Extrativismo do Caroá no Semiárido Brasileiro

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EXTRATIVISMO DO CAROÁ NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO

Vicente de Paula Queiroga Jair Rodrigues de Lima Francisco de Assis Cardoso Almeida Esther Maria Barros de Albuquerque (ORGANIZADORES)

REVISTA CIENTÍFICA


EXTRATIVISMO DO CAROÁ NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO

1ª edição


CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA Diretor Presidente da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO Diretor - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE Editor-chefe da Associação da Revista Eletrônica a Barriguda - AREPB

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA – AREPB CNPJ 12.955.187/0001-66 Acesse: www.abarriguda.org.br

CONSELHO EDITORIAL Adilson Rodrigues Pires André Karam Trindade Alessandra Correia Lima Macedo Franca Alexandre Coutinho Pagliarini Arali da Silva Oliveira Bartira Macedo de Miranda Santos Belinda Pereira da Cunha Carina Barbosa Gouvêa Carlos Aranguéz Sanchéz Dyego da Costa Santos Elionora Nazaré Cardoso Fabiana Faxina Gisela Bester Glauber Salomão Leite Gustavo Rabay Guerra Ignacio Berdugo Gómes de la Torre Jaime José da Silveira Barros Neto Javier Valls Prieto, Universidad de Granada José Ernesto Pimentel Filho Juliana Gomes de Brito Ludmila Albuquerque Douettes Araújo Lusia Pereira Ribeiro Marcelo Alves Pereira Eufrasio Marcelo Weick Pogliese Marcílio Toscano Franca Filho Olard Hasani Paulo Jorge Fonseca Ferreira da Cunha Raymundo Juliano Rego Feitosa Ricardo Maurício Freire Soares Talden Queiroz Farias Valfredo de Andrade Aguiar Vincenzo Carbone



VICENTE DE PAULA QUEIROGA JAIR RODRIGUES DE LIMA FRANCISCO DE ASSIS CARDOSO ALMEIDA ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE ORGANIZADORES JOÃO HENRIQUES MUSEU FÁBRICA CAROÁ DANIEL DUARTE PEREIRA PEDRO AVELINO COLABORADORES

EXTRATIVISMO DO CAROÁ NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO

1ª EDIÇÃO

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA - AREPB

2017


©Copyright 2016 by

Organização do Livro VICENTE DE PAULA QUEIROGA, JAIR RODRIGUES DE LIMA, FRANCISCO DE ASSIS CARDOSO ALMEIDA E ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE Capa FOTOS DE EGBERTO ARAÚJO E J. A. SIQUEIRA FILHO Editoração ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE Diagramação ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE

O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade dos autores. Data de fechamento da edição: 15-06-2017

Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP)

Q3e

Queiroga, Vicente de Paula. Extrativismo do caroá no semiárido brasileiro. 1ed. / Organizadores, Vicente de Paula Queiroga, Jair Rodrigues de Lima, Francisco de Assis Cardoso Almeida, Esther Maria Barros de Albuquerque. – Campina Grande: AREPB, 2017. 123 f. : il. color. ISBN 978-85-67494-23-4 1. Caroá. 2. Sistema de produção. 3. Extrativismo. 4. Processamento da fibra. 5. Semiárido. I. Queiroga, Vicente de Paula. II. Lima, Jair Rodrigues de. III. Almeida, Francisco de Assis Cardoso. IV. Albuquerque, Esther Maria Barros de. V. Título. CDU 633.5

Ficha Catalográfica Elaborada pela Direção Geral da Revista Eletrônica A Barriguda - AREPB

Todos os direitos desta edição reservados à Associação da Revista Eletrônica A Barriguda – AREPB. Foi feito o depósito legal.


O Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito – CIPED, responsável pela Revista Jurídica e Cultural “A Barriguda”, foi criado na cidade de Campina Grande-PB, com o objetivo de ser um locus de propagação de uma nova maneira de se enxergar a Pesquisa, o Ensino e a Extensão na área do Direito.

A ideia de criar uma revista eletrônica surgiu a partir de intensos debates em torno da Ciência Jurídica, com o objetivo de resgatar o estudo do Direito enquanto Ciência, de maneira inter e transdisciplinar unido sempre à cultura. Resgatando, dessa maneira, posturas metodológicas que se voltem a postura ética dos futuros profissionais.

Os idealizadores deste projeto, revestidos de ousadia, espírito acadêmico e nutridos do objetivo de criar um novo paradigma de estudo do Direito se motivaram para construir um projeto que ultrapassou as fronteiras de um informativo e se estabeleceu como uma revista eletrônica, para incentivar o resgate do ensino jurídico como interdisciplinar e transversal, sem esquecer a nossa riqueza cultural.

Nosso sincero reconhecimento e agradecimento a todos que contribuíram para a consolidação da Revista A Barriguda no meio acadêmico de forma tão significativa.

Acesse a Biblioteca do site www.abarriguda.org.br


ORGANIZADORES Vicente de Paula Queiroga (Dr) Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Centro Nacional de Pesquisa do Algodão-CNPA Campina Grande, PB (Brasil)

Jair Rodrigues de Lima Graduado em Ciências Econômicas pela UFPE Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Internacional de Curitiba, PR Caruaru, PE (Brasil)

Francisco de Assis Cardoso Almeida (Dr) Professor Titular da Unidade Acadêmica de Engenharia Agrícola Centro Tecnológico e Recursos Naturais Universidade Federal de Campina Grande, PB (Brasil)

Esther Maria Barros de Albuquerque (Drª) Doutora em Engenharia de Processos Universidade Federal de Campina Grande-UFCG Campina Grande, PB (Brasil)


APRESENTAÇÃO A diversificação das atividades produtivas na agricultura familiar e a sua harmonia com o meio ambiente é a passagem para o estabelecimento e sustentabilidade do produtor rural no campo, sendo este o caminho a ser percorrido na edificação das políticas públicas. Dentre as inúmeras experiências existentes com produtos florestais não-madeireiros agroecológicos, o caso do extrativismo do Caroá, planta típica das áreas de Caatinga, apresenta potencial econômico centrado nas folhas, as quais se constituem de fibras de alta resistência. Suas folhas fornecem fibra para a confecção de barbantes, linhas de pesca, tecidos, cestos, esteiras e chapéus, além de outras peças artesanais e decorativas. Por serem muito resistentes são também utilizadas na confecção de corda e amarração de estruturas como abrigos, armadilhas, entre outras. Além disso, o Caroá apresenta propriedades medicinais, conhecidas como flavonoides, que atuam contra inflamações, dores e úlceras gástricas. É importante adotar a conservação do bioma Caatinga, sob princípios sustentáveis, para a melhoria da qualidade de vida das comunidades locais e da comercialização dos produtos de sua sociobiodiversidade como o ponto primeiro das estratégias a serem desenvolvidas. Com isso, faz-se necessário investir no aumento da capacidade institucional e comercial dessas comunidades produtivas e também na formação de mercados consumidores para os produtos da biodiversidade nativa. Ademais, o Caroá tem sido coletado diretamente neste bioma de forma extrativista, sem nenhuma sistematização de cultivo, já tendo praticamente desaparecido em algumas regiões; tendo sido, também, pouco estudado, havendo necessidade de informações de seu sistema de cultivo, produção, comercialização e aproveitamento industrial a fim de se evitar o extrativismo predatório. Neste sentido, os autores desta publicação, preocupados em especial com a possibilidade do desaparecimento desta planta e, em fortalecer a participação comunitária e de agricultores familiares na produção agroecológica de produtos florestais nãomadeireiros e de bens e serviços ambientais como principal elo para o processo de inclusão e desenvolvimento socioeconômico, traz, a comunidade acadêmica e extensionista as informações básicas copiladas de bibliografias existente sobre sistema produtivo do Caroá e utilização industrial, assim como das máquinas e equipamentos necessários a produção do seu fio - industrialização e equipamentos -.

Os organizadores


SUMÁRIO

CAPÍTULO I. SISTEMA DE PRODUÇÃO DO CAROÁ E UTILIZAÇÃO INDUSTRIAL - Vicente de Paula Queiroga, Jair Rodrigues de Lima, Esther Maria Barros de Albuquerque................................................................................................... 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 94 CAPÍTULO II. CAROÁ: INDUSTRIALIZAÇÃO E EQUIPAMENTOS – Jair Rodrigues de Lima, Vicente de Paula Queiroga ......................................................... 100 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .......................................................................... 123


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CAPÍTULO I

SISTEMA DE PRODUÇÃO DO CAROÁ E UTILIZAÇÃO INDUSTRIAL (Autores) Vicente de Paula Queiroga Jair Rodrigues de Lima Esther Maria Barros de Albuquerque

ISBN 978-85-67494-23-4


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INTRODUCAO

A diversificação das atividades produtivas na agricultura familiar e a sua consonância com o meio ambiente é de fato o caminho a ser seguido para estabelecer a sustentabilidade e o produtor rural no campo. Dentre as inúmeras experiências existentes com produtos florestais não-madeireiros agroecológicos, o caso do extrativismo do caroá apresenta potencial econômico centrado nas folhas, as quais se constituem de fibras de alta resistências (PEREIRA, 2003; SAMPAIO et al., 2005). Além disso, o caroá é uma planta endêmica do semiárido, que pode ser encontrada no interior de matas da caatinga mais fechadas até as mais abertas, em solos compactos e pouco profundos. A planta pode alcançar a altura de até um metro e apresentar outras características distintas, tais como: hábito terrestre e folhas tipicamente variegadas. Por outro lado, a espécie Neoglaziovia variegata (Arr. Cam.) Mez. pertence à família botânica Bromeliaceae com ocorrência geográfica nos estados: Bahia, Ceará, Paraíba, Piauí, no Vale do São Francisco e microrregiões do Cariri paraibano (SAMPAIO et al., 2005). Na década de 40, essa espécie teve um papel importante na economia nordestina pela produção de fibra para a indústria têxtil. Em 25 de agosto de 1935, registou-se a inauguração da Fábrica Caroá na cidade de Caruaru, PE pertencente ao empresário pernambucano José Vasconcelos e Silva, que trouxe consigo um grande avanço tecnológico à região, devido a importação de maquinários da Europa, principalmente da Inglaterra. Também a indústria Vasconcelos & CIA instalou duas usinas desfibradoras, sendo uma na Fazenda São Gonçalo, no município de Custódia, PE e a outra unidade em São José do Belmonte, PE, sendo esse último município considerado o centro da melhor zona caroazeira de Pernambuco (PEREIRA; TEIXEIRA, 2011). A Fábrica Caroá em Caruaru, PE tinha a capacidade de consumo de fibra de 20 toneladas por semana. Por falta de gestão financeira, sua falência veio acontecer em 1979, deixando mais de 240 operários desempregados e com salários atrasados por mais de 3 meses, gerando assim um problema social para essa cadeia produtiva da região semiárida. Foi a primeira e a única fábrica que existiu no mundo, especializada na exploração do caroá, cuja espécie é adaptada as condições adversas da caatinga e produtora de uma formidável fibra. Aos poucos, sua exploração foi sendo substituída pelo agave e depois pelo surgimento das fibras sintéticas, o que culminou com a falta de mercado aos seus produtos (RIBEIRO, 2007).


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Atualmente, as fibras do caroá voltaram a ser uma das principais fontes de emprego e renda para diversas famílias nordestinas, com a fabricação artesanal de chapéus, bolsas, biojoias, entre outros produtos, inclusive como planta ornamental. Enquanto no passado, suas folhas fibrosas eram muito exploradas na confecção artesanal de cordas, barbantes e papel, bem como na tecelagem (sacos). Apesar desse novo ciclo de exploração, o caroá ainda não foi suficientemente estudado quanto a sua biologia reprodutiva (PEREIRA, 2003; SAMPAIO et al., 2005).

ORIGEM, DISTRIBUIÇÃO E IMPORTÂNCIA ECONÔMICA Origem e distribuição

A espécie Neoglaziovia variegata Mez. é uma Bromeliaceae conhecida popularmente como “caroá”, amplamente distribuída e endêmica do bioma caatinga do sertão nordestino (SAMPAIO et al., 2005). Ocorre em largos trechos do litoral, até a Bahia, e no sertão, desde o Ceará até o Vale do São Francisco, principalmente nas microrregiões do Agreste, dos estados de Pernambuco e Rio Grande do Norte, e do Cariri da Paraíba. Dentre as numerosas plantas fibrosas que o Brasil possui, o caroá se destaca pela sua abundância, pelas qualidades e pelo valor industrial de suas fibras, inclusive pela sua rusticidade e enorme vitalidade exuberante em vegetar nas terras secas do Nordeste brasileiro, via de regra inaproveitáveis à exploração lucrativa de outras espécies vegetais. Apesar de sua fácil propagação pelos rizomas, os indivíduos não são compensados facilmente pela brotação espontânea, quando chegam a sofrer alguma queima ocasionado pelo uso do fogo na destruição da mata nativa. Por outro lado, a infestação do caroá pelo campo aberto também não é assim tão fácil, devido sua ocorrência ser mais densa à sombra. Como é natural supor, os caroazais não são contínuos em toda sua essa vasta região onde sua ocorrência tem sido constatada. Por toda parte há caroazais densos, ralos e esparsos. Há na caatinga intervalos por longos trechos completamente despovoados dessa bromeliácea, o que torna difícil estimar a sua real área de ocupação. Pernambuco e Bahia são, os dois estados onde o caroá existe em maior abundância, seguindo-se em ocorrência o Piauí e Paraíba (HENRIQUES, 1938).


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Importância Econômica

O caroá tem uma característica própria de uso pela população. Suas folhas servem para a extração de fibras que são usadas para fazer cordas, redes, sacolas, tecidos, barbantes, cestaria, esteira e chapéus. Na taipa, tão comum na construção das casas no semiárido, serve para armar a estrutura de sustentação do barro. As décadas de 1920, 30 e até 40 tiveram em comum a exploração de uma matériaprima originária do sertão nordestino: a fibra extraída do caroá. Essa espécie já teve papel importante na economia nordestina na primeira metade do século XX, a partir da produção de fibra por indústrias têxteis, mas sua exploração foi abandonada com o surgimento das fibras sintéticas e a expansão do cultivo do agave na segunda metade do século (PEREIRA, 2003; RIBEIRO, 2007). No entanto, a fibra firme, resistente e duradoura, voltou à moda, nos anos 2000, mobilizando, principalmente, as mulheres em torno de organizações cooperativas a exemplo da Cooperativa Regional de Artesãs Fibras do Sertão (Cooperafis), do interior da Bahia para a produção de artesanato (Figura 1).

Figura 1. Trabalho artesanal da fibra de caroá [N. variegata Mez] realizado pela COOPERAFIS e seus produtos confeccionados com bolsa, chapéu etc. Fotos: Silveira, (2009). As propriedades de resistência mecânica e estrutural das fibras de caroá são determinadas com base na composição química que forma as fibras vegetais. A lignina e polioses são polímeros naturais relacionados com a elasticidade das fibras (ROWELL et al., 2000). Na Tabela 1, observa-se os resultados percentuais obtidos de celulose, polioses e lignina da fibra de caroá, segundo dados de pesquisa de diferentes autores.


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Tabela 1. Análise química da fibra do caroá. Autor

Composição Química (%) Celulose

Polioses

Lignina

Cinzas

Lopes (2009)

72,4

11,0

13,5

0,7

Vasconcelos (2011)

71,75

9,17

14,67

0,73

Bezerra (2011)

70,3

10,2

11,5

0,5

Fonte: Marconi Luiz França (2012).

Atualmente, pesquisadores de diversas áreas descobriram outras funções para o velho caroá. Com base em pesquisa realizada pela Universidade Federal de Campinas Grande (UFCG), foram testados diversos compósitos da fibra natural com poliéster e constataram-se um bom aumento na resistência do material a impactos, além do uso do caroá reduzir custos, ter baixa abrasividade e ser parcialmente biodegradável. Na mesma UFCG, uma equipe de engenheiros químicos estudou diferentes métodos de retirada da polpa do caroá, comprovando a viabilidade de seu uso na produção industrial de celulose, com resultados comparáveis aos do eucalipto, e de biocombustíveis.

FITOLOGIA DO CAROÁ Conhecida popularmente por caroá, Neoglaziovia variegata, é uma espécie endêmica da Caatinga, distribuída em todo o Nordeste e em Minas Gerais. Essa Bromélia apresenta grande potencial econômico devido à utilização de suas folhas para a produção de fibras, por este motivo, já foi bastante explorada. Além disso, essa espécie também possui valor ornamental, principalmente pela beleza de suas flores e durabilidade de suas folhas (KIILL; SANTOS, 2012).

Nomes populares O caroá é também conhecido por caraá, carauá, caroá-dos-sertanejos, caroáverdadeiro, caruá, coroá, crauá, croá, croatá, graná, gravatá. A palavra caroá vem do tupi, “Kara’wã, que significa “talo com espinho”. Sob estas denominações, são conhecidas diversas variedades, algumas bem definidas pelas suas características botânicas e hábitos vegetativos, que são comumente conhecidas pelos nomes de caroá-rajado ou listrado, amarelo, branco, roxo, etc.


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BOTÂNICA, MORFOLOGIA E ECOLOGIA DO CAROÁ Aspecto botânico O caroá é caracterizado como planta terrestre, herbácea, acaule, estolonífera, perene, muito rústica, excluída a inflorescência. Toda a parte aérea é constituída por folhas dispostas em roseta, são compridas, recurvadas, em forma de canaleta que medem de 1,50 a 3 metros de comprimento e 2 centímetros de largura. Ao longo de suas margens contém espinhos recurvados para o ápice. A família Bromeliaceae Juss possui de 3.010 espécies classificadas em 56 gêneros, uma das maiores famílias botânicas do neotrópico e dividida em três subfamílias Pitcairnioideae, Tillandsioideae e Bromelioideae. O caroá é uma espécie de Bromélia denominada Neoglaziovia variegata Mez, gênero botânico pertence à família Bromeliaceae, subfamília Bromelioideae (SMITH; DOWNS, 1979; LUTHER, 2006; PEREIRA; QUIRINO, 2008). Sua taxonomia resumida é assim representada:

Reino: Vegetal Classe: Monocotiledônea Família: Bromeliaceae Subfamília: Bromelioideae Espécie: Neoglaziovia variegata (Arruda) Mez.

Sinonímia: Agallostachys variegata (Arruda) Beer; Bromelia variegata Arruda; Billbergia variegata (Arruda) & Schult.f.; Dyckia glaziovii Baker.

Aspecto morfológico Planta: O caroá verdadeiro é uma planta terrestre, herbácea, perene, rizomatosa, (Figura 2), estolonífera, saxícola (que habita em terreno pedregoso), acaule, podendo atingir uma altura de até 1 metro e possui poucas folhas (3-5-7).


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Figura 2. Planta de caroá com gema terminal do rizoma que se modifica em apenas um rebento. Foto: João Henriques (1937). Raiz: A principal característica da planta de caroá é a emissão de rizomas em suas raízes. Sua vantagem é começar a emitir broto aos 20 cm de altura e quando as suas folhas são cortadas totalmente, haverá substituição pela nova planta originada do rizoma ou broto (XAVIER, 1982). Esses rizomas são fonte de alimentos para muitos animais silvestres, principalmente para o caititu.

Folhas: São estreitas lineares, com formato ovado-lanceoladas, acuminadas, finoserradas e convolutadas nas margens, podendo atingir até 2 metros de comprimento ou mais e com 2 centímetros de largura. Suas folhas são providas de cutículas impermeabilizante que protege a planta contra a evaporação intensa dos meses de verão. Durante o período das chuvas, o caroá armazena nas folhas e rizomas umidade e outras substâncias nutritivas, as quais constituem as reservas que a planta se utiliza nos períodos críticos, resistindo assim tão bem às adversidades climáticas.

Inflorescência: Possui inflorescência racemosa do tipo cacho, com escapo floral de coloração avermelhada medindo cerca de 50 cm de altura, a qual comporta flores pequenas (18,4 mm), inodoras, actinomorfas, pediceladas e dispostas de maneira alterna (Figura 3).


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Figura 3. Detalhe da inflorescência racemosa da planta de caroá. Fotos: Vicente de Paula Queiroga e Agefran Costa. Flores: As flores são formadas em inflorescência racemosa (várias flores fundidas na base), ereta, com as sépalas de cor vermelha e pétalas roxas (Figura 3); as flores se abrem da base para o ápice e são inodoras.

Frutos: Os frutos são do tipo baga, de formato ovoide, de coloração pardacenta quando maduro, apresentando uma polpa mucilaginosa, comestível, adocicada, na qual encontram-se em média, de 25 a 30 sementes (PEREIRA; QUIRINO, 2008; KIILL; SANTOS, 2012).

Aspecto ecológico de preservação da espécie A espécie Neoglaziovia variegata tem sido coletado diretamente na caatinga de forma extrativista, o que pode ser a causa de desaparecimentos dessas espécies em algumas regiões do nordeste brasileiro, a exemplo de algumas regiões da Bahia, onde essa espécie praticamente já desapareceu (SILVEIRA et al., 2011). Ademais, a devastação da caatinga, para desenvolvimento de atividades agropecuárias, reduziu de forma drástica a população de plantas de caroá. Há, portanto, necessidade urgente de estudos para elaborar estratégias de conservação desta espécie. O conhecimento da estrutura genética de populações naturais de plantas é fundamental para a implementação de ações conservacionistas, a exemplo da definição de unidades de conservação e prioridades para o manejo de recursos genéticos (MAMURIS et al., 2001), além de ser fundamental para


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o estabelecimento de formas de exploração econômica e uso racional (LACERDA et al., 2001). Uma das medidas importantes para a conservação do caroá é a preservação do bioma Caatinga, até por que, segundo as pesquisas, essa espécie tem intrínseca relação com presença e manutenção da vegetação. Em áreas desmatadas ou fortemente antropizadas não há mais ocorrência do caroá, demonstrando assim sua relação com a permanência da vegetação, a qual proporciona um habitat em condições adequadas à espécie. Por isso algumas recomendações são importantes, como: não utilizar fogo nas áreas de coleta do caroá; e não desmatar ou roçar as áreas de caroá. Dessa forma, sugerese que o manejo e a coleta sustentável do caroá sejam implementados como alternativa de uso para as áreas de Reserva Legal das propriedades particulares (MAPA, 2012). Outro aspecto importante a ser observado é a reprodução natural da espécie, uma vez que as inflorescências são difíceis de serem observadas devido a sua utilização como alimento para a fauna (XAVIER, 1982). Entretanto, o surgimento das flores só ocorre em um período do ano e com a abertura de duas a três flores por dia em cada inflorescência, o que pode dificultar a propagação sexual da espécie. Mesmo assim, é preciso considerar que a propagação via sementes é de extrema importância para a manutenção da variabilidade genética das populações naturais. Sendo assim, os estudos sobre germinação e fisiologia de sementes tornam-se fundamentais para a utilização e exploração de forma racional das espécies nativas (PEREZ et al., 2001) e também para os objetivos conservacionistas.

CARACTERES TECNOLÓGICOS DA FIBRA

Fibras: São extraídas da folha do caroá. Essas fibras são resistentes, macias, alvas, flexíveis, ricas em celulose e apresenta boa elasticidade. A largura média é de 8,04 micra e seu comprimento dependerá do tamanho das folhas, sendo o máximo de 174 cm, médio de 138 cm e mínimo de 39 cm. As análises tecnológicas de Laboratório de Fibras procedidas em fibras obtidas de desfibramento mecânico acusaram os seguintes valores da Tabela 2.


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Tabela 2. Valores de resistência e elasticidade (máxima, média e mínima) das fibras de caroá. Caracteres tecnológicos

Resistência (grs)

Elasticidade (mm)

Valores da fibra Máximo

Médio

Mínimo

Material colhido no inverno (úmido)

970

234

20

Material colhido no verão (seco)

690

125

30

Estado natural

19,82

4,8

0,0

Material colhido no inverno (úmido)

14,44

2,53

0,0

Fonte: João Henriques (1937).

Geralmente a extração das fibras é feita por desfibramento mecânico da sua folha e apresentam-se brancas, macias, elásticas e flexíveis. Sua resistência é três vezes maior que as de juta, prestando-se para fins diversificados dentre os quais: fabricação de cordões, cordas, cabos, barbantes, brins e linhas; tapetes e passadeiras; papel, papelão e seda vegetal; sacos e aniagem. É importante esclarecer que a celulose, principal componente da parede celular da fibra vegetal, é um polissacarídeo linear, constituído por um único tipo de unidade de açúcar (1,4-β-D-glucopyranose), a qual é formada por moléculas de glicose (C 6H10 O5), unidas entre si por átomos de oxigênio. Estas cadeias são agrupadas em feixes, formando as micelas. Por sua vez, as micelas são agregadas em unidades maiores, as microfibrilas, que possuem uma largura aproximada de 250 Á e reúnem cerca de 2000 moléculas de celulose na seção transversal. Quando as microfibrilas se agregam, tornam-se mais grossas e são denominadas de macrofibrilas, com largura de 0,4 μm e 5 x105 moléculas de celulose na seção transversal (NÓBREGA, 2007). Após a divisão celular, as células ou fibro-células, como são chamadas, permanecem unidas por uma camada intercelular, denominada lameda média (LM), constituída principalmente pela substância lignina. Cada fibro-célula é constituída por parede primária (PP), parede secundária (OS) e o lúmen. Nas paredes primárias, as fibrilas apresentam uma estrutura reticulada. De acordo com a orientação das microfibrilas são arranjadas, a parede secundária pode ser dividida em três camadas: S1, S2 e S3. Na camada mais próxima da parede primária que é denominada S1, as microfibrilas são arranjadas em espirais formando ângulos com o eixo longitudinal da fibra e possui espessura aproximada de 2 μm. A camada seguinte, a camada S

2,

é bem mais espessa e as

microfibrilas são arranjadas na forma de espiral mais íngreme. A camada S3 é semelhante


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à camada S1 e suas microfibrilas estão dispostas, aproximadamente, na direção perpendicular ao eixo da fibra e, as vezes apresenta-se revestida por outra, a camada verrugosa. O lúmen é o eixo central existente na parte interna da fibra que contém resíduos do protoplasma da célula. A Figura 4 mostra um esquema da organização da parede celular de uma fibra vegetal (D’ALMEIDA, 1981).

Figura 4. Diagrama da estrutura da parede celular de uma fibra vegetal. Fonte: Ashby e Jones (1998).

As hemiceluloses também são polissacarídeos, porém diferem da celulose por serem constituídas de vários tipos de unidades de açúcares, além de serem polímeros ramificados e de cadeias mais curtas. Enquanto a lignina é um polímero amorfo, de composição química complexa e de estrutura ainda não totalmente caracterizada, pois confere firmeza e solidez ao conjunto de fibras de celulose, além de diferir dos polissacarídeos pela sua resistência à hidrolise ácida e pela sua alta reatividade com agentes oxidantes (BLEDZKI; GASSAN, 1999). A Tabela 3 mostra a composição química das fibras de caroá e baixo teor de celulose de suas fibras, quando comparado com outras fibras vegetais.


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Tabela 3. Análise química de fibras vegetais. Fibras

Celulose

Hemicelulose

Lignina

Água

Sisal

65,8

12,0

9,9

10,0

Juta

64,4

12,0

11,8

10,0

Algodão

82,7

5,7

-

10,0

Caroá

35,5

17,9

30,1

-

Fonte: Bledzki e Gassan (1999); D’Almeida et al. (2006).

FENOLOGIA Na Fazenda Aragão, localizada na zona rural de Campina Grande, PB (7º18’03'’S e 36º00’03'’W), a fenofase de brotamento ocorreu entre os meses de janeiro a abril de 2005, após a ocorrência das primeiras chuvas. Sua floração foi observada nos meses de fevereiro e abril, com o pico de floração no mês de fevereiro e sua frutificação ocorreu logo em seguida à floração, nos meses de março-abril. Enquanto na região de Petrolina, PE, a produção de flores ocorre entre os meses de novembro e dezembro e os frutos verdes surgem ainda em novembro e levam de cinco a seis meses para atingir sua maturidade (KIILL; SANTOS, 2012).

MELHORAMENTO Poucos estudos são encontrados na área de melhoramento genético da cultura do caroá, devido a reprodução por meio de sementes raramente é observada nas condições naturais em que a planta vive (Figura 5). São os animais (gado) que destroem a maior parte das panículas logo na floração, enquanto os pássaros, saguis e outros pequenos animais devoram as bagas verdes e maduras. Além disso, são pouquíssimas as sementes que caem ao solo e conseguem as condições propícias para sua germinação e ao crescimento das plântulas novas. Através de saquinhos de papel para proteger a panícula da planta de caroá, Henriques (1938) conseguiu obter algumas sementes na Estação Experimental de Pendência, em Soledade, PB.


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Figura 5. Planta de caroá originada de sementes no meio da caatinga do cariri paraibano. Foto: João Henriques. Para o caroá, os caracteres de maior importância do ponto de vista do melhoramento genético, como ocorrem com outras culturas, são de interesse agroeconômicos e que por sua vez apresentam variação continua em sua expressão fenotípica, dentro das melhores cultivares, ou seja, são ditos caracteres quantitativos, no caso, rendimento de fibra em relação ao peso bruto das folhas, indivíduo com maior número de folhas, planta inerme ou desprovida de espinhos, folha com ideal comprimento e largura, prolongamento do ciclo vegetativo da planta para maior número de cortes, adaptabilidade, boa qualidade da fibra e estabilidade da produção (HENRIQUES, 1938; XAVIER, 1982). Uma das estratégias de melhoramento que poderia ser adotada nessa extraordinária planta fibrosa é a seleção fenotípica individual praticada nas populações naturais, a qual consiste em se avaliar individualmente as plantas no intuito de identificar genótipos superiores para uma determinada característica baseada em sua expressão fenotípica avaliada em vários anos. Uma vez identificados esses genótipos superiores podem-se obter progênies, para posterior avaliação em experimentos, mediante cruzamentos controlados ou intercruzamento entre os melhores indivíduos, este último conseguido mediante descarte dos indivíduos inferiores (FERREIRA, 2009).


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POLINIZAÇÃO O néctar é produzido e armazenado na base do tubo da corola em pequenas quantidades, com um volume médio acumulado na flor de 5 ml, nas primeiras horas da manhã (entre 6:00h até 8:30h), apresentando uma concentração média de açúcares de 39%. As flores de N. variegata receberam visitas do beija-flor (Chlorostilbon aureoventris; Figura 6), da arapuá (Trigona spinipes) e da borboleta (Junonia evarete), no entanto, apenas C. aureoventris foi considerado o polinizador efetivo dessa espécie, enquanto os demais visitantes foram considerados pilhadores de pólen e néctar, respectivamente. Essa classificação está relacionada com o contato observado entre o corpo do visitante e os órgãos reprodutores, no caso dos visitantes foi inexistente, devido à morfologia floral da espécie. As visitas dos beija-flores iniciaram às 6h15 minutos estendendo-se até as 16 horas, sendo mais frequentes no período da manhã, com intervalos de 15 a 20 minutos entre as visitas, totalizando uma média de 18 visitas por inflorescência. No turno da tarde, além de menos frequentes, os intervalos eram também maiores, variando entre 35 e 45 minutos, totalizando em média 10 visitas por inflorescência (PEREIRA; QUIRINO, 2008).

Figura 6. Visita de Chlorostilbon aureoventris às flores de Neoglaziovia variegata, na Fazenda Aragão, Campina Grande, PB. Foto: Pereira e Quirino, 2008.


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PROPAGAÇÃO O caroá se reproduz tanto por sementes quanto por brotações laterais ou rizomas, porém sua propagação é prioritariamente assexuada. A reprodução por meio de sementes raramente é observada nas condições naturais, porque os animais (bovinos, caprinos) destroem a maior parte das panículas logo no início da floração, posteriormente pássaros, saguis e outros pequenos animais devoram as bagas verdes e maduras, restando poucas sementes para a germinação. O caroá se propaga com maior facilidade por via vegetativa, uma vez que os rizomas ou brotos podem ser colhidos o ano todo. Devem ser selecionadas as brotações ou rizomas mais vigorosos e sadios e, no caso especifico das brotações, aquelas que ainda não tenham florado, que apresentem bom enraizamento e altura máxima de 40 cm. No caso dos rizomas, recomenda-se aparar a 2 ou 3 cm da base da planta. Além disso, a rebrotação do rizoma é terminal, raramente lateral, o que significa que a planta de caroá produz poucos indivíduos (ou rebentos; Figura 7). Observou-se também que a planta produtiva de caroá, de maior comprimento e melhor fibra, é obtida das caatingas densas (sombreados) quando em comparação com o caroá nascido em local descampado, portanto, não é recomendável a coleta desse último material (HENRIQUES, 1938).

Figura 7. Muda de caroá usada na propagação por via vegetativa. Foto: Vicente de Paula Queiroga.


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GERMINAÇÃO Para obter algumas sementes da planta de caroá, basta colocar sobre a panícula um saquinho de papel para proteger dos pássaros. Para melhorar a germinação é necessário efetuar a quebra de dormência, que pode ser: escarificacão mecânica do tegumento (aberto) da semente com a lima ou lixa; imersão das sementes em água a 80ºC (até que a água volte a temperatura ambiente); escarificacão química com ácido sulfúrico (HENRIQUES, 1938). O tempo médio de germinação das sementes de caroá, incubadas a 25ºC, é de 12 dias. Quanto maior a temperatura de incubação (30ºC), maior a velocidade de germinação (8 dias). A germinação deve ser feita, preferencialmente, em sementeira e quando as plantas formarem o primeiro par de folhas, devem ser transplantadas, individualmente, em sacos plásticos e transferidas para o viveiro. O plantio das mudas em campo deve ser realizado no início do inverno, em covas de 10 a 15 cm de profundidade. De acordo com a metodologia recomendada por Silveira (2009) para a produção de plantas em larga escala da espécie caroá, as sementes de frutos maduros e imaturos são desinfestadas e depois lavadas com água potável. Em seguida, sob condições assépticas, foram cultivadas em meio de cultura MS (MURASHIGE; SKOOG, 1962) na presença e ausência de luz, ambas em salas de crescimento com temperatura controlada (27 ± 1 ºC). As melhores porcentagens de germinação aos 60 dias, foram obtidas com sementes incubadas em presença de luz, resultando em taxas de germinação de 100% a 80% para sementes oriundas de frutos maduros e imaturos, respectivamente (Figura 8). Com relação aos cinco subcultivos estudados, a maior taxa de multiplicação foi obtida no tratamento ANA (0,5 μM) + BAP (4,4 μM) com a produção de 60,58 brotos/explante. Para o número de raízes, o meio suplementado com ANA (0,5 μM) + CIN (2,2 μM) apresentou uma média de 37,03 raiz/planta, valor significativamente superior aos demais tratamentos. O substrato Plantmax (T5) favoreceu o maior desenvolvimento dos brotos (35,59%) oriundos do meio enriquecido com BAP, enquanto o substrato Ecoterra (T2) promoveu maior crescimento das plantas oriundas do meio com CIN (37,72%) que apresentavam raízes.


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Figura 8. Detalhes do processo de micropropagação e aclimatização do caroá: A) Frutos na inflorescência; B) germinação após 60 dias de inoculação em meio de cultura; C) pequenas emissões de raízes originadas no meio de cultura com NAA (0,5 μM) + BAP (4,4 μM); d) plantas com 150 dias de aclimatação originadas do meio de cultura (Ecoterra). Fotos: Daniela Garcia Silveira (2009).

CULTIVARES Segundo Xavier (1982), nas caatingas pernambucanas foram encontradas 14 variedades de caroá, sendo algumas definidas pelos seus caracteres botânicos e hábitos vegetativos, as quais são identificadas empiricamente com os nomes de caroá rajado, amarelo, branco, roxo etc. Algumas de suas características morfológicas e tecnológicas foram assim definidas:

Caroá independência - As folhas apresentam coloração verde e amarela. É uma planta rara, porém considerada de melhor fibra pela Indústria de Caroá de Caruaru, PE.


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Caroá tricolor – A folha apresenta as cores verde, amarela e laranja. É uma variedade rara de ser encontrada e sua fibra foi considerada boa pela Indústria de Caroá de Caruaru, PE.

Caroá branco - Produz as melhores fibras, as quais são mais fáceis de branquear e de preparar pela Indústria de Caroá de Caruaru, PE, além de apresentar maior comprimento de fibra.

Caroá sempre-verde - As folhas apresentam coloração verde ou verde-escuro, enquanto a fibra foi considerada boa pela Indústria de Caroá de Caruaru, PE. É a variedade mais robusta em relação as demais, principalmente quando ela é encontrada em solos férteis e sob vegetação densa (sombreamento).

Caroá rajado - A folha apresenta partes verdes e outras claras, sendo os anéis ora mais largos ora mais estreitos e são abundantes. A fibra foi considerada regular pela Indústria de Caroá de Caruaru, PE. Caroá roxo-vinho – Essa variedade é de pequeno porte e sua fibra foi considerada inferior pela indústria, apesar de ser às vezes abundante. Caroá roxo cinzento – Ainda de fibra inferior e pequeno porte.

Na Estação Experimental de Pendência, no município de Soledade, PB, Henriques (1938) iniciou em 1934 a implantação de um campo de produção, em áreas isoladas, com 4 variedades de caroá: rajado, amarelo, branco e roxo. Naquela época, os técnicos chegaram a levantar algumas dúvidas de que tais materiais poderiam ser considerados simples variedades ou espécies distintas. Mas, quando se avaliou, no estádio de maturação, alguns exemplares floridos e colhidos no estado da Paraíba, pertencentes as variedades sempre-verde, rajado e roxo, Henriques (1938) observou que essa discrepância no material não vai além de variedades. O mesmo acrescenta que a espécie do caroá é variegata, permitindo, portanto, essa variação de coloração nas folhas, sendo que a insolação intensa, sem sombreamento, possa concorrer para modificar a sua coloração.


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Por outro lado, a ocorrência do caroá roxo é mais comum às margens das estradas e em lugares mais desabrigados.

CLIMA E SOLOS Todas as zonas de ocorrência do caroá, pertencem à extensa região nordestina de clima quente e seco. A temperatura média dessa região é, aproximadamente, de 26ºC à sombra. As máximas se elevam algumas, no verão, a 35ºC e, no inverno, as mínimas descem a 16ºC nos meses de maio e junho. Sua média pluvial, anual, não chega a atingir 600 mm. Por se tratar de uma planta xerófita, o caroá possui órgãos de defesa contra ao déficit hídrico. As suas folhas são providas de cutículas impermeabilizante que protege a planta contra evaporação intensa dos meses de verão. Durante a época das chuvas, o caroá armazena nas folhas e nos rizomas, água e outras substâncias nutritivas que constituem reservas de que a planta se utiliza nos períodos críticos, resistindo assim as adversidades climáticas, as quais caracterizam o bioma caatinga (HENRIQUES, 1938). Os solos mais comuns de sua ocorrência são: os Brunos não Cálcicos (pouco espessos e pedregosos) associados à Planossolos (FELICIANO; MÉLO, 2003), onde o clima é quente e seco com variações entre 26ºC e 35ºC. Por ser considerada uma planta que vegeta melhor à sombra, possivelmente tal sombreamento poderá influir nas qualidades das fibras, o que as tornam mais finas e macias e são mais aceitas pela indústria (HENRIQUES, 1938).

PREPARO DO SOLO E PLANTIO Além de ser cultivado em terreno destocado, arado e gradeado, o caroá também pode ser plantado no seu próprio habitat, tal como se acha presentemente na caatinga, o qual se denomina de plantio sombreado. O desenho de sua distribuição não deve seguir padrões geométricos, mas padrões biológicos irregulares, visando garantir na prática a sobrevivência de uma espécie no seu bioma natural pela dispersão de grandes números de sementes ou mudas. Além disso, o mecanismo darwiniano da luta pelo espaço vital se encarregará de manter vivos os melhores caroazais adaptados ao ambiente. Também o caroá se desenvolve bem e vantajosamente em áreas não sombreadas, quando são cultivadas, exemplo dos campos instalados na Estação Experimental de Pendência, em Soledade, PB e nos próprios campos onde a planta cresce


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espontaneamente. Seu preparo do solo pode resumir-se apenas no preparo de covas para plantio em clareiras ou junto a outras plantas nativas ou plantadas. Recomenda-se manter, ao lado do campo cultivado, o caroá espontâneo para fazer entre si uma validação comparativa (XAVIER, 1982). A época ideal de plantio poderá ser um pouco antes das chuvas ou no início das chuvas, de modo que não plantadas no final do inverno. Recomenda-se plantar em sulcos ou em covas de 10 a 15 cm de profundidade, colocando-se as mudas vigorosas em posição vertical e comprimindo-se bem a terra junto ao caule, para evitar que sejam abaladas pelo vento. Antes do plantio, aparam-se os rizomas a 2 a 3 cm da base da planta. (HENRIQUES, 1938). O plantio de sementes do caroá deverá ser realizado em sementeira para assegurar uma maior porcentagem de germinação e um desenvolvimento satisfatório de plântulas. Para se transformar em mudas de tamanho adequado para o plantio definitivo em campo, as plântulas são transplantadas para o viveiro, em espaçamento ordenado, visando controlar o desenvolvimento das plantas. Posteriormente, durante o início de inverno, quando têm alcançado o tamanho de 40 cm, as mudas são levadas para o seu plantio definitivo. Por outro lado, quando o caroá é transplantado, exige que a área em torno da planta seja mantida muita limpa, sem a competição de plantas daninhas (HENRIQUES, 1938).

PLANTIO SOMBREADO A cultura do caroá é ainda puramente extrativista e as reservas nativas poderão escassear para o futuro, ocasionando assim a falta de matéria prima para o abastecimento da grande indústria que poderá ser desenvolvida no país, fato provável que poderá suceder com os resultados obtidos no passado pela Fábrica Caroá de Caruaru, PE. Como medida de prevenção contra esse possível escasseamento das reservas nativas, está logicamente indicado o processo de multiplicação por meio do seu cultivo na própria caatinga e em todos os solos e clima onde a planta encontre condições propicias ao seu desenvolvimento e que não possam ser aproveitadas com culturas mais lucrativas (HENRIQUES, 1938). Das caatingas mais cerradas e menos visitadas pelo homem e pelo gado, onde há também mais sombra e maior riqueza em matéria orgânica, o caroá aparece mais desenvolvido e abundante, formando às vezes reboleiras impenetráveis. Embora a brotação dos rebentos se manifeste sempre com mais intensidade no início das chuvas,


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contata-se, em qualquer época, a emissão de rizomas, o que, ao lado de diversos fatores, de ordem agroclimática e genética, contribui para que os caroazais cresçam irregularmente, encontrando-se, por isso, plantas de todos os portes e em todas as fases de crescimento, em qualquer época do ano (XAVIER, 1982). O caroá vegeta melhor à sombra do que completamente exposto ao sol. Ou seja, nas zonas caroazeiras observou-se que as plantas mais abrigadas do sol apresentam maior crescimento do que aquelas que vegetam em terrenos descobertos. Embora a grande maioria das plantas se apresente normalmente desenvolvida, alcançando as folhas de 2 a 4 m de comprimento, mas há algumas completamente degeneradas e inaproveitáveis, visto possuírem apenas folhas atrofiadas ou rudimentares. A porcentagem desses indivíduos é, porém, relativamente insignificante (XAVIER, 1982). O caroá é uma espécie recomendada para sistema de exploração extrativista. Mesmo assim, convém cercar uma parte do terreno cobertos de caroá com todas as variedades existentes, por exemplo: 3 hectares, para garantir a produção de sementes e rebrotação de rebentos. Ao mesmo tempo, os três hectares poderão servir de base para esta e outras pesquisas (HENRIQUES, 1938). Portanto, qualquer estudo feito exclusivamente com o caroá cultivado em campo ou em estado de adaptação a outro meio, não poderá refletir o conhecimento exato de sua biologia. Nem tão pouco é possível tentar-se um reflorestamento que sirva ao caroá dentro de um ano. É uma situaçãoproblema a resolver, pois tudo dependerá de tempo e melhor conhecimento do ambiente (XAVIER, 1982). A planta de caroá de maior comprimento e de melhor fibra, certamente é o material colhido das caatingas mais densas. Enquanto a vegetação nativa, que serve de sombreamento, é formada pelas seguintes espécies: Baraúna (Schinopsis brasiliensis – Família Anacardiácea); angico (Piptadenia sp. – Leguminosa); aroeira (Astronium urundeuva – Anacardiácea); pereiro (Aspedosperma sp. – Apocinácea); catingueira (Ceasalpinia pyramidalis – Leguminosa); faveleira (Cnidoscolus sp. Euforbiácea); mororó (bauhinia sp – Leguminosa); jurema (Mimosa sp – Leguminosa); Umburana (Bursera sp – Burserácea); barriguda (Chorisia ventricosa – Bombacáceas), caldeiro ou mandacaru ( Cereus jamacaru – Cactáceas); facheiro (Cereus squamosos – Cactáceas). Existe também a vegetação associada ao caroá, porque está em parte reunida à vegetação mais baixa como: marmeleiro (Croton sp. – Euforbiácea); pinhão (Jatrofa sp. – Euforbiácea); urtiga branca ou cansanção (Cnidoslolus urens – Euforbiácea); palmatória


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ou quipá (Opuntia sp. Cactácea); xique-xique (Pilocereus setosus – Cactácea); coroa de frade (Melocactus sp. – Cactácea); macambira (Bromélia laciniosa – Bromeliáceas), etc. (XAVIER, 1982).

ESPAÇAMENTO Em ensaio realizado na Estação Experimental de Pendência em Soledade, PB, Henriques (1938) constatou que quanto mais denso for o caroazal, maior será o rendimento por unidade de superfície. O mesmo autor recomenda que no plantio do caroá deverá ser adotado um espaçamento de 40 cm entre fileira e de 30 cm entre plantas, de modo que no segundo e terceiro ano a rebrota dos rebentos seja capaz de cobrir inteiramente o terreno. Nas áreas plantadas com essas distâncias apresentaram no final do segundo ano já uma boa densidade e os tratos culturais puderam ser realizados sem grande dificuldade.

TRATOS CULTURAIS O caroá é uma planta rústica e pouco exigente de tratos culturais. Entretanto, a planta requer algumas capinas superficiais, que somente devem ser praticadas a enxada, a fim de evitar o quanto possível ferir e cortar os rizomas, sobretudo no período em que estão prestes a emergir do solo. Recomenda-se o revestimento de todo o terreno com uma camada de palha triturada (exemplo: bagana de carnaúba ou outros restos vegetais; Figura 9), após o plantio das mudas do caroá, desde que esse material seja abundante na região de plantio. Para torná-la eficiente como cobertura morta, tal revestimento do solo terá que ser repetido por mais de duas vezes apenas no período de inverno dos dois primeiros anos, em razão da palha triturada com 3 cm de comprimento apresentar maior facilidade ao processo de decomposição do que as palhas adultas inteiras (GOMES, 1945). No caso de não haver grande disponibilidade de bagana ao alcance do produtor, recomenda-se distribuí-la apenas sobre as linhas de plantio do caroá, a qual deverá ser plantado as mudas no espaçamento de 40 cm x 30 cm, deixando a carroça seguir a distribuição de piquetes, usando-os como guia ao longo de cada linha de plantio. Outra situação seria usar o espalhamento das folhas trituradas num raio de 0,2 m ao redor da muda do caroá, de modo a manter essa área do coroamento sempre revestida com bagana, principalmente nos meses de chuva. Esse manejo simples com a cobertura morta dispensa a capina manual


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(enxada) no controle das plantas daninhas, o que implica menos custos de mão-de-obra em tratos culturais no caroazal.

Figura 9. A cobertura morta do terreno com bagana de carnaúba para controlar a incidência de ervas daninhas na área cultivada com milho. Foto: Vicente de Paula Queiroga.

PRAGAS E DOENÇAS Na literatura especializada não foi registrado qualquer tipo de ocorrência de pragas (insetos) na espécie do caroá, apesar de ter sido cultivado 40 mil mudas de 4 variedades na Estação Experimental de Pendência, em Soledade, PB. Apenas foram constatados nos períodos de seca, os danos causados nos rizomas e nos rebentos novos por roedores como o preá (Cavea aperea), o qual é abundante na caatinga. Há também relatos de que os porcos selvagens e mesmo os domésticos, danificam os rizomas no período das secas (HENRIQUES, 1938). Por outro lado, Henriques (1938) verificou o ataque de fungo no caroá por aparecer algumas vezes pequenas manchas escuras, como pontos queimados, na parte dorsal das folhas. Tal infestação é considerada insignificante para planta já que não chega a comprometer seu crescimento e nem a qualidade das fibras. De modo geral, o mesmo autor conclui que é bom o estado sanitário dos caroazais nativos.


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COLHEITA DAS FOLHAS O caroá é encontrado em locais denominados caroazais e sua colheita oferece dificuldades devido à presença de espinhos ao longo das folhas e da constante proximidade das outras vegetações da caatinga. O sistema de manejo proposto pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA, 2012) envolve a demarcação das áreas de manejo em parcelas estratificadas que permitam ao produtor revezar ou estabelecer rodízios para as áreas de cada coleta (anual) permitindo a recuperação das plantas. Seria o estabelecimento de um tipo de ciclo de coleta anual. Além de realizar um ciclo de coleta de dois anos para cada área de coleta ou subunidade, sendo o tempo necessário para que a planta possa se recuperar. Também recomenda-se coletar as folhas apenas na estação chuvosa e não arrancar as inflorescências e o “olho” da planta. É importante observar também as questões de segurança dos coletores, sendo fundamental o uso de equipamentos de proteção individual (EPI), principalmente aqueles que auxiliam na prevenção de acidentes com plantas espinhosas ou animais peçonhentos, como luvas, botas, roupas adequadas (calça, camisa de manga longa), perneiras, chapéus e óculos de proteção. Atualmente a colheita têm adotado a prática de arrancar as folhas, apenas duas folhas intermediárias por planta (Figura 10), permitindo assim a rebrota das plantas. A época de colheita dura entre 6 a 7 meses, sempre no período do inverno. Quando a coleta das folhas ocorre na estação seca, a planta não rebrota, além disso, a fibra da folha seca não apresenta a mesma qualidade em comparação a extraída da folha suculenta (HENRIQUES, 1938).

Figura 10. Comprimento das folhas e o arranquio manual de duas folhas extremas da planta de caroá, mantendo a folha de olho (central) com sua inflorescência. Fotos: Vicente de Paula Queiroga.


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Outro aspecto importante é que a rebrota do rizoma é terminal, raramente lateral, o que significa que a planta de caroá produz poucos indivíduos (ou rebentos). Observouse também que a planta produtiva de caroá, de maior comprimento e melhor fibra, é obtida das caatingas densas (sombreados) quando em comparação com o caroá nascido em local descampado, portanto, não é recomendável a coleta desse último material (HENRIQUES, 1938). Xavier (1982) recomenda que a colheita ou coleta das folhas sejam realizadas em qualquer época do ano, mas que no verão é a melhor época em razão do definhamento da planta pela perda de umidade de reserva. A folha torna-se menos pesada e, portanto, é mais econômico para o transporte entre o campo e empresa de desfibramento que se instala na região. Além do máximo rendimento de fibra das folhas coletadas no período de verão, a colheita do caroá realizada no inverno seria mais prejudicial, porque coincide com a época de brotação intensa dos rizomas, então as pisadas dos coletores danificariam as plantinhas em crescimento. Quando a operação de colheita manual é feita puxando as duas folhas extremas da planta de caroá (não cortando), existe o risco de que a terra úmida pode não fixar a planta como sucede na época seca, então qualquer movimento para retirada dessas folhas provoca o arranchamento de toda a planta, inclusive dos brotos. No caso de efetuar o corte das folhas, os brotos ficam intactos. Em experimentos realizados no município de Sertânia-PE foi possível identificar que o corte, tanto feito a 20 cm como 10 cm do solo, não estimulou a rebrota e a reprodução das plantas, provavelmente tal recuperação dependerá da ocorrência de chuvas logo após o corte do caroá (MAPA, 2012). No caso de efetuar à colheita no período de inverno, é difícil conciliar as exigências das indústrias e as argumentações da nova brotação da colheita de inverno defendidas pelo MAPA (2012). A colheita deve ser realizada logo que as folhas tenham bom desenvolvimento, antes da floração, porque se forem colhidas mais velha, as fibras se tornam mais grossas e ásperas. Enquanto o corte de folhas muito novas, suas fibras são mais finas e pouco resistentes. Ao aplicar o corte com a foice pequena de cabo curto (Figura 11), a brotação ocorrerá em 25 dias, mas se as folhas forem arrancadas manualmente (com luvas), sua brotação será entre 17 a 19 dias (XAVIER, 1982).


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Figura 11. Instrumento de corte das folhas da planta do caroá (A; B; C) entre 10 a 20 cm acima do solo com eliminação da parte aérea (D), praticado pelos coletores na região de Olivedos. Fotos: Vicente de Paula Queiroga.

Após um ano, o caroá atinge a fase adulta. Nas proximidades da fábrica, é organizado em feixes em pontos estratégicos para facilitar o transporte. O caroá extraído por operários da região é transportado por caminhão, até a fábrica (Figura 12).

Figura 12. Feixes de caroá coletados são acumulados na margem da estrada para o transporte por caminhão até a usina de beneficiamento. Fotos: Marconi Luiz França (2012).

DESFIBRAMENTO DAS FOLHAS Os primeiros trabalhos praticados no sertão nordestino com o caroá, usava-se uma operação rudimentar de esmagamento das folhas para obtenção da sua fibra com auxílio de uma pedra lisa. Também empregava outro sistema de desfibrar, deixando as folhas dessa bromeliácea de molho de quatro a sete dias e fazendo, depois, a "batedura" contra um lajedo ou um tronco de madeira sólida. Em seguida, outro banho e nova batedura até


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se desprender toda a polpa da planta, ficando somente as fibras de caroá. É possível mencionar ainda a primitiva maneira de obter a fibra por meio da raspagem da folha. Todos esses métodos já eram conhecidos por parte dos indígenas, principalmente a raspagem, que apesar de muito rudimentar atendia ao objetivo (STRAUCH, 1966). Uma pequena máquina desfibradora manual encontra-se em exposição no Arraial Sítio São João, em Campina Grande, PB (Figura 13). Devido ao funcionamento simples, o que permite seu uso por qualquer coletor de caroá. A máquina é composta por uma guilhotina com duas lâminas de ferro, montadas entre duas estacas. As lâminas posicionadas horizontalmente são mantidas fechadas pela pressão exercida na corda com o peso da pedra. A lâmina inferior é fixa e para abrir a outra lâmina, que é móvel, o desfibrador pisa na extremidade da vara suspensa do solo e introduz a folha do caroá entre as lâminas, e ao soltar o pé sobre a vara, a guilhotina volta a ser fechada. Em seguida, o operário puxa a folha para realizar o processo de desfibramento.

Figura 13. Desfibrador manual de folhas de caroá. Fotos: Vicente de Paula Queiroga. O processo de beneficiamento da fibra de caroá na indústria Fibranatu em Olivedos, PB consiste, inicialmente, em passar a folha hidratada (verde) de caroá por uma desfibradora, equipamento cuja função é separar a polpa das fibras, mediante a raspagem mecânica. Esse processo expõe as fibras da folha do caroá e deve ser efetuado no tempo de 12 a 24 horas após sua colheita em campo (Figura 14). A indústria processa aproximadamente 15 toneladas de fibra de caroá por semana, visando suprir a demanda da indústria automobilística e fábricas de tecelagem do sul do país (FRANÇA, 2012).


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Figura 14. Setor de desfibramento das folhas de caroá da usina de beneficiamento da empresa Fibranatu, Olivedos, PB e a operação de processamento realizada no tempo máximo de 24 h após coleta. Fotos: Marconi Luiz França e Daniel Duarte Pereira (2012).

O homem que trabalha na máquina chama-se desfibrador. Com luvas de couro ou da própria fibra ele coloca duas ou três folhas entre os rolos segurando uma das extremidades com firmeza. As folhas são em seguida puxadas e repete-se a operação, desta vez pela outra extremidade do caroá. De tal maneira que terminada, resta somente um feixe de fibras esbranquiçadas. Quando o operário tem experiência, tal operação não dura mais de dez segundos. O processo desfibramento pode não processar ou processar parcialmente algumas folhas de caroá; essas folhas são reprocessadas por uma moenda,


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visando recuperar tais “sobras. Essa máquina desfibradora das sobras das fibras é composta de dois rolos estreitos dentados e bem ajustados (Figura 15). Um eixo central, comum a toda a máquina que está ligada ao motor elétrico por uma correia (FRANÇA, 2012).

Figura 15. Máquina desfibradora da polpa (sobras aderidas as fibras) formada por três eixos, sendo 2 rolos dentados e um rolo central comum que se movimenta por estar ligado ao motor elétrico por uma correia. Foto: Daniel Duarte Pereira, José Adelino e Marconi Luiz França (2012).

A máquina desfibradora de folhas de abacaxi, desenvolvida no Laboratório de Mecânica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), consiste de uma estrutura metálica com cantoneiras e barras de aço protegidas com chapas de alumínio, a qual pode ser adaptada para o desfibramento das folhas de caroá. O equipamento é provido de um cilindro rotor, montado num eixo apoiado em mancais de rolamento e ligado a um eixo de um motor elétrico (Figura 16). Toda essa estrutura é protegida por chapa de alumínio, evitando assim acidente de trabalho na mão do operador e também com chapas de proteção para as polias e correia. À medida que o rotor gira na rotação de 800 rpm, as folhas são colocadas e retiradas manualmente em uma abertura protegida, sendo uma folha de cada vez. Há um espaço de 0,4 mm entre as lâminas móveis e uma lâmina fixa na base da máquina, de modo a criar uma ação simultânea de esmagamento, batimento e raspagem, onde a polpa do material é removida e as fibras são separadas. Após o desfibramento, as folhas são colocadas para a secagem ao sol, em seguida são “penteadas” com cardas manuais e, finalmente, estão prontas para uso (ALEXANDRE et al., 2010).


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Figura 16. Processo de desfibramento mecânico com rotor que pode ser adaptado para folhas de caroá, desenvolvido no IFPB. Fotos: Arquivo do IFPB.

APROVEITAMENTO DA MUCILAGEM Poucos são os produtores que aproveitam os resíduos do desfibramento para recompor parte da fertilidade de suas lavouras ou como alimento para ruminantes. Quando utilizados como adubo, os resíduos são distribuídos entre as fileiras de várias culturas para depois serem espalhados em toda a área. Frequentemente, observam-se bovinos, ovinos e caprinos alimentando-se dos resíduos frescos do desfibramento, mas, quando utilizado in natura, esse alimento pode ocasionar problemas aos animais, pela presença de uma grande quantidade de fibra (bucha) e suco (seiva). A separação da bucha da mucilagem poderá ser realizada por meio de peneira ou gaiola rotativa, desenvolvido pela Embrapa Algodão (Figura 17). O equipamento deverá ser instalado próximo à máquina desfibradora para aproveitar todo o resíduo produzido no processo de desfibramento (SUINAGA et al., 2005).

Figura 17. Peneira rotativa usada para a separação da mucilagem (alimentação animal) das fibras curtas (bucha). Foto: Odilon Reny Ribeiro Ferreira da Silva.


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SECAGEM DAS FIBRAS Depois de desfibrado (ou desidratado), as fibras do caroá são colocadas para secar em estaleiros ao ar livre (Figura 18). Os estaleiros são fileiras de arame bem estendido com a altura entre 1 a 1,5 m. Bem espaçados, estão classificados de forma a ser possível diferenciar as fibras postas a secar em determinado dia. O outro método de secagem a lastro consiste em espalhar as fibras em chão batido, lona plástica ou quadra cimentada. No sistema de secagem a céu aberto é necessário manter a vigilância para o seu recolhimento em caso de chuvas ocasionais.

Figura 18. Fibra extraída das folhas de caroá em estaleiro e em lastro espalhado em chão batido. Fotos: Múcio Marcos Silva Nóbrega, 2007(A); Arquivo da Fábrica Caroá (B), Caruaru, PE; Marconi Luiz França (2012; C). Em poucos dias (em até quatro dias), as fibras já secas são retiradas para serem catadas. Essa parte é feita quase sempre fora da usina, nas casas dos operários, uma vez que são as mulheres que se ocupam de tal atividade. Os fios maiores são separados dos menores e o resíduo resultante poderá ser destinado à fabricação de estopas e outros produtos (STRAUCH, 1966).

LIMPEZA E ENFARDAMENTO DAS FIBRA A limpeza da fibra desidratada é feita em duas etapas: tesouramento e batimento (Figuras 19 e 20). O tesouramento limpa a fibra do tecido parenquimatoso aderido aos feixes fibrosos, também chamado pó. Enquanto o batimento é o último estágio de beneficiamento da fibra de caroá; basicamente, consiste em uma máquina tubular que funciona girando um eixo central com hastes de aço, em todas as direções, que tem a função de revirar a fibra enquanto os resíduos menores são separados por uma tela de aço. A fibra beneficiada é enfardada em fardos de 100 kg e estocada em galpões (Figura 21) (FRANÇA, 2012). O rendimento de fibra pode variar desde 5 a 10%, dependendo do desempenho da máquina desfibradeira e da variedade beneficiada de caroá. Contudo,


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empresas relatam que é possível alcançar rendimento em torno de 7,3%, ou 73kg de fibra para cada tonelada de folhas beneficiadas.

Figura 19. Setor de tesouramento das fibras de caroá. Fotos: Marconi Luiz França (2012).

Figura 20. Setor do batedor de fibra de caroá (B). Fotos: Daniel Duarte Pereira e Marconi Luiz França (2012).


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Figura 21. Setor de enfardamento de fibra de caroá na prensa hidráulica e de armazenamento temporário. Fotos: Marconi Luiz França e Daniel Duarte Pereira (2012).

Um dos atributos que define a qualidade das fibras é o grau de umidade. A umidade produz o mofo e escure a fibra. Assim, durante o transporte e armazenagem, o manuseio deve ser cuidadoso para mantê-las arejadas e longe de fontes de umidade. Quando a fibra do caroá se destina ao artesanato, as folhas são amarradas em feixes (em média doze folhas por feixe) e levadas para um local protegido onde é feita a retirada dos espinhos. Após esse processo, as fibras são colocadas em sacos e levadas para o local onde será feita a secagem, normalmente na casa do extrativista.


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A recomendação técnica do MAPA (2012) é de que sejam armazenadas todas as fibras para possibilitar o atendimento da demanda anual da indústria fibrosa, considerando também que a época mais recomendada para coleta das folhas é o período chuvoso, por permitir o rebrotamento da planta cortada. Logo, torna-se necessário estocar a fibra para atender as demandas de mercado. Ao contrário, a empresa Fibranatu de Campina Grande prefere beneficiar as folhas secas coletadas no verão e não no inverno, sendo que as folhas de melhor desempenho no beneficiamento são as provenientes das variedades verde e roxa, apesar de existir na região do Cariri Paraibano mais de 11 variedades (HENRIQUES, 1938; FRANÇA, 2012). Enquanto o beneficiamento da folha do caroá para produção de polpa (destinada à fabricação de papel) tem as mesmas etapas, sendo que, após a retirada dos espinhos ainda na área de coleta, as folhas são picotadas. Após picotar as folhas, o material é colocado em sacos e levado para a associação. Em seguida inicia-se o processo de produção do papel.

HISTÓRICO SOBRE O CAROÁ Exploração rústica da fibra Em toda cadeia produtiva de caroazeira, surgiu no início de sua exploração da região Nordeste, numerosas e pequenas unidades rudimentares de desfibramento de fibra, construídos de madeiras e constituídas de duas peças de metal, tipo guilhotina, quase sempre mal aparelhadas, que articuladas, formam uma engrenagem de fácil funcionamento e manejo. Nessas unidades de fundo de quintal, os sertanejos fabricavam cordas finas e grossas de vários tamanhos de comprimento, utilizando para isso fibras (embiras ou tiras) de caroá. Em geral, os produtos gerados dessa microindústria eram grosseiros e poucos duráveis, em virtude da qualidade da matéria-prima, a qual era empregada sem o tratamento indispensável à eliminação das substâncias gomosas, mucilaginosas etc. Tais substâncias envolvem as fibras, conservando-as aglutinadas, em forma de fita, e tornandoas ásperas e impróprias ao fabrico de artigos de boa qualidade. Apesar de tudo, essas substâncias aglutinantes absorvem e retêm muita umidade, que concorre para o desenvolvimento de mofos prejudiciais à durabilidade e ao aspecto dos produtos. Além das cordas, fabricavam outros produtos para o mercado local, tais como: esteiras para montaria, espanadores, chapéus, sacos etc. Esses artigos, como também para certos tipos


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de corda, eles usavam o processo de bater e lavar o caroá, obtendo-se assim fibras mais limpas e macias. A maior atividade dessa pequena indústria sucedia nos períodos de seca, quando a população de nordestino desocupada, busca, fugindo do martírio da crise, um meio de subsistência qualquer, entregando-se então à exploração do caroá (HENRIQUES, 1938). Por outro lado, todas as tentativas em torno da industrialização do caroá, realizadas até 1933, foram consideradas frustrantes, mas uma das principais causas que determinou o seu insucesso tem sido a inexistência de máquina apropriada de desfibramento das folhas e de fabricação de cordas (Figura 22), além do desconhecimento de processos rápidos e econômicos de preparo das fibras em comparação aos eficientes equipamentos utilizados pela firma José de Vasconcelos da Fábrica Caroá.

Figura 22. Processo rudimentar de desfibramento de folhas do caroá e fabricação de cordas. Foto: Ney Strauch (1966). A máquina rudimentar de fiar fibras de caroá para confecção de barbantes e fios para uso em cordas e peças de artesanato. De construção simples, usa roda de bicicleta, cantoneira “L” e peças torneadas de madeira. Pioneirismo da “Fábrica Caroá” A criação e fundação da promissora indústria do caroá na cidade de Caruaru, PE, em 1935, deve-se ao espirito empreendedor e patriótico do Sr. Francisco de Vasconcelos, que não se deixando vencer pelos insucessos de suas primeiras tentativas e do pessimismo daqueles que descreiam do êxito de qualquer empreendimento puramente nacional, persistiu na execução de seus importantes projetos, levando-os ao termo de suas aspirações. De posse de abundante matéria-prima, recentemente colhida e acondicionada


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em frigoríficos, para que conservasse verde e com suas qualidades inalteradas, o mesmo embarcou para a Inglaterra, visando realizar os estudos de pesquisa junto com os engenheiros ingleses especializados dos fabricantes: James Mackie & Sons Ltd, James F. Low & Co Ltd e Leesona Corporation para o desenvolvimento de toda a maquinaria necessária ao desfibramento, preparo e fiação do caroá, cujos produtos magníficos obtidos na sua fábrica estavam rivalizando com os melhores similares importados de cânhamo (HENRIQUES, 1938). Inaugurada em 9 de setembro de 1935, o empresário José de Vasconcelos tornouse o pioneiro no aproveitamento e na industrialização do caroá em Caruaru (Figura 23). Além de iniciar seu funcionamento com 200 empregados, onde três turnos de operários se revezavam numa jornada de 24 h de trabalho, também a exploração do corte das folhas do caroá pelo sistema extrativismo teve grande importância socioeconômica para a população da região por gerar renda e mão-de-obra no meio rural. Sua indústria fabricava barbantes, cordões, sacos e estopas.

Figura 23. Vista aérea da Fábrica Caroá em Caruaru, PE. Fonte: Josabel Barreto Marques (2012). Essa fábrica continuou sob a direção da família Vasconcelos até o ano de 1956, quando foi vendida pelos herdeiros para a Companhia Industrial de Caruaru. Em 1978, a grande indústria, após sucessivas crises, encerrou em definitivo suas atividades e a área onde estava situada passou para o município em 1986. Criou-se, então, no local, o Espaço Cultural Tancredo Neves e o Pátio de Eventos, onde se realizam festividades as mais diversas.


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Para a fase inicial da implantação da Fábrica Caroá, quarenta e duas máquinas de fiação e cordoaria foram importadas da Inglaterra. Com o sucesso do empreendimento, a fábrica passou a usar também fibra extraída do ramí, procedente do sul do país, e as de juta e malva, ambas da região norte, bem como a fibra da macambira, a título de pesquisa (Figura 24). Apesar de funcionar à noite, o caroá desfibrado não era ainda suficiente para suprir o potencial de consumo da fábrica, a qual tinha uma capacidade de 20 toneladas por semana.

Figura 24. Além da fibra do caroá, a Fábrica Caroá de Caruaru, PE trabalhava com fibra de rami, juta e malva. Foto: Vicente de Paula Queiroga Mesmo naquela época, tem sido registrado documental de que haviam poucas máquinas de desfibramento na região de ocorrência do caroá e que esse processo era bastante moroso por se tratar de máquinas rústicas ou de métodos manuais, esmagando as folhas com uma pedra lisa. Consequentemente, existia a preocupação de aumentar a eficiência das máquinas desfribadoras (rapidez operacional), desde que não cortasse e dilacerasse as fibras. Além da fábrica industrial do caroá em Caruarú, PE, a empresa possuia fazendas com plantio de caroá no município de Custódia. Entre elas existia a fazenda São Gonçalo, que centralizava a usina de beneficiamento das folhas cortadas do caroá (PEREIRA; TEIXEIRA, 2011). A ideia da empresa de montar sua própria unidade de desfribramento


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do caroá na fazenda São Gonçalo era para atender sua capacidade ociosa de consumo por matéria-prima.

Etapas de Colheita e Preparação das Folhas Na Fábrica Caroá havia uma divisão do trabalho, a produção seguia etapas, passando pelo trabalho manual e pelas máquinas até a finalização do produto primário. O trabalho começava pela colheita da folha do caroá, passando pelo transporte até a fábrica, quando então começava a chamada “preparação”. A folha do caroá tinha que ter um comprimento ideal, não poderia ser muito longa e nem curta demais, pois as folhas mais longas tem maior facilidade de se partirem no momento do desfibramento na máquina. O transporte das folhas de caroá era feito por caminhões durante o verão (de maiores distâncias) e no inverno (de lugares mais próximos). Durante o inverno, o transporte de locais onde o caminhão não podia chegar era reforçado por jumentos e por carro de boi.

Desfibramento das Folhas A Fábrica Caroá possui duas grandes usinas desfibradoras, sendo uma na Fazenda São Gonçalo, no município de Custódia, PE (Figura 25) e a outra unidade em São José do Belmonte, PE. Outras usinas foram distribuídas por todo o sertão do Nordeste, principalmente no oeste do estado de Pernambuco, que foi aliás o pioneiro da indústria do caroá. Vale destacar que cada usina tinha de três até nove ou dez máquinas desfibradoras, dependendo das condições financeiras de seus proprietários, das reservas de caroá na zona de exploração e da concorrência de outras desfibradoras nas proximidades. É interessante assinalar que as grandes usinas desfibradoras daquela época estavam sempre instaladas em condições privilegiadas, pois conheciam o potencial de ocorrência por município dessa espécie, mas também para sua localização de modo a ser explorado economicamente com vantagem (HENRIQUES, 1938; STRAUCH, 1966).


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Figura 25. Unidade de desfibramento de folhas do caroá na fazenda São Gonçalo em Custódia, PE, pertencente à família Vasconcelos e dono da Fábrica Caroá de Caruaru, PE. Fotos: João Henriques (1938). Após a etapa de colheita, a folha do caroá era desfibrada. Uma boa parte do desfibramento era feito nas fazendas onde efetuava a colheita, depois a fibra era exposta ao sol para secagem. A Figura 26, apresentam as mulheres realizando o desfibramento das folhas do caroá na fazenda São Gonçalo, de propriedade da família Vasconcellos. Seu salário na época correspondia a metade do valor pago ao homem (HENRIQUES, 1938; STRAUCH, 1966).

. Figura 26. Na fazenda São Gonçalo em Custódia, PE, as mulheres efetuavam o desfibramento das folhas do caroá.


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A unidade de desfibramento era formada por construções de tijolos, onde eram instaladas as máquinas desfibradoras movida quase sempre a vapor, as prensas enfardadeiras de fibra e os arames de secagem, localizado ao ar livre, nos fundos ou ao lado das construções. Essas máquinas desfibradoras da fazenda São Gonçalo serviam para desfibrar as folhas de caroá, as quais eram compostas de dois rolos estreitos dentados e bem ajustados. Um eixo central, comum a todas as máquinas, estava ligado ao motor por uma correia (STRAUCH, 1966). Com luvas de couro ou da própria fibra, cada mulher colocava duas a três folhas entre os rolos segurando uma das extremidades com firmeza. As folhas eram em seguidas puxadas e repetia-se a operação, dessa vez pela outra extremidade do caroá. Ao terminar esse beneficiamento, restava somente um feixe de fibras esbranquiçadas. Tal operação não durava mais de que dez segundos, quando se tratava de uma operária experiente. Uma vez desfibrado, as fibras eram estendidas em fileiras de arame (ou cordões) com altura de um metro e meio para secagem pelo tempo máximo de até 4 dias (STRAUCH, 1966). Ao fim de alguns dias, nunca menos de quatro, as fibras já secas eram retiradas para serem catadas. Essa parte era feita quase sempre fora da usina, nas casas dos operários, uma vez que eram as mulheres que se ocupavam de tal mister. Essa era uma operação penosa que necessitava de grande paciência. Eram separados os fios maiores dos menores, assim como era deixada de lado uma parte imprestável para as fábricas de tecidos ou cordoarias. Essa parte inferior era usada na fabricação de estopas e outros produtos grosseiros. Depois de catado, o caroá retornava à usina para a operação final que era a de "prensar" as fibras em fardos de sessenta quilos ou em arrobas de quinze (STRAUCH, 1966).

PREPARAÇÃO DAS FIBRAS A primeira etapa do beneficiamento do caroá é o processo de desfibramento da folha em pequenas máquinas com capacidade de produzir 3 kg de fibra/hora. Esse processo consiste na eliminação da polpa das fibras mediante a raspagem mecânica da folha, através de rotores raspadores acionados por um motor diesel responsável por desintegrar toda a folha, exceto a sua porção fibrosa (extremamente lignificada), que constitui a parte comercial do caroá. Uma vez secadas, as fibras são transportadas por caminhão para única fábrica de Caruaru, PE, especializada na exploração do caroá.


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A fábrica compõe-se de uma séria de máquinas apropriadas ao preparo final das fibras e a todas as operações que se seguem até a embalagem dos produtos. Ou seja, antes da fiação, as fibras são tratadas por processos mecânicos e químicos, a fim de separar das substâncias gomosas e mucilaginosas que escaparam à ação das máquinas desfibradoras e que as conservam aglutinadas, deixando-as soltas, limpas, macias e flexíveis, em estado final de acabamento de serem fiadas. A fabricação de fios é precedida por quatro grupos de operações básicas, iniciando-se pela Seção de Abridores e Batedores, onde é feita a abertura dos fardos e limpeza preliminar do caroá. Nas batedeiras ocorre a etapa de batimento das fibras, para a remoção do pó que as envolve (Figura 27). Cada batedeira ocupa dois homens e a produtividade é estimada de 15 toneladas/homem/ semana. Após essas operações, são as fibras cortadas e levadas as penteadeiras, cardas, estiradeiras e maçaroqueiras, seguindose a fiação (HENRIQUES, 1938). Na Figura 28, verifica-se o fluxograma do processo de produção utilizado na industrialização do caroá desde a entrada do fardo de fibra até a embalagem dos produtos.

Figura 27. Setor de beneficiamento da fibra vegetal: batedeira.


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FIBRAS EM FARDO BATEDORES AMACIADORES EMULCIONADORES CORTADEIRAS

CARDAS

PANTEADEIRAS

ESTIRADEIRAS

ESTIRADEIRAS

MAÇOROQUEIRAS

MAÇOROQUEIRAS

FIADEIRAS FIADEIRAS ENCRUZADEIRAS

ENCRUZADEIRAS

RETORCEDEIRAS

RETORCEDEIRAS CALANDRAS

FIO DE VELA

BARBANTES

FIO DE VELA, CABINHOS, CORDEIS, ETC.

CALANDRAS

BARBANTES

Figura 28. Fluxograma do processo de produção utilizado na industrialização do caroá desde o fardo de fibra até o setor de embalagem. Fonte: Engº Agrônomo João Henriques (1938). A primeira máquina do setor de preparação, pela qual as fibras (caroá) passavam, era o amaciador (Figura 29). As fibras eram colocadas em tal máquina para tornarem-se mais macias e limpas, tirando as impurezas, como cascas e areias. Tal procedimento facilitava os processos seguintes, para cuja execução era preciso que as fibras estivessem livres de qualquer outro resíduo.


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Figura 29. A) Preparação das fibras caroá para o processo de amaciamento na fábrica de Caruaru, PE e B) Máquina amaciadora de fibras vegetais na indústria de fibra de juta. Fotos: João Henriques e Daniela Rebelo Monte Tristan

FIAÇÃO DO CAROÁ Uma vez cortadas as fibras, a seguir um detalhamento da função de cada máquina mecânica por onde passa a fibra na Fábrica Caroá em Caruaru, PE para a confecção de vários produtos: Cardas – As fibras de caroá eram levadas para as linhas de cardas na Fábrica Caroá. Em tal seção, encontravam-se cinco máquinas cardas de três tipos distintos. As máquinas eram a carda grossa, onde entrava a fibra bruta, e a carda fina, que recebia a fibra que saia da carda grossa (Figura 30). A diferença entre as duas estava apenas nos tipos de agulhas, pois o procedimento realizado em ambas era o mesmo: o penteamento da fibra. Na sequência, vinha a última carda de 3 fitas, que dava o acabamento final. À medida que a fibra passava pelas máquinas sistematicamente ia ficando mais afinada (TRISTAN, 2016).


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Figura 30. Detalhe da manta de fibra do caroĂĄ beneficiada nas cardas grossa e fina para se transformar em fita de carda. Fotos: Jair Rodrigues Lima e Daniela Rebelo Monte Tristan.


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Como a estiradeira, as cardas tinham várias agulhas de aço, que destrinçavam a fibra. Além da limpeza, a passagem por essas cardas dava início ao processo de paralelismo e estiragem às fibras, que assim ganhavam maior uniformidade e propiciavam a obtenção de uma mecha de fibra. Seu principal objetivo consiste em separar as fibras umas das outras, liberando-as das impurezas que ainda possam estar na matéria-prima por permitir sua abertura. Antigamente a cardagem era feita manualmente com um par de pequenas escovas ou cardas. O produto de entrada é a manta e o produto de saída é a fita de carda (PEREIRA, 2009; SOUZA, 2009). Estiradeiras (ou Passadores) - A mecha da carda recebe uma estiragem para homogeneização da qualidade das fibras, cujo processo é conduzido na estiradeira por cilindros. Sua função é efetuar a mistura de várias fitas de carda para obtenção de uma nova. Isso é realizado com a passagem das várias fitas (4, 8 ou 16) por um sistema de junção, com posterior estiramento e torção, para obtenção de fitas com melhor uniformidade (Figura 31). A fibra é conduzida por uma série de máquinas (passadeiras) com agulhamentos de diâmetros diferentes, de forma a afiná-la progressivamente, até que a mesma esteja com a espessura desejada para o fio. As máquinas têm produtividade de 12 ton/8 horas (PEREIRA, 2009; SOUZA, 2009).


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Figura 31. A) Aspecto interno da Fábrica Caroá, vendo-se no primeiro plano as máquinas estiradeiras e no segundo plano uma penteadeira e B-C) Detalhe da passadeira para formação de fitas mais finas e regulares na indústria de sisal. Fotos: João Henriques e Odilon Reny R. F. Silva


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Penteadeira - É denominado fio penteado aquele que é submetido a um processo mecânico de segregação das fibras curtas, realizado por um equipamento conhecido como penteadeira. Isto é feito através de um processo de penteação, onde os pentes retêm as fibras curtas que são segregadas (Figura 32). As fibras longas remanescentes, por sua vez, são novamente transformadas em fitas. A penteadeira tem como objetivo uniformizar o comprimento das fibras, eliminando todas aquelas que não atinjam o comprimento adequado para obter fios finos e de boa qualidade. O desperdício obtido na penteadeira, isto é, o percentual de fibras mais curtas, são ainda utilizadas por uma mistura com a matéria que alimenta os batedores, para obter fios de menor qualidade e mais grossos. A máquina penteadeira chegou a funcionar na Fábrica Caroá para produzir o brim, mas o produto resultante não foi bem-sucedido (PEREIRA, 2009; SOUZA, 2009).

Figura 32. Detalhe da penteadeira E 05/07 em uma indústria de algodão. Foto: Arquivo do fabricante Rieter Machine Works, Suiça.

Maçaroqueira - Sua principal função é reduzir a embalagem de material, ou seja, transforma a fita que está depositada em recipiente denominado lata em pavio, formando a maçaroca, o qual irá alimentar o filatório a anel ou filatório do sistema penteado, iniciando o processo de afinamento do material. Ou seja, as maçaroqueiras transformam as fitas em fios, ainda de grandes dimensões, chamados pavios. Essa transformação das fitas em pavios se dá por estiramento e torção, cujo processo é totalmente mecânico (Figura 33; PEREIRA, 2009; SOUZA, 2009). Há registro da utilização dessa máquina


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maçaroqueira na industrialização do caroá, segundo o fluxograma do seu processo de produção elaborado por Henriques (1938; Figura 28).

Figura 33. Detalhes da maçaroqueira em uma indústria de algodão (Fotos A e B) e do fuso filatório de anéis (Foto: C). Fotos: Flávio Avanci de Souza e Gislaine de Souza Pereira.

Na Figura 33 (C) é possível observar o mecanismo do fio em um filatório a anel, onde o fuso (1) é acionado por meio de uma correia, projetando-se para cima através do porta anéis (2) no qual se encontra fixo o anel (3). A canela (4) que tem um formato de um tubo é montada no fuso de modo a girar com ele, podendo, entretanto, ser facilmente removida para descarregar. Na borda do anel fica um viajante (5) com a forma de “C” e por cima do fuso fica o guia (6). Após o fios deixar a frente dos cilindros do trem de estiragem, passa no guia fios e então no viajante, enrolando-se seguidamente na canela. O separador (7) tem o objetivo de evitar que o balão do fio de um fuso interfira com o balão do fio de outro fuso vizinho (PEREIRA, 2009).


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Fiadeiras - A finalidade da fiação é a obtenção do fio, que é uma estrutura fibrosa linear com uma massa por unidade de comprimento bastante reduzida. Na fiação convencional anel não é possível converter diretamente uma fita em fio, mas deve-se haver um produto intermediário tanto em espessura quanto em torção, que é o pavio (PEREIRA, 2009; SOUZA, 2009).

A fiação pode produzir, simultaneamente, vários fios (acima de 200 bobinas), sendo cada unidade da fiação conhecida como fuso, que são situados ao longo da máquina, repartidos em igual número para ambas as faces. Cada fuso é alimentado por uma mecha ou pavio (fita constituída de fibras com uma ligeira torção, produzida em uma máquina conhecida como maçaroqueira), que é posicionada na parte posterior da estrutura do filatório. Finalmente na Seção de Maçaroqueiras e Filatórios (Figura 34), a fiação propriamente dita, o processo de fiação chega ao final através de estiragens e torções definitivas, agrupando as fibras em forma de fio (PEREIRA, 2009; SOUZA, 2009).


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Figura 34. A) Máquina espuladeira da Fábrica Caroá em Caruaru, PE importada da Inglaterra, utilizada no processo de fiação do fio e B-C) Máquina espuladeira da indústria de sisal. Fotos: Vicente de Paula Queiroga; Arquivo do Etene/BNB; Arquivo da Alibaba.

Na fiação convencional o fio é armazenado em espuladeiras (de fiação), que em virtude de uma alta velocidade de produção não podem conter um grande volume de fio. Para facilitar as fases seguintes no processo, as espulas são encaminhadas às bobinadeiras, que realizam o trabalho de limpeza e melhoria da regularidade do fio bem como acondicionando-o em cones de grande capacidade (PEREIRA, 2009; SOUZA, 2009).


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Bobinadeira – O processo de fiação de anel produz um fio singelo em uma embalagem chamada de espula. Por sua vez a espula não pode ser usada para o processo de tecelagem, deve-se então mudar a embalagem do fio para uma embalagem que possa ser utilizada para o processo posterior de tecelagem, que é a bobina. O processo de mudança de embalagem é feito em uma máquina chamada de bobinadeira (Figura 35). Além da função de mudança de embalagem, a bobinadeira retira as irregularidades do fio, como os pontos grossos e finos (PEREIRA, 2009; SOUZA, 2009).

Figura 35. A/C) Máquina bobinadeira usada no enchimento de fio do caroá nos carretéis ou bobinas e B) Bobinadeiras de uma indústria de algodão. Fotos: Vicente de Paula Queiroga.


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O processo da retirada da bobina cheia de fio e a colocação da bobina vazia na máquina bobinadeira era feita por operários da Fábrica Caroá, que levavam em carrinhos os carretéis para serem pesados. Depois as bobinas eram distribuídas para a urdideira ou espuladeira, engomadeira e a retorcedeira. Urdideiras – O urdimento é a operação de preparação à tecelagem, que consiste na passagem dos fios que formarão o urdume do tecido (Figura 36), transferindo-os de seus suportes iniciais (cones, bobinas, cops, etc) para o rolete do tear. Esse rolete compõe-se de um tubo rosqueado em suas extremidades, onde são posicionados flanges que determinam a largura sobre a qual serão enrolados os fios de urdume. Também a Seção de Urdimento é responsável pela ordenação do urdume (rolos de fios paralelos no sentido longitudinal do tecido) a partir dos cones de urdume vindos da bobinadeira. O processo de tecelagem exige resistência do fio que é aumentada na Seção de Engomagem através da aplicação de engomantes, amaciantes e lubrificantes. Os fios de vela (exemplo de barbantes não engomados) e os barbantes engomados têm grande aplicação na costura de fardos, sacos etc. Com os resíduos da fibra eram fabricados cordas, cabinhos e cordéis bastante fortes (Figura 37). Portanto, não havia nenhum tipo de desperdício na Fábrica Caroá (HENRIQUES, 1938; PEREIRA, 2009; SOUZA, 2009; TRISTAN, 2016).

Figura 36. A seção de urdimento é responsável pela ordenação dos rolos de fios para efetuar o processo de tecelagem do caroá. Foto: Paulo Lavoura


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Figura 37. A) Máquina chicoteadora e C) Barbantes fabricados na Fábrica Caroá de Caruaru, PE. Engomadeira – A engomadeira é uma operação de preparação à tecelagem, que tem como objetivo o revestimento dos fios de urdume com uma camada de substância que agrutina as fibras ou filamentos e protege os fios do contato com as peças do tear. Portanto, a engomagem consiste em aplicar sobre os fios uma película de goma, que dará aos fios melhores condições para o tecimento. Os dois parâmetros mais importantes são: a resistência à tração e resistência à abrasão. Ou seja, um fio de urdume deve ser resistente, elástico, extensível e liso (PEREIRA, 2009). Trata-se de uma máquina de grande porte e engomava os fios do urdume (Figura 38). Havia nela vários cilindros por onde corriam os fios. Após este processo, os enormes carretéis metálicos com os fios de urdume eram colocados na traseira dos teares, o que


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exigia maior força física, sendo o trabalho desempenhado exclusivamente por homens (PEREIRA, 2009).

Figura 38. Detalhe da máquina engomadeira na indústria de juta e caixa de goma. Fotos: Daniela Rebelo Monte Tristan e Gislaine de Souza Pereira. Os ingredientes usados na engomagem são, em geral, amidos e fécula ou produtos não naturais, que agem como adesivos, além de sustâncias gordas e oleosas, para agirem como lubrificantes. Estes dois tipos de ingredientes tendem ter efeitos opostos sobre o fio, é necessário ter um pouco de equilíbrio, de acordo com a matéria prima têxtil do fio, para que se obtenha a menor taxa de quebra. Em geral, adicionam-se outros ingredientes ao banho de engomagem, tais como antissépticos, antibolor, etc (PEREIRA, 2009).


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Meadeira – Quando o fio da trama tinha que ser tingido, era enviado para a Meadeira (Figura 39). Por outro lado, não existe registro na literatura do uso da meadeira na Fábrica Caroá de Caruarú, PE.

Figura 39. Máquina meadeira usada no tingimento de fios de juta. Foto: Daniela Rebelo Monte Tristan Retorcedeira – O processo de fiação convencional produz fios, que são designados de fios singelos, com a característica principal das fibras retorcidas em espiral em volta do eixo do fio. Então, ao reunir dois ou maios fios simples (singelos), combinando-os por meio de torção de modo a produzir um fio retorcido. Ou seja, o princípio de funcionamento da retorcedeira consiste em alimentar os fios a serem retorcidos através de um par de cilindros, retorcendo-os em seguida por intermédio de um fuso de rotação (Figura 40; PEREIRA, 2009; SOUZA, 2009).


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Figura 40. Detalhe da retorcedeira para reunir dois ou mais fios singelos, combinandoos por meio de torção para produzir fio retorcido, cujo setor pertence ao de fiação da indústria de juta. Foto: Daniela Rebelo Monte Tristan.

Espuladeira - A espuladeira enrola uma espécie de bobina chamada de espulas, essas espulas são utilizadas na tecelagem de estopas (Figura 41). As espulas são colocadas dentro de um carretel de linha chamada lançadeira (TRISTAN, 2016). Em seguida, esse carretel é acoplado ao tear por uma abertura lateral (seta). Ou seja, as espulas são conectadas ao tear com ajuda de lançadeira, a qual se trata de um simples carretel de linhas ou fios (Figura 42).

Figura 41. Máquina espuladeira utilizada para enrolar o fio nas espulas que serão levadas ao tear, auxiliada pela lançadeira.


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Figura 42. A lançadeira ou carretel de linha prende os fios das espulas para ser introduzida na parte lateral do tear. Fotos: Paulo Lavoura (A/B) e Gislaine de Souza Pereira (C).

Teares de Lançadeira - Nesse sistema de inserção, a trama é conduzida de um lado a outro, através da lançadeira que se constitui de um dispositivo de madeira resistente onde se acomodam as espulas com os fios de trama. A lançadeira desliza sobre a camada inferior dos fios da cala, sobre a mesa batente. Esse contato pode causar problemas de rupturas. A lançadeira é acomodada em cada extremo num dispositivo chamado Caixa de Lançadeiras, onde ela é freada e parada após cada inserção (Figura 43). A lançadeira recebe o impulso para atravessar a cala através do taco, que está ligado à extremidade superior da espada. A máquina de tecer de lançadeiras é dita automática porque efetua a troca de espulas vazias por espulas cheias sem a ação direta do tecelão. No tecimento de tramas de distintas cores, necessita-se de mais de uma caixa de lançadeiras (caixa móvel) (PEREIRA, 2009).


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Figura 43. Tear usado na tecelagem do fio do caroá, resultando no tecido utilizado na confecção de sacos e a seta indica o local de introdução da lançadeira no equipamento. Foto: Paulo Lavoura. Calandras – Na calandra é que melhora o brilho e o toque do tecido. Sua função na Fábrica Caroá era a secagem dos fios engomados, que era uma espécie de beneficiamento para que o fio fique adequado para a fiação dos sacos. Essa compactação do tecido é feita em máquinas conhecidas como calandras (Figura 44; CHEREM, 2004).

Figura 44. Detalhe da calandra que efetua a compactação do tecido por processo de aquecimento do rolo da indústria de caroá. Foto: Jair Rodrigues Lima.


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Metradeira - Na sequência, a peça passava para a máquina cortadeira (Figura 45), no qual o tecido era cortado obedecendo a metragem estabelecida para a produção demandada pelo cliente, pois eram confeccionados sacos para café, arroz, algodão etc.

Figura 45. Metradeira da Fábrica Caroá usada para cortar (Foto B), de forma uniforme, o tecido destinado a confecção de sacos. Fotos: Daniela Rebelo Monte Tristan e Vicente de Paula Queiroga. Máquina de costura - Em seguida, o tecido chegava na seção das máquinas de costura, dobrado apenas para ser costurado (Figura 46). As costureiras da Fábrica Caroá estavam sempre em atividade o dia todo e costuravam um saco atrás do outro.


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Figura 46. Máquina de costurar sacos usada na Fábrica Caroá. Foto: Vicente de Paula Queiroga.

COMPETIVIDADE NA PRODUÇÃO DE FIOS PARA A INDÚSTRIA TÊXTIL

A importância da matéria-prima no sistema de exploração extrativista da região nordestina, era produzir um volume superior a 30 mil toneladas de fios de caroá, anualmente, com o propósito de substituir a importação de fios de linho, cânhamo, juta, sisal, manilha, pita e outras fibras, a qual era feita pelo nosso país em 1936 (HENRIQUES, 1938). Portanto, essas máquinas vindas da Europa para a Fábrica Caroá, instalada em Caruaru, PE, eram capazes de transformar a fibra do caroá em fios, inclusive teciam estopa e peça de brim. Além disso, a fábrica era dotada da tecnologia de fiação para fabricação de cordas e barbantes. Apesar dessa grande perspectiva de mercado na década de 30, a fábrica ainda conseguiu funcionar por mais de 40 anos e sua primeira falência só foi decretada em 1970, em razão da baixa demanda de 60 toneladas/mês do produto caroá pelo mercado nacional (PEREIRA; TEIXEIRA, 2011). Diante de vários problemas administrativos, também concorreu, em parte, para essa crise a expansão de cultivos de várias fibras vegetais (exemplo do sisal) no Brasil e principalmente o surgimento e uso de fibra sintética nos produtos de cordoaria e tecelagem, a um preço bastante competitivo. A seguir, é importante destacar um breve detalhamento técnico sobre as demais fibras competitivas em relação ao caroá. Fibra Sintética – Após a segunda guerra mundial, surgiu um novo tipo de fibra, a sintética, de origem petroquímica. No entanto, as fibras sintéticas começaram a ser produzidas no Brasil pela Rhodia somente em 1955 e em decorrência do seu continuo desenvolvimento tecnológico, provocou uma intensa concorrência com as fibras naturais,


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como o algodão, caroá, sisal, juta, rami, malva, etc. As mais conhecidas são o poliéster, a poliamida, o acrílico, o polipropileno e o poliuretano (Elastano) (Figura 47).

Figura 47. As principais fibras sintéticas utilizadas pela indústria têxtil.

A indústria de ráfia e cordoaria utiliza como matéria-prima principal o polipropileno, resina que teve a sua introdução no mercado em 1954 e tornou-se uma das mais importantes resinas termoplásticas da atualidade, sendo o terceiro termoplástico mais vendido no mundo. Os produtos principais são as embalagens em sacos de ráfia, utilizadas para o embalo de diversos produtos da economia brasileira. Seu principal atrativo está no fato de seu reuso, ou seja, após o seu uso a embalagem não gera lixo, é reaproveitada para outros fins, como por exemplo: ensacar sementes para armazéns, embalagem de fertilizante pode ser utilizada para ensacar insumos, entre outras aplicações. Sua principal característica é a resistência e durabilidade comparada a outras embalagens.


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Ráfia é o nome de uma palmeira, cujas fibras muito resistentes costumavam ser utilizadas para a fabricação de tecidos e cordas. Com o advento dos processos de transformação de plásticos, passou-se a empregar o nome ráfia às fitas planas produzidas por extrusão para o mesmo tipo de emprego. Sua composição tem como base o polipropileno, polietileno de baixa densidade e aditivos. A embalagem de ráfia é constituída por diversas fitas de ráfia com largura entre 3 mm a 6 mm. Seu processo de manufatura começa com o processo de extrusão do polipropileno, o qual é extrudado formando um filme tubular e, posteriormente dividido em diversas partes resultando em fitas, as quais são orientadas, tracionadas e enroladas em tubetes para depois serem tecidas pelos teares. Nessa fase, já estruturado e denominado como tecido tubular, o material passa para o setor de acabamento onde é impresso, cortado, costurado e enfardado, para então ser direcionado ao cliente final como embalagem (Figura 48).

Figura 48. Fita de 50 m e sacaria de ráfia sintética.

Fibra de Sisal - O sisal, ou Agave sisalana Perrine, é uma planta originária do México, adaptada ao semiárido e resistente às secas, e que gera a mais importante fibra dura do mundo. O cultivo da planta foi difundido no início de 1900, inicialmente no Estado da Paraíba e passou a ser explorada comercialmente na Bahia a partir do final da década de 30, apesar de ter sido introduzido no município Santaluz, BA por volta de 1910 (DIAS, 2015).


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Atualmente, o Brasil é o maior produtor e exportador mundial da fibra. Dados da FAO indicam que a nossa produção em 2009, chegou a ser 50% da produção mundial (AQUINO, 2012). Em 2011, a produção brasileira foi de 111 mil toneladas. A Bahia produziu 95,8% deste total. São também produtores os Estados da Paraíba (3,5%), o Ceará (0,4%) e do Rio Grande do Norte (0,3%). Outros produtores importantes são: China, Tanzânia e Quênia. Historicamente, em torno de 80% da produção brasileira são comercializados para cerca de cem países. Apesar de o sisal ter pouca representatividade no valor das exportações brasileiras e na renda agrícola nacional, a importância real da produção sisaleira na economia nordestina, reside na sua capacidade de tornar produtivas regiões semiáridas, com escassas alternativas econômicas, onde vive um contingente populacional rural expressivo e em condições socioeconômicas das mais precárias do país (NAVES, 2013). Entretanto, mesmo nas condições de insegurança e atraso em que é produzido, o sisal constitui um importante meio de sobrevivência e fator de fixação da população no campo, pelo predomínio do trabalho familiar em seu cultivo. É também conhecida sua capacidade de geração de empregos, por meio de sua cadeia produtiva: plantação (trabalhos de manutenção das lavouras), extração (corte das folhas), desfibramento das folhas, secagem das fibras por um período de 72 horas (umidade ideal da fibra entre 10 a 13%), beneficiamento das fibras (batedeiras), industrialização e manufatura de diversos produtos e artesanatos. Estima-se que a atividade do sisal no Nordeste, cultivado em aproximadamente 112 municípios, envolve em torno de 600.000 pessoas, direta e indiretamente, no processo produtivo e de industrialização (LESSA, 2007). Além disso, a cultura do sisal é explorada com baixo índice de modernização e capitalização, registrando-se, nas últimas décadas, um acentuado declínio, tanto da área plantada, como da produção. Atualmente a área plantada corresponde a 154 mil hectares. A produtividade no Brasil é de 800 kg/ha, enquanto que nos países africanos é de 2.000 kg/ha. No país, somente a fibra foliar seca é aproveitada, representando, no máximo, 4% do total que a planta produz e significando um alto custo de produção e baixa rentabilidade da cultura. As fibras são utilizadas na produção de barbantes, cordas, cordões, no endurecimento e na colocação de placas de gesso nas construções, na confecção de tapetes, tecidos, papéis, forragem animal, etc.


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Por outro lado, o ciclo de transformação do sisal em fios naturais começa aos três anos de vida da planta, ou quando suas folhas atingem cerca de 140 cm de comprimento, podendo resultar em fibras de 90 a 120 cm. As folhas são cortadas a cada seis meses durante a vida útil da planta, que é de seis a sete anos. As operações de corte, enfeixamento, transporte e desfibramento devem ser sincronizadas, de modo que as folhas cortadas sejam beneficiadas no mesmo dia, para evitar o murchamento, o que dificulta o desfibramento e causa depreciação da fibra. A forma mais comum de transporte das folhas do campo para a máquina desfibradora é através do jumento, o qual tem capacidade de transportar aproximadamente 200 folhas por viagem, pesando em torno de 100 a 130 kg. Ao final do ciclo da planta é gerada uma haste (inflorescência), a flecha, onde surgem às sementes de uma nova planta. Uma característica da família é que a planta morre após gerar as sementes (DIAS, 2015). No Território do Sisal, o desfibramento é realizado por meio da máquina “paraibana”, inventada na década de 1950 (Figura 49). Essa máquina desfibra em torno de 150 a 200 kg de fibra seca em um turno de 10 horas de trabalho, desperdiçando, em média, 20 a 30% da fibra. Entretanto, o maior problema do seu uso é a falta de segurança, sendo comum registro de casos de acidentes que resultam em graves mutilações de dedos, mãos e mesmo parte do braço. A máquina funciona em alta velocidade, obrigando o operador a aproximar as mãos das engrenagens para introduzir as folhas do sisal e puxálas já beneficiadas.

Figura 49. Beneficiamento de folhas de sisal com a máquina “paraibana” e secagem das folhas em varal.


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A nova máquina desfibradora de sisal, desenvolvida por José Faustino Santos, assegura mais segurança aos agricultores familiares (Figura 50). Além do equipamento incorporar novas tecnologias (equipamento móvel e de corte do tipo transversal), sua produtividade é maior de 1.500 kg de fibra verde/ hora (48% de fibra seca), se comparada com a antiga “máquina paraibana”, capaz de gerar fibras de melhor qualidade, além de reduzir o esforço físico do operador e anular os riscos de acidentes ou mutilações.

Figura 50. Desfibradora móvel de sisal e de corte do tipo transversal, desenvolvida por José Faustino Santos, denominada de Faustino VII. Foto: Teones Araújo A comercialização da fibra é formada por uma cadeia de intermediários desde o processamento (desfibramento, batimento e enfardamento) até a comercialização. Geralmente, o produtor negocia sua lavoura com o proprietário do motor (desfibrador) que, por sua vez, estabelece uma relação financeira com o intermediário, que financia todas as despesas com o desfibrador (dono do motor) relativo à mão de obra, combustível, manutenção e transporte, em troca do compromisso de entrega da fibra bruta. Esse intermediário poderá ser o agente de compra que comercializa a fibra bruta ou aquele que beneficia em sua batedeira para depois entregá-la à indústria de fiação ou ao exportador. Uma alternativa, que é a mais viável para o produtor, consiste na organização de grupos de agricultores para formar uma cooperativa ou associação e, nela, proceder ao beneficiamento da fibra (batimento) e a sua comercialização, com isto se consegue melhores preços em função do volume e constância da entrega da produção (SILVA; BELTRÃO, 1999; SILVA et. al., 2006; SILVA et al., 2008).


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O processo para produção do fio do sisal se inicia nas máquinas Goods, em número de quatro, que têm a finalidade de pentear, estirar e arrumar as fibras por meio de esteiras dotadas de agulhas formando mechas com fibras paralelizadas, arrumadas em forma de rolo padronizado e regular, medindo aproximadamente 150 m de comprimento e peso ao redor de 90 kg. Em seguida, os rolos alimentam as “Passadeiras ” em número de quatro e têm a função de promover mais “estiragem” das fibras por meio de engrenagens, tornando as mechas da fibra ainda mais padronizadas e regulares. Após passar pela quarta e última passadeira, obtém-se produção de mechas bem regulares em tambores individuais com peso de 40 kg, prontas para alimentar a segunda etapa do processo, que é o de “fiação”. As Fiadeiras são máquinas compostas por gaiola de alimentação, camada de agulhas, cilindro draft para a estiragem e torção, conjunto de fusos e secção de bancadas. O “tamanho” de cada fiadeira é determinado pelo seu conjunto de fusos, sendo a de 24 fusos a mais usual para produzir o baler twine. Na seção de bancadas localizam-se os carretéis, que recebem os fios do cilindro draft e os conduz às bobinadeiras, que são máquinas destinadas ao enrolamento dos fios em forma de bobinas (SOUZA et. al., 1998). Em resumo, as máquinas necessárias para a fabricação de fios são as seguintes: quatro máquinas Goods, quatro passadeiras, uma fiadeira e uma rebobinadeira (Figura 51). Para a fabricação de cordas é necessário mais uma máquina para a junção e torção dos fios.


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Figura 51. Detalhe da máquina Good para a formação de mechas (A); Detalhe da passadeira para a formação de mechas mais finas e regulares (B); Detalhe da fiadeira e formação das bobinas (amarelas) de fios (C); Produtos cordas resultantes da indústria sisaleira. Fotos: Odilon Reny R. F Silva.


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O sisal é uma fibra lignocelulósica leve e atóxica, que apresenta alto módulo de elasticidade e resistência específica considerável, custando, aproximadamente, dez vezes menos que a fibra de vidro. Uma característica importante do sisal é ser um material biodegradável que provém de fonte renovável e apresentar boas propriedades como isolante térmico e acústico (FERREIRA, 2009). Curauá – O curauá é uma planta terrestre herbácea, rizomatosa, de sistema radicular fasciculado, superficial, pouco exigente e que se adapta a diferentes tipos de solo e a mudanças climáticas. É uma planta monoica com flores hermafroditas que pertence à família Bromeliaceae. Essa monocotiledônea é perene e seu nome científico é Ananas comosus var. erectifolius (L. B. Smith). Sinonímias: Ananas erectifolius (L. B. Smith); Ananas lucidis (Mill). Destacam-se dois tipos distintos: roxo e branco, sendo que o curauá roxo se distingue do branco por apresentar folhas roxo-avermelhadas e por apresentar maior desenvolvimento (LEDO, 1967; Figura 52). Sua polinização é realizada principalmente pelos colibris, enquanto sua inflorescência é composta por várias flores individuas que nascem formando inflorescência compacta em forma de espiga sobre um talo axial curto e robusto.

Figura 52. Campo de curauá com 6 meses de idade. Foto: Iracema Maria Castro Coimbra Cordeiro. O início dos eventos reprodutivos ocorre a partir do primeiro ano. O período de floração dura um mês e logo após, as pétalas desprendem-se, mas as sépalas são persistentes e tornam-se carnosas e junto ao ovário e os eixos florais também carnosos formam uma estrutura única que é o fruto (Figura 53). À medida que as plantas vão amadurecendo, as


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folhas podem chegar a alcançar até 1,50 m e surgem novos rebentos, obtendo-se em média até cinco rebentos/planta. Entre as bainhas das folhas, ou diretamente dos rizomas, brotam tais rebentos. Do fruto emitido em cada planta, novos perfilhos (ou bulbilhos) vão surgindo tanto em sua base como na sua coroa apical (Figura 54; LEDO, 1967; CORDEIRO, 2007).

Figura 53. A) Inflorescência avermelhada da planta do curauá (Ananas comosus var. erectifolius). B) Fruto do curauá. Fotos: Iracema Maria Castro Coimbra Cordeiro.

Figura 54. A) Detalhe de plantas de curauá com rebentos e B) Aspecto do fruto com perfilhos (ou bulbilhos) na sua base e coroa apical. Fotos: Iracema Maria Castro Coimbra Cordeiro. Geralmente o curauá se desenvolve em campo aberto sob alta luminosidade, porém Cordeiro (2007) verificou que a espécie tem um desempenho satisfatório quando é utilizada em sistemas agroflorestais com intensidade luminosa entre 53% a 100%. Além de apresentar benefícios ecológicos, a espécie também propiciou rendimentos, minimizou


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os custos e maximizou o espaço do reflorestamento. No consórcio curauá (Ananas comosus var. erectifolius) e paricá (Schizolobium parahyba var. amazonicum), ambas as plantas são mutuamente beneficiadas, de forma quantitativa e qualitativa, demonstrando haver interação positiva entre as espécies. As plantas foram dispostas em espaçamento de 0,80 m x 0,80 m entre a espécie curauá e 4 m x 4 m entre plantas de paricá (Figura 55).

Figura 55. A) Monocultivo do curauá em campo aberto e B) Plantio em sistema agroflorestal com 12 meses após o plantio. Fotos: Iracema Maria Castro Coimbra Cordeiro. Nos últimos anos a cultura do curauá vem assumindo um lugar de grande importância com relação à economia regional de Santarém, PA. A espécie apresenta uso diversificado e é degradável e reciclável. Suas fibras possuem ótimas propriedades mecânicas, e são utilizadas para a fabricação de papel, na produção de componentes para bancos e revestimento de automóveis, confecção de cordas e barbantes (MONTEIRO et al., 2006; Figura 56). Os resíduos, mucilagem e soro, obtidos do desfibramento das folhas por uma máquina adaptada (Figura 57), similar a máquina “paraibana” de sisal, podem ser utilizados na fabricação de papel e adubação orgânica. Além do mais as mudas que surgem da coroa do fruto e dos rebentos podem ser comercializadas (BRAGA et al., 2010).


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Figura 56. Detalhe das fibras longas de curauá como são comercializadas. Ailton da Silva Ferreira (2009).

Figura 57. Detalhe da máquina desfibradora de folhas do curauá.


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Os principais produtos desenvolvidos pela empresa Pematec Triangel do Brasil com a fibra de curauá são revestimentos internos dos veículos como: teto, lateral de portas, porta pacotes, peças de acabamento da região do porta malas, antirruído do compartimento do motor entre outras aplicações (Figura 58).

Figura 58. Matéria-prima do curauá usada na confecção de manta agulhada para atender a indústria automobilística. Foto: Arquivo da Pematec Triangel. Rami – A cultura do rami (Boehmeria nivea) está concentrada no Paraná, principalmente no município de Londrina, onde o número de produtores gira em torno de 130, na sua maioria composta por pequenos produtores, com uma área média de 15 ha, aproximadamente. Trata-se de uma planta perene com longevidade de 20 anos, além de pertencer à familia de fibras longas (Figura 59). No entanto, uma lavoura média produz durante cerca de 9 anos, contando-se a partir do segundo ano, com rendimentos máximos entre os três a cinco anos de idade e com produções descrescentes a partir do sexto ano (SAVASTANO, 1997).


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Figura 59. Plantas fibrosas de rami nativa da Ásia, usadas em São Paulo como forrageira.

A fibra apresenta, em média, 150 a 200 milímetros de comprimento e possui alta resistência, sendo considerada três vezes superior à do cânhamo, quantro vezes à do linho e oito vezes à do algodão (MONTEIRO et al., 2008; SATYANAYRANA et al., 2005). Seu fio pode ser utilizado em diversos segmentos, na fabricação de tecidos, cordas e barbantes (SAVASTANO, 1997; SATYANAYRANA et al, 2007). No estádio de maturação, as plantas são cortadas. Os tecidos fibrosos estão situados perto da casca do caule, que é puxado manualmente da terra. Os caules são batidos contra as pedras ou com martelo de madeira. As fibras podem ser possivelmente, separadas manualmente em alguns lugares, ou são utilizadas máquinas para substituir a mão-de-obra humana. Nas comunidades subdesenvolvidas, as fibras são secas e alvejadas no sol (Figura 60; BEZERRA et al., 2003).


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Figura 60. Processo de separação das fibras de rami (a) e secagem das fibras (b). Fotos: Gerson Sobreira, 2008. A fibra de rami é usada para fazer corda, barbante e redes de pesca. Ela é também usada para tecidos no oriente, sozinha ou com outras fibras. Na China ela é usada para a fabricação de “pano de grama” e “pano branco de verão”. Pode ser alvejado para um bom branco e tingido tão satisfatoriamente quanto o algodão. Os tecidos de rami têm uma boa aceitação no mercado, podendo ser considerados como um produto substituto muito próximo do linho, com a vantagem de ser relativamente mais barato (BEVITORI, 2014).

Malva – A malva, de nome científico Urena lobate, L., pertence à família Malvaceae. É uma planta herbácea anual, dispersa no continente europeu, africano e americano. A palavra malva, originada do latim, significa suave e emoliente ao tato. No seu ciclo que dura 150 a 180 dias, exige-se uma precipitação pluvial de 125 a 250 mm mensais em uma temperatura entre 18 e 32 ºC.


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A malva deve ser considerada uma planta estritamente anual, pois só é economicamente viável sua exploração se não for aproveitada a rebrotação das soqueiras. Ou seja, após colheita, o terreno deve ser limpo, preparado e novamente semeado com a malva para a safra seguinte. Em condições normais, pode-se estimar uma produção média de 1.300 a 1.500 quilos de fibras secas limpas por hectare. O rendimento da fibra sobre caules verdes enfolhados é, em média, de 5 a 6%. Como no caso da juta e de outros têxteis similares, as fibras de malva são libertadas do tecido que as envolvem submetendo-se os caules previamente separados do lenho por máquinas especiais, ao processo de maceração em água corrente. A maceração consiste na libertação dos feixes fibrosos, após a destruição dos referidos tecidos, e na dissolução do cimento péctico que une os feixes entre si. Os feixes de caules são submersos em água durante 8 a 20 dias, segundo a temperatura ambiente. Após a completa maceração, as filaças são facilmente separadas, a mão, das medulas lenhosas ou varas, depois lavadas em água limpa e posta a secar (Figura 61).

Figura 61. A) Hastes de feixes de malva são mantidas submersas e depois lavadas no processo de maceração e B) Secagem de fibras de malva em varais. Fotos: Arquivo de NUSEC/UFAM 2005.


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Para seu beneficiamento, existem máquinas que executam a descascagem do caule macerado, apesar de que tal processo causar perda de fibra junto com os resíduos ou não limpam as fibras eficientemente. Também existem máquinas para separar, no campo, as cascas das varas verdes recém cortadas, procedendo-se assim à maceração apenas da casca (Figura 62).

Figura 62. O processo produtivo da fibra de malva e máquina desfibradoras ou descorticadoras. Fotos: Alciane Matos de Paiva e Moreira (2008).

A malva pode ser utilizada em diversos segmentos: fabricação de tecidos, cordas e barbantes, como também pode gerar a celulose para a produção de papel moeda, devido à sua resistência (ISHIKAWA et al 1997). A principal característica que chama a atenção na fibra de malva (Figura 63) é o seu reduzido valor econômico, quando comparada a fibras sintéticas, como a fibra de vidro e aramida, chega a ter um valor dez vezes menor (SHIHONG et al., 1994).

Figura 63. Fibras longas de malva como são comercializadas. Foto: Jean Igor Margem


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Juta – É uma planta nativa da família das tiliáceas (Corchorus capsularis), originada da Índia e de Bangladesh. No Brasil, a espécie está concentrada em regiões alagadiças da Amazônia (Figura 64), junto às populações ribeirinhas, sendo uma cultura de subsistência, cujos requisitos necessários para o seu cultivo são abundância de água e as altas temperaturas (MEDINA, 1959; BLEDZKI; GASSAN, 1999).

Figura 64. Plantas fibrosas de juta nativa da Índia e de Bangladesh. Foto: Vicente de Paula Queiroga O mecânico industrial José Amarante Souza do Pará desenvolveu duas máquinas para separar, no campo, as cascas das varas verdes recém cortadas, procedendo-se assim à maceração apenas da casca. Uma das máquinas é a desfibradeira JASA MD2 de fibra de juta (ou malva) que tem a função de separar as fibras do caule em processo a seco, sem a necessidade do umedecimento inicial da planta cortada. A outa máquina é a descascadeira JASA MD12 que remove as cascas, fragmentos de casca e calosidades, que são pontos endurecidos da fibra, também em processo totalmente a seco. Ambos equipamentos dispensam a entrada do homem dentro d’água para facilitar o processo de maceração. O conjunto de máquina produz 300 kg de fibra/dia que é bem superior à produção de desfibramento manual feito pelo ribeirinho de 120 kg/dia (Figura 65).


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Figura 65. A) Máquina desfibradeira JASA MD2 para processamento de fibra de juta (ou malva) e B) Máquina descascadeira JASA MD12. Fotos: Arquivo de José Amarante Souza

Além de ser biodegradável, a juta apresenta excelentes propriedades ecológicas e controla a erosão durante seu crescimento. Suas fibras são consideradas longas, que podem variar de 25 mm até 300 mm, sendo bastante utilizadas na confecção de sacarias, especialmente para armazenamento de produtos agrícolas e bolsas esportivas. No Brasil, suas sacarias são amplamente utilizadas para o acondicionamento de batata, café e açúcar, principalmente em produtos que serão exportados, sobretudos para países que adotam criterioso controle ambiental (Figura 65). Ao longo das duas últimas décadas, ocorreram várias mudanças na estrutura da indústria de juta, devido à crescente utilização de


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polipropileno para sacarias (SAVASTANO, 1997; BLEDZKI; GASSAN, 1999; MEDINA, 1970; SATYANAYRANA et al, 2007).

Figura 65. Sacaria de juta utilizada no acondicionamento de grãos de café.

Nova Fonte de Matéria-Prima - Em abril de 2017, a empresa de Fiação Patamuté Ltda inaugurou uma nova unidade têxtil em Cajazeiras, PB, denominada de Indústria Patex Patamuté Ltda., que na prática representa a expansão do grupo na região. Atua ecologicamente no segmento têxtil, com foco na produção de desfibramento de fios de resíduos (retalhos procedentes de confecções de vestuário; Figura 66), atendendo de forma diferenciada os segmentos da região nordeste de tecelagem, malharia e fábricas de barbante. Por meio de máquinas modernas de última geração e tecnologia de ponta, a empresa produz em média 800 toneladas de fios por mês e os produtos são distribuídos na Paraíba e outros estados do Brasil, a exemplo do Rio Grande Norte, Ceará, Pernambuco, São Paulo, Paraná e Santa Catarina.


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Figura 66. Depósito de retalhos ensacados destinados ao processo de desfibramento. Foto: Arquivo da Empresa Margasa.

Na esquematização resumida da indústria têxtil para transformar os retalhos em fibra de algodão, os resíduos procedentes de confecções em geral, antes de alimentar as desfibradoras, passam nos trituradores vertical e horizontal. Seguindo para a sala do batedor é feito o processo de limpeza no material triturado, permitindo assim a eliminação de terra, pó e os demais fragmentos estranhos. Uma vez concluída essa etapa, os resíduos têxtis irão alimentar o processo posterior, através de fluxo pneumático, que é uma sequência de desfibradores e, finalmente, é transformado em fibras ou pluma (Figuras 67 e 68).


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Figura 67. Após passar pelas trituradoras (A) e pelo batedor (B), os resíduos têxteis (retalhos) alimentam uma série de desfibradoras (C) e, no final do processo, se transformam em manta de pluma. Fotos: Arquivo da Empresa Margasa.

Figura 68. Detalhe da manta de pluma que sai do processo de desfibramento. Fotos: Arquivo da Empresa Margasa.


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A produção de fios cardados Open End é composta por diversas máquinas em sequências, mas os fios produzidos por esse processo são mais grossos e fracos. São produzidos pelo menor fluxo produtivo entre os tipos de frios, passando pela carda, passador e filatório a rotor (open end; Figura 69).

Figura 69. Organograma da sequência de máquinas utilizadas no processo para produção de fios cardados Open End. Fonte: Gislaine de Souza Pereira.

As cardas têm a função de abrir, limpar, paralelizar e estirar as fibras. No processo de cardagem, as fibras são transformadas em véu e em seguida em fitas através da estiragem. O produto final das cardas é a fita compacta depositada dentro de um recipiente (vaso de carda; SOUZA, 2009; VOLPATO et al., 2011; Figura 70).


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Figura 70. Carda utilizada na limpeza da mecha de fibras. Foto: Gislaine de Souza Pereira. O material resultante das cardas são transportadas até as passadeiras de 1º e 2º passagem. As passadeiras são máquinas que têm a finalidade de realizar a dublagem das fitas (uniformizar o peso/unidade de comprimento), paralelizar as fibras, homogeneizar a fibra, efetuar a estiragem na fita, retirando os ganchos oriundos do processo de cardagem e corrigir o título da fita. O produto final da passadeira é a fita acondicionada em vasos (latas; Figura 71). Do setor de passadeiras, a lata de fita é transportada para o Open End (para fiação a rotor) (VOLPATO et al., 2011).

Figura 71. Passador. Foto: Arquivo da Trutzschler Indústria e Comercio de Máquinas Ltda.


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O Open End realiza a fiação a rotor, onde as fibras são descontínuas por um método no qual a ponta da fita ou mecha é aberta ou separada nas suas fibras individuais ou tufos, sendo reconstituída em seguida no dispositivo da fiação a fim de se tornar fio (Figura 72). Essas máquinas têm a função de estirar a fita proveniente das passadeiras, limpar e aplicar torção às massas de fibras, transformando-as em um fio contínuo e resistente. O produto final do Open End, é o fio enrolado em suportes de papelão (tubetes) formando as rocas. Esse é o produto final da linha Open End cardado (Figura 73).

Figura 72. Filatório Open-end. Foto: Gislaine de Souza Pereira

Figura 73. Produção de fios cardados Open End. Foto: Arquivo da Samarfil - Sociedade Têxtil.


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CAPÍTULO II

CAROÁ INDUSTRIALIZAÇÃO E EQUIPAMENTOS (Autores) Jair Rodrigues de Lima Vicente de Paula Queiroga

ISBN 978-85-67494-23-4


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O Contexto Histórico A empresa James F. Low & Cº Ltd. foi fundada no início do século XIX, na cidade de Monifieth na Escócia. Durante muitas décadas produziu máquinas de fiação que foram exportadas para vários países não só da Europa, mas também para Ásia e Américas. A partir do período da segunda guerra mundial a James F. Low recuperou-se de uma longa crise financeira que vinha atravessando, quando passou a produzir bombas, ferramentas e componentes de aviação. Foi dessa empresa, localizada na costa leste da Escócia, que vieram algumas das máquinas de fiação utilizadas na produção do fio de caroá em uma fábrica instalada em Caruaru, agreste pernambucano (Figura 1).

Figura 1. Manchete do Jornal Vanguarda de Caruaru-PE, quatro meses antes da inauguração da Fábrica da Caroá.

As máquinas da James F. Low, assim como outras de outros fabricantes, a princípio foram produzidas para a fiação de fibras diferentes do caroá, principalmente o algodão. Essas máquinas foram adaptadas pelo fundador da Fábrica Caroá de Caruaru, (era assim que era conhecida a empresa José de Vasconcellos e Cia e posteriormente sucedida pela Companhia Industrial de Caruaru), para fiarem uma fibra diferente, característica do Nordeste brasileiro, o caroá. A Figura 2 abaixo mostra detalhe de uma fiadeira produzida pela James F. Low, uma das poucas que ainda restam e que está exposta no museu da fábrica em Caruaru.


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Figura 2. Detalhe da fiadeira exposta no Museu da Fábrica Caroá. Fonte: Produção própria. Assim como foram adquiridas máquinas da fabricante James F. Low da Escócia, a Fábrica Caroá também importou seus equipamentos de outras fábricas de maquinário têxtil, as melhores da época dentro deste segmento no mundo. É o caso da James Mackie & Sons Ltd. localizada na Irlanda e da Leesona Corporotion, de Burlington-EUA e da Thomas C. Keay Ltd. da Escócia. A Figura 3 a seguir mostra detalhes de duas máquinas: a Figura 3-A é de uma fiadeira, que ainda está em atividade, ela pertenceu a Fábrica Caroá e hoje é de propriedade de um de seus ex-funcionários, o Sr. Paulo Duarte, conhecido como Paulo Lavoura. A Figura 3-B é uma bobineira, também pertenceu à fábrica e é de propriedade de Paulo Duarte e a Figura 3-C é um detalhe de uma bobineira exposta no museu da fábrica.


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Figura 3. 3-A Detalhe de fiadeira produzida pela James Mackie e 3-B e 3-C Bobineiras Leesona. Fonte: Produção própria. A maioria dos equipamentos utilizados pela Fábrica Caroá para a produção do fio do caroá era o que havia de mais moderno para época. Compara-se aos equipamentos, guardadas as devidas proporções, utilizados atualmente na produção do fio de algodão e de outras fibras vegetais. Outro importante fabricante de maquinário têxtil, que forneceu equipamentos para a fábrica de Caruaru foi a Fairbairn Lawson Combe Barbour, empresa que era localizada em Belfast, na Irlanda no Norte, e de onde foram tiradas algumas fotos de um dos seus catálogos, utilizadas nesse capítulo. Na próxima seção será apresentado o passo a passo da produção desse fio e de alguns produtos que eram fabricados utilizando esse fio como matéria prima, bem como o detalhamento do maquinário utilizado.

A Produção Como foi visto com mais detalhes no capítulo anterior o caroá, também conhecido como gravatá, que tem como nome científico Neoglaziovia variegata, é uma planta terrestre da família das bromeliáceas e é nativa do Nordeste do Brasil (Figura 4).


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Possui poucas folhas lineares e acuminadas com cerca de 25 cm de comprimento e com até 60 flores. Essas folhas fornecem longas fibras de grande resistência e durabilidade e a planta não precisa ser replantada quando são extraídas, pois se autorregeneram. A fibra de caroá, assim como outras fibras naturais vegetais, é extraída da folha da planta, como por exemplo, o sisal e o tucum da carnaubeira, diferentemente de outras fibras que são extraídas do caule (juta, malva, rami) e dos frutos ou sementes (algodão, coco).

Figura 4. Planta do caroá. Fontes: Francisco de Assis Cardoso Almeida e Joselito Sousa Morais. No Manual de Enobrecimento de Algodão, elaborado pela AMPA (Associação Mato-grossense dos Produtos de Algodão) a cadeia têxtil é formada por algumas etapas de produção, são elas: a Fiação, onde ocorre a transformação de fibras em fios; a Tecelagem, onde os fios formam os tecidos e o Enobrecimento, onde os tecidos passam por alguns processos de melhoramento, como alvejamento, tingimento, calandragem, entre outros, tornando o tecido enobrecido (AMPA, 2014; pág. 325). Todo esse processo utilizado com o algodão é o mesmo utilizado também com o caroá, com exceção do tingimento com cores. De acordo com informações coletadas com o ex-chefe de seção da Fábrica Caroá, Júlio Alves da Silva, um senhor de 97 anos e que até hoje mora ao lado da fábrica, numa casa que fazia parte da vila operária da Fábrica Caroá, o beneficiamento da fibra do caroá passava por duas preparações iniciais:


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1ª PREPARAÇÃO: Após a colheita das folhas, elas eram desfibradas, boa parte era feita nas fazendas de propriedade da fábrica onde essas folhas eram extraídas, e depois eram expostas ao sol para secagem. Na Figura 5, mostrada a seguir, aparecem mulheres desfibrando o caroá na fazenda São Gonçalo, interior de Pernambuco. A Figura 6 mostra apenas uma pequena parte da imensidão de fibras que eram expostas ao sol na fazenda. O bagaço que sobrava desse trabalho de desfibragem servia de alimento para os animais.

Figura 5. Folha do caroá sendo desfibrada. Foto do acervo do Museu da Fábrica. Reprodução própria.


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Figura 6. Fibra de caroá exposta ao sol para secagem. Foto do acervo do Museu da Fábrica. Reprodução própria. Depois da secagem da fibra, havia os batedores que tinham a função de remover as impurezas, grande parte de restos de folhas, terra entre outras impurezas são removidas durante o batimento. Após a secagem as fibras passavam por máquinas chamadas de amaciadeiras, as Figuras 7 e 8 a seguir mostram alguns modelos de amaciadeiras que eram utilizadas pela Fábrica Caroá.

Figura 7. Amaciadeira utilizada na Fábrica Caroá. Fonte: Catálogo do fornecedor de maquinário. Reprodução própria.


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Figura 8. Amaciadeira. Na informação do catálogo diz "Jute Softening Machine" (Máquina amaciadora de juta). Fonte: Catálogo do fornecedor de maquinário. Reprodução própria. O próximo passo então seria a cortadeira, que tinha a função de deixar a folha com cerca de 70 cm, segundo Júlio Alves, pois folhas muito longas não rendiam. Por último a fibra passava pelas máquinas de cardas mostradas nas Figuras 9 e 10, reproduzidas do catálogo do fornecedor (Detalhe na Figura 11), nessas máquinas a fibra entrava bruta e o objetivo era ‘afiná-la’. Na Fábrica Caroá havia cinco máquinas cardas de três tipos, eram a carda grossa, onde entrava a fibra bruta, a carda fina que recebia a fibra que saia da carda grossa e por último a carda de 3 fitas, que dava o acabamento final. À medida que a fibra passava pelas máquinas ia ficando mais fina. Segundo o Roteiro Complementar de Licenciamento e Fiscalização para a Tipologia Têxtil elaborado pela CPMA - Companhia Pernambucana do Meio Ambiente em 2001,

A cardagem propicia a obtenção de uma mecha de fibras. Sua finalidade é a limpeza mecânica das fibras, assim como o início do processo de estiramento e torção, princípios destinados a obtenção das qualidades finais dos diversos tipos de fios. (CPMA. Pág.17. 2001)


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Ainda dentro das funções da máquina carda, o Manual de Beneficiamento de Algodão, elaborado pela AMPA diz que

O processo de cardagem é responsável por continuar a limpeza e a abertura entre as fibras até separá-las quase que individualmente através da estiragem, iniciando a orientação para a sua paralelização. Neste processo, ocorre uma grande estiragem, pois transforma a manta de fibras em um fino véu, que posteriormente é condensado e forma a fita de carda. (AMPA. Pág. 326. 2014).

Figura 9. Máquina cardas. Foto do catálogo do fornecedor de maquinário. Acervo de Paulo Duarte. Reprodução própria.


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Figura 10. Máquina cardas vista de outro ângulo. Reprodução própria.

Figura 11. Detalhe da capa do catálogo do fornecedor de maquinário da Fábrica Caroá. Acervo de Paulo Duarte. Reprodução própria.


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2ª PREPARAÇÃO A fita de fibras que saia das cardas passava então pela máquina de estiragem, na Figura 12 a seguir, verifica-se um conjunto dessas máquinas. Na fábrica havia três tipos de máquinas de estiragem e tinham a finalidade de “afinar” essa fita, segundo Paulo Duarte, as estiradeiras tinham agulhas por onde entravam três fios de fibras e saiam unidas em uma apenas. Quando a fita passava por todo o processo de estiragem chegava à fiação ainda com uma espessura grossa, segundo Júlio Alves da “grossura de um dedo” (sic).

Figura 12. Máquinas de estiragem ao fundo. Foto do acervo de Paulo Duarte registrando a visita do então Governador do Estado de Pernambuco Nilo Coelho. Reprodução própria.

Após a estiragem a fibra do caroá passa por dois processos em separado: Fiação e Tecelagem. Ao fim da segunda preparação o fio do caroá está pronto como matéria prima para a produção de produtos distintos. Havia a máquina chamada de chicoteira, que utilizava o fio para traçar uma espécie de cordão torcido que tinha uma infinidade de utilidades, como por exemplo, amarrar os fardos de algodão embalados com a tela de caroá. A retorcedeira, que retorcia os fios para ganhar resistência, fazia certos tipos de cordões grosseiros chamados do ‘fio de velas’, que também poderiam ser engomados em máquinas chamadas de Calandras (Figuras 13 e 14).


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Figura 13. Máquina Calandra. Acervo de Paulo Duarte. Reprodução própria.

Figura 14. Máquina Calandra vista de outro ângulo. Acervo de Paulo Duarte. Reprodução própria.


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A máquina calandra (em inglês Twine Polishing Machine – Máquina de polir fios), tinha a finalidade de beneficiar o fio do caroá. Por ela, o fio passava numa espécie de ralo, que além de deixar o fio mais fino, retirava qualquer tipo de impureza ainda existente. Ao final da máquina o fio passava por um compartimento onde continha uma goma, era então engomando a vapor e posteriormente ia para a secagem. Esse procedimento deixava o fio com um acabamento melhor, mais forte e serviria para finalidades diferentes do fio grosseiro, que não passava por essa calandragem. Segundo Júlio Alves, na Fábrica Caroá havia quatro máquinas calandras e trabalhavam em três turnos beneficiando o fio de caroá.

FIAÇÃO Segundo a CPMA o processo de fiação consiste de estiramento seguido de torção, onde o pavio é transformado em fio (CPMA, 2001; pág. 18). Na fiadeira do caroá, que podemos ver na Figura 15 abaixo, a fibra era colocada na parte de traz da máquina (Figura 16), passava para a parte da frente, era retorcida e transformada em fio, enrolado em bobinas (parte de baixo da máquina) que posteriormente iram ser usados em outros equipamentos. As fiadeiras tinham capacidade para encher de 80 a 100 bobinas em um único set up. No maquinário posterior às fiadeiras o fio poderia ser usado, por exemplo, para a fabricação de barbantes nas retorcedeiras e posteriormente bobinados nas bobineiras (Figura 17). A Figura 15 abaixo é uma fiadeira que pertenceu a Fábrica Caroá e que hoje é de propriedade de Paulo Duarte. Conhecido como Paulo Lavoura ou como Sr. Paulo dos cordões, ele adaptou a máquina para produzir barbante bicolor de algodão. A máquina que antes fiava a fibra do caroá, produzindo o fio que só posteriormente seria transformado em barbante, hoje produz o barbante de algodão sem a necessidade de nenhum maquinário posterior, apenas a bobinagem na máquina mostrada na Figura 17. O trabalho feito por ele hoje é muito semelhante ao que se fazia com o caroá, a diferença é que o fio produzido com o caroá tinha outras finalidades, diferentes do fio bicolor de algodão, como por exemplo, a tecelagem de estopas, a produção de cordas e barbantes mais resistentes, além do beneficiamento nas máquinas calandras.


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Figura 15. Fiadeira que pertenceu à Fábrica Caroá e que hoje pertence a Paulo Duarte. Reprodução própria. Figura 16

Figura 17

Figura 16. Detalhe da parte traseira da fiadeira de propriedade de Paulo Duarte. Reprodução própria. Figura17. Bobinaeira em atividade de propriedade de Paulo Duarte. Reprodução própria.


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Paulo Duarte trabalhou durante muitos anos na fábrica e sua atividade principal durante a maioria dos anos que trabalhou na Fábrica Caroá foi o de operador da urdideira (Figura 18). Essa máquina é necessária para preparar a fibra para a tecelagem de tecidos planos. A fibra que saia da urdideira era utilizada na espuladeira, onde era feito uma espécie de tubo de fibras chamado de espulas que, posteriormente, eram utilizadas nos teares através das peças chamadas de lançadeiras, mostradas nas Figuras 19, 20 e 21, para a confecção de estopas. Esse procedimento será mais detalhado na próxima seção. Não existe registro fotográfico das espuladeiras que eram utilizadas na Fábrica Caroá, porém no catálogo do fornecedor de maquinário Paulo Duarte indica a Figura 20 como sendo uma espuladeira semelhante a que era utilizada na fábrica.

Figura 18. Máquina urdideira. Na foto aparece Paulo Duarte, conhecido como Paulo Lavoura. Foto do acervo de Paulo Duarte. Reprodução própria.


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Figura 19. Lançadeiras onde eram colocadas as espulas de fibras que saiam da urdideira, utilizada nos teares. Fonte: Produção própria.

Figura 20. Espuladeira. Fonte: Catálogo de fornecedor de maquinário da Fábrica Caroá. Reprodução própria.


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Figura 21. Máquina Tear. O compartimento indicado pela seta era onde se encaixava a lançadeira contendo as espulas, mostrada na Figura 16, para a tecelagem de estopas. Foto do acervo de Paulo Duarte. Reprodução própria.

TECELAGEM A tecelagem de tecidos planos passa por alguns processos os quais podem fazer uso de máquinas como a urdideira, a engomadeira e os teares planos. A tecelagem que usa o fio de caroá como matéria prima, assim como a tecelagem de diversas fibras vegetais, é muito semelhante à do algodão. Segundo o manual de beneficiamento de algodão da AMPA,

A tecelagem implica na criação e execução das armações estruturais que caracterizam o entrelaçamento intra e entre fios (base de armação), para a transformação de diversos tecidos, com uma superfície plana, flexível e tridimensional em termos de espessura, largura e comprimento contínuo. (AMPA. pág.332. 2014).

Paulo Duarte relatou que havia cerca de 45 teares na Fábrica Caroá (Figuras 22 a 24). Outro ex-funcionário da fábrica, o Sr. João Maciel de Souza, hoje com 84 anos, disse que os teares serviam também para produzir uma espécie de tela que servia para ensacar algodão, além da estopa que servia para produzir sacos. A máquina das Figuras 25 e 26 é uma metradeira e era utilizada para medir e cortar as estopas no tamanho ideal para a confecção de sacos. Servia também para medir e corta a tela de caroá que era utilizada para o transporte de algodão.


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. Figura 22. Máquina Tear. Reprodução própria do catálogo de Paulo Duarte.

Figura 23. Máquina de tear produzida atualmente. Fonte: https://portuguese.alibaba.com/p-detail/new-type-of-servo-motor-cam-fuzz-terry-towelrapier-loom-60265294490.html


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Figura 24. Máquina Tear em atividade. Durante visita à Fábrica Caroá do Governador Nilo Coelho. Foto do acervo de Paulo Duarte. Reprodução própria.

Figura 25. Detalhe da Metradeira mostrada anteriormente, indicando a procedência escocesa da máquina. Fonte: Produção própria.


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Figura 26. Metradeira utilizada para medir e cortar estopa de caroá. Acervo do Museu da Fábrica. Fonte da imagem: Produção própria.

João Maciel de Souza relatou que a Fábrica Caroá chegou a produzir uma espécie de brim com a fibra do caroá. A fibra passava por máquinas penteadeiras e posteriormente seriam tecidas nos teares para produzir o brim, que serviria como tecido para a confecção de roupas. Essa atividade da fábrica, segundo ele, não foi muito bem-sucedida. A principal dificuldade para a confecção de roupas com o brim do caroá era o seu beneficiamento. Embora passasse por diversos procedimentos de enobrecimento a fibra do caroá, utilizada como matéria prima para confecção de vestuário, ainda era grosseira e absorvia muita umidade, deixando o tecido pesado para o uso como vestimenta.

Na Figura 22 abaixo, verifica-se um modelo de um dos teares que era utilizado na fábrica de Caruaru entre as décadas de 1930 e 1970, e na Figura 23, observa-se um dos modelos atuais produzido por um fabricante exportador chinês. Mesmo com quase 100 anos entre a fabricação de uma máquina e outra ainda é possível constatar alguma semelhança entre elas. Durante a passagem do tempo fica claro que houve uma melhoria significativa na produção dos teares. Para se ter uma ideia, nos anos 1970, a velocidade dos teares era em média, de 150 rotações por minuto e que a largura dos tecidos planos produzidos era de 90 centímetros. No final dos anos 1990, nota-se um avanço nessa


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produção com teares alcançando velocidades de, em média 700 rotações por minuto, com uma largura dos tecidos de um metro e sessenta centímetros (AMPA, 2014; pág. 316).

Os sacos de caroá devido a sua resistência, eram utilizados para o transporte de diversos produtos, podia-se transportar nesses sacos produtos como cebolas, feijão, batatas e os mais variados produtos agrícolas. A tela do caroá era usada também para o transporte de algodão, numa época em que a exportação desse produto estava em alta. Os pedidos de sacos e telas de caroá vinham de quase todos os Estados do Nordeste e da região sul e sudeste. Na Figura 24 acima é mostrado um dos teares em atividade na Fábrica Caroá, nesse tear era produzido estopas que posteriormente eram costuradas para a confecção dos sacos.

RESUMO DO SISTEMA PRODUTIVO

O sistema de fiação da fibra do caroá, como já foi dito antes, é semelhante à fiação de outras fibras, como o sisal e o algodão. Com pequena ou quase nenhuma adaptação o maquinário pode ser utilizado tanto na fiação de uma fibra como de outra. Para que se tenha uma ideia geral do passo a passo da produção do fio do caroá, abaixo segue uma tabela de todo o procedimento, desde a colheita da folha, passando pela fiação até chegar à fase de tecelagem. A Tabela 1 mostra também, resumidamente o maquinário utilizado em cada uma das etapas.


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COLHEITA DA

FIAÇÃO

TECELAGEM

FOLHA A

folha

desfibrada,

é

colhida, A fibra é fiada para a Na tecelagem o fio pode ser

amaciada

e produção

cortada.

do

fio. transformado em estopas,

Posteriormente o fio é cordas, barbantes e sacos. limpo e beneficiado para ser utilizado em atividades distintas.

MAQUINÁRIO

MAQUINÁRIO

MAQUINÁRIO

UTILIZADO

UTILIZADO

UTILIZADO

Desfibradeira; Amaciadeiras

Fiadeiras; e Calandras;

Cortadeiras

Bobineiras

Cardas; Teares;

Penteadeiras;

Urdideiras; Retorcedeiras; Chicoterias; Máquinas de costura.

Tabela 1. Resumo do maquinário utilizado em cada uma das etapas da produção do fio do caroá. Produção própria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Fábrica Caroá de Caruaru foi de grande importância para o desenvolvimento econômico da cidade e da região. Sua influência foi significativa no comércio e até na melhoria de vida de seus trabalhadores. Os funcionários que foram entrevistados durante esse trabalho, apresentaram sempre relatos positivos em relação à indústria do caroá. Sylvio de Vasconcelos e Silva, filho caçula do fundador da fábrica, deu uma declaração durante entrevista que traduz a importância da fábrica: ‘Nós quando instalamos essa fábrica ela era única no mundo. Você tem que contar isso: a família Vasconcellos era gente que não era daquela época, nós tínhamos um avião para você ter ideia! Eu sou o último deles’. (sic) Diante do que foi analisado, pode-se ver que essa fábrica é um exemplo regional da revolução industrial ocorrida mundialmente. Seu maquinário, seu sistema de trabalho e seu produto inovador são sinais claros de que essa revolução havia chegado à cidade. Mas, mesmo sendo atingida pela revolução industrial, a indústria do caroá ainda trazia métodos e costumes arcaicos e que teriam que ser substituídos com o passar dos anos. O


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trabalho intensivo em mão de obra foi um desses costumes, além do maquinário defasado que não foi substituído por máquinas mais modernas. A automação e a robótica, entre outros avanços tecnológicos, atualmente influenciam significativamente a produção. A nova visão de gerenciamento da cadeia de suprimentos que coloca o consumidor final como ponto principal, leva em conta suas preferências e exigências dentro de um mercado cada vez mais competitivo. Isso força as indústrias a se modernizarem cada vez mais, o que não ocorreu com a Fábrica Caroá de Caruaru, procurando melhorias dentro da linha de produção que possa levar a um produto final de melhor qualidade, suprindo as necessidades cada vez mais exigentes dos clientes. Segundo Bruno, em “A quarta revolução industrial do setor têxtil e de confecção: a visão de futuro para 2030”, de 2016,

Mudanças qualitativas sinalizam para o aumento de complexidade dos sistemas produtivos. Um novo ambiente competitivo está em formação, oferecendo oportunidades de desenvolvimento para indústrias que souberem iniciar narrativas de renovação de suas estruturas. (BRUNO. Pág. 37. 2016)

A produção do caroá, dentro dessas mudanças qualitativas, quer seja no uso para artesanatos, quer seja para produtos de cordoalha, pode ser situada na nova visão de desenvolvimento sustentável que prega a prática do uso de matérias primas limpas e sustentáveis. O caroá é um exemplo dessa matéria prima biodegradável, renovável e que deveria ser melhor aproveitada industrialmente, assim como foi durante o funcionamento da Fábrica Caroá de Caruaru.


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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ASSOCIAÇÃO MATOGROSSENSE DOS PRODUTOS DE ALGODÃO. Manual de Beneficiamento do Algodão. Capítulo 16. 2014. BRUNO, F. S. A quarta revolução industrial do setor têxtil e de confecção: a visão de futuro para 2030. 1ª. ed. – São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2016, 149p. COMPANHIA PERNAMBUCANA DO MEIO AMBIENTE. Roteiro Complementar de Licenciamento e Fiscalização para Tipologia Têxtil. Capítulo 2. Recife-PE. CPRH/GTZ. 2001, 125p.

PESSOAS ENTREVISTADAS Júlio Alves da Silva, 97 anos, ex-chefe de seção da fábrica. João Maciel de Souza, 84 anos, ex-eletricista da fábrica. Paulo Duarte de Andrade Silva, 74 anos, ex-funcionário da fábrica. Sylvio de Vasconcelos e Silva (1916 – 2014). Filho do fundador da Fábrica Caroá de Caruaru.

AGRADECIMENTOS: Museu da Fábrica Caroá – Caruaru-PE, na pessoa da Sr. Regina, Secretária de Cultura. Fundação de Cultura e Turismo de Caruaru Jornal Vanguarda de Caruaru


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