Uma noite de natal (Teatro, em três atos) João Bosco da Encarnação
Cenário Sala da casa, com uma cristaleira, um rádio antigo, de plástico, em cima, uma mesinha com telefone, ao lado, uma mesa grande e cadeiras dispostas ao longo das “paredes”, formando um círculo, que, ao abrir das cortinas, a empregada está terminando de colocar. Enfeites de natal. Personagens Comendador Domênico Del Sasso, Velho, nonagenário, em cadeira de rodas, com coberta Filhas solteiras: Tina (69 anos), vestidão florido, cabelos grisalhos lisos, meias de varizes, Zeza (65 anos), bem arrumada, cabelos bem penteados, e Lina, saia de florzinha e blusa branca, meias compridas (64 anos) Filha viúva: Nena (68 anos), vestido xadrezinho, cabelos curtos e penteados Filho casado (apenas interlocutor ao telefone): Beto (66 anos) Filho padre, morto com 67 anos: Juca Filhas de Aloísio, morto: Lu, gorda, cerca de quarenta e cinco anos, e Le, bem magra, cerca de quarenta anos João, cerca de cinquenta anos, marido de Lu, estatura média, magro Juvenal, cerca de quarenta anos, marido de Le, estatura
baixa, gordo Jo찾ozinho, filho de Jo찾o e Lu, cerca de quinze anos, de bermuda e camiseta Juninho, filho de Juvenal e Le, cerca de oito anos, de bermuda e camiseta Paula, filha de Juvenal e Le, cerca de quinze anos, saia curta, blusa colada Empregada Maria, cerca de trinta anos, roupa colada, acentuando o corpo Casal de amigos e filha, todos com jeito de desanimados, o homem com 처culos grossos Beatriz, dezessete anos, vestido formal, muito bonita Papai noel (Juquinha), cerca de trinta anos, exuberante, efeminado
Ato 1 Abre-se a cortina e a empregada está terminando de arrumar as cadeiras em círculo, vendo-se, sobre a cristaleira e sobre a mesa, enfeites de natal. Empregada, falando sem interlocutor: Pronto! Está tudo em ordem. Zeza entra, empurrando a cadeira de rodas, levando o pai até o canto, ao lado da cristaleira. Zeza: Muito bem. Papai fica aqui bonitinho, que o pessoal já está chegando. Comendador: Eu quero mais biscoito! Zeza: Maria, traz a lata de biscoitos, por favor! Lina entra. Lina: Já estou levando. - Dirigindo-se ao velho: Gostoso esse biscoitinho, né? Tina entra, bem devagar, senta-se à mesa. Tina: Cadê o meu jantar? Zeza: Maria, o jantar da Tina está pronto? Não esquece de descascar a laranja! Maria grita, fora de cena: Já levo já. Estou acabando de descascar a laranja! Nena entra. Nena: A Tina não dispensa o jantar de sempre!
Zeza: Por isso que está com saúde... Lina, aproximando-se de Tina e passando a mão na bochecha dela: E a pele assim, tão corada! Nena, saindo: Come logo, Tina, que o pessoal já está por chegar! Comendador: Que pessoal? Zeza: O pessoal de sempre, papai. A Lu e a Le, e famílias. Além deles, virão também outros convidados... Comendador: O que eles vêm fazer aqui? Lina: Hoje é natal, papai. Comendador: São todos interesseiros! Maria entra: Por falar neles, já estão entrando. Juninho entra correndo, olha todos os lugares, corre para um canto, enquanto diz: Peguei o melhor lugar, mamãe! Anda logo, gente, antes que alguém passe na frente... Le, Juvenal e a filha Paula entram. Tina continua comendo, devagar. Le: Juninho, dê um beijo na tia Nena... Juninho: Ah! Não! O bigode dela me penica... Le: Aí, não Juninho, aqui é melhor, porque tem mais ventilação. Eu não aguento o mal cheiro... Zeza: Que mal cheiro? A Maria lavou tudo hoje! Le, disfarçando: Não tia. É o cheiro do bar, que bate aqui. Le: Juninho, dê um beijo na tia Zeza... Juninho: Ai! O Pó de arroz dela me sufoca...
Zeza olha com desdém e sai. Le: Nem vou falar pra você beijar a tia Lina... Lina sai. Tina continua comendo com vagar. Juninho: Só vou beijar a tia Nena, porque ela é minha madrinha, e vai me dar o melhor presente... Juvenal: Esse bar está faturando nesse fim de ano! Quanto você acha que ele fatura, querida? Le: Ah! Não começa Juvenal! Você tirou o dinheiro do banco? Juvenal: Não sabia quanto tirar, querida. Le: Quanto que tem na conta? Juvenal: Onze contos. Le: Pois tirasse tudo, ora! É uma mixaria... Juvenal sai. Juninho grita: Tia, o que eu vou ganhar de natal? Fora de cena, Zeza responde: Espera e verá! Juninho sai. Paula senta-se, com sensualidade, e arruma a saia. Está emburrada. Juninho volta correndo e dirige-se à mãe: Mãe, eles chegaram! Não deixa pegarem o meu lugar! Entram Lu, o marido, e o filho Joãozinho. Juninho olha para Joãozinho, que lhe faz um sinal velado de tapa.
Juninho corre para o lugar. Joãozinho, com jeito de mal intencionado, para Juninho: É novo seu tênis? Ganhou de natal? Juninho: Não vai pisar no meu tênis novo! Eu conto pra minha mãe... Joãozinho ri de forma maldosa. João dirige-se ao comendador: Como é que estão as coisas, vovô? Comendador: Está tudo uma merda! Lina, entrando, diz, sorrindo, a se desculpar: Papai é napolitano! João: Eu sei... Mas, está tudo uma merda mesmo! Tina continua comendo, devagar. Le: Nossa, nem cumprimentei o vovô! Paula, Juninho, venham beijar o vovô... Juninho: Ai! Eu não gosto! Ele é fedido... Le, pegando a orelha do filho: Não fale assim, maleducado! Paula e Juninho aproximam-se do comendador, incZezamse e o beijam, saindo com cara de nojo. Tina: Eu não existo? Juninho e Paula, em coro: Feliz natal, tia Tina. Joãozinho, aproximando-se de Tina, passa por Juninho e diz: viadinho! Juninho faz uma careta para ele.
Joãozinho: Olá tia Tina. Está boa a laranja? Tina: Muito boa! Muito boa mesmo! Lina entrando: É por isso que ela tem a pele tão corada! Não abre mão da laranja e do chá das nove! Lu: Ai! Comidinha sem sal! Não sei como aguenta. Meia hora depois e já dá fome! Será que elas tomaram banho hoje? João dá um sinal com a mão para Paula, que não responde. João diz: Banheiro chique não falta... Lu: Elas só usam o bidê! E quando usam... Juvenal entra. Le: Juvenal, já cumprimentou o vovô? Juvenal: Ainda não. Juvenal dirige-se ao comendador. Juvenal: Como é que vai, comendador? Comendador: Estava melhor! Agora está tudo uma bosta! Juvenal olha sem graça. Zeza entra: Papai é napolitano! Lina: E mamãe era da Calábria! Nena entra: Pobre mamãe! Vamos rezar pelos nossos mortos... Mamãe, o Ivã, meu finado marido, e o nosso queridíssimo padre Juca! Zeza: Padre Juca, nosso irmão, era um santo! Deixou tudo para ir morar na favela, com os pobres... Le e Lu conversam, mas não se ouve o que dizem.
Joãozinho: Eu me lembro dele fazendo mágica para nos divertir! Juninho, como quem não quer ficar de fora: Eu lembro também... Joãozinho: Imagina! Você era muito pequeno! Juninho: Eu lembro, não lembro, mamãe? Le não ouve o filho, e continua conversando com Lu. Joãozinho faz uma careta de gozação para Juninho. Paula arruma a saia. Juvenal: O Ivã soube viver a vida... Como comia bem! Nena: Ah! Que saudade do Ivã! Não fosse o pão quente, poderia estar aqui conosco! Joãozinho: Pão quente? Zeza: Isso mesmo. Pão quente! Da padaria do Carrera! Lina: Não coma pão quente! Dá um nó na barriga, e mata num instante! Juvenal, para João: Depois de uma enorme panela de feijoada!... Os dois riem. Nena, saudosa: O Ivã sabia mesmo viver a vida. Naquela época, havia acabado de reformar do Exército, mas não durou muito a aposentadoria. Durante todo o nosso casamento, fomos muito felizes... João, para Juvenal: Três solteiras, mas quatro virgens! E os dois riram.
Maria entra e passa perto de João. João olha para ela, da cabeça aos pés, e suspira. Maria faz charme para João. Lu dirige-se a Maria: Entregaram os salgadinhos? Maria: Sim, está tudo certo. Só faltam as bebidas, que o rapaz do bar vai trazer daqui a pouco. Toca a campainha. Maria: Ah! Deve ser ele. Lenira, para Lu: Espero que os presentes deste ano valham a pena, porque os do ano passado... Lu responde: Faça-me o favor. Os do ano passado... Le: Pior que só vão entregar depois do chá da tia Tina! O casal de amigos e a filha entram, o homem dizendo a todos, enquanto acena: Feliz Natal! Feliz Natal! A mulher dirige-se a cada uma das pessoas e fala alguma coisa ao ouvido, obtendo reciprocidade, enquanto a filha, cabisbaixa, fica em silêncio. O homem dirige-se ao comendador: Como está, meu velho? Comendador: Cada vez mais velho! O homem ri e tenta ser amável: O que é isso? O senhor é jovem ainda! Comendador, sem ter ouvido o que o homem disse: Está tudo uma merda! Uma merda só! Zeza intervém: Ah! O papai é de Nápoles! Sabe como é,
fala palavrões... Lina: E mamãe era da Calábria! Uma santa! Nena: Vamos nos lembrar dos nossos mortos... Le, interrompendo: Agora não, tia! Zeza sai e volta, anunciando com alegria: A pizza da dona Luzia já chegou! Juninho: Oba! Lu: Hum! A pizza da dona Luzia é uma delícia! João, falando para si mesmo: E a filha dela, então... Lu: Quê? João: A galinha dela, então... Muito boa. Lu: Ah! É mesmo. Acho que ela vai mandar frango assado também... Joãozinho, em tom pensativo: Ah! Beatriz... Eu só que queria um olhar seu, como quem diz: seja feliz! Zeza: O Toninho alfaiate disse que depois passa aqui. Desejou a todos um feliz natal! Toca a campainha. Juninho, dirigindo-se a Zeza: Tia, posso ver os cartões de natal? Casal de amigos e filha conversam entre si, mas não se ouve. Zeza: Pode, mas depois coloca tudo de volta no pé da árvore. Juninho a Zeza: Tia, na hora de colocar o menino Jesus no
presépio, você deixa eu colocar? Toca a campainha de novo. Zeza, saindo para atender a porta: Não sei. Acho que a Tina vai querer colocar! Juninho: Mas, ela sempre dorme antes... Zeza sai sem dar atenção ao menino e logo volta. Zeza: Olha que está aqui! A Beatriz, da dona Luzia! Olha que menina linda... Lina: Ela parece com a mãe... Beatriz, sem graça: Boa noite, e bom natal para todos! Joãozinho olha espantado e surpreso. Juninho: Você gosta dela, né? Joãozinho, nervoso: Cala a boca! Juninho, cantarolando: O Joãozinho gosta dela, lalalalá... Zeza: Sente-se aqui conosco, Beatriz. Lina: Os quitutes da sua mãe são maravilhosos. Beatriz: Obrigada. Nena: Fique conosco. Beatriz: Sinto muito, mas estão me esperando. Beatriz, olhando para Joãozinho: Só passei para desejar Feliz natal... Joãozinho fica envergonhado. Todos, exceto Joãozinho e Beatriz, congelam. Joãozinho e Beatriz em primeiro plano.
Joãozinho, olhando para Beatriz, recita, enquanto Beatriz olha para ele, com serenidade: Beatriz, não sei o que eu sinto, mas, se você olhasse pra mim, saberia que eu existo. Eu seria tão feliz... Beatriz sai (e tudo volta ao normal, como se tivesse sido um sonho de Joãozinho). Lina dizendo: Temos de cantar as músicas de natal... Joãozinho aproxima-se de Paula e diz: Ai! Que chatice essas músicas de natal! Paula: Não gosto dela! Joãozinho fica cabisbaixo. Paula continua: Falei para Beatriz que a tia dela era péssima professora de inglês e ela foi contar. Resultado? Fiquei de exame! Lina: Vamos, gente. Vamos cantar... Juninho se anima e sai cantando, dando ênfase a cada um de que se aproxima: “Dingonbel, dingombel. Acabou o papel. Não faz mal, não faz mal, limpa com jornal.” Depois de repetir algumas vezes, dirige-se ao centro da sala e começa a segunda parte: “O jornal tá caro, caro pra
chuchu. Como vou fazer para limpar o … Dingonbel, Dingonbel...” e repete até o pai mandar que pare. Juvenal: Juninho, pare com essa chatice! Juninho sai correndo de cena. Joãozinho a Paula: Era bom quando o padre Juca vinha e me levava com ele ao cinema, para assistir bang-bang... Paula: Eu ele nunca levou. Não ficava bem, ir com uma menina ao cinema, nem que fosse sobrinha dele... Joãozinho: Tinha de cuidar da aparência... Zeza, animada: O frango da dona Luzia chegou! Joãozinho: Estou com uma fome... Paula: Você viu a quantidade de coisa para comer, na copa? Joãozinho: Só que tem de esperar! Paula: Olhe, o vovô está dormindo... Juninho entra e dirige-se a Tina: Não vai ouvir a loteria hoje, tia? Lina intervém: Hoje não tem loteria, menino. É natal. O sorteio já foi... Zeza, falando como contando algo proibido: Ganhei um troco no jogo do bicho, ontem... O Troglio veio oferecer quase na hora da apuração... Dali a pouco, voltou com o dinheiro... Juvenal: Apostou no macaco, como eu disse? Zeza: Que nada! Foi galo, na cabeça!
Joãozinho: Galo na cabeça? Isso dói! João: Essas velhas são viciadas em jogo do bicho. Joãozinho: E você não tem vícios, pai? João: Bom... Joãozinho: Eu sei... Nena: Esse ano foi um ano de sorte. Ganhamos o prêmio da padroeira e várias vezes no bicho! Lina: O prêmio da padroeira, nós demos para a Diocese... Joãozinho: E os do jogo do bicho, tia? Nena: Foi o que demos para vocês, nos envelopes de fim de semana! Lina tira um caderno grande de dentro da cristaleira: Aqui estão todos os registros. Um por um. Le se aproxima: Que letra bonita a tia Lina tem! Lu: Letra de professora! Lina: Aqui todas temos letra de professora, ué! Paula a Lina: Por quantos anos você deu aula, tia? Lina: Por muitos anos. Até aquele maldito diretor dizer que eu tinha de me aposentar! Disse que eu já estava gagá! Aqui em casa, todas nós nos formamos professores. O Beto também vai aposentar como professor! Lu: O papai não era professor. Tina: O Afonso não quis estudar! Foi ser carpinteiro como papai. Uma bela profissão, a de São José, pai de Jesus! Nena: Morreu cedo, o Afonso! Podia estar aqui conosco...
Sua mãe também, Lu. Vamos nos lembrar dos nossos mortos! Juvenal para Nena: O Ivã também gostava de fazer uma fezinha, não? Nena: Ele jogava toda quarta e sábado... O que ganhava, jogava de novo! Zeza: O padre Juca era um santo. Largou tudo para ir morar na favela e doou-se aos pobres... É o nosso primeiro natal sem ele! Nena:Viva o padre Juca! Todos, bradando: Viva! Maria entra: A uva já está lavada, na mesa. Zeza: Atenção! A uva é da nossa parreira! Esse ano deu muita uva... Nós ficamos um tempão apanhando as uvas. Juninho: Tia, posso dar semente para o papagaio? Zeza: A Lina já deu! Joãozinho: Tia, quantos anos tem o papagaio? Lina: Ih! É mais velho que eu! Juninho: Nossa! É bem velho mesmo! Lina: Mas eu sou novinha ainda! Todos riem. Lina, animada, começa a dar pulinhos e levantar a saia, ao que todos riem. João: Começou! A velha está assanhada! Juvenal: O Julião não resolveu o problema...
Le: Julião era o amor da tia Zeza, Juvenal. Juvenal: É outra carente! Mas, e da Lina? Lu: A tia Lina, que se saiba... Comendador acorda com as risadas: O que está acontecendo? Dorme de novo. Toca a campainha, Maria vai atender. Maria volta: Dona Zeza, o senhor Genaro mandou entregar o pernil. Zeza: Já vou. Zeza, virando-se para o casal de amigos: O seu Genaro é primo do Pepe, que morreu. Homem: Sim, todos vieram juntos... Zeza sai. Juvenal para João: Essas velhas guardam dinheiro embaixo do colchão. Não sabem investir... Le, ouvindo: Não começa com essa história, pelo amor de Deus! Juvenal: Você não me ouve. Se elas investissem como eu disse, já tinham dobrado o capital! Virando-se para João: Você precisa ir tomar um uísque comigo. Temos de conversar, porque eu tenho uns planos bons de investimento... Imagina uma casa na praia, para alugar... João, desvencilhando-se da conversa, sai de cena: Com licença, eu já volto.
Juvenal continua, para Lu: Eu tenho um amigo que aluga casa na praia, só conta dólares! Lu para Juvenal: Enquanto você, continua duro! Juvenal abaixa a cabeça e passa a mão no cabelo, consentindo. Casal de amigos e filha se levantam e o homem diz: Vamos ali na praça ver o papai noel! Lu para Le: Esses são uns bocós... Le para Lu: Bocós, mas não perdem a oportunidade. Lu: Não suporto essa menina lerda, com cara de borocochó! Le: Por que as tias puxam tanto o saco dessa gente? Lu: Por que eles são filhos do Mollica, que veio junto com o vovô, da Itália. Zeza para Tina: Tina, são nove horas. Hora do chá! Tina: Já está na mesa? Lina: Maria! O chá já está na mesa? Maria: Já, sim senhora. Nena: Vamos tomar o chá, pessoal. A torrada da Maria é muito boa. João: A Maria faz tudo muito bem! Lu, com indignação: Uh! Joãozinho: Como você sabe, pai? João, dando um leve tapa na cabeça de Joãozinho: Modo de dizer, moleque.
Juninho: Eu quero pizza! Nena: Depois. Na hora do natal! Agora é o chá das nove, como todo dia. Lu para Nena: Tia. Encomendaram os fios de ovos? Nena: Claro! Está na geladeira... Só falta colocar na bandeja, com as frutas e o pernil... Todos se retiram, como se fossem à copa, e Maria entra para arrumar as cadeiras. Pano
Ato 2 João volta e começa a mexer com Maria, tentando agarrála, e se desvencilha dele. João: Ai, Maria!... Maria: Ai, seu João! Aqui não! Eu tenho vergonha... Imagina se alguém vê? Juninho entra, vê os dois, faz cara de assustado, e volta para copa. João: Maria, você é a minha perdição! Maria: Aqui não! Ai, disfarça, que eles estão voltando... Todos estão voltando para a sala, conversando. Maria faz jeito de sem graça, e finge que está arrumando as cadeiras. Zeza: Viram como o papagaio gosta da Lina? Lina: Ele me conhece de longe. Eu que dou semente de girassol pra ele! Joãozinho começa a contar para o pai sobre um bang-bang italiano que assistiu com o padre Juca: Era tanto tiro, que no fim, ficou um monte de cadáver no chão... Nena interrompe: Está falando das fitas italianas que o padre Juca gostava? Joãozinho: É, tia. Esse filme foi demais. Era tiro para todo
lado. A arma do caubói não parava nunca. João: Nunca acaba a munição? Joãozinho: E o dólar furado? O sujeito acertou o tiro bem na moeda... João: Não fala em dólar... Juvenal se aproxima: Estou vendo que esse garoto gosta de dólar! Tem futuro... Joãozinho: Estou falando do filme, tio. O dólar furado! Le: Ih! O Juvenal não tem um tostão furado! Juninho para Nena: Tia, quando vocês vão comprar uma televisão, ei? Zeza: Nunca, porque faz mal para a vista! Juninho: Mas passa coisas legais, tia. Tina: Eu já nem enxergo com esses óculos... Le: Claro! Precisa lavar, de vez em quando... Zeza, com tom grave: Não lava, Tina. Tira o grau! Joãozinho olha para Zeza com curiosidade. Depois pergunta: Tia! E o piano? Paula corre a intervir: O piano já é meu. A tia prometeu! Joãozinho: Estou dizendo para ela tocar para a gente, bocó! Le, reforçando a filha: Eu vou por a Paula na aula de piano, e ela vai precisar do piano para treinar, tia. Zeza: O piano será dela, mas depois que eu morrer! Juvenal: Caramba! Vai demorar... - E virando-se para
Zeza: Quantos dólares vale um piano desses? Zeza: Eu sei lá! Já tenho esse piano faz tanto tempo! Eu ainda era normalista... João: Está afinado? Zeza: Claro! O afinador veio na semana passada. João: Então, toca pra gente... Zeza: Ah! Não... Outro dia. Não estou inspirada... Juvenal para Le: Bem, eu estive pensando... Le, sarcástica: E você pensa?! Juvenal fica sem graça. Toca o telefone. Le: Alguém atende? Nena: A Zeza atende. Só a Zeza que atende... Zeza, ao telefone: Pronto! Aqui é da casa do Comendador Domênico, Zeza falando. Sim, ah! Senhor Bispo! Para o senhor também. Muito grata. O comendador, as filhas e sobrinhas e toda a família também desejam ao senhor. Deus o abençoe. A prenda para a festa? Sim senhor. Pode deixar. E a dona Joana? Melhorou? Sim. Hoje estaremos lá, tocando na Missa do Galo. O coral ensaiou a semana inteira! Até lá, senhor bispo. Desligando o telefone, Zeza volta-se para todos: Era o senhor bispo. Desejou a todos um feliz natal! Nena: E a mãe dele? Não falou nada? Ela estava com a saúde abalada... Zeza: Diz que melhorou. Acho que é chelique!
Homem, do casal de amigos: A mãe do senhor bispo está doente, é? Nena: É a idade... Homem: É! A idade vai pegar a todos nós! Zeza bate na mesa: Ai! Vira essa boca para lá! Juninho vê Joãozinho sentando-se no lugar que havia escolhido: Aí é meu lugar! Eu cheguei primeiro... Joãozinho sai e passa por Juninho: Viadinho... Paula acolhe o irmão, abraçando-o, em represália a Joãozinho. Toca o telefone. Le: Tia Zeza, o telefone. Zeza: Eu já ouvi. Zeza tira o fone do gancho: Pronto! Aqui é a Zeza! Ah! Beto? Como é que está? Por que não vem esse ano de novo? O quê? O Betinho fez o quê? Lu: Que foi, tia? Zeza, tampando o fone com a mão: Calma aí, senão não escuto. E volta a falar, gritando: Fala mais alto. A ligação está ruim. O que aconteceu? (Pausa) Sei. Ele subiu no telhado para ver o papai noel? Já chamaram o bombeiro? Ah! Que susto! Então, está bem. Pena que vocês não virão. Os presentinhos ficarão guardados, para quando puderem vir... Feliz natal para vocês também. Zeza continua conversando ao telefone, sem que se ouça. Le para Lu: O tio Beto não vem de vergonha!
Lu: Também acho. Imagina o papelão! Ser pego em flagrante pela mulher! Com a empregada! Le: Mas ela perdoou... Lu: Imagina que eu perdoaria o meu marido, depois de vêlo com a empregada... Le: Não fala que paga a língua! Lu: Juro que não perdoo! Dou-lhe um pé na bunda... Desligando o telefone, Zeza dirige-se a todos: Eles não virão, porque o Betinho subiu no telhado e não consegue descer. Tiveram de chamar o bombeiro... Le: Subiu no telhado? Zeza: Para ver o papai noel... Juvenal: Esse menino não bate bem. Outro dia caiu do muro... Juninho: Ele é igual eu, pai? Todos riem. Lu: Não é “igual eu”, mas “igual a mim”, menino. Joãozinho: É igualzinho. (Dirigindo-se a Lu) Lembra aquele dia, na festa na praça, que o Juninho se perdeu de propósito, a um passo daqui, só para falarem o nome dele no alto-falante? Juninho: Eu me perdi sim, seu burro! Le, enquanto Joãozinho faz careta para Juninho: Olha o linguajar! Juvenal para João: Imagina o dia que essas velhas morrerem, esse imóvel aqui, em pleno centro da cidade!
Dá um bom ponto comercial... João: Não se anime muito, não. Elas vão durar muito ainda... E tem de lembrar que o velhinho ainda está aí... Juvenal: Isso me irrita... João: Ao menos vocês moram na casa que o sogro deixou... Juvenal: Mas temos de pagar aluguel equivalente à metade para vocês! João: Nada mais justo. A casa é herança das duas, não? Juvenal: Pois é. Zeza: Atenção! Já são dez horas. Cada um no seu lugar... Juninho, correndo para o lugar que havia reservado: Oba! Hora dos presentes! Tina, animada: Oba! Vamos ver as surpresas... Lina: Eu já vou buscar os pacotes. Nena: Espera Lina. São pesados. Juninho: Oba! São pesados... Zeza: Pede para o Joãozinho ajudar. Juninho: Ah! Não! Não deixa ele pegar os meus... Le para Lu: Vamos ver se esse ano... Lu: Tomara... Nena: Primeiro, o presentinho do vovô! Lina: Acorda, papai. Olha aqui o seu presentinho... Lina mesma abre.
Nena: Um cachecol! Tina: Oba! Lu: Eh! Vô! Vai ficar chique, ei! Le: E quentinho! Joãozinho: Com esse calor! João: Velho não sente calor! Homem amigo: Toda vez que eu vejo aquela porta da catedral, lembro-me do comendador Domênico. Zeza: Sim, foi o papai quem fez aquela porta! A esposa do amigo confirma que sim, com a cabeça, e a filha olha sem entender. Zeza: Papai era um carpinteiro de mão cheia! Aprendeu o ofício ainda em Nápoles. Fazia cada móvel... Esses aqui de casa, foi ele que fez... Homem amigo, querendo agradar, passando a mão na cadeira: Estão durando... Esposa dele confirma com a cabeça. Lu: A marmota! Quero ver na hora da comida. Le: Elas têm cara de zonzas, mas comem que só vendo! Nena: Agora os presentinhos da tia Tina! Lina entra com os pacotes, e distribui, um por um, lendo os nomes nos pacotes. Juninho corre a abrir: Ah! Não! Paula: O que é? Todos olham para o menino.
Juninho, soltando os ombros: Um jogo de dama! Joãozinho, enquanto abre o seu pacote: Bosta! Um jogo de dama! Juninho ri: Bem feito! Igual ao meu! Paula abre o pacote: Um ruge... Tina: A Zeza que comprou. Eu não saio mais na rua... Zeza: Você já está mocinha... Paula, com desdém: Obrigada, tia. Le, com satisfação, para Lu: Os zonzos não ganharam... Nena: Agora, os presentinhos da tia Nena! Lina, pega lá os pacotes. Zeza: Não, Nena. Vamos antes cantar uma canção de natal. Aquela do papai noel... Joãozinho: Qual, tia? Tem tantas... Zeza, começando a cantar: “Como é que Papai Noel Não se esquece de ninguém Seja rico ou seja pobre O velhinho sempre vem Seja rico ou seja pobre O velhinho sempre vem ” Lu: Voz de taquara rachara... Le tenta acompanhar. Juninho acompanha com exagero, fazendo gestos com as mãos e gritando. Joãozinho: “Seja rico ou seja pobre...” Duvido!
Lina traz os pacotes, e entrega um por um, lendo os nomes. Juninho abre o pacote mais devagar, desanimado: um carrinho!, diz conformado. Joãozinho, abrindo o pacote: Deve ser o mesmo... Ah! Uma caneta! Nena: Para você ter boa letra na escola, Joãozinho. Paula: Só se a caneta for mágica! Le: Abre logo o seu, filha. Paula: Um diário! Obrigada, tia. Nena, com um sorriso malicioso: É para você registrar seus segredinhos... Zeza: O namoradinho... Paula faz careta de sem graça. Le: Olha! Um pano de prato! Lindo... Lu: O meu também! Nena: É do bazar de caridade da paróquia... Le e Lu, em coro, com falsidade: Obrigada, tia! Le, zombando: Era o que eu precisava! João: Um cinto! De novo... Juvenal: O meu também... Le: Vê se os furos dão na barriga, Juvenal! Joãozinho: Quantos dólares valem esse cinto, tio? Juvenal dá uma risadinha sem graça.
Nena: Agora, os presentes da tia Lina! Lina, saindo para buscar os pacotes: Agora os meus! Juninho: Vamos ver se melhora, porque até agora... Joãozinho: Interesseiro! Juninho: E você não? Lina distribui os pacotes. Le: Uma toalha! Obrigada, tia! Lu: Uma toalha também! Combina com a minha mesa... Juninho, fechando os olhos e abrindo o pacotinho: Ah! Meu Deus! Me ajuda! Juninho abre os olhos e...: Oh! Não! Um caderno, um lápis e uma borracha! Que droga! Joãozinho: É para você estudar, seu burro! Lina: É para você ir bem na escola, Juninho! Juninho suspira. Joãozinho: Um kit de desenho, com régua, compasso, transferidor... Onde é que eu vou usar isso? João: Já fica para o colégio... Vamos ver o meu... Olha! Uma gravata! Onde é que eu vou usar isso? Joãozinho: harará! Já fica pro velório! Juvenal: Nem vou abrir... Se bem que uma gravata, no ramo dos negócios... Le: Que negócios, Juvenal! Você sonha! Juvenal: Pois você ainda vai ver! Eu ainda vou ganhar muito dinheiro...
Paula: Queira Deus! Não aguento mais essa vidinha! Le para Zeza: Tia. Os zonzos não vão ganhar nada? Zeza, sussurrando para Le: Eu não sabia que eles vinham... Vou dar alguma coisa do Beto, e depois compro outro presente pro Beto. Nena: Agora, os presentes da tia Zeza! Zeza: Eu mesma busco. Nena: Ah! Se o Ivã estivesse aqui, iria dar bons presentes! Juninho: Que pena que ele não está! Zeza, voltando com os pacotes: Atenção! Estes são da turma da Lu, estes da Le, e este, para os nossos amigos, muito bem-vindos! Juninho, abrindo: Meias! Puta que pariu! Zeza, aparentemente, sem ouvir a indignação de Juninho: Se não servir pode trocar... Joãozinho: Meias! João: Uma carteira! Só falta o dinheiro para por dentro! Juvenal: Uma carteira também... Já é um bom começo! Joãozinho: Vai encher de dólares, tio? Le: Combina com o cinto! João: Tem de andar com a carteira na mão e o cinto aparecendo... Paula: Um batom! Le: Que cor? Paula mostra.
Le: Nossa! Batom de velha! Só podia ser a tia Zeza! Lu: Um jogo de toalhas... Le: O mesmo para mim! E olhando para o casal de amigos, Le diz: Vamos ver o que ela vai dar a eles... Lu: Uma toalha de mesa chique! Le: Então, era isso que ela ia dar pra mulher do tio Beto! Por que ela merece coisa melhor que nós? Lu: Logo ele, que deve tanto pra elas! João: É o único irmão vivo! Le: E daí? João: Sei lá! Nena: Tem também o presentinho da Maria... Bom, agora, vamos para os comes e bebes. Feliz natal para todos! Mal ela fala e todos correm a sair de cena, como que indo para a copa, deixando o velho e Tina, que anda devagar. Tina: O papai! Alguém leva o papai! Joãozinho volta e pega o velho, empurrando a cadeira de rodas, depressa. Comendador, acordando, assustado: Puta que pariu! O que aconteceu? Joãozinho: É natal, vô! Vamos comer! E sai de cena com ele. Pano
Ato 3 Todos voltando para a sala, conversando entre si, sem se ouvir. Lu para Le: Viu como a “estronza” come? Parece morta de fome! Le: Qual? A mãe ou a filha? Lu: As duas! Paula: Vieram aqui para aproveitar! A filha enfiou dois “olhos de sogra” na boca! Justo o doce que eu mais gosto... Coco com leite condensado, dentro de uma ameixa... João para Juvenal: A cerveja estava quente... Juvenal: Por isso que eu só tomei guaraná. Joãozinho para Paula: Vocês detonaram o frango, ei? Paula: E você encheu a boca de pizza! Pensa que eu não vi? Joãozinho: E seu irmãozinho que engoliu uma dúzia de “olho de sogra”, de uma vez só! Juninho: Não enche, ô! Joãozinho: Viadinho guloso! Paula: Não fala assim com meu irmão! Joãozinho começa a agarrar Paula, como se estivesse
brigando, e a encosta numa parede. Paula: Passar a mão, não! Eu grito e chamo a minha mãe! Joãozinho: Você mudou! Paula, desvencilhando-se: Bobo! Joãozinho a larga e fica olhando com olhar lascivo. Seu pensamento é interrompido pelo chamado de Nena. Nena: Gente, venham todos aqui. Lina, traga o papai. Eu quero fazer uma homenagem aos nossos mortos, tão queridos. Le: Ai! Minha nossa! Zeza para Maria: Maria, deixa as coisas aí. Amanhã dá um jeito... Nena: Primeiro, à mamãe, que nos deixou tão cedo. Lu: Nós nem a conhecemos! Nena: Ela veio da Calábria, e papai de Nápoles. Os dois se conheceram aqui, como o destino quis. Mas o destino também quis que a morte dela os separasse. Depois de vários anos de matrimônio e muitos filhos... Todos honrados. Um padre que era um santo! Zeza: Dois morreram pequenos, e nós nem conhecemos. Lina aproxima-se do comendador, e passa a mão sobre sua cabeça, como a consolá-lo. Nena: Depois, o Ivã! Meu marido tão querido, do qual tenho tanta saudade... Havia sido reformado do Exército há tão pouco tempo e veio a falecer... João sussurra para Juvenal: E deixou a viúva virgem!
Juvenal ri contido. Le para Juvenal: Presta atenção, homem! Como que você quer que eu peça o dinheiro emprestado pra ela, pra gente comprar o carro? Juvenal se recompõe. Nena continua: Nós nos casamos e fomos morar na praia. Naquele tempo, Ivã foi transferido a serviço. Foi uma época boa! Depois, voltamos, para ficarmos perto do papai. Ivã tinha verdadeira adoração pelo papai. Não tinha família. Sua família era a nossa. João vai cochichar de novo a Juvenal, mas Le interrompe: Faz de propósito, né? João recua. Joãozinho pergunta a Nena: Tia. E o rádio amador do tio Ivã? Era tão legal! Nena: Ah! Não funciona mais. Um conhecido levou embora. Joãozinho: Eu gostava de ir ver ele falando com pessoas de longe... Juninho: Ele trancava a geladeira... Le, com saudade: E ouvia discos de marchas militares... Lu, com saudade: Ah! De casa, a gente ouvia. João: É! Ele ouvia bem alto! Paula para Lu: Você devia gostar, tia. Dizer que era louca por uma farda! João olha para Lu.
Le: Nós nos divertíamos no baile dos cadetes... Le, virando-se para João: Não fica com ciúme, João. Éramos solteiras... Juvenal: E não arrumaram nenhum milico? Zeza: Fala do padre Juca, Nena. Nena: Ah! Sim. O padre Juca era um santo homem. Deixou tudo para ir viver na favela, com os mais necessitados, para quem rezava a missa, atendia confissões, fazia caridade. Até com políticos se meteu, para conseguir melhorias para os pobres! João: Esse era cara de pau! Joãozinho, com ar contrito: E fazia mágica para nos divertir, e me levava ao cinema. Lina: O Marotta, dono do cinema, não cobrava de nós. Zeza: Ele também já morreu! Tina: Quem morreu? Zeza: Tina, você está dormindo? Tina: Quem morreu? Zeza: O Marotta, dono do cinema. Você não se lembra? De acidente! Comendador: Quem morreu? Nena: O Marotta, papai. Seu primo, lembra? Comendador: Meu primo morreu? Mas, que merda! João: Faz um tempinho... Zeza, sobre o Comendador: Ele não sabe mais... Está
caducando... Nena: Voltando ao padre Juca... Juvenal: O bar ao lado era dele... Como vai ficar? Zeza: Não falamos disso agora... Juvenal para João, sussurrando: É um patrimônio... João concorda com a cabeça. Nena: O advogado falou que fica para o papai, único herdeiro dele... Juvenal: Bom, ao menos, no futuro... Zeza: Não vamos falar disso agora! Zeza, voltando-se para Lina: Recebemos votos de feliz natal dos Pinelli. O irmão e as duas irmãs! Nena: Padre Juca era nosso irmão, mas, sobretudo, um santo. Desde menino, demonstrou vocação para o sacerdócio, para alegria do papai e da mamãe. Era muito estudioso e piedoso, desapegado, inteiramente dedicado à Igreja. Lina: E não podemos nos esquecer que foi ele quem fez o casamento da Le e da Lu, e batizou todos os sobrinhos... Juninho: E todos os anos, rezava missa de natal... Só que não dava presente... Joãozinho: Todos os filmes que eu assisti foi graças a ele! João: Até os de mulher pelada? Maria, que está num canto, ri. Lu: Não fala assim com o menino!
Joãozinho: O que ele mais gostava era aquele, do pistoleiro que guardava a pistola numa bíblia! Juvenal: Pudera! Joãozinho: Depois que matava, o pistoleiro fazia o sinal da cruz... João: Bem ao estilo do padre Juca! Joãozinho: Como assim? João: Deixa pra lá! Maria riu de novo, e Lu olhou para ela, interrogativa. Juninho para Zeza: Tia, está quase na hora de por o menino Jesus no presépio... Zeza: Calma. Ainda tem tempo. Toca o telefone. Le para Zeza: Tia, é sua atribuição! Zeza atente o telefone: Pronto! Zeza falando! Ah! Dona Luzia! Se estava boa a pizza? Não sobrou nem cheiro! O frango também estava muito bom. Feliz natal para todos aí. Ah! Pois é! Que pena... Todos nos lembraremos dele sempre! Os onze filhos estão reunidos? É uma benção de Deus! Muito obrigada pela pizza e pelo frango. Passa amanhã, que eu tenho um presentinho... Até logo, tchau... Zeza põe o fone no ganho e dirige-se a todos: Era a dona Luzia. Desejou um feliz natal a todos. É o primeiro natal sem o marido, que faleceu no meio do ano, mas os onze filhos estão reunidos... Homem, amigo: Eu conheci muito bem o senhor Pepe. O pai dele também veio da Itália junto com o meu e o
comendador... Nena: Veio uma leva muito grande... Homem: Eram todos napolitanos! Um lugar muito bonito... Juvenal: O senhor conhece? Homem: Não. Ouvi dizer. (Em tom de declamação) “Vedere Napoli, dopo morire!” Juvenal faz um gesto de que não entendeu a frase e não leva a conversa adiante. Nena: Padre Juca conheceu Nápoles. Quando foi ao Vaticano, aproveitou e foi conhecer Nápoles. Tina: O padre Juca foi lá? Zeza: Claro, Tina. Não se lembra que ele até conheceu uns primos nossos... Nena: Foi quando ele trouxe aquelas bençãos papais para os casais da família... Lu: A minha está emoldurada, na parede... Le: A minha está guardada. Preciso emoldurar... Maria interrompe: Tem um papai noel querendo entrar... Zeza: Papai noel? Maria: Sim. Diz que tem uma surpresa! Juninho: Oba! Todos ficam curiosos. Zeza, desconfiada: Mande entrar. O papai noel entra, demonstrando trejeitos efeminados.
Zeza, surpresa e curiosa: É o Carlinhos da floricultura? Papai noel, sempre exagerando nos trejeitos efeminados: Não! É surpresa! Lina: É o moço da funerária! Zeza: É o Bidu, cabeleireiro! Papai noel: Claro que não! Zeza, para o público, como que revelando um segredo: Esse papai noel é fru-fru!! Papai noel: Esse velhinho é o comendador Domênico? Nena: Sim. Papai noel corre e o abraça: Vovô! Comendador: Que que é isso? De onde saiu isso? Zeza: Afinal... Papai noel: A senhora é... Zeza: Eu sou a Zeza... Papai noel, abraçando-a: Titia Zeza! Zeza ri, mas sem saber de quem se trata. Papai noel para Lina: A senhora... Lina: Lina... Papai noel, agarrando-a, a sufoca com a barba: Titia Lina! Lina se desvencilha dele, cospe supostos pelos da barba. Papai noel para Nena: Tia... Nena: Nena...
Papai noel abraçando-a: Tia Nena! Nisso, Tina foge, passo curto, apertado, e o papai noel vai atrás. Todos ficam atônitos. Ouve-se grito de papai noel dizendo “titia” e de Tina dizendo “me larga”. Papai noel volta, olha para os demais e diz: Priminhos! Joãozinho para Juninho: Esse é seu priminho! Juninho: Ah! Sai! Zeza: Mas, quem é você? Papai noel: Pois bem, titia. Lembra-se que um dia foram à favela visitar o padre Juca, na festa de ordenação dele? Zeza: Lembro-me muito bem. João: Eu também me lembro. Nós fomos juntos. Papai noel: Lembram-se que havia uma senhora, que cuidava dele, com um menino, que ele disse que era afilhado? Zeza; Sim, ele nos apresentou. Ela trabalhava na sacristia... Papai noel: Pois é! Com o padre Juca era assim: rezou tem de ajoelhar! Juvenal: Não, não! O ditado é: “Ajoelhou, tem de rezar!” Homem, amigo, enquanto a esposa e a filha estão sem saber o que está acontecendo: Isso mesmo! Papai noel: Não, não! Com o padre Juca era o contrário.
Rezou tem de ajoelhar, se for mulher, é claro! Aquela criança era eu, e aquela mulher era a minha mãe... Zeza: E daí? Papai noel, tirando a barba e o capuz: Eu sou o Juquinha! Lina: Quem é Juquinha? Zeza: Filho do Juca? Quer dizer, do padre Juca? Papai noel (Juquinha): Isso mesmo, seu sobrinho Juquinha, tia! A cara do pai, segundo dizem. Juvenal: Pior que é! João: Eu não disse? Le e Lu: Não acredito! Nena: Ele pegou para criar? João: Acorda, tia! Juvenal, desanimado, para o público: O prédio do bar já era! Zeza, alegre, abraçando Juquinha: Eu tenho um sobrinho fru-fru? Esse era meu sonho! Joãozinho: Era só esperar o Juninho crescer mais um pouco... Lu: Puta merda! Paula: Puta que pariu! Le: Puta que pariu, digo eu. Comendador, sem saber o que está acontecendo: Vai pra puta que pariu você também! Enquanto todos dão as mãos, formando uma roda,
Juquinha diz: Vovô é de Nápoles? Todos: Sim, vovô é de Nápoles! Pano
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