Revista Tributaristas - Maio 2014

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Editorial

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Revista de Direito Tributário de Graduandos e Pós-graduandos da Faculdade de Direito da USP

CONSELHO EDITORIAL

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ostuma-se dizer que a nobreza de um povo pode ser mensurada pela sua capacidade de preservar sua história e tradição. Foi estribado nessa premissa que a RT estabeleceu como um de seus objetivos contribuir para com a preservação da história do direito tributário brasileiro. As entrevistas realizadas a cada edição possuem precipuamente dois escopos: (i) homenagear os entrevistados por suas relevantes contribuições para a evolução do direito tributário pátrio; e (ii) produzir material que registre os pensamentos e questões tributárias típicas do presente momento histórico. Nas duas primeiras edições tivemos a honra de entrevistar os ilustres tributaristas Paulo de Barros Carvalho e Ives Gandra da Silva Martins, respectivamente. Nesse volume, o homenageado é o jurista Roque Antonio Carrazza, por muitos considerado o maior especialista em ICMS no país. O desafio, entretanto, está em conciliar a preservação do passado com um movimento de vanguarda, voltado para as questões do futuro. Nesse quesito, a presente edição logrou êxito ao abordar temas extremamente modernos e atuais como: o emprego da arbitragem na esfera tributária; a utilização das normas penais como instrumento de política fiscal; a revisão dos “autolançamentos” elisivos; e a relação entre a majoração do IPTU e a vedação ao confisco. Se “é preciso muitíssima história para forjar uma pequena tradição”, como disse o escritor Henry James, já nos daremos por satisfeito caso o presente projeto seja útil para a redação de uma linha. Boa leitura a todos!

CONSELHO DOCENTE Heleno Taveira Torres Paulo Ayres Barreto Regis Fernandes de Oliveira CONSELHO DISCENTE Aristóteles Moreira Filho Thyago Pereira Trairi

ARTICULISTAS DESTA EDIÇÃO Aristóteles Moreira Filho Jana Maira M. Dourado Rodrigo Numeriano Dantas Thyago Pereira Trairi

ENTREVISTADORES DESTA EDIÇÃO Aristóteles Moreira Filho Thyago Pereira Trairi

DIAGRAMAÇÃO E PROJETO GRÁFICO Gabriel de Castro Hirabahasi

FALE CONOSCO contato@revistatributaristas.com.br __________________________

Heleno Taveira Torres Professor Titular do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito do Largo São Francisco - USP

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A Revista Tributaristas é uma publicação independente de graduandos e pós-graduandos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. As opiniões expressas nos artigos são as de seus autores e não necessariamente as da Revista Tributarista nem das instituições em que atuam. É proibida a reprodução ou transmissão de textos desta publicação sem autorização prévia. REVISTA TRIBUTARISTAS


Foto: gazetadopovo.com.br (http://goo.gl/xZx7Uo)

Índice

4 / SOBRE A REVISÃO DOS “AUTOLANÇAMENTOS” ELISIVOS NO BRASIL

27 / MAJORAÇÃO DO IPTU E VEDAÇÃO AO CONFISCO

por Rodrigo Numeriano Dantas

por Jana Maira M. Dourado

9 / O CASO HOENEß E A FUNÇÃO ARRECADATÓRIA DOS CRIMES TRIBUTÁRIOS

31 / ARBITRAGEM E PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA : A CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM NA UNIÃO EUROPEIA

por Aristótoles Moreira Filho

por Thyago Pereira Trairi

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Opinião

Sobre a revisão dos “autolançamentos” elisivos no Brasil Breves reflexões à luz da confiança legítima dos contribuintes e da segurança na aplicação do Direito Fiscal pátrio por Rodrigo Numeriano Dubourcq Dantas

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o Direito Tributário Brasileiro, em razão do texto constitucional vigente, vigora, como freio à liberdade criadora dos aplicadores de suas normas, um certo exclusivismo. É que, aqui, os tipos legais dos tributos enfeixam, em si mesmos, uma descrição completa dos elementos necessários à tributação, estabelecendo uma moldura, fora da qual, não se confere validade às investidas fazendárias. Se a ação do contribuinte, assim, não viola ou desrespeita qualquer comando legal, deve ser tida por plenamente válida, produzindo efeitos no mundo jurídico não passíveis de ulteriores questionamentos desconstitutivos, por parte da Administração Fazendária. É, justamente, com base nesta premissa que se oriente o presente artigo, o qual tece breves reflexões acerca de inusitado fenômeno que vem ganhando fôlego na praxis tributária brasileira: a revisão dos “autolançamentos” – expressão, aqui, utilizada, a despeito de nominalismos exacerbados, como sinônimo das modalidades de constituição do crédito tributário, empreendidas pelos próprios sujeitos passivos – elisivos. Por razões de segurança jurídica, o legislador constituinte, alçou a lei – e somente ela – como fundamento válido da tributação no Brasil. Neste sentir, figura, aqui, a lei como a régua para a revisão válida dos lançamentos tributários. E isto confere estabilidade ao instituto jurídico em questão e aos efeitos, por ele, produzidos; estabilidade esta que deve ser compreendida tanto sob uma perspectiva material, do conteúdo dos atos de revisão dos lançamentos tributários, bem como sob uma perspectiva temporal, dos prazos decadenciais (como é o caso da norma inserida no parágrafo único do art. 149 do CTN) dentro dos quais, validamente, ditos lançamentos tributários

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encontram-se sujeitos à revisão por quem de direito. O lançamento tributário, como ato jurídico, em todos os seus aspectos, exige, o controle rígido de sua legalidade, de modo a proteger, em ultima ratio, de um lado, os contribuintes contra o arbítrio dos agentes fazendários; de outro, a previsibilidade na aplicação das normas fiscais, que não podem ser, validamente, desvirtuadas, quer pelos administrados, quer pela Administração. Resta saber, pois, em que casos se encontram, no Brasil, as autoridades fiscais habilitadas a proceder, de ofício, à revisão dos lançamentos tributários. Para tanto, convém relembrar o teor do art. 145 do Código Tributário Nacional, segundo o qual o lançamento, regularmente notificado ao sujeito passivo, somente pode ser alterado em virtude de impugnação apresentada por este; de recurso de ofício; ou da iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no art. 149 do diploma em apreço. Encontra-se vedada, por conseguinte, a ilimitada revisibilidade dos lançamentos tributários, por iniciativa dos agentes fazendários. A abstração permite desvincular uma dada situação jurídica da sua causa, da situação fática que lhe é subjacente. É, justamente, neste sentido, que se manifestam os efeitos preclusivos (materiais e temporais) que se operam sobre o instituto do lançamento tributário, permitindo que este – enquanto situação jurídica abstrata – exista independentemente de sua conformidade ou desconformidade à causa (encontrada no mundo da vida) que lhe dá origem. Deste modo, fornece-se estabilidade às relações de cunho fiscal; objetivo sistêmico este que nunca seria atingido, caso não se impusesse um marco final sobre a discussão acerca da existência e do conteúdo das obrigações e dos créditos tributários oriundos do instiREVISTA TRIBUTARISTAS


Opinião tuto em foco, o qual, no Brasil pode ser operado quer pelos particulares, que pela Administração Fazendária. Sem o marco preclusivo, ora examinado, não seria possível o cumprimento voluntário das obrigações tributárias ou mesmo uma tutela previsível do descumprimento de ocorrências tributariamente relevantes, mas não lançadas. Deste modo, a partir do instituto do lançamento, a situação jurídica, nele, declarada – se não se almoldar, estritamente, à hipótese legal de revisão prevista no bojo do ordenamento jurídico vigente ou, neste caso, se já transcorrido o lapso temporal dentro do qual tal revisão deveria ser empreendida – pode ser abstraída de sua causa e, por conseguinte, passa a produzir efeitos, no mundo do Direito, independentemente de qualquer conformidade com o acontecimento, ocorrido no mundo da vida, que lhe deu origem. Alcança-se, com o modelo ora descortinado, de um lado, previsibilidade à aplicação do Direito; de outro, certeza objetiva, para as partes da relação fiscal, acerca do conteúdo desta, eis que, bem ou mal, de forma expressa, o lançamento, formalmente, terá coberto determinadas ocorrências, identificadas no mundo da vida, permitindo àqueles, ao mesmo relacionados, conhecê-las de igual modo. Assim, enquanto existir o título abstrato, formulado no lançamento, soará desnecessário perquirir a causalidade real do conteúdo do mesmo.1 Nos termos acima, sustenta-se que o instituto do lançamento tributário constitui uma garantia para os contribuintes, que somente serão submetidos, à Administração Fazendária, para adimplir, voluntaria ou compulsoriamente, as prescrições do título jurídico abstrato que materializa determinada obrigação e crédito tributários. Verifica-se, portanto, nos lançamentos tributários, uma bilateralidade inelutável, seja qual for a modalidade em que estes se exteriorizem; bilate-

ralidade esta que se traduz, para o credor (sujeito ativo), na previsão de que poderá receber, do devedor (sujeito passivo), estritamente, aquilo que se encontra materializado no título abstrato de uma dada obrigação fiscal e que se traduz, para o devedor (sujeito passivo), na certeza de que não será surpreendido com novas cobranças fiscais, referentes a um determinado fato – tributariamente relevante – anteriormente ocorrido no mundo da vida. Disto decorre uma importante consequência: a imutabilidade dos lançamentos, sob pena de ferir a previsibilidade na aplicação do Direito Tributário, não cederá a correções não previstas pelo próprio legislador fiscal. Sustentando este breve artigo a viabilidade dogmática, no Brasil, dos “autolançamentos”, convém questionar, a que título se opera a vinculação da Administração Fazendária aos critérios jurídicos adotados pelos contribuintes. Isto porque, no novo perfil assumido, pelo Estado brasileiro, na contemporaneidade, é inegável o protagonismo que os administrados têm assumido nas suas relações perante a Administração Fazendária e, por conseguinte, na própria gestão do sistema tributário nacional, à medida que participam, em conjunto com a última, no procedimento de constituição de seus próprios débitos para com o Erário. Em estudo clássico, originalmente publicado antes mesmo da edição do Código Tributário vigente no Brasil, alertou Ruy Barbosa Nogueira sobre os riscos do fenômeno da entronização maciça dos “autolançamentos” na praxis fazendária brasileira – o que chamou de “burocratização da iniciativa privada”.2 Revela-se necessário esclarecer, pois, em que medida a Administração Fazendária estará vinculada aos critérios interpretativos adotados, dentro da moldura legal vigente, pelos particulares (intérpretes não-autênticos das normas), ao procederem a um “autolançamento”. Isto porque os sujeitos da relação

Importa perceber, todavia, que a preclusão da revisão de lançamento, ora tratada, é interna ao próprio procedimento do lançamento, ostentando, pois, cunho instrumental e, assim, nada interferindo nas relações subjacentes de direito material, as quais podem dar azo a novas impugnações, como é o caso do processo judicial. As novas impugnações, contudo, deverão atentar para

os limites temporais e materiais previstos no ordenamento jurídico vigente, sob pena de, novamente, restar ferida a segurança do Direito. 2 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Teoria do Lançamento Tributário. São Paulo: Editora Resenha Tributária Ltda., 1965, p. 229 – 231.

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Opinião fiscal, ora considerados, partem, individualmente, de premissas incompatíveis: se a iniciativa privada orienta-se com o fito de reduzir custos, a Administração Fazendária tem, por escopo, noutro giro, arrecadar, a fim de satisfazer aos interesses do Estado Fiscal brasileiro que – abandonando o perfil patrimonial de productive states, assumido outrora – faz frente às despesas públicas, a partir das receitas tributárias. Concordando-se ou não com a aplicação da teoria kelseniana ao trato da vinculatividade negativa, para a Administração Fazendária, da interpretação dada, pelo particular (intérprete não-autêntico), às normas tributárias3, importa reconhecer, que, no Brasil, o fenômeno elisivo, levado ao conhecimento das autoridades fiscais por meio de “autolançamentos”, não foi contemplado, no catálogo, posto pelo legislador, como hipótese de revisão administrativa dos atos praticados pelos contribuintes. Do ponto de vista dogmático, então, pouco importa que os critérios adotados, pelo particular, ao proceder à constituição de um débito em favor do Erário, não sejam os mesmos de que se vale o Fisco no trato da exação. Basta que a conduta adotada, pelo particular, no mundo da vida, com vistas a economizar tributo, encontre-se amparada pela ordem jurídica vigente. Porquanto se insere, validamente, na moldura do Direito Tributário pátrio – orientado, constitucionalmente, a partir dos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da livre-iniciativa – o fenômento elisivo não foi contemplado no rol taxativo do art. 149 do CTN, que, atendendo ao aludido princípio da segurança jurídica, tutela, apenas, (i) os casos de fraude, (ii) de vício de forma, (iii) de omissão ou (iv) de ciência, superveniente, pela Administração Fazendária, de fato desconhecido, quando de lançamento anteriormente empreendido e que não poderia, razoavelmente, ter sido conhecido por seus agentes. Levadas, então, por meio de “autolançamento”, a conhecimento das autoridades fiscais, práticas lícitas de economia fiscal, estas não poderão ser revistas, sob pena de restar a Administração Fazendária habilitada, 3

discricionarieamente, a cobrar tributos para além das situações previstas no extenso catálogo legal pátrio. Neste particular, lembra-se que o ato tributário secundário de revisão administrativa de lançamento não configura locus de manifestação do arbítrio dos entes tributantes. Tudo em atenção à previsibilidade na aplicação do Direito e, por conseguinte, à proteção da confiança dos contribuintes de que as suas ações – porque conformes ao Direito vigente – serão mantidas, bem como serão preservados os efeitos tributários destas; efeitos estes cuja pré-concepção foi permitida pelo próprio ordenamento jurídico. Como visto, não tratou o art. 149 do CTN dos casos em que se afiguram divergentes a orientação adotada pelo agente fazendário e aquela adotada pelo contribuinte, quanto ao tratamento normativo a que deve ser submetida determinada conduta realizada no mundo da vida, cujo conteúdo econômico tenha sido reconhecido como juridicamente relevante pelo Direito Tributário. Nestas situações, portanto, cabe à Administração Fazendária homologar a validade do planejamento do contribuinte que lhe foi comunicado por meio de “autolançamento”. É que, se o intérprete público (autêntico) pudesse fugir, para fins de tributação, da estrutura jurídica de que se reveste uma conduta para fixar-se, por exemplo, na realidade econômica à mesma subjacente, findaria por incorrer em um ilícito, porquanto inexiste norma – ao menos na atual sistemática do Direito Tributário brasileiro – que lhe autorize tal abstração. Além da decadência (preclusão temporal) que obstaculariza a revisão de “autolançamentos”, pela Administração Fazendária, permite-se sustentar a necesssidade de fixação de limites à revisão de conteúdo do instituto de dogmática jurídica em apreço, a fim de conferir-lhe estabilidade material. Para fins deste breve artigo, pois, defende-se que esses limites deverão se apoiar em um tripé: (i) a boa-fé do contribuinte; (ii) a confiança legítima que este deposita na manutenção de seus atos, porquanto conformes ao

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 395 e ss.

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Opinião Direito Tributário; e (iii) a previsibilidade na aplicação do Direito Tributário pátrio – todas facetas do princípio da segurança jurídica, cuja dimensão semântica é bastante ampla no sistema fiscal pátrio. A boa-fé irradia-se para todas as esferas obrigacionais; sejam estas tradicionalmente classificadas como de Direito Público ou como de Direito Privado. Isto por duas razões: (i) o ordenamento jurídico deve ser compreendido como um todo único de sentido o qual vincula o agir administrativo e, mais ainda, porque, (ii) diante do novo perfil da relação fiscal, na contemporaneidade, não mais se sustentam as cobranças de tributo como decorrência pura da imperatividade estatal. O lançamento, em razão das suas características e dos efeitos que, dele, decorrem, seja considerado como um ato exclusivo do Fisco, seja como um ato dos particulares, dotado de relevância jurídica para fins de formação da obrigação tributária e do crédito à mesma correspondente, não deve ser, irrestritamente, submetido à revisão, à modificação ou à substituição, procedidas pela Administração Fazendária, em prejuízo do contribuinte, com fundamento em divergências quanto à valoração jurídica dos fatos ocorridos no mundo da vida a que este instituto se reporta, desde que a solução, nele adotada, revele-se conforme ao Direito – quer tal valoração tenha sido, inicialmente, procedida por um contribuinte, quer por um agente fiscal (caso de revisão heterônoma). Isto por uma simples questão de segurança e estabilidade da ordem jurídica, a qual tende a contemplar mais de uma solução juridicamente válida para um mesmo caso concreto. O princípio constitucional da segurança jurídica, exige que a confiança dos destinatários dos atos administrativos seja digna de proteção – o que se verifica, justamente, quando tais destinatários estão de boa-fé na relação fiscal, como nos casos de “autolançamentos” elisivos. Mais ainda, o princípio constitucional da segurança jurídica exige que aqueles submetidos ao império da lei devem estar seguros quanto à aquisição, modificação, eficácia e extinção 4

dos direitos, seja no trato entre particulares, seja no trato entre estes e o Estado; especialmente quando o último se insere em qualquer um dos polos de uma relação obrigacional, como vem ocorrendo, na seara tributária brasileira, em que a relação fiscal tem perdido, gradativamente, o caráter impositivo de tempos idos, passando a ostentar um viés de coordenação e cooperação.4 Se o contribuinte, destarte, pautou os seus atos, no mundo da vida, em boa-fé, agindo em conformidade com o ordenamento jurídico vigente ou beneficiando-se das lacunas desse, terá a justa e legítima expectativa de que a sua conduta não será repudiada e revista pelo Poder Público. A entronização, na praxis fazendária brasileira, da figura do “autolançamento” tem, por escopo, induzir que os contribuintes venham a adimplir voluntariamente as suas obrigações fiscais. Neste sentir, para fins de aferição da boa-fé – ora considerada como um limite material à revisão do “autolançamento” – sugere-se que a Administração Fazendária analise, à luz de determinada situação concreta, se o contribuinte empregou ou não, quando de suas práticas elisivas, a diligência necessária para fins do citado adimplemento das suas obrigações para com o Erário. O emprego da referida diligência necessária se perfaz com o integral cumprimento, pelo contribuinte, dos deveres que lhe são, por lei, impostos. Revelar-se-ão lícitos e não sujeitos à revisão, pois, os mecanismos de economia fiscal, levados à conhecimento do Fisco, através de “autolançamentos” elisivos, em que não se verificar qualquer desídia do contribuinte ou qualquer intuito de levar a erro a Administração Fazendária (casos de elusão ou de evasão). Se o contribuinte, nestes termos, agiu de boa-fé e procedeu, com base em interpretação das normas existentes, ao “autolançamento” de tributos – ainda que elisivo – de forma verídica e bem documentada, espera dos agentes fazendários, igualmente, a mesma boa-fé, no sentido de que tal “autolançamento”, porque conforme ao Direito, não será desconsiderado.

O Direito Tributário Português positiva tal dever de cooperação no art. 7º do Código do Procedimento Administrativo português (Decreto-lei 442/1991) REVISTA TRIBUTARISTAS

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Opinião Conclui-se, portanto, que, à luz do ordenamento jurídico vigente no Brasil, a simples disparidade de critério interpretativo, manifestada pela Administração Fazendária, não deve se traduzir, de maneira automática, na qualificação da conduta do particular como contrária ao Direito e, portanto, ilícita e passível de reparação. E, de modo a aferir a licitude de tal conduta, cumpre-se analisar, como dito acima, o agir do contribuinte por inteiro. Aplicada toda a diligência que lhe era devida, estará o contribuinte de boa-fé e, assim, a revisão de seus “autolançamentos” elisivos revelar-se-á indevida quebra de confiança. Oportuno relembrar, por fim, que eventuais espaços vazios, encontrados no ordenamento jurídico pátrio, igualmente, dão azo ao fenômeno elisivo, em atenção ao princípio da legalidade em matéria fiscal. Assim, quando, em tais espaços vazios, o contribuinte pauta, de forma transparente, os seus “autolançamentos”, estes deverão ser convalidados pela Administração Fazendária. É que a integração de lacunas, com vistas à cobrança de tributos, no Brasil, requer solução legislativa, como se infere da norma inserida no parágrafo primeiro do art. 108 do CTN, que mitiga, para tal fim, a utilização da analogia – recurso hermenêutico integrativo por excelência. À luz dos parâmetros de interpretação das normas tributárias que foram rapidamente introduzidos neste artigo, conceitua-se o “autolançamento” elisivo como o resultado de um lícito labor interpretativo, por parte dos contribuintes, que, à luz do ordenamento jurídico vigente, utilizam-se de termos carentes de delimitação categórica ou escolhem, dentre os muitos termos existentes, aqueles que lhes parecem mais convenientes do ponto de vista de economia fiscal. Ao fenômeno elisivo, logo, não se empresta qualquer pecha de ilicitude. Pelo contrário: evidencia-se este consentâneo com toda a estrutura constitucional que dá suporte ao Direito Tributário pátrio. Posta, à disposição dos contribuintes, uma multiplicidade de caminhos igualmente lícitos para se atingir um dado resultado ou, mais ainda, omisso o ordenamento jurídico acerca da prática de determinado ato como suporte fático da incidência de norma

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fiscal, revela-se antijurídico o intuito da Administração Fazendária de forçar os particulares a optar, mediante revisão de lançamento, por aquele caminho que se afigure fiscalmente mais oneroso.

RODRIGO NUMERIANO DUBOURCQ DANTAS Advogado, graduado pela Faculdade de Direito do Recife/UFPE e mestre em Direito do Estado, Regulação e Tributação Indutora pela mesma instituição, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito de São Paulo/FDUSP, é, atualmente, coordenador do Núcleo de Direito Administrativo da Escola Superior da Advocaria Professor Ruy Antunes (ESA - OAB/PE).

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Opinião

O caso Hoeneß e a função arrecadatória dos crimes tributários A autodenúncia (Selbstanzeige) na Alemanha e a denúncia espontânea no Brasil: um breve comparativo por Aristóteles Moreira Filho

Introdução Entre aqueles que acompanham o futebol, possivelmente não há time mais comentado atualmente no mundo do que o Bayern de Munique (FCB). A equipe bávara conseguiu em 2013, para desespero dos rivais, conquistar todos os títulos que disputou: a Liga Alemã (Bundesliga), a Copa da Alemanha (DFB-Pokal) e a Liga de Campeões da UEFA. Em 2014, o FCB continuou com forte presença no noticiário, e não apenas em virtude do começo arrasador na liga, que conquistou com antecedência recorde de sete rodadas: o homem que conduziu o time por décadas, até o nível mais alto do esporte mundial, foi, no dia 13 de março de 2014, condenado a três anos e meio de prisão por sonegação fiscal. Esse senhor, chamado Uli (apelido para “Ulrich”) Hoeneß, guarda uma identidade umbilical com o povo bávaro, tendo sido, além de presidente do FCB, jogador do próprio time e também da seleção alemã. Seu julgamento, pode-se facilmente imaginar, teve repercussão maciça na imprensa local, sendo considerado o caso mais espetacular de sonegação fiscal de toda a história da Alemanha, também por causa do seu valor: foram 28,5 milhões de Euros que teriam sido omitidos do Fisco por uma única pessoa física, ganhos decorrentes de negócios especulativos no mercado financeiro, que ele mantinha clandestinamente na Suíça. Um aspecto em peculiar chamou atenção no caso Hoeneß, em especial daqueles que lidam com o diREVISTA TRIBUTARISTAS

reito tributário e se interessam pelos aspectos penais decorrentes da relação jurídica tributária e os deveres a ela inerentes, sobretudo quanto às consequências criminais do seu descumprimento. Surgidos rumores na imprensa de que teria recursos não declarados na Suíça, Hoeneß efetuou, antes de ser processado, uma autodenúncia, pela qual teria confessado os delitos que cometeu e recolhido os tributos devidos, que até então haviam sido sonegados. Este procedimento, denominado de Selbstanzeige (autodenúncia) no direito alemão, tem o condão de eximir o sonegador da sanção penal. Para surpresa da opinião pública, contudo, mesmo tendo realizado a Selbstanzeige, pela confissão do delito e o pagamento de tributos devidos, o dirigente foi processado, julgado e condenado à prisão. O impacto que o sentenciamento provocou na imagem pública e no moral de Hoeneß junto à sociedade, aos fãs e sócios da equipe, à comunidade de Munique e à sua própria família foi lancinante, o que o levou inclusive a se abster de recorrer da sentença, e assim não prolongar ainda mais um processo de tal modo desgastante. O caso levou novamente às rodas de debates na Alemanha a legitimidade da figura da Selbstanzeige: o reconhecimento do erro e, especialmente, o pagamento do tributo sonegado justificam a exoneração daquele que comete um crime? Num país em que a vasta maioria das pessoas segue a lei à risca essa é uma questão altamente sensível. Por sua vez, do ponto de vista jurídico, questiona-se o porquê de ter sido

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Opinião Hoeneß condenado, se ele fez uso deste instrumento legal, confessando o delito e pagando seus impostos, exatamente para não ser punido. Para um brasileiro interessado pelas questões jurídicas aí envolvidas, essa questão tem um interesse especial, na medida em que a utilização dos tipos penais com fins arrecadatórios é uma política que, utilizada nas últimas décadas pelo legislador no nosso país, também tem sido objeto de questionamento pela doutrina e pela própria sociedade recentemente. Nesse contexto, é interessante um paralelo que se possa fazer entre o sistema alemão e o brasileiro, no que se refere ao tratamento da hipótese daquele que sonega tributos e posteriormente se dispõe a reconhecer o delito e recolher os tributos devidos. É a análise que ora nos propomos, com a ressalva de que não nos dispomos a realizar um escrutínio exaustivo das legislações de ambos os países, mas apenas apresentar breves comentários a partir de uma visão geral de ambos os modelos, com as suas peculiaridades, e o que as duas experiências podem gerar em sede de reflexão jurídica sobre esta dimensão toda peculiar de intersecção entre direito tributário e direito penal. Por fim, fazemos a ressalva de que, ao tempo da produção deste trabalho, o julgamento de Hoeneß ainda não havia sido disponibilizado oficialmente pelo tribunal, o que não impede que, para os propósitos do presente trabalho, analisemos as circunstâncias do caso, que são públicas e notórias.

A Selbstanzeige é uma figura prevista no §371 do Código Tributário alemão (Abgabeordnung – “AO”), pela qual o contribuinte que, tendo praticado o delito de sonegação fiscal (Steuerhinterziehung), deixa de ser punido pelo crime praticado, por ter retificado,

complementado ou atualizado as informações incorretas, incompletas ou omitidas à fiscalização tributária, e efetuado o pagamento do tributo evadido. Trata-se de uma hipótese de extinção da punibilidade (Strafaufhebungsgrund), pela qual o legislador subtrai a possibilidade de sanção ao ato delituoso a partir de uma circunstância posterior à prática do ato típico, cuja materialidade já houvera sido consumada. De fato, no direito alemão, diferentemente do sistema brasileiro1, a consumação do delito de sonegação fiscal se dá independentemente da constituição definitiva do crédito tributário objeto do ilícito, mas já pela mera conduta do contribuinte que dolosamente reduz o tributo ou se aproveita de vantagens tributárias indevidas, fornecendo ao Fisco informações incorretas, incompletas ou omitindo informações sobre fatos dotados de relevância para o desempenho da fiscalização tributária, e a cujo fornecimento era juridicamente obrigado (§370 AO). Mesmo quanto ao tributo cuja apuração ainda é provisória, ou à redução de tributo cuja apuração esteja pendente de prova ulterior, já pode se considerar presente, para efeitos penais, a redução do tributo como suporte fático da tipificação do delito (§370 AO, Nr. 4). A racionalidade do dispositivo, a subtrair do Estado a sua pretensão punitiva, oriunda da prática do ato típico, a partir de um fato posterior, está na valoração da reparação do dano causado. É a ideia de reparação (Gedanken der Wiedergutmachung) que justifica axiologicamente a Selbstanzeige enquanto modalidade de extinção da punibilidade posterior ao ato delituoso2. De fato, a hipótese da reparação do dano é invariavelmente valorada pelo legislador penal nos diversos países como circunstância que impacta o sancionamento da conduta típica, introduzindo, nesta hipótese de uma remediação do patrimônio jurídico violado, uma distinção relativamente às circunstâncias em que o agente pratica o ilícito

No Brasil, conforme entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula Vinculante nº 24, não há crime material contra a ordem tributária antes que seja constituído definitivamente o crédito tributário no processo admi-

nistrativo fiscal, sendo este evento elemento integrante do tipo penal TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Steuerrecht. Köln, Otto Schmidt, 2013, 21° ed., p. 1275.

A Selbstanzeige do direito alemão

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Opinião e provoca dano definitivo ao patrimônio jurídico da vítima. Ocorre que o Código Penal alemão (Strafgesetzbuch – “StGB”) detém, no seu §46a, uma regra geral para a reparação do dano realizada pelo agente (Schadenswiedergutmachung), e, diferentemente da previsão para a hipótese específica do pagamento do tributo sonegado via Selbstanzeige, o legislador previu, nesta hipótese genérica, apenas uma causa de redução de pena (Strafmilderungsgrund), e não a total exclusão da punibilidade. Se a reparação do dano é causa de redução da pena, nos crimes em geral, e hipótese de absoluta extinção de punibilidade, nos crimes de sonegação fiscal, surgem os questionamentos de isonomia vis-à-vis o tratamento supostamente privilegiado dispensado ao criminoso que atenta contra o Erário Público, em comparação com o meliante comum. Essa é uma discussão candente na Alemanha (como também no Brasil), e que conduz, por sua vez, à pergunta: está aí o Estado se utilizando da norma penal para compelir o criminoso a recolher aos cofres públicos os créditos tributário sonegados, ou seja, está a norma penal a serviço da política fiscal? Foi o próprio Tribunal Federal Alemão (Bundesgerichthof – “BGH”) que se ocupou dessa questão, chegando à conclusão de que a legitimidade do tratamento diferenciado entre aquele que comete um crime tributário e o autor de um crime comum, relativamente aos efeitos da reparação do dano, está em que a Selbstanzeige atende a dois objetivos: i) viabilizar o acesso da autoridade fiscal à receita tributária sonegada, sendo este o objetivo de política fiscal (fiskalpolitischer Zweck); e ii) estimular o sonegador a retornar a um estado de honestidade fiscal, e lá se manter, sendo este o objetivo de isonomia em face do Erário Público, a trazer todos para um estado de licitude em face da

lei, tanto fiscal quanto penal3. É esta finalidade ética de promoção de um estado geral de honestidade tributária que justificaria o regime específico da Selbstanzeige, e a sua ênfase levou o BGH a desenvolver o princípio da “mesa limpa” (reinen Tisch zu machen): a Selbstanzeige, para ser eficaz enquanto causa de extinção da punibilidade, deve abranger todo o tributo sonegado, de modo que a confissão e o recolhimento de apenas parte do montante omitido não produz qualquer efeito quanto à subtração da pretensão punitiva do Estado; não havendo falar-se, portanto, de autodenúncia parcial (Teilselbstanzeige)4. Foi aí que a estratégia de Hoeneß falhou: ele, inicialmente, ao promover a sua autodenúncia, declarou um montante de tributo omitido que posteriormente se mostrou, a partir de investigações do Fisco alemão, bastante inferior àquele efetivamente sonegado. Não tendo “limpado sua mesa” completamente, o dirigente teve que responder integralmente pelas repercussões penais da sua conduta. Como se vê, o regime alemão exige que o contribuinte se converta à transparência absoluta em face do Fisco; do contrário, permanece sujeito a todas as penas da lei. O estímulo, portanto, à reparação do dano, é maior do que no sistema brasileiro, na medida em que o contribuinte alemão tem que se antecipar à fiscalização e ainda passar pelo crivo ulterior da autoridade administrativa sob um parâmetro de total transparência e regularização, ao passo que no Brasil o contribuinte apenas é compelido a acertar as contas com o Fisco após ser fiscalizado e autuado, e ainda pode contestar a apuração da autoridade administrativa no processo administrativo fiscal, tendo ainda tempo hábil até a condenação, e mesmo durante a execução da pena, para realizar o pagamento extintivo da punibilidade. Daí porque na Alemanha

Repositório de jurisprudência do BGH (BGHSt) 55, 180: “Die in der strafbefreienden Selbstanzeige liegende Privilegierung des Steuerstraftäters gegenüber anderen Straftätern bedarf einer doppelten Rechtfertigung: Zum einen sollen verborgene Steuerquellen erschlossen werden; zum anderen soll dem Steuerhinterzieher ein Anreiz gegeben werden, zur Steuerehrlichkeit zurückzukehren.”. Em tradução livre: “O privilégio do agente no crime tributário, a

partir da autodenúncia extintiva da punibilidade, diante dos agentes de outros crimes [que não contam com esse benefício], requer uma dupla justificação: por um lado, as fontes de arrecadação tributária omitidas da tributação devem ser reveladas; por outro lado deve ser concedido um estímulo para que os sonegadores retornem ao estado de honestidade fiscal”. 4 TIPKE; LANG, idem.

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Opinião inúmeros contribuintes optam por realizar a Selbstanzeige mesmo sem terem sido fiscalizados, mas apenas pelo receio de no futuro o serem, como vem ocorrendo recentemente em decorrência do vazamento de dados de contas na Suíça a partir de cds clandestinos aos quais o Fisco alemão teve acesso5. De fato, enquanto no Brasil apenas os contribuintes que são autuados cogitam acertar as contas com o Fisco, porque a legislação ainda oferece tal oportunidade, na Alemanha, depois de autuados, os contribuintes não têm mais a possibilidade de se isentar de pena, o que leva a que todo o universo de sonegadores seja induzido a se regularizar antes mesmo de que sejam objeto de qualquer procedimento de fiscalização. Efetivamente, as condições para a eficácia da Selbstanzeige foram tornadas mais rígidas pela lei de combate à lavagem de dinheiro e à sonegação fiscal (Schwarzgeldbekämpfungsgesetz), de 2011, exigindo cumulativamente os seguintes pressupostos de fato:

gência probatória ou da instauração de um processo administrativo ou penal relativamente ao tributo sonegado; c. o delito ao tempo da apresentação da Selbstanzeige tenha sido descoberto (pelas autoridades com poder de investigação) ou a partir de uma consideração razoável se pudesse afirmar que o contribuinte deveria contar com essa descoberta.

Observa-se que os critérios estabelecidos pela legislação alemã visam exatamente restringir a eficácia da autodenúncia às hipóteses em que é um ato espontâneo do contribuinte sonegador, e não uma reação a um procedimento de investigação ou fiscalização. Com isso, sobre assegurar a legitimidade do mecanismo a partir da consagração do valor da ética fiscal (reinen Tisch zu machen ou “limpar a mesa”) e da isonomia de todos os contribuintes em face da lei, projeta seu potencial indutor sobre todos os contribuinte sonegadoI - o contribuinte deve, em relação a todos os de- res, e não apenas aqueles que sejam especificamente litos tributários não prescritos (unverjährte Steuers- alvo de fiscalização. traftaten), complementar, em toda a sua extensão, as informações incompletas, e emendar as informa- A denúncia espontânea (pagamento) no ções incorretas; Brasil e seus efeitos penais

II - o contribuinte deve realizar, dentro do prazo Em princípio, pela nomenclatura e pelas características concedido pela autoridade fiscal, a complementação ontológicas, o instituto que se equipararia à Selbsdo pagamento do tributo sonegado; e tanzeige alemã seria a nossa denúncia espontânea, do art. 138 do Código Tributário Nacional, pela qual III - a iniciativa do contribuinte deve ocorrer antes que: a responsabilidade tributária é excluída pela confissão do débito e pagamento do tributo e juros de mora, a. um procedimento de investigação relativamen- desde que realizado antes do início de qualquer prote ao tributo sonegado tenha sido iniciado pelas cedimento de fiscalização. autoridades de fiscalização tributária; Em rigor, contudo, para o propósito da nossa anáb. o contribuinte ou seu representante tenha lise, que se propõe a analisar os reflexos penais do tomado conhecimento da ordenação de uma dili- ato do contribuinte que, tendo sonegado tributo, decide

Simbólico quanto a esse efeito indutor ou pedagógico do regime alemão são os dados a respeito da repercussão do caso Hoeneß entre os contribuintes alemães. Apenas a cobertura do noticiário sobre as investigações do Fisco sobre as atividades de Hoeneß na Suíca gerou, antes mesmo da sua condenação, uma enxurrada de autodenúncias de contribuintes em situação semelhante,

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temerosos de serem próximo alvo das autoridades. Tal fenômeno chegou a sobrecarregar os órgãos fiscais no processamento de tamanho volume de informação, como reportou o noticiário Spiegel (http://www.spiegel.de/wirtschaft/ soziales/steuerhinterziehung-selbstanzeigen-blockieren-finanzaemter-a-913710. html). REVISTA TRIBUTARISTAS


Opinião remediar o ato delituoso efetuando espontaneamente o pagamento do tributo, não é absolutamente relevante para a lei brasileira que seja feita a denúncia espontânea, senão o pagamento do tributo que ela pressupõe. Decerto, o atual regime jurídico dos crimes de natureza tributária no Brasil prevê, a partir do art. 9º da Lei nº 10.684/03, a extinção da punibilidade pelo pagamento integral dos débitos tributários cuja supressão ou redução deu ensejo ao ato delituoso. Aqui a reparação do dano eleita pelo legislador brasileiro como causa da extinção de punibilidade não deve necessariamente ser promovida antes da instauração do procedimento de fiscalização, daí porque não se requer se trate precisamente de denúncia espontânea. O pagamento extintivo da punibilidade pode ser realizado a qualquer tempo, inclusive após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, conforme decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça, ensejando não apenas a extinção da pretensão punitiva (antes de sentenciado o feito penal), mas também da pretensão executória (na fase de execução penal)6. O regime jurídico dos crimes tributários no Brasil é moldado sob pilar fundamental que é o da integração

do crédito tributário constituído pela autoridade administrativa dentro dos elementos do tipo nos crimes de natureza fiscal. Este paradigma firmado pelo Supremo Tribunal Federal a partir do Habeas Corpus nº 81.611 implica que, sendo os crimes contra a ordem tributária crimes materiais ou de resultado, o elemento tributário tomado pela norma penal como integrante da pretensão punitiva está consubstanciado no próprio crédito tributário apurado pelas autoridades fiscais no bojo do processo administrativo fiscal7. Conseguintemente, não há crime punível antes do encerramento da instância administrativa fiscal da qual resulte a constituição do crédito tributário objeto do ato delituoso, tese que afinal resultou consolidada na Súmula Vinculante nº 24: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos i a iv, da lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. Daí que, não havendo crime antes do lançamento definitivo do tributo, tem-se que, na hipótese de denúncia espontânea, não há reparação do dano extintiva da punibilidade, mas sequer fato típico. A oportunidade de utilizar-se o pagamento para subtrair a punibilidade do delito apenas surgirá com o

6 RECURSO ESPECIAL. PENAL. ART. 1.º, I, DA LEI 8.137/90. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO OPERADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM EM SEDE DE HABEAS CORPUS. INCLUSÃO DA EMPRESA NO REFIS. DEMONSTRAÇÃO DA ORIGEM DOS DÉBITOS PARCELADOS. NECESSIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.º, § 11, C.C. OS ARTS. 68 E 69, TODOS DA LEI N.º 11.941/09. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Pela análise conjunta dos arts. 1.º, § 11, 68 e 69, todos da Lei 11.941/09, tem-se que é necessária a comprovação de que o débito objeto de parcelamento diga respeito à ação penal ou execução que se pretende ver suspensa. Ou seja, a mera adesão da empresa ao Programa de Recuperação Fiscal não implica suspensão da pretensão punitiva estatal ou pretensão executória. 2. O fato de tratar-se de execução, ou seja, de já ter havido o trânsito em julgado da condenação, não impede que haja a suspensão do feito, desde que comprovado, da mesma forma, que os débitos objeto de parcelamento guardem relação com aquele. Isso porque, sendo possível a extinção da punibilidade a qualquer tempo, nos termos do art. 69 da Lei 11.941/09, na hipótese de haver o pagamento integral do débito tributário, tem-se, pela lógica, como sendo perfeitamente admissível não só a suspensão da pretensão punitiva, mas também da pretensão executória, em caso de concessão do parcelamento instituído pela referida legislação. 3. Caso em que o Tribunal de origem decretou a suspensão da execução sem que ficasse demonstrado que os débitos incluídos no REFIS III dissessem respeito aos tributos supostamente sonegados e que ensejaram a execução de que se cuida, restando caracterizada a alegada violação à norma infraconstitucional. 4. Recurso provido para, considerando que a via do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída, e sendo certo que não houve comprovação efetiva do

parcelamento de todo o débito tributário na origem, cassar o acórdão proferido em sede de habeas corpus, determinando o regular prosseguimento da execução. (REsp 1234696/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 03/02/2014) 7 EMENTA: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 - que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal. 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo. (HC 81611, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 10/12/2003, DJ 13-05-2005 PP-00006 EMENT VOL-02191-1 PP-00084)

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Opinião encerramento do processo administrativo, durante o qual o contribuinte sonegador poderá seguir defendendo-se, a combater a exigência fiscal sem preocupar-se com os efeitos penais decorrentes. Após o encerramento do processo administrativo é que advirão a tipicidade e a punibilidade do ato, das quais decorrerá a apresentação de denúncia penal e o processamento do feito perante o juízo criminal. O efetivo sancionamento do contribuinte que comete o crime tributário, porém, apenas ocorrerá com o trânsito em julgado da sentença penal, sendo este o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca do conteúdo do postulado da presunção da inocência, do art. 5º, II da Constituição Federal8. Como se observa, desde a prática do ato criminoso até após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ou seja, mesmo durante a execução da pena, pode ainda o agente recorrer ao art. 9º da Lei nº 10.684/03, é dizer, ao pagamento como medida apta a isentar-lhe de pena ou do seu cumprimento. Neste

interstício, o agente pode fazer, e invariavelmente o faz, uso de todos os instrumentos de combate à pretensão estatal, seja aquela penal-punitiva, seja a tributária, operando desde o processo administrativo fiscal até a última instância do processo judicial penal para evitar que se chegue ao cumprimento da pena, notadamente aquela privativa de liberdade. Neste contexto, por óbvio, o pagamento é o último recurso, na hipótese em que os demais instrumentos jurídicos não logrem êxito, e um recurso sempre oponível, enquanto houver pena a cumprir, passível de ser extinta ou interrompida. Esse regime previsto na lei brasileira, de extinção da punibilidade pela reparação do dano nos crimes fiscais, traz consigo o questionamento de incoerência axiológica que é colocado também perante o regime alemão, na medida em que o regime geral de efeitos penais para a reparação do dano pelo agente é, nos termos do art. 16 do Código Penal, do arrependimento posterior, causa de redução de pena, e não de extinção de punibilidade.

EMENTA: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos “crimes hediondos” exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente”. 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo,

reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque --disse o relator --- “a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição”. Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida. (HC 84078, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-05 PP-01048)

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Opinião Todo modo, a utilização do direito penal como um instrumento de política fiscal tem, visivelmente, resultados distintos nos sistemas alemão e brasileiro. No Brasil, o pagamento se coloca no contexto complexo que é o iter da pretensão punitiva dos crimes fiscais no nosso ordenamento, que vai desde a fiscalização tributária, passa pelo ato de lançamento, pela denúncia penal e todas as instâncias do juízo criminal, até a sentença condenatória e a sua execução. Neste cenário, o pagamento se agrega como mais um instrumento à mão do agente para escapar ao risco da sanção penal e não como uma medida primordial de coerção do cidadão à licitude penal e tributária. Conclusão A questão da utilização das normas penais, particularmente daquelas que tratam de crimes fiscais ou contra a ordem tributária, como instrumento de política fiscal e indutor da arrecadação tributária, é, e tudo indica permanecerá, foco de um debate intenso e acalorado, permeado de argumentos éticos e argumentos pragmáticos, igualmente relevantes. É um fato que essa é, contudo, uma realidade consumada em diversos países, não apenas no Brasil, e passível de ser concretizada de formas diversas, umas mais eficientes do que outras. Neste contexto, o paralelo entre os sistemas brasileiro e alemão, como ilustrado pelo caso Hoeneß e toda a sua repercussão, demonstra como uma política fiscal pode ter, nesta seara, o seu objetivo realizado na prática, pela indução de comportamentos e a geração de expectativas no sentido do adimplemento da obrigação tributária e da regularização dos contribuintes que omitiram dolosamente transações que deveriam ter sido oferecidas à tributação. De fato, a análise dos regimes alemão e brasileiro permite, pelo contraste, indicar dois perfis bem distintos em cada um dos sistemas, a revelar ulteriormente políticas distintas para o tratamento da sonegação fiscal em um e outro país. No regime alemão tem-se um mecanismo que efeREVISTA TRIBUTARISTAS

tivamente visa conduzir e induzir o universo de sonegadores à regularização da sua relação com o Fisco e à manutenção de um estado de honestidade fiscal, assim fazendo-o pelo seu rigor nas condições objetivas, sob o princípio da mesa limpa, e nas condições temporais, sob a exigência da total espontaneidade e antecipação, para atribuição de efeito extintivo da punibilidade à reparação do dano pela autodenúncia nos crimes fiscais, submetendo aqueles que não aderirem rigorosa e tempestivamente à regularização fiscal a todas as penas da lei criminal. No Brasil, por sua vez, a limitação do alcance do mecanismo àqueles contribuintes que são efetivamente fiscalizados e autuados, e a possibilidade de realizar-se o pagamento extintivo da punibilidade desde os primórdios da relação jurídica tributária até a execução da pena criminal, alça o regime de liberação do réu pelo adimplemento, do art. 9º da Lei nº 10.684/03, a um instrumento ulterior de defesa dos seus interesses e primordialmente a serviço destes, como um dentre os mecanismos de reação à atuação da pretensão estatal, tributária e penal, no contexto do complexo e prolongado iter de persecução do direito subjetivo do Estado, sendo o pagamento mais uma, quiçá a última, possibilidade disponível para o agente escapar à sanção penal.

ARISTÓTELES MOREIRA FILHO Especialista e mestre em direito tributário pela PUC-SP. Doutorando em direito tributário pela USP. Advogado.

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Entrevista

Foto: Revista Tributaristas / Reprodução

Nessa edição, conversamos com o jurista Roque Antonio Carrazza, considerado por muitos o maior especialista em ICMS do país. O Prof. Titular da cadeira de Direito Tributário da PUC-SP contou um pouco sobre sua atuação no Ministério Público do Estado de São Paulo, seu convívio com ilustres tributaristas como Geraldo Ataliba, Aliomar Baleeiro, Rubens Gomes de Souza, e muitos outros. Além de transmitir conselhos aos jovens tributaristas, Roque Carrazza também discorreu sobre o ensino jurídico no país, a desnecessidade de uma reforma tributária estrutural, a famigerada “guerra fiscal”, e a qualidade de nossa jurisprudência em matéria tributária, dentre inúmeros outros assuntos.

Revista Tributaristas - Como surgiu o interesse pelo Direito Tributário? Dr. Roque Antonio Carrazza - Costumo dizer que a vida nos leva por caminhos insuspeitados. Foi o que se deu comigo, como passo a explicar. Fui o orador da minha turma. Sou da turma de 1972, da Faculdade de Direito, da PUC-SP. E o nosso paraninfo foi o saudoso e hoje lendário Prof. Geraldo Ataliba. Naquela época, dava-se realmente muita importân-

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cia à solenidade de formatura, tanto que a escolha do orador era feita mediante concurso. Lembro-me que disputei o cargo de orador da turma com mais 12 colegas, e acabei ganhando. A seguir, houve uma série de reuniões preparatórias para a solenidade de formatura. Em uma delas, o Prof. Geraldo Ataliba perguntou-me o que eu pretendia fazer da vida. Disse-lhe “talvez eu preste um concurso público”, como de fato, logo REVISTA TRIBUTARISTAS


Entrevista em seguida, prestei, ingressando no Ministério Público do Estado de São Paulo. E acrescentei: “pretendo fazer o curso de mestrado aqui na PUC, mas não já, pois, infelizmente, a área de Direito Penal não está ainda sendo oferecida”. Abro aqui um ligeiro parêntese para observar que o Direito Penal, durante o curso de bacharelado, costuma ser “a menina dos olhos” do estudante de Direito. Comigo não foi diferente. Aliás, eu havia ganhado um prêmio em Direito Penal e, também por isso, achava que minha trajetória, como professor universitário, se daria nesse campo. Voltando ao assunto, o Prof. Ataliba, sempre muito persuasivo, insistiu para que eu me inscrevesse no Curso de Mestrado em Direito Tributário, que ele coordenaria. E, para me persuadir, ponderou que, em Direito Tributário, tanto quanto em Direito Penal, são estudados os princípios da legalidade, da tipicidade, da irretroatividade, da ampla defesa etc., de modo que, “não há nenhuma diferença de tomo entre estas disciplinas”. Pois bem, no verdor dos meus 23 anos e ansioso por dar início ao meu Curso de Mestrado, acabei me inscrevendo na área de concentração em Direito Tributário. Desnecessário dizer que logo me dei conta de que entre o Direito Tributário e o Direito Penal há, sem dúvida, alguns pontos de contato, pois o Direito é cientificamente uno, mas cada uma dessas disciplinas tem suas próprias especificidades. De qualquer modo, sem desdenhar do Direito Penal, que me foi muito útil durante minha carreira no Ministério Público, encantei-me pelo Direito Tributário e, sinceramente, não me arrependi da escolha que fiz. Tanto não, que advogo e presto consultoria na área fiscal e fiz toda minha carreira universitária como tributarista. Sou professor titular da cadeira de Direito Tributário da PUC-SP, onde leciono nos cursos de bacharelado, especialização, mestrado e doutorado. O curioso é que, enquanto eu estava no Ministério Público do Estado de São Paulo (sou hoje Procurador de Justiça aposentado), a pergunta que mais me faziam era justamente essa: “como é que você, sendo promotor, especializou-se em Direito Tributário?” Aí eu REVISTA TRIBUTARISTAS

perguntava se a pessoa tinha tempo para ouvir a explicação. Quando meu indagador respondia que sim, eu contava toda essa história. Mas, se me permite, há, ainda, outro detalhe, que levanto, evidentemente, em tom de brincadeira. Caso tivesse optado pelo Direito Penal, eu não podia dizer, sem passar por cabotino, que era um dos melhores penalistas do MP-SP (até porque o MP-SP possui excelentes penalistas). Mas eu me sentia confortável em afirmar, sem ser pernóstico, que estava entre os melhores tributaristas da Instituição, já que era, se não o único, um dos poucos que nela tinham esta especialidade. RT – O senhor tem o nome ligado à história da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Conviveu, juntamente com o Prof. Paulo de Barros Carvalho, com a geração de Geraldo Ataliba e outros mestres com grande contribuição para a dogmática tributária no Brasil. O que o senhor diria para os alunos da USP sobre o significado da escola da PUC para o direito tributário brasileiro? Dr. Carrazza - Nós da PUC/SP, em matéria tributária, damos grande importância à Constituição Federal. Partimos do pressuposto de que ninguém, em nosso País, pode ser havido por conhecedor do fenômeno jurídico da tributação, se não tiver palmilhado a Carta Magna. E isso por uma razão muito simples: acreditamos que, no Brasil, a Lei Maior Tributária não é o Código Tributário Nacional, mas a própria Constituição Federal. Essa ideia nos foi incutida basicamente pelo notável Professor Geraldo Ataliba, que, com sua liderança nata, criou uma verdadeira escola de Direito Tributário: a chamada Escola de Direito Tributário da PUC/ SP, mais voltada à valorização dos grandes princípios constitucionais tributários. Demais disso, foi, sem dúvida, o grande responsável pela transformação do Direito Tributário num “ramo” de primeira grandeza do Direito. Mas, eu que me formei em Direito no começo da década de 70 do século passado, tive a felicidade de

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Entrevista

(...) no Brasil, a Lei Maior Tributária não é o Código Tributário Nacional, mas a própria Constituição Federal”

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conhecer outros tributaristas notáveis, que também ajudaram a fazer a história da nossa ciência. Além do já mencionado Professor Geraldo Ataliba, que deu ao Direito Tributário dignidade constitucional, fui aluno do eminente Prof. Paulo de Barros Carvalho, de quem sou amigo e admirador, e (por que não?) discípulo, pois ele nunca deixou de ser o meu mestre. Atualmente, este pensador tem uma legião de seguidores, ele que trouxe o constructivismo lógico-semântico para as hostes do Direito Tributário. Também conheci, na PUC/SP, Aliomar Baleeiro, que, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, estava terminando a sua profícua e brilhante trajetória intelectual. Ele faleceu em 1978, mas eu, formado em 72, durante 6 anos tive uma grande convivência com ele. Conheci igualmente Rubens Gomes de Souza, falecido com apenas 60 anos de idade (hoje me parece uma idade muito “pequena”). Na época, eu o tinha na conta de idoso. Agora, vejo que era um jovem (risos). A respeito de Rubens Gomes de Souza, posso dizer que nele sempre me impressionaram e muito, além do notável saber jurídico, a fidalguia e a grande modéstia. De fato, ele tinha a modéstia do sábio. A nosso convite, participava ativamente de debates na PUC-SP, inclusive nos cursos de pós-graduação em Direito Tributário strictu sensu, que eu frequentava. Recordo-me que nos ouvia pacien-

temente, aceitava nossas críticas e até admitia que em alguns pontos de sua vasta produção científica – inclusive no anteprojeto de Código Tributário Nacional, que elaborou – se equivocara. Hoje, porém, sei que assim procedia somente para nos incentivar, para que tivéssemos nossas próprias opiniões, para que não fôssemos escravos da verdade pronta, do tipo magister dixit. Mas, na época, tínhamos a sensação – falsa, sem dúvida – de que estávamos ensinando ao mestre (vejam a nossa pretensão). RT – Que outros grandes nomes o senhor também conheceu na época? Dr. Carrazza - Na época, cheguei a me corresponder com Alfredo Augusto Becker, um gênio, cuja obra-prima “Teoria Geral do Direito Tributário” garantiu-lhe a imortalidade. Era um homem reservado, que não participava de eventos científicos, mas cultivava grandes amizades. Eu me jacto de ter sido um de seus amigos e de, com ele, haver mantido vasta correspondência. Guardo, com carinho, várias cartas que me escreveu (manuscreveu, melhor dizendo) e que encerram lições monumentais, não só de Direito, como de Filosofia, de Lógica e, acima de tudo, de vida. Também, naquela época, travei contato com o Professor José Souto Maior Borges, até hoje em plena atividade, sempre nos convidando a participar da maior das aventuras humanas: a aventura de pensar. REVISTA TRIBUTARISTAS


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Igualmente conheci, já na década de 70, todos os grandes nomes do Direito Tributário: Ives Gandra da Silva Martins e Alcides Jorge Costa, que continuam em plena produção intelectual, além de Antonio Roberto Sampaio Dória, Ruy Barbosa Nogueira, Bernardo Ribeiro de Moraes, Fábio Fanuchi e Carlos da Rocha Guimarães, dos quais guardo uma grande saudade e cujas lições ainda sigo. Registro, ainda, que tive por companheiros e modelos, nos cursos de mestrado e doutorado, entre outros, os até hoje amigos Eduardo Domingos Bottallo, Cléber Giardino, Renan Lotufo, Américo Lacombe, Fernando Albino de Oliveira, Maria Helena Diniz, Diva Malerbi, Francisco Octávio de Almeida Prado, Sônia Corrêa de Almeida Prado, Pedro Luciano Marrey Júnior, todos vencedores, em suas respectivas áreas de atuação. Isso para não falar na minha mulher Elizabeth Nazar Carrazza, que também conheci no Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/SP. Fui, enfim, um privilegiado, até porque, graças ao intercâmbio científico com outras Universidades, travei contato, já naquela época, com os festejados Professores Misabel Derzi, Sacha Calmon Navarro Coelho e Ricardo Lobo Torres, juristas de prol.

refletida da obra de um Aliomar Baleeiro, de um Rubens Gomes de Souza, de um Rui Barbosa Nogueira, que foi um expoente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, de um Geraldo Ataliba, de quem procuro ser um sucessor intelectual (sem, é claro, a pretensão de me ombrear ao pranteado mestre). Também concito os novos tributaristas a se aproximarem das obras de Pontes de Miranda, que lamentavelmente está sendo esquecido. Pontes de Miranda não pode ser esquecido. Dele temos o monumental Tratado de Direito Privado, com 60 volumes, obra ímpar no mundo. Temos, ainda, os seus famosíssimos comentários às Constituições brasileiras de 37, de 46 e de 67, esta na redação dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969. José Souto Maio Borges é outro grande nome que precisa ser lembrado. Já pontificava quando comecei minha trajetória intelectual e, para nossa alegria, continua a difundir as suas luzes. E, evidentemente, que travem contato com a nova geração de tributaristas: o Prof. Luís Eduardo Schoueri, que é Titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da USP, o Prof. Heleno Torres, o Prof. Estevão Horvath, a Profª e Ministra do STJ Regina Helena Costa, o Prof. Humberto Ávila, Titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Que leiam e releiam as obras dos Professores Mizabel Derzi, Sacha Calmon Navarra Coelho e, naturalmente, Paulo de Barros Carvalho. Também é de meu agrado recomendar a leitura meditada das obras do Prof. Ives Gandra da Silva Martins, um mestre que fez a sua carreira à margem da USP e

Diria aos novos tributaristas que se ocupem com as novas teorias, mas que não se olvidem das lições clássicas, dos antigos mestres”

RT - O que o senhor diria aos novos tributaristas? Dr. Carrazza - Diria aos novos tributaristas que se ocupem com as novas teorias, mas que não se olvidem das lições clássicas, dos antigos mestres. Afinal, nem tudo que é antigo é superado e nem sempre o que é mais moderno é melhor. Entendo que ainda se faz imprescindível uma leitura REVISTA TRIBUTARISTAS

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Entrevista

Foto: Acervo Pessoal

Eu não diria que o ensino jurídico no Brasil está em crise” À esquerda, Aristóteles Moreira Filho; ao centro, Roque Antonio Carrazza; e à direita, Thyago Pereira Trairi (Foto: Acervo Pessoal)

da PUC-SP, mas que é brilhantíssimo. Trata-se de um homem que, mais do que um jurista, é um humanista, um filósofo, um pensador. Não gosto de cometer o pecado da omissão, mas a minha memória às vezes me trai. Por isso, peço de antemão desculpas, por haver deixado de nominar outros tributaristas de grande expressão. Gostaria, no entanto, de mencionar a nova geração de estudiosos, cujas obras precisam ser conhecidas, por quem queira ser um bom tributarista: Renato Lopes Becho, Paulo Caliendo, Suzy Hoffman, Fabiana Tomé, Robson Maia Lins, Tácio Lacerda Gama, Isabela Bonfá de Jesus, Fabio Brun Goldschmidit, Betina Treiger Gruppenmacher, apenas para citar alguns nomes. E, por falar em nova geração de estudiosos, registro que fico feliz em perceber que, quando nós, os mais veteranos, ensarilharmos as armas – afinal, a ninguém é dado parar a máquina do tempo – estes jovens, com seu entusiasmo e saber jurídico, continuarão a combater o bom combate. O Direito Tributário talvez tenha sido o “ramo” do Direito que mais se expandiu nas últimas décadas, tanto que já se fala em sub-ramos desta disciplina: o Direito Tributário Penal, o Direito Tributário Internacional, o Direito Tributário Econômico; tudo isso

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nos conduzindo para o aperfeiçoamento do fenômeno jurídico da tributação. RT - O senhor compartilha da opinião de que o ensino jurídico no país está em crise? Nesse cenário, como o senhor contextualizaria a posição da PUC-SP, da qual o senhor é, junto com o Prof. Paulo de Barros Carvalho o grande nome, e a própria Faculdade de Direito do Largo São Francisco? Dr. Carrazza - Eu não diria que o ensino jurídico no Brasil está em crise. É certo que, com a multiplicação de Faculdades de Direito, nem todas oferecem um ensino jurídico de boa qualidade. Faltam professores qualificados para centenas de Faculdades de Direito, com o que, lamentavelmente, os que nelas se formam não são bem preparados. Agora, nas escolas mais tradicionais – a São Francisco, a PUC, o Mackenzie, a FMU, a Álvares Penteado, só para citar algumas Faculdades de Direito da Capital de São Paulo –, há corpos docentes muito bem preparados, com títulos de pós-graduação, circunstância que contribui decisivamente para formar profissionais de ótima qualidade. Em outras Unidades Federadas também temos excelentes Faculdades de Direito. É o caso das Faculdades de Direito das Universidades Federais de Pernambuco REVISTA TRIBUTARISTAS


Entrevista (a Casa de Tobias Barreto), do Rio Grande do Sul, do Paraná, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais (a Casa de Afonso Pena), o que contribui para afastar a ideia de crise, no ensino jurídico do País. O que há são deficiências setoriais, dada a multiplicação – quase sempre motivada pela política – de Escolas de Direito, que não preenchem os quesitos básicos para formar novas gerações de juristas. Agora também é importante termos presente que ninguém aprende se não estiver imbuído da vontade de aprender. A personagem estelar do processo de aprendizado é o próprio aluno. O professor sozinho não faz milagres. Ele é um orientador, alguém que incita o debate, a reflexão. Mas quem realmente assimila os conhecimentos é o aluno, quando está disposto a isso, quando ouve e, especialmente, quando reflete sobre o que ouve. Costumo dizer, nas minhas aulas de apresentação, que nenhum aluno deve ser como o porteiro de auditório. O porteiro de auditório ouve uma conferência por noite, mas, tirante uma ou outra exceção, o porteiro é uma pessoa de pouco trato intelectual. Por quê? Justamente porque não reflete sobre o que ouve. Então, eu concito os meus alunos a meditarem, a fazerem uma reflexão crítica e em profundidade sobre aquilo que lhes estiver sendo exposto. Com tal atitude, terão condições de superar eventuais deficiências nas lições que lhes estiverem REVISTA TRIBUTARISTAS

sendo ministradas RT - Exige-se do advogado de hoje uma formação diferente daquela de 20 ou 30 anos atrás? O senhor é favorável à remodelação da metodologia do ensino jurídico à moda americana, como algumas instituições de ensino jurídico criadas recentemente propõem? Dr. Carrazza - Sem embargo de autorizadas opiniões em sentido contrário, penso que, essencialmente, o advogado de hoje deve ter a mesma formação de 20 ou 30 anos atrás. Não sou adepto da metodologia do ensino jurídico à moda americana. O método tradicional, mutatis mutandis, parece-me, ainda, o mais adequado. Na minha época, é certo, priorizava-se demais o conhecimento teórico. Dizia-se que a prática viria depois. Assim, era comum o estudante amealhar grandes conhecimentos teóricos, mas não saber exatamente onde ficava o Fórum, como era elaborada uma procuração, o que era uma carta precatória etc. Quando alguém falava que “foi aberta vista para o Promotor”, que “os autos estão conclusos ao Juiz” ou que “foi expedido o mandado de citação”, muitos se perguntavam o que isso exatamente significava. Enfim, o que fugia da teoria pura configurava, muitas vezes, um insondável mistério. De qualquer modo, com os conhecimentos teóricos obtidos, os alunos, depois de formados, logo superavam

(...) o advogado de hoje deve ter a mesma formação de 20 ou 30 anos atrás”

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Entrevista esta deficiência de formação, tanto que hoje estão pontificando nas academias, nas cátedras e nas carreiras jurídicas em geral. Atualmente, sem descurar dos conhecimentos teóricos, também se dá importância à prática, até porque o verdadeiro conhecimento é fruto da conjugação da teoria com a prática. Estou aqui a repetir, com minhas próprias palavras, as lições de Pontes de Miranda, que observava, com razão, que o verdadeiro conhecimento de qualquer assunto pressupõe a soma dos conhecimentos teóricos com os conhecimentos práticos. Este me parece o melhor método. Já o modelo americano, que preconiza o estudo do Direito a partir de casos, tem impressionado alguns. Não me sinto autorizado a censurar essa fórmula, mas uma coisa é certa: o direito americano é diferente do direito brasileiro. Nos Estados Unidos, o precedente judicial tem uma importância que no Brasil, convenhamos, não tem, de modo que, o que é bom para os EUA, pelo menos nesse particular, não é bom para o Brasil. Enfim, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Não devemos desdenhar do dia a dia, da realidade dos Tribunais, da jurisprudência, mas sempre tendo presente que a jurisprudência, em nosso País, não é, no rigor dos princípios, fonte do Direito. A fonte do direito no Brasil é a lei. O nosso Direito é legislado, e quando eu falo em lei, claro que estou a abarcar a Constituição Federal, a Lei das Leis, ainda mais em matéria tributária.

Silva Martins, e ainda que navegando contra a corrente do uso, sou contrário à reforma constitucional tributária. Entendo que o nosso sistema constitucional tributário é intrinsecamente bom. Se a tributação vai mal a culpa não é da atual Constituição, mas de seus aplicadores. A culpa é do Poder Legislativo, que não tem dado à estampa as leis (complementares e ordinárias) que dariam operatividade ao nosso sistema tributário. A culpa é do Poder Executivo, que abusa da faculdade regulamentar, inovando inauguralmente a ordem jurídico-tributária (o que só a lei pode fazer), por meio de decretos, portarias, ordens de serviço e, até, de atos administrativos stricto sensu. E a culpa também é do Poder Judiciário, que, não raro, troca a toga pela pasta da Fazenda e faz cálculos, projeções e, ao invés de ser o garante da Constituição, se deixa impressionar pelos argumentos ad crumenam (de bolsa), como se o direito do contribuinte fosse maior ou menor, dependendo das quantias em jogo. Agora, sou favorável, sim, a uma reforma tributária em nível legal, que tornaria mais racional e justa a ação estatal de exigir tributos. Quando isso acontecer – se é que vai acontecer – veremos que não há necessidade de alterar-se a Constituição, na parte tributária. Não, pelo menos, de modo radical. É claro que, se forem necessárias algumas alterações tópicas, elas devem feitas. Deveras, nada é perfeito neste mundo; nem mesmo o sistema constitucional tributário brasileiro. Mas que sejam feitas com parcimônia, com mão avara, respeitando as cláusulas pétreas, máxime as que veiculam direitos dos contribuintes e suas garantias. Enfim, estou convencido de que não há necessidade de se destruir o atual sistema constitucional tributário. Há necessidade de sempre mais o aperfeiçoar. De não dormir sobre os louros conquistados, mas também de não os lançar fora.

RT - Em entrevista concedida à RT, o professor PBC afirmou ser contrário a uma reforma estrutural no sistema tributário brasileiro. Já o jurista Ives Gandra da Silva Martins acredita que a reforma tributária é necessária. Qual sua posição? Dr. Carrazza - Bom, eu não quero dar o voto de minerva, o voto de desempate. É evidente que todo aperfeiçoamento é bem-vindo. Eu não sou saudosista e conservador, a ponto de imaginar que nada deva ser mudado ou melhorado. Sou favorável a mudanças tópicas, mas, RT – O senhor é tido como a maior autoridade do país no ICMS, que, por sua vez, é um tributo que detém basicamente, o que está aí merece ser conservado. Pedindo as devidas vênias ao Professor Ives Gandra da uma dimensão extraordinária no sistema tributário bra-

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Entrevista

(...) a ‘guerra fiscal’ somente seria eliminada se houvesse a federalização do ICMS, mas ela não me parece possível” REVISTA TRIBUTARISTAS

Foto: gazetadopovo.com.br (http://goo.gl/xZx7Uo)

sileiro e no Pacto Federativo, como fonte de recursos e também de destacada complexidade, tanto na gestão pelo Fisco como no compliance pelos contribuintes. Na sua visão, o ICMS deve seguir nos moldes em que desenhado na Constituição Federal ou devemos reformá-lo sob a inspiração do regime IVA europeu, como eventual federalização de sua administração? Dr. Carrazza - Na verdade, o ICMS se inspira no IVA europeu, o Imposto sobre Valor Agregado. Mas, se observarmos bem, o IVA é um imposto nacional. Se quisermos, é até um imposto internacional, agora com a União Europeia. No Brasil, o nosso IVA – que é justamente o ICMS – é um imposto regional. Ele não é da competência da União Federal, mas dos Estados-membros (e, em seu território, do Distrito Federal), o que cria problemas, que respondem pelo nome técnico de “guerra fiscal”. Os tributaristas estrangeiros que nos visitam percebem a falha estrutural, tanto que, ao serem informados que o IVA brasileiro (assim eles chamam o nosso ICMS) é cobrado pelas Províncias – na verdade pelos Estados-membros e pelo Distrito Federal –, invariavelmente perguntam

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Entrevista se isso não gera conflitos entre elas. A essa pergunta cabem duas respostas: uma, técnica e, outra, prática. A resposta técnica é: não, porque a Constituição brasileira, em seu artigo 155, §2, XII, “g”, estabeleceu que isenções, incentivos e benefícios, em matéria de ICMS, só são válidos se forem autorizados pelos Estados-membros, mais o Distrito Federal, por meio de convênios celebrados e ratificados por todos eles, sem exceção. Já, a resposta prática é: lamentavelmente, muitos Estados-membros e o próprio Distrito Federal, ávidos de recursos, acabam “criando” incentivos e benefícios econômicos e financeiros, diretos e indiretos, que acabam costeando a mencionada exigência constitucional, o que gera a já mencionada “guerra fiscal”. Ora, a “guerra fiscal” somente seria eliminada se houvesse a federalização do ICMS, mas ela não me parece possível porque este é o imposto que, por assim dizer, sustenta os Estados-membros e o Distrito Federal. Também já se falou que talvez fosse o caso de atribuir à União a aptidão para criar e arrecadar o ICMS e depois repassar aos Estados-membros e ao Distrito Federal, os montantes que forem arrecadados em seus territórios. Não me parece, porém, que essa solução seja oportuna ou boa, pois a experiência revela que, quase sempre, os repasses tardam, quando não deixam de se efetivar. Então, para que o ICMS não gere a famigerada “guerra fiscal” entre as Unidades Federadas, o fundamental é lutar para que prevaleça o primado da Constituição, mormente o disposto em seu art. 155, § 2º, XII, “g”. Aliás, o STF está fazendo todo o possível para que esse dispositivo venha a ser efetivamente aplicado. Mas, também, deve haver um pouco de lealdade da parte dos Estados-membros e do Distrito Federal. De fato, o STF faz a sua parte e declara inconstitucional um benefício ou um incentivo de ICMS, concedido ao arrepio de convênio, mas aí o Estado-membro ou o Distrito Federal cria outro, que, não raro, é igual àquele que acaba de ser declarado inconstitucional. Seria o caso, portanto, de se criarem mecanismos mais eficazes, para impedir que as decisões da mais

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alta Corte do País venham costeadas, em detrimento do princípio federativo e, especialmente, do subprincípio da lealdade federativa. Este último é um tema ainda pouco conhecido no Brasil, embora muito estudado na Alemanha. Sem querer ditar cátedra, permito-me dizer que, nas dobras do princípio federativo hospeda-se o subprincípio da lealdade federativa. Em função deste subprincípio as Unidades Federadas não devem criar armadilhas umas às outras. Em matéria de ICMS, a Unidade Federada que se locupleta à custa das demais, está a infringir maus tratos ao subprincípio da lealdade federativa, o que deveria levar à intervenção federal, até que cessasse a afronta à Constituição. Este é um assunto que precisa ainda ser mais bem pensado, par que as conclusões da teoria acabem repercutindo no plano prático. RT - O sistema tributário brasileiro, como instrumento de política fiscal e arrecadatória, mostra sinais de exaurimento. O sistema econômico do país já não comporta majorações na carga tributária e, por outro lado, os custos do Estado não dão sinais de redução significativa. Este ano tivemos em diversas capitais do país conflitos travados nessa fronteira fiscal-financeira, quando a carga tributária do imposto predial subiu drasticamente para fazer frente à necessidade de investimentos nos centros urbanos. Na sua visão da dogmática tributária, o nível da carga tributária é um tema que pertine apenas à política ou pode ser enfrentado pelo direito tributário, e, em caso positivo, de que forma ou em que medida? Dr. Carrazza - O Brasil possui, senão a maior, uma das maiores cargas tributárias do mundo. Eu costumava dizer que o Brasil tinha a maior carga tributária do mundo, até que alguém me corrigiu, demonstrando que, na verdade, a maior carga tributária do mundo é a da Suécia. A carga tributária brasileira está na casa dos 37% do nosso Produto Interno Bruto, enquanto a da Suécia beira os 40% do seu PIB. Mas não podemos comparar o incomparável. É só verificarmos o retorno que os contribuintes sueco e brasileiro têm por parte do Estado. Na Suécia, eu costumo dizer REVISTA TRIBUTARISTAS


brincando – mas é brincando que se dizem as verdades – que se o próprio rei adoece, ele vai para um hospital público, é bem tratado, e se a sua moléstia for curável, volta para o trono. No Brasil, todos sabemos do estado deplorável dos serviços médicos prestados nos hospitais públicos. Não é a toa que, aqui, as pessoas que podem pagar, gastam significativa parcela de seus salários, pagando “planos de saúde”. Também na Suécia – ao contrário do que se dá no Brasil – ninguém precisa se preocupar com planos de aposentadoria privada. Lá, ninguém precisa pagar o próprio ensino, até porque, todas as escolas são públicas e oferecem um ensino de boa qualidade. Ainda na Suécia, as pessoas um pouco mais abastadas não precisam blindar os seus veículos, nem contratar serviços de segurança privada. Os exemplos poderiam ser multiplicados, que são legião. É fundamental, portanto, reduzir a carga tributária, em nosso País. Ainda a respeito, não devemos nunca perder de vista que o tributo é meio, e não fim. Ele não existe nem para agulhar a carne do contribuinte, escorchando-o, nem para abarrotar de dinheiro os cofres públicos. Ele existe, sim, para que o Estado tenha os recursos suficientes para alcançar os objetivos que lhe são assinalados seja pela Constituição, seja pelas leis.

Entrevista Corretamente muitas vezes deixa de aplicar a lei, para aplicar diretamente a Constituição, máxime seus grandes princípios, que são de eficácia plena e aplicabilidade imediata, conforme reza o art. 5º, § 1º, deste Diploma Magno. Ressalto que vejo com bons olhos essa preocupação do Poder Judiciário em dar plena eficácia aos princípios constitucionais tributários, mesmo quando eles não são explicitados nas leis. Evidentemente, não aprovo excessos. O juiz, em rigor, não deve julgar a lei, mas julgar segundo a lei. E, ao julgar segundo a lei, ele deve lhe dar uma interpretação conforme à Constituição. Era Kelsen quem dizia que toda norma jurídica encerra uma moldura dentro da qual cabem diversas interpretações. Dentre as interpretações possíveis, o bom magistrado deve optar pela que melhor se ajusta aos grandes princípios constitucionais. Permito-me dizer que algumas decisões judiciais merecem censuras, porque vão além da prova dos autos. A meu ver, não devem os julgadores se esquecer daquela elementar lição jurídica, no sentido de que o que não está nos autos não está no mundo. Costumo dizer que, quando o julgador coloca em sua decisão dizeres do tipo “não é crível que...”, é porque as provas dos autos são precárias, quando não inexistentes. Não me parece, data venia, que as decisões, especialmente em matéria tributária, devem estribar-se exclusivamente no bom-senso do Juiz. Devem, sim, deitar raízes, nas provas lícitas, coligidas pelos meios adequados, vale dizer, em Direito admitidos. Mas, volto a dizer, a jurisprudência, em matéria tributária, no Brasil, é, de um modo geral, de ótima qualidade.

(...) a jurisprudência em matéria tributária é de boa qualidade”

RT - Como o senhor avalia o desempenho da nossa jurisprudência em matéria tributária? O senhor se considera satisfeito com o manejo que os nossos tribunais promovem das categorias e fundamentos do direito tributário? Dr. Carrazza - Tirando um que outro excesso, que tecnicamente chamamos de “ativismo judicial”, a jurisprudência em matéria tributária é de boa qualidade. REVISTA TRIBUTARISTAS

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Entrevista RT - O senhor acredita que falta um tributarista no STF? Dr. Carrazza - Penso que no Supremo Tribunal Federal deve haver grandes juristas, e os grandes juristas trafegam também pelo Direito Tributário. Portanto, não há necessidade de alguém ir para o STF, com o rótulo de “tributarista”. Tributaristas, na acepção estrita do termo, houve poucos, no STF. Lembro-me do Prof. Aliomar Baleeiro. Mas, tivemos, e temos, no STF conhecedores do Direito Tributário, embora tenham feito carreira acadêmica na área do Direito Constitucional, do Direito Processual Civil, da Teoria Geral do direito, e assim por diante. Porém, não acho que o STF precisa necessariamente ter em seus quadros um professor de Direito Tributário. Se nele tiver assento algum, ficarei muito satisfeito, pois, com isso, a minha classe, dos estudiosos do Direito Tributário, estará sendo prestigiada. Todavia, como o nosso Direito Tributário é, no fundo, um capítulo do Direito Constitucional, e como o Supremo é uma Corte Constitucional, para lá devem acudir estudiosos do Direito Constitucional, que, bem por isso, terão familiaridade com as grandes questões tributárias. RT - O senhor é um dos mais renomados pareceristas do país. Como é o trabalho de pareceria, em comparação ao trabalho do advogado litigante? O senhor em algum momento sente falta do calor da batalha travada na lide ou ainda consegue desfrutar dessa oportunidade em determinados leading cases de que participa? Dr. Carrazza - Fundamentalmente eu me dedico à elaboração de estudos e de pareceres jurídicos. Emito pareceres jurídicos, opiniões legais. O parecer jurídico, a meu ver, é um trabalho doutrinário. A meu sentir, parecer jurídico somente deve ser emitido quando o estudioso, à pergunta “você sustentaria isso em um livro ou artigo doutrinário?”, responder que sim. Se a resposta for não, o parecer jurídico não deve ser dado. Então, é importante que o parecerista só dê a sua opinião quando concorda com a tese. Isso não significa que ele acerta sempre. O parecerista, ser hu-

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mano que é, erra com frequência, mas se erra, o faz achando que está acertando, ou seja, com a convicção íntima de que aquele é o melhor caminho jurídico. Afinal, o maior patrimônio de um parecerista é a sua credibilidade. Em suma, eu só dou um parecer jurídico quando estou convencido do acerto da tese. Já, o advogado tem uma faixa de liberdade um pouco maior. Dentro dos limites da legalidade, da lealdade e da ética profissional, ele deve acautelar os interesses do seu cliente. Claro que ele não vai falsear a prova, não vai litigar contra expressa disposição de lei, não vai construir sofismas. Um bom advogado não fará isso nunca. Mas ele optará pela corrente doutrinária mais favorável ao seu cliente, e invocará a jurisprudência que a este for mais benigna. Assim agindo, ele estará no seu papel de advogado; estará falando pelo cliente. Circunstancialmente, eu também advogo. Algumas vezes, alguém que ficou satisfeito com um parecer de minha autoria, pois ajudou a formar o convencimento do juiz, me pede para lhe patrocinar uma causa. Mas, eu diria que 90% da minha atividade é de consultoria, como, aliás, meu escritório, que é de dimensões modestas, revela. Eu tenho, em rigor, uma biblioteca, na qual me dedico à elaboração de estudos e de pareceres. Raramente recebo clientes. Recebo, sim – e com muita frequência –, amigos (é justamente o caso) ou alunos.

Clique na imagem acima para assistir à entrevista na íntegra, ou utilize o link a seguir: http://goo.gl/dOb0sD

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Opinião

Majoração do IPTU e vedação ao confisco Por Jana Maira Matias Dourado

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m tema bastante discutido no cenário jurídico brasileiro atual é a majoração do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), decorrente do realinhamento de valores venais dos imóveis dos mais diversos municípios no país, o que trouxe uma série de questionamentos – e descontentamento – por parte dos contribuintes. A questão envolve a análise dos limites constitucionais ao poder de tributar dos entes municipais, perpassando pelos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da capacidade contributiva e, principalmente, pelo princípio da vedação ao confisco. Pergunta-se até que ponto poderá o Município elevar a base de cálculo do imposto para corrigir uma defasagem de cadastro dos valores venais dos imóveis, e como isso pode afetar a capacidade econômica do sujeito passivo. Inicialmente, cumpre esclarecer que a competência para instituir o IPTU está prevista no artigo 156, inciso I, da Constituição Federal, sendo atribuída aos Municípios. Em atendimento ao princípio da legalidade tributária, somente poderá o ente municipal instituí-lo através de lei, devendo, por óbvio, atender a todos os critérios formais e materiais na sua edição. O Código Tributário Nacional (CTN) dispõe sobre a Regra Matriz de Incidência do tributo em seus artigos 32 a 34. O caput do artigo 32 prevê o critério material para a cobrança do imposto, que será a propriedade, o domínio útil ou a posse do imóvel, devendo o bem estar localizado na zona urbana do Município (critério espacial). Um dos elementos do seu critério quantitativo - a base de cálculo – será o valor venal do imóvel; o outro elemento é a alíquota, correspondente ao percentual que será aplicado à base REVISTA TRIBUTARISTAS

de cálculo, a ser definido pelo legislador. Depreende-se que basta ser proprietário, possuidor ou ter domínio útil de determinada propriedade para ser sujeito passivo do IPTU, definindo-se assim o seu critério pessoal. De acordo com previsão constitucional, o imposto é calculado segundo critérios de progressividade, em razão do valor do imóvel, da sua localização e do seu uso, fatores que determinam uma aplicação de alíquotas mais elevadas ou mais reduzidas, conforme o perfil de cada imóvel tributado, à razão da riqueza tributada, seguindo as bases principiológicas da capacidade contributiva (art. 156, §1º, com redação modificada pela Emenda Constitucional n. 29/2000). Nessa linha, pode-se afirmar que os impostos proporcionais atendem de forma diferenciada aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, o que fazem precisamente por meio da aplicação da progressividade das alíquotas. O princípio da capacidade contributiva, celebrado explicitamente pela Carta Magna em seu art. 145, §1º, aplica-se no sentido de encontrar um ponto de equilíbrio entre quanto cada um deve contribuir para suprir as necessidades do Estado. A forma como esse ônus tributário é dividido é uma questão de justiça, que deve obedecer a parâmetros adequados à capacidade de pagamento do contribuinte. Há, entretanto, grande dificuldade na aplicação deste princípio aos impostos de natureza real, tendo em vista que nestes o governo observa o valor do bem possuído, enquanto no imposto pessoal é considerada a capacidade financeira do contribuinte. O IPTU, que possui caráter nitidamente real, incide sobre o valor do bem possuído, sendo irrelevantes as

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Opinião características pessoais do contribuinte. Contudo, essa sistemática pode trazer grandes injustiças na sua instituição, visto que nem sempre o valor venal atribuído pela municipalidade ao imóvel dá ensejo a uma tributação suportável pelo contribuinte e, em muitos casos, pode ocorrer o arbitramento de valores, sem correspondência com o real valor de mercado do bem, o que também implicaria injusta tributação. Considera-se que o valor venal do imóvel é uma grandeza difícil de dimensionar, dada a grande mutabilidade da realidade econômica que envolve o seu cálculo, além das dimensões territoriais de alguns dos municípios brasileiros, que impossibilitam a avaliação individual, por seus agentes, de todos os imóveis cadastrados. Diante dessa dificuldade, os municípios passaram a adotar Tabelas de Valores que nada mais são do que padrões de avaliação utilizados para chegar à valoração do metro quadrado em cada região – os chamados Valores Unitários Padrão (VUP). No ano de 2013, diversos Municípios brasileiros, a exemplo de São Paulo, Ribeirão Preto (SP), Salvador (BA), Florianópolis e Caçador (SC), constataram que os seus Valores Unitários Padrão estavam defasados. Um dos exemplos mais impactantes é o de Salvador, que não procedia ao realinhamento dos VUP há dezenove anos, limitando-se a promover a sua atualização de acordo com o índice inflacionário determinado pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Por consequência, os valores venais utilizados como base de cálculo do imposto foram bastante inferiores àqueles aplicados no mercado ao longo desse período. De forma a corrigir essa distorção, adotou-se uma medida severa: correção da defasagem através da atualização imediata dos valores - a ser praticada já no exercício seguinte -, o que ocasionou um aumento desproporcional do valor a ser pago pelo tributo. Pretender, contudo, corrigir o que se considerou

uma defasagem de longo período em apenas um ano de exercício fiscal tem sido visto por muitos contribuintes como uma afronta aos limites da razoabilidade e uma assunção de caráter confiscatório. Como preleciona Aliomar Baleeiro em sua obra Limitações Constitucionais ao poder de tributar, “o sistema tributário movimenta-se sob a complexa aparelhagem de freios e amortecedores, que limitam os excessos acaso detrimentosos à economia e à preservação do regime e dos direitos individuais” 1. E é em decorrência deste sistema que os princípios possuem inquestionável importância. Segundo Hugo de Brito Machado:

5 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, p. 2, 7ª ed. São Paulo: Forense, 1999.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, p. 52, 26ª edição. São Paulo: Malheiros, 2005.

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“Tais princípios existem para proteger o cidadão contra os abusos do Poder. Em face do elemento teleológico, portanto, o intérprete, que tem consciência dessa finalidade, busca nesses princípios a efetiva proteção do contribuinte.” 2 Embora não esteja expresso na Constituição Federal, a não ser de forma implícita no princípio do devido processo legal, o princípio da proporcionalidade foi recepcionado por nosso ordenamento jurídico através da jurisprudência, devido a diversas influências estrangeiras. Assim, coube ao Supremo Tribunal Federal a introdução do princípio no campo jurisprudencial, no julgamento do Recurso Extraordinário 18.331, oportunidade na qual o Relator Ministro Orozimbo Nonato, assim preceituou:

“O poder estatal de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade, sob pena de caracterizar ‘detournement de pouvoir’.”

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Opinião Posteriormente a esta decisão, o princípio da proporcionalidade foi praticamente disseminado em várias outras emanadas nos nossos diversos Tribunais, e adotado pela Suprema Corte como critério de aferição da constitucionalidade dos atos emanados pelo Poder Legislativo. Justamente para evitar esses extremos que a Constituição, no artigo 150, IV, prevê que os governos não podem utilizar tributos com efeito de confisco. Se isso ocorrer, o tributo, sua alíquota, base de cálculo ou forma de arrecadação se reputarão inconstitucionais. Importante, nesta senda, trazer à espécie precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF), a exemplo da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 8 - DF (Medida Cautelar), por meio da qual a Suprema Corte proclamou que o efeito confiscatório pode ser observado “em função da totalidade da carga tributária mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte, considerando o montante de sua riqueza (renda e capital) para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar.” O critério da capacidade contributiva foi aclamado como forma de indicar o limite que deve ser obedecido pelo ente estatal com vistas a evitar um excesso inconstitucional, que desatende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O Ministro Celso Antônio Bandeira de Mello, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 754.554, por sua vez, afirmou que o valor atribuído de forma desarrazoada aos tributos, instituído de modo a comprometer ou ultrapassar o limite da capacidade contributiva da pessoa “incide na limitação constitucional, hoje expressamente inscrita no art. 150, IV, da Carta Política, que veda a utilização de prestações tributárias com efeito confiscatório”, referindo, em seu voto, diversos precedentes jurisprudenciais a esse respeito. Merece destaque, neste ponto, a observação de Luiz Emygdio F. da Rosa Jr., cuja doutrina, ao anali-

Ainda, segundo Humberto Ávila, “a razoabilidade é empregada como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir” 4. Outro fator que merece destaque é a dissonância entre os aumentos praticados com o valor da inflação acumulada, ou mesmo a geração de renda do período, o que enseja a insegurança jurídica dos sujeitos passivos. Consequente ao princípio da proporcionalidade, a segurança jurídica serve justamente para evitar a surpresa do contribuinte diante da presumida confiança na lei fiscal, que não pode surpreendê-lo, de forma abrupta, notadamente no que concerne ao valor que será recolhido. É possível atrair para a seara tributária, portanto, o princípio da reserva do possível, aplicando-o segundo o critério de que não se pode exigir do contribuinte algo que vá além de suas capacidades materiais de pagamento. Conclui-se que, quando se vulnera o postulado da capacidade contributiva, agredindo o patrimônio do contribuinte além da sua capacidade de pagamento, o tributo passa a ter um efeito confiscatório, caracterizando uma subtração de patrimônio. O poder público deve agir com moderação sob pena

Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário, p. 320, 18ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 409, São Paulo: Saraiva, 2004.

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sar o princípio constitucional que veda a utilização do tributo com efeito confiscatório, ressalta:

“A vedação do tributo confiscatório decorre de um outro princípio: o poder de tributar deve ser compatível com o de conservar e não com o de destruir. Assim, tem efeito confiscatório o tributo que não apresenta as características de razoabilidade e justiça, sendo, assim, igualmente atentatório ao princípio da capacidade contributiva.” 3

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Opinião de ferir a Carta Magna, vez que a sua atividade é também condicionada ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. Nos dizeres de Ígor Danilevicz, “o poder de tributar está diretamente vinculado ao princípio da capacidade contributiva – artigo 145, §1° da Constituição da República. Inconcebível que a tributação exceda tal capacidade. O milímetro além, representa um extravasamento na capacidade do sujeito passivo da relação jurídico-tributária em contribuir. O que resultará na exaustão de seu patrimônio.” 5 Retomando às majorações praticadas pelos Municípios citados, enfatize-se que houve a propositura, em todos eles, de Ações Diretas de Inconstitucionalidade confrontando a legislação municipal em face da Constituição Estadual e, à exceção de Salvador (cuja demanda ainda não foi julgada pelo Tribunal de Justiça da Bahia), foram concedidas liminares pelos respectivos Tribunais para suspender a aplicação das leis que instituíram o aumento do tributo. Interpostas Suspensões de Liminar pelos Municípios frente ao STF, houve a manutenção das decisões dos Tribunais pelo presidente Joaquim Barbosa, ao fundamento que “o risco de irreversibilidade, no caso, é desfavorável ao contribuinte, pois os meios jurídicos para se dar efetividade à arrecadação são bastante incisivos”, acrescentando ainda que “não se infere da inicial dos pedidos de suspensão de liminar que o transcurso do devido processo legal, com o julgamento regular da matéria pelo Judiciário, possa levar os municípios a uma situação equivalente à insolvência”. Como se vê, trata-se de questão bastante controvertida, que dialoga diretamente com as limitações constitucionais ao poder de tributar. Partindo da premissa de que a aferição de receita com a cobrança

5 Direito Tributário e Confisco. Algumas aproximações acerca do tema, Faculdade de direito da PUCRS: o ensino jurídico no limiar do novo século, p. 408, Porto Alegre: Edipucrs, 1997.

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do imposto é necessária ao desenvolvimento social, os Municípios vêm chancelando uma exigência tributária que beira à inconstitucionalidade, dado o seu caráter sensivelmente confiscatório.

JANA MAIRA MATIAS DOURADO Advogada. Pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia.

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Opinião

Arbitragem e preços de transferência: a convenção de arbitragem na União Europeia por Thyago Pereira Trairi Introdução Segundo alguns especialistas, cerca de 70% das transações comerciais internacionais são realizadas por empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico. Uma vez que o preço das mercadorias e serviços relativos a essas operações é determinado normalmente para satisfazer a um único interesse, o da própria multinacional, pode haver uma significativa discrepância quando comparado aos preços de mercado praticados entre empresas não vinculadas. De modo geral, aos valores atribuídos a essas operações entre empresas vinculadas dá-se o nome de preços de transferência. O conceito sofrerá pequenas variações conforme se pretenda ressaltar um ou outro elemento integrante do fenômeno. No mesmo sentido, porém, agora com maior precisão, reproduzimos a definição de Jonathan Vita: “Sintetizando, os preços de transferência são, portanto, os valores declarados de transação entre empresas do mesmo grupo relativos à contraprestação por bens, serviços ou equity, corrigidos/(re)construídos através da aplicação de norma antielisiva tributária específica do imposto sobre a renda que generaliza a operação (re)produzindo-a em condições de mercado utilizando mecanismos econômicos de parametrização, comparabilidade e equalização” 1. Ocorre que, se os países envolvidos na operação aceitassem todo e qualquer método de precificação, o VITA, Jonathan Barros. Preços de Transferência. In: TORRES, Heleno. Doutrina Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. pp. 22. 2 Adaptação de exemplo extraído da obra LANG, Michael; PISTONE, Pasquale; 1

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Estado dispensaria tratamento tributário assaz desigual entre transações comerciais praticadas por empresas de um mesmo grupo e aquelas realizadas entre partes independentes. Além disso, haveria considerável perda arrecadatória no país envolvido com maior carga tributária. Daí a necessidade de o legislador debruçar-se sobre o fenômeno dos preços de transferência para estabelecer normas específicas que regulem a sua prática. Um problema recorrente nesse campo, todavia, é a ocorrência da bitributação, pois sempre que dois ou mais países aplicarem regras diferentes a uma mesma transação, inevitavelmente, teremos dupla tributação sobre um mesmo lucro. Isso acontece porque, na hipótese de uma autoridade fiscal realizar ajustes no preço de transferência, deveriam ser implementados, também, os correspondentes ajustes nos preços praticados no outro país envolvido na operação, a fim de evitar que as duas autoridades fiscais tributem o mesmo lucro atribuído à empresa. Tentaremos ilustrar essa situação por meio de um exemplo prático2: Temos, então, nesse exemplo, um mesmo grupo econômico operando em dois países diferentes, sendo a tributação no Estado B o dobro da tributação no Estado A. A venda ao consumidor final é feita no Estado B pela controlada após importar os produtos da matriz no Estado A. Na situação demonstrada antes da realização do ajuste pela autoridade fiscal, vemos que, de um lucro total de 500, somente 100 são tributados no SCHUCH, Josef; STARINGER, Claus. Introduction to European Tax Law: Direct Taxation. Third edition. Viena: Spiramus, 2013. p. 238.

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Opinião Estado A

Estado B

Matriz

Transferência de produtos

Consumidor final

Controlada

Antes do ajuste:

Custo de produção Venda para filial Lucro da matriz Tributação 10%

-200 600 400 40

Preço de compra Venda ao consum. Lucro da filial Tributação 20%

-600 700 100 20

Lucro total 500 Tributação total 60 -600

Após o ajuste:

Custo de produção Venda para filial Lucro da matriz Tributação 10%

-200 600 400 40

Preço de compra Venda ao consum. Lucro da filial Tributação 20%

-400 700 300 60

Ajustado pela autoridade fiscal

Lucro total 700 Tributação total 100 Lucro de 200 tributado em duplicidade

país com a carga tributária mais elevada, sendo os outros 400 tributados no Estado com a tributação menor. O motivo, portanto, que pode ter levado o grupo a estabelecer o preço de transferência dos produtos em 600 (venda para filial) é concentrar a maior parcela possível do lucro total no Estado com a menor tributação incidente sobre o lucro, gerando assim preços artificiais que não condizem com a realidade dos preços de mercado, violando portanto o princípio internacional arm´s length. Fundado nessa premissa, o Estado B realiza um ajuste de 200 no preço de transferência por acreditar que o preço apropriado para a transferência desses produtos seria de 400. Consequentemente a controlada passa agora a ter um lucro de 300, e não mais de 100. Se esse ajuste no Estado B não for seguido de um corres-

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pondente ajuste no Estado A, de forma que o Estado A aceite o preço de transferência de 400 – o que reduziria a base de cálculo na matriz de 400 para 200 -, haverá dupla tributação, pois o aumento do lucro no Estado B não foi acompanhado da correspondente redução do lucro no Estado A. Apesar do esforço de cooperação entre as autoridades fiscais, ainda existem grandes diferenças entre os métodos adotados para o cálculo do preço de transferência, o que potencializa a ocorrência de inúmeros conflitos envolvendo multinacionais. Diante desse cenário, estudos que visem o aperfeiçoamento de mecanismos internacionais para a resolução desses possíveis conflitos são extremamente necessários. Daí por que julgamos pertinente tratar de uma interessante solução encontrada pela União Europeia: a utilização da arbitragem. REVISTA TRIBUTARISTAS


Opinião Segundo o Prof. Yitzhak Hadari3, “one of the most advanced mechanisms for resolving bi-national or multinational tax disputes, and avoiding double taxation, is compulsory arbitration that would eliminate such double taxation”. Passaremos a analisar a seguir, portanto, o exemplo da Convenção sobre Arbitragem da União Europeia. Histórico e Objetivo Conforme bem relatado por Patrick Plansky4, o objetivo da Convenção sobre Arbitragem5 da União Europeia (Convenção para eliminação de dupla tributação nos casos de ajuste de lucros de partes relacionadas) é estabelecer um mecanismo para eliminação da dupla tributação que resulta do ajuste fiscal realizado em um dos Estados envolvidos na operação sem o correspondente ajuste nos demais Estados. Muitos alegarão, todavia, que o Modelo de Convenção Tributária da OCDE já prevê, em seu art. 256, um instrumental capaz de resolver conflitos sobre preços de transferência, o Procedimento de Acordo Mútuo ou Procedimento de Acordo Amigável (Mutual Agreement Procedure – “MAP”). Porém, como muito bem observa Plansky, no trabalho já mencionado, a inserção desse mecanismo nas convenções tributárias não leva necessariamente a resultados satisfatórios, pois, nos termos Artigo disponível em: http://www.martindale.co.il/Article.aspx?ArticleID=39&Text=Compulsory+Arbitration+in+International+Transfer+Pricing+and+Other+Double+Taxation+Disputes. 4 PLANSKY, Patrick. The EU Arbitration Convention. In: LANG, Michael; PISTONE, Pasquale; SCHUCH, Josef; STARINGER, Claus. Introduction to European Tax Law: Direct Taxation. Third edition. Viena: Spiramus, 2013. 5 Convention on the elimination of double taxation in connection with the adjustment of profits of associated enterprises (90/436/EEC), OJ L 225 of 20 august 1990, pp. 10-25. 6 Article 25. MUTUAL AGREEMENT PROCEDURE. 1. Where a person considers that the actions of one or both of the Contracting States result or will result for him in taxation not in accordance with the provisions of this Convention, he may, irrespective of the remedies provided by the domestic law of those States, present his case to the competent authority of the Contracting State of which he is a resident or, if his case comes under paragraph 1 of Article 24, to that of the Contracting State of which he is a national. The case must be presented within three years from the first notification of the action resulting in taxation not in accordance with the provisions of the Convention. 2. The competent authority shall endeavour, if the objection appears to it to be justified and if it is not itself able to arrive at a satisfactory solution, to resolve the case by mutual agreement with the competent authority of the other Contracting State, with a view to the avoidance of taxation which is not in 3

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do Art. 25, as autoridades fiscais dos Estados envolvidos não estão obrigadas a chegarem a um acordo que elimine em definitivo a dupla tributação, mas apenas a esforçarem-se nesse sentido. Além disso não há qualquer limitação de tempo para que uma decisão seja tomada, podendo a dupla tributação perdurar por anos. Muitas empresas sequer iniciam o MAP devido à elevada despesa com consultorias jurídicas, bem como em razão da imprevisibilidade do resultado e demora do procedimento, não sendo incomum, portanto, empresas aceitarem a dupla tributação com a finalidade de evitar os transtornos de um procedimento de acordo amigável. Plansky observa, ainda, que nem todas as convenções tributárias entre estados membros da União Europeia adotam o mecanismo do art. 9(2) da Convenção Modelo da OCDE7, que prevê o correspondente ajuste no outro Estado envolvido. Segundo o autor, mesmo que as convenções contivessem um dispositivo semelhante ao previsto no art. 9(2) do referido documento continuaria havendo dupla tributação em virtude das diferentes interpretações do princípio arm´s length. Justamente por isso a Convenção sobre Arbitragem oferece uma solução alternativa para a eliminação da dupla tributação em casos de ajustes fiscais. Ainda destacando o caráter distintivo da Convenção sobre Arbitragem ao estabelecer a obrigatoriedade de resultado, no sentido de eliminar a dupla tributação, accordance with the Convention. Any agreement reached shall be implemented notwithstanding any time limits in the domestic law of the Contracting States. 3. The competent authorities of the Contracting States shall endeavour to resolve by mutual agreement any difficulties or doubts arising as to the interpretation or application of the Convention. They may also consult together for the elimination of double taxation in cases not provided for in the Convention. 4. The competent authorities of the Contracting States may communicate with each other directly, including through a joint commission consisting of themselves or their representatives, for the purpose of reaching an agreement in the sense of the preceding paragraphs. (grifos nossos). 7 Art. 9. (2). Where a Contracting State includes in the profits of an enterprise of that State — and taxes accordingly — profits on which an enterprise of the other Contracting State has been charged to tax in that other State and the profits so included are profits which would have accrued to the enterprise of the first-mentioned State if the conditions made between the two enterprises had been those which would have been made between independent enterprises, then that other State shall make an appropriate adjustment to the amount of the tax charged therein on those profits. In determining such adjustment, due regard shall be had to the other provisions of this Convention and the competent authorities of the Contracting States shall if necessary consult each other.

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Opinião julgamos pertinente reproduzir, aqui, as palavras de Sylviane Miroux em relatório do Ministério da Economia, das Finanças e da Indústria Francesa: “La convention européenne du 23 juillet 1990 relative à l’élimination des doubles impositions en cas de correction des bénéfices d’entreprises associées a également mis en place une procédure amiable. Si ses caractéristiques sont proches de celles de la procédure amiable prévue dans le cadre bilatéral, la procédure prévue par la convention se singularise en instaurant une obligation de résultat. A défaut d’un accord entre autorités compétentes assurant une élimination de la double imposition, la convention prévoit en effet, dans une seconde phase, la mise en place d’une commission consultative dont l’avis peut s’imposer aux Etats en cas de désaccord persistant” 8. (grifos nossos) Não devemos, todavia, confundir o mecanismo previsto na Convenção sobre Arbitragem com aquele inserido em 2007 no parágrafo 5º do artigo 25 da convenção modelo da OCDE9, que aumentou o nível de proteção dos contribuintes ao estabelecer que a solução por arbitragem será aceita sempre que o conflito resulte de “taxation not in accordance with the Convention” 10. Possui, portanto, escopo muito mais amplo do que a Convenção sobre Arbitragem da UE, que trata somente de conflitos atinentes aos preços de transferência11. A Convenção sobre Arbitragem foi concluída em 1990, mas entrou em vigor somente em 1995. Embora seu fundamento legal seja o art. 293 do EC Treaty (posteriormente não incluído no TFEU), que teria impulsionado os Estados a realizarem tal acordo, trata-se, em verdade, de uma convenção internacional multilateral,

e não de legislação primária ou secundária da UE. A razão política que motivou os membros da União Europeia a preferirem regular o assunto por meio de uma convenção, e não de uma diretiva, foi o receio de abdicarem de parte significativa de sua soberania fiscal. Afinal, ao passo que a diretiva impõe a todos os membros da UE a obrigação de sua implementação no direito interno, a convenção somente vincula os Estados Membros signatários. Conforme descreve Hargreaves & Homewood, “(...) Member States are required to implement directives, which are set out in general terms, through the adoption of detailed measures, normally legislation. Directives specify the deadline by which implementation must be completed” 12. Em decorrência de sua natureza jurídica de convenção, a Corte de Justiça da UE (ECJ) não possui competência para interpretar seus dispositivos, que estão sob a jurisdição das cortes nacionais. Além disso, sua eficácia encontra-se dependente de sua recepção pelos ordenamentos jurídicos (constitucionais) domésticos. Com o fim de viabilizar a sua implementação prática, foi criado, em 2001, o EU Joint Transfer Pricing Forum (JTPF). Em 2004, foi elaborado um Código de Conduta para auxiliar na interpretação dos dispositivos da convenção, ainda que na forma de soft law. Em 2009 foi editada uma nova versão do Código de Conduta com significativos avanços. A última inovação relevante da JTPF foi a edição do Guidelines for Advance Pricing Agreements (APA), contribuindo para promover a prevenção de conflitos sobre preços de transferência.

8 MIROUX, Sylviane. BULLETIN OFFICIEL DES IMPÔTS. DIRECTION GÉNÉRALE DES IMPÔTS. 14 F-1-06. Nº 34. Paris: S.D.N.C, 2006. 9 5. Where, a) under paragraph 1, a person has presented a case to the competent authority of a Contracting State on the basis that the actions of one or both of the Contracting States have resulted for that person in taxation not in accordance with the provisions of this Convention, and b) the competent authorities are unable to reach an agreement to resolve that case pursuant to paragraph 2 within two years from the presentation of the case to the competent authority of the other Contracting State, any unresolved issues arising from the case shall be submitted to arbitration if the person so requests. These unresolved issues shall not, however, be submitted to arbitration if a decision on these issues has already been rendered by a court or administrative tribunal of either State. Unless a person directly affected by the case does not accept

the mutual agreement that implements the arbitration decision, that decision shall be binding on both Contracting States and shall be implemented notwithstanding any time limits in the domestic laws of these States. The competent authorities of the Contracting States shall by mutual agreement settle the mode of application of this paragraph. 10 Para uma leitura mais profunda sobre as diferenças entre o procedimento arbitral da Convenção Modelo da OCDE e aquele da Convenção sobre Arbitragem da União Europeia Cf. BANTEKAS, Ilias. The Mutual Agreement Procedure and Arbitration of Double Taxation Disputes. ACDI. Ano 1. Nº 1. Bogotá: 2008. 11 Para uma comparação mais detalhada cf. Thömmes/Rasch/Hammerschmitt/ Nakhai, Commentary on the Arbitration Convention (2009). 12 HARGREAVES; HOMEWOOD. EU Law. United Kingdom: Oxford University Press, 2011. pp.17.

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Opinião Características e Princípios A Convenção sobre Arbitragem pode ser analisada tanto em seu aspecto material quanto pessoal. No que diz respeito ao primeiro, acoberta em seu tecido normativo os impostos sobre a renda das pessoas físicas e jurídicas, aplicando-se “sempre que, para efeitos de tributação, os lucros incluídos nos lucros de uma empresa de um Estado Contratante sejam ou possam vir a ser incluídos igualmente nos lucros de uma empresa de outro Estado Contratante pelo facto de não serem respeitados os princípios enunciados no art. 4º e aplicados quer directamente quer em disposições correspondentes da legislação do Estado em causa” 13. Já quanto ao aspecto pessoal ou subjetivo, para fins de delimitar o conteúdo do que venha a ser entendido por enterprise, o artigo 4º da Convenção estabelece o princípio que norteia a aplicação de suas normas, qual seja o princípio arm´s length, que deverá ser observado tanto em operações entre partes independentes de um mesmo grupo econômico (e.g. entre dois estabelecimentos permanentes) quanto entre empresas que possuam direta ou indiretamente participação na direção, controle ou capital de outra. Aqui, temos duas hipóteses interessantes. A primeira, do Art. 4 (1), cuida das associated enterprises, que podem ser identificadas por meio de duas estruturas: (i) quando uma empresa de um Estado Contratante participe direta ou indiretamente da direção, controle ou capital de uma empresa de outro Estado Contratante (afiliação horizontal); ou (ii) quando as mesmas pessoas participem direta ou indiretamente da direção, controle ou capital de uma empresa de um Estado Contratante e de uma em-

Conforme versão da Convenção em português de Portugal. Disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:1990:225:0010:0016:PT:PDF. 14 ARTICLE 9. ASSOCIATED ENTERPRISES. 1. Where a) an enterprise of a Contracting State participates directly or indirectly in the management, control or capital of an enterprise of the other Contracting State, or b) the same persons participate directly or indirectly in the management, control or capital of an en13

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presa de outro Estado Contratante (afiliação vertical). Trata-se em verdade de reprodução fiel do disposto no art. 9(1) da Convenção Modelo da OCDE14. Já na hipótese do art. 4(2), trata a convenção das partes independentes de um mesmo grupo, estabelecendo que, deve ser atribuído ao estabelecimento permanente em outro Estado Contratante, o lucro que seria obtido caso existisse uma empresa distinta e separada que exercesse as mesmas atividades ou atividades similares, nas mesmas condições ou em condições similares, e tratasse com absoluta independência com a empresa de que constitui estabelecimento permanente. Aqui houve reprodução integral do disposto no art. 7(2)15 da Convenção Modelo da OCDE (versão anterior a 2010). A Convenção sobre Arbitragem autoriza, portanto, que as autoridades fiscais realizem ajustes naqueles lucros que não tenham resultado de uma aplicação correta do princípio arm´s length. Qualquer outro ajuste que não tenha fundamento no princípio arm´s length não está acobertado pela presente convenção. Havendo violação a qualquer desses princípios, estarão autorizados os ajustes nos lucros pelas autoridades fiscais, dando ensejo aos procedimentos descritos a seguir. Procedimentos I - Notificação Caso a autoridade fiscal de um Estado Contratante pretenda ajustar o lucro de uma empresa por suposta violação ao princípio arm´s length, deve essa mesma autoridade notificar a empresa oportunamente da sua intenção, possibilitando assim que a empresa fiscalizada informe a outra empresa, de forma a permitir que esta, por sua vez, informe o

terprise of a Contracting State and an enterprise of the other Contracting State, and in either case conditions are made or imposed between the two enterprises in their commercial or financial relations which differ from those which would be made between independent enterprises, then any profits which would, but for those conditions, have accrued to one of the enterprises, but, by reason of those conditions, have not so accrued, may be included in the profits of that enterprise and taxed accordingly.

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Opinião outro Estado Contratante. Embora o ajuste fiscal não esteja condicionado ao recebimento de uma resposta do outro Estado Contratante, o já mencionado Código de Conduta (soft law) propõe seja suspenso o recolhimento dos tributos derivados do ajuste16. Naturalmente, concordando os dois Estados Contratantes sobre o valor do ajuste, o procedimento será encerrado nessa fase, cabendo ao segundo Estado Contratante realizar o correspondente ajuste nos lucros.

do procedimento de acordo amigável ou MAP dá-se na esfera internacional. No prazo de 2 (dois) anos a contar da primeira data em que o caso tiver sido submetido à apreciação de uma das autoridades competentes, caso os Estados Contratantes não tenham chegado a nenhum acordo capaz de eliminar a dupla tributação, deverá ser iniciado o procedimento arbitral. III - O Procedimento Arbitral

II - Procedimento de acordo amigável ou Não sendo possível, portanto, eliminar a dupla trimutual agreement procedure (MAP) butação por meio de acordo amigável, no prazo de 2 (dois) anos já mencionado, deverão os Estados Na hipótese de não haver acordo entre os Estados Contratantes constituir uma Comissão Consultiva, que Contratantes acerca do valor do ajuste, caso a empre- ficará encarregada de emitir um parecer sobre a forsa entenda que o princípio arm´s length não foi obser- ma de eliminar a dupla tributação. vado adequadamente pela autoridade fiscal, a empresa Conforme sugerido pelo Código de Conduta Reviterá até 3 (três) anos, contados a partir da primeira sado, ao Estado Contratante que emitir a primeira nonotificação, para submeter seu caso à apreciação da tificação sobre o ajuste fiscal caberá a iniciativa para autoridade competente do Estado Contratante onde a constituição da Comissão Consultiva, bem como encontra-se situada ou do qual é residente. organizar os preparativos para os seus encontros. Cabe à empresa, ainda, levar ao conhecimento da É importante observar que as empresas envolvidas autoridade competente a quais outros Estados Contra- podem também acionar as suas jurisdições nacionais. tantes o assunto possa respeitar, possibilitando assim Todavia, nesse caso, o prazo de 2 (dois) anos que as autoridades competentes dos demais Estados para que as autoridades competentes cheguem a um Contratantes sejam informadas do procedimento. acordo passa a contar a partir da data em que se Não sendo possível (ou não querendo) à auto- tiver tornada definitiva a decisão tomada, em última ridade competente solucionar o problema de forma instância, no âmbito dos recursos previstos pelo diunilateral satisfatoriamente, parecendo-lhe a reclama- reito interno de cada Estado Contratante. ção justificada, determina o art. 6(2) da convenção A Comissão Consultiva é composta por 1 (um) que o Estado Contratante deverá esforçar-se para presidente, 1 (um) ou 2 (dois) representantes de resolver o caso por acordo amigável com a autorida- cada uma das autoridades competentes, e um núde competente de qualquer outro Estado Contratante mero par de pessoas independentes, designadas de interessado, a fim de eliminar a dupla tributação. comum acordo ou mediante sorteio. Sob circunstânPodemos observar que, ao passo que a fase da cias previamente estabelecidas, cada autoridade comnotificação fica restrita ao âmbito nacional, a abertura petente pode recusar qualquer pessoa independente Article 7. BUSINESS PROFITS. 2. Subject to the provisions of paragraph 3, where an enterprise of a Contracting State carries on business in the other Contracting State through a permanent establishment situated therein, there shall in each Contracting State be attributed to that permanent establishment the profits which it might be expected to make if it were a distinct and separate enterprise engaged in the same or similar activities under the same or similar 15

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conditions and dealing wholly independently with the enterprise of which it is a permanent establishment. 16 Cf. ponto 8 do Revised Code of Conduct for the effective implementation of the Convention on the elimination of double taxation in connection with the adjustment of profits of associated enterprsies.

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Opinião indicada por sorteio. Para cada pessoa independente deverá ser indicado um suplente. Exige-se das pessoas independentes que sejam nacionais de um dos Estados Contratantes e que residam em um país signatário da presente Convenção. O Presidente é escolhido em conjunto pelos representantes e pessoas independentes, exigindo-se do indicado a qualificação necessária para o exercício das mais altas funções jurisdicionais no seu próprio país, ou que se trate de um jurisconsulto de reconhecida competência. Observa Plansky17 que, usualmente, a Comissão é composta por 5 (cinco) membros, sendo um presidente, um representante de cada autoridade competente e duas pessoas independentes. Nota-se que, dado o número sempre ímpar de integrantes, o voto das pessoas independentes terá sempre grande importância nas decisões. Prevê a convenção, ainda, que os membros da Comissão Consultiva devem guardar sigilo sobre todos os elementos de que tenham conhecimento no âmbito do procedimento. No tocante ao dever de cooperação das empresas e das autoridades competentes, enquanto, por um lado, consigna-se o direito de as empresas envolvidas fornecerem, à Comissão Consultiva, todas as informações, meios de prova ou documentos que sejam úteis para a tomada de decisão, por outro lado, exige-se que tanto as empresas quanto as autoridades competentes devem atender a todos os pedidos que lhes sejam feitos pela Comissão Consultiva visando a obtenção daquelas informações. Reserva-se, ainda, aos contribuintes, o direito a sustentações orais. Uma vez submetido o caso à apreciação da Comissão Consultiva, seus membros possuem o prazo de 6 (seis) meses para encerrar as investigações e emitir um parecer. Embora haja certa polêmica sobre o momento a partir do qual considera-se o caso definitivamente submetido à apreciação da comissão, para efeito de contagem do prazo de 6 (seis) meses, o Código de Con-

duta Revisado sugere que seja adotado o momento de confirmação pelo Presidente de que os membros da Comissão já estão de posse de todos os documentos e informações relevantes. A decisão será constituída por maioria simples dos seus membros. As despesas das empresas são de sua exclusiva responsabilidade. Já as despesas de processo da Comissão Consultiva serão repartidas equitativamente entre os Estados Contratantes. Dispõe a convenção que o parecer emitido pela Comissão Consultiva deve ser fundamentado no artigo 4º, que reproduz fielmente o princípio arm´s length previsto no art. 9(1) da Convenção Modelo da OCDE. Por fim, dentro do prazo de 6 (seis) meses a contar do recebimento do parecer da Comissão Consultiva, as autoridades competentes devem tomar uma decisão no sentido de eliminar a dupla tributação resultante do ajuste fiscal. Desde que o problema da dupla tributação seja resolvido, a decisão conjunta pode inclusive afastar-se da solução apontada pela Comissão Consultiva em seu parecer. Todavia, não havendo consenso entre as autoridades competentes, terão de aceitar o parecer emitido pela comissão.

PLANSKY, Patrick. The EU Arbitration Convention. In: LANG, Michael; PISTONE, Pasquale; SCHUCH, Josef; STARINGER, Claus. Introduction to Europe-

an Tax Law: Direct Taxation. Third edition. Viena: Spiramus, 2013. pp. 245.

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Conclusão Não há dúvidas de que a Convenção sobre Arbitragem representa um passo importante rumo à integração da União Europeia na esfera tributária, especialmente no que diz respeito à regulamentação das regras sobre preços de transferência. A convenção baseou-se principalmente no procedimento de acordo amigável previsto na Convenção Modelo da OCDE. Embora muitos acordos bilaterais prevejam mecanismos de acordo amigável, a Convenção sobre Arbitragem é a única ferramenta a ser utilizada, caso não haja qualquer consenso na fase do MAP. Para Voegele e Forster, “The EU Arbitration Convention is a positive development in favor of

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Opinião companies. It is clearly defined; its application is cost-effective and efficient” 18. No mesmo sentido, o Prof. Ilias Bantekas afirma que “No doubt, the EU Arbitration Convention is a cornerstone document in the context of the EU(...)” 19. Em interessante obra publicada recentemente sobre a temática dos preços de transferência, Jonathan Vita sustenta que “Essa convenção opera de maneira mais sofisticada e efetiva que o já citado mecanismo do procedimento amigável (mutual agreement procedures) mencionado no art. 25 do Modelo OCDE e, também, viabiliza ajustes recíprocos semelhantes aos do art. 9.2 deste Modelo, tendendo a eliminar a dupla tributação que resulta da aplicação de ajustes derivados dos preços de transferência em dois países” 20. Plansky destaca como ponto forte desse procedimento arbitral o fato de não se tratar mais de um mero “esforço” (endeavour) em busca da solução. Agora, uma vez ratificada a convenção, o Estado Contratante vê-se obrigado a eliminar a dupla tributação. Também merece destaque o fato de a Comissão Consultiva ser composta, majoritariamente, por especialistas no assunto, atribuindo peso importante ao voto das pessoas independentes. Todavia, o aspecto mais relevante da Convenção sobre Arbitragem, segundo Plansky, é a delimitação de prazos. Uma vez que todo o procedimento deve ser finalizado em até 3 (três) anos, o contribuinte certamente goza de maior grau de segurança jurídica na aplicação de normas jurídicas sobre as suas operações. Deve ser observado, também, que, uma vez que grande parte das transações comerciais internacionais entre partes relacionadas envolve mais do que dois países, a regulamentação de temas relativos a preços de transferência por meio de instrumentos jurídicos multilaterais parece mais adequada do que os usuais acordos bilaterais. Ainda nesse sentido, VOEGELE, Alexander; FORSTER, Florence. The Arbitration of Transfer Prices in Europe. The EU Arbitration Convention in Practice. Practical European Tax Strategies. Volume 8. Number 1. USA: World Trade Executive, 2006. 19 BANTEKAS, Ilias. The Mutual Agreement Procedure and Arbitration of Double Taxation Disputes. ACDI. Ano 1. Nº 1. Bogotá: 2008. pp. 203. 20 VITA, Jonathan Barros. Preços de Transferência. In: TORRES, Heleno. Doutrina Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. pp. 44. 18

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afirma o Prof. Antón que “(...) la existencia de um Convenio Multilateral para evitar la doble imposición internacional puede dar lugar a una mayor eficiencia en la resolución de conflictos interpretativos entre las autoridades fiscales o tribunales de distintos países”. Como ponto fraco, por outro lado, está a falta de uniformidade na interpretação das regras da convenção, uma vez que essa tarefa cabe às cortes nacionais, e não à Corte de Justiça da União Europeia. Além disso, devido a sua natureza de convenção, está sujeita à morosidade dos processos de ratificação. Embora no Brasil a utilização da arbitragem em direito tributário ainda possa parecer uma realidade distante, em virtude das alegadas violações a princípios de ordem pública, como e.g. ao princípio da indisponibilidade da receita pública, acreditamos que o debate, aqui, está apenas começando. Afinal, se o Estado pode o mais (i.e. isenção), por que não poderia o menos? Enquanto isso, alguns contribuintes brasileiros buscam driblar a dupla tributação decorrente de ajustes fiscais fundados em preços de transferência utilizando estratégias ousadas com credit notes. Mas este é assunto para um próximo artigo.

THYAGO PEREIRA TRAIRI Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da USP, aluno especial na Pós-graduação da Faculdade de Direito da USP, pós-graduando em Gestão Tributária (MBA) pela FIPECAFI, e certificado em Strategic Leadership, Intercultural Management, Business Negotiations and Conflict Resolution pelo Centro Universitario Di Organizzazione Aziendale – Fondazione CUOA, Itália. Advogado. REVISTA TRIBUTARISTAS


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