CULTIVO DO CAFÉ (Coffea arabica L.) ORGÂNICO SOMBREADO PARA PRODUÇÃO DE GRÃOS DE ALTA QUALIDADE
REVISTA CIENTÍFICA
CULTIVO DO CAFÉ (Coffea arabica L.) ORGÂNICO SOMBREADO PARA PRODUÇÃO DE GRÃOS DE ALTA QUALIDADE
1ª Edição
CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA Diretor Presidente da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO Diretor - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE Editor-chefe da Associação da Revista Eletrônica a Barriguda - AREPB
ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA – AREPB CNPJ 12.955.187/0001-66 Acesse: www.abarriguda.org.br
CONSELHO EDITORIAL Adilson Rodrigues Pires André Karam Trindade Alessandra Correia Lima Macedo Franca Alexandre Coutinho Pagliarini Arali da Silva Oliveira Bartira Macedo de Miranda Santos Belinda Pereira da Cunha Carina Barbosa Gouvêa Carlos Aranguéz Sanchéz Dyego da Costa Santos Elionora Nazaré Cardoso Fabiana Faxina Gisela Bester Glauber Salomão Leite Gustavo Rabay Guerra Ignacio Berdugo Gómes de la Torre Jaime José da Silveira Barros Neto Javier Valls Prieto, Universidad de Granada José Ernesto Pimentel Filho Juliana Gomes de Brito Ludmila Albuquerque Douettes Araújo Lusia Pereira Ribeiro Marcelo Alves Pereira Eufrasio Marcelo Weick Pogliese Marcílio Toscano Franca Filho Olard Hasani Paulo Jorge Fonseca Ferreira da Cunha Raymundo Juliano Rego Feitosa Ricardo Maurício Freire Soares Talden Queiroz Farias Valfredo de Andrade Aguiar Vincenzo Carbone
VICENTE DE PAULA QUEIROGA JOSIVANDA PALMEIRA GOMES BRUNO ADELINO DE MELO ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE (Editores Técnicos)
CULTIVO DO CAFÉ (Coffea arabica L.) ORGÂNICO SOMBREADO PARA PRODUÇÃO DE GRÃOS DE ALTA QUALIDADE
1ª EDIÇÃO
ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA - AREPB
2021
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Organização do Livro VICENTE DE PAULA QUEIROGA, JOSIVANDA PALMEIRA GOMES, BRUNO ADELINO DE MELO, ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE Capa DIEGO ANTÔNIO NÓBREGA QUEIROGA Editoração ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE Diagramação ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade dos autores. Data de fechamento da edição: 29-01-2021 Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP)
Q3c
Queiroga, Vicente de Paula. Cultivo do café (Coffea arábica L.) orgânico sombreado para produção de grãos de alta qualidade. 1ed. / Organizadores, Vicente de Paula Queiroga, Josivanda Palmeira Gomes, Bruno Adelino de Melo, Esther Maria Barros de Albuquerque. – Campina Grande: AREPB, 2021. 279 f. : il. color. ISBN 978-65-87070-05-6 1. Café. 2. Coffea arabica. 3. Café sombreado. 4. Colheita seletiva. 5. Orgânico. 6. Café especial. I. Queiroga, Vicente de Paula. II. Gomes, Josivanda Palmeira. III. Melo, Bruno Adelino de. IV. Albuquerque, Esther Maria Barros de. IV. Título. CDU 631.5
Ficha Catalográfica Elaborada pela Direção Geral da Revista Eletrônica A Barriguda - AREPB
Todos os direitos desta edição reservados à Associação da Revista Eletrônica A Barriguda – AREPB. Foi feito o depósito legal.
O Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito – CIPED, responsável pela Revista Jurídica e Cultural “A Barriguda”, foi criado na cidade de Campina Grande-PB, com o objetivo de ser um locus de propagação de uma nova maneira de se enxergar a Pesquisa, o Ensino e a Extensão na área do Direito.
A ideia de criar uma revista eletrônica surgiu a partir de intensos debates em torno da Ciência Jurídica, com o objetivo de resgatar o estudo do Direito enquanto Ciência, de maneira inter e transdisciplinar unido sempre à cultura. Resgatando, dessa maneira, posturas metodológicas que se voltem a postura ética dos futuros profissionais.
Os idealizadores deste projeto, revestidos de ousadia, espírito acadêmico e nutridos do objetivo de criar um novo paradigma de estudo do Direito se motivaram para construir um projeto que ultrapassou as fronteiras de um informativo e se estabeleceu como uma revista eletrônica, para incentivar o resgate do ensino jurídico como interdisciplinar e transversal, sem esquecer a nossa riqueza cultural.
Nosso sincero reconhecimento e agradecimento a todos que contribuíram para a consolidação da Revista A Barriguda no meio acadêmico de forma tão significativa.
Acesse a Biblioteca do site www.abarriguda.org.br
EDITORES TÉCNICOS
Vicente de Paula Queiroga (Dr) Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Centro Nacional de Pesquisa do Algodão-CNPA Campina Grande, PB (Brasil)
Josivanda Palmeira Gomes (Drª) Professora da Unidade Acadêmica de Engenharia Agrícola Universidade Federal de Campina Grande Campina Grande, PB (Brasil)
Bruno Adelino de Melo (Dr) Pesquisador do CNPQ / UFCG Universidade Federal de Campina Grande Campina Grande, PB (Brasil)
Esther Maria Barros de Albuquerque (Drª) Doutora em Engenharia de Processos Universidade Federal de Campina Grande Campina Grande, PB (Brasil)
APRESENTAÇÃO No Brasil existem poucos trabalhos associando o cafezal orgânico sombreado com a sua produção. Diversos trabalhos mostram que o cafeeiro sombreado pode influenciar ou afetar a sua floração, taxa de fotossíntese, produção, maturação, tamanho dos frutos e qualidade da bebida. Aparentemente a quantidade ótima de radiação depende do manejo das árvores sombreadas (espécie, poda e arranjo), pois em algumas experiências, os cafeeiros sombreados apresentam produções comparáveis, e inclusive maiores que as do café a pleno sol. Em outras, as produções do café sombreado são extremamente baixas, mesmo assim de grande valia para a produção de cafés especiais. Isto depende de uma série de fatores que incluem o clima, intensidade de radiação solar do local, tipo de solo e as práticas de manejo do sistema. Portanto, este livro descreve as principais tecnologias para a produção de café (Coffea arabica) orgânico com sustentabilidade, abordando os seguintes aspectos: variedades indicadas para o sombreamento, morfologia, fenolologia, produção de mudas, plantio em sistema de agroflorestal, conservação do solo, adubação orgânica, controle de plantas daninhas, poda de produção, pragas-doenças, colheita, secagem, processamento, beneficiamento e qualidade. Além disso, os autores desta publicação, preocupados em fortalecer a participação de cafeicultores brasileiros na produção de café orgânico sombreado, trazem a comunidade acadêmica e extensionistas, as informações básicas copiladas de bibliografias existentes sobre Cultivo do café (Coffea arabica L.) orgânico sombreado para produção de grãos de qualidade.
Os autores
SUMÁRIO
CAPÍTULO I – SISTEMA PRODUTIVO DO CAFÉ (Coffea arabica L.) ORGÂNICO SOMBREADO – Vicente de Paula Queiroga, Josivanda Palmeira Gomes, Bruno Adelino de Melo, Esther Maria Barros de Albuquerque, Eduardo Gonçalves de Oliveira ..........................10
CAPÍTULO
II
–
MATURAÇÃO,
COLHEITA,
BENEFICIAMENTO
E
ARMAZENAMENTO DO CAFÉ - Vicente de Paula Queiroga, Josivanda Palmeira Gomes, Bruno Adelino de Melo, Esther Maria Barros de Albuquerque, Eduardo Gonçalves de Oliveira .................................................................................................................................................181
CAPÍTULO III - DEFINIÇÕES DE AGRICULTURA ORGÂNICA E NORMAS DE CERTIFICAÇÃO - Vicente de Paula Queiroga, Josivanda Palmeira Gomes, Bruno Adelino de Melo, Esther Maria Barros de Albuquerque ............................................................................221
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁGICAS .................................................................................240
C a p í t u l o I | 10
CAPÍTULO I
SISTEMA PRODUTIVO DO CAFÉ (COFFEA ARABICA L.) ORGÂNICO SOMBREADO
Vicente de Paula Queiroga Josivanda Palmeira Gomes Bruno Adelino de Melo Esther Maria Barros de Albuquerque Eduardo Gonçalves de Oliveira (Editores)
C a p í t u l o I | 11 INTRODUÇÃO O Brasil é o maior produtor mundial de café; contudo, em 2003, foi o 6º produtor mundial de café orgânico, com uma produção de 80 mil sacas, o que representou 0,2% de sua produção total (MOREIRA, 2003). O cultivo orgânico do café em associação com árvores vem sendo estimulado pelas certificadoras, porém não constitui uma condição limitante para a conversão de cafezais convencionais em orgânicos. As informações existentes na literatura, sobre o efeito do sombreamento na produção de café, são escassas e variam de acordo com as condições regionais (altitude, temperatura, radiação fotossinteticamente ativa e fertilidade do solo) e com a espécie utilizada (ESTÍVARIZ-COCA, 1997). Em muitos estudos conduzidos sobre arborização de cafezais, a sombra reduziu a produção (HERNÁNDEZ et al., 1997). Entretanto, a maioria desses estudos foi conduzida sob sombra muito densa. No Brasil, existe uma grande demanda de conhecimento sobre esses sistemas de produção em termos agronômicos e econômicos. Entretanto, há pouca informação qualificada sobre as práticas de manejo que permitem um desempenho razoável desses sistemas de produção e a informação existente geralmente é superficial. Existem muitas dúvidas sobre a escolha das espécies arbóreas adequadas, seu espaçamento, a frequência da poda, a nutrição dos cafeeiros e a seleção de cultivares mais adaptadas a estas condições. Não são claras as condições edafoclimáticas ou a escala e sistema de produção em que o uso de cafeeiros sombreados permitiria sua inserção bem-sucedida nos agroecossistemas e cadeias produtivas locais. Nesse sentido, Haarer (1977) argumenta que existem muitos aspectos sobre o cultivo do café sombreado que necessitam ser esclarecidos. Primeiramente, deve-se questionar se o cafeeiro requer absolutamente, em qualquer localidade, sombra, e em caso afirmativo, em que intensidade. Deve-se também definir quais as espécies arbóreas que crescem melhor numa plantação ou tipo de solo em particular, qual o espaçamento mais adequado, tanto entre as árvores como entre os cafeeiros, e saber se as espécies utilizadas não competem de forma significativa pela umidade e nutrientes do solo, bem como pela luminosidade. Outro aspecto importante é definir o manejo adequado para a formação do cafezal e das espécies sombreadoras e assegurar-se de que as espécies utilizadas sejam de uso múltiplo e que não favoreçam o incremento de pragas e doenças no cafeeiro. Segundo Fernandes (1986), o sombreamento com espécies e espaçamentos adequados pode apresentar resultados satisfatórios, quando comparado ao cultivo a pleno sol.
C a p í t u l o I | 12 Em relação ao solo, a presença de árvores aumenta o aporte de matéria orgânica em virtude da queda de folhas, conserva a umidade, reduz as perdas de N, aumenta a capacidade de absorção e infiltração de água, reduz o risco de erosão e a emergência de plantas invasoras, e estimula a atividade biológica (MUSCHLER, 2000; BARBERACASTILLO, 2001). Adicionalmente, as árvores contribuem para melhorar a fertilidade do solo (MUÑOZ; ALVARADO, 1997), funcionam como banco de estoque de carbono no solo e na vegetação, removendo quantidades significativas de CO 2 da atmosfera (ANDRADE; IBRAHIM, 2003), e servem como refúgio para a biodiversidade animal (PERFECTO et al., 1996; GORMLEY; SINCLAIR, 2003). A existência de maior biodiversidade possibilita a autorregulação dos sistemas (DUBOIS, 2004) e proporciona condições desfavoráveis ao estabelecimento de pragas e doenças (GUHARAY et al., 2001), como por exemplo, a cercosporiose (Cercospora coffeicola), a antracnose (Colletotrichum spp.) (BOULAY et al., 2000) e o bicho-mineiro (Leucoptera coffeella), que preferem ambientes ensolarados e mais secos (HAGGAR et al., 2001). A produção orgânica é baseada em princípios de diversificação, reciclagem, processos biológicos e imitação de habitats naturais (IFOAM, 1996) e pode ser uma alternativa interessante sob os aspectos ambiental, social e econômico, pois não contamina o meio ambiente nem as pessoas direta e indiretamente envolvidas, além de agregar mais valor ao produto final. Por outro lado, o café sombreado é um dos sistemas mais antigos de produção de café (Coffea arabica L.) no mundo, particularmente difundido na Colômbia, Costa Rica, Guatemala, El Salvador e México. No norte da América Latina, antes da década de setenta, o café era produzido predominantemente em sistemas sombreados, altamente diversificados, caracterizados pelo baixo impacto ecológico e a baixa produtividade (PERFECTO et al., 1996). As regiões cafeeiras do mundo apresentam condições ecológicas muito distintas, sugerindo que o comportamento desta rubiácea não é idêntico em todas as áreas produtoras e os resultados experimentais frequentemente não concordam entre si ou são diametralmente opostos. As espécies do gênero Coffea mostram uma ampla margem de adaptabilidade a diferentes condições edafoclimáticas (CARVAJAL, 1984). Em grande parte das regiões produtoras de café, predominam condições edafoclimáticas adversas como: déficit hídrico anual; presença de solos rasos, de texturas arenosas, com
C a p í t u l o I | 13 baixa fertilidade natural, e que apresentam baixa capacidade de retenção da água; ocorrência de ventos fortes e elevada taxa evapotranspiratória. Essas condições, somadas às frequentes oscilações do preço do café e à pressão da sociedade por uma cafeicultura mais sustentável, têm redirecionado a visão do cafeicultor para a utilização de espécies perenes que possam ser consorciadas com o café, visando o aumento da rentabilidade por área cultivada e à minimização dos efeitos adversos do clima. Ou seja, a diversificação da produção é uma importante estratégia para manter o equilibro econômico da propriedade e os sistemas agroflorestais podem ser uma alternativa. No Brasil, o sombreamento dos cafeeiros era uma prática comum na região Norte e Nordeste até os anos sessenta. No começo desta década foram eliminadas grandes áreas de café com o objetivo de diminuir a superprodução e posteriormente, na década de setenta, algumas destas áreas foram substituídas por café a pleno sol. Estes cafeeiros rapidamente se converteram em improdutivos devido às condições climáticas, e, enquanto muitos agricultores desistiram da cultura, outros voltaram a cultivar o café sombreado (MATSUMOTO; VIANA, 2004). Mesmo assim, o café sombreado ainda se encontra mais difundido no Norte e Nordeste do País. Nas regiões Sul e Sudeste o sombreamento é menos frequente, sendo as árvores geralmente utilizadas para proteger a cultura das geadas ou cultivadas pelo seu alto valor econômico. No caso do Nordeste é comum seu cultivo em associação com diversas espécies sombreadoras, onde essa prática tem se mostrado promissora. Os maiores benefícios fisiológicos que o cafeeiro recebe das árvores de sombra estão associados com a redução do estresse da planta, pela melhoria do microclima e do solo (BEER, 1997; BEER et al., 1998). Essas modificações microclimáticas interferem no comportamento da planta de cafeeiro, alterando as trocas gasosas, a anatomia, a morfologia, o crescimento e o desenvolvimento produtivo, refletindo consequentemente em sua produtividade. SOTO-PINTO et al. (2000), verificaram em estudos realizados em cafezais comerciais sombreados que a cultivar, idade do cafeeiro, número de espécies e densidade de árvores que promoviam o sombreamento não foram fatores que influenciaram a produção dos frutos de café. Entretanto, foi verificada uma relação positiva entre níveis de sombreamento de 23 a 38% e produção de frutos. No Sudoeste da Bahia, o sombreamento com grevilhas tem sido empregado para amenizar a limitação hídrica, uma das principais restrições à produtividade dos cafezais nessa região.
C a p í t u l o I | 14 Matiello et al. (1989), trabalhando com cinco níveis de sombra variando de 0 a 100%, em áreas com período seco acentuado no Nordeste brasileiro (Brejão, PE), verificaram que o sombreamento tem resultado em melhor enfolhamento e maior produtividade dos cafeeiros, sendo os melhores resultados obtidos com os níveis de 50 a 75% de sombra. Para que a cultura cafeeira no país tenha uma colocação de sucesso no mercado mundial, é necessário se desenvolver sistemas que venham minimizar os riscos causados pelas Mudanças Climáticas Globais (MCG) previstas para os próximos anos ao qual a cultura esta sujeita. A arborização na agricultura é uma técnica muito utilizada em países equatoriais para a proteção de cafezais contra as adversidades climáticas e promover a sustentação da cultura. Este método visa melhorar o ambiente, mantendo uma insolação necessária aos cafeeiros de forma a permitir a fotossíntese normal (CAMARGO; GONÇALVES, 2004). O sombreamento de cafezais no Brasil é uma tecnologia que vem ganhado importância nos últimos tempos. O ponto chave da expansão desse sistema de produção é a capacidade de satisfazer megatendências mundiais como: competividade, internacionalização, mudanças nos padrões de consumo e conscientização ecológica. Além disso, o sombreamento de cafeeiros pode contribuir para viabilizar o cultivo no sistema orgânico, minimizar gastos com insumos, promover melhor qualidade de bebida, gerar fonte de renda adicional para o produtor, promover a manutenção de sistemas equilibrados, com preservação da biodiversidade, solo, qualidade de recursos hídricos e sequestro de carbono e amenizar adversidades climáticas como geadas, secas e altas temperaturas. É importante destacar que os plantios de café sombreado no Nordeste do Brasil são frequentemente citados como exemplos de sucesso, em razão de diversificar a fonte de renda do agricultor ao produzir o cafeeiro em sistemas agroflorestais; também podem apresentar outros benefícios, entre eles, melhoria da qualidade do café, agregando mais valor ao produto, tendo como exemplo o café orgânico produzido pela empresa Yaguara Ecológica em Taquaritinga do Norte, PE. A exigência por cafés especiais ou de qualidade, tanto no mercado nacional como internacional, é cada vez mais intensa. Portanto, a qualidade transformou-se num fator imprescindível para a manutenção do cafezal orgânico sombreado e a conquista de novos mercados. Registros no CONDEPE apontam que este município apresenta à altitude de 774 m acima do nível do mar. A temperatura média anual é de 20,9ºC e a vegetação predominante é a caatinga hiperxerófila. Porém, o bioma onde o café da variedade Typica (Coffea arábica)
C a p í t u l o I | 15 é produzido esta localizada em uma área de microclima onde prevalece a mata atlântica, a qual cultivada a sombra no meio das árvores, apesar de que não foi encontrado registro que confirme a chegada do café em Taquaritinga do Norte. É importante destacar que o café orgânico de Taquaritinga do Norte é cultivado dentro do conceito da agroecologia, o qual garante sua produção dentro das boas práticas agrícolas. Além disso, a empresa Yaguara adota o sistema consorciado com outras culturas (policultivos) e utiliza, para fertilizar o solo, a matéria orgânica como adubos verdes e cobertura morta. Na atualidade a busca por uma melhor qualidade de vida despertou no consumidor uma maior preocupação com a saúde e com a segurança do produto, aumentando assim aos poucos a procura por alimentos orgânicos. Além disso, alguns cafeicultores passaram a tentar diferenciar seus grãos com base na origem, qualidade ou sustentabilidade, tentado, de alguma forma, agregar valor ao café. Foi percebida a pré-disposição dos consumidores internacionais em pagar um ágio por um produto com qualidade diferenciada, valorizando atributos como a sustentabilidade (SAES et al., 1997; SAES; NUNES, 2001). Para Souza (2006), a qualidade do café tem relação direta com as condições agroecológicas e as decisões tomadas do produtor, tais como as terras escolhidas para o plantio, o sistema de cultivo (em pleno sol ou a sombra), colheita com uso intensivo de mão de obra ou mecanizado, a forma de beneficiamento via seca (café natural) ou via úmida (cereja descascado e café despolpado) e, por fim, a separação em lotes homogêneos.
IMPORTÂNCIA ECONÔMICA Agroecossistema - O Brasil ocupa o primeiro lugar a nível mundial em biodiversidade, a qual tem entre suas principais ameaças o desflorestamento e a mudança climática. A agricultura segue sendo o fator mais importante do desflorestamento no mundo, tornando urgente promover interações positivas entre esse setor e a atividade florestal (ORGANIZACION DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA AGRICULTURA Y LA ALIMENTACION, 2016). Em esse sentido, os sistemas agroflorestais (SAF) consistem na introdução ou retenção de árvores nas fazendas para aumentar, diversificar e sustentar a produção e, ao mesmo tempo, melhorar os benefícios sociais, econômicos e ambientais, sendo importante para a transformação da agricultura convencional em agricultura climaticamente inteligente, uma vez que fornecem aos agricultores rurais fontes
C a p í t u l o I | 16 adicionais de renda e maiores estratégias de resiliência para se adaptar aos impactos do mercado ou do clima, reduzindo sua exposição aos riscos (ATANGANA et al., 2014; LASCO et al., 2014; MONTAGNINI, 2015; REED et al., 2017). Segundo Masera et al., (1999), o café como um agro-sistema, desempenha um efeito positivo na regulação da água, uma vez que a sombra reduz a evaporação, promovendo maior infiltração da chuva no solo. As árvores mantêm uma cobertura natural permanente formada com folhas secas; contribuem para a redução da erosão hídrica, melhora o microclima; assimilam e fixam o carbono; conservam ou melhoram a fertilidade do solo e constituem em habitat para a biodiversidade (Figura 1). Também preserva os processos de reciclagem de nutrientes e cria o ambiente ideal para o paisagismo e a promoção do turismo.
Figura 1. Ciclo de nutrientes de Coffea arabica. Foto: José Laércio Favarin e Paulo Mazzafera (2017).
No Brasil, apesar de predominar o cultivo a pleno sol, a técnica de sombreamento de cafezais tem se expandido em virtude da necessidade de se produzir com menor uso de insumos, como no sistema orgânico. Outra razão é a possibilidade de renda adicional para o agricultor e manutenção do sistema equilibrado, com preservação da biodiversidade, solo, qualidade dos recursos hídricos e sequestro de carbono. Para o cafeeiro, o
C a p í t u l o I | 17 sombreamento protege contra as temperaturas extremas, reduz a bienalidade de produção, a incidência de seca dos ponteiros e melhora a qualidade do café (RENA; MAESTRI, 1985; VAAST et al., 2005). Além disso, a produção de café tem atraído uma atenção considerável em todo o mundo, devido à sua importância econômica, social e ecológica, onde os sistemas agroflorestais (SAFs) foram propostos como uma maneira de conciliar a conservação da biodiversidade, a produção de alimentos e a prestação de outros serviços dos ecossistemas (HERNÁNDEZ et al., 2009; GOODALL et al., 2015; DE BEENHOUWER et al., 2016). No Norte da América Latina a recuperação da antiga prática do sombreamento começou nos anos noventa, quando a crise do preço internacional do grão forçou os países produtores a desenhar estratégias de recuperação econômica. Uma das propostas foi incentivar a expansão do café sombreado com o objetivo de reduzir a produção e os custos (LYNGBÆK et al., 2001). Também foram consideradas outras vantagens como a geração de serviços ambientais, particularmente o aumento da biodiversidade regional e o melhoramento das condições socioeconômicas dos agricultores, através da produção de cafés especiais que têm preços diferenciados dos mercados de comoddities. O café (Coffea arabica L.) é uma espécie originária do sub-bosque e de baixa estatura que cresce em nível abaixo do dossel florestal, por isso os cafeeiros possuem capacidades fotossintéticas adaptadas a ambientes sombreados. No entanto, plantações a pleno sol permitem produtividades mais elevadas se as condições de temperatura e de manejo forem adequadas (RAPIDEL et al., 2015). É por isso que no sistema agroflorestal (SAF) o estudo das interações entre as plantas lenhosas perenes e o cultivo consorciado é relevante, uma vez que o equilíbrio entre elas determina o efeito total dentro do sistema; as interações podem ser positivas, neutras ou negativas; uma interação positiva é a complementaridade entre os componentes na aquisição de recursos, enquanto a competição por água, nutrientes e luz é um exemplo de interações negativas. Uma compreensão de onde e como as interações ocorrem indica domínios de possíveis modificações do sistema que se podem empreender mediante as atividades de manejo (ATANGANA et al., 2014). Usos – Os grãos de café são usados principalmente para produzir a bebida estimulante com o mesmo nome, mas também podem ser usados como biofertilizantes, biocombustíveis, biomassa e para fins medicinais, por exemplo, para o tratamento da malária na América Latina (MANSFELD WORLD DATABASE, 2014; ZUORRO; LAVECCHIA, 2012; MACHADO et al., 2010; PANDEY et al., 2000).
C a p í t u l o I | 18 Propriedades - Considerando as propriedades da bebida, o café arábico é profundo e penetrante, de sabor ácido e com baixo teor em cafeína. O café das variedades Robusta é mais forte e apresenta um sabor mais amargo. Além disso, o seu alto teor em cafeína faz com que o seu consumo seja realizado principalmente na forma de mescla. Existem vários termos para descrever as características organolépticas dos cafés. Começando com o sabor, o café pode apresentar gostos ácidos, amargos, doces, salgados ou azedos, dependendo da composição química, do grau de torrefação, da variedade utilizada e do tempo de fermentação. Em geral, os gostos excessivamente azedos e amargos são considerados indesejáveis. Em relação à textura, o café pode ter mais ou menos corpo, e pode ser ou não ser adstringente, uma característica considerada indesejável. Terminando com o aroma, este pode ser classificado em animal, cinza, queimado/defumado, químico/medicinal, chocolate, caramelo, cereal/ malte/pão torrado, terra, floral, frutas/cítrico, erva/folhagem, noz, ranço/podre, borracha, especiarias, tabaco, vinho e madeira (OIC, 2014). Tendo em conta as propriedades da cafeína, este composto é um estimulante do sistema nervoso central, que aumenta o estado de vigília, estimula as contrações cardíacas, promove a vasodilatação periférica e a vasoconstrição a nível craniano. Também é responsável por estimular a musculatura esquelética, diurese e secreção e motilidade gástrica. A cafeína também é utilizada como adjuvante no tratamento de enxaquecas e de sobrepeso, uma vez que está associada a medicamentos com efeitos colaterais sedativos (ARVY et al., 2007; VANACLOCHA; FOLCARA, 2003; CLARKE; MACRAE, 1988). Considerando os efeitos fisiológicos da bebida, o café parece produzir um ligeiro aumento da pressão arterial e dos níveis de homocisteína em soro. O consumo de determinados cafés com altas concentrações de diterpenos também parece levar a um aumento nos níveis séricos de colesterol. No entanto, a relação entre o consumo de café e o desenvolvimento de doenças cardiovasculares não é tão clara, porque outros fatores exógenos que podem influenciar não são levados em consideração, como são a dieta e os hábitos de vida. Por outro lado, alguns estudos associam o consumo de café a um possível desenvolvimento de câncer. Em concreto, estudos in vitro revelam que altas doses de café induzem efeitos mutagênicos em bactérias, fungos e células de mamíferos. No entanto, outros testes mostram que esses efeitos são abolidos quando são adicionadas enzimas hepáticas que exercem um efeito desintoxicador e bioprotetor. Portanto, pode-se concluir que os testes in vitro não são muito confiáveis quando as condições fisiológicas reais não são exatamente reproduzidas em condições reais. Além disso, numerosos componentes
C a p í t u l o I | 19 do café parecem exercer um efeito quimioprotetor devido às suas propriedades antioxidantes. De forma concreta, vários estudos mostram que o consumo de café previne o desenvolvimento de câncer de cólon e fígado, diminui a incidência de diabetes e reduz o risco de sofrer dano hepático e distúrbios neurológicos (HAMID AKASH et al., 2014; CANO-MARQUINA et al., 2013; MURIEL; ARAUZ, 2010; NKONDJOCK, 2009; CLARK; VITZTHUM, 2008; BONITA et al., 2007; SOFI et al., 2007).
ORIGEM E HISTÓRIA O cafeeiro é uma planta perene do gênero botânico Coffea da família Rubiaceae, que contém cerca de 500 gêneros e mais de 6000 espécies, a maioria árvores e arbustos encontrados nos sub-bosques das florestas tropicais. A primeira denominação botânica do café foi Jasminum arabicum laurifolia, incluindo na família Oleaceae por Antoine de Jussieu em 1714. Linnaeus descreveu o gênero Coffea em 1737 e a espécie Coffea arabica L. em 1753, nome que perdura até hoje (WRIGLEY, 1988). As florestas montanas latifoliadas das regiões de Jimma e Kaffa, na Etiópia e no platô de Boma, no Sudão, são consideradas o centro de origem da espécie Coffea arabica. Estas regiões, situadas aproximadamente entre 6 e 9º de latitude Norte e 34 e 40º de longitude Leste, apresentam clima ameno em função da altitude que varia de 1.600 a 2.000 m. A temperatura do ar oscila entre 17 e 20 ºC e as chuvas anuais variam entre 1500 e 1800 mm, bem distribuídas, com um período seco definido de quatro a cinco meses (CARVALHO, 1988; WRIGLEY, 1988). Das diversas espécies de Coffea descritas, apenas duas possuem importância econômica, Coffea arabica (café arábica) e Coffea canephora Pierre (café robusta). Cerca de 70% do café comercializado no mundo é o arábica, que no Brasil corresponde a aproximadamente 80% do café plantado (BARROS et al., 1995; MATIELLO et al., 2002).
PRODUÇÃO DE CAFÉS ESPECIAIS Em decorrência do fraco crescimento do mercado mundial do café tradicional, o setor cafeeiro no Brasil aumenta os investimentos em plantios alternativos de cafés, atendendo ao cenário de segmentação de mercado que se verifica no ambiente externo. Essa segmentação significa a produção de cafés com características diferenciadas, com qualidade superior e maior valor agregado. A aposta do setor, extremamente voltado para
C a p í t u l o I | 20 a exportação, é que o consumo de cafés especiais cresça na ordem de 10% ao ano (SEBRAE; PENSA, 2001). A produção de cafés especiais apresenta boas vantagens aos produtores rurais, uma vez que o preço obtido com o café especial é maior que o tradicional (Figura 2). A valorização de um produto diferenciado representa o preço-prêmio que o produtor recebe por ter investido em um café de alta qualidade com maior custo, porém que agregou valor e foi reconhecido pelo comprador (PORTER, 1989). A boa aceitação no mercado externo tem influenciado os produtores a investir na produção com o objetivo de exportar. Essa evidência é verificada principalmente nas regiões com pouca tradição em cafeicultura e que estão investindo nesse segmento de cafés especiais exclusivamente para exportação, como os estados de Pernambuco e Rondônia. No tocante ao mercado interno, a diversificação dos canais de distribuição, comercializando o produto diretamente a cafeterias e lojas especializadas também é considera uma vantagem, uma vez que diminui a dependência dos canais tradicionais dos mercados internos e externos (SEBRAE; PENSA, 2001).
Figura 2. Cafés especiais caracterizados por grãos graúdos e homogêneos.
O setor de beneficiamento, torrefação e moagem, responsável pelo processamento dos grãos para consumo, notadamente relacionado ao mercado interno, identifica vantagens significativas na comercialização dos cafés especiais, com destaque ao diferencial maior de preço praticado sobre a agregação de valor ao produto. No entanto, a restrição de mercado decorrente da dificuldade do consumidor identificar os atributos superiores do
C a p í t u l o I | 21 café diferenciado, aliado a escassez de encontrar a matéria-prima adequada disponível no mercado nacional, são agentes desestimuladores para investir no segmento (SEBRAE; PENSA, 2001). O primeiro fator que deve ser levado em consideração para se definir a qualidade do café é a sua espécie, já que existem diferenças entre as espécies arábica (Coffea arabica) e robusta (Coffea caneplora), as duas mais cultivadas em todo o mundo. O arábica é um café mais fino, que apresenta uma bebida de qualidade superior, com maior aroma e sabor. É o tipo preferido para produção de cafés especiais ou com atributos diferenciados, como o orgânico. A diversidade climática é outro fator determinante da qualidade do café, pois proporciona variações quanto à acidez, corpo, doçura e aroma do café. O Brasil possui uma diversidade muito grande de cafés quanto à qualidade da bebida em decorrência da sua imensa variedade de solos e climas, associados a diferentes sistemas de manejo da lavoura e do fruto colhido (EMBRAPA, 2004). Para que um produto seja vendido como orgânico, a propriedade deve passar por um período de conversão, que no caso do café pode durar até três anos, criando desse modo uma forte barreira de entrada devido à improdutividade durante esse tempo e deixando o produtor com poucas alternativas de produção. Há também a preocupação do produto sair orgânico da propriedade rural e contamina-se no processo de beneficiamento ou comercialização, o que requer forte controle das transações verticais (PORTER, 1989). A competividade da cafeicultura orgânica está diretamente ligada à integração dos sistemas de produção, minimizando gastos com insumos pelo aproveitamento de resíduos e agregando valor ao produto. A cafeicultura orgânica apresenta, também, na análise do estado nutricional e da fertilidade do solo das lavouras, alta eficiência deste sistema de produção no fornecimento de nitrogênio, elemento essencial às plantas, via compostos orgânicos (estercos), adubação verde e roçada de plantas espontâneas como cobertura vegetal permanente do solo (EMBRAPA, 2004). Nesse conceito diferenciado do café, surgem atributos de qualidade que vão além dos aspectos tangíveis (aspectos físicos, sensoriais e locacionais), agregando aspectos imateriais relacionados a questões tecnológicas, manutenção de fauna e flora e responsabilidade social. Zylberszrtajn e Farina (2001) apresentam o conceito de cafés especiais:
C a p í t u l o I | 22 O conceito de cafés especiais está intimamente ligado ao prazer proporcionado pela bebida. Tais cafés destacam-se por algum atributo associado ao produto, ao processo de produção ou o serviço a ele relacionado. Diferenciam-se por categorias como qualidade superior da bebida, aspectos dos grãos, forma de colheita, tipo de preparo, história, origem dos plantios, variedades raras e quantidades limitadas, entre outras. Podem também incluir parâmetros de diferenciação que se relacionam a sustentabilidade econômica, ambiental e social da produção. De acordo com Almeida et al. (2010), os cafés especiais são divididos em quatro categorias principais: os de qualidade superior (Gourmet), origem (Estate Coffe), sombreado e orgânico. Tais produções, conforme Souza (2006), são ditas como sustentáveis quanto aos aspectos ambientais quando se tratam de sombreado e orgânico. Para Almeida et al. (2010), o café de qualidade superior está relacionado diretamente aos aspectos de homogeneização dos grãos que devem ser selecionados por lotes de produção de cafés de grãos maduros, verdes e secos. Os aspectos relacionados à forma do beneficiamento também são importantes, com a possibilidade de escolha por parte dos produtores. Para Souza et al. (2000), a certificação para os cafés de origem se torna primordial porque, em comparação com o café “gourmet” que podem ter suas características comprovadas ou não, o consumidor busca, nas certificações, a certeza da região de produção do café que esta sendo por ele consumido. O seguimento de cafés especiais contempla, também, os orgânicos, e os sombreados. Seus surgimentos estão ligados diretamente à exigência do mercado consumidor por um produto naturalmente sustentável, saudável e que constituam uma alternativa de renda nas regiões do país que ainda estão em processo de desenvolvimento (SOUZA, 2006). Para o café receber a certificação de “especial” e garantir ao consumidor a melhor experiência com a bebida, o produto precisa ser submetido à rigorosa avaliação da Associação Brasileira de Cafés Especiais. A entidade julga todo processo de produção, desde o cultivo, passando pela colheita e torra até chegar à xícara. As notas variam entre 60 e 100 pontos e, acima de 80, em várias faixas de valores, o café é classificado como especial. Conforme Ponte (2004), o café do tipo sombreado tem como proposito preservar o meio ambiente. É uma forma de tentar reproduzir o habitat natural da planta, podendo ser produzido em níveis diversos de sombreamento, com poucas espécies de árvores ou com uma maior biodiversidade, onde a cobertura florestal preservada se transforma em um
C a p í t u l o I | 23 habitat perfeito para várias espécies, por isso a denominação “eco friendly” (SOUZA, 2006). Para Souza (2006), mesmo com a baixa produtividade, os cafés de sombra geram uma bebida bastante apreciada por sua qualidade, devido à cobertura vegetal gerar um efeito de controle nas oscilações diárias de temperatura. O café sombreado, normalmente, tem características inerentes a outro tipo de café especial: o café orgânico.
DISTRIBUÍÇÃO DA PRODUÇÃO DO CAFÉ NO NORDESTE No Nordeste, o café é cultivado nos estados da Bahia, Pernambuco, Ceará e Alagoas (IBGE, FAO, apud BRASIL, 2014). Embora a região Nordeste seja a segunda produtora em volume, no País sua participação é de apenas 7%, sendo o estado da Bahia o maior produtor da região com um volume de 97%, ficando 3% para os estados de Alagoas, Pernambuco e Ceará (FAO, IBGE, 2009, apud SEBRAE, 2011). Em Pernambuco, o cultivo do café teve início desde a época do Brasil Império, na cidade de Garanhuns, região do Agreste e se apresentava como o quinto melhor café do País. Dados do IBGE (2010) apontam que a área plantada teve crescimento de 2.873 hectares no ano de 2010 para 3.892 hectares no ano de 2011 (SEBRAE, 2011). No obstante o crescimento da área plantada, a pesquisa Sebrae (2011) registra que, em alguns municípios, houve uma descontinuidade da cultura, refletindo uma queda da atividade e impacto na economia local. Conforme o SEBRAE (2011), embora o município de Garanhuns mantenha a tradição de produtor de café no Estado, o destaque foi o município de Taquaritinga do Norte, com produção de 630 toneladas, isto é, 1\3 da produção do estado. Na Figura 3, verifica-se o mapa de Pernambuco, destacando a localização geográfica do município supracitado do Agreste Setentrional.
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Figura 3. Localização do município de Taquaritinga do Norte no Agreste Setentrional de Pernambuco, tendo as seguintes coordenadas geográficas: Latitude: 7° 53' 17'' Sul, Longitude: 36° 5' 33'' Oeste.
A cafeicultura em Pernambuco concentra-se nos municípios do Agreste, devido às características climáticas e de altitude, principalmente considerando que a espécie predominante é a arábica. Essa mesorregião é responsável por 92% do total estadual, como pode se observar na Figura 4. Com mais de 1/3 do café produzido no Estado, Taquaritinga do Norte aparece na liderança do ranking de municípios produtores. Garanhuns e Brejão ocupam a segunda e terceira posições, respectivamente, com volumes parecidos. Mesmo com a supremacia das cidades do Agreste, há registros, segundo o IBGE (2009), de produção em Triunfo, Exu, Santa Cruz da Baixa Verde e Moreilândia, localizadas no Sertão.
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Figura 4. Produção de café por mesorregião do Agreste do pernambucano. Fonte: IBGE – PPM, 2009 (Elaborado por Sebrae/PE, 2011).
No estado de Pernambuco, de acordo com IBGE (2019) no ano de 2018 foram produzidas 996 toneladas de café em grão verde numa área de aproximadamente 2,08 mil hectares, se destacando o município de Taquaritinga do Norte na região Agreste do estado, com produção de 800 toneladas em 1,6 mil hectares, resultando em produtividade de 8,3 sacas (60 kg) para essa safra, muito aquém da média nacional que está em torno de 25 sacas/ha. Fato que pode estar relacionado às condições edafoclimáticas da região (Figura 5), que é semiárida, ao sistema sombreado empregado na produção ecológica e também às variedades cultivadas Typica e Mundo Novo, que atesta o IAC que esta primeira variedade (Typica) é remanescente das primeiras mudas de café aportadas no Brasil no ano de 1727. Conforme IAC (2009), trata-se de um verdadeiro patrimônio genético e cultural que deve ser preservado e estudado em seu desenvolvimento. Para se entender a importância histórica desse grão, o IAC (2009) o trata como uma espécie de coleção, uma “verdadeira relíquia”.
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Figura 5. Destaque da Terra do Café - Taquaritinga do Norte, PE. Foto: Adaptação de imagens dos arquivos do Café Orgânico Várzea Grande e de Aldo Rocha (2015).
Além do café diferenciado de Pernambuco, os estados da Bahia e do Ceará também apresentam potenciais para produzir café orgânico sombreado, sendo que no caso cearense existe uma região, o Maciço de Baturité, muito propícia ao cultivo do café arábica, de alta qualidade. A experiência da Chapada Diamantina, na Bahia, de altas altitudes e baixas temperaturas é conhecida pelo plantio de cafés especiais de alta qualidade, utilizando as cultivares Catuaí e Catucaí.
SUSTENTABILIDADE O conceito de sustentabilidade implica produção em longo prazo sem causar maiores danos ao meio ambiente ou esgotar os recursos naturais (BENZING, 2001). Diz-se que a agricultura é sustentável quando é ecologicamente segura, economicamente viável, socialmente justa e culturalmente apropriada, onde o meio ambiente e os recursos naturais são à base da atividade econômica. A agricultura sustentável preserva a biodiversidade, conserva o solo, a água e a energia, valoriza o conhecimento local, minimiza os insumos externos que o produtor precisa cultivar, tornando-o mais autossuficiente (LABRADOR; ALTIERI, 2001).
C a p í t u l o I | 27 Uma iniciativa que vem ao encontro da produção sustentável de café é o Código Comum para a Comunidade Cafeeira (4C) que visa ampliar a oferta de café verde no mercado comum, produzido com critérios ambientais, sociais e econômicos. Esse Código está sendo desenvolvido num processo transparente e participativo, aberto a todos que integram ativamente o setor do café no mundo, desde organizações de produtores, comércio, indústria e sociedade civil organizada. Destaca-se que o investimento necessário para adaptação ao 4C não significa necessariamente em prêmio no preço da saca comercializada. O que existe é o compromisso das indústrias de comprar, e da rede varejista de comercializar, de forma gradativa e ao longo do tempo, volumes crescentes de café com padrão 4C (BLISKA et al., 2007).
PRODUÇÃO ORGÂNICA A agricultura orgânica é um sistema produtivo que exclui o uso de fertilizantes, pesticidas sintéticos (ALTIERI, 1999), hormônios e reguladores de crescimento para a produção agrícola (CUCHMAN; RIQUELME, 2000). Segundo a Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica, IFOAM (2003), a produção orgânica é "um sistema holístico, baseado em uma série de processos que resultam em um ecossistema sustentável, alimentos seguros, boa nutrição, bem-estar animal e justiça social". Esta definição compreende uma série de princípios como; manter e aumentar a fertilidade e a atividade biológica do solo; manter e fortalecer a biodiversidade natural através da proteção do habitat; promover o uso responsável e a conservação da água; evitar a poluição e o desperdício de recursos renováveis; reconhecer a importância de aprender e proteger o conhecimento local e os sistemas tradicionais de produção, entre outros. No Brasil, a Instrução Normativa nº 7 do Ministério da Agricultura e Abastecimento, de maio de 1999 (BRASIL, 1999), definiu: Considera-se sistema orgânico de produção agropecuária e industrial, todo aquele em que se adotam tecnologias que otimizem o uso de recursos naturais e socioeconômicos, respeitando a integridade cultural e tendo por objetivo a auto-sustentação no tempo e no espaço, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energias não-renováveis e a eliminação do emprego de agrotóxicos e outros insumos artificiais tóxicos, organismos geneticamente modificados - OGM transgênicos, ou radiações ionizantes em qualquer fase do processo de produção, armazenamento e de consumo, e entre os mesmos, privilegiando a preservação da saúde
C a p í t u l o I | 28 ambiental e humana, assegurando a transparência em todos os estádios da produção e da transformação. A grande maioria das propriedades em sistemas orgânicos de produção de café é certificada de acordo com os princípios dessa Instrução Normativa e segue, portanto, suas bases tecnológicas de produção. Neste tipo de agricultura, as práticas mais comuns são rotação de culturas, uso de restolho vegetal, esterco animal, associação com leguminosas, adubos verdes, rochas minerais e o controle biológico de pragas e doenças, práticas que aumentam a fertilidade do solo e eles ajudam no controle de ervas daninhas, doenças e pragas na lavoura (ALTIERI, 1999). Segundo Cenicafe (2005) define café orgânico como "café produzido e processado em um sistema sustentável (ambiental, técnico, social e economicamente viável), sem o uso de produtos químicos sintéticos". Deve-se ter em mente que a produção de café orgânico não é sinônimo de cultivo abandonado, mas responde a recomendações técnicas sob uma consciência orgânica (BOYCE, 1994). Há uma série de condições que um cafeicultor com potencial para produzir café orgânico certificado deve atender: 1) não usar produtos de síntese química no gerenciamento da fazenda; 2) estabelecer práticas de conservação de recursos naturais; 3) possuir bases conceituais de produção orgânica (produção e certificação) (OSPINA; FARFÁN, 2003), além daquelas exigidas individualmente pelo organismo de certificação. Encontra-se no terceiro capítulo mais informações sobre Agricultura Orgânica e Normas de Certificação. O que mostra a importância relativa do café cultivado pelos métodos da agricultura orgânica não é tanto o volume de café que se vende, mas o enorme esforço dos produtores no sentido de adquirir conhecimentos sobre técnicas agrícolas que exigem baixos níveis de inversão de capital e que, ao mesmo tempo, atendem aos dois principais objetivos do desenvolvimento sustentável: a) proporcionar alternativas menos nocivas para a manutenção da fertilidade e da qualidade dos recursos naturais; b) contribuir para que pequenos e médios agricultores que operam com base no uso intensivo de mão-de-obra organizem-se em sistemas de cooperativas ou associações que lhes garantam acesso ao mercado.
C a p í t u l o I | 29 BOTÂNICA, MORFOLOGIA E FISIOLOGIA -Aspecto Botânico O cafeeiro pertence à família Rubiaceae, com centro de origem na Etiópia, onde é cultivado em locais predominantemente sombreados, nas regiões montanhosas ocidentais, onde as populações se estabelecem no sub-bosque de florestas caducifólias, entre 1.000 e 2.500 m de altitude, temperatura média anual entre 18ºC e 21ºC e com uma estação seca bem definida, de dois a quatro meses (MIRANDA et al., 1999). No século XV foi levado para a Arábia por mercadores, de onde a planta foi difundida. A espécie chegou ao Brasil no ano de 1727, mas somente no século XIX que a cafeicultura apresentou relevância sobre a economia brasileira, se concretizando como um dos principais produtos do agronegócio brasileiro (ALCANTRA, 2012). No Brasil, o café entrou pelo Pará, seguindo para o Maranhão, Bahia, Vale do Paraíba, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Espírito Santo. Inicialmente, o cultivo ocorria em condições sombreadas, porém, a partir da década de 1950, este manejo foi quase completamente abandonado. Na Tabela 1, encontra-se a classificação taxonômica do café: Tabela 1. Classificação taxonômica do café. Reino
Plantae
Tipo
Espermatofitas
Divisão
Angiospermae ou Magnoliophyta (planta com flor)
Classe
Dicotiledônea ou Magnoliopsida
Subclasse
Metaclamídeas
Ordem: Família: Tribo Género: Subgênero Espécie: Nome binomial
Gentianales ou Rubiales Rubiaceae Coffeae Coffea Eucoffea C. arábica; Coffea canéfora; Coffea liberica etc Coffea arabica L.
O café arábica é o único tetraploide dentre o gênero Coffea, sendo as 5 demais diploides. Isso significa que essa espécie apresenta quatro conjuntos do número básico de cromossomos (n=11), totalizando 44 cromossomos (SOUZA et al., 2004). Quanto ao modo de reprodução, é uma espécie autógama autocompatível e se multiplica predominantemente por autofecundação, que ocorre em aproximadamente 90% das flores fertilizadas pela junção de pólen e óvulo oriundos da mesma planta (FAZUOLI, 2004).
C a p í t u l o I | 30 Existem mais de 500 gêneros e mais de 8.000 espécies desta família (CARVALHO, 1957; PINO; VEGRO, 2008), sendo o gênero Coffea o mais importante, representado por 124 espécies (DAVIS et al., 2011). Tal gênero é constituído de 66 espécies separadas em quatro seções, isto e, Eucoffea, Mascarocoffea, Paracoffea e Argocoffea. A seção mais importante, Eucoffea, possui cinco subseções, das quais a Erythrocoffea é a mais importante comercialmente, pois abrangem as principais espécies cultivadas, a Coffea arabica L. e a Coffea canephora Pierre ex Froehner (Conilon ou Robusta). O Coffea arabica L. é a espécie mais plantada no mundo, em mais de 80% dos países cafeicultores, tendo sua maior difusão no continente americano. Na Ásia, esta espécie quase se extinguiu devido, principalmente, à incidência de ferrugem (Hemileia sp.). Atualmente, encontra-se nas partes altas da Índia, com variedades resistentes às raças predominantes do fungo, bem como nas Filipinas e no Sudeste da Indonésia. O Coffea canephora alcançou o auge de seu cultivo graças à alta resistência à ferrugem das folhas, sendo primeiramente cultivada em Java, pelos holandeses. Hoje, encontra-se, exclusivamente, em regiões com temperaturas médias anuais entre 21 a 26°C. Mais algumas características das espécies de café C. canephora e C. liberica: -Coffea canephora é uma árvore robusta com uma raiz pouco profunda que pode alcançar 10 metros de altura. O fruto é arredondado e leva até 11 meses para amadurecer. Sua semente é alargada e menor que a da espécie C. arabica, enquanto as folhas são geralmente maiores (Figura 6). O café Robusta é cultivado na África Central e Ocidental, em todo o Sudeste Asiático e um pouco no Brasil, onde é conhecido como “Conilon” (WALLER et al., 2007).
Figura 6. Semente da Coffea canephora (Robusta) é alargada e menor que a da espécie Coffea arabica.
C a p í t u l o I | 31 -Coffea liberica é uma árvore de grande porte, com até 20 metros de altura, com folhas grandes e coriáceas. É cultivado na Malásia e na África Ocidental e é comercializado apenas em pequenas quantidades, pois sua demanda é baixa, devido ao fato de que suas características de aroma e sabor a tornam menos valorizada (WALLER et al., 2007). O café arábica é o mais comercializado no mundo devido à sua superioridade na qualidade da bebida e à vasta aceitação no mercado consumidor (SONDAHL; LAURITIS, 1992; NEBESNY; BUDRYN, 2006). Apesar dos avanços alcançados na cultura, a produtividade média do café arábica ainda é considerada baixa quando comparada com o café conilon, especialmente para lavouras mais velhas e com manejo inadequado de condução de plantas.
-Aspecto Morfológico Planta – Trata-se de uma planta perene, com ciclo bianual, de clima tropical de altitude, adaptada a temperaturas amenas e clima úmido, como na região de seu centro de origem (Figura 7). Em geral, apresentam ótimo desenvolvimento em temperatura de 23°C diurna e 17°C noturna. Temperaturas médias mais altas podem causar problemas como o abortamento de flores (ALCANTRA, 2012).
Figura 7. A- Detalhe do ramo plagiotrópico do Coffea arabica L: (1) flor completa; (2) estigma formado pelo filete e a antera; (3) ovário seguido pelo estilete e dois pistilos ou carpelos; (4) brácteolas; (5) fruto seco; (6) semente; (7) corte transversal do ovário;
C a p í t u l o I | 32 O cafeeiro da variedade Típica é um arbusto de caule ereto que pode atingir 2- 3 metros de altura; os seus ramos são longos, flexíveis e trazem as folhas, que são opostas, decussadas e persistentes, e as flores, dispostas em glomérulos axilares. A estrutura primária - todos os tecidos do caule, bem como os das folhas, podem ser traçados em origem a uma gema apical, de forma cônica, que mede 250-300 micros na sua maior altura, e, aproximadamente, 200 micros na sua base (DEDECCA, 1957). Diversas cultivares de Coffea arabica têm aspecto mais compacto em relação a cultivar Típica, utilizada como referência nas análises genéticas da espécie (CARVALHO; MÔNACO, 1972). Trata-se de uma espécie autopolinizada, o que conduz a que as suas variedades tendam a permanecer geneticamente estáveis. No entanto, cepas com mutações espontâneas foram cultivadas devido às suas características desejáveis. "Caturra", por exemplo, é uma forma compacta da cultivar Bourbon; "Maragogipe" que é uma cultivar Típica de grãos grandes; "San Ramón" é uma Típica anã e "Purpurascens" é uma Típica de folhas roxas. Também tem sido desenvolvidas cultivares adaptadas às condições regionais específicas (clima, tipo de solo, doenças etc.) com o objetivo de obter o máximo desempenho econômico. É o caso das variedades “Blue Mountain” (derivada da Typica jamaicana, cultivada comercialmente no Quênia e é resistente à doença do grão de café); “Mundo Novo” (cruzamento de Typica e Bourbon, originalmente cultivada no Brasil); "Kent" (desenvolvida na Índia e de folhas de cor bronze, produz café de alta qualidade e é resistente a várias doenças), SL28 e 34 (desenvolvidas no Quênia, também produz café de alta qualidade, embora sensíveis à ferrugem e doença do grão de café) e Catuai (híbrido de Mundo Novo e Caturra, cultivado na América do Sul) (OIC, 2014; WALLER et al., 2007).
Raiz – O sistema radicular é pivotante, e suas raízes finas localizam-se, em sua maioria, entre 30 e 40 cm de profundidade no solo (ALVES, 2008). A raiz primária se desenvolve da radícula do embrião. A raiz primária e suas ramificações - as raízes laterais - formam a raiz pivotante ou axial, pois a raiz lateral é endógena, acima da zona pilífera, ela possui as mesmas partes da raiz principal (Figura 8).
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Figura 8. Detalhe do sistema radicular da planta de café. Fotos: Arquivo do Manual do Café e Carlos Henrique Siqueira de Carvalho.
O sistema radicular do cafeeiro é responsável, em grande parte, pelo sucesso das práticas de manejo de uma lavoura. Quando tem início o declínio de um cafezal, marcado pela seca de ponteiros, principalmente em decorrência de altas cargas, é necessário, antes de qualquer intervenção para contornar o problema, uma avaliação sobre o estado do sistema radicular. Em muitas situações, as causas podem ser atribuídas às características do solo, associadas ou não à qualidade da muda, preparo do terreno, cuidados no plantio etc. Quando os problemas estão relacionados às raízes, qualquer medida que venha a ser adotada torna-se ineficiente ou antieconômico, ou, quando muito, de eficácia temporária.
Caule – Caule de espessura média e lenho duro/amarelo. De acordo com Coste (1955), as plantas de café arábica são arbustos monocaules (Figura 9), tolerantes ao sombreamento e podem chegar a até 4 metros de altura. Elas apresentam crescimento contínuo com dimorfismo de ramos (plagiotrópicos e ortotrópicos), sendo os ramos plagiotrópicos responsáveis pela produção (THOMAZIELLO; PEREIRA, 2008). Os ramos plagiotrópicos se formam ao longo do ramo ortotrópico, e crescem em comprimento e número de nós, de onde se originam novas folhas (REIS; CUNHA, 2010). Os ramos primários são longos e flexíveis, havendo abundante ramificação secundária e
C a p í t u l o I | 34 terciária. Há tendência de a planta ser multicaule. Entretanto, em plantios comerciais, com desbrotas controladas, consegue-se manter apenas uma haste por planta. Devido à alternância do ciclo vegetativo e reprodutivo, as plantas da espécie são podadas com o intuito de revigoramento e aumento de produção (THOMAZIELLO et al., 2000).
Figura 9. Presença de unicaule na espécie Coffea arabica e de multicaule na Coffea canefora. Foto: José Laércio Favarin (2017).
Ramos – A planta do café tem duas formas de crescimento, uma vertical ou ortotrópica que dá origem ao caule ou tronco e outra horizontal ou plagiotrópica, ou seja, para as laterais do tronco, a partir dos quais se formam os ramos primários ou bandolas e, por sua vez, originam ramos secundários e, em seguida, terciários (AMUSCLAM, 2013). São nas axilas das folhas verdadeiras, até o nono ou décimo par, que ocorrem somente gemas vegetativas que originam ramos ortotrópicos. A partir do décimo ou décimo primeiro par de folhas, surge apenas uma única gema maior por axila, que originará o ramo plagiotrópico e várias gemas menos desenvolvidas, as quais darão origem aos ramos ortotrópicos. Quando a planta "perde" um ramo plagiotrópico, não é capaz de regenerálo, e sim os ramos ortotrópicos na axila do ramo perdido (comumente denominados "ramos ladrões") (Figura 10). A interação entre os padrões de crescimento proporcional desses dois tipos de ramos confere ao C. arabica um formato cilíndrico.
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Figura 10. Tipos de ramos do cafeeiro. Foto: Adaptação de Martinez et al. (2017).
Nos ramos plagiotrópicos, surgem somente gemas produtoras de ramos plagiotrópicos de ordem superior ou de inflorescências nas axilas de suas folhas. Essa característica define o dimorfismo de ramos que ocorre no cafeeiro, em razão de não se recuperar um ramo ortotrópico a partir de fragmentos de ramos plagiotrópicos. Nos trabalhos de melhoramento que visam à propagação vegetativa através do enraizamento de estacas (clonagem de híbridos), podem ser empregadas somente partes de ramos ortotrópicos, que terão crescimento vertical normal, originando uma haste perfeita como a da planta obtida por semente. Plantas obtidas a partir da clonagem de ramos laterais plagiotrópicos desenvolvem-se irregularmente, com crescimento rasteiro, apenas na posição horizontal, sendo do tipo "moita". Ou seja, o dimorfismo de ramos é uma diferenciação somática permanente. Pode-se prová-la via estaquia de cada tipo de ramo, onde o ramo semelhante ao caule ou ramo ladrão origina uma planta normal, enquanto o ramo lateral (plagiotrópicos) forma uma planta atípica, a qual não cresce em altura, mas lateralmente. Por outro lado, os descritores mínimos das cultivares brasileiras podem apresentar internódios curtos, médios ou longo, como é o caso da cultivar Mundo Novo (Figura 11).
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Figura 11. Internódios curtos (A) e longos (B) apresentados nos ramos. Foto: Oliveiro Guerreiro Filho (2007) e Yuliana Duque Garcés.
Meristemas primário e secundário – O meristema primário é o tecido embrionário que forma a todo tempo novos órgãos: raiz, caule, folha e ramo. São células semelhantes à célula tronco animal (WEIGEL; JÜRGENS, 2002). O meristema secundário é formado somente depois do desenvolvimento embrionário. Esses meristemas são: axilar, floral e lateral. O meristema axilar (axila foliar) origina ramo lateral no tronco ou caule – produtivo (gema cabeça de série) ou ladrão (gemas seriadas).
Gemas – A parte aérea da planta de café se desenvolve em uma única haste ortotrópica, a partir da retomada do desenvolvimento do eixo embrionário, durante a germinação, até que a muda atinja de oito a dez pares de folhas (CARVALHO et al., 2008). As gemas localizadas nas axilas foliares, geralmente em número de cinco a seis, são denominadas de seriadas e a primeira gema do conjunto é chamada cabeça de série. A presença de gemas seriadas é que confere ao cafeeiro a capacidade de formação de novas brotações ortotrópicas. As gemas seriadas localizadas nos internódios dos ramos plagiotrópicos
C a p í t u l o I | 37 (axilas das folhas) originarão ramos e frutos, enquanto as gemas cabeça de série originarão apenas ramos plagiotrópicos secundários ou de maior ordem, o que influenciará diretamente o potencial produtivo da planta (RENA; MAESTRI, 1986; Figura 12). Portanto, maior número de ramos plagiotrópicos, associado ao maior diâmetro de copa, contribuirá para maior produção dessas plantas.
Figura 12. Nas axilas das folhas cotiledonares em diante há gemas seriadas. Depois do 6°, 8° ou 10° par de folhas, além das gemas seriadas, tem a gema cabeça de série. A gema cabeça de série é única e origina ramos plagiotrópico/produtivo/lateral. Foto: Cannell (1985).
Existe somente uma gema cabeça-de-série na axila de cada folha presente no nó ao longo da haste principal e, a partir de cada nó, existe apenas um par de ramos plagiotrópicos. Os ramos plagiotrópicos de primeira ordem, ou ramificações primárias, se desenvolvem na axila das folhas, presentes a partir do oitavo ou do décimo nó do ramo principal. As ramificações primárias, assim como as de ordem superior, possuem gemas cabeça-de-
C a p í t u l o I | 38 série com capacidade de se diferenciar em ramificações secundárias e gemas seriadas que dão origem a folhas, ramos secundários ou botões florais, a depender do estímulo ambiental (ALVES, 2008).
Folhas – A variedade Típica de C. arábica apresenta folhas opostas, decussadas, dorsiventrais, curto-pecioladas, de lâmina elíptica ou elíptico-lanceolada, atenuada em ambas as extremidades, glabras, verde-luzidia na face superior e verde clara na face inferior, medindo 9- 18 cm de comprimento e 3-7 cm de largura, nervação reticulada, nervura mediana desenvolvida, com 9-12 nervuras secundárias, recurvadas, de ambos os lados, salientes na face inferior, bordos inteiros, levemente ondulados. As estípulas interpecioladas, de forma triangular ou deltoide e extremidade acuminada, são unidas na base, de modo a rodear completamente o caule e livres na maior porção, estruturalmente muito se assemelham às folhas. As domácias na cultivar Típica apresentam-se localizadas no ângulo formado pelas nervuras secundárias com a nervura principal na face abaxial das folhas, as quais são pequenas saliências nos tecidos ou são obstruídas por um turfo de pelos que têm por finalidade abrigar determinados parasitas (DEDDECA, 1957; Figura 13). As folhas, em plantas adultas, normalmente, estão presentes somente nos ramos plagiotrópicos, no mesmo plano e em posições opostas. A cor das folhas jovens é um importante descritor para as cultivares do grupo Mundo Novo (ALVES, 2008).
Figura 13. Ramo do cafeeiro Coffea arabica (A), destacando a domácia (x4; B) na folha junto às nervuras principal e secundária.
C a p í t u l o I | 39 O lançamento de folhas é um processo contínuo durante todo ano, mas a sua taxa varia com as condições climáticas, sendo maior no período quente e chuvoso que no período seco e frio. A produção de folhas está intimamente associada ao crescimento dos caules, especialmente dos ramos laterais, tendo-se em vista que os primórdios foliares resultam diretamente da atividade da gema apical. O crescimento relevante, portanto, é aquele comprometido com a formação de nós, e não com a extensão dos entrenós, embora os dois processos estejam de algum modo relacionados (RENA; MAESTRI, 1987). Carelli et al. (2002) verificaram que a área foliar individual do café da cultivar Obatã IAC 1669-20 decresceu de 35,8; 53,7; 57,6 e 76,4 cm2 com a respectiva redução da radiação de 100, 70, 50 e 30%. Contudo, os tratamento com sombreamento intermédiário (50 e 70% de radiação) não diferiram estatisticamente entre si, mas o tamanho médio da folha do café variou de 42,1 a 80,9 cm3 (Figura 14). Esse aumento da folha é uma estratégia utilizada pelas plantas para maior captação de luz.
Figura 14. Comparação entre folhas de cafeeiros, aos 38 meses após o plantio, sob 25% de irradiação (a) e a pleno sol (b), em Piracicaba, SP. Foto: Aureny Maria Pereira Lunz.
O pecíolo, em cortes transversais praticados quase ao nível de inserção da folha sobre os ramos, exibe um contorno em forma de escudo, sendo provido na parte superior de duas asas ou aurículas que representam os primeiros estágios da expansão do limbo foliar. O
C a p í t u l o I | 40 seu sistema vascular está representado por um grande feixe central, em forma de arco fechado e que irá constituir-se na nervura mediana da folha. Este grande feixe vascular central, faz-se acompanhar de dois feixes menores, na parte superior e ao nível das azas, e que igualmente exibem o xilema voltado para a epiderme superior e o floema dirigido para a epiderme inferior (DEDDECA, 1957).
Anatomia da folha – A lâmina foliar possui uma ou mais camadas de células externas que constituem a epiderme, especializada na absorção de luz. A epiderme é revestida por uma camada de cutícula (formada por cutina, ceras e pectinas) que reduz a perda espontânea de água e protege contra danos mecânicos. Apresenta grande diversidade anatômica e morfológica e, por estar em contato direto com o ambiente, está sujeita a modificações estruturais, em decorrência de vários fatores ambientais, entre eles a luz. Contém diferentes tipos de células, tais como a dos estômatos, do parênquima paliçádico e lacunoso. A transpiração estomática é responsável por mais de 90% da água transpirada (CARVALHO et al., 2008). A folha do café é dorsiventral - parênquima paliçádico de um lado e lacunoso de outro. Os estômatos estão na epiderme abaxial (hipostomática) onde há, em média, 200 estômatos e 400 estômatos por mm 2 em C. arabica e C. canephora, nessa ordem (VOLTAN, et al., 1992). A densidade estomática é definida como o número de estômatos por unidade de área de uma face foliar, sendo fortemente modificada por fatores ambientais. A forma e arranjo das células do paliçádico e os cloroplastos perpendiculares à epiderme maximizam o uso da luz. O mesófilo com mais espaço entre as células facilitam as trocas gasosas - maior eficiência fotossintética (MENEZES et al., 2012). Os fatores ambientais influenciam diretamente a anatomia foliar, sendo a condição hídrica um dos fatores mais importantes para o desenvolvimento foliar (CASTRO et al., 2009) e a anatomia foliar se destaca nas relações com a produção vegetal (SILVA et al., 2005). A anatomia foliar do cafeeiro demonstra plasticidade para os fatores como as condições de radiação, alterando as espessuras do parênquima paliçádico e esponjoso, dimensões estomáticas, entre outras (NASCIMENTO et al., 2006; PINHEIRO et al., 2005; RAMIRO et al., 2004; Figura 15).
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Figura 15. Estruturas internas das folhas do café desenvolvidas em pleno sol e em plena sombra. Foto: José Laércio Favarin; Paulo Mazzafera (2017).
O parênquima, em sua morfologia, é relativamente simples, mas complexo em sua fisiologia, sendo atribuídas a ele funções como fotossíntese, respiração, trocas gasosas e armazenamento de substâncias como carboidratos, lipídios e proteínas, dentre outras funções (CASTRO et al., 2009).
Floração – As flores do cafeeiro de Coffea arabica L. dispõem-se em glomérulos axilares, originados de gemas nos ramos laterais denominados pagiotrópicos, crescidas na estação anterior, em número variável de 4 a 5 glomérulos por axila, raramente em maior número (MOENS, 1968), envolvidas por um calículo formado por dois pares de bractéolas, respectivamente lanceoladas e triangulares (Figura 16).
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Figura 16. Floração e frutificação da planta do café (C. arabica). Foto: Krug, C. A. (1950) e Desenho: Beatrice Häsler, Uster, Suíça. A) inflorescência, mostrando o calículo, as estipula interpeciolares e bractéolas foliáceos (x2); e B-C) flores, tamanho natural.
C a p í t u l o I | 43 O processo de floração no cafeeiro abrange várias etapas como a indução, iniciação, diferenciação, crescimento e desenvolvimento, dormência e antese (BARROS et al., 1978; WORMER; GITUANJA, 1970). Cada uma dessas etapas é influenciada pelas condições ambientais e por fatores endógenos da planta. Dentre os fatores ambientais os mais importantes são a radiação, a temperatura e a disponibilidade de água e, dependendo da fase de desenvolvimento do cafeeiro, um desses fatores atua no controle do ciclo vegetativo ou reprodutivo da planta (BARROS et al., 1978; CAMAYO-VÉLEZ et al., 2003; MAJEROWICZ; SÖNDAHL, 2005; MOENS, 1968; RENA; MAESTRI, 1986; WORMER; GITUANJA, 1970). Em primeiro lugar, deve-se considerar a fase de indução ou iniciação floral que ocorre, possivelmente, entre fevereiro e março, na maioria das regiões. Antes dessa época, os tecidos que compõem as gemas não diferenciadas não possuem ainda a sensibilidade e não estão aptos ou maduros para perceber o estímulo da floração. Portanto, são incapazes de serem induzidos. Condições ideais são a não ocorrência de déficit hídrico severo, que os dias sejam quentes e as noites frescas (aqui é preciso lembrar que o zoneamento climático para a cultura do cafeeiro define a faixa de 18 0C a 230C, como ideal para a cultura). Essas condições estimulam a indução floral e os tecidos; assim, sensibilizados a “perceberem” o sinal, estão aptos à floração (ALVES, 2007). A passagem da gema à fase reprodutiva (indução) compreende uma sequência de eventos de natureza bioquímica e morfológica que começa com o estímulo indutivo. Em Coffea arabica um leve achatamento do meristema e sua elevação acima do nível original são os primeiros indícios visuais de transição floral (RENA; MAESTRI, 1985). Na sequência são lançadas pequenas gemas que vão crescendo e ficando visivelmente diferenciadas. Sua caracterização nas subfases é feita da seguinte maneira: G1 - refere-se aos nós com gemas indiferenciadas; G2 – nós com gemas intumescidas; G3 – gemas com até 3 mm de comprimento; G4 – gemas medindo 3,1 a 6 mm de comprimento; G5 – gemas de 6,1 a 10 mm (coloração verde claro); G6 – gema maior que 10 mm (coloração branca). Após o G6, normalmente ocorre à abertura das flores nas primeiras horas da manhã, começam a murchar no segundo dia e caem no terceiro (Figura 17).
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Figura 17. Desenvolvimento da gema floral (G) e a floração (FL) do cafeeiro, sendo a fase G subdividida tendo como variável o tamanho das gemas (G1 a G6). Fotos: Heverly Morais (2006).
Em seguida à indução e à diferenciação floral, os primórdios florais se desenvolvem continuamente por um período de dois meses, até atingirem um tamanho máximo de 4 a 6 mm e entrarem em dormência (fase gema dormente), nos dois meses finais, de julho a agosto. Nessa etapa, as gemas são reconhecidas pela coloração amarelo-pálida e contêm alto conteúdo de ácido abcíssico (ABA). Existem evidências de que, nessa fase, o volume do xilema seja bastante reduzido e de que somente o floema faça a conexão vascular do pedicelo, ligando o ramo ao botão floral. Essa vascularização imperfeita do pedúnculo levou alguns autores a concluírem que a dormência, mesmo com suprimento razoável de umidade no solo, seria causada por um déficit interno de água nos botões florais. Em termos de ambiente, o período de dormência parece estar associado a um período de déficit hídrico e baixa temperatura (ALVES, 2007). É importante destacar que o tecido induzido somente conseguirá se diferenciar ou mesmo desenvolver as pecas florais (microscópicas) caso haja umidade no solo. Vale lembrar que o cafeeiro suporta déficits hídricos de até 150 mm sem maiores prejuízos ao
C a p í t u l o I | 45 desenvolvimento vegetativo das plantas e sem consequências significativas para a safra projetada para o ano seguinte. Diversos estudos sugerem que o cultivo do cafeeiro ocorra sob condições intermediárias de sombreamento, de modo que a produção seja homogênea ao longo de vários anos (BAGGIO et al., 1997; MATIELLO; ALMEIDA, 1991). O conhecimento do efeito de diferentes níveis de radiação sobre o desenvolvimento floral do cafeeiro possibilitaria definir os níveis de sombreamento ou a densidade de plantio para maximizar o desenvolvimento, a produção e a sustentabilidade do cafeeiro. Isso porque a frutificação depende de uma floração adequada, e o conhecimento do processo de indução e desenvolvimento de estruturas reprodutivas é fundamental para a obtenção de alta produtividade.
Flores – Grandes, em glomérulos axilares, 1 a 4 flores por glomérulo (est. 4-A) e 1 a 7 glomérulos por axila, protegidos por calículos que podem encerrar apenas 1 glomérulo ou 1 principal e 2 secundários; calículo constituído por 2 a 3 pares de bractéolas e 2 a 3 pares de estipulas interpeciolares, deltoides, pouco acuminadas, com ponta de comprimento variável; o primeiro par de bractéolas muito reduzido; o par médio, de natureza foliar e muito variável em tamanho, e o mais interno, rudimentar ou mesmo ausente em alguns casos; pedicelo curto, ovário ínfero constituído de dois carpelos unidos (pistilo) e se assentem sobre um disco carnoso nectarífero; cálice rudimentar, formado por
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insignificantes
dentículos;
nectário
discoide,
grande;
corola
branca,
hipocraterimorfa, de perfume agradável, constituída por 5 pétalas unidas na base, formando um tubo; lobos da corola lineares, acuminados, estendidos; estames, em número de cinco, epipétalos; com filetes curtos, fixos no tubo da corola juntos aos pontos de separação dos seus lobos ou em posição alternada às pétalas; inserção do filete no terço inferior da antera; estilo com 2 lobos estigmáticos, por onde entram os grãos de pólen, com papilas estigmáticas internas (KRUG, 1950; Figura 18).
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Figura 18. A-B) Flor de café com a corola branca, constituídas por cinco pétalas unidas entre si até quase a parte mediana formando um tubo e o estilo se bifurca em dois lobos estigmáticos. Os lobos da corola são em número de 5 e têm os 5 estames aderidos à sua base; e C) Estame, ligado ao ovário, é formado pelo filete e a antera. Fotos: José Laércio Favarin e Paulo Mazzafera (2017).
C a p í t u l o I | 47 O ovário é normalmente bilocular, cada lóculo encerrando um óvulo anátropo, de funículo curto e inserido em placentas centrais. A epiderme externa do ovário é representada por uma camada de células estreitas e a ela se segue uma extensa região parenquimatosa (futuro mesocarpo do fruto), onde se dispões 2-3 series concêntricas de feixes vasculares. Grande número de células parenquimatosas exibe um conteúdo escuro, provavelmente representado por material tanoide (DEDDECA, 1957).
Fruto – O fruto de Coffea arabica L. variedade Typica Cramer é uma drupa globosa ou ovoide, curto-pedicelada, seu maior eixo medindo cerca de 14 mm, inicialmente de cor verde e depois avermelhada na maturidade, algumas vezes dividida por um sulco longitudinal em duas partes quase iguais, apresentando superiormente uma cicatriz circular correspondente à inserção do cálice e do disco (Figura 19). Encerra normalmente duas sementes, uma por lóculo, ou excepcionalmente 3 ou mais, seja devido à ocorrência de ovários triloculares ou pluriloculares, ou não, no caso de ovários biloculares que apresentam mais de um óvulo por loja (falsa poliembrionia). Outras vezes se desenvolve apenas uma única semente, arredondada, devido ao aborto de um dos óvulos do ovário. Se ocorrer abortamento de um lóculo há formação de semente arredondada, denominada moca (DEDDECA, 1957).
Figura 19. Anatomia do fruto do café.
C a p í t u l o I | 48 Fruto de café tem o pericarpo bem desenvolvido e a semente. O pericarpo é a parede do fruto, a qual possui três camadas: exocarpo (casca), mesocarpo e endocarpo (pergaminho; Figura 20). O exocarpo ou epicarpo é representado por uma única camada de células, correspondentes à epiderme externa do ovário; estas células são estreitas e muito juntas entre si, de paredes delgadas, e entre elas podem ser encontrados estomas. O mesocarpo, também chamado de mucilagem, é uma substância gelatinosa e adocicada existente entre o exocarpo e o endocarpo. É uma região extensa formada de mais de 20 camadas de células parenquimatosas, grandes, frequentemente encerrando um conteúdo de cor escura, que é considerado um material tanoide, como o demonstrou Franco (1939). Além dessa inclusão, a maioria das células encerra açúcares, gomas e mucilagens diversas, que são responsáveis pela consistência suculenta do fruto do cafeeiro no estado de cereja. Por entre as células deste parênquima distribuem-se diversos feixes vasculares, dispostas em 2-3 séries concêntricas, tal como ocorre no ovário. Estes feixes encerram uma predominância de fibras e parênquimas lenhosos de paredes celulares ainda pouco espessas.
Figura 20. Fruto do café possui três camadas: exocarpo (Exocarp), mesocarpo (Mesocarp) e endocarpo (Endorcap), sendo que este último envolve a película prateada (Silver skin) e o endosperma (Endosperm) e C-D) frutos e sementes com e sem pergaminho, de tamanho natural. Fotos: Yuliana Duque Garcés e Krug, C. A. (1950).
C a p í t u l o I | 49 Endocarpo, também chamado de “pergaminho”, apesar de ser uma parte do fruto, acompanha a semente que será usada no semeio tradicional em viveiros. Quando maduro é coriáceo e envolve independentemente cada semente, sendo, na espécie Coffea canephora, menos espesso que na Coffea arabica L. O endocarpo está representado por 5-7 camadas de células menores, sem inclusões de qualquer espécie, e que se confundem com o tecido vestigial da placenta, formando um envoltório para as sementes, que se apresenta menos colorido e que irá constituir no fruto maduro, o pergaminho da semente. Chevalier (1947), designa este envoltório de ‘parche” e o considera como sendo constituído pelas camadas mais internas do mesocarpo; neste caso, então, o endocarpo estaria representado por uma só camada de células, a mais interna, correspondente à epiderme interna que revestia a cavidade ovariana. À medida que o fruto se desenvolve no sentido estágio de cereja, o pericarpo sofre uma série de transformações químicas e estruturais, as primeiras representadas pelo aumento dos teores de água, açúcares, taninos, etc, de suas células, e as segundas, traduzidas pelas alterações na forma e no tamanho dessas células, pelo espessamento e lignificação das paredes celulares. A seguir intensifica-se a lignificação das paredes das células e estas vão gradativamente reduzindo os seus teores das sustâncias anteriormente citadas, até que, ao atingir o estado de fruto seco, o pericarpo, já bem reduzido em espessura, é constituído de células fortemente esclerosadas e destituídas de protoplastos (DEDDECA, 1957). De todas as regiões do pericarpo é, contudo, o endocarpo a que apresenta maiores modificações. No fruto já bem desenvolvido este endocarpo está representado pelo “pergaminho da semente”, de cor branco-acinzentada ou branco-amarelada e de espessura aproximada de 100 micros, de textura flexível, resistente (DEDDECA, 1957). É um tecido triplóide (3n), formado por células poliédricas de paredes muito espessas, em que as hemiceluloses impregnantes apresentam função de reserva. Apresenta plasmodesmas que podem atuar no transporte de substâncias durante a germinação e tem a seguinte composição: água, aminoácidos, proteínas, cafeína, lactonas, triglicerídeos, açúcares, dextrina, pentosanas, galactomananas, celulose, ácido caféico, ácido clorogênico e minerais.
C a p í t u l o I | 50 Frutificação - Depois da fertilização a corola se desprende do ovário, deixando o fruto aderido ao pedúnculo. Em sua primeira fase o fruto tem uma forma globular achatada no ápice, mede aproximadamente 2 mm, possui uma pequena depressão central, é verde amarelado e se encontra protegido por brácteas. O crescimento em tamanho e matéria fresca do fruto é variável, dependendo do genótipo e do ambiente. O crescimento e o desenvolvimento dos frutos seguem um modelo de uma curva sigmoidal dupla (WORMER; NJUNGUNA, 1966; CANNELL, 1971; GÓMEZ, 1977). As subfases são descritas de acordo com o tamanho dos frutos: F1 - até 3 mm de comprimento; F2 – 3,1 a 4 mm; F3 – 4,1 a 5 mm; F4 – 5, 1 a 10 mm; F5 – 10 a 15 mm; F6 – maior que 15 mm (Figura 21). A forma dos frutos das diversas espécies do gênero Coffea é bastante variável (ANTHONY; DUSSERT, 1996), podendo ser considerados arredondados, obovados, ovais, elípticos ou oblongos. Em geral, os frutos das cultivares de café arábica são oblongos, ou seja, ligeiramente alongados (Figura 22).
Figura 21. O desenvolvimento dos frutos (F) do cafeeiro, sendo a fase F subdividida de acordo com o tamanho dos frutos. Fotos: Heverly Morais (2006).
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Figura 22. Frutos oblongos (A) ou arredondados (B). Foto: Oliveiro Guerreiro Filho (2007).
Inicialmente apresenta um crescimento lento, de aproximadamente 6 a 8 semanas de duração, seguido de um período de expansão rápida, que se estende até a décima sétima semana, até o fruto verde atingir seu tamanho final (aproximadamente metade do tamanho do fruto maduro). Nesse ponto o crescimento virtualmente cessa por um longo período, até o início da maturação, quando se reinicia e o fruto aumenta rapidamente de tamanho. Diversos fatores podem afetar o crescimento do fruto, destacando-se água, temperatura, folhas, ramos laterais, nutrição e giberelina (CANNELL, 1971; SUÁREZ, 1979).
Maturação - A maturação é o processo no qual o fruto apresenta as características do final do ciclo reprodutivo como: cor, textura, aroma, entre outros. Neste ocorrem transformações físicas, bioquímicas e fisiológicas determinantes para a qualidade e póscolheita (RENA; MAESTRI, 1985). O pericarpo aumenta de volume e o endocarpo tornase mais denso pela deposição da matéria seca. A taxa de respiração eleva-se nesse período e atinge o máximo na 32ª semana, época aproximada do amadurecimento pleno, caindo a seguir. O tempo necessário para a completa maturação dos frutos varia com as condições climáticas (KUMAR, 1979) e em função da constituição genética do cafeeiro. Em Campinas e em Chinchiná, os frutos do cafeeiro arábica amadurecem por volta de 32ª semana após a abertura das flores (GÓMEZ, 1979; SONDAHL; SHARP, 1979). A maturidade fisiológica dos frutos de C. arabica cv. Mundo Novo foi atingida 220 dias após o florescimento, nas condições de Lavras-MG (CAIXETA, 2001; Figura 23). No cafeeiro a colheita é tradicionalmente determinada pela coloração dos frutos, que pode ser amarela ou vermelha, dependendo da cultivar.
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Figura 23. Ramo plagiotrópico de primeira ordem, destacando a inflorescência e os frutos em estágio de cerejas. Foto: Yuliana Duque Garcés.
Na fase de maturação (M) dos frutos, ocorrem vários processos metabólicos e modificações na composição química, que permitem os frutos alcançarem seu ponto ideal de colheita, o qual se confirma por troca de coloração de verde a vermelho ou amarelo, dependendo da cultivar. As subfases são descritas de acordo com as subfases da maturação, iniciando nas observações semanais com os frutos de coloração diferente do verde. Assim designa-se M1 para frutos de coloração verde, ou seja, sem evidências de alteração na cor; M2 para frutos de coloração verde-cana, os quais já iniciaram a maturação; M3 para frutos em estágio “cereja”, de coloração vermelho claro, e maduros fisiologicamente; M4 para frutos no estágio “passa”, de coloração vermelho-escuro e com início de desidratação; M5 para frutos secos, desidratados com coloração externa escura (Figura 24). Outros autores também descreveram os estágios de desenvolvimento reprodutivo do cafeeiro (MOENS, 1968; GOUVEIA, 1984; CAMOYO; ARCILA, 1996; PEZZOPANE et al., 2003).
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Figura 24. Maturação dos frutos (F) do cafeeiro, sendo que na fase M o critério é à coloração dos frutos. Fotos: Heverly Morais (2006).
Sementes – As sementes do cafeeiro, geralmente em número de duas, são envolvidas pelo endocarpo (pergaminho), e recobertas por uma película prateada, denominada espermoderma, que corresponde aos vestígios do tegumento do óvulo (COSTE, 1955). As sementes são plano-convexas, elípticas ou ovais, sulcadas longitudinalmente na face plana e constituem-se de embrião, endosperma e um envoltório representado por uma película fina e quebradiça denominada de película prateada ou espermoderma (Figura 25). Medições realizadas em um grande número de sementes revelam que na variedade Typica, elas medem 10-18 mm de comprimento por 6,5-9,5 mm de largura.
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Figura 25. Detalhe das sementes ou grãos (cor verde) dentro do fruto do café. Fotos: Hüsniye Kayalar.
C a p í t u l o I | 55 O envoltório seminal, película prateada ou espermoderma mede de cerca de 70 micros de espessura, apresenta-se constituído por numerosas células esclerenquimatosas, dispostas em diversas direções, a maioria delas paralelas à superfície da semente. Estas células fusiformes, que devido à sua forma prosenquimatosa podem ser consideradas como verdadeiras fibras, formam um estrato que se assenta sobre um conjunto de células hialinas, alongadas longitudinalmente ou amorfas devido ao dessecamento que sofrem e que são, portanto, células mortas destituídas de protoplastos. Observa-se que a camada interna está diretamente em contato com o endosperma da semente, tem as células completamente indistintas. As fibras fusiformes da película prateada apresentam no seu conjunto e na sua disposição certa semelhança com as fibras que constituem o pergaminho; contudo, são menores de parede menos espessas, e os seus outros tipos de pontuações. Constituindo o endosperma a parte mais importante da semente, do ponto de vista da utilidade do cafeeiro, tem sido ele objeto de intensivos estudos no que diz respeito a sua composição química, sendo a hemicelulose um dos principais materiais de reserva. Segundo Winton e Winton (1939), no duro e resistente endosperma encerra, além de água, proteínas, os alcaloides cafeína e cofearina, óleos, açúcares, dextrina pentosanas, celulose, ácidos derivados da cafeína, outros ácidos e componentes menores. A reserva gordurosa pode ser facilmente apreciada nas seções de endosperma, notando-se numerosas gotas esféricas de óleo em cada célula. Pelo processo de torrefação altera-se grandemente a composição química do endosperma, já que esse processo é uma distilação destrutiva acompanhada de desidratação, ocorrendo ainda várias reações de oxidação e redução. Sabe-se que durante esta operação a maior parte da água é eliminada, os açúcares são transformados em caramelo, os ácidos derivados da cafeína reduzem-se à metade, bem como há perda do teor da cafeína. Como resultado de todas essas reações se desenvolve no pó de café o aroma, que é um dos seus principais atributos (DEDDECA, 1957). O embrião da variedade Typica é pequeno e se localiza na base da semente, na sua face convexa. Encerra duas folhas cotiledonares cordiformes e justapostas, com eixo hipocotiledonar curto e plúmula reduzida (Figura 26). Na axila das folhas cotiledonares, ocorrem várias gemas que podem originar ramos ortotrópicos (verticais), caso a haste principal seja destruída.
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Figura 26. Seção transversal de uma semente de café mostrando o dobramento da localização do endosperma e do embrião. Semente de café com o pergaminho. Sementes de café embebidas (Coffea arabica cv. Rubi) com o endocarpo removido, mostrando a cobertura (cap) do endosperma e o endosperma lateral. Observa-se o aparecimento de uma protuberância na cobertura do endosperma e nos remanescentes do espermoderme ou “película prateada” na superfície da extremidade basal da semente. Embrião de café embebido isolado após 7 dias de embebição em água, mostrando os cotilédones, o eixo embrionário e os remanescentes do suspensor na ponta da radícula. Foto: Eira et a., (2006).
-Aspecto fisiológico Germinação: Os lotes de sementes de cafeeiro são normalmente constituídos por diferentes tipos de sementes, em intensidade variável em função da espécie, da cultivar e das condições de produção. Embora haja predominância de sementes do tipo chato (sementes normais), ocorrem também sementes mocas, conchas e triangulares, em proporções determinadas pelo genótipo (cultivar) e sua interação com o ambiente (MENDES; BACCHI, 1940). Essas condições, associadas ao processo de extração das sementes, podem afetar a qualidade fisiológica, exigindo cuidados especiais na produção de sementes de café, uma vez que nem todos os tipos de sementes que o cafeeiro produz podem ser apropriados para a propagação da espécie (CASTILLO, 1957; CARVALHO et al., 1983), principalmente devido ao diferencial de vigor que existe entre as sementes de um mesmo lote.
C a p í t u l o I | 57 Outro fator que interfere diretamente na qualidade fisiológica das sementes de café é o teor de água. Segundo Illy (2002), as sementes de café, plenamente maduras, apresentam parede celular bastante espessa que atua como barreira ao movimento de água no interior das sementes. Para Giomo et al. (2005), a integridade do endocarpo também pode interferir na velocidade de perda de água durante a secagem. Assim, se as sementes estiverem imaturas, deterioradas ou com endocarpo danificado, poderão secar mais rapidamente do que as sementes maduras ou com endocarpo intacto. Portanto, além de adotar procedimentos que minimizem as danificações mecânicas durante o processo de extração das sementes, é necessário efetuar rigoroso monitoramento e controle do teor de água durante o processo de secagem, a fim de diminuir os riscos de perda de qualidade advindos de secagem excessiva; segundo Bacchi (1955), a diminuição do teor de água para níveis inferiores a 10% conduz à perda irreversível do potencial fisiológico das sementes de café. Observa-se que o tamanho e a massa da semente são fortes indicativos da sua qualidade fisiológica, revelando relação direta com o vigor e desenvolvimento inicial das plântulas, cujas sementes de menor tamanho e/ou menor densidade, dentro de um mesmo lote, tendem a ter, de modo geral, germinação e vigor inferiores aos das sementes de maior tamanho ou maior densidade (POPINIGIS, 1985; CARVALHO; NAKAGAWA, 2000). Segundo Castro (1960), o tamanho da semente só deve ser considerado como fator limitante à propagação do cafeeiro quando for muito inferior ao tamanho médio das sementes do lote, pois, mesmo com formato, tamanho e massas distintas entre si, os diferentes tipos de sementes presentes no lote possuem carga genética idêntica. Estudando a influência do tamanho da semente no crescimento de plântulas de cafeeiro, Osorio e Castillo (1969) verificaram que a massa da semente foi o fator terminante, em que o incremento de matéria seca e área foliar das plântulas foram proporcionais à massa do endosperma. Da mesma forma, Carvalho e Salles (1957) e Barros e Miguel (1992) verificaram que sementes grandes e pesadas proporcionaram germinação e taxa de crescimentos superiores aos de sementes pequenas, porém com menor velocidade de emergência de plântulas. Portanto, considerando-se que o tamanho da semente do cafeeiro é definido em função do desenvolvimento normal de todos os componentes dos frutos (DEDECCA, 1957; LEON; FOURNIER, 1962) e que o endosperma é o principal tecido de reserva dessas sementes, é esperado que haja algum efeito de tamanho e massa das sementes no vigor e no desenvolvimento inicial das plântulas.
C a p í t u l o I | 58 Em estudo de beneficiamento de sementes de cafeeiro arábica em máquina de ventiladores e peneiras e mesa densimétrica, Giomo et al. (2001) verificaram que a classificação das sementes exclusivamente pelo tamanho pode não ser suficiente para garantir boa eficiência no aprimoramento da qualidade dos lotes, uma vez que as peneiras são normalmente selecionadas com base nas dimensões externas das sementes, ou seja, comprimento, largura e espessura de sementes envolvidas pelo endocarpo. Essa mesma condição foi confirmada por Favarin et al. (2003), ao verificarem que a separação das sementes de café apenas por tamanho não proporcionou adequada estimativa do potencial fisiológico de sementes destinadas à produção de mudas. Da mesma forma, Araújo et al. (2004) verificaram que, na fração do lote retida na peneira 22/64 de polegada, apenas 1,5% das sementes continuaram nessa mesma classe de tamanho após a remoção do pergaminho, indicando que, de fato, existe grande espaço vazio entre o endosperma e o endocarpo, pelo menos para as sementes graúdas. Giomo et al. (2004; 2005) avaliaram os efeitos do beneficiamento em máquina de ventiladores e peneiras e mesa densimétrica na qualidade de sementes de café Catuaí Amarelo e verificaram que esses equipamentos, trabalhando isoladamente ou em conjunto, foram eficazes para a separação e remoção de sementes com baixa qualidade fisiológica, promovendo o aprimoramento da qualidade do lote. Segundo os autores, as sementes pequenas, retidas na peneira 18/64 de polegada e as sementes de baixa densidade, oriundas da descarga inferior da mesa densimétrica, eram de qualidade fisiológica inferior à das sementes graúdas e pesadas.
FENOLOGIA DO CAFEEIRO Devido à sua natureza fisiológica, o cafeeiro apresenta uma característica particular quanto à produção, conhecida como bienalidade. A bienalidade de produção do cafeeiro se deve a dois fatores em conjunto (1) a concorrência por fotoassimilados entre as funções vegetativas e reprodutivas (FAHL et al., 2001) e (2) a produção ocorre, significativamente, nas partes dos ramos que ainda não produziram e cresceram na estação anterior. A bienalidade da produção do café deve-se ao fato das folhas serem fontes de elementos fotossintetizados, enquanto os tecidos em crescimento agem como drenos. Assim, o cafeeiro possui uma ação balanceadora da partição de elementos fotossintetizados entre as relações fonte-dreno, pois a fase reprodutiva e a fase de crescimento vegetativo, para
C a p í t u l o I | 59 o ano seguinte, ocorrem simultaneamente (BARROS, 1997). Em anos de alta produção, a planta direciona os elementos fotossintetizados à formação e crescimento dos frutos, diminuindo a formação de novas gemas vegetativas. Contudo, quando há baixa produção, os elementos fotossintetizados são direcionados à formação de novas gemas vegetativas e, consequentemente, a novos ramos. O crescimento dos novos ramos depende da quantidade de frutos em desenvolvimento, nos ramos do ano anterior, e os volumes da produção são proporcionais ao número de nós ou gemas formadas, na estação vegetativa anterior (FAHL et al., 2003). A sobrecarga dos frutos é, normalmente, acompanhada pela seca de ramos e morte de raízes e, deste modo, após ciclos sucessivos de bienalidade, o cafeeiro entra em declínio, reduzindo sua vida produtiva (DAMATTA et al., 2008). Em geral, esta situação se verifica nas condições de cultivo a pleno sol e é agravada pela desfolha ocasionada por pragas e doenças e pelas deficiências minerais e hídricas que, nas plantas sobrecarregadas são, naturalmente, de mais difícil controle. Estes mesmos autores mencionam ainda que, caso os anos de supercarga estejam associados a temperaturas muito altas e a deficiências hídricas prolongadas, a morte de raízes absorventes, e posterior seca dos ramos, serão muito acentuadas, exigindo do cafeeiro pelo menos dois anos consecutivos de recuperação, levando à trienalidade da cultura. O sombreamento moderado do cafeeiro, por meio da arborização diminui a bienalidade do cafeeiro, pois evita produções elevadas e, consequentemente, aumenta a produção nos anos de baixa (CARELLI et al, 2001). O ciclo fenológico dos cafeeiros da espécie Coffea arabica L. apresenta uma sucessão de fases vegetativas e reprodutivas, que ocorrem em, aproximadamente, dois anos, diferentemente da maioria das plantas que emitem as inflorescências na primavera e frutificam no mesmo ano fenológico (CAMARGO; CAMARGO, 2001). Na Figura 27 é apresentado um esquema detalhado das fases fenológicas do cafeeiro arábica (Coffea arabica L.), nas condições tropicais do Brasil, segundo Camargo e Camargo (2001). O ciclo fenológico, para essas condições, foi subdividido em seis fases distintas, sendo duas vegetativas e quatro reprodutivas, ou seja: (1) vegetação e formação de gemas foliares; (2) indução e maturação das gemas florais; (3) florada; (4) granação dos frutos; (5) maturação dos frutos; e, (6) repouso e senescência dos ramos terciários e quaternários.
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Figura 27. Vegetação e frutificação do cafeeiro arábica, abrangendo seis fases fenológicas, durante 24 meses. Fonte: Adaptado de Camargo; Camargo (2001).
No primeiro ano fenológico são formados os ramos vegetativos, com gemas axilares nos nós, que serão induzidos a se transformarem em gemas reprodutivas (GOUVEIA, 1984), sendo este processo determinado por condições ambientais (CAMARGO, 1985a; CAMARGO; CAMARGO, 2001). Posteriormente, tais gemas florais amadurecem, entram em dormência e se tornam aptas para a antese, que ocorre por chuva ou por irrigação abundante (RENA; MAESTRI, 1985). Segundo Camargo et al. (2001), a maturação das gemas florais ocorre quando a evapotranspiração potencial acumulada, desde o mês de abril, atinge os 350 mm, o que implica, para as condições de cultivo de São Paulo, florada principal entre os meses de setembro e outubro. Os autores relatam ainda que a florada principal é bem definida quando se verifica um período de restrição hídrica durante o período de repouso das gemas. O segundo ano fenológico inicia-se com a florada, seguida pela formação dos chumbinhos e expansão dos grãos, até seu tamanho normal. A ocorrência de forte estiagem nesta fase e o estresse hídrico resultante prejudicará o crescimento dos frutos. Após esta fase, segue-se a granação dos frutos, em pleno verão, de janeiro a março. Estiagens severas na fase de granação poderão resultar no aparecimento de frutos chochos. A produção é finalizada com a maturação dos frutos, que ocorre a partir de abril. Ou seja, as fases fenológicas dos cafeeiros arábica são mais exigentes em suprimento
C a p í t u l o I | 61 hídrico nas seguintes etapas: vegetação e formação de gemas foliares (fase 1); florada (fase 3) e granação dos frutos (fase 4). Segundo Camargo e Camargo (2001) a maturação dos frutos depende da precocidade da cultivar e da acumulação de energia solar, ou seja, do somatório da evapotranspiração potencial, em torno de 700 mm, após a florada principal (CAMARGO et al., 2001). Por último, no período de julho a agosto, ocorre a senescência dos ramos produtivos nãoprimários, que secam e morrem, limitando o crescimento do cafeeiro. A fim de detalhar o período reprodutivo, na Figura 28 é apresentada uma escala de avaliação de desenvolvimento dos estádios fenológicos do cafeeiro arábica, conforme proposto por Pezzopane et al. (2003). Esta escala de avaliação baseia-se em fotografias de cada fase, desde o estádio de gemas dormentes até o estádio de grão seco, onde foram atribuídas notas variando de 0 a 11. Estes autores observaram que, após o período de repouso das gemas dormentes nos nós dos ramos plagiotrópicos (0), ocorre um aumento substancial do potencial hídrico nas gemas florais maduras, devido, principalmente, à ocorrência de um “choque” hídrico provocado por chuva ou por irrigação. Neste estádio, as gemas intumescem (1) e os botões florais crescem devido à grande mobilização de água e nutrientes (2), se estendendo até a abertura das flores (3) e, posterior queda das pétalas (4). Após a fecundação, principia-se a formação dos frutos, fase esta denominada de “chumbinho” (5), onde os frutos não apresentam crescimento visível. Posteriormente, os frutos se expandem (6), rapidamente. Atingindo o crescimento máximo, ocorre a formação do endosperma, quando segue a fase de grão verde (7), onde ocorre a granação dos frutos. Para a diferenciação do final da fase 6 e início da fase 7, é necessário realizar um corte transversal em alguns frutos para verificar o início do endurecimento do endosperma. A partir da fase “verde cana” (8), caracteriza-se o início da maturação, quando os frutos começam a mudar de cor (verde para amarelo), evoluindo até o estágio “cereja” (9), já podendo diferenciar a cultivar de fruto amarelo ou vermelho. A seguir, os frutos começam a secar (10), até atingirem o estágio “seco” (11).
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Figura 28. Escala de notas para o desenvolvimento fenológico do cafeeiro arábica, baseada em número: 0 (gema dormente); 1 (gema intumescida); 2 (abotoado); 3 (florada); 4 (pós-florada); 5 (chumbinho); 6 (expansão dos frutos) 7 (grão verde); 8 (verde cana); 9 (cereja); 10 (passa); 11 (seco). Fonte: Pezzopane et al. (2003).
C a p í t u l o I | 63 Os cafeeiros arábicas são classificados, quanto à maturação dos frutos, em cultivares precoces, médias e tardias, cujo ciclo produtivo vai do florescimento à maturação, durando, aproximadamente, 210, 240 e 260 dias, respectivamente. As diversas características do café arábica permitem a diversificação de cultivares a serem plantadas em uma lavoura, permitindo o escalonamento da colheita, proporcionando produto de melhor qualidade, com relação ao tipo e bebida, além de representar maior racionalidade e economia no uso da mão-de-obra. São exemplos de cultivares de maturação precoce: Bourbon Amarelo, Icatu Precoce 3282; cultivares de duração média: Mundo Novo, Catucaí e Tupi 2944; cultivares tardias: Catuaí, Icatu e Obatã Vermelho.
POLINIZAÇÃO DO CAFÉ O café é uma das principais culturas de rendimento tropical e apesar de ser considerada uma planta autofértil, inúmeros estudos mostraram que o fruto deste grão pode apresentar aumento considerável no tamanho com a polinização por abelhas (DE MARCO JÚNIOR; COELHO, 2008; KLEIN et al., 2003a; KLEIN et al., 2003b; KLEIN et al., 2003c; MALERBO-SOUZA; SILVA, 2011). Em um experimento de exclusão realizado por Amaral (1960), os frutos do café visitados por abelhas apresentaram tamanho 1,22 vezes maior do que os frutos nos quais a visita das abelhas foi isolada. Bem como, Amaral (1972) realizou outro experimento observando que as abelhas melíferas foram os principais insetos polinizadores a visitar as flores do café, abelhas melíponas também foram observadas, porém em menor frequência. Além disso, os dados de Klein et al. (2003c) e Malerbo-Souza; Silva (2011) indicam que a porcentagem de frutificação é maior quando as abelhas têm acesso ao ramo do café, já quando o acesso não é possível, como em um tratamento coberto, a produção de grãos diminui em 55,25%. Embora no Brasil o aluguel de colmeias não seja uma prática comum, considerando que no clima tropical há um número maior de polinizadores, tais como coleópteros, dípteros e outros, nos últimos anos têm crescido o interesse dos produtores rurais no uso das abelhas para o aumento da produtividade (VIEIRA et al., 2010). Visto que, a espécie Apis mellifera é o polinizador mais dominante em flores de café (Figura 29), como também, do ponto de vista econômico, são extremamente importantes para melhorar a produtividade dos grãos (BOS et al., 2007; VEDDELER et al., 2006; VERGARA et al., 2008).
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Figura 29. Polinização da flor de café pela abelha. Foto: Katia Braga.
MELHORAMENTO GENÉTICO DO CAFEEIRO Considera-se que as cultivares de Coffea arabica obtidas no Brasil já atinjiram um nível de produtividade satisfastório, podendo-se passar a enfatizar a resistência a doenças e pragas, porte e arquitetura da planta, dentre outras características (GUERREIRO FILHO, 1999). Contudo, esse nível de produtividade pode ser aumentado com o uso de outros métodos de melhoramento até agora pouco utilizado para o cafeeiro, como a seleção recorrente. A estrutura genética do gênero Coffea favorece o melhoramento por introgressão. A hibridação natural ou artificial entre diferentes espécies tem sido de grande importância no melhoramento, pois características de interesse que faltam em uma cultivar são encontradas em outra e também em variedades selvalgens. São muitos os exemplos de híbridos interespecíficos naturais e artificiais relatados na literatura, porém, poucos têm importância econômica (VAN der VOSSEN, 1985). Maior atenção tem sido dada para a hibridação entre Coffea arabica e Coffea canephora, principalmente para melhorar a qualidade deste ou para introduzir o vigor e a resistência a doenças desta espécie em Coffea arabica (CARVALHO et al., 1984). Exemplo importantes de cruzamento entre Coffea arabica e Coffea canephora de interesse no Brasil são os híbridos “Arabusta” e “Icatu”. Outro híbrido importante é o “Catimor”, resultante do cruzamento entre C. arabica e o híbrido de Timor. Este último, provavelmente, é um híbrido natural entre C. arabica e o C. canephora.
C a p í t u l o I | 65 O controle de pragas e doenças pelo manejo, apesar de eficiente, contribui para aumentar o custo de produção da cultura e exige especial atenção em relação à época e condições de aplicação. O uso de cultivares resistentes no controle de pragas e doenças oferece maiores vantagens, podendo ser associado de maneira racional e eficaz a outros métodos. É importante frisar que o desenvolvimento de uma cultivar de café é um processo longo, que pode consumir até 30 anos de trabalho. Isso acontece porque o processo de melhoramento em geral requer um ou mais cruzamentos e vários ciclos de seleção, a fim de que as características de interesse sejam reunidas e fixadas na nova cultivar, permitindo a produção de plantas uniformes por meio de sementes. Todas as cultivares de café arábica desenvolvidas no Brasil foram obtidas por esse processo. Dentre as tecnologias modernas que podem contribuir com a genética e o melhoramento do cafeeiro, destacamse os marcadores moleculares, a genômica, a cultura de tecidos e a produção de plantas transgênicas (CAIXETA et al., 2007).
Marcadores moleculares: Os marcadores moleculares podem ser utilizados como estratégia auxiliar em várias etapas do melhoramento, como: (a) na conservação de bancos de germoplasma; (b) na caracterização de germoplasma para identificar genes envolvidos em processos específicos e determinar variabilidade genética disponível; (c) na escolha de genitores para cruzamentos e formação de populações; (d) no planejamento da estratégia de melhoramento; (e) na certificação de cruzamentos; (f) na seleção (seleção assistida por marcadores, SAM); (g) na caracterização de cultivares desenvolvidas e recomendadas; (h) no monitoramento da pureza genética das sementes produzidas e distribuídas aos produtores e (f) na proteção de variedades.
Genômica: A constituição do genoma e a origem de C. arabica também têm sido objetos de extensiva investigação. O sequenciamento do genoma de várias plantas tem facilitado e acelerado a identificação de genes responsáveis por características agronômicas desejáveis, possibilitando a manipulação subsequente de genes de interesse por meio de técnicas de genética molecular. Na era da genômica em plantas, um dos objetivos é buscar, no melhoramento, manipulações genéticas dirigidas, aumentando a eficiência de obtenção de variedades bem sucedidas.
C a p í t u l o I | 66 Propagação vegetativa: Outra forma para o desenvolvimento de cultivares de café é pela seleção de plantas matrizes e a sua posterior multiplicação por propagação vegetativa. Nesse método, a seleção das plantas com as características de interesse pode ser feita em um tempo muito mais curto, cerca de 8 a 10 anos. A propagação vegetativa produz clones da planta matriz, possibilitando a multiplicação de híbridos e de plantas superiores que ainda segregam para uma ou mais características. Dessa forma, torna-se mais fácil produzir uma cultivar clonal que reúna várias características de grande utilidade agronômica, como, por exemplo, resistência ao bicho-mineiro, à ferrugem e a nematoide, além de alta produtividade e bebida de boa qualidade (CAIXETA et al., 2007). Um prérequisito importante para a viabilização comercial dessa tecnologia é que ela possa ser realizada em larga escala. Para o cafeeiro, duas técnicas de propagação vegetativa atendem a esta exigência:
a) A estaquia, ou seja, a multiplicação por estacas de ramos ortotrópicos. A estaquia tem sido bastante utilizada em café conilon. O cafeeiro conilon exibe características que facilitam este processo porque é uma planta naturalmente multicaule, o que aumenta em muito o número de estacas disponíveis para propagação. Um exemplo significativo do potencial da propagação vegetativa de café conilon pode ser observado no estado do Espírito Santo. Até 1992, as lavouras desse café naquele estado eram implantadas a partir de sementes obtidas de plantas selecionadas em plantações comerciais. Como resultado, as lavouras formadas eram bastante desuniformes, apresentado plantas com grande variação em várias características agronômicas, tais como arquitetura, produtividade, época de maturação e tipo de semente. A partir de 1992, ocorreu a liberação comercial de cultivares clonais de café conilon com produtividade bem mais elevada que as plantas multiplicadas por semente e com características agronômicas bem definidas. A adoção de cultivares clonais e de outras tecnologias que se seguiram à sua utilização proporcionou um aumento de produtividade de cerca de 150% nos últimos dez anos, no estado do Espírito Santo (CAIXETA et al., 2007). Para C. arabica, alguns estudos apontaram que estacas semilenhosas localizadas na porção mediana dos ramos proporcionam melhores resultados no processo de enraizamento, o que pode estar relacionado a uma menor lignificação do tecido, em relação aos segmentos mais lenhosos localizados na porção inferior dos ramos (REZENDE et al., 2010). Poucos estudos foram realizados visando à aplicação dessa técnica de miniestaquia para a clonagem de C. arabica. A maioria desses estudos envolve
C a p í t u l o I | 67 apenas estacas de ramos ortotrópicos coletados em plantas matrizes adultas (BALIZA et al., 2010; JESUS et al., 2010; OLIVEIRA et al.,2010; REZENDE et al., 2010. A estaquia tem possibilitado melhores resultados, no entanto, um dos entraves para a produção em escala comercial é a quantidade reduzida de ramos ortotrópicos produzidos pela planta matriz. Embora a estaquia seja utilizada para a produção de mudas em pequena escala em alguns países, como no Quênia. Uma alternativa seria a utilização de miniestaquia, a qual é amplamente usada na produção de mudas de eucalipto. Estudando o emprego da técnica de miniestaquia na formação de mudas clonais de Coffea arábica, avaliado em cinco tipos de miniestacas oriundas de diferentes porções do ramo ortotrópico (apical, semiapical, intermediária, semibasal e basal; Figura 30) e dois volumes de tubete (50 e 120 cm³), Rezende et al. (2017) observaram diferenças significativas apenas entre os tipos de miniestacas oriundas das diferentes porções dos ramos ortotrópicos. As miniestacas das porções semiapical, intermediárias e semibasal dos ramos ortotrópicos promovem melhor crescimento das mudas clonais de cafeeiros, independentemente do volume do tubete utilizado.
Figura 30. Esquema do ramo ortotrópico coletado de mudas da cultivar Acaiá Cerrado e os tipos de mini-estacas utilizadas no experimento. Foto: Rezende et al. (2017).
C a p í t u l o I | 68 b) A micropropagação, ou propagação vegetativa “in vitro”. A multiplicação in vitro é a mais antiga aplicação da biotecnologia no melhoramento de plantas e a sua importância em algumas espécies é indiscutível. Em café robusta, a cultura de células (biofábrica) já é utilizada com sucesso na França, que produz plântulas clonadas para a África. A propagação por embriogênese somática a partir de folhas é a técnica mais adequada para a multiplicação em grande quantidade do cafeeiro arábica. De uma única folha é possível produzir milhares de mudas. Resumidamente, a produção de mudas clonais via embriogênese somática é baseada no seguinte protocolo (Figura 31): inicialmente são coletadas folhas da planta matriz e levadas para um laboratório de cultura de tecidos, onde as folhas são desinfestadas com solução de hipoclorito de sódio e cortadas em explantes quadriculares com de cerca de 0,7 cm de lado. A seguir, os explantes são colocados em placas de Petri com meio de cultura gelificado contendo sais minerais, vitaminas, açúcar e reguladores de crescimento para que ocorra a formação de calos. Após um período de aproximadamente seis meses, há formação de calos embriogênicos, ou seja, aqueles calos capazes de dar origem a embriões. Estes calos são multiplicados em meio líquido e a seguir, transferidos para biorreatores, para que possam formar embriões e dar origem a plântulas. Essas plântulas são transferidas para tubetes ou bandejas com substrato em casa de vegetação para que possam ser aclimatizadas e, a seguir, transferidas para viveiro para completar o desenvolvimento e estarem aptas ao plantio no campo. Este processo consome, aproximadamente, 20 a 22 meses (CAIXETA et al., 2007).
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Figura 31. Esquema da propagação vegetativa de café via embriogênese somática. A) Planta matriz, B) folha para coleta de explantes, C) explantes preparados, D) explantes plaqueados em placa de Petri com meio de indução de calos, E) início de formação de calos, F) crescimento de calos em meio líquido, G) regeneração de plantas em biorreator, H) crescimento das plantas em bandejas ou tubetes, I) mudas clonais prontas para plantio no campo. Foto: Caixeta et al., 2007.
Transgênico: Apesar de não ser permitido o uso de variedade transgênica no plantio orgânico, vale apenas relatar que a produção das plantas transgênicas ocorre por meio da adição de DNA exógeno às dezenas de milhares de genes que fazem parte do genoma da planta, pelo processo de transformação genética. Ela envolve o conhecimento das técnicas de engenharia genética, de cultura de tecidos e de melhoramento vegetal. Permite a incorporação de características de interesse agronômico encontradas em diferentes espécies, ampliando as possibilidades de melhoramento para resistência a pragas e doenças, tolerância a estresses bióticos, tolerância a herbicidas, entre outras características. Além disso, é possível realizar a transformação em cultivares elite, acelerando o processo de melhoramento, o que é fundamental no caso de plantas perenes. Os métodos de transformação mais utilizados para a produção de plantas transgênicas são a transformação via Agrobacterium tumefaciens e a transformação via biobalística.
C a p í t u l o I | 70 Vários grupos de pesquisa vêm realizando com sucesso a transformação genética, tanto de C. arabica quanto de C. canephora, seja por meio de Agrobacterium ou do processo de biobalística (RIBAS et al., 2006), sendo a que maioria dos trabalhos está sendo realizada em plantas em casa de vegetação.
ENXERTIA DA PLANTA DE CAFÉ Desde 1932, tem-se trabalhado com o melhoramento do Coffea, sendo a maior ênfase para o melhoramento de Coffea arabica. Os aspectos até hoje mais estudados são produtividade, resistência a pragas e doenças e adaptação geral, atributos relacionados à parte aérea das cultivares. No entanto, um componente importante da produção e de outras características agronômicas é reflexo dos atributos do sistema radicular. Exceção feita ao melhoramento para resistência a nematoides, pouca ênfase foi dada até o momento ao melhoramento específico para o sistema radicular, principalmente no que se refere às possíveis interações do sistema radicular com a copa em situações de enxertia. A enxertia começou a ser utilizada devido principalmente a problemas de nematoides, e os porta-enxertos resistentes usados são de Coffea canephora (Apoatã-IAC-2258). Essa enxertia é feita logo após a germinação das sementes da copa e do porta-enxerto, na região hipocotiledonar, utilizado o “método expedito”, desenvolvido na Guatemala e adaptado no IAC por Franco (1979). Extremamente eficiente essa prática, associada a seleções de porta-enxertos resistentes, solucionou o problema do cultivo do café em áreas infestadas com nematoides. Entretanto, o cultivo de plantas enxertadas em C. canephora, em solos isentos de nematoides, veio dar as primeiras indicações de possíveis efeitos benéficos da utilização de um sistema radicular diferente das variedades-copa de C. arabica. Um maior crescimento das plantas enxertadas parece ser consequência de uma maior taxa de absorção de nutrientes (FAHL, 1998) e, talvez, também do maior volume de raízes produzidas pelo porta-enxerto. Essas informações se relacionam à influência de algumas poucas linhagens de C. canephora quando usada como porta-enxerto de C. arabica. Estudando as interações e influências copa x porta-enxerto, como enxerto, a cultivar Obatã (mudas obtidas por sementes, as quais foram colhidas no estágio de cereja, despolpadas e semeadas em germinador de alvenaria, com cobertura de vidro e substrato de areia lavada), Reina (1966), adaptado por Moraes (1979) e modificado no IAC, utilizaram as mudas, no estágio “orelha de onça”, que tiveram os hipocótilos medidos com paquímetro digital e cortados na sua região mediana (hipocótilo), para que fosse feita
C a p í t u l o I | 71 a enxertia. Ou seja, esse método expedito (hipocotiledonar) consiste em utilizar mudas no estágio de “palito de fósforo” ou “orelha de onça”, no qual o enxerto e porta-enxerto são cortados na região mediana do hipocótilo e, com estilete apropriado, faz-se uma cunha no enxerto e uma fenda no porta-enxerto (Figura 32). Segue-se a união do enxerto e portaenxerto, atando-os firmemente com plástico parafinado (“Parafilm”). Esse plástico tem a vantagem de ser biodegradável, não sendo necessária a sua retirada após o pegamento da enxertia, pois ele se degrada com as constantes irrigações, cedendo também ao crescimento do caule.
Figura 32. Parte mediana do hipocótilo (seta vermelha) da muda de cafeeiro em estágio de “palito de fósforo” ou de “orelha de onça” procede-se ao corte para a enxertia, tanto para o enxerto como para o porta-enxerto. Foto: Café de Colombia.
Após as mudas estarem prontas, são transportadas para tubetes de 280 cm3, preenchidos com três partes de substrato próprio para café e uma parte de argila, para facilitar a drenagem da água de irrigação. As mudas são conduzidas em condições de viveiro, com quatro irrigações por dia, de três minutos cada, com aspersores localizados sobre cada bancada de mudas, o que as mantem em boas condições de umidade.
C a p í t u l o I | 72 BANCO DE GERMOPLASMA No Banco de Germoplasma do Centro de Café do Instituto Agronômico de Campinas existem 18 espécies de Coffea, sendo notória a diversidade genética entre esses exemplares, que se constituem em uma das mais completas coleções vivas de Coffea do mundo. Da mesma forma, há ainda nessa coleção centenas de híbridos intra e interespecíficos, descendentes desses híbridos, cruzamentos e retrocruzamentos complexos entre híbrido interespecíficos que ampliam de forma espantosa a gama de variedade para praticamente todas as características até hoje investigadas.
VARIEDADES DE CAFÉ Nos principais países produtores de café orgânico e agroecológico como o México, a Costa Rica e a Colômbia, e em outros países do continente Africano, a maioria das cultivarem plantadas é susceptível à ferrugem, tais como, 'Típica', 'Bourbon', 'Caturra' e 'Garnica', e, em menores proporções, as cultivares 'Catuaí' e 'Mundo Novo' (ESCAMILLA et al., 2005; PROGRAMA COOPERATIVO ICAFE-MAG, 1989). Fato semelhante ocorre no Brasil, onde as lavouras de café orgânico são formadas em sua grande maioria pelas cultivares 'Catuaí Vermelho' (71%), seguidas das cultivares 'Catuaí Amarelo' (24%) e 'Mundo Novo' (5%), todas susceptíveis à ferrugem (MALTA et al., 2008). A maioria dessas lavouras orgânicas foi desenvolvida por meio da conversão de lavouras convencionais, mantendo-se as cultivares já plantadas, o que resulta em baixas produtividades e alta incidência de doenças e pragas. A escassez de informações sobre as cultivares de café promissoras para o cultivo orgânico está associada a pouca ênfase dada à pesquisa visando esse objetivo. Vários são os entraves, destacando-se a necessidade de avaliar grande número de genótipos, o que demanda áreas extensas de plantio em diferentes locais (ambientes) por um longo período de tempo. Isso significa cerca de sete anos de pesquisa, que compreende desde a formação das mudas até a avaliação de, no mínimo, quatro colheitas, para que os resultados sejam obtidos com segurança. Além disso, requer um planejamento eficiente para a aquisição de materiais orgânicos e do plantio de espécies a serem utilizadas como adubos verdes (MOURA et al., 2005). As condições ideais para o cultivo do café são temperaturas na faixa de 18ºC a 23ºC, chuvas bem distribuídas durante o ano e a não ocorrência de déficit hídrico severo, suportando até 150 mm (CARVALHO, 2008). No Brasil, as regiões cafeeiras apresentam
C a p í t u l o I | 73 características ambientais bem definidas e a avaliação da interação genótipos x ambientes torna-se de grande importância no melhoramento, pois, no caso de sua existência, há possibilidades de o melhor genótipo em um ambiente não o ser em outro. Assim, as análises de adaptabilidade e estabilidade tornam-se necessárias para a identificação e recomendação de genótipos superiores em diferentes ambientes (NASCIMENTO et al., 2010). Na cultura do café, estudos de adaptabilidade e estabilidade de cultivares têm sido realizados somente para cultivos convencionais (CORRÊA et al., 2005; BOTELHO et al., 2010; NASCIMENTO et al., 2010). Pelo fato do café ser uma cultura perene com bienalidade de produção, torna-se necessária a avaliação de, no mínimo, quatro colheitas para a recomendação de cultivares. Entretanto, estudos de adaptabilidade e estabilidade têm sido realizados com dados de produção anual e de biênios separadamente, o que pode levar a diferentes resultados no processo de seleção. Nos países onde o sistema de produção sombreado é tradicional (El Salvador e México), as cultivares de café mais utilizadas são Típica, Bourbon, Mundo Novo e Garnica. Dependendo da cultivar, os cafeeiros são plantados em densidades que variam entre 800 e 4.600 plantas ha-1 para Típica e Bourbon e 4.444 a 12.500 plantas ha-1 para Caturra e Colômbia. As principais informações e características dessas cultivares sombreadas são as seguintes:
CULTIVAR TÍPICA Originalmente da África, foi à primeira variedade a chegar à América e ao México no final do século XVIII. Sendo uma das melhores variedades. É importante destacar que a cultivar Típica foi a primeira a ser plantada no Brasil, ocupando grandes áreas do Norte e Nordeste, inclusive no estado de São Paulo e outros estados do centro-sul. Posteriormente, com a identificação de novas cultivares, o seu plantio ficou restrito no Brasil, por ser uma cultivar menos produtiva e sem rusticidade. No entanto, atualmente tem havido interesse em pequenos plantios, para atender a mercados especiais, por sua excelente qualidade da bebida (MENDES et al., 2007). A cultivar Típica ou Typica é também conhecida por vários nomes locais, como Nacional, Arábica, Crioula, Comum, Brasil e Sumatra.
C a p í t u l o I | 74 Características: As plantas apresentam porte médio, entre 2 e 3 metros de altura; exibem arquitetura cilíndrica, com ramos laterais primários levemente pendentes e os secundários e terciários pouco abundantes. Seus caules e ramos são delgados, em razão disso, as plantas são colhidas à sombra por falta de resistência aos ventos fortes (Figura 33). As folhas, quando novas, são geralmente bronzeadas (Figura 34) e, quando completamente desenvolvidas, têm coloração verde-escuro; são elípticas, levemente coriáceas, com lâmina e margem pouco onduladas. As flores apresentam corola branca, em glomérulos, com cálice rudimentar denticulado. O ovário é bilocular e, às vezes, trilocular. Os frutos são oval-elípticos, lisos, brilhantes, com mesocarpo rico em mucilagem e endocarpo fibroso. Produz frutos vermelhos. As sementes são plano-convexas e de coloração esverdeada (MENDES et al., 2007).
Figura 33. Cafeeiro da variedade Typica. Foto: Roberto Zapata (Aguila Coffee) e Samuel Ronzón (Olympia Coffee).
C a p í t u l o I | 75
Figura 34. Folhas novas bronzeadas da variedade Typica. Foto: Roberto Zapata (Aguila Coffee) e Samuel Ronzón (Olympia Coffee).
O município de Taquaritinga do Norte, no Agreste Setentrional de Pernambuco, vem ganhando destaque na região, estado e em todo país pela resistência de produzir a primeira variedade de café chegada ao Brasil, o Coffea arabica cv. Typica, por volta de 1727, espécie cujo cultivo é precioso no mundo. Apesar de apresentar baixa produtividade apresentada pela cultivar Típica, sua bebida ganha qualidade em termos de produção de cafés especiais. Motivados por garantir essa excelente qualidade “os cafeicultores locais criaram então uma policultura diversa de café, frutas e espécies nativas, únicas da região, para abrigar essa variedade que foi a primeira a entrar no Brasil e hoje é a joia rara” (YAGUARA, 2019a). Além de o cafeeiro crescer e se desenvolver sob as sombras das árvores e começar a dar fruto a partir do terceiro ano para o agreste pernambucano, ficando em ponto de colheita a partir do quinto ou sexto ano. A floração do pé de café acontece nessa região entre os meses de dezembro e janeiro, período durante o qual cada ramo pode florar de duas a três vezes e cada floração dura aproximadamente quatro dias, sendo que a sua colheita ocorre entre julho e outubro (VALENTIM, 2014). No Brasil, esta espécie pode ser encontrada apenas nesta cidade do Agreste pernambucano e na região do Maciço de Baturité, no Sertão cearense. Adaptável apenas a regiões de altitude elevada e clima ameno, o Coffea arabica possui sabor adocicado e
C a p í t u l o I | 76 perfume forte, características que têm atraído à Taquaritinga compradores dos EUA, Japão, Suíça, Alemanha e outras partes do mundo, de acordo com reportagem do Jornal do Comércio, no caderno de Cidades, no dia 30 de novembro de 2009. As plantações de café do município são “raras no Estado e fazem a diferença no Agreste pernambucano”, onde cafeicultores aproveitam a altitude de Taquaritinga do Norte para vencer limitações climáticas e de relevo para a produção.
CULTIVAR MUNDO NOVO Origem: A cultivar Mundo Novo corresponde a uma recombinação resultante de um cruzamento natural entre as cultivares Sumatra (Típica) e Bourbon Vermelho, encontrada no município paulista de Mineiros do Tietê. As sementes de um desses cafeeiros foram plantadas no município de Mundo Novo, hoje Urupês (SP), onde foram selecionadas as plantas matrizes que deram origem a cultivar Mundo Novo. Realizaram-se, nessa localidade, entre os anos de 1943 a 1952, seleções de várias plantas matrizes e, posteriormente, seleções entre e dentro das progênies, procurando-se eliminar vários dos defeitos observados na população. Progênies selecionadas, então denominadas Mundo Novo, foram multiplicadas para serem distribuídas aos lavradores a partir de 1952. Novas seleções foram liberadas pelo IAC a partir de 1977 (FAZUOLI et al., 2007). Em experimentos conduzidos em Campinas, Jaú e Mococa, verificou-se que as melhores progênies de 'Mundo Novo' chegaram a produzir 80% a mais do que o material original, sem seleção; 50% a mais do que as melhores seleções de 'Bourbon Amarelo'; 95% a mais do que as melhores seleções de 'Bourbon Vermelho' e 240% a mais do que as progênies de 'Típica'. Em 1999, cada uma das antigas linhagens da cultivar Mundo Novo, como, por exemplo, 479/19 e 476/4, foi registrada no Registro Nacional de Cultivares (RNC) como sendo uma nova cultivar, passando a ser denominada de 'Mundo Novo 479-19' e 'Mundo Novo 476-4', respectivamente (FAZUOLI et al., 2007).
Características: São suscetíveis à ferrugem, porém, caracterizam-se por elevada produção de café beneficiado, aliada a ótimo aspecto vegetativo. As plantas adultas, com 12 a 14 anos, podem alcançar altura média de 3,4 m (3,0 a 3,8 m) (Tabela 2) e diâmetro da copa médio, a 0,5 m do solo, de 2,0 m (1,4 a 2,7 m). O sistema radicular é bem desenvolvido. A cor dos brotos novos é verde-clara ou bronze; os ramos secundários são abundantes e os internódios menores do que os da cultivar Típica, de C. arabica. Os dois
C a p í t u l o I | 77 florescimentos principais ocorrem de setembro a outubro, nas condições do estado de São Paulo e a maturação se estende de abril a julho, de acordo com os diferentes locais. Em média, o período entre a fertilização e a maturação completa dos frutos, nas condições de Campinas, é de 224 dias. O peso do fruto maduro é, em média, de 1,2 g, e o peso médio de 1.000 sementes do tipo chato é 127,8 g (116 a 149 g). O valor da peneira média, indicadora do tamanho da semente, é 17,2 (16,1 a 18,1). A relação entre o peso de café maduro e o de beneficiado é, em média, de 5,6 (5,4 a 6,2), e o rendimento, em porcentagem, de, aproximadamente, 50% (café beneficiado em relação ao café em coco). A porcentagem de sementes do tipo chato é, em média, de 84,9% (75,2% a 91,4%) (FAZUOLI et al., 2007).
Tabela 2. Ficha técnica da cultivar Mundo Novo, variando conforme a cultivar (sufixo IAC). Porte (altura da planta)
Alto
Copa
Cilíndrica
Diâmetro da copa
Grande a muito grande Longo
Comprimento do internódio Ramificação secundária Cor das folhas jovens (brotos)
Média a abundante Verde ou bronze
Tamanho da folha
Médio
Cor do fruto maduro
Vermelho
Formato do fruto
Oblongo
Tamanho da semente
Médio
Formato da semente
Curto e largo
Ciclo de maturação
Médio
Ondulação da borda da folha
Pouco ondulada
Resistência à ferrugem
Susceptível
Resistência a nematóide
Susceptível
Vigor Qualidade da bebida Produtividade
Alto Boa Alta
Fonte: Fazuoli et al., 2007.
Em condições experimentais, a produção média anual de café beneficiado, incluindo as primeiras produções após o plantio, tem alcançado a média de 30 sacas de café beneficiado por hectare, oscilando entre 25 e 35 sacas/ha. Em plantios adensados na linha, podem conseguir, nas quatro primeiras colheitas, maiores produções, valores que variam
C a p í t u l o I | 78 de acordo com o espaçamento utilizado. Em áreas irrigadas, a produtividade pode alcançar, em média, 60 sacas/ha. Em anos de elevada produção, pode atingir até 100 sacas/ha de café beneficiado. A quantidade de óleo nas sementes é, em média, de 14,3%; a de cafeína, de 1,3% e a de sólidos solúveis, de 28,6%. A qualidade de bebida da cultivar Mundo Novo é excelente. Em sua formação, há cerca de 50% de 'Bourbon Vermelho' e 50% de 'Típica', o que promove a qualidade do produto. Tem-se verificado ampla capacidade de adaptação nas cultivares Mundo Novo, obtendo boas produções em quase todas as regiões cafeeiras do Brasil com clima apropriado para a espécie C. arabica. As cultivares de sufixo IAC 388-6, IAC 388-17 e IAC 388-17-1 têm ramos laterais mais longos (maior diâmetro da copa) e são também especialmente indicadas para os sistemas em que se utiliza poda, seja recepa ou decote, para reduzir a altura, devido à ótima capacidade de rebrota. Em geral, são indicadas preferencialmente para espaçamentos largos, utilizando-se entre linhas 3,8 - 4,0 m e 0,8 - 1,0 m dentro da linha, com uma planta na cova (FAZUOLI et al., 2007).
CULTIVAR BOURBON VERMELHO Em 1859, chegaram ao Brasil sementes de café que o Governo Central mandara buscar na Ilha de Reunião, antiga Bourbon, por ter informações de que eram mais produtivas que a cultivar Típica e de boa qualidade. Por terem frutos vermelhos, os cafeeiros originados dessas sementes passaram a ser chamados de 'Bourbon Vermelho'. Grande atenção foi dada, no IAC, à seleção de plantas matrizes de 'Bourbon Vermelho' em numerosas propriedades agrícolas do estado de São Paulo, por tratar-se de café dos mais cultivados e produzidos, por ocasião do início dos trabalhos de melhoramento, em 1932. As sementes dessas progênies foram multiplicadas em larga escala para distribuição aos produtores, a partir de 1939 (FAZUOLI et al., 2007).
Características: Arbusto de 2 a 3 m de altura, de forma mais ou menos cilíndrica, ramos laterais secundários e terciários abundantes, formando principalmente na base da planta, muitas palmetas. As folhas novas são verde-claras, tornando-se verde-escuras quando maduras, elípticas, levemente coriáceas, com lâmina e margem mais onduladas do que as da cultivar Típica. É altamente suscetível à ferrugem, menos vigorosa e produtiva que a cultivar Mundo Novo (aproximadamente 50% a menos; Tabela 3). O diâmetro da copa também é menor que o da cultivar Mundo Novo. Os frutos são de coloração vermelha e
C a p í t u l o I | 79 a maturação é precoce (20 a 30 dias antes em 'Mundo Novo'). A peneira média é em torno de 16 e a porcentagem de grãos normais de, aproximadamente, 95%. O rendimento oscila em torno de 50%. A qualidade da bebida é reconhecida pelos apreciadores de café como superior à de outras cultivares por seu aroma e sabor (FAZUOLI et al., 2007).
Tabela 3. Ficha técnica da cultivar Bourbon Vermelho IAC 662. Porte (altura da planta)
Médio a Alto
Copa
Cilíndrica
Diâmetro da copa
Grande
Comprimento do internódio
Longo
Ramificação secundária
Baixa
Cor das folhas jovens (brotos)
Verde
Tamanho da folha
Médio
Cor do fruto maduro
Vermelha
Formato do fruto
Oblongo
Tamanho da semente
Médio
Formato da semente
Curto e largo
Ciclo de maturação
Precoce
Ondulação da borda da folha
Pouco ondulada
Resistência à ferrugem
Susceptível
Resistência a nematóide
Susceptível
Vigor Qualidade da bebida Produtividade
Baixo Excelente Média
Fonte: Fazuoli et al., 2007.
Atualmente, essa cultivar é indicada somente para aqueles cafeicultores que desejam obter um produto diferenciado em relação à qualidade da bebida e que possam agregar valor ao seu café na venda de cafés especiais. O IAC selecionou e liberou várias linhagens desta cultivar a partir de 1939. Dentre elas, destacam-se Bourbon Vermelho IAC 370 e IAC 662. Os espaçamentos recomendados podem variar de 3,0 a 3,8 m entre linhas por 0,6 a 0,8 m entre plantas, utilizando-se uma planta por cova. É uma cultivar exigente em nutrição (FAZUOLI et al., 2007).
C a p í t u l o I | 80 CULTIVAR GUARNICA É o resultado do cruzamento que ocorreu em 1960 no Instituto Mexicano do Café, entre duas variedades de plantas: Mundo Novo e Caturra. A cultivar Guarnica representa cinco por cento da produção do estado de Veracruz, México.
Critérios para a escolha da cultivar de café As cultivares de café arábica são mais indicadas para regiões de clima mais ameno, com temperaturas médias inferiores a 21°C-22°C, sendo as regiões mais quentes indicadas para cultivares de café robusta-conilon. Essa é uma indicação geral, não sendo, no entanto, uma regra excludente, pois, sob condições especiais, é possível cultivar café robusta em áreas um pouco mais frias e café arábica em regiões mais quentes. A arborização ou sombreamento e, principalmente, a irrigação podem ser usadas para auxiliar na adaptação às condições ambientais. Vários experimentos e grandes plantações comerciais têm mostrado boa produtividade de cultivares arábica, mesmo em regiões de temperatura média anual na faixa de 23°C a 24,5°C (MATIELLO, 2007).
A utilização de espaçamentos adequados associados à correta escolha da cultivar também é um fator que contribui para o processo de maturação dos frutos. É recomendado um espaçamento um pouco mais aberto nas áreas mais frias, de altitudes elevadas ou naquelas de faces pouco expostas ao sol. Os aspectos mais importantes a serem observados nas características vegetativas e reprodutivas inerentes a cada cultivar são: produtividade, vigor, porte, resistência a pragas e doenças e maturação e qualidade dos frutos (MATIELLO, 2007). Quando a chuva é limitante, com déficits hídricos superiores a 100–150 mm, a opção pelo cultivo de cultivares arábica deve considerar o uso da irrigação. Já o conilon pode suportar déficits de até 200–300 mm, pois a capacidade do seu sistema radicular e a característica de maior retenção foliar não limitam drasticamente a sua produtividade. Não existem grandes variações entre as variedades atualmente em cultivo quanto à tolerância a certas deficiências do solo. Aliás, os programas de melhoramento do cafeeiro não têm dedicado trabalhos voltados ao estudo do comportamento das plantas em diferentes solos. Verificou-se, apenas, que a cultivar Mundo Novo e, principalmente, a Acaiá, são mais exigentes em magnésio e zinco. Há evidências, também, de que as
C a p í t u l o I | 81 cultivares com maturação mais precoce e mais concentrada, pelo fato de reunir suas necessidades em um período mais curto, tendem a ser mais exigentes em nutrição. Outra característica importante no solo é a presença de pragas ou doenças, sendo mais crítica à população de nematoides. Por isso, sempre que a região for problemática e, principalmente, quando a área de plantio já foi cafezal, deve-se analisar a ocorrência das espécies de nematóides e adotar as medidas de controle que envolvam manejo cultural (rotação de culturas, etc.), dando prioridade ao uso de cultivares resistentes ou à utilização de porta-enxertos resistentes a nematoides (MATIELLO, 2007). Em regiões montanhosas, de altitude elevada, normalmente, há maior nebulosidade e, por isso, principalmente na face Noruega, onde a insolação é menor, a maturação do cafeeiro é mais tardia, indicando a necessidade de cultivares com maior precocidade de maturação. A nebulosidade favorece o crescimento das plantas em altura e, assim, é inadequado o uso de cultivares de porte alto. Também, o uso dessas cultivares dificulta os tratos culturais que só poderão ser efetuados manualmente e a própria colheita, que exige mais precocemente o uso de escadas na lavoura. Desse modo, o cultivo em áreas montanhosas deve ser feito com cultivares de porte baixo e que apresentem, ainda, características que facilitem os tratos culturais. Não deve ser esquecida a necessidade de a cultivar adaptarse ao plantio de café adensado, um sistema essencial para viabilizar a exploração de áreas com declive acentuado. Nessas áreas, deve-se dar preferência ao plantio de cultivares resistentes à ferrugem (MATIELLO, 2007). As cultivares de porte baixo, compactas, como a Catuaí, tendem a ser mais protegidas de ventos frios. Por outro lado, elas mantêm, dentro da copa, maior umidade (de orvalho), o que facilita o ataque de doenças. Essas doenças causam secas da ponta de ramos laterais e ponteiros e induzem à bifurcação dos ramos secundários, terciários, etc. Condições de temperaturas médias anuais entre 19°C e 22°C são muito favoráveis ao crescimento e ao desenvolvimento do café arábica, mas também coincidem com a condição ideal para a evolução da ferrugem (Hemileia vastatrix). Em regiões mais quentes, nas quais a temperatura média fica próximo à faixa superior de aptidão para o café arábica e, principalmente, onde coincidem condições de baixa umidade e alta insolação, os ataques de cercosporiose (Cercospora coffeicola) e bicho-mineiro (Leucoptera coffeela) são mais intensos e podem se tornar um grave problema para a lavoura de café. Para a cercosporiose, ainda não existe material com resistência, sendo indicadas cultivares mais vigorosas e aquelas de maturação tardia para atenuar esse
C a p í t u l o I | 82 problema. Outro ponto importante no manejo da cercosporiose é a associação de uma boa nutrição e práticas de controle com bioinseticidas (MATIELLO, 2007).
COMPOSIÇÃO QUÍMICA Um grão de café normalmente contém 34% de celulose, 30% de açúcar, 11% de proteína, 6 a 13% de água e 2 a 15% de gordura (Tabela 4). Outros componentes destacáveis são minerais, como o potássio, cálcio, magnésio e fósforo, ácidos orgânicos (clorogênicos ou cafeoilquínicos) e alcaloides, como cafeína (1-2,5%) e trigonelina. Em alguns casos, compostos exógenos (contaminantes) também foram detectados, como resíduos de pesticidas, micotoxinas e benzopireno (VANACLOCHA; FOLCARA, 2003; CLARKE; MACRAE, 1988). Tabela 4. Teor de óleo de grãos de cultivares da espécie Coffea arabica. Espécie
Coffea arabica
Cultivares
Teor de óleo (%)
Typica ou Nacional
11,98 ± 1,39
Mundo Novo
13,96 ± 2,56
Bourbon Vermelho
13,33 ± 0,31
Fonte: Mazzafera et al., (1998).
A cafeína foi descoberta e isolada em 1820 pelo químico alemão Ferdinand Runge. Em 1832, Pfaffaud e Liebig determinaram sua composição química, C8H10N4O2 (1-3-7 trimetilxantina). É um alcaloide pertencente ao grupo das purinas, que aparece não apenas no café, mas também no chá e no chocolate. Em um adulto saudável, estima-se que sua metabolização ocorra entre três e cinco horas após a ingestão. Somente resulta perigoso para a saúde em doses muito altas. A aparição de efeitos negativos e a importância destes variam de uma pessoa para outra. Os cafés Robustas têm mais cafeína que o arábica (aproximadamente o dobro). Em geral, a quantidade de cafeína contida em uma xícara de café varia muito e depende da origem do café, da composição da mistura, do método de preparação e do diluído que esteja o café preparado (CLARKE; MACRAE, 1988). Os ácidos clorogênicos talvez sejam os componentes mais estudados depois da cafeína. Suas propriedades farmacológicas estão ligadas à sua natureza antioxidante. O café verde é uma das principais fontes de ácidos clorogênicos da dieta. Durante o processo de torrefação, os ácidos clorogênicos são transformados em lactonas e fenilindanos. A trigonelina também é um composto importante, pois durante a torrefação é parcialmente
C a p í t u l o I | 83 transformada em niacina ou vitamina B3. Isso faz do café uma fonte importante de vitamina B3. Os glicosídeos são de importância farmacológica porque inibem a fosforilação oxidativa, assim como os ésteres de Kahweol e cafestol, que possuem atividade antitumoral (CROZIER et al., 2008; CLARKE; MACRAE, 1988). Os polissacarídeos são o componente majoritário do café torrado. Eles são derivados de arabinogalactanos, galactomananos e pectinas procedentes do café verde. Os monossacarídeos e dissacarídeos são normalmente destruídos durante a torrefação, no entanto, às vezes, podem aparecer vestígios de arabinose, manose, glicose, galactose, rabbinose, frutose e sacarose. Os esteróis mais importantes no café torrado são sitosterol, estigmasterol, campesterol e cicloartenol. Os diterpenos como kahweol, cafestol e seus ésteres são destruídos durante a torrefação e parecem ser a origem de monoterpenos voláteis, naftalenos e quinolinas. Alguns ácidos alifáticos, como o ácido lático, pirúvico, glicólico, oxálico, tartárico e cítrico, também são gerados durante o processo de torrefação. Entre os compostos voláteis que compõem o aroma, encontram-se os compostos aromáticos, como o eugenol e o guiacol, e os compostos heterocíclicos como o maltol (TARZIA et al., 2010; CROZIER et al., 2008; KNOPP et al., 2006; CLARKE; MACRAE, 1988). Abaixo estão quatro tabelas que resumem o valor nutricional do café em infusão (Tabelas 5, 6, 7 e 8).
Tabela 5. Nutrientes básicos do café em infusão (USDA, 2014). Nutrientes
Unidades
Valor por 100 g
g
99,39
Kcal
1
Proteínas
g
0,12
Gorduras totais
g
0,2
Carboidratos
g
0
Fibra
g
0
mg
40
Água Energia
Cafeína
C a p í t u l o I | 84 Tabela 6. Minerais do café em infusão (USDA, 2014). Nutrientes
Unidades
Valor por 100 g
Cálcio, Ca
mg
2
Ferro, Fe
mg
0,01
Magnésio, Mg
mg
3
Fósforo, P
mg
3
Potássio, K
mg
49
Sódio, Na
mg
2
Zinco, Zn
mg
0,020
Cobre, Cu
mg
0,002
Manganês, Mn
mg
0,023
Selênio, Se
g
0
Flúor, F
g
90,7
Tabela 7. Principais componentes lipídicos do café em infusão (USDA, 2014). Nutrientes
Unidades
Valor por 100 g
Saturados
g
0,002
Monoinsaturados
g
0,015
Poliinsaturados
g
0,001
Colesterol
g
0
Lipídicos (totais)
Tabela 8. Vitaminas do café em infusão (USDA, 2014). Nutrientes
Unidades
Valor por 100 g
Tiamina
mg
0,014
Riboflavina
mg
0,076
Niacina
mg
0,191
Ácido pantotênico
mg
0,254
B6
mg
0,001
Folato, total
mg
2
Colina
mg
2,6
E, gama tocoferol
mg
0,01
K
µg
0,1
Vitaminas
C a p í t u l o I | 85 CONDIÇÕES EDAFOCLIMÁTICAS Clima: No que dizem respeito aos aspectos ambientais, alguns cuidados devem ser considerados: insolação, altitude, ocorrência de ventos fortes, precipitação e distribuição de chuvas, variedade adaptada ao sombreamento, etc. Como planta de sub-bosque, o café arábica tem necessidade de regular a quantidade de umidade, no ar e no solo, que é dada pelas chuvas. A quantidade pluviométrica ideal às suas reservas está compreendida entre 1200 e 1800 mm por ano (ALÈGRE, 1959), embora outros autores admitam que o cafeeiro possa crescer sob ampla faixa de precipitação (DaMATTA; RENA, 2002). Essa variação se dá porque o suprimento hídrico depende de outros fatores como a distribuição das chuvas e a evapotranspiração da cultura no decorrer do ciclo, o que compensa a ocorrência de precipitações relativamente baixa. As perdas na produção cafeeira em decorrência da deficiência hídrica estão relacionadas com o estádio de desenvolvimento da planta. Camargo (1985), analisando dados de balanço hídricos em várias regiões produtores do Brasil, menciona que a produção econômica do cafeeiro arábica suporta deficiências de até 150 mm anuais quando a estação seca coincide com a maturação e a colheita; mas durante o período de frutificação, deficiências anuais superiores a 100 mm podem ocasionar quebras na produtividade. Também uma deficiência hídrica entre julho e agosto, período anterior à antese, pode se tornar benéfica, favorecendo uma florada mais uniforme nas primeiras chuvas de setembro. Quando o déficit é acentuado, as plantas apresentam murchamento, desfolha, seca de ramos, aparecimento de deficiências nutricionais e pragas e doenças induzidas ou favorecidas (MATIELLO et al, 2002). Segundo estes autores, os prejuízos, no cafeeiro, causados por falta de água, são de quatro categorias principais: (a) perdas no desenvolvimento da planta e na produção de frutos; (b) no tamanho dos frutos (peneira média); (c) no tipo do café; e (d) no rendimento côco-beneficiado, sendo os dois últimos por falha na granação (presença de chochos e mal granados), com perdas sentidas tanto no ano (ciclo produtivo) quanto no seguinte. No caso das áreas inaptas ou marginais, o cultivo do café torna-se possível através do uso da irrigação. A utilização da irrigação suplementar, hoje, é uma tecnologia viável, principalmente porque há resultados mostrando a eficácia de suspender a irrigação no período mais seco do ano, visando à sincronização da florada. No caso de áreas aptas ao cafeeiro de sequeiro, o benefício da irrigação é garantir o pegamento dos chumbinhos após a florada induzida por chuva. De forma geral, pode-se dizer que as fases fenológicas
C a p í t u l o I | 86 do cafeeiro arábica, mais exigentes em suprimento hídrico, são as seguintes: vegetação e formação de gemas foliares; florada e granação dos frutos. As temperaturas médias anuais entre 18 e 21ºC, sem grandes variações sazonais são os limites mais indicados para C. arabica (CAMARGO, 1985). A aptidão térmica para o café arábica, segundo Camargo (1977), é dada por faixas de temperaturas médias anuais, classificadas em apta, entre 18°C e 23°C; marginal, entre 17°C e 18°C ou 23°C e 24°C; e inapta, menor que 17°C ou maior que 24°C. Quando a temperatura média anual se encontra em torno de 23°C, o cafeeiro arábica geralmente apresenta redução de crescimento, no período do verão, e sintomas intensos de descoloração foliar provocados pela escaldadura. Em regiões com temperatura media anual acima de 23ºC se antecipam o desenvolvimento e a maturação dos frutos, com perdas na qualidade (CAMARGO, 1985). Em temperaturas inferiores a 18°C, o café arábica apresenta exuberância vegetativa e baixa diferenciação floral, o que resulta em baixa produtividade, além de sintomas típicos de crestamento foliar, no período de inverno, quando associadas ao vento. Estudos evidenciam que temperaturas extremas prejudicam o desenvolvimento vegetativo e reprodutivo do cafeeiro (FRANCO, 1956; FRANCO, 1960; CAMARGO; SALATI, 1967). Alves (2008) relata que a ocorrência de temperaturas acima de 30ºC por um período prolongado, associada a um intenso déficit hídrico, durante o início da florada, pode provocar a morte dos tubos polínicos, pela desidratação das flores, resultando nas conhecidas “flores estrelinhas”. O cafeeiro também se mostra pouco tolerante ao frio. As temperaturas foliares próximas a -2ºC provocam início de danos nos tecidos (CAMARGO; SALATI, 1967) e temperaturas foliares entre -3 e -4 provocam danos severos e morte dos tecidos (FERRAZ, 1968). Como o cafeeiro é originário de regiões de sub-bosque, adapta-se às condições de sombra. Nos viveiros, apresenta a maior taxa fotossintética, desenvolvendo-se, assim, à meia-luz. Quando adulto, cresce e produz a pleno sol, com maiores taxas que à sombra, certamente porque as folhas internas, em maior número, acham-se protegidas, ou seja, as externas dão o auto-sombreamento necessário e o devido equilíbrio de luminosidade. A altitude ideal está entre 1.000 a 1.200 metros, mas o café arábica consegue se adaptar em altitudes acima de 400 metros, mas é necessário que o cafezal seja sombreado. Em terrenos com elevada declividade, a exposição solar determina variações de ambientes em termos microclimáticos. É comum constatar, entre os agricultores em
C a p í t u l o I | 87 regiões montanhosas, que as faces mais ensolaradas têm o solo mais duro e ressecado. As faces voltadas para o norte recebem, diariamente e no decorrer do ano, grande quantidade de insolação direta, sendo, portanto, mais quentes. São chamadas de “soalheiras” pelos agricultores. Já a exposição sul é o inverso. Recebe menor quantidade de insolação direta, sendo, portanto, mais fria e sombreada. É denominada pelos agricultores de “face Noruega”. A exposição leste recebe mais insolação pela manhã e a exposição oeste, à tarde, sendo o solo deste mais duro e ressecado que o da outra. As áreas de pequena declividade e as planas recebem insolação direta o dia todo, ou de acordo com a conformação do vale, no caso de locais de baixada (LIMA et al., 2002). Os efeitos do vento em cafeeiros, segundo Camargo (1985a) e Camargo e Pereira (1994), podem ser diretos, simplesmente mecânicos, quando acarretam danos às folhas e às gemas, além de potencializar a queda de flores e frutos em desenvolvimento, ou indiretos, como os ecofisiológicos, provocando aumento da demanda hídrica ou facilitando a penetração de microorganismos, como é o caso da mancha-aureolada (Pseudomonas garcae), da requeima (Phoma spp) (CARAMORI et al., 1986) e da seca dos ponteiros (CARVALHO; CHALFOUN, 2000). Ventos frios, quando fortes e persistentes, podem intensificar o fenômeno conhecido como geada de advecção. Para cultivos no Estado do Espírito Santo, essa proteção é especialmente interessante, já que ventos fortes tendem a ocorrer com maior frequência durante o final da estação seca do ano, quando as plantas ainda se encontram em fase de recuperação da desfolha causada pela colheita e pelas podas, além do próprio déficit hídrico (DAMATTA et al. 2007). Solos: No que dizem respeito aos aspectos edáficos, é importante considerar: classes de solos, granulometria, estrutura, densidade, teor de matéria orgânica, drenagem, compactação do solo, profundidade do solo etc. Estas características do solo são fatores fundamentais da disponibilidade hídrica para qualquer cultura. Segundo Matiello et al. (2005) o café, no Brasil, predomina em Latossolos e Argissolos, classes de solos atualizadas conforme o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SANTOS et al., 2006). Para os solos utilizados com cultivos de café sombreado no Brasil são classificados dependendo da região (JARAMILLO-BOTERO et al., 2006), como: Latossolo vermelho amarelo distrófico (Distrito Federal e Planaltina); Latossolo vermelho (Minas Gerais, Viçosa); Latossolo Amarelo (Vitória da Conquista, Bahia); e Latossolo Vermelho escuro (Paranapoema, Paraná). Não são indicados para o cafeeiro, os Neossolos Quartzarênicos, devido à textura muito arenosa e à baixa retenção de água e nutrientes, só podendo ser
C a p í t u l o I | 88 explorados através de tecnologias avançadas, incluindo adubações muito parceladas e irrigação contínua. Também não são indicados os Plintossolos, devido a pouca profundidade e à má drenagem (alagamento), nem os Neossolos, devido à pequena profundidade (MATIELLO et al., 2005). A profundidade efetiva do solo, para o cafeeiro, deve ser de, pelo menos, 1,50 m, em boas condições de textura e de estrutura, para que a planta possa manter um sistema radicular suficiente para absorção de água e nutrientes, apesar da maior parte das raízes ativas (finas) concentrar-se na primeira camada de solo, até 0,30 m de profundidade. Esta profundidade poderá ser ainda menor, caso seja adotada a irrigação (MATIELLO et al., 2005). Segundo Camargo et al. (2001) a profundidade média de exploração das raízes de um cafeeiro adulto, para as condições do Estado de São Paulo, é de aproximadamente um metro. Para o desenvolvimento da lavoura cafeeira, considera-se que a profundidade do solo (horizontes A+B) é de grande importância. Constitui-se na profundidade do solo que vai ser explorada pelo sistema radicular, o que se traduz em volume de solo com água e/ou nutrientes que as raízes do cafeeiro terão disponíveis. Aliado à profundidade, é importante que o sistema radicular tenha condição de explorá-lo. Isto significa que, se houver algum impedimento físico (compactação do solo) ou químico (pH do solo), as raízes não conseguem explorar satisfatoriamente o solo. Alguns impedimentos podem ser removidos através do manejo quando o solo estiver compactado (plantio de nabo forrageiro comum, feijão guandu BRS Mandarim ou Crotalaria juncea de sistema radicular muito vigoroso), calagem/gessagem no caso do excesso de acidez, incorporação de leguminosas, quando o teor de matéria orgânica estiver muito baixo etc. Para um manejo adequado do solo é necessário considerar suas propriedades físicas (aeração,
retenção
de
água,
compactação,
estruturação),
químicas
(acidez,
disponibilidade de nutrientes, interações) e biológicas (teor de matéria orgânica, respiração, biomassa de carbono, biomassa do nitrogênio, taxa de colonização e tipo de microrganismos). Na prática, essas propriedades interagem entre si e, para um bom manejo do solo sob o cafeeiro, é conveniente adotar algumas medidas (LÓPEZ DE LEÓN; MENDOZA DÍAZ, 1999), tais como:
C a p í t u l o I | 89 a) cobertura do solo: árvores de sombra cumprem esse papel, protegem o solo do impacto das gotas de chuva e ajudam na produção de matéria orgânica; cultivo de leguminosas como cobertura viva em plantios novos e/ou onde há suficiente penetração de luz para seu desenvolvimento; uso de cobertura morta, como os resíduos de plantas daninhas ou de restos de cultivo; aplicações de matéria orgânica;
b) estruturas de conservação: estruturas físicas que têm finalidade de minimizar a perda da fertilidade do solo por erosão, tais como: barreiras vivas, barreiras mortas, terraços individuais, terraços contínuos, faixas de infiltração etc. Dependendo de cada situação, as práticas de conservação dos solos que deverão ser adotadas, são divididas em: a) edáficas: selecionar as glebas de acordo com a capacidade de uso; não utilizar queimadas para limpeza do terreno; preparar o solo em curvas de nível; realizar a calagem e as adubações orgânicas permitidas e toleradas para o cultivo do café, suas entrelinhas etc.; b) vegetativas: reflorestamento de topos e grotas; cobertura vegetal permanente em áreas altamente sujeitas à erosão; proteção de mananciais; cordões de contorno e culturas em faixas; c) mecânicas: distribuição racional de vias de tráfego, sulcos, terraceamento e bacias de contenção de água.
PRODUÇÃO ORGÂNICA DE MUDAS DE CAFÉ EM VIVEIRO É uma alternativa que beneficia a agricultura orgânica e agrega valor ao produto (LIMA, et al, 2002). Por outro lado, a Instrução Normativa 007/99 do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento e a Lei 10831/03 recomendam que para a formação de lavouras orgânicas, as sementes e as mudas devem ser oriundas de sistemas orgânicos. Entretanto, devido à escassez de sementes e de viveiros credenciados ainda é permitido, por esta instrução normativa, a utilização de sementes e mudas obtidas pelo sistema de cultivo convencional. Nesse caso, deve ser cumprido um período de conversão da lavoura, que varia de 18 a 36 meses, conforme o histórico do uso de insumos na propriedade, para que o sistema de cultivo seja considerado orgânico. Para a produção orgânica de mudas de café, devem-se atender as exigências das normas do cultivo orgânico e adotar medidas preventivas tanto na construção como durante toda a condução do viveiro, obtendo-se dessa forma mudas sadias e de qualidade (BRASIL, 1999; 2003; Figura 35). Além disso, deve-se adaptar uma metodologia para produção orgânica de mudas de café arabica.
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Figura 35. Mudas sadias e de qualidade das cultivares Catuaí Vermelho (porte baixo) e Mundo Novo (porte alto). Foto: Oliveiro Guerreiro Filho (2007).
Na cultura do cafeeiro, a máxima qualidade das sementes ocorre na maturidade fisiológica, quando a semente se desliga da planta mãe ao completar o seu desenvolvimento. Assim como para outras espécies, o ponto de maturidade fisiológica coincide com o máximo acúmulo de matéria seca, viabilidade e vigor dessas sementes. Este estádio é facilmente determinado, pois está correlacionado com a maturação dos frutos, coincidindo com a mudança de cor “verde cana” para “cereja”. Já foi verificado, para a cultivar Mundo Novo, que, aos 160 dias após a fecundação (DAF), as sementes já apresentam um início de germinação, porém, o máximo vigor coincide com o máximo desenvolvimento do fruto, o que ocorreu em torno de 220 DAF. Neste estádio, as sementes apresentam teor de água em torno de 66% (CAIXETA; ALVARENGA, 1981). Uma vez atingido o completo desenvolvimento, o café deve ser colhido, pois a permanência das sementes no campo as expõe a condições adversas, que podem resultar na redução da sua qualidade fisiológica. A colheita dos frutos cereja, normalmente, é realizada manualmente e estes são submetidos ao despolpamento mecânico, com a eliminação do epicarpo. Em seguida, as sementes são submetidas à degomagem para a retirada da mucilagem (mesocarpo) aderida ao pergaminho. O processo de degomagem mecânica é realizado em equipamentos denominados desmuciladores, por meio do atrito das sementes umas contra as outras e contra a parede do equipamento, e pela injeção de água sob pressão.
C a p í t u l o I | 91 Após a retirada da mucilagem, as sementes passam, então, por uma secagem que deve ser realizada à sombra, ou utilizando secadores mecânicos. Normalmente, o beneficiamento das sementes de café consiste na catação manual de impurezas visuais, tais como sementes quebradas ou sem pergaminho, sementes anormais (moca, concha), sementes com infestação aparente por microrganismos, restos de cascas do fruto, frutos que não foram despolpados, etc. Porém, trabalhos recentes têm mostrado as vantagens para a obtenção de sementes de melhor qualidade a partir do seu beneficiamento, utilizando máquinas de pré-limpeza (ar e peneira) e mesa gravitacional (ARAÚJO et al., 2004; FAVARIN et al., 2003; GIOMO et al., 2004). Em sementes denominadas ortodoxas, a redução do teor de água é realizada com o principal objetivo de reduzir o metabolismo das sementes, favorecendo a manutenção da sua qualidade. As sementes de café são consideradas de comportamento intermediário, pois a combinação da redução do teor de água com baixas temperaturas não favorece o armazenamento dessas sementes, como ocorre nas espécies ortodoxas. Em sementes de C. arabica, reduções no teor de água para até 10% e armazenamento a 10°C favorecem a manutenção da qualidade por até 12 meses (GENTIL et al., 2001).
Metodologia: O viveiro de mudas deve ser instalado e conduzido em propriedade do cafeicultor. Como medidas preventivas, esse é instalado no sentido Leste-Oeste, a pleno sol, protegida de ventos, distante de lavouras de café, em área de fácil acesso, levemente inclinada e bom fornecimento de água de qualidade para irrigação, evitando-se áreas com problemas de drenagem e patógenos (BRASIL, 1999; Figura 36). Para cada mil mudas a produzir é recomendável disponibilizar uma área de 10 m2 de viveiro, devendo deixar os canteiros com 1,00 m a 1,20 m de largura e com 20 m a 30 m de comprimento.
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Figura 36. No viveiro de produção de mudas de café, recomenda-se deixar a largura dos canteiros com 1,00 m a 1,20 m e o comprimento com 20 m a 30 m. Foto: Maria Amélia Gava Ferrão et al. (2009).
Para o substrato deve utilizar o solo de barranco coletado a 50-60 cm de profundidade e distante de lavouras de café, para evitar problemas com infestação de sementes de plantas daninhas e de patógenos do solo. Apesar dessa medida preventiva, posteriormente o solo é peneirado e desinfectado através do processo de solarização, no qual se utiliza a energia solar com a finalidade de elevar a temperatura do solo a níveis letais para patógenos e sementes de plantas daninhas. Nesse processo, o solo coletado é espalhado em camadas finas de aproximadamente 5 a 10 cm sobre lona plástica preta em uma área ligeiramente inclinada. Em seguida, a camada de solo é levemente umedecida e coberta com lona plástica transparente, vedada nas extremidades, permanecendo por cerca de 60 dias sob a luz solar direta. Durante a solarização a temperatura atinge níveis que são letais, inativando ou inibindo o crescimento de muitos fitopatógenos e de propágulos de plantas tidas como daninhas (KATAN et al., 1976; GHINI, 1991; SOUZA, 1993). Em seguida, são feitas valetas no entorno da lona para facilitar o escoamento de água (MOURA et al., 2007). Trabalha-se com dois tipos de mudas de cafeeiro: de meio ano e de um ano. As primeiras são mais utilizadas em razão do baixo custo, requerendo menor volume de substrato e menor período de permanência no viveiro. As mudas de cafeeiro podem ser produzidas
C a p í t u l o I | 93 em saquinhos de polietileno opaco, dotados de orifícios de dreno ou em tubetes. As dimensões recomendadas para os saquinhos são: 11 cm de largura x 20 cm de altura, para mudas de meio ano; 14 cm de largura x 29 cm de altura, para as de um ano. Enquanto os tubetes apresentam vantagens sobre os outros tipos de recipientes, assegurando mudas de alto padrão tecnológico, porém, exigindo investimento inicial mais elevado (Figura 37). Além do preço superior dos próprios tubetes, o sistema pede irrigação por microaspersão, suporte para encaixe dos recipientes e mão-de-obra especializada (RICCI et al., 2002).
Figura 37. Tubetes utilizados para produção de mudas. Foto: Vanessa Maria Pereira e Silva
A formulação de substratos baseados em recursos locais ainda é um tema que necessita de pesquisas. Entretanto, algumas misturas vêm sendo empregadas satisfatoriamente, tais como: 70% a 80% de terra de subsolo argiloso + 20% a 30% de vermicomposto; 50% a 70% de subsolo argiloso + 30% a 50% de esterco bovino curtido; ou 85% a 90% de subsolo argiloso + 10% a 15% de esterco de "cama" de aviário. Como fonte de fósforo, recomenda-se adicionar às misturas 1% de termofosfato magnesiano, um adubo mineral de solubilidade mais lenta, aceitável pela agricultura orgânica. Outra opção seria a farinha de osso calcinada (esterilizada) na mesma proporção do termofosfato. Em caso de necessidade de potássio, pode-se fazer uso da cinza de lenha, se disponível (fornos ou caldeiras próximas), ou do sulfato de potássio para correção de deficiência apontada pela
C a p í t u l o I | 94 análise química (RICCI et al., 2002). Para o preparo de 1.000 litros de substrato, MOURA et al. (2007) recomendam utilizar a seguinte formulação: 700 litros de solo peneirado, já solarizado; 300 litros de composto orgânico curtido e peneirado; 1,0 kg de P 2O5 (6,5 kg de Yoorin) e 0,6 kg de K2O (2,0 kg de sulfato duplo de potássio e magnésio (este de origem mineral natural) ou 1,25 kg de (sulfato de potássio). Enchimento dos sacos de polietileno com substrato seco, sendo estas preenchidas até a superfície e o substrato compactado através de batidas dos sacos no chão, de forma que o volume não seja reduzido posteriormente com as regas sucessivas. Além disso, o correto enchimento dos sacos evita falhas na irrigação das mudas pelo tombamento dos saquinhos sobre o substrato que bloqueia a entrada da água. Após a colocação do substrato nos saquinhos, procede-se a semeadura colocando-se 2 sementes de café, sem endocarpo, a 2 cm de profundidade. Utilizando um toco pequeno de madeira, o orifício pode ser feito na profundidade adequada de 2 cm, evitando erros na profundidade de semeadura. A semeadura muito profunda resulta em problemas de falta de uniformidade na germinação e no engrossamento do caule. A época de semeadura deve ser o mais cedo possível, sendo feita até o mês de julho para o plantio a ser realizado no final do ano ou no início do ano seguinte, buscando o período chuvoso da região e o pegamento das mudas ou germinação de sementes (Figuras 38 e 39). Considerando que 1 kg de sementes de café contém 5 mil sementes, aproximadamente, que rendem cerca de 2.500 mudas de café arábica; logo, para formar 10 mil mudas serão necessários 4 kg de sementes.
Figura 38. Germinação da semente de café: A) Fase conhecida como “palito de fósforo” (60 a 90 dias após o semeio); B) fase conhecida como “orelha de onça” (80 a 90 dias após o semeio). Fonte: Messias Antônio Silveira Andrade.
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Figura 39. Encanteiramento dos sacos plásticas deve ser realizado colocando-as em sentido vertical sem inclinação, e aproveitando os espaços para otimização da área (B), sendo que em 1 m2 cabem aproximadamente 150 sacos plásticos. Fotos: Kelly Ribeiro Lamônica (2016).
Após a emissão do primeiro par de folhas definitivas é realizado o desbaste, deixando-se uma muda por saquinho. O raleamento das mudas deve ser feito até o estágio de “orelha de onça” (Figura 40), para evitar a rebrota. A repicagem de plântulas não é permitida na produção de mudas de café, uma vez que resulta em problemas no desenvolvimento do sistema radicular, como enovelamento. O raleamento deve ser realizado nos saquinhos que apresentarem mais de uma planta, eliminando-se a muda que apresentar o menor crescimento e menor desenvolvimento, sendo a eliminação realizada por corte baixo da parte aérea com tesoura de poda, evitando-se a prática manual de arranquio de plântula para não causar danos ao sistema radicular da muda que permanece.
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Figura 40. Mudas de café em estágio de “orelha de onça” com cerca de 5 cm de altura no viveiro e, depois de seis a oito meses, as mudas já alcançaram uma altura de 30 a 40 cm e estão prontas para transplantio no lugar definitivo. Fotos: Kelly Ribeiro Lamônica (2016).
O controle de plantas daninhas é feito manualmente, durante todo o período de condução do viveiro. Enquanto a irrigação das mudas é feita por microaspersão ou regas com mangueira, em média de 2 a 3 vezes ao dia, mantendo-se o substrato sempre úmido, tomando-se cuidado com a velocidade da água, que pode causar tombamento das mudas e retirada do substrato das sacolinhas (MOURA et al., 2007). Para o caso do surgimento de sintoma de doença nas mudas, recomendam-se realizar pulverizações com supermagro a 5% e urina de vaca a 2%, até o desaparecimento dessas. O Supermago é um biofertilizante líquido, proveniente de uma mistura de micronutrientes fermentados em um meio orgânico (Tabela 9). Este processo de fermentação resulta numa
C a p í t u l o I | 97 parte sólida e outra líquida. O sólido é utilizado como adubo para a vida do solo e o líquido usado como adubo foliar (pulverização das folhas) (MOURA et al., 2007).
Tabela 9. Os ingredientes usados no preparo do Supermagro. Componentes
Ingredientes
Equipamento
Um tambor de plástico com capacidade para 200 litros para realizar a mistura dos ingredientes. 40 kg de esterco fresco de gado não tratado com remédio Leite, água sem cloro, melado ou caldo de cana. 2 Kg de sulfato de zinco
Orgânicos
300 gramas de enxofre ventilado (puro) 1 Kg de sulfato de magnésio ou sal amargo 500 gramas de fosfato bicálcico 100 gramas de molibdato de sódio Minerais
50 gramas de sulfato de cobalto 300 gramas de sulfato de ferro 300 gramas de sulfato de manganês 300 gramas de sulfato de cobre 2 Kg de cloreto de óxido de cálcio ou 4 Kg de calcário 1 Kg e meio de Bórax ou Ácido Bórico 160 gramas de cofermol (cobaldo, ferro e molibdênio) 2 Kg e 400gramas de fosfato natural 2 Kg e 400gramas de fosfato natural
Fonte: Moura et al. (2007).
O tempo para germinação das sementes de café com pergaminho ou endocarpo pode variar de 90 a 120 dias dependendo da temperatura (WENT, 1957; Figuras 41 e 42). A germinação das sementes no viveiro ocorreu por volta de 40 dias, o que pode ser atribuído à retirada do pergaminho das sementes, que promoveu a aceleração do processo germinativo, conforme constatado por Franco (1970) e Guimarães (1995).
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Figura 41. Período de germinação de sementes e de crescimento de plântulas de café. Foto: Enivaldo M. Pereira (2015).
Figura 42. Germinação de sementes e desenvolvimento de plântulas. Foto: Yvonne Boitel-Baur, Zurique, Suíça). Esta ilustração mostra os vários estágios do café em pergaminho até o surgimento do primeiro par de folhas verdadeiras. OBS: Primeira linha da esquerda para a direita: germinação, a raiz primária e, posteriormente, a emergência
C a p í t u l o I | 99 do hipocótilo da semente. As pequenas raízes laterais são formadas e o hipocótilo se estende para lançar a 'cabeça' acima do solo (com 3 semanas). -Linha do meio da direita para a esquerda: o gancho apical (joelho) se endireita e os cotilédones (não visíveis) invadem completamente e absolvem o endosperma (7 semanas) -Fileira inferior esquerda: os cotilédones começam a se desdobrar, a camada não absorvida restante do endosperma é perdida, e, em sequência, os cotilédones se expandem completamente (10 semanas). -As primeiras folhas da planta aparecem mais tarde. No canto superior esquerdo, o café em pergaminho (linha superior) e os grãos 'nus' são mostrados com um destes últimos com a película de prata parcialmente removida.
Quanto as doenças foliares, Moura et al. (2007) constataram que algumas mudas apresentaram sintomas somente de cercosporiose (Cercospora coffeicola) ou olho de pomba, a qual foi controlada com as aplicações diárias de supermagro e urina de vaca, até o desaparecimento do fungo. Os cuidados preventivos com a coleta e a desinfecção do solo por meio do processo de solarização, bem como o composto bem curtido, contribuíram para a qualidade fitossanitária do substrato. Nas amostragens realizadas no viveiro, pelos fiscais do Instituto Mineiro de Agropecuária, e analisadas em laboratório credendenciado, não se constatou a presença de nematoides. Também, não foram observados nas mudas os sintomas de rhizoctoniose (Rhizoctonia solani), ou seja, o fungo responsável pelo tombamento de plântulas. Essas doenças são comuns em viveiros onde não se realizam controles preventivos e tratamento do solo a ser utilizado no substrato, que levam a condenação dos viveiros pelos órgãos fiscalizadores. Finalmente, as mudas apresentaramse sadias e com alto vigor vegetativo, o que foi atestado pela emissão do Certificado Fitossanitário de Origem pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA). Face aos resultados obtidos a metodologia é considerada eficiente. Quando as mudas apresentaram os três pares de folhas definitivas, então foram selecionadas as mais uniformes para posterior transplante ao local definitivo (MOURA et al., 2007).
TRATAMENTO DAS SEMENTES ORGÂNICAS O tratamento de sementes é uma prática realizada para proteger a semente de agentes externos como enfermidades. No caso de produção ecológica, as normas não permitem o uso de sementes de produção convencional e nem o uso de sementes tratadas com
C a p í t u l o I | 100 produtos químicos, mas é permitido o tratamento com produtos biológicos e produtos naturais a base de minerais. Na Tabela 10, duas alternativas para o tratamento contra doenças fúngicas de sementes orgânicas: Tabela 10. Fungicidas naturais para tratamentos de sementes de café antes da semeadura em viveiro. Produto Calda Sulfocálcica
Eucalipto
Modo de preparação
Dose
A calda sulfocálcica é um defensivo utilizado na agricultura. Constituída essencialmente por polissulfetos de cálcio, é o resultado de uma reação entre o óxido de cálcio (da cal virgem) e o enxofre, quando dissolvidos em água e submetidos à fervura. Possui ação inseticida, acaricida e fungicida. Mistura a calda sulfocálcica em 20 litros de água. Introduz as sementes em um saco de malha. Submergir na calda por 3 minutos. Em seguida, as sementes são extraídas e secadas à sombra, evitando a exposição direta com raios solares. Uma vez concluída a secagem, as sementes são semeadas em viveiro. Colocar as folhas de eucalipto para secar ao sol. Moer as folhas
¼ litro de
secas até obter uma espécie de pó. Uma vez moída, mesclar o
folhas
pó com as sementes e umedecer levemente até obter uma pasta
eucalipto
consistente. Deixar secar e ensacar. Esta prática deve ser
por 1 kg de
realizada um dia antes da semeadura ou três horas antes de
sementes
sulfocálcica em 20 litros de água
Pó
de
3 de
plantar. Fuente: Fundación Valles (2011).
Tratamento térmico de sementes de café (controle de Cercospora; Figura 43) •
Temperatura da água: 45ºC;
•
Tempo de imersão: 5 minutos;
•
Realizar o processo de imersão de sementes: 3 dias antes da semeadura (recuperar a umidade inicial de 11% das sementes);
•
Secado ao sol (1 dia) sobre lona de plástico (teste com semntes de gergelim)
•
Germinação inicial: 92% (resultado com sementes de gergelim)
•
Germinação final: 80,5% (resultado final com gergelim)
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Figura 43. Antes da semeadura no viveiro, as sementes de café dentro do saco de pano poderão ser submetidas ao tratamento térmico para o controle da Cercosporiose, a qual é uma doença transmitida pelas sementes colhidas de cafeeiro infestado. Foto: Vicente de Paula Queiroga.
SISTEMA DE PRODUÇÃO Raros são os estudos científicos e resultados sobre o cultivo do cafeeiro em sistema orgânico. Portanto, as recomendações sobre manejo e as práticas culturais serão aqui abordadas com base nas normas técnicas que vêm respaldando o movimento em pról da Agricultura Orgânica no Brasil e no exterior. É importante salientar, desde já, que um sistema agrícola, onde houve tão somente a "substituição de insumos", não credencia à obtenção do selo de garantia, visto que as entidades certificadoras consideram imprescindíveis o respeito a todas as práticas conservacionistas que padronizam suas normas regulamentares. Além disso, para o cultivo do cafeeiro orgânico se devem aplicar as melhores condições agronômicas, sem agredir os recursos naturais, ao longo do seu ciclo vegetativo, visando obter um elevado desenvolvimento frutífero e a maior produtividade de uma planta.
C a p í t u l o I | 102 SOMBREAMENTO O café é originário de florestas caducifólias da Etiópia e Sudão (BOULAY et al., 2000); é, portanto, uma espécie adaptada à sombra. Portanto, a espécie Coffea arabica é nativa de regiões altas (1.600-2.800 m de altitude), encontrada naturalmente como vegetação de sub-bosque de florestas tropicais, onde cresce sob constante sombreamento. O clima da região é ameno, com temperatura média anual em torno de 20 ºC e precipitações bem distribuídas durante o ano, variando de 1.600 a 2.000 mm, com um período seco bem definido de três a quatro meses (EVANOFF, 1994). Além dessa, a espécie C. canephora Pierre também é originária de sub-bosques africanos, porém das regiões de menor altitude, como o Congo e Gana. Deste modo, espera-se que o manejo do café que mais se assemelhe às suas condições de origem possa proporcionar os melhores resultados. Portanto, em vários países produtores de café, tais como Colômbia, Venezuela, Costa Rica, Panamá e México, o cultivo em sistemas agroflorestais (SAF) tem sido um recurso utilizado para aumentar a diversidade vegetal dos sistemas e a renda do produtor (BEER, 1997; ESCALANTE, 1997; BERTRAND; RAPIDEL, 1999). As espécies mais comuns utilizadas são: leguminosas ingazeiro (Inga sp.) e Erythrina poeppigiana, fruteiras, como a bananeira (Musa spp.), e citros (Citrus spp.) e espécies madeireiras, tais como o freijó-louro (Cordia alliodora) e o cedro (Cedrela odorata) (BEER, 1997). A sombra é muito importante para o cultivo do café orgânico. O uso da terra, quando envolve manejo intencional de árvores e arbustos, é designado como sistema agroflorestal. Através da introdução e mistura de árvores ou arbustos nas áreas de cultivo agrícola ou pecuária podem-se obter benefícios a partir das interações ecológicas e econômicas que acontecem nesse processo e enquadram-se nos princípios de manejo integrado. Há muitas variações práticas nos sistemas agroflorestais: na agrossilvicultura, combinam-se árvores com produção agrícola, nos sistemas silvipastoris são combinadas com produção animal e nos agrossilvipastoris mesclam-se árvores, culturas agrícolas e animais. Os sistemas agroflorestais são utilizados por produtores para suprir suas necessidades básicas de alimento, madeira, forragem e conservação dos recursos naturais (solo, água, biodiversidade da fauna e flora). É importante destacar que países produtores de café das Américas do Sul e Central, o sombreamento é uma condição necessária para a conversão em orgânico. No Brasil, entretanto, o sombreamento vem sendo estimulado pelas certificadoras e técnicos da área,
C a p í t u l o I | 103 como uma alternativa para se produzir cafés especiais (Figura 44), apesar de não constitui uma condição limitante.
Figura 44. Cultivo de café orgânico em consorciação com culturas ou policultivos, no município de Taquaritinga do Norte, PE. Fotos: Anamaria Nascimento.
Através dos sistemas agroflorestais pretendem-se otimizar os efeitos benéficos das interações com as árvores, produção agrícola e animais, obter maior diversidade de produtos, diminuir a necessidade de insumos externos e reduzir os impactos ambientais negativos da agricultura, além de favorecer o equilíbrio biológico natural que é um dos fins do sistema de produção ecológico. Por outo lado, sabe-se que a irradiância de saturação para o café está compreendida em torno de 300 a 600 μmol m -2 s-1, o que permite um manejo de sombreamento nas lavouras (MOREIRA, 2003), sendo que altas intensidades luminosas saturam o aparelho fotossintético do cafeeiro, acarretando fotoinibição (NUNES et al.,1993). Assim, como no caso das plantações de cacau sombreadas, o café é também cultivado em sistema agroflorestais rústicos no México (PERFECTO et al., 1996), Jamaica (KELLERMANN et al., 2008), Guatemala (CALVO; BLAKE, 1998) e Brasil (GOULART et al., 2009b), entre outros. Nos sistemas mexicanos (provavelmente a agrofloresta mais estudada no mundo), uma alta riqueza de espécies é encontrada (MOGUEL; TOLEDO, 1995; PERFECTO et al., 1996). A conversão destes sistemas em
C a p í t u l o I | 104 monoculturas de sol, como parte da política de intensificação em todo o mundo, chamou a atenção dos ornitólogos, tendo em vista que muitas aves migratórias utilizam plantações de sombra no inverno como pontos de parada nos movimentos sazonais. Por conseguinte, a substituição de sistemas sombreados para os sistemas de sol leva a um declínio nas populações de aves migrantes, afetando a biodiversidade em escala continental. Portanto, as agências conservacionistas, como o Smithsonian Migratory Bird Center, da Conservação Internacional e a Nature Conservancy lançaram uma campanha para conservar tais praticas agroflorestais através de certificação por selos como bird friendly, ou biodiversity-friendly. Nos cultivos orgânica e convencional de café foram observados dois sistemas bem distintos: o de sombra (policultivo) e o de sol (monocultivo), que apresentam diferenças significativas como foi demonstrado por Ricci et al. (2006). No Brasil, a maioria dos produtores prefere o cultivo a pleno sol por acreditar que o sombreamento diminui a produtividade e porque o cultivo sombreado representa maior necessidade de mão-deobra, além da dificuldade na passagem de máquinas. Estima-se que mais de 90% das lavouras existentes são plantadas a pleno sol (RICCI et al., 2002). Entre estes dois sistemas de produção existem diferenças relevantes em relação à qualidade ambiental, sendo que as formigas são consideradas excelentes indicadores ecológicos, o que pode ser útil na avaliação do estado de conservação desses ambientes (SILVESTRE, 2000). A arborização é o termo usado para o sombreamento ralo dos cafezais, a qual deve ser uma prática adotada somente em áreas onde não ocorre déficit hídrico, em regiões sujeitas à elevada insolação e\ou geadas. Em muitos estudos conduzidos sobre arborização de cafezais, a sombra reduziu a produção (HERNÁNDEZ et al., 1997). Entretanto, a maioria desses estudos foi conduzida sob sombra muito densa. Segundo Fernandes (1986), o sombreamento com espécies e espaçamentos adequados podem apresentar resultados satisfatórios, quando comparado ao cultivo a pleno sol. Em relação ao solo, a presença de árvores aumenta o aporte de matéria orgânica em virtude da queda de folhas, conserva a umidade, reduz as perdas de N, aumenta a capacidade de absorção e infiltração de água, reduz o risco de erosão e a emergência de plantas
invasoras,
e
estimula
a
atividade
biológica
(MUSCHLER,
2000).
Adicionalmente, as árvores contribuem para melhorar a fertilidade do solo (MUÑOZ; ALVARADO, 1997), funcionam como banco de estoque de carbono no solo e na vegetação, removendo quantidades significativas de CO2 da atmosfera (ANDRADE;
C a p í t u l o I | 105 IBRAHIM, 2003), e servem como refúgio para a diversidade animal (PERFECTO et al., 1996; GORMLEY; SINCLAIR, 2003). No México, Soto-Pinto et al. (2000) observaram queda na produção com sombreamento maior que 50%, resultado similar ao observado na Colômbia por Farfan e Mestre (2004), onde a maior produção dos cafeeiros foi atingida sob 45% de sombreamento. As maiores produtividades dos cafeeiros sombreados nestas pesquisas variaram entre 2216 kg.ha-1 (Colômbia) e 2916 kg.ha-1 (Costa Rica) de café beneficiado. Os sistemas rústico ou tradicional apresentaram a menor produção, com 506 kg ha -1 em El Salvador e 557 kg ha1
no México.
No México, predominam os sistemas altamente diversos, nos quais o café substitui o estrato inferior de uma floresta nativa e são chamados rústicos (MOGUEL; TOLEDO, 1996). Na Colômbia e Costa Rica predominam a policultura comercial (em que as árvores sombreadoras são geralmente frutíferas plantadas) e a sombra tecnificada (cafeeiros sombreados com uma única espécie arbórea). As principais características dos tipos de sistema de produção sombreado:
Cultivo rústico. O café é cultivado na floresta existente com pouca alteração da vegetação nativa. As espécies arbóreas são diversas, com uma média de 25 espécies por unidade de área. O sombreamento é normalmente estabelecido em três ou mais camadas (camadas de vegetação). A porcentagem de sombra é de 70% a 100%.
Policultura tradicional: o café é cultivado sob uma combinação de árvores florestais nativas e de árvores plantadas (Figura 45). Também incluem uma grande diversidade de outras espécies vegetais, incluindo árvores frutíferas, hortaliças e outras leguminosas, tanto para consumo do cafeicultor quanto para venda no mercado. O percentual de sombra é de 60% a 90%.
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Figura 45. Combinação de árvores plantadas.
Matiello et al., (1989), em experimento de oito anos na região serrana de Pernambuco, demonstraram a eficiência do sombreamento (policultivo) em superar diversidades climáticas, como a ação do vento e estiagens prolongadas (Figura 46). A produtividade média de 6 anos foi superior nos cafeeiros sob 50 e 75% de sombreamento, apresentado um aumento de 170% em relação ao cultivo a pleno sol. Diversos autores definem que o limite máximo aceitável de sombreamento em café (planta com fisiologia C3) está entre 40 e 70% (KUMAR; TIESZEN, 1980; MUSCHLER, 1995). A sombra das árvores protege os cafeeiros da ação direta dos raios solares, contribui para diminuir a temperatura do solo, mantém a umidade por mais tempo durante os meses secos e permite maior longevidade à planta, evitando seu esgotamento prematuro (RAMÍREZ, 1996).
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Figura 46. Área de policultivo contendo plantas de café, jaca, mamão, manga, abóbora, cajá e espécies nativas. Foto: Eduardo Gonçalves de Oliveira (2019).
Monocultura à sombra ou sombreamento tecnificado. São densas plantações de café sob uma ou no máximo duas espécies de árvores (geralmente Inga); as árvores são podadas intensamente para permitir a incidência de luz ao cafezal. Independentemente do tipo de sistema, as árvores podem ser podadas para aumentar a incidência da radiação solar sobre os cafeeiros, estimulando o crescimento, a floração e a biomassa proveniente da poda é usada como adubo verde. As epífitas são geralmente removidas. A porcentagem de sombra é de 10% a 30%. No sistema de sombra tecnificada, as leguminosas mais usadas são Inga spp., Gliricidia sepium e Erytrhina poeppigiana, sendo que estas espécies são plantadas com o objetivo de fornecer nitrogênio à cultura de café (PERFECTO et al., 1996; DONALD, 2004). Quando se aumenta a quantidade de planta por hectare, com mais ramos por planta, e se cultiva as variedades menores com folhagem mais densa, com efeito, o cafezal produzirá uma autosombra que regula sua própria luz. Pode ser que a quantidade de plantas cubra melhor o cafeeiro com seus galhos, impedindo o aquecimento do solo com a luz direta do sol, e protegendo-a do respingo da chuva. É importante frisar que algumas espécies de árvores de sombra com pouca folhagem extraem menos água do solo. Portanto, como elas não vão competir com o cultivo, assim mais umidade estará disponível para o cafezal
C a p í t u l o I | 108 Um aspecto muito importante, para a produtividade e a longevidade do cafezal, é o sombreamento. A arborização pode reduzir sensivelmente as variações bienais da produção de café. Conforme DAMATTA et al. (2007), o cafeeiro produz poucas flores em seu ambiente nativo sombreado e, portanto, não desenvolveu, ao longo de sua evolução, mecanismos para manter sua carga de frutos balanceada com a disponibilidade de carboidratos e de minerais. Mas ao trabalhar com a sombra regulada, o cafezal C. arabica orgânico se comporta melhor em termos de produção de flores e as horas de luz solar que uma plantação de café melhor aproveita são as da manhã, enquanto a luz vertical do meio-dia é a que menos aproveita. Comparados com os sistemas tradicionais no Norte da América Latina, o café sombreado no Brasil apresenta baixa diversidade de espécies arbóreas. As espécies sombreadoras mais freqüentes são grevílea (Grevillea robusta A. Cunn) e seringueira (Hevea brasiliensis (Willd. Ex A. Juss.) Mull. Arg.), embora outras espécies venham sendo estudadas também no Brasil, onde altos valores de produção são observados em sistemas de sombra tecnificada, como observado no Distrito Federal, com produção de 8460 Kg ha-1de café beneficiado, em cafeeiros adensados consorciados com Mogno (Swietenia macrophylla King.). Por outro lado, cafeeiros sob mata nativa apresentam produção extremamente baixa (257 Kg ha-1 em Minas Gerais). Pesquisas mais recente demonstram que há uma relação positiva entre níveis de sombreamento de 23% a 38% e a produção de frutos (SOTO-PINTO et al., 2000). A produtividade do cafeeiro não foi afetada quando associada com seringueira, mogno e nin indiano, no espaçamento 9 m x 6 m (MELO; GUIMARÃES, 2000). Freitas et al. (2000) observaram num consórcio de café com seringueira, na Região de Patrocínio, MG, que a produção dos cafeeiros foi menor nas fileiras mais próximas das seringueiras, mas essa queda foi compensada pelas fileiras menos sombreadas. A existência de maior diversidade possibilita a autorregulação dos sistemas (DUBOIS, 2004) e proporciona condições desfavoráveis ao estabelecimento de pragas e doenças (GUHARAY elt al., 2001), como por exemplo, a cercosporiose (Cercospora coffeicola), a antracnose (Colletotrichum spp.) (BOULAY et al., 2000) e o bicho-mineiro (Leucoptera coffeella) (HAGGAR et al., 2001). Outras vantagens do sombreamento são: produção de internódios mais longos; redução do número de folhas, porém folhas com maior tamanho; obtenção de cafés com bebida mais suave (maturação mais lenta); aumento da capacidade produtiva do cafeeiro e redução da bienalidade de produção.
C a p í t u l o I | 109 Além disso, Lock (1888) fez algumas observações, em meados do século XIX, sobre os pontos positivos e negativos do sombreamento através de árvores, embasado em experimentos com manejo de cafezais no Ceilão, atual Sri Lanka. São eles: • Faixa Climática: a necessidade de sombra varia em função do clima (o sombreamento tem especial importância em climas quentes e secos); • Benefícios do sombreamento: aumento da longevidade das plantas de café; redução nos custos; aumento da serapilheira (consequentemente, aumento da disponibilidade de nutrientes) e venda de madeira (incremento na renda); • Inconveniente: redução da produção de café, porém compensada pelo aumento da longevidade; • Atributos benéficos das espécies de sombreamento: pouca ramificação, fornecimento de madeira, frutas ou outros produtos úteis, “alimentação” do subsolo, pois ocorre ciclagem de nutrientes através das folhas que caem. Essa manutenção de elevadas quantidades de matéria orgânica no solo pode ajudar a estabilizar a incidência de nematoides no café (Meloidogyne e Pratylenchus spp.) abaixo do nível crítico (ARAYA, 1994). Da mesma forma, a redução de estresses ambientais proporcionada pelo sombreamento aumenta a tolerância dos cafezais à infestação por nematóides (OFICAFE, 1978). Contudo, a escolha equivocada da espécie de sombreamento pode causar um efeito contrário. Por exemplo, as espécies de Inga spp. têm sido qualificadas como hospedeiros alternativos de alguns tipos de nematoides do café (ZAMORA; SOTO, 1976), porém ainda não é claro se isso aumentaria ou não a interferência dos nematoides nas plantas de café. É importante destacar que o sombreamento é um fator fundamental na produção de café, pois o mesmo determina no grão uma qualidade que não é obtido no grão desenvolvido em pleno sol, inclusive a sombra regula o florescimento e o amadurecimento do fruto (FIGUEROA et al. 1998). Uma das razões fundamentais para o cultivo de café à sombra é propriciar o microclima ideal, que fornece a quantidade e a qualidade da luz solar necessária para o processo de fotossíntese, bem como as condições adequadas de temperatura e umidade do ambiente. A influência das árvores de sombra sobre o café depende muito das condições do solo e do clima em cada localidade, bem como das características da espécie e seu manejo (SILES; VAAST, 2002).
C a p í t u l o I | 110 Muschler (2001) encontrou uma melhora substancial na qualidade do café sombreado em condições ambientais sub-ótimas, onde os cafeeiros se encontravam sob estresse. Os principais benefícios do sombreamento foram: aumento do peso da cereja, maior tamanho, maiores provas de xícara (acidez e corpo). Isso foi mencionado devido ao fato de que, em condições de sombra, o café amadurece mais lentamente devido à temperatura mais baixa produzida pela sombra (SANTOYO et al. 1996, VAAST et al. 2005). No entanto, quando o café (Caturra ou Catuai) é cultivado à sombra em alturas superiores a 1800 msnm, é obtida uma qualidade inferior do café, demonstrando assim possíveis interações entre sombra x variedade, sombra x altura (AVELINO et al. 2005). Atualmente, são conhecidos estudos sobre a dinâmica da radiação solar em arranjos agroflorestais e sua interação com a qualidade do café. Nesse sentido, Bosselmann et al. (2009), Vaast et al. (2006) e Muschler (2001) realizaram pesquisas para relacionar as características do sombreamento com a qualidade do grão de café. No entanto, não foi possível estabelecer uma relação significativa entre a radiação e as diferentes variáveis que influenciam os atributos sensoriais desse fruto. Os benefícios da sombra são explicados principalmente por uma redução no estresse hídrico causado pela exposição à radiação; da mesma forma, por proporcionar condições ótimas para uma boa maturação (VAAST et al., 2006; MUSCHLER, 2001). Avelino et al. (2005) e Figueroa et al., (2000) encontraram um efeito positivo na qualidade do café na xícara como resultado da lenta maturação do grão, causada pela redução da temperatura ambiente à medida que a altitude aumenta. De acordo com Bosselmann e Dons (2007), em altitudes maiores, com baixa temperatura e sem déficits de nutrientes e água, a sombra das árvores tende a se converter em um fator de estresse para o café (Caturra), o qual resulta em uma reduzida qualidade sensorial. Por esse motivo, o cafeeiro necessitará de níveis mais baixos de sombra quando estiver em condições de baixa temperatura e maior umidade relativa (MUSCHLER, 2001). A produção intensiva de café em pleno sol produz um fenômeno de sobrecarga do cafeeiro; o café é uma cultura que não dispõe de um mecanismo regulador para descartar os frutos que sobrepassam a sua capacidade para alcançar a sua maturidade total. Portanto, a sobrecarga é acompanhada de deficiências nutricionais, consequentemente é afetada a qualidade organoléptica do café (WINTGENS, 1992). É aqui onde a sombra exerce um efeito positivo (reduz a carga frutífera) sobre o desenvolvimento dos grãos ao permitir completar o período de maturação, produzindo grãos de maior tamanho e com melhor qualidade do café na xícara (VAAST et al. 2005).
C a p í t u l o I | 111 ANÁLISE DE SOLO O objetivo da amostragem é caracterizar a fertilidade de uma área ou gleba de grande dimensão, por meio da determinação das quantidades de nutrientes e outros elementos presentes, através de uma pequena fração de terra. Com relação à habilidade do operador que vai retirar a amostra, o ideal é que ele seja capaz de tomar pequenos, suficientes e iguais volumes de solo em cada ponto de amostragem. A pá de corte ou trado deve ser de aço inoxidável, para evitar contaminações principalmente de micronutrientes. Cada amostra composta representará as características químicas de cada talhão, portanto deve-se ter o cuidado de coletar as amostras simples, procurando cobrir a totalidade do talhão. Recomenda-se fazer a coleta caminhando em ziguezague. Para a amostragem de solo são necessários os seguintes materiais: trado ou pá reta ou enxadão, balde plástico e saco plástico (Figura 47). Dos trados utilizados, os tipos mais comuns são o holandês, de rosca e tubo.
Figura 47. Materiais utilizados para coleta de amostras de solo: a) trado holandês, b) trado de rosca, c) trado de meia-lua, d) marreta, e) trado tubular, f) pá reta, g) enxadão, h) balde, i) saco plástico virgem.
A pesquisa já demonstrou que quanto maior o número de amostras simples tomadas para compor uma amostra composta, maior é a possibilidade de se ter uma amostra representativa (Figura 48). O número no qual o erro amostral é bastante reduzido é de 20 amostras simples compondo uma amostra composta. Essas subamostras devem ser armazenadas em balde plástico e, ao final da coleta, serem homogeneizadas, gerando uma
C a p í t u l o I | 112 única amostra de um quilo. Em seguida, deve-se secar o solo, armazená-lo em saco plástico ou caixa de papelão, identificar corretamente a embalagem e enviá-la para laboratório de confiança.
Figura 48. a) Abertura da cova em forma de V; b) Corte de uma lâmina de solos de 2 a 3 cm; e c) Disposição dos pontos de amostragem de solos em forma de ziguezague.
No caso de área homogênea, tomam-se amostras em 10 a 12 pontos bem distribuídos, limpando-se em cada local a superfície do terreno, retirando-se as folhagens, resíduos orgânicos, etc, sem, contudo, raspar a terra. As amostras simples deverão ser reunidas em um balde limpo e bem misturadas, formando uma amostra composta. Retirar aproximadamente 500 g de terra, transferir para saco plástico sem uso, identificar pelo número correspondente da área (talhão) e especificar informações complementares (profundidade, entrelinha, etc). Devem-se separar as amostras coletadas das partes altas, médias e baixas do terreno. O tamanho da gleba homogênea não deve ser muito grande em geral de 3 a 5 hectares. A análise de solo é uma ferramenta básica para recomendações de calagem. Sua aplicação tem sido reconhecida como uma das principais técnicas na agricultura para controlar a acidez dos solos, reduzir os níveis de Al+3 e atuar como fonte de Ca+2 e Mg+2 para as culturas agrícolas. É importante ressaltar que a pesquisa orienta que a aplicação do calcário, se for necessária, deverá ser feita dois meses antes do plantio, para que o calcário tenha produzido a correção pretendida ou a disponibilização de Ca e Mg na quantidade esperada. Contudo, mesmo que não dê para aplicar calcário com a antecedência recomendada, apurando-se a necessidade de calagem através da análise de solo, deve-se fazer a calagem a qualquer tempo, pois os efeitos benéficos da calagem serão alcançados no decorrer do desenvolvimento da cultura. O produtor pode também realizar uma calagem na cova de plantio. O calcário na cova de plantio tem efeito localizado e contribui de forma mais significativa para o crescimento
C a p í t u l o I | 113 radicular em profundidade. Sua utilização baseia-se em critérios agronômicos bem consolidados e não deve ser feita sem prévia análise de solo. Vale lembrar que a falta ou excesso de calcário podem prejudicar a nutrição das plantas.
CORREÇÃO DO SOLO A calagem é um procedimento permitido na agricultura orgânica (AO) do cafeeiro, desenvolve-se melhor em solos com valores de pH entre 6,0 e 6,5. Sempre que a análise química do solo a ser cultivado revelar pH inferior a 6,0 deve-se proceder a calagem. A quantidade de calcário a ser aplicada pode ser calculada pelo método da elevação da saturação de bases ou pelo método da neutralização do alumínio e da elevação de cálcio e magnésio. Existem basicamente três tipos de calcário: os ricos em Ca ou calcíticos; os ricos em Mg ou magnesianos; e os ricos em ambos o elementos, ou dolomíticos. O tipo de calcário a ser aplicado depende dos teores de Ca e Mg presentes no solo. A relação Ca:Mg ideal deve estar em torno de 3-4:1. Se o valor desta relação estiver acima de 4:1, o produtor deve optar pelo calcário magnesiano, a fim de ajustar esta proporção; se estiver abaixo de 3:1, deve-se optar pelo calcítico. O calcário dolomítico deve ser preferido quando a relação Ca :Mg encontrar-se dentro da faixa ideal. No sistema de plantio direto, somente será possível a aplicação concentrada das doses de calcário, diretamente na linha ou na cova de plantio. Sua aplicação deve ser feita, no mínimo, 40 dias antes do plantio. Um exemplo do solo preparado e corrigido com 500 kg ha-1 de calcário dolomítico: As covas de plantio do café devem ser adubadas com 2,5 kg de esterco de gado (1,67% de N) e 300 g da mistura de termofosfato magnesiano (18% de P2O5; 20% de Ca; 7,0% de Mg) e cinza de madeira (1:1). Depois de 40 dias, recomenda-se realizar a adubação de cobertura com 250 g de esterco de cama de aviário por planta (2,72% de N). A primeira adubação de manutenção constituiu-se de duas aplicações de 250 g de esterco de cama de aviário e 100 g de termofosfato magnesiano (17% de P2O5 solúvel em ácido cítrico; 15% de Ca; 2% de Mg) por planta, aplicados em outubro de 2001 e março de 2002. Em 2002/2003, a adubação constituiu-se de uma única aplicação de 1 kg de esterco de cama de aviário e 300 g de farinha de ossos (20% de P2O5 solúvel em ácido cítrico; 1,5% de N; 22% de Ca) por planta, realizada em fevereiro de 2003. Em outubro de 2003 e em maio de 2004 foram aplicados 3 kg de composto orgânico (1,37% de N). O controle
C a p í t u l o I | 114 das plantas espontâneas foi feito roçando-se as entrelinhas de plantio com roçadeira costal e capinando-se as linhas de plantio com enxada (RICCI et al, 2006).
ESCOLHA E CARACTERIZAÇÃO DAS ÁREAS Para se fazer a seleção de glebas em que serão formados os cafezais, é necessário verificar se elas são capazes de produzir colheitas compensadoras e também se apresentam características de estabilidade que assegurem explorações duradouras (GUIMARÃES; LOPES, 1986). Declividades acima de 15-20% inviabilizam a mecanização por trator. Áreas com declives até 30-40% poderão ser utilizadas com tração animal. A presença de pedras ou cascalhos nos 30-40 cm do solo pode ser limitante para o uso de implementos agrícolas. A profundidade efetiva do solo para o cafeeiro está em torno de 120 cm, desde que tenha textura média a argilosa, não tenha mais de 15% de pedras e cascalhos e possua uma estrutura granular com boa estabilidade de agregados em água. Não se recomendaria a instalação de cafezais em solos com mais de 15% de fração grosseira, nem solos com menos de 20% de argila, ou aqueles com mais de 50% de argila sem uma estrutura e porosidade adequadas (KÜPPER, 1981 apud GUIMARÃES; LOPES, 1986). Um solo ideal para a cultura do cafeeiro deveria ter, em volume, aproximadamente 50% de porosidade (1/3 do espaço poroso na forma de macroporos e 2/3 com microporos), 45% de fração mineral e 5% de matéria orgânica (KÜPPER, 1981 apud GUIMARÃES; LOPES, 1986).
PREPARO DO SOLO O produtor orgânico deve estar atento aos cuidados relacionado à conservação do meio ambiente, tais como, desmatamentos desnecessários ou irregulares, conservação de mananciais, matas ciliares, etc. A área deve ser preparada utilizando-se as práticas de conservação de solo, como terraceamento, plantio em curvas de nível, cordões de contenção, etc. O uso de máquinas somente é permitido quando o declive for menor que 10%. As queimadas devem ser evitadas, sendo uma prática tolerada apenas em situações de extrema necessidade. Caso seja realizada, o material vegetal deve ser enleirado e
C a p í t u l o I | 115 queimado, sendo a cinza imediatamente incorporada ao solo, a fim de que os nutrientes não sejam perdidos pela ação de vento e chuvas fortes. O não preparo do solo com implementos agrícolas é considerada uma prática sustentável por conservar o meio ambiente e possibilitar o crescimento econômico da cultura. O plantio direto tem como princípio promover a cobertura do solo durante todo ano com plantas em desenvolvimento e com raízes vivas, responsáveis pelos efeitos benéficos e manutenção da qualidade física, química e biológica do solo, o que favorece a redução de custos de produção. O preparo mínimo do solo para o plantio de mudas de cafeeiro ou de árvores sombreadoras pode ser realizado com a roçadeira motorizada ou manual no terreno de clareira da agrofloresta, visando abaixar o mato, antes da operação de abertura de covas. Ou seja, esse preparo dos terrenos é iniciado pela limpeza das áreas por meio de roçadas. Em seguida, são traçadas as niveladas básicas, perpendiculares à declividade, e as distâncias que variaram com essa declividade. Após as primeiras chuvas de inverno, com o solo ainda úmido, é possível efetuar a abertura das covas com o cavador para receber a muda do café, por ocasião do plantio, o qual é confeccionado geralmente a partir de uma enxada.
TRANSPLANTIO As mudas devem permanecer no viveiro até a próxima estação chuvosa (início de janeiro), quando estão aptas para o plantio no local definitivo e procurar selecionar as mudas vigorosas e uniformes com mais de três pares de folhas definitivas. As mudas produzidas em tubetes são transplantadas de forma geral no período chuvoso, porém com maior flexibilidade já que as raízes sofrem menos danos o que facilita o pegamento, estendendo um pouco mais esse período para áreas irrigadas. O cafeicultor também tem que investir muito em plantios de frutíferas e plantas nativas em áreas novas (OLIVEIRA, 2019).
C a p í t u l o I | 116 ESTABELECIMENTO DO CAMPO: PLANTIO Plantio em covas (floresta rústica): recomenda-se que a cova seja aberta por pelo menos 40 dias antes para aplicação de calcário e depois a cobre, deixado uma vareta de marcação em cada cova. Suas dimensões deverão ter 0,40 cm tanto de largura como de profundidade. Por ocasião do plantio, é necessário retirar o saco com cuidado para não danificar o sistema radicular das mudas, colocando-a no centro da cova, com o colo 3 cm acima da superfície. É importante lembrar que os 20 primeiros centímetros de terra escavada são postos separados dos demais, e quando a muda é depositada dentro da cova, então começa a enchê-la com esses primeiros 20 cm de terra escavada (Figura 49). Em seguida, acrescenta-se o estrume curtido (20 litros) misturado com a terra do subsolo.
Figura 49. Colocar primeiro a terra de cima na cova e depois a terra de baixo ou do subsolo.
Plantio em linhas (sombreamento tecnificado): após o término da marcação das covas da primeira linha, com o nível de mangueira e um bambu ou ripa de madeira (comprimento igual ao espaçamento determinado para entrelinhas), será marcado o espaçamento da entrelinha, direcionando o bambu nivelado pela ligação de suas extremidades ao nível da mangueira, de forma que a primeira cova da linha seguinte será sinalizada, dando início à marcação das covas na segunda linha, de acordo com o mesmo procedimento da linha anterior. O plantio será estabelecido respeitando a declividade do terreno e o espaçamento determinado entre as plantas. Nos pontos demarcados, a abertura da cova pode ser realizada com enxada ou enxadão e cavadeira (Figura 50), recomendando-se a dimensão de 40 cm x 40 cm x 40 cm ou com um perfurador motorizado, projetado para perfurações de solo na silvicultura (Figura 51). O solo retirado da cova deve ser misturado com o calcário (40 dias antes) e os adubos
C a p í t u l o I | 117 orgânicos recomendados de acordo com a análise de solo, para retornar à cova, que receberá a muda após a retirada da sacolinha (Figuras 52 e 53).
Figura 50. Abertura de covas com a enxada; aplicação de calcário no fundo e nas laterais da cova com base na análise do solo; recobrir a cova com a terra do subsolo misturada ao estrume (primeiro com a terra de cima na cova e depois com a terra de baixo ou do subsolo), deixando uma vareta de marcação no centro da cova; e depois de 40 dias, abre um furo no centro da cova marcada para plantar a muda sem o saco plástico.
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Figura 51. Perfurador motorizado usado para perfurações de solo ou abertura de covas. Fotos: Arquivo da Alibaba.
Figura 52. Plantio da muda de café no centro da cova. Foto: Jochen Weber.
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Figura 53. Marcação da cova de plantio com haste que identifique o local, mantendo o controle de plantas daninhas ao redor da cova de plantio em cafeeiros jovens, prática chamada de “toalete”. Foto: Eduardo Gonçalves de Oliveira (2019).
Em condições de sequeiro, o plantio das mudas, trazida do viveiro em saco plástico, deve ser efetuado no início da estação chuvosa, para aumentar o percentual de sobrevivência das mudas no campo. Em áreas irrigadas, pode ser realizado em qualquer época do ano. Mesmo assim, o plantio deve ser feito preferencialmente em dias nublados e com o solo úmido. As mudas utilizadas no plantio devem ser vigorosas ou nutridas e apresentarem com 3-6 pares de folhas (Figura 54). Recomenda-se usar apenas cultivar conhecida pelo cafeicultor, com base em análise criteriosa das condições ambientais, entre outros fatores.
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Figura 54. Muda vigorosa de café usada para o plantio no local definitivo. Foto: Carlos Magno de Mesquita et al. (2016).
ESPAÇAMENTO O cafeeiro é uma espécie originária do sub-bosque e de baixa estatura que cresce em nível abaixo do dossel florestal ou por possuir capacidade fotossintética adaptada aos sistemas agroflorestais (SAFs). Seu preparo do solo pode resumir-se apenas no preparo de covas para plantio, em clareiras ou intercalar a outras plantas nativas ou plantadas. No sistema de sombreamento, a distância entre as covas deve ser de aproximadamente dois a cinco metros. Portanto, o desenho de sua distribuição não deve seguir padrões geométricos, mas padrões biológicos irregulares, visando garantir na prática a sobrevivência de uma espécie no seu bioma natural pela dispersão de grandes números de mudas. Com o passar do tempo, e à medida que as plantas forem crescendo e desenvolvendo, o mecanismo darwiniano da luta pelo espaço vital se encarregará de manter vivos os melhores cafeeiros adaptados ao ambiente sombreado. Este é o mecanismo cíclico da sucessão natural que comanda a evolução do mundo biológico ao revitalizar um bioma natural. No caso da topografia acidentada das áreas o transplantio é realizado em curvas de nível formadas por cordões de cobertura morta (Figura 55), não obedecendo ao espaçamento constante devido ao grande número de árvores já presentes que fazem o sombreamento.
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Figura 55. Abertura das covas em nível para transplante das mudas de café. Foto. Eduardo Gonçalves de Oliveira (2019).
Na cafeicultura orgânica, torna-se difícil prescindir da adubação com leguminosas consorciadas, principalmente por questões de ordem econômica. Por conseguinte, o contexto aponta para a opção de espaçamentos menos adensados como parte do manejo orgânico dos cafezais. Entretanto, são necessárias pesquisas para definir espaçamentos e densidades mais adequados ao plantio para uso na cafeicultura orgânica sombreada. Tais estudos devem considerar não só os aspectos ligados ao solo, mas também a estabilidade do sistema de produção, buscando viabilizar o cultivo consorciado do café com outras espécies. Lavouras cafeeiras diversificadas, além de ambientalmente mais corretas, são economicamente mais seguras, visto que o preço do café está sempre sujeito às flutuações de mercado. Avaliando o efeito de diferentes níveis de radiação solar no crescimento e na produção do cafeeiro (Coffea arabica), bem como na qualidade do café, utilizando as espécies seringueira adulta Clone 235 e cafeeiro cv. Obatã IAC 1669-20 plantado no sub-bosque do seringal, enterfaceando as árvores de seringueira e em monocultivo (pleno sol) e os tratamentos foram constituídos por um gradiente de luminosidade de 25, 30, 35, 40 45, 80, 90, 95, 98, 99 e 100%, formado por linhas de cafeeiros plantados a diferentes
C a p í t u l o I | 122 distâncias das árvores de seringueira
(Figura 56), Lunz (2006) verificou que o
crescimento e a produtividade aumentaram com o incremento de irradiação. O incremento de irradiância a partir de 70% praticamente não alterou o acúmulo de massa seca da parte aérea da planta e sob elevado sombreamento a massa seca foi muita baixa. A produtividade do cafeeiro alterou muito pouco a partir de 60% de radiação e a aproximadamente 70% se estabilizou. De modo oposto, houve uma melhoria da qualidade do café à medida que foi intensificado o sombreamento, obtendo-se frutos com maior uniformidade de maturação, grãos de maior tamanho e bebida de melhor qualidade.
Figura 56. Desenho esquemático com a disposição das culturas na área experimental, em Piracicaba, SP. Foto: Aureny Maria Pereira Lunz.
Dentro dos sistemas modernos se encontram as lavouras sob sombra tecnificada, nas quais as árvores sombreadoras são de uma única espécie e manejadas com poda intensiva pelo menos uma vez por ano (DONALD, 2004; Figura 57). Ou seja, dependendo do tipo de sistema, as árvores podem ser podadas para aumentar a incidência da radiação solar sobre os cafeeiros, estimulando o crescimento, a floração e a biomassa proveniente da poda, a qual é usada como adubo verde. Em sistemas de sombra tecnificada são usadas cultivares mais novas como Caturra e Colômbia.
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Figura 57. Lavoura de café cv. Obatã IAC 1669-20 (espaçamento de 0,9 m x 3,4 m) sob sombra tecnificada (cafeeiro plantado no sub-bosque do seringal (8,0 m x 2,5 m) com altura média de 12,1 m, altura do tronco de 2,7 m, diâmetro a altura do peito (DAP) de 18,1 cm e diâmetro da copa de 4,7 m), em Piracicaba, SP. Foto: Aureny Maria Pereira Lunz (2006).
IRRIGAÇÃO Vários sistemas de irrigação podem ser utilizados no café, como: gotejamento, microaspersão, mangueira perfurada, aspersor, pivô central e autopropulsor. A escolha do sistema mais adequado depende de vários fatores, que podem destacar o tipo de topografia e solo, suprimento de água (localização, vazão e qualidade), o sistema de plantio (sombreado e a pleno sol) e o custo do equipamento e sua operação (RODAS; CISNEROS, 2000). O Sistema de Irrigação por Gotejamento foi introduzido na agricultura e foi adotado devido ao seu alto grau de eficiência, com este sistema é possível minimizar as perdas devido à infiltração profunda e, o mais importante, o reduzido escoamento superficial. A água aplicada é apenas o que a cultura exige para o seu crescimento e produção. Com este sistema, apenas uma parte do solo é umedecida, de onde a planta será capaz de obter a água e os nutrientes necessários e implica uma rega mais contínua. Essas características da irrigação por gotejamento apresentam uma série de vantagens, tanto agronômicas quanto econômicas (SILVA, 1987).
C a p í t u l o I | 124 A irrigação por gotejamento tem sido utilizada no café devido a algumas vantagens em comparação com outros métodos, tais como: alta uniformidade na aplicação de água, maior eficiência operacional, economia de água e menor necessidade de mão-de-obra. Esse sistema pode reduzir o problema de escassez de água, garantindo um bom desenvolvimento do café. Déficit ou excesso de irrigação pode levar à perda de produtividade e redução da lucratividade. Utilizar a irrigação quando a precipitação média anual é inferior a 1 000 mm é uma prática comum em plantações na África. Para o caso do café, os momentos críticos são a floração, o período de crescimento dos frutos e o desenvolvimento da matéria seca, vale ressaltar que a irrigação por gotejamento apresenta alta eficiência, pouca perda por evaporação, mas seus custos de investimento inicial por instalação são altos (THOMAZIELLO, 1999). Pacheco (1995) indica que a irrigação por microaspersores é um método de irrigação que, nos últimos anos, adquiriu grande importância e aceitação na agricultura moderna. Os microaspersores têm a característica de distribuir a água de maneira bastante uniforme, o que permite que ela se disperse no chão sem se sobrepor aos diâmetros de umedecimento; Além disso, diâmetros de umedecimento variando de 3 a 11 m podem ser alcançados e isso dependerá do aumento da pressão no bico e do ângulo dos emissores (RODAS; CISNEROS, 2000). A incorporação de novas áreas irrigadas de café arabica ao processo produtivo da região Nordeste tem sido um dos fatores de maior importância para a expansão da cafeicultura, principalmente quando se refere à qualidade do solo, da água e do clima ameno do agreste de Pernambuco (NICOLELI, 2006).
Disponibilidade hídrica. A disponibilidade hídrica é um dos principais fatores da produtividade do cafeeiro. Segundo Camargo e Camargo (2001), nas fases fenológicas de vegetação e formação das gemas foliares (fase 1), florada (fase 3) e granação dos frutos (fase 4), a deficiência hídrica pode reduzir muito a produtividade (Figura 58). Por outro lado, uma deficiência hídrica entre julho e agosto, período anterior à antese, pode se tornar benéfica, favorecendo uma florada mais uniforme nas primeiras chuvas de setembro. Observa-se também na figura que todo ciclo vegetativo termina com a floração - fase reprodutiva, ao mesmo tempo em que inicia um novo ciclo ou período vegetativo.
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Figura 58. Esquematização das seis fases fenológicas do cafeeiro arábica, durante 24 meses, nas condições climáticas tropicais do Brasil, pois se houver deficiência hídrica nas fases 1, 3 e 4 do ciclo da cultura poderá comprometer significativamente a sua produtividade. Foto: Camargo; Camargo, 2001.
Analisando as necessidades hídricas do cafeeiro de sequeiro e os balanços hídricos de várias regiões produtoras do Brasil, Camargo (1977) estabeleceu os limites de cultivo de arábica e conilon, com base no déficit hídrico anual (DHa), segundo o método de Thornthwaite e Mather (1955), para a capacidade de água disponível no solo igual a 125 mm, definindo-se, como áreas aptas, aquelas com DHa inferior a 150 mm, principalmente quando a estação seca coincide com a maturação e a colheita (CAMARGO, 1985); áreas marginais, aquelas com DHa entre 150 e 200 mm; e, áreas inaptas, aquelas com DHa superior a 200 mm. Mesmo nas áreas inaptas ou marginais, o cultivo do café torna-se possível através do uso da irrigação. A utilização da irrigação suplementar, hoje, é uma tecnologia viável, principalmente porque há resultados mostrando a eficácia de suspender a irrigação no período mais seco do ano (Período de repouso), visando à sincronização da florada. No caso de áreas aptas ao cafeeiro de sequeiro, o benefício da irrigação é garantir o pegamento dos chumbinhos após a florada induzida por chuva. Por outro lado, há ainda o benefício de garantir as floradas de setembro, quando não há condições climáticas mínimas para induzir o florescimento, como foi o ano de 2007. As alterações nas relações hídricas no cafeeiro são de extrema importância, pois, mesmo pequenas modificações nas condições hídricas podem reduzir intensamente o crescimento, ainda que esses sinais não possam ser visíveis morfologicamente, como
C a p í t u l o I | 126 murcha de folhas ou qualquer outro sinal de estresse hídrico (SILVA et al., 2008). Portanto, características da estrutura interna das folhas podem ser importantes para identificação quanto ao nível de tolerância ao déficit hídrico. Como o café é uma cultura perene e os dados fenológicos e de produtividades considerados são provenientes de cafeeiros adultos, o valor do coeficiente de cultura (Kc) adotado no cálculo do balanço hídrico se iguala à unidade (Kc=1), assumindo-se, assim, plena cobertura do terreno pelas plantas adultas, conforme sugerido por Camargo e Pereira (1994). No cafeeiro, a curva de Kc apresenta valores baixos nos períodos de formação e estabelecimento da cultura no campo e, quando esta atinge dossel máximo, a curva de Kc tende a se estabilizar, com valores próximos à unidade, ocorrendo oscilações temporais decorrentes de processos fisiológicos e do manejo da cultura. Villa Nova et al. (2002) verificaram, para cafeeiros cultivar Mundo Novo, valores de Kc entre 0,5 e 1,2 e, entre 0,9 e 1,2, sem mato e com mato, respectivamente, e valores de Kc de 0,760 a 1,184, entre as fases fenológicas, no período de 15 e 35 meses após o plantio, com uma densidade de 4.000 plantas.ha.-1. Recentemente, Flumignan et al.; (2008) e Flumignan e Faria (2009), utilizando lisímetros de pesagem, instalados em Londrina, PR, quantificaram o consumo hídrico de cafeeiros da cultivar IAPAR 59, não irrigado e irrigado por aspersão e gotejamento, durante quatro anos após a implantação da lavoura. Observa-se que o valor médio anual de Kc foi maior para o tratamento irrigado por aspersão (0,99, 1,03, 1,30 e 1,10 para o primeiro, segundo, terceiro e quarto ano, respectivamente) e, menor, para o irrigado por gotejamento (0,92, 1,22 e 1,00 para o segundo, terceiro e quarto ano, respectivamente). Camargo
et
al.
(2003)
desenvolveram
e
testaram
modelos
fenológico-
agrometeorológicos, para monitoramento e estimativa da quebra relativa de produtividade esperada do café, os quais consideram os efeitos ambientais como processos fisiológicos determinantes da produção. Consideraram, no componente agrometeorológico, diferentes coeficientes de sensibilidade ao estresse hídrico (deficiência) e térmico (geada e temperatura elevada), em forma de penalização multiplicativa durante as fases fenológicas da cultura. No caso do componente hídrico, este foi baseado no balanço hídrico sequencial decendial. A deficiência hídrica foi quantificada através do déficit de evapotranspiração relativa [1-ETr/ETp], ajustada por diferentes fatores de sensibilidade da cultura ao déficit hídrico (Ky) ocorrido nas diferentes fases fenológicas do cafeeiro, na forma de produtório.
C a p í t u l o I | 127 ADUBAÇÃO: FONTES DE MATÉRIA ORGÂNICA E DE NUTRIENTES Os solos da Costa Rica e da Colômbia se destacam pelo alto conteúdo de potássio, que é um elemento requerido pela cultura em grandes quantidades durante a frutificação. Estes solos também apresentam alta capacidade de troca catiônica e de saturação de bases, que permite disponibilizar uma maior quantidade de nutrientes para as plantas, aumentando a eficiência dos fertilizantes naturais. Com ênfase no manejo ecológico, algumas medidas de condução da lavoura podem ser adotadas, tais como de rochas naturais moídas como calcário e o fosfato natural para melhorar a fertilidade. Plantio e incorporação de leguminosas, que aumentam o teor de matéria orgânica, melhorando a estrutura do solo e também contribuindo para o aumento de cargas dependentes de pH. Cabe ressaltar que, como os solos cultivados com o cafeeiro são na maioria oxídicos e/ou cauliníticos, o aumento de cargas provenientes da incorporação de matéria orgânica pode resultar em aumento nos pontos de carga para retenção/troca de íons com o sistema radicular do cafeeiro. Por outro lado, quando os cafeeiros se encontram em regiões com condições climáticas favoráveis, a alta produção dos cafeeiros sombreados depende do nível de sombreamento e das características dos solos. Os solos das regiões onde se cultiva café sombreado em países como Colômbia, Costa Rica e Brasil apresentam grande variedade. O solo descrito em uma das pesquisas realizadas na Colômbia apresenta alto teor de matéria orgânica que se reflete no alto teor de nitrogênio. O nitrogênio é o nutriente mais limitante no cultivo do café. A não disponibilidade desse elemento afeta 40% do volume da colheita de uma plantação de café. Os requerimentos de nitrogênio da planta do café são altos; uma plantação requer em média entre 250 kg e 350 kg de N/ha/ano (ROSKOSKI, 1980). Portanto, a matéria orgânica (MO) é considerada fundamental para a manutenção das características físicas, químicas e biológicas do solo. Todo resíduo de origem vegetal ou animal não decomposto ou parcialmente decomposto é considerado MO. Quando aplicada ao solo, a MO provoca mudanças nas suas características físicas, químicas e biológicas. Do ponto de vista físico, a MO melhora a estrutura do solo, reduz a plasticidade e a coesão, aumenta a capacidade de retenção de água e a aeração, permitindo maior penetração e distribuição das raízes. Quimicamente, a MO é a principal fonte de macro e micronutrientes essenciais às plantas, além de atuar indiretamente na disponibilidade dos mesmos, devido a elevação do pH; aumenta a capacidade de retenção dos nutrientes, evitando perdas; e diminui o efeito nocivo do alumínio trocável.
C a p í t u l o I | 128 Biologicamente, a MO aumenta a atividade dos microorganismos do solo, por ser fonte de energia e de nutrientes (KIEHL, 1981,1985). Uma forma eficiente e relativamente barata de se elevar o teor de MO dos solos é por meio da adição de adubos ou insumos orgânicos. Entre estes, os mais importantes são: estercos (de ruminantes, não-ruminantes e aves), compostos, biofertilizantes e resíduos de biomassa vegetal, incluindo os adubos verde. O agricultor deve selecionar os resíduos orgânicos de acordo com a disponibilidade, levando em consideração principalmente, a distância da fonte até o local onde será utilizado, visto que a despesa com transporte pode elevar os custos ou até inviabilizar seu uso. É importante destacar que na cafeicultura orgânica, a propriedade deve ser preferencialmente integrada à atividade animal, a fim de garantir a produção de esterco, reduzindo, desta forma, os custos e evitando a utilização de estercos contaminados não permitidos pelas entidades fiscalizadoras e certificadoras. Contudo, a eficiência desses adubos no fornecimento de nutrientes para o cafeeiro está diretamente relacionada à sua decomposição. Por sua vez, a decomposição é um processo biológico influenciado por vários fatores (composição química dos adubos orgânicos; temperatura e umidade do solo; manejo do agroecossistema). Entre esses fatores, merece destaque a composição química dos adubos orgânicos, que tem como principais indicadores a relação entre as quantidades de carbono e nitrogênio (relação C/N) e os teores de lignina e polifenóis. Tais características afetam principalmente a disponibilidade de nitrogênio para as plantas. Materiais orgânicos com baixa relação C:N (< 25) adicionados ao solo sofrem mineralização, fornecendo nitrogênio para o Cafeeiro. Se a mineralização for muito rápida, poderá haver perdas desse nutriente através de processo como a lixiviação. Entretanto, materiais orgânicos com alta relação C:N (˃25) causam imobilização do nitrogênio do solo por um período, reduzindo os teores disponíveis (HAYNES, 1986). Estercos: Os teores médios de nitrogênio contidos em diferentes fontes de adubo orgânico variam com a idade do animal, com a raça e a alimentação recebida: esterco de curral (1,71%), esterco de gado de leite (1,10%), esterco de galinha (com maravalha: 2,74% e sem maravalha: 3,35%); esterco de suínos (2,32%); e composto orgânico (1,13%), conforme De-Polli et al. (1988). Antes de serem utilizados, os estercos devem ser curtidos (envelhecidos naturalmente) ou de preferência, compostados. São duas as razões: a primeira, evitar a fitotoxidez ou queima das plantas. A segunda é porque com a elevação da temperatura de até 70 ºC
C a p í t u l o I | 129 durante a decomposição é possível eliminar microrganismos patogênicos e reduzir a presença de sementes de ervas invasoras. Os estercos por serem de fácil decomposição, dentro de 25 a 30 dias o processo está terminado e o material pronto para ser utilizado.
Compostagem: É a mistura de resíduos orgânicos de origem animal e vegetal, submetidos à fermentação aeróbica, tendo os microrganismos como decompositores (bactérias, fungos e actinomicetos). A composição química é muito variável, sendo função do material usado. Esse processo, além de eliminar microrganismos patogênicos e reduzir a presença de sementes de invasoras, acelera a decomposição. Consiste em amontoar os resíduos vegetais e animais em camadas de 20 cm de altura, até formar pilhas de 1,2 m de largura, 1,0 m de altura e comprimento variável (Figura 59). Deve-se utilizar materiais com diferentes valores de relação C:N. Os materiais ricos em nitrogênio, tais como os estercos e resíduos de leguminosas são os que possuem menores valores dessa relação, que variam entre 20:1 e 30:1, enquanto nas palhadas esta relação está em torno de 100:1. A seguir a Tabela 11 pode orientar melhor a escolha dos resíduos.
Figura 59. Local de compostagem e o formato das camadas dos resíduos orgânicos de 1 metro de altura. Fotos: Luciana Miyoko Massukado e Silva, 2008.
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Tabela 11. Relações C:N de diferentes resíduos viáveis para com postagem ou cobertura do solo.
Fonte: Parte dos dados desta tabela foi extraída de Kiehl (1985).
Entre uma e outra camada, deve-se molhar o suficiente, sem encharcar. Por fim, deve-se cobrir o monte com uma camada de capim seco ou palha, para manter a umidade. De preferência, as pilhas devem ser feitas em local próximo de onde o composto será utilizado, livre de pedras e cascalhos. Durante a compostagem, a temperatura e umidade devem ser controladas. A faixa ideal de temperatura é de 50°C a 60°C. Acima de 70°C pode ocorrer perda de nitrogênio e a morte de microrganismos benéficos à decomposição. Na prática, verifica-se a temperatura introduzindo-se um vergalhão de ferro no meio da pilha por 15 minutos. Retirado o vergalhão, se não for possível tocá-lo, significa que a temperatura está elevada. Nese caso, deve-se promover regas e revolvimentos para baixar a temperatura. Se a umidade do substrato estiver suficiente, proceder somente o revolvimento. Se a temperatura do vergalhão for suportável ao tato é sinal de que a decomposição transcorre normalmente.
C a p í t u l o I | 131 Se o vergalhão estiver frio, é sinal de que a decomposição está terminada ou que o substrato não está se decompondo (RICCI et al., 2002).
A decomposição é um processo aeróbico, isto é, ocorre na presença de oxigênio do ar. Logo, a umidade é importante não só porque regula a temperatura, mas também o nível de oxigênio. A faixa de umidade desejada é de 40% a 60%. O excesso de umidade dificulta a decomposição e deve ser reduzido suspendendo-se as regas e revolvendo o substrato. Uma forma prática de se verificar a umidade do substrato consiste em coletar uma amostra a uma profundidade de 20 a 30 cm e comprimi-la com a mão. Se escorrer muita água, significa umidade excessiva. Se somente algumas gotas escorrerem, a umidade está adequada. Se nada escorrer, o substrato está muito seco e deve ser irrigado (RICCI et al., 2002). Durante a compostagem, escorre um líquido escuro das pilhas, denominado chorume. Este material, se possível, deve ser recolhido, podendo retornar à pilha ou ser usado em pulverizações foliares, pois representa excelente fonte de nutrientes.
Vermicompostagem: É uma atividade realizada pelas minhocas. Pois são as minhocas que fazem a transformação do composto orgânico (resíduos) em húmus (material produzido pela compostagem), que é também chamado de vermicomposto ou húmus de minhoca. Segundo o manual de vermicompostagem da Embrapa, em relação à quantidade adequada de minhocas, recomendam-se mil minhocas adultas para cada metro cúbico de resíduo (RICCI, 1996). O tempo de obtenção do composto ou vermicomposto varia de acordo com as características do material de partida (resíduos frescos). Por exemplo, materiais mais fibrosos, com alto teor de lignina, são mais difíceis de serem degradados e, portanto, requerem maior tempo de vermicompostagem. Segundo Yadav e Garg (2011), a compostagem é uma tecnologia lenta e delicada, que envolve diversos processos de transformação e decomposição da matéria orgânica (MO). Além disso, relaciona-se, a essas transformações, a intrínseca combinação de materiais (resíduos frescos), além de umidade, temperatura e microrganismo, podendo levar meses, ou até anos. Dessa forma, o uso das minhocas (vermicompostagem) acelera o processo de degradação dos compostos orgânicos, apressa e agiliza o ciclo do carbono, reduzindo substancialmente o
C a p í t u l o I | 132 tempo de percurso entre a fotossíntese e o húmus (LOURENÇO, 2014; YADAV; GARG, 2011; ADANI et al., 1999; RICCI, 1996). Ademais, é importante que o local destinado à vermicompostagem seja bem aerado, sombreado e com boa drenagem. A umidade ideal é em torno de 40%. Uma forma prática de avaliar se a umidade está ideal é pegando um pouco de material e apertando-o na mão; a água não deve escorrer, ficando a mão apenas úmida (PIGATIN et al., 2015; LANDGRAF et al., 2005, RICCI, 1996). O substrato utilizado na vermicompostagem pode ser constituído dos mesmos resíduos da compostagem tradicional, descrita anteriormente. Entretanto, um bom substrato pode ser constituído utilizando-se metade de esterco bovino e metade de resíduos vegetais devidamente triturados para facilitar a decomposição pelas minhocas. No caso de esterco de aves não exceder a 10% da mistura. O substrato deve ser submetido a uma prédecomposição, a fim de evitar a fermentação que é prejudicial às minhocas devido à produção de gases tóxicos e elevação da temperatura. Nessa fase atuam somente os microrganismos, e os resíduos devem ser acomodados em camadas conforme já descrito no item anterior (RICCI et al., 2002). Estando o substrato pré-compostado, pode-se acomodá-lo em anéis de concreto, em canteiros de tijolos (Figura 60) ou em pilhas de 1,0 m de largura, 40 cm de altura e comprimento variável. O piso pode ser cimentado ou protegido por lona, desde que impeça a entrada da água da chuva, e fechado na lateral, com paredes de 1,6 metros de tijolo ou madeira. Feito isso, inocula-se o substrato com minhocas, na base de 1,0 a 1,2 kg de minhocas por metro de canteiro. A espécie mais utilizada no Brasil é Eisenia foetida conhecida como vermelha-da-califórnia. Finalmente, o substrato inoculado deve ser coberto com capim seco ou palha, a fim de manter a umidade. Logo nos primeiros dias a temperatura se eleva e deve ser controlada com regas não deixando ultrapassar os 28°C, tendo em vista que as minhocas são muito sensíveis a altas temperaturas. Também a umidade deve ser controlada periodicamente, mantendo-a entre 50% e 60%. Substrato muito seco facilita a fuga das minhocas, assim como canteiros alagados são prejudiciais pela falta de oxigênio. Se for necessário irrigar, utilizar regadores ou mangueiras de baixa pressão para evitar o fechamento das galerias feitas pelas minhocas. Ao irrigar, é aconselhável retirar a cobertura de palha ou capim para evitar fermentação do substrato. Se a umidade estiver acima do recomendado, suspender as regas e retirar a cobertura para facilitar a perda de umidade. Revolvimentos devem ser evitados, já que as minhocas se
C a p í t u l o I | 133 encarregam de fazê-lo, mas se for necessário, utilizar um garfo de pontas arredondadas para não ferir as minhocas (RICCI et al., 2002).
Figura 60. Vermicompostagem realizada em canteiros de madeira (A) e de tijolos (B). Foto: Alexandre e Alana.
Para saber a proporção dos resíduos frescos (esterco, serragem e outros compostos orgânicos) deve-se partir da relação C:N (razão elementar dos teores de carbono e nitrogênio) das misturas, a qual deve está em torno de 20-30. A diminuição da relação C:N em função do tempo de vermicompostagem indica o aumento da degradação da MO, o que está diretamente relacionado à qualidade e maturidade do vermicomposto. A relação C:N sobre o grau de incorporação do nitrogênio à estrutura húmica. Segundo Landgraf et al. (2005) a incorporação de N proporciona o aumento da fertilidade desse material, pois o N é liberado para as raízes das plantas sob forma de nitrato por meio de
C a p í t u l o I | 134 diversos mecanismos de mineralização da MO (LOURENÇO, 2014; YADAV; GARG, 2011, ADANI et al., 1999; RICCI, 1996). Uma relação C:N em torno de 10 é considerada ideal para o vermicomposto. Tais valores indicam baixa atividade microbiana e possível estabilidade do material (PROVENZANO et al., 2001; BERNAI et al., 1998; CHEFETZ et al., 1996). Para verificar se o substrato está pronto, coleta-se uma pequena amostra umedecida e esfrega-se na palma das mãos. O vermicomposto estará pronto quando apresentar aspecto de graxa preta. O húmus deve ser peneirado e guardado para ser comercializado (Figura 61), e as minhocas poderão ser usadas novamente noutra atividade de vermicompostagem, ou, ainda, para alimentar galinhas ou servir de isca para pesca. A separação das minhocas pode ser feita por dois processos, o da catação manual ou da peneira. O primeiro é bastante demorado, mas não fere as minhocas, já o segundo, é mais rápido, porém provoca alto índice de ferimento e morte. Essa separação deve ser feita nas horas mais frescas do dia, passando, o mais rápido possível, as minhocas para um substrato novo, previamente preparado. Outra forma simples e prática de separar as minhocas do húmus pronto consiste em construir canteiros paralelos ou simplesmente subdivididos em partes menores. Mantêm-se as canaletas ou os buracos nas paredes, a fim de proporcionar a mobilidade das minhocas. Dessa forma, quando o material estiver pronto (humificado), as minhocas passarão naturalmente para o novo canteiro ou subdivisão em busca de alimento (RICCI, 2002).
Figura 61. Húmus de minhoca comercializado pela empresa Mogifertil. Foto: Arquivo da empresa Mogifertil.
C a p í t u l o I | 135 Cobertura morta do solo: Palhadas e resíduos diversos provenientes da lavoura ou de agroindústrias (palha de café, bagaço de cana, bagana de carnaúba, etc) são materiais geralmente ricos em carbono e pobres em nitrogênio, visto que este nutriente, assim como outros nutrientes, é exportado na colheita ou no processamento. Como já foi referido, quanto maior o teor de carbono e menor o de nitrogênio nos materiais (relação C:N), tanto mais difícil e vagarosa sua decomposição (KIEHL, 1985). Assim, materiais com relação C:N mais elevada devem ter preferência de uso para cobertura morta, pois protegem o solo das intempéries, diminuem o risco de erosão e contribuem para elevar o teor de matéria orgânica. Contudo, ao utilizar-se de resíduos orgânicos com elevada relação C:N, deve-se adicionar alguma fonte suplementar de N. Caso contrário, poderá ocorrer o sequestro temporário desse nutriente pelos microrganismos do solo, que competem com as plantas, reduzindo a sua disponibilidade. Este fato é mais intenso quando os materiais são incorporados ao solo, devendo ser, por essa razão, deixado em cobertura. Entretanto, resíduos com relação C:N menor, tais como resíduos de leguminosas, são de decomposição mais rápida, devendo ser, de preferência, incorporados ao solo, como fonte imediata de N e outro nutriente para as plantas (RICCI et al., 2002).
Adubo verde: Adubos verdes são plantas cultivadas no local ou trazidas de fora, que são incorporadas ao solo com a finalidade de preservar a fertilidade das terras (CALEGARI et al., 1993). Podem ser utilizados em consórcio, rotação de culturas, cercas-vivas, quebra-ventos, faixas de contorno na beira de estrada. Entre os benefícios oriundos da utilização dessa massa vegetal, podem-se mencionar os efeitos sobre as propriedades químicas, físicas e biológicas do solo, além de efeitos alelopáticos. A presença de adubos verdes protege os solos do impacto das chuvas e de sua desagregação e posterior erosão. A biomassa produzida aumenta a capacidade de infiltração e de retenção de água, a porosidade e a aeração do solo (ASSOCIACIÓN NACIONAL DEL CAFÉ, 1999). Algumas espécies de plantas utilizadas como adubo verde produzem e liberam certas substâncias químicas para o meio, proporcionando efeito inibidor (alelopático) ao desenvolvimento de ervas consideradas indesejáveis. Como exemplo, tem-se o efeito da mucuna, da Crotalaria juncea e do feijão-de-porco sobre a tiririca (Cyperus rotundus), da aveia-preta sobre o capim marmelada, das mucunas preta e cinza sobre o picão-preto,
C a p í t u l o I | 136 picão-branco e capim-carrapicho, da Crotalaria juncea sobre diversas invasoras (CALEGARI et al., 1993). Assim, a cobertura viva e os adubos verdes propiciam o aumento do teor de matéria orgânica,
da
disponibilidade
de
macro
e
micronutrientes,
da
CTC
(Capacidade de Troca de Cátions ) efetiva, do pH e reduzem os efeitos tóxicos do alumínio e manganês através da formação de complexos. Formam-se, ainda, ácidos orgânicos que aumentam a solubilização de minerais e intermediam o bombeamento de nutrientes de camadas mais profundas do solo, disponibilizando-os para espécies de plantas com sistema radicular superficial. Finalmente, contribuem para diminuir a necessidade de capinas (RICCI, 1996). As gramíneas são boas produtoras de biomassa rica em carbono. Contudo, as espécies mais utilizadas como adubo verde são as leguminosas, devido a sua capacidade de fixar o nitrogênio atmosférico, incorporando-o ao sistema, o que significa uma importante alternativa de suprimento desse nutriente às culturas (GLIESSMAN, 2001). Segundo Franco e Souto (1984), as leguminosas usadas na adubação verde incorporam, em média, entre 188 kg de N/ha/ano, por meio da fixação biológica. Na cafeicultura, os adubos verdes podem ser utilizados no pré-cultivo dessa cultura, de setembro a janeiro, proporcionando elevada produção de biomassa vegetal e grande aporte de N (nitrogênio). As leguminosas podem, também, ser cultivadas nas entrelinhas da lavoura cafeeira desde sua implantação, tendo-se o cuidado de selecionar uma espécie não muito agressiva e que não exerça competição com o café por água e nutrientes (CHAVES, 1999). Muitas espécies podem ser utilizadas, destacando-se as mucunas, o feijão-de-porco, o guandu, as espécies de crotalárias, o lab-lab, o caupi, a leucena, dentre outras e características de algumas espécies de adubo verde (Tabelas 12 e 13). Podem-se cultivar espécies não leguminosas, tais como, a mandioca e o milho. Quando a espécie escolhida como adubo verde for uma leguminosa, recomenda-se a inoculação das sementes de leguminosas com inoculantes contendo estirpes de bactérias fixadoras de nitrogênio, com ação específica para a leguminosa selecionada.
C a p í t u l o I | 137 Tabela 12. Características de algumas espécies de leguminosas de verão que podem ser utilizadas como adubo verde na cafeicultura.
(–) O fenômeno não ocorre. Fonte: Calegari et al. (1993) e Calegari (1998).
Tabela 13. Características de algumas espécies de adubo verde.
Fonte: Alexandre Paiva da Silva, 2015.
C a p í t u l o I | 138 Chaves (1999) avaliando a utilização de adubos verdes com diferentes hábitos de crescimento consorciados ao cafeeiro, concluiu que leguminosas de ciclo curto, atenderiam à demanda nutricional da cultura, pois apresentam máxima acumulação de biomassa e de nutrientes no período mais intenso de frutificação, mas deixando o solo descoberto no período chuvoso. Já as espécies de ciclo longo, manteriam o solo coberto por mais tempo. Em função disso, o mesmo recomenda o plantio de leguminosas de ciclos longo e curto em ruas alternadas da lavoura, invertendo as posições no ano seguinte. O guandu, por exemplo, pode permanecer na área até dois anos e pode ser cultivado em ruas alternadas associado ao plantio de diferentes espécies de crotalária. No caso da mucuna cinza, a semeadura de suas sementes (70 kg/ha) poderia ser a lanço no início do período chuvoso, na época de floração ou formação das primeiras vagens, procederia a incorporação da massa verde ao solo para melhorar sua fertilização, através do equipamento rolo de faca de tração animal. Ou seja, esta prática prevê a introdução de espécies vegetais (leguminosas), nas ruas do cafezal, que serão cortadas antes que completem seu ciclo vegetativo, e deixadas sobre o solo ou incorporadas levemente ao solo. No sistema de floresta rústica, a biomassa da leguminosa pode ser deixada em redor do cafeeiro (coroamento) cultivado aleatoriamente. Destacam-se entre as plantas utilizadas, as leguminosas, porque fixam nitrogênio do ar, e oferecem matéria orgânica ao solo, mas as gramíneas também podem ser usadas com outros objetivos.
Biofertilizantes: A produção de biofertilizantes é decorrente do processo de fermentação, ou seja, da atividade dos microorganismos na decomposição da matéria orgânica e complexação de nutrientes, o que pode ser obtido com a simples mistura de água e esterco fresco. (TIMM et al, 2004; SANTOS, 1992). A fermentação pode ser realizada de maneira aeróbica e anaeróbica e o resultado desse processo é um sistema de duas fases, uma sólida usada como adubo organomineral e outra líquida utilizada como adubo foliar (TRATCH, 1996; BURG; MAYER, 1999). Os biofertilizantes líquidos, além de serem importantes fontes de macro e micronutrientes, contêm substâncias com potencial para funcionar como defensivos naturais quando regularmente aplicados via foliar. Dos biofertilizantes líquidos, um dos mais conhecidos é o Supermagro, proveniente da fermentação aeróbica da matéria orgânica animal ou vegetal, resultando num líquido escuro utilizado em pulverização foliar complementar a adubação de solo, especialmente em micronutrientes. Atua também
C a p í t u l o I | 139 como defensivo natural por meio de bactérias benéficas, principalmente Bacillus subtills (PEDINI, 2000), que inibe o crescimento de fungos e bactérias causadores de doenças nas plantas, além de aumentar a resistência contra insetos e ácaros. Enquanto os biofertilizantes sólidos (tipo Bokashi) são, da mesma forma, muito eficientes do ponto de vista nutricional, embora seu uso frequente se torne inviável, devido ao custo elevado dos componentes. No que diz respeito à parte analítica de sua composição, o biofertilizante apresenta macro e micronutrientes assimiláveis pelo vegetal, tais como: nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio, enxofre, sódio, ferro, cloro, sílica, molibdênio, boro, cobre, zinco e manganês. O seu pH pode variar de 7,0 a 8,0 e poderá também ser inferior quando a fermentação for incompleta (SANTOS, 1992). Os ingredientes básicos do biofertilizante Supermagro são: água, esterco bovino, mistura de sais minerais (micronutrientes), resíduos animais, melaço e leite (Figura 62). As misturas de sais minerais são preparadas da seguinte forma:
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Figura 62. Preparação do biofertilizante supermagro. Fonte: Leite, C. D.; Meira, A. L. (2007) e Trés, F.; Resende, S. A. (1995). Importante: O sulfato de magnésio usado para fertilização e correção do solo só é permitido desde que sua origem seja natural. Produtores orgânicos devem consultar a OCS ou OAC quanto ao uso de biofertilizantes, principalmente quanto à aplicação em partes comestíveis das plantas. O uso de biofertilizante é permitido desde que ele esteja fermentado e bioestabilizado (curado).
Existe uma fórmula do Supermagro adaptada à cafeicultura orgânica, que é a seguinte: em um tambor de 200 L, colocar 40 kg de esterco verde, 6,0 kg de mato fresco e vigoroso. Adicionar a cada cinco dias 1,0 kg de micronutrientes (sais café), qualquer um que não contenha NPK, mais 50 g de sulfato de cobre, 1,0 L de leite; 1,0 L de melaço (ou 0,5 kg de açúcar), 100 mL de EMA ou 2 potinhos de leite fermentado contendo lactobacilos, 0,5 kg de calcário e 0,5 L de sangue ou 200 g de farinha de osso ou 0,5 kg de restos de peixe (PEDINI, 2000). Deixar fermentando por 30 dias antes de usar.
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O Agrobio, outro biofertilizante preparado com base na composição do Supermagro, produzido pela Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro - Pesagro - (FERNANDES, 2000; Figura 63), é preparado da seguinte maneira: 1º passo: Para a produção de 500 L do Agrobio, são necessários: 200 L de água, 100 L de esterco fresco bovino, 20 L de leite de vaca ou soro e 3 kg de melaço, que devem ser bem misturados e deixados fermentar por uma semana. 2º passo: Após sete dias, acrescentar ao vasilhame, contendo água, leite, melaço e esterco, os seguintes produtos, previamente diluídos em água:
Figura 63. Preparação do Agrobio. Foto: Fernandes, 2000.
3º passo: No 14º dia, acrescentar os mesmos ingredientes usados no 2º passo, previamente diluídos em água. Depois, misture e deixe fermentar por uma semana. 4º passo: No 21º dia, repita o procedimento usado no 2º passo, acrescentando 500 ml de urina de vaca. Depois, misture bem e deixe fermentar por uma semana. 5º passo: No 28º dia, repita o procedimento usado no 4º passo. Depois, misture bem e deixe fermentar por uma semana. 6º passo: No 35º dia, repete-se o procedimento usado no 4º passo. Depois, misture bem e deixe fermentar por uma semana. 7º passo: No 42º dia, repete-se o procedimento usado no 4º passo. Depois, misture bem e deixe fermentar por uma semana.
C a p í t u l o I | 142 8º passo: No 49º dia, repetir o procedimento usado no 4º passo. Depois misturar bem e deixar fermentar por uma semana. 9º passo: No 56º dia (equivale a 8 semanas), o volume deve ser completado com água (até 500 litros) e coado. Estará pronto para uso e apresentará uma cor bem escura e cheiro característico de produto fermentado.
O Agrobio pronto apresenta cor bem escura e odor característico de produto fermentado, pH na faixa de 5,0 a 6,0. A análise química do biofertilizante fornece os seguintes resultados: 34,69 g/L de matéria orgânica; 0,8% de carbono; 631 mg/L de N; 170 mg/L de P; 1,2 g/L de K; 1,59 g/L de Ca e 480 mg/L de Mg, além de traços dos micronutrientes. Qualquer das formulações citadas anteriormente, as pulverizações devem ser feitas nas concentrações de 2% a 5%, sendo que para as espécies perenes são suficientes quatro pulverizações por ano. Finalmente, os materiais indispensáveis para produção do Agrobio, em maior escala, são os seguintes: caixa d'água de plástico com tampa e capacidade de 500 L; bancada de concreto ou madeira; conexões de 2 polegadas; pá; baldes; tela e peneira para coagem (RICCI et al. 2002). Outro biofertilizante refere-se aos resíduos de biodigestores, obtidos da mistura de água com esterco ou outros tipos de matérias orgânicas, enriquecidos ou não com minerais (KIEHL, 1985). Existem recomendações para aplicação sobre a folha, sobre o solo ou sobre o solo e a folha, podendo ser para a substituição total ou parcial das fontes orgânicas sólidas (SANTOS, 1992). Este biofertilizante líquido é bem simples e bastante conhecido, o qual é produzido a partir da fermentação metanogênica ou anaeróbica de esterco fresco de bovino. O esterco de gado leiteiro possibilita um efluente de melhor qualidade, pois os animais recebem dieta mais balanceada, contendo grande variedade de microrganismos, o que acelera a fermentação (SANTOS; AKIBA, 1996). Para o respectivo preparo, o esterco fresco, complementado ou não com urina, deve ser misturado em volume igual de água não clorada, sendo a mistura colocada em biodigestor hermeticamente selado. Podem ser empregados bombonas plásticas, tornando-se o cuidado de manter o nível da mistura ao mínimo de 10 cm abaixo da tampa, onde se adapta um sistema de válvula hidráulica de pressão ou uma mangueira plástica fina, cuja extremidade é mergulhada em recipiente com água, para permitir a saída do gás metano produzido na fermentação, mantendo a condição de anaerobismo (Figura 64).
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Figura 64. Biodigestor utilizando bombona plástica para produção de pequenos volumes de biofertilizante líquido. Foto: Ricci et al. 2002
O final do processo, que dura de 30 a 40 dias, coincide com a cessação do borbulhamento observado no recipiente d'água. Nessa ocasião, a solução deverá ter atingido pH próximo a 7,0. Para separação da parte ainda sólida do produto, utiliza-se peneiramento e coagem. Um dos biofertilizantes mais utilizados no meio agrícola até o momento é conhecido como Vairo (VAIRO SANTOS, 1992). Foi, inicialmente, preparado dentro de um biodigestor e testado em lavouras de café e cana-de-açúcar, na década de 80, por extensionistas no Rio de Janeiro. Atualmente, alguns ajustes tornaram mais simples o seu preparo e seu uso, e são bem difundidos, tendo alcançado bons resultados em culturas perenes e temporárias. Para o preparo original (anaeróbico) do biofertilizante, Vairo Santos (1992) recomenda os seguintes passos: * 1 tambor (bombona) ou tonel plástico de 200 litros; * 2,0 metros de mangueira de ½”; * 1 balde ou garrafa de vidro; * 80 L de esterco fresco de bovinos; * 80 L de água.
C a p í t u l o I | 144 Mistura-se o esterco e a água na bombona (processo aeróbico) ou em caixa d´água. Devese ter o cuidado de vedar bem a tampa, com massa plástica de construção, para evitar a entrada de ar e não deixar a mangueira tocar na mistura, no caso de optar pelo processo anaeróbico. O tempo de fermentação será de 20 a 40 dias, quando parar de borbulhar, de sair borbulhas de gás na garrafa. Pode ser colocado, em cada 500 L de calda, 2 a 4 kg de folhas picadas, 4 a 5 colheres (de sopa) de farinha de ossos, cinzas, pó de rocha rico em sílica ou fosfato de rocha, de preferência sempre em adições semanais. Em áreas comerciais, atualmente, utiliza-se tanque de alvenaria ou caixas d’água, em processo aeróbico. Após a fermentação (aproximadamente 30 dias), pode-se separar o líquido com uma peneira ou pano de tecido para utilização. No momento do uso, o biofertilizante Vairo deve ser diluído em água numa proporção de 0,5 a 30%, dependendo da cultura e do objetivo pretendido, em aplicações foliares ou em solo, visando à nutrição vegetal. A concentração mais elevada de 30% é a mais utilizada por apresentar múltiplas finalidades, desde a ação controladora sobre determinados microrganismos fitopatogênicos até a promoção de florescimento e de enraizamento em algumas plantas cultivadas, possivelmente pelos hormônios vegetais nela presentes. O biofertilizante Agrobom, também conhecido como calda de oligoelementos, foi adaptado da receita do biofertilizante Agrobio, criado pela PESAGRO-Rio (FERNANDES, 2000), para uso em sistemas alternativos de produção. Por ser um biofertilizante rico em micronutrientes, tem sido preferido pelos produtores que optam por uma nutrição mais completa em seus cultivos. Para preparo do biofertilizante Agrobom, é necessário primeiro elaborar um inóculo 72 horas antes da mistura completa. Para preparo do inóculo, mistura-se em 1 litro d’água 1 L de esterco fresco, 0,5 L de leite, 250 mL de suco de frutas ou hortaliças, 700 g de esterco de galinha, 1 colher de chá de fosfato natural, 1 colher de chá de cinzas de fogão e 1 colher de sopa de pó de rocha rico em sílica. Esta mistura deve ficar ao sol, coberta com lona plástica preta por 72 horas (SILVA et al., 2007). Após este período, podem-se misturar os seguintes elementos em um tambor ou bombona plástica de 200 litros: * 40 kg de esterco bovino fresco (pode ser usado o esterco caprino em menor proporção); * 5 litros de melaço (mel de cana) ou 1 kg de rapadura; * 1 litro de inoculo;
C a p í t u l o I | 145 Esta mistura deve ficar tampada e à sombra. Semanalmente, deve-se adicionar e mexer bem outros sais até que se complete o período de 30 dias. Os sais a serem adicionados semanalmente consistem em: * 4 colheres de sopa de calcário dolomítico; * 4 colheres de sopa de pó de rocha rico em sílica; * 1 colher de chá de fosfato natural * 1 colher de chá de cloreto de ferro; * 1 colher de chá de sulfato de magnésio; * 1 colher café de sulfato de zinco; * 1 colher café de sulfato de manganês; * 5 colheres de chá de molibidato de sódio; * 10 gotas de iodo a 10%. Após a adição semanal dos sais e mistura da calda, ela estará pronta para uso puro ou em diluição (Figura 65). É importante observar a coloração da espuma formada no momento da mistura. Esta deve ser cinza claro ou quase branca (SILVA et al., 2007).
Figura 65. Etapas de preparo do biofertilizante Agrobom. Foto: Silva et al. ( 2007).
C a p í t u l o I | 146 CONTROLE DE PLANTAS DANINHAS O controle das plantas daninhas exige atenção o ano inteiro, tanto na época chuvosa como na seca, e se destaca entre as outras operações de manejo por exercer influência direta na rentabilidade da cafeicultura, interferindo sensivelmente na produção e afetando seu custo anual. Quando as plantas daninhas não controladas, os índices de perdas da produção de café provocadas pela concorrência podem variar de 40 % a 60 % (BLANCO et al., 1978; MIGUEL et al., 1980; MATIELLO, 1991), sendo que os custos para realização do controle dessas plantas daninhas é de 15% a 20% do custo de produção (MATIELLO, 1991). Considerando o estádio fenológico da cultura, observa-se que as plantas daninhas, quando não controladas, provocam as maiores perdas na produção de café no período de outubro a abril, que coincide com a época do florescimento à frutificação do cafeeiro (BLANCO et al., 1978). Por essa razão, o controle deve ser realizado antes do início de seu florescimento. Alguns estudos de controle de plantas daninhas que buscam o aprimoramento de técnicas e de recursos alternativos, como práticas de cobertura viva e morta do solo, podem, além de contribuir com a função específica de controlar as plantas daninhas, ter outros atrativos, como contribuir para a conservação e manutenção da umidade do solo e ainda para a melhoria da qualidade do solo ao proporcionar aumento da matéria orgânica necessário para a nutrição do cafeeiro. Dessa forma, para que seja realizada uma interferência efetiva no processo de germinação e desenvolvimento dessas plantas daninhas na cafeicultura orgânica, pode-se fazer uso de diversos métodos de controle físicos e biológicos. O método de controle físico compreende a intervenção sobre o desenvolvimento das plantas daninhas pela execução de ações de caráter instrumental, classificadas pela forma de acionamento manual e mecânico. Tais métodos compreendem a capina e a roçagem, embora considerados eficientes, apresentam menor rendimento e custo elevado, sem considerar a baixa disponibilidade de mão de obra no meio rural. Geralmente são muitos aplicados em pequenas e médias propriedades, em áreas declivosas com limitação da mecanização e cafezal com espaçamento mais adensado (SANTOS et al. 2008). Para evitar a competição com o cafeeiro, deve-se realizar o controle de plantas daninhas, por meio de capina manual em coroamento. Ou seja, para não sufocar o crescimento do
C a p í t u l o I | 147 cafeeiro, principalmente nos primeiros 2 anos de idade (uma vez ao ano), é importante mantê-lo livre de plantas invasoras, devendo-se realizar o coroamento manual (enxada) ao redor da planta num raio de 1,0 m. As mudas deverão ser coroadas quatro meses após seu plantio. Dependendo da área do sistema agroflorestal, no cafeeiro adulto poderá ser feito o coroamento para complementar a roçagem mecânica e, na época da safra, para facilitar a colheita dos frutos cerejas. A capina, em circunstâncias de pouca competição com as invasoras, poderá ser substituída por um roço manual parcial e baixo. O método físicos mecânicos podem ser de tração motora, pela utilização da grade cultivadora, enxada rotativa, roçadeira, trincha e rotacarpa. Os métodos mecânicos de tração motora apresentam grande rendimento, tendo maior rapidez e economia. Por outro lado, o método de controle biológico consiste na utilização de um método natural que mantenha a população de plantas daninhas em nível baixo o suficiente para que não cause danos econômicos ao cafezal. Diversos tipos de métodos biológicos, como o da alelopatia entre plantas pela utilização de coberturas vivas e mortas, o pastoreio de animais e os herbicidas naturais (plantas alelopáticas) podem ser classificados como biológicos (SANTOS et al. 2008). Um desses métodos biológicos importante, bem explorado quando se trata de coberturas de solo vivas ou mortas, é a alelopatia. A alelopatia consiste na influência química exercida por uma planta ou microrganismo, que inibe ou estimula a germinação ou o crescimento de plantas. Essas substâncias químicas são secretadas pela parte aérea ou pelas raízes de plantas em desenvolvimento ou são liberadas por material vegetal em decomposição (RICE, 1984; LORENZI, 1994). Essas substâncias químicas denominadas aleloquímicos são encontradas em todas as partes das plantas, com funções de protegê-las do ataque de patógenos por inibirem o desenvolvimento de microrganismos, repelir ou atrair insetos, inibir o consumo por herbívoros pelo seu paladar desagradável ou venenoso e reduzir a competição de outras plantas cultivadas ou infestantes por inibição da germinação e desenvolvimento das plantas concorrentes (ALMEIDA, 1991a). A liberação desses aleloquímicos pode ocorrer pela decomposição de folhas ou de outras partes da planta que caem no solo e sofrem ação do clima e dos microrganismos, pela liberação de substâncias voláteis, pela exsudação direta de produtos nas raízes e pela
C a p í t u l o I | 148 lixiviação de compostos orgânicos e inorgânicos por ação da chuva ou orvalho (ALMEIDA, 1991). No ambiente, considera-se importante que esses aleloquímicos se acumulem em quantidade suficiente para que possam afetar outras plantas, sendo liberados continuamente, para que acarretem efeitos persistentes (RODRIGUES, ALMEIDA, 1997). A concentração de compostos lixiviados no perfil do solo e que afetam as raízes das plantas depende da espécie, da constituição e da idade do tecido vegetal, das condições edafoclimáticas e da intensidade de lavagem. No estudo dos efeitos dos compostos alelopáticos sobre as plantas daninhas, verifica-se que sua atuação na planta receptora não é específica, podendo afetar diversas funções no metabolismo prejudicando, com maior frequência, a nutrição, o crescimento, a fotossíntese, a respiração, a síntese de proteínas, a permeabilidade da membrana celular e a atividade enzimática dessas plantas (ALMEIDA, 1990). A cobertura viva ou cobertura verde, basicamente representada pelas plantas companheiras, consiste de espécies plantadas nas entrelinhas da lavoura ou em sistema consorciado com o cafeeiro, podendo ser culturas anuais e perenes, que são introduzidas com a finalidade específica de controlar as plantas daninhas, beneficiando a cultura principal. Diversas espécies com potencial alelopático podem ser utilizadas como coberturas vivas ou mortas no controle da infestação de plantas daninhas, sendo caracterizadas pela especificidade desses efeitos em determinadas plantas daninhas. Por exemplo, o feijãode-porco (Canavalia ensiformes), a mucuna preta (Mucuna aterrimum) e a crotolária (Crotalaria juncea) exercem efeitos de inibição sobre a tiririca (Cyperus rotundus) (MAGALHÃES, FRANCO, 1962; LORENZI, 1984; CALEGARI et al., 1993); a mucuna preta e a mucuna cinza (Mucuna pruriens) produzem substâncias químicas que afetam o picão-preto (Bidens pilosa), o picão-branco (Galinsoga parviflora) e o capim-carrapicho (Cenchrus echinatus) (CALEGARI et al., 1993); a crotalária e o lablab (Lablab purpureus) produzem substâncias químicas que afetam a germinação, o comprimento da radícula e a produção de matéria seca de braquiárias (Brachiaria decumbens) (ABBADO, 1995); e a leucena (Leucaena leucocephala), cujos extratos inibem a germinação e o comprimento da radícula de desmódio (Desmodium adscendens), guanxuma (Sida rhombifolia e assa-peixe (Vernonia polyanthes) (SOUZA FILHO; RODRIGUES, 1997).
C a p í t u l o I | 149 A cobertura morta exerce o controle sobre as plantas daninhas pela formação de palhada, que inibe a germinação e a emergência das plantas daninhas. Essa palhada pode ser produzida pelas próprias plantas daninhas, por resíduos de produtos beneficiados e pela biomassa de adubos verdes plantados nas entrelinhas. Esses adubos verdes podem ser manejados com roçadeira e resultam no acúmulo de camadas de palhas deixadas sobre a superfície do solo (SANTOS et al., 2008). A palhada cria condições para instalação de uma densa e diversificada microbiocenose na camada superficial do solo, existindo em sua composição uma grande quantidade de organismos que podem parasitar sementes e plântulas de espécies daninhas. Esses microrganismos exercem importantes funções na deterioração e perda da viabilidade dos diversos tipos de propágulos de plantas daninhas no solo. Além disso, a cobertura morta cria um abrigo para alguns predadores de sementes e plântulas, como roedores, insetos e outros pequenos animais (ALVES; PITELLI, 2001).
Retirada de cipós ou epífitas dos cafeeiros: Problemas com aumento de ervas trepadeiras em lavouras de café fizeram surgir uma nova prática de manejo de cafezais: a retirada dessas plantas de cima dos cafeeiros, conhecida como retirada de cipós. As ervas daninhas que infestam os cafezais são classificadas de acordo com seu hábito de desenvolvimento, podendo ser rasteiras, eretas ou trepadeiras (Figura 66).
Figura 66. Plantas de café sufocadas com daninha trepadeira, exemplo do melão de são caetano (Momordica charantia L.), que se desenvolve sobre a planta impedindo a passagem dos raios solares para as folhas do cafeeiro reduzindo ainda mais a sua taxa fotossintética. Foto: Eduardo Gonçalves de Melo (2019).
C a p í t u l o I | 150 As epífitas ou trepadeiras, como o nome indica, têm hábitos de subir em suportes próximos onde encontram sustentação. No caso do cafezal, nascem e crescem no solo e logo sobem nos pés de café, sendo duplamente prejudiciais. Concorrem com o cafeeiro em água e nutrientes retirados do solo pelo seu sistema radicular, além de concorrerem em luz, pela cobertura que fazem sobre a copa das plantas de café. A principal erva trepadeira que ocorre em cafezais é a corda de viola (Ipomea sp.) verificando-se numa mesma área diferentes espécies. Umas com folhas maiores, outras menores, umas com flores pequenas ou grandes e de variadas cores, brancas, roxas, azuis e vermelhas, todas com hábitos semelhantes. Outras trepadeiras podem ocorrer em menor escala, como o cipó de São João, soja perene e outras. No caso da corda de viola, sua expansão observada nos cafezais se dá pelo grande número de sementes produzidas e pela sua distribuição pelo maquinário, transitando nos tratos e colheita das lavouras. A dificuldade de controle ocorre devido ao fato de que muitas plantas nascem sob a saia ou entre os cafeeiros, na linha onde as roçadeiras usadas para controle do mato não têm atuação. A estratégia de controle da corda de viola consiste em iniciar o arranquio mais cedo, pegando a maioria delas jovens, ainda no chão. Normalmente, são necessárias duas passadas dos trabalhadores para retirada de cipós num ciclo com a enxada, pois muitas ervas escapam da retirada inicial ou crescem novas depois da primeira passada. Uma vez se enroscando com as plantas de café, essa prática, conhecida como retirada de cipós, na realidade não os retira, apenas arranca-os do chão, fazendo com que murchem e sequem sobre os cafeeiros. Se retirados, além do maior trabalho necessário, poderiam causar danos mecânicos à folhagem, derrubando algumas folhas e frutos dos cafeeiros, na época de frutificação. O uso de mão-de-obra varia em cada talhão, obviamente dependente do nível de infestação. Pode-se prever o emprego de até dois homens no dia por ha de cafezal na execução dessa prática, entrando, é um novo componente de despesas, do custo de produção do café.
C a p í t u l o I | 151 DOENÇAS DO CAFÉ Alternativas para uma cafeicultura sustentável demonstram ser um conjunto de técnicas que minimizam os impactos ambientais. São apresentadas as principais doenças relacionadas com a cultura do cafeeiro, os fatores que as favorecem e as medidas, principalmente as preventivas, que buscam recompor e preservar o equilíbrio biológico dos agroecossistemas, oferecendo alguns subsídios básicos para os produtores e técnicos em extensão rural em relação à cafeicultura orgânica. As doenças que normalmente ocorrem em cafeeiros, assumindo certo grau de importância, de acordo com as condições climáticas regionais são:
Ferrugem (Hemileía vaslatrix): Dentre as doenças que ocorrem no cafeeiro, à ferrugem causada pelo fungo Hemileia vastatrix Berk & Br. é a mais importante, por causar grandes prejuízos para a cultura e por ocorrer em todas as regiões produtoras de café. A doença ocorre principalmente em lavouras formadas em altitudes entre 500 e 900 m, em condições de altas temperaturas (22 °C a 26°C) e molhamento foliar superior a 12 horas. A incidência é maior nas áreas expostas a ventos, a granizo e ao frio intenso e em espaçamentos mais fechados. Ou seja, é uma doença foliar e seus danos estão relacionados principalmente com o desfolhamento que ela promove na planta. Somandose a queda natural com a queda prematura de folhas, provocada pela ferrugem, um grande desfolhamento causará um baixo vingamento das flores, queda e chochamento dos frutos. SINTOMAS: Os primeiros sintomas da enfermidade são pequenas manchas circulares de 0,5 cm de diâmetro, de cor amarelo alaranjada, que aparecem na face inferior da folha. Sobre a mancha, forma-se uma massa pulverulenta de uredosporos. No estádio mais avançado, algumas partes do tecido foliar são destruídas ou necrosadas (Figura 67).
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Figura 67. Sintomas e sinais da ferrugem da folha do café. Manchas cloróticas na face superior da folha. Fotos: Talhinhas et al. (2017) e Rodrigo Vieira da Silva; Bruno Eduardo Cardozo de Miranda.
AGENTE CAUSAL: um fungo da classe dos basidiomicetos, que produz cinco tipos de esporos durante seu ciclo de vida, sendo os uredosporos sua principal via de disseminação. CONTROLE: pode ser feito pelo plantio de cultivares resistentes ou também se utilizando calda Bordalesa a 1% (PEDINI, 2000). Como controle cultural, recomendam-se as seguintes práticas agrícolas: a) fazer desbrotas, evitando-se o excesso de hastes e consequentemente o autosombreamento, promovendo um maior arejamento da cultura; b) realizar podas nos cafeeiros, evitando-se o fechamento da lavoura; e c) evitar espaçamentos excessivamente adensados, condição extremamente favorável à incidência da ferrugem, etc.
C a p í t u l o I | 153 Cercosporiose (Cercospora coffeicola): A doença é também conhecida como manchacircular, mancha-parda ou olho-de-pombo que está presente de forma endêmica em quase todas as regiões do País (GODOY et al., 1997). As principais causas do aparecimento da enfermidade são: deficiência nutricional principalmente na formação de mudas em substrato pobre, excesso de insolação e queda de temperaturas. No Brasil, causa também perdas na produtividade, além de afetar o tipo e a qualidade do café produzido. SINTOMAS: Os sintomas característicos nas folhas são manchas circulares de mais ou menos 0,5 a 1,5 cm de diâmetro, de coloração castanho-clara a escura, com o centro branco-acinzentado, quase sempre envolvidas por um halo amarelado, lembrando um olho. Nos frutos, ocorrem lesões deprimidas de coloração escura, as quais se desenvolvem no sentido polar. Podem ocorrer em frutos verdes, causando maturação precoce da casca em torno da mancha (Figura 68), ocasionando a depreciação da qualidade do café.
Figura 68. A) Sintomas de cercosporiose em folhas; B) Sintomas nos frutos maduros e frutos com amadurecimento precoce, devido à incidência da cercosporiose. Fotos: Vicente Luís de Carvalho et al. (2002).
AGENTE CAUSAL: um fungo da classe dos deuteromicetos, que produz esporodóquios escuros no centro das lesões, onde os conidióforos septados e cilíndricos são agrupados em fascículos. Apresenta conídios hialinos e multisseptados.
CONTROLE: quando o controle cultural não for suficiente para reduzir a cercosporiose, as mudas no viveiro ou após o aparecimento dos primeiros sintomas devem, de alguma forma, ser tratadas preventivamente. Em condições de campo, o fungo pode ser eficientemente controlado em plantios sombreados, segundo Samayoa-Juárez e SánchezGarcia (2000), e também utilizando-se caldas Bordalesa ou de Viçosa, a 1%, em
C a p í t u l o I | 154 pulverizações foliares com intervalo de 15 dias, ou ainda hidróxido de cobre aplicado três a cinco vezes ao ano (PEDINI, 2000).
Antracnose (Colletotrichum coffeanum): A enfermidade é também conhecida por CSO "Coffee Berry Disease" e é muito frequente nas regiões cafeicultoras do País. Todas as espécies de cafeeiro plantadas são suscetíveis ao patógeno, mas a suscetibilidade é maior em Coffea arabica e C. canephora. Os esporos dos patógenos, que penetram pela cutícula dos grãos verdes, necessitam de água livre e temperatura entre 15°C e 28°C para que ocorra sua germinação e infecção. As infecções acontecem principalmente entre 4 e 16 semanas após a floração, quando os frutos estão em fase de expansão. O fungo pode ser transportado por longas distâncias através de sementes e frutos infectados, raramente doentes ou com infecção latente. SINTOMAS: todas as partes das plantas podem ser atacadas pelo fungo, porém os frutos maduros são os mais sensíveis, quando infectados tornam-se mumificados e as bagas escurecem (Figura 69), permanecendo aderidas ao ramo por longo tempo.
Figura 69. Antracnose no fruto do café (Colletotrichum coffeanum) Foto: Arquivo da Agrolink.
C a p í t u l o I | 155 AGENTE CAUSAL: o agente etiológico é o fungo Colletotrichum coffeanum, da classe dos deuteromicetos. CONTROLE: medidas de controle raramente são eficiente, entretanto, o controle da doença tem sido possível, em locais considerados endêmicos, através do tratamento preventivo com as caldas Bordalesa ou de Viçosa, a 1%, em pulverizações foliares quinzenais.
Seca dos ramos e ponteiros (Phoma spp., Phomopsis sp., Colletotrichum spp.): É uma doença ocasionada por um complexo de fatores, destacando-se principalmente as condições climática desfavoráveis e a má nutrição das plantas. SINTOMAS: ocorre em cafeeiros de qualquer idade e caracteriza-se pela desfolha e morte descendente dos ramos. Os sintomas nas folhas novas são manchas circulares de coloração escura e de tamanho variado que podem chegar a 2 cm de diâmetro. Quando as lesões atingem as bordas das folhas, elas encurvam-se, podendo apresentar rachaduras. Podem ocorrer nos ramos, iniciando-se a partir dos folíolos ou do ponto de abscissão das folhas. Nos ramos atacados, observam-se lesões deprimidas e escuras (Figura 70). Essas lesões podem ocorrer também nos botões florais, flores e frutos no estágio de chumbinho, causando a morte e a mumificação dos órgãos atacados.
Figura 70. Mancha de phoma (Phoma costaricensis). Fotos: José Otávio M. Menten (2017) e Vicente Luís de Carvalho et al. (2002).
C a p í t u l o I | 156 AGENTE CAUSAL: diversos fungos da classe dos deuteromicetos. CONTROLE: a medida de controle deve ser preventiva, mediante pulverizações foliares quinzenais com as caldas Bordalesa ou de Viçosa, a 1%, e adubação foliar com biofertilizante, a 4%, ou ainda com três a cinco pulverizações foliares ao ano com hidróxido de cobre (PEDINI, 2000).
Mancha-aureolada (Pseudomonas syringae pv. Garçae): É uma doença bacteriana que afeta principalmente folhas em desenvolvimento, rosetas, frutos novos e ramos do cafeeiro, atingindo mudas no viveiro e plantas no campo. Em regiões altas e desprotegidas de ventos, a bactéria provoca a queda prematura das folhas, prejudica o pegamento de flores e a produção do ano seguinte. AGENTE CAUSAL: A mancha-aureolada do cafeeiro é uma doença causada pela bactéria Pseudomonas syringae pv. Garçae que ocorre tanto em mudas no viveiro, onde causa maiores prejuízos, quanto em plantas adultas. SINTOMAS: A denominação mancha-aureolada é em decorrência da formação de um halo amarelo que circunda as lesões. As áreas lesionadas normalmente desprendem-se das bordas das folhas, proporcionando um aspecto rendilhado (Figura 71). Um outro sintoma importante da doença é a seca de ramo laterais e com isto a planta emite ramo novos, provocando o superbrotamento.
Figura 71. Sintomas de mancha-aureolada em folhas de café. Foto: Vicente Luís de Carvalho et al. (2002).
C a p í t u l o I | 157 Rhizoctoniose: A doença é favorecida pelo excesso de umidade, de sombra e por temperaturas altas. As temperaturas entre 18ºC e 28ºC e a umidade em torno de 90% favorecem a ocorrência da rhizoctoniose nos viveiros. A doença pode causar perdas econômicas consideráveis em sementeiras, viveiros e em plantas um ano após o plantio. AGENTE CAUSAL: O agente causal da rhizoctoniose é o fungo Rhizoctonia solani Kühn, que habita o solo e sobrevive por longos períodos em restos de culturas. O fungo pode incidir sobre as plântulas no viveiro e não causar as lesões no colo. Quando essas mudas contaminadas forem para o campo, um ano após o plantio, e as condições forem favoráveis, a infecção pode-se desenvolver e causar lesões no colo e morte das plantas. Nessa fase, a doença denomina-se rhizoctoniose tardia. SINTOMAS: Os sintomas característicos da doença em viveiros são lesões do colo, murcha e morte de plântulas e, até o primeiro par de folhas, devido às lesões e ao estrangulamento do colo, ocorre o tombamento destas em reboleira (Figura 72). No campo, um ano ou mais após o plantio, as plantas amarelecem, murcham, secam e podem tombar, devido ao roletamento do caule na região do colo.
Figura 72. Rhizoctoniose. A) Detalhe do sintoma de rhizoctoniose na plântula; B) Ataque em reboleira no canteiro (tombamento). Foto: Vicente Luís de Carvalho et al. (2002).
C a p í t u l o I | 158 PRAGAS No cafeeiro orgânico, aplicam-se os princípios e as práticas de controles orientados ecologicamente ou, ainda, recomenda-se uma série de táticas com base na ecologia para reduzir o impacto de problemas causados pelas pragas. Propõem-se a utilização ao máximo da ação benéfica dos agentes de controle biológico, pois o próprio agroecossistema possui um complexo de inimigos naturais capaz de controlar as pragas, e a utilização de conhecimentos ecológicos que permitam a tomada de decisão para reduzir perdas, sem causar maiores riscos à saúde humana e ao ambiente, que constituem o manejo ecológico.
Broca do café (Hypothenemus hampei): O adulto deste inseto se apresenta como uma mariposa pequena. Na fase larval, a lagarta se alimenta das folhas do cafeeiro, cavando uma galeria ou mina, onde se aloja e se desenvolve. O cultivo de café sob sombra em alguns estados mostrou-se desfavorável pela grande redução nas colheitas em cafeeiros adultos e pelo aumento da incidência da broca (Hypothenemus hampei Ferrari,1867). AGENTE CAUSAL: O inseto adulto (Hypothenemus hampei) é um pequeno besouro de cor preta, luzidio, medindo a fêmea cerca de 1,7 mm de comprimento, por 0,7 mm de largura. O macho é menor e apresenta cerca de 1,2 mm de comprimento, por 0,5 mm de largura. Os machos não voam e permanecem constantemente dentro dos frutos, onde se realiza a cópula e fecundação das fêmeas. Estas perfuram os frutos, desde verdes (chumbão) até maduros (cerejas) ou secos, geralmente na região da coroa (Figura 73), cavando uma galeria com cerca de 1 mm de diâmetro até atingir a semente.
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Figura 73. A) Fêmea adulta da broca-do-café em fruto de café no estágio de "chumbão" e orifício por ela produzido no centro da coroa e B) Corte de um fruto de café mostrando uma das sementes danificadas pela broca. Fotos: Alvarado; Monroig (2007) e Paulo Rebelles Reis.
DANOS: O ataque da broca-do-café causa a redução do peso dos grãos, queda de frutos (prejuízo quantitativo) e redução da qualidade do café através da alteração no tipo e, às vezes, na bebida (prejuízo qualitativo). Os danos são causados pelas larvas que vivem no interior do fruto de café e atacam uma ou as duas sementes para sua alimentação, podendo a destruição do fruto ser parcial ou total. Quando se trata de café de qualidade, a broca é a mais importante praga, pois danifica diretamente o fruto do café, acarretando menor qualidade, além de quebra de produção que se dá por meio da queda de frutos no estágio de chumbinho a verde aquoso e redução no peso das sementes diminuindo a renda, do fruto em coco para beneficiado. Já a perda de qualidade esta relacionada com o aspecto e tipo devido aos grãos brocados (MATIELLO, 2002). A broca permanece nos frutos deixados no solo de uma safra para outra em colheitas mal feitas ou sem varreção. Observa-se também que outro fator importante para permanência da broca é um ambiente sombrio (lavouras fechadas, sombreadas ou em faces noruegas) onde os frutos e as brocas permaneçam abrigados e um período úmido na entressafra, oferecendo melhores condições para sobrevivência dos insetos e como resultado eleva a infestação de frutos da próxima safra. Outros fatores que podem aumentar a incidência de broca são: floradas desuniformes, lotes próximos no terreiro, colheita tardia e
C a p í t u l o I | 160 ocorrência de período seco na época de maior trânsito da broca que equivale aos meses de dezembro e janeiro (MATIELLO, 2002). CONTROLE: mediante pulverizações foliares com calda Sulfocálcica, a 2,5%, nos períodos mais secos do ano (PENTEADO, 1999), e com óleo de Nim a 0,5%. Outro controle da broca-do-café foi demonstrado o efeito do extrato hexânico (utilizando hexano como solvente) de folhas de chagas, Tropaeolium majus (Trapeolaceae) em laboratório por Galvan et al. (2000b), também conhecida como sete-chagas ou capuchinha; e Dionízio et al. (2000a) demonstraram o efeito de extrato de mentrasto (Ageratum conyzoides L.) (Compositae, Asteraceae) no controle de adultos da broca. CONTROLE BIOLÓGICO: -Numa tentativa de controlar biologicamente a broca-do-café, foi introduzido, em 1929, no estado de São Paulo, proveniente de Uganda, África, o microhimenóptero Prorops nasuta Waterston, 1923 (Hymenoptera: Bethylidae), que recebeu o nome de vespa-deuganda, que parasita larvas e pupas da broca. Liberada em grandes quantidades, não só em São Paulo, mas também no Sul de Minas, teve a princípio boa performance no controle da broca, porém não conseguiu estabelecer-se em condições naturais, a não ser em algumas regiões cafeeiras montanhosas, onde até hoje pode ser encontrada. O mesmo insucesso aconteceu com a introdução dessa vespa na Indonésia e Ceilão, conforme Le Pelley (1973). -A partir de 1994, vem sendo estudada a eficiência de outra vespa introduzida também da África, a Cephalonomia stephanoderis Betrem, 1961 (Hymenoptera: Bethylidae), conhecida como vespa-da-costa-do-marfim (BENASSI, 1996). Acredita-se ser esta espécie mais agressiva que a vespa-de-uganda. Espera-se que a liberação de parasitóides, criados em laboratório (BENASSI, 2000), no período da entressafra, reduza a população da broca para a safra seguinte de café. Uma forma de liberação é com o uso de sacolas de filó, dependuradas nos cafeeiros, com grãos de café broqueados e as vespinhas. As larvas da vespa são parasitoides das fases imaturas da broca, e os adultos são considerados predadores de ovos, larvas pequenas e adultos da brocado- café (BENASSI, 1996). -Também está sendo estudada a possibilidade de utilização de outro parasitóide, o chamado endoparasitóide de adultos da broca-do-café ou vespa-do-togo, o microhimenóptero
Physmatichus coffea
La
Salle
(Hymenoptera:
Eulophidae)
(GUTIERREZ et al., 1998). Segundo esses autores, trabalho de simulação sugere que dos
C a p í t u l o I | 161 três parasitóides, somente Physmatichus coffea exibe características demográficas para potencialmente controlar populações de broca. -Um predador ocasional encontrado no Brasil é a formiga Crematogaster curvispinosus Mayr, 1862 (Hymenoptera: Formicidae), que destrói, nos frutos, grande número de formas imaturas da broca (LE PELLEY, 1968). -Outro agente de controle biológico da broca, já constatado no Brasil, é o fungo entomopatogênico Beauveria bassiana (Bals.) Vuil. (VILLACORTA, 1984, BENASSI, 1987), cuja multiplicação massal vem sendo desenvolvida por alguns pesquisadores (ANTÍA-LONDOÑO et al., 1992, VILLACORTA et al., 2000), porém ainda sem uma perspectiva de uso eficiente. Segundo Ticheler (1963), as condições que favorecem a infestação de B. bassiana são o tempo nublado e a alta umidade relativa (cerca de 80%) (Figura 74). Essas condições ideais para o fungo nem sempre são encontradas em cafezais com espaçamento convencional, o que, provavelmente, torna os cafeeiros adensados, sombreados ou arborizados, como promissores ao controle da broca com o uso de fungos entomopatogênicos.
Figura 74. Fruto de café broqueado e adulto da broca, na entrada da galeria, já morto pelo fungo Beauveria bassiana, exibindo micélio do fungo. Foto: Alvarado; Monroig (2007).
C a p í t u l o I | 162 -O fungo Metarhizium anisopliae (Metsch.) Sorokin (Deuteromycotina: Hyphomycetes, Moniliaceae) é um agente de controle biológico também promissor no controle da broca e, segundo Lecuona et al. (1986), causou mais de 60% de mortalidade após três dias da aplicação, numa concentração de 1,5 x 108 conídios/mL, aplicados diretamente sobre os insetos ou indiretamente nos grãos e folhas. O controle também pode ser conseguido por meio de armadilhas de etanol com adição de óleo de café que atraem as fêmeas adultas (REIS et al., 2002), desenvolvidas com garrafas PET pelo Instituto Agronômico do Paraná–IAPAR, (Figura 75), e espalhadas aleatoriamente na área de produção, contendo solução atrativa e mistura de água e sabão que matam as fêmeas afogadas.
Figura 75. Armadilha utilizada no controle da broca do café (garrafa Pet de cor vermelha). Foto. Eduardo Gonçalves de Oliveira (2019).
C a p í t u l o I | 163 Bicho mineiro (Leucoptera coffeella): O bicho-mineiro, Leucoptera coffeella (GuérinMèneville, 1842) (Lepidoptera: Lyonetiidae) é talvez a principal praga do cafeeiro na atualidade, principalmente nas regiões de temperaturas mais elevadas e de maior déficit hídrico (REIS; SOUZA, 1986a). O adulto do bicho-mineiro é um microlepidóptero cujas mariposinhas medem 6,5 mm de envergadura, têm coloração branco-prateada e asas anteriores e posteriores franjadas. Quando em repouso, as asas anteriores cobrem as posteriores. DANOS: As lagartinhas vivem dentro de lesões ou minas foliares por elas construídas, e quando completamente desenvolvidas medem cerca de 3,5 mm de comprimento (Figura 76). As lesões são inconfundíveis, apresentando o centro mais escuro, como resultado do acúmulo de excreções. O contorno, em geral, tende para o formato arredondado. A epiderme superior da folha, no local da lesão, destaca-se com facilidade. De modo geral e, principalmente, nas épocas de grande infestação, o maior número de lesões é encontrado nas folhas do topo das plantas (terço superior) (REIS et al., 1975).
Figura 76. Lagartas do bicho-mineiro sobre uma lesão na folha do cafeeiro, da qual foi retirada a epiderme superior. Foto: Daniel Grande.
A ocorrência do bicho-mineiro está condicionada a diversos fatores: a) climáticos: temperatura e chuva principalmente; b) condições da lavoura: lavouras mais arejadas têm maior probabilidade de ser atacadas; e c) presença ou ausência de inimigos naturais: parasitóides, predadores e entomopatógenos.
C a p í t u l o I | 164 Cigarras-do-Cafeeiro: Consiste na eliminação de cafezais infestados e plantio de novos, no mesmo local, somente após dois a três anos. Os cafeeiros em formação não são atacados pelas cigarras. AGENTE CAUSAL: As cigarras que atacam raízes do cafeeiro pertencem principalmente a três gêneros: Quesada, Fidicina e Carineta, podendo um quarto gênero, Dorisiana, ser também considerado (Figura 77).
Figura 77. Tamanhos e formas de adultos da cigarra-do-cafeeiro Quesada gigas, Fidicina pronoe, Carineta sp. e respectivas exúvias. Foto: Paulo Rebelles Reis.
DANOS: Um cafezal infestado por cigarras da espécie Q. gigas apresenta em média 200 a 400 ninfas móveis por cova, população que causa severo dano às plantas. A sucção contínua da seiva causa o depauperamento das plantas, que se manifesta na parte aérea delas pelo definhamento, clorose e queda precoce das folhas apicais dos ramos. Os sintomas são sempre mais acentuados nas épocas de déficit hídrico, com a ocorrência de floradas insignificantes. As consequências finais do ataque resultam em quebra da produção e mesmo perda total da lavoura, se a praga não for controlada a tempo (SOUZA et al., 1984).
C a p í t u l o I | 165 CONTROLE BIOLÓGICO: Até o momento somente foi relatada a ocorrência do fungo entomopatogênico Metarhizium anisopliae (Metsch., 1879), que causa mortalidade da cigarra-do-cafeeiro, Q. gigas. A primeira constatação do fungo, no estado de Minas Gerais, em julho de 1980, foi relatada por Souza et al. (1983). Ao arborizar ou implantar quebra ventos em cafezal sombreado, evitar o uso de espécies vegetais hospedeiras das cigarras Q. gigas. Embora haja dificuldades para obter informações quanto às hospedeiras de Q. gigas, sabe-se que a grevílea é hospedeira da praga e, portanto, deve ser evitado seu uso nas áreas reconhecidamente infestadas por essas cigarras. Enquanto o controle cultura consiste na eliminação de cafezais infestados e plantio de novos, no mesmo local, somente após dois a três anos.
Lagarta-dos-cafezais: A lagarta da espécie de mariposa Eaclesimperialis magnifica Walker, 1856 (Lepidoptera: Saturniidae), denominada lagarta-dos-cafezais, é a mais conhecida entre as espécies de lagartas que podem ocorrer em cafezais. As lagartas dessa espécie são grandes, medem cerca de 10 a 12 cm de comprimento por até 2 cm de diâmetro e apresentam coloração variável entre o verde, o alaranjado e o marrom (Figura 78).
Figura 78. Lagarta-dos-cafezais, Eaclesimperialis magnifica. Foto: Paulo Rebelles Reis.
C a p í t u l o I | 166 DANOS: As lagartas alimentam-se de folhas e de brotos terminais, são vorazes e, em grandes quantidades, podem ser prejudiciais ao cafeeiro, principalmente aos mais novos e com menor número de folhas. CONTROLE: Caso seja necessária a intervenção do homem para o controle da lagarta, é recomendável a utilização de pulverizações do inseticida biológico à base de uma bactéria, o Bacillus thuringiensis Berliner, na dosagem de 250 a 500 g/ha, produto que não afeta o controle biológico natural realizado pelas moscas e microhimenópteros. Esse produto age por ingestão, principalmente quando as lagartas ainda são novas, e não as matam imediatamente como os inseticidas convencionais, porém ao ingerirem os bacilos param de se alimentar não causando mais danos. Em altas infestações aplicar a maior dosagem recomendada do B. thuringiensis.
CONTROLE ALTERNATIVO DE FITOPATÓGENOS E PRAGAS DO CAFEEIRO Como anteriormente comentado, o controle de fitoparasitas na agricultura orgânica, de modo geral, deve ser concebido mediante medidas antiestresse, que permitam que as plantas expressem plenamente seus mecanismos naturais de defesa (AKIBA et al., 1999). Entretanto, algumas vezes, não são suficientes para impedir problemas fitossanitários, principalmente por causa de desequilíbrios temporários que acarretam estresse ao uso de cultivares muito suscetíveis e aos fatores não controláveis que venham determinar o aumento da incidência de pragas e agentes de doenças. Nesses casos, faz-se necessário o uso de defensivos alternativos que podem ser de preparação caseira, a partir de substâncias não prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente. Pertencem a esse grupo as formulações que têm como características principais: baixa ou nenhuma toxicidade ao homem e à natureza; eficiência no combate aos artrópodes e microrganismos nocivos; não favorecimento à ocorrência de formas de resistência desses fitoparasitas; disponibilidade; e custo reduzido. Estão incluído na categoria, entre outros, os diversos biofertiIizantes líquidos, as caldas (Sulfocálcica, Viçosa e Bordalesa), os extratos de plantas e os agente de biocontrole (PENTEADO, 1999) . Os principais defensivos alternativos que vêm demonstrando potencial de uso na cultura do cafeeiro são:
C a p í t u l o I | 167 Biofertilizantes líquidos a)Caldas sulfocálcica de preparo caseiro: Para preparar 20 L de calda são necessários: 2 kg de enxofre em pó (pó molhável ou pecuário) e 1,0 kg de cal virgem. Em tambor de ferro ou de latão sobre forno ou fogão, adicionar vagarosamente a cal virgem a 10 L de água, agitando constantemente com uma pá de madeira. No início da fervura, misturar vigorosamente o enxofre previamente dissolvido em água quente e colocar o restante da água, também, preaquecida, até a fervura (POLITO, 2000). Em outra lata, manter água fervente, para ir adicionando, sempre que necessário, na primeira lata, para completar, no nível inicial marcado, repondo assim a água que evaporou da calda. Após aproximadamente 1 hora de fervura, a calda deverá ficar grossa, com coloração pardoavermelhada. Após o resfriamento, deverá ser coada em pano ou peneira fina para evitar entupimento dos pulverizadores. A borra restante pode ser empregada para caiação de troncos de arbóreas. A calda pronta deve ser estocada em recipiente de plástico opaco ou vidro escuro e armazenada em local escuro e fresco, por um período relativamente curto, sendo ideal sua utilização até, no máximo, 60 dias após a preparação. Antes da aplicação sobre as plantas, através de pulverizações foliares, a calda concentrada deve ser diluída. Para controlar essa diluição, determina-se a densidade através de um densímetro ou aerômetro de Baumé com graduação de 0° a 50° Bé (graus de Baumé), sendo considerada boa a calda que apresentar densidade entre 28° a 32° Bé (Figura 79).
Figura 79. Calda sulfocálcica e densímetro. Foto: Madelaine Venzon.
C a p í t u l o I | 168 Para melhor aderência da calda na planta pode-se utilizar espalhantes adesivos naturais, tais como 1 colher de sopa rasa de açúcar (10 a 15 gramas) ou 1 copo de leite desnatado (200 ml) ou 50 gramas de sabão neutro dissolvido em água quente. Estas dosagens são para 10 litros de calda. É importante que o equipamento pulverizador seja capaz de propiciar uma distribuição uniforme das gotículas sobre a planta, inclusive na parte inferior das folhas, promovendo uma boa cobertura da calda sulfocálcica, desta forma sendo mais eficiente no controle de pragas e doenças. Possui ação inseticida contra insetos sugadores, como tripes e cochonilhas, entre outros. Tem também efeito acaricida e fungicida (principalmente no controle de oídios e ferrugens). Para aplicação em estágio vegetativo, geralmente utiliza-se em concentrações de 0,5 a 1,0 º Bé.
A calda sulfocálcica é obtida pelo tratamento térmico do enxofre e da cal. O efeito tóxico da calda aos insetos e ácaros é causado pela liberação de gás sulfídrico (H2 S) e enxofre coloidal, quando aplicado sobre as plantas (ABBOT, 1945). Resultados obtidos em pesquisas conduzidas no Centro Tecnológico da Zona da Mata (CTZM) da EPAMIG demonstram a eficiência da calda sulfocálcica na redução populacional do bicho-mineiro do cafeeiro, Leucoptera coffeella (Guérin-Mèneville) (Lepidoptera: Lyonetiidae), e do ácaro-vermelho Oligonychus ilicis (McGregor) (Acari: Tetranychidae). Há também um grande potencial para o manejo da broca-do-café, Hypothenemus hampei (Ferrari) (Coleoptera: Scolytidae), uma vez que os resultados de testes em laboratório foram promissores.
b) Calda Bordalesa: é uma suspensão coloidal, de cor azul-celeste, obtida pela mistura de uma solução de sulfato de cobre com uma suspensão de cal virgem ou hidratada. A formulação a seguir é para o preparo de 10 litros; para fazer outras medidas, é só manter as proporções entre os ingredientes. a) Dissolução do sulfato de cobre: No dia anterior ou quatro horas antes do preparo da calda, dissolver o sulfato de cobre. Colocar 100 g de sulfato de cobre dentro de um pano de algodão, amarrar e mergulhar em um vasilhame plástico com 1 litro de água morna; b) Água de cal: Colocar 100 g de cal em um balde com capacidade para 10 litros. Em seguida, adicionar 9 litros de água, aos poucos. c) Mistura dos dois ingredientes: Adicionar, aos poucos e mexendo sempre, o litro da solução de sulfato de cobre dentro do balde da água de cal. d) Teste da faca: Para ver se a calda não ficou ácida, pode-se fazer um teste, mergulhando uma faca de aço comum bem limpa, por 3 minutos, na calda. Se a lâmina da faca sujar, isto é, adquirir uma coloração marrom ao ser retirada da calda, indica que esta está ácida, devendo-se
C a p í t u l o I | 169 adicionar mais cal na mistura; se não sujar, a calda está pronta para o uso, sendo necessário coar a solução antes das pulverizações.
c) Calda de Viçosa: foi desenvolvida a partir da calda bordalesa pela Universidade Federal de Viçosa. É recomendada para controle de diversos fitopatógenos dentre os quais a cercosporiose do cafeeiro; por ser complementada com sais minerais (cobre, zinco, magnésio boro) também funciona como adubo foliar.
Para a preparação de 100 L da calda, é necessário dissolver 500 g de cal virgem em 50 L de água para se obter a água de cal; em outro recipiente, são dissolvidos: 200 g de ácido bórico, 500 g de sulfato de cobre, 800 g de sulfato de magnésio e 200 g de sulfato de zinco em outros 50 L de água. A seguir, num terceiro recipiente, adiciona-se a mistura dos sais, sob forte agitação, à água de cal. A calda tem um pH final entre 7,5 e 8,5 (usar papel tornassol ou peagâmetro para verificar o pH da mistura) e apresenta uma cor azul. Em adendo, a ureia, que faz parte da formulação original, não pode ser acrescentada à receita em função do fato de que não é permitido o seu uso pelas normas vigentes da agricultura orgânica. Coar antes da pulverização.
Extrato pironheloso: É a fração aquosa de compostos resultante da condensação da fumaça expelida no processo de carbonização de madeira ou bambu (ABREU-JÚNIOR, 1998). Segundo informações verbais, esse produto tem ação repelente sobre determinados insetos pragas e previne algumas doenças de plantas. Entretanto, ainda não se tem resultados de pesquisa oficiais no Brasil quanto as melhores dosagens e limitações de uso. NIM (Azadirachta indica) Azadirachta indica, conhecida pelos nomes comuns de amargosa e nim, é uma árvore da família Meliaceae, com distribuição natural no sul da Ásia (Índia) e utilizada na produção de madeira e para fins medicinais. Os produtos derivados do nim são biodegradáveis, portanto, não deixam resíduos tóxicos nem contaminam o ambiente, possuem ação inseticida, acaricida, fungicida e nematicida (SCHUMUTTERER, 1990; MARTINEZ, 2002).
C a p í t u l o I | 170 Os efeitos da Azadiractina sobre, artrópodes incluem repelência deterrência alimentar, interrupção do crescimento, interferência na metamorfose, esterilidade e anormalidades anatômicas (SCHMUTTERER, 1990; MORDUE; NISBET, 2000). Sua eficiência, assim como a seletividade a inimigos naturais, está relacionada com a dose, com a formulação empregada e com a espécie-alvo. Com relação a brocado-café, H. hampei, Depieri et al. (2003) verificaram redução significativa da quantidade de frutos broqueados, quando estes foram tratados com emulsão de óleo de nim e com extratos aquosos da semente e das folhas de nim, em relação aos frutos tratados com água. Quando os adultos foram pulverizados com extrato de semente de nim, na concentração de 1,2% de um produto com 3,3 g/L de azadiractina, houve 95% de mortalidade em laboratório. O óleo inseticida é extraído pela prensagem das sementes, obtendo-se no máximo 47% de óleo, que contém cerca de 10% da Azadiractina existente no fruto (MARTINEZ, 2002). A torta restante é rica em Azadiractina, podendo ser utilizada para o controle de nematóides e para adubação. Os extratos podem ser preparados com a trituração em água das sementes ou frutos frescos, deixando-se a mistura descansar por 12 horas e filtrandose o líquido obtido. O mesmo procedimento pode ser usado para folhas frescas ou secas, no entanto, a concentração de Azadiractina no extrato obtido será inferior. Para armazenar sementes e preparar o extrato posteriormente, os frutos devem ser colhidos, secados ao sol, por dois a três dias, e à sombra, por mais dois dias. A seguir, devem ser despolpados manualmente em água ou utilizando-se despolpadeira de café. Após secagem das sementes, estas devem ser armazenadas, de preferência, à baixa temperatura (MARTINEZ, 2002). O rendimento dos frutos do nim varia entre 25 e 50 kg por árvore, de acordo com a temperatura, umidade, tipo de solo e genótipo da planta. Normalmente, 50 kg de frutos maduros têm cerca de 30 kg de sementes, as quais produzem em média 6 kg de óleo e 21 kg de pasta. Cada quilograma de sementes secas contém aproximadamente 3.000 unidades (SOARES et al., 2003). Outros tratamentos naturais de controle de pragas e doenças, mas a entidade certificadora deve ser consultada previamente, para o cafezal são as seguintes:
C a p í t u l o I | 171 MARCERADO PARA PRAGAS EM GERAL a) Calda de mamona (Figura 80) •
-Indicações:
•
-Controle de pragas em geral do cafeeiro e pode ser utilizada como adubo foliar.
•
-Ingredientes:
•
-* 80 folhas fresca de mamona;
•
-* 20 litros de água;
•
-Modo de preparo e uso:
Triturar ou macerar as folhas, depois colocar na água e deixar em repouso por doze horas, num local escuro. Depois coar e utilizar, mas dever-se ser armazenada, no máximo 3 dias. Aplicar a calda ou macerado com o pulverizador costal.
Figura 80. Planta de mamona usada como macerado para preparação de bioinseticida.
b) Folhas de angico (Piptadenia colubrina) •
1 kg de folhas de angico picadas;
•
10 litros de água;
•
Passar as folhas com a água no liquidificador e deixar de molho por 8 dias para cura;
•
Coar para evitar o entupimento do pulverizador costal;
•
Usar 5 litros do extrato no pulverizador costal com capacidade de 20 litros;
C a p í t u l o I | 172 Recomenda-se guardar as soluções de bioinseticidas, para cada praga, em depósitos de plástico lacrados para evitar a perda do seu princípio ativo (QUEIROGA et al., 2007; Figura 81).
Figura 81. Preparação dos bioinseticidas para combater as pragas na cultura do café. Foto: Vicente de Paula Queiroga.
c) Produtos à base de cobre Para a utilização dos produtos à base de cobre (óxido cuproso, sulfato tribásico de cobre e hidróxido de cobre), a entidade certificadora deve ser consultada previamente. Era permitido o uso de 8 kg de cobre por hectare/ano até 31/12/2005 e, a partir de 01/01/2006, o limite máximo estabelecido ficou de 6 kg de cobre por hectare/ano. Nota: as indicações de defensivos contidas neste livro não esgotam ou excluem outros produtos e marcas, nem significam a preferência destes por parte dos autores deste trabalho.
C a p í t u l o I | 173 ANÁLISE DOS INDICADORES DE SAÚDE DAS CULTURAS E DE SOLO Os indicadores de saúde das culturas se referem à aparência da cultura, ao nível de incidência de doenças, como tolerância das culturas ao estresse (seca ou outros fatores), ervas daninhas, crescimento das culturas e das raízes, bem como ao rendimento potencial. Observações sobre níveis de diversidade de plantas (número de espécies de árvores de sombra e até ervas daninhas dominantes), diversidade genética (número de variedades de café), são feitas para avaliar o estado da infraestrutura ecológica da plantação de café, acrescentando que uma plantação de café com maior diversidade vegetal e genética, com manejo diversificado, aproveita as sinergias da biodiversidade, possui condições em seu entorno mais favoráveis à sustentabilidade (GUHARAY et al., 2001). No caso do indicador de qualidade do solo, além de observar diretamente sinais de atividade biológica, como presença de invertebrados e minhocas, desenvolvimento do sistema radicular, infiltração do solo, retenção de umidade e incidência de processos erosivos, esses são alguns fatores que determinam a qualidade do solo (GUHARAY et al., 2001). Altieri e Nicholls (2002) mencionam que os valores dos indicadores são mais fáceis de observar no diagrama do tipo "amiba". A Figura 82 mostra as médias encontradas no mês de maio. O estado geral da qualidade do solo ou da saúde do cultivo pode ser visualizado, considerando que quanto mais próxima a "amiba" se aproxima do diâmetro do círculo (valor 10), mais sustentável é o sistema. Como observado no diagrama "amiba", as maiores fraquezas foram obtidas pela testemunha com valores menores que 5, isso indica que as condições devem ser melhoradas para corrigir certos atributos do solo e da cultura no agrossistema. Nesse caso, é necessária a intervenção para corrigir os atributos de qualidade do solo (retenção de umidade, cobertura do solo, atividade biológica e desenvolvimento radicular) e para o indicador de saúde do cultivo é necessário corrigir os atributos (diversidade genética e diversidade vegetal), os atributos mencionados são os que apresentaram médias abaixo do limite.
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Figura 82. Diagrama amiba de comparação de qualidade do solo e saúde do cultivo de café sob condições de irrigação por gotejamento a pleno sol e por micro aspersão sob sombra, em relação à testemunha (testigo em espanhol). Foto: Henry Alberto Duarte Canales (2015).
Durante essa visita, a metodologia proposta por Altieri e Nicholls (2002) foi aplicada aos ensaios avaliados na Fazenda San Dionisio (Nicarágua), dando os valores atribuídos a cada indicador, onde se observa que, no mês de maio, a testemunha obtém uma média de 4 para a qualidade do solo e 3,8 para a saúde do cultivo. O ensaio conduzido com irrigação por gotejamento em pleno sol apresenta médias positivas em relação à qualidade do solo (7,7) e um pouco menor em relação à saúde do cultivo de (6,0) e no ensaio à sombra com a irrigação por microaspersão mostra médias mais altas com (7,9), uma média similar à saúde do cultivo com (7,8), o que indica que o manejo do café à sombra com irrigação por microaspersão representa melhor sustentabilidade. No mês de outubro, foi realizado o segundo diagnóstico de campo, como resultado, observa-se que as médias foram aumentadas para a irrigação por gotejamento em pleno sol para o indicador de qualidade do solo foi de (8,4) o aumento, com média inferior para o indicador saúde do cultivo com (6.0) similar ao obtido no mês de maio; para a testemunha apresenta para a qualidade do solo de (6.9), mas com a mesma tendência para
C a p í t u l o I | 175 irrigação por gotejamento no indicador de qualidade do cultivo com (4.3); e com relação à irrigação por microaspersão à sombra obteve as maiores médias nos dois meses para a qualidade do solo de (8,86) e a saúde do cultivo de (7,8) com um valor menor, mas este experimento é o que apresenta os melhores resultados em comparação aos demais ensaios. Em uma plantação de café, trata-se de aplicar um bom sistema de manejo agronômico para obter bons rendimentos. O problema se apresenta quando a planta está esgotada e se torna improdutiva; consequentemente, o manejo de tecido (poda) constitui o principal trabalho que confere a planta de café uma estrutura robusta e equilibrada que melhora a produção. Para realizar uma poda correta, é preciso levar em consideração que o café tem duas formas de crescimento, uma vertical ou ortotrópica que dá origem ao caule ou tronco e outra horizontal ou plagiotrópica, ou seja, para os lados do tronco, a partir dos quais se formam os ramos primários ou bandolas e, por sua vez, originam ramos secundários e, em seguida, terciários (AMUSCLAM, 2013).
PODA As plantas de café arábica são arbustos monocaules, tolerantes ao sombreamento e podem chegar a até 4 metros de altura (COSTE, 1955), cujos ramos apresentam um dimorfismo relacionado com a direção do seu crescimento. Aqueles que se desenvolvem no sentido vertical são denominados de ortotrópicos enquanto aqueles que tomam a direção horizontal, crescendo lateralmente, são os plagiotrópicos, sendo estes últimos ramos responsáveis pela produção (THOMAZIELLO; PEREIRA, 2008). Um vez que se formam ao longo do ramo ortotrópico, os ramos plagiotrópicos crescem lateralmente em comprimento e número de nós, de onde se originam novas folhas (REIS; CUNHA, 2010). Devido à alternância do ciclo vegetativo e reprodutivo, os cafeeiros são podados com o intuito de revigoramento e aumento de produção (THOMAZIELLO et al., 2000). Sabe-se que a prática da poda auxiliar os parâmetros fisiológicos e é uma forma eficiente de renovação de lavouras, com objetivo de garantir rápidas e vigorosas rebrotas. Desta forma, o manejo de condução das plantas é fundamental para a cultura e a sua eficiência já foi comprovada por diversos autores (JAPIASSU et al., 2010; PEREIRA et al., 2007; QUEIROZ-VOLTAN et al., 2006). Trata-se de uma prática relativamente fácil de ser entendida e executada, porém alguns fatores devem ser observados previamente à sua realização, dentre eles: idade da lavoura
C a p í t u l o I | 176 (plantas velhas não respondem muito bem à prática), genótipo (as cultivares apresentam diferenças no vigor vegetativo), presença de pragas e doenças no sistema radicular (prejudicam a recuperação das plantas), população de plantas, pois em lavouras com muita falha pode ser mais viável o arranquio e a renovação da área (THOMAZIELLO, 2013). A época de realização da poda pode variar em função da região; ciclo produtivo da cultivar; ocorrência de chuvas e geadas; e períodos de estiagem. No entanto, Matiello et al. (2002) sugerem que a época mais apropriada para a execução da poda em cafeeiros compreende entre o término da colheita e o início das chuvas, normalmente entre agosto e setembro. De fato, alguns autores, afirmam que a poda realizada imediatamente após a colheita garante maior produção na próxima safra (FAGUNDES et al., 2007; CUNHA et al., 2008). De acordo com Thomaziello e Pereira (2008), as plantas podadas imediatamente após a safra apresentam maior comprimento e diâmetro do broto, maior diâmetro de saia e maior número de ramos plagiotrópicos do que as plantas cuja poda foi realizada tardiamente.
As podas usuais em cafeeiros são classificadas em dois grupos principais: as podas drásticas e as leves. Nas podas drásticas há eliminação de grande parte da parte aérea das plantas, que levam a morte de grande parte do sistema radicular e reduzem a produtividade das plantas em curto e médio prazo; sendo pertencentes a esse grupo, a recepa e o esqueletamento. Por outro lado, as podas leves são caracterizadas pela eliminação de pequenas porções da parte aérea, sendo enquadrado nesse grupo apenas o decote, no caso do café arábica (MATIELLO et al., 2007). Os principais tipos de poda realizados na Coffea arábica são: a recepa, o decote, o esqueletamento e o desponte, inclusive a poda inclinada utilizada na Colômbia. De acordo com Reis et al. (2010), os tipos de podas são descritos abaixo: A recepa é a mais drástica das podas, também conhecida como poda de renovação e deve ser recomendada apenas quando a lavoura sofrer danos severos (irreversíveis). Pode ser de dois tipos, recepa baixa, também chamada de recepa sem pulmão, em que o corte do ramo ortotrópico é realizado a uma altura de 30 a 40 cm do solo, e a recepa alta ou com pulmão, onde o ramo ortotrópico é cortado a uma altura de 50 a 80 cm do solo e se deixam alguns ramos plagiotrópicos (REIS et al. 2010; Figura 83). Após a recepa, é fundamental a condução das brotações. Deve-se eliminar o excesso de brotos, deixando dois por cepa, dependendo do espaçamento entre plantas.
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Figura 83. Diferentes tipos de poda: A) recepa baixa (sem ramos pulmões); B) recepa alta (com ramos pulmões) e C) Recepa baixa (sem ramos pulmões) com as rebrotas de ramos. Fontes: Boletim Técnico Nº 203, IAC (2008) e FIA (2004).
A recepa se inicia com a eliminação dos ramos e logo com o corte do tronco feito em bisel, para evitar a infliltração de água no tecido e a sua posterior podridão. Uma recepa na altura recomendada pode produzir várias rebrotas (galhos sucadores), portanto, é necessário fazer uma seleção para deixar os melhores ramos, segundo a densidade de população da plantação. Esta seleção deverá ser realizada aos três meses do corte, desde que nem todos os galhos sugadores se deteriorem. Para isso, é aconselhável fazer uma pré-seleção deixando dois ou três a mais da quantidade desejada e um mês depois, se faz a seleção definitiva (máximo 3) que se encontrem na parte média do tronco. O sistema radicular do cafeeiro é abundante, em planta com um bom sistema de manejo, e suas raízes finas localizam-se, em sua maioria, entre 30 e 40 cm de profundidade no solo (Figura 84-A), podendo perder cerca de 70% das raízes absorventes logo após a recepa (Figura 84-B). Isso acontece porque, na ausência total da parte aérea (recepa sem pulmão), o sistema radicular apresenta-se como fonte de carboidratos para sustentar o crescimento e o desenvolvimento da parte-aérea, que passa a funcionar como um dreno extremamente forte. Algum tempo após a poda, esgotam-se as reservas orgânicas e ocorre
C a p í t u l o I | 178 a morte pronunciada de grande parte das raízes absorventes, permanecendo, no entanto, as mais grossas, notadamente aquelas com diâmetro acima de 1,0 cm (ALVES, 2007).
Figura 84. Representação do sistema radicular típico do cafeeiro, no mês de janeiro (A) e depois de três meses após a recepa no mês de agosto (B). (Adaptado de Livramento, Alves, Bartholo e Guimarães. Relatório Embrapa Café).
O decote é um tipo de poda onde se retira a parte superior do cafeeiro, com o objetivo de reduzir a altura e facilitar os tratos culturais e a colheita ou recuperar o terço superior das plantas. Também pode ser de dois tipos: o decote alto (2,0 a 2,2 m) é aplicado para se manter os cafeeiros a uma altura constante; o decote baixo (1,2 a 1,8 m) é aplicado em lavouras onde se faz necessária a recomposição da parte superior dos cafeeiros (Figura 85).
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Figura 85. Dois tipos de poda de decote: Decote alto (C) e Decote baixo (D). Fonte: Boletim Técnico Nº 203, IAC, 2008.
O esqueletamento também e uma poda drástica e consiste na associação de um decote alto (1,6 a 2,0 m) com o corte acentuado dos ramos produtivos. O corte dos ramos laterais primários deve ser realizado de maneira que a planta fique com uma forma aproximadamente cônica, em que os ramos superiores são cortados a uma distância de 20 a 30 cm do tronco e os inferiores, de 40 a 50 cm do tronco (Figura 86). Logo após uma safra elevada, faz-se uma poda na lavoura (esqueletamento), onde são cortados os ramos plagiotrópicos a uma distância de 30 a 40 cm do ramo ortotrópico, havendo então a emissão de brotações novas que somente produzirão frutos após dois anos. Nesse período o cafeicultor estimula ao máximo o crescimento destes ramos novos, a fim de obter a maior produtividade possível nesta primeira safra, mantendo assim boas produtividades médias, mesmo sem colheita em anos alternados.
Figura 86. (E) Esqueletamento e (F) brotação após esqueletamento. Fonte: Boletim Técnico Nº 203, IAC, 2008 e Martinez et al., 2007.
C a p í t u l o I | 180 Também nesse tipo de poda, podem-se deixar o esqueleto da planta (ramos podados) e alguns ramos da “saia” (completos ou sem poda) que funcionam como ramos-pulmão (B). Quando a planta está muito alta, recomenda-se fazer o corte do ramo. O desponte consiste no corte das extremidades dos ramos produtivos, deixando cerca de 50 cm de distancia do tronco, na parte superior, e 90 cm na base do cafeeiro. Trata-se de um esqueletamento leve que pode ser realizado sem decote, principalmente em cultivares de porte baixo. A poda de formação ou inclinação é um método para aumentar a área foliar induzindo a formação de vários eixos verticais, especialmente quando resulta apropriado, quando se tem baixa população de plantas por hectare e se deseja aumentar a produção. Essa prática é realizada quando tem uma planta de caule único, e consiste em inclinar ou encurvar a planta em um ângulo de 45 graus em relação ao solo, no qual se introduz um gancho que manterá a planta inclinada, evitando que ela volte à sua posição original (Figura 87). Essa inclinação é realizada entre quatro e seis meses após o transplante ao campo e a poda seletiva (galhos) com o corte da porção remanescente do caule primário, seis meses depois.
Figura 87. Poda de formação ou inclinação realizada no cafeeiro. Fuente. Guia prática de café com sombra de Maderables. FHIA (2004).
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Capítulo II
MATURAÇÃO, COLHEITA, BENEFICIAMENTO E ARMAZENAMENTO DO CAFÉ
Vicente de Paula Queiroga Josivanda Palmeira Gomes Bruno Adelino de Melo Esther Maria Barros de Albuquerque Eduardo Gonçalves de Oliveira (Editores Técnicos)
C a p í t u l o I I | 182 PRÉ-COLHEITA Os cuidados e as técnicas utilizadas para se produzir um café de qualidade superior, desde as fases de pré como a de pós-colheita, são indispensáveis ao cafeicultor na produção orgânica. Ou seja, para aprimorar a qualidade do produto é preciso conhecer as técnicas e o manejo correto na colheita e no pós-colheita. Essas informações são importantes para obter cafés especiais, com qualificação acima dos 84 pontos na escala da Associação Americana de Cafés Especiais (SCAA). A produção de café arábica de alta qualidade precede de três fatores principais: recursos genéticos, condições ambientais e manejo. Neste último, embora não seja uma condição sine qua non, a produção de café orgânico certificado e especialmente cafés gourmet são frequentemente associados a várias formas de manejo de sombra promovida por árvores em sistema biodiverso (BOLSSEMANN et al. 2009). Estudando a qualidade de frutos de café arábica, Geromel et al. (2008) confirmaram a importância do regime de luz no controle das características do grão formado. Foi demonstrado que a sombra retardou o desenvolvimento e a maturação do fruto em ao menos um mês, sem afetar o peso do fruto. Nos tecidos que constituem o fruto observaram que a sombra reduziu o pericarpo, mas aumentou o endosperma levando ao aumento de cerca de 10% no peso e no volume do grão. Outro aspecto importante no estudo de Geromel et al. (2008), reporta-se a importância da atividade fotossintética do fruto no estágio verde, contribuindo para suprir o endosperma. Assim, o retardo na maturação proporcionado pelo sombreamento favorece o enchimento do grão. Por outro lado, a rapidez na operação de colheita é muito importante porque a deterioração dos frutos ocorre em função da temperatura, umidade relativa do ar e tempo de exposição. Essa deterioração é causada por contaminações microbiológicas na polpa e mucilagem, que contêm alto teor de umidade (80-90%) e alta concentração de açúcares (20%), tornando-as, por isso, um excelente substrato para o desenvolvimento de fungos, que induzem a fermentações indesejáveis, com a formação de sabores e aromas desagradáveis, que irão interferir na qualidade da bebida.
Maturação ou ponto de colheita: O tempo de maturação do fruto de café é um aspecto importante para conferir qualidade final ao grão torrado (MONTAVON et al. 2003). Vaast et al. (2006) e Geromel et al. (2008) observaram retardo no processo de maturação do café arábica em condições de sombra. A exposição direta ao sol força a maturação dos
C a p í t u l o I I | 183 frutos e adianta o pico de colheita em um mês comparado ao café sombreado. A maturação mais lenta do café cultivado sob sombra tem sido proposta como uma das razões que condicionam diferenças na qualidade da bebida em relação ao sistema de produção em pleno sol (VAAST et al. 2006). De maneira geral, cafés cultivados em altitudes elevadas demandam um maior período de tempo para amadurecer do que os cultivados em baixas altitudes. Esse fator pode atuar no desenvolvimento do fruto, proporcionando assim, maior tamanho e densidade destes. Maiores períodos de maturação, e consequentemente maiores tamanhos de frutos, tem sido observados em plantas cultivadas em elevadas altitudes ou em condições de sombra (MUSCHLER, 2001; GUYOT et al. 1996). Observando o período de desenvolvimento do fruto do cafeeiro arábica, Laviola et al. (2007b) verificaram que na altitude de 720 m, foi necessário 211 dias para completa formação e maturação dos frutos, enquanto na altitude de 950 m, houve um aumento para 262 dias. Desde a sua formação que ocorre com o vingamento da flor até a completa maturação, o fruto de café passa por diversas fases, cada uma delas de importância decisiva na obtenção de cerejas sadias e graúdas. No princípio, os frutos chumbinhos, permanecem no estágio de dormência durante aproximadamente seis semanas. O déficit hídrico, a deficiência nutricional, a incidência de doenças podem ocasionar a queda prematura dos chumbinhos. Segue-se um período de crescimento rápido (expansão), prosseguindo até o fruto verde atingir seu tamanho final, caracterizado pelo endurecimento do endocarpo (pergaminho). Inicia-se, então, a formação do endosperma ou semente, a princípio de aspecto leitoso. Neste estádio, o crescimento é interrompido por certo período, no qual ocorre o endurecimento do endosperma, etapa conhecida como granação. Nesta fase, também, a formação do fruto pode ser prejudicada por estiagens prolongadas, temperatura elevada, deficiência nutricional, com aparecimento de frutos chochos e mal granados (MESQUITA et al, 2016). Após a granação, a cor verde intenso do fruto passa para o verde- -cana, evoluindo para o vermelho ou amarelo, conforme a cultivar (Figura 88). Há um aumento da síntese de açúcares, com alterações nos ácidos e compostos fenólicos responsáveis pela adstringência do fruto verde. Os constituintes químicos atingem teores que conferem características peculiares de maturação completa, destacando-se a presença da
C a p í t u l o I I | 184 mucilagem, que é um hidrogel solúvel e coloidal, parte integrante do fruto, composta de 85% de água e 15% de sólidos (MESQUITA et al, 2016).
Figura 88. Fases de maturação do fruto. Fotos: Carlos Magno de Mesquita et al. (2016).
O fruto maduro do café tem, de fora para dentro, a casca (epicarpo ou exocarpo), a polpa (mesocarpo) e o pergaminho (endocarpo). A semente (endosperma) é contida no pergaminho e ainda envolta pela película prateada (espermoderma; Figura 89). Portanto, tudo que se encontra entre a casca e o pergaminho é polpa e, nesse caso, mucilagem ou goma é parte da polpa. Após a maturação, inicia-se a senescência do fruto e a seca gradativa da mucilagem. Neste período, podem ocorrer infecções microbianas influenciadas principalmente pela umidade relativa do ar, tanto em frutos na planta, tanto naqueles já caídos, que constituem a parcela denominada varrição (MESQUITA et al, 2016).
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Figura 89. Morfologia do fruto maduro de café e a evolução dos estágios de desenvolvimento do fruto. Fotos: Carlos Magno de Mesquita et al. (2016); Expresso Coffea.
O fruto de café quando maduro, assim como outros frutos tipo baga, apresenta elevado teor de açúcares. Esses carboidratos encontrados no grão de café são importantes componentes que condicionam o sabor do café. Assim, quanto maior o teor de açúcares no grão não torrado mais intenso é o sabor do café, e o maior teor de sacarose em grãos não torrados de café arábica explica parcialmente melhor a qualidade de bebida (KY et
C a p í t u l o I I | 186 al. 2000). No entanto, além dos açúcares, gorduras e cafeína são importantes na promoção da qualidade do café (SOMPORN et al. 2012). Em estudo envolvendo sombra controlada artificialmente e o uso de árvores de Lichia (Lichia chinensis) o teor de açúcares foi maior do que em sistema pleno sol, e a frutose foi encontrada em maior proporção. A atividade de antioxidantes neste estudo apontou maior atividade para o sistema com 60% de bloqueio da luz solar e no tratamento sob sombreamento por Lichia. Dos ácidos fenólicos encontrados, o ácido clorogênico foi o mais abundante e seu teor aumentou com o sombreamento (SOMPORN et al. 2012). O fruto do cafeeiro pode ser considerado climatérico por apresentar uma fase de maturação caracterizada fisiologicamente pela elevação da atividade respiratória, após sua queda no final no período de crescimento (PEREIRA et al., 2005). No período de maturação, essa elevação da respiração que se estende por vários dias após o crescimento do fruto é chamada de climatério respiratório. Nesse processo, ocorrem as trocas fisiológicas da maturação, mudanças de cor, sabor, aroma e amolecimento do fruto, ou seja, a mudança do fruto verde para maduro (TAIZ; ZEIGER, 2004). Na maturação, a elevação da atividade respiratória (climatério respiratório) acontece conjuntamente ou logo após a elevação da síntese de etileno, composto que atua como “gatilho” do climatério respiratório. O aumento da atividade ACC (ácido 1-carboxílico1-aminociclopropano) oxidase, levando à elevação na concentração do etileno endógeno, acelera a maturação, incrementando a respiração e a síntese de enzimas ligadas à cor, sabor, aromas e amolecimento (TAIZ, ZEIGER, 2004). Logo, como uma das consequências da maturação, verifica-se o desverdecimento dos frutos, que se caracteriza por diminuição da clorofila, aumento de carotenoides, elevação de antocianinas e de antocianidinas. Estas mudanças acontecem por ação da chalcona sintetase, outra enzima chave ativada por ação do etileno, que origina a síntese das antocianinas e antocianidinas, flavonoides, que darão a cor vermelha aos frutos. Ao mesmo tempo o etileno também ativa a PPO (polifenoloxidase), que reduz a a concentração de ácidos fenólicos, quando em altas concentrações, melhorando assim o sabor. Por outro lado, o uso do refratrômetro ou brixômetro para estimar o ponto ideal de colheita tem se tornado a cada dia mais popular para a cafeicultura. Isso é feito por meio da leitura dos valores de sólidos solúveis (brix) do suco obtido pela compressão manual dos frutos em maturação (Figura 90).
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Figura 90. Refratômetro usado para medir o grau brix na polpa do fruto de café. Foto: Emanuelle Araújo (2020).
O teor de sólidos solúveis representa o conteúdo de açúcares, principalmente glicose, frutose e sacarose, ácidos orgânicos e outros constituintes menores. A estimativa desses teores, por meio do brixômetro, pode ser interessante para a predição da qualidade de bebida do café, uma vez que os açúcares reagem durante a torra sendo responsáveis pela cor marrom e características desejáveis de sabor e aroma (ALVES, 2020). Ou seja, a leitura do brix seria uma maneira indireta de estimar o que se passa no interior do fruto. Outra hipótese é a da existência de um gatilho comum que influencia, ao mesmo tempo, a constituição da polpa e da semente do café. Mesmo assim, o uso do brix na cafeicultura ainda tem muitas incógnitas e ajustes de protocolo. A bebida do café tem origem nos grãos e isso torna a relação entre a qualidade e os valores de brix restritos; principalmente quando comparado, por exemplo, às culturas agronômicas como a uva, cana de açúcar e citrus, cujos produtos finais têm origem no suco da polpa ou colmo. De forma geral, os valores de brix para o café variam de 15 a 30 graus. Entretanto, os valores de referência para a qualidade ainda não estão devidamente definidos, são inúmeros os fatores de influência nas características químicas, físicas e sensoriais do café. Mas, tem-se observado para cafés especiais, valores acima de 22 graus brix (ALVES, 2020). É a partir deste teor elevado que se identificam os frutos de maior qualidade, que darão origem a lotes especiais, com maior valor agregado.
C a p í t u l o I I | 188 Colheita: O fruto do cafeeiro é uma dupla contendo normalmente dois lóculos e duas sementes plano-convexas, conhecidas como grãos do tipo chato (KRUG et al., 1938). Tem um papel determinante, no rendimento da produção e na qualidade final do produto, a forma de colheita dos seus frutos. São dois tipos de colheita de café empregados no cultivo tradicional e que podem ser utilizados no cultivo orgânico. O primeiro tipo se refere à colheita a dedo, que é uma colheita seletiva em que se colhem somente os frutos maduros de café (cereja) por cada ramo (Figuras 91, 92 e 93), mas tal técnica é também utilizada para a produção de sementes. Esse tipo de colheita é pouco utilizado no Brasil e tem como desvantagem por demandar a necessidade frequente de mão de obra e tempo de execução, pois essa ocorre completamente em 10 a 16 passadas do trabalhador em uma mesma lavoura, ao ano (SANTOS JUNIOR, 2016).
Figura 91. Colheita seletiva ou a dedo dos frutos maduros de café em estágio de cereja. Foto: Nahum Mairena.
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Figura 92. Balaio utilizado na colheita seletiva (colheita a dedo) dos frutos cerejas do cafeeiro sombreado da cv. Typica na fazenda Várzea da Onça em Taquaritinga do Norte, PE. Foto: Eduardo Gonçalves de Oliveira (2019).
Figura 93. Frutos maduros (cerejas) de café colhidos manualmente da cultivar Typica. Foto: Eduardo Gonçalves de Oliveira (2019).
Outro aspecto importante a ser considerado, é que o sombreamento desuniformiza a maturação do grão, provocada pelas várias floradas ocorridas em diferentes épocas, permitindo a catação manual somente de grãos 'cereja', contribuindo assim para a qualidade do produto. Este fato foi relatado por Matiello e Coelho (1999) que observaram que o sombreamento retardou a maturação dos frutos do cafeeiro, permanecendo os
C a p í t u l o I I | 190 mesmos por mais tempo, no estágio 'cereja'. Esse desenvolvimento lento e mais completo verificado ao longo do estádio de maduração dos frutos de cafeeiros sombreados permitiu registrar várias tonalidades de cores, as quais estão apresentadas na Figura 94.
Figura 94. Estágios de desenvolvimento do fruto de café registados no cafezal sombreado para as condições climáticas da fazenda Várzea da Onça em Taquaritinga Norte, PE. Fonte: AQUIA, 2019.
Vale frisar que a colheita de frutos maduros é um fator que determina o potencial de qualidade do café, pois durante a maturação do grão ocorrem transformações muito importantes, dentre as quais se podem mencionar: a) degradação da clorofila e síntese de pigmentos (carotenoides, antocianinas), b) diminuição da adstringência por redução de compostos fenólicos; c) aumento dos compostos responsáveis pelo aroma. Isso significa que apenas os frutos que alcançam a plena maturidade chegam a seu ponto ótimo de qualidade e que todos os processos subsequentes contribuem apenas para preservá-lo (SANTOYO et al. 1996). Além disso, as cerejas muito maduras de cor avermelhado vinho (amadurecidas) produzem uma bebida afrutada e inclusive com sabor a levedura ou vinhoso. As cerejas pretas secas no cafeeiro produzem uma bebida com sabor de madeira (WINTGENS, 1992). Segundo Puerta (2000 a b), as misturas de frutas maduras com teores superiores a 2,5% de frutas verdes produzem uma deterioração na qualidade da bebida e no rendimento do café. As cerejas verdes (verde ou verde-cana) produzem um grão descolorido e uma bebida com sabor e cheiro semelhantes a fermento. Um segundo tipo é a colheita por derriça manual (café sombreado), em que todos os frutos, em diferentes graus de maturação, são derriçados em panos ou outros recipientes (peneiras), com a finalidade de evitar o contato com o chão (Figura 95). Dessa forma, colhem-se separadamente os frutos que secaram na planta e os que caíram no chão, por estes estarem contaminados com microrganismos, evitando-se, assim, a mistura com aquele café colhido no pano. A derriça deve ser feita em movimentos contínuos penteando
C a p í t u l o I I | 191 os ramos, sempre que possível de cima para baixo, minimizando danos ao cafeeiro (CHAGAS et al., 2002).
Figura 95. Derriçadeira SP-20 manual usada na colheita do café de forma não seletiva. Foto: Stihl.
A colheita sobre o pano é preferível à colheita no chão, uma vez que evita o contato dos frutos com o solo e a mistura dos frutos recém-colhidos com os frutos de varrição, já em estado de deterioração, melhorando assim os aspectos higiênico-sanitários da produção do café. Ou seja, a derriçadeira diretamente no chão não é recomendável, pois pode aumentar os custos e diminuir a qualidade, ficando comum a obtenção de vários estágios de maturação dos frutos, tais como frutos verdes, maduros ou cereja, supermaduros ou passas e frutos secos, além de obter como impurezas folhas, ramos, terra, paus e pedras (BORÉM, 2008). É importante saber que quando essa colheita é feita mais cedo haverá predominância de frutos verdes e quando é feita tardiamente, ocorrerá grande quantidade de frutos secos. O ideal seria iniciar a colheita com o menor percentual possível de frutos verdes (no máximo 10%), porque a presença deles gera um dos piores defeitos do café, que além de depreciar a bebida, provoca perda de peso do produto obtido (CHAGAS et al, 2002). Alguns cuidados, independentemente do método de derriça dos frutos da árvore, devem ser observados para a obtenção de um produto de qualidade e para que a lavoura mantenha-se com uma boa produtividade: evitar o contato do fruto com o solo (no momento da derriça, colocar um pano ou lona cobrindo a área); fiscalizar bem, para evitar o excessivo arranquio de folhas ou quebra dos ramos e a permanência de frutos nas
C a p í t u l o I I | 192 arvores; proceder ao repasse, ou seja, coletar os frutos remanescentes na árvore e no solo após a colheita, melhorando o rendimento e evitando a desinfestação por broca; sempre transportar o café para o terreiro no mesmo dia da colheita e lavá-lo e esparramá-lo, não o deixando no pano ou no solo, amontoado ou ensacado, pois isso facilita as ocorrências de fermentações, evitando assim o superaquecimento que é detrator da qualidade do café (ANGÉLICO, 2008). Ao proceder à colheita em época inadequada por derriça dos frutos de café no pano, é comum suceder em Lavras, MG que um grande número de cafeicultores fique com pouco espaço no terreiro, número insuficiente de secadores, dificuldades no transporte dos frutos colhidos da lavoura para o local de secagem, ocorrência de chuvas na colheita, o que faz com que esses frutos permaneçam amontoados ou ensacados à espera da secagem, por vários dias (PIMENTA, 2001). As regiões que apresentam altos teores de umidade relativa do ar, prolongada nos períodos de pré-colheita, na colheita e secagem no terreiro, estão mais sujeitas a bebidas de pior qualidade (ocorrência de deteriorações) e com maior incidência de defeitos no café (CAMARGO et al., 1992).
PÓS-COLHEITA O café orgânico pode ser processado da mesma maneira que no sistema tradicional ou convencional, ressaltando-se os cuidados inerentes a este método de cultivo. O preparo do café no Brasil é feito basicamente por dois processos que se denominam via seca e via úmida (Figura 96) (CLARKE; MACRAE, 1985).
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Figura 96. Operações para obtenção dos grãos de café: via seca e via úmida. Fonte: Clarke e Macrae, 1985.
Via seca: Este processo consiste na derriça de frutos da planta que são levados diretamente para a secagem em terreiro ou secador, podendo antes passar pelo lavador, com todas as suas partes constituintes. O produto seco obtido recebe a denominação café em coco. Por via seca, os frutos são espalhados ao sol por três a quatro semanas e rastelados de vez em quando para serem revolvidos, a fim de garantir uma secagem uniforme. Durante esse período ocorrem fermentações naturais por microrganismos, à polpa ou mucilagem é degradada e o exocarpo torna-se quebradiço (café “coco”), permitindo separar os grãos da casca através da passagem dos mesmos por peneiras vibratórias e ventilação. A rapidez na operação de colheita é muito importante porque a deterioração dos frutos ocorre em função da temperatura, umidade relativa do ar e tempo de exposição. Essa deterioração é causada por contaminações microbiológicas na polpa e mucilagem, que contêm alto teor de umidade (80-90%) e alta concentração de açúcares (20%), tornandoas, por isso, um excelente substrato para o desenvolvimento de fungos, que induzem a
C a p í t u l o I I | 194 fermentações indesejáveis, com a formação de sabores e aromas desagradáveis, que irão interferir na qualidade da bebida (CHAGAS et al, 2002) Recomenda-se que a secagem do café em terreiros ou secadores deve ser iniciada imediatamente após a colheita, a fim de que seja eliminada rapidamente a alta umidade da casca, polpa ou mucilagem, e evitadas fermentações que possam prejudicar a qualidade do café. Na fase inicial da secagem (alta umidade), não se recomendam camadas grossas ou eleiramento para evitar essas fermentações. No final dessa secagem, o teor de umidade dos grãos deve estar entre 10,5 e 11,5%. Acima de 12%, os grãos correm risco de deteriorações, principalmente por microrganismo e abaixo de 10% o café permanece mais tempo ocupando mão-de-obra, espaço no terreiro, além da perda de peso e quebra de grãos no beneficiamento (VILELA; PEREIRA, 1998). O processo por via seca predomina na cafeicultura brasileira e proporciona bebida mais encorpada e menos ácida, devido à migração dos açúcares da polpa para o grão durante a secagem, porém considerada de qualidade inferior à obtida por via úmida (MACHADO, 2002). Via úmida: Este processo é obtido por meio do despolpamento dos frutos, recebendo esse nome por necessitar de grande quantidade de água. Neste utiliza-se somente o fruto no estágio cereja, colhido a dedo ou separado no lavador, quando a colheita é feita por derriça (VILELA; PEREIRA, 1998). O café após ser colhido é transportado em tempo hábil (máximo de 4 horas) para a unidade de processamento, onde os frutos de café são pesados e colocados na unidade de limpeza. A recepção do café deve ser realizada preferencialmente em moegas, que podem ser construídas em chapa metálica ou alvenaria, sendo que estas devem estar localizadas acima do lavador com uma inclinação que favoreça a movimentação dos frutos por gravidade, o que dispensa o uso de transportadores mecânicos e mão de obra. Nesta primeira etapa de limpeza, são eliminadas folhas, gravetos e outras impurezas que porventura estejam junto aos frutos do café (Figura 97).
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Figura 97. Primeira etapa de limpeza para a remoção de folhas, galhos e outras impurezas. Foto: Eduardo Gonçalves de Oliveira (2019). Após o primeiro processo de limpeza, os frutos são colocados na unidade de lavagem ou segunda unidade de limpeza, com o objetivo principal de eliminar pedras e terra. A presença de terra prejudica a qualidade e a eficiência da secagem, e as pedras danificam os equipamentos (OLIVEIRA, 2019). As cerejas são lavadas em água corrente e despolpadas mecanicamente (Figura 98) ou biologicamente, quando os grãos são imersos em água por até 36 horas e fermentados naturalmente. Posteriormente são lavados e secos ao sol. Essa metodologia é mais cara e requer grandes volumes de água, no entanto origina bebida de melhor qualidade (PETTIGREW, 1999).
Figura 98. Unidades de lavagem e de beneficiamento mecânico (despolpamento). Foto: Eduardo Gonçalves de Oliveira (2019).
C a p í t u l o I I | 196 No preparo do café orgânico por via úmida, devem-se receber os cafés maduros, semisecos ou passas, ou secos, separá-los no lavador, através do fluxo de água, e procurar fazer o despolpamento a seco, reduzindo-se desta forma o volume de águas residuárias. O transporte dos frutos maduros ao despolpador, e da polpa até o local de descarga, deve ser feito através de parafuso sem fim, evitando-se o contato com a água. A água utilizada no lavador, na classificação dos frutos e no despolpamento deve ser reaproveitada, instalando-se bombas para fazer a recirculação nos equipamentos, quando então será lançada nos tanques de decantação. Realizando-se esta operação eficientemente, consegue-se uma economia de até 90% da água utilizada e também da água residuária, que é o maior problema deste processo, por causar efeitos drásticos ao ambiente (CHAGAS et al, 2002). Antes de iniciar as atividades, recomenda-se limpar e revisar os equipamentos, a fim de evitar perdas na qualidade do café. O despolpamento do café maduro deve ser realizado nas primeiras quatro a cinco horas depois de colhido ou recebido. Após esse tempo, correse o risco de iniciar o processo fermentativo dos frutos, prejudicando a qualidade.
Lavagem e separação: Este método consiste na lavagem das cerejas de café recém colhidas com água, para retirar as impurezas. Essa separação dos lotes durante a lavagem é efetuada pela diferença de densidade, sendo que as pedras e a terra vão para o fundo, enquanto os frutos secos, mal granados, chochos ou atacados por broca ficam na superfície da água (originando a especificação “boia”), enquanto o café mais úmido e pesado (cereja e verde) também afunda, mas pela ação do fluxo corrente de água ele é separado das outras impurezas (MATIELLO et al., 2002; Figura 99).
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Figura 99. Lavagem e separação do café no lavador. Foto: Marcelo Ribeiro Malta (2011).
A continuação, o café deve passar pelo lavador ou separador hidráulico que promove a separação de acordo com o estágio de maturação dos frutos que apresentam diferentes densidades. Assim como no beneficiamento pela via seca, também neste caso os frutos maduros afundam, ficando somente as 'boias' e as 'passas' na superfície, que serão processadas separadamente.
Despolpamento: Essa separação é feita em máquinas denominadas despolpadores, constituindo-se basicamente de uma moenga, um cilindro de ferro, recoberto por uma chapa de cobre com mamilos, e um encosto de borracha ou ferro regulável por parafusos, que vão determinar a distância entre o cilindro e o encosto, de acordo com o tamanho dos frutos (pequenos, médios e grandes) a serem despolpados. Os frutos cerejas são colocados na moenga e submetidos à pressão entre o cilindro e o encosto de borracha, já devidamente regulado para operar com determinado tamanho de fruto. Os frutos de café ao passarem entre as duas peças (cilindro e encosto) perdem a casca que sai de um lado, enquanto os grãos de café envolvidos no pergaminho
C a p í t u l o I I | 198 (endocarpo) e mucilagem (mesocarpo) saem do outro lado. Esta operação se baseia na diferença de resistência à pressão dos frutos maduros e verdes. Os frutos cerejas são macios e ricos em mucilagem, sendo facilmente descascados, enquanto os verdes pela sua rigidez permanecem íntegros e são separados. Para um bom desempenho nesta operação, independentemente do equipamento utilizado, fabricantes recomendam que o volume de verde não ultrapasse 20% do volume de carga total (BORÉM, 2008; PALINI; ALVES, 2010; PINHALENSA, 2010). A maioria dos equipamentos para preparo via úmida disponíveis no mercado conta com um sistema de separação de frutos imaturos para que estes não sejam descascados ou danificados e misturados aos frutos cereja (Figuras 100 e 101). A separação normalmente é realizada por um processo de pressão entre um rotor envolvido por uma grade separadora-descascadora, cujas perfurações variam conforme a granulometria do café a ser processado. Os grãos descascados e as cascas vazam pela grade, enquanto os frutos verdes ficam retidos na mesma grade por terem a casca rígida aderida aos grãos, sendo conduzidos para a extremidade do rotor e coletados por uma tubulação (PALINI; ALVES, 2010; PINHALENSA, 2010).
Figura 100. Maquinário separador de cerejas descascados (CD) dos frutos verdes e verdoengos. Fotos: Jochen Weber; Silva (2001).
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Figura 101. Separação do café em categorias, CD - cereja descascado (A), verde (B) e boia (C). Foto: Eduardo Gonçalves de Oliveira (2019).
Esse processo é feito acrescentando-se água para facilitar o despolpamento. Os despolpadores devem ser muito bem regulados para evitar que ocorram ferimentos no grão (muito apertado), ou passem frutos sem despolpar (muito solto). A utilização do despolpador deve ser feita apenas com cafés "cerejas", mas ocasionalmente, costuma-se colocar cafés que já passaram do estágio ideal para maturação de molho em água para depois serem despolpados. No caso do descascamento dos frutos verde-cana, aumenta-se a pressão no descascador, fazendo com que os frutos de rigidez média e com pouca mucilagem sejam descascados, sendo destacados do lote apenas os frutos mais verdes, de alta rigidez. Depois que os grãos são removidos dos frutos, por um dos dois métodos, ainda resta uma película muita fina que também deve secar para que os mesmos possam ser armazenados. Os grãos são espalhados ao sol durante cerca de 14 dias ou depositados em bandejas e secos artificialmente para a obtenção do “café pergaminho” (secador solar ou estufa).
C a p í t u l o I I | 200 Esse pode ser estocado por até um ano em sacos de juta ou outra fibra natural, desde que sejam mantidas as condições adequadas de temperatura e umidade relativa do ar.
Desmucilagem ou retirada da mucilagem: O mesocarpo do fruto também conhecido como mucilagem ou goma é a substância açucarada abundante sobre o endosperma ou que tende a dificultar o revolvimento dos grãos durante a secagem e propiciar fermentações indesejáveis. A operação de degomagem é feita com a finalidade de separar a goma açucarada do pergaminho. A degomagem pode ser através dos seguintes métodos: o método natural ou biológico, por fermentação e o método mecânico, utilizando o equipamento chamado desmucilador (PIMENTA, 2003). Para facilitar o manuseio, devese passar o descascado pelo desmucilador mecânico, para remover parte da mucilagem. Depois de uma secagem correta, os grãos de café, protegidos apenas pelo pergaminho e pela camada prateada, recebem a denominação de “CD” ou “Cereja Descascado”; esse café quando degustado, apresenta sabor e aroma natural. Outro tipo, denominado “café despolpado” ou “lavado”, passa, depois de descascado, por uma desmucilagem total em um sistema de fermentação e lavagem ou direto para a secagem. A desmucilagem natural por fermentação também conhecida como degomagem é realizada em tanques de alvenaria, normalmente estreitos e compridos (Figura 102), que podem ser construídos ao lado do descascador dos frutos cerejas. É o método mais utilizado no Brasil. Essa degomagem é feita em tanques especiais onde os cafés recém despolpados vãos sofrer uma fermentação natural na qual os microorganismos existentes no meio ambiente é que vão destruir a goma açucarada que envolve o pergaminho. Durante o processo, a fermentação rápida dos açúcares da mucilagem, irá provocar uma elevação na temperatura, reduzindo a goma açucarada a películas facilmente elimináveis com a lavagem. Essa fermentação não deve ser muito prolongada para não comprometer a qualidade do café. Além disso, é sabido que durante as fermentações há perda no peso do café pela oxidação do material orgânico, sólido, o que é proporcional ao tempo de fermentação. Após o período de fermentação de aproximadamente 36-48 horas, os grãos são lavados para eliminação de resíduos de mucilagem aderida ao pergaminho. Nesta etapa, recomenda-se utilizar o mínimo de água, que deve ser limpa e sem cloro, para evitar contaminações. O ponto para o término da degomagem é reconhecido pelo ruído característico quando os grãos colocados entre os dedos são esfregados. Para acelerar o processo de fermentação, os tanques podem ser cobertos com uma lona escura, de modo a elevar e conservar a temperatura (MATIELLO et al., 2002).
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Figura 102. Desmucilagem biológica: (a) tanque de fermentação e (b) canais de lavagem. Fotos: Alessandro Ramos e Silva et al. (2013).
No despolpamento, pode-se também fazer uso de desmuciladores e, neste processo, não se faz uso de água. É o menos aconselhável, pois além de não tirar completamente a mucilagem, não raro, ocasiona lesões no pergaminho, prejudicando a qualidade do despolpado obtido.
De outra forma, o café segue para os tanques de degomagem e é lavado para retirar os resíduos de mucilagem ou o mesmo vai direto para o processo de secagem em estufa (terreiro). O café orgânico degomado, recém-lavado, é levado ao terreiro para secar preferencialmente em estufa. Atualmente, a desmucilagem mecânica tem sido largamente utilizada pelos cafeicultores (Figura 103). Isso se deve principalmente ao equipamento desmucilador ocupar pouco espaço, além de economizar tempo e mão-de-obra, trabalhando em linha com o descascador, permitindo a finalização de todo o processo sem a necessidade de descanso (MATIELLO et al., 2002).
Figura 103. Desmucilagem mecânica: (a) vista geral do desmucilador, (b) detalhe cilindro e do eixo, (c) cilindro separador sem a carenagem de proteção e d) detalhes da saída da mucilagem. Foto: Silva et al. (2013).
C a p í t u l o I I | 202 Unidade residuária: Em algumas unidades de processamento, a água residuária é bombeada do tanque de decantação (Figura 104) para a caixa de reúso. O SLAR (Sistema de limpeza da água residuária), desenvolvido pela Embrapa Café, Epamig e o Incaper, é constituído por três caixas de decantação/flotação e duas peneiras filtros. As caixas retêm os resíduos mais densos que a água, por decantação, e os menos densos, por flotação. Os resíduos com potencial para obstruir os esguichos do cilindro do descascador carreados para fora da terceira caixa são retidos nas peneiras-filtros do SLAR. Outra opção para o SLAR e que pode ser construído com componentes metálicos (aço inox, preferencialmente) é ilustrado pela Figura 20.
Figura 104. Detalhes do SLAR que pode ser construído com componentes metálicos e tanques de pláticos. Fotos: Silva et al. (2013).
Durante o descascamento dos frutos cerejas, grande quantidade de água é utilizada, resultando em elevado potencial poluidor. Entretanto, algumas empresas já oferecem equipamentos com menor consumo de água, que minimizam os impactos desta operação. A empresa Palini & Alves lançou o Despolpador EcoZero, o único do mercado que não utiliza água para a despolpa do café e para atender o sistema via úmida (Figura 105). Além de ser ecologicamente correto, o novo processo não gera água residuária no póscolheita, possui grande facilidade de operação e é ajustável a diversos tipos de estágios de maturação dos cafés, inclusive fornece diversas possibilidades para melhorar o rendimento e a qualidade no pós-colheita.
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Figura 105. Destaque do despolpador EcoZero do café que dispensa o uso de água no processo. Foto: Arquivo da empresa Palini & Alves. Secagem: A secagem é uma das etapas mais importantes durante o processo de pós – colheita. Após a separação do café por categoria, o cereja descascado (CD) é levado para a estufa de secagem (Figura 106A) ainda com parte da mucilagem para a obtenção do chamado honey coffee, (Figura 106B) o que, segundo Silva et al. (2013), confere um sabor mais adocicado ao produto. O CD, boia e verdes são depositados no cimentado cada qual no local destinado à sua categoria e mexido com rodo de madeira várias vezes ao dia (Figura 106C), promovendo a evaporação da umidade acumulada na eira e facilitando o processo de secagem do CD.
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Figura 106. Estufa de secagem dos grãos de café (A), secagem dos grãos de café cereja descascado em estufa (B), revolvimento do café com rodo de madeira (C), terreiro suspenso em ambiente protegido (D). Fazenda Várzea da Onça em Taquaritinga do Norte, PE. Foto: Eduardo Gonçalves de Oliveira (2019).
O terreiro em ambiente protegido é importante para uma perda de umidade inicial rápida, que evite fermentação e desenvolvimento de microrganismos. Iniciou com apenas material em plástico transparente, tornando o ambiente interno superaquecido e secando o café rapidamente, no entanto entendeu-se que uma secagem lenta proporcionava uma melhor fixação dos açúcares da mucilagem no grão e para prolongar um pouco mais esse processo utilizou-se uma camada de sombrite 50%, sob o plástico, absorvendo e impedindo a passagem de parte da radiação (OLIVEIRA, 2019). Dependendo das condições climáticas o café leva de duas a quatro semanas na estufa de secagem até atingir umidade relativa de 11% quando é encaminhado para a tulha de armazenamento. Também existe o terreiro suspenso (Figuras 107 e 106D) que nada mais é que uma estufa de secagem com mesas teladas, que aumentam a superfície de secagem e permitem o escoamento do excesso de água e a passagem de ventilação que favorece o processo de perda de água dos grãos aliado a elevação da temperatura dentro do ambiente protegido.
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Figura 107. Secagem em terreiro suspenso. Detalhe da cobertura no modelo de estufa. Fotos: IHCAFE e Mesquita et al. (2016).
Essa alternativa de secagem de café em terreiros suspensos, cobertos ou não, pela higiene e assepsia que proporciona, é recomendada notadamente para a produção de cafés especiais, de alto valor agregado. Esses terreiros são indicados preferencialmente para cafés descascados e despolpados, por possibilitar um uso mais intensivo, pela redução no volume e seca mais acelerada desses tipos de café (MESQUITA et al., 2016).
C a p í t u l o I I | 206 Armazenamento: Ao chegar à tulha de armazenamento (Figura 108), que é uma estrutura composta de madeira e liga metálica, apropriada para armazenar os grãos, o café apresentando umidade relativa de 11% é armazenado por cerca de 90 dias de descanso, estabilizando os açúcares e a umidade que fica entre 10,5 a 11,5%. Após esse período é descascado e classificado (OLIVEIRA, 2019).
Figura 108. Tulha de armazenamento do café em pergaminho para descanso ou homogenização. Fazenda Várzea da Onça em Taquaritinga do Norte, PE. Foto: Eduardo Gonçalves de Oliveira (2019).
Os baús de armazenamento de café não beneficiado devem ser fechados, higienizados e nada pode afetar o cheiro do café. Na tulha não devem permanecer outros produtos armazenados, pois, o café absorve gostos e cheiros estranhos com muita facilidade. A tulha deve ser dotada de divisões para armazenar, separadamente, os diversos lotes produzidos.
Beneficiamento ou descascamento mecânico: A umidade ideal para o beneficio do café é de 10,5% a 11,5%. Abaixo de 10%, poderá ocorrer a quebra de grãos durante o beneficiamento. Acima de 12%, pode ocorrer também o branqueamento dos grãos, reduzindo o período de armazenamento e devem retornar ao terreiro ou secador, antes de serem beneficiados (MESQUITA et al., 2016).
C a p í t u l o I I | 207 A máquina de beneficiar o café deve ser regulada antes de ser usada, a fim de se evitar a quebra de grãos, a saída de grãos junto com a palha ou a saída de palha junto com os grãos (Figura 109). É importante o café descansar nas tulhas por 90 dias antes do beneficiamento, após a seca para melhorar a uniformidade da secagem (MESQUITA et al., 2016).
Figura 109. Máquina de beneficiamento usada no descascamento dos grãos para separação dos pergaminhos (endosperma). Foto: Jochen Weber.
Nessa máquina, o café passa por várias etapas de processamento. O primeiro passo é a limpeza e seleção: Uma peneira em forma de cone é chacoalhada em rápidos movimentos radiais de um lado para outro. Desse modo, as partículas mais leves são separadas das mais pesadas. Esse mecanismo elimina partículas estranhas ao café, como pequenos paus, pedras etc. É um princípio bastante simples, mas surpreendentemente preciso e eficiente. Em seguida, um elevador mecânico de canecas plásticas transporta o café para cima, onde, no final da máquina, se encontra um tambor de peneira com aberturas laterais de bordas bastante afiadas. As cerejas de café secas são prensadas para dentro do tambor, onde uma lâmina em rotação espreme os grãos através dos crivos exatamente dimensionados da peneira: Nesse processo a casca é separada do grão.
C a p í t u l o I I | 208 As partes mais leves e esfareladas da casca são aspiradas por uma corrente de ar e sopradas para fora. Os grãos de café caem e na etapa seguinte são classificados num sistema de peneiras em duas categorias de tamanho. Em seguida, os grãos limpos são ensacados.
Classificação por tamanho: Após o descanso do café descascado (CD) de 90 dias, o café é descascado para a retirada do pergaminho, sendo em seguida classificado por tamanho. Segundo Brasil (2003), a classificação por tamanho do café descascado varia entre o 14 e 18 e é um importante fator para a obtenção da uniformidade na torra. Para finalizar o processo, os grãos passam por peneira vibratória que classifica os grãos de acordo com os defeitos, os quais são avaliados em relação à quantidade de defeitos em uma amostra representativa de 300 gramas, classificando as amostras de acordo com os defeitos existentes e conferindo uma pontuação para os mesmos. Um café especial deve ter o mínimo de defeitos, o que vai lhe garantir uma alta pontuação (Figuras 110, 111 e 112).
Figura 110. Representação da (a) disposição de peneiras indicadas para classificação de lotes de café em (b) selecionadoras por peneiras - cortesia - Pinhalense. Fonte: Luís César da Silva.
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Figura 111. Critérios para classificação de café no Brasil. Fonte: Brasil (2003).
Figura 112. Peneiras de furacão oblongo (café tipo moca) e de furação redonda (café tipo chato), e fundo. Foto: Leandro Carlos Paiva, 2015.
C a p í t u l o I I | 210 Classificação em mesa de gravidade. As pesquisas têm evidenciado que a inclusão da mesa gravitacional na linha de beneficiamento é vantajosa para o aprimoramento da qualidade dos grãos de café (Figura 113). Todos os grãos de alta qualidade são procedentes do processo de classificação de impurezas através de mesas de gravimétricas que separam os corpos estranhos leves e grãos danificados.
Figura 113. A operação na mesa de gravidade seleciona e melhora a qualidade dos grãos de café ou classificação por peso específico. Foto: Jochen Weber.
Classificador óptico / eletrônico. A última máquina da linha de beneficiamento antes do ensacamento. A mesma separa por características cromáticas (cores de sementes) e outras propriedades ópticas (Figura 114). Certos defeitos que, por não se diferenciarem pelo peso, como os “PVAs” (grãos pretos, verdes, ardidos), não podem ser retirados por esse mecanismo (Figura 115). Os grãos de café caem individualmente através das grades e são eliminados através do sopro de ar de um bico um pouco abaixo da célula fotoelétrica, que os catapulta com um forte jato de ar para fora. Todo o processo funciona de modo tão rápido e preciso.
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Figura 114. Colorimétrico de uma unidade especializada no processamento de grãos de café. Foto: Jochen Weber.
Figura 115. Os defeitos intrínsecos: preto, verde e ardido (PVA). Foto: Arquivo da Emater-MG.
C a p í t u l o I I | 212 Esses processos garantem a formação de lotes com grãos uniformes que vão conferir uma torra homogênea e um produto final de altíssima qualidade, tais lotes são separados para exportação devido à exigência do mercado externo de grãos perfeitos, os demais são destinados ao mercado interno, de acordo com o que mostra Valentim (2014), que “os grãos de tamanho acima de 17/18 são considerados de qualidade superior. Portanto, quando os grãos têm tamanhos acima de 17/18 são separados, e os demais, de tamanho menor, são encaminhados para o processo de torrefação”. Uma vez que o café é exportado como grão verde, ou seja, os importadores têm mais preferência em comprar os grãos verdes de tamanho 17/18.
Avaliação dos defeitos: O café verde fornecido pelos cafeicultores, em via de regra, tem uma parte de grãos defeituosos. Estes precisam ser separados e avaliados manualmente e calculado o percentual que será aplicado sobre o total. Esses defeitos têm diferentes influências sobre a qualidade do café na xícara e, por isso, são avaliados de acordo com um sistema de pontos. Assim, por exemplo, os grãos quebrados não são bonitos, mas têm menos influência sobre o paladar da bebida do que pedrinhas e grãos de terra. Outros exemplos de possíveis defeitos são: grãos pretos, verdes, “ardidos”, também chamados de
PVAs“.
Esses
defeitos
típicos
geram
um
sabor
de
café
amargo;
cascas (pequenas/grandes); paus (pequenos/grandes); grãos quebrados; pedrinhas (pequenas/grandes). Conhecer as causas destes e de muitos outros defeitos e evitá-los é tarefa do cafeicultor, para conseguir produzir café cru de alta qualidade. Possíveis causas de defeitos são: colheita atrasada; muito tempo de contato com a terra; colheita antecipada de frutos verdes; defeitos genéticos; estiagem prolongada; falta de nutrientes; defeitos por conta de pragas (por exemplo, bicho mineiro etc.); regulagem errada do descascador; limpeza inadequada após a colheita e secagem. Por uma pedra, ou um pau, ou torrão grandes são aplicados cinco “pontos de defeito”, mas por um grão quebrado, somente um “ponto de defeito”. Esses pontos são somados e o resultado corresponde à categoria de qualidade na qual o café é classificado no final (Figura 116).
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Figura 116. Classificação e sistema de avaliação de defeitos no café pergaminho via úmida. Obs: ** Estas informações foram retiradas do Guia do Barista – “Da origem do café ao espresso perfeito” (página 80) por Edgard Bressani \ Café Editora, 2009 e obedecem à tabela de classificação da Bolsa Oficial de Café e Mercadorias, adotada no País, os tipos de café de 2 a 8 correspondem aos números listrados na tabela.
Essas categorias vão de 2 a 8 (Tabela 14). Cada categoria é subdividida mediante outro sistema de pontos em mais subclasses, de acordo com a quantidade de “pontos de defeitos” na categoria. O café de melhor qualidade é, portanto, o da categoria 2 (tipo 2) com 100 pontos: Isso equivale a somente 4 “pontos de defeitos” numa quantidade de 300 gr de café verde – um verdadeiro café gourmet. Do café “tipo 8” é recomendado manter distância!
C a p í t u l o I I | 214 Tabela 14. Categorias do café de 2 a 8 que correspondem aos números de pontos de defeitos. DEFEITOS
CLASSES
PONTOS
4-11
Tipo 2
de +100 a +055
12-25
Tipo 3
de +50 a +005
26-44
Tipo 4
de 0 a -045 (base)
46-79
Tipo 5
de -50 a -095
86-153
Tipo 6
de -100 a -145
160-340
Tipo 7
de -150 a -195
360 +
Tipo 8
-200
Embalagem para grão verde: Os grãos de café exportados precisam ser embalados em saco plástico que evite a entrada de oxigênio, para que o café não oxide e perda sua qualidade durante o armazenamento, e uma segunda embalagem com saco de juta com as devidas especificações que identifiquem a procedência do café (VALENTIM , 2014).
De acordo com a Cooperativa de Café Cooparaíso, na pequena cidade de São Sebastião do Paraíso, MG, o “café moca” (chamado de “peaberries”), resultante da peneiração com peneiras de crivos redondos, é um grão menor, mais redondo e bastante ácido, mesmo assim é vendido quase que exclusivamente para o Japão, pois os japoneses apreciam muito este tipo de grão e pagam um bom preço por ele. Torra: O café destinado ao mercado interno é comercializado torrado. A torra é realizada em torrador de tambor profissional (Figura 117A), mantendo os grãos sob constante agitação, para garantir que se tenha uma torra uniforme, controlando minunciosamente tempo e temperatura, de acordo com a receita do perfil de torra (Figura 117B) adequado para cada colheita. A empresa Yaguara Ecológica (2019b) define que cada plantação de café é única, o mesmo sucede para cada torra. Ou seja, cada torra do café Yaguara® é adequada às condições dos grãos de cada safra de colheita.
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Figura 117. Torrador de tambor profissional com capacidade para 10 kg (A), receita do perfil de torra escura do café Yaguara® safra 2018 (B). Foto: Eduardo Gonçalves de Oliveira (2019).
Após o processo da torra em si, os grãos são colocados em plataforma vazada para que os grãos completem o cozimento fora do tambor. Na plataforma o café é mantido sob agitação e com sistema de exaustão acionado para facilitar a perda de calor e não ocorrer carbonização, que gera perda da qualidade de bebida. A torra é definida como clara, média ou escura em função do tempo e temperatura de torra, que confere aos grãos coloração diferentes (Figura 118). Para o café Yaguara®, são mais realizados dois tipos de torra, a média e a escura, conferindo características distintas de sabor e aroma entre elas, sendo a média com sabor e aroma em tons florais e frutados mais cítricos e a escura em tons achocolatados e amendoados (OLIVEIRA, 2019).
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Figura 118. Variações de coloração de acordo com o tipo de torra Fonte: Cafés Pagliaroni, 2017.
A qualidade do café para fins de consumo é influenciada por diversos fatores (VAAST et al. 2006; BORÉM et al. 2008) como por exemplo, características edafoclimáticas, cultivares, manejo da lavoura, colheita e processamento, incluindo a seca e a torra (SIQUEIRA; ABREU 2006; BORÉM et al. 2008; BOSSELMANN et al. 2009; ALVES et al. 2011; SCHOLZ et al. 2011). Portanto, o esforço em aprimorar as técnicas de cultivo, colheita e processamento alavancou a qualidade do café brasileiro nos últimos anos. A qualidade do café pode ser averiguada basicamente de duas maneiras: pelas características físicas (tipo) e pelo aroma. No aspecto organoléptico em que se baseia a classificação da bebida, tem-se verificado relação entre a composição química e a qualidade do café (CARVALHO et al., 1994).
O aroma e o sabor são decorrentes de inúmeros compostos químicos contidos no grão de café que ao ser torrado convertem-se em outros compostos químicos que conferem características à bebida. Alguns dos atributos químicos como o pH, acidez, teor de cafeína, teor de trigonelina, atividade de polifenoloxidase e atividade de peroxidase,
C a p í t u l o I I | 217 variam entre os diferentes tipos de café bebida (CARVALHO et al. 1994; FRANCA et al. 2005).
Em um estudo envolvendo a qualidade da bebida de café a atividade de polifenoloxidase decresceu quando se compara café de bebida Mole e café bebida Rio (CARVALHO et al. 1994), assim como a acidez, concluindo que as atividades de polifenoloxidase e peroxidases aumentaram enquanto que a acidez decresceu com a melhoria da qualidade da bebida.
Os compostos químicos que conferem o sabor na bebida do café desenvolvem-se no processo de torra e em razão de sua complexidade química (MONTAVON et al. 2003) ainda não é bem entendida. Nesse processo, importante para a produção da bebida, mais de 800 compostos voláteis já foram identificados e a questão de quais compostos são os precursores mais relevantes que conferem o sabor e o aroma permanecem sem respostas (FRANCA et al. 2005).
Desvendar a química que constitui os grãos de café e suas transformações que ocorrem pelo efeito da torra é relevante em razão de o café ser considerado, conforme Dórea e Costa (2005) em alimento funcional, cujos benefícios para a saúde são confirmados por muitos estudos. Tais benefícios advêm da presença de substâncias como o ácido nicotínico, trigonelina, ácido quinólico, ácido tânico e cafeína, constituindo-se como fonte de antioxidantes como os ácidos clorogênicos, caféico, coumárico e fenílico.
Por outro lado, o prazer em consumir a bebida de café está diretamente relacionado com o sabor e o aroma produzidos após o preparo para o consumo. Os constituintes químicos que atuam proporcionando essas características do café como bebida são preponderantes na definição da qualidade do café.
Moagem: De acordo com a finalidade do café e o tipo de preparo, existem diferentes moagens desde uma mais fina indicada para cafés espressos até uma mais grossa para preparo com coador (Figura 119), dessa forma se obtém produtos diferentes variando a torra e a moagem.
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Figura 119. Diferentes moagens dos grãos de café. Fonte: Delgrani, 2019.
Vida útil: O café possui um melhor sabor nas primeiras duas semanas após ter sido torrado. Quando o café torrado é exposto ao ar, a oxidação degrada o aroma e o sabor do produto (YAGUARA, 2019b). De acordo com Wendelboe (2018) “assim que o café é torrado, os óleos que contêm boa parte dos aromas da bebida, são pressionados de dentro para fora do grão, oxidam-se e tornam-se rançosos, portanto o café torrado é um produto fresco que deve ser consumido nas primeiras semanas após a torra para uma melhor experiência.
Os parâmetros avaliativos oficialmente reconhecidos para determinar a qualidade do café são realizados por meio de analises sensoriais da bebida e classificação física dos grãos (BRASIL, 2003). Além disso, podem ser realizadas analises químicas capazes de auxiliar na avaliação da qualidade do café. A bebida de café de alta qualidade é aquela que apresenta as seguintes características: aroma agradável, sabor marcante, doçura acentuada, leve acidez, suavidade, coloração uniforme e aspecto de grãos homogêneos (BORÉM, 2008; Figura 120). Já em relação à classificação física, as amostras dos grãos deverão conter a menor quantidade possível de defeitos intrínsecos (grãos verdes, grãos pretos, grãos ardidos) e defeitos extrínsecos (pau, pedra, torrão, casca).
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Figura 120. Escala de qualidade global do café.
Na etapa de degustação, o café na xicara é classificado também nas seguintes categorias:
1.Estritamente mole (bastante suave e adocicado) 2.Mole (suave, mole, com tendência para adocicado) 3.Apenas mole (levemente suave, tendendo para adstringente) 4.Duro (duro, levemente ácido, com sabor adstringente) 5.Riado (leve sabor de iodo, lembra couro) 5.Rio (sabor desagradável de iodo, lembra remédio) 7.Rio Zona (inaceitável, sabor forte e ardido de remédio, lembra bastante fenol).
Avaliação da amostra: No final, avalia ainda a impressão geral do sabor do café: Ele é amargo e encorpado. O sabor desaparece rapidamente ou permanece por longo tempo no céu da boca. O sistema de avaliação descreve cada um dos seguintes aspectos e a avaliação também é feita segundo um sistema de pontos (Tabela 15): -Perfume -Aroma da bebida -O que falta na bebida -Acidez do fruto -Sabor amargo -Corpo -Sabor residual
C a p í t u l o I I | 220 Tabela 15. A escala de avaliação vai de 0 para péssimo até 10 para excelente.
Fraco
0 – 3,5 pontos
Regular
3,6 - 6,5 pontos
Bom
6,6 -7,6 pontos
Muito bom
7,7 – 10 pontos
A comercialização no país com a marca Yaguara® ecológico, café 100% arábica sombreado (Figura 121) está disponível em diversos estados brasileiros em estabelecimentos renomados e também através de rede de pedidos e loja virtual (OLIVEIRA, 2019).
Figura 121. Pacotes comerciais de 250 gramas do café Yaguara®, com torra escura e média. Fonte: Yaguara, 2019c.
Através das redes sociais, de visitação e eventos realizados na propriedade, exposições e eventos relacionados aos produtos, se mostra como é o dia a dia da fazenda, a dinâmica de produção, os princípios e valores defendidos e o cuidado que têm com a terra e o agroecossistema, refletindo em um produto de excelente qualidade, levando os clientes a comprarem o produto pelo conceito diferenciado, pela história mostrada no dia a dia da fazenda, e pela qualidade, que é o melhor marketing do produto (OLIVEIRA, 2019).
C a p í t u l o I I I | 221
CAPÍTULO 3
DEFINIÇÕES DE AGRICULTURA ORGÂNICA E NORMAS DE CERTIFICAÇÃO
Vicente de Paula Queiroga Josivanda Palmeira Gomes Bruno Adelino de Melo Esther Maria Barros de Albuquerque (Autores)
C a p í t u l o I I I | 222 DEFINIÇÕES DE AGRICULTURA ORGÂNICA Existem diferentes definições de agricultura orgânica, entre as quais se apresentam as seguintes: A agricultura orgânica proíbe o uso total de pesticidas, pois seu princípio se baseia na aplicação de adubos orgânicos e nas práticas agrícolas que são planejadas para restabelecer e manter um balanço ecológico da biodiversidade (PEREZ; LANDEROS, 2009). Espinoza et al. (2007) afirmam que a agricultura orgânica é uma estratégia de desenvolvimento que visa mudar algumas das limitações encontradas na produção convencional e que, além de uma tecnologia de produção, é uma estratégia de desenvolvimento que se fundamenta não apenas no melhor manejo ou gestão da terra e de promover o uso de insumos locais, mas também por seu maior valor agregado e por permitir uma cadeia de comércio justo. Gómez et al. (2008) assinalam que a agricultura orgânica surgiu como uma alternativa para proteger o meio ambiente e as diferentes espécies de plantas e animais dos perigos da agricultura convencional ou moderna. A agricultura orgânica se define melhor como aqueles sistemas holísticos de produção que promovem e melhoram a saúde do agroecossistema, incluindo a biodiversidade, os ciclos biológicos e a atividade biológica do solo. Além disso, esse sistema prefere o uso de práticas de manejo dentro da propriedade agrícola em lugar do uso de insumos externos, tendo em conta que as condições regionais dos produtores têm preferências pelos sistemas já adaptados às condições locais, o que se logra ao utilizar, possivelmente, métodos culturais, biológicos e mecânicos em oposição a materiais sintéticos para desempenhar qualquer função específica dentro do sistema (CODEX ALIMENTARIUS, 1999; GÓMEZ, 2000). A agricultura orgânica se refere mais a um processo do que a um produto, mas também significa simplesmente que esse produto deve ser ajustado às normas de produção preestabelecidas (QUINTERO; GIOANETTO, 2006). Assim sendo, há uma diferença considerável entre produção orgânica certificada e agricultura orgânica natural (ou agroecológica), pois a primeira baseia-se numa série de procedimentos agronômicos que descartam a utilização de agroquímicos, antibióticos, entre outros insumos da agropecuária moderna. Ademais, esse sistema produtivo deve rigorosamente passar por todo um processo de certificação, desde os insumos, manejo e gestão técnica da propriedade agrícola. Já a agroecologia, além da adoção de algumas práticas agrícolas, aplica-se apenas esterco como fertilizante, total ou parcialmente, ou com a simples aplicação de bioinseticidas e/ou biofertilizantes, e envolve em seu contexto questões sociais, políticas e ideológicas.
C a p í t u l o I I I | 223 Na abordagem anterior há ocasião que pode causar confusão aos produtores que esperam obter um elevado preço por sua colheita, quando unicamente aplicaram em seus sistemas de produção a prática da agricultura orgânica normal ou agroecológica, a qual em nenhum momento poderá receber um elevado benefício econômico, situação que poderá suceder quando se trata do segundo caso (orgânico certificado). É importante observar que também estão presentes no nosso país os dois tipos de produtores, aqueles que estão de acordo com a agricultura orgânica como sistema holístico e aqueles que o vê como um bom negócio, deixando de lado as questões ambientais; no entanto ambos os sistemas de produção são capazes de serem certificados. O termo “produto cultivado organicamente” tem como princípios e práticas encorajar e realçar ciclos biológicos dentro do sistema de agricultura para manter e aumentar a fertilidade do solo, minimizar todas as formas de poluição, evitar o uso de fertilizantes sintéticos e agrotóxicos, manter a diversidade genética do sistema de produção, considerar o amplo impacto social e ecológico do sistema de produção de fibra ou alimento,
e
produzir
(INTERNATIONAL
fibra
de
boa
FEDERATION
qualidade OF
em
ORGANIC
quantidade
suficiente
AGRICULTURAL
MOVEMENTS, 1998). Desde 1990 a agricultura orgânica vem crescendo rapidamente, tanto em área cultivada como em número de produtores e mercado consumidor. O crescimento da agricultura orgânica se deve, principalmente, ao fato da agricultura convencional basear-se na utilização intensiva de produtos químicos e à maior consciência de parcela dos consumidores quanto aos efeitos adversos que os resíduos de produtos químicos podem causar à saúde. No entanto, o mercado de produtos orgânicos apresenta algumas dificuldades como a baixa escala de produção e, ainda, a necessidade do pagamento da certificação, fiscalização e assistência técnica que, diferentemente do sistema convencional, representam custos adicionais aos produtores (DAROLT, 2003). Mesmo diante de tais dificuldades, alguns estudos comparativos entre os sistemas orgânico e convencional mostraram que o sistema orgânico pode ser vantajoso e competitivo tanto do ponto de vista econômico quanto ambiental.
C a p í t u l o I I I | 224 ASPECTOS GERAIS DA CERTIFICAÇÃO DE PRODUTOS ORGÂNICOS A produção orgânica aplica numerosas práticas naturais para conservar os recursos naturais, promover o respeito à ecologia e preservar a vida do campo. Já a certificação permite a venda, apresentação e etiquetagem de produtos agrícolas como orgânicos no mercado, ou seja, marca a diferença entre um produto já certificado e um que é cultivado de forma convencional. Portanto, a certificação de produtos orgânicos reveste-se de fundamental importância para a garantia da qualidade desse tipo de produtos, através do estabelecimento de um processo de confiança entre os agentes. Ou seja, “a certificação é um procedimento pelo qual se assegura, por escrito, que um produto, processo ou serviço obedece a determinados requisitos, através da emissão de um certificado. Esse certificado representa uma garantia de que o produto, processo ou serviço é diferenciado dos demais” (SOUZA, 2001).
História Segundo a Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica – IFOAM, o sistema orgânico já é praticado em mais de uma centena de países ao redor do mundo, sendo observada uma rápida expansão, sobretudo na Europa, EUA, Japão, Austrália e América do Sul. Essa expansão está associada, em grande parte, ao aumento de custos da agricultura convencional, à degradação do meio ambiente e à crescente exigência dos consumidores por produtos “limpos”, livres de substâncias químicas e/ou geneticamente modificados (DAROLT, 2002). A agricultura orgânica no Brasil surgiu na década de 70, principalmente por causa de insatisfações com o padrão tecnológico da “Revolução Verde”. Sua cadeia de distribuição se ampliou significativamente, mas trouxe como consequencia que seu produto estaria sujeito a passar por vários atravessadores e deveria viajar por quilometros antes de chegar a mãos do consumidor. Em tais circunstâncias, o consumidor necessitava saber se os produtos comprados eram realmente orgânicos. Também sucedia o efeito inverso, onde o produtor devia comprovar aos consumidores que estava fazendo uso de práticas orgânicas no seu sistema de produção. Para sanar tais problemas, nasce o processo chamado de certificação.
C a p í t u l o I I I | 225 A certificação de produtos orgânicos no Brasil teve início em meados dos anos 80. Ocorreu então que em outubro de 1998, foi colocada em consulta pública as normas disciplinadoras para a produção, tipificação, processamento, envase, distribuição, identificação e certificação da qualidade de produtos orgânicos, de origem vegetal ou animal, que resultou mais tarde na primeira norma brasileira para produtos orgânicos, a Instrução Normativa (IN) nº 7 de 17/05/1999 do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), constando de 7 anexos: I – do período de conversão, II- adubos e condicionadores de solos permitidos, III – produção vegetal, IV- produção animal, Vaditivos para processamento e outros produtos que podem ser usados na produção orgânica, VI- da Armazenagem e do transporte, VII - da rotulagem (BRASIL, 2003). O Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (BR) foi regulamentado pela Lei 10.831 de 23 de dezembro de 2003, com base no Decreto 6.323 de 27 de dezembro de 2007 e as Instruções Normativas correspondentes. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento é o proprietário e gestor deste esquema, em conjunto com o INMETRO, responsável pela acreditação dos organismos de certificação. Os sistemas de certificação foram originalmente criados por agricultores e, até certo ponto, pelos comerciantes que participavam do mercado emergente de produtos orgânicos. Em um esforço para proteger seu mercado de fraude e para garantir a autenticidade do selo orgânico, os agricultores começaram a estruturar sistemas de autoregulação para assegurar que os alimentos orgânicos do mercado correspondiam com as técnicas ecológicas de produção e de preparação do solo, as quais dão seu significado ao termo orgânico (GÓMEZ; GÓMEZ, 2002; GONZALEZ; NIGH, 2005). A comercialização de produtos orgânicos envolve a inspeção e certificação dos métodos de produção utilizados, que são realizados principalmente por agências estrangeiras.
Conceito de Certificação Orgânica Define-se como procedimento mediante o qual se garante que um determinado produto vegetal ou animal, os equipamentos e processos de produção cumpre as normas de um organismo regulador orgânico, sem causar danos ao meio ambiente (GUTIERREZ, 2011). Uma das finalidades da certificação é a capacidade de rastrear a origem do produto orgânico.
C a p í t u l o I I I | 226 As empresas ou organizações que certificam são chamadas de agências certificadoras e se ocupam do estudo das propriedades orgânicas, no que se refere às normas de produção, as quais não diferem muito dos princípios gerais em todo mundo. Essas agências podem ser estatais, privadas ou organizações sem fins lucrativos, como sucede com as Associações de Produtores ou Consumidores Orgânicos (GUTIERREZ, 2011).
CERTIFICAÇÃO DO CAFÉ A área dedicada ao café sombreado no Norte da América Latina pode ter mudado nos últimos dez anos sob influência do comportamento dos preços do café no mercado. Donald (2004) afirma que a proporção entre as áreas de café plantadas a pleno sol e sombreadas está diretamente relacionada ao preço do grão, sendo estimulado o plantio a pleno sol nas épocas de altos preços e vice-versa. Além disso, quanto menores as possibilidades econômicas do produtor maior é a riqueza do componente arbóreo e menores são a produtividade e o retorno financeiro (OCAMPO, 1998). O aumento do preço do grão permite ao produtor intensificar a produção optando geralmente pela a produção a pleno sol. Neste caso o incremento nos custos é compensado pelo elevado preço do café. Em contraposição, com a queda do valor de comercialização, o produtor prefere o sistema sombreado, devido a seu caráter menos intensivo no uso de insumos. Possivelmente, as áreas de produção de café certificado, que possuem contratos comerciais com compradores de cafés especiais, não têm este tipo de comportamento por dependerem de outro tipo de mercado. A certificação dos cafés torna a comercialização menos vulnerável às flutuações do mercado, elevando o valor desse produto em relação ao café convencional (BACON, 2005).
Requisitos para a Produção Orgânica Para se tornar um agricultor orgânico, é necessário que o candidato seja submetido a um rigoroso processo de investigação das condições ambientais do estabelecimento agrícola e de potencialidade para a produção. São considerados aspectos como o não uso de adubos químicos e agrotóxicos nos últimos três anos, a existência de barreiras vegetais quando há vizinhos que praticam a agricultura convencional, a qualidade da água a ser utilizada na irrigação e na lavagem dos produtos, as condições de trabalho e de vida dos
C a p í t u l o I I I | 227 trabalhadores, o cumprimento da legislação sanitária e a inexistência de lixo espalhado pelo estabelecimento (DULLEY, 2003). O produtor deve respeitar as normas durante todas as etapas de produção, desde a preparação do solo à embalagem do produto, sempre preservando os recursos naturais (MIRANDA, 2001). O agricultor assina um contrato com uma certificadora que prevê a fiscalização da sua produção, de modo a garantir a rastreabilidade e a qualidade do produto a ser disponibilizado para o consumidor.
Etapas do Processo de Certificação A certificação de produtos e processos orgânicos se realiza por toda uma série de etapas de campo e transmites administrativos, visando comprovar que efetivamente a produção, transformação e comercialização de produtos certificados têm respeitado um conjunto de regras, normas e procedimentos que estão em consonância com as práticas de produção orgânica (GARCIA et al., 2009). Para identificar os produtos orgânicos no mercado competitivo, é necessário emitir um selo que certifique os processos, que é uma forma de garantir sua qualidade. Essa marca de certificação é um selo de certificação, símbolo ou logotipo que identifica que um ou diversos produtos estão em conformidade com as normas oficiais de produção orgânica (SANTOS; MONTEIRO, 2004). Os selos nos produtos orgânicos estabelecem uma taxa por seu uso, a qual em sua maioria dos casos oscila 0,5 e 1,5% do total das vendas. Sua vantagem irá depender do prestigio da certificadora no mercado orgânico. Antes de escolher uma agência certificadora, o produtor solicitante deve saber a que países ou mercados desejam vender seu produto. Deve-se eleger um organismo de certificação que conta com a acreditação para certificar os produtos com os diferentes programas. Esse programa de certificação permite aos produtores brasileiros com certificados, por exemplo, no ato da matrícula com o IBD (Instituto Biodinâmico; Figura 122), comercializar seus produtos tanto no mercado interno como em outros países. É possível escolher ser certificado com normas dos Estados Unidos ou com o regulamento da Europa ou de outro país como Japão. Também existe a opção de ser certificado em mais de um programa ao mesmo tempo, levando-se em conta que haverá aumento da tarifa, mas teria como vantagem a possibilidades de diversificação de mercado (GUTIERREZ, 2011; IBD, 2016).
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Figura 122. Selo da agência certificadora IBD. Foto: Arquivo do IBD.
1). Atender a todas as certificações orgânicas feitas pelo IBD Certificações no mercado interno e é usado em conjunto com o selo de produtos orgânicos do Brasil (Figura 123).
Figura 123. Selo da agencia certificadora IBD para produto orgânico do Brasil. Foto: Arquivo do IBD.
2). Atender a todas as certificações feitas para o Mercado Comum Europeu (Figura 124), sendo que o IBD está acreditado com adoção de normas equivalentes, valendo para isso as Diretrizes IBD, aprovadas pelos credenciadores Europeus como equivalente à norma Europeia.
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Figura 124. A) Selo da agencia certificadora IBD para produto orgânico destinado ao Mercado Comum Europeu. Foto: Arquivo do IBD.
3). Atender a todas as certificações feitas para o Mercado Norte Americano (USA), sendo que o IBD está acreditado com adoção de norma USDA/NOP (Figura 125), valendo somente estas. Os produtos para o Japão são identificados com o selo oficial JAS (Estándar Agrícola Japonês; Figura 166).
Figura 125. Selo da agencia certificadora IBD para produto orgânico destinado ao Norte Americano (USA). Foto: Arquivo do IBD.
Figura 126. Selo da agencia certificadora JAS para produto orgânico destinado ao Japão.
C a p í t u l o I I I | 230 Normas e Regulamentação da Produção Orgânica As normas na agricultura orgânica compreendem um conjunto de regras e procedimentos adotados por uma entidade certificadora, que, por meio de auditoria, avalia a conformidade de um produto, processo ou serviço, objetivando a sua certificação. Esse mecanismo poderá controlar desde a produção até o processamento e a comercialização dos diferentes produtos através de normas específicas que dão credibilidade ao produtor e a indústria processadora e ao mesmo tempo oferecem seguridade ao consumidor. Esse procedimento se realiza através de inspeções de sistemas de controle específicos, estabelecidas por empresas certificadoras independentes, com base nas normas e regulações internacionais que avaliam sua rastreabilidade e manejo adequado em todos os processos. Seu ciclo de certificação é anual, culminando na emissão/renovação do Certificado de Conformidade, quando todos os requisitos de certificação são atendidos (GUTIERREZ, 2011; IBD, 2016). Esse ciclo de certificação é composto das seguintes grandes etapas (Figura 127):
Figura 127. As etapas do ciclo de certificação usadas para a produção orgânica (Arquivo do IBD - Instituto Biodinâmico).
A agência certificadora envia ao solicitante um formulário de solicitação de proposta, visando coletar todas as informações necessárias para atender bem a sua demanda e lhe oferecer um atendimento comercial personalizado. Quando o produtor pretende comercializar um produto, como o café, para os Estados Unidos ou Alemanha, é preferível consultar o importador sobre a agência certificadora que é de sua confiança (GUTIERREZ, 2011).
C a p í t u l o I I I | 231 Quando não existe preferência por parte do comprador, o solicitante pode fazer uma licitação com várias certificadoras para cotizar o preço do serviço. Admite-se que o processo de certificação pode ajudar o produtor a entender melhor as normas orgânicas, além de permitir deixar em ordem sua documentação e atualizar sobre os materiais proibidos e aprovados (GUTIERREZ, 2011). Por outro lado, a gerência comercial da certificadora, para o caso do IBD, realiza uma análise crítica da solicitação conforme os requisitos da ISO17065, de modo a esclarecer quaisquer dúvidas e garantir que a tal agência possui a competência e os recursos necessários para realizar o serviço. Uma vez firmado a proposta comercial, o solicitante manifesta seu acordo com os termos e condições estabelecidos no contrato que está disponível no website do IBD. Esse contrato informa dos direitos e deveres dos clientes, incluindo os requisitos e restrições do uso do nome do IBD e das marcas de conformidade ou de acreditação (IBD, 2016). Quando chega o questionário em suas mãos, detalhando informação das atividades de produção com respeito ao tipo de operação, a certificadora se encarrega de revisar o questionário, assegurando que toda essa informação se cumpra com as normas estabelecidas. Uma vez cumpridas todas as normas, o produtor toma conhecimento dos custos de certificação e é nomeado um inspetor qualificado para fazer a inspeção (GUTIERREZ, 2011).
Inspeção Orgânica O trabalho de inspeção é realizado por uma pessoa física que é contratada pelo Organismo Certificador para elaborar um relatório com base na unidade de produção dos produtos orgânicos. O custo de produção está estritamente relacionado com o número de horas e dias que carece o inspetor para verificar a unidade de produção. Algumas empresas abrangem a inspeção no seu orçamento total, enquanto outras apresentam em separado o custo real da inspeção mais o serviço da agência certificadora (GUTIERREZ, 2011). Vale frisar que para atender as empresas privadas, a inspeção pode levar de 1 a 2 dias por empresa, mas, quando se trata de grupos comunitários de produtores, a inspeção se prolonga, já que tem que revisar as propriedades por amostras de produtores. Além de examinar o sistema de controle interno, o qual registra os principais dados de produção e
C a p í t u l o I I I | 232 trabalho efetuado por cada parceiro da organização durante o ciclo produtivo (GUTIERREZ, 2011). Para que um produtor possa usar o selo de certificação, deve se submeter a inspeções periódicas. As certificadoras e seus inspetores devem ter acesso a todas as instalações, inclusive aos registros contábeis e demais documentos relativos às unidades certificadas. As visitas de inspeção devem ter um planejamento prévio que deve incluir, entre outros, o levantamento de inspeções anteriores, descrições das atividades, dos processos, mapas, planos, especificações dos produtos, insumos utilizados, irregularidades identificadas anteriormente, infrações, medidas disciplinares adotadas e condições especiais estabelecidas para a certificação da unidade em análise (BRASIL, 2002). A nível de campo, o inspetor também examina os cultivos, condições do terreno, a sanidade das plantas, manejo de pragas, doenças e plantas daninhas, equipamentos, sistema de irrigação e o manejo pós-colheita (GUTIERREZ, 2011). Uma vez concluída a inspeção, um informe é enviado com todo visto dado e discutido com o produtor. O inspetor apenas reporta suas observações, mas não toma parte na decisão da certificação. Um comitê de certificação da agência analisará e avaliará as diferentes partes do processo produtivo orgânico. Cabe a eles decidirem ou não a certificação do produto (GUTIERREZ, 2011). O tempo decorrido entre o início do manejo orgânico de culturas e sua certificação como processos orgânicos é chamado de período de conversão (BRASIL, 2002). É necessário um espaço de tempo para a descontaminação do solo dos resíduos de agrotóxicos e não poderá ultrapassar cinco anos. Esse período deverá ser suficiente para o estabelecimento de um sistema produtivo viável e sustentável, econômico, ecológico e socialmente correto (IBD, 2002).
Certificação Orgânica É importante ressaltar que para cumprir o processo de certificação, a agência certificadora necessita realizar a coleta e análise laboratorial de amostras de produtos, solo, água, insumos, frutos os grãos de café e outros materiais relevantes às atividades de certificação. Quando se expede sua certificação, o produtor já pode começar a vender seu produto como orgânico, mencionando a agência reguladora e sua etiqueta (GUTIERREZ, 2011).
C a p í t u l o I I I | 233 Quando o produto orgânico é respaldado por um certificado, isto demonstra que houve o cumprimento das normas orgânicas em todo o processo que segue o mesmo, as quais se estendem desde a produção de matéria prima até o produto final. Vale esclarecer que a certificadora nunca participa do sistema de distribuição. Mesmo assim, um inspetor visitará anualmente o produtor para a unidade já certificada para avaliar se tudo segue com base nas normas, inclusive alguns produtores podem receber uma inspeção surpresa (GUTIERREZ, 2011). Através da certificação, o produtor não só obtém o selo confirmatório de que oferecem os produtos orgânicos certificados, mas também agregam valor pelo aspecto ecológico que conferem ao consumidor e ao meio ambiente, além da possibilidade de oferecer aspectos de limpeza, sem contaminação química. É também da responsabilidade da empresa certificadora verificar o uso e a exibição corretas dos certificados e marcas de conformidade do proprietário ao esquema de certificação e/ou do organismo de acreditação, principalmente nos rótulos de produtos certificados, mas também nos materiais de comunicação, tais como website, anúncios, folders, brochuras, cartões de visita, etc (GUTIERREZ, 2011).
Período de Conversão para Orgânico Quando o produtor deseja certificar sua produção para o mercado da Europa ou Japão é necessário que passe por um período de conversão. Esse período é variável e dependerá do manejo historial de uso de inseticidas que o produtor tenha utilizado na sua propriedade (Tabela 16). Tabela 16. Período de exclusão de agroquímico nas áreas plantas com café. Categoria de
Símbolo de
Período de exclusão de uso de agroquímicos em relação à data de
classificação
classificação
semeadura do café
Convencional
C
Aplicou agroquímico recentemente
Convencional
Co
Aplicou agroquímico em menos de um ano
Transição
C1
Aplicou agroquímico faz mais de um ano
Ecológico
E
Aplicou agroquímico faz mais de 2 anos
Fonte: Fundación Valles (2015).
C a p í t u l o I I I | 234 Para os produtores que se encontram no programa de certificação do café, estabeleceram as semeaduras em parcelas adequadas definidas por um programa de produção previamente aprovadas como ecológicas sob um acompanhamento rigoroso por parte do técnico encarregado da região. Cada parcela dos produtores deve estar protegida por barreiras vegetais, as quais evitam a contaminação das parcelas vizinhas que possivelmente tenham utilizado agroquímicos (QUEIROGA et al., 2017).
Principais Agências Certificadoras A certificação das áreas sob produção orgânica na América Latina é realizada, principalmente por agências reguladoras internacionais, tais como: QUAI (Quality Assurance International), FVO (Farm Verified Organic), BCS- OKo Garantie, Naturland, Ecocert S.A., Skal (Holanda), SGS, IMMO Control, entre outros (Tabela 17). Tabela 17. Agências certificadoras de origem latino-americanas. Países Argentina Bolívia Brasil Chile
Colômbia Costa Rica Equador Guatemala México Peru
Empresas Certificadoras Argencert S.R.L., Bio Certificación Letis S.A., OIA (Organización Internacional Agropecuaria) Bolicert IBD (Instituto Biodinámica), Red de Certificación Participativa Ecovida CCO (Certificadora Chile Orgánico) CIAL (Corporación de Investigación en Agricultura Alternativa), PROA (Corporación de Promoción Orgánica Agropecuaria) Biológicos del Trópico (Socia de Ecocert S.A.), CCI (Corporación Colombia Internacional) Aimcopoc, Eco-Lógica S.A. Fundación Biocon, PROBIO (Corporación Ecuatoriana de Agricultores Biológicos) Mayacert (Certificadora Maya S.A.) Certimex S.C (Certificadora Mexicana de Productos y Procesos Ecológicos), CUCEPRO (Comité Certificador de Productos Orgánicos) BIO LATINA (Agencia certificadora latinoamericana fundada por Biopacha de Bolivia), Bio Muisca (Colombia), Cenipae (Nicaragua), e Inka Cert (Perú )̇
Uruguai
ARU (Asociación Rural del Uruguay), SCPB (Sociedad de Consumidores de Productos Biológicos), Urucert Fonte: García 2002. IICA-INTA 2004.
A certificação da produção orgânica nacional é realiza por cerca de 21 agências certificadoras, 12 nacionais e 9 internacionais, que atestam que a produção do produto obedeceu às normas de qualidade orgânica. A maioria das certificadoras nacionais encontra-se no estado de São Paulo, enquanto as internacionais são provenientes, sobretudo, de países da União Europeia, sendo que a certificadora Farm Verified Organic
C a p í t u l o I I I | 235 (FVO) é de origem americana, atuando no Brasil desde o ano de 1980 e sua representação fica na cidade de Recife, PE (fvobr@terra.com.br; CAMARGO FILHO, 2004). O Instituto Biodinâmico (IBD) de Botucatu/SP, fundado em 1982, com o objetivo de implementar atividade de ensino e pesquisa e também de certificar produtos orgânicos, conta com dois credenciamentos internacionais, um da IFOAM e outro da Alemanha (DAP), o que permite que seu certificado seja aceito nos três principais blocos econômicos: Europa, Estados Unidos e Japão. No Brasil existem 250 projetos certificados pelo IBD dos quais participam 2.000 produtores, totalizando 60.000 hectares de produção agroecológica.
Custos da Certificação Antes de iniciar um processo de certificação, os produtores devem saber qual é o montante a ser pago e se tal orçamento não irá afetar diretamente sua economia. Ademais, os clientes exigem que a certificadora ofereça um trabalho ágil, eficiente e de qualidade por um preço justo. As taxas cobradas pela certificadora podem variar dependendo de vários fatores: a) Tamanho e complexidade do projeto a ser certificado; b). Gastos administrativos; c) Localização da unidade de produção; d) Análises de laboratório e tomada de amostras; e) Programa de certificação para o caso de o produto ser comercializado no mercado interno ou exportado para outros países; f) Trabalho de inspeção; e g) Uso do selo (GUTIERREZ, 2011).
Considerações Antes de Solicitar uma Certificadora Antes de o produtor contratar uma certificadora, recomenda-se observar alguns pontos para definir se na realidade é ou não necessário à certificação do produto. a) Cumprir com as normas de produção orgânica da certificadora – O fato de que a certificadora aceite sua solicitude de certificação não significa que ela vá outorgar a certificação. É de responsabilidade de o produtor conhecer muito bem as normas e assegura-se que seu sistema de produção está cumprindo com tais regulamentos, antes de efetivar qualquer acordo de certificação; b) Usar a certificação para a comercialização – Ao vender produtos orgânicos diretamente da propriedade para os clientes conhecidos, provavelmente não seja
C a p í t u l o I I I | 236 necessário a certificação. Essa certificação pode ser exigida quando se trata de exportar ou vender seus produtos fora da região da propriedade; c). Justificar economicamente o custo de certificação – É imprescindível que a certificação seja viável, de modo a pagar com margem de lucro os custos da certificação (GUTIERREZ, 2011).
Cadeia Produtiva de Produtos Orgânicos A cadeia produtiva estabelece a relação entre os diversos agentes envolvidos. Sua análise permite identificar pontos de estrangulamento e fundamentar intervenções ou estratégias de ajustes e desenvolvimento. A cadeia produtiva de produtos orgânicos conforme proposta por Ormond et al. (2002) foi a primeira descrita para o segmento de orgânicos, conforme mostra a Figura 128, onde são identificadas as funções que compõem a cadeia produtiva, os agentes que as executam e as formas de relacionamento entre eles.
Figura 128. Cadeia produtiva dos orgânicos. Fonte: Ormond et al. (2002).
Segundo Ormond et al. (2002), a cadeia produtiva de produtos orgânicos pouco se diferencia da cadeia de produtos convencionais, a não ser pela presença da certificação e pela inexistência da figura do atacadista ou do intermediário entre a produção e o elo seguinte, em função da pequena escala de produção. Os produtos orgânicos in natura reúnem certas particularidades na comercialização, distribuição e consumo, se
C a p í t u l o I I I | 237 comparadas às equivalentes da cadeia produtiva de produtos convencionais. As funções do atacadista são realizadas pelo próprio produtor/agricultor ou por associações e cooperativas (processamento primário), que embora não assumam relações contratuais com os produtores, mantêm acordos informais para fornecimento de insumos e assistência técnica. Novos métodos de relacionamento entre produção, processamento e comercialização têm sido verificados ao longo dessa cadeia. O trabalho conjunto de desenvolvimento de produto e métodos de produção entre os diferentes agentes da cadeia pode ser exemplificado por uma grande rede de supermercados que criou selo próprio e definiu normas de fornecimento de produtos orgânicos oferecidos em suas lojas (ORMOND et al., 2002; SATO et al., 2003; SANTOS; MONTEIRO, 2004). O principal entrave da produção de produtos orgânicos é a baixa escala de produção, o que implica maiores custos (mão-de-obra, insumos) por unidade de produto, seguida da falta de recursos dos produtores e de treinamento, da desorganização do sistema de produção (falta de planejamento) e do processo de comercialização, além da embalagem que pode encarecer o produto em cerca de R$ 0,15/unidade (DAROLT, 2002). Diferentemente do sistema convencional, o agricultor tem que pagar para ser certificado, fiscalizado e também pela assistência técnica, que é quase toda particular e exercida por consultores credenciados pelas certificadoras (DULLEY, 2003). Algumas Considerações sobre a Construção da Cadeia de Produtos Orgânicos (CAMARGO FILHO, 2004):
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Disponível
em:
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