a consolidar: “... proibido chegar à janela ou porta em traje indecente ou em completa nudez, ou conservar-se em casa em tais condições, de maneira que seja visto pelos transeuntes” (Lei n° 158 de 17 de dezembro de 1897, artigo 128). Mas, ao contrário do que se imagina, nossa herança cultural é outra! Somos Cabanos! Criadores do único movimento popular da Federação que levou ao poder um ‘governo’ composto por índios, camponeses, pequenos agricultores, ribeirinhos, mamelucos e intelectu-
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ais de elite; um povo com vontades próprias tão determinadas que lutou contra a perpetuação da influência portuguesa por essa Região Norte de nosso Brasil. Criamos moeda própria, nos vestimos como os ribeirinhos/agricultores que o éramos naquele momento histórico; intelectuais da elite trocaram seus nomes familiares tradicionalmente portugueses por nomes indígenas, em um ato de valorização da herança cultural de um povo que, logo depois, foi historicamente reprimido, aculturado e quase extinto. E por conta disso, ainda hoje, aqui é a época de se buscar o padrão de beleza internacional: jovens rapazes de jaqueta e/ou mangas compridas e moças de botas, jaquetas , ‘tops’ curtos, ‘magérrimas’ e de cabelos ‘lisérrimos’. Um antagonismo claro, um tipo de beleza artificial e inalcançável às nossas belas morenas de traços indígenas; mulheres de quadris largos e estatura baixa (herança genética de nossos colonizadores ibéricos) e todos os que trabalham durante o dia e são, por via de conseqüência, bronzeados por nosso sol tropical. Na passarela: bom senso e economia Hoje, as mais importantes semanas de moda nacionais - Fashion Rio e SPFW (São Paulo Fashion Week)– também acompanharam a tendência internacional que “dita” o “shape” e a forma está mais junta ao corpo. Assim, todos os dias algo de novo surge no mundo da moda porém, às vezes nem percebemos de fato, porque até pra gente se acostumar leva certo tempo. Por isso a moda nacional e internacional instituiu dois momentos específicos do ano – janeiro e julho – para apresentar de uma só vez as tendências outono-inverno e primavera-verão, respectivamente. Apesar de termos um clima que se contrapõe ao eixo da moda brasileira – Rio/São Paulo - Belém compartilha e recebe agora todas as influências da temporada de frio nacional e internacional, basta olhar os modelos que estão nas vitrines dos maiores shoppings centers da cidade. Reforçado pelas telenovelas e revistas de moda. Outro fator que influencia bastante o jeito paraense de vestir e calçar é a viabilidade econômica. A moda trazida do nordeste, região de clima semelhante, sai de fábricas muito mais próximas do consumidor paraense, barateando a mercadoria com grande aceitação em nosso estado. Nesse contexto, uma enorme dicotomia se faz presente: de um lado, para as populações de menor poder aquisitivo, a opção mais aceita são as confecções vindas, na sua maioria, do Nordeste e especialmente fabricadas para o nosso verão 40
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graus, vendidas de porta em porta ou em lojas mais populares do comércio local. Para as mulheres, cottons, Lycras, biquínis, blusinhas e ‘tops’ ínfimos, em cores vivas e ou cítricas são os principais atrativos dessas confecções. Nos pés? Sandálias, é claro! De qualquer forma: altíssimas e de tirinhas muito, muito finas, ou de solados grossos e saltos mais baixos e confortáveis, todas em tons os mais variados, que vão do branco ao azul turquesa, vermelho ou preto. Os homens de baixa renda seguem um padrão de vestir diferente, usualmente imitando o estilo suburbano ditado pelos veículos de comunicação de massa: influenciados pelo padrão “Globo de televisão”, tentam se vestir como os galãs das novelas ou os mais populares cantores que, costumeiramente, apresentam-se em programas de auditório. Já nas lojas dos shoppings, onde se concentram as lojas voltadas aos que detém melhores condições econômicas, é claro que existe um bom senso dos lojistas e fabricantes que tentam harmonizar o rigor das cores e tecidos fabricados para o inverno, com o nosso verão digno da proximidade com a Linha do Equador. No Mundo Fashion: Surpreender é “Lei” Mas, nem só de importar moda vive o paraense, com uma inigualável riqueza natural, a criação de produtos como jóias e cosméticos são desenvolvidas a partir de recursos naturais que fazem a inspiração de profissionais, surpreendem o mercado e encantam clientes que procuram todos os dias , novidades. E novidade é o que não falta em nossa região. Desde que se formou há oito anos o Pólo Joalheiro, o Pará vem conquistando o mercado ao apostar em jóias diferenciadas. As peças agregam o ouro, os metais nobres e as pedras preciosas à originalidade de materiais típicos da região. Como a madeira, o chifre de búfalo e a cerâmica. A decisão de investir em peças regionais mostrou resultado, aumentou em até 70% o número de jóias vendidas. De acordo com um dos joalheiros da região ,José Raimundo Cardoso, a criação do pólo foi a grande responsável pela nova identidade das jóias . “Hoje nós temos uma identidade própria, aquilo que faz a diferença no mercado, a jóia misturada com semente. Até então eu buscava trabalhar mais com a jóia convencional e a jóia clássica. A clássica encanta, mas buscando o mercado externo, a jóia regional encantou muito mais porque era algo diferente- a mistura com a semente” explica José Raimundo. O artesanato paraense está investindo mais em qualidade e conquistando mercado nacional e internacional. Um exemplo de sucesso é a empresa Ecojóias da Artepam, que já exporta produtos para o sul e sudeste do Brasil, e países como Canadá, Senegal, Espanha, França, Estados Unidos e Alemanha. Reiterando a tendência do mercado para os colares, brincos, pulseiras, cintos e braceletes feitos com sementes, fibras, cascas, sementes de jarina , tento(semente da árvore Pau Brasil) e açaí, caule da pupunheira e outros exemplares da flora amazônica. Esses finos artesanatos e delicadas jóias colocam o Pará no mundo, sem provincianismo. Valorizando a cultura com originalidade de materiais agregados ao design contemporâneo. Sustentabilidade: Raiz da Moda O interesse pela Amazônia aumenta em todas as partes do mundo e sua cultura ganha espaço merecido, pois daqui sai matéria-prima como:
cupuaçu, castanha do Pará, andiroba, bururiti e maracujá, são alguns ingredientes naturais típicos da Amazônia presentes com grande aceitação na cosmetologia internacional. A multinacional fabricante de jóias H. Stern, que já tinha namorado este universo 10 anos atrás, lançou uma coleção com o nome da tribo Purãngaw, que quer dizer beleza, em tupi. Um dos itens é um pingente inspirado no pau-de-chuva, que faz até barulhinho. Francesca Romana, designer que acaba de abrir ateliê em Nova York, também bebeu na fonte amazônica, criando colares trançados de sementes de guaraná, coco e açaí que podem custar até R$490,00. Bom mesmo será que isso tudo se reverta em melhores condições de vida para a sua população, sobretudo aquela detentora do conhecimento que estão gerando essa inquietação mundial. O Pará, que detém grande parte das atrações turísticas da Amazônia e compreende o chamado Portal da Amazônia, tem tudo para ser o grande beneficiário desse modismo. Inspirada nessas raízes também está a fabricante brasileira Natura com sua linha Ekos, um nome que nos liga com a natureza.. Com nova campanha “ A Amazônia está em você”, a empresa inaugurou sua primeira fábrica fora do estado de São Paulo. Localizada no município de Benevides, no Pará, a unidade industrial automatizada abriga a produção de massa de sabonetes e uma planta para extração de óleos vegetais. Neste primeiro momento, toda produção de massa vegetal será feita a partir de óleo de dendê (palma), fornecido pela Agropalma. Ainda em 2008, parte desse óleo será substituído pelo óleo processado na própria Unidade Industrial de Benevides a partir de frutos de outras palmeiras nativas, como inajá, tucumã, buriti, patauá e murumuru,adquiridas de cooperativas e associações de pequenos agricultores e comunidades agrícolas extrativistas locais. Em alguns anos, o projeto pode beneficiar até 2.000 famílias de 27 municípios, gerando trabalho, inclusão social e ajudando a manter a floresta em pé. “Mais do que sabonetes, a fábrica representa uma nova maneira de pensar e agir, acrescentou Alessandro Carlucci – Diretor/ Presidente da Natura. E como a região amazônica é fonte inesgotável de inspiração para criadores de moda, o Grupo Moda Pará participou com nove estilistas da Bolsa de Negócios do principal evento de moda do País, no Rio de janeiro: “ O Rio Fashion Business”. A exuberância da floresta amazônica traduzida em confecções, acessórios e calçados foi a marca do Moda Pará deste ano. O evento criado em 2004 para abrir mercado para a moda produzida no Estado, reúne empresas do ramo de confecções e acessórios e atende a mais sete grupos do segmento. O objetivo é fomentar a sustentabilidade das micro e pequenas empresas, por meio da melhoria no processo de gestão da inovação tecnológica, da inserção no mercado nacional e internacional, com foco na geração de emprego e renda de famílias em situação e exclusão social.
O grupo participou do Fashion Business, evento, integrado ao Fashion Rio, realizado no Rio de Janeiro entre 10 e 13 de Junho deste ano. No lançamento da coleção primavera/verão, o estudante do SEBRAE/PA expôs o trabalho de nove estilistas, cinco a mais do que o grupo que participou anteriormente e o maior número desde a primeira participação em 2004. Bolsas de fibras naturais como o tururi com aplicações de couro e madeira, da coleção Hiléia Brasileira, produzida pela Guyné Acessórios, chama atenção para a floresta, as peças já são exportadas para Portugal, Inglaterra e Estados Unidos e, em junho passado, a empresária Rosa Leal ganhou um novo cliente na África do Sul, graças a participação na Fashion Business. “Acho maravilhoso poder mostrar a nossa riqueza em um evento que considero como uma vitrine para o mundo” comemora a empresária. Ganhar o mercado externo é o objetivo de Graça Arruda, da Madame Floresta. Ela levou a coleção Flores da Amazônia para a Fashion Business. Os biquínis e maiôs são confeccionados em lycra e algodão com aplicação de botões e miçangas. “Tenho um trabalho diferenciado e acho que a qualidade e beleza das minhas peças têm tudo para agradar lá fora”, garante a estilista. ...E o que é que o Paraense tem? Estilo festivo de existir e natural vocação para a moda fazem com que o paraense, em especial aquele que vive na capital Belém, aproveite o legado da belle époque - um dos mais importantes períodos do desenvolvimento econômico da cidade com o chamado ciclo da borracha -, para transitar com glamour por seus diversos lugares históricos. Foi dessa cidade que saíram nomes como: Dener Pamplona de Abreu, nome que pode ser apontado como criador da genuína moda brasileira. E mais, André Lima, Lino Villaventura, David Azulay e tantos outros talentos que, fora do Pará ou nele permanecendo, passam a ser reconhecidos como gente de moda e demonstra a contento que moda é cultura e seus criadores devem estar preparados para saber fazer uso de nossa herança cultural. Talento que rendeu obra à literatura paraense: “O Pará faz moda: de Dener às passarelas do século XXI” é o resultado de uma pesquisa de mais de dois anos em que as autoras Felícia Assmar Maia e Isadora Avertano Rocha, tentaram desvendar a história da moda no Pará, através dos grandes nomes do estilismo fashion que nasceram no Estado e emprestaram talento para a construção da moda com identidade brasileira. Portanto o que sai do Pará é o resultado de uma mistura de ritmos e de raças convivendo harmoniosamente. O jeito de ser paraense chama a atenção, seja na forma de falar, de cantar, de dançar ou de vestir. E apesar das influências do resto do país, o paraense mantém, com fervor, o gosto pelas coisas da terra. Afinal, elementos “Made in Pará” saem todos os dias da região contribuindo para a moda lá fora se tornar cada dia mais, digamos, “paidégua”.
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Belém que não dorme Por Luciano Nunes
C
Metrópole da Amazônia, com a maior reNorte, a Grande Belém (que compreende os municípios de Ananindeua, Belém, Benevides, Marituba e Santa Bárbara) há anos já incorporou ao seu dia a dia o funcionamento ininterrupto de seus espaços internos. Não poderia ser diferente, com e aproximadamente 2.078.405 habitantes. Durante o dia, a cidade é dinâmica, nervosa, apressada. À noite, continua agitada, especialmente nas áreas de bares, restaurantes, boates. Para sustentar toda a engrenagem da grande metrópole, milhares de trabalhadores batalham nos dois períodos: diurno e noturno. Imprescindível, pois, um inestimável contingente de profissionais, que vão ao trabalho às altas horas, para satisfazer a demanda noturna da metrópole. onhecida como a
gião metropolitana do
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Não se trata somente da vida noturna correspondente à boêmia, bares, motéis, danceterias e casas de espetáculos, que, no geral, funcionam somente nos finais de semana e feriados. Nem apenas da prestação de serviços para a saúde em casos emergenciais, como dos hospitais e farmácias. A vida notívaga da cidade, como acontece nos grandes centros urbanos do sul e sudeste do país, é bastante diversificado, englobando até serviços que não são considerados tão urgentes, como pequenas livrarias – por exemplo, as que estão a funcionar 24 horas no aeroporto internacional, até lojas de locação de filmes. São supermercados, hospitais, hotéis, farmácias, delegacias, restaurantes, bares, boates, postos de combustível, enfim, inúmeras atividades que são desenvolvidas no dia, noites e madrugadas, a movimentar grupos de pessoas que
vão em busca de serviços e grupos que estão ali para tendinite, artrose clavicular e sinusite. Para completar temos atendê-los. sobrecarga de trabalho. Algumas vezes saio ‘quebrado’. Em Marcelo Carneiro (27), universitário, não trabalha à compensação ganho adicional noturno. Trabalho muito, mas noite, é apenas estudante. Mas diz que a partir das consegui juntar um bom dinheiro. quintas-feiras até os domingos vira um “vampiro”, junto Claro que em razão da necessidade das grandes metrópoles, com seus amigos, pois na sua agenda já consta obriga- há décadas as atividades desenvolvidas à noite são contemtoriamente o passeio a bares, festas e danceterias, que pladas e têm amparo da legislação trabalhista do país – emcostuma se estender até o nascer do sol. “Tenho que bora as normas nem sempre sejam cumpridas pelos empreaproveitar minha juventude, depois vem casamento, fi- gadores. lhos, trabalho duro. É um tempo que não voltará mais”, Outra questão que merece destacar é sobre a violência na pondera o jovem. noite do centro urbano de Belém, uma triste faceta da cidaMilhares de jovens e adolescentes buscam diversão na de, mas que é uma realidade que cresceu nas últimas décaagitada noite da metrópole amazônica, que, aliás, é um das, e, por isso, deve ser encarada pela sociedade no que diz universo urbano rico em diversidade de festas. Há lugar respeito aos cuidados para evitá-la e meios de coibi-la. para todos os estilos musicais, desde o brega à música A violência se manifesta com assaltos a pessoas, automóveis e eletrônica; para todas as “tribos”, como boates direcio- em qualquer estabelecimento que funcione de noite. A partir nadas ao público homossexual e “noites de seresta”, vol- das 22 horas em diante é o horário preferido dos bandidos. tada ao público com idade mais avançada. As festas de Algumas pessoas evitam utilizar objetos e acessórios que posaparelhagem são o ponto de convergência da cultura sam ser roubados, levando consigo para o trabalho ou para periférica local. Ao passo que a classe média busca mais a festa somente o necessário. Outro perigo diz respeito a moboates e bares localizados em bairros nobres da cidade. toristas que não respeitam a legislação de trânsito, ingerem Mas a realidade é que a maior parte das pessoas que álcool durante as festas e voltam para casa dirigindo embriafica acordadas até altas horas não está em busca de gados, causando acidentes nas ruas. Além do que, geralmendiversão, e sim trabalhando para sustentar a si e a fa- te, muitos motoristas não respeitam o semáforo, por medo de mília. assalto na parada. Por isso, os condutores de veículos devem Há pessoas que têm prazer em trabalhar à noite. Uma ter atenção redobrada nos semáforos, para evitar colisões e delas é Ana Firmino Pereira, enfermeira do Pronto So- assaltos. corro Municipal do Bairro do Guamá, que faz, em mé- A vida noturna nos centros urbanos já se encontra bem india, três plantões por semana, das 23 horas às 7 horas. tegrada ao cotidiano das grandes metrópoles do Brasil e do “Oficialmente, pela Consolidação das Leis do Trabalho mundo. Em Belém não é diferente. (CLT), tenho apenas uma hora de descanso, que é o horário de refeição”, diz ela. Segundo Ana, o trabalho é mais intenso até a meia-noite. Depois fica calmo até as Quem trabalha à 4h30. Ana trabalha no Serviço de Atendimento Médico noite tem direito. de Urgência, ou seja, incluindo assistência em ambulância, quando necessário, que faz o suporte avançado de vida. Ela conta que atende pacientes em A Constituição Federal, no seu artigo 7º, inciso IX, estabairros nobres, de classe média e também em belece que são direitos dos trabalhadores, além de outros, favelas. “A adrenalina vai a mil. Sei que é arremuneração do trabalho noturno superior à do diurno. A Conriscado, mas não tenho medo”. solidação das Leis do Trabalho considera noturno, nas atividades Casada, com três filhos, Ana diz que o marido urbanas, o trabalho realizado entre das 22:00 horas de um dia às sempre aceitou sua profissão. É ele quem fica 5:00 horas do dia seguinte. Deve também haver intervalo para recom as crianças à noite, busca na escola. A pouso e alimentação: quem trabalha mais 4 horas e menos de 6 horas, filha de 14 anos reclama: “você não conversa tem direito a intervalo de 15 minutos; para quem trabalha mais de 6 comigo”, afirma Ana. Mas o gosto pela pro- horas, o intervalo é de no mínimo 1 (uma) hora e no máximo 2 (duas) fissão a leva a deixar a vida social de lado. horas. As pessoas que trabalham nesse horário devem receber um “Tem que ter vocação e amor ao próximo”, acréscimo ao salário, que normalmente é de 20% acima da hora declara. paga ao horário normal. Este valor pode ser aumentado pelas O bancário Marcos Aurélio Fonseca trabalha há Convenções Coletivas, Acordos Coletivos de Trabalho ou Sen18 anos no setor de compensação de um grande tença do Tribunal. banco. Entra às 0 hora e, teoricamente, sai às 6 horas. Muitas vezes saio às 8 horas, 9 horas. “É um pouco complicado”, declara. Marcos afirma que as conseqüências são boas e ruins. “Durmo pouco, vou almoçar às 15 horas ou 16 horas e à noite como um lanche. Tenho
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Mulheres por opção no corpo ou na alma
Figuras tradicionais da noite de Belém, esses personagens incorporam caractéristicas peculiares. Se reunem em pontos estrategicos para animar ou apenas servir de companhia para os mais variados tipos de clientes. Figuras humanas que compartilham desejos, sonhos e medos semelhante ao de qualquer outra pessoa. Por Delano Almeida
B
vestido.
atom, blush, gloss, rímel, pó de rosto, lápis de olho, esmalte. tiã, cinta-liga, sapato
TPM,
sentimentalismo, sonho de ter
alguém para a vida toda.
Vaidosas, carentes, Sensíveis, delicadas, amantes, companheiras, amigas. Quando se faz essa descrição, o que vem na sua cabeça? Já pensou no travesti ou no transexual? O termo travesti tem origem na língua francesa. Travestie referia-se à forma de se vestir em casas de espetáculos na França, onde mulheres se apresentavam com roupas pequenas e provocantes a partir do século XV. Na língua inglesa, o termo preferido é transvestite. Em Belém, quando chega a calada da noite, são suas vozes que tomam conta de vários pontos da cidade. Um destes locais é o bairro do Reduto, onde ficam agrupados nas ruas 28 de setembro, Manoel Barata, Quintino Bocaiúva e Municipalidade. O significado do nome reduto por coincidência é “ponto de concentração”. E é neste reduto de dolls (termo em inglês que significa bonecas) que encontramos Latifa Guadalahara, 18 anos e algumas de suas amigas. Entre elas estão Luana, 16, que é transexual e Evelyn Haveli Vanusa, 15 anos, também travesti. A principal diferença entre um e outro é basicamente a “alma feminina”. O travesti tem trajeitos femininos e se veste como uma mulher. No entanto, se reconhece como um homem. Latifa, por exemplo, diz que gosta de ser o Luiz Fernando, seu nome de batismo . “De manhã eu sou um bofe bem bonito. Eu sou cabeleireiro. Já trabalhei em vários lugares. Eu gosto de inseguras.
O luxo e o lixo, em uma esquina no bairro do Reduto
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Calcinha, sualto, lingerie,
mim como os dois, tanto homem quanto travesti”, conta Luiz, ou Latifa para os íntimos. Já Luana não. Luana não tem nome de batismo masculino, como ela mesma afirma. “Nome de homem? Nunca no Brasil! Nasci Luana, meu bem!”. Ela tem cabelos longos, voz de mulher, se porta como uma e caso comparada com um travesti, convence melhor. “Se o cara estiver bêbado, passa tranqüilo. Quem nunca ouviu aquela velha história do sujeito que tem um amigo que estava na festa, viu um loirão dando mole, e na hora que levou pro motel... Viu que a manga era rosa!”, diz André Souza, 19, estudante de Direito. “Um investigador de polícia conheceu a “mulher” e foram para o cantinho do amor. Chegando lá, o policial foi ao banheiro. Quando voltou, viu a moça chorando na cama. Ele perguntou: O que foi meu amor? – A moça nada a responder. Ele insistiu e ela resolveu falar “Eu te achei um cara tão legal, não quero esconder de ti. Sou travesti”. Então ele respondeu: Minha filha, prepara mais uma dose! A gente já está aqui mesmo”, conta Felipe Silva, 23, universitário e um dos que tem esse famoso amigo. Os travestis e transexuais são pessoas divertidas. Eles vêem o mundo de forma otimista e alegre, apesar do preconceito que sofrem no dia a dia. Latifa, ao ser perguntada qual seu sonho, diz que: “Ir à Xangai, buscar Butterfly!” – alusão à nova novela das 6h da Globo. Já Luana, tem vontade de colocar silicone. Ambos querem dar uma vida melhor e dar confortos aos seus pais. Sonhos comuns de pessoas comuns. Latifa e Evelyn contam como são os perfis de seus clientes. “Pessoas que têm dinheiro, têm carro e bons celulares. Geralmente a gente dá uma de amiga ou psicóloga. Só para ouvir os babados deles. Às vezes a gente não Apesar de faz nada”. no senso comum muiAfirmam também gostar destas vezes se considerar que as sa vida: “Eu gosto, adooootravestis pertencem a um contexto da oroooooo!”, conta Luana. sociedade moderna, amparada pela visilibiOs travestis possuem dade recente, incluindo o início dos estudos pela um vocabulário pró- sociedade ocidental no século XX, considera-se inprio. É chamado de formações sobre culturas milenares onde há relatos de Bajulá. Eles utilizam pessoas vivendo uma identidade de gênero diferente quando não querem do sexo biológico. O Kama Sutra, escrito em datas que que quem não é do apontam para um período entre 1500 a.C. e 600 d.C., meio, não saiba sobre mencionam relações masculinas e femininas de pessoo que estão falando. as do “terceiro sexo” (tritiya prakriti). Hijras, EunuEntre alguns termos escos e uma variedade de termos podem se referir tão: Mapô = Mulher; Ocó a pessoas de outras culturas milenares que vi= Homem; Erê = Criança, veram e vivem entre a travestibilidade Bater bolo = masturbar; Tá e transexualidade de acordo com de bofe = estar vestido com rouos termos ocidentais. pa masculina.
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Verdade ou mentira? Lendas enriquecem imaginário popular e ganham corpo na voz de paraenses. Por Patrícia Teixeira
Os contos de Wlacyr Monteiro, como o da moça do táxi, foram retratados em animação.
C
onhecida como a capital do
Círio
de
Nazaré, Belém,
é co-
nhecida nacional e internacionalmente por esse momento
de fé. Mas e quando passa-se a crer no inacreditável? É quase impossível, andar pelos bairros da cidade, e não encontrar pelo menos uma pessoa em cada um, que tenha vivido tempo o bastante, para acreditar ter visto ou ouvido falar em histórias que deixariam qualquer cabelo em pé. Matintaperera, Cobra Grande, Mulher do Táxi, Procissão das Almas, são só algumas, das lendas urbanas mais conhecidas da cidade. As lendas urbanas são tão conhecidas que renderam material rico para o livro “Visagens e Assombrações de Belém, do escritor Walcyr Monteiro. Entre elas a lenda da moça do táxi, que se encontra entre as mais conhecidaens, lendas ou assombrações.
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Moça do Táxi Diz a lenda que todo ano na mesma data, uma moça faz sinal para um táxi, e pede para ser deixada no cemitério Santa Izabel, ou nas proximidades da Av. Nazaré. Quando chega ao local de destino, diz que está sem dinheiro e pede para o motorista ir cobrar no dia seguinte, em um endereço que ela deixa com ele. O motorista ao chegar na casa, pergunta pela moça mas os residentes da casa dizem que não mora nenhuma moça ali. O motorista olha para um quadro na sala e aponta como sendo a moça que pegou o táxi com ele no dia seguinte. O homem que se identifica como pai da menina na foto, diz que era sua filha, e que ela havia falecido no ano anterior. Essa lenda é contada sob várias versões, dizem que o pai só se
assustou na primeira vez. Taxistas tem certo receio de parar perto do cemitério ou na Av. Nazaré, rua próxima da casa onde a moça morava, em determinados períodos do ano.
Mulher de Branco Raimundo Costa Filho, 86, já morou em vários bairros de Belém, já ouviu muitas histórias, já tentou presenciar várias. Mas toadas às vezes descobre que o mito, não passa de pessoas querendo colocar medo em outras. Raimundo conta, que na época de Magalhães Barata, abrigou um dos amigos militares do governador. Já estava tarde, quando ele resolveu voltar para casa, que ficava na Av. Tavares Bastos. Como na Època não existia muitos meios de transportes, ele foi caminhando para a casa. Sendo advertido por todos para não ir, pois existia uma mulher de branco que era avistada todas as noites no canto da travessa Pirajá. Mas não adiantou, o militar disse que isso não existia, e seguiu em frente. Ao se aproximar da travessa, viu de fato uma mulher toda vestida de branco, com os cabelos jogados a frente do rosto. O militar não teve medo, tirou a arma da cintura, e perguntou. “Se você é uma alma vagante, volte de onde você veio, se não é, se declare, senão eu meto bala”. Segundo Raimundo, o militar disse que a mulher tirou os cabelos do rosto, e falou que morava perto do local, e que fazia isso porque gostava de meter medo nas pessoas.
Procissão das Almas Meire Piveta, 36, moradora do bairro do Tapanã, afirma ter sido acordada no meio da noite por uma procissão que rezava em frente a sua casa. “Eu estava dormindo. Por volta três horas da manhã„ minha campainha tocou, eu levantei e bati na casa da minha vizinha, e pedi para ela ficar com meus filhos. Disse a ela que eu precisava ir atrás da procissão, que estava naquele momento dobrando no fim da rua da minha casa. A vizinha saiu, olhou e não viu procissão alguma. Mas eu afirmei que eu estava vendo e que eu precisava ir, foi então que de repente eu me espertei, e não vi mais nada. Chamei o guarda vigilante e pedi para ele dar uma olhada no fim da rua. Depois de alguns minutos ele voltou e disse que não viu ninguém”. Diz Meire. Dilma da Silva, 40, que mora no mesmo bairro que Meire Piveta, com a diferença de um rua de distância, afirma que também viu o que acredita ser a mesma procissão. “Acordei por volta de três da manhã, e ouvi o som de várias pessoas rezando. Mas não levantei para ver, virei e dormi novamente”. Mesmo ouvindo as orações, Dilma afirma que não acredita em visagens, lendas ou assombrações.
Cobra-Grande Conhecida pelos Índios como Paranamaia, que quer dizer mãe d’água em tupi, a cobra grande também responde pelo nome de demônio das profundezas. Umas das lendas mais conhecidas da região amazônica, pode-se ver retratada de diversas formas em cada região. Em Belém, diz a lenda que a cidade foi fundada sobre a casa de uma grande cobra, e que se a mesma, sair do lugar, Belém será submersa pelas águas. Alguns contam que a lenda foi modificada com a chegada de missionários a capital, que ao chegarem ouviram a lenda e resolveram esmagar a cobra, colocando-lhe a cabeça justamente sob os pés de Nossa Senhora a Virgem Maria. Contam os antigos que a cobragrande esmagada tem a sua cabeça debaixo do altar mor da Catedral da Igreja da Sé e a sua calda sob o altar da Basílica. Pela vontade de conquistar novos crentes, os missionários tiveram que adaptar a Boiúna dos indígenas, esmagando-lhe a cabeça e a colocando sob o altar da Catedral da Sé, simbolizando com isso um sinal muito parecido a virgem esmagando a serpente que era a encarnação do demônio. Na madrugada de 12 de Janeiro de 1970, houve um tremor de terra em Belém. Há quem acredite que era a Cobra se mexendo, e que saindo de seu repouso Belém será inundada. Quem nunca ouvir falar em uma dessas histórias? Todo o paraense já ouviu pelo menos uma delas. Em tempos passados, quando Belém não tinha a estrutura que tem hoje e a falta de energia era constante, era possível, ver sob os quintais das casas, mesas rodeadas de pessoas, em volta do anfitrião da noite que geralmente era a pessoa mais experiente do grupo – todos ficavam a espera do início da narração de contos fantásticos, histórias sobrenaturais, visagens, assombrações, enfim, ingredientes para despertar o imaginário, e embalar as noites frias, silenciosas e escuras, de uma capital que só estava no começo de sua história. Ah! O bule de café não poderia faltar. Mas e para você? Não vale meio termo. Você acredita ou não?
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Entrevista
Mariano Klautau Filho
Por Patrícia Teixeira
Obra
da
H
instalação
Entre,
selecionada,
á quem diga que é preciso visão, outros percepção, há ainda os que acreditam em intuição e sensibilidade.
En-
fim, não á como descrever o que é preciso para ser um
bom fotógrafo.
Dom? Câmera
na mão e técnica na ponta do lápis,
aliados a variadas qualidades, podem ser a fórmula perfeita para um bom fotógrafo.
No começo, o simples propósito era congelar imagens, retratar momentos, guardar paisagens. Hoje com o bombardeio de informações visuais, o fotógrafo não busca mais a retratação pela retratação, é difícil encontrar lugar para a mesmice. E é o diferente, o curioso, imagens que estimulam a reflexão diante da obra, que Fótografo Mariano Klautau Filho podemos observar na produção contemporânea paraense. Alberto Bitar, Claudia Leão, Elza Lima, Flavya Mutran., Oc-
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em
2006,
para
a
9ª
Bienal
de
Havana
tavio Cardoso, Orlando Maneschy, Paula Sampaio, Walda Marques e Mariano Klautau Filho são alguns dos fotógrafos da nova geração, que com olhar apurado, trabalham técnicas e luz em releituras que mais do que contar história e interpretar o mundo, são verdadeiras obras de arte. Fotógrafo, Mestre em comunicação e semiótica, pesquisador e produtor cultural, Mariano Klautau Filho atua em projetos sobre memória e paisagem urbana. Vencedor do Grande prêmio do Salão Arte Pará nos anos de 2002 e 2007, Mariano participou de várias exposições nacionais e internacionais. Fotógrafo da terra, Mariano fala a revista Arte Cult, sobre o início de seu interesse pela fotografia, do panorama fotográfico paraense e de como Belém vira cenário frente ás lentes de sua câmera.
AC – Como e em que ano, se deu o interesse pela fotografia? MK - Comecei em 1979 com 15 anos fazendo umas incursões sobre o bairro da Cidade Velha. Já gostava de cinema e o interesse pela imagem no cinema me levou a fotografar a cidade. AC - Qual o primeiro equipamento usado, e qual o usado hoje? MK - A questão do equipamento não ocupa um lugar de destaque na minha experiência como fotógrafo. Usei muito uma Olimpus OM1, depois uma Canon. Sempre analógica. Estou começando a fotografar em digital, fazendo experiências. AC - Quais técnicas você costuma usar? MK - Uso equipamento básico analógico. Filmes P&B 400 ou 125 ISO. Tenho fotografado em cor desde 2002 em diversos filmes. Não tenho um de preferência. Uso a técnica digital para fazer cópias ou interferir em algum detalhe que precise para a impressão final. AC - Quais os principais temas abordados por você? MK - A cidade é o ambiente em que atuo. Seu desenho, seus elementos, suas edificações, sua relação com o tempo, sua paisagem interior e exterior. AC - Quais fotógrafos você admira e sofre influência? Porque? MK - Gosto de Eugene Atget, Alberto Bitar, Duane Michaels, Jan Saudek, Miguel Rio Branco, Daniel Cruz. Influências não é a palavra, e sim correspondências com meu trabalho posso citar Atget e Alberto Bitar, assim como cineastas como Antonioni, Win Wenders, Gus Van Saint me inspiram bastante. AC - Para você, fotografar é.... MK - Perceber o mundo e responder a ele. AC - Como você analisa o cenário fotográfico hoje em Belém? MK - Muito bom como sempre, mas é preciso estudar, pesquisar e ir além do conhecimento pré-estabalecido. AC - Quais as mudanças que houveram? MK - Da parte do poder público e das instituições do Pará, muito pouco na questão do reconhecimento quando falamos em financiamento para produção e publicação. Da parte dos fotógrafos e artistas visuais , houve avanços significativos na discussão e pesquisa. Obra da instalação Entre, selecionada, em 2006, para a 9ª Bienal de Havana AC - Quais concursos de fotografia você já participou, quais prêmios você já ganhou? MK - Não costumo entar em concursos. Não me sinto à vonta-
de. Entro em Salão raramente quando tenho realmente um trabalho a apresentar e não porque tenho que produzir para um são. Ganhei o primeiro prêmio do Arte Pará em 2002 e agora recentemente em 2007 em parceria com Val Sampaio com a video-instalação “Permanência”. Ganhei agora também uma bolsa de produção artística da Fundação Ipiranga para desenvolver um projeto nos próximos seis(6) meses. AC - Como você relaciona o estudo da semiótica, no qual és mestre, com a fotografia? MK - Com tudo. Com a percepção das coisas no mundo, sejam elas de qualquer natureza. Um ruído que ouvimos em um lugar pode gerar uma imagem daquele lugar. É o processo constante de percepção e tradução que fazemos do mundo. AC - Você desenvolve pesquisa, na área de fotografia? MK - Sim. Tenho feito análise de fotógrafos paraenses cujos trabalhos rompem a fronteira da bidimensionalidade da fotografia e conversam com outros suportes e linguagens. AC - Você se preocupa com a reação que a imagem causará? MK - Procuro sempre instigar o espectador para que ele fuja da interpretação comum que se tem na fotografia. De que tudo que ele está vendo deve ser necessariamente “verdade”. Me interesso na fotografia de ficção. AC - Quais seus principais trabalhos na área? MK - Não colocaria como principais, mas posso citar o ensaio “Sincronicidades” em 98/99 e o que eu tenho feito nos últimos anos com a instalação “Entre”. AC - Quais exposições você já participou? MK - Desde 88 até hoje foram muitas, no Brasil como no exterior. AC - Você participou do Salão Arte Pará, como foram as três experiências, de ganhar o prêmio em 2001 e 2007, e participar como curador um ano após o primeiro prêmio? MK - Para mim, ser premiado foi uma surpresa, ótima surpresa. Na primeira premiação estava começando a fotografar em cor. Fazer parte do júri já foi interessante pelo contato com o processo de avaliação e seleção que é sempre um aprendizado, mas devo dizer que é difícil. Nem sempre me sinto preparado para avaliar os trabalhos em um tempo curto como é normalmente o processo de um salão. AC - Uma dica, conselho, para os aspirantes a fotógrafos... MK - Fotografia não é apenas uma imagem pendurada em uma parede. É muito mais que isso. É preciso estudar a sua presença no mundo. Trabalho e pesquisa!
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Mosaico Cultural Por Ane Mendes
O Primeiro Bairro Conhecida como Centro Histórico de Belém, a Cidade Velha tem como característica principal a herança arquitetônica do período do Brasil - Colônia. Reúne exemplares de casarões revestidos com azulejos portugueses, igrejas e capelas. As construções mais antigas datam do século XVII. Uma das delícias da capital paraense é sem dúvida o passeio pelas ruas da Cidade Velha. É no bairro do centro histórico que se pode visitar prédios que contam a história da fundação de Belém. As margens da Baia do Guajará podemos observar a casa das 11 janelas, construção do século XVIII, que passou por restaurações e conservou suas características originais transformada em centro cultural; alguns passos a direita, o Forte do Castelo, cujo pórtico foi erguido em 1616, fica no local da primeira construção da cidade e abriga o Museu do Presépio. Saindo do forte a poucos metros, encontramos o Museu de Arte Sacra que fica na Igreja de Santo Alexandre, uma igreja do século XVIII que guarda mais de 300 peças em seu acervo. Depois de passearmos pelas belezas arquitetônicas do Museu, é só atravessar a rua e se deparar com a primeira capela dedicada ao culto católico em Belém, a Igreja da Sé. Com fachada em estilo barroco por fora e neoclássico por dentro, é iluminada por 28 candelabros de cobre. Construída no século 17, sua beleza arquitetônica é reconhecida mundialmente. O projeto é assinado pelo arquiteto italiano Antonio Landi, dono de um estilo barroco-colonial e neoclássico, responsável por grande parte da arquitetura de Belém, especialmente no bairro da Cidade Velha. Não distante dali, e a menos de 10 minutos a pé, fica a Igreja do Carmo, construção de 1696, em estilo neoclássico, seu interior barroco ainda guarda obras de arte e o altar de prata da capela primitiva. Ruas de Belém Conhecida como cidade das mangueiras. O título faz referência à beleza das árvores que dão um charme diferente no paisagismo das ruas e avenidas da chamada cidade morena. Suas ruas estreitas como a Siqueira Mendes, primeira da cidade dão a impressão de que o tempo parou. Algumas ruas de Belém são verdadeiros túneis de mangueiras, que amenizam o calor nas horas de sol a pino. E se Arquitetura também é
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história, passear pelas ruas de Belém é viajar na história da arte tão bem registrada em prédios seculares cobertos de azulejos vindos de Portugal, França e Alemanha, compondo um patrimônio histórico riquíssimo inalterado pelas características da modernidade. A Ladeira do castelo formada por um conjunto de casarões coloniais liga a Feira do Açaí ao Largo da Sé, onde se encontra bares e restaurantes antigos e simples, que guardam riquezas do império e da Era da Borracha, época de ouro da história paraense. Reflete também em muitos aspectos, a paisagem arquitetônica setecentista da cidade de Lisboa, em Portugal, que serviu de inspiração para as principais casas e sobrados da época, com uso freqüente de azulejos em suas fachadas. Muitas das construções também incorporam traços da arquitetura francesa e são verdadeiros mosaicos culturais. As Praças Perto do Mercado do Ver-o-Peso está a Praça do Relógio, cujo relógio inglês data da década de 30 e tem 12 metros de altura. A Praça Dom Pedro II é outra marca histórica da Cidade Velha, considerada o “centro administrativo da Belém antiga”, a praça abriga os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. É nesse antigo bairro que está guardada a memória dos índios, negros e portugueses, pioneiros no povoamento da cidade., marca deixada em museus, galerias, arquivo público e principalmente em sua arquitetura antiga.
A Praça da República, localizada no coração de Belém, abriga monumentos históricos como o Theatro da Paz, com fachada neoclássica em colunas coríntias, assume a mais ornamentada das três ordens arquitetônicas gregas para simbolizar a força da cultura trazida de além mares pelos portugueses. O Bar do Parque é um coreto que teria sido um café, moldado no estilo parisiense, porém sabe-se que funcionou como bilheteria do teatro durante vários anos, hoje o coreto virou o tradicional e amado bar. O alto grau de significação histórica e beleza desta praça devem-se aos Intendentes Arthur Índio do Brasil e Barão de Marajó, Silva Rosado e Antonio Lemos que levaram as principais reformas e melhoramentos introduzidos no logradouro. Calçamento de ruas, instalação de equipamentos decorativos vindos da Alemanha, colocação de monumentos e coretos e principalmente, a conformação de seu aspecto paisagístico num corredor de mangueiras compõem a delimitação de passeios e jardins internos. Com isso ganhou no final do século XIX e início do século XX, os contornos e perfis que hoje a caracterizam como uma das mais bonitas praças de Belém. E o que não falta é estilo para as praças de Belém, marcando a “belle époque”, com coretos de ferro, lagos, pontes, um pequeno castelo de pedra, tem até gruta para os mais românticos apreciarem, isto tudo está na praça Batista Campos, situada no centro da cidade, numa das regiões mais valorizadas de Belém, data do século XVIII. Sua beleza se intensifica por uma composição eclética de vários estilos arquitetônicos: caramanchões , pavilhão acústico e coretos de ferro. Tudo em perfeita harmonia com plantas ornamentais e árvores típicas da região amazônica. Os calçadões que rodeiam a Batista Campos são revestidos em pedras portuguesas com motivos marajoaras, característica marcante de muitas praças e outras construções históricas de Belém. Patrimônio Histórico Ao contrário da grande maioria das cidades brasileiras, Belém conservou a memória da expansão urbana perfeitamente legível na plantada cidade. Os acréscimos se fizeram por adições sucessivas, sem eliminar os períodos precedentes. A sucessão dos estilos arquitetônicos ao longo da história produziu um mix que, no entanto apresenta certa unidade. Esta unidade não se confunde com a homogeneidade edilícia de outros centros brasileiros. “No caso de Belém, o que
produz uma paisagem cultural digna de reconhecimento como patrimônio da humanidade é a unidade na diversidade, que resulta desta mistura dos tempos históricos”, diz Francesco Lucarelli- Professor Faculdade de Arquitetura da Universidade Federico II- Nápoles/Itália. A orla, por exemplo, entre a modernidade e a cultura ribeirinha, a Estação das Docas prova que inovação arquitetônica e a recuperação do patrimônio histórico podem viajar juntas e em perfeita harmonia. E é essa harmonia que traduz hoje a arquitetura paraense. Impossível é relacionar aqui o patrimônio histórico da cidade, seja pelo valor histórico, estimativo ou representativo dado a sua importância no contexto cultural da cidade. Modernismo Desde 2001, o Aeroporto Internacional de Belém se transformou em um exemplo do padrão que a Infraero implementa em seus aeroportos. Imponente em meio à vastidão da Amazônia, o desenho do edifício utiliza planos curvos na cobertura para permitir que a luz percorra toda a extensão do grande salão do terminal. O arquiteto Sérgio Parada usou de criatividade ao adotar totens de múltiplo uso com projetores de luz, sistema de som, ar-condicionado e telefones públicos. Atualmente o Aeroporto Internacional de Belém opera com a capacidade de atender a demanda de 2,7 milhões de passageiros por ano, em uma área construída de 33.255,17 metros quadrados. Tradicionalmente denominado de Aeroporto de Val-de-Cans, é responsável pelo incrementodo turismo na região, escoamento da produção e captação de novos investimentos. O terminal de passageiros é totalmente climatizado em seus dois níveis e conta com uma arquitetura futurista, projetada para aproveitar a iluminação natural do ambiente. Os portadores de necessidades especiais têm atendimento individualizado com equipamentos próprios em locais específicos que facilitam a locomoção. Seu interior é ornado com plantas da região amazônica que se encontram cercado por uma fonte capaz de imitar o barulho das chuvas que caem todos os dias na região. E em meio a esta riqueza de elementos mixados, com traços exaltados pela natureza, que europeus somaram sua cultura dando a cidade de Belém um novo conceito de arquitetura. Hoje o resultado é uma cidade multicultural de estilo eclético, retrato de uma globalização, há tempos, muito familiar do povo belenense. Afinal é por entre os corredores de mangueiras que delineiam as ruas da cidade que podemos encontrar influências: inglesas (Ver-o-Peso/Mercado de Ferro), gregas (colunas coríntias do Theatro da Paz), alemãs (pavilhões e caramanchões da Praça Batista Campos), francesas (Antiga loja Paris N’América), italianas ( sinos de bronze da Basílica de Nazaré), e os azulejos portugueses, presente ma maioria das fachadas de casarões na Cidade Velha. Atualmente, basta dar uma volta em Belém para observar que se vive a época de grande renascimento cultural e efervescência social: belíssimos prédios restaurados- uma festa de cores e iluminação com atitude suficiente para nenhum cenógrafo colocar defeito; um encontro/sinestesia de sensações entre a azulejaria portuguesa e seus casarões coloniais de longos corredores, janelas que dão para o nada e chão de nobres madeiras amazônicas ricamente entalhadas igrejas/arcebispados à esculpidos à lâminas de ouro com influências o barroco e Rococó ( além de vitrais neoclássicos); lojas, boates, museus, galerias, mercados, restaurantes, conservatórios e escolas de música- a maioria funcionando em riquíssimos prédios representantes da Belle-Époque e tombado pelo IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
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Fuga da realidade
É
incrível a vida paralela que criamos para nos satisfazer. mentos nos bares, shows e casas noturnas.
É
Geralmente,
ela nasce nos fins de semana, quando começam os movi-
difícil encontrarmos alguém que não esteja aparentando alegria, com exceções que
facilmente se encaixam na categoria de “briga de seres humanos de sexos opostos”.
Mas
no geral, o esgotamento físico e mental,
adquirido durante toda a semana no trabalho, escola, faculdade, casa e até nos relacionamentos interpessoais, é muito mais relevante.
Esse
medo do cotidiano o transforma naquilo que te agrada, no homem ou mulher que você não conseguiu ser durante toda a semana,
por causa do seu chefe, da sua educadora, dos seus pais.
Às vezes, o auto-julgamento até chega a pesar e entrar em conflito. Será que tentar fingir esquecer a realidade é certo ou errado? Mas logo que uma bebida estimulante, um lugar agradável, a companhia de amigos ou tudo isso junto, te modifica para algo que o deixa em bem estar, você acha que é certo sim. Passa a se sentir muito melhor do que na vida rotineira. Você consegue dizer coisas que te afligem, distraem e incomodam. Você pratica atos que parecem ser apenas daquele momento: reclama do serviço de alguém; conquista o mais belo par de algum elemento do sexo oposto como, mãos, orelhas, olhos aos mais complexos; ver o cover da banda estrangeira que você mais gosta e nunca teve, e nem terá, a oportunidade de ver a original. Ainda há pessoas que tentam não se abater com isso. Que preferem ficar com a cabeça no trabalhar e estudos a perder tempo com essas bobagens. Elas, na verdade, não passam de uma extensão do seu próprio cotidiano, conformados, que buscam ser, um dia, o comandante e não o comandado. A noite é um observatório comportamental. Podemos ver coisas inusitadas de um socialite que perde a classe, um advogado sem a moralidade que prega; uma doméstica tentando mandar e não ser mandada, jovens sem saber por que estão aqui. Descobrir o que as pessoas pensam sobre vida, trabalho, questionamentos e futuro, mesmo que implicitamente. Perceber como as coisas estão e se perguntar onde elas vão parar. Talvez, os únicos que realmente se divertem, sejam os que dão as ordens. Os diretores do espetáculo teatral, que sabem que a realidade é muito mais dura e cruel, e que todos precisam desse espetáculo pra distrair-se, nem que seja por algumas horas. Fugir da realidade serve pra isso mesmo: esquecer-se, anular-se e ter a atitude que você queria manter a vida toda. Fugir da realidade faz nos sentirmos bem, idealiza que “está tudo ótimo e virá mais uma semana”. No entanto, essa fuga da realidade é essencial em nossas vidas. Precisamos nos sentir vivos e manter a esperança de que um dia seremos mais útil uns com os outros, do mesmo modo vitoriosos, para não sermos engolidos secos. Quem não segue este caminho, não foi um bom aluno na escola ditadas pelas regras para ser torna um grande homem. Até torna-se mais um alienado diante da vida banal.
Nostalgia
L
embro quando do meu tempo de criança.
Aos
domingos, reunião de família.
Meu
irmão, primos e
Eu,
ficávamos em frente à casa
dos nossos avós durante horas em um pátio separado da rua apenas por uma grade, jogando futebol com uma bolinha colorida.
Exaustos
pelo jogo, ouvíamos, ora a buzina do pipoqueiro, ora o sininho do picolezeiro.
ambições de um algodão doce, uma pipoca ou um picolé de fruta, já nos bastava.
Desse
E
em nosso pequeno grande mundo, as
ponto, para o celular da moda que bate foto ou
o último modelo de carro do ano, fomos corrompidos primeiramente pelo vídeo game da época.
De quando em vez, a vizinha apitava nossa campainha, oferecendo pão de forno salgado e ao se partir, saía a fumaça de dentro de tão quente. Hoje, fico com esta nostalgia. De personagem, tornei-me apenas espectador do que acontece na minha rua, E passei a observar a vida por um outro prisma. Um jovem velho triste adulto. De fora de casa, passei para dentro da grade e os olhos dos que percorrem a calçada e miram para dentro de casa, muitos se confundem com os das pessoas de má índole, principais dos assaltos que se vê tanto em rua quanto em páginas de jornal. E ao se jogar o lixo no canto da mangueira, o cão mistura-se ao ser homem, pois ambos são da mesma classe - rua – e se revezam nos sacos, tentando achar a sobrevivência de uma vida já sem escrúpulos. Hoje, fico com esta nostalgia. A buzina do pipoqueiro deu lugar à buzina dos carros no engarrafamento, o sininho do picolezeiro a sirene ensurdecedora das ambulâncias, a fumaça do pão salgado quente a fumaça desconcertante do meu cigarro e por fim, o mais trágico: com meus olhos de um jovem velho triste adulto, a “corrupção” me fez ver que dentre tantos outros interesses, Eu nunca gostara realmente de futebol.