Urbanismo das Três Ecologias: espaços de Utopia

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urbanismo das três ecologias espaços de utopia edison frança trabalho final de graduação centro universitário belas artes de são paulo faculdade de arquitetura e urbanismo 2020



“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” (Eduardo Galeano)



urbanismo das três ecologias espaços de utopia

trabalho final de graduação monografia + ensaio de projeto aluno

edison frança da silva filho orientadora

profa. dra. denise falcão pessoa

centro universitário belas artes de são paulo faculdade de arquitetura e urbanismo 2020



Agradecimentos O que vale é a jornada. Esses agradecimentos poderiam começar de diversas formas, mas escolho essa frase pois o caminho foi longo, e por ele guardo comigo muitas pessoas e experiências que vivi em meus anos de graduação. Aos meus pais, primeiramente, agradeço por todos os anos de amor, apoio e suporte para tornar seu filho meio internacionalista, meio advogado em inteiramente arquiteto. Agradecer à minha noiva, Lara, nem caberia em um livro inteiro, por ter encarado comigo todo esse desafio e por ter acreditado em mim quando eu mesmo achava que não conseguiria, meu coração é completo por ter ao meu lado uma companheira com ela para o resto da vida. A todos que correram ao meu lado, meu muito obrigado, desde os meus queridos Godzer, Sid e Futon, que toparam fundar comigo num longínquo 2012 a República Cão Guru na UNESP, e a todos os meus amados “bixos” que vieram em seguida. Agradeço também pelos amigos que o Direito Mackenzie me trouxe, em especial Rafael e Felipe,

que dividiram comigo dores e alegrias em noites mal dormidas na vida de um atleticano. Obrigado os meus parceiros de Belas Artes, em especial Bruno, Luciano e Giulio, que receberam um velho calouro de braços abertos na Atlética e no Futsal Belas Artes, do qual fui capitão por 4 anos e agradeço a todos que dividiram isso comigo por todo esse tempo. A todos que não pude nomear, peço perdão, mas saibam que agradeço todas os laços criados e compartilhados durante todo esse percurso. Por fim, agradeço à minha orientadora de pesquisa e TFG, Profa. Dra. Denise Falcão Pessoa, que topou e incentivou todas as minhas loucuras durante esse ano de convivência. Muitos me perguntam como eu pude mudar tanto, ou como passei tanto tempo em três faculdades, mas tudo que posso dizer é que eu não mudaria nada, pois se hoje sou o que sou é pelo caminho que trilhei e escolhi trilhar. De todos os anos, todos as experiências, tropeços, acertos e coisas boas que passei, sou muito grato. O que vale é a jornada.



Sumário Resumo Introdução 1. Ecosofia: as três ecologias como articulação ético-política

1.1. Ecologia ambiental 1.2. Ecologia social 1.3. Ecologia mental 1.4. Articulação ético-política da ecosofia no contexto global

2. Desenvolvimentos geográficos desiguais

2.1. Desenvolvimentos geográficos desiguais 2.2. Escalas de análise e comunitarismos

3. Utopismo dialético

3.1. A separação da forma espacial e do tempo 3.2. Utopismo dialético e futuros urbanos alternativos

4. Estudo de caso: São Paulo

4.1. Relação entre São Paulo e seus rio urbanos 4.2. A Avenida 23 de maio 4.3. O momento de utopia

5. Corredor Verde Itororó

5.1. Dados e condição atual 5.2. Diretrizes 5.3. Programa e setorização 5.4. Projeto 5.5. 2000 e?

Considerações Finais Referências

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Resumo No presente estudo, pretende-se estudar as possibilidades de aplicação da teoria da ecosofia, proposta como articulação ético-política pelo filósofo francês Felix Guattari, dentro do conceito de utopismo dialético, estruturado pelo geógrafo americano David Harvey. Uma análise urbana contextualizada pelo entendimento da teoria dos desenvolvimentos geográficos desiguais, as três ecologias – do meio ambiente, das relações sociais e da subjetividade humana, indicadas pelo pensamento ecosófico – exercem o papel de fio condutor de um conceito universalizante para uma utopia dialética. Esta dialética utópica, formada através da utopia do tempo, entendida a partir de processos sociais contínuos, e do espaço, concretizada fisicamente pelo urbanismo e desenvolvimento urbano de grandes núcleos urbanos, oferece o arcabouço teórico e analítico para imaginar mundos alternativos em um determinado contexto sociocultural, baseados no equilíbrio dos três registros ecosóficos. Como produto, o ensaio de projeto é uma utopia espaçotempo-

ral contextualizada à socioecologia da cidade de São Paulo, tratando da relação histórica entre ser humano e ambiente natural e da condição atual dos córregos urbanos, identificando o tipo de degradação imposta pelo capitalismo da globalização nas três ecologias. Como proposta, uma realidade urbana alternativa se dará pela intervenção na atual Avenida 23 de Maio, transformando o que hoje é apenas uma via expressa, sem vitalidade e excludente para pessoas, em um corredor verde com serviços ecossistêmicos, livre de carros, com oferta de transporte público e mobilidade ativa, além de um espaço para apropriação da cidade pelas pessoas e ruptura do pensamento rodoviarista que norteou o desenvolvimento errático da cidade. Desta forma, a utopia se dará pela releitura dos processos sociais que culminaram na substituição do ambiente natural dos córregos paulistanos pelas avenidas, e da produção do espaço se voltando para sustentabilidade e recuperação ambiental, bem como pela retomada do meio pelas pessoas de maneira igualitária.


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Abstract of São Paulo, dealing with the historical relationship between human beings and the natural environment and the current condition of urban streams, identifying the type of degradation imposed by globalization capitalism in the three ecologies. As a proposal, an altering urban reality will occur through the intervention on the current Avenida 23 de Maio, transforming what today is just an expressway, without vitality and exclusion for people, in a green corridor with ecosystem services, free of cars, with an offer of public transport and active mobility, as well as a space for people to take over the city and break the road thinking that guided the erratic development of the city. Therefore, the space-time utopia will take place by re-reading the social processes that culminated in the replacement of the natural environment of the São Paulo streams by the avenues, and the production of space focusing on sustainability, public spaces for people and environmental recovery, as well as by the resumption of the environment by people in an more equal and democratic way.

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In the present study, we intend to study the possibilities of applying the theory of eco-philosophy, proposed as an ethical-political articulation by the French philosopher Felix Guattari, within the concept of dialectical utopianism, structured by the American geographer David Harvey. An urban analysis contextualized by the understanding of the theory of unequal geographic developments, the three ecologies - of the environment, of social relations and of human subjectivity, indicated by eco-philosophical thinking - play the role of the guiding thread of a universal concept for a dialectical utopia. This utopian dialectic, formed through the utopia of time, understood from continuous social processes, and of space, physically concretized by urbanism and urban development in large urban centers, offers the theoretical and analytical framework to imagine alternative worlds in a given socio-cultural context , based on the balance of the three ecosystem records. As a product, the project essay is a space-time utopia contextualized to the socioecology of the city


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Introdução O objetivo do presente estudo é analisar as possibilidades e subsequente importância da Teoria da Ecosofia como articulação ético-política de projetos urbanísticos utópicos. A utopia pretendida, denominada dialética pelo geógrafo americano David Harvey (2015), é baseada na conjunção do tempo, compreendido a partir de processos sociais específicos, e do espaço, concretizado fisicamente pelo urbanismo. Os processos sociais supracitados são apreendidos a partir do conceito de desenvolvimentos geográficos desiguais (HARVEY, 2015) e característicos a cada realidade da localidade estudada. O resultado físico desse modelo utópico dialético seria a proposta de ambientes urbanos alternativos, articulados a partir das diretrizes das três ecologias expostas pela teoria ecosófica de Félix Guattari (2012): as ecologias do meio ambiente, das relações sociais e da subjetividade humana. O estudo foi estruturado em cinco partes: a primeira trata de interpretar as três ecologias propostas por Guattari como conceito universalizante de uma articulação ético-política que busca identificar os

impactos gerados pelo capitalismo da globalização nos registros ecológicos (tripé meio ambiente-sociedade-subjetividade). A partir dessa articulação, em um contexto generalizado globalmente do relacionamento entre as pessoas e o meio, seria possível imaginar diretrizes que reequilibrem as relações socioambientais em busca de ambientes urbanos mais justos, democráticos e ecologicamente sustentáveis. Na segunda parte, faz-se necessária a relativização do conceito universalizante da ecosofia dentro de contextos socioculturais distintos. Para isso, a ideia de desenvolvimentos geográficos desiguais apresentada por Harvey (2015) será de extrema importância, tendo em vista a necessidade de adequar parâmetros genéricos observados pela ética-política das três ecologias em diferentes escalas geográficas. É pelo relativismo interpretado por Harvey na figura das escalas de intervenção e análise, adaptadas aos contextos de determinada realidade – seja nacional, regional, municipal ou local – que se pode utilizar das três ecologias dentro de contextos sociais específicos.


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essa degradação poderia ser utilizada para repensar as relações socioecológicas com o meio, levando a uma necessária mudança de paradigmas urbanos pela articulação das três ecologias num ensaio de projeto urbano utópico. Na quinta e última parte, é apresentada a situação específica da Avenida 23 de Maio, principal eixo estrutural norte-sul da metrópole, tendo como base a história da avenida expressa e suas características naturais subjugadas pelo desenvolvimento urbano capitalista. Neste ensaio de projeto utópico espaçotemporal, o processo social pelo qual se formou a condição da avenida, bem como as características físicas da via são questionadas e alternativas são propostas. Pela articulação das três ecologias, tem-se a proposta do corredor verde Itororó, que busca restaurar os córregos tamponados e transformar o vale em que corre a avenida em um corredor ecológico, com espaço democrático para circulação de pedestres e transporte coletivo de alta capacidade, aliando coesão social e direito à cidade com um ambiente urbano ecologicamente mais sustentável.

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Na terceira parte, após esclarecer o conceito universalizante da ecosofia e a forma estabelecida de como este pode ser interpretado a partir de diferentes escalas em contextos espaciais e socioculturais específicos; será pela utopia dialética, ou utopia espaçotemporal, proposta por Harvey (2015), que alia o ideário utópico das mudanças sociais no tempo, dentro do ambiente físico dos grandes núcleos urbanos, que ambientes urbanos alternativos poderão ser propostos tendo como fio condutor o pensamento dos três registros ecosóficos. Na quarta parte, a proposta de análise pela vertente ético-política da ecosofia é colocada em prática através do estudo de caso da cidade de São Paulo, em especial das relações socioambientais do desenvolvimento urbano da metrópole no que tange aos seus rios urbanos. Levando em consideração as características socioculturais presentes na urbanização paulistana, abordadas a partir do plano de fundo dos desenvolvimentos geográficos desiguais, será possível estabelecer parâmetros da condição atual dos rios urbanos da cidade e como


monografia

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“Um mapa do mundo que não inclua utopia não merece nem mesmo uma espiada.” (Oscar Wilde)


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1. Ecosofia: as três ecologias como articulação ético-política

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Alternativa à maneira de pensar as relações do ser humano com a natureza Para Guattari (2012), as acelerações das transformações técnico-científicas, em especial a partir da segunda metade do século XX, e as formas como os modos de vida individuais e coletivos evoluem dentro do sistema capitalista globalizado, contribuem para um progressivo deterioramento do planeta. Além da contínua exploração do meio ambiente natural, o desenvolvimento e consequente consolidação de grandes núcleos urbanos como principal habitat dos seres humanos no século XXI trouxe repercussões tanto nos modos de vida dos indivíduos, quanto nas relações interpessoais e subjetivas. Este tripé ecológico entre meio ambiente, sociedade e subjetividade humana – leia-se subjetividade como relações psicológicas e a consciência de cada indivíduo dentro de um determinado contex-

to – é o cerne da questão para o filósofo francês no que diz respeito à forma necessária para lidar com as problemáticas do capitalismo globalizado nos dias atuais. Em paralelo, esse impacto causado pelo poder político hegemônico é notado também por David Harvey, ao escrever: “a burguesia tanto cria como destrói os fundamentos geográficos – ecológicos, espaciais e culturais – de suas próprias atividades, construindo um mundo à sua própria imagem e semelhança” (HARVEY, 2015, p. 40).

Ainda que o discurso sobre as implicações sociais de determinadas medidas que construíram o atual contexto urbano das cidades globalizadas exista, o poder público, bem como suas medidas dentro do sistema capitalista da globalização, não leva em consideração as conexões implícitas dos três registros ecológicos. É nesse contexto que Guattari sugere uma nova articulação ético-política, denominada ecosofia, que relaciona os impactos no ambiente natural e no meio urbano e propõe uma nova forma de se pensar as relações socioambientais:

capítulo 1 ecosofia: as três ecologias como articulação ético-política


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As formações políticas e as instâncias executivas parecem totalmente incapazes de apreender essa problemática no conjunto de suas implicações. Apesar de estarem começando a tomar uma consciência parcial dos perigos mais evidentes que ameaçam o meio ambiente natural de nossas sociedades, elas geralmente se contentam em abordar o campo dos danos industriais e, ainda assim, unicamente numa perspectiva tecnocrática, ao passo que só uma articulação ético-política – a que chamo de ecosofia – entre os três registros ecológicos (o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana) é que poderia esclarecer convenientemente tais questões. (GUATTARI, 2012, p. 08)

capítulo 1 ecosofia: as três ecologias como articulação ético-política

Defenderei uma modalidade de universalismo no âmbito da qual possam florescer processos geográficos desiguais de maneiras mais produtivas e interessantes. O estabelecimento adequado de condições numa dada escala – no caso, a consideração conjunta do global e do local – é visto aqui como condição necessária (embora não suficiente) de criação de alternativas políticas e econômicas em outra. (HARVEY, 2015, p. 118)

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Essa percepção congruente sobre o papel do capitalismo globalizado na degradação do ambiente natural, construído e das relações sociais entre as visões de Guattari, psicanalista e filósofo, e Harvey, geógrafo e sociólogo, mostra aspectos diferentes para o mesmo processo. Enquanto Harvey identifica a globalização a partir do fenômeno dos desenvolvimentos geográficos desiguais, Guattari procura estabelecer uma articulação que expresse alternativas à ótica nociva da acumulação do capital na vi-

da dos indivíduos e no ambiente por eles construído e compartilhado. Os dois aspectos merecem uma atenção mais detalhada, para que de fato se complementem e justifiquem um ao outro dentro de uma visão utópica dialética. Importante ressaltar que o conceito de ecosofia, e as três ecologias que o abarcam, funciona como fio condutor universalizante do que seria uma forma alternativa de avaliar as implicações do desenvolvimento urbano e humano perante a natureza. De fato, o próprio Harvey discute a necessidade de estabelecimento de pontos básicos de convergência de diferentes grupos sociais no que tange a sua relação enquanto sociedade e perante o ambiente natural e construído:


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Isto posto, é necessário discorrer este tripé de conceitos que constituem essa articulação ético-política chamada de ecosofia, indicada por Guattari (2012), como condição universalizante de análise e de ação dos seres humanos perante a natureza.

A ecologia ambiental, logo, representa não apenas as implicações físicas do impacto do homem na natureza, mas determina a forma como essa relação de conexão entre as sociedades e o planeta deve ser repensada de forma transversal a todo tipo de manifestação do indivíduo:

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1.1. Primeira Ecologia: meio ambiente “O que está em questão é a manei A ecologia do meio ambiente pode ser considerada, além da análise tecnocrática dos impactos ambientais do desenvolvimento capitalístico traduzido fisicamente na forma de cidades, como uma maneira de repensar a utilização de recursos naturais escassos, finitos e demasiadamente explorados no âmbito de sua relação com as formas de viver dentro das cidades. Neste sentido, os movimentos ambientais que sinalizam questões como o aquecimento global, poluição atmosférica, desmatamento de florestas tropicais, entre outros, fornecem dados técnicos do que significa o impacto da produção capitalista no meio urbano em detrimento ao meio ambiente natural.

ra de viver daqui em diante sobre esse planeta, no contexto da aceleração das mutações técnico-cientificas e do considerável crescimento demográfico.” (GUATTARI, 1992, p. 08)

Essa maneira de viver colocada pelo filósofo, que por séculos passou pelo domínio da natureza pelos métodos de produção capitalistas e acabou por construir a imagem das cidades do século XX e XXI a partir da supressão do ambiente natural pelos avanços da modernidade, se baseia na capacidade de reinvenção da relação dos indivíduos com a natureza em todas as suas escalas de viver, seja na habitação, produção, locomoção, consumo. Desta forma, cabe à ecologia do meio ambiente, cuja representa-

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1.2. Segunda Ecologia: relações sociais Partindo do pressuposto estabelecido de que os grandes núcleos urbanos, as cidades do século XXI, são a reprodução física dos desequilíbrios ecosóficos gerados

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pelo capitalismo globalizado, caberá à ecologia social estabelecer de que forma o desenvolvimento urbano afetou e deteriorou as relações entre os indivíduos e o meio social. A ecologia social deverá trabalhar na reconstrução das relações humanas em todos os níveis do socius. Ela jamais deverá perder de vista que o poder capitalista se deslocou, se desterritorializou, ao mesmo tempo em extensão - ampliando seu domínio sobre o conjunto da vida social, econômica e cultural do planeta - e em “intenção” - infiltrando-se no seio dos mais inconscientes estratos subjetivos. (GUATTARI, 1992, p. 33)

Pela conexão intrínseca entre os registros ecológicos, é necessário identificar os aspectos urbanísticos que fizeram parte da construção das cidades, tanto no sentindo da descaracterização e exploração do meio ambiente natural, quanto nas crises sociais que se traduzem e se potencializam dentro do tecido urbano. Essa potencialização diz respeito às várias camadas da vida social, como por exemplo as características geográficas da desigualdade social, que é uma das consequências do capitalismo globalizado. É possível identificar a relação das

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ção física no modelo capitalista é o grande núcleo urbano, identificar como os mais variados processos de formação das grandes cidades contribuíram para o deterioramento da natureza e a crise ambiental que é constantemente citada nas reinvindicações dos movimentos ambientalistas pelo mundo. Esta ligação entre ambiente urbano construído e a ecologia ambiental acaba sendo de suma importância como metodologia para identificar os padrões de reprodução das formas de capitalismo globalizado nas cidades e como rupturas desses padrões poderiam atingir os outros registros ecológicos, seja o campo social ou da subjetividade humana, e reinventar a forma como as sociedades lidam com os recursos naturais do planeta.


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políticas urbanas e o crescimento de núcleos sociais desiguais, principalmente nas cidades dos países do capitalismo periférico. Tais cidades, como nos casos de metrópoles latino-americanas, africanas e do sudeste asiático, possuem altos índices de desigualdade social e grandes parcelas de sua população em alto grau de vulnerabilidade social. Seja na forma de favelas, ou outras formas de agrupamento precário, é possível ver os desequilíbrios gerados dentro da ecologia social no desenho geográfico das cidades. Essas cidades desiguais socialmente, e desequilibradas dentro da analise ecosófica, levam a outros aspectos problemáticos dentro da ecologia social. Principalmente a partir da metade do século XX, o nível de medo e desconfiança do outro deixou marcas nas políticas urbanas modernistas e pós-modernas e definiu a imagem da cidade nos dias atuais. Muros, grades, grandes vazios urbanos e zonas de fronteiras são a representação física do medo que consome o ambiente urbano e abrange os aspectos da ecologia social.

Uma das tendências sociais do capitalismo globalizado é a constante massificação de costumes e modos de vida dentro das cidades por meio do consumo. A constante midiatização e padronização cultural caracteriza a globalização e esse excesso, seja na forma de bens de consumo, seja na forma de modos de vida em si, levou à necessidade da construção de um tecido urbano que favorecesse o consumismo e a velocidade. Essa capacidade uniformizadora que o capitalismo globalizante encontrou de permear o tecido urbano com novas formas de consumo representa características geográficas na maioria das cidades do planeta. No contexto da ecologia social, a construção da cidade capitalista acarreta problemas nas várias camadas da vida em sociedade, e suas implicações se diferenciam de cidade para cidade. O ponto comum é como o desenvolvimento urbano possibilitou o desequilíbrio entre os três registros ecológicos devido à sua indissociável conexão, e que as mesmas respostas para uma nova maneira do ser humano se relacionar com o meio ambiente

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necessitam passar pela análise de como as relações sociais deterioradas pelo capitalismo globalizado, representado fisicamente nos grandes núcleos urbanos, podem ser repensadas dentro da ótica ecosófica. 1.3. Terceira Ecologia: relações subjetivas

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Longe de buscar um consenso cretinizante e infantilizante, a questão será, no futuro, a de cultivar o dissenso e a produção singular de existência. A subjetividade capitalística, tal como é engendrada por operadores de qualquer natureza ou tamanho, está manufaturada de modo a premunir a existência contra toda intrusão de acontecimentos suscetíveis de atrapalhar e perturbar a opinião. Para esse tipo de subjetividade, toda singularidade deveria ou ser evitada, ou passar pelo crivo de aparelhos e quadros de referência especializados. (GUATTARI, 1992, p. 33-34)

Além do deterioramento da subjetividade humana a partir de processos de homogeneização e massificação dos modos de ser dos indivíduos típicos da era da globalização, o meio ambiente urbano, como construção capitalista do espaço, influencia fortemente a psique humana, tanto positivamente quanto de forma negativa em diferentes níveis. É notório que a cidade pode ser muito cruel com os seus habitantes, principalmente as cama-

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O terceiro registro ecológico, das relações subjetivas, tem como ponto chave de análise o deterioramento da subjetividade humana, da psique dos indivíduos. É necessário enfatizar a relação intrínseca entre o desequilíbrio da ecosofia ambiental e social, e a constante perda psicológica gerada dentro do sistema capitalista globalizado. A tendência da subjetividade capitalística é a homogeneização, seja dos bens culturais, costumes, aspectos da psique individual ou coletiva. Essa homogeneização facilita os fluxos do capital e o seu acúmulo pelos seus operadores, privados ou públicos. Em termos urbanísticos, as cidades foram moldadas para consolidar esse domínio, pelo qual as pessoas exercem seus pa-

peis dentro das formas de expansão dos fluxos do capital, fazendo com que a subjetividade fosse continuamente oprimida em detrimento do progresso econômico.


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das da sociedade marginalizadas, esquecidas e oprimidas dentro do contexto econômico de direito à cidade e uma vida digna. A rotina que as pessoas mais pobres, em especial nos núcleos periféricos de metrópoles de países subdesenvolvidos, são obrigadas a passar dentro da cidade pelos fluxos pendulares de trabalho tem como consequências diversos problemas na escala da ecologia mental. A perda da capacidade de produzir subjetividades acompanha questões de saúde dentro dos núcleos urbanos. O individualismo forçado pelo maquínico capitalístico e engendrado no tecido urbano trouxe, em especial ao século XXI, a era das doenças psicológicas. Solidão, depressão, individualismo, pânico, ansiedade, a perda da capacidade de conexão emocional com o outro, entre outras questões, são parte da realidade da vida nas cidades. Fazer face à lógica da ambivalência desejante, onde quer que ela se perfile – na cultura, na vida cotidiana, no trabalho, no esporte, etc. - reapreciar a finalidade do trabalho e das atividades humanas em função de critérios diferentes daqueles do rendimento e do lucro: tais im-

perativos da ecologia mental convocam uma mobilização apropriada do conjunto dos indivíduos e dos segmentos sociais. (GUATTARI, 1992, p. 41-42)

O urbanismo está vinculado a essas questões, tanto como ferramenta técnico-científica, quanto área do conhecimento que traz embasamento para políticas urbanas e para o pensar as cidades ao redor do globo. É a partir do reconhecimento do potencial de ressignificação de processos e proposição de alternativas dentro das três ecologias, que por meio da articulação ético-política da ecosofia pode ser possível repensar a forma que os indivíduos vivem e produzem as cidades. 1.4. Articulação ético-política da ecosofia no contexto global A proposta de mudança de paradigma socioambiental proposto pelo filósofo francês não é um fim em si, mas um meio, uma forma de representar a necessidade de se imaginar modos de viver e de se relacionar alternativos à ótica des-

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trutiva evidenciada em diversos aspectos do capitalismo globalizado. A proposição do presente estudo no sentido de trazer a articulação ético-política da ecosofia no interior de propostas utópicas de mundos alternativos é justamente para imaginar mudanças de paradigmas dentro de realidades características dos desenvolvimentos geográficos desiguais. Essa necessidade de mudança paradigmática da globalização neoliberal é encontrada tanto em Guattari, como em Harvey:

Cabe, agora, entender até que ponto o conceito universalizante da articulação ético-política da ecosofia pode ser vinculada a proposições utópicas dentro de diferentes contextos socioculturais. Esses limites e variações podem ser

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Há antes de tudo uma ampla exigência de reforma como decorrência de suas manifestas instabilidades (periódicas dificuldades financeiras, fases de desindustrialização etc.) e do aprofundamento das desigualdades econômicas. Em segundo lugar, as dificuldades ambientais são evidentes em toda parte, e muitas requerem também ações regulatórias e intervenções em todas as escalas, inclusive a global. (HARVEY, 2015, p. 127)

determinados a partir da análise em diferentes escalas, levando em consideração fatores geográficos-históricos de cada aglomeração urbana, sejam estas nacionais, regionais ou locais. A essa teoria Harvey (2015) dá o nome de desenvolvimentos geográficos desiguais.


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2. Desenvolvimentos geográficos desiguais

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Interpretando escalas de análise e complexidades locais A partir do momento que o conceito da articulação ético-política da ecosofia é tratado como universalizante sobre a condição pela qual o capitalismo da globalização degradou os três registros ecológicos discorridos no capítulo anterior, se faz necessária à sua interpretação a partir de determinados contextos urbanos. De fato, o modo como o desenvolvimento dos grandes núcleos urbanos se deu varia de país para país, de estado para estado, e de metrópole para metrópole. Tratar da degradação do meio ambiente urbano, das relações sociais e das relações psicológicas sem levar em consideração a especificidade dos registros históricos, econômicos e socioculturais de uma determinada localidade incorreria automaticamente em erros e teses projetuais dissonantes da realidade. Tendo isso em vista, Harvey (2015) trabalha a teoria dos de-

senvolvimentos geográficos desiguais, como forma de análise dos impactos gerados pelo capitalismo no crescimento das grandes cidades e o impacto causado por determinadas políticas urbanas enquanto caracterização física de processos sociais, culturais e econômicos desiguais e excludentes. Logo, será de extrema importância analisar o conceito da teoria proposta pelo geógrafo americano como forma de adaptar um conceito universalizante dentro de uma realidade sociocultural específica em busca de projetos urbanos utópicos que se conectem com uma realidade concreta em busca de modos alternativos de viver e construir as cidades. 2.1. Desenvolvimentos geográficos desiguais A teoria dos desenvolvimentos desiguais, esboçada por Harvey (2015), busca tratar dos aspectos históricos-geográficos, formações culturais e sociais que se distinguem de agrupamento para agrupamento humano dentro do mundo da globalização capitalista. Essa discus-

capítulo 2 desenvolvimentos geográficos desiguais


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Lares, comunidades e nações são exemplos óbvios de formas organizacionais contemporâneas existentes em diferentes escalas. Intuímos de imediato no mundo de hoje que o caráter das coi-

capítulo 2 desenvolvimentos geográficos desiguais

sas se afigura distintos quando analisado nas escalas global, continental, nacional, regional, local ou do lar/pessoal. O que parece relevante ou faz sentido numa dessas escalas não se manifesta automaticamente em outra. (HARVEY, 2015, p. 108)

No entanto, a produção de escalas espaciais não resulta na diferenciação rígida e explícita dentro de cada nível escalar. Existe uma clara interdependência e condensação de diferentes aspectos, sejam eles espaciais ou socioculturais, de uma escala de análise para outra, bem como uma mutabilidade das próprias estruturas escalares. Ao analisar, por exemplo, aspectos do desenvolvimento urbano numa escala municipal, não se pode deixar de verificar suas ramificações, bem como razões de ser, na escala regional, nem deixar de considerar que as próprias escalas são produto de recorrentes transformações sociais, econômicas e tecnológicas. Sabemos, não obstante, que não se pode entender o que acontece numa dada escala fora das relações de acomodamento que atravessam a hierarquia de escalas – comportamentos pessoais (por exemplo, dirigir automóveis) produzem (quando agregados) efeitos locais e

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são se baseia em dois componentes fundamentais: a produção de escalas espaciais e a produção de diferenças geográficas. Desta forma, se faz necessário um aprofundamento em ambos os conceitos para compreender os mecanismos úteis para adaptar ideais universalizantes a diferentes realidades. O primeiro componente é o da produção de escalas espaciais, que trata da forma como as pessoas têm a tendência de produzir e alimentar hierarquias baseadas em aspectos geográficos e socioculturais. Desta forma, o primeiro pilar de uma teoria de desenvolvimentos geográficos desiguais repousa sobre a ideia das escalas, e de como existe uma volatilidade de significados e modos de vida baseados em aspectos físicos, sejam nos limites de países, estados, cidades, comunidades; bem como nessas diferenciações dentro de um mesmo território que se fazem por questões históricas e culturais.


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regionais que culminam em problemas continentais, de, por exemplo, depósito de gases tóxicos ou aquecimento global. Mas essa decomposição intuitiva é imprópria, pois dá a impressão de que as escalas são imutáveis ou mesmo totalmente naturais, em vez de produtos sistêmicos de mudanças tecnológicas, formas de organização dos seres humanos e das lutas políticas. (HARVEY, 2015, p. 108)

O segundo componente dos desenvolvimentos geográficos desiguais é a soma de legados históricos-geográficos reproduzidos, sustentados e reconfigurados perpetuamente por meio de processos político-econômicos e socioecológicos até o momento presente, a qual Harvey (2015) denomina produção da diferença geográfica. Essas diferenças geográficas, verificadas em todas as escalas espaciais, tem como produto o constante desenvolvimento e crescimento dos grandes núcleos urbanos, e a forma como essas cidades crescem, em linhas gerais, é moldado pelas vontades econômicas de uma elite hegemônica, continuamente reafirmada e controladora da vontade dos modos de viver capitalísticos em cidades em contínua mutação.

É justamente o papel da produção da diferença geográfica identificar os aspectos político-econômicos e socioculturais específicos dentro de cada escala, tanto nas suas especificidades, quanto nos componentes globalizantes que vinculam e em certas ocasiões colocam culturas e modos de viver inteiros num papel de dependência das potencias econômicas e culturais globais dominantes. Nesta questão, Harvey discorre: O exame do mundo em qualquer escala particular revela de imediato toda uma série de efeitos e processos que produzem diferenças geográficas nos modos de vida, nos padrões de vida, nos usos de recursos, nas relações com o ambiente e nas formas políticas e culturais. A longa geografia histórica da ocupação humana da superfície da terra e da evolução distintivas de formas sociais (línguas, instituições políticas e valores e crenças religiosos) inseridas integralmente em lugares com qualidades todas suas tem produzido um extraordinário mosaico geográfico de ambientes e modos de vida socioecológicos. Esse mosaico é ele mesmo um “palimpsesto” (HARVEY, 2015, p. 110-111)

Isto posto, é evidente a importância da teoria dos desenvol-

capítulo 2 desenvolvimentos geográficos desiguais


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Como bem analisa Harvey (2015), os impactos, tanto positivos como negativos, do capitalismo globalizado detêm particularidades que variam de localidade para localidade, sejam estas dos principais atores que as mecanizam e institucionali-

capítulo 2 desenvolvimentos geográficos desiguais

zam, sejam as formas como as desigualdades afetam os menos favorecidos financeiramente e mais socialmente excluídos. Mesmo que não se possa comparar, de maneira concreta, as desigualdades e sequelas urbanas de cidades europeias com latino-americanas, por exemplo, é possível traçar paralelos a partir do momento que se utiliza a articulação das três ecologias de Guattari para identificar padrões de degradação das relações ambientais, sociais e psicológicas. É justamente esse poder de identificar particularidades e suas potencialidades num contexto global que Harvey trata pelas escalas de análise dos desenvolvimentos geográficos desiguais. Mas é precisamente nesses contextos localizados que as mil e uma oposições à globalização capitalista também se formam, clamando por alguma maneira de ser articulados como um interesse oposicional geral. Isso requer que ultrapassemos as particularidades e enfatizemos o padrão e as qualidades sistêmicas do mal que vem sendo feito nas várias escalas e diferenças geográficas. O padrão pode então ser descrito como as consequências geográficas desiguais da forma neoliberal de globalização. (HARVEY, 2015, p. 110-111)

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vimentos geográficos, tanto pelo componente das escalas espaciais, quanto pelo das diferenças geográficas, na análise das características socioculturais e político-econômicas que contribuíram de maneira indissociável do crescimento dos grandes núcleos urbanos, principalmente sob a égide do capitalismo globalizado. Assim, levando em consideração os aspectos intrínsecos às escalas, tanto interescalares quanto intraescalares, e das características socioespaciais de diferentes núcleos urbanos, é possível traçar parâmetros gerais em busca de terrenos comuns do impacto do capitalismo da globalização no desenvolvimento das cidades e nas mudanças socioecológicas decorrentes desses processos. 2.2. Escalas de análise e comunitarismos


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Conforme explicitado, a análise por meio da teoria dos desenvolvimentos geográficos desiguais é de grande valia ao tratar a questão das escalas espaciais como forma de evitar generalizações descoladas da realidade da localidade estudada. A partir do momento que as diferenças geográficas são analisadas, é possível começar a traçar paralelos das principais ações político-econômicas e as mudanças históricas e socioculturais de um determinado núcleo urbano. Com essa análise realizada, é possível “subir” de escalas e começar a identificar padrões de problemáticas a partir da articulação da ecosofia. Essa análise interescalar a partir de pontos de degradação baseados nas três ecologias – do meio ambiente, das relações sociais e das relações psicológicas – pode evidenciar terrenos em comum de problemáticas do desenvolvimento dos grandes núcleos urbanos, mesmo que em contextos completamente diferentes. Para Harvey:

ambientais que na superfície parecem nada ter de comum entre si.” (HARVEY, 2015, p. 117)

Conceituada a articulação ético-política da ecosofia como fio condutor para traçar paralelos entre diferentes escalas espaciais de núcleos urbanos, além de estruturada a importância da teoria dos desenvolvimentos geográficos desiguais para explicitar as diferenças socioculturais em diferentes localidades, bem como suas semelhanças e potencialidades em um contexto comum; é necessário tratar da maneira como mundos alternativos podem ser imaginados e projetados a partir do pensamento utópico.

“A análise poderá então ser ampliada centrifugamente para abarcar uma diversificada gama de questões sociais e

capítulo 2 desenvolvimentos geográficos desiguais


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3. Utopismo dialético A utopia espaçotemporal por cenários urbanos alternativos

capítulo 3 utopismo dialético

Ao produzirmos coletivamente nossas cidades, produzimos coletivamente a nós mesmos. Projetos referentes ao que desejamos que sejam nossas cidades são em consequência projetos referentes a possibilidades humanas, a quem queremos ou, que talvez seja mais pertinente, a quem não queremos vir a ser. Cada um de nós, sem exceção, tem algo a pensar, a dizer e a fazer no tocante a isso. A maneira como nossa imaginação individual e coletiva funciona é, portanto, crucial para definir o trabalho da urbanização. (HARVEY, 2015, p. 211)

Essa necessária, e já tardia, quebra de paradigma do modo de desenvolvimento urbano característico do capitalismo globalizado, parte, então, da utopia. A utopia aqui pretendida é dialética, pois envolve a conjunção e indissociável liga-

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Tendo nas partes anteriores destrinchado a articulação ético-política da ecosofia de Felix Guattari como conceito universalizante dentro da teoria dos desenvolvimentos desiguais, faz-se necessário o uso do pensamento utópico como modo de se imaginar futuros urbanos alternativos. O uso do imaginário da utopia pode ser de extrema importância a partir do momento em que são identificados paralelos da degradação nas três ecologias (do meio ambiente, das relações sociais e das relações psicológicas) em contextos geográficos diferentes. Com base em particularismos que se relacionam pelos registros históricos-geográficos, bem como socioculturais, de determinados núcleos urbanos, pode-se trabalhar por meio das escalas espaciais para traçar diretrizes universalistas de determinados problemas socioecológicos. O futuro do desenvolvimento urbano das cidades, portanto, acaba partindo da necessidade de se

reavaliar o modo de viver dos seres humanos no seu habitat urbano, coletivamente, e a Utopia pode fornecer o arcabouço teórico para ensaios projetuais, e consequentemente projetos urbanos, que valorizem a busca pela quebra de paradigma do modo destrutivo de se construir os grandes núcleos urbanos, característico do capitalismo da globalização.


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ção entre o tempo, enquanto processo social, e o espaço físico das cidades. É dialética porque trata de um conceito universalizante, como a ótica da degradação capitalista do meio ambiente pela articulação da ecosofia, ao passo que interpreta o particularismo de problemas em contextos socioculturais específicos à determinadas escalas. No entanto, outras formas de utopia necessitam ser comentadas como contraponto ao modelo dialético escolhido porque dos problemas da Utopia da forma espacial e da Utopia do processo social no tempo, são tiradas valiosas lições sobre a importância da Utopia Dialética, que possui o caráter espaçotemporal. 3.1. A separação da forma espacial e do tempo Antes de tratar, de fato, da utilidade que o pensamento dialético no ideário utópico pode ter para concepções alternativas de cidade, é preciso destacar o papel construtivo, e muitas vezes destrutivo, que o pensamento utópico, em outros modelos, pode ter gerado para pro-

jetos de diferentes tipos de produção do espaço 3.1.1. Utopia como livre organização espacial Os modelos da cidade ideal, que caracterizaram trabalhos de diversos arquitetos e pensadores notáveis através dos anos, são exemplos da chamada utopia da organização espacial. Desde a Utopia de Thomas More, até os projetos de Ebenezer Howard, Frank Lloyd Wright, Le Corbusier, entre tantos outros que se aventuraram na busca pelo desenho perfeito da cidade, um fator que se destaca é a incansável tentativa de encontrar um modelo ideal, estático e controlado de urbanização. A maior crítica à utopia mais buscada pelos arquitetos e urbanistas se faz justamente pela exclusão da temporalidade. Em grande parte desses exemplos citados, a cidade se constrói sobre um processo social preexistente, que é tirado da equação de forma autoritária. O desenho da utopia espacial é realizado para que a vida nas cidades ideais

capítulo 3 utopismo dialético


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Oposta ao pensamento utópico da organização espacial, a utopia do processo social exclui da equação, de forma contraditória ao próprio termo, o lugar. Sem a presença do topos (lugar) na utopia, este pensamento utópico é presentado pelo predomínio da temporalidade enquanto processo social descolada de uma localização geográfica específica. Pela sua forma

capítulo 3 utopismo dialético

hábito de se perder no romantismo dos projetos interminavelmente abertos que nunca tem de chegar a um ponto conclusivo (no espaço e no lugar)”. (HARVEY, 2015, p. 219)

Mais ainda, vai além ao demonstrar que a utopia do processo social mais bem-sucedida de todas as outras é o próprio modelo capitalista. A ótica da globalização e a venda de um futuro melhor, fruto do neoliberalismo, encontrou mercados e

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se molde à sua geografia, de manei- não ser representada fisicamente ra controlada e regulamentada. So- em termos de desenho ou planebre isto, o próprio Harvey comenta: jamento urbano por si só, esse tipo de utopismo acaba sendo menos “Por conseguinte, enfrentar essa relação percebido. Ele se baseia em formas entre o livre fluxo da imaginação e o auidealizadas de processos sociais, toritarismo é a tarefa que tem de estar no cerne de toda política regeneradora embutidas em teorias político-ecoque tente ressuscitar ideais utópicos.” nômicas que norteiam ações gover(HARVEY, 2015, p. 214). namentais em diferentes escalas no decorrer do tempo. Logo, o que se compreende Tais modelos políticos ecopelos mais variados desenhos de am nas formas de produção do esuma sociedade ideal, espacializada paço, moldando as realidades urnum tecido urbano, é essa subju- banas a sua imagem e semelhança. gação da temporalidade, enquanto Assim como tendências problemáprocesso social, pela mão do arqui- ticas da utopia da organização esteto, do urbanista, do governante. pacial, Harvey aponta uma tendência à utopia do processo social: 3.1.2. “as utopias do processo social têm o Utopia do processo social


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convenceu grande parcela de pessoas, e principalmente governos, de que a saída ideal se basearia num processo global de liberalização de mercados à sorte do capitalismo, e de que isso beneficiaria a vida de todos os indivíduos, bem como o destino das cidades e dos grandes núcleos urbanos. O problema são as consequências físicas materializadas pela utopia do processo social sob a ótica do capitalismo globalizado; vertiginoso aumento de desigualdades sociais em diversas escalas espaciais e uma crescente concentração de renda e distribuição de prejuízos. No que tange as cidades, o desenvolvimento urbano irregular, esparso e com focos de extrema pobreza concorrentes a regiões de extrema riqueza, falta de acesso e direito à cidade, entre outros problemas, são algumas das marcas do que a materialização da perspectiva do livre mercado nas cidades e nas vidas das pessoas. Desenvolvimentos geográficos desiguais em aceleração, o solapamento de todas as modalidades de coesão social e de poderes do Estado, a destruição de culturas inteiras e das “estruturas de sentimento” que proporcionam um sólido

fundamento à vida de todos os dias e, o que talvez seja o fator mais problemático, a degradação de grandes parcelas do ambiente, que atinge tal dimensão que torna inabitável boa parcela da superfície da terra. (HARVEY, 2015, p. 232)

Importante ressaltar que a descrição transcrita acima é o que demonstra justamente a degradação imposta pelo capitalismo globalizado nos três registros ecológicos de Guattari e reforçam a sua importância como articulação ético-política: 1. Solapamento de modalidades de coesão sociais (relações sociais); 2. Destruição de culturas inteiras e estruturas de sentimento (relações psicológicas); 3. Degradação de grandes parcelas do ambiente (relações ambientais). Desta forma, a resposta aos problemas dos pensamentos utópicos analisados acima está nas características do utopismo do processo social implementado geograficamente nos lugares, tanto nas suas potencialidades, quanto na sua capacidade destrutiva. Para buscar respostas ecologicamente sustentáveis, no sentido do conceito da ecosofia, é necessária a dialética espaçotemporal como forma de se

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projetar futuros urbanos alternativos. mirando em revoluções que abarquem as três ecologias abordadas 3.2. anteriormente. Sobre essa possibiUtopismo dialético e lidade de mudança radical, Harvey futuros urbanos alternativos novamente coloca uma importante questão: O objetivo da proposta da utopia dialética, ou utopia espaço- O programa revolucionário do neolibetemporal, é o de conjugar a tem- ralismo tem realizado muito em termos poralidade, caracterizada por de- de mudança física e institucional nos últimos vinte anos. Logo, por que então terminados processos sociais, não podemos conceber mudanças igualmaterializada geograficamente nu- mente dramáticas (ainda que apontando ma localidade. Essa produção do noutro direção) em nossa busca de alterespaço a partir de seus processos nativas? (HARVEY, 2015, p. 244) sociais é uma ferramenta importanDesta forma, cabe ao utopiste para exploração de alternativas mo espaçotemporal, ainda que priemancipatórias à ótica hegemônimeiramente no mundo do penca do capitalismo globalizado. samento, transcender as formas A tarefa é montar um utopismo espaço- socioecológicas impostas pela acutemporal – um utopismo dialético – que mulação excessiva do capital, pelas tenha raízes fincadas em nossas pos- desigualdades político-econômicas sibilidades presentes ao mesmo tempo e pelos privilégios de classe. Nesque aponta trajetórias diferentes para desenvolvimentos geográficos desiguais ta ótica, o papel das pessoas, e do arquiteto em especial, é de lutar pahumanos. (HARVEY, 2015, p. 258) ra abrir espaços com novas possibi Esse potencial imaginário lidades para formas alternativas da da utopia, tendo como articulação vida social. o conceito universalizante da ecoso- Um futuro alternativo para os fia, pode desafiar os padrões atuais grandes núcleos urbanos se baseia de desenvolvimento urbano e social na capacidade analítica que recai nas diferentes escalas geográficas, sobre a responsabilidade da figura


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do arquiteto, bem como da participação social democrática, para encontrar os padrões de degradação do ambiente a partir dos três registros ecológicos. Tais padrões assumem variadas características a partir de desenvolvimentos geográficos desiguais, e, por conseguinte, as soluções de uma utopia dialética partem de parâmetros universais para particularidades socioculturais e o desenvolvimento histórico de cada lugar a ser analisado. Essa dialética será de extrema valia para a elaboração de projetos que consideram a contínua evolução de processos sociais que podem ser traduzidos fisicamente pelo planejamento urbano e desenho das cidades. Chega-se à conclusão que, por meio da utopia dialética, é necessário traçar uma linguagem que se materialize em condições socioecológicas alternativas, nas quais se enfatize novas possibilidades para a ação humana e revitalização do meio. Essas possibilidades se baseiam na articulação ético-política da ecosofia para reparar a degradação do capitalismo globalizado nas

três ecologias: das relações ambientais, sociais e da subjetividade humana. Essa articulação evidencia a responsabilidade de todos os indivíduos, ainda que em desenvolvimentos geográficos desiguais, para com a natureza e com a sua própria natureza enquanto seres humanos. A partir do estudo das escalas espaciais e de suas características específicas, é possível traçar paralelos de ação baseados na recuperação dos três registros ecológicos, sendo primordial a dialética entre os particularismos de cada nível escalar, bem como os universalismos de questões pertinentes a uma ótica mais global das formas de se viver e compartilhar o planeta. A dialética particularismo-universalismo encontrará espaço de análise a partir dos desenvolvimentos geográficos desiguais, de articulação por meio da ecosofia e de ação pela utopia espaçotemporal. O pensamento utópico será a ferramenta primordial para desenvolver processos imaginativos de luta e reconquista de um meio mais igualitário e sustentável.

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século XXI, tanto pelos seus processos de desenvolvimento, quanto pelas consequências sociais, psicológicas e ambientais acarretadas pelo seu crescimento desequilibrado e desigual. Caminhar e agir por um mundo mais justo e sociecologicamente sustentável é um dever social e uma capacidade do ser humano. Nesse sentido, o papel do arquiteto e urbanista pode ser o de contribuir para enriquecer a discussão por cenários urbanos alternativos, pois o desenho das cidades e suas características geográficas-históricas são fundamentais para que a utopia dialética, baseada pela articulação ético-política da ecosofia, encontre com profundidade os problemas que degradam o ambiente urbano e seja capaz de projetar futuros urbanos alternativos.

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Finalmente, tais processos serão necessariamente projetuais para que se possa construir comunitariamente futuros socioecológicos alternativos. O papel do projeto utópico será de extrema importância, não apenas pelo desenvolvimento teórico que abarca o seu imaginário em si, mas pela capacidade de rompimento dos parâmetros de degradação impostos pelo capitalismo globalizado sem as mesmas amarras que o lento processo de desenvolvimento urbano sob a hegemonia neoliberal trouxe na produção do espaço urbano. Essa quebra de paradigma é essencial dentro do pensamento utópico dialético, tanto pela característica intrínseca à necessidade de mudança dos processos sociais que resultaram num ambiente urbano extremamente desigual, quanto pelas possibilidades imaginativas que o projeto urbano utópico idealizado pode traçar como objetivo parâmetro a ser atingido para um mundo mais humano, justo e sustentável socioecologicamente. A produção do espaço capitalista globalizado deixou cicatrizes nas cidades do


ensaio de projeto

corredor verde itororรณ lรก na avenida e de volta ao cรณrrego outra vez


“Para um instante único em que o poema mais lírico se torne a coisa mais lógica” (Maurício Pereira)


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Desta forma, o recorte que 4. Estudo de caso: São Paulo possibilitará a análise ecosófica e,

Aplicabilidade da análise das três posteriormente, traçará os parâmeecologias no desenvolvimento da tros para utopia espaçotemporal será da relação entre o processo de metrópole crescimento e espraiamento geo Após a estruturação da te- gráfico da metrópole paulistana e os oria da ecosofia como articulação seus rios urbanos. A partir do reético-política para a revisão e con- corte físico, numa escala mais amsequente ruptura dos processos de pla de análise dos seus rios urbaprodução do espaço sob a égide nos, e depois mais especificamente do capitalismo globalizado, se faz dos córregos tamponados pela atual necessário um estudo de caso so- Avenida 23 de maio, a parte espabre como o desenvolvimento urba- cial da utopia dialética será preenno degradou os três registros eco- chido pelo projeto de retomada da lógicos na cidade de São Paulo. cidade pelas pessoas e pela nature Para tratar das relações am- za. O recorte temporal desta dialétibientais, sociais e psicológicas em ca se dará pelos processos sociais seu contexto da cidade e de seus que levaram justamente às condihabitantes, a teoria dos desenvolvi- ções físicas atuais de tamponamenmentos geográficos desiguais des- to e esquecimento dos rios urbanos trinchada nos capítulos anteriores de São Paulo, mais especificamente trás a importante ferramenta das es- da segunda metade do século XX, calas geográficas. A partir destas,a até os dias atuais. realidade histórico-geográfica é leva- Possibilitada pela análise do em consideração no que tange ecosófica, a utopia da dialética enàs características próprias que ca- tre espaço e tempo trará as potenda adensamento urbano teve em re- cialidades dentro da realidade paulação ao seu crescimento urbano e listana para recuperar o ambiente as formas de degradação das rela- urbano degradado no contexto do ções socioecológicas entres seus tripé ecológico da relações ambiencidadãos e o ambiente natural. tais, sociais e psicológicas.

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4.1. O final do século XIX e a pasA relação entre São Paulo e seus sagem ao século XX marcou o surrios urbanos gimento da São Paulo como novo polo econômico do país, atraindo a São Paulo é marcada, des- elite cafeeira, bem como um fluxo de a sua fundação em 25 de janei- migratório e imigratório, que fazem ro de 1554 até meados do século com que a cidade crescesse de forXIX, pela falta de relevância no cená- ma desordenada por décadas. Nos rio político e econômico nacional por primeiros 30 anos dos anos 1900, questões principalmente geomorfo- o foco das famílias hegemônicas lógicas. Pela dificuldade de acesso que controlavam as políticas urbaao planalto e considerável distância nas paulistanas pela administração do litoral, a cidade se manteve como municipal foi de embelezar a cidade entreposto de bandeirantes e outros com o objetivo de transformar São viajantes, que vinham do porto de Paulo à imagem de uma capital euSantos rumo ao interior do país, por ropeia. O crescimento populacional mais de três séculos. elevado como nunca antes visto fez O primeiro grande impacto com que a municipalidade focasse que iniciou o processo de expansão as mudanças urbanas e modernizada até então vila foi a economia ca- ções em bairros, tanto consolidados feeira. As lavouras de café no interior quanto antigos, para a elite paulistaalçaram São Paulo à importância de na, fazendo com que a população principal conector entre as lavouras de menor renda fosse afastada cada do leste paulista, e posteriormente vez mais das novas zonas centrais. do centro-norte, com os fluxos de Essa política sanitarista e excludente exportação no litoral. Essa relevân- perdurou por décadas, e São Paulo cia fica ainda mais evidenciada pela enfrentou não apenas a crescente instalação das primeiras ferrovias, a desigualdade social, mas também partir de 1862, que ligavam o interior os primeiros problemas com o fluxo cafeeiro ao porto de Santos via São de pessoas e mobilidade pela mePaulo, transformando para sempre trópole que crescia num ritmo jamais a imagem da cidade. registrado.


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A necessidade por espaço e por fluxos suficientes de mobilidade fez com que a complexa hidrografia da cidade, circunscrita por rios caudalosos e de várzea, além de diversos afluentes em fundos de vale e brejos, sofresse um impacto tão danoso que perdura até os dias atuais, sem previsão concreta de melhora em um futuro próximo. A insuficiência física e déficit habitacional fez com que São Paulo abandonasse o já atrasado modelo europeu de urbanização à brasileira em busca de soluções mais modernas, rápidas e de menor custo. Foi nesse ponto que em 1930 foi lançado o Plano de Avenidas pelo então prefeito Francisco Prestes Maia. Esse plano é um marco inconteste da mudança da política urbana paulistana na direção do rodoviarismo e utilitarismo moderno, popular nos Estados Unidos, embora já contestado. A política baseada no uso do veículo motorizado sobre rodas, tanto a figura do carro como o ônibus, norteou o desenvolvimento urbano da cidade por praticamente 40 anos de maneira inconteste pela maior parte das administrações públicas. E nessa ótica das vias ex-

pressas e avenidas como eixos de desenvolvimento e consolidação urbana a partir do centro para a periferia os rios se apresentavam como problema, bem como uma solução. Nas marginais dos maiores rios que circunscreviam a cidade, foram propostas e realizadas retificações tanto para a criação de vias expressas perimetrais, quanto para o ganho de áreas secas para exploração imobiliária. Esse modelo perimetral com avenidas expressas que os cruzavam e complementavam em anéis viários foram idealizadas a partir da metade do século, embora nunca completadas de maneira integral. A resposta para a crise habitacional e urbana que São Paulo sofria foi crescer mais e mais, com o suporte nas avenidas para abastecer as necessidades de mobilidade pela ótica do rodoviarismo. E para concretizar o plano, muitas vias expressas secundárias aos anéis viários foram propostas para interligar e fechar o sistema núcleo-periferia. Pela topografia da cidade, a escolha para implementação dessas avenidas principais e de fluxo foram novamente os rios. No caso, os rios

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de inteira é uma marca do descaso que a política hegemônica das elites teve para com o meio em favor dos interesses econômicos por trás do crescimento desordenado da metrópole. Do ponto de vista ambiental, até os dias de hoje é possível notar as mazelas da política rodoviarista em qualquer dia chuvoso na capital, seja pelas enchentes recorrentes, pela falta de acesso à cidade pelas pessoas com menos poder financeiro, até pelos elevados índices de poluição do ar. Ainda os processos socioeconômicos que originaram essa escolha e guiaram o crescimento urbano da cidade se basearam no afastamento da população pobre dos grandes centros econômicos e da falta de oportunidade de moradias dignas e financeiramente acessíveis para a maioria da população. Por conseguinte, o rodoviarismo destruiu a memória do rio na geografia da cidade e condenou o psicológico coletivo à ideia da necessidade do carro como bem essencial e da vida individualista e segregada consequente desse tipo de política urbana.

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fundos de vale foram explorados ao extremo como forma mais econômica das avenidas penetrarem o tecido urbano e consolidarem a ideia de estruturação da metrópole a partir do sistema viário radial-perimetral. A canalização e retificação das marginais Pinheiros e Tietê em busca de solos menos alagadiços e mais áreas para exploração imobiliária, aliada ao processo da implementação das avenidas radiais e perimetrais em muitos percursos de rios e córregos em fundos de vale alterou completamente a imagem da cidade e impactou completamente no ambiente natural do geografia histórica da metrópole. A perda da São Paulo dos rios para a São Paulo dos carros é o que caracterizou o desenvolvimento urbano da cidade por todo o século XX, deixando como marca até os dias atuais sequelas que vão muito além do evidente impacto ambiental causado pela implementação da das vias de fluxos, bem como da própria cidade num lugar que antes pertencia à natureza e aos rios. Esse esquecimento dos rios e principalmente dos córregos urbanos tamponados que permeiam a cida-


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4.2. A Avenida 23 de Maio Como evidenciado, até o início do século XX, a ocupação da cidade de São Paulo se baseava no triângulo histórico, e os rios fundo de vale tinham funções agrárias e de saneamento irregular. Com a consolidação da política rodoviarista a partir do Plano de Avenidas, a imagem da cidade foi sendo alterada e o desenvolvimento urbano paulistano se deu pela predominância da importância do carro e das avenidas como eixos de estruturação da cidade. Com essa mudança nas políticas urbanas na direção do modernismo rodoviarista, se deu lugar a uma notória exploração do natural em torno dos eixos de estruturação urbana, transformando o córrego itororó em uma via expressa e a memória de uma várzea para os moradores do entorno desapareceu. Depois de 39 anos do projeto inicial do Plano de Avenidas, em 1969 foi inaugurada a Av. 23 de Maio, uma via expressa que foi construída para se tornar o eixo norte-sul, conectando o centro da cidade de São Paulo à região sul do

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município. Para fazer acontecer, os córregos urbanos do Itororó e o Boa Vista foram tamponados e canalizados, transformando o ambiente rural, de encontro social e escape da cidade em crescente urbanização, em mais uma avenida. Em menos de 50 anos, a imagem dos rios e das pessoas deu lugar à imagem da avenida dos carros, e essa diferenciação que permeia a política pública e atinge a vida social trouxe impactos significados na relação das pessoas com o meio ambiente natural. O exemplo desse impacto da política rodoviarista como eixo estruturador do desenvolvimento urbano de São Paulo fica ainda mais evidenciada na análise dos mapas a seguir: de 1810 até 1952, durante a fase pré e no início do rodoviarismo, é possível notar como a urbanização da cidade foi, num primeiro momento, acompanhando a margem do córrego itororó e depois engolindo completamente a imagem dos rios da paisagem da cidade. O adensamento urbano de São Paulo aliado ao rodoviarismo levou os rios urbanos, e no caso específico os córregos da Av. 23 de Maio, ao esquecimento.

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1810

Já é possível notar a presença dos rios no desenho urbano, ainda à época do triângulo histórico, inclusive a presença do córrego itororó à direita do mapa

1881

O início da expansão urbana nas áreas mais altas e relação ao até então ribeirão do anhangabahu, que corria livre e direcionando o crescimento urbano

1895

Começa a ocorrer a ocupação da área dos três córregos que formam a bacia do Anhangabaú, e a imagem do córrego acompanhada pela urbanização

1905

1924 O córrego itororó começa a ficar escondido no mapa pela urbanização e consolidação dos bairros do entorno e do sistema viário que o cruza por cima

1943

O projeto do plano de avenidas em fundo de vale já existe, e parte do córrego começa a ser canalizado para implementação de eixos e vias expressas

1952

Desapropriações ocorrem no entorno para possibilitar o projeto da avenida expressa anhangabaú que seria o grande marco do eixo rodoviário norte-sul

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A cidade cresce a partir do eixo do espigão da paulista e da ferrovia nos sentidos sul e leste rumo ao litoral. Córrego ainda mantinha o mesmo aspecto.


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1943 Essa sequência de imagens mostra a transição da imagem da cidade a partir do córrego itororó. Em 1943, é possível notar uma paisagem ainda agrícola, com o casarão da antiga vila itororó ao fundo. Os rios fundos de vale ainda possuíam um caráter natural.

1955 Em 1955, a cidade já circunda completamente o córrego itororó, e o projeto da avenida expressa define o traçado e a utilização das partes altas próximas ao vale. A imagem da cidade ao fundo explicita a mudança drástica que São Paulo sofreu em décadas.

1952 Já em 1952, são os últimos momentos em que o rio ainda é um motor de encontro, espaço lúdico para crianças e de coesão social, antes das obras e da mudança da função do natural em detrimento do rodoviarismo e do suposto progresso na figura do carro.

1962 Na sequência das próximas três imagens, fica claro como a década de 1960 marcou a transformação completa pela supressão do córrego itororó em via expressa, alterando e consolidando o rodoviarismo como motor de expansão urbana para a cidade de São Paulo.

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1963

1969 O ano de 1969 marca a finalização das obras da Av. 23 de maio e o início da circulação completa do trecho entre a Praça da Bandeira, no centro, e o Parque do Ibirapuera, ao sul, conectando e consolidando o eixo viário norte-sul imaginado desde o Plano de Avenidas.

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No passar de uma década, o rio foi completamente suprimido e levado ao esquecimento. E mais, o local que antes era de ponto de encontro, agricultura familiar de subsistência e suporte ecossistêmico se tornou o não-lugar do carro, do vazio e da falta de vitalidade.

1970 A década de 1970 explicita em São Paulo a mudança drástica que a cidade sofreu em poucos anos, e a Av. 23 de Maio mostra esse decorrer de eventos na urbanização da cidade a partir do esquecimento e supressão dos córregos urbanos em nome do carro.

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A marca do progresso pelo carro define a forma como as políticas urbanas trataram o ambiente natural da cidade, e o tamponamento e canalização dos rios e o avanço das obras escancaram a crueldade de um processo extremamente ofensivo ambientalmente.

1967


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1969

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A consolidação da cidade rodoviarista se deu de tal forma que os planos urbanísticos subsequentes, desde as políticas urbanas mais descoladas da realidade desigual da metrópole até os planos mais focados na busca por humana cidade mais humana trataram a questão da utilização dos fundos de vale como matéria morta, constante e de forma alguma recuperável. Até o Plano Diretor Estratégico de 2014, como será exposto adiante no estudo, possui diversos avanços em direção a uma cidade mais humana e justa e ainda assim trata da Av. 23 de Maio como eixo de estruturação baseado no uso do veículo e na possibilidade exclusiva do ônibus como vetor de transporte público. Os córregos, as memórias, novas possibilidades mais sustentáveis e conscientes não são centro de discussão, neste caso, das administrações municipais. Mas qual é a responsabilidade do arquiteto senão identificar os desiquilíbrios socioecológicos causados pela produção da cidade e imaginar futuros alternativos mais justos e que ressignifiquem a relação entre o urbano, as pessoas e a natureza? Esse é o papel da utopia.

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A imagem ao lado, ainda de 1969, é emblemática por marcar, já com as obras da Av. 23 de Maio em processo de finalização, os últimos momentos em que a avenida teve seu caráter humano e serviu como ponto para encontro social e utilização como espaço público com vida. Ainda que nesse ponto o Córrego Boa Vista, que segue da Av. Bernadino de Campos até encontrar o Parque do Ibirapuera, já estivesse tamponado e canalizado abaixo do nível da cidade e dos olhos das pessoas, é possível reparar nas crianças utilizando o espaço, brincando de bola, pessoas andando de bicicleta, desfrutando de um espaço público que em poucos meses não seria mais para eles, e sim para o fluxo de veículos. A partir deste ponto não se veria mais, salvo algumas raras exceções, a Av. Itororó, depois Av. Anhangabaú, e finalmente Av. 23 de Maio como um espaço para pessoas, um espaço com vitalidade e fruto de uma relação saudável entre ambiente natural e construído na imagem da construção da cidade de São Paulo. Desse marco em diante, não se ouviu mais falar dos rios, levando-os ao esquecimento.


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urbanismo das três ecologias

espaços de utopia

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4.3. O momento da utopia

ternativo de cidade a partir do corredor verde instalado no lugar da via expressa, no lugar do carro, recolo A utopia espaçotemporal cando a natureza e sua relação com abordada no terceiro capítulo de as pessoas de volta à superfície. forma teórica pode ser utilizada no caso da cidade de São Paulo, es- 4.3.1. pecificamente nos impactos da pro- Relações ambientais dução da cidade capitalista no meio ambiente natural e nos rios fundos O ponto de partida é a análide vale que permeavam a geogra- se dos impactos ambientais da polífia da cidade aos olhos de todas as tica rodoviarista que implantou a Av. pessoas. A partir da análise do de- 23 de Maio em detrimento dos córsenvolvimento geográfico desigual regos em fundo de vale que faziam da cidade de São Paulo e levando parte da imagem da cidade e da viem consideração suas caracterís- da das pessoas. Notoriamente, o ticas socioculturais, será possível esquecimento pela canalização e traçar os parâmetros de degrada- tamponamento dos córregos, bem ção nas três ecologias e, assim, por como desmantelamento das áreas meio da articulação ético-política da verdes agriculturáveis e dos pontos ecosofia será possível imaginar futu- de encontro no verdadeiro parque ros urbanos alternativos para a Av. que era formado pela área em mo23 de Maio pela sua ressignificação mentos de estiagem, com campos no Corredor Verde Itororó. de futebol e locais de passeio e es Esse projeto utópico dialé- tar conforme vistos nas imagens pré tico se baseará nos processos so- via expressa. Conforme mencionaciais que deram origem à situação do, a ecologia ambiental vai além atual tanto como parâmetro históri- desses impactos escancarados co, mas como ponto necessário de da produção capitalista da cidade ruptura da reprodução capitalista no e, nesse sentido, é importante samodo de se fazer cidade. A dialéti- lientar os aspectos insustentáveis, ca se completa pela representação em pleno século XXI, da quantidafísica do que seria esse modelo al- de de poluição do ar e também so-

capítulo 4 estudo de caso: são paulo


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urbanismo das três ecologias

capítulo 4 estudo de caso: são paulo

do, da incapacidade das pessoas andarem nas ruas sem distanciamento seguro e do risco de contato e contaminação. Nessa realidade é nítida a necessidade de uma releitura das relações ambientais na metrópole de São Paulo, e a Av. 23 de Maio é um símbolo da primazia do carro, do individual sobre o público, e isso precisa ser revisto, ressiginificado. 4.3.2. Relações sociais O desenvolvimento urbano de São Paulo por meio do sistema viário radial-perimetral trouxe impactos nas relações sociais em diversas camadas das vidas dos cidadãos da metrópole. O espraiamento característico do modelo desordenado de adensamento, bem como as políticas públicas que tinham como objetivo afastar a população de menor renda transformou a forma como as pessoas precisam se locomover no tecido urbano em busca de trabalho, educação, saúde, cultura. Essa desigualdade social evidente em São Paulo é notada também no desenho da cidade.

49

nora despejada pelo constante excessivo fluxo de veículos na atual Avenida. Como será destrinchado mais a frente, o número de veículos na via é um dos maiores da cidade, e, em contrapartida, praticamente não existem pedestres num ambiente que claramente não foi construído para eles. Ainda, esse desequilíbrio ecológico no ambiente construído da cidade abarca justamente a relação entre natureza e sociedade, que alcançou um nível insustentável. O homem passou por tanto tempo domando a natureza e a suprimindo que chegou num ponto de quebra em que essa dinâmica necessita ser revista para que se entenda o ambiente como igual e não como algo a ser dominado pela modernidade produzida pelo capitalismo da globalização. O ano de 2020 escancarou a necessidade por espaço, pelo espaço público de qualidade e com vitalidade. A pandemia global da Covid-19 trouxe uma nova realidade para a relação do planejamento urbano com a qualidade de vida das pessoas no ambiente da cidade. O ambiente urbano não pode ser o local da insegurança, do me-


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urbanismo das três ecologias

A pendularidade e a necessidade do transporte, bem como a preponderância do uso do carro fez com que o corredor norte-sul tivesse um caráter central de conexão na superfície entre periferia-centro, e a desigualdade social também se expressa nas horas que as pessoas precisam passar no transporte para realizar suas atividades diárias. Ainda nas relações sociais,o desenho da São Paulo desigual trouxe outra questão fundamental nos problemas socioecológicos do século XXI, o medo. O medo do outro, do público, passa em muito pelo individualismo expressado pelo rodoviarismo e pela necessidade de se possuir um carro. Esse afastamento forçado entre as pessoas e o descolamento das relações sociais do espaço público transformou a forma como os indivíduos se relacionam entre si no espaço privado e principalmente no espaço público. Esses desiquilíbrios nas relações sociais, entre outros tantos, são encontrados e constantemente reforçados na imagem da Avenida 23 de Maio, não apenas pelo seu caráter repressor enquanto via de fluxo e não de presença para pesso-

as, mas naquilo que segue faltando na necessária quebra de paradigma do modelo capitalista de se fazer a cidade e seus espaços públicos, porque são neles que a sociedade cresce e se molda diariamente. 4.3.3. Relações psicológicas No ponto das relações psicológicas, as políticas urbanas que transformaram os córregos em vias para carros e fluxos influenciaram em muito nos problemas psicológicos enfrentados por milhares de pessoas no ambiente da metrópole. A ansiedade e o stress gerados pelo trânsito constante e engarrafamentos quilométricos é apenas uma das vertentes mais claras de como impacto de uma avenida, em especial um eixo viário como a 23 de Maio pode causar no cerne da psicologia coletiva. As maiores doenças do século XXI são no seio das relações psicológicas, seja depressão, síndrome de burnout, entre outros males da mente, a pressão contínua e o ambiente de solidão e homogeneização potencializados pelo indi-

capítulo 4 estudo de caso: são paulo


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capítulo 4 estudo de caso: são paulo

4.3.4. Projetando revoluções urbanas Todas as questões levantadas pela análise ecosófica dos impactos do capitalismo da globalização traduziado na realidade paulistana nas políticas urbanas rodoviaristas e elitistas que marcaram a consolidação urbana da metrópole geram potenciais diretrizes para repensar a ótica hegemônica da produção do espaço em busca de outras maneiras de se pensar a relação das pessoas com o ambiente natural e urbano. Esse será o papel do ensaio de projeto utópico que trás à cena a Av. 23 de Maio como símbolo dessa quebra de paradigma. De símbolo do rodoviarismo paulistano e da destruição do ambiente natural de São Paulo a símbolo de uma mudança de pensamento e de tomada de ação em busca de uma cidade mais justa, humana e ecologicamente sustentável.

51

vidualismo do carro, ou a falta de contato e insuficiência do transporte público marcam o que a Av. 23 de Maio pode fazer para desequilibrar as relações subjetivas dentro das três ecologias. Essa massificação de costumes, de modos de viver, como é demonstrado na necessidade do uso do carro, de pertencer à sociedade do carro, é um produto do desenvolvimento capitalista na cidade, e essa reprodução acontece fisicamente por meio do rodoviarismo e das vias expressas. O processo social que espaçou a cidade, reforçou os núcleos urbanos desiguais e destruiu o ambiente natural dos córregos fundos de vale é o mesmo que levou à degradação da condição psicológica das pessoas dentro da cidade. Esse processo é a produção capitalista do espaço urbano e as características de degradação dentro dos três registros ecológicos estão enraizados na forma como a cidade cresce e é por isso que a ótica precisa ser quebrada, e repensada a partir do imaginário da utopia dialética entre o tempo e o espaço da metrópole.


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5. Corredor verde itororó

52

Lá na avenida e de volta ao córrego outra vez O projeto do Corredor Verde Itororó é baseado na necessidade da quebra de paradigma da forma de planejar e pensar a cidade de São Paulo, idealizando uma nova realidade para a atual Av. 23 de Maio. O princípio deste ensaio projetual é o de substituir a ótica rodoviarista por um espaço público que resgate a memória dos rios fundos de vale, em específico dos córregos itororó e boa vista, ao passo que forneça a possibilidade de um futuro alternativo para a metrópole paulistana. Nesse futuro, o uso do carro no local será bloqueado e um corredor verde com serviços ecossistêmicos entrará em seu lugar, com um espaço público para pessoas em reconexão com o ambiente. Haverá a oferta de transporte público via VLT de alta capacidade, substituindo a ideia do uso do carro, uma ciclovia e uma via pedestrianizada em meio ao reflorestamento e revitalização dos córregos pelo percurso inteiro. Juntamente, serão propostos espaços variados de estar e conexões aces-

síveis com o níveis superiores utilizando-se das próprias rampas que um dia pertenceram aos carros, readaptando-as para uso de pedestres e ciclistas. Desta forma, a reversão da ótica atual da utilização dos fundos de vale de fluxos para pessoas resultará numa revolução urbana em busca de um mundo mais sustentável, humano e democrático, com acesso à cidade e usufruto do espaço público qualificado e seguro em tempos da pandemia de COVID-19. Esse capítulo será estruturado pelos dados de localização, técnicos da situação atual que a avenida se encontra, bem como uma leitura urbana do seu percurso e do entorno. Em seguida, serão propostas as possibilidades projetuais para ressignificar a avenida em busca do córrego outra vez. 5.1. Dados e condição atual Nas páginas a seguir será apresentada a conjuntura da Avenida 23 de Maio atualmente, bem como dados que demonstram sua influência no modo de vida paulistano.

capítulo 5 corredor verde itororó


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Extensão: 5.500m

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início: praça da bandeira viaduto brigadeiro luís antônio e viaduto dona paulina viaduto jaceguaí viaduto condessa de são joaquim viaduto pedroso

viaduto beneficência portuguesa

viaduto paraíso viaduto santa generosa

viaduto tutóia

viaduto gen. marcondes salgado

Local: Av. 23 de Maio

passarela mattarazzo complexo de viadutos dos imigrantes

0

capítulo 5 corredor verde itororó

100

200

500

1000

vista viaduto antônio de carvalho

53

viaduto antônio de carvalho


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11.500

veículos por hora

00.002

pedestres por hora

pico máximo de fluxo de pedestres caminhando pelas calçadas da avenida

partículas poluentes participação de carros e motos no total de partículas liberadas no ar durante o dia. Proporcionalmente, o passageiro de carros emite 18.500 mg/pkm e o de motocicletas 13.500 mg/pkm, enquanto o passageiro de ônibus emite 4.800 mg/pkm

00.003

1.000.000

pico máximo de fluxo de veículos é atingido no período da manhã

54

84%

ciclistas por hora pico máximo de fluxo de ciclistas de pessoas é o número dentro da andando pela avenida é no perío- RMSP que foram diagnosticadas com depressão em 2017, cordo da tarde respondendo à 10% da população da região.

202km

2.200.000

de congestionamento foi pico de lentidão no fluxo de veículas na capital paulista de pessoas é o número dentro da RMSP que foram diagnosticadas com algum tipo de transtorno de córregos ansiedade em 2017, corresponesquecidos todos os dias abaixo dendo à mais de 20% da população da região. do nível da avenida 23 de maio

00.002

córrego boa vista comprimento: 1.500m

córrego itororó comprimento: 2.500m

tamponados e canalizados

capítulo 5 corredor verde itororó


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em são paulo

63%

das viagens de carro são realizadas num raio de 0-5km

km % 42

5 2,

0-

55

17%

2,5-5km

+10km

m

%

corredor verde itororó

5k

capítulo 5

12

8% 7,5-10km

7,

5-

21%


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zoneamento o zoneamento vigente para a avenida 23 de maio caracteriza e reitera o caráter de eixo de fluxo de veículos. o plano direitor de 2014 considera as quadras adjacentes como eixo de estruturação urbana, a partir de adensamento e uso misto

56

uso do solo a av. 23 de maio não possui logradouros, portanto, toda a sua extensão é voltada para o fundo dos terrenos do entorno, determinando seu afastamento do resto da cidade, desta forma, o uso do solo acaba variando, mas nunca se conectando com o local vegetação composta em parte por um projeto de paisagismo que contempla apenas 1,5km de extensão da via, com o resto apresentando praças subutilizadas e desconectadas da via e da cidade, a vegetação na via sempre foi negligenciada em favor dos carros hidrografia há dois córregos tamponados e canalizados na extensão da via: o córrego itororó, afluente do Anhangabaú; e o boa vista, que deságua no Ibirapuera. com o passar do tempo, os rios urbanos em são paulo desapareceram topografia há uma diferença de pelo menos 5 metros entre o nível da via e o topo do vale, podendo variar de acordo com o ponto analisado, o que dificulta a ligação da cidade com o local, em especial para pedestres, que não utilizam a via atualmente

1. Lei de zoneamento zona de uso misto zona de centralidade zona eixo de estruturação urbana foi considerado o padrão predominante de cada quadra analisada no projeto

2. Uso do solo misto pred. residencial misto pred. comercial pred. residencial comércio, serviços, inst. foi considerado o padrão predominante de cada quadra analisada no projeto

3. Vegetação massas verdes área de influências áreas verdes dispersas potencialmente conectadas pelo corredor verde

4. Hidrografia ibirapuera córregos massas de água do parque do ibirapuera são o destino do córrego boa vista. enquanto o itororó segue até o anhangabaú

5. Topografia curvas de nível as curvas de nível próximas ao corredor formando o funde vale para passagem dos córregos

capítulo 5 corredor verde itororó


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57

capítulo 5 corredor verde itororó


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5.2. Diretrizes

58

Corredor biótico e suporte à biodiversidade

Serviços ecossistêmicos, conexão de áreas verdes dispersas no tecido urbano e revitalização dos córregos canalizados

capítulo 5 corredor verde itororó


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Integrar a cidade social e espacialmente

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Espaço público qualificado que possibilita o encontro social com segurança, forneça espaços de estar e fluxos por transporte público

capítulo 5 corredor verde itororó


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águas

mobilidade • terminal intermodal • pontos de vlt • pedestres

• córregos revitalizados • lagoas pluviais • área volume flutuante

6 2

1

2

2

4

1

1 3

2

2

1

1

1

4

4 3

1 3

1 2 2 5

2

1

3 4

1 4

2

2

1

4

1 1 3 4

2 5

4 1 3

1

3 2

1

3

60

1

masterplan

a

b

c

d

e

Setorização 01 02 03 04 05 06 07

a Pç. das Bandeiras b Viadutos Brigadeiro/Dona Paulina c Viaduto Jaceguaí

Previsão de equipamentos

1

Espaços permanência

d Viaduto Pedroso e Viaduto Beneficência Portuguesa

2

Conexão bens tombados

3

Habitação

f Viaduto Santa Generosa g Viaduto Tutóia h Viaduto dos Imigrantes

4

Equipamento de saúde

5

Equipamento cultural

6

Equipamento educacional

5.3. Programa e setorização

capítulo 5 corredor verde itororó

1 1


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vegetação • corredor verde • biodiversidade • recuperação ambiental

3 2

1

conectores • rampas de acesso • viadutos • passarelas

3

1 1

2

1

4

1

1

2 4 1

3

4

2

2

1

1

2

1

61

1 1 3 4

f

3

2

1

g

h

Programa

capítulo 5 corredor verde itororó

1

Terminal Intermodal

1

Córregos

1

Rampa de acesso

1

Biodiversidade

2

Ponto de VLT

2

Lagoa Pluvial

2

Viaduto

2

Agricultura Urbana

3

Ciclovia

3

Leito Raso

3

Passarela

3

Canteiro Pluvial

4

Via Pedestrianizada

4

Pontilhão

4

Escadaria

4

Mata Remanescente


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5.4. Projeto O ponto de partida é apresentado, após a setorização e programa, indicando os fluxos atuais e as novas proposições, levando em consideração a diferença de níveis entre o fundo do vale,

atualmente isolado, e o resto da cidade. O diagrama mostra também os pontos em que o trânsito para veículos será totalmente interrompido, sendo substituído pelo VLT de alta capacidade.

Fluxo de veículos

Viadutos existentes

Os córregos correrão

apenas para Av. 9 de Julho conectando com a Av. Prestes maia

ganham a função de conectar as alturas diferentes da cidade para o corredor

seu caminho original, e as pessoas terão outra relação com a natureza e entre si

Novas passarelas

conectando o terminal de ônibus na Pç. da Bandeira, o VLT de alta capacidade do Corredor Verde e a avenida

adicionarão pontos de passagem e conexão entre níveis e lados opostos

62

Terminal intermodal

passarelas conectores viadutos trânsito

A ciclovia possibilita-

A ciclovia possibili-

rá o fluxo via mobilidade ativa, especialmente nos 63% de viagens realizadas até 5km.

tará o fluxo via mobilidade ativa, nos 63% de viagens realizadas até 5km.

capítulo 5 corredor verde itororó


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A ciclovia possibilitará o fluxo via mobilidade ativa, nos 63% de viagens realizadas até 5km.

63

Substituição da matriz de mobilidade

As passarelas facilitarão o acesso para todos ao transporte, bem como para aproveitar o corredor

Fluxo de veículos da Av. Rubem Berta será redirecionado para a Av. Ibirapuera e Sena Madureira.

É esperado que o fluxo diário seja substituído pelo VLT nas viagens de 0-10km, sendo que existe a possibilidade da mobilidade ativa via ciclovia e via pedestrianizada. O fluxo para viagens

capítulo 5 corredor verde itororó

11.500

veículos nos horários de pico

80.000

média de veículos diariamente

10.000 10.000

pessoas: capacidade do VLT

20.000

pessoas por hora no VLT

pessoas por sentido por hora

mais longas (17%) será absorvido pelo resto da cidade. Essa quebra de paradigma se torna realidade por meio do espaço qualificado e substituição da matriz de mobilidade


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5.4.1 Setor 01

64

O primeiro setor tem início na Praça da Bandeira, no centro da cidade, e parte do bloqueio total de veículos a partir da bifurcação entre a Av. 23 de maio e a Av. 9 de julho. O terminal de ônibus é convertido em intermodal, com a presença do ponto final do VLT que percorre o corredor verde. Ainda, as pontes que ligam os lados da cidade separados pela via expressa podem ser desmontadas, bem como o viaduto que liga a Av. 9 de julho ao Vale do Anhangabaú. No local do terminal, ainda, se-

rá prevista uma grande praça, com áreas de permanência e uma lagoa pluvial que evitará os contínuos alagamentos que acontecem no local. Além disso, é o ponto de partida do córrego itororó, destamponado e revitalizado, que se relaciona com as áreas verdes e pontos de uso público verdes, bem como a ciclovia e vias pedestrianizadas dos dois lados do corredor. Os edifícios-garagem que fazem frente privilegiada à atual avenida podem ser propostos como habitação de interesse social. Ficha Técnica - Início: Praça da Bandeira - Final: Viaduto Dona Paulina - Extensão: 525,00m Programa 1 3 4 1 2 4 2 4 1 3

Terminal Intermodal Ciclovia Via Pedestrianizada Córrego Lagoa Pluvial Pontilhão Viaduto Escadaria Biodiversidade Canteiro Pluvial

capítulo 5 corredor verde itororó


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Equipamento de Saúde reutlização das áreas dos viadutos brigadeiro luís antônio e dona paulina para equipamento de saúde de pequeno porte.

HIS retrofit dos únicos edifícios que dão frente ao corredor. ambos são edíficios-garagem.

Início corredor verde lagoa pluvial conectada ao córrego itororó revitalizado. áreas de permanência e mobilidade ativa.

Pç. da Bandeira

65

novamente sendo utlizada como praça conectando dois lados da cidade.

Terminal intermodal conexão entre a rede de ônibus e o VLT de alta capacidade

implantação

capítulo 5 corredor verde itororó


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corte transversal

corte longitudinal

capítulo 5 corredor verde itororó


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vista praça da bandeira

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5.4.2. Setor 02

68

O segundo setor começa após o viaduto dona paulina, e tem como característica o aproveitamento do espaço deixado pelas bolsões de acesso à radial leste para desenvolvimento da cultura de agricultura urbana dentro da metrópole, a partir de uma área extensiva de cultivo de alimentos orgânicos, uma escola de agroecologia e o estímulo ao consumo e economia sustentáveis. Além disso, o córrego continua seu trajeto pelo fundo do vale, proporcionando espaços de convivência,

fluxos de pedestres e ciclistas. Outro ponto do projeto é distribuição da via pedestrinazada pelos dois lados do corredor, além do centro, para que as pessoas tenham diversas possibilidades de explorar o caminhar e a experiência de viver a cidade num espaço que era reservado ao carro. O setor termina justamente no viaduto que a radial leste continua passando, aumentando ainda mais o contraste entre um espaço para as pessoas e um espaço para o rodoviarismo. Ficha Técnica - Início: Viaduto Dona Paulina - Final: Viaduto Jaceguaí - Extensão: 575,00m Programa 3 4 1 3 4 1 2 1 2 3

Ciclovia Via Pedestrianizada Córrego Leito Raso Pontilhão Rampa de acesso Viaduto Biodiversidade Agricultura Urbana Canteiro Pluvial

capítulo 5 corredor verde itororó


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Agricultura urbana reutlização das áreas dos bolsões de acesso de veículas para estimular agricultura urbana e um ciclo sustentável e democrático do uso do espaço público.

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Espaço público uso do espaço para estimular a convivência e troca de experiências, bem como a mobilidade ativa e economia sustentável

Aprendizado espaços abertos de ensino e sustentabilidade.

implantação

capítulo 5 corredor verde itororó


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corte transversal

corte longitudinal

capítulo 5 corredor verde itororó


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71

vista viaduto jaceguaí

capítulo 5 corredor verde itororó


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5.4.3. Setor 03

72

O terceiro setor tem início no viaduto jaceguaí e continua até o viaduto pedroso, e este trecho possui algumas particularidades que fazem com que ele possa se conectar de diversas formas do fundo do vale ao resto da cidade. Primeiramente, o córrego itororó mantém seu curso, e com ele as possibilidades de experimentar o espaço público, juntamente com as vias para mobilidade ativa e o VLT de alta capacidade. Logo no início do trecho, há o ponto para o VLT, bem como rampas de acesso

que vem da ressignificação das alças para veículos e sua adaptação para o uso do pedestre. Pela diferença nas alturas do vale da cidade, duas passarelas são dispostas no trecho para conectar ruas que terminavam na quadra vizinha à antiga avenida. Além delas, existe a conexão com a Vila Itororó, tombada e utilizada como equipamento cultural. Do lado da Rua Vergueiro, é possível utilizar as passarelas ainda para conectar o uso do vlt e do corredor com estações do metrô. Ficha Técnica - Início: Viaduto Jaceguaí - Final: Viaduto Pedroso - Extensão: 775,00m Programa 2 3 4 1 4 1 2 3 1 4

Ponto de VLT Ciclovia Via Pedestrianizada Córrego Pontilhão Rampa de acesso Viaduto Passarela Biodiversidade Mata Remanescente

capítulo 5 corredor verde itororó


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Acessos e pontos de VLT uso das rampas adaptadas para pedestres e acesso aos pontos de VLT.

Conectores urbanos espaços de conexão com bens culturais e outros modais de transporte, como o metrô

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Passarelas

capítulo 5 corredor verde itororó

uso do espaço para estimular a convivência e troca de experiências, bem como a mobilidade ativa

Espaços públicos conectados

implantação

ativar os espaços de convivência existentres no percurso do corredor com equipamentos culturais existentes


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corte transversal

corte longitudinal

capítulo 5 corredor verde itororó


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vista passarela pedroso

capítulo 5 corredor verde itororó


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5.4.4. Setor 04

76

O quarto setor começa a partir do viaduto pedroso e avança até o viaduto da beneficência portuguesa. Além da continuidade do fluxo do córrego itororó e das vias de mobilidade ativa, locais de permanência e uso saudável do espaço público são dispostos nas margens do seu leito, e há ainda a presença de mais um ponto para o VLT de alta capacidade. Esse trecho apresenta uma característica importante do projeto, que é a incorporação de áreas verdes ociosas dispostas na constru-

ção da avenida 23 de março, que possuem ainda resquícios de mata remanescente e podem se conectar com o contexto do corredor verde. Assim, terrenos ociosos e pequenas praças podem ser revitalizadas e incorporadas. Ainda, outra passarela é proposta no trecho, conectando uma rua sem saída do lado da Rua Vergueiro a um terreno de um antigo estacionamento na Rua Maestro Cardim. Importante ressaltar que todas as passarelas tem acesso ao corredor por escadas e elevadores. Ficha Técnica - Início: Viaduto Pedroso - Final: Viaduto Beneficência Pt. - Extensão: 650,00m Programa 2 3 4 1 4 1 2 3 1 4

Ponto de VLT Ciclovia Via Pedestrianizada Córrego Pontilhão Rampa de acesso Viaduto Passarela Biodiversidade Mata Remanescente

capítulo 5 corredor verde itororó


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Espaços lúdicos o desenho da via pode abrir espaços para diferentes idades e funções sociais

Biodiversidade reaproveitamento de espaços ociosos para desenvolvimento de novas áreas verdes e potencialização do corredor verde como gerador de biodiversidade no ambiente urbano

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Espaços de permanência o desenho das áreas verdes do corredor e da via de pedestres abre espaços de convivência

implantação

capítulo 5 corredor verde itororó


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espaços de utopia

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corte transversal

corte longitudinal

capítulo 5 corredor verde itororó


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vista passarela vergueiro

capítulo 5 corredor verde itororó


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5.4.5. Setor 05

80

O quinto setor se inicia no Viaduto da Beneficência Portuguesa e vai até o Viaduto Santa Generosa, se conectando com o grande fluxo de pessoas que atravessa a Rua Vergueiro e a região da Avenida Paulista. Neste ponto o corredor itororó encontra seu fim, ou na realidade, sua nascente, aos pés do espigão. Nesse ponto, é proposta mais uma lagoa pluvial, com contato direto das pessoas com a água, além da continuação da via pedestrianizada e ciclovia, bem como das áreas verdes

do corredor. Ainda, é proposto mais um terminal intermodal, conectando o alto fluxo de pessoas de duas linhas do metrô (verde e azul) ao VLT de alta capacidade. Outro ponto é a possibilidade de conexão do Centro Cultural São Paulo, um dos equipamentos culturais mais importantes da cidade, com o corredor verde. A própria arquitetura do Centro Cultural já tem a possibilidade de vencer o desnível e propor a conexão entre o fundo do vale e o resto da cidade de forma. Ficha Técnica - Início: Viaduto Beneficência Pt. - Final: Viaduto Santa Generosa - Extensão: 750,00m Programa 1 3 4 1 2 4 1 2 4 1

Terminal Intermodal Ciclovia Via Pedestrianizada Córrego Lagoa Pluvial Pontilhão Rampa de acesso Viaduto Escadaria Biodiversidade

capítulo 5 corredor verde itororó


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Pontilhões

Equipamentos conectores

possibilidade de uso das vias pedestrianizadas em diversos caminhos e conexões pelo corredor

utilização do centro cultural são paulo como um equipamento que conecte o nível da cidade e do fundo do vale

Pontos de VLT

Praças e conexões utilização das praças próximas ao corredor como elemento de conexão e acesso ao terminal intermodal

Espaços de estar

conexão do alto fluxo de pessoas no metrô (linhas azul e verde) com o VLT de alta capacidade

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distribuição pelo percurso e próximos ao acesso por rampas ou passarelas implementadas

Terminal intermodal

ao leito do córrego é possível vivenciar e reinterpretar a relação das pessoas com a água em espaços com arquibancadas, leitos rasos e postos efêmeros a depender do nível do córrego

capítulo 5 corredor verde itororó

Nascente do córrego início do córrego itororó aos pés do espigão da paulista, gerando um espaço de convivência

implantação


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espaços de utopia

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corte transversal

corte longitudinal

capítulo 5 corredor verde itororó


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vista centro cultural são paulo

capítulo 5 corredor verde itororó


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5.4.6. Setor 06

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O sexto setor marca a nascente do córrego boa vista, e o ponto de partida do seu destamponamento e revitalização aos moldes do córrego itororó. Ponto importante da proposta do corredor, a incorporação de massas arbóreas dispersas em pequenas praças degradas, provenientes dos bolsões de acesso à 23 de maio, terá papel importante no desenho deste trecho. Pela largura menor do corredor nesta altura, as praças fazem o papel de distribuição da biodiversidade, bem como dire-

cionam os pontos de abertura dos espaços de permanência e de maior contato com o córrego. Ainda, pela presença de vias com uma diferença menor de nível do que nos trechos mais ao centro de São Paulo, não haverá a necessidade de passarelas, sendo mais importante a distribuição de pontilhões que conectem os dois lados do vale, bem como rampas de acesso que antes eram utilizadas pelos carros. Desta forma, a possibilidade de caminhos e usos diversos continua presente. Ficha Técnica - Início: Viaduto Santa Generosa - Final: Viaduto Tutóia - Extensão: 1.025,00m Programa 2 3 4 1 4 1 2 1 3 4

Ponto de VLT Ciclovia Via Pedestrianizada Córrego Pontilhão Rampa de acesso Viaduto Biodiversidade Canteiro Pluvial Mata Remanescente

capítulo 5 corredor verde itororó


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Boa vista nascente do córrego boa vista proporciona espaços de estar e acaba desaguando no parque do ibirapuera.

Biodiversidade praças subutilizadas e criadas pelos bolsões de acesso à avenida 23 de maio podem ser integradas no contexto do corredo

Conectores em nível nas áreas em que a diferença de nível para o vale é menor, é possível criar passagens niveladas e integradas com as ruas do entorno

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Espaços de estar essas praças podem ser revitalizadas pela integração com o corredor e seu uso pode ser estimulado como mais um espaço de coesão social

Papel dos pontilhões a conexão das vias pedestrianizadas pode ser realizada em nível pelos pontilhões distibuídos em pontos de maior fluxo de pessoas

capítulo 5 corredor verde itororó

Conectores de vazios ruas sem saída e vazios urbanos podem se conectar ao contexto do corredor verde para estimular diferentes caminhos e usos

implantação


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corte transversal

corte longitudinal

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vista viaduto rua cubatão

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5.4.7. Setor 07

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O sétimo setor marca o final do córrego boa vista e a chegada do corredor verde no Parque do Ibirapuera. O Parque será o grande motor da geração de biodiversidade pelo percurso do corredor que será o conector das manchas verdes dispersas pelo cruzamento da antiga avenida 23 de maio. Outro ponto importante é a presença do terminal intermodal que ligará o transporte do VLT de alta capacidade com o sistema de ônibus da avenida Moreira Guimarães. O local marca também

o outro ponto de bloqueio da entrada de veículos na área do corredor, e o seu desvio para todas as avenidas adjacentes. Ainda, será importante a conexão as áreas de permanência e usufruto do espaço público com os equipamentos culturais e de lazer presentes no Parque do Ibirapuera, potencializando a convivência e a diversificação de usos dentro do perímetro do parque e do corredor verde. Esse trecho fecha o propósito de reimaginar uma São Paulo mais igualitária e humana. Ficha Técnica - Início: Viaduto Tutóia - Final: Viaduto dos Imigrantes - Extensão: 1.200,00m Programa 1 2 3 4 1 2 4 1 2 1

Terminal Intermodal Ponto de VLT Ciclovia Via Pedestrianizada Córrego Lagoa Pluvial Pontilhão Rampa de acesso Viaduto Biodiversidade

capítulo 5 corredor verde itororó


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Caminhos ainda que na chegada ao parque os caminhos fiquem reduzidos pela largura do corredor, os pontilhões ainda proporcionam diversas possibilidade de usos e percursos

Terminal intermodal o terminal intermodal no último setor liga o VLT ao sistema de ônibus da avenida moreira guimarães, complementando a mobilidade pela cidade

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Biodiversidade marca do ínicio do papel potencializador da biodiversidade do corredor verde a partir do parque do ibirapuera

Coesão social Relações ambientais as massas d’água e espaços verdes tem o potencial de ressignificar a relação das pessoas com a natureza e o ambiente da cidade

capítulo 5 corredor verde itororó

espaços de permanência do corredor se conectam aos do parque, proporcionando o uso qualificado do espaço público de forma democrática

implantação


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corte transversal

corte longitudinal

capítulo 5 corredor verde itororó


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vista mac-usp

capítulo 5 corredor verde itororó


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5.5 2000 e?

1930

1940

1950

1960

1970

2000

capítulo 5 corredor verde itororó


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capítulo 5 corredor verde itororó

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2000 e?


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Considerações finais Como não pensar em futuros alternativos ideais, utópicos, quando a realidade de tantas pessoas é tão cruel nas grandes cidades do século XXI? O papel da utopia como metodologia de projeto é de grande valia para ressignificar a forma como a sociedade usufrui do espaço urbano. As três ecologias, das relações ambientais, sociais e subjetivas podem ser a ferramenta que conecta diversos aspectos da ocupação humana nos grandes núcleos urbanos e evidencia o papel dos cidadãos para com a natureza e com a sua própria natureza. Repensar e agir é preciso, sonhar pode se tornar a coisa mais lógica quando tantos se veem presos num círculo vicioso de desigualdade e injustiça social dentro das grandes cidades. A ecosofia, aliada à teoria dos desenvolvimentos geográficos desiguais e a utopia dialética oferecem uma nova perspectiva para repensar velhos e recorrentes problemas da produção capitalista da cidade. Pela própria consolidação de modelo de cidade, em especial na segunda metade do século XX até os dias atuais, a situação das cidades brasileiras parece ser imu-

tável, uma mudança drástica inatingível, e administração após administração, a cidade desempenha papel fundamentos no agravamento e solidificação de desigualdades. Por esta razão a utopia, por isto que mirar o horizonte e caminhar pode ser a saída para o pensamento progressista reinventar a forma como as pessoas se relacionam com o ambiental natural e urbano, pensamento este que esbarra nos muros da cidade moderna, da cidade dos carros, da cidade desumana. O papel do presente estudo foi justamente sonhar, se libertar das amarras que prendem tanto o pensamento conservador quanto o mais progressista ao triste destino aparentemente imutável da cidade capitalista. Esse modelo de cidade não pode vencer, não pode ser eterno. Ao redor do mundo, diversos países repensam a forma como exploram a natureza e buscam soluções para uma convivência mais harmoniosa, que identifica o ambiente natural como igual, e não como mais um fator a ser dominado pela presença humana. Dentro da escala da cidade, na cidade de


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de na mudança de paradigma entre os seres humanas e o ambiente natural e construído, ainda que o estudo seja apenas um ensaio, e a utopia enseje algo mais drástico, o objetivo foi mostrar o papel do projeto enquanto ferramenta de mudança ambiental, social e psicológica dentro de uma metrópole como São Paulo. A realidade é dura demais para não sonhar, e por isso a utopia nunca deixará de ser importante.

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” Não deixemos de caminhar...

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São Paulo, a consolidação da cidade dos carros precisava há tempos ser reimaginada, por isso o foco deste ensaio de projeto ter sido algo tão representativo e disruptivo quanto o corredor verde Itororó, justamente sobre a avenida mais movimentada da capital paulista. O papel do arquiteto também é sonhar, é de responsabilidade da profissão reconhecer os erros de décadas de um urbanismo retrógrado e buscar soluções necessariamente drásticas, ainda que dentro do campo das ideias, pois a vida de milhões de pessoas é drástica, e planejamento urbano é fator importante nessa equação. O Corredor Verde Itororó foi uma tentativa de mostrar que é possível e é necessário dar um passo além, reverter a lógica que consolidou São Paulo como a cidade mais rica e também uma das mais desiguais do Brasil, e essa tarefa pede uma dose de utopia. Pessoas no lugar dos carros, trens sustentáveis no lugar de ônibus que poluem, córregos e corredores verdes no lugar do asfalto. O presente estudo foi a tentativa de reimaginar o papel da cida-


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espaços de utopia


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Fontes de dados Fonte 01. Disponível em: http://emissoes.energiaeambiente.org.br/ Fonte 02. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/ar padroes-de-qualidade-do-ar/ Fonte 03. Disponível em: http://www.cetsp.com.br/media/228058/2012%20%20volumes%20e%20velocidades.pdf

Fonte 04. Disponível em: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/ zona-mista-zm/ Fonte 05. Disponível em: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/ parametros-de-parcelamento-uso-e-ocupacao-do-solo/ Fonte 06. Disponível em: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx#wweq

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Imagens 01. Disponível em: http://www.acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/PORTALACERVOS/ResultadosBusca.aspx?ts=s&q=av.+23+de+maio 02. Disponível em: http://www.acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/PORTALACERVOS/ResultadosBusca.aspx?ts=s&q=av.+23+de+maio 03. Disponível em: http://www.acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/PORTALACERVOS/ResultadosBusca.aspx?ts=s&q=av.+23+de+maio 04. Disponível em: http://www.acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/PORTALACERVOS/ResultadosBusca.aspx?ts=s&q=av.+23+de+maio 05. Disponível em: http://www.acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/PORTALACERVOS/ResultadosBusca.aspx?ts=s&q=av.+23+de+maio 06. Disponível em: http://www.acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/PORTALACERVOS/ResultadosBusca.aspx?ts=s&q=av.+23+de+maio 07.- 08. http://www.saopauloinfoco.com.br/ avenida-mais-famosa-centro-historia-da-23-de-maio/ 09. - 15. Google Maps: recorte do autor



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