Art Inspiration vol. II ano I - Rodrigo Motta

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rodrigo motta



OBRAS DE ARTE CURADORIA TEXTOS TRADUÇÃO FOTOGRAFIA EDIÇÃO PROJETO GRÁFICO CAPA PRODUÇÃO GRÁFICA E EDITORAÇÃO

RODRIGO MOTTA ADRIANA SCARTARIS OSCAR D’AMBROSIO DAWN TAYLOR JULIANO ROSSETTI ADRIANA SCARTARIS COLETIVO 284 BRASIL ADRIANA SCARTARIS GABI ANDRADE

TODOS OS DIREITOS DESTA EDIÇÃO RESERVADOS A RODRIGO MOTTA

ART


“Tal qual o símbolo SANKOFA, dos povos Akan, grupo étnico da Costa do Marfim e Gana, que significa: “nunca é tarde para voltar a apanhar o que ficou para trás”, iniciei minha busca pela minhas origens, para o entendimento de minha ancestralidade. Essa curiosidade me levou à retratar os povos originários e à mergulhar nesse universo fascinante das diversas etnias indígenas e povos africanos, culminando na construção deste livro. Dedico este, primeiramente à minha esposa Camila e filhas, Luisa e Julia, que por vezes, acabaram ficando com minha ausência em prol de minha presença para comigo mesmo, em meu transe artístico. Obrigado aos meus pais, Antonio Clovis e Ana, que enxergaram em mim, quando pequeno, esse potencial e hoje vejo e procuro fazer com minhas filhas, o mesmo. Afinal, bons exemplos precisam ser passados… Agradeço minha curadora deste livro, Adriana Scartaris, que acreditou nele e assinou este projeto, ao Oscar D'ambrosio que contribuiu com sua pesquisa e escrita. Ao fotógrafo que registrou minha produção, Juliano Rossetti e à tradutora Dawn Taylor. Obrigado às empresas que acreditaram e participaram para o aporte financeiro para este projeto e incentivam a cultura e a arte, fundamental para nosso desenvolvimento emocional. Obrigado às pessoas que passaram e passam pela minha vida e que contribuem para que eu possa melhorar minha criatividade e técnica, constantemente… Como diz o provérbio africano, “se quiser ir mais rápido, vá sozinho… Mas se quiser ir mais longe, vá acompanhado.”A todos os envolvidos, a minha eterna gratidão!


Embodying the symbolism of the term SANKOFA of the Akan people, an ethnic group from Côte d'Ivoire and Ghana, meaning "it is never too late to go back for what you have left behind," I began searching for my roots, for a better understanding of my ancestry. This exploration initially led to my portraits of Indigenous peoples and then to my dive into the fascinating universe of various Indigenous and African peoples, culminating in this book's creation. First and foremost, I dedicate this work to my wife, Camila, and daughters, Luisa and Julia, who often dealt with my absence so that I could be present for myself in my artistic trance. I also thank my parents, Antônio Clovis and Ana, who saw this potential in me from a very young age and taught me to do the same today with my daughters. After all, good examples should always be passed down to others... l am also grateful to the curator of this book, Adriana Scartaris, who believed in this work and signed on the project; Oscar Dambrosio, who contributed with his research and writing; Juliano Rossetti, the photographer who registered my work onto these pages; and Dawn Taylor, its translator. Thank you to the companies that believed and participated in providing financial support for this project and to encouraging culture and art, fundamental to our emotional development. Thank you to those who have been and still are a part of my life and constantly contribute to improving my creativity and technique... As the African proverb states, "If you want to go fast, go alone... But if you want to go far, go together." My eternal gratitude to all involved!


ORIGENS

“Origens” apresenta um conjunto de obras visuais do criador visual e cirurgião plástico Rodrigo Motta. Nascido em Ibitinga, interior do Estado de São Paulo, em 1975, viveu, quando criança, em algumas cidades paulistas, mas foi em Araras, SP, aos 11 anos, que se apaixonou pela arte. Iniciou então, um curso de pintura a óleo e teve o primeiro contato com as telas. Mais tarde, escolheu a Medicina como profissão e não teve dúvidas, desde o início dos estudos, que a cirurgia plástica seria a sua especialidade por proporcionar justamente esse diálogo entre a estética e a arte. Os desenhos eram usados como forma de estudar diversas disciplinas e, nesse período, chegou a realizar alguns trabalhos abstratos com tinta acrílica e texturas sobre tela. Entretanto, naquele momento, essa atividade artística era apenas um hobby. Foi em 2017 que iniciou o desafio de retomar às suas pinturas para decorar seu novo consultório médico e, durante 2020, encontrou nas atividades manuais das artes uma forma de meditação. Rodrigo Motta realizou então a exposição virtual “Pandemia" e hoje tem nas artes visuais uma segunda profissão. Vem mostrando assim o seu trabalho, a partir de 2020, em diversas exposições individuais e coletivas em locais como o Shopping Iguatemi, o SESI e o Legato, um espaço de coworking em São José do Rio Preto, SP, cidade onde reside; na ArtLab Gallery de São Paulo, SP, na Boomer Gallery, de Londres, Inglaterra, e no Ribeirão Shopping e Shopping Santa Úrsula de Ribeirão Preto, SP.


As suas obras, como mostram os trabalhos reunidos neste livro, com foco nos povos indígenas brasileiros e africanos, parte do realismo figurativo e, além de serem resultados do aprendizado e do aprimoramento técnico da pintura, apresentam experiências que somam ações relacionadas com uma pintura mais acadêmica e tradicional com a inserção de tecidos e objetos que propiciam profundidade e tridimensionalidade às criações. Uma proposta que este livro aprofunda é o entendimento da pesquisa visual do artista como um amplo convite ao toque por parte do público e também à sensibilização das pessoas para assuntos de relevância ambiental, social, étnica e cultural, entendendo a arte contemporânea como uma reflexão, com diversos materiais, sobre as “Origens” do mundo e da sociedade em que vivemos. Oscar D’Ambrosio

«Procuro expressar em minhas obras, o realismo figurativo e interagir tecidos e objetos trazendo profundidade e tridimensionalidade em meus trabalhos. Um convite ao toque e sensibilizando as pessoas para temas de relevância ambiental e cultural. Mantenho-me sempre buscando na arte.»


ORIGINS “Origins” presents a collection of works by visual artist and plastic surgeon Rodrigo Motta. Born in 1975 in Ibitinga, a city in central São Paulo, as a child, Motta lived in several cities throughout the state, including Araras, where he fell in love with art at age 11. At that time, he began taking oil painting classes and had his first personal contact with a canvas. Years later, he chose to practice Medicine and specialize in plastic surgery since he felt this path would allow him to maintain a dialog between aesthetics and art. During this period, Motta used drawings to study for his various courses and created a few abstract works using acrylic paints and textures on canvas. Nevertheless, he still viewed this artistic activity as merely a hobby at that point in his life. In 2017, however, all that would change as Motta began to feel compelled to return to painting to give the décor of his new medical clinic a personal touch. A few years later, in 2020, he realized that the manual activity, the act of creating visual works, had become a form of meditation for him. That same year, with the world coming to a halt due to COVID-19, Motta set up a virtual exhibition titled “Pandemic” and found a second calling within the visual arts. Since then, Motta has exhibited his works in several individual and collective shows in venues that have ranged from Shopping Iguatemi, SESI, and Legato, a coworking space (São José do Rio Preto, São Paulo, where he currently resides); the ArtLab Gallery (city of São Paulo); Ribeirão Shopping and Shopping Santa Úrsula (Ribeirão Preto, São Paulo); and the Boomer Gallery (London, England).


Motta's art, as seen in the collection found in this book, focuses on figurative realist images of Indigenous Brazilian and African peoples, which, in addition to epitomizing the results of Motta's continuous learning and technical refinement, represent experiments between a more academic and traditional style of painting and the use of fabrics and objects to add depth and a 3D dynamic to his creations. This book proposes to provide an in-depth understanding of the artist's visual study as an open invitation to the public to interact with and touch his works, as well as make the public more aware of matters of environmental, social, ethnic, and cultural relevance by understanding contemporary art through miscellaneous materials, as a reflection on the “Origins” of the world and of the society in which we live. Oscar D’Ambrosio

“I seek to express figurative realism in my works, interacting with fabrics and objects that give depth to my pieces and invite viewers to touch the work. This three-dimensionality helps sensitize people to environmentally and culturally relevant topics. In my art, I am always searching.”


CACIQUE TIBIRIÇÁ

Integrante da décima-oitava geração do cacique Tibiriçá e da índia Potira, Rodrigo Motta, com este trabalho fundamenta a sua jornada visual pelos povos indígenas. A sua pesquisa o leva a buscar um entendimento mais amplo do significado dessas r a í z es e c o mo e l a s po d e m s e r m a n i fes t a r plasticamente. O grafismo feito nesta obra, por exemplo, significa proteção masculina.

Tibiriçá, líder do povo indígena Guaianá, que habitava o Planalto Paulista, no século XVI, quando os portugueses chegaram ao Brasil, converte-se ao cristianismo e foi batizado pelos padres jesuítas José de Anchieta e Leonardo Nunes como Martim Afonso Tibiriçá, sendo os dois primeiros nomes em homenagem ao fundador de São Vicente.


Aliado dos portugueses em diversos conflitos, Tibiriçá concedeu ao colonizador luso João Ramalho a sua filha, Bartira, em casamento. Junto com os jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, teria fundado, em 1554, o Colégio dos Jesuítas e a cidade de São Paulo, sendo que a sua aldeia, Inhapuambuçu, também chamada de Piratininga, estava estabelecida onde é hoje o Mosteiro de São Bento, bem no centro da Capital paulista. A área foi atacada por outros povos indígenas que não concordavam com a aproximação de Tibiriçá dos colonizadores e, embora tivesse sido alertado para que reconsiderasse sua posição a favor dos portugueses e se juntasse na defesa de seus irmãos, preferiu manter seu posicionamento e proteção aos lusos.


Tibiriçá defendeu a Vila e os jesuítas, em 1562, no episódio conhecido como Cerco de Piratininga. Entrou em combate contra outros povos indígenas e saiu vitorioso da batalha. Em 25 de dezembro daquele mesmo ano, faleceu. Seu corpo foi sepultado na igreja dos jesuítas e, hoje, seus restos mortais repousam na cripta da Catedral Metropolitana de São Paulo, na Praça da Sé. Nesse contexto, Tibiriçá, antepassado do artista paulista, pode ser visto como um símbolo e homenagem a todos os indígenas brasileiros. Ele tem uma especial relevância pelo papel na fo r m a ç ã o d e i m p o r t a n te s v i l a s e povoados que mais tarde se transformaram em importantes cidades paulistas e brasileiras, como São Paulo, Santo André e São Vicente. Assim, ele c o n h e c e u o L i to r a l e o P l a n a l to , percorrendo uma região na qual ajudou a fundar, povoar e desenvolver.


Cacique Tibiriçá Série Raízes | acrílica sobre acrílico, costura de cocar indígena (feito de penas de aves recolhidas na natureza, recebido por um indígena Pataxó de um antepassado), rosto de silicone e iluminação em led | 99,7 x 48 x 15cm | 2022

Cacique Tibiriçá Série Raízes | acrílica sobre acrílico, costura de cocar indígena (feito de penas de aves recolhidas na natureza, recebido por um indígena Pataxó de um Chief Tibiriçá antepassado), rosto de silicone e iluminação em led | 98 x 48 cm | 2022

Roots Series | acrylic paint on acrylic, Indigenous Brazilian headdress sewing (with feathers collected from birds in nature, received by a member of the Pataxó nation from an ancestor), silicone face and LED lighting | 99,7 x 48 x 15cm | 2022


CHIEF TIBIRIÇÁ

As a member of the 18th generation of Chief Tibiriçá's and his wife Potira's lineage, with this work, Rodrigo Motta underpins his visual journey through Indigenous nations. Motta's study leads the viewer to search for greater meaning in these roots and better understand how these roots manifest through art. The graphics used in this work, for example, represent male protection. Tibiriçá was a leader of the Guaianá Nation, which inhabited the region of the state of São Paulo called the Paulista Plains. This area was located between the state's coastal mountains and the city of Campinas in the 16th century when the Portuguese arrived in Brazil. Tibiriçá converted to Christianity and was baptized by José de Anchieta and Leonardo Nunes, Jesuit priests, as Martim Afonso Tibiriçá. With this, he became one of the first Indigenous Brazilians to be named in honor of the founder of São Vicente. Tibiriçá was an ally of the Portuguese in several conflicts and even allowed Portuguese colonizer João Ramalho to marry his daughter, Bartira. Along with Jesuits Manuel da Nóbrega and José de Anchieta, in 1554, Tibiriçá founded the Jesuit College and city of São Paulo. In fact, his village, Inhapuambuçu, also known as Piratininga, was established where the São Bento Monastery is located today, right in the middle of the state Capital.


Other Indigenous groups attacked the area because they disagreed with Tibiriçá's rapprochement with the colonizers. The chief was warned to reconsider his position and unite with his brothers, but he preferred to maintain his stance and defend the Portuguese. Tibiriçá defended the village and the Jesuits in 1562 during an episode known as the Siege of Piratininga. During this battle, he fought against other I n d i g e n o u s p e o p l e s a n d r o s e t o v i c t o r y. Unfortunately, he passed away on December 25 of that same year. His body was interred at the Jesuit church, and today, his remains can be found in the City of São Paulo Metropolitan Cathedral at the Praça da Sé. This image of Tibiriçá, Motta's ancestor, can be viewed as a symbol and homage to all Indigenous Brazilians. He is particularly relevant for his role in establishing important villages and settlements that would later transform into significant cities for the state of São Paulo and the country of Brazil, such as the cities of São Paulo, Santo André, and São Vicente. Furthermore, because Tibiriçá knew the coast and plains well, he helped establish, settle, and develop the entire region.


POTIRA

Esposa do cacique Tibiriçá, importante líder tupiniquim, com quem teve alguns filhos, Potira é mãe de Bartira, que se casou, em 1515, com o português João Ramalho. Justamente para homenageá-la, a obra contém grafismos que estão vinculados à proteção feminina.

A união entre o colonizador degredado e a indígena foi adotado historicamente como um símbolo da sociedade colonial no Planalto Paulista. A união teria durado mais de quatro décadas e Bartira, ao ser batizada como cristã, recebeu o nome de Isabel Dias. O casal teve oito filhos, três mulheres e cinco homens.


D e l es d es c e nd e r a m o s p r i me i r o s membros das famílias da elite paulista colonial.Elas se casaram com portugueses recém-chegados que desempenharam importantes papéis políticos e econômicos na região. Entre eles, André Ramalho, o mais velho, é o mais conhecido por ter acompanhado o padre Manuel da Nóbrega no sertão, a pedido do pai, para realizar trabalho de catequese com os índios. Pouco se sabe sobre o falecimento de Ba r t i r a . A s i n fo r m a ç õ es s ão controversas. Há documentos que afirmam ter ocorrido em 1559, quando ela tinha 54 anos e, em 1560, aos 60. De um modo ou de outro, a união de João Ramalho e Bartira se dá em um contexto histórico em que era relativamente comum que náufragos e degredados casados com mulheres indígenas, assumissem posições de prestígio nas sociedades locais.


As uniões entre nativas e europeus eram a fo r m a c o m o a s a l i a n ç a s e r a m construídas. Atendiam ao desejo europeu de conquista e eram vistos por algumas famílias indígenas como uma maneira de ter acesso a bens materiais e políticos que fortaleciam os seus grupos de origem, posição muito discutível sob uma avaliação histórica contemporânea.


Potira Série Raízes | Acrílica sobre acrílico, costura de cocar indígena (feito de penas de aves recolhidas na natureza, recebido por um indígena Pataxó de um antepassado), rosto de silicone e iluminação em led | 74,3 x 48,4 x 15 cm | 2022 Potira Roots Series | acrylic paint on acrylic, Indigenous headdress sewing (with feathers collected from birds in nature, received by a member of the Pataxó nation from an ancestor), silicone face and LED lighting | 74,3 x 48,4 x 15 cm | 2022


POTIRA

Potira was the wife of Chief Tibiriçá, a crucial Indigenous Brazilian leader with whom she had several children. She is the mother of Bartira, who married Portuguese colonizer João Ramalho in 1515. In Potira's honor, this work contains graphics linked to female protection. The union between the exiled Ramalho and the Indigenous Bartira, said to have lasted more than four decades, was historically adopted as a symbol of colonial society in the Paulista Plains. When Bartira was baptized as a Christian, she was given the name Isabel Dias. The couple had eight children, three female and five male, who were the ancestors of the first members of colonial São Paulo's upper class. These children eventually married recently arrived Portuguese colonizers and had significant political and economic roles in the region. Among them, the eldest, André Ramalho, is most known for accompanying Father Manuel da Nóbrega into the backlands at the behest of his father to help provide religious instruction to the Indigenous peoples.


Little is known regarding Bartira's death because the information is conflicting. For example, there are documents stating it occurred in 1559 when she was 54 and others in 1560 at 60. Either way, the union of João Ramalho and Bartira took place within a historical context in which it was relatively common for castaway and exiled white men to marry Indigenous women and assume positions of prestige in local societies. Alliances were constructed through unions between Indigenous women and European men. These alliances fulfilled the European desire to conquer and were viewed by some Indigenous families as a way to access material and political assets that strengthened their original nations. However, this position is highly contentious when analyzed from a contemporary historical point of view.


BRINCAR DE ÍNDIO

A imagem homenageia os indígenas que habitavam a região antes de ser explorada pelos europeus. Eles vivem atualmente uma árdua luta para conservação de seus costumes, idiomas e territórios. Uma de suas principais questões é a preservação da natureza, com a qual têm uma relação de integração, entendo-a como um organismo vivo e equilibrado, indispensável para a existência da espécie humana. Segundo o último Censo, realizado pelo IBGE em 2010, o Brasil é habitado por cerca de 818 mil indígenas, distribuídos por 827 municípios. De acordo com a Funai (Fundação Nacional do Índio), antes da invasão dos colonizadores europeus, moravam, no que hoje se conhece como Brasil, aproximadamente 3 milhões de habitantes nativos, posteriormente chamados de indígenas, em referência às Índias, local aonde os portugueses acreditavam ter chegado.


Estima-se que, no primeiro século de contato com o ho me m b r a nc o, 9 0 % d o s i nd í g e n a s fo r a m exterminados, principalmente por meio de doenças trazidas pelos colonizadores, como a gripe, o sarampo e a varíola. Nos séculos seguintes, milhares de habitantes autóctones morreram ou foram escravizados nas plantações de cana-de-açúcar e na extração de minérios e borracha. Em cinco séculos, acredita-se que 700 das 1.200 nações indígenas foram exterminadas. Outro dado assustador é que 55 povos desapareceram somente na primeira metade do século XX. Aponta-se ainda que, em média, um povo se tornou extinto a cada ano entre 1900 e 1957.


Na década de 1950, a população tinha caído para um número tão baixo que havia previsões que nenhum indígena sobreviveria até o ano de 1980, em um cenário de conflitos envolvendo invasões, queimadas, grileiros, fome, discriminação, c o n s t r u ç ã o d e h i d r e l é t r i c a s e es t r a d a s e desenvolvimento de atividades ilegais de pecuária e mineração. Com a nova constituição redigida em 1988, os indígenas e seus apoiadores conseguiram muitos avanços, embora permaneçam desafios territoriais e violações de direitos, como falta de acesso à saúde e serviços públicos, além da alimentação escassa e pobre em nutrientes, como desnudou a pandemia causada pelo coronavírus.


Brincar de índio Óleo sobre tela e colagem de tecido | 107,5 x 87 x 6 cm | 2020

Indigenous Play Oil on canvas with fabric collage

| 107,5 x 87 x 6 cm | 2020


INDIGENOUS PLAY

This image honors the Indigenous persons that inhabited the region before the Europeans explored it. These people are battling to preserve their customs, languages, and territories. One of their main battles is preserving the environment with which they have an integrated relationship and which they view as a living and balanced organism essential to the existence of humanity. According to the last census, conducted by the Brazilian Institute of Geography and Statistics (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE) in 2010, approximately 818 thousand Indigenous persons inhabit 827 Brazilian townships. In contrast, the National Indian Foundation (Fundação Nacional do Índio, FUNAI) a rms that prior to the invasion of European colonizers, approximately 3 million Indigenous persons lived on the lands known today as Brazil. The Europeans referred to these native people as indigenous because the Portuguese believed they had reached the Indies when they first came ashore.


Ninety percent of the Indigenous peoples of Brazil are estimated to have been annihilated by the end of the first century of contact with white men. This extermination occurred mainly due to diseases, such as influenza, measles, and smallpox, brought over by the colonizers. In the following centuries, thousands more Indigenous inhabitants died or were enslaved to work on sugarcane plantations or mineral and rubber extraction. It is believed that 700 to 1,200 Indigenous peoples were slain throughout five centuries. Furthermore, additional startling data indicate that 55 nations disappeared in the first half of the 20th century. Another finding states that, on average, one nation perished per year between 1900 and 1957. In the 1950s, the Indigenous population had fallen to such a low number that it was estimated there would be no surviving Indigenous persons by 1980, resulting from the scenario involving invasions, fires, squatters, famine, discrimination, dam and road constructions, and the practice of illegal cattle farming and mining activities. With the drafting of a new Constitution in 1988, the Indigenous peoples of Brazil and their supporters achieved several advancements. Nevertheless, as exposed during the COVID-19 pandemic, persistent territorial challenges and human rights violations, including lack of access to healthcare and other public services, as well as food shortages and poor nutrition, persist.


PATAXÓ

O povo Pataxó, originalmente seminômade de língua da família maxakali, do tronco macro-jê, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde, totalizavam, em 2010, 11 833 pessoas na Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, ao sul do município de Porto Seguro, Estado da Bahia, a menos de um quilômetro da costa, entre as embocaduras dos rios Caráiva e Corumbau, e em diversas aldeias ao norte de Minas Gerais.

Na obra de Rodrigo Motta, há destaque para o colar, que, para esse povo, representa uma proteção. Acreditam que as sementes e materiais naturais nele utilizados passam força para quem os usa. Nesse contexto, o colar deste trabalho foi produzido pela indígena pataxó Tamikuã Pataxó Faustino e o brinco de pena de galinha, realizado pelo artista.

Registros históricos comprovam que a presença dos Pataxó na região entre o rio de Porto Seguro e a margem norte do rio São Mateus, no atual estado do Espírito Santo, remonta ao século XVI. Foram historicamente muitas vezes obrigados a esconder seus costumes e hoje se esforçam para manter viva a sua língua Patxohã e rituais que chamam "dos antigos", como o Awê, que envolve música, dança, cauim e, eventualmente, aluá, uma bebida fermentada de grãos de milho ou cascas de frutas, como abacaxi, moídas.


A etnia Pataxó ganhou uma trágica notoriedade após o assassinato, em 20 de abril de 1997, do indígena Galdino Jesus dos Santos, 44 anos, líder do povo Pataxó Hã Hã Hãe. Ele dormia sobre um banco de cimento de um ponto de ônibus na região central de Brasília, DF, após não ter conseguido entrar na pensão onde estava hospedado, que tinha horário de fechamento noturno.

Ele passara o dia anterior envolvido nas atividades que marcam a data de 19 de abril, quando é celebrado o dia dos povos indígenas. Cinco jovens, um deles de 16 anos, voltavam de uma balada, estacionaram o carro, jogaram produto inflamável sobre o corpo do indígena, atearam fogo nele e fugiram. Testemunhas anotaram a placa do veículo. Galdino teve 95% do corpo atingido, a maior parte com queimaduras de terceiro grau, as mais graves possíveis. Faleceu no dia seguinte; e o assassinato teve repercussão internacional.


Os criminosos, jovens de classe média alta de Brasília, disseram que o objetivo era "dar um susto" em Galdino e fazer uma "brincadeira" para que ele se levantasse e corresse atrás deles. Um deles até argumentou que ele e seus amigos haviam achado que Galdino "era um mendigo" e que, por isso, cometeram o crime.

Os autores da ação com idade acima de 18 anos foram condenados a penas de até 14 anos de prisão, mas nenhum ficou muitos anos preso.

Fica o legado de Galdino. Graças à sua luta, a reserva onde vive seu povo, a Terra Indígena CaramuruCatarina Paraguaçu, conseguiu se desvencilhar de todos os entraves jurídicos, livrando-se dos invasores. Na aldeia, ainda vivem a ex-mulher e três filhas dele, todas mães e algumas avós, de modo que ele deixa seu exemplo de luta para netos e bisnetos.


Pataxó Série Raízes | óleo sobre tela, colagem de tecido e adornos indígenas Pataxó | 129 x 88 x 6 cm | 2022 Pataxó Roots Series | oil on canvas, fabric and indigenous Pataxó embellishment collage | 129 x 88 x 6 cm | 2022


PATAXÓ

The Pataxó nation, which was initially seminomadic and spoke a language in the Macro-Jê branch of the Maxakali family, totaled 11,833 people in 2010, according to data from the National Health Foundation (Fundação Nacional de Saúde, FUNASA). They were located in the state of Bahia, south of the city of Porto Seguro, in an area known as the Barra Velha do Monte Pascoal Indigenous Land, an area situated less than one kilometer from the coast, between the mouths of the Caraíva and Corumbau Rivers, as well as in several villages throughout the north of the state of Minas Gerais. Here, Rodrigo Motta's work emphasizes the neckpiece, which, for the Pataxó, is a symbol of protection. Furthermore, they believe the seeds and other natural materials used to make it transmit strength to its wearer. In this context, Tamikuã Pataxó Faustino, a member of the Pataxó nation, created the neckpiece represented in this work, and Motta created the chicken feather earring. Historical records corroborate that the presence of the Pataxó in the region between the Porto Seguro River and the northern margin of the São Mateus River, which is currently in the state of Espírito Santo, goes back to the 16th century. However, the Pataxó were traditionally forced to hide their customs, and today they struggle to maintain their language, Patxohã, and the rituals they refer to as “of the ancestors,” such as the “Awê,” which involves music, dance, and cauim, and, later, aluá, fermented beverages made of ground corn or fruit, such as pineapple peels, alive.


The Pataxó nation became notorious on April 20, 1997, following the murder of 44-year-old Galdino Jesus dos Santos, the leader of the Hã Hã Hãe Pataxó people. He was sleeping on a concrete bench at a bus stop in downtown Brasília, DF [Federal District], after he could not get into the boarding house where he was staying, which had an evening closing time. He had spent the previous day involved in activities marking April 19, a day established to honor the Indigenous peoples of Brazil. Five young men, one only 16 years old, were returning from a night out, parked their car, threw a flammable substance onto Santos' body, set him on fire, and drove off. Witnesses took note of the license plate. Ninety-five percent of Santos' body was affected, most with third-degree burns, the most severe imaginable. He passed away the following day, and his murder had global ramifications. The criminals, young upper-middle-class men from Brasília, stated they only intended “to frighten” Santos and “to prank” him into getting up and chasing after them. The offenders older than 18 were sentenced to up to 14 years of imprisonment, but none were jailed for long. Nevertheless, Santos' legacy remains. Thanks to his fight, the reservation where his people live, the Caramuru-Catarina Paraguaçu Indigenous Land, has freed itself of all legal constraints and is now free of invaders. Santos' wife and three daughters, now grandmothers and mothers, still live in the village where Santos passed his fighting spirit onto his grandchildren and great-grandchildren.


AWAETÉ

O termo que intitula a obra, “awaeté”, costuma ser traduzido como "gente de verdade", provém das palavras “ava” (“gente”) e “eté” (“verdade” ). É a autodenominação dos indígenas chamados pelos outros povos de “Asurini”, que significa “vermelho”, devido ao fato de eles utilizarem muito o urucum.

Vivem na margem direita do Rio Xingu, falam a língua Asurini, da família Tupi-Guarani, tronco Tupi e, em 2019, eram apenas 182 indivíduos, que habitavam a Terra Indígena Koatinemo, homologada em 1996.

Se, por um lado, vivem uma constante ameaça de extinção física, mantém extrema vitalidade cultural, que sobrevive em rituais, práticas xamânicas, e um elaborado sistema de arte gráfica, principalmente nos desenhos geométricos utilizados na decoração do corpo, em cerâmicas, cabaças e remos de madeira. Na obra de Rodrigo Motta, as miçangas do cinturão, por exemplo, foram confeccionadas por ele justamente com o objetivo de dar mais realismo ao trabalho.


A cerâmica e a tecelagem (redes, tipoias, tiras de cabeça e outros enfeites feitos de algodão) estão a cargo da mulher. Os potes de cerâmica decorada c o m d es e n ho s g e o mét r i c o s s e r ve m c o mo recipiente para transportar e depositar água, servir alimentos. Os homens utilizam esses motivos na decoração de arcos cerimoniais e enfeites corporais

Esses desenhos constituem um sistema de arte gráfica próprio com significações culturais e um conteúdo que estiliza elementos de natureza. Estilizam, por exemplo, o cipó entremeado na mata, o fe ão grande, a pata de jabuti, o rabo de macaco, o favo de mel, e o cangote de onça pintada.

Há ainda representações de seres sobrenaturais ou elementos simbólicos, como “Anhynga kwasiat” (ser mítico que deu o desenho aos homens) e “i” (boneco usado nos rituais xamanísticos e que significa também "imagem", "modelo", "réplica do ser humano").


Os motivos dos desenhos levam o nome de acordo com sua aplicação em determinadas superfícies, como a “pintura na perna” ou “desenhos na cabeça”. O enfeite labial chamado “Tembekwara” também é estilizado no desenho, com uma de suas partes sendo representada.

O significado da decoração do corpo também está relacionado à categorização social dos indivíduos. Os motivos de pintura são os mesmos para ambos os sexos. A divisão do corpo, entretanto, como critério de distribuição dos desenhos, difere.

Entre as mulheres, o ventre é marcado por um desenho que divide a parte da frente do corpo em duas, verticalmente. Entre os homens, esta divisão se dá no sentido horizontal. Linhas horizontais nos ombros e no corpo delimitam a parte superior que não é pintada. A tatuagem marca, no homem, sua participação nas atividades guerreiras, enquanto, na mulher, indica as fases de ciclo de desenvolvimento biológico e social.


Awaeté Série Raízes | óleo sobre tela, colagem de tecido e adornos Awaeté | 135,1 x 94,7 x 7,5 cm 2022 Awaeté Root Series | oil on canvas, fabric and Awaeté embellishment collage | 135,1 x 94,7 x 7,5 2022


AWAETÉ

The term used for the title of this work, “Awaeté,” is usually translated as “the true people,” originating from the words “ava” (“people”) and “eté” (“true” ). This name is what the people known as “Asurini” to others call themselves. This term, “Asurini,” means “red” and is employed because this group makes abundant use of annatto. They live on the right margin of the Xingu River and speak the Asurini language, which is from the Tupi branch of the Tupi-Guarani family. In 2019, they were only 182 individuals living on the Koatinemo Indigenous Land, ratified in 1996. If, on the one hand, they live in constant fear of physical extinction, on the other, they maintain an extreme cultural vitality that survives through rituals, shamanic practices, and an elaborate graphic arts system in which geometric shapes are used to decorate their bodies, ceramics, gourds, and wooden oars. In Rodrigo Motta's work, he created and added the beaded belt, for example, to make the image even more realistic. The women make ceramics and handcraft hammocks, slings, headbands, and other cottonbased adornments that depict these images. In addition, their ceramic pots are decorated with geometric figures and serve as containers for transporting, holding water, and serving food. The men, in turn, use these motifs in decorating ceremonial arches and adorning their bodies.


These drawings are a part of the Awaeté graphic art system, filled with cultural significance. The content of these drawings portrays elements found in nature, such as, for example, the vines interlacing the forest, large beans, the paw of the red-footed tortoise, the monkey's tail, the honeycomb, and the nape of the spotted jaguar. They also include representations of supernatural beings or symbolic elements, such as “Anhynga kwasiat” (a mythical creature who gave humans their shape) and “i” (a doll used in shamanic rituals, which also means “image,” “model,” or “human replica”). The drawing's motifs are named according to their application on a specific surface, “leg painting” or “head drawing,” for example. The lip adornment is called “Tembekwara” and is also portrayed in the drawing, with one of its parts represented. The meaning of the body adornment is also related to the individual's social class. The painting motifs are the same for both sexes. However, the division of the body as a criterion for how the drawings are distributed differs. For women, the abdomen is marked by a drawing that divides the body in two vertically. For men, this division is made horizontally. Horizontal lines on the shoulders and body create borders on the upper portion, which is not painted. On men, the tattoos mark their participation in battle-like activities, while on women, they indicate the phases of their biological and social development cycle.



Você não pode se esquecer de onde você é e nem de onde você veio, porque assim você sabe quem você é e para onde você vai". Isso não é importante só para a pessoa do indivíduo, é importante para o coletivo, é importante para uma comunidade humana saber quem ela é, saber para onde ela está indo... (O Eterno Retorno do Encontro) Ailton Krenak

You cannot forget where you are from nor your roots because this is how you know who you are and where you are going.” This knowledge is essential for the individual and the collective; it is essential for the human community to know who it is and where it is going… “The Eternal Return of the Encounter” Ailton Krenak


KAYAPÓ

A obra homenageia os indígenas Kayapó, grupo é t n i c o h a b i t a n te d a A m a z ô n i a b r a s i l e i r a . Historicamente, ocuparam áreas no interior do Brasil, habitando pequenas aldeias em que viviam de caça, pesca, milho, mandioca, mel e frutas. Neste trabalho, devido às restrições legais do uso de cocares indígenas com penas de aves silvestres, Rodrigo Motta colocou um cocar de palha feito pelo indígena Aruan Kaiowa, da etnia Kaiowa. Também introduziu colares de miçangas feitos por ele mesmo e pela sua família.

O grupo Kayapó teve seu primeiro contato com as populações de origem europeia no século XVIII, no nordeste do atual Estado de São Paulo. Eram bandeirantes, liderados por Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, que buscavam ouro, pedras preciosas e índios para comercializar como escravos. Mais tarde, no começo do século XIX, houve novo contato na região da bacia inferior do rio Tocantins. O resultado foi um grande número de mortos e escravizados. Hoje, os Kayapós vivem em aldeias dispersas ao longo do curso superior de afluentes do rio Xingu.


O nome Kayapó foi utilizado, a partir do início do século XIX, para designá-los. O termo significa "aqueles que se assemelham aos macacos", provavelmente pelo ritual em que, durante muitas semanas, os homens dançam paramentados com máscaras que imitam símios. Os Kayapó, porém, se referem a si próprios como “mebêngôkre”, que significa "os homens do buraco/lugar d'água". Também valorizam muito a oratória como prática social nas reuniões entres os homens. Ele se definem justamente como “aqueles que falam bem, bonito” (“Kaben mei”) e se colocam em posição de superioridade perante os grupos que não falam a sua língua.

Dois líderes do povo Kayapó ganharam visibilidade internacional. Um deles, Tutu Pombo (1926 - 1992) foi o primeiro líder indígena brasileiro a explorar comercialmente as reservas indígenas, permitindo, em troca de dinheiro, a extração de ouro e de mogno das terras de seu grupo. A atitude, inovadora, gerou uma herança de US$ 6 milhões, disputada entre seus dois filhos, mas gerou devastação causada pelo garimpo e pela extração de madeira.


Em 1978, foi tema de um documentário, indicado ao Prêmio Oscar, intitulado com seu nome, em que o ator Marlon Brando participou da abertura. Tornouse assim um porta-voz da luta pela preservação da floresta amazônica. A sua notoriedade internacional se ampliou, em 1987, após encontro, no Parque Indígena do Xingu, com o cantor Sting.

O músico, a sua esposa Trudie Styler e o cineasta belga Jean-Pierre Dutilleux fundaram a Rainforest Foundation, organização criada para sustentar projetos voltados para a demarcação dos territórios Kayapó, ameaçados por invasores de terras. O m o v i m e n t o l e v o u , e m 2 01 9 , u m g r u p o d e ambientalistas e antropólogos a apresentarem o nome de Raoni como candidato ao Prêmio Nobel da Paz de 2020 pelas suas posições e ações em defesa da Floresta Amazônica.


Kayapó Série Raízes | óleo sobre tela, colagem de tecido, adornos e cocar indígena de palha 130,5 x 90,1 x 9,8 cm | 2022 Kayapó Roots Series | oil on canvas, fabric, adornments, and straw Indigenous headdress collage 130,5 x 90,1 x 9,8 cm | 2022


KAYAPÓ This work honors the people of the Kayapó, an ethnic group that lives in the Brazilian Amazon. They historically occupied areas in the interior of Brazil, residing in small villages and living on hunting, fishing, corn, manioc, honey, and fruit. In this work, due to the legal restrictions of using Indigenous headdresses made of wild bird feathers, Rodrigo Motta used a straw headdress crafted by Aruan Kaiowa, of Kaiowa ethnicity. Motta also added beaded necklaces he and his family made. The Kayapó had their first contact with people of European origin in the 18th century, in the northeastern region of the current state of São Paulo. These people were Bandeirantes, Brazilian pioneers led by Bartolomeu Bueno da Silva, known as Anhanguera (a transliteration of the term “old devil”), who were searching for gold, precious gems, and Indigenous people to sell as slaves. Later, at the beginning of the 19th century, there was a second contact in the region of the lower basin of the Tocantins River. This encounter resulted in a large number of casualties and enslavement. Today, the Kayapós live in villages throughout the upper course of the Xingu River's tributaries. The name Kayapó was first used to refer to this nation at the beginning of the 19th century. The term means “those who look like monkeys,” likely resulting from a ritual in which, for several weeks, the men dance around dressed in masks, imitating simians. The Kayapó, however, refer to themselves as “Mebêngôkre,” which means “men from the hole/water place.” They value oratory as a social practice in meetings among men and define themselves as “those who speak well, eloquently” (“Kaben mei”); they also consider themselves superior to the nations that do not speak their language. Two leaders of the Kayapó people earned international visibility. Tutu Pombo (1926-1992) was the first Indigenous Brazilian leader to commercially explore indigenous reservations, allowing for the extraction of gold and mahogany from the nation's lands in exchange for money.


Pombo's innovative approach yielded an inheritance of approximately USD 6 million, which his two sons now dispute, but it also generated unimaginable devastation, resulting from mining and lumber extraction. In contrast, Raoni Metuktire (1932), one of Pombo's relatives, defends the ecological preservation of the lands and maintenance of the traditional Indigenous lifestyle—based on hunting, fishing, gathering, and agriculture—to this day. In 1954, Metuktire had contact with white men for the first time and learned Portuguese with the Villas-Bôas brothers, important Brazilian indigenists. In 1978, Metuktire was the subject of a self-titled Oscarnominated documentar y, and actor Marlon Brando participated in its opening night. After that, Metuktire became the spokesperson for the fight to preserve the Amazon Forest. His international notoriety expanded in 1987 after a meeting with singer Sting in the Xingu Indigenous Park. The musician, his wife Trudie Styler, and Belgian filmmaker Jean-Pierre Dutilleux founded the Rainforest Foundation, an organization created to sustain projects related to setting limits to Kayapó territories threatened by land invaders. In 2019, the movement led a group of environmentalists and anthropologists to present Metuktire's name as a candidate for the 2020 Nobel Peace Prize for his positions and actions in defense of the Amazon Forest. Furthermore, on January 1, 2023, Metuktire participated in President Luis Inácio “Lula” da Silva's inauguration, climbing the ramp to the Planalto Palace in Brasília, DF [Federal District], along with other civilian delegates. This honor established him as a representative of the Indigenous peoples of Brazil and validated his leadership and historical significance.


XAMÃ

A conceituação do termo “xamã” é complexa. A etimologia provém das línguas tungúsicas, faladas por etnias que habitam a Sibéria oriental e o nordeste da Ásia e significa "aquele que enxerga no escuro". De modo geral, refere-se àquele que tem uma função religiosa, ou seja, de re-ligar o ser humano a si mesmo e ao mundo.

Por ser uma espécie de sacerdote, considera-se que tem o poder de acessar outras dimensões, fazendo contato com animais, vegetais, minerais e espíritos ancestrais. Essa capacidade lhe permite atuar como sacerdote, médico, curandeiro, conselheiro e adivinho, tendo uma liderança espiritual com funções e poderes ritualísticos e sobrenaturais.


Assim, poderia entrar em contato com espíritos da natureza e com os mortos, curar doenças, prever o futuro ou influenciar as condições meteorológicas. Para chegar a esse estágio, existem três caminhos que variam em cada tradição cultural: herança genética, escolha divina ou passar por certos rituais de iniciação, como veremos abaixo, que incluem muitas vezes o uso de substâncias alucinógenas que alteram o estado de consciência considerado normal e/ou cotidiano.

Nesta obra, o xamã utiliza um colar da etnia Yawanawa. Eles habitam a parte sul da Terra Indígena Rio Gregório. Localizada no município de Tarauacá, foi a primeira a ser demarcada no Acre e ocupa a cabeceira desse afluente do Juruá.

Entre os Yawanawa, o principal aspecto do xamanismo é hoje a cura, mas, no passado, as funções eram mais diversificadas, englobando cerimoniais ligados à guerra e à caça. Nessa dimensão medicinal, há várias técnicas ainda praticadas, como cantos de cura e o assopro, mas a principal é a reza chamada “shuãnka”.


Durante as sessões de cura, o “xinaya” (“rezador”) ingere ayahuasca e reza sobre um pote cheio de caiçuma de mandioca que posteriormente será ingerido pelo doente. O diagnóstico é estabelecido a partir do sonho que teve o paciente antes de adoecer.

A i n i c i a ç ão x a m â n i c a i nc l u i d i ve r s o s processos, como a realização de certas provas (chupar o coração de uma sucuri e derrubar uma colmeia de abelhas, por exemplo); o cumprimento de resguardos estritos que implicam a abstinência sexual e de certos alimentos; a ingestão de certas substâncias alucinógenas (ayahuasca, pimenta, datura, rapé de tabaco, rarë — planta não identificada- e caldo de tabaco); e o aprendizado de conteúdos como cantos e rezas de cura.


Xamã Série Raízes | óleo sobre tela, colagem de adornos indígenas Yawanawa 147 x 92 x 14cm | 2022 Shaman Roots Series | oil on canvas, fabric and Yawanawa Indigenous neckpiece collage | 147 x 92 x 14cm | 2022


SHAMAN The concept of “shaman” is complex. The term's etymology comes from the Tungusic languages, spoken by peoples inhabiting Eastern Siberia and Northeastern Asia, and it means “the one who sees in the dark.” It refers, in general, to a person who has a religious role, one who can reconnect humans to themselves and the surrounding world. Since this person's role is similar to that of a priest, the belief is that the shaman can access other dimensions, making contact with animal, vegetable, mineral, and ancestral spirits. This ability allows the shaman to function as a cleric, physician, healer, counselor, and prophet, serving as a spiritual leader with ritualistic and supernatural roles and powers. As such, the shaman can contact spirits in nature and the dead, cure diseases, predict the future, or influence meteorological conditions. Three paths, varying within each cultural tradition, are used to reach this stage: genetic inheritance, divine choice, or the completion of certain initiation rituals, as described below. These often include the use of hallucinogenic substances to alter the person's normal state of consciousness. In this work, the shaman uses a Yawanawa neckpiece. The Yawanawa live in the southern part of the Gregório River Indigenous Land, located in the town of Tarauacá, the first reservation to be established in the state of Acre. It occupies the head of the Gregório River's Juruá tributary.


Among the Yawanawa, the central aspect of shamanism today is curing, but in the past, the roles were more diversified and involved ceremonies connected to war and hunting. There are several techniques in practice in the medicinal dimension, including curative chanting and blowing, but the primary technique is a prayer called “shuãnka.” During the curing sessions, the “xinaya” (“preacher”) ingests ayahuasca and prays over a pot full of caiçuma, a fermented manioc beverage that will later be drunk by the patient. Then, the diagnosis is established based on the patient's dream before becoming ill. The shaman's initiation involves several processes, including completing specific tests (to suck on an anaconda heart and knock over a bee's nest, for example); following strict guidelines for sexual abstinence and diet; ingesting certain hallucinogenic substances (ayahuasca, peppers, datura, tobacco snuff, a plant called rarë, and tobacco juice); and learning certain rituals, such as curing chants and prayers. The shamanic power among the Yawanawa is ambivalent because it confers the ability to cure and cause illness. Therefore, accusations of witchcraft and poisoning occur within the group and other groups, leading to tension and, at times, even armed conflict.


FREEDOM

A obra representa uma mulher Arbore, grupo étnico Cushitic que vive no sul da Etiópia, perto do Lago Chew Bahir. Rodrigo Motta confeccionou, para a composição, colares de miçangas. Também foram utilizados cordões feitos de fibras e materiais sustentáveis em composições oriundas do macramê, fiber emballage e elos, feitos e gentilmente cedidas pela artista têxtil Paula Angotti (@macra.pe).

O nome do trabalho alerta contra a violência que impede a liberdade feminina, pois os Arbore praticam uma tradição em que a mulher, no dia do casamento, passa por uma intervenção cirúrgica ritual extremamente dolorosa que a impede de ter prazer sexual.


Essa ação está incluída em um conjunto de tradições que envolvem o feminino. As mulheres virgens, por exemplo, raspam completamente o cabelo e, por isso, cobrem a cabeça com um pedaço de pano preto para se proteger do sol. Enfeites, como acessórios muito coloridos, brincos de miçangas, colares e pulseiras, são também culturalmente vistos como essenciais para a sedução em uma sociedade em que a circuncisão é praticada tanto em homens quanto em mulheres.

Com uma população total estimada em aproximadamente 4 mil pessoas, os Arbore vivem em quatro aldeias no delta do rio Limo (também conhecido como Dullay ou Weyto). Pastores, sua economia de subsistência, baseada no cultivo de sorgo, na pesca sazonal, na caça e na formação de uma ampla rede regional de laços de amizade para troca de presentes, depende em grande parte das enchentes periódicas do rio. Depois delas, as terras cultiváveis são distribuídas.


A cada 40 anos, após rituais iniciáticos, uma nova geração chega ao poder, passando a controlar o gado, o pasto e a água, sendo responsável por garantir a lei e a ordem. Há cerimônias nas quais, para entrar pelos sagrados portões de gado dos chefes rituais, é necessário outorgar presentes, como novilhas, touros, mel, café, tabaco e ervas, para receber bênçãos para conseguir a fertilidade humana, animal e agrícola, chuva e vitória contra inimigos.


Freedom Série Raízes | óleo sobre tela, colagem de tecidos e adornos, com participação da artista têxtil Paula Angotti | 160 x 91,3 x 13,3 cm | 2022

Freedom Roots Series | oil on canvas, fabric and adornment collage, with the participation of textile artist Paula Angotti | 160 x 91,3 x 13,3 cm | 2022


FREEDOM

This work represents an Arbore woman. The Arbore is a Cushitic ethnic group that lives in southern E t h i o p i a n e a r L a k e C h e w B a h i r. Fo r t h i s composition, Rodrigo Motta made beaded necklaces, and textile ar tist Paula Angotti (@macra.pe) graciously used strands made of fibers and other sustainable materials to create the work's macramé, fiber emballage, and chain compositions. The name of the work alerts us to the violence that impedes female freedom since the Arbore practice a tradition in which women, on their wedding day, go through an extremely painful ritual surgical intervention that hinders them from feeling sexual pleasure. This action is part of a set of traditions involving the feminine. Virgin women, for example, shave their hair entirely and then cover their heads with black cloth to protect themselves from the sun. Embellishments, such as colorful accessories, beaded earrings, necklaces, and bracelets, are also culturally viewed as essential tools of seduction in a society in which both men and women are circumcised.


With a total population estimated at approximately four thousand people, the Arbore live in four villages on the Limo River (also known as Dullay or Weyto River) delta. They are shepherds whose survival is based on sorghum farming, seasonal fishing, hunting, and creating a broad regional network of friendships in which they exchange gifts. They also greatly depend on periodic river floodings, after which the usable lands are distributed among the people. Every 40 years, following initiation rituals, a new generation comes to power and is granted control of the cattle, pasture, and water, becoming responsible for ensuring law and order. In addition, there are ceremonies in which the ritual leaders must be offered gifts—such as heifers, bulls, honey, coffee, tobacco, and herbs—to allow passage through the sacred cattle gates and bestow various blessings like human, animal, and agricultural fertility, rain, and victory against enemies.


NAGURU

O ponto de partida deste trabalho é uma fotografia, realizada pela australiana Nina Young, de uma mulher chamada Naguru, integrante da tribo Suri, que vive às margens do Rio Omo, entre a Etiópia e o Sudão do Sul. O grupo permanece profundamente enraizado nas tradições do seu passado ancestral e tem seu futuro ameaçado pela globalização internacional que reflete nos interesses de indústrias de mineração pela área habitada por eles. Os Suri vivem em locais remotos em aldeias de 40 a 2.500 pessoas e sua subsistência se fundamenta em atividades agropastoris. Isolados do mundo, mantém algumas tradições peculiares. A principal característica visual da cultura dessas mulheres é pintar o corpo e o rosto em um processo que gera cicatrizes, pois a pele é erguida com uma lâmina. São também utilizados elementos da natureza para enfeitar a cabeça. Elas ainda utilizam pratos de argila nos lábios e nas orelhas, entendidos como características de embelezamento.


Os homens, por sua vez, praticam um violento ritual de luta com bastões, chamado donga, que era tradicionalmente utilizado para resolver as disputas entre aldeias e para manter a ordem. É nele, que pode resultar em ossos quebrados ou graves ferimentos, que os homens mais jovens provam a sua masculinidade e procuram chamar atenção das mulheres. Outra ação milenar é beber sangue quente de vaca, colhido em um recipiente, direto do pescoço perfurado do animal.


Perante uma natureza quase intocada, remota e árida, em que as cheias do rio são essenciais para garantir o sustento, as tribos locais seguem suas próprias leis e rituais. Nômades, com suas pinturas no corpo e no rosto, procuram manter a identidade cultural mesmo após o contato com os colonizadores europeus.


Naguru Série Raízes | óleo sobre tela, colagem de tecidos e adornos | 131,5 x 92,5 x 18,5 cm | 2021 Naguru Roots Series | oil on canvas, fabric and embellishment collage | 131,5 x 92,5 x 18,5 cm | 2021


NAGURU

The starting point of this work is a photograph Australian photographer Nina Young took of a woman called Naguru, a member of the Suri nation that lives on the margins of the Omo River between Ethiopia and South Sudan. The Suri remain deeply enrooted in the traditions of their ancestral past, and their future is threatened by international globalization, reflected in the interests of the mining industry in the area they inhabit. The Suri live in remote villages of 40 to 2,500 people, and their survival is based on agricultural and pastoral activities; they are isolated from the world and maintain some peculiar traditions. The most visible characteristic of their culture is that the women paint their bodies and faces, raising the skin with a blade and causing scarring. They also use elements of nature to adorn their heads and clay plates in their lips and ears, which are seen as features of beauty.


The men, in turn, practice a violent combat ritual with staffs called “donga,” traditionally used to resolve disputes between villages and maintain order. During this battle, which can result in broken bones or serious injuries, younger men prove their masculinity and try to get the women's attention. Another millennial tradition is to drink warm cow blood collected directly from the animal's perforated neck from a special container. Given its almost untouched remote and arid nature, where river floodings are needed to ensure survival, local nations continue to follow their own laws and rituals. They are nomads with painted bodies and faces who seek to maintain their cultural identity even after encountering European colonizers.


SHADOWLAND

Uma fotografia de crianças da tribo Suri, feita pela australiana Nina Young, fundamenta, visual e poeticamente este trabalho. Esse povo, que habita regiões remotas da Etiópia, busca manter as suas tradições em um contexto desfavorável da presença da indústria de mineração em seu território. O título da obra (“terra de sombras””) e a presença na imagem de futuras gerações que terão como missão manter viva cultura tradicional do seu povo alertam como as representações que um povo valoriza são essenciais para fundamentar as suas relações sociais e seus processos identitários, criando e determinando que projetos e perspectivas são vistos como legítimos e validados por meio de atos de memória.


Preservar memórias no caso africano, significa reconstituir sentidos e espaços geopolíticos fraturados, das mais diversas maneiras, pelas ações do colonialismo, que demandam uma reflexão sobre a antropologia e a história, questionando como o presente foi afetado pelas intervenções das nações europeias em território africano. Pelo fato de viverem isolados, os Suri, felizmente, não enfrentaram, em escala incontrolável, as violações culturais ainda pouco lembradas nos livros de História. Mesmo assim, é preciso estar alerta para que os seus espaços sejam respeitados e a sua cultura não desapareça.


Um dos grandes desafios é encontrar um equilíbrio entre a prioritária necessidade de preservar a própria cultura e a de se adaptar às mudanças no mundo, cada vez mais próximas. Discutir o uso ou não da tecnologia dentro das aldeias, por exemplo, é uma questão cada vez mais essencial, principalmente para as novas gerações. Muitas vezes há um conflito de gerações, em que os mais velhos buscam a preservação dos antigos costumes, e os mais jovens procuram maior inclusão com civilização branca. É essencial, nesse contexto, a realização de debates políticos e teóricos sobre o papel do Estado na sociedade pós-colonial em uma perspectiva que valorize e respeite as culturas locais tradicionais. A exclusão colonial das populações indígenas no âmbito de questões das cidadanias dos Estados africanos leva a deixar em plano secundário questões de soberania territorial de muitas tribos, em um processo de degradação cultural, linguística e física.


Shadowland Série Raízes | óleo sobre tela e colagem de tecidos | 123 x 83,5 x 4 cm | 2021 Shadowland Roots Series | oil on canvas and fabric collage | 123 x 83,5 x 4 cm

| 2021


SHADOWLAND

A photograph of children from the Suri tribe, taken by Australian photographer Nina Young, is this work's visual and poetic foundation. These people, who live in the remote regions of Ethiopia, are attempting to maintain their traditions while the mining industry invades their territory. The title of this work (“Shadowland”) and the presence of future generations in the image serve to keep the traditional culture of its people alive, highlighting the ways in which representations of worth to a group of people are essential to developing their social relations and identity processes, creating and determining what projects and points of view are seen as legitimate and validated by acts of memory. In Africa, memory preservation means reconstructing senses and geopolitical spaces that have been fractured in the most diverse ways through colonial actions, demanding a reflection on its anthropology and history, and questioning how the present has been affected by interventions from European nations in the African territory.


Since they live in isolation, the Suri, gratefully, have not had to experience the cultural violations barely remembered in the history books. Nevertheless, they must remain vigilant to ensure their spaces are respected and their culture is not erased. One major challenge is finding a balance between the need to preserve their own culture versus the need to adapt to the increasingly approaching changing world. For example, the discussion on whether to use technology within the villages is more and more vital, especially for the new generations. Generational conflict, in which the elders seek to preserve ancient customs and the younger members seek more inclusion within white civilization, often exists. Within this context, political and theoretical debates on the state's role in postcolonial society from a perspective that values and respects traditional local cultures are essential. The colonial exclusion of native populations within the scope of African State citizenship sets aside issues of territorial sovereignty for many tribes in cultural, linguistic, and physical degradation.


BIBI Mais uma arte baseada em uma fotografia feita por Nina Young, Bibi, título da obra, significa “vovó” em Swahili, uma das línguas do povo massai, grupo étnico africano de seminômades que vive no Quênia e no norte da Tanzânia com uma população total de aproximadamente 800 mil indivíduos, que preservam suas tradições culturais, muitas delas polêmicas.Uma delas é a Mutilação Genital Feminina, conhecida como MGF, que consiste no corte ou na remoção deliberada do clitóris, que a Organização Mundial da Saúde descreve como "um procedimento que fere os órgãos genitais femininos sem justificativa médica". A ação prejudica os relacionamentos das mulheres e como elas se sentem sobre si mesmas, pois interfere nas sensações de prazer, gerando grande impacto mental, dentro do raciocínio de que um corpo que sente gozo é pecado, com consequências psicológicas inimagináveis. A MGF ocorre na puberdade, realizada pelas mulheres mais velhas. Atualmente, o governo queniano e diversas ONGs estimulam um ritual alternativo de passagem das meninas para a idade adulta. São ações coletivas em que as jovens, no período da primeira menstruação, acendem velas, simbolizando que se tornaram adultas. A imagem de Rodrigo Motta traz uma avó, uma anciã que, nesse cenário, tem um papel protagonista como aquela que zela pelas tradições, que também estabelecem que a primeira neta mulher passa a viver com ela para assegurar que seja cuidada, de modo que a sabedoria oral dos antepassados seja mantida. Ainda em relação às mulheres na cultura massai, elas só podem casar uma única vez na vida, enquanto os homens podem ter mais do que uma esposa e, quando têm vacas suficientes para o dote, é admitido que se relacionem com mais de uma ao mesmo tempo.

REALIDADE AUMENTADA

por NEZ NUNEZ

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Bibi Série Raízes | óleo sobre tela e tecidos e enfeites dos artistas Rodrigo Motta e Maria Ayala 160,5 x 91 x 18,5cm | 2023 Bibi Roots Series | oil on canvas and fabrics and embellishments made by artists Rodrigo Motta and Maria Ayala | 160,5 x 91 x 18,5cm | 2023



BIBI Another art based on a photograph taken by Nina Young, Bibi, the title of this work, means “grandmother” in Swahili, one of the languages of the Maasai people, a semi-nomadic African ethnic group that lives in Kenya and northern Tanzania. It comprises approximately 800 thousand individuals who work to preserve the group's cultural traditions, many of which are controversial. One of these traditions is that of Female Genital Mutilation, known as FGM. It consists of the deliberate excision or resection of the clitoris. The World Health Organization describes it as a “procedure that causes injury to the female genital organs for non-medical reasons.” This action also causes harm to female relationships and to how they feel about themselves because it interferes with their sensations of pleasure, significantly affecting their mental state and making them believe that sexual pleasure is symbolic of pain, with unimaginable psychological consequences. FGM occurs in puberty and is performed by older women. However, the Kenyan government and various NGOs currently encourage an alternative right of passage for girls to womanhood. These are collective actions in which the young women, during their first menstrual period, light candles to symbolize becoming adult women. Rodrigo Motta's image is that of a grandmother, an older woman who, in this scenario, has the role of the protagonist, one who devotedly cares for the community's traditions, and which also establishes that the first granddaughter will live with her to ensure she is taken care of and that the oral knowledge of their ancestors is preserved. The women in the Maasai culture are also allowed to marry only once, while the men can have more than one wife, and if the men own enough cows for a dowry, they are also permitted to live with more than one wife at the same time.


Apenas sinto que quanto mais vejo, mais me convenço de que somos todos tão parecidos. Nossas situações e culturas podem ser muito diferentes, mas por trás de tudo, queremos amar e ser amados. E o aspecto mais extraordinário da minha carreira fotográfica é que não importa para onde viajei e quem conheci, o riso pode quebrar a maioria das barreiras. Não há nada mais maravilhoso do que compartilhar o vínculo do riso com pessoas que você não compartilha o mesmo idioma. É mágico e de união. Nina Young


I just feel the more I see the more I am convinced we are all so similar. Our situations and cultures may be very different but underneath it all, we want to love and be loved. And the most extraordinary aspect of my photography career is no matter where I have travelled and who I have met, laughter can break down most barriers. There is nothing more wonderful than sharing the bond of laughter with people who you don’t share the same language. It’s magical and bonding. Nina Young


A VEZ DOS HOMENS Esta imagem provém de um ritual do subgrupo Wodaabe, com aproximadamente 45 mil indivíduos, que integra o grupo étnico Fulani. Tradicionalmente nômades, vivem do pastoreio de gado e de atividades comerciais na savana do Sahel, no sul do Saara, na região do Níger, à margem do deserto, em uma região que foi ponto de passagem durante milhares de anos entre os árabes do norte da África e as culturas subsaarianas. Ainda hoje, eles vagueiam conduzindo seus rebanhos de ovelhas e cabras de um lugar para outro pelo território quente do deserto. Durante a longa estação seca, costumam andar cinco horas por dia, em busca de pasto e água, tendo seus pertences carregados nas costas por camelos e jumentos. Comem mingau de aveia, mas o leite é a parte mais importante de sua dieta. Os homens cuidam dos rebanhos, as mulheres se ocupam em buscar lenha, tirar leite das vacas, bater o milhete e cozinhar o mingau. Falam a língua Fula e não utilizam a língua escrita. Seu nome significa “aqueles que respeitam tabus”, aludindo ao fato de eles manterem tradições “mais antigas” do que as dos seus vizinhos, os Fulbe. Em contrapartida, estes referem-se bem aos Wodaabe, em tom pejorativo, como “Bororo”, algo como “os que habitam em acampamentos de gado”. Entre os “tabus” estão o fato de a mãe nunca poder conversar ou chamar o filho mais velho da família pelo nome ou, independentemente da ordem de nascimento, receber um nome apenas após os 12 anos de idade. Os wodaabes também não encaram as pessoas nos olhos quando falam com elas; e um homem não pode ficar de mãos dadas com sua esposa, nem mesmo chamá-la pelo nome, quando houver outras pessoas por perto.


Os Fulani, por volta do século XVII, estavam entre os povos étnicos pioneiros da África Ocidental a se converter ao Islamismo e a liderara a sua disseminação. Os Fulbe, nesse sentido, orgulham-se de terem abraçado uma vida urbana e desprezam, ao contrário dos Wodaabe, a sua vida passada relacionada a atividades rurais pastoris. Nesse contexto, os Wodaabe, conhecidos pela beleza física de seus homens e mulheres e vestuário elaborado, mantêm algumas cerimônias culturais que valorizam esses atributos. Por se considerarem o povo mais belo da terra, realizam festivais anuais em que procuram demonstrar isso. Os homens se preparam cuidadosamente. Colocam um pó amarelo no rosto, para que a pele se torne mais brilhante, contornam seus olhos e lábios com uma substância preta e raspam o cabelo da fronte, para que suas testas pareçam maiores, um sinal cultural de beleza. Também desenham uma linha desde a testa até o queixo para alongar seus narizes e, para garantir que contarão com a ajuda divina nesse processo de exaltação de suas qualidades físicas, colocam pós mágicos em pequenos saquinhos que penduram em volta do pescoço. Vestem ainda mantas bordadas à mão, fetiches e joias de bronze e metal, presas por contas e búzios, que têm valor de moeda em algumas populações africanas e asiáticas.


A imagem transformada em obra de arte por Rodrigo Motta celebra uma celebração da fertilidade trazida pela chuva no deserto do Saara. Ocorre, na ocasião, um concurso de beleza peculiar, em que homens pintam o rosto e usam roupas especiais para impressionar as juízas, todas mulheres. Julgados por quesitos como altura, beleza física, simetria facial e bons dentes, eles pintam os rostos e dançam por horas para as avaliadoras. Ao fim da apresentação, cada juíza escolhe seu vencedor e pode decidir tê-lo como amante, mesmo que ambos já tenham parceiros. Como os Wodaabe são monogâmicos e geralmente casam muito cedo, a ocasião é vista como uma oportunidade de vivenciar o amor, podendo ser uma experiência breve ou resultar na troca definitiva do companheiro. A relevância do ritual é tamanha, que os vencedores são lembrados por anos após o concurso. C h a m a d o d e G e r e wo l , o r i t u a l te m v á r i a s simbologias. O vermelho, que cobre o rosto de alguns participantes, por exemplo, é associado ao sangue e à violência, sendo usado apenas em ocasiões especiais. A cor amarela, por sua vez, simboliza magia e transformação. O preto contrasta com o branco, que representa a morte, enquanto a pintura nos lábios é feita com ossos queimados de uma espécie de garça associada ao charme e ao carisma. Infelizmente, longos períodos de seca, que impedem a reunião de centenas de pessoas no mesmo lugar, conflitos internos e externos e a presença da instituição islâmica Al Qaeda no Norte da África levam esse ritual, eternizado por Rodrigo Motta, a ser cada vez menos praticado.


A vez dos homens Série Raízes | óleo sobre tela e colagem de tecidos | 93 x 130 x 14 cm | 2021 The Men's Turn Roots Series | oil on canvas and fabric collage | 93 x 130 x 14 cm | 2021


THE MEN’S TURN This image comes from a ritual practiced by the Wodaabe subgroup, composed of approximately 45 thousand individuals and part of the Fulani ethnic group. Traditionally nomadic, they survive on herding cattle and commercial activities in the Sub-Saharan Sahel savanna, in the region of Niger, on the margins of the desert, an area that has served as a passageway for North African Arabs and Sub-Saharan cultures for thousands of years. To this day, they roam along, leading their sheep and goats from one place to the next through the hot desert lands. During the long dry season, they walk approximately five hours per day, searching for pasture and water, with camels and mules carrying their belongings. They eat oatmeal, but milk is their primary source of nutrients. The men care for the herd, while the women gather wood, milk the cows, grind millet, and cook the porridge. They speak Fula and do not use a writing system. Their name means “those who respect the taboos,” alluding to the fact that they maintain “the most ancient traditions” compared to their neighbors, the Fulbe. In contrast, the Fulbe refer to the Wodaabe pejoratively as “Bororo,” which means something like “those who live in the cattle camps.” Examples of their “taboos” are that a mother can never speak to or call the family's oldest male child by his name, or, regardless of birth order, a member can only be given a name after age 12. The Wodaabe also do not look people in the eyes when speaking to them, and a man cannot hold his wife's hand or even call her by her name if there are other people around. The Fulani were among the first ethnic people of Eastern Africa to convert to Islam in the 17th century and lead its dissemination. The Fulbe, contrary to the Wodaabe, take pride in embracing urban life and scorning their pastoral history. In this context, the Wodaabe, known for their men's and women's physical beauty and elaborate clothing, maintain some cultural ceremonies that value these attributes. For example, they consider themselves the most beautiful people on Earth and put on annual festivals that seek to emphasize this.


The men carefully prepare themselves by putting yellow powder on their faces to make their skin glow, lining their eyes and lips with a black substance, and shaving the front of their heads to make their foreheads seem larger—to them, a cultural sign of beauty. They also draw a line from their forehead to their chin to elongate their noses, and to ensure they will receive divine assistance in this process of exalting their physical qualities, they put magical powders in small bags that they hang around their necks. They also dress in handembroidered coats, fetiches, and jewelry made of bronze and other metals, connected by beads and shells that have the same value as money to some African and Asian populations. The image Rodrigo Motta has transformed into a work of art celebrates a fertility festival brought on by rain in the Sahara. The festival includes a peculiar beauty pageant in which men paint their faces and wear unique clothing to impress the judges, who are all women. The men are evaluated on their height, physical beauty, facial symmetry, and condition of their teeth, and they dance for the judges for hours. At the end of the pageant, each judge chooses a winner, and then she can decide whether to take the winner on as a lover, even if both already have a partner. Since the Wodaabe are monogamous and usually marry quite young, the occasion is seen as an opportunity to experience love and may result in a short-lived affair or definitive switch in a companion. The ritual is so relevant that the winners are remembered for years following the competition. The ritual, called Guérewol, has various symbologies. The red covering the faces of some participants, for example, is associated with blood and violence and is used only on special occasions. The yellow, in turn, refers to magic and transformation. The black contrasts with the white, representing death, while the lips are painted with burnt heron bones and represent charm and charisma. Unfortunately, the long periods of drought that keep hundreds of people from meeting in the same place, internal and external conflict, and the presence of Al Qaeda in North Africa have led this ritual, eternalized here by Rodrigo Motta, to be practiced less and less.


O HERÓI BARRIGUDO

Respeitar a diversidade é uma habilidade fundamental para viver em sociedade. Significa compreender que todos somos iguais e, ao mesmo tempo, reconhecer a singularidade e as diferenças de cada um em termos de religião, crenças, estado civil, gênero, orientação sexual, deficiência, idade, ascendência, nacionalidade e raça, entre outras possibilidades. Não discriminar envolve entender diferentes dimensões e trabalhar em vários contextos. Nessa linha de raciocínio, Rodrigo Motta apresenta uma imagem vinculada ao povo Bodi, da Etiópia, na qual, ao contrário da maioria das sociedades conhecidas, ser o mais barrigudo é o sonho desde a infância. Os Bodi vivem nas terras baixas do leste do Vale de Omo. São hoje aproximadamente 10 mil pessoas que falam a língua Me’em, nome como chamam a si mesmos, vivendo, como seus antepassados, do pastoreio e agricultura com pequenos estoques. A sua cultura gira em torno do gado. Por isso, desenvolveram uma refinada classificação das cores dele que vai além da classificação genética moderna. Isso ocorre porque seus sacrifícios rituais e a divisão das terras dependem de tonalidades específicas. Antes de usar um novo ponto de água ou desmatar uma área para o cultivo, por exemplo, um animal de uma certa cor tem de ser sacrificado. As mulheres Bodi esticam seus lábios depois de terem dado à luz a dois ou três filhos. É inserido um plugue de madeira do tamanho de uma moeda, sinalizando que são mães maduras. Usado o tempo todo, é revestido com manteiga e ocre vermelho e perfurado no centro com um pequeno pico de madeira.


No universo masculino, o destaque, apresentado nesta obra de Rodrigo Motta, é o evento chamado de Ke’êl, nome que provém da constelação conhecida na astronomia ocidental como Plêiades. Quando ela desaparece no Leste, o que acontece em meados de junho, os Bodi celebram o início de um novo ano. Nesse momento, o homem mais barrigudo da tribo é considerado um herói e passa a ser venerado por todos. Seis meses antes da cerimônia, cada família indica um homem solteiro para participar do concurso. Nas semanas seguintes, o candidato ganha uma “dieta” especial: sangue e leite de vaca. Os indicados consomem rapidamente, antes que o produto fique sólido por causa das temperaturas elevadas, cerca de 2 litros da mistura várias vezes por dia, tendo algumas vezes enjoos ou mesmo vomitando O participante fica isolado em uma cabana, não pode ter relação sexual até a cerimônia e todos os alimentos são levados a ele por mulheres da tribo. A estratégia inclui não praticar atividades físicas para não gastar calorias. O objetivo é ter corpos plenos de gordura, mas firmes, com as barrigas salientes. No dia da cerimônia, os homens cobrem seus corpos com barro e cinzas antes de sair de suas cabanas e ir até o local do evento. Devido ao ganho de peso, muitos têm dificuldade de caminhar. A festa consiste em passar horas andando em um círculo em torno de uma árvore sagrada, observados pelo grupo e ajudados pelas mulheres que os alimentam e enxugam o suor.


Os participantes são avaliados pela gordura e imponência de seus corpos. O homem gordo campeão é então festejado como herói para o resto de sua vida. Após a seleção, o evento termina com o abate de uma vaca. Anciãos da aldeia, em seguida, inspecionam o estômago e o sangue do animal para ver se o futuro da comunidade. Terminada a festa, ocorre a perda de peso dos participantes, inclusive porque, fora do contexto da cerimônia, hoje explorada pela administração local, que cobra uma taxa de ingresso dos turistas, com prêmio em dinheiro entregue ao vencedor, mulheres e meninas geralmente valorizam os homens com base em padrões de altura e beleza física mais tradicional. O fotógrafo amador francês Eric Lafforgue é o autor da foto que se tornou o ponto de partida de Rodrigo Motta para representar esse ritual pleno de significados dentro de uma cultura específica, que parece muito estranha para a civilização branca ocidental, que valoriza os corpos magros e, ainda mais, para o autor da pintura, que é cirurgião plástico e está envolvido no cotidiano com questões que dizem respeito á beleza dentro de padrões tradicionais.


O Herói Barrigudo Série Raízes | óleo sobre tela e colagem de tecidos e adornos | 150,1 x 89,8 x 13,5 | 2022 The Pot-Bellied Hero Roots Series | oil on canvas and fabric and embellishment collage | 150,1 x 89,8 x 13,5 | 2022


THE POT-BELLIED HERO Respect for diversity is a fundamental requirement for living in society. It means understanding that we are all equal and, at the same time, recognizing that we are unique and have differences concerning religion, beliefs, marital status, gender, sexual orientation, abilities, age, heritage, nationality, and race, among other possibilities. Therefore, we must comprehend that there are different dimensions and work within various perspectives to avoid discrimination. Following this line of reasoning, Rodrigo Motta presents an image linked to the Bodi people of Ethiopia, which, contrary to most known societies, strives to achieve the most protruding bellies from birth. The Bodi live in the lowlands east of the Omo Valley. Today, they include approximately 10 thousand people who speak Me'em, the name they use to refer to themselves, and live as did their ancestors, as herders and farmers with small plantations. Their culture revolves around cattle, and, as such, they have designed a refined classification of the cattle's coloring that goes beyond current genetic categorization. This classification occurs because their ritual sacrifices and land division depend on specific color tones. Before using a new site for water or deforesting an area for farming, an animal of a particular color must be sacrificed. The Bodi women stretch out their lips once they have given birth to two or three children. Then, they insert a wooden plug the size of a coin in the lip to indicate they are mature mothers. This plug, used all the time, is coated with butter and red ochre and perforated with a small piece of wood. Rodrigo Motta highlights the male universe of the Bodi in this work with a representation of an event called Ke'êl. Its name refers to a star cluster known in Western astronomy as the Pleiades. When it disappears in the east, sometime in mid-June, the Bodi celebrate the beginning of a new year.


On this day, they name the man with the largest belly a hero, and all the others worship him. Six months before the ceremony, each family nominates an unmarried man as a contender. In the following weeks, the candidate is put on a special “diet” consisting of blood and cow's milk. The candidates must quickly consume approximately two liters of this mixture several times a day before the high temperatures solidify it, sometimes causing nausea and sometimes vomiting. All meals are brought to him by women of his tribe. In addition, the candidate is isolated to a cabin where he is prohibited from having sexual relations until the ceremony. Their strategy also includes not practicing physical activity to avoid burning calories. The objective is to end up with a fat but firm body and a prominent belly. On the day of the ceremony, the men cover their bodies with mud and ashes before leaving their cabins and heading to the event site. As a result of their weight gain and lack of exercise, many often have di culty walking. Nonetheless, the feast consists of spending hours walking in a circle around a sacred tree as the men are watched by the group and helped by the women who feed them and wipe the sweat off their brows. Participants are judged according to the largeness and magnificence of their bodies. The fattened champion is hailed a hero for the rest of his life. After the winner is chosen, the event ends with the slaughtering of a cow and the village elders inspecting the winning belly and the slain animal's blood to foresee the community's future. Once the feast is over, the participants are encouraged to lose the weight gained. Outside of the ceremony's context, which today the local government exploits by charging tourists ticket fees and providing a cash prize to the winner, the men are valued based on more traditional standards of height and physical beauty. Amateur photographer Eric Lafforgue is the author of the photograph that became Rodrigo Motta's inspiration for representing this meaningful ritual within a specific culture that seems very strange to Western white civilizations that value slim bodies and even stranger to the author of the painting, a plastic surgeon routinely involved in issues concerning beauty within traditional standards.


CORAÇÃO DE TURKANA Os Turkana vivem, em sua maioria, nas regiões desérticas do noroeste do Quênia. Pastores, enfrentam um clima árido a semiárido, com altas temperaturas e uma "estação chuvosa" de dois a três meses. Vivem exclusivamente dos produtos (leite, carne, sangue e peles) de suas cabras, vacas, burros e, principalmente, camelos, e o estoque de bens adquiridos com essa venda é pequeno, consistindo principalmente de farinha de milho, açúcar, tabaco, folhas de chá, sandálias de pneus de borracha e tecidos. Os homens levam na cabeça um chapéu verde musgo, redondo e com penas apontadas para cima, cujas cores indicam a faixa etária de quem o usa. Crianças e mulheres têm o cabelo raspado nas laterais, e o tufo que sobra no centro da cabeça é curto com tranças que caem sobre a testa e sobre as partes descobertas. Rodrigo Motta escolheu fazer a sua obra em preto e branco, mas as mulheres Turkana utilizam roupas e adornos bem coloridos. Usam ainda muitos colares no pescoço, deixando-os mais alongados, assim como adornos com miçangas e penas. As linhas dos longos colares utilizados pelas mulheres são vermelhas, amarelas e laranjas. Poucas delas usam apenas o azul e o verde, associado a uma linhagem familiar de feitiçaria. Um único fio na vertical amarra todos os colares, o que lhe dá um aspecto maciço. Há também um colar ‘sobretudo’, colocado acima dos outros, que tampa o espaço deixado pela última volta.


Os penteados e adornos que enfeitam as Turkana indicam se é ou não solteira, civil, se houve nascimentos ou mortes na família, se o marido está viajando ou apenas deu uma saída de casa e se os filhos são pequenos ou estão próximos a entrar na vida adulta. Um exemplo são os brincos de metal. As argolas costumam atravessar o lóbulo, e o formato de folha, com a joia pendurada na parte superior, sinaliza que a mulher é casada. A vida dos Turkana gira em torno de três elementos: as pessoas, os animais e Akuji (Deus). Os animais ocupam o centro da vida política, econômica e religiosa, porque deles se obtêm o alimento (carne, leite e sangue) e o couro para as roupas. A sociedade é composta por clãs diferentes; e uma mulher só pode se casar com um homem de outro clã. Ela é simbolicamente “raptada” de sua família original para viver com o futuro marido. A família estabelece então o dote, pago com um determinado número de animais, e a cerimônia do casamento apenas se concretiza após o primeiro filho começar a andar. Acredita-se que, se ocorrer uma traição nessa união, doenças começarão acontecer na família e no gado. Apenas quando a infidelidade se tornar pública e ocorrer uma punição, as desgraças terão fim e os anciãos outorgarão o seu perdão.


A alimentação inclui a atividade da pesca, realizada pelos homens, enquanto as mulheres ordenham os animais. Elas também buscam a água quente, que vem de fontes termais que descem das montanhas, no poço da vila, centro da vida social da tribo. É ali que os adultos conversam, e as crianças brincam. As casas, ovaladas, formam interiores quentes com pequenos espaços para permitir a entrada de brisas que refrescam a temperatura. As construções utilizam folhas de coqueiro e de outras árvores, e teto é forrado com sacos de comida e coberto por palhas. A cobertura é propositalmente cheia de furos e, quando chove, a palha dilata, tampando os buracos. Casamentos, rituais de passagem e outros festejos têm a participação de toda a comunidade, mas não há comemoração de aniversários, pois são entendidos como acontecimentos individuais e, portanto, não demandam celebração.


Coração de Turkana Série Raízes | óleo sobre tela, colagem de tecidos e adornos | 130,3 x 89,7 x 11 cm | 2022 Turkana Heart Roots Series | oil on canvas, fabric and embellishment collage | 130,3 x 89,7 x 11 cm | 2022


TURKANA HEART

The Turkana mostly live in the desert region of Northwest Kenya. They are herders who deal with arid to semiarid climates, high temperatures, and a two to three-month-long “rainy season.” They live exclusively off products derived from their goats, cows, donkeys, and camels (milk, meat, blood, and furs). The stock of goods acquired from selling these items is small, consisting of only cornmeal, sugar, tobacco, tea leaves, sandals made from tires, and fabrics. Men wear round moss-green hats with feathers pointing upwards, and the colors of the feathers indicate the age range of the wearer. Women and children shave the sides of their heads, and the tuft of hair left in the middle is short and worn in braids that fall over their foreheads and uncovered parts. Although Rodrigo Motta conceived this painting in black and white, the Turkana women wear colorful clothing and adornments. They also wear several necklaces to elongate their necks and other accessories made with beads and feathers. The threads of the women's long necklaces are red, orange, and yellow. A few wear only blue and green threads, which associates the wearers with a family line of sorcerers. A single vertical thread binds all the necklaces together, giving them a solid appearance. There is also an “overall” necklace worn over the others that covers the space left by the last ring.


The hairstyles and accessories the Turkana women use as adornments can indicate many situations: whether they are single or married, if there have been births or deaths in the family, if the husband is traveling or left the house for a bit, and if the children are small or close to becoming adults. One example of this is the metal earring they wear. The hoops pass through the earlobe, and a leaf shape hanging from the upper part indicates whether its wearer is married. Turkana life revolves around three elements: its people, animals, and Akuji (God). Since food (meat, milk, and blood) and leather for clothing come from the animals, they are the center of Turkana political, economic, and religious life. Their society is composed of different clans. Women can only marry men from another clan; hence, they are symbolically “kidnapped” from their original families to live with their future husbands. The families then set a dowry, paid with a specific number of animals, and a wedding ceremony occurs after the couple's first child begins to walk. The Turkana believe that if there is a betrayal between the spouses, their family and cattle will be subject to disease. Accordingly, these calamities will only end once the infidelity has become public, the parties responsible have been punished, and the elders have granted their forgiveness. Their diet includes fish, which the men catch while the women milk the other animals. The women are also responsible for collecting hot water from the thermal springs that run down the mountains and placing the water in the village well, which is the center of the tribe's social life. Their tiny oval-shaped houses are warm inside and have small spaces allowing wind in to cool the temperature. These houses are constructed from coconut palms and other tree leaves, and the ceilings are lined with bags of food and covered with straw. The canopy is purposely full of holes, and when it rains, the straw dilates, covering the holes. The entire community participates in weddings, rites of passage, and other festivities, but they do not commemorate birthdays because those days are viewed as individual events that do not require celebration.




SOUL SURI

Localizada entre a Etiópia e o Sudão do Sul, a tribo Suri é uma das três etnias, juntamente com os Me’en e Mursi, que o governo etíope classifica como a Tribo Surma. O retrato realizado por Rodrigo Motta é e uma criança da tribo Suri e propicia uma reflexão sobre o modo de vida dessas comunidades. Elas ainda vivem em um estágio muito comparável ao Mesolítico, caracterizado pela estabilidade geológica e climática da Terra, pelo início da sedentarização dos hominídeos e pelo estabelecimento das primeiras atividades agrícolas. Vivem principalmente do pastoreio de grandes rebanhos de gado no vale do Omo. São principalmente coletores de mel e também se dedicam à agricultura de cereais, sorgo e milho. A alimentação é baseada nos cereais que cultivam e no leite e carne de suas vacas. Também bebem o sangue delas, extraindo-o pelo ato de espetar uma veia nos animais, que são ainda um importante padrão comercial. Um exemplo é que um pai, proprietário do rebanho, presenteia 30 vacas a cada filho quando ele casa e monta a sua família. Nas famílias grandes, os mais jovens costumam ficar sem esse dote e precisam adotar outros meios para obter recursos financeiros. Um deles é soprar as vaginas das vacas em uma tentativa de obter maiores produções de leite.


Culturalmente, penteados vistosos são característicos. Pinturas corporais com pigmentos naturais extraídos de minerais e vegetais, além de estarem relacionados à estética, funcionam como repelente de insetos, pois cinzas e urina de gado são misturadas com as tintas. As imagens incluem desenhos abstratos e seguem padrões de cores de flores locais, interagindo ainda com expressões artísticas como a música e a dança. Essas pinturas ocorrem duas a três vezes por dia, como se fossem mudanças de roupa, expressando sedução, estado de ânimo e orgulho da própria etnia. As escarificações e mutilações a que submetem o corpo também são vistas como sinais de elegância, de força e de valor.


Tensões internas da tribo e com outras comunidades são resolvidos pelo “Jalaba”, um conselho formado pelos homens mais velhos. Cabe a eles tomar as decisões e ditar leis de convivência. Se acontecem confrontos externos, uma delegação desse anciãos se reúne com a da outra parte envolvida para negociar soluções e alcançar a paz. Toda essa cultura milenar se encontra ameaçada, pois esses povos originários vêm sendo expulsos das terras que tradicionalmente ocupavam no Parque Nacional do Omo. Por isso, declararam seu território como zona comunitária de conservação começando um projeto coletivo de turismo. Outra ameaça é a construção da hidrelétrica Gibe III, acusada de trazer impactos negativos sociais e ambientais para os Suri.


Soul Suri Série Raízes | óleo sobre tela e colagem de tecidos, ráfia de palha natural e plantas artificiais | 136 x 90,9 x 23,5cm | 2022 Soul Suri Roots Series | oil on canvas and fabric, natural straw ra a, and artificial plant collage 136 x 90,9 x 23,5cm | 2022


SOUL SURI Located between Ethiopia and Southern Sudan, the Suri nation is one of three ethnicities, along with the Me'en and Mursi, which the Ethiopian government classifies as the Surma Tribe. The portrait Rodrigo Motta created of a Suri child allows for a reflection on the life of these communities. The Suri still live in an era comparable to the Mesolithic, characterized by the Earth's geological and climatic stability, the beginning of hominid sedentarization, and the establishment of the first agricultural activities. They live primarily off shepherding large cattle herds in the Omo Valley, gathering honey, and dedicating themselves to planting grains, sorghum, and corn. Their diet is based on the grain they plant and milk and meat from their cows. They also drink the cow's blood, extracting it by perforating one of the animal's veins. The cows are also of commercial importance. For example, a father, the herd owner, gifts 30 cows to each child when they get married and start their own family. In larger families, the younger ones are left without this dowry and need other tactics to obtain financial resources. One of these approaches involves blowing into a cow's va g i n a to i nd u c e i nc rea s e d m i l k production.


A distinguishing feature of their culture includes wearing elaborate hairstyles. They also paint their bodies with natural pigments extracted from minerals and vegetables, which, in addition to having an aesthetic effect, function as an insect repellent since cattle ashes and urine are mixed in with the paints. The images used include abstract designs that follow the color patterns of local flowers and interact with other artistic expressions, such as music and dance. These body paintings take place two to three times per day, as if they were changes of clothing, expressing seduction, mood, and pride in their heritage. The scars and mutilations to which they submit their bodies are also seen as signs of elegance, strength, and valor. Tr i b a l t e n s i o n s , i n t e r n a l a n d w i t h o t h e r communities, are resolved by the “Jalaba,” a council formed by older men. They are responsible for making decisions and establishing coexistence laws. If there is external conflict, a delegation of elders meets with the other party to negotiate a solution and achieve peace. This millennial culture is now under threat, with the ousting of these native people from the lands they have traditionally occupied in the Omo National Park. For this reason, they have declared their territory a community preservation zone and initiated a collective tourism project. Another threat to the region is the construction of the Gibe III dam, accused of causing negative social and environmental impacts on the Suri.


NANNY A imagem de Rodrigo Motta representa as mães e cuidadoras que carregam seus filhos ou crianças amarradas ao corpo. A prática de embrulhar um bebê em um tecido, chamado de capulana em Moçambique, amarrado em volta do corpo é tradicional em alguns países da África. O termo “capulana” provém do “tsonga”, idioma nigero-congolês da África austral que é uma das línguas de Moçambique e uma das 11 oficiais da África do Sul, falada principalmente na província do Limpopo, junto à fronteira do país de língua portuguesa, e também no Zimbabwe. O n o m e é a t r i b u í d o a u m p a n o q u e, tradicionalmente, é usado pelas mulheres para cingir o corpo, e por vezes a cabeça. É ainda utilizado como saia ou para cobrir o tronco. Porém, a sua utilização vai além da beleza, pois é o tecido dentro do qual as mulheres carregam os seus filhos nas costas. Também tem outras funções, como carregar trouxas, além de estar presente no interior das casas, como toalha, cortina e pano de mesa.


Esse tipo de tecido surgiu no continente asiático e, por meio das trocas comerciais entres os árabes e os persas e os povos que viviam ao longo do litoral, chegou à África entre os séculos IX e X. Era inicialmente uma moeda de troca entre os povos e apenas os monarcas o usavam, sendo visto como uma representação de poder. Apenas p o s t e r i o r m e n t e fo i a s s u m i d o c o m o u m a manifestação de moda.


Atualmente é amplamente utilizado em Moçambique, sendo vendido tanto em lojas especializadas como por ambulantes. A riqueza e variedade de cores e motivos faz com que seja considerada hoje uma característica da riqueza cultural do país. Mais que um pedaço de tecido colorido, portanto, é uma manifestação carregada de História, plena de beleza e encanto. O movimento único dos corpos da mãe e dos filhos que carrega dentro da capulana gera uma fascinação. Protegidos por ela, as crianças seguem inicialmente os passos da mãe para posteriormente começar a construir a própria história. Começam a sua jornada ali, protegidos, e, depois, pouco a pouco, irão percorrer os próprios caminhos, trilhando as suas veredas de tristeza e de alegria.


Nanny Série Raízes | óleo sobre tela e tecido (capulana cedida pelo amigo Wilsonn Bastos) 124 x 83 x 10 cm | 2021 Nanny Roots Series | oil on canvas and fabric (capulana given by friend Wilsonn Bastos) 124 x 83 x 10 cm | 2021


NANNY

Rodrigo Motta's image immortalizes the mothers and caretakers who carry their children or those of others tied around their bodies. The practice of wrapping a baby in fabric, known as capulana in Mozambique, and tying the child around one's body is traditional in some African countries. The term “capulana” comes from the “Tsonga,” which is part of the Niger-Congo languages of South Africa. It is one of the languages spoken in Lusophone Mozambique and one of the eleven o cial languages of South Africa. Tsonga is primarily spoken in the Limpopo province, along the border of Mozambique, and Zimbabwe. The name comes from a fabric that women traditionally use to gird the body and, sometimes, the head. It is also used as a skirt or to cover the trunk. However, its application is more than aesthetic since women use the fabric to carry their children on their backs. It also has other functions, like carrying bundles, and is always present within homes as towels, curtains, and tablecloths.


This fabric was first used in Asia. It arrived in Africa in the 9th and 10th centuries through commercial exchanges between Arabs and Persians and those who lived along the African coastline. It was initially viewed as a currency between peoples, and only the monarchs used it since it denoted power. It became a symbol of fashion only many years later. It is widely used in Mozambique and sold by specialized stores and street vendors. The richness and variety of its colors and motifs make it a symbol of the country's cultural wealth. However, it is more than just a piece of color ful fabric; it is a manifestation loaded with history that exudes beauty and enchantment. The singular movement of the bodies of the mother and child they carr y within the capulana is fascinating. The children, guarded by their mothers, initially follow in their footsteps and later begin to build their history. That is where they start their journey, protected, and later, little by little, begin to forge their own way, treading their paths of sadness and happiness.


CIRCLE OF LIFE

As savanas, como a retratada nesta obra de Rodrigo Motta, são grandes extensões de terra localizadas na África. Possuem árvores com espinhos e uma grande predominância de cactos. A seca dura até dez meses, havendo um clima com temperaturas elevadas e umidade do ar bastante desértica. O solo predominante é pobre de material orgânico, o que se acentua pelas altas temperaturas. Nos vales e nas margens dos rios, a qualidade do solo é melhor, pois, na época de cheias, ocorre a acumulação de materiais orgânicos férteis.


Quando as chuvas chegam, a vegetação cresce rapidamente, com as árvores chegando a quatro metros e as gramíneas, a 30 cm. Em seguida, porém, tudo seca e se transforma em palha de facílima combustão, que gera incêndios espontâneos ou causados por ações imprudentes humanas. A savana africana vai desde os entornos do Deserto do Saara, até os entornos do de Kalahari, ao norte da África do Sul. Sua vegetação, portanto, que intercala arbustos e árvores, constitui o habitat da maioria dos grandes animais da África. A abundância de alimento atrai manadas de herbívoros, como antílopes, zebras e rinocerontes. Por sua vez, eles são a base alimentar de seus predadores, como leões, guepardos, leopardos, hienas e crocodilos.


Na savana africana, existem elefantes, ameaçados de extinção devido ao comércio de suas presas. Geralmente inofensivos, podem ser muito perigosos quando se sentem ameaçados, podendo reagir com movimentos bruscos e investidas que podem ser fatais para o ser humano. São os animais mais pesados do ecossistema, enquanto as girafas, que vivem em bandos na região, constituem os mais altos, sendo encontradas desde a África do Sul até o Chade. A obra destaca o belíssimo crepúsculo da área, com um céu multicolorido, em que geralmente o vermelho predomina. Além disso, a exuberância das árvores isoladas da região é realçada pelo contraste iluminado do pôr do sol no horizonte, que, por sua vez, remete, como aponta o título da obra de Rodrigo Motta, para a música homônima de Elton John e Tom Rice que se tornou uma das mais célebres do célebre desenho animado The Lion King, de 1994, que se passa no continente africano.


Circle of life Série Raízes

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tinta acrílica sobre acrílico e iluminação em Led | 41 x 41 x 8cm

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2021

Circle of life Roots Series | acrylic paint on acrylic and LED lighting

| 41 x 41 x 8cm | 2021


CIRCLE OF LIFE

The savannas, as portrayed in this work by Rodrigo Motta, are expansive stretches of land in Africa. They have thorny trees and are predominantly composed of cacti. The region's drought lasts up to ten months, and its climate includes high temperatures and desert-like humidity. The soil is predominantly poor in organic materials, accentuated by the high temperatures. However, the soil quality is better in the valleys and river margins since, during the flooding season, there is an accumulation of fertile organic materials. When the rains fall, the vegetation proliferates, with trees reaching up to four meters and grasses up to 30 cm. Nevertheless, everything dries up right after the rains and becomes an easily combustible type of straw, subject to spontaneous fire or fires caused by imprudent human actions. The African savanna extends from the Sahara's surroundings to the Kalahari's surroundings in northern South Africa. Therefore, its vegetation interweaves bushes and trees and comprises the habitat of most of the larger African wildlife. The abundance of food attracts herds of herbivores, such as antelopes, zebras, and rhinoceroses, and, in turn, these are the basis of the food chain of their predators—lions, cheetahs, leopards, hyenas, and crocodiles.


In the African savanna, elephants are threatened by extinction due to the commercialization of their tusks. Although they are usually harmless, elephants can become very dangerous when they feel threatened and react with abrupt movements and attacks that can be fatal to humans. Moreover, they are the heaviest animals in the ecosystem, while giraffes, which also live in towers in the same region, are the tallest and can be found in the lands extending from South Africa to Chad. This work emphasizes the area's breathtaking twilight. It shows a multicolored sky in which the color red predominates. The contrasting lights of the setting sun on the horizon emphasize the exuberance of the region's isolated trees. With all of this, Rodrigo Motta's visual interpretation reminds us of Elton John's and Tom Rice's song by the same name that became one of the most renowned of the animated film The Lion King (1994), which also has the African continent as its backdrop.


OURO VERDE

Com cerca de 50 gêneros e 1250 espécies que se distribuem dos trópicos às regiões temperadas, havendo, porém maior ocorrência nas zonas quentes e com chuvas abundantes das regiões tropicais e subtropicais da Ásia, África e América do Sul, os bambus são nativos em todos os continentes, exceto a Europa, sendo 62% originárias da Ásia; 34% das Américas; e 4%, da África e Oceania. O bambu já recebeu a denominação de “ouro verde” pela sua diversidade, que vai de espécies pequenas, com até um metro de comprimento, utilizadas principalmente em ornamentação, até as gigantes, que podem atingir cerca de 35 metros. Alguns a chamam de “planta maravilhosa” por colaborar na restauração de paisagens degradadas, assim como pelo potencial de uso no design e na arquitetura. Nesse sentido, existem, em todos os continentes, ações para comercializar o bambu, tendo em vista, como ocorre na África, o potencial da planta para mitigar mudanças climáticas além da possibilidade de aumentar receitas por meio de créditos de carbono.


Entre as características do bambu, estão diversos atributos que explicam a sua progressiva valorização. Ele é barato, auto-renovável, leve, forte, estético, abundante nos trópicos, resistente e energético. Tudo isso está associado a excelentes características biológicas, físicas, químicas e mecânicas que o habilitam a ser utilizado em numerosas aplicações práticas. Há mais de mil diferentes usos para o bambu, como alimento, devido ao nutritivo broto, e construção de casas, móveis, instrumentos musicais, objetos artesanais e utensílios diversos. Há, portanto, possibilidades de explorações agroindustriais em fábricas de polpa e celulose para papel e de pisos e cabos de ferramentas à base de bambu laminado colado. Essas ações levam a outros benefícios, como gerar emprego de mão de obra em cidades ou povoados vizinhos aos que financiam essas iniciativas, favorecendo a fixação de trabalhadores no campo, o que combate o êxodo rural e propicia novas fontes de geração de renda.


O bambu é também chamado de “amigo da natureza”, pois é um grande protetor do solo, devido ao seu vigoroso sistema radicular, um rápido sequestrador e armazenador de carbono e fornece ainda alimento e abrigo para a vida selvagem. Recurso perene, renovável e de crescimento rápido (6 meses entre o nascimento do broto e a altura final do colmo, que pode atingir mais de 30 metros em algumas espécies gigantes), precisa apenas da energia do sol (fotossíntese) como alimento. A imagem de Rodrigo Motta lembra como a falta de cultura a respeito dos benefícios do bambu o faz ser muitas vezes ser desconhecido ou mesmo esquecido nas Américas e na África, embora seja reverenciado como divindade entre os orientais e tenha acompanhado o ser humano desde o início de sua História.


Ouro verde Série Raízes | fineart (impressão com pigmento mineral CANON em mídia tailandês Polycotton) 137 x 100 x 21 cm | 2022 Green Gold Roots Series | fine art (CANON mineral pigment printed on a Thai Polycotton medium) 137 x 100 x 21 cm | 2022


GREEN GOLD

With approximately 50 genera and 1,250 species distributed from the tropics to temperate regions and predominantly existing in the warm zones with abundant rains in the tropical and subtropical regions of Asia, Africa, and South America, bamboo is native to all continents except Europe, with 62% originally from Asia, 34% from the Americas, and 4% from Africa and Oceania. Bamboo has been referred to as “green gold” for its diversity, which includes small species measuring up to one meter high and used primarily for decorative purposes to giant ones reaching up to 35 meters. Some call it the “marvel plant” since it helps restore degraded landscapes and has many uses in design and architecture. In this sense, there are commercial activities involving bamboo in every continent since, as has been observed in Africa, the plant has the potential to mitigate climate change and increase revenue through carbon footprint credits. Bamboo has several attributes that explain the gradual increase in its value. It is cheap, selfrenewable, lightweight, strong, aesthetic, abundant in the tropics, resistant, and energizing. These traits are associated with biological, physical, chemical, and mechanical characteristics that allow bamboo to have several practical applications.


Bamboo has thousands of uses, from food sources for its nutritious sprout to manufacturing houses, furniture, musical instruments, crafts, and various utensils. There is also the possibility of its exploration in pulp and cellulose manufacturing for paper, as well as flooring and attached laminated bamboo tool handles. These actions, in turn, lead to other benefits because they generate labor in cities and neighboring villages t h a t fi n a n c e t h e s e i n i t i a t i ve s , fa vo r i n g t h e establishment of workers in the field and leading to less rural exodus, thus generating new income sources. Bamboo is also referred to as “nature's friend” because it protects the soil with its robust root system, sequestering and storing carbon and providing food and shelter for wildlife. In addition, it is a perennial, renewable, and fast-growing resource (it takes only six months from sprout to maximum height), and it only needs solar energy (photosynthesis) as a food source. Rodrigo Motta's image reminds us that the lack of cultural knowledge concerning the benefits of bamboo often leads it to become obscure or even forgotten in the Americas and Africa, even though in Asia it is revered and has been accompanying the evolution of humanity since the beginning of its history.


MAMA ÁFRICA

A série “Raízes” busca representar diversos aspectos do povo africano. O continente é o terceiro maior do mundo em área e hoje conta 54 países, oriundos de um complexo processo de colonização escravagista que não conseguiu destruir um conjunto cultural que apresenta diferentes conhecimentos, crenças, valores e costumes. Há, na África, mais de 1,1 bilhão de pessoas, mais de 490 etnias diferentes, muitas delas convivendo dentro de um mesmo país, e mais de mil idiomas. A população, que reflete a diversidade da extensão territorial do continente, habita de regiões totalmente desérticas a áreas de climas equatoriais chuvosos. Berço da humanidade, o continente enfrenta consequências de processos históricos que geraram estigmas negativos geralmente associados apenas à fome e à pobreza. Esse tipo de discurso é resultado de um processo de apagamento da história africana a partir da colonização europeia que desvalorizou a história local antes da chegada dos impérios coloniais.


A África tem o maior crescimento vegetativo do mundo, cerca de 1,9% ao ano, o que piora questões como epidemias, doenças, fome e desemprego, entre muitos outros. A carência de serviços médicos, por exemplo, leva a uma expectativa de vida baixa e a um desequilíbrio social, pois a população economicamente ativa não é suficiente para manter os jovens que ainda não ingressaram no mercado de trabalho. Portanto, as crianças começam a trabalhar mais cedo e abandonam as escolas. Isso se soma à baixa qualidade dos serviços de saúde e a ausência de políticas públicas que possam garantir escola e habitação dignas. Elevadas dívidas externas e ampla corrupção interna ampliam um quadro desafiador na esfera local de cada país e do continente como um todo, que apresenta, no conjunto, baixo Índice de Desenvolvimento Humano. Apesar da colonização, porém, as culturas tradicionais africanas persistiram. Na esfera religiosa, por exemplo, o avanço do cristianismo eliminou os sistemas de crença tradicionais. Cerca de 20% de toda população africana se declara adepta de alguma religião local, como a dos iorubá, grupo étnico que ocupa parte dos territórios da Nigéria, Benin e Togo e que, com a adoração aos orixás, deu origem ao candomblé no Brasil.


Muitos costumes ou tradições, mesmo entre indivíduos que se declaram cristãos ou muçulmanos, vêm dessas crenças tradicionais, como o respeito pela ancestralidade e a crença de que eles podem intervir no mundo, a manipulação de forças do bem e do mal pelo acesso a divindades, práticas rituais, como sacrifícios, orações e o uso de amuletos e talismãs, e a utilização de práticas tradicionais de cura. Outro aspecto fundamental é a oralidade. As crenças, os rituais, os costumes e a sabedoria ancestral foram transmitidos entre as gerações pela fala e pela música, presente em rituais religiosos, mas também em técnicas de plantio e colheita. Merecem destaque os griots, pessoas que transmitem a tradição pela fala, sendo os guardiões principalmente da memória na África Ocidental. Oradores e contadores de histórias, eles geralmente também tocam instrumentos e cantam, o que facilita a disseminação da tradição.


Mama África Série Raízes | óleo sobre tela e tecido | 161 x 92 x 10 cm | 2021 Mother Africa Roots Series | oil on canvas and fabric | 161 x 92 x 10 cm | 2021


MOTHER AFRICA

The “Roots Series” seeks to represent various aspects of the African peoples. The continent is the third largest in the world in terms of area and today includes 54 countries, deriving from a complex process of slave-holding colonization that was unable to destroy a cultural foundation representative of different knowledges, beliefs, values, and customs. In Africa, there are more than 1.1 billion people of more than 490 different ethnicities, many living within a single country and speaking more than a thousand languages. This population, which reflects the continent's distinct territorial extension, lives in regions ranging from complete deserts to areas with rainy equatorial climates. The continent is the birthplace of humanity but incessantly deals with the consequences of the historical practices that generated negative stigmas, generally associated only with hunger and poverty. This type of stigmatized discourse results from the process of erasing any African history and devaluing any local histories that took place before the arrival of colonial empires. Africa has the most considerable vegetational growth in the world, approximately 1.9% per year, which worsens issues like epidemics, illnesses, hunger, and unemployment, among many other issues. For example, the lack of medical services leads to low life expectancy and social inequity, and the economically active population is insu cient to sustain the young adults that still have not entered the workplace.


Consequently, children start to work earlier and drop out of school. This action adds to the low quality of healthcare services and the absence of public policies that can ensure good schools and housing. In addition, high foreign debt and widespread internal corruption amplify a challenging picture in the local sphere of each country and continent, which presents a low Human Development Index. Traditional African cultures persist, however, despite colonization. In the religious sphere, for example, the advancement of Christianity eliminated several traditional belief systems. Never theless, approximately 20% of the entire African population declares itself as adept to the local religion, such as that of the Yoruba, an ethnic group that occupies part of the territories of Nigeria, Benin, and Togo, and which, through the worship of Orishas, gave origin to Candomblé in Brazil. Many customs and traditions come from these traditional beliefs, even among individuals that declare themselves Christian or Muslim. These include respect for their ancestry and the belief that they can intervene in the world by manipulating the forces of good and evil, accessing certain divinities, practicing rituals and sacrifices, praying, using amulets and talismans, and using traditional curing practices. Another fundamental aspect is orality. The ancestral beliefs, rituals, customs, and knowledge were passed down from one generation to the next through speech and music, present in religious rituals, and through planting and harvesting techniques. Therefore, of note, are also the griots who transmit traditions through speech and serve as the guardians of memory, particularly in Western Africa. These orators and storytellers usually also play instruments and sing, enabling the dissemination of the tradition.


EU VEJO VOCÊ

A magia do olhar é o ponto mais enigmático do trabalho. A imagem retrata uma criança da etnia Tembé, subgrupo dos tenetearas que habita o Nordeste do Pará e do Maranhão. Trata-se de um povo ameaçado pelo desmatamento de suas terras e pelas ações violentas de grileiros, fazendeiros, posseiros e empresários. Povo principalmente agrícola, tem Maíra como o principal herói cultural, pois criou a mandioca e ensinou os seres humanos a cultivá-la. A principal festividade da etnia é o Wiraohavo (Festa da Menina Moça ou do Mingau), rito iniciático de rapazes e moças, também conhecido como Festa do Moqueado. São três fases. Na primeira, quando ocorre a primeira menstruação, elas são pintadas com jenipapo e ficam reclusas por cerca de uma semana, até que ele saia naturalmente do corpo. Na segunda, as jovens são pintadas com a "pintura da onça" (símbolo de força e coragem) no rosto e a "da lua" (novo ciclo de vida), sendo realizado o ritual do mingau (feito de massa de mandioca) preparado e servido por elas. Na terceira, ocorre o Moqueado, com duração de sete dias. As mulheres preparam as caças trazidas pelos jovens na semana anterior; e no encerramento, todos são enfeitados com penas, com ela usando saias longas; e eles, com a mesma indumentária feita de malva.


Teneteara significa “índio verdadeiro” – e talvez boa parte desse sentimento esteja no olhar que o trabalho visual, feito com pintura e costura traz. Aquele indivíduo que está entre as cortinas, observando o mundo, é pleno de interrogações. Elas povoam a sua mente. Qual é o futuro da etnia? Como ela consegue se ajustar ao mundo dominado pela sociedade branca? Essas perguntas surgem associadas a uma grande indagação geral sobre a continuidade das tradições dos povos originários como um todo.


I SEE YOU The magic in the eyes is the most enigmatic point of this work. The image portrays a child of the Tembé ethnic group, a subgroup of the Teneteharas who inhabit Northeastern Pará and Maranhão. This group of people is being threatened by the deforestation of their lands and the violent actions of land grabbers, farmers, squatters, and entrepreneurs. The Tembé people are primarily farmers. Their main cultural hero is Mahyra, a deity that created cassava and taught humans to cultivate it. The most popular festivity of the Tembé people is the Wiraohavo (a rite of passage for young men and women, also known as the Feast of the Porridge or Feast of the Smoked Meal). It is composed of three phases. The first takes place when a girl first menstruates. They are painted with genipap and separated from the group for approximately one week until the menstruation flows naturally from the body. During the second, they are painted with the “image of the jaguar” (a symbol of strength and courage) and the “image of the moon” (representing a new cycle of life). It is at this time that the porridge ritual takes place. The porridge is made from cassava and prepared and served by the young women. During the third phase, the smoking of the meat takes place. This phase lasts seven days. The women prepare the hunt brought to the group by the young men the week before. At the end of the feast, everyone is adorned with feathers. The women wear long skirts, and the men wear their usual clothing, but this one is made of mallow. Tenetehara means “true native person,” and perhaps much of this sentiment is expressed through the look that this visual work, made with oil paints and fabric stitching, brings out. The individual behind the curtain, observing the world, is full of questions that consume their every thought. What is the future of this ethnic group? How can it fit into a world dominated by a white society? These questions surface in association with an even more pressing question about the overall continuity of the traditions of indigenous people in general.


Eu vejo Você Série Raízes | óleo sobre tela e tecido | 120x 80cm | 2023 I see you Roots Series | oil on canvas and fabric stitching | 120 x 80cm | 2023



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