Editorial
CONSELHO EDITORIAL
expediente
É
com grande júbilo que apresentamos à comunidade acadêmica a segunda edição da Revista Tributaristas (RT). A escolha do ilustre jurista Ives Gandra da Silva Martins como entrevistado desse volume retrata a missão da RT de conciliar o tradicional e o moderno. Oriundo das carteiras do Largo São Francisco, Ives Gandra simboliza a tradição desta casa em formar personagens de destaque no cenário político e jurídico do Brasil. Com mais de 50 anos de advocacia e dezenas de livros publicados, sua incessante atividade intelectual impõe-lhe o constante enfrentamento dos problemas mais atuais de nosso tempo, vide sua ativa participação na AP 470. De outro turno, demonstrando a preocupação da RT em abordar questões contemporâneas, chegaram-nos dois artigos que tratam do princípio da vedação ao confisco, em perfeita sintonia com a afirmação do Professor Emérito do Mackenzie de que um dos temas mais relevantes hoje em matéria tributária são as limitações constitucionais ao poder de tributar. De igual modo, ainda, tanto o texto que aborda os impactos dos royalties e direitos de licença sobre a valoração aduaneira quanto aquele que trata da penhora de “direitos econômicos” para honrar as dívidas tributárias dos clubes de futebol brasileiros discorrem sobre assuntos indubitavelmente pertinentes ao tempo presente. Cientes de que o conhecimento contribui para a elevação do espírito, desejamos a todos uma prazerosa leitura.
CONSELHO DOCENTE Heleno Taveira Torres Paulo Ayres Barreto Regis Fernandes de Oliveira CONSELHO DISCENTE Aristóteles Moreira Filho Thyago Pereira Trairi
ARTICULISTAS DESTA EDIÇÃO Aristóteles Moreira Filho Arthur Felipe Silva Sian Felipe de Andrade Krausz Rafael Ephraim Dzik Roberto de Palma Barracco
ENTREVISTADORES DESTA EDIÇÃO Thyago Pereira Trairi Aristóteles Moreira Filho
DIAGRAMAÇÃO E PROJETO GRÁFICO Gabriel de Castro Hirabahasi
FALE CONOSCO revistatributaristas@gmail.com __________________________
Heleno Taveira Torres Professor Associado do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito do Largo São Francisco - USP
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A Revista Tributaristas é uma publicação independente de graduandos e pós-graduandos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. As opiniões expressas nos artigos são as de seus autores e não necessariamente as da Revista Tributarista nem das instituições em que atuam. É proibida a reprodução ou transmissão de textos desta publicação sem autorização prévia. REVISTA TRIBUTARISTAS
Índice
4 / Os royalties e os direitos de licença na valoração aduaneira
por Felipe de Andrade Krausz 6 / Penhora de “direitos econômicos”: a solução para a dívida tributária dos times brasileiros?
por Roberto de Palma Barracco 11 / O REI ESTÁ NU: A FALÊNCIA DO MODELO OCDE, O BEPS E O RETORNO À TERRITORIALIDADE
por Aristóteles Moreira Filho 29 / Multas x Confisco - Um Dilema a ser Resolvido
por Rafael Ephraim Dzik
32 / A OBSERVÂNCIA INDISSOCIÁVEL DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DO EFEITO CONFISCATÓRIO
por Arthur Felipe Silva Sian
REVISTA TRIBUTARISTAS
Entrevista com o dr. Ives Gandra, um dos maiores juristas do país, sobre a necessidade de uma reforma tributária (p. 18)
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Opinião
Os royalties e os direitos de licença na valoração aduaneira
A
por Felipe de Andrade Krausz
valoração aduaneira é processo de importância ímpar na determinação dos valores dos tributos incidentes na importação devidos pelo importador, pois é ela que determina a base de cálculo do imposto de importação em relação ao valor da mercadoria importada. A valoração aduaneira compreende os procedimentos relativos à declaração pelo importador do valor aduaneiro das mercadorias importadas e do seu respectivo controle pela Receita Federal do Brasil, uma vez que toda mercadoria submetida ao despacho de importação está sujeita ao controle do seu correspondente valor aduaneiro. Exatamente em reconhecimento ao impacto que a valoração aduaneira possui no fluxo do comércio internacional, e à importância que um sistema estruturado de modo a restringir o uso de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios pelas autoridades aduaneiras pelo mundo que o Acordo de Valoração Aduaneira (“AVA”) foi estabelecido. No Brasil, a Instrução Normativa SRF nº 327, de 9 de maio de 2003, e o Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009, o Regulamento Aduaneiro, são instrumentos legislativos que auxiliam na aplicação do AVA, promulgado em sua atual versão pelo Decreto n º 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Os dispositivos legais presentes no AVA possuem clara orientação para que as autoridades aduaneiras utilizem como fundamento para a valoração aduaneira de mercadorias, na medida do possível, o valor de transação das importações. O valor de transação das mercadorias importadas representa, portanto, o método de valoração aduaneira prioritário, que deve ser instituído baseado na aferição do preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias em uma venda e que resultará no valor aduaneiro destas importações. O método de valor de transação compreende certas limitações impostas pelos diversos requisitos do Artigo 1 do AVA quanto às restrições à cessão ou à utilização das mercadorias pelo importador, o condicionamento sem valor determinável da venda, beneficiamento do exportador e
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vinculação entre as partes envolvidas na transação. Estas limitações são relevantes pois o AVA, em seus Artigos 2 a 7, estabelece os métodos para determinação do valor aduaneiro quando não for possível a utilização do valor de transação ou quando este não puder ser determinado de acordo com as disposições do próprio Artigo 1. Em relação ao valor da transação, não obstante sua apuração como preço efetivamente pago ou a pagar, é necessário adicionar determinados valores dispostos no Artigo 8 do AVA. Estes valores compreendem certos elementos e prestações que devem ser incluídas no valor de transação compondo o valor aduaneiro declarado pelo importador. É neste contexto que os royalties e direitos de licença pagos pelo importador estão inseridos. O AVA estabelece que os royalties e os direitos de licença deverão ser acrescentados ao preço efetivamente pago ou a pagar pela mercadoria importada na determinação do seu valor aduaneiro, constante do processo de aferição do respectivo valor de transação quando estiverem relacionados à mercadoria objeto de valoração e que o comprador os deva pagar, direta ou indiretamente, como condição de venda dessa mercadoria, e de tal forma que tais valores já não estejam incluídos no preço efetivamente pago ou a pagar pelo importador. Esta disposição tem um impacto relevante para muitas empresas no Brasil, que atuam dentro de cadeias produtivas internacionais, e para diversas multinacionais que estão aqui instaladas, uma vez que o pagamento de royalties e direitos de licença é elemento comum na estruturação destas operações. Desta forma, como se pode interpretar os dispositivos presentes no AVA de forma a identificar os elementos que impõe a adição de royalties e direitos de licença ao valor aduaneiro? De modo a auxiliar a interpretação do AVA, os atos emanados do Comitê de Valoração Aduaneira e do Comitê Técnico de Valoração Aduaneira, incorporados ao ordenamento brasileiro através da Instrução Normativa SRF nº 318, de 4 de abril de 2003 são parcialmente esclarecedores. A análise atenta do REVISTA TRIBUTARISTAS
Opinião Artigo 8 do AVA e a leitura das opiniões consultivas possibilita identificar os elementos que caracterizam a necessidade de adição destes valores ao valor aduaneiro pelo importador (e que são pontos utilizados pela autoridade aduaneira para controle dos valores reportados pelo importador). Primeiramente, faz-se mister apreender como royalties e direitos de licença estão instituídos no AVA. Neste aspecto, as notas explicativas do AVA dispõem que os royalties e direitos de licença compreendem de modo não exclusivo os pagamentos relativos á patentes, marcas registradas e direitos de autor. Dessa forma, devido à ausência de definição específica pelo AVA, verifica-se um entendimento bastante extensivo sobre o conceito de royalties e direitos de licença pelas autoridades aduaneiras em relação aos pagamentos efetuados pelos importadores, em que pese a existência de outros instrumentos legais, como o TRIPS e de leis específicas nacionais. Entretanto, qualquer análise das adições ao valor de transação pressupõe que os valores pagos a titulo de royalties e os direitos de licença, assim considerados de modo compreensivo, não estejam incluídos a priori no preço efetivamente pago ou a pagar. A sua adição ao valor de transação pelo próprio importador anteriormente ao processo de valoração aduaneira no despacho de importação afasta sua inclusão pois implicaria em aumento injustificado do valor aduaneiro. Assim, as premissas elementares das adições previstas no Artigo 8 do AVA designam pagamentos compreendidos como royalties e os direitos de licença que não tenham sido voluntariamente adicionados ao valor aduaneiro declarado pelo importador.Configuradas as premissas elementares, a análise efetiva destas adições estrutura-se em duas condições concomitantes. Condiciona-se primeiramente a adição destes valores ao valor aduaneiro pela identificação de relacionamento ou nexo entre os royalties e os direitos de licença pagos e a mercadoria objeto de valoração aduaneira. Esta ligação ocorre no momento em que os pagamentos efetuados ou estruturados refletem associação ou conexão entre o importador e o exportador ou outro terceiro com influência na operação REVISTA TRIBUTARISTAS
ou quando intangíveis que possuem conexão com as importações estão inseridos nos bens importados. A segunda condição é a caracterização de que os pagamentos de royalties e os direitos de licença são condição de venda, ou seja, condicionam a venda das mercadorias ao seu pagamento. Resta acentuado o caráter empírico que a análise desta condição está reduzida, haja vista que a cada estrutura operacional corresponde um específico arranjo contratual e obrigacional que condiciona a venda e o pagamento de royalties e direitos de licença em determinada medida. Dessa forma, são as qualidades das operações que indicam a caracterização das condições aqui apresentadas. Os termos contratuais adquirem especial importância neste sentido, uma vez que a estrutura jurídica pode claramente apontar para o nexo relacional entre os royalties e direitos de licença e as importações, como nas vendas entre empresas do mesmo grupo econômico ou com claro controle econômico, operacional e contábil das transações. As disposições sobre como os royalties e direitos de licença devem ser calculados e pagos em relação às quantidades importadas, produzidas com os insumos importados e vendidas pelo importador, expressam uma evidente condição de venda em relação a tais importações. Assim, como fica evidente, tais condições são particularmente complexas pois incorporam termos cuja definição obscura impede a precisa delimitação da aplicação ou não das adições previstas no Artigo 8 do AVA. Resta aos importadores, principais interessados na correta condução da valoração aduaneira, orientarem suas estruturas para inclusão voluntária dos royalties e direitos de licença ao valor aduaneiro declarado no processo de desembaraço de importação ou organizarem suas operações de modo a descaracterizar as condições de aplicação destas adições na valoração aduaneira.
Felipe de Andrade Krausz Advogado especialista em comércio internacional e Direito Aduaneiro, graduado pela Universidade de São Paulo e mestrando em Comércio Internacional na Universidade de São Paulo
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Opinião
Penhora de “direitos econômicos”: a solução para a dívida tributária dos times brasileiros? por Roberto de Palma Barracco
Resumo: As agremiações desportivas responsáveis pelo desporto profissional no Brasil se encontram em um cenário de endividamento tributário sem parâmetros pela escalada desenfreada dos valores necessários para que se mantenha uma equipe competitiva. Com isso, a Procuradoria da Fazenda Nacional procura novas soluções para a crise de inadimplência dos clubes brasileiros, em especial os de futebol, sendo a penhora dos “direitos econômicos” a via atualmente escolhida, com a anuência do Poder Judiciário. Busca-se por meio do presente artigo apresentar tal questão, deixando como reflexão se essa solução é compatível com o problema crônico de saúde financeira dos clubes brasileiros1. Palavras chave: “direitos econômicos”, penhora, Procuradoria da Fazenda Nacional, endividamento tributário. Sport Business: da dívida tributária ao fun- entre os quais ressalta-se a importância do “Caso ding desportivo Bosman” ou “Acórdão Bosman” que resultou no atual sistema de transferência, e de regime contratual, de O desporto em tempos atuais deixou de ser apenas atletas de futebol em todo o mundo, que se vê um hobby, passando a ser negócio, e um dos mais lucra- boom, para alguns até mesmo uma bolha, nos valores tivos2. Não apenas o futebol, mas todo esporte, seja com os quais clubes de futebol se deparam cotidianaaquele praticado por profissionais, ou, mesmo, aquele mente. Como exemplo, em 2013, Gareth Bale, então resultante da relação cliente e academia, visa o lucro, jogador do clube inglês Totteham Hotspur Football Club e, assim, necessita de capital. da Inglaterra, se transferiu, ou foi vendido, para o cluTal lógica, presente no dia a dia dos clubes de be espanhol Real Madrid Club de Fútbol por cerca de futebol ao redor do mundo, leva a um aparente pa- 100 milhões de euros. Sendo que, um ano antes, o radoxo, pois ao mesmo tempo em que é necessária campeonato brasileiro já registrava resultado, recorde, a convivência de equipes que rivalizam entre si, seja de mais de 105 milhões de euros apenas em transpor jogadores, torcedores, lucro, tal competição se ferências de atletas entre clubes da primeira divisão torna cada vez mais complexa e global3, dificultando, nacional, mesmo com gastos próximo aos 110 milhões até mesmo, a possibilidade de se entrever com quem de euros na dita “compra” de jogadores por clubes da se compete e a que nível se dá a concorrência pelo primeira divisão brasileira5. chamado “mercado da bola”4. O montante necessário para competir em alto nível, É nesse cenário, influenciado por diversos fatores, não apenas entre os copartícipes de nosso campeonato Para o presente artigo, toma-se por base Barracco, Roberto de Palma. O atleta após o fim de seu “passe”: da proteção ao clube formador aos “direitos econômicos”. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na Faculdade de Direito da Universidade São Paulo, com orientação do professor Antonio Rodrigues de Freitas Júnior. 2 Gurgel, Anderson. Futebol S/A: a economia em campo. São Paulo: Saraiva, 2.006. 1
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Soriano, Ferran. A bola não entra por acaso: estratégias inovadoras de gestão inspirada no mundo do futebol. São Paulo: Editora Lafonte, 2010. 4 Amado, João Leal. Vinculação versus Liberdade, o processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo. Coimbra: Coimbra Editora, 2.002. 5 Para maiores informações, http://www.transfermarkt.com/. Último acesso em 07 de novembro de 2013 3
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Opinião
Endividamento Total em R$ milhões RK 2012
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23
Clubes
UF
Flamengo Botafogo Fluminense Atlético-MG Vasco da Gama Palmeiras Internacional São Paulo Santos Grêmio Corinthians Cruzeiro Ponte Preta Portuguesa Coritiba Goiás Náutico Bahia Avaí Figueirense Vitória Criciúma Atlético-PR
RJ RJ RJ MG RJ SP RS SP SP RS SP MG SP SP PR GO PE BA SC SC BA SC PR
Endividamento total em 2012
741,7 613,8 434,9 414,5 410,0 287,2 214,0 199,7 194,4 187,2 177,1 143,0 138,0 135,4 122,8 80,9 66,2 61,2 40,2 35,6 15,6 10,4 -
Endividamento total em 2011
355,5 563,9 404,8 367,6 395,6 245,3 197,4 158,5 207,7 198,9 178,5 120,3 105,0 138,3 111,0 79,9 63,7 58,4 35,2 27,0 10,4 6,7 4,1
Variação 2011-12
109% 9% 7% 13% 4% 17% 8% 26% -6% -6% -1% 19% 31% -2% 11% 1% 4% 5% 14% 32% 49% 55%
nacional, mas, também, com clubes “de fora”, não advém somente do futebol, como é provido, da mesma maneira, por investidores, interessados no negócio lucrativo que é o desporto profissional em nosso país – mesmo que lucrativo apenas para poucos. Desde antes da “Lei Pelé”, as equipes brasileiras já se endividavam para montar equipes competitivas. Contudo, a escalada nos valores necessários para se manter uma boa equipe a nível nacional se tornou patente logo após sua promulgação, e o contexto
gerado pela posterior modificação em seu texto legal pela alcunhada “Lei Maguito”, verdadeira “carta de despejo” dos parceiros investidores de clubes brasileiros como a Palmeiras-Parmalat e Corinthians-HMTF, levou a um aumento exponencial da dívida tributária das equipes brasileiras, que se viam entre a escolha de pagar seus atletas e contratar jogadores para manter seus torcedores contentes, ou honrar suas dívidas com o Governo. Tal caos financeiro levou, em 2011, à situação descrita acima6.
Tabela preparada pela BDO RCS, filial brasileira da empresa de consultoria e auditoria BDO. Disponível em: http://globoesporte.globo.com/platb/olharcronicoesportivo/2013/06/24/o-endividamento-dos-principais-clubes-brasileiros/,
último acesso em 10 de setembro de 2.013. E http://www.estadao.com.br/ noticias/esportes,dividas-dos-principais-clubes-brasileiros-chegam-a-r-47-bilhoes,1037299,0.htm, último acesso em 10 de setembro de 2013.
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Opinião Assim, mesmo com a receita recorde em nosso cam- reitos econômicos” e “direitos federativos” referenpeonato nacional, tem-se o seguinte cenário, pandêmico, tes a um atleta. Tal questão se deu, pois ambos da saúde financeira das equipes brasileiras em 20117: surgiram dos usos e costumes do desporto, não só nacional, como mundial. Assim, para que se avance Clubes
Corinthians São Paulo Internacional Santos Flamengo Palmeiras Grêmio Vasco da Gama Cruzeiro Atlético-MG
Receita8
290 226 198 189 185 148 143 137 129 100
milhões milhões milhões milhões milhões milhões milhões milhões milhões milhões
Dívida9
178 158 197 208 355 245 199 387 120 368
Custos com o futebol10
milhões milhões milhões milhões milhões milhões milhões milhões milhões milhões
197 168 171 161 117 124 106 83 93 101
milhões milhões milhões milhões milhões milhões milhões milhões milhões milhões
Déficit de gestão11
(+) 0 (-) (+) (-) (-) (-) (+) (-) (-)
5 25 7 12 23 21 3 13 36
Para tentar equilibrar a balança financeira, ou ao menos “fechar o caixa” ao final do ano, os clubes brasileiros se viram à procura de mecanismos de “funding desportivo”, seja por meio de empréstimos bancários com juros elevadíssimos, seja por meio de mecanismos mais inventivos como as chamadas “cestas de jogadores”. Entretanto, a maneira, por excelência, encontrada para manter o futebol brasileiro em nível, ao menos, adequado, foi a negociação dos chamados “direitos econômicos” derivados da transferência, futura e incerta, de atletas entre agremiações desportivas, um investimento de elevado risco que levou alguns a uma verdadeira “mina de ouro”.
no tema, deve-se distingui-los. No caso de atletas profissionais, os “direitos federativos” se aproximam do conceito de vinculo desportivo, sendo de natureza acessória ao vínculo trabalhista, pertencendo, única e exclusivamente, ao clube-empregador, sendo indivisíveis, contudo transmissíveis, desde que com a anuência do atleta. Enquanto “direitos econômicos” representam um valor, prima facie especulativo, referente a transferência onerosa de um atleta de seu atual empregador para outra agremiação desportiva. Assim, pode-se afirmar que, para sua existência, é pressuposto que haja “direitos federativos”, embora sua quantificação, e repasse, nada tenham a ver com esse conceito. Aliás, a valoração dos “direitos econômicos” não “Direitos Federativos” e “Direitos Econômicos” está sequer atrelada ao valor da cláusula indenizatória desportiva, sendo, assim, realizada de maneiDe início, houve confusão entre o conceito de “di- ra puramente subjetiva. Tais direitos são, inicialmente,
Tabela formada com base no estudo sobre a evolução das finanças dos clubes brasileiros de 2.003 a 2.012, realizado por Amir Somoggi. Disponível em: http://www.ibdd.com.br/arquivos/Amir%20Somoggi.%20Janeiro%20-%20 2013.pdf, último acesso em 10 de setembro de 2.013. 8 Valor em reais. 7
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Valor em reais. Valor em reais. 11 Valor em reais. Apenas Vasco da Gama, Santos, Corinthians e São Paulo não apresentaram déficit na gestão operacional de 2.011. 9
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Opinião pertencentes ao clube-empregador do atleta, podendo ser cedidos, geralmente de maneira onerosa, a terceiros-investidores, portanto são divisíveis e transmissíveis via instrumento particular que costuma ser intitulado de “contrato de cessão de direitos econômicos”, válido entre as partes signatárias. Vale ressaltar que, embora exista e seja válido, tal cessão de “direitos econômicos” se torna eficaz apenas com a transferência, onerosa, do atleta de sua agremiação desportiva de origem para outra. Dessa forma, caso esta não se concretize, não haverá valor a ser repassado, perdendo sua utilidade ao fim do contrato de trabalho do atleta com sua equipe. A cessão dos “direitos econômicos” realizada via instrumento particular é ferramenta financeira utilizada por clubes para que se consiga captar recursos que de outra maneira não conseguiriam, e, com isso, atualmente, são de grande valia para que os clubes brasileiros tenham capital de giro suficiente para manter uma equipe competitiva e honrar o salário de seus atletas.
Penhor de “Direitos Econômicos” pela Fazenda Nacional
feri-lo onerosamente para uma equipe do exterior, lucrando, por sua parte, cerca de R$ 17 milhões. Dessa forma, a Procuradoria da Fazenda Nacional conseguiu a penhora da parte que cabia ao Botafogo relativa aos “direitos econômicos”, assim o clube resolveu não transferir o atleta. Vale ressaltar que o mesmo já havia ocorrido em dois outros casos com a mesma equipe, nas vendas de Andrezinho e Fellype Gabriel, nos quais o Botafogo se viu sem ambos os atletas, e sem o dinheiro referente à cessão destes. “Caso Wellington Nem”13: o, então, atleta do Fluminense Football Club negociava sua transferência para o clube ucraniano Shakhtar Donetsk, cabendo ao clube das Laranjeiras o valor de R$15 milhões por sua negociação, referentes aos 60% dos “direitos econômicos” detidos pelo clube carioca. Contudo, a Procuradoria da Fazenda Nacional requereu a penhora do valor que viria a ser recebido para abatimento de dívida de R$31 milhões. “Caso Bernard”14: jogador que costuma ser lembrado nas convocações da seleção canarinho foi negociado pelo Atlético Mineiro com o clube ucraniano Shakhtar Donetsk por mais de R$ 75 milhões, recebendo cerca de R$ 33 milhões referentes aos “direitos econômicos” do atleta detidos pelo clube mineiro. Contudo, para saldar parte da dívida tributária de mais de R$ 200 milhões, a Procuradoria da Fazenda conseguiu a penhora do valor, sendo, posteriormente, liberado por acordo com a agremiação desportiva devedora.
Como visto acima, a dívida tributária das equipes brasileiras beira o “caos financeiro”, sendo, inclusive, tida como “impagável” como visto em diversas reportagens veiculadas pela mídia brasileira. Dessa maneira, a Procuradoria da Fazenda Nacional passou, em tempos recentes, a requerer a penhora de “direitos econômicos de diversas equipes, como visto nos exemplos deste ano a seguir. “Caso Dória”12: o Botafogo de Futebol e Regatas detinha 40% dos “direitos econômicos” de seu Conclusão zagueiro, e jovem promissor, Dória. Em seu planejamento financeiro deste ano, intencionava trans- Com a evolução do sport business em contraponto ao Para tanto, tomou-se por base a seguinte notícia: http://esporte.uol.com. br/futebol/ultimas-noticias/2013/07/17/fazenda-avisa-botafogo-de-penhora-dos-direitos-economicos-de-doria.htm, último acesso em 10 de setembro de 2.013. 13 A seguir, toma-se por base a seguinte notícia: http://www.nopoder.com. br/noticias/Justica-penhora-direitos-de-Wellington-Nem-e-tenta-impedir-ven12
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da-do-Flu,13352,7.html, último acesso em 10 de setembro de 2.013. Toma-se como referência a seguinte notícia, http://esportes.terra.com.br/ atletico-mg/dinheiro-da-venda-de-bernard-e-liberado-e-atletico-mg-recebe-r-44-milhoes,b4af27e9cedb1410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html, último acesso em 07 de novembro de 2.013. Processo nº 005850375.2012.4.01.3800, 25ª Vara Federal/TRF-1. 14
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Opinião tradicional desporto como lazer, a “ciranda financeira” Referências Bibliográficas na qual os clubes de futebol brasileiro se vêem passa Amado, João Leal. Vinculação versus Liberdade, o processo de consa influenciar o jogo fora, também, das quatro linhas. O tituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo. Coimbra: endividamento tributário das equipes brasileiras aumen- Coimbra Editora, 2002. ta a cada ano, demonstrando um cenário no qual se Barracco, Roberto de Palma. O atleta após o fim de seu “passe”: põe em dúvida a capacidade de honrá-las, e, assim, da proteção ao clube formador aos “direitos econômicos”. Trabalho de a Procuradoria da Fazenda Nacional busca resolver a Conclusão de Curso apresentado na Faculdade de Direito da Univeratual situação de inadimplência dos clubes brasileiros sidade São Paulo, com orientação do professor Antonio Rodrigues de Freitas Júnior. via penhora dos “direitos econômicos” de atletas ligaBerry & Wong, Law and business of the sports industries, vol. I, Prodos a essas agremiações desportivas. fessional Sports League, Auburn House, Dover, Massachusetts, 1986. Já é evidente que o Poder Judiciário considera tais ativos como penhoráveis, e vê com “bons olhos” essa Cavalcante, R. William. Direitos federativos, cláusula penal e direitos econômicos. In Machado, Rubens Approbato; Lanfredi, Luis Geraldo iniciativa, mas até que ponto essa solução encontrada Sant’ana; Toledo, Otávio Augusto de Almeida; Sagres, Ronaldo Crespelo Governo não é apenas uma tentativa de “tapar o pilho; Nascimento, Wagner (coordenação). Curso de Direito Desportivo sol com a peneira”? Afinal, se a saúde financeira das Sistêmico – Volume II. São Paulo: Quartier Latin, 2010. equipes brasileiras não é adequada, de que adianta Gurgel, Anderson. Futebol S/A: a economia em campo. São Paulo: tirar desses mesmos clubes a sua principal fonte de Saraiva, 2006. recursos? Tais perguntas apenas o tempo poderá res- Levy, Salomon. Patrimonialidade do atleta de futebol. In Machado, Rubens Approbato; Lanfredi, Luis Geraldo Sant’ana; Toledo, Otávio ponder.
Roberto de Palma Barracco
Augusto de Almeida; Sagres, Ronaldo Crespilho; Nascimento, Wagner (coordenação). Curso de Direito Desportivo Sistêmico – Volume II. São Paulo: Quartier Latin, 2010. Masteralexis, Lisa P. Professional Sport. In Masteralexis, Lisa P.; Barr, Carol A.; Hums, Mary A. Principles and practice of Sport management – 4ª Edição. Sudbury: Jones & Bartlett Learning, 2012 Melo Filho, Álvaro. Nova lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011 Neto, Bichara Abidão; Motta, Marcos Vinicius. A participação de terceiros nos direitos de jogadores. In Machado, Rubens Approbato; Lanfredi, Luis Geraldo Sant’ana; Toledo, Otávio Augusto de Almeida; Sagres, Ronaldo Crespilho; Nascimento, Wagner (coordenação). Curso de Direito Desportivo Sistêmico – Volume II. São Paulo: Quartier Latin, 2010. Sendrovich, Beny. Direitos federativos e direitos econômicos. In Machado, Rubens Approbato; Lanfredi, Luis Geraldo Sant’ana; Toledo, Otávio Augusto de Almeida; Sagres, Ronaldo Crespilho; Nascimento, Wagner (coordenação). Curso de Direito Desportivo Sistêmico – Volume II. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
Graduando em direito pela FDUSP – Faculdade de Direito da Universidade São Paulo, membro do NETI/ USP, Núcleo de Estudos de Tribunais Internacionais, subgrupo Tribunais Administrativos e Desportivos, junto à Faculdade de Direito da Universidade São Paulo.
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Soares, Antonio Jorge Gonçalves; Vaz, Alexandre Fernandez. Esporte, globalização e negócios: o Brasil dos dias de hoje. In Del Piore, Mary; de Melo, Victor Andrade (organizadores). História do esporte no Brasil: do Império aos dias atuais. São Paulo: Editora UNESP, 2009. Soriano, Ferran. A bola não entra por acaso: estratégias inovadoras de gestão inspirada no mundo do futebol. São Paulo: Editora Lafonte, 2010.
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Opinião
O Rei está nu: a falência do modelo OCDE, o BEPS e o retorno à territorialidade por Aristóteles Moreira Filho A crise do paradigma do direito interna- ção do alcance da competência de um e outro ente cional tributário baseado no consenso tributante nessas circunstâncias. Não é segredo para ninguém que esse consenso Quando se fala de tributação internacional, o foco do moldado no âmbito internacional se firmou a partir da analista, seja na prática da advocacia ou consultoria tri- iniciativa dos Estados exportadores de capital, sobrebutária, seja na abordagem acadêmica, se centra tradi- tudo os Estados europeus e os Estados Unidos, que cional e reiteradamente nos acordos internacionais contra almejavam proteger o seu investimento no exterior e, a dupla tributação. ao mesmo tempo, assegurar sob seu poder tributário Alçados à categoria de consenso internacional, negócios desenvolvidos no exterior, estendendo assim, senão propriamente um clichê da prática tributária com a bênção do Direito, a sua base de taxação para internacional, os acordos contra a dupla tributação além de suas fronteiras. efetivamente pautaram a atuação dos Estados naEsse modelo chega, contudo, quase um século cionais no âmbito internacional, no que se refere após as primeiras iniciativas da Liga das Nações, à imposição fiscal de investimentos transfronteiriços, e após os recém completados cinquenta anos de durante todo o século XX. existência do Modelo OCDE de Convenção, a uma Tendo como grande paradigma o Modelo OCDE de crise sem precedentes. acordo para evitar a dupla tributação, o direito tribuComo a criatura bem sucedida, eis que o consenso tário internacional se dispôs a constituir um conjunto internacional encartado na convenção modelo se volta de regras incorporadas pelos diversos países por meio contra os seus criadores. das quais uma economia global, dotada de relevantes Algumas constatações são simbólicas e explicam o fluxos de capitais entre os países, contasse com bases atual estado de coisas. seguras, claras e previsíveis para evitar ou eliminar a O anseio por um marco normativo objetivo, seguro dupla ou pluritributação, com todos os seus potenciais e previsível resultou na construção das convenções de distorção econômica. como conjunto de regras simples e binárias, calcadas E era supostamente esse o objetivo da Liga das no código fonte/residência: cada classe de rendimenNações quando, a partir de estudos realizados na to é atribuída (i) à fonte, ou (ii) à residência ou década de 1920, firmou as bases para dividir o (iii) a ambos. Como regras do jogo da tributação mundo em dois grupos: os países da fonte e os internacional, elas foram oferecidas ao aprendizado países de residência do capital. Esse paradigma, do mercado que, ao longo do tempo, construiu um que, por meio da difusão dos acordos firmados know-how capaz de extrair das regras convencionais, mundialmente, predominou desde então nas políti- em níveis antes inimaginados, os efeitos mais favorácas dos diversos países, parte da premissa de que veis ao investidor, em prejuízo dos Estados signatáo capital que é oriundo de um determinado país rios das convenções. Escorados nas convenções, os (exportador de capital) e é investido em um outro investidores passaram a utilizá-las como instrumentos país (importador de capital) deve sofrer tributação na alocação segura de recursos fora do alcance dos em apenas um deles, cabendo às regras a defini- níveis normais de tributação. Em consequência disso, REVISTA TRIBUTARISTAS
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Opinião as convenções, que foram idealizadas para evitar a dupla tributação, tornaram-se ferramentas para assegurar a dupla não-tributação ou a tributação em bases inferiores à única tributação normal, que fora originariamente o objetivo das convenções. O mundo também mudou muito desde os albores do consenso internacional, e especialmente a partir do fim do século XX e início do século XXI. Se antes havia uma polarização entre Estados desenvolvidos, exportadores de capital, e Estados não desenvolvidos, importadores de capital, hoje não há mais. No mundo globalizado atual, ser ao mesmo tempo exportador e importador de capital é a regra, de modo que os países tendem a desenvolver vocações em determinados setores, por meio dos quais se lançam no exterior como exportadores de capital, via investimentos direcionados a outros países, ao passo que nos demais segmentos da economia convivem nos seus mercados, como importadores de capital, com a entrada de players de outras nações, de onde estes investimentos então se originam. Por outro lado, a agressividade dos atores privados na utilização das convenções, visando instrumentalizar sua rentabilidade vis-à-vis o alcance da pretensão fiscal dos Estados signatários, levou a uma reconstrução do embate: se antes se tratava do Estado da residência contra o Estado da fonte, hoje o capital se tornou uma espécie de inimigo comum. Os grandes atores privados se tornaram uma ameaça não apenas para os países em desenvolvimento, onde tradicionalmente se impuseram sob as mais variadas e controversas formas, mas também nos seus países de origem, onde, sob as regras das convenções, e mesmo sujeitos a rigorosa fiscalização e a sofisticadas exigências de compliance, tampouco recolhem seus tributos em bases normais. De fato, hoje a realidade da economia global é pautada por grandes grupos multinacionais (Multi-national Enterprises – MNE) que se estruturam em operações segmentadas e distribuídas estrategicamente ao redor do mundo. Essas estruturas de cadeia de suprimentos
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(supply chain restructuring), em que as transações se dão sobretudo entre empresas ligadas, viabilizam a alocação das etapas de cadeia de valor nas jurisdições que oportunizam a menor ou nenhuma tributação. O crescente protagonismo da economia de serviços e da base tecnológica da atividade econômica também conduz a uma intangibilidade que veio ainda potencializar a utilização de estruturas de negócio alocadas remotamente. As possibilidades ofertadas pelas tecnologias de comunicação permitem que atividades sejam desenvolvidas virtualmente em qualquer lugar do mundo, gerando valor também em qualquer lugar do mundo. A predominância de ativos intangíveis e a complexidade de sua formação vai na mesma linha de deslocalização contábil e física das estruturas negociais, permitindo, via operações como compartilhamentos globais de custos e despesas para esforços de pesquisa e desenvolvimento, a alocação dos ativos mais valiosos e, consequentemente, a maior proporção da rentabilidade, em jurisdições com pouca ou nenhuma tributação. Esses desenvolvimentos tecnológicos culminam com a disseminação dos negócios propriamente digitais, desenvolvidos na rede mundial de computadores ou através dela. A chamada economia digital proporcionou o surgimento de negócios baseados exclusivamente em intangíveis, a exemplo de produtos na forma de dados e arquivos digitais, serviços prestados a partir da compilação de dados pessoais, captura de padrões de informação e processamento de externalidades geradas pelo uso da rede e de produtos gratuitos (big data); todos cuja alocação espacial, vis-à-vis as jurisdições fiscais, pode ser determinada arbitrariamente pelo investidor sem maiores dificuldades, seguindo suas conveniências. Ao final, tem-se um quadro em que há um substancial descolamento entre a alocação contábil e jurídica dos ativos e negócios e o local em que a atividade econômica efetivamente é explorada, gerando receita e mais-valia. É neste cenário, de muitas possibilidades e poucos limites, que as múltiplas e sofisticadas estratégias de planejamento se disseminaram, minando a estrutura das convenções como proposta de estrutura normativa para reger o exercício REVISTA TRIBUTARISTAS
Opinião efetivo do poder tributário no plano internacional. O mercado desenvolveu uma vasta base de conhecimento quanto às possibilidades de identificação e fruição de oportunidades oferecidas pelo sistema de acordos e convenções, gerando uma cultura de arbitragem cada vez mais agressiva e, o que é pior, mais segura, porque baseada nas próprias normas subscritas pelos diversos países. A incapacidade do sistema atual de convenções para fazer frente a estes desafios levou a OCDE finalmente a capitular. Por meio da iniciativa BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) veio, neste ano de 20131 reconhecer afinal a necessidade de uma transição paradigmática no direito internacional tributário, que já não consegue atingir os seus objetivos resvalando apenas nos acordos bilaterais baseados no modelo convencional que até hoje é consensualmente admitido. Além da própria revisão da convenção modelo, o plano de ação BEPS inclui uma série de diretrizes, dentre as quais a adaptação das regras para a realidade da economia digital, a limitação da erosão da base fiscal via dedutibilidade do pagamento de rendas passivas (juros e royalties), o fortalecimento de regras para conter o uso abusivo das convenções e das regras de CFC, o reforço dos conceitos de estabelecimento permanente e das regras de preços de transferência, intensificação da transparência entre os contribuintes e entre as administrações fiscais. O plano fecha com uma chamada para o desenvolvimento de uma base multilateral para o controle e normatização da tributação internacional, a partir da qual as propostas idealizadas pelo BEPS seriam inseridas nos diversos acordos internacionais já celebrados pelos Estados. Permeando todas essas ações específicas está o mote principal da iniciativa da OCDE: a constatação de que é necessário aproximar as atribuições de jurisdição fiscal, ou seja, a definição dos países que, segundo as regras, sejam intitulados a tributar, com os locais onde a atividade econômica é efetivamente desenvolvida. Essa função as normas convencionais simplesmente já não conseguem mais cumprir. 1
Considerando toda a complexidade que as ações do BEPS implicam, sobretudo num cenário de múltiplas soberanias, com interesses distintos e respectivas instâncias de decisão, fica evidente que se requer muito otimismo para que se vislumbre o êxito de sua proposta, em qualquer horizonte de tempo. O resultado é que, neste ínterim, os diversos países estão empenhados em implementar medidas unilaterais que, ante os vácuos deixados pelas convenções, ameaçam o alcance do seu poder tributário no plano internacional. E essa tendência também se aproveita de outra característica do estado de coisas atual da economia global: os países antes periféricos hoje contêm mercados relevantes para o investidor externo, que, quando exerce sua atividade econômica neste espaço geográfico, fica submetido à jurisdição deste Estado, e à tributação que venha a exigir. Numa economia global em que o acesso a mercados vale ouro, os formadores de política dos diversos Estados passaram a se dar conta de que podem impor suas estruturas fiscais, sempre de acordo com os seus interesses, àqueles investidores que pretenderem fazer negócios dentro do seu território. É óbvio que aqui o consenso internacional fica em segundo plano e os Estados impõem as estruturas, técnicas e nível de carga fiscal que lhe convêm. As próprias legislações internas dos Estados evoluíram para empreender uma tributação internacional que, dentro desse contexto, atenda aos interesses nacionais e paralelamente seja suportável pelo investidor estrangeiro que transaciona no país e pelo investidor doméstico que faz negócios no exterior. Na falta de um consenso eficaz no que se propõe, os Estados agem defendendo a sua base de taxação, o que vem a ser empreendido seja na interpretação agressiva dos acordos em vigor, seja na implementação de instrumentos unilaterais que não adotam os critérios típicos das convenções modelo para o exercício da competência impositiva, o que muitas vezes implica a
OECD (2013), Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting, OECD Publishing.
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Opinião própria violação dos acordos celebrados. Isso quando os Estados simplesmente não se recusam, ou relutam, em celebrar novas convenções contra a dupla tributação, ante a perspectiva de que as bases ali oferecidas não atendem aos interesses nacionais. Há, portanto, pelo menos para os Estados, vida na tributação internacional além dos acordos e convenções. O Brasil é exemplo disso, residindo um exemplo no fato de que tem os Estados Unidos como um dos maiores investidores no país, sem nunca haver celebrado acordo contra a dupla tributação. Na mesma esteira, a legislação de preços de transferência brasileira sempre foi criticada pelos organismos internacionais por não adotar as bases firmadas nas convenções e adotadas pela vasta maioria dos países. Nada obstante, o país segue com a sua política de preços de transferência, que, caracterizada pela sua objetividade, acabou de ser reformulada mas mantém semelhante perfil. Por outro lado, os regimes internacionais de preços de transferência voltam agora a ser fervorosamente criticados, tanto pela ineficiência em conter a alocação artificial dos rendimentos, quanto pelos altos custos de compliance. Grandes mercados como a Índia e a China não estão satisfeitos com o conceito de estabelecimento permanente das convenções modelo, visto mais como um mecanismo destinado a obstruir o exercício do seu poder tributário sobre empresas que fazem negócios regularmente em seus territórios. Por isso relutam em celebrar novos acordos nessas mesmas bases. Por fim, os países da OCDE que pautaram o consenso internacional estão sofrendo eles próprios erosão da sua base de taxação, na medida em que, usando a estrutura de acordos em vigor, os investidores nele baseados tampouco lá recolhem tributos em bases regulares. Simbólico é o caso da Apple Inc., que, segundo relatório do Subcomitê de Investigação do Senado americano2, através de uma estrutura de alocação de propriedade intelectual na Irlanda via contrato de comparti2
lhamento de custos, evitou o recolhimento de 44 bilhões de dólares ao erário americano nos últimos quatro anos. Em virtualmente todas as perspectivas de análise, o paradigma de regulação da tributação internacional a partir dos acordos internacionais, pautado na objetividade das classes de rendimento e no código fonte/ residência não serve mais aos seus propósitos, e passa a sofrer uma desconstrução, patrocinada tanto a partir de suas próprias origens como pelos novos atores relevantes no cenário da economia mundial e da tributação internacional. E aí surge a questão sobre o que resta da dogmática fiscal internacional sem as balizas dos acordos e suas cláusulas distributivas de potestade impositiva.
O direito tributário internacional fora do binômio fonte/residência: formulary apportionment vs. retorno aos princípios Constatado que o sistema baseado no binômio fonte/ residência não mais atende às necessidades da comunidade internacional, especula-se o que poderia vir em seu lugar. Um caminho é proposto é a adoção de um método de formulary apportionment, pelo qual as transações realizadas por MNEs globalmente são atribuídas à tributação em cada país conforme um determinado critério, a exemplo do volume de ativos, número de empregados ou da receita auferida. A premissa que motiva a adoção dessa metodologia é a de que os paradigmas contábeis e jurídicos vigentes contribuem para as distorções na tributação na medida em que garantem a existência como entidades autônomas de operações que têm uma constituição meramente formal e que colaboram para a alocação artificial de ativos e rendimentos em jurisdições com pouca ou nenhuma tributação. E, por outro lado, os regimes de preços de transferência e normas anti-abuso não seriam suficientes para conter as estruturas
http://www.hsgac.senate.gov/subcommittees/investigations/hearings/offshore-profit-shifting-and-the-us-tax-code_-part-2. Consultado em 20/11/2013.
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Opinião distorsivas, além de implicarem elevados custos de compliance e de litigância. O formulary apportionment permitiria a visualização do chamado big picture, em que as MNEs seriam consideradas em suas operações globais cada uma como uma entidade única, que na prática são, efetuando uma alocação dos rendimentos para efeitos fiscais segundo critérios que denotem efetivo desenvolvimento de atividade econômica, assim atando lucro, risco e tributação num mesmo local. Alguns nomes relevantes do direito internacional tributário têm advogado em prol da adoção do formulary apportionment, dentre os quais os professores Reuven S. Avi-Yonah3 e Lee Sheppard4. Apontando para um futuro de possível aplicação dessa metodologia, a União Européia vem discutindo a adoção de uma frórmula para alocação fiscal de rendimentos, sob o programa Common Consolidated Corporate Tax Base (CCCTB). Segundo a fórmula proposta, seriam determinantes na alocação espacial da renda os fatores correspondentes a capital, trabalho e vendas, em igual proporção. Constituído em 2004, o grupo de trabalho chegou em 2011 a uma proposta de diretiva visando inserir o regime CCCTB entre os países da UE, o que já desperta a atenção do mercado quanto à implementação deste regime num futuro não muito distante. O uso do formulary apportionment já conta com uma vasta experiência no Canadá e entre os Estados americanos. Inicialmente instituído apenas pelo Estado da Califórnia, o regime com o tempo se expandiu e hoje é utilizado em diversos Estadosmembros, com êxito. O sistema traz vantagens evidentes ao extinguir os regimes de preços de transferência e seus elevados custos de compliance, como também faz ruir a utilização de estruturas meramente formais para a alocação artificial de ativos e renda. Não deixa de ter seus problemas, contudo, sobretudo quanto à necessidade
de harmonização de critérios entre os países, tanto para a aplicação da própria fórmula, quanto para a apuração do lucro tributável, sob pena de não evitar a incidência da dupla tributação, ou mesmo a tributação inferior à regular. O uso de fórmulas nada mais é do que uma proposta para implementar uma tributação internacional mais justa e compatível com o conceito e a função da tributação internacional. E é essa referência de justiça que o sistema de acordos e convenções nunca teve, como um fundamento jurídico para a sua concepção, implementação e aplicação no dia-a-dia. É razoável afirmar-se que o direito tributário internacional tenha se resvalado excessivamente nos acordos e convenções contra a dupla tributação. Elevados à condição de virtuais axiomas da tributação internacional, trouxe ao ramo do direito tributário uma lógica contratualista que destoa das bases cogentes que caracterizam este ramo do direito público. Se do ponto de vista estrutural ou sintático a posição dos acordos se consolidou como de norma especial, cuja aplicação prefere, porém não revoga, a norma interna, do ponto de vista semântico, e, ainda do pragmático, as convenções ainda contrastam com a normatização interna do sistema tributário, fortemente fincada em valores, princípios e na estrutura do Estado enquanto figura central do direito público, e da própria Constituição como sua peça constitutiva. Essa constatação é especialmente relevante no Brasil, com a característica hipertrofia constitucional, em que a jurisprudência tanto relutou em abrir mão do rígido paradigma normativo do direito tributário interno para promover a aplicação das convenções como normas especiais que são. A binariedade e a arbitrariedade com que o exercício da competência tributária é negociada e atribuída a um e a outro Estado através de um acordo ou convenção até hoje não é
5 LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito I. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro, Edições Tempo Brasileiro, 1983, p. 117 3 Avi-Yonah, Reuven S.; Benshalom, Ilan (October 2010), Formulary Apportionment: Myths and Prospects - Promoting Better International Tax Policy and
Utilizing the Misunderstood and Under-Theorized Formulary Alternative, Public Law Working Papers No. 221, University of Michigan 4 SHEPPARD, Lee A. “News Analysis: The Twilight of the International Consensus,” 2013 TNT 194-3 (Oct. 7, 2013).
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Opinião digerida seja pelos nossos tribunais, seja pela nossa administração fiscal. Fato é que os princípios são elementos fundamentais do sistema jurídico, condensando valores e aportando legitimidade pelo consenso, o que finca as bases para todo o sistema de normas5. Do ponto de vista pragmático, os princípios, em sua complexidade, abrem espaço para a adaptação do sistema jurídico à evolução, fornecendo elementos tanto para a consolidação de novos regimes normativos e políticas, como para o questionamento daqueles que não se conformam à pauta axiológica em vigor. Neste sentido, os princípios conferem unidade e estabilidade a um conjunto de normas, exatamente o que falta neste momento no direito internacional tributário. Inquestionadamente, o princípio que fundamenta a tributação internacional é o princípio da territorialidade. A territorialidade projeta a dimensão espacial do Estado, que, por sua vez, interage com o sistema econômico que atua em seus limites, cobrando tributos que comporão as receitas necessárias à manutenção da organização política. Daí porque todos os princípios e categorias que compõem o direito internacional tributário visam em última instância a efetivar esse valor territorial, ou seja, que o exercício do poder tributário seja assegurado para o ente soberano a cujos limites a atividade econômica objeto da tributação esteja vinculada. Essa relação de vinculação foi enunciada já pelos experts da Liga das Nações na década de 1920 sob o nome de economic allegiance6. Desde então, o direito internacional tributário só fez se afastar deste valor, e o fez ao optar por uma via baseada exclusivamente nas regras convencionais focadas na objetividade e vazadas no binômio fonte/residência. Se determinado rendimento pode ser igualmente tributado pela fonte ou pela residência, de acordo com
o que houverem negociado dois países e com o que dispuser especificamente determinado tratado, sendo indiferente o fato de haver ou não uma relação do rendimento com o território de um ou outro Estado, não há coerência principiológica nas regras, que são então axiomáticas. Constatado que as regras agora estão sendo jogadas no lixo por quem as patrocinou desde sempre, o sistema não tem uma base a partir da qual garanta estabilidade e evolução. Em outras palavras, sem as convenções bilaterais, agora consideradas obsoletas, não há, dentro do paradigma consensual do direito internacional tributário, balizas efetivas e cogentes para se determinar, seja em casos específicos, seja num horizonte de evolução do sistema para o futuro, a legitimidade de um Estado, em face dos demais, para tributar determinado rendimento no cenário internacional: o Rei está nu. Como na fábula de Hans Christian Andersen, é necessário apontar para o déficit estrutural do direito internacional tributário. A necessidade de uma base principiológica efetiva para o direito internacional tributário está simbolizada no desafio do BEPS, que ainda insiste na matriz consensual: é possível firmar-se um grande acordo multilateral em matéria tributária que emende as convenções atualmente em vigor e contemple os interesses de todos os grandes players? Não creio. Bem verdade que os princípios carecem de regras específicas que implementem seus valores. Os princípios, sem a especificação das regras, são complexos demais para a normatização jurídica7. De fato, definir, apenas a partir do princípio da territorialidade, qual a competência para tributar cada classe de rendimento, é tarefa altamente complexa, gerando controvérsias e questionamentos inúmeros, como já foi demonstrado8. A tarefa e
6 COATES, W. H. “League of Nations Report on Double Taxation Submitted to the Financial Committee by Professors Bruins, Einaudi, Seligman, and Sir Josiah Stamp” in Journal of the Royal Statistical Society, Vol. 87, No. 1. (Jan., 1924), pp. 99-102. 7 LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito I. Tradução de Gustavo Bayer. Rio
de Janeiro, Edições Tempo Brasileiro, 1983, p. 103. 8 SHEPPARD, Lee. “News Analysis: Revenge of the Source Countries, Part III: Source as Fiction”. Tax Notes Int’l, Oct. 17, 2005, p. 219; 40 Tax Notes Int’l 219 (Oct. 17, 2005).
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Opinião o desafio de construir o sentido e o alcance dos princípios jurídicos, em sua dimensão cogente, é comum a todos os ramos do direito. É um percurso que exige tempo, aprendizado prático e institucional, em que a academia, o legislador, e, ainda e especialmente, os tribunais têm papel fundamental. Uma vez consolidada a base principiológica de determinado marco normativo, o sistema jurídico adquire a capacidade de manejar a complexidade dos valores e adaptar-se, tanto na aplicação das regras existentes como na introdução de novas regras, às evoluções e â dinâmica da própria sociedade, e, no caso do direito tributário, particularmente da economia e dos negócios. A consolidação de uma base principiológica no direito internacional tributário teria exatamente esse efeito, de aportar congruência e estabilidade, fincando as bases da tributação internacional nos seus valores fundamentais, a partir dos quais tanto as normas internas como as normas convencionais seriam produzidas e aplicadas. Um sistema tributário internacional que se desenvolvesse a partir de sólidas bases calcadas em princípios possibilitaria, dentro da sua congruência sistêmica, a variação e a seleção de estruturas e regimes tributários diversos, com a consequente adaptação pari passu à dinâmica da economia global, assegurando um marco normativo seguro sem a necessidade de que, em face de novos desafios postos por mudanças e evoluções no ambiente, fossem necessárias soluções ad hoc ou rupturas, de difícil implementação e com prazo de validade já definido, como a que o BEPS ora vislumbra.
Conclusão A superação do paradigma do consenso internacional moldado a partir dos modelos convencionais, em especial do Modelo OCDE de convenção para evitar a dupla tributação, deixou de ser, no universo da tributação internacional, uma teoria conspiratória para se tornar pauta central dos principais países que interagem no fluxo REVISTA TRIBUTARISTAS
internacional de capitais. A identificação da fragilidade com que o direito internacional tributário se resvalou na mera contratualidade das normas convencionais, abrindo mão de fundamentos estruturais a partir dos quais fossem legitimados e definidos os regimes fiscais aplicáveis, é uma constatação imprescindível quando se trata de zerar o jogo e pensar em como construir uma efetiva governança fiscal internacional, para o futuro. Quando se trata, portanto, de construir o novo direito internacional tributário após a superação do binômio fonte/residência, entre medidas pontuais, que nada mudam, e uma solução radical pelo multilateralismo, é necessário articular as soluções consensuais, baseadas no pacta sunt servanda, com sólidos fundamentos estruturais que sirvam de base e referência em face das quais tanto as normas internas como as normas convencionais sejam valoradas, produzidas e confrontadas. Esse caminho, que aportará complexidade e evolutividade ao direito internacional tributário, e também redundância e segurança, não requer grandes esforços multilaterais, senão uma postura correspondente por parte dos principais atores do sistema jurídico, sejam os legisladores, juízes, autoridades fiscalizatórias, advogados e consultores, e, em especial, do meio acadêmico.
Aristóteles Moreira filho Especialista e mestre em direito tributário pela PUC-SP. Doutorando em direito tributário pela USP. Advogado.
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Autor de mais de 80 obras individuais, publicadas em 21 países, e com 56 anos de advocacia, já tendo inclusive recusado convites para o cargo de Ministro da Fazenda e da Justiça, o Professor Emérito da Universidade Mackenzie, Ives Gandra, é indiscutivelmente um dos juristas mais influentes no país. Nessa entrevista exclusiva à Revista Tributaristas, o Professor Catedrático da Universidade do Minho revelou o que pensa sobre a crise do ensino jurídico no país, sobre a necessidade de uma reforma tributária, e explicou ainda o curioso motivo pelo qual nunca se tornou professor da faculdade onde se graduou, o Largo São Francisco.
Revista Tributaristas - O Senhor é um grande nome do mundo jurídico, não apenas no Direito Tributário, já que o Senhor transita com desenvoltura e autoridade entre temas dos mais diversos ramos da Dogmática. O Senhor, porém, tendo sido graduado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, nunca foi professor da REVISTA TRIBUTARISTAS
casa. Existe algum motivo especial para tanto? Como o Senhor vê o posicionamento da Faculdade de Direito do Largo São Francisco no universo acadêmico paulista e brasileiro? Dr. Ives Gandra - Em primeiro lugar eu me sinto muito orgulhoso de ter sido aluno da Universidade de São
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Coffee Break Paulo. Eu sempre gostei da faculdade e, como aluno, nunca tive maiores problemas com professores, nem de passar nos anos. Praticamente na minha época eu não fiz oral nenhum, bastavam as notas obtidas no [exame] escrito e não havia necessidade de fazer o oral. Houve, entretanto, um problema de natureza mais política, que não tem nada a ver com a faculdade, e muito menos com os lentes da faculdade. Eu defendi um cliente em 1968/69 que veio a ser perseguido pelo governo federal. Estávamos em um período de exceção, naquele começo de guerrilha mais intenso que levou ao ato institucional número cinco, e ocorreu que, naquele período, os meus clientes foram presos e eu e um professor da faculdade de direito, Canuto Mendes de Almeida, fomos defendê-los. Ele não podia atuar como advogado porque era o diretor da empresa, mas eu, como advogado, substituindo o ministro da Justiça, que era um ex-professor meu, entrei em um combate, até com uma certa violência contra o governo, em um período em que era difícil usar demasiados argumentos jurídicos. No dia 13 de fevereiro de 1969 eu terminei tendo um pedido de confisco dos meus bens e um pedido de abertura de um inquérito policial militar. Você não sabe o que era, naquela época, um IPM. Muitos IPMs desapareceram. O pedido foi por uma razão muito simples: os honorários que eu havia recebido, eu declarava no meu imposto de renda. E utilizando a declaração, o governo (o hoje meu amigo, ministro Delfim Neto) pediu a abertura do inquérito. Ele entendeu que os honorários advocatícios REVISTA TRIBUTARISTAS
recebidos eram uma forma de participação no crime do qual era acusado o meu cliente. Eu terminei ganhando no Supremo em 1971. Tive um período muito difícil na advocacia, porque sendo manchete nos jornais naquele período aquilo representou uma fuga de clientes que não gostariam de ter alguém que era contra o regime naquela ocasião. Então, naquele momento em que saiu meu nome nos jornais, de certa forma porque a faculdade que levava os ministros da justiça da época, não é que houvesse uma reação da nossa faculdade, mas alguns lentes acharam que eu deveria esperar um pouco mais de tempo. E nesse ínterim o Mackenzie me ofereceu para que começasse a lecionar lá. Eu comecei a lecionar e, evidentemente, tendo um apoio em um momento muito difícil, em pleno período de exceção, esse gesto do Mackenzie me marcou. Mas nunca tive nenhuma restrição, tenho dado palestras e participado de bancas de doutoramento na Universidade de São Paulo, e até de bancas para professor titular de outras faculdades, como de economia. Eu comecei a carreira no Mackenzie, fui o primeiro doutor da Universidade, o que fez com que eu ficasse definitivamente ligado à instituição, que fez 120 anos em 1990, quando fizeram questão de me dar o título de Professor Emérito, o único àquela época. Mas aquele período, você não pode imaginar o que foi de 1969 a 1971, quando estava a guerrilha em plena atividade. Foi só com a morte do Marighella que começou o período de redemocratização, que, de rigor, não foi
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Com a arma da palavra, nós, advogados, conseguimos a redemocratização sem sangue”
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Coffee Break realizado pelos políticos nem pela mídia (os jornais eram proibidos de publicas as matérias), mas pelos advogados. Foi quando eu fui conselheiro da Ordem, também naquele período, e nós lutamos com a melhor das armas, que não era a guerrilha, não eram armas de fogo, mas com a arma da palavra. E com a arma da palavra, nós advogados conseguimos a redemocratização sem sangue. E, indiscutivelmente, depois de 1971, o Brasil é uma democracia, sem necessidade de derramamento de sangue, graças exclusivamente ao trabalho dos advogados, porque nós não éramos censurados. Basta dizer que, apesar da abertura de um IPM, que foi arquivado, eu ganhei no ano de 1971, por 5x3 no Supremo Tribunal Federal, a famosa questão da prisão dos diretores da SUDAM. RT – O senhor é autor de uma extensa lista de obras jurídicas e literárias. De onde provém tanta inspiração e tempo para escrevê-las? Dr. Ives - Primeiramente eu tenho, até por uma constituição biológica, uma vantagem que é o fato de dormir pouco. Eu durmo cinco horas por noite há cerca de cinquenta anos e isso me dá um tempo muito maior. Segundo, eu sempre gostei de escrever desde menino. De rigor eu gosto muito mais de escrever poesia (sou membro da Academia Paulista de Letras) do que propriamente de escrever sobre a profissão, que eu gosto muito, mas a profissão veio depois de já estar em plena feitura de poesia. Aos 17 anos de idade eu escrevi uma peça em estilo grego, em redondilhas menores, com unidades de tempo, espaço e lugar. E como eu sempre tive facilidade de escrever, tudo que eu estudava eu absorvia e nunca tive dificuldade na faculdade, eu escrevo sempre. E tive um grande amigo, Haroldo Valadão, que faleceu, e que é o autor da Lei de Introdução ao Código Civil, que desde 1942 até hoje todo mundo segue como norma de interpretação, que me dizia: “Ives, nem um dia sem uma linha ou sem uma leitura”. Então leio todos os dias sempre e escrevo todos os dias sempre. Estou com 78 anos, escrevendo pelo menos de 10 a 15 minutos por dia sobre assuntos não relacionados à
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profissão, pois sobre os profissionais eu escrevo o tempo inteiro. Isso foi criando toda essa minha obra. Resultado: aos 78 anos tenho mais de 80 livros escritos individualmente, e mais de 300 livros escritos em 21 países. Tenho a sensação que é exatamente por essa disciplina e metodologia que o Haroldo Valadão me ensinou. RT – Nos EUA, o presidente Barack Obama recentemente fomentou um projeto de reforma do ensino jurídico no país. Como o senhor vê a crise do ensino jurídico no Brasil? Dr. Ives - Eu tenho a impressão que é uma crise efetiva. Nós temos, de rigor, uma vantagem sobre os Estados Unidos porque nós temos algumas leis centralizadas. Por exemplo, se nós pegarmos o Artigo 21 e 22 da Constituição Federal, nós vemos aquilo que é privativo da União, como direito civil e direito processual. Esses direitos são nacionais, valem para a nação inteira. Nos Estados Unidos, o direito Penal, o processual e o direito civil são direitos locais, cada estado tem a sua própria legislação. Alguns estados permitem o aborto enquanto outros não. Há estados que permitem divórcios simples, outros com maior dificuldade. Então nós temos sobre isso uma maior facilidade em relação aos EUA. Mas se nós examinarmos a grade das faculdades de direito, o currículo das faculdades de direito, nós vamos verificar que o mundo evoluiu muito do tempo que eu estudei [há 56 anos que advogo] até a atualidade. Primeiro, no meu tempo, por exemplo, o Direito Internacional Público e Privado eram considerados secundários porque o Brasil não estava inserido no contexto mundial. Hoje até o menor país do mundo está inserido no contexto mundial. O mundo se transformou em uma aldeia global, e essa aldeia global nos exige uma universalização. Por outro lado se dizia que o estudo do direito era exclusivamente um estudo da norma jurídica, devido à influência de Kelsen no Brasil, e de toda uma escola que se criou, com bons juristas (por exemplo o Geraldo Ataliba, que era um defensor de que nós não temos que ter conhecimento de outra ciência, mas conhecer bem o direito, a norma). E muito da nossa conformação curricular das faculdades de direito decorre dessa visão de REVISTA TRIBUTARISTAS
Coffee Break que nós teríamos que ter uma ciência não contaminada por outras ciências, e hoje o mundo é de “contaminação” em todas as ciências. Elas se interligam. Assim, dois prêmios Nobel de economia, Ronald Coase e Douglass North, defendiam que as economias de mercado só funcionam nos regimes jurídicos estáveis. Quando há estabilidade de um regime jurídico eu posso fazer um investimento de médio e longo prazo, então a economia de escala funciona. É um prêmio Nobel de Economia mas trabalhando com categorias jurídicas, o que vale dizer que não se pode estudar o direito sem estudar economia, contabilidade, sociologia, política, pois todas as ciências sociais se interligam. Se nós verificarmos o que há de ciências sociais nos currículos jurídicos é muito pouco. Por outro lado nós ainda estamos, dentro das nossas grades curriculares, com muitas aulas dogmáticas, aulas nas quais o professor é quem diz, e não com métodos mais modernos adotados principalmente em países europeus, como na Espanha, na Universidade de Navarra, o chamado “Método do Caso”, em que se escolhe um caso repleto de problemas e o curso se faz em função de todos os problemas jurídicos, fazendo com que o aluno se sinta participante da solução daquele caso. Mas é muito difícil o “método do caso”. Para se conseguir um caso difícil, bem trabalhado, que permita abranger toda a matéria, exige um trabalho intelectual do professor muito maior. Quando o professor vai para dar uma aula expositiva, é muito simples: ele aprendeu e ele expõe a matéria. Mas ter que montar um caso, de tal forma complexo, no qual os alunos tem que trabalhar, e toda a matéria que ele pretende dar naquele ano esteja envolvida, exige um trabalho monumental para sua criação. É como uma espécie de um diretor de filme, ou produtor, que tem que organizar todos os aspectos daquele filme. Esse “método do caso” eu utilizo no meu centro, embora seja mais de extensão, o Centro de Extensão Universitária (CEU-IICS). A FGV também começou a utilizar há cerca de 3 anos. Mas ainda são poucas as universidades que trabalham com ele. E acresce um outro dado. Talvez eu seja o único professor catedrático brasileiro em uma universidade REVISTA TRIBUTARISTAS
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Coffee Break portuguesa pública, a Universidade de Braga (Minho). Portugal tem 4 universidades públicas: a de Braga, do Porto, Coimbra e Lisboa. Eles concedem a cátedra uma vez por ano, em função da notoriedade. Quando recebi a cátedra, no nono ano desde que havia sido criada, eu fui o primeiro brasileiro, o primeiro não europeu e o primeiro na área do direito. Lá, quando estava em 2009, havia em Portugal dez faculdades de direito, quatro públicas e seis privadas, para uma população de dez milhões de portugueses. Se nós multiplicássemos esses 10 milhões por vinte, já que somos 200 milhões de habitantes, nós iríamos de dez para duzentas faculdades. O Brasil possui, no entanto, 1.200 faculdades. Com 1.200 faculdades é absolutamente impossível que se ensine adequadamente o direito. E nas faculdades colocadas em outros fusos horários do país e no interior dos estados, é muito difícil ter professores que compareçam. Então é o juiz local, o promotor local, advogados locais, o que representa um desnível de qualidade que se percebe pelos exames de ordem. E quase todos os alunos dessas faculdades que se multiplicaram no Brasil têm aulas dogmáticas. O professor tem um manual, lê um livro de direito, e muitos usam os cursos que têm de outros professores. Então eu tenho a impressão que isso precisaria ser alterado, até porque, embora seja importante ter um título de advogado, não basta só o título, a pessoa precisa saber advogar. Eu partiria para uma visão dos verdadeiros planos. Por exemplo, eu não sou contra a abertura de novas faculdades, desde que apresentem um programa de tal forma inovador que justifique sua abertura, e com professores gabaritados, preparados, e com titulação suficiente para serem professores. Então, a meu ver, é necessário toda uma mudança, principalmente uma universalização do direito em relação às outras ciências sociais. Em uma faculdade de direito eu daria pelo menos metade do curso sobre todas as outras ciências sociais que não o direito. Se o advogado tem que trabalhar com categorias econômicas, direito econômico, direito financeiro, finanças públicas e direito tributário, por exemplo, é necessário que se tenha um conhecimento profundo dessas matérias.
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Não é possível que se tenha um conhecimento superficial. O direito é a mais universal de todas as ciência sociais porque é a única que abrange todas elas, e abrange também conhecimento técnico das ciências exatas e biológicas. Para discutir, por exemplo, problemas de bioética (eu mesmo sustentei a questão das células-tronco embrionárias, mas perdi por seis a cinco, mostrando que desde a concepção trata-se de um ser humano) fui obrigado a estudar muito o tema. Estive em meu escritório com médicos e biomédicos que me explicaram todos os aspectos técnicos para que eu pudesse apresentá-los com tranquilidade na sustentação oral. Os advogados têm, portanto, uma necessidade de conhecimento universal que as grades curriculares hoje não abrangem em profundidade. Por isso tenho defendido no nosso curso, no Centro de Extensão Universitária, e temos aplicado há algum tempo essa universalização. Ainda esta manhã eu fui responsável pela abertura de um congresso no centro de extensão com o Sidnei Sanches e o desembargador Paulo Toledo, professor da USP, procurando dar esse sentido de universalidade na metodologia. Pesquisas recentes tem verificado que a aula apenas exposta é esquecida pelo aluno após uma semana se esta não for anotada ou estudada posteriormente. Quando se utiliza o método do caso, ele não esquece nada porque ele participa, é obrigado a trabalhar e buscar soluções. O aluno sai muito mais preparado, pois é como se ele estivesse advogando ainda dentro da faculdade. Essa metodologia moderna, utilizada pela Universidade de Navarra em suas diversas faculdades como direito, economia e administração, e que está sendo introduzida pela FGV em algumas matérias, que é o método do caso, tenho a impressão que é uma mudança que nós teremos que fazer. E uma última mudança: acredito que temos que adotar a universidade “digital” (ensino à distância), mas com provas presenciais, pois é impossível levar os grandes professores às faculdades mais distantes. Se tivermos um ensino à distância, e isso fica extremamente simples, os alunos poderão ouvir os melhores mestres, inclusive com a possibilidade de fazer perguntas em classe para aqueles que estão dando as aulas de São Paulo, Rio REVISTA TRIBUTARISTAS
Coffee Break de Janeiro, Belo Horizonte, enfim, dos grandes centros vezes para ser ministro (uma vez para ministro da de cultura jurídica, e vão aproveitar muito mais. fazenda e duas vezes para ministro da justiça). A única vez que fiz política na vida foi de 1962 a RT - Poucos juristas, se algum há, têm igual trânsi- 1964, ainda no regime anterior (eu sempre fui parto nos tribunais superiores como o Prof. Ives Gandra lamentarista, desde os bancos acadêmicos), quando Martins. O Senhor nunca teve como objetivo candida- aceitei concorrer para a direção nacional do Diretório tar-se a um posto nas altas cortes do país. Por quê? Metropolitano pelo único partido parlamentarista brasiDr. Ives - Não é verdade que são poucos. Eu co- leiro à época, o Partido Libertador, e fui presidente. nheço muitíssimos juristas que têm um grande trânsito Aí quando veio o Ato Institucional número 2, decidi no STF, e o meu é relativo. Às vezes eu tenho uma abandonar a política e disse “eu sou advogado, vou sustentação oral e obtenho êxito. Também tenho livros fazer advocacia, vou lecionar, onde eu me sinto mais escritos com muitos ministros, seja do STJ seja do à vontade”. Nunca me arrependi da decisão. Acho que STF. Agora, o chamado “trânsito” dá a impressão de nasci advogado e quero morrer advogado e, de rigor, lobby. Eu tenho [publicado] constantemente trabalhos nunca tive esse tipo de ambição de poder. doutrinários com ministros do STJ e do STF. Mas este trânsito para clientes... eu quando vou levo os meus RT - O senhor é um dos doutrinadores mais citados no memoriais, explico, mas exerço a atividade com a de- Supremo Tribunal Federal. Alguma ocasião já houve em vida compostura (Em O Decálogo do Advogado, de que uma alta corte citou um determinado trabalho de sua minha autoria, eu explico como o advogado deve tratar autoria, para chegar, porém, a uma conclusão oposta àquela que o senhor desenvolveu no trabalho citado? um desembargador). Quanto à segunda parte da pergunta, eu nunca tive Qual a reação que o Senhor teve diante desse fato? vontade de ser nem membro do Ministério Público nem Dr. Ives - Certa vez aconteceu algo interessante: eu desembargador ou Ministro, ou qualquer outro cargo. havia defendido, na década de 60, uma tese sobre Em 1982, quando ainda eram os membros do Tribunal alíquota zero, e depois, examinando melhor, eu mudei. de Justiça que convidavam os advogados pelo quinto Não mudei em parecer, porque eu nunca mudo posição constitucional, um dos maiores desembargadores, que jurídica em parecer, sempre em livros, porque o parecer introduziu o sistema eletrônico no Tribunal de Justiça de dá a impressão de que eu poderia ter mudado por inSão Paulo, que foi o Desembargador Dílio de Santos teresse econômico. Porém estudando melhor, eu cheguei Garcia, disse-me: “Ives, você vai ser um dos três da à conclusão que a minha posição anterior estava errada. lista tríplice e nós pediremos ao governador para que Mas o meu amigo, o Ministro Nelson Jobim, querendo o Senhor seja o indicado.” Eu respondi que estava defender o programa de alíquota zero, fez citação minha extremamente sensibilizado pelo convite, vindo de quem com os trabalhos de 60 e não com os de 70 e 80. vinha, mas que só tinha vocação para advogado. Inclusive, quando ele fez a citação, no caso seguinte, as Eu, como advogado, me apaixono, aceito só as ques- empresas vieram até mim solicitando um parecer nesse tões nas quais estou convencido que valem a pena sentido e eu tive que negar já que havia mudado a minha lutar. Eu posso perder, mas estou convencido da tese posição. No fim, a própria Procuradoria da Fazenda Naque vou apresentar, e, como juiz, não sei se teria a cional pegou os trabalhos posteriores e contestou a tese imparcialidade que eu tenho no sentido de defender. do Nelson Jobim. Isso pode acontecer. E não poderia ser do ministério público porque não O que muitas vezes acontece também, na minha idade, sei acusar, eu aprendi a vida inteira a defender. Acho é que depois de ter escrito tanto, quando participo de que nasci advogado e quero morrer advogado. Nunca uma conferência e alguém interrompe indagando “Proaceitei cargos públicos também. Já fui convidado três fessor, o senhor lembra quando em 1967 o senhor REVISTA TRIBUTARISTAS
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Coffee Break escreveu esse trabalho e disse tal coisa...?”. Veja bem, são tantas as teses jurídicas, tantos os livros, que muitas vezes eu respondo “O senhor poderia me explicar o que eu disse?” para que eu possa me lembrar, porque simplesmente dizer um determinado ponto sem dar maiores explicações fica difícil. Evidentemente após a pessoa explicar fica fácil eu desenvolver qual foi a tese. Mas muitas vezes eu não me lembro daquilo que escrevi, a não ser que se comece a explicar qual o tema. Isso em função de já ter escrito muito ao longo da vida, o que leva a esses momentos de certo constrangimento. Mas o Miguel Reale me dizia que isso também ocorria com ele, o que me dá um certo conforto.
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O que condiciona a carga tributária é a carga burocrática”
RT - Existe um entendimento na comunidade do Direito Tributário brasileiro segundo o qual nosso sistema tributário é bom, carecendo, contudo, da melhor aplicação. Nesse contexto, assume papel central a cultura reinante nos órgãos de fiscalização, que não colabora na consolidação de regras estáveis, e não contribuir com equilíbrio na regulamentação e na aplicação das leis. Qual a opinião do Senhor? A Reforma Tributária é necessária? Dr. Ives - Acredito que a reforma tributária é necessária. Vamos dividir a questão: eu participei de audiências públicas e colaborei com o presidente da Subcomissão de Tributos, Francisco Dornelles, e com o próprio Bernardo Cabral. Inclusive no período do plenário, eu e o Hamilton Dias de Souza fomos convidados a preparar um anteprojeto. Então havia uma parte da constituição que era muito boa: uma parte para as normas gerais, e outra para as limitações constitucionais ao poder de tributar. Grande parte dessas normas continuou e não pode ser criticada. Houve uma desfiguração no conceito de contribuições, que era muito mais claro.
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Então há uma parte boa, que é esta parte principiológica do sistema tributário, e há uma parte evidentemente que tem sido desfigurada por força das necessidades do Erário, porque quando se tem necessidade de tributos, quem tem a impressão de que mudando o sistema tributário vai se mostrar o peso da carga tributária está errado. O que condiciona a carga tributária é a carga burocrática. Quanto mais o Estado é adiposo, inchado e pesado, mais ele exige recursos, o que condiciona os órgãos de fiscalização e arrecadação. Aí é evidente que nem a receita federal nem as secretarias estaduais e municipais, pressionadas pelo executivo, vão respeitar o direito. Tem havido constantes violações do direito por parte dos órgãos arrecadadores, que são pressionados para gerar receita, e, na busca de gerar receita, interpretam pro domo sua (em causa própria) os dispositivos, e sempre de forma contrária ao contribuinte, às vezes criando atos fantasmagóricos. Por exemplo, o terceiro setor, um setor fundamental que engloba educação e saúde, vem sendo abalado com políticas tributárias absolutamente inadequadas. A mudança no sistema tributário deve, em primeiro lugar, partir para uma simplificação. Por exemplo, PIS/COFINS é uma legislação extremamente complexa, algo que deveria ser simples. Todos os tributos circulatórios, como IPI e ICMS, deveriam ser tributos simples. Não são como o imposto sobre renda, ou imposto sobre todas as operações possíveis, que é, por sua natureza, um imposto muito mais complexo do que os impostos circulatórios de bens e serviços. O que ocorre é que vão se criando hipóteses, juntando regimes diferentes, como nãocumulatividade e cumulatividade no mesmo tributo, tornando a legislação complexa, o que faz com que ninguém se sinta seguro, mesmo quando acreditam REVISTA TRIBUTARISTAS
Coffee Break estar cumprindo bem a legislação. Quando nós fomos encarregados pelo Senado de preparar em seis meses uma reforma do pacto federativo, nós apresentamos doze anteprojetos de emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária e resoluções do Senado. A comissão era formada por Nelson Jobim, Paulo de Barros Carvalho, Fernando Rezende, Everaldo Maciel, Sérgio Prado, entre outros, todos constantemente trabalhando com questões tributárias, e foi um trabalho intenso, de seis meses, com projetos muito bem redigidos, pois era um grupo muito experiente. Infelizmente este trabalho ficou enterrado no Senado Federal. Nenhum desses anteprojetos foi sequer apresentado e se transformou em um projeto no legislativo. Então nós percebemos que há necessidade de simplificação. Há necessidade de tornar o sistema mais coerente, mas os interesses burocráticos, que condicionam a política tributária, obrigam os órgãos de fiscalização a continuar a exigir um sistema caótico que faz com que a carga tributária do Brasil de 35% seja impeditiva do progresso do país perante os outros países emergentes, e que eu não vejo grandes esperanças de mudar porque os burocratas que hoje estão dentro do sistema de fiscalização estão acostumados com ele e não se esforçam em mudar para simplificá-lo. Nas audiências públicas que presenciei no Congresso Nacional sobre reforma tributária, era possível sentir da parte das próprias autoridades fiscais uma resistência muito grande a mudanças. Embora eu não concorde, é possível compreender, pois se o indivíduo trabalhou com um determinado tributo por vinte anos, ele se tornou um especialista, já criou todas as hipóteses possíveis e possui um conhecimento profundo do tema. Se, no entanto, houver uma mudança e for criado um novo tributo, ele terá que estudar novamente e se readaptar ao novo cenário. Então há uma resistência, tanto do Erário da União quanto dos estados e municípios, contra mudanças, pois estas representariam a necessidade de reaprender, de começar a trabalhar. Não porque eles não queiram simplificar, mas porque eles estão acostumados a fazer com o que eles têm, e no que REVISTA TRIBUTARISTAS
eles têm eles podem criar tranquilamente, mesmo que com muita violação constitucional, na certeza que eles podem ganhar no judiciário, até porque hoje uma parte dos ministros têm como assessores procuradores licenciados da Fazenda Nacional. Eles trazem os advogados do próprio erário para fazer as sentenças, os acórdãos e os seus votos nos tribunais. Então, mesmo com as violações, sempre o Fisco tem a grande esperança que a violação termine prevalecendo. RT - A ditadura militar cassou três Ministros do Supremo Tribunal Federal, numa atitude altamente controvertida do ponto de vista do equilíbrio institucional à época. Hoje não se cogita da possibilidade da cassação de Ministros do Excelso Pretório por razões políticas, porém ainda assim um estado de efetiva independência do STF perante o Poder Executivo está longe de ser uma constatação inquestionável. Qual a avaliação que o Senhor faz da independência do STF, à época do regime militar e nos dias atuais, no geral e especificamente no que se refere às decisões em matéria tributária? Dr. Ives - No regime militar, em matéria tributária, eu tinha mais segurança jurídica do que hoje. Este caso que relatei, do confisco dos meus bens, eu ganhei no Supremo Tribunal Federal em 1971, por cinco votos a três, com homens como Adauto Lúcio Cardoso, Aliomar Baleeiro, Moacyr Amaral dos Santos, ou seja, ministros que eram independentes. E era interessante porque nós sabíamos como eles iriam decidir. Aquilo que eles tinham escrito enquanto professores eles mantinham como ministros. Hoje, no entanto, há uma mudança muito grande pois, embora sejam todos grandes ministros, de rigor, nós temos menos estabilidade, menos segurança jurídica no Supremo hoje do que tínhamos no passado (desde o governo militar até o fim do governo Fernando Henrique), e eu atribuo isso a dois fatores: primeiro, uma mudança muito grande e muito rápida dos quadros de ministros do Supremo. Antes, a cada quatro ou cinco anos saía um ministro que se aposentava compulsoriamente ou falecia. O ministro novo, então, por seis meses mantinha a “tradição” do Supremo de estabilidade jurídica. Hoje, nos últimos dez anos de
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governo dos presidentes Lula e Dilma, houve uma mudança quase completa. Daqueles ministros anteriores nós temos apenas o Celso de Mello, Marco Aurélio e Gilmar Mendes. Com essas mudanças tão rápidas não há tempo para o ministro se adaptar porque os outros também estão em fase de adaptação. Então passou a haver uma espécie de “vasos” isolados, inteligências isoladas, cada um trabalhando de per se dentro do Supremo, sem a preocupação com a criação de uma doutrina própria do Supremo sobre os mais variados assuntos. Por exemplo, a recente revisão da decisão sobre a Lei de Anistia, após mudança da composição, representa essa instabilidade jurídica que vai se construindo. Por outro lado, o sistema de escolha de ministros, a meu ver, é ruim. Na ocasião da constituinte, o meu amigo Bernardo Cabral propôs um sistema que eu acredito que seria o melhor, se tivessem coragem de levar isso para o legislativo, que é o seguinte: no STF a escolha é de um homem só, que não tem que consultar ninguém. O ideal seria o seguinte: não vamos tirar do presidente o direito de escolher, mas quem entende quais são os nomes que deveriam ser apresentados são os operadores do direito. Então o conselho federal da ordem, segundo a proposta que eu fiz em 1987, escolheria seis nomes de grande renome. O ministério público escolheria seis nomes de grande renome, e o STF, STJ e TST escolheriam dois nomes cada. O presidente da República receberia, então, dezoito nomes e escolheria um, mas não ao seu livre arbítrio. Ele só poderia escolher aquele que os operadores do direito, que estão todos os dias no direito, sabem que mereceram lá estar. Deveríamos também criar um sistema no qual oito ministros deveriam vir necessariamente do poder judiciário e três ministros alternativamente do ministério público e da advocacia, ou seja, quando fossem dois do ministério público e um da advocacia, na vaga posterior seriam dois da advocacia e um do ministério público, mas todas as três instituições (PJ, MP e OAB) escolheriam os nomes. Se a vaga fosse de magistrado, o conselho federal escolheria seis magistrados. Se a vaga fosse do Ministério Público, escolheria seis membros do ministério público. Assim, nós teríamos os operadores do direito, que sabem REVISTA TRIBUTARISTAS
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como funciona o direito, a indicar grandes nomes, e teriam que indicar grandes nomes, pois se não o fizesse eles não poderiam concorrer com os outros nomes que as outras instituições apresentariam. Eu sempre achei que este seria o sistema ideal, mas acharam que tiraria poder do presidente da república e não foi sequer apresentado como emenda constitucional, pois o próprio Bernardo dizia que não havia chance de passar, pois eles preferem o sistema que aí está, e que tem se revelado um sistema que, tendo o presidente o direito de indicar, muitas vezes nós somos surpreendidos quando temos grandes nomes que são cogitados pela imprensa mas que sequer são lembrados pelo presidente. Felizmente todos os indicados até agora são bons ministros. RT – O senhor acredita que faltam tributaristas no STF? Dr. Ives- Nós deveríamos ter, pois sempre tivemos um tributarista no Supremo. Hoje, efetivamente, nós não temos. Por exemplo, foi cogitada a Misabel Derzi quando entrou a Carmem Lúcia. Foram cogitados o Heleno Torres e o Humberto Ávila, mas entrou o Roberto Barroso, que é um excelente constitucionalista. O Carlos Mário Veloso era um tributarista, um conhecedor profundo do direito tributário. O José Carlos Moreira Alves, apesar de se dizer civilista, era um excelente tributarista. Hoje nós temos grandes ministros, mas nenhum de formação tributária. RT - O Direito brasileiro se destaca, no contexto global, pela sua alta litigiosidade. Nesse quadro, o Direito Tributário contribui com fração significativa, nas diversas REVISTA TRIBUTARISTAS
esferas de competência. Em sua visão, que medidas ou direções nos encaminhariam para um Direito Tributário com menos litígio? Qual a sua opinião sobre a transação aplicada no Direito Tributário? E sobre a execução fiscal administrativa? Dr. Ives - Eu considero a execução fiscal administrativa um verdadeiro absurdo porque quem tem o poder de impor evidentemente faz o que bem entende se não houver uma limitação na lei. E todo o sistema foi pensado, desde os pais do direito tributário, em uma época que o direito tributário era feito por juristas e não por “regulamenteiros” (hoje em dia são “regulamenteiros” que fazem as normas tributarias, por isso há essa alta litigiosidade), para não haver essa possibilidade de execução, mesmo sabendo que era um direito muito melhor composto. Muitas vezes a procuradoria nacional vem forçando, até decisões recentes do STJ, não querendo sequer dar efeito suspensivo nas execuções. É como quem dissesse o seguinte: a Constituinte disse que há uma ampla defesa. Cabe a nós do poder tributário no Brasil, aqueles que tem o direito da imposição, fazer o “ampla” cada vez menos ampla. E se nós analisarmos o que havia de ampla defesa em 05 de outubro de 1988, e o que toda essa manipulação, essa amputação do direito que nós tivemos por parte da Receita Federal e dos fiscos estaduais e municipais no direito do contribuinte até hoje, nós vamos verificar que o “ampla” passou a ser apenas um adjetivo retórico dentro do artigo 5º, inciso LV, da Constituição. Não há ampla defesa nenhuma. O Fisco faz o que bem entende, e agora com essa decisão
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Coffee Break do STJ nem há efeito suspensivo nos embargos à execução. Nós corremos o risco efetivamente de não haver defesa por parte do contribuinte. Agora, por que eliminaríamos a litigiosidade? Se nós tivéssemos uma legislação mais simplificada não haveria tantos problemas. Falta simplificação. Eu acho que a fidalguia maior do Poder é fazer a lei clara. A clareza do legislador representa a elegância do Poder perante o contribuinte. Quando as leis são confusas, dando a impressão de que são confusas justamente para beneficiar sempre o fisco, é evidente que se provoca litigiosidade. Assim, com a carga tributária pesada e leis complexas, o governo é obrigado a toda hora fazer parcelamentos, porque diversas empresas, não por sonegação, mas por inadimplência e incapacidade de pagar, ou por interpretações incorretas do fisco, são obrigadas a pleitear. Em resumo, a palavra é simplificação. Se tivéssemos uma legislação simplificada, mesmo que mantivéssemos essa escorchante carga tributária, o custo operacional das empresas e dos contribuintes, com uma legislação mais simples, já representaria uma redução do peso da carga tributária, porque não teriam que gastar com contadores e advogados para poder cumprir uma legislação que as próprias autoridades desconhecem. E quantas vezes elas modificam pro domo sua, como aconteceu, por exemplo com a Petrobrás, no governo Lula e no governo Dilma, que teve que fazer “maquiagens” para poder justificar o superávit primário. Então se nós tivéssemos simplificação haveria menor litigiosidade. RT - Qual o jurista que o senhor mais admira e por quê? Dr. Ives - O jurista que eu mais admirei na vida foi meu professor. Nós tivemos alguns trabalhos escritos, e eu o substituí na Academia Brasileira de Filosofia. Tive esse privilégio, o que me comoveu muito. Foi o Miguel Reale. A meu ver o maior filósofo e o maior jurista do Brasil no século passado. E eu acrescentaria um segundo grande nome, que eu considero uma figura também paradigmática,
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que era o ministro José Carlos Moreira Alves. Dizia-se no STF que, ao passo que o Supremo era o guardião da constituição, o Moreira Alves era o guardião do Supremo. RT - Que livro o senhor considera que todo estudante de direito deve ler? Dr. Ives - Um livro que é de uma simplicidade monumental, mas que dá a espinha dorsal do direito, chama-se Lições Preliminares de Direito, de Miguel Reale. O estudante tem que começar conhecendo isso e, a partir daí, é extremamente simples entrar por todas as outras áreas do direito. Conhecer as Lições Preliminares de Direito facilita a compreensão de todo o resto. E é um livro que é genial por sua simplicidade. RT - Qual, na sua opinião, o grande tema do Direito Tributário hoje em dia? Se o Senhor fosse sugerir um tema para pesquisa, a um estudante iniciando a carreira acadêmica, qual indicaria? Dr. Ives - O tema que me parece hoje mais relevante em nível de tributação é, de um lado, as limitações constitucionais ao poder de tributar (a necessidade de um código de defesa do contribuinte, como acontece na maior parte dos países), e, de outro lado, encontrarmos um sistema dos tributos circulatórios que nos aproxime da Europa. A Europa, hoje, com 27 países, tem um único tributo europeu que é o imposto sobre valor agregado. No Brasil nós temos IPI, ICMS, ISS, COFINS, PIS, CIDE, etc., o que representa, sobre os fatos circulatórios, excesso de tributação.
Utilize o link abaixo para assistir à entrevista na íntegra: http://youtu.be/61DMdELIg-I
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Opinião
Multas x Confisco - Um Dilema a ser Resolvido Por Rafael Ephraim Dzik Introdução Entre as várias limitações estabelecidas pela Constituição Federal de 1988, a proibição de “utilizar tributos com efeito de confisco” (artigo 150, inciso IV) vem suscitando diversos debates no mundo jurídico, com relação a sua abrangência, principalmente quando o assunto é determinação da multa aplicável em casos de descumprimento de obrigações tributárias. A vedação ao poder de tributar representa um limite material ao Fisco, inspirado nos princípios supra jurídicos de moderação, razoabilidade e proporcionalidade. Dessa forma, em última instância, a limitação de utilizar tributo com efeito de confisco representa uma proteção constitucional à propriedade privada e à liberdade de iniciativa. Portanto, o princípio da vedação do confisco tem como escopo preservar a propriedade dos contribuintes ante a voracidade fiscal do Estado. Nesse mesmo sentido, o ministro Celso de Mello, no julgamento da ADI 1.075-MC, justificou o princípio do não confisco como uma forma de impedir “a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas”. Resta claro, portanto, que os tributos estão revestidos por essa garantia constitucional. Entretanto, o presente estudo não quer discutir a vedação ao princípio do não confisco aos tributos, mas sim a possibilidade de conferir uma leitura extensiva do artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal a fim de REVISTA TRIBUTARISTAS
aplicá-lo às multas fiscais. É pacífico o entendimento pelos tribunais superiores de que a vedação ao confisco engloba o instituto da multa. O Supremo Tribunal Federal, em tempos mais remotos, já admitia a extensão do não confisco às multas, conforme o entendimento do então Ministro Bilac Pinto, proferido no julgamento do RE 80.093SP: “Devemos deixar claro, porém, que não apenas os tributos, mas também as penalidades fiscais, quando excessivas ou confiscatórias, estão sujeitas ao mesmo tipo de controle jurisdicional”. Entre os vários tipos de multas previstas no ordenamento jurídico brasileiro, não iremos discriminar cada espécie de multa, mas sim tratá-las de forma geral. Limite das multas fiscais Uma vez que o princípio do não confisco engloba não somente os tributos mas também as multas fiscais, é preciso determinar um patamar máximo aceitável para esse tipo de sanção, ou seja, um limite estipulado que caracterize uma multa como sendo ou não confiscatória. Não há, entretanto, no ordenamento jurídico brasileiro, uma definição positivada de qual valor ou porcentagem qualifica o confisco, tampouco um limite máximo aceitável para as multas fiscais. Cabe ao juiz, no caso concreto, estabelecer se essa ou aquela multa pode ser qualificada como confiscatória ou não. Nesse sentido, cada julgador tem a arbitrariedade de decidir no caso concreto se determinada multa estipulada pode ser considerada confiscatória? Não. De certa forma, ainda que não expressa, o juiz deve ater-se à jurisprudência dos tribunais superiores que, em seus precedentes, oferecem os parâmetros a serem observados pelos juízos e tribunais inferiores no julgamento de casos semelhantes.
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Opinião Jurisprudência dos Tribunais O STF por diversas oportunidades enfrentou variados casos em que se discutia a constitucionalidade de multas fiscais à luz do principio do não confisco. Entre os julgados de maior destaque estão a ADI 1.075, de relatoria do ministro Celso de Melo, e a ADI 551, de relatoria do ministro Ilmar Galvão. Ambas as decisões servem de leading cases para outros julgados. O ilustríssimo ministro Celso de Melo, na ADI 1.075, determinou a inconstitucionalidade de aplicação de multa fiscal no percentual de 300% incidente sobre o fato gerador, aplicável em casos de omissão de rendimentos, conforme previsão do artigo 3º da Lei 8.846/1991. Nesse mesmo sentido, o ministro relator Gilmar Mendes e a ministra Ellen Gracie reconheceram a inconstitucionalidade de multas moratórias superiores a 100%. Neste julgado o ministro Gilmar Mendes faz referência aos dois julgados listados acima: “A propósito, o Tribunal Pleno desta Corte, por ocasião do julgamento da ADI-MC 1075, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 24.11.2006, e da ADI 551, Rel. Min. Ilmar Galvão, 14.11.2000, entendeu abusivas multas moratórias que superaram 100% [...]”. O RE 582.461, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, foi julgado com repercussão geral, no sentido de assentar a constitucionalidade da multa de mora no percentual de 20%, como prevê a legislação do Estado de São Paulo (artigo 87 da Lei estadual n.6.375/1991). Por maioria dos votos, o tribunal negou provimento ao recuso do contribuinte, reconhecendo a constitucionalidade da multa aplicada no patamar de 20%. Recentemente, o ministro Celso de Melo, em decisão monocrática, considerou inconstitucional a multa de 25% cobrada pelo Estado de Goiás de empresas que falsificam ou prestam informações erradas em notas fiscais do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Para o ministro, a penalidade é confiscatória.
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A partir dos julgados acima mencionados, podemos afirmar que toda e qualquer multa acima de 100% é inconstitucional e qualquer multa igual ou menor a 20% sobre o valor da ação é constitucional? Certamente não, uma vez que cada tipo de multa fiscal deve ser tratada de forma diferente, tendo em vista as diferentes graduações de gravidade dos atos que geram suas determinadas sanções. Dessa forma, o que levar em consideração na hora de ponderar a multa fiscal aplicável pelo descumprimento de obrigação tributária? Determinação da multa aplicável: Existem três aspectos importantes que o julgador ou o fiscal deve levar em consideração no momento de determinar a multa fiscal aplicável: (i) o tipo da multa impugnada, (ii) a natureza do tributo em questão e (iii) a capacidade contributiva do contribuinte. Esses três aspectos são fundamentais para que o juiz consiga definir com clareza se a multa infringe o princípio do não confisco. Certamente, não existe nenhuma equidade em dar o mesmo tratamento à todos os tipos de multas extistente, visto que é de se esperar que as condutas mais graves sejam punidas com multas mais severas, com valores mais elevados. Não faz nenhum sentido sancionar com o mesmo percentual multas qualificadas pela sonegação fiscal ou fraude e multas decorrentes do descumprimento de obrigação acessória. O segundo aspecto diz respeito à natureza da obrigação tributária cujo descumprimento origina a sanção. Decerto a aptidão extrafiscal do tributo e a possibilidade de transferência da carga fiscal do contribuinte de direito para o contribuinte de fato são critérios a serem considerados no momento de determinação da multa aplicável. O direito deve sancionar mais aquele que age com dolo inconstestável, prejudicando não somente o Fisco mas também os contribuintes ao seu redor. Por isso, parace plausível que a sanção aplicável ao descumprimento das obrigações relativas ao imposto de importação possa REVISTA TRIBUTARISTAS
Opinião ser superior a que se exige em matéria de ISS, diante da natureza predominantemente indutora (extrafiscal) do primeiro imposto. Por último, o juiz deve analisar a capacidade contributiva do contribuinte, já que determinada multa pode ser confiscatória para certos contribuintes e não ser confiscatória para outros, sempre atendo-se a sua capacidade contributiva. Para uma empresa pequena, determinada multa fiscal pode comprometê-la a ponto de ter que “fechar as portas”, enquanto para uma empresa grande o mesmo percentual de multa não significa tanto na sua receita. Dessa forma, cabe ao juiz determinar a razoabilidade da multa à luz do principio do não confisco, sempre se atendo aos precedentes dos tribunais superiores. Conclusão:
Referências Bibliográficas BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADI 1.075-MC, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, DJ de 24-11-2006; FUCK, Luciano Felício, Repercussão Geral completa seis anos e produz resultados, Observatório Constitucional, disponível em: http://www.conjur.com.br/2013jun-08/observatorio-constitucional-repercussao-geralcompleta-seis-anos-produz-resultados; BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 582.461, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJe 18.8.2011, Tribunal Pleno; Cf. ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Infrações e Sanções Tributárias. São Paulo: Dialética, 2003, p. 118-134; AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 7. ed. São
Conforme destacado acima, o STF sinaliza a necessidade de pacificar o entendimento de multa confiscatória, no sentido de equalizar os percentuais de multas aplicados. Entretanto, existe ainda uma grande dificuldade, por parte do STF, em assentar o entendimento dos valores que podem ser considerados confiscatórios ou não. Essa dificuldade muito se deve às diversas variáveis existentes para determinar a multa aplicável, uma vez que a configuração ou não da multa confiscatória depende do caso concreto, inexistindo, por exemplo, uma lei ou um precedente forte que assente o entendimento de que multas moratórias acima de 20% são inconstitucionais. Portanto, a qualificação de uma multa fiscal como sendo confiscatória está intrinsicamente ligada à situação concreta que originou determinada sanção. A multa fiscal não pode ser tão baixa a ponto de incentivar o descumprimento da obrigação tributária, nem tão alta a ponto de condenar o contribuinte a “fechar as portas” do seu negócio, visto que muitas vezes são mais altas que o valor do imposto.
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Paulo: Editora Saraiva, 2001; MEDICIS, Ernani, O principio da vedação ao confisco e as multas punitivas. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3839; NETO, Celso de Barros Correia, Como o Supremo Define uma multa confiscatória? Disponível em: http:// www.conjur.com.br/2013-set-14/observatorio-constitucional-supremo-define-multa-confiscatoria;
Rafael Ephraim Dzik Aluno do 2º ano da Faculdade de Direito do Largo São Francisco - USP
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Opinião
A observância indissociável da capacidade contributiva e do efeito confiscatório por Arthur Felipe Silva Sian Aspectos gerais Para o estudo sistemático de uma matéria, é necessário estabelecer critérios objetivos para que se possa compreender a amplitude do tema. Nesse sentido, convém estabelecer possíveis critérios para colocação da problemática acerca da Capacidade Contributiva dentro da Ciência do Direito Tributário, tendo em vista sua relação umbilical com a vedação ao confisco no que tange à carga tributária incidente sobre o contribuinte e às sanções tributárias aplicadas. Diga-se de passagem, a inobservância desses critérios objetivos (dado que são inexistentes) já pode ser notada na própria dicção do art. 145, §1o, da Constituição Federal de 1988, donde se infere que, se há atecnia em nossa norma superior, maior efeito deletério poderá ser observado em nosso ordenamento infraconstitucional. Partindo dessa premissa, a falta de um paradigma confiável como norte da questão impõe relevância ao tema e reforça os argumentos de parte da população e de grandes juristas que clamam por reforma tributária. Vejamos, em rasa análise, que já é possível constatar a imprecisão do texto constitucional no emprego da expressão “sempre que possível” - que, como aduziremos, trata-se de um princípio - e no equivocado emprego da parte pelo todo, vez que aparece o termo “impostos” ao invés de tributos, sendo que, no ponto, o prejuízo é um truísmo, porque sabidamente é o imposto um tributo em espécie, merecendo, neste caso, interpretação extensiva com afinco de atingir também as demais espécies tributárias na medida em que o Princípio da Capacidade Contributiva alcançar. Para a problemática expressão “sempre que possível”, entendemos pela tese que contempla a expressão
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como verdadeiro princípio de Direito Tributário, pois como leciona Robert Alexy:
(…) es que los principios son normas que ordenan que algo sea realizado em la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, principios son mandatos de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos em diferente grado y que la medida debida de su cumplimento no sólo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas. (Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid. Centro de Estudios Constitucionales. 1993. p. 81) Sendo assim, anotamos que o preceptivo que expressa o princípio da Capacidade Contributiva deve, por via de todas as espécies tributárias, alcançar sua máxima eficácia em benefício da justiça fiscal e da tributação isonômica. Por mais que sejam os impostos a espécie tributária a qual o Princípio da Capacidade Contributiva se preste por excelência, deve-se compreender a necessária extensão do que preceitua o dispositivo constitucional, assim como argumenta o nobre Professor Werther Botelho Spagnol:
Não se deve prevalecer, pois, a exegese oriunda de uma leitura apressada e superficial da norma inserta no art. 145, §1o, da Constituição Federal, que, ao se referir exclusivamente a impostos, não está a restringir a capacidade contributiva a essa espécie tributária, mas sim a atribuir à sua aplicação nesses casos, facetas específicas, relativas aos mandamenREVISTA TRIBUTARISTAS
Opinião tos da progressividade e pessoalidade. (Curso de Ente Político, pois, a priori, é impossível de se tributar Direito Tributário. 3 edição. Belo Horizonte. Editora aquilo que não é tributável, ou seja, a insuficiente Del Rey. 2004. p. 119) capacidade econômica do contribuinte. Em se tratando de Estado Social de Direito não há que se falar em tributação daquilo que o próprio Em consequência, é imperiosa a observância de Estado deve prover ao contribuinte a título de retorno mínimos critérios objetivos ou, como dito, ao menos um pela arrecadação de tributos. Limitação essa a que paradigma confiável que norteie a matéria, reforçando atribuiremos o nome de mínimo existencial tributário, cada vez mais a relevância do tema. que consiste na parcela patrimonial ou renda do conFato que também será observado é o trata- tribuinte que se qualifica como inatingível pelos efeitos mento dado pela jurisprudência que preceitua, de da tributação. forma equivocada, uma possível separação entre a Nesse sentido, Klaus Tipke e Douglas Yamashivedação ao confisco e a Capacidade Contributiva, ta observam que: enquanto o correto seria ater-se ao confisco como critério objetivo indissociável para a mensuração da Num Estado Liberal não é permitido que o mínimo aplicação desta. existencial seja subtraído pela tributação, parcial ou Superadas as noções introdutórias nesse entotalmente, e uma compensação seja dada em besaio, passa-se à alusão da ideia central: a innefícios previdenciários. O Estado não pode, como dissociável análise dos dois preceptivos e critérios Estado Tributário, subtrair o que, como Estado Soque tangenciam suas extremidades, além de concial, deve devolver. (Justiça Fiscal e Princípio da sequências práticas. Capacidade Contributiva. 1a Edição. Editora Malheiros. 2002. p. 34)(grifamos) Capacidade contributiva e efeito confiscatório Importante lição pode-se extrair dos estudos de Klaus Tipke e Douglas Yamashita:
Podemos, assim, afirmar que a capacidade contributiva, concretizada como renda, é a verdadeira mãe de todos os impostos, inclusive, do imposto de renda. Desta forma, o princípio da capacidade contributiva consiste no princípio fundamental da unidade do ordenamento jurídico dos impostos. (Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. 1a Edição. Editora Malheiros. 2002. p. 78) Seja na observância do postulado referente à carga tributária ou ao âmbito do Direito Tributário Sancionador – sanções tributárias -, forçosa se faz a observação da Capacidade Contributiva, sob pena de violação a toda atividade tributante promovida pelo REVISTA TRIBUTARISTAS
Ainda é válido dirimir a confusão quanto às expressões “capacidade contributiva” e “capacidade econômica”, pois, enquanto a primeira é o próprio princípio insculpido no art. 145, §1o, CF/88, a segunda é critério objetivo que demonstra a aptidão do contribuinte para a incidência de carga tributária. Tendo essa distinção bem delineada, o citado mínimo existencial tributário corresponde diretamente ao contribuinte que não detém capacidade econômica suficiente para a incidência tributária. Observa-se que, ainda que haja capacidade econômica, em determinados casos não haverá capacidade contributiva em respeito ao mínimo existencial tributário, ao que elevamos a critério objetivo mínimo para que exista tributação. O Estado não deve patrocinar a desigualdade, devendo-se valer da tributação para dado controle, como já afirmava o ilustríssimo mestre gaúcho, Alfredo Au-
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Opinião gusto Becker, ao mencionar em uma de suas clássicas obras que: o instrumental revolucionário que eu - já em 1963 – analisava e recomendava como decisivo era (e continua sendo) o instrumento da Política Fiscal: o tributo. (Carnaval Tributário. 2a Edição. Editora Lejus. 2004. p. 15) Essa mensuração deve ser feita sob a égide do critério da pessoalidade, como apregoa o próprio dispositivo em análise, levando-se em conta aptidão individual, senão vejamos:
Art. 145. (…) § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.(grifamos) Como se nota, valendo-se de certos critérios, é possível adotar e reconhecer um mínimo, ainda que a mensuração deste deva ser feita mediante um juízo de valor caso a caso pelo julgador, tendo em vista a omissão legislativa. Nesse sentido, anota Francesco Moschetti:
(…) no conceito da capacidade contributiva está implícito um elemento de juízo, uma avaliação, uma estimação sobre a idoneidade para concorrer à despesa pública. Trata-se, na verdade, de uma apreciação fundamental, um juízo de valor sobre a aptidão para contribuir. (Il Principio della Capacitá Contributiva. Pádua. Cedam. 1973. p. 236) Contudo, maior problemática se encontra no outro extremo: fixação de um critério máximo para a tributação. A jurisprudência desassociou a Capacidade Contributiva da vedação ao confisco (art. 150, IV,
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CF/88) e, ao que pese, entendemos que o segundo nada mais é do que critério objetivo para a aferição de violação da primeira. Por meio do critério da pessoalidade, que é inerente à Capacidade Contributiva, é imperativo identificar a capacidade econômica do contribuinte e, consequentemente, chegar-se a um razoável nível de tributação sobre o mesmo – se for o caso. Para tanto, a título de exemplo, se os efeitos da tributação sob o contribuinte tangenciarem o mínimo existencial tributário, restará configurado o efeito confiscatório do tributo ou da sanção tributária aplicada, pois, como dito, existem determinados casos em que haverá capacidade econômica, porém, não haverá capacidade contributiva. Noutro giro, entendemos pela violação da Capacidade Contributiva também quando o contribuinte goza de elevada capacidade econômica e a carga tributária impressa sobre o mesmo não é de cunho elevado. Referida violação ocorre com frequência pelo fato de a análise da carga tributária começar por onde deveria terminar, sendo primeiro em “confisco”, e tampouco se fala em Capacidade Contributiva. É indissociável a Capacidade Contributiva do confisco, e assim sendo, devemos nos ater ao ponto de que primeiro deve haver a graduação mediante o critério pessoal, como preceitua o dispositivo constitucional, e somente depois a justa graduação do tributo/sanção aplicável, sendo o confisco apenas um critério de mensuração posterior. Não se defende, nesse ensaio, a aplicação de cargas tributárias exorbitantes por parte do ente tributante, pelo contrário, revela-se que a falta de responsabilidade com que se tributa atinge em grande maioria dos casos o que denominamos de mínimo existencial tributário. Levando-se em conta, obviamente, que o tributo não poderá servir de sanção como apregoa seu próprio conceito trazido pelo art. 3º, CTN, e que a carga tributária incidente sobre o contribuinte não está composta somente pelo tributo, mas, por vezes, por uma REVISTA TRIBUTARISTAS
Opinião infinidade de outros incidentes, como juros de mora, sanções, etc., repisamos que o confisco só será alcançado se a análise passar previamente pelo crivo da Capacidade Contributiva. A Justiça Fiscal, embora de conceito impreciso, lastreia-se junto à igualdade e à redistribuição de renda proposta por uma função secundária do tributo frente ao Estado Social de Direito, e assim sendo, ressalta Tipke, o Estado Social não pode explorar seus cidadãos contribuintes em favor de cidadãos socialmente indignos. (Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. 1a Edição. Editora Malheiros. 2002. p. 44) Para tanto, não é o que se observa no desempenho do Direito Tributário Sancionador que se presta, vez mais, em promover desigualdade a permitir com que a mesma carga tributária seja considerada confiscatória para “grandes empresas e pequenos contribuintes”. Em âmbito jurisprudencial, é muito difícil ter-se notícia de que houve manifestações expressas e reiteradas no sentido de que o Princípio da Capacidade Contributiva conteve força suficiente como fundamentação para declarar a abusividade em penalidades de cunho fiscal, ou, sequer, de carga tributária exagerada, em outros dizeres, a própria inconstitucionalidade tributária. Contudo, ainda que não expressamente levado em consideração, o princípio é um imperativo constitucional que se presta não porque o pode fazê-lo, mas, sim, porque o deve, já que a obrigação em sua aplicabilidade condiz a limitar o exercício das competências tributárias (inclusive na implicação de sanções) e garantir a plena efetivação dos primados da igualdade e da justiça fiscal, sendo a vedação ao confisco, apenas, uma delimitação objetiva da Capacidade Contributiva, e não uma consideração autônoma como vem se observando – o que significa dizer, não há violação ao confisco sem que exista prévia violação ao postulado da Capacidade Contributiva.
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Referências Bibliográficas ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid. Centro de Estudios Constitucionales. 2003. BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2a Edição. São Paulo. Editora Lejus. 2004. MOSCHETTI, Francesco. Il Principio della Capacitá Contributiva. Pádua. CEDAM. 1973. SPAGNOL, Werther Botelho. Curso de Direito Tributário. 3a Edição. Belo Horizonte. Editora Del Rey. 2004. TIPKE, Klaus. YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. 1a Edição. Editora Malheiros. São Paulo. 2002.
Arthur Felipe Silva Sian Advogado e Consultor Tributário. Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
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