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Aviação Agrícola Brasileira Voa em Direção ao Uso do Baixo Volume

por Lucas Zanoni

Olhando para a aplicação aérea no Brasil, nós vemos muitas semelhanças com os EUA: muitos aviões voando sobre os campos, usando muita tecnologia para proteger as infinitas lavouras durante a safra. Mas uma diferença notável é fácil de ver na operação. Enquanto um avião agrícola americano deixa o seu rastro na forma de uma cortina, o rastro de um avião agrícola brasileiro provavelmente será de algumas trilhas separadas.

Nos últimos anos, a indústria de aviação agrícola brasileira passou a usar cada vez mais bicos atomizadores rotativos. As razões são muitas: manutenção mais fácil devido a menor quantidade de equipamentos nas barras, versatilidade para calibrar diferentes vazões e diferentes tamanhos de gotas, cobertura mais eficiente com melhores resultados na lavoura e maior lucratividade nas operações de aplicação aérea.

Empresas de aviação agrícola por todo o Brasil estão migrando para esse tipo de tecnologia. De aeronaves pequenas (como Ipanemas, Cessnas e Pawnees) às maiores (como AT 602 e AT 802), podemos ver os atomizadores rotativos sendo usados na aplicação de uma infinidade de produtos agroquímicos, em uma grande variedade de culturas agrícolas. Neste artigo, compartilharemos a história recente de alguns operadores que tem voado nessa direção.

Serrana Aviação Agrícola e a família Balzan

A Serrana Aviação Agrícola é uma das maiores aeroagrícolas da América do Sul, possuindo uma grande frota de Air Tractor. A empresa da família Balzan (que vêm de raízes agrícolas) foi fundada em 1998 e está localizada na cidade de São Gabriel do Oeste (MS). O grupo atende várias partes do país (também nos estados de São Paulo, Bahia, Mato Grosso e Goiás), tratando lavouras de cana-de-açúcar, soja, arroz, algodão, milho e florestas. A Serrana é uma das empresas de aviação agrícola que tem se destacado nos programas de combate a incêndios nos últimos anos, trabalhando tanto com o governo brasileiro quanto com países vizinhos (veja as edições de novembro de 2020 e outubro de 2019 da AgAir Update Brasil).

Parte da frota de Air Tractors da Serrana. Localizadana região Centro-Oeste, a empresa é uma das maioresoperadoras de aeronaves agrícolas do mundo.

A empresa introduziu o uso de bicos atomizadores rotativos ainda na década de 2000, quando passou a trabalhar com vazões abaixo de 10 litros/ha. Durante a década de 2010, a Serrana auxiliou a Zanoni nos testes de seus primeiros rotativos, sendo um parceiro fundamental para o sucesso que este produto teria nos próximos anos. Com o tempo, as vazões foram diminuindo cada vez mais e, na última safra, foram realizados testes e aplicações de até 0,5 litro/ha nas lavouras de algodão. A empresa trabalha com vazões de até 20 litros/ha com este tipo de bicos, utilizando as vazões mais baixas para aplicação de inseticidas e vazões acima de 10 litros/ha quando se trabalha com caldas que possuem diversos produtos misturados e requerem uma diluição maior.

Caio Balzan, piloto agrícola e membro da segunda geração da família na empresa, comentou alguns dos motivos que os levaram a trabalhar com esse tipo de tecnologia:

“A demanda veio de nossos próprios clientes e, com as pesquisas, percebemos que, além desse tipo de aplicação tornar o serviço mais rápido e barato, a eficiência e o resultado agronômico estavam melhorando devido à alta concentração de produto ativo e à melhor cobertura. Agora somos capazes de alcançar uma largura de faixa mais ampla e um espectro de gotas de qualidade superior quando comparados aos bicos hidráulicos convencionais”.

Vista da sede da Serrana Aviação Agrícola,em São Gabriel do Oeste. A empresa, que tem operações em várias partes do país, ajuda aZanoni Equipamentos no desenvolvimentode tecnologias de aplicação há mais de umadécada.

Caio faz parte da segunda geração da famíliaBalzan na empresa. Piloto desde 2014, elevoa em operações agrícolas durante a safrae também no combate aéreo a incêndios nos

Bom Futuro e Tchecão

O grupo Bom Futuro é uma das maiores empresas do agronegócio no mundo. Ela cultiva mais de 600.000 hectares a cada ano, produzindo aproximadamente 1,7 milhão de toneladas de grãos. Localizada no estado de Mato Grosso, mantém o maior projeto de integração lavourapecuária do mundo, onde são criados mais de 130 mil bovinos de corte. Seus campos de cultivo, onde qualquer um pode se perder em sua imensidão, são protegidos por uma frota de 17 aeronaves Air Tractor, uma delas comandada por Paulo França, também conhecido como Tchecão. O piloto está trabalhando lá há quase duas décadas, comandando inovações em aplicações aéreas. Amigo próximo de Sergio Zanoni (engenheiro-chefe e presidente da fabricante de equipamentos de pulverização agrícola), muitas de suas ideias e demandas levaram a alguma mudança de paradigma na indústria de aplicação aérea brasileira. Ele nos conta um pouco sobre sua história na aviação agrícola:

Paulo França (“Tchecão”) é um pilotoparanaense que está há 18 anos no grupo doBom Futuro. Amigo próximo da família Zanoni,ele tem ajudado a fabricante a desenvolvernovas soluções para a aviação agrícola.

“Sou piloto agrícola há 27 anos. Minha história na aviação é a história de qualquer menino que, desde criança, sonhou em ser piloto. E, desde o início, me identifiquei muito com a aviação agrícola, porque você pode ver o quão útil você é para o mundo.

Comecei a voar para Bom Futuro através de uma empresa terceirizada que prestava serviço, trabalhando assim por 7 a 8 anos. A certa altura, com o crescimento do grupo, eles decidiram comprar alguns aviões e me convidaram. Agora estou completando 18 safras com eles. Na última, protegemos mais de 1 milhão de hectares”.

A aplicação é feita com vazões entre 3 litros/ha, para o Malathion na cultura do algodão, até vazões de 10 a 12 litros/ha para inseticida e fungicida na soja. O piloto conta que no passado havia muita restrição com essas operações no estado do Mato Grosso, pois a região central do Brasil vai além das chamadas “condições ideais de aplicação”, devido à temperatura e umidade. No entanto, o grupo buscou alguma forma de melhorar a eficiência, procurando agregar um ou outro produto que melhorasse a aplicação:

“Foi aí que entrou o Baixo Volume Oleoso (BVO), que é a adição de 1 litro/ ha de óleo vegetal à calda. Começamos a usar o BVO em 2002. Houve uma melhor eficiência e fomos capazes de aumentar a janela de horas de trabalho, sem deixar de lado a qualidade da aplicação.

O uso do BVO no Mato Grosso é real. 100% do nosso trabalho é com este sistema. Devido à eficiência, devido às gotas não evaporarem, devido à melhor aderência da gota à planta. Na safra chove muito e a água lava a planta, mas o óleo impede isso. E, se não chover, temos temperatura e evaporação muito altas, e o óleo também torna isso mais difícil”.

Um AT802 do grupo Bom Futuro em ação.A empresa opera uma frota agrícola de17 aeronaves Air Tractor e cultiva mais de600.000 mil hectares de grãos todos os anos.

Tchecão está trabalhando com a Zanoni em um novo atomizador rotativo específico para o AT602 e AT802. Ele compartilhou conosco alguns detalhes sobre o projeto, que contou com a ajuda do professor Marcelo Drescher:

“Por muitos anos, ouvimos que era impossível trabalhar com esse tipo de bico em aeronaves maiores. Todo mundo costumava dizer que a alta velocidade comprometia o espectro de gotas. Testamos diferentes soluções de aplicações, de diferentes marcas, e aqui estamos. Trabalho com o Sérgio há dezoito anos e conseguimos desenvolver muita coisa interessante para a aviação agrícola, desta vez não seria diferente.

Eles [Zanoni] vieram aqui, a gente conseguiu achar um denominador comum e agora estamos fazendo as pesquisas agronômicas. Tenho feito diferentes simulações em horários diferentes por mais dez dias seguidos (à noite, de madrugada, de manhã) com as melhores ferramentas de análise disponíveis no mercado. Embora os testes ainda sejam preliminares, estamos vendo o melhor resultado possível com esse novo desenvolvimento para todos os tipos de aplicações, incluindo inseticidas e fungicidas.

Foi um trabalho difícil, demandou muito tempo e pesquisas, mas é assim que o setor evolui. Devemos olhar para o futuro, propor e estar abertos a inovações. Ainda temos empresas fabricando produtos com tecnologias dos anos 70 ou 80 e aeronaves usandoas, só porque vem de fora do país. Mas posso dizer que esse desenvolvimento que fizemos juntos aqui no Brasil tem um padrão global de excelência. É importante ter pessoas que gostem de nosso setor como nós, que sejam engajadas e que queiram ver as coisas evoluírem. Gente que vai a campo e vê o que está acontecendo no mundo real, gente que aceita sugestões e críticas para mudar e melhorar”.

Edegar Marcondes de Campos

Edegar Marcondes de Campos é um piloto agrícola com muita experiência em todo o Brasil. Nascido no Paraná, voou durante 21 safras em diferentes regiões do país. Edegar iniciou sua carreira no estado de Goiás onde voou por dois anos e depois mudouse para o estado de Mato Grosso, onde trabalhou por sete safras. Ele conta que na época só trabalhava com vazões maiores, de 30 a 40 litros/ha e, nos últimos dois anos naquela região, já havia começado a fazer alguns trabalhos com vazões de 10 litros/ha.

Em seguida, o piloto foi trabalhar no estado do Tocantins, onde ficou por quatro temporadas e só trabalhou com vazões menores (10 litros/ha) e agora está no estado do Maranhão. Lá, Edegar faz diversas aplicações (como inseticida, fungicida, herbicida e adubo foliar), principalmente na soja, no algodão e no milho (“safra” e “safrinha”). Ele também trabalha com dispersão de sólidos como milheto, braquiária, fertilizantes e uréia.

Embraer Ipanema 203 operando comatomizador rotativo. Esse tipo de aplicaçãoaérea tem sido a chave para fazer com que aeronaves menores tenham um rendimentomaior no campo.

Edegar nos contou um pouco sobre sua percepção com o uso de atomizadores rotativos, tanto em termos de eficiência quanto em questões ambientais:

“Sem dúvida, trabalhar com atomizadores rotativos é excelente, pois é a melhor forma de ter gotas mais uniformes e melhores resultados na lavoura devido a uma melhor cobertura. Mais área para cada decolagem, faixas com larguras maiores, portanto uma relação custo-benefício muito melhor também.

Para o meio ambiente, é uma ferramenta muito boa também, pela pouca quantidade de água utilizada. É óbvio que existem problemas relacionados à deriva, mas este é um problema que afeta nosso setor em qualquer tipo de aplicação, inclusive aquelas com 50 a 30 litros/ha com aeronaves e também aquelas com 100 a 200 litros/ha com pulverizadores terrestres. Isso só pode ser resolvido com profissionalismo. Existem bons adjuvantes e veiculantes disponíveis no mercado, e novos produtos são desenvolvidos a cada dia. Encontrar a solução certa e investir em testes e calibração no pré-safra é a chave para o sucesso”.

Edegar é um piloto brasileiro com experiênciaem diferentes regiões do país. Ele viu algumasmudanças muito grandes nos parâmetrosde aplicação aérea acontecerem nos últimosanos.

Grupo DB e Rodrigo Mesquita Bueno

Rodrigo Mesquita Bueno também é um piloto com experiência em diversos tipos de aplicação em diferentes regiões do Brasil. Iniciou sua carreira na aviação comercial em 1999 e passou a voar na área agrícola em 2007, em diversos tipos de aeronaves, incluindo Pawnee, Embraer Ipanema 201 e 202, Cessna Agwagon, Agtruck e Aghusky e agora um Air Tractor do Grupo DB. Trabalhou uma safra na Bahia (com soja e algodão), três no Rio Grande do Sul (com arroz), três em Goiás (com cana, soja e milho) e agora está terminando a sétima safra em Minas Gerais.

O Grupo DB é uma empresa do agronegócio com atuação em Minas Gerais, nas regiões do Alto Paranaíba e do Norte Mineiro. Fundado em 1976, o grupo de Décio Bruxel cultiva café de alta qualidade, algodão, soja, milho, feijão, sorgo, trigo, arroz e tomate, cria gado bovino e suíno e atua com genética animal e vegetal. É uma organização de destaque no Brasil nas áreas de desenvolvimento e precisão, possuindo parcerias com diversas instituições de pesquisa e de certificação de qualidade.

Rodrigo atende atualmente 13 de suas fazendas, sendo três no norte do estado, com mais de uma hora de voo de sua base central, que fica próxima à cidade de Patos de Minas. Isso causou um problema inicial com a durabilidade dos atomizadores rotativos: o bico rotaciona muito mais do que as operações normais devido ao traslado da aeronave e Rodrigo voa 11 meses por ano. Porém, os equipamentos utilizados a partir de 2017 resolveram o problema, devido à sua grande resistência.

Ele destacou que, como a região possui uma variedade imensa de lavouras (segundo Rodrigo, tudo menos arroz e cana-de-açúcar são plantados ali), são necessárias tecnologias que ofereçam uma versatilidade em termos de vazões. Por exemplo, um inseticida específico para o algodão é aplicado com vazões de 2 litros/ha e no tomate a aplicação foliar é de 30 litros/ha. Daí um dos motivos da aplicação com atomizadores rotativos, que são usados em praticamente todos os trabalhos, com exceção dos dessecantes: “Isso facilitou muito a nossa vida. Já testamos várias soluções de aplicação de diversas marcas, com Air Tractor e Embraer Ipanema, e esta que estamos utilizando agora foi a que melhor atendeu ao nosso ritmo”.

Rodrigo fazendo aplicação no tomate. Ele foio responsável por introduzir novas condiçõespara aplicações aéreas em diferentes lavourasda região.

Rodrigo destacou o papel que o investimento em pesquisa desempenha em sua operação. Ele ressalta que por meio de diversos estudos, “Clínicas de Aeronaves”, diálogo com agricultores e avaliação de resultados em campo, tem conseguido encontrar um padrão de excelência para seu trabalho de aplicação aérea.

“Uma clínica de aeronaves foi feita com nosso equipamento e mostrou uma uniformidade de tamanho de gota muito considerável para aplicação. Fizemos uma pesquisa com vazão de 2 litros/ha, que não carrega água, apenas um litro do produto e um litro de óleo derivado do caroço de algodão. Uma aplicação voltada especificamente para o bicudo. Teve uma eficácia muito considerável. Incluindo a questão da largura de faixa, conseguimos faixas de 30 a 33 metros aqui. O uso da vazão 2 litros/ha foi um caso de estudo. Essa é a vantagem de trabalhar diretamente com os agricultores. Estamos explicando, procurando melhorias, fazendo testes e diminuindo a vazão. Cheguei aqui em 2013, a empresa terceirizava o serviço e trabalhava com vazões de 20 a 30 litros/ha. Solicitei a utilização de algumas áreas a serem testadas com vazões mais baixas.

Um exemplo foi o milho. Aqui nós temos uma grande criação de porcos, então eles usam muito milho para alimentá-los. Vim de Goiás, onde trabalhava com vazão de 8 litro/ha no milho. No início, eles se assustaram com a proposta aqui em Minas Gerais, mas, já no primeiro ano, tudo passou a ser feito com esses parâmetros. Funcionou: a qualidade da aplicação melhorou, o tempo de aplicação melhorou, a concentração mudou. Portanto, passamos a trabalhar dessa forma.

O algodão era pulverizado com vazões entre 8 e 6 litros/ha e eles tiveram muita restrição para passar a usar 2 litros/ha. Até certo ponto, devido à quantidade de área de algodão, aceitaram os testes de aplicação 2 litro/ha com produto puro (Malathion UL, um inseticida que o próprio rótulo recomenda essa vazão). Inicialmente com óleo mineral, depois com óleo agrícola e agora nos últimos dois anos estamos usando óleo derivado do caroço de algodão, que é atraente para o inseto”.

Por fim, Rodrigo nos contou alguns detalhes mais específicos sobre seu trabalho em diferentes culturas:

“A janela de aplicação do algodão é das 9h às 16h devido à abertura floral do botão do algodão, momento em que o inseto está mais ativo na cultura. A essa hora o bicudo do algodoeiro sai da parte inferior da planta e você consegue pegá-lo. Seu ciclo de vida é muito voraz. A cada três dias, nascem novos insetos. Um bicudo põe 200 ovos por dia. É uma condição que se você não está atento, se não tem eficácia, velocidade de aplicação, tempo de resposta para combater o ciclo, é fácil perder o controle. Portanto, a vazão de 2 litros/ ha tornou a eficácia do tratamento simplesmente sensacional.

Vista da trilha de pulverização deixada pelaaeronave usando atomizadores rotativos.Segundo o operador, essa tecnologia deaplicação foi a única que atendeu suademanda.

Depois passamos a usar 2 litro/ ha também no milho, para combater a cigarrinha do milho. É um inseto voador, que também põe ovos muito rápido e você pode facilmente perder o controle da lavoura.

Agora, finalmente, optamos por essas aplicações especiais no café também. A cultura do café trabalhava com vazões altíssimas, entre 300 e 400 litros/ha. Com a aeronave estamos aplicando de 8 a 10 litros/ha, quando o foliar está muito denso eu faço 20 litros/ha. Tudo com atomizadores. Fiz testes com outros tipos de aplicações e vários tipos de bicos, e na minha opinião, trabalhar com 10 litros/ha no atomizador Zanoni nos deu o melhor resultado. E também aplico com 2 litros/ha no café para pegar a mariposa do bicho mineiro, a principal praga da lavoura cafeeira hoje. Os resultados têm sido espetaculares no controle das revoadas”.

Continua na próxima edição.

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