O REGIME JURÍDICO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO SISTEMA CONSTITUCIONAL-TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

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O REGIME JURÍDICO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO SISTEMA CONSTITUCIONAL-TRIBUTÁRIO BRASILEIRO


CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO

LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA Diretor Presidente da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO Diretor - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE Editor-chefe da Associação da Revista Eletrônica a Barriguda - AREPB

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA – AREPB CNPJ 12.955.187/0001-66 Acesse: www.abarriguda.org.br

CONSELHO EDITORIAL Adilson Rodrigues Pires André Karam Trindade Alessandra Correia Lima Macedo Franca Alexandre Coutinho Pagliarini Arali da Silva Oliveira Bartira Macedo de Miranda Santos Belinda Pereira da Cunha Carina Barbosa Gouvêa Carlos Aranguéz Sanchéz Dyego da Costa Santos Elionora Nazaré Cardoso Fabiana Faxina Francisco de Assis Cardoso Almeida Gisela Bester Glauber Salomão Leite Gustavo Rabay Guerra Ignacio Berdugo Gómes de la Torre Jaime José da Silveira Barros Neto Javier Valls Prieto, Universidad de Granada José Ernesto Pimentel Filho Juliana Gomes de Brito Ludmila Albuquerque Douettes Araújo Lusia Pereira Ribeiro Marcelo Alves Pereira Eufrasio Marcelo Weick Pogliese Marcílio Toscano Franca Filho Niédja Marizze Cézar Alves Olard Hasani Paulo Jorge Fonseca Ferreira da Cunha Raymundo Juliano Rego Feitosa Ricardo Maurício Freire Soares Talden Queiroz Farias Valfredo de Andrade Aguiar Vincenzo Carbone


RENATO JOSÉ RAMALHO ALVES

O REGIME JURÍDICO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO SISTEMA CONSTITUCIONAL-TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

1ª EDIÇÃO

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA - AREPB

2017


©Copyright 2017 by

Organização do Livro RENATO JOSÉ RAMALHO ALVES Capa ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE Editoração VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE Diagramação VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE

O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade dos autores. Data de fechamento da edição: 30-06-2017

A474o

Alves, Renato José Ramalho. O regime jurídico dos tratados internacionais no sistema constitucional-tributário brasileiro. 1ed. / Autor, Renato José Ramalho Alves. – Campina Grande: AREPB, 2017. 107 f. : il. color. ISBN 978-85-67494-24-1 1. Direito internacional. 2. Tratado internacional. 3. Direito tributário. I. Alves, Renato José Ramalho. II. Título. CDU 341.1

Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP) Ficha Catalográfica Elaborada pela Direção Geral da Revista Eletrônica A Barriguda - AREPB

Todos os direitos desta edição reservados à Associação da Revista Eletrônica A Barriguda – AREPB. Foi feito o depósito legal.


O Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito – CIPED, responsável pela Revista Científica e selo editorial “A Barriguda”, foi criado na cidade de Campina Grande-PB, com o objetivo de ser um locus de propagação de uma nova maneira de se enxergar a Pesquisa, o Ensino e a Extensão na área do Direito. A ideia de criar uma revista eletrônica surgiu a partir de intensos debates em torno da Ciência Jurídica, com o objetivo de resgatar a perspectiva científica e participativa do ensino jurídico, promovendo a interdisciplinaridade, valorizando os contextos locais, a criatividade e as possibilidades culturais. Resgatando, dessa maneira, posturas metodológicas que se voltem à postura ética, criativa e propositiva dos futuros profissionais. Os idealizadores deste projeto, revestidos de ousadia, espírito acadêmico e nutridos do objetivo de criar novo paradigma de pesquisa e ensino do Direito se motivaram para construir um projeto que ultrapassou as fronteiras de um informativo e se estabeleceu como periódico científico, editora e centro de pesquisa. Nosso sincero reconhecimento e agradecimento a todos que contribuíram para a consolidação de A Barriguda no meio acadêmico de forma tão significativa.


Ao meu avô, Basílio (in memoriam). Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes [...] dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (art. 5°, §2°, da Constituição Federal de 1988).


AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, em quem sempre busco iluminação para seguir os caminhos dessa vida. Agradeço aos professores Gustavo Rabay, Maria Luiza Alencar Feitosa (UFPB), Flavianne Bitencourt e Luciana Grassano (UFPE), da qual atualmente tenho o privilégio de ser orientando, com os quais tenho o privilégio não apenas de aprender e de promover projetos acadêmicos, mas de construir verdadeiros laços de amizade. Agradeço, ainda, em nome de Laryssa Almeida, à toda a competente equipe da Editora A Barriguda, que vem se destacando por relevantes publicações em temas dos mais relevantes na atualidade.


Sumário APRESENTAÇÃO – Renato José Ramalho Alves.....................................................................11 PREFÁCIO – Laryssa M. A. de Almeida ......................................................................................... 8 RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E O DIREITO INTERNO ............................................................................................................................................................10 I. Teoria Dualista ..................................................................................................................... 11 II. Teoria Monista .................................................................................................................... 13 III. Uma nova visão para o problema: diálogo entre as fontes ........................................ 18 III.I. Teoria Dualista do transdialogismo (ou monismo internacionalista dialógico) ..................................18 III.II A teoria do transconstitucionalismo .......................................................................................................19

DIREITO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS: BREVES APONTAMENTOS SOBRE O REGIME JURÍDICO INTERNACIONAL DOS TRATADOS ..................................................25 I. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 .................................... 27 II. Conceito e nomenclaturas ................................................................................................ 28 III. Classificação ....................................................................................................................... 30 IV. Condições de validade ..................................................................................................... 32 V. Processo de formação ....................................................................................................... 35 VI. Efeitos jurídicos perante as partes.................................................................................. 38 VII. Extinção ............................................................................................................................. 43 TRATADOS INTERNACIONAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL .........46 I. O processo de celebração dos tratados internacionais pelo Brasil............................. 46 I.I Negociação e assinatura do tratado ..........................................................................................................47 I.II O papel do Congresso Nacional: apreciação, promulgação e outras funções .....................................48 I.III Ratificação ou adesão pelo Poder Executivo ..........................................................................................54 I.IV Promulgação do Decreto Presidencial ....................................................................................................55

II. A questão dos acordos executivos .................................................................................. 56 III. A localização do tratado internacional na hierarquia normativa interna .................. 58 III.I A infraconstitucionalidade dos tratados internacionais .........................................................................58


III.II A questão das matérias tratadas exclusivamente por leis complementares .......................................59 III.III A importância de se analisar o conteúdo do tratado internacional....................................................60 III.IV Os tratados internacionais comuns .......................................................................................................61 III.V Os tratados sobre direitos humanos ......................................................................................................62 III.VI Os tratados sobre transporte internacional: Convenção de Varsóvia vs.CDC....................................66 III.VII Os tratados em matéria de direito processual civil: o art. 13 do CPC/2015 ......................................68

O TRATADO INTERNACIONAL EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA NO BRASIL ..................70 .I Tratado internacional como fonte do direito tributário ................................................ 72 II Eficácia e aplicabilidade do tratado internacional tributário ........................................ 76 II.I O art. 98 do CTN ........................................................................................................................................76 II.II Poderia um tratado internacional em matéria tributária revogar uma lei interna? .............................78 II.III Poderia um tratado internacional tributário ser revogado por uma lei interna? ................................80 II.IV O tratado internacional tributário possui um status supralegal em nosso país? ...............................81 II.V Poderiam ser aplicadas as teorias do transdialogismo e a do transconstitucionalismo aos conflitos entre tratado internacional tributário e lei interna? .....................................................................................90

III A isenção de tributos estaduais e municipais mediante tratados internacionais ..... 92 IV. Nova perspectiva sobre o tratado internacional no Brasil: os acordos internacionais de troca de informações fiscais ............................................................................................ 94 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 107 REFERÊNCIAS .............................................................................................................................. 117


APRESENTAÇÃO A presente obra busca sintetizar os principais resultados de estudos e pesquisas realizadas ao longo dos três últimos anos, desde a minha graduação na UFPB, passando pela especialização na ESA/OAB-PB, sendo aprofundados, atualmente, no curso de Mestrado da UFPE. O trabalho tem como objeto principal o estudo da eficácia e da aplicabilidade dos tratados internacionais em matéria tributária no Brasil, perquirindo-se, em especial, sobre sua eventual supralegalidade em nosso ordenamento jurídico. Com o desenvolvimento do processo de globalização, desde o fim do século XX, o mundo vem presenciando a intensificação das relações comerciais e econômicas entre os países. Surge, assim, o mercado mundial, ignorando as fronteiras geográficas nacionais. Os Estados, cada vez mais integrados e interdependentes, buscam implementar, de forma cooperativa, ações conjuntas sobre questões em comum, especialmente por meio da formação de tratados internacionais – principal fonte de direitos e obrigações no âmbito do Direito Internacional Público. Nesse sentido, cresce no seio da comunidade internacional a preocupação com o estabelecimento de normas que promovam a justiça fiscal, fundamentada na ideia de que os tributos são instrumentos indispensáveis para a satisfação das necessidades públicas e de que todos devem contribuir para a promoção do bem comum, de acordo com sua capacidade econômica. Na seara do Direito Tributário, os tratados internacionais apresentam-se, principalmente, como um imprescindível instrumento para o estabelecimento de normas tributárias indutoras, incentivando as atividades econômicas e os investimentos estrangeiros. Os tratados internacionais tributários são expressamente previstos como parte integrante da legislação tributária, tal como preceitua o art. 96 do Código Tributário Nacional (CTN). Correspondem, pois, a uma fonte do direito tributário interno. Nesse contexto, diante da dicção do art. 98 do CTN, o principal problema analisado no presente trabalho trata-se da existência ou não de um status supralegal dos tratados internacionais tributários no Brasil. A problemática apresentada perpassa por diversos ramos do Direito, de modo que o estudo ora exposto possui um forte viés de interdisciplinaridade. Assim, utilizando-se como referenciais teóricos posicionamentos de autores da Teoria Geral do Direito, como Hans Kelsen ~ 11 ~


e Noberto Bobbio, do Direito Internacional, como Valerio Mazzuoli e Francisco Rezek, do Direito Constitucional, como Marcelo Neves, e do Direito Tributário, como Alberto Xavier e Sacha Calmon Navarro Coêlho, aborda-se o regime jurídico dos tratados internacionais em matéria tributária no Brasil, à luz da jurisprudência dos tribunais superiores, tendo como parâmetro normativo tanto as normas de direito interno, como a Constituição de 1988 e o Código Tribunal Nacional, como as de direito internacional, como a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados.

RENATO JOSÉ RAMALHO ALVES

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PREFÁCIO Desde os tempos de graduando da UFPB, Renato Ramalho vem se mostrando um dedicado pesquisador e estudioso do Direito Internacional. Sua experiência, após ter atuado em organismos internacionais, como a OEA e a ONU, sem dúvidas, confere-lhe importante vivência prática sobre os principais problemas envolvendo o Direito das Gentes. Na presente obra, o autor trata do regime jurídico dos tratados internacionais no contexto do ordenamento jurídico brasileiro. O tema escolhido é resultado de uma perfeita sintonia entre seus estudos acadêmicos, com foco no Direito Internacional, e sua experiência práticoprofissional, com ênfase na advocacia tributária. Nesse sentido, na presente obra, o autor trata, com estilo e abordagem próprios, relevantes questões sobre os tratados internacionais, sempre fazendo um interessante paralelo entre as normas internacionais e as normas do sistema jurídico nacional. O trabalho está dividido em cinco capítulos, sendo que o último apresenta as considerações finais. No primeiro capítulo, o autor trata das clássicas teorias que versam sobre as relações entre as normas de direito internacional público e as de direito interno, analisando se tais normas inserem-se ou não em um sistema jurídico único, bem como quais as soluções a serem adotadas para os casos de antinomias entre elas. O capítulo também expõe novas linhas teóricas sobre o tema, que apontam para uma necessidade de diálogo entre as diferentes fontes jurídicas. O segundo capítulo versa sobre importantes temas sobre o Direito dos Tratados, fundamentais para se compreender o regime jurídico dos tratados internacionais, tais como o conceito de tratado, classificação, condições de validade do processo de celebração, efeitos jurídicos e extinção, tendo como base teórica a doutrina jusinternacionalista e como parâmetro normativo as disposições da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT). No terceiro capítulo, o autor aborda o regime jurídico, no Brasil, dos tratados internacionais em geral, versando-se sobre o processo de sua celebração, com destaque para o papel do Poder Executivo e do Poder Legislativo, bem como sua localização na escala hierárquico-normativa em nosso país. Também são analisados alguns temas atinentes a tratados internacionais que versam sobre assuntos não tributários. Por fim, no quarto capítulo, que versa sobre o objeto principal do trabalho, o autor disserta sobre a eficácia e a aplicabilidade dos tratados internacionais tributários no Brasil e o seu possível status supralegal no ordenamento jurídico brasileiro, por meio da exposição de ~8~


entendimentos jurisprudenciais e doutrinários sobre o tema. Remete-se, novamente, à discussão sobre as novas linhas teóricas sobre a solução de antinomias entre normas de diferentes fontes jurídicas, perquirindo-se sobre sua aplicabilidade nos conflitos entre norma de direito internacional tributário e de direito interno. Também é analisada a questão da possibilidade de estabelecimento de isenções de tributos estaduais e municipais por meio de tratados internacionais tributários. Ainda nesse capítulo, o autor traz importantes considerações sobre uma nova perspectiva do tratado internacional no Brasil, versando sobre os acordos sobre troca de informações, objeto de sua pesquisa no Mestrado da UFPE.

LARYSSA M. A. DE ALMEIDA

~9~


CAPÍTULO 1 RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E O DIREITO INTERNO

Desde meados do século XX, com a intensificação das relações jurídicas entre os países, uma questão que causa grandes debates gira em torno de saber como solucionar um conflito entre uma norma de Direito Internacional Público (DIP) e uma de direito interno. Tal problemática já fora objeto de reflexão por diversos autores, notadamente aqueles que se dedicam ao estudo do direito internacional ou do direito constitucional. A importância do tema pode ser visualizada com um simples exemplo. Imaginese que um tratado de direito internacional ratificado pelo Brasil, no ano de 2010, dispõe sobre a isenção, pelos Estados aderentes, de qualquer tributo sobre a importação de carros elétricos. Entretanto, em 2015, é promulgada uma lei federal brasileira cobrando imposto de importação sobre todo tipo de veículo estrangeiro, em clara desarmonia com o mencionado tratado internacional ratificado em 2010. Nessa hipótese, a norma que deverá prevalecer é aquela do Direito Internacional Público (tratado internacional) ou aquela do direito interno estatal (lei federal)? Por isso, para se compreender a aplicabilidade e a eficácia de um tratado internacional dentro de determinado Estado, faz-se necessário entender os principais pontos que perpassam a temática dos conflitos entre o direito internacional e o direito interno. ~ 10 ~


As duas principais doutrinas que indicam soluções para resolver o problema são as teorias dualista e monista – bem como suas respectivas subdivisões. Entretanto, recentemente, tem-se desenvolvido soluções que tomam como base o diálogo entre as fontes do direito das gentes e as fontes do direito estatal, tal como indicam as teorias do transdialogismo e do transconstitucionalismo.

I. Teoria Dualista

Os adeptos da teoria dualista (ou pluralista)1 defendem que o direito internacional e o direito interno fazem parte de dois ordenamentos jurídicos diversos e independentes. O primeiro tem a função de regular as relações entre os sujeitos de direito internacional (notadamente, os Estados) e o segundo as relações entre o Estado e os indivíduos ou entre os próprios indivíduos. O dualismo é fruto de um forte ideal de soberania interna dos Estados. Para tal corrente, conforme explica Francisco Rezek, “a validade jurídica de uma norma interna não se condiciona à sua sintonia com a ordem internacional”2. Por outro lado, o direito internacional somente pode ser aplicado internamente se a norma internacional for transformada (adotada ou internalizada) por mecanismos do próprio direito interno (leis, decretos etc). Assim, jamais se poderia falar em uma norma de direito internacional que criasse obrigações para os indivíduos, a não ser que esta fosse internalizada por uma norma do direito interno3. Segundo os dualistas, não há qualquer ponto de comunicação entre um tratado e uma lei interna, de modo que não existe a possibilidade de antinomias. O que pode se verificar é o conflito entre a norma originariamente estatal e a norma internacional transformada em norma estatal, problema que seria solucionado mediante as regras

1

Dentre os autores que defendem o dualismo, destacam-se Carl Heinrich Triepel, Strupp, Walz, Listz, Anzilotti, Balladore Pallieri e Alf Ross. 2 REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. São Paulo: 2011, p. 28. 3 ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 59-60. ~ 11 ~


nacionais. Outrossim, por integrarem diferentes sistemas jurídicos, também não se verifica qualquer hierarquia normativa. Dentro da corrente dualista, é possível encontrar duas vertentes, com uma tênue diferença entre elas. A primeira trata-se do dualismo radical, vigente na Itália, que indica que uma norma internacional apenas poderia ser aplicada internamente caso fosse transformada mediante uma lei stricto sensu, aprovada após votação no parlamento. Por outro lado, o dualismo moderado permite que uma norma de direito internacional seja adotada internamente mediante outros mecanismos inferiores à lei stricto senso, tal como um decreto. De qualquer modo, as conclusões da teoria dualista sofrem inúmeras críticas, seja por violarem os pressupostos da teoria juspositivista do ordenamento jurídico ou por se limitarem a considerar os tratados como única fonte do direito internacional. Com efeito, a teoria dualista não se harmoniza com os primados da teoria juspositivista do ordenamento jurídico, uma vez que a ideia de existência de duas ordens jurídicas distintas vai de encontro à concepção de unidade do ordenamento jurídico. Conforme explica Bobbio4, a existência de normas com diferentes objetos não implica em dizer que existe uma pluralidade de ordenamentos jurídicos, mas um único, de caráter complexo, isto é, dotado de várias fontes jurídicas. Para o autor italiano, quanto mais dinâmica for a sociedade, maior será o número das fontes e, com isso, mais complexo será o ordenamento. Portanto, o pressuposto da teoria dualista, no sentido de que as normas de direito interno tem como objeto as relações entre os Estados, enquanto as normas de direito interno objetivam regular as relações do Estado com os indivíduos ou entre os

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A unidade do ordenamento jurídico, segundo Bobbio, corroborando com a teoria da norma fundamental de Kelsen, seria concebida por meio de uma norma fundamental, localizada na extremidade superior da escala hierárquico-normativa, dando fundamento, em maior ou menor grau, para todas as demais normas jurídicas. Em suas palavras, “por mais numerosas que sejam as fontes do direito em um ordenamento complexo, esse ordenamento constitui uma unidade pelo fato de que, direta ou indiretamente, com percursos mais ou menos tortuosos, todas as fontes do direito podem remontar a uma única norma”. Por tudo, ver BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito (tradução de Denise Agostinetti; revisão da tradução de Silvana Cobucci Leite). São Paulo: Martins Martins Fontes, 2010, p. 202-212 e 266-270. ~ 12 ~


próprios indivíduos, não poderia justificar a existência de duas ordens jurídicas distintas, mas tão somente caracterizam o ordenamento jurídico – que é único – como um sistema complexo, com diferentes fontes jurídicas. Ademais, não se poderia admitir que normas de direito internacional e de direito interno, contrastantes entre si, possuíssem igual posição hierárquico-normativa, eis isto que violaria a coerência do ordenamento jurídico. Conforme explica Bobbio, a existência de normas contraditórias e, ao mesmo tempo, válidas – isto é, aplicáveis – viola tanto a segurança jurídica, quanto o ideal de igualdade. Admitindo tal hipótese, o ordenamento jurídico não conseguiria “garantir nem a certeza, entendida como possibilidade, por parte do cidadão, de prever com exatidão as consequências jurídicas da própria conduta, nem a justiça, entendida como igual tratamento das pessoas que pertencem à mesma categoria”5. Por isso, numa visão juspositivista, havendo desarmonia entre a norma de direito internacional e a interna, o aplicador do direito deverá resolver o problema utilizando critérios para a solução de antinomias – tais como o hierárquico (lex superior derogat legi inferiori), o da especialidade (lex specialis derogat generali) e o cronológico (lex posterior derogat legi priori). Além das críticas apontadas por autores juspositivistas, a doutrina dualista ainda incorre em grave erro, eis que somente leva em consideração as normas internacionais advindas de tratados, ignorando os princípios e os costumes internacionais, que também são fontes do direito internacional6. Por tais motivos, entendemos que a corrente dualista não é capaz de criar soluções lógicas e coerentes para o problema das antinomias entre a norma do direito das gentes e aquela proveniente do direito estatal.

II. Teoria Monista

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BOBBIO, op. cit., p. 269. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 83-84. ~ 13 ~ 6


A teoria monista vem justamente se contrapor à dualista. Os adeptos de tal doutrina, que têm como maior representante o jurista austríaco Hans Kelsen7, indicam que há apenas um único sistema jurídico, no qual se inserem tanto o direito internacional como o interno 8. Por isso, as normas de direito internacional podem – e devem – ser aplicadas sem a necessidade de qualquer formalidade prevista pela norma de direito interno; não precisam, pois, ser internalizadas por instrumentos do direito estatal. Para os monistas, quando um Estado firma um tratado internacional (após assinatura e ratificação), gera-se um compromisso jurídico, que poderá ser exigido em âmbito interno; consequentemente, não haveria necessidade de o tratado internacional ser transformado pelo direito doméstico. Conforme explica Mazzuoli, Não há, para os monistas, duas ordens jurídicas estanques, como querem os dualistas, cada uma com âmbito de validade dentro de sua órbita, mas um só universo jurídico, coordenado, regendo o conjunto das atividades sociais dos Estados, das Organizações Internacionais e dos indivíduos. Os compromissos exteriores assumidos pelo Estado, dessa forma, passam a ter aplicação imediata no ordenamento interno do país pactuante, o que reflete a sistemática da ‘incorporação automática’, adotada, dentre outros, pela Bélgica, França e Holanda9.

Considerando que o direito interno e o internacional fazem parte de um único ordenamento jurídico, surge, então, outro problema: havendo conflito entre a norma internacional e a nacional, quem deve prevalecer? Para resolver a questão, foram formadas correntes dentro da teoria monista. Por um lado, os adeptos da teoria monista nacionalista defendem que a norma de direito interno tem primazia sobre a norma de direito internacional, uma vez que 7

Ver KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 364-383. 8 Outros autores estrangeiros que seguem a corrente monista são Verdross, Lauterpacht, Jiménez de Aréchaga, entre outros. No Brasil, a teoria monista é defendida pela maioria dos autores internacionalistas, dentre eles, Mazzuoli, Rezek e Casella. 9 MAZZUOLI, op. cit., 2012, p. 87. ~ 14 ~


este se trata de uma decorrência daquele. A superioridade da norma de direito doméstico advém da concepção de que o Estado é dotado de uma soberania absoluta e irrestrita. O maior argumento dos monistas nacionalistas se baseia na ideia da Constituição como norma de maior hierarquia no ordenamento jurídico, estando a validade das normas de direito internacional subordinada a sua consonância com aquela. Assim, a possibilidade de o Estado assumir compromissos internacionais só é válida se o direito interno assim o permitir, notadamente por meio da Constituição. Sob tal perspectiva, o direito internacional não tem uma existência autônoma e independente, mas encontra seu fundamento no direito interno (constitucional). Conforme explica Mirtô Fraga10, tal argumento da teoria monista nacionalista é combatido por Rousseau, que afirma que o direito internacional não poderia se fundamentar no direito constitucional, do contrário, havendo a revogação da Constituição, as normas de direito internacional perderiam sua validade. Em outras palavras, seguindo a lógica do monismo nacionalista, se um tratado internacional tivesse como fundamento a Constituição, e, por exemplo, dois anos depois de sua adoção, o Estado aderente revogasse tal Carta Política – naturalmente, instituindo uma nova ordem constitucional –, a norma de direito internacional perderia sua validade dentro daquele Estado, eis que não mais subsistiria o seu fundamento. Entretanto, na prática internacional, a observância da norma de direito internacional subsiste mesmo com a modificação ou revogação da Constituição (ou de qualquer norma interna), em virtude do princípio internacional da continuidade do Estado. Além do mais, a corrente monista nacionalista parte do pressuposto de que as normas de direito internacional buscam, tão somente, regular as relações entre os Estados (cujas normas internas lhe dão fundamento). Ocorre que, na atualidade, é cediço que o direito internacional tem um objeto muito mais amplo, também conferindo, por exemplo, direitos e obrigações aos indivíduos. À guisa de ilustração, 10

FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 7. ~ 15 ~


tem-se a responsabilidade internacional penal prevista no Estatuto de Roma, de modo que o indivíduo poderá ser condenado perante o Tribunal Penal Internacional (TPI). Por outro lado, tem-se a teoria monista internacionalista, que confere primazia da norma internacional sobre a interna. Para tal corrente, o direito estatal encontra seu fundamento no direito das gentes (e não o contrário, como defendem os monistas nacionalistas). Para Jónatas Eduardo Mendes Machado, por exemplo, o direito internacional “serve de base para a construção do Estado, da soberania estadual e do direito interno e a quem cabe delimitar o domínio de validade das ordens jurídicas nacionais”11. Nesse sentido, Kelsen12, adepto da corrente monista internacionalista, critica os pressupostos da vertente nacionalista, afirmando que a tese de que o direito internacional seja uma parte do ordenamento jurídico estatal é, em última análise, inconciliável com a ideia de uma pluralidade de Estados existentes um ao lado do outro. A Corte Internacional de Justiça (CIJ), ou Corte de Haia, tem entendimento pacífico no sentido da primazia do direito internacional, corroborando com a tese monista internacionalista. Em parecer emitido em 1930, a CIJ entendeu que um Estado aderente de um tratado não pode deixar de aplicar as disposições nele previstas, sob o argumento de que violaria normas de direito interno 13. Outrossim, exatamente nesse sentido, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), firmada em 1969, prevê, em seu art. 27, que uma parte não pode

11

MACHADO, Jónatas Eduardo Mendes. Direito internacional: do paradigma clássico ao pós-11 de setembro. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 137. 12 Tais considerações de Kelsen foram baseadas em sua crítica à ideia de Campagnolo, para quem “o direito internacional se define como a parte do direito do Estado que regula o comportamento dos cidadãos em relação aos estrangeiros”. Por tudo, ver KELSEN, Hans. Direito internacional e Estado soberano: Hans Kelsen, Umberto Campagnolo (organização de Mario G. Losano; tradução de Marcela Varejão). São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 101-188. 13 Documento citado por ACCIOLY, op. cit., p. 60. ~ 16 ~


invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado14. Não se pode deixar de ter em mente, ainda, a posição do monismo moderado, segundo o qual não deve haver prevalência do direito interno ou do direito internacional. Tal vertente teórica indica que o aplicador do direito, notadamente o juiz, Deve aplicar tanto o Direito Internacional como o Direito interno de seu Estado, porém, o fazendo de acordo com aquilo que está expressamente previsto no seu ordenamento doméstico, especialmente na Constituição, aplicando-se, em caso de conflito, a máxima lex posterior derogat priori (critério cronológico), conhecida pelo direito americano como regra later in time15.

Dessa forma, o monismo moderado, embora reconhecendo a unidade do ordenamento jurídico (pressuposto do juspositivismo), indica que, havendo o conflito entre a norma internacional e a norma interna, deve-se aplicar a solução prevista na Constituição e, na sua ausência, os critérios da Teoria Geral do Direito para a solução de antinomias, notadamente o critério cronológico16. Finalmente, é importante mencionar que não há consenso sobre qual a teoria adotada pelo Estado brasileiro. Autores como Mazzuoli17 defendem que, no Brasil, principalmente após o julgamento da ADIN nº 1.480 DF, em 2001, pelo STF (decisão esta analisada em item posterior), vige a teoria dualista moderada. Por outro lado,

14

Em 2009, houve a ratificação pelo Brasil da CVDT, sendo promulgada por meio do Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009, de modo que não deveria haver dúvidas sobre a supremacia do direito internacional em nosso país, entretanto, tal conclusão não é pacífica, conforme será melhor analisado adiante. 15 MAZZUOLI, op. cit., 2012, p. 90-91. 16 Sobre o critério cronológico para a solução das antinomias normativas, ver BOBBIO, op. cit., p. 250251. 17 MAZZUOLI, op. cit., 2012, p. 82-83. ~ 17 ~


segundo Alberto Xavier18, entendendo que o art. 5°, §2º, da CF 19 prevê uma cláusula geral de recepção plena, o Brasil teria adotado a teoria monista.

III. Uma nova visão para o problema: diálogo entre as fontes

Nos últimos anos, vem sendo construída a ideia de que mais importante do que estabelecer um grau hierárquico entre as normas de direito interno e de direito internacional é levar em consideração o diálogo entre ambas as fontes do direito. Dentre as correntes que defendem tal comunicação entre o direito internacional e o direito estatal, destacam-se a teoria do transdialogismo (ou monismo internacionalista dialógico) e a teoria do transconstitucionalismo.

III.I. Teoria Dualista do transdialogismo (ou monismo internacionalista dialógico)

Dentro da teoria do monismo internacionalista, para a qual a norma de direito internacional deve ter primazia sobre a norma de direito estatal, vem se desenvolvendo uma corrente doutrinária que defende, nos casos envolvendo direitos humanos, a prevalência da norma mais garantista, isto é, que promova mais amplamente o direito fundamental do indivíduo. Trata-se da teoria do transdialogismo ou do monismo internacionalista dialógico. Nesse sentido, a regra é que, tal como indica a teoria monista internacionalista clássica, havendo antinomia, o direito das gentes deve prevalecer sobre o direito

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XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil: tributação das operações internacionais. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 122. 19 "Art. 5º. [...] §2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. ~ 18 ~


estatal. Por isso, a corrente ora analisada insere-se no âmbito da teoria do monismo internacionalista. Entretanto, a norma internacional poderá ser afastada se, no caso concreto, a norma interna proporcionar uma maior proteção aos direitos humanos, consagrando-se o princípio internacional pro homine. Um dos maiores defensores da teoria do monismo internacionalista dialógico é Valerio Mazzuoli, quem explica que: Se é certo que à luz da ordem jurídica internacional os tratados internacionais sempre prevalecem à ordem jurídica interna (concepção monista internacionalista clássica), não é menos certo que em se tratando dos instrumentos que versam direitos humanos pode haver coexistência e diálogo entre eles e as normas de Direito interno. Em outros termos, no que tange às relações entre os tratados internacionais de direitos humanos e as normas domésticas de determinado Estado, é correto falar num ‘diálogo das fontes’20.

Desse modo, para os adeptos do transdialogismo (ou monismo internacionalista dialógico), o aplicador do direito deve promover, no caso concreto, o diálogo entre as duas fontes – a interna e a internacional –, a fim de chegar à norma mais adequadamente aplicável, que será necessariamente aquela que maior proteção proporcionar às liberdades e garantias individuais.

III.II A teoria do transconstitucionalismo

O ideal do transconstitucionalismo, no Brasil, tem como principal propulsor o pernambucano Marcelo Neves. O autor21 aponta que o problema tem como pressuposto o paradoxo de que os Estados constituem o Direito Internacional Público e, ao mesmo tempo, o Direito Internacional Público constitui os Estados. Assim, o DIP e os Estados servem, simultaneamente, de fundamento um para o outro.

20

MAZZUOLI, op. cit., 2012, p. 94. “[...] embora a soberania do Estado decorra da sua qualidade de sujeito de direito internacional público (e não o contrário), este só é instaurado mediante os Estados como sujeitos de direito internacional” (NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, p. 136). ~ 19 ~ 21


Nesse sentido, não se poderia conceber a prevalência absoluta da ordem interna para com a ordem internacional, ou vice-versa. É preciso haver um diálogo entre suas fontes, isto é, deve-se encontrar, em cada caso, a norma aplicável por meio de um processo de comunicação entre o direito interno e o internacional. Ao contrário do que ocorre com a teoria do transdialogismo, a teoria do transconstitucionalismo não se limita a abranger as normas que versam sobre direitos humanos, mas sim qualquer norma que trate de assuntos eminentemente constitucionais, a qual, além de liberdades e garantias fundamentais, pode versar sobre mecanismos de controle do Poder Estatal, regime de governo, cidadania, proteção do meio ambiente, sistema econômico, entre outros assuntos. Assim, diante do caso concreto, tratar a questão por meio de uma visão constitucional provinciana – segundo a concepção de que as normas constitucionais se encontram em “níveis invioláveis” – seria um equívoco tão grave quanto a ideia de prevalência absoluta do direito internacional. Ambos os extremos trazem prejuízos à boa solução do caso. Por isso, no mundo contemporâneo, é verificada uma tendência, no sentido de que, Por um lado, o Estado Constitucional reage para que anseios referentes aos direitos fundamentais, à democracia e à justiça social não sejam descartados na vala da globalização, dando maior atenção à dimensão internacional em suas constituições; por outro lado, a resposta à crescente internacionalização da política e do direito reside na ‘ascensão da Constituição nas esferas supraestatais’, de tal maneira que o ‘direito internacional torna-se frutífero para fins constitucionais’22.

Nessa linha, a necessidade de comunicação entre o direito das gentes e o direito interno fica mais evidente em questões envolvendo direitos humanos, embora, conforme ressaltado, não se limite às normas abrangendo tal temática. 22

NEVES, op. cit., p. 136. ~ 20 ~


A título de ilustração, é possível verificar, no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), no qual se insere a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), um diálogo entre as fontes internas e as internacionais (interamericanas). Com efeito, a Corte IDH vem buscando desenvolver sua jurisprudência não só com base nas disposições da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), mas também tendo em vista a evolução das Constituições dos Estados. Nesse diapasão, ao julgar o caso Atala Riffo e Filhas vs. Chile, em 24 de fevereiro de 2012, a Corte IDH entendeu que o Estado chileno, notadamente por meio de sua Suprema Corte, violou, entre outros, o direito à convivência familiar, previsto no art. 17.1 da CADH 23, tendo em vista que não tivera reconhecido o direito das crianças envolvidas no caso a conviver com sua mãe, que fazia parte uma relação homoafetiva. Naquela ocasião, a Corte IDH levou em consideração dispositivos de várias Constituições estatais, para fins de demonstrar que o conceito de família trata-se de uma cláusula aberta, e não está limitado à noção de um matrimônio heteroafetivo. Dessa forma, na visão do transconstitucionalismo, uma corte internacional, diante de um caso concreto, não pode se limitar a atribuir primazia às normas de direito internacional, mas sim tem a função de, por meio uma racionalidade transversal, realizar um diálogo entre as fontes, a fim de se chegar à solução mais adequada para o problema. Sob a ótica de Neves, nenhuma norma insere-se em “níveis invioláveis”24. Por outro lado, no âmbito do Direito Econômico Internacional, Neves25 indica que a atuação da Organização Mundial do Comércio (OMC) apenas proporcionará o

23

“Artigo 17 - Proteção da família. 1. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado”. 24 “A integração sistêmica cada vez maior da sociedade mundial levou à desterritorialização de problemas-caso jurídico-constitucionais, que, por assim dizer, emanciparam-se do Estado. Essa situação não deve levar, porém, a novas ilusões, na busca de ‘níveis invioláveis’ definitivos: internacionalismo como ultima ratio, conforme uma nova hierarquização absoluta; supranacionalismo como panaceia jurídica; transnacionalismo como fragmentação libertadora das amarras do Estado; localismo como expressão de uma eticidade definitivamente inviolável” (NEVES, op. cit., 297). 25 NEVES, op. cit., p. 150. ~ 21 ~


êxito desejado se a Organização valer-se dos ideais do transconstitucionalismo. Isso porque a OMC possui a competência de tratar de matérias econômicas que também estão reguladas pelas Constituições estatais, tal como o protecionismo. Assim, a OMC, especialmente por meio de seu mecanismo de solução de controvérsias, deve considerar não apenas as disposições internacionais sobre o tema do litígio, mas também deve levar em conta o direito interno dos Estados envolvidos, especialmente analisando as suas normas constitucionais e a jurisprudência de suas Cortes Supremas. Sem esse diálogo entre as normas da OMC e do direito interno, é bastante provável – principalmente em tempos de crise econômica – que a decisão formulada não seja efetivamente cumprida pelos Estados envolvidos no litígio. Nas palavras de Neves, poder-se-ia falar de problemas e, portanto, de funções jurídicoconstitucionais da OMC, uma vez que questões de direito constitucional econômico estão no seu âmbito de competência, especialmente na solução de litígios. Mas essa situação deve ser compreendida no âmbito de um transconstitucionalismo entre ordens jurídicas, principalmente porque o êxito da OMC na prática de regulação das relações econômicas e na solução de controvérsias depende amplamente da reação dos Estados envolvidos, inclusive das cortes constitucionais. Especialmente em ‘tempos difíceis’, é comum a retomada de formas de protecionismo que contrariam a orientação da OMC. Mas também, fora desses períodos, há desvio das normas e descumprimentos de decisões da OMC mesmo por países pretensamente liberais [...]26.

Portanto, percebe-se que a ideia de transconstitucionalismo indica que, diante de um caso concreto, cuja matéria constitucional seja regulada tanto pelo direito interno quanto pelo direito internacional, faz-se necessário um diálogo construtivo entre eles, a fim de se chegar à melhor solução para o problema. Na doutrina estrangeira, atualmente, muito se tem defendido sobre a necessidade de comunicação entre as fontes de direito interno e a direito internacional. Ainda que se utilizando diferentes nomenclaturas para tal vertente teórica, a essência é basicamente a mesma do transconstitucionalismo defendida por Neves. Nesse

26

NEVES, op. cit., p. 150-151. ~ 22 ~


sentido, um dos defensores mais reconhecidos de tal diálogo entre as ordens jurídicas é o autor alemão Bogdandy27, que, para tanto, pressupõe a admissão de um pluralismo jurídico, o qual considera as diversas ordens como um acoplamento normativo, em substituição as ideias da tradicional dicotonomia entre as teorias monistas e dualistas, que, segundo ele, já não servem mais para resolver os problemas práticos das relações entre o direito estatal e o direito das gentes. O autor comenta que: El principal razonamiento jurídico descansa pues em la asunción pluralista de diversos ordenamientos [...]. El concepto de pluralismo jurídico no implica una estricta separación entre regímenes jurídicos; por el contrário, promuebe la idea de que existe uma interacción entre los distintos ordenamientos jurídicos. Este concepto conlleva además importantes consecuencias para la concepción del derecho constitucional: ninguna constitución es ya um universo en sí mismo, sino más bien un elemento de un ‘pluriverso’ normativo [...]. En ese contexto, un concepto que podría resultar últil para explicar las relaciones normativas sería el de ‘acomplamiento entre ordenamentos jurídicos’”28.

A tese do transconstitucionalismo, embora sofra várias críticas, notadamente pela sua abstração sobre a prevalência do direito interno ou direito internacional, vem sendo cada vez mais estudada na atualidade e, conforme exemplificado, já possui aplicabilidade no âmbito de vários tribunais constitucionais e internacionais. Por fim, é importante ter em mente que o transconstitucionalismo não se insere em qualquer das correntes clássicas sobre a relação entre direito interno e direito internacional – o monismo e o dualismo. Trata-se de uma corrente teórica que prega a aprendizagem simultânea sobre problemas eminentemente constitucionais (garantias e liberdades fundamentais, controle do Poder do Estado etc) entre os diversos sistemas jurídicos. Assim, é aplicável não só entre o direito das gentes e o estatal, mas também nas relações entre o direito supranacional e o estatal; entre duas

27

Armin Von Bogdandy é diretor do conceituado Instituto Max Plack de Direito Público Comparado e Direito Internacional. 28 BOGDANDY, Armin von. Del paradigma de la soberanía al paradigma del pluralismo normativo. Una nueva perspectiva (mirada) de la relación entre el derecho internacional y los ordenamientos jurídicos nacionales. In: CLÉRICO, Laura; CAPALDO, Griselda D.; SIECKMANN, Jan. Internacionalización del derecho constitucional, constitucionalización del derecho internacional. Buenos Aires: Eudeba; Fundación Alexander von Humboldt, 2012, p. 26. ~ 23 ~


ordens jurĂ­dicas estatais; entre o direito interno e o supranacional, e, atĂŠ mesmo; entre o direito estatal e as ordens locais extraestatais (como, por exemplo, das coletividades nativas indĂ­genas).

~ 24 ~


CAPÍTULO 2 DIREITO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS: BREVES APONTAMENTOS SOBRE O REGIME JURÍDICO INTERNACIONAL DOS TRATADOS

O estudo sobre a eficácia e aplicabilidade dos tratados internacionais no Brasil, que se insere no objeto do presente trabalho, não é possível sem se analisar, com base no Direito Internacional Público, o arcabouço jurídico que rege tais instrumentos normativos. Entretanto, é preciso advertir que, por meio do presente capítulo, não se objetiva esgotar o complexo e amplo tema do Direito dos Tratados, mas compreender algumas noções básicas da matéria, estabelecendo premissas teóricas que auxiliarão o estudo do objeto principal do presente trabalho. Com efeito, os tratados caracterizam-se como uma das fontes formais do direito internacional, isto é, constituem um dos modos pelos quais se manifesta o Direito Internacional Público29. Além dos tratados, são, unanimemente, considerados fontes formais do direito das gentes o costume internacional e os princípios gerais de direito.

29

As fontes materiais seriam os elementos sociais históricos e econômicos que dão origem às fontes formais. Diferenciando tais espécies de fontes, Mello traz o seguinte exemplo: “[...] se seguirmos um curso de água, encontraremos a sua nascente, que é a sua fonte, isto é, o local onde surge a água. Esta é a fonte formal. Todavia, existem diversos outros fatores (ex.: composição do solo, pluviosidade, etc) que fizeram com que a água surgisse naquela região. Estes elementos que provocam o aparecimento das fontes formais são denominados de fontes materiais”. O autor ainda cita que a teoria objetivista das fontes do direito internacional é a mais aceitada na atualidade. Segundo os adeptos de tal corrente doutrinária, “as fontes materiais é que são ‘as verdadeiras fontes do Direito’, enquanto as fontes formais são ‘meios de comprovação’ e ‘se limitam a formular o direito’” (por tudo, ver MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 191-193). ~ 25 ~


Atualmente, o instrumento que reconhece expressamente tais fontes do DIP é o Estatuto da Corte Internacional de Justiça30, como se extrai da dicção do seu art. 38: Artigo 38. 1. A Corte, cuja função é decidir de acôrdo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais. que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito; c) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas Nações civilizadas; d) sob ressalva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes Nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. 2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Côrte de decidir uma questão ex aeque et bano, se as partes com isto concordarem 31.

A previsão do §2º do referido dispositivo indica que, se as partes litigantes concordarem, a questão poderá ser decidida com base na equidade. Entretanto, como entende a melhor doutrina, tal disposição "autoriza, na verdade, o afastamento da aplicação do direito, e a solução baseada em considerações de justiça"32. Por isso, a equidade não se trata de uma fonte do direito internacional, mas sim de um método excepcionalmente permitido pelo direito das gentes, que toma como parâmetro a justiça para solução da controvérsia. Além das fontes previstas no art. 38 do Estatuto da CIJ, admite-se a presença de outras, tidas como auxiliares, como a jurisprudência e a doutrina. Contudo,

não

deixando de reconhecer a importância de um exame aprofundado das fontes do direito internacional, tal análise extrapolaria os limites do presente trabalho, de modo que atentaremos, especificamente, para a compreensão do regime jurídico dos tratados internacionais, que são considerados a fonte mais relevante do DIP, seja por sua multiplicidade ou porque os principais assuntos são por eles regulados.

30

O Estatuto da Corte Internacional de Justiça faz parte da Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, Estados Unidos, em 26 de junho de 1945; foi ratificada pelo Brasil e, posteriormente, promulgada por meio do Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945. 31 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Tratados internacionais. São Paulo: LTr, 1999, p. 52. 32 NASSER, Salem Hikmat. Fontes e normas do direito internacional: um estudo sobre a soft law. São Paulo, Atlas, 2006, p. 62. ~ 26 ~


I. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969

Desde o início de seu surgimento, após a Segunda Guerra Mundial, a ONU demonstrou preocupação em codificar as principais regras sobre o direito dos tratados internacionais. Por meio da sua Comissão de Direito Internacional, as Nações Unidas realizaram, por duas décadas, estudos com o objetivo de se elaborar um instrumento normativo internacional que disciplinasse o regime jurídico dos trados33. Como fruto de tais estudos, no dia 23 de maio de 1969, na Conferência de Viena, foi adotado o texto final da denominada Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT). Entretanto, a referida Convenção somente entrou em vigor mais de uma década depois de sua elaboração, especificamente em 27 de janeiro de 1980, após o depósito do trigésimo quinto instrumento de ratificação, conforme determina seu art. 84 34. A CVDT, também conhecida como Lei dos Tratados, está dividida em seis partes, contendo, ao total, 85 artigos, e um anexo. Seus dispositivos disciplinam diversas matérias sobre os tratados internacionais, tais como: capacidade para concluir tratados; procedimentos para depósito dos instrumentos de ratificação; vigência; observância e aplicação; efeitos; extinção dos tratados, entre outras. Para disciplinar assuntos específicos do direito dos tratados que não foram regulados adequadamente pela CVDT, foram adotadas, ainda, as Convenções de Viena sobre Sucessão de Estados em Matéria de Tratados, de 23 de agosto de 1978, e a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, de 21 de março de 1986.

33

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos tratados. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 38. 34 “Artigo 84 – Entrada em Vigor. 1. A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia que se seguir à data do depósito do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou adesão. 2. Para cada Estado que ratificar a Convenção ou a ela aderir após o depósito do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou adesão, a Convenção entrará em vigor no trigésimo dia após o depósito, por esse Estado, de seu instrumento de ratificação ou adesão”. ~ 27 ~


Por fim, é importante mencionar que, mesmo com a ratificação da CVDT pelo Brasil, nosso país, por também ter-lhe aderido, ainda se submete às regras previstas na Convenção de Havana sobre Tratados, de 20 de fevereiro de 192835, desde que não conflitam com as normas da mencionada Convenção de Viena.

II. Conceito e nomenclaturas

Segundo a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica (art. 1º, “a”). Contudo, a definição prevista CVDT é bastante limitativa, eis que considera apenas os Estados como sujeitos capazes de firmar tratados. Na verdade, no mundo atual, é amplamente reconhecida a personalidade jurídica de outros sujeitos, tais como as organizações internacionais, que também podem firmar tratados internacionais. Uma concepção moderna de tratado pode ser extraída das lições de Accioly36, para quem o tratado internacional é conceituado como o ato jurídico por meio do qual se exterioriza o acordo de vontades entre dois ou mais sujeitos de direito internacional. No mesmo sentido, Jorge Miranda define tratado internacional como um acordo de vontades entre sujeitos de Direito Internacional constitutivo de direitos e deveres ou de outros efeitos nas relações entre eles; ou, de outra perspectiva, um acordo de vontades, regido pelo Direito Internacional, entre sujeitos de Direito Internacional; ou, ainda, um acordo de vontades entre sujeitos de Direito Internacional, agindo enquanto tais, de que derivam efeitos jurídico-internacionais ou jurídico-internacionalmente relevantes37.

35

A Convenção de Havana, que é considerada a primeira norma internacional a codificar o Direito dos Tratados, foi promulgada, no Brasil, por meio do Decreto nº 18.956, de 22 de outubro de 1929. 36 ACCIOLY, op. cit., p. 20. 37 MIRANDA, Jorge. Curso de direito internacional público: uma visão sistemática do direito internacional dos nossos dias. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 57. ~ 28 ~


Mazzuoli38, didaticamente, destaca as seis características que formam a noção de tratado internacional: (a) acordo internacional; (b) celebrado por escrito; (c) concluído entre Estados ou organizações internacionais; (d) regido pelo Direito Internacional; (e) celebrado em instrumento único ou em dois ou mais instrumentos conexos; (f) inexistência de denominação específica. É importante destacar que o tratado internacional trata-se de um gênero no qual pode se inserir várias espécies de acordos de vontade entre sujeitos de direito internacional. Dessa forma, usualmente, o tratado internacional é revestido de diferentes nomenclaturas. Nesse diapasão, um tratado, comumente, é denominado de convenção, quando se tratar de um instrumento multilateral39, em que a vontade e as obrigações dos aderentes caminham no mesmo sentido, isto é, são coincidentes. Também denominados de tratado-lei ou tratado-normativo, tal espécie de ato costuma versar sobre assunto de interesse geral e, normalmente, é firmado após conferências internacionais, com a participação de chefes de Estado. A título de exemplo, temos a própria Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. A expressão acordo é invocada, em regra, para se referir a tratados relacionados a assuntos econômicos e comerciais, bem como a temas referentes à paz e segurança, a fronteiras, a métodos alternativos de solução de controvérsia (como a arbitragem), entre outros. Quando as obrigações não são coincidentes, podem ser classificados como tratados-contrato, sendo, geralmente, firmados de forma bilateral, como ocorre nos tratados de cessão territorial. Por outro lado, o tratado possui a nomenclatura de carta, em regra, quando se trata de um ato constitutivo de organismos internacionais, tais como a Carta da ONU e a Carta da OEA.

38

Para um estudo mais aprofundado de tais elementos, ver MAZZUOLI, op. cit., 2011, p. 41-49. Conforme explica Amaral Júnior, atualmente, é uma tendência na prática internacional que os países firmem tratados multilaterais, ao contrário de alguns séculos atrás, quando praticamente apenas havia acordos bilaterais (AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2013, p. 47). ~ 29 ~ 39


A expressão protocolo, por sua vez, tem sido empregada para se referir a tratados internacionais que possuem um caráter de complementariedade em relação a um tratado anterior. É o caso, por exemplo, do Protocolo de San Salvador, que veio complementar o Pacto de São José da Costa Rica, no que se refere à proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais. O vocábulo declaração é utilizado, principalmente, para os instrumentos por meio dos quais se reconhece princípios jurídicos internacionais e que exterioriza a vontade política convergente dos Estados aderentes. Como exemplo, tem-se a Declaração de Paris de 1856, sobre direito marítimo em caso de conflitos armados. Contudo, é preciso ter em mente que algumas declarações atuais não são, a rigor, tratados, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948, que se trata de norma de soft law, isto é, não possui aplicação imediata e obrigatória, tal como um tratado (considerado como hard law), mas sim possui dispositivos de caráter indicativos aos Estados partes. O termo estatuto é, na maior parte das vezes, utilizado para se referir aos tratados constitutivos de cortes internacionais, regulamentando a estrutura e a competência de tais entidades. Podemos citar, como exemplo, o Estatuto da CIJ e o Estatuto de Roma, o qual regulamenta o Tribunal Penal Internacional. Por fim, tais nomenclaturas, muitas vezes, como vimos, são dotadas de utilização confusa, ora se referindo a uma situação, ora a outra totalmente diversa. Na verdade, todos esses instrumentos possuem a mesma natureza jurídica. Assim, mais importante do que o apego às diferentes nomenclaturas é a compreensão das principais nuances de qualquer tratado internacional.

III. Classificação

No que se refere as suas principais classificações, o tratado pode ser especificado segundo a forma como foi constituído (critério formal) ou conforme o seu conteúdo (critério material). ~ 30 ~


Quanto ao critério formal, especialmente em razão do número das partes aderentes, os tratados podem ser caracterizados como bilaterais - dois Estados - ou multilaterais - três ou mais Estados. São exemplos de tratados bilaterais os Tratados contra Dupla Tributação (TDTs), comumente firmados entre países parceiros no setor do comércio internacional; como ilustração de tratado multilateral, temos diversas convenções internacionais, tais como a Convenção Internacional da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em 30 de março de 2007. Ainda sob uma perspectiva formal, os tratados podem classificados quanto à qualidade das partes. Assim, podem ser firmados apenas entre Estados, como o Acordo de Previdência Social firmado entre o Brasil e o Canadá, ou entre organizações internacionais e Estados, tal como os acordos firmados entre os países e os programas das Nações Unidas, como é o caso do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Por outro lado, no que se refere ao critério material, podem ser classificados, conforme já aludido, como tratado-norma (tratado-lei ou tratado normativo) ou tratado-contrato (ou tratado contratual). O primeiro se verifica quando o tratado internacional cria "regras de direito, em geral comuns às partes, sem uma contraprestação específica pelos Estados. Não há uma relação de troca, mas a criação de normas comuns. Em geral, são celebrados entre diversos Estados" 40. Tem-se, como exemplo, a própria CVDT. O segundo, por sua vez, cria “benefícios recíprocos, em geral de cunho econômico ou financeiro. Seriam as regras negociadas entre Estados para a redução recíproca de tributos ou a suspensão de barreiras não alfandegárias em proporções equitativas, por exemplo”41. Atualmente, entretanto, tal classificação caiu em desuso, eis que, independente do conteúdo do tratado (critério material), ele deve ter observância obrigatória pelos Estados aderentes. De toda forma, o conhecimento de tal espécie de caracterização dos tratados será útil, para o presente trabalho, principalmente para o momento em 40 41

VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 45. VARELLA, op. cit., p. 46. ~ 31 ~


que tratarmos, em item próprio, do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre a aplicabilidade e eficácia dos tratados em matéria tributária no Brasil.

IV. Condições de validade

Para se perquirir sobre a eficácia e a aplicabilidade de um tratado internacional, faz-se necessário compreender os requisitos de validade de tais atos internacionais. Tratam-se de condições necessárias para a regular formação de um tratado e são divididas em: (a) capacidade das partes; (b) habilitação legal; (c) mútuo consentimento e; (d) objeto lícito e possível. A capacidade das partes está intimamente ligada à sua personalidade jurídica no direito internacional. Nos dias atuais, dois são os sujeitos de direito internacional que, de forma inconteste na doutrina42, possuem capacidade para firmar tratados: os Estados e as organizações internacionais43. De fato, a Convenção de Viena de 1969 prevê, em seu art. 6º, que “todo Estado tem capacidade para concluir tratados”; enquanto a Convenção de Viena de 1986 dispõe, em seu art. 6º, que “a capacidade de uma organização internacional para concluir tratados rege-se pelas regras dessa organização”. Entretanto, a amplitude da capacidade de firmar tratados dos Estados não é a mesma daquela das organizações internacionais. Enquanto aqueles possuem uma faculdade de estabelecer atos internacionais nas mais diversas matérias, estas

42

A doutrina diverge em relação à personalidade jurídica internacional de outras entidades, como, por exemplo, da Santa Sé. Contudo, vale mencionar que, tal como o fez vários outros Estados, em 2010, o Brasil assinou acordo com a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, que fora promulgado por meio do Decreto nº 7.107, de 11 de fevereiro de 2010. 43 As organizações internacionais (ou coletividades interestatais) são entes formados por Estados, em busca de objetivos comuns de caráter permanente e internacional. Surgiram, principalmente, em meados do século XX, após o mundo ter vivenciado destruidores conflitos armados internacionais. Segundo Rezek, para ser dotada de personalidade internacional, é necessário que a organização internacional tenha seu surgimento a partir de um tratado constitutivo (ver REZEK, op. cit., 2011, p. 182). ~ 32 ~


encontram limitação em seus próprios objetivos institucionais, isto é, apenas podem celebrar tratados que se relacionem com suas finalidades específicas44. Por outro lado, a habilitação legal corresponde à devida representação do sujeito de direito internacional. Trata-se da habilitação jurídica do agente para representar os interesses e expressar o consentimento do Estado ou da organização internacional pactuante. Em relação aos Estados, segundo o art. 7º da Convenção de Viena de 1969, tal habilitação pode ser atestada de forma expressa, se o agente estatal “apresentar plenos poderes apropriados” (mediante uma carta de plenos poderes), ou, de forma tácita, se “a prática dos Estados interessados ou outras circunstâncias indicarem que a intenção do Estado era considerar essa pessoa seu representante para esses fins e dispensar os plenos poderes”. Contudo, reconhecendo uma secular prática internacional, a Convenção de Viena de 1969 presume, em favor de alguns agentes, a representação do seu Estado. Nesse sentido, vejamos a redação do seu art. 7º, §2º: Art. 7º. [...] 2. Em virtude de suas funções e independentemente da apresentação de plenos poderes, são considerados representantes do seu Estado: a) os Chefes de Estado, os Chefes de Governo e os Ministros das Relações Exteriores, para a realização de todos os atos relativos à conclusão de um tratado; b) os Chefes de missão diplomática, para a adoção do texto de um tratado entre o Estado acreditante e o Estado junto ao qual estão acreditados; c)os representantes acreditados pelos Estados perante uma conferência ou organização internacional ou um de seus órgãos, para a adoção do texto de um tratado em tal conferência, organização ou órgão.

Assim, ressalvados os casos acima mencionados, todos os demais agentes, inclusive os demais ministros de Estado, devem apresentar uma carta de plenos poderes, a ser remetida ao governo ou à organização internacional copactuante45.

44

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direito das organizações internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. 45 BORGES, Thiago Carvalho. Curso de direito internacional público e direito comunitário. São Paulo: Atlas, 2011, p. 45. ~ 33 ~


As organizações internacionais, em regra, são representadas por seu SecretárioGeral, chefe administrativo da entidade, após aprovação em sua respectiva Assembleia Geral. Também será possível a dispensa da carta de plenos poderes para outros agentes da entidade, “se se deduz das circunstâncias que a intenção dos Estados e das organizações internacionais de que se trate foi considerar essa pessoa representante da organização para esses efeitos, em conformidade com as regras da organização e sem a apresentação de plenos poderes” (art. 7º, §3º, “b”, da Convenção de Viena de 1986). O mútuo consentimento é a manifestação de que o pactuante deseja firmar o tratado internacional. Exprime-se através de dois atos: a assinatura e a ratificação, que serão melhor estudados no item a seguir. Havendo vício de consentimento, a Convenção de Viena de 1969 prevê que o tratado internacional poderá ser “anulado” ou “declarado nulo”. No primeiro caso, o ato internacional poderá ser extinto ou apenas suspenso, facultando-se ao Estado prejudicado continuar ou não vinculado a suas normas. No segundo, o tratado não produzirá qualquer efeito46. Por fim, o objeto lícito e possível será verificado quando o tratado não violar o direito ou a moral, bem como quando não estipular obrigação cuja realização se mostra impossível no plano físico. Sobre a licitude do tratado, a Convenção de Viena de 1969 prevê, em seu art. 53, que “é nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral”. Quanto à possibilidade material do objeto, visualiza-se mais facilmente tal condição de validade dos tratados, considerando o exemplo do tratado firmado entre o Brasil e a Bolívia, em 17 de novembro de 1903, que estabeleceu que a fronteira entre os dois países deveria seguir, da nascente principal do rio Rapirrán, pelo paralelo de tal nascente, para o oeste, até cruzar com o rio Iquiri; entretanto, posteriormente, foi verificado que tais rios não se encontravam, de modo que foi necessário modificar as

46

BORGES, op. cit., p. 51. ~ 34 ~


cláusulas do referido ato internacional, ante a impossibilidade material de seu cumprimento47.

V. Processo de formação

Uma temática de suma importância no estudo do direito dos tratados trata-se da processualística de celebração de tais atos internacionais. Sem pretender esgotar o tema, destacamos, com base na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, as partes mais importantes desse procedimento. Pode-se dividir o processo de formação dos tratados em quatro fases principais: (a) elaboração e assinatura do texto; (b) aprovação por mecanismos internos; (c) ratificação ou adesão; (d) promulgação e publicação. A primeira e a terceira são consideradas as fases internacionais, enquanto a segunda e a quarta as fases internas. Focaremos, no presente item, na análise das fases internacionais, previstas pela Convenção de Viena de 1969, já que, em relação às fases internas, deixou, basicamente, a critério a critério da legislação interna de cada Estado, sendo o caso brasileiro analisado de forma específica no item 4.1. A primeira fase – elaboração e assinatura do texto – inicia-se com a formação do texto do tratado. Trata-se de uma etapa internacional, que se desenvolve a partir das negociações, em regra, entre os representantes dos Poderes Executivos dos Estados, tais como os Chefes de Estado e os diplomatas. Quando se trata de um ato bilateral, as negociações, geralmente, iniciam-se por meio de notas diplomáticas, de caráter informal. Em se tratando de instrumentos multilaterais, comumente, as negociações são conduzidas por uma organização internacional, na ocasião de uma conferência internacional. Finalizadas as negociações, os pactuantes promovem a adoção do texto final. O ato de adoção é conceituado como “o procedimento jurídico-diplomático por meio do qual os órgãos do Estado encarregados de negociar o tratado entendem ter havido 47

MAZZUOLI, op. cit., 2011, p. 98. ~ 35 ~


consenso sobre o texto que se acabou de negociar (quando então se diz ter um projeto adotado)”48. As regras para a adoção perante os Estados estão previstas no art. 9º, §1º e §2º, da CVDT, de 1969: Artigo 9. Adoção do Texto 1. A adoção do texto do tratado efetua-se pelo consentimento de todos os Estados que participam da sua elaboração, exceto quando se aplica o disposto no parágrafo 2. 2. A adoção do texto de um tratado numa conferência internacional efetua-se pela maioria de dois terços dos Estados presentes e votantes, salvo se esses Estados, pela mesma maioria, decidirem aplicar uma regra diversa.

A autenticação é o ato seguinte à adoção do texto, mediante o qual se atribui legitimidade ao texto do tratado. Corresponde a uma formalidade adotada na prática internacional, por meio da qual se reconhece a definitividade do texto. Salvo disposição expressa no próprio tratado, a autenticação é realizada mediante a assinatura ad referendum – ou seja, ainda será submetida à aprovação por mecanismos internos do Estado pactuante (segunda fase) –, por parte dos representantes dos Estados, do texto do tratado ou da ata final da conferência internacional que incorporar o referido texto (art. 10, §1º e §2º, da CVDT). Após a formação do texto final – ou seja, ultrapassadas as etapas de negociações, adoção e autenticação – os tratados internacionais devem ser assinados pelos representantes dos sujeitos pactuantes. A assinatura corresponde ao ato formal, escrito, mediante o qual o agente habilitado exterioriza que o pactuante obriga-se a obedecer as disposições previstas no tratado. Assim, a assinatura corresponde à última etapa da primeira fase, pressupondo-se que o texto final já está formado (adotado e autenticado). A CVDT, em seu art. 12, §1º, “a”, dispõe sobre a possibilidade de o tratado prever a utilização do instituto da assinatura plena, isto é, aquela assinatura que, por si só, é

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MAZZUOLI, op. cit., 2011, p. 104. ~ 36 ~


capaz de obrigar o Estado às cláusulas do tratado, sem a necessidade de se submeter à ratificação. Tal hipótese é usualmente inviabilizada pelas legislações internas dos Estados, que determinam, via de regra, a necessidade de ratificação do tratado, após a autorização do parlamento. Em seguida, inicia-se a segunda fase – aprovação por mecanismos internos –, na qual a redação do tratado deve ser aprovada por mecanismos internos de cada Estado. Normalmente, tal como ocorre no Brasil, essa análise é realizada pelo Parlamento federal. Ato contínuo, a terceira fase – ratificação – ocorre quando o texto do tratado aprovado internamente é, no âmbito internacional, ratificado pelo Chefe do Poder Executivo, a partir de quando se considera que o Estado expressa, definitivamente, seu consentimento em obedecer às estipulações previstas no tratado. De fato, a ratificação, que é formalizada pelo envio da carta de ratificação, é o modo mais comum pelo qual o Estado manifesta seu consentimento com as disposições do tratado e, assim, obrigase a respeitá-las. Mazzuoli esclarece que os Estados têm preferência pelo instituto da ratificação em virtude de dois motivos: (a) por ser o tempo que se leva da assinatura à ratificação indispensável para que o governo tenha plena certeza de que seu comprometimento será bom para o país; e (b) porque a ratificação há de ser previamente autorizada pelo Parlamento, traduzindo assim a salutar participação do povo (por meio dos seus representantes eleitos) nas questões exteriores do Estado 49.

Para que o tratado entre em vigor, por meio do ato de ratificação, é preciso que se realize a troca (em caso de tratados bilaterais) ou do depósito (em se tratando de tratados multilaterais) dos instrumentos de ratificação, salvo se houver disposição diversa no próprio tratado (art. 16 da CVDT). Figurando como um instituto similar à ratificação, a adesão se verifica quando um Estado deseja fazer parte de um tratado cujo texto já fora definitivamente

49

MAZZUOLI, op. cit., 2011, p. 122. ~ 37 ~


elaborado. Normalmente, ocorre quando um Estado almeja integrar um tratado do qual não participou das negociações prévias. Entretanto, a adesão também pode se verificar quando o Estado não tivera assinado ou ratificado o tratado no momento oportuno, ou, ainda; quando o Estado tivera denunciado o tratado, mas, posteriormente, deseja retornar a fazer parte dele. A quarta e última fase – promulgação e publicação – é prevista na legislação interna de cada Estado pactuante. Como veremos no item 4.1, no Brasil, o tratado deve ser promulgado mediante decreto presidencial e deve ser publicado no Diário Oficial da União. Por fim, o Estado ainda poderá exercer seu direito de reserva, isto é, manifestarse expressamente no sentido de que não se obrigará a determinado dispositivo do ato convencional. Trata-se de um instrumento fundamental na prática diplomática, sem o qual a celebração dos tratados ficaria bastante dificultada, eis que, na maioria dos casos, nem todos os Estado que desejam fazer parte de um tratado concordam com todos os seus termos. Inclusive, via de regra, o próprio tratado autoriza expressamente o direito de reserva; nessas hipóteses, a reserva realizada por um Estado não prescinde de qualquer aceitação posterior pelos outros Estados, a não ser que o tratado assim disponha.

VI. Efeitos jurídicos perante as partes

Desde que seja válido, não havendo qualquer vício do consentimento, o tratado poderá produzir efeitos jurídicos tanto para os Estados que dele fazem parte, como para terceiros. Para os fins do presente trabalho, contudo, importa-nos perquirir sobre os efeitos que os tratados produzem sobre as partes pactuantes. Antes mesmo de se concluir todas as fases da celebração dos tratados, isto é, antes que o tratado entre em vigor, é possível perceber que alguns efeitos jurídicos são produzidos perante as partes negociadoras. Nesse sentido, o art. 24, §4º, da CVDT, ~ 38 ~


prevê que se aplicam, desde o momento da adoção do texto, as disposições referentes, por exemplo, à autenticação de seu texto, à manifestação do consentimento dos Estados em obrigarem-se pelo tratado, à maneira ou à data de sua entrada em vigor, às reservas e às funções de depositário. Além do mais, é possível que as partes negociadoras acordem que as disposições do tratado serão aplicadas provisoriamente, antes mesmo de ele entrar em vigor. Após a conclusão de todas as fases de celebração do tratado, este entrará em vigor na forma e na data prevista no próprio tratado, iniciando-se, a partir e então, todos os efeitos dele decorrentes. Caso não haja previsão de uma data específica, o ato entrará em vigor assim que o consentimento em obrigar-se a cumprir as disposições do tratado seja manifestado por todos os Estados negociadores. Um dos efeitos do tratado é a obrigatoriedade de suas previsões. Segundo o art. 26 da CVDT, “todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé”. Tal dispositivo trata da boa-fé e da pacta sunt servanda, que figuram entre os mais importantes princípios do direito dos tratados e de todo o Direito Internacional Público. Com efeito, se as partes não estivessem obrigadas a cumprir, de boa fé, as disposições dos tratados, estes perderiam o sentido. É como base na ideia de que o acordo de vontade entre os sujeitos de direito internacional será fielmente cumprido pelas partes que se fundamentam e se originam os tratados internacionais. Trata-se de uma secular norma costumeira do direito internacional, de modo que a CVDT não inovou ao prever os princípios da boa-fé e da pacta sunt servanda. Sem dúvida, ainda que não estivesse previsto na CVDT, as partes estariam obrigadas a respeitar, de boa-fé, as disposições do tratado. Os princípios da boa-fé e da pacta sunt servanda estão previstos em vários instrumentos internacionais, tais como a Carta das Nações Unidas (art. 2, §2º.), a Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 1, §1º), entre outros. Se, por um lado, a pacta sunt servanda tem um conceito de fácil visualização, correspondendo ao princípio que obriga as partes ao cumprimento fiel do que fora

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acordado, por outro, a boa-fé tem uma concepção mais abstrata. Robert Kolb, citado por Macedo, considera que a boa-fé pode ser empregada em três significados: Primeiro, ela desvela um estado subjetivo de espírito, uma boa intenção, e reflete a exigência de um padrão moral na conduta dos homens. [...] Segundo, a boa-fé pode ser sinônimo de ‘razoabilidade’. Nesse sentido, ela é utilizada pelo intérprete para determinar, diante de uma situação concreta, o alcance de conceitos vagos, expressões genéricas conhecidas como legal standards, como ‘prazo razoável’ ou ‘expectativa legítima’. Também pode ser usada de forma autônoma, quando se faculta ao julgador – o que ocorre, sobretudo, em disputas comerciais – a recorrer à equidade, aos bons costumes e à boa-fé. [...] Por fim, a boa-fé pode apresentar um significado bastante objetivo, de princípio geral do direito. [...] Primeiro, a boa-fé obriga a proteção das expectativas legítimas que um Estado pode engendrar pela conduta do outro. [...] Segundo, ela protege determinadas finalidades originadas de interesses comuns contra pretensões individualistas excessivas (abuso de direito). [...] Terceiro, o princípio corresponde à máxima medieval de que a ninguém é dado valer-se da própria torpeza em Direito. [...] Em todos os aspectos, trata-se de uma regra que impõe o comportamento adequado e leal, em nome da solidariedade, contra o voluntarismo estatal puro50.

Outra importante disposição sobre a observância dos tratados internacionais é aquela prevista pelo art. 27 da CVDT, segundo a qual “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado [...]”. Com base nesse dispositivo, à primeira vista, poder-se-ia afirmar que a CVDT consagrou a doutrina monista internacionalista, que, como visto, indica que o direito interno e o internacional formam uma única ordem jurídica, sendo que este prevalece sobre aquele. Entretanto, não parece que o intuito da regra prevista no art. 27 da CVDT seja acabar com as discussões entre monistas e dualistas. Na verdade, a melhor interpretação dada ao referido dispositivo é aquela que entende que, independente da corrente adotada para reger as relações entre direito interno e o internacional, após a adoção de um tratado, a norma internacional deve ser respeitada, não podendo o 50

MACEDO, Paulo Emílio Vauthier Borges de. Comentários ao artigo 26. In: SALIBA, Aziz Tuffi (org.). Direito dos tratados: comentários à Convenção de Viena sobre o direito dos tratados (1969). Belo Horizonte: Arraes Editores, 2011, p. 183-184. ~ 40 ~


Estado escusar-se de cumpri-la sob o argumento de que ela contrapõe-se a uma norma de direito interno. Ou seja, independente do mecanismo de direito interno utilizado para recepcionar o tratado (em Estados dualistas) ou mesmo que não seja necessário tal mecanismo (em Estados monistas), após sua entrada em vigor para o Estado parte, este deverá cumprir as disposições do tratado, mesmo que estas entrem em conflito com a legislação interna. Exatamente nesse sentido, Macedo explica que [...] para o artigo 27 da CVDT, não interessa qual a hierarquia que um trado, depois de internalizado, recebe num país; interessa apenas cumpri-lo. O referido dispositivo estabelece tão somente uma obrigação de resultado, e não importa o mecanismo que o direito interno irá utilizar para esse fim, quer exista ou não a incorporação automática51.

Por conseguinte, para o direito internacional, ao Estado não é reconhecido o direito de desrespeitar um tratado, sob a alegação de conflito com sua legislação interna, inclusive, nem mesmo se a norma de direito interna é posterior ao tratado ou tem caráter de norma especial em relação a este. Dessa forma, segundo a CVDT, não se deve sequer utilizar-se daqueles critérios de afastamento das antinomias citada por Bobbio, tais como o da especialidade e o da temporariedade 52. Por isso, o tratado internacional não só afastará a vigência daquelas normas internas anteriores e a ele incompatíveis, bem como deve ser observado pela legislação que lhe sobrevenha, independente de seu caráter de lei mais específica ou não. Acrescente-se que, com a vigência do tratado, suas normas tornam-se de cumprimento obrigatório em todo o território do Estado, salvo disposição expressa em sentido contrário no próprio tratado (art. 29 da CVDT). Inclusive, o tratado deve ser aplicado por todos os Poderes do Estado, e, se for o caso, suas normas também 51

MACEDO, Paulo Emílio Vauthier Borges de. Comentários ao artigo 27. In: SALIBA, op. cit., p. 195. Nesse sentido, ver ARBUET VIGNALI, Heber; ARRIGHI, Jean Michel. Os vínculos entre o direito internacional público e os sistemas internos. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 29, n. 115, p. 413-420, jul./set. 1992, p. 416-418. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/176060 /000472199.pdf?sequence=3>. Acesso em: 25 fev. 2017. ~ 41 ~ 52


deverão ser observadas pelos particulares – como, por exemplo, as normas internacionais de proteção aos direitos humanos. Contudo, é preciso atentar para a segunda parte do art. 27 da CVDT, que estabelece que “[...] esta regra não prejudica o artigo 46”. Isto é, o art. 27 ressalva que, nos casos previstos pelo art. 46, será possível que a norma de direito internacional seja afastada, aplicando-se a legislação interna. Nesse sentido, a redação do art. 46, §1º, da CVDT dispõe que: Artigo 46 Disposições do Direito Interno sobre Competência para Concluir Tratados 1. Um Estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados, a não ser que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu direito interno de importância fundamental.

O referido dispositivo trata, pois, de uma violação formal, isto é, referente ao procedimento de celebração do tratado. Assim, será possível a não observância do tratado caso o consentimento do Estado em firmar o ato internacional tenha sido expresso em violação manifesta (primeiro requisito) a uma norma de direito interno de importância fundamental (segundo requisito). Quanto ao primeiro requisito, o §1º do próprio art. 46 prevê que “uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer Estado que proceda, na matéria, de conformidade com a prática normal e de boa fé”. Por outro lado, o segundo requisito, isto é, a violação a uma norma de importância fundamental, estará preenchido quando se tratar de afronta a uma norma prevista na Constituição do Estado atinente à competência e a processualística para a celebração do tratado. À guisa de exemplo, se a Constituição de um determinado Estado estabelecer que o seu Parlamento deve referendar a celebração, por parte do Executivo, de um tratado, mas o Executivo promulgar o referido tratado, sem a anuência do seu Poder Legislativo, a norma prevista no tratado poderá ser afastada, eis que houve vício formal

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na celebração de tal ato internacional. Esse é exatamente o caso do Brasil, conforme será abordado adiante. Em suma, com a vigência do tratado, é possível verificar dois tipos de efeitos jurídicos. O primeiro possui uma índole externa, que corresponde ao direito-dever recíproco entre as partes de ver o tratado sendo cumprido, em claro respeito à boa fé e ao princípio da pacta sunt servanda (art. 26 da CVDT). O segundo possui um caráter interno, compreendendo a aplicação do tratado por todos os Poderes do Estado, em todas as esferas, e, a depender do conteúdo do tratado, também pelos particulares. Outrossim, o efeito interno ainda se manifesta pela prevalência do tratado sobre a legislação interna a ele incompatível, bem como pela necessidade sua observância pelas leis que lhe sobrevenham, independente do critério cronológico ou da especialidade (art. 27 da CVDT).

VII. Extinção Como todo negócio jurídico, os tratados internacionais podem ser extintos por diferentes motivos. Dentre eles, destacam-se: (i) a denúncia; (ii) o acordo entre as partes, e; (iii) as causas extrínsecas. A denúncia é o ato unilateral pelo qual um pactuante formaliza seu desejo em deixar de ser parte em um determinado tratado internacional. Tal instituto apenas será causa de extinção automática do tratado, caso este tenha sido celebrado de forma bilateral, já que, se for multilateral, permanecerá válido para as partes remanescentes. O instituto ora analisado é regulado pela CVDT. Segundo tal Diploma, a denúncia apenas pode ser efetivada pela forma e meios previstos no tratado ao qual se refere, respeitando também as regras contidas na própria CVDT (art. 42, §2°) 53. A denúncia não será possível se inexistir previsão no próprio acordo internacional ou não se puder deduzir tal possibilidade da natureza do negócio jurídico (art. 56, §1°). 53

A CVDT determina, por exemplo, que a parte que objetiva denunciar o tratado, deve respeitar uma espécie de “aviso-prévio”, notificando as demais partes com, pelo menos, doze meses de antecedência (art. 56, §2º). ~ 43 ~


A CVDT ainda trata da questão da chamada denúncia parcial, isto é, quando o Estado busca afastar seu compromisso apenas em relação a determinados dispositivos do tratado. Conforme regulamenta a CVDT, a denúncia parcial apenas é admitida se houver autorização expressa no próprio ato internacional (art. 44, §1°). Todavia, para Rezek, a denúncia parcial apenas será permitida se houver a possibilidade de reserva e de adesão ao tratado. Nas palavras do autor: É fundamental que se indague, primeiro, se os dispositivos visados pelo intento de denúncia parcial poderiam ter sido objeto de reservas – já que, negativa a resposta, não há como cogitar de semelhante denúncia. Afirmativa a resposta, convirá saber ainda se o tratado é aberto à adesão, pois somente neste caso se terá apoio na lógica jurídica para garantir que a denúncia parcial deve ser aceita. Não há como sustentar o contrário: tanto seria admitir que, proibida a via simples, igual fim o Estado alcançaria pela via tortuosa – e irrecusavelmente lícita –, consistente em denunciar o tratado na íntegra, e a ele retornar, mediante adesão, com reserva aos dispositivos indesejados54.

Por outro lado, os negócios jurídicos de direito público internacional também podem ser extintos por acordo entre as partes. Em tal hipótese, haverá a revogação total (ab-rogação55) do tratado internacional. Assim, pode-se verificar, de um lado, a ab-rogação predeterminada, quando o próprio texto convencional prevê o momento da extinção do negócio jurídico ou quando esta decorre da execução integral do objeto do tratado (art. 54, “a”, da CVDT), ou, por outro lado, a ab-rogação superveniente, que é verificada quando, após a formalização do negócio jurídico, as partes acordem pela sua extinção (art. 54, “b”, da CVDT). Nos tratados multilaterais, é comum a presença de cláusula que determine um número certo de voto para a ab-rogação superveniente56. Sobre a extinção por acordo entre as partes, vale mencionar, ainda, a possibilidade de que um tratado seja revogado por um negócio jurídico internacional superveniente. Da dicção do art. 59, §1°, da CVDT, extrai-se que tal extinção do tratado antecedente pode decorrer (a) porque assim se convencionou expressamente; (b)

54

REZEK, op. cit., 2011, p. 140. Ab-rogação e derrogação são espécies de revogação, diferenciando-se pelo fato de que aquele se refere a uma revogação parcial e este a uma revogação total. 56 Ver MAZZUOLI, op. cit., 2011, p. 293-298. ~ 44 ~ 55


porque o novo acordo é com ele incompatível, ou, simplesmente; (c), porque é possível se deduzir tal intenção das partes no novo tratado. Finalmente, é possível identificar que algumas causas extrínsecas podem ensejar a extinção de um tratado, as quais podem decorrer, conforme dispõe a Convenção de Viena de 1969, (a) da violação substancial do acordo, aplicando-se o princípio segundo o qual uma parte pode considerar extinto um acordo, em virtude do inadimplemento da outra (art. 60); (b) da impossibilidade superveniente do cumprimento do tratado, como ocorre no caso de desaparecimento definitivo do seu objeto (art. 61); (c) da mudança fundamental de circunstâncias, em virtude de caso fortuito e de força maior (art. 62), e; (d) do rompimento de relações diplomáticas (art. 63). Desse modo, destacados os pontos do direito dos tratados mais pertinentes para os fins do presente trabalho, cabe-nos a seguir abordar o regime jurídico dos tratados internacionais segundo o direito brasileiro.

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CAPÍTULO 3 TRATADOS INTERNACIONAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL

Na vigência da Constituição de 1988, prevalece o entendimento de que, para que um tratado internacional seja aplicado internamente no Brasil, necessário se faz que ele seja transformado por meio de uma processualística prevista no direito interno. Contudo, como se verá adiante, não é clara a questão da eficácia e da aplicabilidade dos tratados no âmbito interno, principalmente quando se está diante de um conflito entre a norma convencional e a de direito interno.

I. O processo de celebração dos tratados internacionais pelo Brasil

No Brasil, o processo de celebração dos tratados, durante toda nossa história constitucional, sempre contou com a participação do Poder Executivo e, em maior ou menor grau, do Poder Legislativo57. Sob a égide da Constituição de 1988, não foi diferente. O Poder Executivo, através do corpo diplomático e do Presidente da República, e o Poder Legislativo, por meio do Congresso Nacional, possuem fundamental papel para entrada em vigor do tratado em nosso país.

57

Até mesmo na primeira Constituição brasileira, de 1824, por meio da qual o Imperador tinha quase o monopólio da competência de decidir sobre tratados internacionais, em determinados casos, como, por exemplo de “cessão ou troca de território do Império” ou de “ou de possessões a que o Império tenha direito” em tempos de paz, não poderiam ser ratificados tratados sem a aprovação da Assembleia Geral (art. 102, §8º, da Constituição de 1824). As demais Constituições ampliaram, gradualmente, a participação do Poder Legislativo na celebração dos tratados. ~ 46 ~


Os principais dispositivos constitucionais que disciplinam a matéria são os arts. 84, VIII, e 49, I, da Constituição Federal, cuja leitura conjunta se faz oportuna: Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...] I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

É preciso ressaltar, desde logo, que o objeto do presente item é o estudo do processo de tratados internacionais que não versem sobre direitos humanos submetidos à sistemática do art. 5º, §3º, da Constituição Federal, os quais serão abordados em tópico próprio. Também é preciso ter em mente que os procedimentos a seguir analisados não abrangem os acordos executivos, que são formalizados, comumente, por meio de troca de notas, submetendo-se, assim, a um procedimento mais célere e simplificado que os tratados comuns, conforme analisado no item 4.2. Nesse diapasão, deixando-se de lado, por ora, as peculiaridades dos tratados submetidos à sistemática do art. 5º, §3º, da Constituição Federal, bem como as dos acordos executivos, cabe-nos abordar as diversas etapas que devem ser percorridas para que o Estado brasileiro celebre um tratado internacional.

I.I Negociação e assinatura do tratado

O processo de celebração dos tratados internacionais inicia-se com as negociações internacionais realizadas, em regra, pelos integrantes da carreira diplomática, na medida em que a eles incumbem “atividades de natureza diplomática e consular, em seus aspectos específicos de representação, negociação, informação e proteção de interesses brasileiros no campo internacional” (art. 3º da Lei nº

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11.440/200658). Conforme o art. 84, II, da Constituição Federal, o corpo diplomático atuará nas negociações internacionais por meio de delegação do Presidente da República (tal ato de delegação é denominado de acreditação diplomática). Entretanto, quando da formação de tratados de grande repercussão para o país, é comum que o próprio Presidente da República, Chefe do Poder Executivo por natureza, participe diretamente das negociações, como ocorreu no Tratado de Assunção, que deu origem ao Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Nesse sentido, o art. 84, VII, da Constituição Federal, também prevê que compete privativamente ao Presidente “manter relações com os Estados estrangeiros [...]”. Outrossim, o ato de assinatura do tratado compete ao Presidente da República (art. 84, VI, da Constituição Federal), entretanto, por se tratar de competência privativa (e não exclusiva), poderá ser delegada a outros agentes, o que ocorre, em regra, em relação a representantes diplomáticos do país. Conforme já analisado, tal delegação poderá ocorrer de forma expressa, mediante uma carta de pleno poderes, ou de forma tácita, se as circunstâncias indicarem que a intenção do Estado era considerar o agente como seu representante. Além do mais, a carta de plenos poderes também será dispensada se o agente exercer algum cargo ou função prevista no art. art. 7º, §2º, da CVDT, o que acontece, por exemplo, com os Chefes de Missões Diplomáticas e o Ministro das Relações Exteriores.

I.II O papel do Congresso Nacional: apreciação, promulgação e outras funções

Após a assinatura do tratado, a Constituição Federal, em seu art. 84, VI, prevê que o texto deve ser submetido ao referendo do Congresso Nacional (CN), a quem compete, com exclusividade, “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional” (art. 49, I, da CF). 58

A Lei nº 11.440 de 29 de dezembro de 2006, dentre outras disposições, institui o Regime Jurídico dos Servidores do Serviço Exterior Brasileiro. ~ 48 ~


Mazzuoli59 destaca que a expressão resolver definitivamente deve ser interpretada de forma restritiva aos casos de rejeição total do tratado pelo Congresso Nacional. Se o tratado for rejeitado pelo Parlamento brasileiro, este, de fato, terá resolvido de modo definitivo. Entretanto, se o ato internacional é aprovado pelo Congresso Nacional, quem resolverá definitivamente sobre ele é o Poder Executivo, a quem incumbe ratificar (ou não) o tratado – como veremos a seguir, a ratificação, em regra, é o ato pelo qual se dá vigência ao tratado. No Congresso Nacional, o tratado será submetido a um processo legislativo abrangendo discussões e votações separadas nas Câmaras dos Deputados (CD) e no Senado federal (SF)60, de forma semelhante ao que ocorre com um projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo. Conforme o art. 47 da Constituição61, para ser aprovado em cada Casa, faz-se necessário a maioria dos votos, desde que verificada a presença da maioria absoluta dos respectivos membros. O procedimento inicia-se por meio do envio de uma mensagem pelo Presidente da República, que encaminha o inteiro teor do tratado junto com o respectivo documento de exposição de motivos. Em virtude do que determina o art. 64 da Constituição62, o trâmite tem início na Câmara dos Deputados. Pelo princípio da publicidade, a mensagem do Poder Executivo será lida em plenário, oportunizando a todos os deputados o conhecimento dos termos do tratado. Em seguida, segundo o art. 17, II, “a”, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), cabe ao Presidente da Câmara realizar a distribuição da mensagem para a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, a quem cabe discutir sobre "tratados, atos, acordos e convênios internacionais e demais instrumentos de política externa" (art. 32, XV, “c”, do RICD).

59

Ver MAZZUOLI, op. cit., 2011, p. 363-367. “O sistema difere, pois, do norte-americano, em que apenas o Senado deve aprovar tratados internacionais [...]” (REZEK, op. cit., 2011, p. 89). 61 “Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros”. 62 "Art. 64. A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República [...] terão início na Câmara dos Deputados". ~ 49 ~ 60


O ato pelo qual se aprova um tratado pelo Congresso Nacional é o decreto legislativo. Por isso, após as discussões e a aprovação da mensagem do Poder Executivo na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, é elaborado um projeto de decreto legislativo, que será submetido à apreciação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, nos termos do art. 32, IV, do RICD, bem como de outras Comissões pertinentes, a depender da matéria sobre a qual versa o tratado internacional63. A tramitação do projeto de decreto legislativo será processada de forma célere, eis que o art. 151, I, “j”, do RICD dispõe que serão processadas em regime de urgência os projetos de decreto legislativo que versem sobre proposições oriundas de mensagens do Poder Executivo atinentes a tratados e outros atos internacionais. Tal caráter de urgência significa que poderão ser dispensadas exigências e formalidades regimentais, mas permanecem obrigatórios os atos de publicação e distribuição, os pareceres das Comissões ou do Relator e o quorum mínimo para deliberação. As Comissões, em regra, terão que obedecer ao limite de cinco sessões para análise e votação do projeto de decreto legislativo (art. 52, I, do RICD). Além do mais, se o projeto tiver sido encaminhado a mais de uma Comissão, ele deverá ser discutido e votado de forma simultânea, em cada uma de tais Comissões (art. 139, inciso VI, do RICD). Discutido e aprovado nas Comissões, o projeto de decreto legislativo será submetido à votação pelo Plenário da Câmara, que, conforme ressaltado, será aprovado mediante o voto favorável da maioria simples dos deputados; em tal hipótese, será remetido, em seguida, ao Senado Federal. Entretanto, como explica

63

Nesse sentido, Rezek explica que “tanto a Câmara quanto o Senado possuem comissões especializadas ratione materiae, cujos estudos e pareceres precedem a votação em plenário. O exame do tratado internacional costuma envolver, numa e noutra das casas, pelo menos duas das respectivas comissões: a de relações exteriores e a de constituição e justiça. O tema convencional determinará, em cada caso, o parecer de comissões outras, como as de finanças, economia, indústria e comércio [...]” (REZEK, op. cit., 2011, p. 89). ~ 50 ~


Rezek, verificando-se a rejeição do projeto, finda-se o processo, não havendo que se falar em remessa ao Senado64. No Senado Federal, as regras sobre a tramitação de projetos de decretos legislativos referentes a atos internacionais estão condensadas, principalmente, no art. 376 do Regulamento Interno do Senado Federal (RISF), do seguinte modo: Art. 376. O projeto de decreto legislativo referente a atos internacionais terá a seguinte tramitação: I – só terá iniciado o seu curso se estiver acompanhado de cópia autenticada do texto, em português, do ato internacional respectivo, bem como da mensagem de encaminhamento e da exposição de motivos; II – lido no Período do Expediente, será o projeto publicado e distribuído em avulsos, acompanhado dos textos referidos no inciso I e despachado à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional; III – perante a Comissão, nos cinco dias úteis subseqüentes à distribuição de avulsos, poderão ser oferecidas emendas; a Comissão terá, para opinar sobre o projeto, e emendas, o prazo de quinze dias úteis, prorrogável por igual período; IV – publicados o parecer e as emendas e distribuídos os avulsos, decorrido o interstício regimental, a matéria será incluída em Ordem do Dia; V – não sendo emitido o parecer, conforme estabelece o inciso III, aplicar-seá o disposto no art. 172, II, c.

Além do mais, é possível que, no Plenário do Senado Federal, o projeto de decreto legislativo referente a ato internacional seja incluído na Ordem do Dia, mesmo que não esteja instruído com pareceres das comissões a que houver sido distribuído, desde que faltem dez dias ou menos para o término do prazo no qual o Brasil deve manifestar-se internacionalmente sobre tal ato (art. 172, II, “c”, do RISF). Caso aprovado nas duas Casas do Poder Legislativo Federal, o projeto de decreto executivo será promulgado pelo Presidente do Congresso Nacional, que será o próprio Presidente do Senado Federal (art. 57, §5º, da CF). Tal ato funciona como um verdadeiro referendo do texto do tratado internacional, exteriorizando a concordância do Legislativo com a vontade do Executivo de fazer parte do referido ato internacional. O Congresso poderá se retratar quanto à aprovação e promulgação do decreto legislativo a respeito de tratado internacional. Para que isso seja possível, basta que o

64

REZEK, op. cit., 2011, p. 89. ~ 51 ~


ato internacional ainda não tenha sido ratificado pelo Presidente da República. Assim, se o Brasil ainda não se comprometeu internacionalmente, o Congresso poderá revogar, por um ato de mesma natureza, um decreto legislativo anteriormente promulgado65. Sendo o projeto de decreto legislativo rejeitado, será emitida nota ao Presidente da República, devidamente justificada. Nesse caso, não poderá o Brasil fazer parte do ato internacional, sob pena de afronta à Constituição Federal e de se incorrer em vício formal de consentimento, o que gera a ineficácia do tratado para nosso país, nos termos do estudado art. 46 da CVDT. Por fim, três interessantes questões sobre a etapa de apreciação do tratado pelo Congresso Nacional merecem ser analisadas: primeiro, poderia o Congresso Nacional denunciar um tratado? Segundo, a denúncia poderia ser realizada pelo Chefe do Poder Executivo, sem a concordância do Congresso Nacional, já que tal anuência é requisito para a que o ato internacional tenha aplicabilidade em âmbito interno? E, terceiro, poderia o Congresso Nacional emendar tratados? Sobre os dois primeiros pontos, expomos a lúcida opinião de Mazzuoli sobre o assunto – da qual compartilhamos integralmente: Segundo nos parece, o Congresso Nacional pode, por meio de lei, denunciar tratados internacionais, tendo eventualmente que derrubar o veto do Presidente da República que poderá existir, caso o Poder Executivo não aceite a denúncia proposta pelo Parlamento. [...] Para nós, da mesma forma que o Presidente da República necessita da aprovação do Congresso Nacional, dando a ele ‘carta branca’ para ratificar o tratado, mais consentâneo com as normas da Constituição de 1988 em vigor seria que o mesmo procedimento fosse aplicado em relação à denúncia, donde não se poderia falar, por tal motivo, em denúncia de tratado por ato próprio do Chefe do Poder Executivo. Com isto se respeita o paralelismo que deve existir entre os atos jurídicos de assunção dos compromissos internacionais com aqueles relativos à sua denúncia 66.

Vale mencionar que a comunidade jurídica aguarda o posicionamento do STF sobre a possibilidade de denúncia do tratado pelo Presidente, sem a anuência do 65 66

Nesse sentido, ver REZEK, op. cit., 2011, p. 90. MAZZUOLI, op. cit., 2011, p. 309. ~ 52 ~


Congresso, já que está pendente o julgamento da ADIN n° 1.625/DF, que trata sobre a matéria. Por outro lado, a questão sobre a apresentação de emendas por parte do Congresso é mais complexa. De um lado, autores como Clóvis Beviláqua e Augusto Cançado de Trindade já se manifestarem no sentido da impossibilidade de o Parlamento apresentar emendas ao tratado internacional, diante da inexistência de previsão legal, de modo que a ele cabe aprová-lo ou rejeitá-lo totalmente. Por outro lado, a tese da possibilidade de apresentação de emendas por parte do Legislativo foi defendida por autores como Wilson Accioli de Vasconcelos e Pontes de Miranda. Em nosso ponto de vista, o melhor posicionamento doutrinário é aquele que entende que é possível a apresentação pelo Congresso de sugestões de emendas aos tratados, tendo tais proposições caráter recomendatório. Assim, a modificação sugerida pelo Legislativo dependerá tanto da anuência do Poder Executivo brasileiro, quanto das demais partes do tratado internacional. Caso não sejam aceitas as sugestões do Congresso, o tratado será rejeitado totalmente67. Exatamente nesse sentido, em parecer solicitado pelo Itamaraty, o consultor jurídico Vicente Marotta Rangel explica que a apresentação pelo Parlamento de proposta de emenda ao tratado poderá implicar a aprovação ou a rejeição do ato internacional, a depender do posicionamento do Poder Executivo nacional e das demais partes contratantes. Em suas palavras: Em que casos a interposição de emendas poderá, não obstante isso, ensejar aprovação do tratado? Os seguintes são de acolher: a) se, em sendo bilateral, houver concordância da outra Parte Contratante com a emenda proposta; b) se, em sendo multilateral, houver concordância das demais Partes Contratantes; c) se, em sendo multilateral e havendo discrepância de Parte Contratante, existirem cláusulas a respeito de emenda e modificação do próprio tratado e a emenda proposta com estas cláusulas se harmonize. [...] Em que casos a aposição de emendas valerá como recusa do tratado? O primeiro e o mais simples é aquele em que Parte Contratante de tratado bilateral ou multilateral não aceite modificação desse tratado. Segundo caso é o de tratado que, não obstante discrepância de Parte Contratante, contenha

67

Por tudo, ver MEDEIROS, op. cit., p. 438-442. ~ 53 ~


cláusulas sobre a própria revisão ou emenda, com as quais, todavia, a emenda sugerida ou proposta não se harmonize 68.

É certo, assim, que as emendas aos tratados propostas pelo Legislativo sugerem que o Poder Executivo novamente entre em negociação com a outra parte contratante. Por isso, tais atos legislativos devem ser feito com a máxima prudência, sob pena de configurar violação ao princípio da separação dos Poderes. Isto porque é competência exclusiva do Poder Executivo estabelecer, livremente, negociações e relações diplomáticas com outros Estados (art. 84, VI e VIII, da Constituição); se o Parlamento apresenta, imoderadamente, emendas aos tratados internacionais, vai obrigar que o Executivo, a fim de ver o tratado aprovado, entre – mesmo contra sua vontade – em novas negociações com as partes contratantes69.

I.III Ratificação ou adesão pelo Poder Executivo

Com a aprovação do tratado pelo Congresso Nacional, tem o Poder Executivo a prerrogativa de realizar a ratificação do tratado, reiterando e formalizando, no âmbito internacional, a vontade do Estado brasileiro de fazer parte do referido ato convencional. Nesse sentido, a ratificação do tratado pelas partes trata-se de uma etapa internacional que dá vigência ao ato internacional, salvo previsão no próprio tratado em sentido contrário. Em regra, a ratificação é expressa por meio do envio de uma carta manifestando esse propósito – denominada de carta de ratificação. Esse envio de carta de ratificação, conforme visto, poderá ser denominado de troca ou depósito do

68

RANGEL, Vicente Marotta. Emendas dos tratados Internacionais. In: MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de (org.). Pareceres dos consultores jurídicos do Itamaraty. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2004, p. 93-94. 69 No mesmo sentido, Vicente Marotta Rangel aponta que “a decisão de interpor emenda deve ser tomada com extrema prudência. O tratado resulta de um processo árduo e complexo de negociação. As disposições dele constantes concatenam-se reciprocamente numa delicada relação de equilíbrio, insusceptível o mais das vezes de ser restabelecido em negociações ulteriores” (RANGEL, op. cit., p. 94). ~ 54 ~


instrumento de ratificação, caso se trate, respectivamente, de um tratado bilateral ou multilateral. Em se tratando de um tratado já existente, haverá a necessidade de uma similar à ratificação, que é denominado de adesão, por meio do qual um Estado exterioriza definitivamente sua vontade de fazer parte daquele tratado que já se encontra formado.

I.IV Promulgação do Decreto Presidencial

Após a ratificação ou adesão do tratado internacional no âmbito externo, no Brasil, para que o ato tenha aplicabilidade e eficácia internamente, faz-se necessária a promulgação de um decreto pelo Poder Executivo, dando publicidade a todos os termos do referido ato internacional.

Tal decreto terá força de lei, devendo ser

promulgado pelo Poder Executivo, sem a necessidade de o texto do tratado ser novamente apreciado pelo Parlamento70. Nesse sentido, a publicação do decreto do Poder Executivo corresponde à etapa final do processo de celebração de um tratado pelo Estado brasileiro. Tal como decidiu o STF, no julgamento da ADI nº 1.480 DF, em 2001, após cumprida essa formalidade, três são os efeitos principais verificados: “(a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno”. Para o Supremo71, mesmo os tratados internacionais firmados com base no parágrafo único do art. 4º da Constituição72, ou seja, no âmbito de blocos de integração

70

Motivo pelo qual alguns autores defendem que, no Brasil, prevalece a teoria dualista moderada (MAZZUOLI, op. cit., 2012, p. 82-83). 71 Vide o julgamento do Agravo Regimental em Carta Rogatória nº 8.279, em 1998. 72 “Art. 4º. [...].Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”. ~ 55 ~


latinoamericana, tal como o MERCOSUL e a UNASUL, devem ser transpostos para a ordem jurídica doméstica, sob pena de não se produzir qualquer efeito no âmbito interno.

II. A questão dos acordos executivos

Na comunidade internacional, percebe-se, cada vez mais, a celebração dos chamados acordos executivos, também conhecidos como acordos internacionais em forma simplificada. Por sua natureza ou objeto, recebem um tratamento mais célere e simplificado para sua vigência e aplicação no âmbito interno de um país 73. No Brasil, tais espécies de acordo versam sobre matéria secundária, abordando, via de regra, “assuntos de natureza administrativa, da rotina diplomática, podendo ainda precisar, alterar ou interpretar o alcance de cláusulas de atos já concluídos” 74. Eles não se submetem ao crivo do Poder Legislativo brasileiro, sendo formalizados por meio de troca de notas (por isso, também são conhecidos como acordos por troca de notas ou por notas reversais). A celebração de acordos executivos pelo Poder Executivo brasileiro, entretanto, não passa desapercebida dos olhares críticos da doutrina. Como cita Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros75, não são poucos os autores que defendem que a prática de

73

Os acordos executivos (agreements) são bastante utilizados pelos Estados Unidos. Rezek explica que, nesse país, “a prática dos acordos executivos começa no governo de George Washington, e ao cabo de dois séculos ostenta impressionante dimensão quantitativa. A Corte Suprema norte-americana, levada por mais de uma vez ao exame da sanidade constitucional desses acordos, houve por bem convalidálos” (REZEK, José Francisco. Parlamento e tratados: o modelo constitucional do Brasil, Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 41, n. 162, p. 121-148, abr./jun. 2004. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/952>. Acesso em: 27 fev. 2017). 74 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Atos Internacionais. Prática Diplomática Brasileira. Manual de Procedimentos. Divisão de Atos Internacionais: Brasília, 2010, p. 7. Disponível em: <http://daimre.serpro.gov.br/clientes/dai/dai/manual-de-procedimentos/manual-de-procedimentos-praticadiplomatica>. Acesso em: 27 fev. 2017. 75 É nesse sentido que se manifestam autores como Manoel Gonçalves Ferreira Filho, José Cretella Júnior, Pinto Ferreira, Luís Ivani de Amorim Araújo, Oscar Dias Corrêa, Elcias Ferreira da Costa, citados em: MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de. O Poder de Celebrar Tratados: competência dos poderes constituídos para a celebração de tratados, à luz do Direito Internacional, do Direito Comparado e do Direito Constitucional Brasileiro. Sérgio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre, 1995, p. 383. ~ 56 ~


se formalizar acordos internacionais, independentemente da urgência ou da matéria versada, sem a apreciação do Parlamento, não pode ser concebido, por violar as disposições constitucionais do processo de celebração dos tratados. De outra banda, para alguns autores, embora essa prática se classifique como costume extra legem, é possível a formulação de tais acordos, que se apresentam como relevante instrumento para suprir uma lacuna normativa quanto à celebração de tratados que, por seu objeto, necessitem de uma forma mais urgente e/ou simplificada de celebração. Nesse sentido, Mazzuoli, reconhecendo a importância dos acordos executivos para as relações diplomáticas, explica que: A doutrina que defende a plena possibilidade de tais acordos entre nós certamente melhor se fundamenta na atual tendência de atenuar o rigor da regra constitucional (que manda submeter ao crivo do Parlamento todos os tratados internacionais celebrados pelo Estado brasileiro) em prol de uma menor avalanche de tratados que, excessivamente, onera o Poder Legislativo, dando causa a um verdadeiro back-log de tratados à espera de aprovação. Daí se admitir tenha a Constituição brasileira atual (de 1988) aceitado exceções ao princípio da obrigatoriedade do referendum legislativo para todos os tratados, exceções estas baseadas naquele costume extra legem (que, contudo, não pode tornar-se contra legem) já anteriormente citado. [...] essa flexibilização constitucional, permissiva da conclusão dos acordos em forma simplificada, vem ao encontro dos princípios contemporâneos do Direito Internacional Público (em especial, o da solidariedade internacional)76.

Rezek também defende a possibilidade de elaboração de tais acordos executivos, entretanto, adverte que trata-se de “uma prática convalidável, desde que, abandonada a ideia tortuosa de que o governo pode pactuar sozinho sobre ‘assuntos de sua competência privativa’, busque-se encontrar na lei fundamental [Constituição Federal] sua sustentação jurídica”77. Em que pese o debate doutrinário, o Itamaraty vem adotando os acordos executivos como instrumento de celebração de atos internacionais relacionados ao

76 77

MAZZUOLI, op. cit., 2011, p. 353-354. REZEK, op. cit., 2011, p. 86. ~ 57 ~


cumprimento de tratados ou de caráter meramente administrativo – tal como previsto no seu Manual de Procedimentos anteriormente aludido.

III. A localização do tratado internacional na hierarquia normativa interna

No Brasil, os tratados internacionais, como analisado, para produzirem efeitos internos, devem ser inseridos em nosso ordenamento jurídico por meio de mecanismos de direito nacional. No entanto, um ponto que há muito causa debates é a questão da posição hierárquica dos tratados internacionais dentro da ordem jurídica brasileira. Ou seja, em que local da escala hierárquico-normativa se localizam os negócios jurídicos internacionais submetidos ao regime de Direito Internacional Público firmados pelo Estado brasileiro? Analisando o problema apresentado, a seguir serão abordados alguns pontos sobre a eficácia e a aplicabilidade dos tratados internacionais perante a ordem normativa interna, com enfoque, principalmente, na visão do Supremo Tribunal Federal, a quem compete decidir, em última instância, sobre as questões envolvendo o sistema constitucional brasileiro.

III.I A infraconstitucionalidade dos tratados internacionais

Não é novidade que, no atual sistema normativo brasileiro, influenciado pelos ideais do neoconstitucionalismo, a Constituição assume uma posição de máxima relevância no ordenamento jurídico nacional. Por isso, no âmbito do STF, resta pacífico o entendimento de que nenhum ato normativo, incluindo os tratados internacionais internalizados no ordenamento pátrio, pode confrontar com a Constituição Federal. Assim, é possível concluir, facilmente, que os tratados, de forma geral, estão no situados no plano infraconstitucional, de modo que poderão, inclusive, ser objeto de controle difuso ou concentrado de constitucionalidade (art. 102, III, "b") – por óbvio, a ~ 58 ~


eventual declaração de inconstitucionalidade apenas produz efeitos na jurisdição do Estado brasileiro. São vários os precedentes da Suprema Corte que, afastando o princípio de direito internacional do pacta sunt servanda, concluem pela inaplicabilidade de tratados contrastante com as normas decorrentes do texto constitucional. A título de exemplo, em 2007, julgando o HC 94.404/SP, em que se questionava o art. 11 da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (ou Convenção de Palermo)78, o STF entendeu que cláusulas inscritas nos textos de tratados internacionais que imponham a compulsória adoção, por autoridades judiciárias nacionais, de medidas de privação cautelar da liberdade individual, ou que vedem, em caráter imperativo, a concessão de liberdade provisória, não podem prevalecer em nosso sistema de direito positivo, sob pena de ofensa à presunção de inocência, entre outros princípios constitucionais que informam e compõem o estatuto jurídico daqueles que sofrem persecução penal instaurada pelo Estado. A vedação apriorística de concessão de liberdade provisória é repelida pela jurisprudência do STF, que a considera incompatível com a presunção de inocência e com a garantia do due process, dentre outros princípios consagrados na CR, independentemente da gravidade objetiva do delito.

Desse modo, verifica-se que, para o STF, independente da matéria regulada pela norma do tratado internacional, esta não será aplicada em âmbito interno, se violar os dispositivos constitucionais vigentes.

III.II A questão das matérias tratadas exclusivamente por leis complementares Por outro lado, também resta assente na jurisprudência do Supremo que os tratados internacionais não podem versar sobre matérias que, em virtude de expressa previsão Constitucional, devam ser tratadas exclusivamente por leis complementares. Do contrario, afrontar-se-ia o próprio texto constitucional. Ou seja, são inaplicáveis os dispositivos previstos no tratado internacional sobre matérias que a Constituição tenha

78

Promulgado pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. ~ 59 ~


previsto como de competência exclusiva de lei complementar (cite-se, como exemplo, a regulação das limitações constitucionais ao poder de tributar, conforme determina o art. 146, II, da CF). Sobre o tema, em 2001, julgando a ADIN 1.480/DF, na qual se questionava a constitucionalidade de dispositivos do Decreto Legislativo nº 68/92, que aprovou a Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e do Decreto Presidencial nº 1.855/96, que promulgou tal tratado, o STF assim concluiu: TRATADO INTERNACIONAL E RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR.- O primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é oponível ao princípio pacta sunt servanda, inexistindo, por isso mesmo, no direito positivo nacional, o problema da concorrência entre tratados internacionais e a Lei Fundamental da República, cuja suprema autoridade normativa deverá sempre prevalecer sobre os atos de direito internacional público. Os tratados internacionais celebrados pelo Brasil - ou aos quais o Brasil venha a aderir - não podem, em consequência, versar matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar. É que, em tal situação, a própria Carta Política subordina o tratamento legislativo de determinado tema ao exclusivo domínio normativo da lei complementar, que não pode ser substituída por qualquer outra espécie normativa infraconstitucional, inclusive pelos atos internacionais já incorporados ao direito positivo interno.

Portanto, na linha do entendimento do STF, não há como um tratado internacional disciplinar matérias que a Constituição reservou a leis complementares.

III.III A importância de se analisar o conteúdo do tratado internacional

Tal como analisado, é possível extrair da jurisprudência do STF as seguintes conclusões: (i) os tratados internacionais devem respeitar a Constituição Federal; (ii) é possível o controle de constitucionalidade dos tratados internacionais internalizados por mecanismos de direito interno, e; (iii) tais atos de Direito Internacional Público não podem tratar de matéria que foi reservada à lei complementar, porque isso significaria uma afronta à própria Constituição.

~ 60 ~


Estabelecidos tais parâmetros, vale pontuar que, atualmente, a maior controvérsia sobre o tema cinge-se em definir a existência ou não de superioridade dos tratados internacionais frente à legislação infraconstitucional ordinária. Não é possível, contudo, estabelecer uma conclusão geral, aplicável a todos os tratados. É preciso abordar o tema apreciando o conteúdo do ato internacional, identificando se ele trata de questões atinentes (a) a matérias comuns ou, por outro lado, a questões específicas vinculadas (b) a direitos humanos, (c) ao transporte internacional, (d) ao direito processual civil ou (e) ao direito tributário. Desde logo, ressalvamos que os tratados internacionais em matéria tributária, que integra o objeto principal da presente pesquisa, serão debatidos em capítulo próprio.

III.IV Os tratados internacionais comuns

Para uma explanação mais didática sobre o tema que ora se discute, consideraremos

como

tratados

internacionais

comuns

como

aqueles

atos

internacionais que não versem sobre direitos humanos, transporte internacional, direito processual civil ou direito tributário, eis que os tratados sobre tais assuntos são dotados de peculiaridades que serão analisadas adiante. Tradicionalmente, a comunidade jurídica nacional e a internacional sempre caminharam no sentido de admitir a prevalência do tratado internacional em face da lei interna79. Inclusive, nossa Suprema Corte, após o julgamento da Apelação Cível n° 9.587, em 1951, redigiu a seguinte ementa: “o tratado revoga as leis que lhe são

79

Para Mazzuoli, já no Projeto de Código de Direito Internacional Público, elaborado por Epitácio Pessoa, em 1911, previa-se que os tratados internacionais deveriam produzir seus efeitos, ainda quando modificada a organização interna (territoriais etc) dos Estados partes (ver MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Apontamentos sobre o Direito dos Tratados no Projeto de Código de Direito Internacional Público de Epitácio Pessoa. In: FRANCA FILHO, Marcílio Toscano; MIIALHE, Jorge Luís; JOB, Ulisses da Silveira (orgs.). Epitácio Pessoa e a Codificação do Direito Internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2013, p. 522-523). ~ 61 ~


anteriores; não pode, entretanto, ser revogado pelas posteriores, se estas não o fizerem expressamente ou se não o denunciarem”. No entanto, décadas mais tarde, o STF mudaria radicalmente seu posicionamento. Desde 1977, no julgamento do RE n° 80.004/SE, prevalece no STF o entendimento de que os tratados internacionais comuns possuem status de lei ordinária federal, ou seja, mantêm relação de equiparação com a legislação infraconstitucional ordinária. Dessa forma, eventual conflito entre uma lei ordinária e um tratado internacional comum deveria ser solucionada mediante os critérios tradicionais de solução de antinomia, tal como o cronológico (lex posterior derogat priori) e o da especificidade (lex specialis derogat legi generali).

III.V Os tratados sobre direitos humanos

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que incluiu o § 3º no art. 5º da Constituição Federal, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Ou seja, submetendo-se ao sistema de votação do art. 5º, §3º, da Constituição, o tratado internacional de direitos humanos assumirá posição máxima na hierarquia normativa interna, sendo equiparáveis às normas advindas do poder constituinte reformador. Até hoje, apenas dois atos internacionais foram aprovados segundo tal processualística: a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo80. Por outro lado, não é tão simples a situação do tratado de direitos humanos não tenha passado pelo referido quorum especial. Antes da Constituição de 1988,

80

Ambos promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25.8.2009. ~ 62 ~


predominava a ideia de que tais tratados também receberiam o mesmo tratamento dos tratados comuns, ou seja, seriam equiparáveis às leis ordinárias. Com a vigência da Carta de 1988, houve expressa previsão, em seu art. 5°, §2°, de que os direitos e garantias fundamentais expressos no texto constitucional não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que seja parte o Estado brasileiro81. Em decorrência dessa previsão constitucional, surgiram diversas correntes sobre a posição hierárquico-normativa dos tratados internacionais sobre direitos humanos (não submetidos à sistemática do §3° daquele dispositivo). Tais correntes indicam quatro diferentes caracterizações de tais espécies de tratados: (i) natureza supraconstitucional82; (ii) caráter constitucional83; (iii) equiparação à lei ordinária, atribuindo-lhes caráter legal84, e; (iv) natureza supralegal85. Com efeito, o STF, mesmo com a promulgação da Constituição de 1988, em uma postura claramente nacionalista, corroborava com a terceira corrente, conferindo caráter legal aos tratados internacionais, mesmo que versassem sobre direitos humanos. Assim, a Suprema Corte entendia que tais atos internacionais manteriam uma relação de paridade com a legislação ordinária.

81

Para Jorge Miranda, o §2º do art. 5º da Constituição de 1988 teve por inspiração o art. 16, §1º, da Constituição portuguesa. Para o autor, trata-se de “uma cláusula de não tipicidade dos direitos fundamentais. O princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º de qualquer das Constituições) não se compadeceria com a limitação dos direitos aos formulados, em certo tempo histórico, no texto constitucional, nem com a desconsideração do fenômeno de internacionalização da protecção da pessoa” (ver MIRANDA, Jorge. Curso de direito internacional público: uma visão sistemática do direito internacional dos nossos dias. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 141). 82 Ver TRIEPEL, Karl Heinrich. As relações entre o direito interno e o direito internacional. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 6, 1966, p. 7-64. Disponível em: <http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/993>. Acesso em: 01 fev. 2017. 83 Mazzuoli entende que os tratados internacionais de direitos humanos que ratificados e promulgados pelo Estado brasileiro, independente do seu quorum de aprovação, possuem caráter de norma constitucional, em virtude da aplicação do princípio da supremacia do Direito Internacional e da prevalência de suas normas em relação ao direito interno, seja este anterior ou posterior (ver MAZZUOLI, op. cit., 2011, p. 386). 84 Conforme decidiu o STF no julgamento do RE nº 80.004/SE. 85 Como previsto em várias Constituições europeias, como a da Grécia, França e Alemanha. ~ 63 ~


Nesse sentido, o STF vinha decidindo que a proibição da prisão civil, previsto art. 7º, §7º, da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos (ou Pacto de São José da Costa Rica)86, promulgada pelo Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, não poderia prevalecer frente à Lei nº 4.728/65, que, em seu art. 66, §10º87, tratava da possibilidade de prisão do depositário infiel, nos termos do art. 171, I, §2º, do Código Penal88, até porque haveria expressa autorização no art. 5º, LXVII, da CF89, em relação à aplicação de tal penalidade90. Contudo, no paradigmático julgamento em conjunto dos REs n° 466.343/SP e 349.703/RS e dos HCs nº 87.585/TO e nº 92.566/SP, finalizado em 03 de dezembro de 2009, com base na posição do voto-vista do Min. Gilmar Mendes, o STF mudou seu entendimento, e concluiu que os tratados internacionais de direitos humanos, por possuírem valor especial no contexto do sistema de proteção da pessoa humana,

86

“Art. 7º. Direito à liberdade pessoal. [...] §7º Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”. 87 “Art. 66. [...] § 10. O devedor que alienar, ou der em garantia a terceiros, coisa que já alienara fiduciàriamente em garantia, ficará sujeito à pena prevista no art. 171, § 2º, inciso I, do Código Penal”. 88 “Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. [...] § 2º - Nas mesmas penas incorre quem: Disposição de coisa alheia como própria I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria”. 89 “Art. 5º. [...] LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. 90 Nesse sentido: HC 72.131, julgado em 1995. Posteriormente, no julgamento do HC 84.484, o STF entendeu que o depositário tinha uma obrigação pública de não dispor do bem depositado, de modo que sua obrigação não teria natureza cível (contratual), mas sim pública, não incidindo a proibição do art. 7º, §7º, do Pacto de São José da Costa Rica. Assim concluiu a Suprema Corte: “O depositário judicial assume o munus público de órgão auxiliar da Justiça, pois a ele é confiada a guarda dos bens que garantirão a efetividade da decisão a ser proferida no processo judicial. É o vínculo funcional entre o Juízo e o depositário que permite, verificada a infidelidade, a decretação da prisão deste último. Não se trata, portanto, de hipótese de prisão contratual. É esta a natureza não-contratual do vínculo que faz com que a medida de constrição de liberdade individual se enquadre na ressalva constitucional do inciso LXVII do art. 5º da Constituição da República” (HC 84.484, julgado em 2005). ~ 64 ~


seriam dotados de um caráter supralegal, isto é, “não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico”91. Dessa forma, havendo conflito entre uma norma extraída do Pacto de São José da Costa Rica (tratado internacional sobre direitos humanos) e uma norma derivada da legislação infraconstitucional interna, como a Lei n° 4.728/65, aquele deveria prevalecer em face desta, de modo que não mais é permitido a prisão cível em face do depositário infiel. Finalmente, no ano de 2009, o STF editou o Enunciado n° 21 da sua Súmula Vinculante, que prevê que “é inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo”, entendimento este que possui caráter obrigatório para todas as esferas da Administração Pública, direta e indireta, e do Poder Judiciário (art. 2° da Lei n° 11.417/2006). Analisando o mencionado julgado do STF, Marcelo Neves, invocando a tese do transconstitucionalismo (ver item 2.3.2), explica que “na discussão que se travou, parece claro ter sido colocado no primeiro plano o esforço com vista à formação de uma racionalidade transversal, que se mostre suportável para ambas as ordens jurídicas envolvidas”92. Portanto, o STF claramente resolveu a questão aplicando os ditames da teoria do transconstitucionalismo, defendida por Marcelo Neves. Além do mais, a referida decisão do STF, sem dúvida, é um marco do desenvolvimento, no Brasil, da teoria do controle de convencionalidade, defendida por autores como Mazzuoli93, segundo a qual as leis infraconstitucionais, para serem consideradas válidas, além de respeitarem a Constituição, devem estar em harmonia com os tratados internacionais em matéria de direitos humanos.

91

Ver voto-vista do Ministro Gilmar Mendes no RE nº 466.343-1/SP. NEVES, op. cit., 146. 93 Para o Mazzuoli, “não basta que a norma de direito doméstico seja compatível apenas com a Constituição Federal, devendo também estar apta para integrar a ordem jurídica internacional sem violação de qualquer dos seus preceitos” (MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro. Revista de informação legislativa, Brasília, v. 46, n. 181, p. 113133, jan./mar. 2009, p. 128. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/194897>. Acesso em: 12 fev. 2017). ~ 65 ~ 92


III.VI Os tratados sobre transporte internacional: Convenção de Varsóvia vs.CDC Outra espécie de tratados que, atualmente, vêm causando controvérsias sobre sua aplicabilidade e eficácia no ordenamento jurídico interno trata-se dos atos internacionais de direito público sobre o transporte internacional. A Constituição de 1988 prevê, em seu art. 178, com redação que lhe foi dada pela EC n° 07/1995, que “a lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade”. Um dos principais acordos internacionais sobre transporte internacional firmados pelo Brasil é a Convenção de Varsóvia, promulgada pelo Decreto n° 20.704, de 24 de novembro de 1931, a qual (a) prevê o prazo prescricional de 02 anos para a propositura da ação que tenha por objeto indenização por danos em virtude de extravio de bagagens durante o transporte aéreo internacional (art. 29), bem como (b) estabelece, para tais casos, um sistema tarifado de fixação de indenização por danos materiais (art. 22). Tais disposições da Convenção de Varsóvia, a rigor, violariam dispositivos do direito interno, principalmente o Código de Defesa do Consumidor, o qual (a) prevê o prazo de 05 anos para a propositura de quaisquer ações de reparação de danos em decorrência da relação de consumo (art. 27), bem como (b) sobreleva o princípio da restituição integral do consumidor, segundo o qual o prestador de serviço deve restituir integralmente o consumidor pelos danos causados pela má prestação do serviço (vide arts. 20, 25 e 51, I). Vale mencionar, desde já, que, para solucionar a questão, não poderia o Estado brasileiro, simplesmente, denunciar a Convenção de Varsóvia, porque isso traria uma grande insegurança jurídica para o setor do transporte aéreo, o que poderia prejudicar a prestação de tais serviços no Brasil. Ademais, várias normas previstas naquele ato

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convencional não violam os direitos dos consumidores, de modo que são plenamente aplicáveis em nosso país. Nesse sentido, é questão instaurada de forma recorrente no âmbito dos tribunais a definição de qual ato normativo deve reger os casos de indenização por extravio de bagagem durante a prestação de serviço de transporte aéreo internacional. Pela literalidade do art. 178 da Constituição, pode-se alegar que os tratados sobre transporte internacional dos quais o Brasil fizesse parte teriam um caráter supralegal em relação à legislação infraconstitucional interna. Nessa linha, no que se refere ao prazo prescricional, o STF já proferiu decisão no sentido de que “no caso específico de contrato de transporte internacional aéreo, com base no art. 178 da CF de 1988, prevalece a Convenção de Varsóvia, que determina prazo prescricional de dois anos”94. Contudo, ainda não é possível afirmar que a jurisprudência do STF atribui um caráter supralegal à Convenção de Varsóvia, já que se verifica escassos precedentes sobre a matéria. Ao que tudo indica, a questão será finalmente decidida no âmbito do STF, já que, em março de 2014, foi reconhecida, pelo Ministro Gilmar Mendes, repercussão geral da matéria, conforme decisão proferida no AI 493384 AgR-ED/ES. Por outro lado, o STJ possui um entendimento mais claro quanto ao tema, segundo o qual, em se tratando de relação de consumo, a responsabilidade civil das companhias aéreas em decorrência da má prestação de serviços, após a entrada em vigor da Lei 8.078/90, não é mais regulada pela Convenção de Varsóvia e suas posteriores modificações (Convenção de Haia e Convenção de Montreal), ou pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, subordinando-se, portanto, ao Código Consumerista95.

De fato, são diversos os fundamentos que levam à conclusão da prevalência do CDC sobre a Convenção de Varsóvia, tal como sustentado pelo STJ: (i) as normas do CDC são de ordem pública (art. 1° do CDC); (ii) viola o princípio da isonomia (art. 5°, caput, da CF) estabelecer limites para as indenizações pagas pelo agente que atua no 94 95

RE 297.901/RN, julgado em 2006. AgRg no AREsp 661.046/RJ, julgado em 2015. ~ 67 ~


transporte aéreo internacional, enquanto aquele que realiza transporte terrestre ou aquaviário deve arcar com a restituição integral, e; (iii) a justificativa para fixação de sistema tarifado de indenização decorria do fato de que, na época da elaboração da Convenção de Varsóvia (no ano de 1929), os voos aéreos eram considerados um arriscado meio de transporte, de modo que os riscos deveriam ser compartilhados entre as companhias e os passageiros, justificativa esta que não mais merece vigorar, já que é fato público e notório que tal espécie de transporte é um dos mais seguros do mundo moderno96. Além do mais, a nossos ver, a posição do STJ é compatível com o espírito da Constituição Federal, na medida em que o princípio da proteção ao consumidor, não só é uma garantia fundamental (art. 5°, XXXII, da CF), como também permeia todo o capítulo da Constituição que trata das atividades econômicas (art. 170, V, da CF), incidindo, inclusive, sobre o art. 178, que trata do transporte aéreo internacional. Uma violação às normas protetivas do consumidor previstas no CDC corresponde, pois, a uma afronta à própria Constituição. Ou seja, entendemos que as normas protetivas do consumidor, ainda que previstas na legislação ordinária, devem prevalecer sobre a Convenção de Varsóvia, já que elas são uma manifestação do próprio princípio constitucional da defesa do consumidor.

III.VII Os tratados em matéria de direito processual civil: o art. 13 do CPC/2015 Em 16 de março de 2015, foi promulgada a Lei n° 13.105, que institui o Novo Código de Processo Civil (NCPC). Seu art. 13 dispõe que “jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte”. Assim, o novo diploma legal traz uma inovação no que concerne aos tratados em matéria de direito processual civil: determina, expressamente, a prevalência do ato convencional sobre a legislação interna. 96

Sobre o terma, ver julgamento do REsp 235.678/SP. ~ 68 ~


Interpretando art. 13 do NCPC, o processualista Paulo Cezar Pinheiro Carneiro97 explica que os tratados não são hierarquicamente superiores às normas internas processuais brasileiras. Para ele, o que dispositivo determina, na verdade, é que eventual conflito deve ser resolvido com base no critério da especialidade. Discordamos da opinião do autor, na medida em que pensamos que a referida previsão tem caráter simplesmente declaratório, eis serve para sedimentar a supremacia do direito das gentes sobre o doméstico, supremacia esta que pode ser extraída da própria Constituição de 1988, como também de normas de Direito Internacional Público, tal como abordado de forma mais aprofundada no item 5.2 do presente trabalho.

97

CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Art. 13. In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; DIDIER JÚNIOR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coords.). Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 90-92. ~ 69 ~


CAPÍTULO 4 O TRATADO INTERNACIONAL EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA NO BRASIL

No mundo contemporâneo, verificamos a consolidação do Estado Fiscal, entendido como o Estado Democrático de Direito que promove os direitos e garantias fundamentais por meio do suporte financeiro das pessoas (físicas e jurídicas) dotadas de capacidade contributiva98. Isto porque, conforme demonstram Stephen Holmes e Cass Sunstein99, tanto os direitos econômicos e sociais como as liberdades públicas geram altos custos para o Poder Público, de modo que a tributação é o principal instrumento do Estado Fiscal para arcar com tais despesas. Nesse sentido, não se pode exercer uma tributação adequada, garantindo-se a justiça fiscal, sem a delineação de normas que definam a competência tributária, as garantias do contribuinte e, notadamente em Estados federativos, a divisão de receitas entre os entes federais. No Brasil, o Sistema Tributário Nacional tem seus pilares estabelecidos na Constituição de 1988, em especial, no Capítulo I ("Do Sistema Tributário Nacional") do Título VI ("Da Tributação e do Orçamento")100. Assim, a Carta de 1988 corresponde à principal fonte de normas de direito tributário em nosso país, já que “permite saber

98

Para José Casalta Nabais, no Estado fiscal, a tributação não pode ser vista nem como um simples poder do Estado, nem como um mero sacrifício para os cidadãos, mas sim como um instrumento indispensável a uma vida em comum e próspera de todos os membros da comunidade organizada em um Estado (NABAIS, José Casalta. O Dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 185). 99 HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. The Cost of Rights: why liberty depends on taxes. Nova Iorque e Londres: W. M. Norton, 1999, p. 233-236. 100 Arts. 145 a 162 da Constituição de 1988. ~ 70 ~


tudo o que pode ser feito em matéria tributária e quais as garantias fundamentais do contribuinte cuja inobservância vicia o exercício da tributação”101. Além da Constituição, verifica-se a existência de diversas outras fontes normativas do direito tributário, que possibilitam uma melhor aplicação dos ditames previstos constitucionalmente. Com efeito, o próprio art. 146 da Constituição prevê diversas matérias que devem ser regulamentadas mediante lei complementar, dentre elas, as normas gerais sobre a legislação tributária (inciso III). Nesse sentido, percebese que a lei complementar, que deve ser aprovada pelo Congresso Nacional por quorum qualificado de maioria absoluta (art. 69 da CF), possui um papel de destaque na disciplina de inúmeros assuntos tributários102. Ocorre que, no momento da promulgação da Constituição de 1988, grande parte das matérias reservadas à lei complementar já estavam regulamentadas pela Lei n° 5.172/1966, que instituiu o Código Tributário Nacional (CTN). Por isso, o CTN, conforme explica Sabbag103, embora tenha sido formalmente aprovado como uma lei ordinária, foi recepcionado pela nova ordem constitucional como uma lei complementar e, atualmente, é o diploma que estabelece as normas gerais em matéria tributária. Desse modo, cumprindo a determinação do art. 146, III, da CF104, o Código Tributário Nacional, em seu art. 96, dispõe sobre a abrangência da concepção 101

PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 177. 102 O STF já reconheceu como inconstitucionais diversos dispositivos de lei ordinária que versavam sobre matéria tributária exclusiva de lei complementar, como as normas gerais referentes à decadência e à prescrição do crédito tributário. Nesse sentido, a Suprema Corte editou o Enunciado nº 8 da sua Súmula Vinculante: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam da prescrição e decadência do crédito tributário”. 103 Nas palavras do autor, “a Lei n. 5.172/66, embora aprovada como lei ordinária formal, foi elevada, ainda sob a égide da Carta de 1967, no plano da teoria da recepção, à categoria de lei complementar, em razão principalmente do seu objeto. Quanto a este, no ano anterior (1966), o CTN já estipulava em seu art. 1º que regularia ‘as normas gerais de direito tributário aplicáveis à respectiva legislação complementar, supletiva ou regulamentar’. Com o advento da Carta de 1967, definiu-se a figura da lei complementar como instrumento distinto de lei ordinária, atribuindo-se-lhe a tarefa de veicular as matérias que então se encontravam disciplinadas no CTN” (SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 626). 104 Nas palavras de Geilson Salomão Leite, “o Código Tributário Nacional é a manifestação mais eloquente da Lei Complementar veiculadora de Normas Gerais de Direito Tributário, sem olvidar a Lei ~ 71 ~


“legislação tributária”, que, segundo tal dispositivo, corresponde às leis, aos decretos, às normas complementares e aos tratados e convenções internacionais.

.I Tratado internacional como fonte do direito tributário As chamadas fontes do direito correspondem aos centros produtores de normas jurídicas. Atualmente, numa sociedade cada vez mais interligada, na qual nenhum Estado atinge o progresso adotando uma postura isolada, bem como na qual se verifica o crescimento das chamadas empresas multinacionais, cujas atividades se submetem a mais de um ordenamento jurídico, merece destaque o papel das fontes internacionais, sendo a principal delas o tratado internacional105. Com efeito, os tratados internacionais em matéria tributária formam o objeto principal do Direito Internacional Tributário. Heleno Taveira Tôrres explica que tais normas versam, em regra, sobre as “relações entre Estados em matéria tributária, particularmente para o tratamento coordenado das atividades impositivas, distribuição harmônica do Poder de Tributar entre si e resolução dos concursos impositivos e dos problemas de fraudes internacionais”106. Nesse sentido, é cada vez mais comum a formalização de tratados internacionais em matéria tributária, causada pelo que Jurandi Borges Pinheiro107 chama de corrosão

Complementar nº 116/2003 (ISS), a Lei Complementar nº 123/2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte) e a Lei Complementar nº 87/96 (ICMS)” (LEITE, Geilson Salomão. O Supremo Tribunal Federal e a Guerra Fiscal. In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang (orgs.). Jurisdição constitucional, democracia e direitos fundamentais: estudos em homenagem ao Ministro Gilmar Ferreira Mendes. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 179). 105 “Os tratados são fontes cujo centro irradiador é o acordo entre as vontades soberanas dos Estados” (Por tudo, ver FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2010, p. 190-206). 106 TÔRRES, Heleno Taveira. A Pluritributação Internacional sobre a Renda das Empresas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 62. Segundo Tânia Maria Françosi Santhias, “as normas de direito tributário internacional, enquanto normas de incorporação aos ordenamentos jurídicos nacionais, pertencem ao ramo do direito internacional público, que é o ramo da ciência do Direito que também se dedica ao estudo da forma de celeebraçã dos tratados” (SANTHIAS, Tânia Maria Françosi. Implicações dos tratados internacionais tributários no contrato de federalização. Florianópolis: Insular, 2005, p. 122). 107 PINHEIRO, Jurandi Borges. Direito tributário e globalização: ensaio crítico sobre preços de transferência. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 40-50. ~ 72 ~


da soberania fiscal, cedendo os Estados parte de seu poder soberano e absoluto de produzir normas jurídicas válidas no âmbito interno, para introduzir em seus sistemas jurídicos normas provenientes de fontes internacionais. Entendemos que, na verdade, a soberania que é corroída é a interna, materializada no poder do Estado sobre seus súditos, em determinado território, já que a soberania externa, que se baseia na independência e na igualdade entre os Estados108, implica, principalmente, na possibilidade de assunção de compromissos na seara do direito internacional. Como explica Alberto Xavier, um dos primeiros a se dedicar com profundidade ao tema ora discutido, os tratados possuem um “efeito negativo”, ao “delimitar, por via convencional, pretensões tributárias dos Estados cujo fundamento seja a respectiva lei interna”109. Assim, não se admite que os tratados criem tributos, contudo, podem autorizar ou proibir sua cobrança em determinadas hipóteses. Há diversas espécies de tratados que abrangem matérias sobre direito tributário, dentre as quais destacam-se: (a) Os tratados de cooperação fiscal, que estabelecem mecanismos para auxiliar a fiscalização tributária dos países envolvidos; (b) Os tratados para combater os preços de transferência, que buscam evitar a adoção preços fraudulentos por parte de multinacionais, com o intuito sonegar tributos110. (c) Os tratados sobre comércio exterior, que instituem regras comuns sobre o comercio internacional. Sobre o tema, merece destaque o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, mais conhecido como GATT 111, firmado em 1947, que prevê uma 108

Sobre a diferença entre soberania interna e externa, ver AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. São Paulo: Globo, 2008, p. 69. 109 XAVIER, op. cit., p. 122. 110 Nas palavras de Heleno Taveira Tôrres, preço de transferência é a “alteração dos preços das operações patrocinadas no interior dos grupos de sociedades e nas relações entre empresas por qualquer modo conexas, com a inequívoca finalidade de desfrutar das diferenças existentes entre os regimes tributários envolvidos, otimizando a alocação dos fatores tributáveis entre as unidades operacionais de produção, com a pretensão de redução de custos (subvaloriação) ou aumento dos lucros (supervalorização), transferindo rendas do Estado de produção para países que se utilizem de menores alíquotas ou oferecem isenções ao elemento reditual” (TÔRRES, op. cit., 1997, p. 264-265). 111 Em inglês, General Agreement on Tariffs and Trade. ~ 73 ~


equivalência de tratamento entre o produto nacional e o produto importado. O tema é tão recorrente em nossos tribunais, que o STF e o STJ editaram os seguintes Enunciados de suas respectivas Súmulas: Súmula 575/STF: À mercadoria importada de país signatário do GATT, ou membro da ALALC, estende-se a isenção do imposto sobre circulação de mercadorias concedida a similar nacional; Súmula 20/STJ: A mercadoria importada de país signatário do GATT é isenta do ICM, quando contemplado com esse favor o similar nacional; Súmula 71/STJ: O bacalhau importado de país signatário do GATT é isento do ICM.

(d) Os tratados contra a dupla tributação (TDTs), que evitam que uma mesma riqueza (renda, herança etc.) seja tributada por mais um ordenamento tributário112. Para Alberto Xavier, trata-se da principal matéria regulamentada pelos tratados internacionais tributários113. Tais atos normativos, em geral, são firmados em caráter bilateral, de modo que, usualmente, passam a ser chamados de acordos (conforme visto no item 3.2)114. Luís Eduardo Schoueri caracteriza os tratados internacionais tributários, principalmente quando visam evitar a dupla tributação, como verdadeiras normas tributárias indutoras, uma vez que servem como um importante instrumento de intervenção no domínio econômico. A função indutora de tais normas ganha destaque 112

Para Valadão, trata-se de uma forma indireta de intervenção estatal no domínio econômico. Segundo o autor, “no que diz respeito aos impostos indiretos, cujas relações ultrapassem as fronteiras de um Estado, os Estados envolvidos têm adotado a técnica dos acordos para evitar a dupla tributação. Tais acordos, ao modificarem o tratamento tributário do imposto ali contemplado, implicando a redução do ônus tributário (antes onerado pela dupla imposição), têm efeitos extrafiscais” (VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Limitações constitucionais ao poder de tributar e tratados internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 112). 113 Por tudo e para um aprofundamento sobre o tema, ver XAVIER, op. cit., p. 87-173. 114 Atualmente, o Brasil participa de 32 acordos internacionais para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal, firmados, bilateralmente, com os seguintes países: África do Sul, Argentina, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, China, Coreia, Dinamarca, Equador, Espanha, Filipinas, Finlândia, França, Hungria, Índia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Noruega, Países Baixos, Peru, Portugal, República Eslovaca, República Tcheca, Suécia, Trinidad e Tobago, Turquia, Ucrânia e Venezuela. O acordo internacional firmado com a Alemanha deixou de vigorar desde 01 de janeiro de 2006. ~ 74 ~


especial em países em desenvolvimento, como o Brasil, já estes que “não celebram acordos de bitributação para tornar neutra a tributação dos investimentos estrangeiros; ao contrário, abrem eles mão de parte de sua pretensão tributária, visando a produzir o efeito do incentivo àqueles investimentos” 115. Por fim, segundo Paulo Barros de Carvalho, os tratados não são fontes do direito tributário, “e sim o decretos legislativos que os ratificam, incorporando-os à ordem jurídica brasileira”116. Contudo, corroboramos com as lições de Sacha Calmon Navarro Coêlho117, para quem o decreto-legislativo trata-se, tão somente, de uma das fases do processo de internalização do ato internacional (conforme visto no item 4.1), sendo a fonte de direito tributário o próprio tratado internacional. No mesmo sentido, vale expor as lições de Cristiano Kinchescki: [...] é o tratado, não o decreto-legislativo, o instrumento apto a modificar a legislação interna e ser observado pela que lhe sobrevenha, tendo em vista que o último se constitui em fase de aprovação do ato internacional. Frise-se, neste aspecto, que com a ratificação o Estado já se obriga, perante a ordem internacional, a cumprir as normas estabelecidas no tratado, não obstante o fato do sistema brasileiro exigir a incorporação daquele para que tenha validade no âmbito interno. O referendo do Congresso não é ‘ato de homologação ‘a posteriori’, mas ato de autorização ‘a priori’ para a prática de outro ato – a ratificação – que, esse sim, conclui o procedimento de celebração dos tratado e que é a manifestação da vontade de obrigar-se118.

115

Por tudo, ver SCHOUERI, Luís Eduardo. Contribuição ao estudo do regime jurídico das normas tributárias indutoras como instrumento de intervenção sobre o domínio econômico. São Paulo: USP, 2002, p. 265. 116 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 79. 117 Inclusive, o autor adota uma posição claramente voltada para a ascendência do direito das gentes em relação à legislação interna, em matéria tributária, já que, para ele, o art. 98 do CTN prevê que o tratado internacional é fonte autônoma de direito tributário, sem a necessidade de se proceder qualquer processo de internalização mediante mecanismos de direito interno. Nesse sentido, ver COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 547. 118 KINCHESCKI, Cristiano. Direito Tributário Internacional: os tratados de direito tributário e a ordem jurídica nacional. Florianópolis: Conceitual Editorial, 2010, p. 106. No mesmo sentido: GRUPENMACHER, Betina Treiger. Tratados internacionais em matéria tributária e ordem interna. São Paulo: Dialética, 1999, p. 102-104. ~ 75 ~


Destarte, partindo-se da ideia de que o tratado internacional é uma fonte do direito tributário, cabe-nos analisar o regime jurídico, em nosso país, desse importante instrumento do direito internacional tributário.

II Eficácia e aplicabilidade do tratado internacional tributário

A eficácia e a aplicabilidade do tratado internacional tributário no Brasil é um tema sobre o qual a doutrina e a jurisprudência brasileira apresenta grande diversidade de posicionamentos, como se demonstra adiante.

II.I O art. 98 do CTN

Os tratados internacionais em matéria tributária, conforme visto, integram a legislação tributária brasileira. Com o objetivo de detalhar a abrangência das diversas fontes do direito tributário, tal como previsto na sua exposição de motivos, o CTN, em seus arts. 96 a 112, “enumera os atos normativos em matéria tributária e define o conteúdo e alcance próprio de cada um dêles (sic)"119. Dessa forma, especificamente em seu art. 98, o CTN dispôs sobre a eficácia e a aplicabilidade do tratado internacional em matéria de direito tributário, prevendo que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”. Percebe-se, claramente, que o CTN buscou garantir o respeito às normas provenientes de tratados internacionais, mesmo conflitantes com a legislação tributária interna. Nesse sentido, Gilberto Ulhôa Canto 120, um dos redatores do anteprojeto do CTN, esclareceu que o objetivo do art. 98 não foi de inovar no ordenamento jurídico

119

CONGRESSO NACIONAL. Exposição de Motivos nº 602. Brasília: Diário do Congresso Nacional, 1966, p. 5.801. 120 ULHÔA CANTO, Gilberto de. Legislação tributária, sua vigência, sua eficácia, sua aplicação, interpretação e integração. Revista Forense, Rio de Janeiro, vol. 267, jul./ago./set. 1979, p. 27. ~ 76 ~


brasileiro, mas sim de positivar um entendimento jurisprudencial majoritário na época (o CTN foi promulgado em 1966), quanto ao primado dos tratados internacionais sobre a lei interna, o que veio a ser modificado com a decisão do STF no julgamento do RE n° 80.004/SE. Com efeito, conforme analisado, o STF, desde o julgamento do RE n° 80.004/SE, em 1977, afastou a prevalência do direito internacional sobre o interno, entendendo que, salvo as excepcionais hipóteses já estudadas, o tratado, quando internalizado ao ordenamento jurídico interno, equipara-se à lei ordinária. Outrossim, também é entendimento consolidado na Suprema Corte que o tratado deve estar em harmonia com a Constituição Federal. Por isso, não há qualquer dificuldade em se afirmar que, para o STF: (i) o tratado internacional tributário sempre prevalecerá em face da legislação tributária infralegal (decretos e normas complementares), e; (ii) e a norma tributária internacional, para ser válido no âmbito interno, deve respeitar os ditames do nosso texto constitucional.

Sobre esse último ponto, Tânia Maria Françosi

Santhias121 destaca ainda que, diante da supremacia da Constituição (lex superior derogat legi inferiori), esta sempre prevalecerá, independente do caráter de norma especial do tratado (não se aplica, pois, a máxima da lex specialis derogat generali). Não obstante, no que se refere à relação entre o tratado internacional tributário e a lei interna, o art. 98 do CTN é objeto de algumas das maiores controvérsias instauradas no âmbito do direito tributário em nosso país. São diversos os debates sobre o real sentido da norma extraída de tal preceito legal, eis que sua redação faz surgir questionamentos como: (a) seria possível um tratado internacional tributário revogar uma lei interna? (b) Poderia um tratado em matéria tributária ser revogado por uma lei interna? (c) O tratado internacional tributário possui um status supralegal em nosso país? Trataremos, a seguir, das três questões levantadas.

121

SANTHIAS, op. cit., p. 106. ~ 77 ~


II.II Poderia um tratado internacional em matéria tributária revogar uma lei interna?

Quanto à primeira questão, percebe-se uma tendência da doutrina e da jurisprudência, no sentido de que houve, na verdade, uma deficiência técnica da redação do art. 98 do CTN, uma vez que não é possível a revogação de uma lei interna, em virtude do surgimento posterior de um ato normativo internacional a ela incompatível. Com efeito, sob o ângulo dogmático, são três as qualidades encontradas em uma norma jurídica: vigência, validade e eficácia. Ferraz Júnior resume tais qualidades da seguinte forma: 1. validade é uma qualidade da norma que designa sua pertinência ao ordenamento, por terem sido obedecidas as condições formais e materiais de sua produção e consequente integração no sistema; 2. vigência é uma qualidade da norma que diz respeito ao tempo de validade, ao período que vai do momento em que ela entra em vigor (passa a ter força vinculante) até o momento em que é revogada, ou em que se esgota o prazo prescrito para sua duração; 3. eficácia é uma qualidade da norma que se refere à possibilidade de produção concreta de efeitos, porque estão presentes as condições fáticas exigíveis para sua observância, espontânea ou imposta, ou para a satisfação dos objetivos visados (efetividade ou eficácia social), ou porque estão presentes as condições técnico-normativas exigíveis para sua aplicação (eficácia técnica)122.

Nesse sentido, explica o autor que revogar significa retirar a validade de uma norma por meio de outra superveniente, de forma que a norma revogada não faz mais parte do sistema e, consequentemente, deixa de ser vigente. São duas as formas de revogação: (i) a manifesta, quando há expressa determinação sobre a revogação da norma anterior, ou; (ii) a implícita, quando a nova norma dispõe sobre a mesma matéria que a anterior, sem dispor expressamente sobre a revogação desta.

122

FERRAZ JÚNIOR, op. cit., p. 171. ~ 78 ~


As lições de Ferraz Júnior estão em consonância com o que se extrai do art. 2° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) 123, de acordo com o qual uma lei interna em vigor por tempo indeterminado apenas perderá sua vigência, caso outra a modifique ou a revogue (revogação manifesta) ou se a lei nova regular inteiramente a matéria de que se tratava a lei anterior (revogação implícita). Além do mais, na dicção do art. 2°, §2º, da LINDB, a lei nova não revoga a anterior se apenas estabelecer disposições gerais ou específicas sobre a matéria regulada por esta. No caso do tratado internacional tributário, este, via de regra, disciplina normas específicas sobre determinada matéria de direito tributário já regida pela legislação interna – por exemplo, estabelece procedimentos específicos de fiscalização tributária ou isenções sobre determinadas operações –, de modo que inexiste autorização em nosso ordenamento jurídico para que haja uma revogação implícita da lei interna anterior (caso seja incompatível com a norma de direito internacional). Como se não bastasse, em nosso sistema jurídico vige o princípio da paridade das formas, segundo o qual uma norma só pode revogar outra, se obedecer a forma pela qual esta foi produzida. Ou seja, uma lei sobre imposto de renda, por exemplo, apenas pode ser revogada por outra lei de igual (ou superior) hierarquia. Por isso, autores como Ricardo Lobo Torres124 e Hugo de Brito Machado125 defendem que o tratado internacional tributário que estabelece norma incompatível com lei interna anterior não revoga esta, mas apenas suspende sua eficácia, ou seja, ela não será aplicável às relações jurídicas reguladas pelo tratado126. Em decorrência, 123

Decreto-Lei nº 4.657/1942. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: valores e princípios constitucionais tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 434. 125 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 92. 126 Com posição contrária, Mazzuoli defende que o CTN prevê uma hipótese de revogação da espécie derrogação. Explica o autor: “Em verdade, o que ocorreu é que o CTN preferiu se valer de uma expressão que é gênero e não da espécie correta, que realmente seria o termo ‘derrogam’. Como se sabe, ‘revogação’ é gênero do qual fazem parte duas espécies: a ab-rogação (revogação total de uma lei) e a derrogação (revogação parcial dessa mesma lei). Assim, quando o CTN se utiliza da expressão-gênero revogação, deve o intérprete ler aí que a referência diz respeito à sua espécie derrogação, em homenagem à precisão técnica” (MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Eficácia e aplicabilidade dos tratados ~ 79 ~ 124


pode-se afirmar que (a) a lei interna continuará vigente, mas sem produzir efeitos nas relações versadas no tratado; (b) havendo a denúncia ao tratado internacional ou este deixando de produzir efeitos, a lei interna volta a possuir total eficácia.

II.III Poderia um tratado internacional tributário ser revogado por uma lei interna?

Quanto à questão sobre a possibilidade de uma lei interna revogar um tratado internacional tributário, a resposta só pode ser negativa. Primeiro, porque é de fácil percepção que o legislador buscou, por meio do art. 98 do CTN, atribuir uma eficácia sui generis ao tratado internacional, que, inclusive, deve ser observado pela legislação tributária que lhe sobrevenha. Assim, defender a possibilidade de invalidar um ato convencional tributário mediante lei interna iria de encontro ao próprio espírito da norma esculpida no art. 98 do CTN. Noutro giro, conforme visto, a Convenção de Viena de 1969, estabelece mecanismos específicos do direito internacional público para a revogação do tratado internacional (como a denúncia), não sendo tal matéria afeta às legislações nacionais dos Estados. Inclusive, em seu art. 27, a CVDT prevê que “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. Relembre-se, ainda, que o Brasil assinou e promulgou a CVDT sem qualquer reserva às referidas regras, de modo possuem caráter obrigatório para Estado brasileiro, o que implica, logicamente, na impossibilidade de o Brasil editar uma lei interna para fins de revogar o tratado internacional. Na mesma linha, Hugo de Brito Machado ainda invoca outro argumento, baseado na ética e no compromisso moral entre os países: Por outro lado, a alteração, por lei interna, de um tratado internacional, não tem apoio nos princípios da moralidade, que devem presidir também as relações internacionais. Alterando, por lei interna, regras de tratado internacional, o país perde credibilidade. em matéria tributária no Direito brasileiro. Revista de informação legislativa, Brasília, v. 44, n. 175, p. 155162, jul/set. 2007, p. 157. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/141296>. Acesso em: 10 fev. 2017). ~ 80 ~


Assim, temos fortalecido o nosso entendimento, no sentido de que os tratados internacionais não podem ser revogados por lei interna. Tanto no plano da ciência do Direito, como no plano ético127.

Portanto, conclui-se pela impossibilidade de um tratado internacional em matéria tributária ser revogado por um ato normativo do direito interno.

II.IV O tratado internacional tributário possui um status supralegal em nosso país?

A ideia de supralegalidade do tratado em matéria tributária implicaria no fato de que, independente do conteúdo do ato internacional, ele prevaleceria em face da legislação infraconstitucional brasileira. Contudo, em que pese a redação do art. 98 do CTN indicar tal superioridade dos tratados sobre a legislação interna, diversos são os posicionamentos encontrados na doutrina e na jurisprudência. No âmbito da doutrina, autores como Carraza já questionaram, inclusive, a constitucionalidade do art. 98 do CTN, já que o tratado não poderia ser fonte primária de direito tributário. O próprio autor, porém, reviu seu posicionamento, mas ainda defende que inexiste qualquer hierarquia entre os tratados e as normas do direito interno. Em suas palavras: Embora já tenhamos sustentado o contrário, hoje estamos convencidos de que realmente o tratado internacional, devidamente aprovado, ratificado e promulgado, é fonte primária do direito tributário. Constitucional, pois, o art. 98 do CTN [...]. É certo que os tratados internacionais, uma vez em vigor no País, incorporamse ao Direito interno brasileiro. Não é menos certo, porém, que, quando isto acontece, alojam-se no mesmo patamar hierárquico das leis lato sensu (leis complementares, leis ordinária, leis delegadas, medidas provisórias e resoluções), podendo, deste modo, ser revogados ou modificados 'pela legislação interna (...) que lhes sobrevenha'. Inexiste, pois, supremacia jurídica dos tratados internacionais (tributários ou não tributários) sobre as leis em geral 128.

127

MACHADO, op. cit., p. 93. CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 231. ~ 81 ~ 128


Para Grupenmacher, o art. 98 do CTN não trata da superioridade das normas convencionais sobre as normas domésticas de direito tributário, pois tal previsão caberia tão somente à Constituição. Em sua opinião, “o que diz tal dispositivo é, em consonância com seu papel constitucional, estabelecer regra acerca da aplicação do tratado em detrimento da lei interna diante de um eventual conflito de normas” 129. Ou seja, na seara do direito tributário, havendo conflito entre a norma internacional e a interna, aquela deveria prevalecer, não por ser hierarquicamente superior a esta, mas porque é a solução prevista no art. 98 do CTN para disciplinar tal antinomia. Por outro lado, Luciano Amaro130 defende a paridade entre o tratado internacional e a lei tributária interna, expondo que eventual conflito entre elas deve ser resolvido pelo critério especialidade (lex specialis derogat legi generali), independente se a lei interna for editada antes ou depois da vigência do tratado (o autor, assim, afasta o critério cronológico). Inclusive, explica que a previsão do referido dispositivo é inútil, já que a conclusão de que a lei especial prevalece sobre a geral decorre do próprio sistema jurídico. O posicionamento de Luciano Amaro é bastante semelhante ao adotado pelo Supremo Tribunal Federal, que entende que, havendo conflito entre um tratado internacional comum e a lei interna, deve-se aplicar, sempre que possível, o critério cronológico, e, quando cabível, o critério da especialidade. Nesse sentido, vejamos o seguinte trecho ementa do julgamento da ADIN n° 1.480, proferido em 2001: PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO. - Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situamse, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções 129

GRUPENMACHER, op. cit., p. 114-115. Em suas palavras, “cuida-se de normas especiais que, anteriores ou posteriores à lei geral (lei interna), com ela convivem. Na situação especial (qualificada no tratado), ou a lei interna não se aplica (porque o tratado afasta — na hipótese — sua incidência), ou a lei interna é aplicável com a limitação prevista no tratado” (AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 202-208). ~ 82 ~ 130


internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade131.

A ideia de supremacia das normas específicas previstas em tratados sobre as normas gerais previstas legislação interna parece ter sido positivado tanto no art. 85A da Lei n° 8.212/91 (com redação dada pela Lei n° 9.876/99), como também no art. 13 do Novo Código de Processo Civil (Lei n° 13.105/2015) 132, abaixo transcritos: Lei n° 8.212/91. Art. 85-A. Os tratados, convenções e outros acordos internacionais de que Estado estrangeiro ou organismo internacional e o Brasil sejam partes, e que versem sobre matéria previdenciária, serão interpretados como lei especial. NCPC. Art. 13. A jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte.

A posição do Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, era no sentido de diferenciar os tratados-contrato (ou contratuais) dos tratados-lei (ou normativos). Conforme já abordado, os primeiros são comutativos, estabelecendo obrigações recíprocas entre os Estados pactuantes, com interesses divergentes; os segundos possuem um caráter geral e abrangente, em que os Estados firmam obrigações com interesses comuns. Para o STJ133, na seara do direito tributário, apenas os tratadoscontrato não poderiam ser revogados pela legislação interna posterior (nos termos da parte final do art. 98 do CTN). Desse modo, os tratados-lei poderiam ser revogados por lei interna posterior.

131

No julgamento da Extradição nº 1.372/DF, proferido no dia 02/06/2015, o STF manteve seu posicionamento, decidindo pela prevalência de um tratado internacional que estipula normas específicas de extradição sobre o Estatuto do Estrangeiro. 132 Sobre os tratados internacionais em matéria de direito processual civil, ver o item 4.3.7. 133 A título de ilustração, em 1993, no julgamento do REsp nº 37.065/PR, o STJ entendeu que "o artigo 98 do CTN, ao preceituar que tratado ou convenção não são revogados por lei tributaria interna, referese aos acordos firmados pelo brasil a proposito de assuntos específicos e só é aplicável aos tratados de natureza contratual". No mesmo sentido, ver REsp 42.6945/PR, julgado em 2004. ~ 83 ~


A doutrina134 combatia veementemente essa postura do STJ. A diferenciação é falha, já que: (a) o art. 98 do CTN não realizou qualquer distinção de espécies de tratados internacionais; (b) não há distinção na produção dos efeitos para cada espécie – ambas devem ser cumpridas, ante o princípio da pacta sunt servanda, e; (c) não se verifica, seja no ordenamento jurídico interno ou no internacional, qualquer hierarquia entre as duas modalidades de tratados. Por isso, nos últimos anos, constata-se uma mudança significativa do entendimento do STJ, aderindo à linha adotada por autores como Luciano Amaro e pelo STF. Assim, os precedentes mais recentes da Corte Especial são no sentido de que, nos termos do art. 98 do CTN, independente se de caráter normativo ou contratual, os “tratados internacionais tributários prevalecem sobre as normas de Direito Interno, em razão da sua especificidade”135. Ocorre que, segundo Cristiano Kinchescki, embora leve, quase sempre, a um resultado correto (prevalência do tratado), o critério da especialidade não deve ser aplicado. Comentando sobre o art. 98 do CTN, o autor explica que: [...] enquanto uma lei não pode suspender a eficácia de um tratado, este, ao ser incorporado ao ordenamento jurídico interno pelo decreto presidencial, pode suspender a eficácia de uma lei, o que implica na precariedade, da utilização do critério de especialidade, para a solução do conflito entre o tratado de direito tributário e lei interna136.

Com efeito, não faltam vozes na doutrina que defendem a superioridade hierárquica dos tratados internacionais em matéria tributária. Porém, tal conclusão é alcançada por diferentes fundamentos. Para Ricardo Lobo Torres137, há o primado do tratado internacional tributário sobre a lei interna, em virtude de expressa disposição do art. 98 do CTN. O autor

134

Ver REZEK, op. cit., 2011, p. 52-53, e XAVIER, op. cit., p. 117-121. REsp 1.161.467/RS, julgado em 2012, e REsp 1.325.709/RJ, julgado em 2014. 136 KINCHESCKI, op. cit., p. 115. 137 TORRES, op. cit., 2005, p. 434. ~ 84 ~ 135


adverte que tal característica não se aplica aos demais ramos do direito, para os quais o tratado é equiparado à lei federal, conforme entendimento do STF. Nessa mesma linha é a posição de Carlos Mário da Silva Velloso: No campo tributário, o meu entendimento é no sentido do primado do direito internacional sobre o direito interno. É o que dispõe o art. 98 do Código Tributário Nacional, Lei 5.172, de 1966, recebida pela CF/67 e pela CF/88 como lei complementar. [...] a Constituição de 1967 prescrevia, no art. 18, § 1 o, que a lei complementar estabeleceria normas gerais de direito tributário, disporia sobre os conflitos de competência nessa matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e regularia as limitações constitucionais do poder de tributar. [...] Vale acrescentar, de outro lado, que a mencionada disposição inscrita no art. 98, CTN, foi bem recebida pela Constituição de 1988, art. 146, III, a dizer, da mesma forma, que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária138.

Outrossim, na visão de Sacha Calmon Navarro Coêlho, é o legislador infraconstitucional que, distinguindo as fontes internas e externas, confere preeminência a estas, caso se verifique confronto entre os tratados com a legislação tributária interna. Inclusive, sobre o tema, conforme dito, o autor possui o peculiar entendimento de que “o art. 98 autonomiza o tratado como fonte autônoma de Direito Tributário, desnecessária a sua introjeção no sistema jurídico interno por ato legislativo especifico”139. O posicionamento ora comentado, inclusive, é seguido por parte dos Tribunais pátrios. Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em 2013, no julgamento da Apelação Cível n° 2000.01.00.070733-3, consignou que "a regra inserta no art. 98 do CTN expressa a superioridade hierárquica do tratado internacional sobre a legislação tributária interna". Por outro lado, para grande parcela da doutrina, a hierarquia da norma internacional tributária sobre a doméstica é extraída do próprio sistema jurídico brasileiro. Isso decorre, segundo Kiyoshi Harada140, em virtude da previsão 138

VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Os tratados na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista de informação legislativa, Brasília, v. 41, n. 162, p. 35-45, abr./jun. 2004, p. 37-38. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/946>. Acesso em: 23 fev. 2017. 139 Por tudo, ver COÊLHO, op. cit., 546-548. 140 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. São Paulo: Atlas, 2012, p. 495. ~ 85 ~


constitucional da independência nacional e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade como princípios norteadores da política externa brasileira, nos termos do art. 4°, I e IX, da CF. O parágrafo único do referido dispositivo também direciona a tal conclusão, na medida em que determina que o Brasil buscará a integração econômica, política social e cultural dos povos latino-americanos, visando à formação de uma comunidade de nações da América Latina. Por fim, o autor ainda invoca o art. 5°, §2°, da CF, do qual se extrai que é garantido aos indivíduos o respeito aos direitos e garantidas fundamentais previstas em tratados internacionais firmados pelo Estado brasileiro, inclusive, aqueles que versem sobre matéria de direito tributário. Por isso, se uma norma internacional conferir determinada isenção, o indivíduo possui um direito subjetivo a gozar de tal benefício fiscal; se lhe for negado, haverá uma clara violação ao seu direito fundamental à propriedade (art. 5°, caput e XXII, da CF)141. Nesse contexto, por meio da leitura sistemática de diversos outros dispositivos constitucionais pode-se extrair a determinação de que o Brasil busque uma integração internacional e cumpra com seus compromissos firmados no âmbito externo (vide arts. 4º, I, IX e parágrafo único; 5º, §2º, art. 105, III, "a"; art. 109, III, IV e §5º, todos da CF). Além do mais, não faltam autores que defendem que o primado do tratado em matéria tributária sobre a lei interna decorre dos princípios do Direito Internacional Público. Sob tal perspectiva, Mirtô Fraga invoca o princípio da pacta sunt servanda aplicável, de forma secular, no contexto das relações entres os países, e que, segundo ele, encontra-se implícito no ordenamento jurídico brasileiro. O autor explica que: Os sentimentos de solidariedade e de interdependência que animam os povos, o reconhecimento da existência da sociedade internacional, além de outros fatores, tornam indiscutível, na consciência jurídica universal, o respeito aos compromissos assumidos. Realmente, não há nenhum Estado, na época atual, que o negue. [...] A Constituição Brasileira, apesar de não consagrar, em seu texto, o princípio pacta sunt servanda, fez referência a outras regras de Direito Internacional. A não-inclusão daquele constata a evidência de sua aceitação, de sua obrigatoriedade para o Brasil.

141

Sobre a relação entre direito tributário e direitos fundamentais, v. OLIVEIRA, Felipe Faria de. Direito Tributário e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2010. ~ 86 ~


[...] O fato de, após as sucessivas Constituições, nosso País manter os compromissos assumidos corrobora, também, o entendimento de que o princípio pacta sunt servanda é obrigatório na ordem interna142.

Acrescente-se que, conforme já aludido em linhas anteriores, autores como Hugo de Brito Machado143 invocam princípios de ordem moral que regem as relações entre os países, para defender que o Estado brasileiro deve cumprir seus compromissos internacionais, independentemente da existência de lei interna conflitante com o tratado internacional. Alberto Xavier144 apresenta uma das mais completas análises sobre o tema. Para ele, o art. 98 tem mero conteúdo declaratório, porque o primado do tratado internacional tributário é um princípio do nosso sistema jurídico. O autor fundamenta a superioridade hierárquica dos tratados em matéria tributária por meio de quatro principais linhas de raciocínio. Primeiro, porque a Constituição de 1988 consagrou, segundo o autor, a corrente monista, com cláusula geral de recepção plena (art. 5°, §2°), de modo que os tratados internacionais valem no ordenamento interno como tal, e não são equiparáveis à lei interna, apenas sendo revogáveis ou denunciados pelos instrumentos específicos do direito internacional. Segundo, porque, na visão do autor, a norma que se extrai do art. 5°, §2°, aplicado em conjuntamente com o art. 150, caput145, ambos da CF, é no sentido da superioridade hierárquica dos tratados que versem sobre direitos e garantias, inclusive, em se tratando de matéria tributária. Terceiro, porque a celebração do tratado é ato de competência conjunta do Poder Executivo e do Poder Legislativo, de modo que não poderia ser revogado por ato exclusivo do Parlamento brasileiro. Quarto, e por fim, porque o art. 98 do CTN prevê, expressamente, a superioridade hierárquica dos tratados internacionais (independente de sua classificação).

142

FRAGA, op. cit., p. 95-96. MACHADO, op. cit., p. 93. 144 XAVIER, op. cit., p. 98-122. 145 Destaca-se o seguinte trecho “art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte [...]”. ~ 87 ~ 143


O internacionalista Valério Mazzuoli146, em artigo específico sobre o tema, defende o primado do direito das gentes sobre o direito doméstico – não apenas na seara tributária. Na visão do autor, a Constituição, ao atribuir ao Congresso Nacional a competência de referendar os acordos internacionais dos quais o Brasil tenha o objetivo de fazer parte, implicitamente, afasta qualquer possibilidade de ab-rogação ou modificação do tratado por lei ordinária superveniente. Assim, se o Congresso referenda um tratado, é porque admite que, havendo a ratificação, não será possível que leis posteriores o contradigam. Por isso, o autor conclui que a redação do art. 98 do CTN tão somente confirma a teoria da superioridade do direito internacional em relação à legislação interna, aplicável também aos tratados dos demais ramos do Direito, ratificados pelo Estado brasileiro, quem possui a obrigação de cumprir e executar fielmente aquilo que pactuou no âmbito internacional. Não se pode deixar de registrar as lições de Kelsen147, que defende a unidade do sistema jurídico (teoria monista) e para quem a norma de direito internacional é superior a do direito interno, e, havendo conflito entre elas, a primeira deve prevalecer, de modo que a lei doméstica, embora ainda existente e válida, carecerá de eficácia, o que implica na possibilidade de os órgãos do Estado (principalmente os tribunais) afastarem a aplicação da norma interna, tal como o fazem em relação à lei inconstitucional. Havendo a aplicação da lei conflitante com a norma do direito das gentes, o Estado poderá ser responsabilizado internacionalmente148. 146

MAZZUOLI, op. cit., 2006, p 158. KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado (tradução de Luís Carlos Borges). São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 527-529. 148 No mesmo sentido, Heber Arbuet Vignali e Jean Michel Arrighi, comentando o pensamento de Eduardo Jimenez de Arechaga, explicam que "[...] outro paralogismo apóia-se [sic] numa errônea e caprichosa interpretação do pensamento de Eduardo JIMENEZ de ARECHAGA, e consiste em induzir a pensar que a nossa ordem interna, conforme esse autor, admite que, no âmbito interno, uma lei posterior viole o compromisso internacional assumido mediante um tratado, deixando de fazer fé à palavra, desde que se tenham recursos suficientes e se esteja disposto a indenizar os prejuízos causados no âmbito internacional, levando a aceitar esse procedimento como legítimo. No nosso entender, não é esse o pensamento do citado autor, o qual, se for lido em toda a sua extensão, se compreende que, a partir da postura realista, que sempre o caracterizou, limita-se a dizer que a ordem internacional sempre prima sobre a interna, e tanto é verdade que, quando o legislador, violando a própria ordem jurídica interna, modifica um tratado por uma lei posterior e, após, um órgão judiciário não é capaz de superar a contradição, harmonizando as normas, e faz prevalecer a interna sobre a internacional, esta atitude ~ 88 ~ 147


Entendemos que o tratado internacional em matéria tributária tem primazia sobre a legislação interna. Além dos fundamentos já citados, destacamos também que, nos termos do art. 26 da Convenção de Viena de 1969, os Estados estão obrigados a cumprir com os compromissos firmados por meio de um tratado. Tal dispositivo, assim, deixa expressos os ditames de dois dos mais importantes princípios do Direito Internacional Público: o pacta sunt servanda e o da boa-fé. Outrossim, conforme prevê o art. 27 daquele Diploma internacional, um país não pode deixar de cumprir uma obrigação prevista em um tratado, sob alegação de existência de lei interna com ele conflitante. Comentando o mencionado artigo, Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo149 explica que uma das normas mais aceitas de direito internacional é a de que as disposições de direito nacional não podem prevalecer sobre as de um tratado internacional. O autor cita precedentes da Corte Internacional de Justiça, em que se entendeu que a preeminência do direito internacional sobre o direito interno é um princípio fundamental do direito internacional. Vale registrar que o Brasil não fez qualquer ressalva a tais dispositivos quando da assinatura Convenção de Viena de 1969, de modo que inexistem motivos que autorizem o Estado brasileiro a afastar o dever do Brasil de respeitá-los. Com efeito, vivenciamos, como já afirmou Ricardo Lobo Torres150, a era do sistema tributário cosmopolita, que se desenvolveu a partir da globalização e da relativização das soberanias internas, e que se caracteriza pela pluralidade de fontes do direito tributário, inclusive, com a convivência de fontes jurídicas superiores aos poderes nacionais. Por isso, os compromissos assumidos internacionalmente, inclusive em matéria tributária, devem ser respeitados, sob pena de se instaurar um verdadeiro cenário de afinal se repara na ordem internacional, mediante a condenação do Estado infrator" (ARBUET VIGNALI; ARRIGHI, op. cit., p. 417). 149 MACEDO, op. cit., p. 191-197. No mesmo sentido, ver ACCIOLY, op. cit., p. 60. 150 TORRES, Ricardo Lobo. O poder de tributar no Estado democrático de direito. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Direito e poder: nas instituições e nos valores do público e do privado contemporâneos. Barueri: Manole, 2005, p. 460-506. ~ 89 ~


insegurança jurídica, o que pode acarretar a falta de credibilidade do país e desestimular investimentos estrangeiros. Mariângela Ariosi151 aponta que a posição de nossos tribunais superiores, ao não reconhecerem a primazia do tratado internacional, vai de encontro, inclusive, com política externa brasileira, que pauta suas ações com o objetivo de alcançar a credibilidade e a confiabilidade internacional. É interessante o posicionamento de Sacha Calmon Navarro Coêlho152, ao propor que haja um controle de constitucionalidade prévio (antes da apresentação do projeto de decreto legislativo) dos tratados internacionais pelo STF, ainda que inexista disposição expressa nesse sentido no texto constitucional, mas com fundamento na cláusula geral que atribui à Suprema Corte a guarda da Constituição – conforme se extrai do art. 102, caput, I, “a”, e III, “a”, “b”, “c” e “d”, da CF. Segundo o autor, tal medida, que é amplamente aplicada na Alemanha, busca evitar que tratados internacionais referendados pelo Parlamento venham depois a ser inquinados de inconstitucionais, causando incertezas e prejuízos aos Estados partes.

II.V Poderiam ser aplicadas as teorias do transdialogismo e a do transconstitucionalismo aos conflitos entre tratado internacional tributário e lei interna?

Conforme estudado no item 2.3., recentemente, vêm sendo desenvolvidas correntes teóricas que afastam uma solução a priori para as antinomias entre normas provenientes de fontes estatais e as provenientes de fontes internacionais, tal como o transdialogismo e o transconstitucionalismo. O transdialogismo (ou monismo internacionalista dialógico), defendido por Mazzuoli, conforme visto, tem como fundamento o princípio de direito internacional

151

ARIOSI, Mariângela. Conflitos entre tratados internacionais e leis interna: o judiciário brasileiro e a nova ordem internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 213-214. 152 COÊLHO, op. cit., p. 552-553. ~ 90 ~


pro homine, de modo que, diante do caso concreto, sendo possível a aplicação de diferentes normas sobre direitos e garantias fundamentais, deve prevalecer aquela mais benéfica ao indivíduo, independente de ela se encontrar no plano do direito internacional ou do direito interno. No âmbito do Direito Internacional Tributário, a aplicação, no Brasil, do transdialogismo seria possível caso se verificasse, no caso concreto, que, no conflito entre o tratado internacional em matéria tributária e a lei interna, uma dessas normas estabelecesse uma maior proteção aos direitos e garantias do indivíduo. É o que ocorre, segundo Schoueri, nos tratados contra a dupla tributação. Isto porque, segundo o autor, “se entendermos que a bitributação, por afetar o princípio da capacidade contributiva, contraria o princípio da igualdade, então será imediato que a proteção contra a bitributação será um direito humano, porquanto assegura positivamente a igualdade”153. Por outro lado, a teoria do transconstitucionalismo, propulsionada por Marcelo Neves, como estudada, indica que é preciso valer-se de uma “racionalidade transversal”, a fim de se chegar à solução mais adequada para a antinomia, já que nenhuma norma se insere em “níveis invioláveis”154. Entretanto, o próprio autor adverte que tal entrelaçamento entre diferentes ordens jurídicas apenas deve ser aplicado em torno dos problemas comuns de natureza constitucional (i. e., mecanismos de controle do Poder Estatal, regime de governo, cidadania, proteção do meio ambiente, sistema econômico etc). Neves parte do pressuposto de que, se diferentes ordens jurídicas tratam de problemas comuns, nada mais adequado do que haver uma comunicação entre elas, estabelecendo-se um aprendizado mútuo. Assim, aplicar os ditames da teoria defendida por Neves para todo e qualquer conflito entre normas seria extrapolar os fundamentos do transconstitucionalismo. Sob tal perspectiva, parece-nos que a ideia de racionalidade transversal poderia ser aplicada aos conflitos entre tratado internacional tributário e a lei interna, desde 153 154

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo : Saraiva, 2012, p. 100. NEVES, op. cit., 297. ~ 91 ~


que o problema levantado versasse sobre assuntos eminentemente constitucionais, como, por exemplo, o sistema econômico, o qual, no Brasil, vem sofrendo fortes influências de normas advindas de blocos econômicos, como o MERCOSUL155, e de organismos internacionais, como a OMC, conforme abordado no item 2.3.2 do presente trabalho.

III A isenção de tributos estaduais e municipais mediante tratados internacionais

Um último ponto a ser analisado refere-se à possibilidade ou não de tratados internacionais estabelecerem benefícios fiscais, especialmente isenções, sobre tributos cuja competência tributária foi atribuída, pela Constituição, aos estados-membro (como o ICMS156), aos municípios (como o ISS157) ou ao Distrito Federal. Sobre o tema, já se verificou precedentes de nossos tribunais, no sentido da impossibilidade de tal prática. Nessa linha, o STJ possuía entendimento de que "não pode a União firmar tratados internacionais isentando o ICMS de determinados fatos geradores, se inexiste lei estadual em tal sentido", conforme decidiu no julgamento do REsp n° 90.871/PE, em 1997. Alegava-se que tal espécie de isenção violaria o pacto federativo e as regras constitucionais sobre competência tributária, principalmente porque o art. 151, III, da Constituição, proíbe a isenção heterônoma, ou seja, veda que a União institua isenções de tributos da competência dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios. Entretanto, a doutrina formulava fortes críticas a tal posicionamento. O principal argumento é de que, quando o Presidente da República assina e ratifica um tratado internacional, não o faz como representante da União, mas sim como Chefe de Estado, 155

Os tratados internacionais tributários no MERCOSUL possuem a especial função de aproximar e harmonizar as legislações tributárias dos países integrantes do bloco (FERNANDES, Edison Carlos. Sistema tributário do MERCOSUL. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 108-109). 156 Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação. 157 Imposto sobre serviços de qualquer natureza. ~ 92 ~


representante da República Federativa do Brasil, a qual é integrada por todos os entes federativos (art. 1º, caput, da CF). Não se trata, pois, de isenção heterônoma158. Nesse sentido, não se pode confundir o Estado brasileiro com a União – esta sim possui vedação a estabelecer isenções heterônomas. Correta, assim, a conclusão de Miguel Reale, para quem a União, os Estados e os Municípios são apenas alguns dos aspectos internos do Estado Brasileiro. Por isso, “para quem focaliza o Brasil, digamos assim, considerando-o de fora, como um todo, não existem Municípios, nem Estados, nem União: existe apenas e tão somente a pessoa jurídica unitária do Estado brasileiro”159. Por tais razões, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que “o Presidente da República não subscreve tratados como Chefe de Governo, mas como Chefe de Estado, o que descaracteriza a existência de uma isenção heterônoma, vedada pelo art. 151, inc. III” 160. No mesmo sentido, vale destacar as didáticas explanações constantes na ementa do julgamento do RE n° 543.943/PR, proferido em 2010 pelo STF: A cláusula de vedação inscrita no art. 151, inciso III, da Constituição - que proíbe a concessão de isenções tributárias heterônomas - é inoponível ao Estado Federal brasileiro (vale dizer, à República Federativa do Brasil), incidindo, unicamente, no plano das relações institucionais domésticas que se estabelecem entre as pessoas políticas de direito público interno. [...] Nada impede, portanto, que o Estado Federal brasileiro celebre tratados internacionais que veiculem cláusulas de exoneração tributária em matéria de tributos locais (como o ISS, p. ex.), pois a República Federativa do Brasil, ao exercer o seu treaty-making power, estará praticando ato legítimo que se inclui na esfera de suas prerrogativas como pessoa jurídica de direito internacional público, que detém - em face das unidades meramente federadas - o monopólio da soberania e da personalidade internacional.

No mesmo sentido, conforme se extrai do julgamento do REsp n° 1.169.590/RS, em 2011, a jurisprudência do STJ evoluiu e passou a admitir que “a isenção de tributos estaduais prevista em tratado internacional, por ser firmado pela República Federativa 158

Sobre o tema, ver PYRRHO, Sérgio. Soberania, ICMS e Isenções: os convênios e os tratados internacionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 146-151. 159 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, p. 223-224. 160 RE n° 229.096/RS, julgado em 2008. ~ 93 ~


do Brasil e subscrito pelo Presidente na condição de Chefe de Estado, não configura ofensa ao disposto no art. 151, III, da CF/88”. De fato, não há qualquer óbice para que isenções de tributos estaduais, municipais ou distritais sejam estabelecidas mediante tratados internacionais. Além dos argumentos já apresentados, destacamos – novamente com base nas normas internacionais – a previsão do art. 2° da Convenção de Havana (promulgada no Brasil pelo Decreto n° 1.570/37), do qual se extrai a norma de que o Estado federal constitui uma única pessoa jurídica de Direito Internacional Público.

IV. Nova perspectiva sobre o tratado internacional no Brasil: os acordos internacionais de troca de informações fiscais

Ainda é preciso realizar uma última abordagem sobre o tema dos tratados internacionais no Brasil: os recentes acordos internacionais de troca de informações fiscais. Com efeito, cresce no seio da comunidade internacional a preocupação com o estabelecimento de normas que promovam a justiça fiscal, fundamentada na ideia de que os tributos são instrumentos indispensáveis para a satisfação das necessidades públicas e de que todos devem contribuir para a promoção do bem comum, de acordo com sua capacidade econômica. Por isso, atualmente, ganham relevância os tratados sobre cooperação administrativa para o intercâmbio de informações dos contribuintes. Tratam-se, pois, dos tratados internacionais de troca de informações tributárias (ou fiscais). Esses acordos, que podem ser firmados de forma bi ou multilateral, mostram-se cada vez mais necessários, na medida em que o atual processo de globalização proporciona um crescente fluxo de deslocamento de riquezas entre os países. A cooperação administrativa internacional ocorre quando um Estado adota medidas para efetivar, em seu território, qualquer ato administrativo de interesse de

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outro Estado. Os atos de cooperação, assim, visam resolver problemas em comum para melhorar a eficiência das atividades administrativas. Na seara tributária, essa cooperação manifesta-se pela estrutura das relações em nível internacional desenvolvidas para contribuir com a pretensão tributária de um Estado estrangeiro. Os atos de cooperação em matéria tributária, assim, consistem em dar cumprimento a atos administrativos de Estados estrangeiros, “para que estes possam, internamente, efetuar atos de lançamento de créditos, fiscalizações etc.” 161. Um dos principais meios de promoção da cooperação administrativa internacional é a troca de informações entre os países, segundo regras estabelecidas em tratados internacionais. No contexto tributário, esse intercâmbio é mecanismo fundamental para prevenir a sonegação e a fraude fiscal, já que promove uma relação de coordenação entre os países, aproximando as respectivas administrações tributárias. A importância dos tratados de troca de informações tributárias, segundo TÔRRES162, manifesta-se em diversas situações: na gestão de controle fiscal sobre a contabilidade de grupos econômicos multinacionais; na obtenção de informações sobre atividades econômicas de sujeitos econômicos dotados de dupla nacionalidade, empresas coligadas a residentes de outro Estado, com pretensões de benefícios evasivos ou elisivos; na perseguição de sujeitos que prejudiquem à Administração Tributária com práticas ilícitas etc. Além dos efeitos favoráveis à fiscalização tributária, percebe-se que as normas que promovem o intercâmbio de informações também beneficiam interesses particulares do contribuinte, na medida em que evitam que as administrações tributárias, por falta de informações suficientes, promovam uma dupla tributação que seria proibida em virtude de uma norma internacional ou da legislação interna. As normas internacionais de troca de informações podem derivar de acordos bilaterais ou multilaterais. Comumente, as normas internacionais sobre troca de 161 162

TÔRRES, op. cit., 1997, p. 667. TÔRRES, op. cit., 1997, p. 670. ~ 95 ~


informações constam de acordos internacionais bilaterais para evitar a dupla tributação.

A fim de padronizar os diversos acordos dessa natureza que estavam

sendo firmados entre os países, o Comitê Fiscal da OCDE, em 1963, elaborou, em caráter recomendatório, uma Convenção-Modelo. Com o mesmo propósito, em 1980, a Organização das Nações Unidas (ONU) também editou sua Convenção-Modelo. Ambas as Convenções-Modelo passaram por revisões durante as décadas que se seguiram desde sua elaboração. Os acordos que utilizam como base o Modelo OCDE ou o Modelo ONU, via de regra, versam sobre a troca de informações especificamente em seu artigo 26. É o que ocorre, por exemplo, com o tratado firmado entre o Brasil e a África do Sul163. A propósito, observa-se que o Brasil, tradicionalmente, promove a troca internacional de informações fiscais com base em acordos para evitar a dupla tributação, conforme o Modelo da OCDE (artigo 26). O governo brasileiro já celebrou 33 acordos dessa natureza, sendo que em grande parte deles há a previsão sobre a cooperação internacional para o intercâmbio de informações. Os Estados Unidos, por sua vez, promulgaram um conjunto de disposições legais conhecidas como Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA), por meio do qual se criou um sistema de declaração de informações para instituições financeiras. Segundo o FATCA, é obrigatório que instituições financeiras estrangeiras forneçam dados de seus correntistas às autoridades dos EUA, desde que tais correntistas sejam também cidadãos norteamericanos, sob pena de sofrerem onerosas tributações em suas atividades nos Estados Unidos. Inúmeros países firmaram acordos com os EUA, a 163

Promulgado pelo Decreto nº 5.922/2006, o Acordo Brasil-África do Sul, em seu art. 26, §1º, prevê que “as autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as informações necessárias para aplicar as disposições da presente Convenção ou da legislação interna relativas a impostos de qualquer espécie e descrição exigidos por conta dos Estados Contratantes, na medida em que a tributação em questão não seja contrária à Convenção. A troca de informações não estará restrita pelos Artigos 1 e 2. Qualquer informação recebida por um Estado Contratante será considerada secreta da mesma maneira que uma informação obtida sob a legislação interna desse Estado e será comunicada apenas às pessoas ou autoridades (incluindo tribunais e órgãos administrativos) encarregadas do lançamento ou cobrança dos impostos referidos acima, da execução ou instauração de processos sobre infrações relativas a esses impostos, ou da apreciação de recursos a eles correspondentes. Essas pessoas ou autoridades utilizarão as informações somente para esses fins”. ~ 96 ~


fim de que tais informações sejam compartilhadas entre eles, inclusive de forma automática (sem necessidade de pedido prévio). Mais recentemente, vêm sendo desenvolvidos acordos bilaterais com o propósito específico de se estabelecer regras sobre o intercâmbio de informações fiscais. São os chamados Acordos de Troca de Informações em Matéria Tributária (TIEAs, sigla do inglês). Como explica OLIVEIRA, “trata-se de alternativa ao artigo 26 da Convenção Modelo da OCDE, já que muitos países não estariam dispostos a celebrar Acordos para Evitar Dupla Tributação com ‘paraísos fiscais’, mas gostariam de obter informações fiscais relativas a contribuintes neles estabelecidos ou com negócios”164. Por outro lado, também se verifica o esforço por parte da comunidade internacional de se estabelecer mecanismos multilaterais de troca de informações fiscais entre os países. No âmbito da União Europeia, há meio século vêm sendo adotadas medidas que garantem uma maior transparência fiscal na região, inclusive por meio da troca de informações. Tais medidas não se encontram nas normas do direito originário europeu, isto é, nos tratados constitutivos da União Europeia (também chamado Direito Constitucional Europeu), mas, em regra, são estabelecidas por meio de Diretivas e Regulamentos expedidos pelo Conselho Europeu 165. Já entre os países integrantes da OCDE, desde 1988 vige a Convenção Multilateral para a Mútua Assistência Administrativa em Matéria Tributária (CMMAMT), elaborada conjuntamente com o Conselho Europeu. Além da troca de informações, esse acordo prevê como formas de assistência internacional a cobrança de créditos fiscais, a utilização de medidas cautelares e a notificação do contribuinte sobre o teor de determinados documentos. Em 2010, a CMMAMT foi emendada, possibilitando a

164

OLIVEIRA, Phelippe Toledo Pires. A troca de informações em matéria tributária: práticas e perspectivas brasileiras sobre o assunto, Revista da PGFN, Brasília, v. 3, p. 139-160, 2012, p. 147. 165 A título de exemplo, veja-se os seguintes documentos: Diretiva 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados-membros no domínio dos impostos diretos e dos impostos sobre os prémios de seguro; o Regulamento (UE) n.º 904/2010 do Conselho, de 7 de Outubro de 2010, relativo à cooperação administrativa e à luta contra a fraude no domínio do imposto sobre o valor acrescentado; e o Regulamento (CE) n.º 2073/2004 do Conselho, de 16 de novembro de 2004, relativo à cooperação administrativa no domínio dos impostos especiais de consumo. ~ 97 ~


troca de informações automática entre os países dela aderente, que, agora, não necessariamente precisam integrar a OCDE ou o Conselho da Europa, como será analisado a seguir. Vale destacar que as medidas adotadas pelos países para o intercâmbio de informações dos contribuintes vêm sendo impulsionadas após a publicação das diretrizes do Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting, conhecido como BEPS, que foi elaborado pela OCDE, por solicitação do G-20. O documento indica medidas para a diminuição da chamada erosão fiscal, isto é, a redução da base de tributação dos Estados em virtude, por exemplo, da remessa de lucros e do planejamento fiscal agressivo. Uma das conclusões da OCDE no BEPS é que os países devem intensificar os mecanismos de obtenção e de troca de informações fiscais166. O intercâmbio de dados dos contribuintes estimulará o cruzamento de informações, facilitando a verificação de irregularidades meramente fiscais ou aquelas que também configurem como crimes, principalmente em relação a novos paradigmas do Direito Tributário, como a tributação do comércio eletrônico. Além do mais, é preciso ter em mente que a troca de dados e documentos fiscais não pode ser considerada apenas como um instrumento em benefício das autoridades fiscais. O contribuinte também é beneficiado por tal mecanismo, uma vez que, por meio dele, os Estados podem aferir o verdadeiro âmbito de tributação ao qual o particular encontra-se sujeito, sendo capaz de traçar uma política fiscal mais justa, por meio de medidas como, por exemplo, a isenção de rendimentos já tributados em outros países (evitando, assim, a chamada bitributação). Portanto, percebe-se, atualmente, um expressivo esforço da comunidade internacional para garantir uma maior transparência fiscal, principalmente por meio da troca de informações tributárias. Inclusive, os Estados que se negam a firmar acordos para o intercâmbio de informações são, comumente, considerados países com

166

OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting, Paris: OECD Publishing, 2013. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1787/9789264202719-en>. Acesso em: 20 fev. 2017. ~ 98 ~


tributação favorecida (ou “paraísos fiscais”), de modo que o contribuinte que ali tenha domicílio fiscal sofre restrições perante a administração tributária de outros países. Nesse contexto, mais recentemente, houve uma significativa mudança no paradigma internacional das trocas de informações entre os países. Com efeito, em que pese se verificar há mais de 50 anos a adoção de mecanismos de cooperação entre os países, em especial, integrantes da União Europeia, é possível perceber que os debates sobre a formação dos acordos multilaterais para o intercâmbio de informações foram intensificados a partir da criação do Fórum Global para Transparência e Troca de Informações Tributárias (FG), instituído pela OCDE, no início dos anos 2000. O FG é composto por 137 países integrantes e não integrantes da OCDE, incluindo o Brasil, e tem o objetivo de estabelecer padrões internacionais de transparência e cooperação fiscal. Como resultado das atividades do FG e dos debates firmados no âmbito do G20, a OCDE, em 2010, realizou uma emenda167 à CMMAMT (de 1988), a fim de adequála ao atual contexto da cooperação internacional entre os países. Dentre as mudanças, destacam-se a inclusão da troca automática de informações, bem como a possibilidade de adesão de países não membros da OCDE ou do Conselho da Europa 168. Também houve modificações para possibilitar uma cooperação administrativa mais eficiente entre os Estados na fiscalização e cobrança de tributos, por exemplo, com a eliminação de restrições no uso das informações (como ocorria em matéria penal, conforme antiga

167

A emenda à CMMAMT foi formalizada por meio do Protocolo de 1º de junho de 2010. Contudo, a adesão pelos Estados não membros da OCDE ou do Conselho da Europa não é irrestrita. Para estes, é necessário que sua entrada seja submetido ao crivo dos países já aderentes da Convenção. Nesse sentido, o art. 28, §5º, prevê que: “Art. 28. [...] 5. Após a entrada em vigor do Protocolo de 2010, qualquer Estado não membro do Conselho da Europa ou da OCDE pode solicitar que lhe seja endereçado convite com vista à assinatura e à ratificação da presente Convenção conforme alterada pelo Protocolo de 2010. Qualquer pedido neste sentido deverá ser dirigido a um dos Depositários, que o transmitirá às Partes. O Depositário informará igualmente o Comitê de Ministros do Conselho da Europa e o Conselho da OCDE. A decisão de convidar os Estados que solicitem tornar-se Partes da presente Convenção será tomada mediante consenso das Partes da Convenção, por meio do órgão de coordenação. Relativamente a cada Estado que ratifique a Convenção conforme alterada pelo Protocolo de 2010, nos termos do presente parágrafo, a presente Convenção entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses a contar da data de depósito do instrumento de ratificação junto de um dos Depositários”. ~ 99 ~ 168


redação do art. 4º, §2º). Pode-se dizer, assim, que o texto emendado da CMMAMT correspondeu à instituição de um novo modelo global de cooperação fiscal. Hoje, mais de 100 países participam da Convenção. Nesse sentido, diante da possibilidade de adesão de países não integrantes da OCDE, o Brasil assinou a CMMAMT, em Cannes, em 3 de novembro de 2011. Após a aprovação do Congresso Nacional do texto da Convenção, por meio do Decreto Legislativo nº 105, de 14 de abril de 2016, o Governo brasileiro depositou em 1º de junho de 2016, o instrumento de ratificação da Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária emendada pelo Protocolo de 1º de junho de 2010. Em 29 de agosto de 2016, por meio do Decreto nº 8.842, o Brasil promulgou o texto da Convenção, passando a ser obrigatório para o Estado brasileiro a partir de 1º de outubro de 2016, de acordo com a regra prevista no art. 28 da Convenção 169. De acordo com a Convenção, o art. 2º da Convenção, o intercâmbio de informações pode incidir sobre qualquer categoria de tributos, inclusive aqueles instituídos pelas subdivisões políticas e autoridades locais dos Estados parte (como os entes federativos e os municípios), desde que expressamente elencados pelo Estado em anexo próprio. O Estado brasileiro optou por adotar as normas da Convenção apenas a tributos federais. Nesse sentido, de acordo com o art. 2º, I, do Decreto nº 8.842/2016, que corresponde ao Anexo A da Convenção, o acordo internacional, no Brasil, abrangerá: o Imposto sobre a Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); Programa de Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP) ; Imposto sobre os Produtos Industrializados (IPI); qualquer

169

“Art. 28. ASSINATURA E ENTRADA EM VIGOR DA CONVENÇÃO 1. A presente Convenção estará aberta para assinatura pelos Estados Membros do Conselho da Europa e pelos países membros da OCDE. Está sujeita a ratificação, aceitação ou aprovação. Os instrumentos de ratificação, aceitação ou aprovação serão depositados junto de um dos Depositários. 2. A presente Convenção entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses a contar da data na qual cinco Estados tenham manifestado o seu consentimento no sentido da respectiva vinculação à Convenção em conformidade com o disposto no parágrafo 1”. ~ 100 ~


outro tributo administrado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. De fato, a maior parte das problemáticas envolvendo a evasão e a fraude fiscal refere-se aos tributos federais, especialmente sobre os rendimentos, o que faz com que quase toda a totalidade dos acordos de cooperação fiscal firmados pelo Brasil apenas abranja essas categorias tributárias. A Convenção prevê que os Estados deverão indicar a autoridade competente para fazer cumprir as disposições da Convenção. No Brasil, a autoridade indicada é o Secretário da Receita Federal do Brasil (art. 2º, II, do Decreto nº 8.842/2016, correspondente ao Anexo B da Convenção) e, nessa condição, ele tem a competência de: (a) estabelecer comunicação e realizar consultas sobre a implementação da Convenção diretamente com as demais autoridades competentes (art. 24); (b) solicitar sua presença nas atividades de fiscalização tributária em outros Estados, bem como autorizar a presença da autoridade competente estrangeira na fiscalização procedida no Brasil (art. 9º); (c) autorizar a utilização das informações enviadas a outros Estados para outros fins que não os inicialmente estabelecidos, bem como o acesso por terceiros (art. 22). O intercâmbio de dados do contribuinte pode ocorrer em relação a quaisquer informações previsivelmente relevantes para a administração ou para o cumprimento de suas legislações internas relativas aos tributos abrangidos pela Convenção. Para a troca de informações, a Convenção não determina a obrigatoriedade da intimação prévia do contribuinte. Contudo, prevê que é facultado a qualquer Estado membro a indicação de que, em conformidade com o seu direito interno, as autoridades notificarão os seus residentes ou nacionais antes de prestarem as informações que lhes digam respeito. O intercâmbio de informações fiscais pode ocorrer de diferentes modos: (a) a pedido, isto é, por solicitação de um Estado-membro; (b) de forma espontânea, quando uma autoridade fiscal de um Estado-membro identifica, em um caso concreto, uma informação que reputa relevante para outro Estado-membro, remetendo-lhe sem

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haver solicitação; (c) de modo automático, com o regular e sistemático envio de informações aos demais Estados-membro, sem qualquer pedido prévio. Sem dúvida, esta última forma é a mais eficaz no combate à evasão fiscal, contudo, sua implementação é mais complexa, demandando sistemas administrativofiscais integrados e uma eficiente atividade de filtragem das informações recebidas. Ademais, não basta a mera assinatura da CMMAMT para que um Estado estabeleça o procedimento da troca automática. É preciso que as partes que desejam assim proceder entre si indiquem, em comum acordo, categorias de casos e regras de procedimentos sobre essa modalidade de intercâmbio de informações (art. 6º). Esse acordo específico pode ser firmado de forma bilateral ou por meio de adesão ao Padrão Comum de Relatório (Common Reporting Standard – CRS), modelo desenvolvido pela OCDE. Essa exigência é perfeitamente justificável, diante dos riscos que haveria em se fornecer informações a determinados Estados pouco comprometidos com valores do Estado Democrático de Direito, tais como naqueles em que se verificam regimes autoritários, onde não se respeitam as garantias e as liberdades de seus nacionais, ou naqueles em que predominam políticas de estímulo a fraudes fiscais, com tributação favorecida e com o forte sigilo quanto a dados dos seus contribuintes, desfavorecendo a transparência e, assim, a justiça fiscal. A Convenção ainda dispõe sobre o dever de alertar informações contraditórias. Nesse sentido, se um Estado parte obtiver de outro informações sobre a situação tributária de uma pessoa que se lhe afigurem em contradição com as informações de que dispõe, comunicará o fato ao Estado que tiver fornecido as informações. É permitido ainda que, desde que acordado previamente, os Estados realizem fiscalização tributária simultânea. Por esse procedimento, dois ou mais Estados simultaneamente fiscalizam situações tributárias que se caracterizam como de interesse comum ou relacionado, com vista à troca de informações relevantes. Também pode ser adotado o procedimento para a fiscalização tributária estrangeira, por meio do qual a autoridade competente do Estado requerido poderá autorizar representantes da autoridade competente de outro Estado requerente a presenciarem a parte ~ 102 ~


apropriada da fiscalização tributária no Estado requerido. Assim, será cada vez mais comum se observar a execução de operações envolvendo agentes tributários da Receita Federal do Brasil e autoridades do fisco estrangeiro, seja no Brasil ou no estrangeiro. A Convenção ainda dispõe sobre a necessidade de se manter o sigilo das informações compartilhadas entre os Estados, devendo estas serem protegidas do mesmo modo que as informações obtidas com base na legislação interna dos respectivos países. Assim, por exemplo, não há obrigação de troca de informações suscetíveis de revelar um segredo comercial, industrial, profissional ou um processo comercial (art. 21, §2º, "d"). A Convenção, desse modo, expressa entendimento que já vem sendo adotado, no Brasil, pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que as informações compartilhadas no âmbito das Administrações Tributárias não perdem o caráter de sigilosidade170. Há, ainda, uma interessante questão referente ao direito intertemporal quanto às regras de cooperação administrativa, especialmente sobre a troca de informações. Com efeito, pode-se indagar se aplicabilidade das normas da Convenção ocorrerá de forma retroativa, atingindo fatos anteriores à vigência da Convenção no Estado aderente. De acordo com a regra do art. 28, §6º, da Convenção, a regra é que as disposições previstas no Acordo produzirão efeitos no que diz respeito à assistência administrativa abrangendo os exercícios fiscais com início em ou após 1 de janeiro do ano seguinte àquele em que a Convenção entrou em vigor em relação ao respectivo Estado membro. A regra muito se assemelha ao conhecido princípio da anterioridade de exercício, previsto no art. 150, III, “b”, da CF. Assim, no Brasil, de acordo com esse

170

Em fevereiro de 2016, o STF concluiu o julgamento, em conjunto, das ADIs 2.386, 2.397 e 2.859 e do o RE 601.314, declarando declarou a constitucionalidade da Lei nº 105/2001, que permite o acesso a informações bancárias dos contribuintes pelo fisco, sem a autorização judicial.. Naquela oportunidade, a Suprema Corte deixou consignado que não se trata de quebra de sigilo bancário, mas tão somente de transferência de dados bancários confidenciais para a administração tributária, que tem o dever de preservar o sigilo perante terceiros, não havendo, assim, afronta à Constituição. ~ 103 ~


dispositivo convencional, as regras de cooperação fiscal apenas se aplicariam a partir de 1 de janeiro de 2017. Contudo, há expressa previsão quanto à possibilidade de duas ou mais partes acordarem que a Convenção produzirá efeitos no que diz respeito a exercícios fiscais ou a obrigações tributárias anteriores. Trata-se, assim, de uma autorização para a eficácia retroativa da norma, ou melhor, de aplicação da norma a fatos jurídicos ocorridos anteriormente à sua vigência. No contexto do direito brasileiro, a regra é que a norma tributária não possui efeitos retroativos, não abrangendo fatos geradores anteriores à sua vigência, salvo nas hipóteses legalmente previstas, nos termos do art. 106 do Código Tributário Nacional (CTN). No entanto, a vedação à irretroatividade da lei não alcança as normas referentes a procedimentos de fiscalização da administração tributária brasileira. Essa é a interpretação que se extrai do art. 141, §1º, do CTN, ao dispor que “aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas [...]”. Na mesma linha, em 2009, no julgamento do REsp 1134665/SP, submetido à sistemática do Recurso Especial Repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), consolidou o entendimento de que normas que dispõem sobre novos procedimentos de fiscalização do cumprimento da legislação tributária podem ser aplicadas a fatos geradores anteriores a sua vigência171. Portanto, a nosso ver, é perfeitamente possível que o Brasil firme com outros Estados acordos quanto à aplicação das normas de cooperação fiscal, principalmente de troca de informações, previstas na Convenção, em relação a tributos cujos fatos geradores ocorreram antes da vigência dessa norma internacional.

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No caso, discutia-se a aplicabilidade da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, que permite o acesso a informações bancárias pela administração tributária sem necessidade de autorização judicial. ~ 104 ~


Destaque-se que o Brasil estabeleceu reserva ao artigo 30, §§ 1º.b, 1º.d e 1º, da Convenção, tendo sido consignado que o Governo brasileiro: não prestará assistência quanto à recuperação de qualquer crédito tributário ou quanto à recuperação de multas administrativas, para todos os tributos; não prestará assistência quanto à notificação para todos os tributos; não permitirá que sejam feitas notificações por meio postal, conforme disposto no Artigo 17, §3º. De todo modo, é inegável que a promulgação da CMMAMT é uma mudança de paradigma no contexto do Direito Tributário brasileiro. Como mencionado anteriormente, pela tradição diplomática brasileira, para troca internacional de informações fiscais, comumente, são adotados acordos para evitar a dupla tributação, conforme o Modelo da OCDE (artigo 26). As modernas regras de troca de informações instituída pela Convenção surgem em boa hora diante do contexto atual de nosso país. O Brasil, cada vez mais, vem se inserindo no modelo do combate internacional a crimes tributários e à lavagem de dinheiro. A título de exemplo, no recente e notório caso da Lava-Jato, decorrente de processos criminais sobre um complexo esquema de distribuição de propinas por meio de contratos e atividades da Petrobrás, o Ministério Público Federal (MPF) utilizou-se de inúmeros pedidos de cooperação internacional para obter informações junto ao Ministério Público da Suíça, inclusive referentes a matérias fiscais, procedimento que, por vezes, demandava autorização judicial172. Com os mecanismos previstos na CMMAMT, é possível o recebimento e o envio de informações de forma mais ágil e mais eficiente entre as autoridades de ambos os países. Por fim, é preciso observar que o processo de integração do Brasil nos modernos sistemas de intercâmbio de integração deverá ser ainda mais intensificado com sua a adesão à Convenção sobre Troca Automática de Informações Financeiras em Questões Fiscais (Automatic Exchange of Financial Information in Tax Matters - AEOI), 172

De acordo com informações divulgadas pelo próprio MPF, até o presente momento, foram realizados mais de 279 pedidos de cooperação internacional referentes à Operação Lava Jato. Cf. <http://lavajato.mpf.mp.br/atuacao-na-1a-instancia/resultados/a-lava-jato-em-numeros-1> . Acesso em 25. fev. 2017. ~ 105 ~


aprovada na Reunião do G-20 de 2014, na Austrália, também como resultado de discussões travadas no âmbito do Fórum Global para Transparência e Troca de Informações Tributárias da OCDE. Essa Convenção estabelece o intercâmbio automático de dados obtidos junto a instituições financeiras e ainda aguarda adesões para sua entrada em vigor. O Brasil obrigou-se a promover a troca de informações a partir de janeiro de 2018, com dados financeiros de 2016 e 2017. O governo brasileiro tem condições de cumprir as disposições desse acordo internacional de forma eficiente, especialmente diante do aludido entendimento do STF no julgamento das ADIs 2.386, 2.397 e 2.859 e do o RE 601.314, no sentido de que o fisco brasileiro pode ter acesso direto a dados bancários dos contribuintes, sem a necessidade de autorização judicial.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio do estudo realizado, foi possível concluir que diferentes teorias se formaram para tratar da relação entre o direito internacional público e o direito interno. Para a teoria dualista, o direito das gentes e o direito doméstico integram duas diferentes ordens jurídicas, independentes entre si, de modo que inexiste qualquer comunicação ou relação hierárquica entre elas. As normas internacionais apenas podem ser aplicadas internamente, caso sejam transformadas (ou internalizadas) por mecanismos do direito estatal (leis, decretos etc). Tal vertente teórica pode ser subdivida em: (i) dualismo radical, que indica que o direito internacional apenas pode ser internalizado mediante lei stricto sensu, e; (ii) dualismo moderado, segundo o qual a transformação pode ser efetivada por instrumentos infralegais, como os decretos. No entanto, a teoria dualista não se adequa aos pilares do juspositivismo, traçados por autores como Kelsen e Bobbio, já que a ideia de existência de duas ordens jurídicas distintas vai de encontro à concepção de unidade do ordenamento jurídico, e, por outro lado, aceitar a existência simultânea de normas conflitantes e de igual hierarquia viola o ideal de coerência do ordenamento jurídico. Em contraposição, para teoria monista, as normas do direito doméstico e do direito das gentes fazem parte de um único sistema jurídico. Por isso, os compromissos internacionais assumidos pelos Estados possuem aplicação imediata no âmbito interno, independente de qualquer instrumento para a transformação da norma internacional. A corrente ora analisada subdivide-se em: (i) monismo nacionalista, para o qual a norma de direito interno prevalece sobre a de direito internacional, já que ao direito das gentes apenas competiria regular as relações entre Estados, e; (ii) monismo internacionalista, que aponta a prevalência da norma internacional, na medida em que

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o direito estatal seria uma decorrência do direito internacional, entendimento este que é corroborado por autores como Kelsen, bem como pela Corte Internacional de Justiça. Identificou-se que é controversa a posição adotada pelo Estado brasileiro. Por um lado, parte da doutrina defende que o Brasil adotou a teoria dualista moderada, uma vez que, para seja aplicável no âmbito interno, faz-se necessária a internalização da norma de direito internacional, por meio de decreto presidencial (ato infralegal). Tal conclusão foi corroborada pelo STF, no julgamento da ADIN nº 1.480 DF, em 2001. De outra banda, não faltam vozes na doutrina que defendem que o Estado brasileiro aderiu à teoria monista, já que a Constituição, em seu art. 5º, §2°, teria estabelecido uma cláusula geral de recepção plena. Além do mais, nos últimos anos, vêm sendo desenvolvidas teorias que buscam afastar uma solução a priori para a relação entre direito interno e direito internacional, indicando que a melhor alternativa seria o diálogo entre as diversas fontes jurídicas. Nesse sentido, para o transdialogismo (ou monismo internacionalista dialógico), defendido por Valerio Mazzuoli, havendo conflito entre normas que versem sobre direitos e garantias fundamentais, deve-se optar pela aplicação da norma mais garantista, em nome do princípio pro homine. Outrossim, segundo o transconstitucionalismo, que, no Brasil, tem como seu grande propulsor Marcelo Neves, havendo conflito entre normas que versem sobre matérias eminentemente constitucionais (sistema de governo, direitos e garantias fundamentais, sistema econômico etc), deve-se analisar as normas conflitantes, bem como aquelas alheias ao conflito advindas de outras fontes jurídicas (internacional, transnacional, supranacional etc.), a fim de se chegar à melhor solução para o caso concreto. Noutro giro, foi possível verificar que os tratados internacionais, que, hoje, são as principais fontes do direito das gentes, podem ser conceituados como acordos, por escrito, firmados entre sujeitos de Direito Internacional Público (Estados, organizações internacionais etc). Podem se apresentar mediante diversas nomenclaturas (tratado, acordo, pacto, estatuto etc.), contudo, sempre preservam a mesma natureza jurídica. ~ 108 ~


São classificados, principalmente, pelo número de pactuantes (bilaterais ou multilaterais), bem como pelo seu conteúdo, sendo denominados de tratados-lei (tratado-norma ou normativo), quando firmados sob interesses convergentes, a fim de atingir um fim comum, ou tratados-contrato (ou contratuais), quando celebrados mediante interesses divergentes, por meio de uma relação jurídica comutativa. De acordo com a Convenção de Viena de 1969, as condições necessárias para a regular celebração de um tratado são: (a) capacidade das partes; (b) habilitação legal; (c) mútuo consentimento e; (d) objeto lícito e possível. Seu processo de formação pode ser dividido em quatro etapas principais: (a) elaboração e assinatura do texto; (b) aprovação por mecanismos internos; (c) ratificação (tratados novos) ou adesão (tratados já existentes); (d) promulgação e publicação. A primeira e a terceira são denominadas de fases internacionais, enquanto a segunda e a quarta de fases internas. Quanto aos efeitos perante as partes, ao firmarem o negócio jurídico internacional, os pactuantes comprometem-se a cumprir todas suas obrigações convencionadas, em obediência aos ditames dos princípios da boa-fé e da pacta sunt servanda, expressamente previstos na CVDT. No que se refere às formas de extinção do tratado, destacam-se, segundo a Convenção de Viena de 1969: (i) a denúncia; (ii) o acordo entre as partes, e; (iii) as causas extrínsecas. Estas últimas podem ocorrer quando houver violação substancial do acordo, impossibilidade superveniente do cumprimento do tratado, mudança fundamental de circunstâncias ou rompimento de relações diplomáticas, sendo todas estas hipóteses reguladas pela CVDT. Observou-se que, no Brasil, predomina o entendimento de que, para que um tratado internacional seja aplicado internamente, faz-se necessário que ele seja transformado por meio de uma processualística prevista no direito estatal, especialmente em disposições constitucionais.

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A primeira fase do processo de adoção de um tratado pelo Brasil inicia-se com as negociações internacionais e a assinatura do texto, levadas a cabo, via de regra, pelo corpo diplomático brasileiro ou, em assuntos mais relevantes, pelo Chefe de Estado. Em seguida, o Presidente deve remeter ao Congresso Nacional o texto convencional, iniciando-se a segunda fase do processo ora analisado. No Parlamento, o texto do tratado tramitará sob a forma de projeto de decreto legislativo, de forma semelhante aos projetos de lei, segundo disposições dos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Se aprovado, o decreto legislativo é publicado na imprensa oficial, tendo o Poder Executivo uma autorização formal para que ratifique do texto do tratado. Se rejeitado, o Estado brasileiro fica impossibilitado de celebrar o negócio jurídico, sob pena de se violar o princípio da separação dos poderes, bem como disposições expressas do texto constitucional. Ainda sobre a participação do Congresso Nacional, é possível destacar algumas conclusões do estudo realizado. Em primeiro lugar, verificou-se que, segundo a melhor doutrina, é possível que o Congresso Nacional denuncie, por meio da aprovação de uma lei, um tratado internacional, tendo que, eventualmente, derrubar o veto do Presidente da República, caso este não concorde com a denúncia. De toda forma, a denúncia deve ser formalizada, no âmbito internacional, por representantes do Poder Executivo. Ademais, corroboramos com os autores que defendem que, do mesmo modo que o Chefe do Executivo necessita da anuência do Congresso para firmar um tratado, faz-se necessária uma autorização do Parlamento para que o Presidente realize a denúncia do texto convencional. O tema está pendente de apreciação do STF, que ocorrerá quando do julgamento da ADIN n° 1.625/DF. Por fim, foi demonstrada a possibilidade de o Congresso Nacional apresentar emendas aos tratados, contudo, tal proposição terá caráter recomendatório ao Poder Executivo, já que cabe ao Presidente da República, junto com o corpo diplomático, estabelecer relações com outras pessoas jurídicas de Direito Internacional Público.

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A terceira fase materializa-se pela ratificação ou pela adesão do texto convencional pelo Poder Executivo. A ratificação é efetivada em relação a novos tratados, enquanto à adesão é o instituto utilizado para os tratados já em vigor. Por fim, a quarta e última fase ocorre mediante a promulgação do decreto presidencial, dando publicidade ao texto do tratado. A partir de então, segundo o STF, o texto convencional passa a produzir efeitos na ordem interna. Além do mais, é comum, na prática da diplomacia brasileira, a celebração de acordos executivos, que não são considerados, formalmente, tratados internacionais, mas instrumentos que versam meramente sobre matéria de natureza administrativa ou que servem para facilitar a melhor aplicação de determinado tratado. Sobre o regime jurídico dos tratados internalizados na ordem interna, constatou-se, à luz da jurisprudência do STF, que: (i) os tratados internacionais devem respeitar a Constituição Federal; (ii) é possível o controle de constitucionalidade dos tratados internacionais internalizados por mecanismos de direito interno, e; (iii) tais atos de Direito Internacional Público não podem tratar de matéria que foi reservada à lei complementar, já que isso significaria uma afronta à própria Constituição. Quanto à localização dos tratados na escala hierárquico-normativa em nosso país, verificou-se que é preciso distinguir tratados que versam sobre direitos humanos, transporte internacional, direito processual civil ou direito tributário, daqueles que abordam outros temas, que podem ser denominados genericamente de tratados comuns. Com a evolução das relações entre países, o STF, até meados do século XX, aderia à tendência mundial, no sentido de fazer prevalecer os tratados internacionais sobre a legislação interna. Contudo, modificando sua jurisprudência, o STF, desde o julgamento do RE n° 80.004/SE, em 1977, passou a entender que os tratados internacionais comuns, possuem status de lei ordinária federal, ou seja, mantêm relação de equiparação com a legislação infraconstitucional ordinária. Eventual conflito, assim, deveria ser solucionado pelos métodos clássicos de solução de antinomias, como o

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cronológico (lex posterior derogat priori) e o da especificidade (lex specialis derogat legi generali). No que se refere aos tratados em matéria de direitos humanos, com a inclusão do §3º no art. 5º da CF, caso sejam aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, são equivalentes às emendas constitucionais. Entretanto, celeuma maior se instaura quando tais normas convencionais não se submetem à processualística do art. 5°, §3°, da CF. Diante dos quatro principais posicionamentos identificados – (i) natureza supraconstitucional; (ii) caráter constitucional; (iii) equiparação à lei ordinária (caráter legal), e; (iv) natureza supralegal –, o STF, no julgamento dos REs n° 466.343/SP e 349.703/RS e dos HCs nº 87.585/TO e nº 92.566/SP, finalizado em 2009, optou pelo caráter supralegal dos tratados sobre direitos humanos, fundamentando seu entendimento, principalmente, na previsão do art. 5°, §2°, da CF, que dispõe que os direitos e garantias fundamentais expressos no texto constitucional não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que seja parte o Estado brasileiro. Sobre tal decisão, vale destacar que, ao estabelecer uma racionalidade transversal, realizando uma comunicação entre as diferentes ordens jurídicas, ficou clara a aplicação, pelo STF, dos pilares do transconsticionalismo. Por outro lado, a partir do mencionado precedente, o STF deixou evidente que vige, no Brasil, a teoria do controle de convencionalidade, de modo que as leis infraconstitucionais, para serem consideradas válidas, além de respeitarem a Constituição, devem estar em harmonia com os tratados internacionais em matéria de direitos humanos. Quanto aos tratados sobre transporte internacional, verificou-se que, nos termos do art. 178 da CF, eles devem prevalecer sobre a legislação infraconstitucional. No entanto, não podem violar normas protetivas do consumidor, como aquelas previstas no CDC, sob pena de afrontar a própria Constituição, que determina que a defesa do consumidor é um princípio aplicável a toda Ordem Econômica. Em relação aos tratados de direito processual civil, viu-se que, com o advento do CPC/2015, especialmente em virtude da dicção de seu art. 13, deve-se aplicar a norma ~ 112 ~


convencional sobre a matéria, ainda que esta esteja em conflito com as disposições do referido Código. No que concerne aos tratados internacionais em matéria tributária, objeto principal do trabalho, foi visto que estes são cada vez mais utilizados nas relações entre países, de modo que presencia-se, nos dias atuais, o fenômeno da corrosão da soberania fiscal. No Brasil, tais atos normativos internacionais enquadram-se como uma importante fonte do direito tributário, servindo como instrumento para regular matérias como a cooperação para a fiscalização tributária, o combate à estipulação ilícita de preços de transferência, e, principalmente, a proibição à dupla tributação – correspondendo, neste caso, a um relevante mecanismo de indução econômica. Analisou-se que, em virtude da dicção do art. 98 do CTN, vários questionamentos podem ser levantados sobre a eficácia e a aplicabilidade do tratado internacional tributário em nosso país. Em virtude da referida decisão proferida no STF na ADIN n° 80.004/SE, foi possível perceber que qualquer tratado internacional, inclusive aquele que verse sobre matéria tributária, para o STF: (i) sempre prevalecerá em face da legislação tributária infralegal (decretos e normas complementares), e; (ii) para ser válido no âmbito interno, deve respeitar os ditames do nosso texto constitucional. Ademais, restou demonstrado que, ao contrário do que se extrai da redação do art. 98 do CTN, o tratado internacional tributário não poderia revogar uma lei interna, já que isto não se enquadraria em nenhuma das hipóteses de revogação previstas na LINDB, bem como afrontaria o princípio da paridade das formas. Nesse sentido, para a maior parcela da doutrina, o tratado internacional tributário que estabelece norma incompatível com lei interna anterior não revoga esta, mas apenas suspende sua eficácia, ou seja, ela não será aplicável às relações jurídicas reguladas pelo tratado, do que se conclui que: (i) a lei interna continuará vigente, mas sem produzir efeitos nas relações versadas no tratado; (ii) havendo a denúncia ao tratado internacional ou este deixando de produzir efeitos, a lei interna volta a possuir total eficácia.

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Outrossim, um tratado internacional em matéria tributária não pode ser revogado por uma lei interna, já que, além de tal conclusão ir de encontro ao espírito da norma do art. 98 do CTN, violaria o Direito Internacional Público, na medida em que as hipóteses de revogação do tratado estão previstas na Convenção de Viena de 1969. Com efeito, inúmeras foram as linhas teóricas que se formaram ao longo dos anos para defender ou afastar a supralegalidade dos tratados em matéria tributária, ou seja, sua prevalência sobre a legislação interna infraconstitucional. Atualmente, o STF, o STJ e parte significativa da doutrina convergem no sentido de que inexiste tal superioridade hierárquica, de modo que, diante da referida antinomia, deve-se aplicar os critérios tradicionais para a solução do conflito, em especial, o da especialidade (lex posterior derogat priori). Entretanto, corroboramos com a parcela da doutrina, representada por autores como Alberto Xavier, Valério Mazzuoli, Sacha Calmon Navarro Coêlho, Hugo de Brito Machado, entre outros, que aponta a supralegalidade dos tratados internacionais tributários. Isto porque: (a) do art. 5°, §2°, da CF se extrai que é garantido aos contribuintes o respeito aos direitos e garantidas previstas em tratados internacionais firmados pelo Estado brasileiro, inclusive, aqueles que versem sobre matéria tributária; (b) por meio de uma interpretação sistemática do texto constitucional, visualiza-se, claramente, uma forte determinação para que o Brasil busque uma integração internacional e cumpra com seus compromissos firmados no âmbito externo (vide arts. 4º, I, IX e parágrafo único; 5º, §2º, art. 105, III, "a"; art. 109, III, IV e §5º, todos da CF); (c) os arts. 5º, §2º, e 150, caput, da CF, preveem a possibilidade de se estabelecer outras garantias em matéria tributária, fora aquelas previstas no texto constitucional; (d) o primado do tratado internacional tributário deve ser aplicado, tal como entende a Corte de Haia, em respeito aos princípios da boa-fé e da pacta sunt servanda previstos expressamente na Convenção de Viena de 1969 (arts. 26 e 27); (e) o Brasil deve cumprir seus compromissos internacionais, sob pena de incorrer em grave violação a princípios de ordem moral, perdendo a credibilidade perante a comunidade mundial; (f) os compromissos assumidos internacionalmente, inclusive em matéria tributária, devem ~ 114 ~


ser respeitados, sob o risco de se instaurar um tormentoso cenário de insegurança jurídica, o que desestimula os investimentos estrangeiros. Também se analisou a possibilidade de aplicação das teorias que buscam solucionar antinomias entre normas de direito interno e de direito internacional mediante o diálogo entre as diferentes fontes jurídicas. Por um lado, concluiu-se que o transdialogismo, baseado no princípio pro homine, apenas seria aplicável, se, no caso concreto, uma das normas estabelecesse uma maior proteção aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo. De outra banda, o transconstitucionalismo, fundamentado na ideia da racionalidade transversal entre as fontes jurídicas, poderia ser aplicado, desde que o problema levantado versasse sobre assuntos eminentemente constitucionais, tal como o sistema econômico, que, no caso brasileiro, vem sofrendo impactos das normas advindas de blocos econômicos, como o MERCOSUL, e de organismos internacionais, como a OMC. Verificou-se, ainda, que, conforme a jurisprudência do STF, não há qualquer óbice ao estabelecimento de isenções de tributos estaduais ou municipais por meio de tratados internacionais tributários, na medida em que, quando o Presidente da República celebra um tratado, não está agindo em nome da União, mas sim como Chefe de Estado, legítimo representante da República Federativa do Brasil. Por fim, foram brevemente abordadas as novas perspectivas do tema dos tratados internacionais tributários, analisando-se as recentes inovações no âmbito dos acordos de troca de informações fiscais. Viu que, no âmbito da OCDE, surgiu a Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária, instrumento multilateral, que já conta com a adesão de mais de 100 países, e que possibilita inúmeros mecanismos de compartilhamento de informações entre as administrações tributárias dos países aderentes, adotando um modelo bem-sucedido em outras regiões, como na União Europeia. O Brasil, ao assinar e promulgar a referida Convenção, insere-se no contexto do que há de mais moderno no que se refere à cooperação internacional tributária. Promove, assim, uma mudança de paradigma de sua atividade de fiscalização ~ 115 ~


tributária. A grande novidade é que o governo brasileiro poderá estabelecer um sistema de troca de informações fiscais automáticas com os demais países.

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