A cômica tragédia humana Descrição de uma filmagem João Bosco da Encarnação
Advertência: Este filme, quer dizer, texto, contém (muitas) cenas de sexo, violência e pilantragem. Afinal, trata-se de humanos. (Brincadeira... Não contém muitas, não!)
1º Episódio A cenografia O diretor trabalhava com tranquilidade, e via-se que ele gostava do que estava fazendo, muito satisfeito consigo mesmo. Pretendia-se uma tragédia, isto é, no sentido de falar de coisas superiores, mas, por falta de critério seu, acabou sendo uma comédia, pois acabou-se falando de coisas inferiores, cotidianas, uma cômica tragédia, humana, onde tudo se confunde, e a essência das coisas é o engano. No princípio, ele estava preocupado com o cenário, o que é natural, e criou o céu e a terra. Então, ele andava por ali, como se buscasse inspiração, a preencher aquele vazio imenso que ficou no cenário, à espera de uma luz, que lhe mostrasse o que faria. Veio-lhe a ideia de iluminar aquele cenário de terra e mar, um mar sobre o qual gostava de pisar, porque era um mar feito de um material resistente, e assim ele podia se sentir flutuando sobre a água. Mandou que se instalassem as luzes, e queria um clima de fim de tarde, quando o sol se punha, amarelo, atrás da terra, e quando se acendeu o holofote, ele deu um grito de alegria. “Está ótimo, assim!”, ele disse, e mandou que se deixasse uma sombra, a fim de que ficasse bem diferenciado o dia da noite, naquele ocaso. Depois mandou acertar a terra, para que ficasse bem separada do mar, e mandou que se acendessem as luzes de novo, e assim já era o segundo dia em que o diretor trabalhava no cenário, que achava uma verdadeira maravilha. E ele tinha razão. A tecnologia permitia, agora, efeitos especiais magníficos, que provocavam ilusões incríveis. Sob um comando seu, por exemplo, separaram-se, com luzes, o céu da terra, e a terra do mar. Ele mesmo, extasiado, exclamou: “Puxa! Ficou ótimo!” Trabalhou, então, no terceiro dia, para o aperfeiçoamento do cenário, mandando que se instalassem ervas e árvores, pois queria tudo verde, e a ideia era montar uma floresta, com muitas árvores, criando detalhes até mesmo de frutos pendentes, para que ficasse bem realista, embora devesse parecer um paraíso. Colocaram angico, canela, jacarandá e ipê, cercadas de arbustos, ervas, gramíneas, musgos, e tantas outras, de maneira que ficou tudo muito bonito, e até parecia de verdade. Enquanto não davam uma solução para como iriam colocar os animais, o diretor admirava tudo, andava para lá e para cá, imaginando como desenvolveria a sua história, que imaginava a mais tocante de todas, mas guardava segredo, e dava instruções para que instalassem, no alto,
pequenas luzinhas, como se fossem estrelas, que iriam aparecer, quando apagassem o sol, ou melhor, quando o escondessem, em movimento, para parecer um entardecer. Já estava no quarto dia, quando surgiu a solução: Das águas sairiam os répteis, e, de repente, diversas aves cruzariam o céu, em voos rasantes e alaridos bem estridentes, para que se quebrasse de tal forma o silêncio, que qualquer um se assustasse. Era esse o propósito! Então, ele exclamou, satisfeito: “Está muito bom!” E depois de uma pausa: “Mas é preciso mais! Multipliquem tudo, pois quero muitos bichos nesse cenário! Quero algo grandioso!” Os auxiliares ficaram estupefatos, e olhavam uns para os outros como a dizer: “Vamos lá! Quem manda é o chefe! Nós obedecemos...” E corriam a satisfazer o gênio. Passou-se o quinto dia, e ele queria mais, e mais e mais. A equipe trabalhava sem trégua, e, no final, tudo saía como ele queria. Então, pensou: “O que vale tudo isso, se não tem alguém para admirar?” Estava tão absorto no cenário que criou, que esquecia de si mesmo, e, como um artista, queria que alguém admirasse e usufruísse de sua obra. Foi quando, finalmente, teve uma ideia. Mais uma ideia.
2º Episódio Personagens: o homem e a mulher “Vamos colocar aí um casal.” “Sim”, disse com ar que só os gênios ostentam, “vamos colocar nesse cenário magnífico, um homem e uma mulher...” Seus colaboradores olharam estupefatos mais uma vez, porém, sem razão, pois o que seria de um filme sem personagens? Não queria o diretor fazer um mero documentário, mas sim um drama. “Na verdade, colocando um homem e uma mulher... uma tragédia”, disse um dos auxiliares. “Pois que assim seja! E eles, os atores, serão livres para criar, improvisar, e cooperar nessa grande obra!” Com isso o diretor queria dizer, talvez, que seriam o seu “alter ego”, o seu “outro eu”, à sua imagem e semelhança, a fim de que representassem tudo o que ele queria exprimir na obra. Eles poderiam usar de tudo que havia ali, e deviam por para fora tudo o que sentiam, a fim de compor essa obra que era, ao mesmo tempo, sonhada pelo diretor, e realizada pelos seus atores. Então, eles improvisariam, com liberdade, mas de acordo com as balizas, os limites impostos pelo diretor. Deviam ser bons atores! E já se passava o sexto dia, quando alguém anunciou que o ator chegou. Era como o diretor tinha determinado, podia ficar sossegado! E sossegado, no sétimo dia, ele foi descansar, porque estava esgotado. E não era para menos. Fazer um universo inteiro, em seis dias! Haja energia e determinação. No caso dele, tratava-se de um artista desassossegado, intenso, hiperativo, que queria, o tempo todo, se exprimir. Tinha muito o que dizer, mas nem sempre sabia como. Então, descansando, o que fez por pouco tempo, na verdade um dia de agitação mental, resolveu experimentar mesmo. “Vou deixá-los atuarem... E vamos ver no que vai dar!” Imaginava, assim, naquele cenário imponente, que parecia mesmo uma selva primitiva, caminhando entre as samambaias gigantes, um rapaz. Era magro, barbudinho, e a cabeleira bagunçada, como quem há muito não se lavava, nem mesmo se penteava. Talvez nunca tenha feito isso. Era um selvagem, mas um selvagem charmoso, porque era um ator, e os atores, por mais que representem, trazem sempre algo de si nos personagens que criam. “Pois que assim seja”, disse o diretor, pensando, com as mãos, em moldá-lo como uma escultura do barro, e dar-lhe forma, e, como fez Michelangelo, com a estátua de Moisés, em que,
extasiado com a própria obra, deu uma martelada, enquanto dizia: “Parla!”, o diretor imaginou soprar pelas narinas da sua estátua, e dizer: “Viva!” Enquanto isso, jogavam água sobre as plantas, para permanecerem vivas, e escorria pelo chão, dando-lhe a ideia de quatro rios, e no meio dele, um jardim muito bonito, de gramíneas e flores, e o rapaz vinha por ali, distraído, porque, ao improvisar, parecia-lhe que era melhor começar assim: distraído, com se não estivesse acontecendo, ou que não percebesse coisa alguma. Realmente, não estava acontecendo nada ali, como sempre – é de se imaginar! -, em qualquer paraíso. Até que o homem chegue, e, com ele, a agitação. E assim foi. Como ele vivia só, tinha a mania de andar nu, e falar sozinho. Alguém pode argumentar que o fato de andar nu era uma jogada de marketing, para o filme obter público, e não seria sem razão. Porém, o que o diretor desejava, como artista que era, estava acima disso. Não era mera vulgaridade, mas expressão. Ele queria expressar um homem puro, nu, no sentido mais profundo, ou seja, sem qualquer sofisticação ou disfarce. De sua parte, porém, o ator entendia isso como liberdade, e nem questionava essa condição, que era primordial para ele se expressar. Vinha, assim, pelo caminho, que não levava a qualquer lugar, em nem trazia de lugar algum, porque ele não tinha mesmo para onde ir, e ficava perambulando, sem ter o que fazer. Enquanto andava, falava sozinho. E refletia sobre a vida: “Ah! Que mundo vasto... Tão bonito! E é tudo meu! Tudinho meu... Não tenho ninguém para dividir... Todas as plantas, todos os animais, o céu, a terra, o mar... Ah! Preciso dar nomes às coisas, senão me perco. Um pouco de método nessa bagunça toda...” Parava, pegava uma fruta, direto no pé, mordia, comia um pouco, jogava fora, com extravagância, pois tudo ali era abundante. Agachava-se, assim, de repente, e fazia suas necessidades! Era quando pensava na enorme vantagem de estar só no mundo. Enfim, era um solteirão convicto... Bom, até que nem tanto, porque essa liberdade, essa facilidade toda, acabava provocando-lhe uma frustração, um sentimento esquisito, de solidão. Sentia falta, às vezes, de ter alguém para conversar, trocar ideias, e até mesmo discutir e brigar! Depois se arrependia desses pensamentos malucos, e agradecia por estar só, naquele paraíso, sem que precisasse dividir qualquer coisa com quem quer que seja. “Ponha a cabeça no lugar, Adão!”, dizia para si mesmo. “Adão! Eis aí um bom nome...”, disse em voz alta, como de costume, tomando consciência, pela primeira vez, que ainda não tinha nome. Um nome, para quê? Poderia se perguntar, se vivia só. Mas não tinha consciência de que conversava consigo mesmo como se fossem dois, e, embora, vez ou outra, dirigisse a palavra aos
animais, era a si mesmo que falava o tempo todo. Até se cansava de ouvir a si mesmo, porque falava sempre a mesma coisa, e já sabia o que ia falar. Então, era uma conversa de maluco. Às vezes, sentava-se sobre uma pedra, à margem do riacho, e ficava pensando: “Não tenho pai, nem mãe... Não sei de onde vim, nem para onde vou... Afinal, quem sou eu?” Depois, olhava a si mesmo refletido na água, ajeitava um pouco o cabelo, e seguia em frente. Mas chegou um ponto em que o diretor percebeu que estava redundante e sem sentido, e resolveu dar um jeito. A conversa de Adão consigo mesmo era tão chata, que ele dormia. E dormia um sono profundo, quando talvez sonhasse consigo mesmo, pois sempre acordava assustado. Dessa vez, porém, ele acordou, levantou-se de lado, com uma dor na costela, e foi caminhando lentamente em direção ao rio, pensando que havia dormido de mal jeito, no chão duro, e que devia tomar mais cuidado, ao adormecer. Discutia consigo mesmo a esse respeito, quando percebeu que estava sendo observado. Olhou ao redor, como se sentisse vergonha, por estar falado sozinho, e perguntou: “Há alguém aí?” Isso foi surpreendente para ele mesmo, porque sabia que não havia outra pessoa por ali, mas surpreendente era ainda ele saber falar, o que devia assustar quem nunca havia visto uma pessoa antes, porque atrás de uma moita agitada, alguém se escondeu. “Ah! Eu sabia que havia alguém aí!”, disse ele, todo satisfeito. Satisfeito, não porque houvesse alguém ali, mas por ter acertado. Adão era um sujeito muito orgulhoso. “Quem é você?”, perguntou ele. “Vamos, diga. Não tenha medo! E nem vergonha...” Sentia-se, portanto, superior a quem quer que fosse, porque achava que esse alguém tinha medo ou vergonha dele. Então, o diretor interveio: “Sai da moita, vai ao encontro dele, mulher!” Na verdade, ela estava um pouco envergonhada, porque estava nua, e não fosse a necessidade de trabalho, talvez não aceitasse aquele papel. Saiu vacilante, e Adão, ao contrário, não vacilou: “Caramba!”, disse ele, depois se contendo. Ela tinha mesmo um corpo bem bonito... Colocou a mão na costela que doía, e disse, um tanto tímido: “Estou com uma dor aqui.” Mas, sentia mesmo era um frio na espinha, e fez uma metáfora, porque achava que as mulheres podiam gostar de poesia: “Essa costela aqui, que dói como se tivesse sido arrancada, é você que vai preencher o vazio deixado por ela...”
A moça olhou para ele sem entender, e ele, para quebrar o gelo, emendou: “Posso chamá-la de Eva?” Como não tivesse nome, a moça concordou com a cabeça, exprimindo, pelo olhar, um agradecimento tímido, e Adão, sem dar trégua, porque falava demais, desde que aprendeu a falar consigo mesmo, quando nunca era interrompido, estendeu-lhe a mão e disse: “Muito prazer! Meu nome é Adão!” Como era uma pessoa muito sugestiva, Adão passou a achar que Eva havia saído dele mesmo, como imaginado na metáfora, e falou, então, que a mulher saiu do homem, e, por isso, deviam estar sempre copulando, para tentar, de novo, a união perdida. Sussurrou a ela: “O que você vai fazer hoje à noite? Está fim de sair, tomar alguma coisa?” O diretor ficou bravo e disse: “Concentrem-se nas falas! Concentrem-se nas falas! Fala do pai e da mãe!”, mas Adão, sem entender, fez um olhar perdido no nada da floresta, e disse, com o intuito maldoso de fazer Eva se apaixonar por ele, que não conhecia os pais, que não sabia de onde havia saído, e que se sentia como um animalzinho abandonado. Eva ficou tocada, e como se fosse o contrário, que Adão tivesse saído dela, tomou-o nos braços, envolveu-o e o acalmou, enquanto dizia: “Relaxa. Fica calmo, que vai dar tudo certo!” Era a primeira vez que Adão ouvia uma voz que não era a sua, e a ouviu de pertinho, pois estava com o ouvido no peito dela, e isso o assustou muito, e o deixou agitado. Então, ela disse: “Minha resposta é sim! Vamos sair hoje à noite...” Adão saiu correndo feito uma criança assustada, embrenhou-se no mato e deixou Eva sozinha, sem entender o que tinha acontecido. Ele demorou, porque já tinha saudade de falar sozinho, e de andar perambulando por aí, sem dar satisfação a ninguém. Mas Eva era compreensiva, havia percebido que assustou o rapaz, que era tímido, que talvez tenha sido rápida demais, mas achava que ele gostava dela, e que iriam se casar e ele se acostumaria à vida de casado, que devia dar um tempo para o companheiro, de modo que não devia ficar preocupada, mas apenas tentar melhorar a relação. Pensava ela, à beira do riacho, enquanto descobria, na imagem refletida, que tinha os cabelos embaraçados, e que talvez isso não agradasse Adão, procurando fazer um penteado, quando uma cobra se aproximou e disse: “Mulher quando mexe no cabelo, está insinuando alguma coisa...” Eva deu um pulo de susto, e perguntou: “Quem é você?” “Eu sou a cobra, querida? Não sabia que eu entro na história?”
“Não!”, disse Eva. “Eu não li todo o roteiro...” “Não leu nem o começo, porque eu entro já no comecinho...”, respondeu a cobra. “E como pode... uma cobra falar...”, disse a mulher. “Ah! Nos filmes, tudo é possível... Você vai ver. Nunca trabalhou no cinema?”, completou a cobra. De repente, Eva ouviu Adão gritando: “Eva! Eva! Onde você está? Cuidado que tem cobra por aqui...” Eva respondeu baixinho: “Eu sei...” E a cobra deu uma risadinha de satisfação. “Bem...” disse o réptil. “Eu acho que vocês precisam incrementar a relação... Quero dizer... Aprender umas coisinhas...”, disse a cobra, enquanto Eva a interrompia: “Quem é você, para dar conselhos conjugais...” “Ora!”, disse a serpente. “Aposto que você ainda não comeu... daquela frutinha...” “Qual?”, perguntou Eva curiosa. “Aquela, do bem e do mal...”, completou a serpente, de forma astuta. “Ah! Aquela, não podemos... Podemos comer de tudo, mas aquela, não. Senão a gente morre...”, disse triste a mulher. A serpente, porém, encheu-se toda e disse, com maestria: “Que nada! Deixa de bobagem, minha filha. É que se vocês comerem daquela frutinha, irão ficar sabendo de tudo...” Depois, dando uma piscada d'olhos, completou: “Olha! Vocês podem fazer o que bem entenderem, porque, pelo que me parece, o diretor não tem um roteiro fechado. Ele vai gostar da contribuição de vocês...” Eva ficou pensativa: “Porque será que a cobra tem interesse nisso? O que ela ganha?” Seu pensamento foi interrompido pelo grito de Adão, que estava mais perto: “Eva! Cadê você? Estou esperando por você, querida!” Ao ouvir Adão chamá-la de querida, Eva ficou entusiasmada, porque percebeu que ele gostava dela, e isso a excitou. Correu em direção à tal árvore de que a cobra havia falado, pegou uma fruta, e deu uma mordida, enquanto corria em direção a Adão. Parecia mágica! Adão, ao ver a fruta que Eva, entusiasmada, exibia, avançou sobre ela, de modo viril, e ambos caíram por trás de uma moita. Isso não estava no roteiro, tratou-se de uma improvisação. A câmera fechou na moita, de maneira que só se via balançar a folhagem, e de trás saíam gemidos da mulher: “Oh! My God! Oh! My God! Oh! My God!”
(O produtor aplaudiu de pé, dizendo: “Muito bom!” e Completou: “Crescei e multiplicai-vos!”, pensando, certamente, no lucro que cenas de sexo possibilitavam. Por isso há muito sexo em toda a história...) Então, uma voz, feito um trovão, pois usavam efeitos sonoros, disse: “Estão me chamando? Ouvi alguém pronunciar o meu nome... Posso ajudar em alguma coisa?” Ao ouvir isso, os dois correram, se esconderam, e a voz de novo, disse: “Onde está você, Adão?” Adão, então, acabou respondendo: “Estou aqui... É que fui pego de surpresa, e estava nu...” (Quando ficava nervoso, Adão começava a se coçar inteirinho, feito um macaco com piolhos.) A voz, retrucou: “Então... Ah! Se tivesse porta, eu batia antes, mas, atrás da moita... E eu ouvi chamarem...” Depois de uma breve pausa, a voz perguntou: “Mas, você está com vergonha de estar pelado?” “É que, quando o senhor passa, faz um vento, e fica frio aqui...” O diretor intervem: “Fala da mulher!” Adão, ao ouvir o diretor, meio confuso com tantas vozes, diz: “Ah! A mulher... Eu queria agradecer...” Eva intervém, sussurrando: “Adão! Para de se coçar... Parece um macaco...” A voz, também improvisando, responde: “Gostou? Ela é bonitinha, né?” Depois, em tom de pensamento, continua a voz de trovão, um pouco mais fraca: “Você vai ver a encrenca que está arrumando...” Adão: “Quê?” O diretor intervem: “Fala da cobra, Eva!” Eva diz: “Ah! Foi a cobra, que me encantou...” “Eu sei”, diz a voz. “Eu sei... Você gosta de cobra, não é?”, e faz-se um som de que vai-se retirando, mas volta: “Ah! Antes que eu me esqueça: Você cobra, vai andar arrastando por aí, vão tentar te matar a pauladas, e você vai querer picar o calcanhar das pessoas, de modo que vão ficar enchendo a paciência uns dos outros, para sempre...” A cobra, resignada: “Mata a cobra e mostra o pau!” A voz, de novo: “E você, mulher, muito assanhadinha... Vai ver o quanto dói o prazer... Já ouviu falar em “dor de parto”? Pois é... Ah! E tem mais: o homem vai querer mandar em você, e você vai ter de obedecer...
Adão dá um risinho, mas a voz volta-se para ele e diz;: “Tá rindo de quê? Você vai ter de trabalhar feito um condenado pra sustentar a família, seu bobo!” Adão abaixa a cabeça e pensa: “Antes só do que mal acompanhado... Agora, ferrou!” A voz termina: “Até você voltar ao pó da terra, da qual foi feito!”, mas nessa parte Adão fez cara de quem não entendeu, e olhando para Eva, que agora usava, para tampar a nudez, uma folhinha da mesma árvore que ele, pensou: “Temos o mesmo gosto! Acho que vai dar certo.” Foi quando ambos se olharam com olhares voluptuosos, e Adão, se aproximando, disse: “Como eu não percebi antes... Você é demais...” Eva, fingindo timidez, abaixou o olhar, mas ambos não viam a hora de ficar a sós. Adão disse, mais confiante: “Até à noite, então?” Eva respondeu, entusiasmada: “Até...” A cobra, percebendo que era demais ali, disse, em voz baixa: “Deixa eu dar o fora daqui!”, e tendo de se arrastar, reclamou: “Ai! Agora essa!” Depois parou e pensou: “Mas, já não era assim que eu andava antes?”
3º Episódio O começo da história Os pássaros cantavam, havia o som do riacho , e o vento balançava os galhos da árvores, que Adão e Eva, deitados na relva, viam de baixo para cima, um olhar que a câmera, postada no chão, procurava imitar. Ela, com carinho, deitada sobre ele, dizia: “Sabe, Adão... Quero tem muitos filhos com você!” E Adão respondia: “Teremos todos os filhos do mundo, Eva.” “Ah! Como você teve a ideia de me chamar de Eva?” Adão: “Eu tenho mania de dar nomes a tudo. Não sei... Me veio à cabeça esse nome...” Ah... Você podia sair de cima um pouco, porque está pegando a minha costela dolorida...” Eva: “Desculpe, querido.” Então, a voz veio de novo e disse, com um trovão que era: “Agora chega! Caiam fora daqui e vão cuidar das suas vidas! O paraíso vai ficar na memória, só na memória!” Os dois se levantaram, vestiram umas roupas, que não se sabe de onde saíram, mas, como se trata de um filme, tudo é possível, e foram embora do paraíso. Foram embora, sem sair do lugar, pois era o cenário que mudava, e agora, reclamando a mulher que estava com fome, porque já não havia frutos pendentes nas árvores, pediu a Adão que fosse trabalhar na roça e plantar feijão. Adão não estava acostumado com o trabalho duro, porque a vida toda viveu no bem-bom, e teve de inventar um instrumento, afiando e lascando pedras, para sulcar a terra, e semear. Nada disso era fácil, porque fazer ferramentas requer habilidade, e depois, plantar, tem o tempo certo, a época da colheita, a adubagem, e tudo o mais. Além disso, era preciso primeiro, desmatar a selva, cortar árvores, fazer pasto, campo de semeio, e tudo só, enquanto Eva apenas cuidava da casa. Adão já pressentia que chegaria o dia em que a esposa também precisaria trabalhar fora, para ajudar a melhorar a renda da família, além de não ficar à toa, pensando besteira. “Sabe, eu tive uma ideia!”, disse Adão. “É mesmo?”, perguntou Eva. “Sim. Eu posso desmatar tudo por aí, planto um monte de coisas, e o excedente do nosso consumo, a gente vende e lucra!”, disse ele com entusiasmo.
“Puxa!” É mesmo...”, completou ela, também com entusiasmo. Depois, parou e pensou: “Mas, esse desmatamento todo, não vai dar problema?” “Claro que não, mulher. Tem muito mato por aí! Temos de pensar no futuro...” “Era no futuro que eu estava pensando...”, disse a mulher. “Pensa nos nossos filhos...” “Era isso que eu pensava...” Então, Adão, deitou-se pensativo, e Eva veio deitar-se junto: “Quantos filhos você quer, meu marido?” “Ah! Eu tô bem cansado hoje, mulher. Arei o dia todo...” E dormiu. Eva se afastou um pouquinho, desapontada, e olhou para o teto da choupana, feito de capim seco, amarrado com cipó, e pensou: “Puxa! Não posso reclamar... A gente progrediu muito...” De madrugada, porém, Adão acordou e não conseguia dormir. Agarrou Eva, acordando-a, e ela, já entendendo o que Adão queria, tratou de acariciá-lo. Aliás, assim era todas as noites, e no dia seguinte, Adão perdia a hora e chegava atrasado para o plantio. Então, pensava: “Preciso de alguém que me ajude nisso. Esse serviço é bem chato!” Depois, colhia sempre a mesma coisa, trigo – ainda não sabia plantar feijão!, e a esposa fazia sempre a mesma coisa, pão. “Você está engordando, mulher! Só come pão e fica o dia inteiro em casa...” “Mas eu engordo só na barriga, Adão... Não sei o que é isso...” “Sei não. Só sei que eu preciso de alguém que ajude na roça. Um filho! Mas não sei como é que se faz para ter um filho, mulher...” “Adão, que cheiro é esse?” “Ah! Desculpa. É que eu comi alguma coisa que me fez mal... Escapou...” “Casamento é isso... Com o tempo vem a intimidade... de fazer essas coisas...” “Então, mulher. Como eu dizia... Como faremos para ter um filho?” “Se eu soubesse... É o que eu mais quero...” “Se bem, mulher, que filho é uma responsabilidade! Será que é uma boa ideia?” “Ai, Adão! Você prometeu...” Às vezes Adão ficava cabisbaixo, e Eva se preocupava: “O que foi, querido? O que preocupa você?
Alguma coisa anda errada no trabalho?” Adão, reticente, responde: “Ah! Sabe... Às vezes tenho saudade daquele tempo do Éden...” Eva: “Credo, Adão! A gente morava em caverna, e olha a casinha que temos hoje...” Adão: “Pois é... Mas, sabe quanto custa manter isso tudo?” Eva: “Você era caçador, e coletor, e hoje, não precisa mais. Basta plantar, colher, cuidar do gado...” Adão: “Como se fosse fácil...” Depois de uma breve pausa, Adão continua: “A verdade é que, desde que comemos da fruta da árvore da sabedoria, deixamos de ser ingênuos, e só queremos saber, mais e mais, e progredir...” Eva: “E isso não é bom?” Adão: “Sei não! Onde é que isso vai parar?” “Se não existisse carro, a gente não poderia sair hoje à noite”, a atriz diz rindo. “Confirmado, então? Hoje à noite?”, diz o rapaz. O diretor, que percebeu a conversa dos dois, disse: “Cuidado, viu! Depois tem de assumir...” E assim se passaram alguns meses, que num filme é um segundo, e Eva estava com uma barriga enorme. “Adão, estou com vontade de comer figo!”, disse ela. “Figo? E aonde vou arranjar isso?”, replicou ele. “Aliás, o que é figo, que eu nunca vi?”, completou. “Não sei, meu velho. Só sei que eu quero...” “Ora, vá...” “Adão, ai. Tá doendo...” “Calma, Eva. Falei por falar...” “Tá saindo uma coisa aqui, homem!”, dizia ela, apontando para o vão das pernas. “Caramba! O que você quer que eu faça?”, disse Adão, assustado. Como nos filmes, nasceu limpinho, grandão, e quase já falava! Era chorão, mas os pais não entendiam a razão. Adão, então, percebeu: “Ah! É assim que nasceu os filhos... Tem de doer, lembra?” “Agora lembro. E não vou esquecer nunca mais!”, disse a mãe, tentando sorrir.
“Até inventarem a cesariana”, disse o rapaz, sorrindo. “Pois você vai se chamar... Hum! Deixe ver... Caim! Eis aí um bom nome: Caim!”, disse, entusiasmado, o novo pai. “O que quer dizer, querido?” “Eu sei lá! É minha facilidade para dar nomes!” “Ah! Você e sua mania de dar nomes...” E Eva, assim falando, pegou no sono, sobrando para Adão cuidar do recém nascido, não obstante tivesse de acordar cedo, no dia seguinte, para a ordenha. Sim, porque, sabe-se lá como, ele já era dono de um expressivo plantel de animais. Mas, de onde surgiu o nenê, podem perguntar. Bem, isso é obra da produção, que arranjou um menininho bem chorão para a filmagem. Por sorte, a cena seguinte já mostrava Caim adulto, e seu irmão Abel, de sorte que não mais precisaram do menininho chorão no estúdio.
4º Episódio Continuação da história Caim, a cara do pai, também tinha mania de falar sozinho, e dizia que falava com Deus. Abel pegou Caim falando sozinho, como se falasse com Deus, e chamou-lhe a atenção: “Caim, meu irmão! Diante do Sagrado, só há uma atitude possível: o silêncio e a contemplação... Mas as pessoas, como você, gostam de coisas espetaculares, e acham que estão fazendo grandes coisas. Grandes coisas... Veja a sua oferta, por exemplo. Não agradou, simplesmente não agradou, meu velho!” Caim ficou louco da vida com Abel, e, convidando-o para dar uma volta, a fim de discutirem melhor essa questão, e deu-lhe uma queixada, não uma queixada dele mesmo, mas de algum animal, provavelmente de bode, que é muito dura, e Abel morreu na hora, sem deixar descendente, embora Caim desconfiasse de que Abel e uma irmã tenham tido um caso, pois, de repente, ela apareceu grávida, e se não foi ele, Caim, só podia ser Abel, já que, por enquanto, não havia outro homem no mundo, a não ser o pai, muito velho. Caim havia dito a Abel: “Bem, vamos dar uma voltinha, irmão... Para conversar um pouco... Aliás (e aí Caim foi sarcástico como sempre!), você se parece muito mesmo com a mamãe... Olha no espelho, quero dizer, olha no espelho d'água do lago...” Abel gostava de ser comparado à mãe, e foi correndo olhar no lago, diante do qual os dois andavam. Quando ele se abaixou para ver a si mesmo, viu também a mão forte de Caim, descendo sobre sua nuca, com um pedaço de osso de queixo de animal, e não viu mais nada. Ao menos, é o que indica a perícia, pois o ator saiu do estúdio nocauteado, numa maca, e o diretor ficou tão bravo com o outro, que fazia o Caim, que quis expulsá-lo da filmagem, gritando: “Onde está Abel, seu irmão? Você sabe onde ele está?” Caim disse, com a cabeça abaixada: “Não sei...” “Está num hospital, em estado grave! Precisava bater de verdade?”, continuou o diretor, que queria expulsá-lo do estúdio. Só não o expulsou porque o produtor disse que já haviam filmado muitas cenas com ele, e não seria possível refazê-las. Quanto ao Abel, não precisariam mesmo dele... Bem, foi assim que Caim, apesar de ter-se arrependido e pedido para ser punido, o que fez mais por obrigação, acabou sendo mantido na história, embora não mais participasse da filmagem, apenas aguardando ser chamado, caso precisassem, mas não precisaram. Adão morreu de velhice, deixando Eva viúva. No dia de sua morte, Adão havia pressentido que iria morrer, e reuniu a família em torno de si,
como era costume. Na verdade, ele estava, naquele momento, iniciando o costume de, nos filmes, sempre que alguém importante ia morrer de velhice (num acidente provavelmente não daria tempo!), reunia a família e dava conselhos, aproveitando para esclarecer sua última vontade, seu testamento. Adão, então, um pouco delirante, aliás, como sempre, começou a falar da sua vida, desde jovem, quando deu duro para conseguir se estabelecer, depois de ser expulso do Paraíso, coisa de que realmente lamentava. “Foi culpa sua, Eva!”, disse Adão, fazendo Eva chorar. “Sim! Eu estava sossegado, levando a minha vidinha de solteiro, e você apareceu... Sedutora...” A partir daí, Adão devaneia: “...Ah! Sedutora... Ainda me lembro... (Adão fala com dificuldade, fazendo pausas) ...Como você era bonita! Ainda me lembro do primeiro momento em que nos vimos... Na verdade, eu era ingênuo, e não dei atenção para o fato de que estávamos nus, e que você tinha um corpão!” E virando-se para Caim: “É, meu filho! Sua mãe era muito bonita, quando jovem. Abel se parecia com ela. Mas, você, infelizmente – me perdoe por isso!, puxou a seu pai, e eu sei que nunca fui um galã!” Caim, nessa hora, quis chorar, de raiva, provavelmente, mas se conteve, pois achava que um homenzarrão como ele não podia chorar. Sim, Caim era do tipo que resolvia tudo na porrada, e não podia externar sentimentos, sobretudo os que se referiam às suas fraquezas. Adão, sem perceber a irritação de Caim, continuou: “Abel! Como ele era bonito! Parecia mesmo com a mãe...” Caim, sarcástico, disse, em voz baixa, com raiva do falecido Abel: “Menininha!” E imaginou Abel recolhendo o sorriso, e pondo-se triste. Bem, a esta altura, Adão já não falava coisa com coisa, e Eva chorava num canto, e sua filha, cujo nome não se sabe (embora devesse ter um, porque Adão tinha mania de dar nomes), já apresentando um barrigão, chorava junto com a mãe. Adão, então, num último lamento, disse: “Não acreditem, se alguém falar mal de sua mãe. Não é verdade que é ela é culpada de tudo. Eu também vacilei... Confesso que também vacilei...” Sete correu para o pai e disse: “Papai...” Mas Adão já não falava mais. Enquanto Sete enchia os olhos de lágrimas, ouviu Caim dizer, sem piedade e nem respeito pelo pai, que acabara de falecer: “Agora, quem manda aqui sou eu!” Isso provocou uma ira muito grande em Sete, porque significava – e ele sabia muito bem! - que não poderia “ter a mulher que quisesse, na cama que desejasse”, como diria o poeta, ou seja, só Caim
poderia se deitar com as suas irmãs. “Espera aí”, poderiam dizer. “Como irmãs, se até agora só se falou em uma...” Bom, é que num filme, deve-se procurar reduzir custos. Então, s suponhamos que as outras irmãs... Bom, isso não interessa aqui, ao menos por enquanto. “Mas, papai não morreu ainda!”, disse Sete, em desespero. Deve-se dizer que Caim, como era mais parecido com o pai, também herdou dele a profissão de agricultor, enquanto Abel, não por parecer com a mãe, mas, sabe-se lá por qual razão, tornou-se pastor. Ele não engolia isso, e como Sete havia substituído o falecido Abel, a ira de Caim agora se voltava para o irmão mais novo. Isso gerava um problema na família, porque Caim dizia que o irmão vivia na moleza, só na sombra, ordenhando as tetas macias das ovelhas, enquanto ele dava duro no campo, cortando o capim, abrindo covas, semeando e colhendo, e tudo isso em pleno sol. Então, Caim disse, na mesa, que não beberia mais leite, porque leite fazia mal, e Sete disse que não comeria mais trigo, porque o glúten fazia mal. Eva vendo que a briga dos dois acabava com o momento sagrado da refeição, retirou-se da mesa, e foi para o quarto, onde começou a passar mal. A inominada filha foi atrás dela, e gritou para os irmãos: “Mamãe está passando mal!”, mas Caim disse para a Set: “A culpa é sua! Agora não há mais nada que fazer!” E Sete respondeu, com veemência: “Minha culpa? Você que é um brutamontes, e eu que tenho culpa? Quem começou essa discussão, ei? Diga!” Caim, vendo que Sete se parecia com Abel, respondeu, com sarcasmo: “Menininha!”, quando foram interrompidos pela voz embargada da irmã, vinda lá do quarto: “Não adianta mais. Mamãe está morta!” “Como?”, interveio Sete. “Meus filhos não conhecerão sua avó!”, continuou a irmã, com a voz ainda embargada, quase chorando. “Seu desejo”, disse Sete, “era ser enterrada em sua cidade natal...” “Como?”, disse Caim. “Se nem sabemos de onde ela veio!” E a irmã desatou a chorar, um choro desesperado, sendo amparada por Sete, sob o olhar desconfiado de Caim (na verdade, Caim era complexado, e naquele momento, deve ter pensado: “Ah! Ela prefere ele à mim...”) Então, foi quando Caim saiu e ficou falando sozinho, e Sete, querendo resolver o problema do
enterro, veio atrás dele, e o pegou falando sozinho, como se falasse com Deus. Sete deu-lhe uma lição de moral, e Caim ficou louco da vida com ele: “Quem você pensa que é? Você é mais novo do que eu e quer mandar em mim?” “Não, eu apenas...”, tentou argumentar Sete. O diretor virou-se para o produtor e disse, com entusiasmo: “Já pensou se a gente colocasse aí um disco voador, e dissesse que Eva foi abduzida por alienígenas?” O produtor retrucou imediatamente: “Não, senhor! Está maluco? Não tenho verba para discos voadores. Devem custar uma nota! É melhor conter sua criatividade!” O diretor, então, sem graça, voltou-se para os atores e mandou que continuassem como ensaiado. Na sequência, aparece a irmã inominada dos dois, com um menininho no colo, que Caim queria matar (segundo ela mesma diz), porque achava que era filho de Abel, e ela relutava, dizendo para si mesma: “Imagina, o menino é duas vezes sobrinho de Caim, e ele não tem dó!” O menininho, que já entendia as coisas, disse à mãe, em tom choroso: “Mamãe, eu tenho medo do tio Caim!” “Não liga, não, meu filho, porque agora ele está se distraindo com as outras tias”, dizia a mãe, para aliviar a criança, “e nem vai se lembrar mais de você.” Realmente, não se sabe como – e cinema é assim mesmo! -, Caim arrumou uma esposa, que devia ser irmã dele também, e era comum, pelo jeito, os casos amorosos dentro de casa, e ela, apesar dos problemas com o marido, deu à luz um filho, chamado Enoque, fundando uma cidade, dando-lhe o nome do filho, e foi seu primeiro prefeito. Pois é! Caim foi político, e isso pode surpreender, mas, na verdade, política tinha tudo a ver com ele. Nada se sabe de Enoque, mas provavelmente foi o segundo prefeito da cidade, porque, ao que parece, a política estava na veia do menino, que saiu ao pai, e já que havia herdado do pai essa facilidade metódica de eliminar os concorrentes. Quando pequeno, Enoque já perturbava o pai, dizendo, em tom lamentoso; “Papai, eu não vou conhecer meu tio Abel?” “Claro que não, menino! Eu já não disse que ele morreu?”, respondia, enfezado, Caim. A mãe, como toda mãe, vinha por panos quentes: “Filhinho, papai e mamãe já são também titios do nenê...” Sim, porque se eram irmãos, eram tios do próprio filho! O menino, com o dedo na boca, fazia um olhar de conformado. O pior, porém, é que ele cresceu nesse clima, de irmãos se namorarem entre si, e isso deu muita confusão.
5º Episódio Continuação da história Ninguém sabe quem foi Lameque, mas se dissermos que era pai de Noé, todo mundo vai identificar, porque Noé é muito conhecido, desde que fez aquela barca, cheia de bichos... Bem, Lameque não fez muita coisa, senão esse filho, e isso, embora tivesse duas mulheres. Ou por caso disso, porque, com duas esposas, tinha muita despesa. O produtor reclamou: “Duas atrizes para um ator só... É muito gasto! Anda logo com essa parte...” O ator, engraçadinho, completou: “Imagina eu ter de dar cartão de crédito para cada uma! Vou à falência...” E o diretor, sem saída, encurtou a história. Lameque tinha duas mulheres, e elas atazanavam tanto a vida dele, pois queriam, na verdade, apenas dinheiro, e fazer compras e mais compras – aliás, Lameque não era nada atraente, como pode ter duas mulheres, senão que fossem interesseiras? Por isso, com toda sabedoria, sentenciou o produtor: “Para nossa salvação, inclusive a de Lameque, vamos mudar logo de assunto!” E Lameque, que não era funcionário público e nem ganhava tão bem assim, deu graças a Deus, lamentando o dia em que resolveu arrumar duas mulheres, que vantagem nenhuma lhe trouxeram. Assim, pulamos para Noé. Não! Antes, é preciso dizer que essa confusão toda foi causada pelo produtor, que, ansioso por público e lucro, fez inserir cenas pornográficas, aos montes, que nada tinham a ver com o roteiro original, assim como havia feito com o filme “Calígula”, e então, o diretor, muito chateado, disse, em tom choroso: “Vou parar com tudo isso por aqui! Vou destruir tudo o que fiz até agora, porque só deu merda! Tudo em que se pensa é fornicar! E sexo, e sexo, e sexo...” Depois, ajoelhando-se ao chão, diz, de modo tocante: “Tudo o que eu queria era fazer arte...” E chora. O produtor, então, pensando no prejuízo, corre, e enaltece o diretor: “Que bobagem! Você é um grande diretor... Um artista...” E olhando o produtor para os demais, dá uma piscadinha, do tipo “deixa comigo!”, e diz: “Olha só! Agora entra aquela parte legal do Noé, seu barquinho cheio de bichinhos... A criançada vai adorar...” O diretor se levanta, enxuga as lágrimas, e diz: “Noé? Parece bom...” E nem liga para o fato de o
produtor mencionar as criancinhas, num filme cheio de cenas pesadas, orque, hoje em dia, as crianças estão acostumadas... E Noé caiu na graça do diretor, que o salvou, e, em troca, salvou o filme. Pegaram para Noé um sujeito gordinho e careca, muito simpático. E ele estava ávido por trabalhar, pois disse: “Quando começo a fazer a barca?” “Você é carpinteiro, por acaso, e não ator?”, perguntou alguém. “Sim, é lógico que sou!”, respondeu Noé. “Sim”, confirmou o produtor. “Achei mas econômico pegar o carpinteiro mesmo, para o papel de Noé, porque os atores estão exagerando no cachê. E, dirigindo-se ao carpinteiro, deu ordem: “Comece agora mesmo a fazer o barquinho. Você sabe as medidas?” Então, para economizar, fizeram uma janela fechada, e só se ouviam sons de bichos, para dar a impressão de que o barco estava cheio de bichos. Do alto, Noé dizia, como se houvesse outras pessoas no barco: “Viram só, como é importante ser bem relacionado? Todo mundo vai se ferrar, mas eu consegui salvar toda a minha família! Tem que conhecer os meandros da burocracia, gente!” O diretor fez cara de quem gostou, e Noé, em seu primeiro papel, pois era carpinteiro, e não ator, se entusiasmou e discorreu um monólogo extraordinário. “Sim, querida. Os vizinhos, inclusive aqueles chatos da frente, vão todos se afogar!” E ria. “Não! Deus não é mal, não! Ele sabe o que faz! É preciso ter fé... E bom trânsito com ele... Não é mesmo?” Depois, continuava, com entusiasmo: “É sempre assim. Época de chuva, enchente, e essa gente perde tudo. Depois culpam o governo... Mas, quem mandou não serem precavidos...” O diretor olhou para o produtor, buscando seu olhar aprovador, e o encontrou: “É mesmo um talento!”, comentou o produtor, e o diretor ficou satisfeito. “Sabe quantos anos estou fazendo?”, perguntou Noé, como se falasse com sua mulher. E ele mesmo respondeu: “Seiscentos aninhos! Mas não parece, não é mesmo, meu bem? Levo uma vida saudável!” Nesse instante, soa um trovão, que Noé não esperava, e ele leva um susto. Por sorte, num filme, as coisas passam depressa, e supondo-se toda chuva e dilúvio, chegou a hora de soltar a pomba. O diretor, então, sussurrou a Noé: “Solta a pomba! Solta a pomba!” E Noé abaixou-se, procurou a pomba, que estava numa gaiolinha, atrás do cenário da barca, e a soltou.
A pomba, assustada com as luzes, voou em giro, como uma doida, e pousou sobre um ferro que sustentava um dos holofotes, e o próprio produtor, para não perder tempo, porque, para ele, tempo era dinheiro, pegou uma vara, que não se sabe para quê servia, e a cutucou, porém, sem êxito. Mas Noé teve uma sacada muito boa: “Vejo que a água já baixou, porque a pomba não voltou!” Então, obedecendo o diretor, Noé desceu do barco, com toda a sua família, que incluía filhos, noras e netos, além dos animais todos, e foi a uma festinha, para comemorar, quando Noé ficou inteiramente bêbado, e arrancou a roupa. Vendo o velho pelado, seu filho mais novo correu a cobri-lo, porque ninguém queria ver um velhinho gordinho e careca nu, e ele, depois de passar a bebedeira, com a ressaca, ficou muito nervoso, talvez com vergonha, e xingou o menino, por tê-lo ridicularizado, como se o filho tivesse culpa do vexame do pai. Isso gerou uma tremenda briga de família, com os filhos falando que o pai já estava gagá, o que ele negava dizendo: “Como assim? Eu tenho apenas novecentos e cinquenta anos!” E de um ataque do coração, Noé morreu, bem na frente dos parentes, para que todos eles ficassem com remorso. Uma das noras, disse, com clareza: “Ele fez de propósito, só para irritar a gente!”
6º Episódio Quase final da história Mas, no dia seguinte, mal haviam enterrado o velho, já saiu uma enorme briga entre os parentes, por causa da divisão dos bens. Entretanto, havia tantos filhos, noras, netos e bisnetos, que não chegaram a um acordo, pois ninguém queria ficar com a barca, e deixaram para lá. É por isso que havia tantas terras abandonadas, por aí. Essa confusão foi tão grande, que, embora falado todos a mesma língua, não se entendiam, e queriam, feito loucos, construir uma torre que tocasse o céu. Um dizia ao outro: “Por acaso estou falando grego com você?”, ao que o outro respondia: “Será que eu falo chinês com você?” Aí pararam para pensar no que eles mesmos diziam, e concluíam que cada um falava uma língua, e depois de tanta discussão, percebendo que já não falavam a mesma língua, deram de costas uns para os outros, e saíram pelo mundo afora, formando nações, que iriam entrar em guerra umas contra as outras, para o resto da história. Foi quando alguém gritou: “Mas que bosta de história!” O diretor, que, até então, sentia-se orgulhoso de sua obra, virou-se e disse: “Calma, gente! Vem aí o “Tragédia 2”, e tudo se resolverá...” “Não, não, não!”, entrou dizendo o produtor. “Vamos inserir aquela sequência de Sodoma e Gomorra...” “Ai!”, reclamou o diretor. “O roteiro previa...” “Não importa o que o roteiro previa, caro diretor...”, disse o produtor. “...Temos de incrementar essa história!” “Mas, temos de escrever...”, completou, temeroso, o diretor. “...Essa história, de Sodoma e Gomorra, não tem nada de emocionante...” “Não precisa escrever nada! Você é bom em improviso... Inventa alguma coisa picante, está bem?” Então, mudaram o cenário, e montaram um tipo de boate, e colocaram dois rapazes conversando no balcão, e um dizia para o outro: “Olha os folhetos. Vê se é caro ir pra Nova Iorque!” No alto de uma sacada, uma moça bonita, com seu cachorrinho, via o movimento, e o produtor fez introduzir no recinto uns rapazes maquiados, que dançavam feito meninas, rebolando e passando uns na frente dos outros, para aparecer mais diante da câmera, sonhando com o estrelato.
Um velhinho, com a esposa, entrou e disse: “Que veadagem é essa aqui?” “Vadiagem!”, corrigiu o diretor. Aí, alguém gritou: “Sai daí, velho, que vamos explodir tudo!” “Quando não se sabe como continuar uma história, nos filmes, simplesmente explodem tudo!”, explicou alguém. Alguma coisa veio do alto, e assustou o velho, que puxou a velha, dizendo: “Está vindo do céu. É a destruição total!” Mas, alguém falou: “é coisa da pomba, que ainda não recapturaram!”, e ambos iam saindo, quando o diretor gritou para ela: “Quando eu contar até três, vira pra trás e faz estátua!” A mulher ficou lá, parada, e o velhinho, sem saber o que fazer, foi retirado por duas moças. Eram suas filhas, e combinaram de embebedar o velho e fazer sexo com ele. “Nosso pai?”, disse a mais nova e ingênua. “Porque não? Você não era apaixonada por ele, quando criança?”, respondeu a outra. “Corta!”, ordenou o diretor. “Essa cena é muito forte...” “Ora, o pai está bêbado...”, interveio o produtor. “Esse é o problema.”, reclamou o diretor. “Cenas de álcool têm problema de classificação...” “Ah! Tem razão...”, concordou o produtor. Aproveitando, o diretor perguntou ao produtor: “Por quê você introduziu aqueles garotos?...” “Sei lá! Sempre ouvi dizer que Sodoma e Gomorra era uma coisa assim...”, respondeu, sem convicção, o produtor. “E a moça com o cachorrinho? Por quê você colocou lá, diretor?” “Ah! Porque achei romântico, ué!” “Então, por que não colocarmos cenas românticas entre patrões e empregadas, e entre irmãos e irmãs?”, perguntou, quase afirmando, o diretor. “Como sempre aconteceu... Por que não?”, concordou o produtor. Ocorreu, então, que um senhor, muito rico, e que vivia com a meia irmã, como esposos, ficava atrás da empregada. Olhava a moça limpando a casa, lavando a louça, esfregando o chão, e isso o deixava louco. Não louco de raiva, porque ela trabalhava muito e ganhava pouco... Não! Ele ficava louco por ela, pois aquela situação de submissão o excitava. E quando ela ficava de quatro, para esfregar o chão... A esposa o observava, e ele não percebia. Então, num belo dia, chegou até ele e, como queria agradar o marido, disse: “Vai! Pega a empregada!” E ele pegou, não só uma, duas ou três vezes, mas muitas vezes. E toda vez a esposa ficava olhando, escondida, pois também, como o
marido, tinha um fraco por cenas de submissão explícita. A farra foi longe. Até que a empregada engravidou, e a esposa quis o filho para si. A empregada não pode objetar, porque não teria mesmo como criar a criança. Então, o marido, voltando-se para a esposa, disse: “Como Deus é bom para nós!” E a mulher concordou. Por isso, falavam com Deus antes de dormir, agradeciam porque os negócios iam bem, e eram felizes. Alguém de bom senso poderia dizer: “ah! Isso não tem pé nem cabeça!” E o diretor, do alto de sua genialidade, responderia: “ É arte! É para poucos!”
7º Episódio Outra história O fim de uma história, é o começo de outra. O produtor virou-se para o diretor e falou: “Ali fora tem uns cenários das filmagens da série “Roma”. Podíamos aproveitar aqui...” “Muito louco!”, disse, entusiasmado, o diretor. Puseram, então, um sujeito de cabelos brancos, sentado num trono, e o diretor disse a ele: “Vamos! Você é o imperador romano! Diga alguma coisa...” “Até tu, Brutus?”, diz o imperador, desolado. “Não!”, intervem o diretor. “Isso é depois. Primeiro mande anexar a Palestina...”, completa, desesperado. O imperador, então, com toda pompa atribuída a um imperador, disse: “Ah... Os gregos são muito bobinhos... Com aquelas roupinhas brancas, andando para lá e para cá... pensando... De pensar morreu um burro! Nós, romanos, somos mais práticos!” E virando-se para o seu general, sob o olhar estarrecido do diretor, diz: “Mande seus soldados invadirem qualquer lugar, meu general!” “Qualquer lugar?”, disse o general, surpreso. Surpreso porque havia ouvido o diretor dizer que era para invadir a Palestina. “Sim! Eu disse qualquer lugar!”, asseverou o imperador. O general, então, saiu, dizendo: “Legal!” E dirigindo-se aos soldados, ordenou: “Vai ter ação, pessoal!” “Vamos invadir que lugar?”, perguntou um soldado. “Já invadimos todo o mundo atualmente conhecido...” “Ah! Sei lá...”, respondeu o general, sem convicção, tentando dar uma solução de continuidade para a ação, conforme mandou o diretor. Depois, entusiasmado, disse: “Já sei! A Palestina! Sempre quis conhecer a Palestina...” “Posso dizer agora?”, pergunta o imperador. “Corta!”, ordenou o diretor.
“...Até tu, Brutus?...” “Ai! Você encanou com isso!”, respondeu severo o diretor. “Sempre foi o meu sonho, como ator, dizer essas palavras...”, respondeu o ator, que depois, olhando para o lado, como se visse um vulto atrás do ombro, enquanto convulsionava, como se ferido fosse, completa: “Até tu, Brutus?” O diretor dá com a mão no ar, de cima para baixo, enquanto diz, saindo: “Ah! Esse sujeito é chato!”
8º Episódio Continuação da outra da história Na cena seguinte, entram vários soldados, e um deles, com a lança na mão, diz a um senhor que parece ser um pastor de ovelhas: “Perdeu, mano! A casa caiu!” “Isso é jeito de um soldado romano falar?”, criticou o diretor. E virando-se para o produtor: “Onde foi que você arranjou esses atores?” “Eram figurantes da série “Roma”... Por quê?”, disse o produtor. “Por quê? Porque simplesmente são uns imbecis!”, diz o diretor. Enquanto isso, o soldado romano, com um sorriso maroto, continua falando ao palestino, fazendo com a mão: “Cinco a zero! Cin-co a zero!” “Ai, ainda esse assunto?”, diz o palestino. É que nos intervalos das filmagens eles jogavam futebol na área externa do estúdio, soldados romanos de um lado, que chamavam “A Roma”, e palestinos de outro. “A Roma sempre ganha, amigo!”, diz o soldado romano. “Claro, apelam para a truculência!”, responde o palestino. “Ah! Vocês, da Palestina, sempre desqualificando o adversário... Vê se aprende a jogar!”, revida o romano. “Somos um império, camarada!” “Se eu jogasse na defesa, você nunca iria passar...”, alerta o palestino. “Até parece! Ia levar uma bola no vão das pernas...”, goza o romano. Os dois estavam quase se batendo de verdade, quando são interrompidos por gritos do fundo do estúdio. Vem um monte de soldados, e o comandante ordena: “Prendam este homem!” (Pausa) “Não! O romano, não, seus burros! O outro, que está atacando nosso homem, e rebelando-se contra o império!” O palestino protesta: “Calma aí! Isso não está no roteiro...” O soldado romano, aquele que brigava com o palestino, intervem: “O diretor mandou fazer essa cena?” O comandante não sabia o que dizer: “Bom... Imaginei que fazia parte, a briga, e que, como
comandante, devia intervir...” “Mas, nós estamos no intervalo da filmagem...”, observou o palestino. “Estávamos discutindo sobre o jogo de futebol...” “Ah! Mas bem que daria uma cena impressionante...”, observou o comandante. “Ei! Você não é o mesmo que faz o papel do imperador?”, pergunta o palestino. “Sou eu mesmo. Só faço papéis importantes, de imperador, comandante...”, responde o outro. “E como consegue?”, indaga o palestino. “Eu só consigo ser figurante...” “É preciso talento, meu amigo...”, respondeu, vaidoso, o comandante. “Ele é do sindicado...”, completou o soldado romano que brigava com o palestino. “O que vocês não sabem é que eu ralei muito para chegar até aqui!”, disse, furioso, o comandante. E completou: “Durante muito tempo, eu só fazia papel de morto... Não é fácil, não!” “Sério?”, perguntou, chateado, o palestino. “Sério! Claro que é sério!”, disse o comandante. “Fazer papel de morto é coisa séria. Precisa talento. E abnegação.” (Pausa, pensativo, sob os olhares complacentes e curiosos dos outros). “Renúncia, muita renúncia...” Parecia que o dia, para todos eles, havia acabado. “Acabou o meu dia!”, exclamou, triste, o palestino. “O meu também.”, observou o soldado romano que brigava com ele. “Não trabalho mais do que permite o acordo sindical. Até amanhã, gente!”
9º Episódio Uma outra história Havia uma mulher. “Outra vez?” Pois é. Há sempre uma mulher, duas, três... Geralmente, o herói tem uma mulher, muito bonita, e o vilão duas, três... “É, mas o vilão pode se dar mal nessa...” “De qualquer forma, o vilão sempre se dá mal, porque aquele que se dá bem não é o vilão!” “O produtor gosta de colocar mulheres nas histórias...”, comentou alguém. Antes, é preciso fazer uma pequena explicação. Havia um homem, numa das províncias tomadas pelos romanos, que se chamava Ptolomeu. Sim, esse lugar é o Egito. “E o que tem o Egito a ver com a Palestina?” São vizinhos! Tudo dominado pelos romanos, e tem essa história que estou tentando contar. Ptolomeu tinha dois filhos homens, que se chamavam, respectivamente Ptolomeu e Ptolomeu. “Devia ser uma confusão enorme, quando alguém chegava na casa dele e perguntava: O Ptolomeu está? Qual dos três?, alguém devia perguntar de volta.” Por certo, sim. Eram três Ptolomeus! Na mesma casa... Além de um monte de outros filhos. E uma filha, muito diferente, que tinha os cabelos bem pretos, e cortadinhos do tipo Cleópatra. Parecida com a Elisabeth Taylor, naquele filme do mesmo nome, dizia seu pai, que queria ver a filha casada. Pois é! Era por isso que o pai, Ptolomeu, a chamava de Cleópatra. E ela, como Elisabeth Taylor, exagerou na satisfação da vontade do pai, pois teve diversos maridos, além de muitos amigos gays, militantes ou não. No entanto, quando ela se apresenta a Júlio César, imaginando um casamento feliz, ele se espanta: “Você é mais inteligente do que bonita!”, diz o imperador. “Como assim?”, pergunta ela, estupefata. “É que, ao vir a mim, enrolada num tapete, fez com que meus guardas não vissem o quanto, digamos,,, não é tão bonita. E a ordem era deixar apenas mulheres bonitas se aproximarem do
poderoso Júlio.”, argumentou, com sabedoria, o imperador, que pensou, mas não disse: “Mulher feia, até pobre tem!” “Ah! Isso foi ideia do Apolodoro, meu escravo!”, disse ela. “Ah! É? Isso não a torna mais inteligente do que bonita, ora pois...”, completou o imperador, do alto de seu trono. “Esse modo lusitano de falar...”, observou ela. “Ah! Não se impressione, não. Falo várias línguas...”, disse, com orgulho o imperador, que continuou: “Mas, quero dizer... Fiquei impressionado com sua coragem, e devo dizer que és mais corajosa do que bela...” “Por acaso, está querendo dizer que sou feia?”, perguntou Cleópatra já enfezada. “Não! Não foi isso que eu quis dizer...” “Eu viro uma cobra, quando me chamam de feia!”, respondeu a moça. (Temos aqui, novamente, o tema “a mulher e a cobra”. Nota do autor) “Por falar em cobra...”, disse Júlio César, jogando todo o seu veneno sedutor sobre a jovem indefesa, a qual, nove meses depois, teve um filho do imperador, razão pela qual este a convidou para, com o marido, ir morar no palácio, junto com o casal real, ou seja, ele, o imperador, e sua atual mulher. Formariam uma grande família, segundo o imperador, mas Cleópatra não devia dar ouvidos ao povo, pois a chamariam de prostituta, e o marido de corno. Assim, na próxima cena, aparece Cleópatra com o nenê no colo, aquele mesmo nenê chorão do início (que o produtor espera que ninguém reconheça. “Criança é tudo igual”, teria dito ele ao diretor, quando este observou que não ficava bem repetir os atores, em papéis diferentes. “Lembrese que o imperador e o comandante são os mesmos, porque ninguém distingue os poderosos, porque são todos iguais também”, teria dito.) Então, aparece Cleópatra com o nenê no colo, reclamando: “Ai! Mataram o pai da criança (que era o Júlio César, e finalmente aquele ator pode dizer: “Até tu, Brutus...”), e agora eu tenho de criá-lo sozinha. Isso cansa!” E o nenê chora, e ela o entrega a Apolodoro, o escravo, dizendo: “Cuida desse menino, dá de mamar e põe pra dormir. Eu não tenho paciência...” Apolodoro, então, fazendo naninha no nenê, diz, de modo triunfal: “Minha cara senhora! O menino precisa de um pai...” “Você, Apolodoro? Você não é gay?” “Não, minha senhora... Quero dizer... Não eu. Mas, porque não Marco Antônio? Afinal, com a
morte do imperador, ele é um dos mandões de Roma. Promete ter um bom futuro...” “Você acha que ele vai ficar impressionado com a minha beleza?” “Bom... Sugiro que a senhora faça uma revisão geral... Desculpe-me, senhora... Só quero ajudar...” “Ai! Detesto quando me chamam de feia! Eu viro...” “Sim, eu sei. … Uma cobra...” Cleópatra faz uma cara de feliz com a ideia de conquistar mais um, e sai mexendo no cabelo, como toda mulher, quando se acha sexy. É desse modo, teatral como ela só, que se apresenta a Marco Antônio, de maneira que ele nem percebe que ela não é tão bonita assim, e, ao final da reunião, ela está grávida de gêmeos! Marco Antônio, então, declara guerra aos partos. Não aos partos dos bebês, mas a um povo chamado “Partos”. Quanto aos partos dos bebês, ao contrário, mesmo casado, Marco Antônio quis se casar com Cleópatra, mas ela, de início, disse a ele: “Já sou casada...” “Casa-se comigo, Cléo!”, teria dito ele. “Já sou casada, Marco. Você sabe disso...” “Ora, e daí? Eu não sou ciumento!”, teria dito ele. Então, se eles se casaram, não fica claro, mas, a verdade é que ela teve outro filho de Marco Antônio, o qual, ao ficar sabendo, exclama: “Puxa! Sorte que eu ganho bem, porque só de pensão alimentícia...” E, como um policial militar, orgulhava-se de mostrar o holerite, com todo aquele desconto de pensão alimentícia. Para ninguém ter dúvida de sua virilidade! De fato, ele era um dos que mandavam em Roma e no Império, e é por isso que Cleópatra foi tão condescendente, pois, por ela mesma, seria uma mulher casta. Ah! Esse último filho ela chamou, em homenagem ao pai (não aos irmãos, que ela assassinou), de Ptolomeu, e ele e os irmãozinhos, também filhos de Marco Antônio, foram nomeados governadores de vários lugares. Quanto àquele menino, filho do finado Júlio César, nada se sabe, mas, como teria sido criado por padrasto, que tinha seus próprios filhos, deve ter sofrido um bocado. O problema é que, em política, as coisas mudam. Então, por ter arrumado muitas inimizades, Marco Antônio foi atacado e derrotado, assim como os filhos governadores, e na miséria, avisou Cleópatra, ela não viveria. Os aliados se aproximavam a oeste da cidade, avançando sobre tudo e sobre todos, em direção ao
centro. Mas os russos, que não queriam perder a aposta, correram mais, pelo leste, e conseguiram colocar sua bandeira no prédio do Parlamento. Quando o ditador soube disso (Marco Antônio, no caso), como acontece muito, ele e a amante (Cleópatra, no caso), resolveram cometer suicídio. “Se você não for minha, não será de mais ninguém!”, teria dito ele, no momento mais crucial de sua existência, enquanto Cleópatra teria respondido: “Nossa! Como você ficou ciumento!” Na cena seguinte, aparece Marco Antônio já caído, enquanto Cleópatra, sentada no sofá, espera a cobra picar. Mais uma vez a cobra entra em cena! E ela, que sempre gostou de cobra... “Ei! Primeiro ele mata o cachorro, depois a mulher, e, por fim, se mata!”, alguém disse, completando: “Sempre é o homem que mata a mulher, e depois se mata!” “Não sejamos repetitivos!”, respondeu com vigor o diretor, enquanto o produtor esbravejava: “Ah! Esses russos... Precisa por mesmo no roteiro? Eles vão me custar o resto da história!”
10º Episódio Como terminar a história? Dois palestinos estão conversando, e um diz para o outro: “Não aguento mais esses romanos. Eles estão nos massacrando. Nós não ganhamos uma até agora...” “Precisamos de um bom centroavante...”, asseverou o outro. “A melhor defesa é o ataque!”, ao que o outro retrucou: “E umas camisetas novas, bonitas... Para levantar o moral da turma...” Um romano se aproxima e diz: “Ei! O que vocês dois estão cochichando? Amanhã vai ser outra lavada! Está perdendo a graça essa história...” O palestino ameaça se levantar, talvez para agredir o romano, mas o outro palestino o contem: “Calma! Não leva para o lado pessoal! É só um jogo...” “Mas eles querem destruir a nossa autoestima, não viu?” A conversa dos dois é interrompida por uns gritos estridentes do diretor. Dá uma crise nele, que começa a esbravejar: “Ai! Droga! Eu não sei como terminar essa história...” Realmente, terminar uma história, não é fácil. Vai-se enrolando o expectador, vai-se enrolando, mas chega um momento em que não dá mais, sob pena de passar do ponto, e perder de vez o ritmo. Talvez, por ter começado com a mulher e a cobra, seria uma boa ideia terminar com a mulher e a cobra, mas o diretor, megalomaníaco, queria um final estrondoso: “Não me fale em cobra!”, reagiu , nervoso, enquanto o produtor reflete: “É! Ficou uma confusão essa história... Você quer por tudo!...” E depois de uma breve pausa, diz, com ar preocupado: “Precisamos de alguém que nos salve...” “Está falando sério?”, disse o diretor, admirado. “É isso mesmo: precisamos de um salvador!”, completa, pois uma luz iluminou, nesse momento, aquela mente genial. “Como assim?”, respondeu, perguntando, o produtor. “Sim! Um salvador... Aquele que irá enfrentar os romanos...”, disse, alegre, o diretor. Os dois palestinos ouvem isso e desabafam: “Ah! Tomara que contratem um centroavante...” “Ele vai enfrentar os romanos? Não vai dar certo. Eles o matarão!”, replicou o produtor. “Que nada!”, explicou o diretor. “Em cinema, tudo é possível... Nós o ressuscitamos quantas vezes for preciso!” “Sério?”, disse o produtor com ar de satisfeito.
“Será um final surpreendente!”, completou o outro. E ambos se deram um longo cumprimento de mãos, satisfeitos com a solução encontrada. Alguém, atrás da câmera, comentou: “Que história! Obcecados que são, logo vão querer fazer a continuação...” FIM