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Museu a céu aberto no meio do sertão
lha do Ferro e Piranhas, em Alagoas, revelam a impressionante arte de moradores artesãos e a espetacular natureza recortada pelo Velho Chico
A HISTÓRIA DA ILHA DO FERRO na beira do rio São Francisco, a 235 km da capital Maceió, na região do sertão alagoano –começa por aquelas contingências cósmicas que posicionaram uma série de elementos para que essa narrativa fosse escrita. Em 1985, o povoado pleiteava a chegada de energia elétrica. No meio do caminho havia uma árvore, havia uma árvore no meio do caminho.
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Derrubaram a árvore, e toda sua madeira, chamada de mulungú, ficou espalhada na frente da entrada da pequena vila – que constituía o lugar –especificamente perto do “Redondo”, espaço de confraternização na casa de Fernando Rodrigues, que era um ótimo anfitrião, mas não tinha nenhum banco para receber quem chegava em dia de festa.
Ele olhou para todo aquele mulungú no chão e pensou em fazer bancos para os seus convidados. Acontece que nesse gesto, transformou todo o curso da Ilha do Ferro. Ao privilegiar o formato da madeira na composição de suas peças, o artesão criou algo totalmente original. Enxergou um ofício. Mais do que isso: compartilhou com outros moradores como manusear o mulungú e desenvolveu uma expressão artística local.
As obras de Fernando e do que viria a se tornar o Ateliê Boca do Vento fizeram parte da mostra “Brésil, Arts Populaires”, que aconteceu no Grand Palais, em Paris, em 1987. Hoje, essas peças fazem parte do acervo do Centro Cultural de São Francisco e do Museu de Arte Popular, em João Pessoa, na Paraíba. Ele também foi figurinha carimbada na Casa Cor de São Paulo e viveu a experiência de expor suas obras na abertura do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba.
O pioneiro artista faleceu em 2009, deixando um legado inestimável. Ao visitar a Ilha do Ferro, é possível conhecer o Espaço de Memória Artesão Fernando Rodrigues dos Santos e um verdadeiro museu ao ar livre. Na região, todos são acolhidos por uma aura lúdica dentro de cada ateliê, na casa dos artesãos, onde as famílias recebem a quem chega com um café e um sorriso no rosto.
Por ali, o Redário Ilha do Ferro é a hospedagem ideal para quem quer viver essa experiência artística, em pleno sol do sertão, e retornar ao fim do dia para esticar as pernas e brindar de frente ao Velho Chico. Com apenas quatro quartos e trabalhada majoritariamente no cimento queimado, a arquitetura do lugar exalta os dois principais elementos da Ilha: suas veias artísticas e o São Francisco. O quarto é pensado para casais e o pequeno hotel se torna uma alternativa para se juntar com os amigos ou a família e fechar um pacote completo.
Cap Tulos Finais Do Canga O
A 90 km da Ilha do Ferro – talhado em um majestoso cânion – o sítio histórico e paisagístico de Piranhas foi tombado em 2004, como Patrimônio Histórico e Artístico do Brasil, pelo Iphan. É um destino que está intimamente ligado à história do Cangaço e aos seus capítulos finais – é prato cheio para quem ama um lugar carregado de simbolismos. Uma cidade colonial, que acompanha o relevo das montanhas, rumo ao Baixo São Francisco. Perfeita para tomar banho de rio, para comer uma comida sertaneja, para passar tempo tomando uma boa cerveja e para se hospedar em grande estilo.
O Pedra do Sino Hotel, à beira dos cânions, é um local ideal para preparar um banho de banheira, botar um jazz para tocar e aproveitar a paisagem. O hotel fica em uma pequena estrada de terra, que sai da via principal rumo ao São Francisco. Hospedado na suíte master, com vista direta para o rio, a experiência em Piranhas e no sertão é deslumbrante.
Na cidade, a primeira parada é o Museu do Sertão, na antiga estação ferroviária. Com exposição permanente de peças ligadas ao cangaço, à estrada de ferro Paulo Afonso, à navegação a vapor, à religiosidade sertaneja e aos costumes locais, o acervo é composto de fotografias, documentos e artefatos de época. Lá, por exemplo, está a famosíssima fotografia dos cangaceiros do bando de Lampião mortos em Angico. A Igreja de Santo Antônio de Lisboa – a mais antiga edificação de Piranhas – construída em 1790, é outro destaque.
O centro histórico também é ponto de boemia. De dia, as atenções se concentram nos bares da orla que ficam às margens do São Francisco e há pontos sinalizados para banho. À noite, com a cidade iluminada, o cenário da "Lapinha do Sertão" – nome dado por D. Pedro II quando visitou Piranhas – é ainda mais encantador.
E, para mergulhar na natureza, a 30 minutos do centro, o clube Espaço Angicos surpreende. O lugar pede por um dia inteiro de sossego, com drinques e petiscos à beira rio em espreguiçadeiras. Em contraste interessante, o clube abre as portas da história efervescente da região. Por ali, o visitante pode fazer a mesma trilha pela qual a polícia de Piranhas emboscou Lampião na Grota do Angico. É possível passar pela casa do Coiteiro Cândido – ainda preservada nas características de taipa –, pelo Alto das Perdidas, posição estratégica do ataque, até descer onde hoje residem as lápides em homenagem aos cangaceiros mortos naquele fatídico dia 28 de julho de 1938. O local parece uma arena teatral a céu aberto e as cruzes fincadas nas pedras mantêm viva a memória da quase mística história do sertão brasileiro.
Redário Ilha do Ferro
Rua Seguindo a Igreja, Ilha do Ferro, Alagoas. Diárias a partir de R$ 500. Tel. 82 99982-0909.
Pedra do Sino Hotel
Rua Alto do Mirante, 1.600, Centro Histórico, Piranhas, Alagoas. Diárias a partir de R$ 480. Tel. 82 98807-3918.
Na outra página, peças de Fernando Rodrigues, na Ilha do Ferro. Nesta página e em sentido horário, Casa Pedro Cândido, em Piranhas, centro histórico e Pedra do Sino Hotel, na mesma cidade, e obras do artesão Petrônio e Redário Ilha do Ferro