Anais do III Congresso Paraibano de Ciências Criminais

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ANAIS DO III CONGRESSO PARAIBANO DE

CIÊNCIAS CRIMINAIS

Organização: Movimento Estudantil Independente Organizado (MEIO)

REVISTA CIENTÍFICA


ANAIS DO III CONGRESSO PARAIBANO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

1ª edição

CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO


LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA Diretor Presidente da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO Diretor - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE Editor-chefe da Associação da Revista Eletrônica a Barriguda - AREPB

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA – AREPB CNPJ 12.955.187/0001-66 Acesse: www.abarriguda.org.br

CONSELHO EDITORIAL Adilson Rodrigues Pires André Karam Trindade Alessandra Correia Lima Macedo Franca Alexandre Coutinho Pagliarini Arali da Silva Oliveira Bartira Macedo de Miranda Santos Belinda Pereira da Cunha Carina Barbosa Gouvêa Carlos Aranguéz Sanchéz Dyego da Costa Santos Elionora Nazaré Cardoso Fabiana Faxina Gisela Bester Glauber Salomão Leite Gustavo Rabay Guerra Ignacio Berdugo Gómes de la Torre Jaime José da Silveira Barros Neto Javier Valls Prieto, Universidad de Granada José Ernesto Pimentel Filho Juliana Gomes de Brito Ludmila Albuquerque Douettes Araújo Lusia Pereira Ribeiro Marcelo Alves Pereira Eufrasio Marcelo Weick Pogliese Marcílio Toscano Franca Filho Olard Hasani Paulo Jorge Fonseca Ferreira da Cunha Raymundo Juliano Rego Feitosa Ricardo Maurício Freire Soares Talden Queiroz Farias Valfredo de Andrade Aguiar Vincenzo Carbone


MOVIMENTO ESTUDANTIL INDEPENDENTE ORGANIZADO (MEIO) ORGANIZAÇÃO

ANAIS DO III CONGRESSO PARAIBANO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

1ª EDIÇÃO

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA - AREPB

2019


©Copyright 2019 by

Organização do Livro MOVIMENTO ESTUDANTIL INDEPENDENTE ORGANIZADO (MEIO) Capa ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE Editoração ESTHER MARIA BARROS DE ALBUQUERQUE E LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA Diagramação LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA

O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade dos autores. Data de fechamento da edição: 27-12-2019

Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP)

Anais do III Congresso Paraibano de Ciências Criminais Anais do III Congresso Paraibano de Ciências Criminais. 1ed. / Organizadores, Movimento Estudantil Independente Organizado. – Campina Grande: AREPB, 2019. 251 f. : il. p&b. ISBN 978-85-67494-38-8 1. Criminologia. 2. Direito penal. 3. Direitos humanos. 4. Sociologia. 5. Sistema prisional. I. Movimento Estudantil Organizado. II. Título. CDU 343.9

Ficha Catalográfica Elaborada pela Direção Geral da Revista Eletrônica A Barriguda - AREPB Todos os direitos desta edição reservados à Associação da Revista Eletrônica A Barriguda – AREPB. Foi feito o depósito legal.


O Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito – CIPED, responsável pela Revista Jurídica e Cultural “A Barriguda”, foi criado na cidade de Campina Grande-PB, com o objetivo de ser um locus de propagação de uma nova maneira de se enxergar a Pesquisa, o Ensino e a Extensão na área do Direito.

A ideia de criar uma revista eletrônica surgiu a partir de intensos debates em torno da Ciência Jurídica, com o objetivo de resgatar o estudo do Direito enquanto Ciência, de maneira inter e transdisciplinar unido sempre à cultura. Resgatando, dessa maneira, posturas metodológicas que se voltem a postura ética dos futuros profissionais.

Os idealizadores deste projeto, revestidos de ousadia, espírito acadêmico e nutridos do objetivo de criar um novo paradigma de estudo do Direito se motivaram para construir um projeto que ultrapassou as fronteiras de um informativo e se estabeleceu como uma revista eletrônica, para incentivar o resgate do ensino jurídico como interdisciplinar e transversal, sem esquecer a nossa riqueza cultural.

Nosso sincero reconhecimento e agradecimento a todos que contribuíram para a consolidação da Revista A Barriguda no meio acadêmico de forma tão significativa.

Acesse a Biblioteca do site www.abarriguda.org.br


APRESENTAÇÃO

Prezadas e prezados congressistas e demais leitoras e leitores, estes são os Anais do III Congresso Paraibano de Ciências Criminais – CPCC, celebrado entre os dias 21 e 23 de novembro de 2018 na cidade de Sousa, no estado de Paraíba.

É com enorme satisfação que o Movimento Estudantil Independente Organizado - MEIO, como Comissão Científica do III CPCC em parceria com a Revista A Barriguda organizaram os Anais contendo os resumos aprovados e que fizeram parte da programação cientifica do evento, objetivando contemplar a complexidade e a diversidade de conteúdos a respeito da Criminalidade no Brasil, o Sistema Penal Contemporâneo e os desafios do Processo Penal.

Foram 30 artigos submetidos. Destes, 16 foram aprovados, sendo 7 resumos correspondentes ao eixo temático 1 “Direito Penal, Política Penal e Criminologia”, 2 resumos correspondentes ao eixo temático 2 "Processo Penal: Avanços e Retrocessos" e 7 resumos correspondentes ao eixo temático 3 "Direitos Humanos e Ciências Criminais" o que expressa a importância da temática, desde suas origens, tradições e inovações.

Esperamos que o conteúdo destes Anais sirva ao debate aberto, democrático e não hegemônico para o desenvolvimento da área de conhecimento, do domínio e das perspectivas da Criminalidade no Brasil e do sistema penal contemporâneo. Em tempos difíceis, os estudantes de direito e da área criminal, em geral, precisam (re)inventar suas práticas, politizar seus posicionamentos e fortalecer seus argumentos, a fim de alcançar políticas públicas e garantir direito social a toda a população que dela necessite.

Os Anais, assim como toda a programação científica do III CPCC, foram cuidadosamente organizadas em eixos temáticos atualmente discutidos pelo Direito Penal, ora apresentados de forma agregada e congregada, através de temas comuns que nos unem enquanto profissionais, independentemente de nossas distintas inserções práticas e de pesquisa, ora apresentados de forma especializada, objetivando aprofundar e encaminhar propostas de subáreas específicas da Criminologia. Os conteúdos destes


eixos estão disponibilizados na página da A Barriguda, de forma gratuita e divulgados com bastante antecedência para que todas e todos participantes possam acessar os resumos previamente às discussões, assim como servir de fonte às pesquisadoras e pesquisadores da área.

Estes Anais refletem o engajamento de penalistas, estudantes, docentes e pesquisadoras e pesquisadores com o desenvolvimento e fortalecimento do Sistema Penal contemporâneo brasileiro. O Congresso Paraibano de Ciências Criminais vem se destacando como um dos mais importantes eventos regionais científicos da categoria no sertão. E para continuar sustentando seu valor acreditamos que o principal instrumento de difusão e qualidade somos nós, os estudantes de direito.

Desfrutem e boa leitura.

Movimento Estudantil Independente Organizado - MEIO como Comissão Científica do III Congresso Paraibano de Ciências Criminais.


SUMÁRIO

Capítulo 1 ........................................................................................................................ 9 Capítulo 2 ...................................................................................................................... 25 Capítulo 3 ...................................................................................................................... 42 Capítulo 4 ...................................................................................................................... 57 Capítulo 5 ...................................................................................................................... 75 Capítulo 6 ...................................................................................................................... 89 Capítulo 7 .................................................................................................................... 103 Capítulo 8 .................................................................................................................... 120 Capítulo 9 .................................................................................................................... 137 Capítulo 10 .................................................................................................................. 154 Capítulo 11 .................................................................................................................. 167 Capítulo 12 .................................................................................................................. 184 Capítulo 13 .................................................................................................................. 196 Capítulo 14 .................................................................................................................. 210 Capítulo 15 .................................................................................................................. 225 Capítulo 16 .................................................................................................................. 237


CapítuloI|9

Capítulo 1

FIQUE VIVA OU MORRA TENTANDO: COMO O DISCURSO DE ÓDIO TEM MANTIDO O BRASIL NA LIDERANÇA DO RANKING MUNDIAL DE HOMICÍDIOS DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS

(Autor) Kelvin Wesley de Azevedo

SUMÁRIO: Resumo. 1. Introdução - 2. O discurso de ódio. 2.1 Existem limites para a liberdade de expressão? Uma visão da Carta Magna de 1988. 2.2 Realidade de vida das travestis e transexuais no Brasil. 2.3 Índices da violência no Brasil. 2.4 O caso Dandara. 2.5 O caso Laysa Fortuna. 2.6 “Comunidade Trans” e a carência da tutela penal. 3. Metodologia. 4. Considerações Finais. Referências bibliográficas.


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RESUMO A pesquisa ora apresentada tem por escopo analisar as inúmeras facetas do discurso de ódio enquanto instrumento de limitação do pleno exercício da sexualidade e afetividade humana. Dessa forma, iniciamos o trabalho abordando a conceituação de discurso de ódio, buscando trazer à tona a discussão a respeito de direitos que se sobrepõem a outros, questionando, à luz da Carta Magna de 1988, quais são os limites destes. Além disso, passamos a expor a triste vida das travestis e transexuais no Brasil, parcela da população LGBTQ+ que mais sofre com a marginalização e exclusão. Buscamos, através de fontes oficiais, estatísticas que colocam o Brasil na liderança dos países que mais matam travestis e transexuais. Por fim, tratamos da carência da tutela penal e da importância desta proteção por parte do ordenamento jurídico brasileiro para a devida garantia dos direitos e a plena efetivação do que dispõe a Constituição Brasileira. O método utilizado foi essencialmente a investigação bibliográfica. Palavras-chave: Constituição. Sexualidade. Violência. 1. INTRODUÇÃO

O devido respeito às diversidades existentes constitui um dos princípios basilares de uma sociedade estruturada na democracia, que, identificando as singularidades pertencentes a cada pessoa, pode oferecer e efetivar os direitos e as condições que, de fato, são inerentes a todo e qualquer sujeito. Pensando dessa forma, negar o reconhecimento e o pleno exercício da liberdade de um indivíduo, como a sua sexualidade, por exemplo, vai totalmente na contramão do que é, de fato, um direito, não um simples “favor” ou “agrado” ofertado. A sexualidade humana é encarada, conforme os ensinamentos de Judith Butler, como um conjunto de elementos que vão além daquilo que nós, seres humanos, acreditamos como sendo normal ou correto. A sexualidade envolve uma verdadeira construção histórico-cultural que vai de encontro ao controle social exercido através do poder, ou seja, daquilo que me é imposto e definido como sendo o caminho a seguir. Dessa forma, como defender a manutenção de uma verdade absoluta e exigir que sujeitos se adaptem a aquilo que eu fui ensinado a acreditar? Como aceitar a restrição de direitos de indivíduos que nada mais fizeram a não ser serem eles mesmos? As travestis e transexuais causam tanto espanto porque, diferente de inúmeras pessoas, possuíram a coragem de expor o seu verdadeiro “eu” – e pagam um preço muito caro por isso.


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Diariamente, travestis e transexuais recorrem as autoridades policiais para registrarem denúncias, sejam elas de ameaças ou até mesmo de violência. Na maioria dos casos, pouca coisa é feita; seja por má fé, seja por ausência de legislação que tipifique tal conduta como crime específico. Recentemente, vem sendo noticiadas inúmeras mortes chocantes, como é o caso da travesti Dandara, morta em Fortaleza, em 2017, e mais recentemente, a transexual Laysa, esfaqueada por um morador de rua que, explicitamente, justificou o seu ato como sendo por motivação política. Ambos os casos serão abordados um pouco mais à frente, mas, não deixo de fazer um questionamento: Por qual motivo não há comoção popular quando lidamos com esses crimes assim como existe comoção em crimes cometidos por pessoas cisgêneras (pessoas que correspondem ao seu gênero de nascência)? Por qual motivo essas mortes se tornam apenas mais um número a ser acrescentado às estatísticas? O Brasil é um país historicamente diversificado. Somos uma nação composta por povos de inúmeras origens, crenças, cores, histórias... Mas, ao mesmo tempo, somos o país mais inseguro para travestis e transexuais viverem. Essa parcela de nossa sociedade possui a menor expectativa de vida e menores oportunidades, por isso uma grande parte, principalmente das travestis, recorrem a prostituição para adquirirem recursos suficientes para sobreviverem, vez que não são dignas, para muitos que hoje estão no poder, de receberem o devido amparo e proteção. No que diz respeito as normas jurídicas que regem a nossa sociedade, não há nenhuma vedação ou limitação ao exercício e pleno gozo do exercício da sexualidade, pelo contrário, existem normas que buscam a devida igualdade entre todos, sem distinções, sejam elas de quais tipo forem. Como exemplo disso, é o art. 3º, IV, da Constituição da República Federativa do Brasil, além do art. 1º, III, que dispõe do que consideramos um de nossos princípios mais importantes, o princípio da dignidade da pessoa humana; não podendo deixar de citar, também, o art. 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais, inerentes a todo e qualquer sujeito. É notório que toda sociedade, principalmente as compostas por grupos de diferentes crenças e origens, tem que lidar com conceitos diferentes daquilo que pode ser ou não aceitável. Isso é totalmente compreensível. Contudo, o que não pode ser tolerável é que isso deixe de ser algo particular, intrínseco ao sujeito em si, e passe a ser utilizado como uma ferramenta de opressão e segregação, utilizada para perseguir e punir todo aquele que for considerado diferente daquilo que eu julgo ser normal. Foi a


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partir daí que surgiu o conceito de homofobia (a violência então praticada por todo e qualquer individuo pertencente ao grupo LGBTQ+), que, posteriormente, foi dividido, dando origens a outros termos, como bifobia, lesbofobia e transfobia (que é o termo que iremos utilizar com mais frequência, vez que é o objeto de estudo deste trabalho). A transfobia materializa-se através de intolerância, preconceito e das mais diversas espécies de violência, como as físicas, verbais e até mesmo simbólicas, violando os direitos básicos de quem sofre. Um dos principais instrumentos de concretização da transfobia é o discurso de ódio, que, em sua maioria, assume um caráter velado, travestido de boa intenção e ingenuidade (como são os discursos de inúmeras lideranças políticas, por exemplo); já, em outras vezes, são proferidos de forma totalmente aberta, sem nenhum pudor ou cuidado, e, quase sempre aplaudido por diversas pessoas – o que causa um certo espanto (ao menos para quem tem algum senso de humanidade). Sendo assim, questiona-se: A liberdade de expressão pode ser mais importante do que o pleno exercício da sexualidade humana? A minha crença pode ser utilizada para oprimir o outro? A partir de que ponto o meu discurso deixa de ser liberdade de expressão e passa a ser discurso de ódio? São estas as indagações que buscaremos esclarecer no decorrer da pesquisa.

2. O DISCURSO DE ÓDIO

O discurso de ódio pode ser descrito como uma modalidade de discurso de caráter negativo, que tem como único objetivo exteriorizar a raiva, o ódio e a intolerância, de forma a incitar ou encorajar a violência, a humilhação, a hostilização, a discriminação e a opressão de uma pessoa ou um grupo de pessoas, pertencentes à determinada categoria social, em razão de sua raça, gênero, idade, etnia, nacionalidade, religião, orientação sexual e outras características que as possam diferenciar da maioria dominante. (FERRER, et al., 2017, p.3). Entretanto, não existe uma única definição para tal termo, o que existem são diversas correntes de pensamento que possuem os mais diversos defensores. É o que iremos apresentar neste tópico do trabalho.


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Para SARMENTO (2006, p.2), são manifestações de ódio, desprezo ou intolerância contra determinados grupos, motivadas por preconceitos ligados à etnia, religião, gênero, deficiência física ou mental e orientação sexual. Silva, por sua vez, apresenta a seguinte definição: O discurso de ódio compõe-se de dois elementos básicos: discriminação e externalidade. É uma manifestação segregacionista, baseada na dicotomia superior (emissor) e inferior (atingido) e, como manifestação que é, passa a existir quando é dada a conhecer por outrem que não o próprio autor. A fim de formar um conceito satisfatório, devem ser aprofundados esses dois aspectos, começando pela externalidade. A existência do discurso de ódio, assim toda expressão discursiva, exige a transposição de ideias do plano mental (abstrato) para o plano fático (concreto). Discurso não externado é pensamento, emoção, o ódio sem o discurso; e não causa dano algum a quem porventura possa ser seu alvo, já que a ideia permanece na mente de seu autor. Para esse caso, é inconcebível a intervenção jurídica, pois a todos é livre o pensar. (SILVA, 2011. p.447).

Dessa forma, torna-se importante destacar a necessidade de analisar bem os elementos de discriminação presentes no discurso de ódio e buscar visualizar a posição dos sujeitos que protagonizam este fenômeno, ou seja, os opressores, de um lado, e os oprimidos, de outro. O preconceito pode ser compreendido como aquele conceito, opinião ou sentimento formado de forma antecipada, sem antes possui os elementos necessários para compor, de forma correta, o seu posicionamento (a razão). Sendo assim, o preconceito poderia ser definido, então, como um julgamento injusto, baseado em estereótipos e capaz de provocar aversão a pessoas e/ou grupos. Como bem afirmou KRAWCZAK (2017, p.4): Com o crescimento gradual do uso das redes sociais possibilitou-se novas formas e processos de comunicação. Neste contexto, algumas práticas sociais afloraram no universo das redes on-line. Entre elas, a violência simbólica, que é uma violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento. Ao passo que, utilizar as redes sociais parece inofensivo para alguns usuários, porém, a incitação à violência no Facebook – uma rede social que tem a possibilidade de alcançar milhões de pessoas –, pode ser capaz de transformar a realidade de determinados indivíduos, algumas vezes, de forma irreversível, a construção de uma cidadania e de uma sociedade igualitária e justa. (KRAWCZAK, 2017, p.4).

Sendo assim, vale questionar: Será que sabemos lidar com a tecnologia? Será que estamos mesmo preparados para tudo o que temos a nossa disposição no ciber


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espaço? A verdade é que muitos, quando estão diante da tela de um computador ou de um display de celular, se acham intocáveis, acreditando que a internet é uma “terra sem leis” e que tudo podem fazer, inclusive discriminar e rebaixar, colocando para fora as suas frustrações e devaneios. Por fim, pode-se concluir que o objetivo da discriminação presente no discurso de ódio é diferenciar determinados grupos de outros dentro da sociedade, buscando segregá-los e distanciá-los, reafirmando a superioridade de uns em detrimento a outros. Desta forma, o discurso de ódio pode ser classificado como uma manifestação ofensiva, raivosa e intolerante em face de determinadas pessoas ou grupos sociais, em razão de seu pertencimento a determinado segmento social com o objetivo de exteriorizar preconceitos e incitar discriminações (FERRER, et al., 2017, p.3). Tais comportamentos podem ser manifestados sob diversas formas: racismo, xenofobia, homofobia e transfobia, que será o nosso objeto de estudo no decorrer desta pesquisa.

2.1. Existem limites para a liberdade de expressão? Uma visão da Carta Magna de 1988

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, IV, defende a liberdade de pensamento, com uma única vedação: o anonimato. Dessa forma, a nossa Carta Magna preceitua o que temos como um dos princípios mais importantes para uma sociedade democrática, sociedade essa que não existiria se tão princípio não fosse efetivado. Entretanto, o mesmo artigo, em seus incisos I e VIII defende, respectivamente, a igualdade entre homens e mulheres, sem distinção; e a garantia de que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção política ou filosófica. Eis a questão: Estamos diante de conflito entre princípios quando pensamos no atual tratamento que travestis e transexuais tem na sociedade brasileira? De um lado, temos a garantia de que sou livre para expor aquilo que acredito; do outro, temos a de que não posso ser privado de direitos em virtude de crenças ou convicções. E aí? Será que tais princípios são soberanos ou existe um limite para eles? Costumo dizer que a minha liberdade deixa de corresponder ao seu real significado no momento em que atinge a liberdade do outro, deixando de ser liberdade e


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passando a ser libertinagem. Como posso defender um direito se esse direito irá ferir a liberdade do outro? Isso seria aceitar que uns são superiores a outros. Não é isso que a Constituição defende. Sendo assim, qual caminho seguir? Minoria ou maioria? Houve uma falha do legislador nesse sentido. A Constituição é clara, contudo, existe uma carência de legislação que trate sobre a temática. Não é justo que travestis e transexuais continuem sendo diariamente massacradas sob a justificativa de um “bem maior”, de um padrão imposto por uma sociedade machista e misógina. O caminho não é esse. Jamais deveria ser!

2.2. Realidade de vida das travestis e transexuais no Brasil

Ao se perceberem de um gênero diferente do que lhes foi atribuído no nascimento, travestis e transexuais passam a enfrentar uma verdadeira luta para viverem de acordo com a sua identidade. Além do constante risco de serem alvos de violência, elas não podem contar com a existência de legislação que as proteja, são constantemente excluídas do mercado formal de trabalho, dificilmente possuem acesso a serviços de saúde e são o público que mais sofre com hostilização e preconceito nas escolas, liderando os rankings de evasão escolar. O Brasil matou ao menos 868 travestis e transexuais nos últimos oito anos, o que o deixa, disparado, no topo do ranking de países com mais registros de homicídios de pessoas transgêneras. O dado, publicado pela ONG Transgender Europe (TGEu)1 em novembro de 2016, é assustador, mas não representa novidade para essa parcela quase invisível da sociedade brasileira, que precisa resistir a uma rotina de exclusão e violência. Segundo o relatório da Transgender Europe2, o país registra, em números absolutos, mais que o triplo de assassinatos do segundo colocado, o México, onde foram contabilizadas 256 mortes entre janeiro de 2008 e julho de 2016. Em números relativos, quando se olha o total de assassinatos de trans para cada milhão de habitantes, o Brasil fica em quarto lugar, atrás apenas de Honduras, Guiana e El Salvador.

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BRASILIENSE, Correio. TRANSEXUAIS NO BRASIL: UMA LUTA POR IDENTIDADE. Disponível em: < http://especiais.correiobraziliense.com.br/luta-por-identidade>. Acesso em: 14 Nov. 2018. 2 BRASILIENSE, Correio. TRANSEXUAIS NO BRASIL: UMA LUTA POR IDENTIDADE. Disponível em: < http://especiais.correiobraziliense.com.br/luta-por-identidade>. Acesso em: 14 Nov. 2018.


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Esses dados são mascarados pela dificuldade de contabilizar os crimes. Em muitos países, não é possível obter informações confiáveis. E, naqueles em que há registros, são comuns, por exemplo, notícias e boletins de ocorrência que identificam a vítima como “homem com roupas de mulher”. O monitoramento da TGEu também não contabiliza episódios como o assassinato do vendedor Luiz Carlos Ruas, 54 anos, espancado em uma estação de metrô de São Paulo, na noite de Natal, em 2016, após defender uma mulher trans que estava sendo agredida. Por tudo isso, as mais de 800 vidas perdidas no Brasil e as 2.190 no mundo são apenas a ponta do iceberg. Mas as histórias que passam pelo filtro do preconceito e da falta de informações deixam claro o estado de vulnerabilidade das pessoas que se identificam com um gênero diferente daquele que foi atribuído a elas no nascimento (CUNHA, 2016). Quando busca explicar por que o Brasil e outros países da América Latina registram altos índices de violência contra travestis e transexuais, a ONG Transgender Europe3 cita, como uma das causas, a vulnerabilidade dessas pessoas ao trabalharem na prostituição. Ao fazer isso, a entidade internacional aponta, indiretamente, um dos maiores obstáculos para transgêneros brasileiros: a exclusão do mercado de trabalho. Segundo o Relatório da violência homofóbica no Brasil, publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), a transfobia faz com que esse grupo “acabe tendo como única opção de sobrevivência a prostituição de rua”. Não é mera força de expressão. Estimativa feita pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), com base em dados colhidos nas diversas regionais da entidade, aponta que 90% das pessoas trans recorrem a essa profissão ao menos em algum momento da vida.

2.3. Índices da violência no Brasil

De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), apenas em 2017 foram contabilizados 179 assassinatos de travestis ou transexuais. Isso significa que, a cada 48 horas, uma pessoa trans é assassinada no Brasil. Em 94% dos casos, os assassinatos foram contra pessoas do gênero feminino. 3

BRASILIENSE, Correio. TRANSEXUAIS NO BRASIL: UMA LUTA POR IDENTIDADE. Disponível em: < http://especiais.correiobraziliense.com.br/luta-por-identidade>. Acesso em: 14 Nov. 2018.


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A secretária de Articulação Política da Antra e autora do estudo, Bruna Martins, disse que a violência está atrelada não ao exercício da sexualidade, mas à identidade de gênero. “A gente diz que o machismo é a sementre do ódio e do preconceito. É como se os corpos dessas pessoas que desafiam as normas tivessem que ser expurgados da sociedade. E é isso que a sociedade tem feito”, disse (MARTINS, 2018). O relatório destaca que o número de assassinatos em 2017 é o maior registrado nos últimos 10 anos. Apenas entre 2016 e 2017 houve um aumento de 15% de casos notificados. A organização aponta que a situação mantém o Brasil no posto de país onde mais são assassinados travestis e transexuais no mundo. Em segundo lugar está o México, com 56 mortes. A comparação é feita tendo como base os dados da ONG Internacional Transgender Europe (TGEU)4. No Brasil, de acordo com o mapa, o Nordeste é a região que concentra o maior número de mortes, 69. Depois estão o Sudeste, com 57; o Norte e Sul, com 19 cada; e o Centro-Oeste, com 15. Em números absolutos, Minas Gerais é o estado que mais mata a população trans. Em 2017, 20 pessoas trans foram mortas em decorrência do preconceito contra sua identidade de gênero. Na Bahia, foram 17. Em São Paulo, 16, mesmo número do Ceará. No Rio de Janeiro, 14, como em Pernambuco. Alagoas, Espírito Santo e Tocantins registraram sete mortes cada um. Mato Grosso, seis. Cinco pessoas trans foram assassinadas no Amazonas, Goiás, Rio Grande do Sul e também em Santa Catarina. No Tocantins, 3. Já o Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso do Sul e Sergipe somam duas mortes cada. Uma morte ocorreu no Acre, Amapá, Piauí, Rio Grande do Norte e Roraima5. A maior parte das vítimas da violência transfóbica possui características semelhantes. Além do gênero, a idade é um fator que merece destaque. No relatório, não foi possível identificar a idade de 68 pessoas. Das outras 111, 67,9% tinham entre 16 e 29 anos. Pessoas que foram assassinadas entre os 30 e 39 anos representam 23% do total, ao passo que as entre 40 e 49 anos, 7,3%. Já as maiores de 50 anos, 1,8%.6 4

MARTINS, Helena. NÚMERO DE ASSASSINATOS DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS É O MAIOR EM 10 ANOS NO BRASIL. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-01/assassinatos-de-travestis-e-transexuais-e-o-maiorem-dez-anos-no-brasil. Acesso em: 14 Nov. 2018. 5 MARTINS, Helena. Número de assassinatos de travestis e transexuais é o maior em 10 anos no Brasil. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-01/assassinatos-de-travestis-etransexuais-e-o-maior-em-dez-anos-no-brasil>. Acesso em: 14 Nov. 2018. 6 MARTINS, Helena. Número de assassinatos de travestis e transexuais é o maior em 10 anos no Brasil. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-01/assassinatos-de-travestis-etransexuais-e-o-maior-em-dez-anos-no-brasil>. Acesso em: 14 Nov. 2018.


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Os dados confirmam a baixa expectativa de vida da população trans. Baseada em pesquisas, a Antra aponta que ela é de cerca de 35 anos, metade da média da população brasileira. “Infelizmente, no Brasil, ser travesti e transexual é estar diretamente exposta à violência desde muito jovem. Começa na infância, família, depois na segunda instituição social que é a escola, que forma pessoas preconceituosas que vão reproduzir esse preconceito na sociedade em geral”, detalha. As vítimas também têm cor preferencial. De acordo com o mapa, “80% dos casos foram identificadas como pessoas negras e pardas, ratificando o triste dado dos assassinatos da juventude negra no Brasil”. Associando diferentes formas de opressão, Bruna Benevides conclui que, “não é seguro, hoje, no Brasil, ser travesti e transexual, como não é seguro ser mulher e negro no país”. Do total das pessoas mortas, 70% eram profissionais do sexo. Daí também o fato de 55% dos crimes terem ocorrido nas ruas. Para a Antra, os dados mostram que o ódio às prostitutas, em um país que ainda não existe uma lei que regulamente a prostituição que, apesar de não ser crime, sofre um processo de criminalização e é constantemente desqualificada por valores sociais pautados em dogmas religiosos que querem manter o controle dos seus corpos e do que fazemos com eles.

2.4. O caso Dandara Dentre os casos de violência de gênero sofrido por gays, travestis, transexuais, e demais componentes do grupo LGTQ+, sem dúvida o que mais chamou atenção nesses últimos tempos foi o caso Dandara. Dandara era travesti e foi brutalmente assassinada por várias pessoas com requintes de crueldade, agredida com socos, ponta pés e pedaço de pau. A mesma vendia roupas usadas para completar a renda de casa. Era uma boa filha e muito querida por todos e todas do bairro conjunto em Fortaleza, estado do Ceará. A mesma foi morta no dia 15 de fevereiro de 2017 e seus agressores filmaram todo o ato, ostentaram o suplício da vítima e não tiveram a mínima piedade para com a mesma. Após agressões com chutes e golpes de pau, a travesti Dandara dos Santos foi assassinada a tiros, segundo o secretário da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, delegado André Costa. Os dois suspeitos de atirar em Dandara foram presos, conforme o


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secretário. Também foram apreendidos três adolescentes que aparecem no vídeo agredindo a vítima, e um sexto suspeito está foragido. Depois das agressões, levaram Dandara até outro local, próximo de onde foram feitas aquelas imagens. Como é visto nas imagens, ela foi brutalmente, covardemente, assassinada através de um disparo de arma de fogo. Um dos presos é apontado como o homem que filmou o crime. Segundo o titular da SSPDS, o homem é suspeito de tráfico de drogas, e já era conhecido da polícia. "A investigação apurou que essa pessoa que está presa foi quem filmou. As provas demonstram que é a voz dele que aparece no vídeo", comentou o secretário de segurança do Ceará. Ainda segundo o secretário, a polícia vai ouvir os suspeitos para investigar a motivação do crime. "Dependendo do que for apurado, pode haver alguma qualificação do crime", afirma. Um dos presos já tinha passagem na polícia por tráfico de drogas. A mãe de Dandara, Francisca Ferreira, diz que o momento é de desespero e choro. “Fiquei muito desesperada. Chorando e perguntado para Deus o que tinha acontecido. O que foi que esse menino fez meu Deus? Fiquei assim feito uma maluca sem saber acreditar. Se houve briga ou não”, disse emocionada. Uma testemunha que presenciou as agressões e que prefere não se identificar afirmou que foi um grave crime de linchamento. Ele relatou que Dandara foi agredida com murros, pedradas e pauladas. “Eram vários rapazes. Um dava um chute e outro uma pedrada. Outro dava murros e outro bateu com um pau na cabeça dela”. A testemunha contou que ligou duas vezes para a polícia. E alertou aos policiais que, caso eles não fossem, ia acontecer o pior. “Foi um linchamento muito cruel”, lamentou. A irmã de Dandara, Sônia Maria, relatou que a irmã era muito querida por todos e não deixava de fazer um favor sequer para as pessoas. Sônia afirmou que Dandara sempre era vítima de preconceito. “Ela nunca dizia um não. Ela podia estar cansada, mas era sempre prestativa. Para onde a gente pedia para ela ir, ela ia. Ela nunca dizia um não. Sobre os preconceitos, ela foi para o Bairro Jurema e uns caras bateram nela. Ela foi até para o hospital”, disse. O caso de Dandara é chocante e mostra as reais consequências da intolerância e do discurso de ódio que permeiam o nosso país.

2.5. O caso Laysa Fortuna


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Era 18 de Outubro de 2018 quando Laysa Fortuna, mulher transexual de 25 anos foi covardemente agredida e esfaqueada na barriga por um morador de rua que costumava frequentar a rua onde a mesma morava. Segundo testemunhas, o agressor identificado como Alex da Silva Cardoso, pessoa em situação de rua, estava percorrendo o Centro e ameaçou diversas travestis incitando motivação política. Elas revelam que Alex dizia que, se Jair Bolsonaro (PSL) fosse eleito presidente, todas as pessoas trans e travestis seriam mortas. Ele também provocava e mostrava as partes íntimas. Alex voltou com uma faca na mão, fazendo diversas travestis correrem do local onde estavam. Laysa tentou se defender quando ele tentou desferir uma facada na região do peito. Ela conseguiu empurrá-lo, mas recebeu uma facada na região do tórax. Após a agressão, ela gritou “Eu não quero morrer”. “Dor insuportável”, de acordo com testemunhas. Após a agressão, Laysa foi encaminhada ao Hospital Municipal Nestor Piva e, depois, ao Huse. Segundo a assessoria de comunicação do hospital, a vítima foi esfaqueada na região do tórax e o ferimento provocou hemorragia e sangue nos pulmões. Ela sofreu uma parada cardíaca no dia seguinte e, apesar da equipe tentar reanimá-la, veio a óbito. O caso de Laysa é recente e ocorreu em pleno período eleitoral. Não obstante, podemos nos deparar com inúmeros casos de intolerância ocorridos durante esse ano, com ênfase ao período compreendido entre as proximidades do primeiro turno das eleições e algumas semanas após o resultado do segundo turno. O discurso de ódio proferido por determinados candidatos inflamou os ânimos dos eleitores além do esperado. Foi capaz de ir além do que imaginavam e colocou para fora todo o preconceito e discriminação que inúmeras pessoas possuíam de forma oculta, contida. Não dá mais para a população de travestis e transexuais sofrer com a marginalização e violência. 2.6. “Comunidade Trans” e a carência da tutela penal

Como buscou-se demonstrar no decorrer desse trabalho, travestis e transexuais praticamente não possuem mais qualidade de vida no Brasil. Como se não bastasse a exclusão do próprio seio familiar, ainda tem que lidar com a exclusão da própria


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sociedade, vez que não possuem acesso a educação de qualidade, nem aos serviços básicos de saúde, além de que não recebem nenhuma oportunidade de emprego e tem que se submeterem as condições degradantes da prostituição. Dessa forma, torna-se mais do que necessária uma atenção especial por parte do legislador para essa parcela da população tão marginalizada. Tem que existir uma proteção maior por parte do Código Penal para esses sujeitos. Já existe um projeto na Câmara Federal que tipifica a homofobia como crime hediondo. O mesmo foi discutido e arquivado. Já houve também uma discussão para que as travestis e mulheres transexuais fossem incluídas no crime de feminicídio, já que possuem como identidade de gênero a identidade feminina. Ambas as propostas foram barradas pela conhecida “bancada evangélica” por irem contra os preceitos morais da família tradicional brasileira. Eis que pergunto: De que adianta a Carta Magna, lei maior de nosso ordenamento jurídico, defender a igualdade entre todos perante a lei se existem sujeitos sendo constantemente massacrados e tendo os seus direitos violados?

3. METODOLOGIA

Para a realização deste trabalho operou-se com o método de abordagem dedutivo, ou seja, partindo das teorias e leis para os fenômenos particulares e, quanto aos métodos de procedimento, desenvolveu-se pesquisa bibliográfica (literatura sobre o assunto) e documental (fontes primárias).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, diante de tudo o que foi exposto neste trabalho, conclui-se que o Brasil, mesmo com todos os seus avanços tecnológicos e científicos, ainda tem muito a avançar no campo social, principalmente no que diz respeito à atenção a grupos minoritários, principalmente aqueles que mais sofrem com a marginalização. Buscou-se apresentar a atual realidade a qual as travestis e transexuais estão inseridas em nosso país, realidade essa que poucos possuem conhecimento. Há de se repensar um pouco sobre políticas públicas de inclusão dessa parcela em nossa sociedade, retirando-os da informalidade e do campo da exclusão.


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Historicamente, o Brasil é um país de segregação. Começou na colonização, quando os povos indígenas foram massacrados em suas próprias terras e feitos de servos dos colonizadores, que retiraram tudo, até mesmo as suas crenças e cultura; e isso vem se perpetuando pelo decorrer do tempo, em todos os povos, até os nossos dias atuais. Isso não pode continuar existindo. Mostrou-se, ainda, a necessidade de nosso ordenamento jurídico oferecer uma maior proteção a esses grupos, fazendo valer o disposto em nossa tão sagrada Constituição Federal, proporcionando a plena igualdade entre os povos. O discurso de ódio possui a capacidade de destruir vidas, literalmente. Que saibamos, a partir de agora, conviver com as diferenças e aceitar os nossos companheiros de igual para igual. Não dá mais para suportarmos tanta desigualdade, intolerância e preconceito. Todos possuímos as nossas dores e carregamos as nossas cruzes, então, que o mínimo que possam existir em nossa sociedade seja o respeito. Que a nossa pátria seja, efetivamente, uma pátria de todos e todas!

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Capítulo 2

A APLICAÇÃO DO PCL-R COMO INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO DA PSICOPATIA E DOS FATORES DE RISCO DE REINCIDÊÑCIA GERAL NO BRASIL

(Autora) Luiza Catarina Sobreira de Souza

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Criminalidade e Prevenção da Reincidência Criminal. 2.1. Modelo Risco-Necessidade-Responsividade. 2.2. Conduta Criminal. 3. Psicopatia: Identificação e Tratamento Legal. 3.1. A Ausência de Diagnóstico e o Tratamento na Legislação Penal Brasileira. 4. O PCL-R como Instrumento de Caracterização e Avaliação d Risco. 4.1. Procedimento. 4.2. Aplicação no Brasil. 5. Metodologia. 6. Considerações Finais. Referências.


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RESUMO O presente trabalho tem como objetivo problematizar a escala Psychopathy ChecklistRevised (PCL-R), criada pelo psicólogo canadense Robert Hare, como instrumento de avaliação do grau de psicopatia e do risco de reincidência geral do crime, assim como também analisar a possibilidade de que esta seja aplicada no Brasil. Deste modo, o PCL-R será avaliado como solução para o exame criminológico, de modo a possibilitar a individualização da pena e o tratamento legal diferenciado para o psicopata. Destarte, tem-se que a presente pesquisa é bibliográfica, sendo estruturada na leitura, seleção e interpretação de artigos que melhor instrumentalizem o tema em foco. Palavras-chave: PCL-R. Psicopatia. Reincidência Geral. 1 INTRODUÇÃO Conforme dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen (2018)1 banco de dados sobre o sistema carcerário do Ministério da Justiça, o Brasil apresenta a terceira maior população carcerária do mundo, contabilizando 726.712 presos em junho de 2016, um aumento de 707% em relação ao total registrado no início da década de 1990. Isto posto, é importante salientar que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea (2015)2, mediante acordo de cooperação técnica firmado com o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, identificou que um em cada quatro ex-condenados reincide no crime, uma taxa de 24,4%. Todavia, segundo Morana (2011), se o sujeito for identificado como psicopata, a probabilidade de reincidência criminal é maior que 70%. Deste modo, haja vista que o aumento da população carcerária está intrinsicamente relacionado ao crescimento da criminalidade no Brasil, o que inclui o estudo da reincidência criminal, é de extrema necessidade a identificação das características comuns dos sujeitos que cometem os referidos delitos, especialmente se eles apresentam personalidade psicopática. Essa análise possibilitará a identificação dos fatores de risco e de proteção indispensáveis à avaliação do risco de reincidência geral do crime, bem como a prevenção do cometimento futuro de ilícitos. 1

DEPEN (2018). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. INFOPEN Mulheres. 2ª Edição. Disponível em: <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopenmulheres/infopenmulheres_arte_07-03-18.pdf> Acesso em: 10 nov. 2018. 2 CNJ (2015). Um em cada quatro condenados reincide no crime. Disponível em: <http://cnj.jus.br/noticias/cnj/79883-um-em-cada-quatro-condenados-reincide-no-crime-aponta-pesquisa> Acesso em 10 nov. 2018.


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Sendo assim, surge o chamada Psychopathy Checklist-Revised (PCL-R), criada pelo psicólogo canadense Robert Hare para avaliar o grau de psicopatia dos sujeitos (Neves et al., 2011, p. 137-149). Isto posto, apesar de não ser originalmente um instrumento de avaliação de risco, o PCL-R, por fornecer uma pura avaliação psicométrica, vem sendo utilizada para avaliar a ligação entre a psicopatia e a reincidência criminal geral. O presente trabalho está longe de proporcionar às ciências sociais ou jurídicas ideias inovadoras, na realidade, a finalidade deste é analisar o PCL-R enquanto solução para o exame criminológico, realizando uma revisão sistemática da literatura para identificar os resultados alcançados pela referida escala.

2 CRIMINALIDADE E PREVENÇÃO DA REINCIDÊNCIA CRIMINAL

Hodiernamente, em face do aumento da criminalidade e, consequentemente, da expansão da população carcerária brasileira, o estado social se encontra em crise. Seja pelos altos índices de pobreza, desigualdade, desemprego e intolerância, que cada vez mais assolam o país, seja pela total ausência de políticas sociais efetivas e de investimento em educação. A realidade é que cada vez mais o discurso sobre segurança e necessidade de intensificação de políticas penais, especialmente o maior rigor das leis e a penalização como solução de problemas criminais, vem sendo adotado por muitos países. Como exemplo, tem-se os Estados Unidos da América (EUA), que substituiu o estado assistencial pelo punitivo, ou seja, substituiu a “guerra contra pobreza” por uma guerra contra os pobres, transformando-os em bodes expiatórios de todos os grandes males do país. Neste sentido, estes são intimidados a assumirem a responsabilidade por si próprios, sob pena de se verem atacados por uma série de medidas punitivas e vexatórias (WACQUANT, 2013, p. 96) No entanto, a despeito disso, a prisão, como principal meio de punição pelo cometimento de ilícitos, não pode existir tão somente na sua função retributiva, ou seja, para retribuir com o mal, um mal cometido; mas sim, na sua tripla função (teoria mista/eclética), sendo estas: a retribuição, a prevenção e a ressocialização. (COSTA JR, 2000, p. 119).


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Em face disso, surge a maior contradição do sistema prisional, qual seja, a de devolver para a sociedade um indivíduo cada vez mais malucado, isto é, ao invés de promover a reabilitação do sujeito, a prisão se tornou uma verdadeira “fábrica de criminosos”, o que só serve para afastar ainda mais o sujeito da sociedade Isto posto, é exatamente a partir da discussão da efetividade do atual sistema penal, quanto ao cumprimento da sua tripla função, que surge a necessidade do estudo da criminologia e da psicologia forense, que analisará a figura do criminoso a partir das suas peculiaridades psicossociológicas. Neste sentido, tem-se que com a entrada em vigor do Código Penal Brasileiro, em 1940, os procedimentos de estudo e diagnóstico da personalidade do criminoso começaram a se fortalecer, haja vista que foi incorporada ao sistema penal o critério da periculosidade para a aplicação da pena e da medida de segurança. É o que se extrai da redação do artigo 77 do aludido código: “deve ser reconhecido perigoso o indivíduo se sua personalidade e antecedentes, bem como os motivos e circunstâncias do crime, autorizam a suposição de que venha ou torne a delinquir”. Portanto, salienta-se que a tendência da legislação penal brasileira é avaliar a personalidade do indivíduo para fins de prescrever técnicas de tratamento penal, assim como também prever o risco de reincidência. Desta feita, surge o conceito de avaliação do risco de reincidência criminal, normalmente utilizada em assessorias técnicas prestadas aos tribunais e para a análise do nível da execução de penas e de medidas (Pimentel et al, 2015, p. 55-71). O estudo da estimativa de probabilidade da reincidência é uma necessidade tanto por parte daqueles que lidam profissionalmente com ofensores, quanto por parte da sociedade em geral, buscando estimar “o perigo que se consubstancie em fundado receio de que o agente possa vir a praticar fatos da mesma espécie de ilícitos-típicos” (Dias, 2009, p. 440), isto é, a possibilidade de um indivíduo cometer um novo crime, de perigosidade social.

2.1 Modelo Risco-Necessidade-Responsividade

Em face do estudo da reincidência criminal, surge, na primeira metade do século XX, a ideia de avaliação de risco, que, à priore, era uma questão de julgamento profissional, sendo realizada com base na própria formação e experiência dos


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funcionários das instituições de atendimento ao ofensor. Por conseguinte, a partir de 1970, entendeu-se que a avaliação deveria ser baseada em evidências, sendo adotado os chamados instrumentos atuariais que consideravam itens individuais do indivíduo, como o histórico de abuso de drogas (BONTA; ANDREWS, 2011, p. 10). No entanto, verificou-se que a referida avaliação não possibilitava a diminuição do risco, face à padronização estática dos fatores avaliados no instrumento, à exemplo do histórico delituoso. Desse modo, foram acrescidos, no final da década de 1970 e início da década de 1980, fatores dinâmicos para avaliar a situação atual e em constante mudança do ofensor, o que só foi possível através da introdução ao processo dos chamados instrumentos de avaliação, isto é, testes que possibilitam a avaliação de fatores que até então não eram passíveis de medição (BONTA; ANDREWS, 2011, p. 11-12) Neste sentido, surge o modelo risco-necessidade-responsividade (RNR) para avaliação e atendimento de ofensores, fundado em três princípios básicos: risco, necessidade e responsividade. No que concerne ao princípio do risco, entende-se que o atendimento dispensado ao indivíduo deve ser proporcional ao risco de que ele cometa um novo delito (Bonta; Andrews, 2011, p. 12). Ou seja, é necessário garantir que exista um meio confiável de diferenciar os ofensores de baixo risco dos de maior risco, uma vez que cada um deve receber atendimento adequado ao seu potencial de cometer novos ilícitos. Já no que se refere ao princípio da necessidade, o foco do atendimento será nas necessidades criminógenas do sujeito, isto é, nos fatores de risco dinâmicos que estão direta e indiretamente relacionados ao comportamento delituoso (Bonta; Andrews, 2011, p. 13), como o uso de drogas, o abandono escolar, os problemas familiares, a ausência de autocontrole, entre outros. Salienta-se que essa avaliação será feita por instrumentos de avaliação de risco, à exemplo do chamada PCL-R ou Escala de Hare, que será abordada no quarto tópico deste artigo. Por fim, mas não menos importante, temos o princípio da responsividade, que nada mais é que uma estratégia para um eficiente modo de ensinar novos comportamentos às pessoas, isto é, a partir da análise dos pontos fortes pessoais e fatores sociológicos da personalidade do indivíduo, o atendimento deve ser ajustado para facilitar o processo de aprendizagem (Bonta; Andrews, 2011, p. 15).


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2.2 Conduta Criminal

Segundo Perrone, Sullivan, Pratt e Margaryan (2004, p. 298-312), os sujeitos que cometem ilícitos, manifestam, desde muito cedo, problemas comportamentais. Neste sentido, Durkheim (2003, p. 65-68) estabelece que a conduta criminal é definida como personalidade delinquente, antissocial ou personalidade criminosa. Sendo assim, haveria uma interdependência entre a personalidade e o crime, o que segundo Andrews e Bonta (2003) foi verificado em 83% dos estudos sobre o comportamento criminoso. Outrossim, estando este relacionado a um comportamento antissocial, seria essencial a avaliação do estilo de vida criminal do sujeito, por meio da análise de quatro fatores fundamentais: as condições pessoais e sociais, as escolhas realizadas e futuras, as cognições e o comportamento (Walters, 1990). Deste modo, observa-se que os indivíduos com condutas criminais possuem problemas como a dificuldade em observar e cumprir normas, temperamento exaltado, baixo controle da impulsividade, elevado grau de egocentrismo, necessidade de gratificação imediata, entre outros (Pacheco et al, 2005, p. 55-61). Face a essas características, especialmente quanto à perturbação da personalidade antissocial, a criminalidade termina sendo associada à psicopatia, apesar de que nem todos os sujeitos que cometem crimes são psicopatas, nem todos os psicopatas praticam crimes (Nunes, 2009, p. 152-161).

3 PSICOPATIA: IDENTIFICAÇÃO E TRATAMENTO LEGAL

Conforme se verificou no capítulo anterior, o estudo da conduta criminal e, consequentemente, da criminalidade, envolve a análise dos comportamentos desviantes e, em alguns casos, das chamadas personalidades antissociais. Apesar de a criminalidade nem sempre remeter a uma perturbação da personalidade antissocial, que comumente é conhecida como psicopatia, verifica-se uma elevada associação entre a psicopatia e o risco de cometimento de crimes, em especial a probabilidade de reincidência criminal. Inicialmente, é importante salientar que para a psicologia forense, as expressões conhecidas como transtorno de personalidade antissocial, sociopatia, transtorno dissocial, de caráter ou sociopático, são sinônimos de psicopatia (Fiorelli; Mangini,


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2012, p. 105-106). Neste sentido, quanto a sua conceituação, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva discorre:

É importante ressaltar que o termo psicopata pode dar a falsa impressão de que se trata de indivíduos loucos ou doentes mentais. A palavra psicopata literalmente significa doença da mente (do grego psyche = mente; e pathos = doença). No entanto, em termos médico-psiquiátricos, a psicopatia não se encaixada na visão tradicional das doenças mentais. Esses indivíduos não são considerados loucos nem apresentam algum tipo de desorientação. Também não sofrem de delírios ou alucinações (como a esquizofrenia) e tampouco apresentam intenso sofrimento mental (como a depressão ou o pânico, por exemplo). (SILVA, 2014, p. 38)

O psicopata tem total consciência ao praticar o delito, ou seja, além de ter plena capacidade, compreende o caráter ilícito do ato e as suas consequências. Desse modo, assevera Silva, referenciando Robert Hare:

[...] psicopatas têm total ciência dos seus atos (a parte cognitiva ou racional é perfeita), ou seja, sabem perfeitamente que estarão infringindo regras sociais e por que estão agindo dessa maneira. A deficiência deles (e é aí que mora o perigo) está no campo dos afetos e das emoções. Assim, para eles, tanto faz ferir, maltratar ou até matar alguém que atravesse seu caminho ou seus interesses, mesmo que esse alguém faça parte de seu convívio íntimo. Esses comportamentos desprezíveis são resultados de uma escolha, diga-se de passagem, exercida de forma livre e sem qualquer culpa. (SILVA, 2014, p. 35)

Na realidade, se existe uma personalidade criminosa, segundo Silva (2010, p. 117), "esta se realiza por completo no psicopata”, pois ninguém é tão qualificado para desobedecer a leis, enganar ou ser violento quanto ele. Neste sentido, tem-se que este é incapaz de expressar sentimentos, além disso, demonstra desprezo pelas normas e ausência de remorso pela violação de direitos alheios, sendo caracterizado pela total ausência de afetos, estilo de vida parasita e instabilidade. Em consonância, França (2004, 9.424) ressalta que as características mais acentuadas nas personalidades psicopáticas são: “distúrbios da afetividade, ausência de delírios, boa inteligência, inconstância, insinceridade, falta de vergonha e de remorso, conduta social inadequada, falta de ponderação, egocentrismo, falta de previsão, inclinação à conduta chocante (...)”. Ademais, salienta-se que o indivíduo não contrai a psicopatia, ele nasce com ela. Todavia, ambientes em que uma criança, com tendências psicopáticas, é exposta à


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insensibilidade emocional e à violência, pode moldar o seu grau de psicopatia, transformando-a em uma pessoa extremamente perigosa (SILVA, 2011, p. 29). Além disso, estudos revelam que a taxa de reincidência criminal, ou seja, da probabilidade de o psicopata cometer novos crimes, é duas vezes maior que a dos demais criminosos; e se o crime estiver associado à violência, a reincidência aumenta de duas para três vezes mais (SILVA, 2014. P. 152).

3.1 A Ausência de Diagnóstico e o Tratamento na Legislação Penal Brasileira

Inicialmente, ressalta-se que inexiste no sistema penitenciário brasileiro qualquer procedimento de diagnóstico para a psicopatia, especialmente nos casos em que o acusado requer a redução da pena ou, quando já condenado, a progressão do regime. De acordo com Silva (2014, p. 152-153), se este procedimento existisse e fosse utilizado tanto para a aplicação da pena, quanto para a sua execução, nos presídios brasileiros, os indivíduos identificados como psicopatas receberiam um tratamento jurídico diferenciado, o que incluiria a separação dos presos comuns e a permanência deste por mais tempo na prisão. Neste sentido, tem-se que nenhum indivíduo poderia ser sentenciado sem que houvesse um anterior estudo acerca de suas condições sociopsicológicas, afinal, o próprio direito penal, como visto no tópico anterior, discorre que deve ser analisada a perigosidade do indivíduo, para que a pena aplicada esteja de acordo com as suas peculiaridades. Quanto a isso, Castro e Campos (2011, p. 138-139) defendem a necessidade de que haja um tratamento específico para cada sujeito, afinal, “classificações amplas induzem a erros de generalizações que podem nos remeter a uma dificuldade na escuta do particular do caso”. Outrossim, Silva (2012) discorre que em países como a Austrália e o Canadá, assim como também em alguns estados americanos, é realizada a diferenciação entre o criminoso psicopata do não psicopata, não importando o ato em si cometido, mas se aquela pessoa é uma psicopata ou não. Sendo assim, uma vez confirmado o diagnóstico, a legislação em termos penais e de execução penal a ser aplicada ao sujeito é totalmente diversa, ou seja, a política criminal deve ser diferente. No que tange ao sistema penal brasileiro, a psicopatia não é admitida como doença mental, na realidade, o ato praticado pelo agente é considerado antijurídico, no


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entanto, é admitida a diminuição da pena. Neste aspecto, discorre o parágrafo único do artigo 26 do Código Penal “A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Outrossim, admite-se, ainda, a substituição da pena privativa de liberdade pela aplicação da medida de segurança, ou seja, pela internação ou tratamento ambulatorial do condenado pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, desde que este necessite de especial tratamento curativo (art. 98 do Código Penal Brasileiro). De acordo com a doutrina e a jurisprudência dominante, os psicopatas são considerados semi-imputáveís, uma vez que a sua capacidade de autodeterminação estaria diminuída, apesar de este ter compreensão acerca da ilicitude da ato praticado. Assim expõe França:

Hoje, sob a vigência do sistema “vicariante” ou “unitário”, defendemos que elas sejam consideradas semi-imputáveis, ficando sujeitas à medida de segurança por tempo determinado e a tratamento médico-psiquiátrico, resguardando-se, assim, os interesses da defesa social e dando oportunidade de uma readaptação de convivência com a sociedade. (FRANÇA, 2004, p. 425)

No entanto, tal posicionamento encontra grandes críticas na psiquiatria, haja vista que esta considera que não existe tratamento eficaz para a psicopatia, ou seja, é uníssono entre os profissionais da área que não existe cura específica, apesar de haver maneiras de diminuir os sintomas, é o que assevera a psiquiatra Silva:

Por mais bizarro que possa parecer, os psicopatas parecem estar inteiramente satisfeitos consigo mesmo e não apresentam constrangimentos morais nem sofrimentos emocionais, como depressão, ansiedade, culpas, baixa autoestima etc. Não é possível tratar um sofrimento inexistente. É no mínimo curioso, embora dramático, pensar que os psicopatas são portadores de um grave problema, mas quem de fato sofre é a sociedade como um todo. (SILVA, 2014, p. 186)

Diante do exposto, ressalta-se que a realidade do judiciário brasileiro, é que os indivíduos que, usualmente, cumprem medidas de segurança, ou seja, estão internados em hospitais de custódia, são os criminosos com doença mental tratável, o que não é o caso dos psicopatas. Em face disso, muitos promotores evitam declarar a semiimputalidade, tanto para evitar a internação, quanto para afastar a redução da pena


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(MORANA apud SZKLARZ, 2016). Isto posto, uma vez que não existe prisão especial para o psicopata no Brasil, este é inserido no sistema penitenciário brasileiro juntamente com os criminosos comuns. O psicopata, que segundo Silva (2012), compõe um quarto da população carcerária, tende a ter um bom comportamento na prisão, o que possibilita a acesso à progressão da pena, todavia, nas entrelinhas, é um manipulador nato, ou seja, ameaça os presos e orquestra rebeliões, o que, consequentemente, macula o ambiente carcerário e prejudica a reabilitação dos apenados comuns (MORANA apud SZKLARZ, 2016). Portanto, não é à toa que muitos países têm adotado o PCL-R (ou Escala Hare) como instrumento de avaliação e diagnóstico da psicopatia, havendo, nestes, uma redução de dois terços nas taxas de reincidência nos crimes mais graves e violentos. Outrossim, a própria legislação penal e de execução penal tem sido alterada para a efetiva prevenção da reincidência criminal, o que já foi pauta de luta no Brasil pela psiquiatra forense, Hilda Morana, que tentou convencer os deputados a criarem prisões especiais para os psicopatas, todavia não logrou êxito (SILVA, 2014, p.152)

4 O PCL-R COMO INSTRUMENTO DE CARACTERIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DE RISCO

O Psychopathy Checklist Revided (PCL-R), conforme já exposto, foi criada pelo psicólogo canadense Robert Hare para identificar a psicopatia no sujeito. No Brasil, este método foi traduzido e validado pela psiquiatra Hilda Morana, em sua tese de doutorado no Curso de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, sendo avaliado e aprovada a sua utilização pelo Conselho Federal de Psicologia em 2005 (YAMADA, 2009). Isto posto, apesar de inicialmente não ter natureza jurídica de instrumento de avaliação, a Escala Hare tem sido utilizada para avaliar o grau de psicopatia dos indivíduos que compõem a população carcerária, quanto a finalidade do seu uso, Morana (2003, p. 18) afirma: “Esta proposição tem o objetivo de liberar as prisões da influência nefasta dos mesmos e, desta forma, poder promover a reabilitação dos criminosos não-psicopatas, a exemplo de países como Canadá e Inglaterra” Outrossim, é importante salientar que apesar de serem poucas as pesquisas e publicações no Brasil sobre a sua utilização, o PCL-R tem sido bem aceita pela comunidade psiquiátrica, principalmente por ter demonstrado ser altamente confiável e


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válida (ELLS, 2005, p. 181). Sendo assim, é hoje um dos instrumentos mais fidedignos para identificar psicopatas criminosos propensos à reincidência criminal, uma vez que foi projetado para avaliar seguramente e objetivamente o grau de periculosidade e de readaptabilidade do condenado à vida comunitária, sem sofrer interferências, durante a avaliação, da cultura ou do grau de instrução do indivíduo. Além disso, em tempos que a sociedade clama por maior repressão e penas mais severas, o PCL-R se apresenta como uma solução para o exame criminológico, especialmente, por revelar que o sistema torna invisíveis as fontes geradoras da criminalidade, permitindo e incentivando a crença dos desvios pessoais a serem combatidos, mas escondendo os desvios estruturais que os alimentam (KARAN, 2004).

4.1 Procedimento

Segundo Morana (2011), o método consiste em uma entrevista semiestruturada, composta por 20 itens orientados para a análise da estrutura da personalidade do indivíduo. Neste sentido, tem-se que a Escala Hare possui um Manual que contém as instruções e critérios para a avaliação e a pontuação dos itens, que, neste caso, serão pontuados em uma escala numérica ordinal de três pontos (0, 1 ou 2), sendo: 0 (zero), quando o indivíduo não apresentar qualquer característica; 1 (um), caso apresente alguns traços; e 2 (dois), se as características em questão corresponderem as do sujeito avaliado. Os itens serão divididos em dois grupos. O primeiro estará voltado para a análise das características centrais da personalidade psicopática do indivíduo, sendo estas: charme superficial, superestima, mentira patológica, manipulação, ausência de remorso ou culpa, insensibilidade afetivo-emocional, indiferença/falta de empatia e incapacidade de aceitar a responsabilidade por seus atos. Já o segundo avaliará o comportamento socialmente desviante dele, que terá as seguintes características: necessidade de estimulação/tendência ao tédio, estilo de vida parasitário, descontroles comportamentais, transtornos de conduta na infância, ausência de metas realistas, impulsividade, irresponsabilidade, delinquência juvenil e revogação da liberdade condicional. Além dessas características, também serão pontuadas na entrevista fatores como: promiscuidade sexual, relacionamentos conjugais de curta duração e versatilidade criminal.


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Uma vez avaliado e somados os itens, a pontuação pode chegar até 40. Sendo assim, no que concerne ao ponto de corte para a definição da psicopatia no indivíduo, este será determinado de acordo com as características culturais do lugar. Ou seja, segundo Hare, o ponto de corte tradicionalmente utilizado nos EUA e no Canadá é de 30; já no Brasil, de acordo com Morana, é 25. Outrossim, salienta-se que além da avaliação desses 20 itens, realizar-se-á uma entrevista para colher informações objetivas sobre a vida do sujeito, para fins de formar uma rede de proteção de dados que possibilite a averiguação da veracidade do que foi dito pelo entrevistado, visto à facilidade em manipular e mentir do psicopata. Desse modo, serão analisadas questões como: ajustamento escolar; histórico profissional; metas profissionais; finanças; vida familiar; relacionamentos sexuais; saúde; uso de álcool e de outras drogas; comportamento antissocial na infância, adolescência ou vida adulta; questões gerais (mentiras, temperamento, manipulação, círculo social, autoestima, perdas etc).

4.2 Aplicação no Brasil

No Brasil, não são mais obrigatórios o exame criminológico nem o parecer da Comissão Técnica de Classificação para a concessão do benefício da progressão de regime (Bitencourt, 2011, p. 535), o que aliado a falta de exames padronizados para a avaliação da personalidade dos presos, agrava ainda mais a reincidência criminal de psicopatas. Um exemplo disso, é o caso de Elias Pereira da Silva, conhecido como Elias Maluco, que foi preso por tráfico e, após ter passado 4 (quatro) anos recluso, conseguiu um habeas-corpus que o pôs em liberdade. Nos dois anos em que voltou à liberdade, entre os anos 2000 e 2002, foi apontado como responsável por sessenta mortes, inclusive, a do jornalista Tim Lopes (MORANA, 2011). Outro caso é o do pedreiro Adimar Jesus da Silva, que em 2003 foi condenado a 10 (dez) anos de prisão por atentado violento ao pudor, todavia, em dezembro de 2009, apesar de haver laudo psiquiátrico que o classificava como um “psicopata perigoso”, ele conseguiu o benefício da prisão domiciliar. Em abril de 2010, cerca de 4 (quatro) meses depois, foi preso novamente, desta vez por pedofilia, após ter matado seis jovens a pauladas, com golpes de enxadão e martelo (MORANA, 2011).


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Desta feita, o conceito de psicopatia hoje é um termo diretamente relacionado com a previsão da reincidência criminal, sendo necessária à avaliação do criminoso com traços de psicopata por psicólogos devidamente treinados na técnica da Escala Hare (PCL-R), de modo a aplicar para o sujeito uma medida mais adequada. Sendo assim, sempre que houver requerimento de transferência para o regime semiaberto ou aberto, deve ser feita a avaliação. Além disso, o sujeito deverá passar mensalmente em ambulatório composto por psiquiatras forenses que farão relatórios informando a condição atualizada deste.

5 METODOLOGIA

Quanto à metodologia adotada por este artigo, tem-se a vertente quantitativainterpretativa, uma vez que, levando-se em consideração a preocupação social que envolve o tema, tal método é o que melhor se adapta ao objetivo que se pretende alcançar com o trabalho. No que tange ao método de abordagem, adotou-se o dedutivo, buscando-se analisar os fatores que contribuem para a reincidência criminal, bem como o modo de tratamento dos psicopatas na legislação brasileira. Já no que concerne ao procedimento técnico, o presente artigo utilizou como objeto a pesquisa bibliográfica, estruturada na leitura, seleção e interpretação de artigos que melhor instrumentalizaram o tema em foco, deste modo, utilizou-se o banco de dados do Google Acadêmico e do B-On como fontes primordiais de pesquisa. A processo de escolha da bibliografia, deu-se a partir do princípio de que a Escala Hare é um dos principais instrumentos de avaliação do grau de psicopatia e do risco de reincidência geral, possibilitando a redução do índice de criminalidade na sociedade. No segundo tópico, tratou-se da criminalidade e da aplicação dos instrumentos de avaliação para a prevenção da reincidência criminal, ocasião em que se discorreu sobre o Modelo Risco-Necessidade-Responsividade desenvolvida pela psiquiatria forense. Em seguida, no terceiro tópico, foram aduzidas algumas considerações sobre a psicopatia, tanto sobre a ausência de obrigatoriedade do diagnóstico, quanto acerca do tratamento na legislação penal brasileira. Por fim, discorreu-se sobre o PCL-R como instrumento de caracterização e avaliação do Risco de reincidência e sobre a sua aplicação no Brasil.


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6 CONCLUSÃO

Com o aumento da criminalidade e, consequentemente, da população carcerária brasileira, que entre a década de 1990 e 2016 cresceu 707%, é cada vez mais comum a reivindicação popular por uma maior rigidez legal, assim como também por mais punição. Todavia, a função do sistema penitenciário brasileiro, assim como também da política criminal adotada para o combate à criminalidade, tem sido a de “enxugar gelo”, haja visto que estão unicamente voltados para coibir os desvios dos indivíduos, mas não os desvios estruturais que corroboram para o ambiente criminógeno. Outrossim, é impossível falar sobre criminalidade sem discorrer sobre os desvios de personalidade antissocial, ou seja, sobre os psicopatas, que correspondem à um quarto da população carcerária brasileira, sendo indivíduos considerados pela psiquiatria como intratáveis e insuscetíveis reabilitação. Pelo contrário, teriam 70% de chances de cometer um novo delito, à exemplo dos casos de Elias Maluco e Adimar Jesus da Silva. Como uma alternativa, ou provável solução, para a reincidência geral entre os indivíduos considerados psicopatas, foi proposta a utilização da Escala Hare, definida no Modelo Risco-Necessidade-Responsividade como um instrumento de avaliação de risco. Neste sentido, tem-se que ele é hoje um dos instrumentos mais fidedignos para identificar psicopatas criminosos propensos à reincidência criminal, uma vez que foi projetado para avaliar seguramente e objetivamente o grau de periculosidade e de readaptabilidade do condenado à vida comunitária, sem sofrer interferências, durante a avaliação, da cultura ou do grau de instrução do indivíduo. No que concerne ao Brasil, tem-se que não é mais obrigatória a realização do exame criminológico nem do parecer da Comissão Técnica de Classificação para a concessão do benefício da progressão de regime. Além disso, apesar de a legislação penal o tratar como semi-imputável, muitos promotores deixam de requerer esse enquadramento, haja vista que isso levaria à redução da pena ou a substituição dela pela medida de segurança. Portanto, em termos práticos, o psicopata termina inserido ao sistema carcerário juntamente com os presos comuns e recebe o mesmo tratamento legal, inclusive, para requerer a progressão de regime. Por fim, é de extrema necessidade que a Escala Hare seja aplicada aos sujeitos que estão inseridos nas penitenciárias brasileiras, tanto para identificar o criminoso psicopata, quanto para os classificar de acordo com o seu potencial de perigosidade


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social, ou seja, de cometer novos delitos. Outrossim, a atual política criminal de combate à criminalidade e de ressocialização dos apenados, precisa ser revista para separar o psicopata criminoso do criminoso comum. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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Capítulo 3

MULHERES GRÁVIDAS ENCARCERADAS NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO FRENTE A DIGNIDADE HUMANA

(Autores) Anna Karolinne Paes de Lima Igara Rafhaela Silva Fernandes

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. As mulheres no cárcere. 3. Gravidez atrás das grades. 4. A saúde da encarcerada. 5. O princípio da dignidade humana. 6. Metodologia. 4. Considerações finais. 6. Referências bibliográficas.


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RESUMO: De acordo com o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), a população carcerária feminina brasileira aumentou 680% em 16 anos, destas existem 622 grávidas. A partir dessa análise, o presente artigo procurou discutir sobre a situação das mulheres grávidas no sistema prisional brasileiro. Tendo como objetivo evidenciar uma problemática negligenciada atualmente, questionando se o atual sistema prisional exerce sua verdadeira função de preservar a integridade da mulher. Dessa forma, utilizase o método dedutivo em que se parte da problemática geral para o caso específico, partindo das encarceradas brasileiras para as que se encontram gestantes. Busca-se, então, identificar se as condições nos presídios são propícias para uma gravidez saudável e se existem recursos necessários para suprir as demandas básicas. Além do mais, procura-se reforçar a importância da eficácia dos direitos da dignidade proposto pela Constituição. Assim, a partir dos resultados da pesquisa, a sociedade pode compreender a relevância de um tratamento adequado para as mulheres apenadas, principalmente, para as que se encontram grávidas. Palavras chaves: Mulher. Gravidez. Cárcere.

1. INTRODUÇÃO

Delicado e preocupante: estes são sinônimos para conceituar o atual sistema prisional feminino no Brasil. A superlotação, o descaso, a ausência de atendimento básico à saúde, dentre outros problemas enfrentados, são fatores que colaboram para a atual crise carcerária. As apenadas não têm apenas sua liberdade privada, porém, principalmente, sua dignidade humana, direito este que em hipótese alguma deveria ser violado. Essas questões, que afetam a maioria das mulheres no sistema prisional, ficam ainda mais graves quando elas se encontram grávidas, levando em consideração a maior fragilidade física e emocional própria deste período. É inquestionável que toda mulher precise de maior cuidado durante a gravidez por conta das inúmeras transformações que acontecem em seu corpo e em seu estado emocional neste período. Alguns fatores como: condições de higiene, relações interpessoais, afetivas e aspectos ambientais são aspectos importantes que interferem diretamente na qualidade do desenvolvimento gestacional, com reflexos no parto e nas condições de saúde do recém-nascido. A partir do contexto apresentado, este estudo tem por objeto central a revisão bibliográfica sobre a opressão de gênero vivenciada no sistema penitenciário brasileiro,


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tratando especificamente de como se dá a vivência das grávidas dentro do sistema prisional, tendo em vista sua importância para a materialização da dignidade humana das encarceradas e para materialização do princípio da igualdade, princípio este, disposto na Constituição Brasileira que afirma que "todos são iguais perante a lei", independentemente da riqueza ou prestígio destes. E também, tão proclamado por Aristóteles, onde o mesmo diz que é necessário tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida da sua desigualdade, visando sempre o equilíbrio entre todos1. (ARISTÓTELES, SÉC IV a.C). Essa concepção do memorável filósofo, não quis semear o preconceito entre as diferenças, porém considera que já que essas divergências existem que sejam tratadas como tais, com o objetivo de agregar a sociedade. 2. AS MULHERES NO CÁRCERE Em suas análises, Almeida (2001), ressalta que as características de gênero atreladas à questão da criminalidade dificultam a aceitação social da inserção da mulher no universo do crime. A mulher, mesmo quando inserida no contexto social, foi e continua sendo discriminada e excluída (FRANCO, 2004, p. 21). Além disso, o uso de discurso médico e psicanalítico a respeito das diferenças entre masculino e feminino, transmite entre gerações, estereótipos entre os papéis sexuais (MARTINS, on-line). A figura feminina quando vista como autora de um crime, preceitua-se, numa perspectiva genérica, como cúmplice de homens, agressoras de crianças e idosos, ou que se envolve em crimes passionais. Corrêa (1983) aponta que mesmo quando as mulheres são as autoras dos crimes, são tratadas como vítimas. Pois, devido a uma cultura arcaica e machista, sua imagem está diretamente ligada aos afazeres domésticos, a educação e ao lar. Boa parte delas é mãe e está longe dos seus filhos e lares. É a provedora do lar e possui dependentes. De um modo geral, as mulheres submetidas ao cárcere são jovens, têm filhos, são muitas vezes, as responsáveis pelo sustento familiar, possuem baixa

1

Esta definição de igualdade que predomina em toda doutrina nacional decorre de discurso escrito por Rui Barbosa para paraninfar os formandos da turma de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, intitulado Oração aos Moços, onde se lê: "A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real".


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escolaridade, provenientes de extratos sociais economicamente desfavorecidos e exerciam atividades de trabalho informal antes de serem presas. No Brasil, os dados atualizados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) apontam um aumento de 680% da população carcerária feminina brasileira em 16 anos. Nos dados penitenciários, é válido verificar que a proporção da população carcerária feminina, apesar do novo crescimento, mostra que a maior parte dos estabelecimentos penais foram projetados para o público masculino, com somente 7% das unidades prisionais no país destinadas às mulheres. Segundo relatório da Organização Não-Governamental Human Rights Watch (2002), quando se compara as condições prisionais femininas e masculinas, constata-se que as presas tendem a ter maior acesso a oportunidades de trabalho, sofrem menos violência por parte dos funcionários e dispõem de mais apoio material. Mas no que tange à problemática, as mesmas também enfrentam obstáculos específicos, especialmente a limitação das instalações de recreação e a discriminação ao direito a visitas conjugais. É válido salientar que as mulheres encarceradas são rejeitadas a segundo plano no sistema carcerário. A partir das informações do Departamento Penitenciário Nacional, somente 58 presídios no país se destinam apenas à detenção de mulheres. A maioria dos cárceres em que elas se encontram detidas são mistos, e nelas são adaptadas alas e celas para as mulheres, sem ao menos qualquer tipo de tratamento voltado para a ressocialização das presas, como creche ou berçário para seus filhos. Desse modo, entende-se que há descumprimento daquela regra constitucional na prática prisional brasileira, e dele decorre a discriminação e opressão da mulher encarcerada, conforme explica Garcia (2007 apud CASTILHO, 2007, p. 38):

...a prisão para a mulher é um espaço discriminador e opressivo, que se expressa na aberta desigualdade do tratamento que recebe, no sentido diferente que a prisão tem para ela, nas consequências para sua família, na forma como o Judiciário reage em face do desvio feminino e na concepção que a sociedade atribui ao desvio.

Em sua maioria, as presidiárias são de baixa escolaridade e de renda precária, carregando consigo o estigma da pobreza. E com o seu advento na prisão elas recebem a marca de delinquente que, mesmo após sua liberdade, as consequências se perpetuarão


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adiante, sendo bem explicado pela Teoria do Labeling Approach (GENOVÉS; UTNE; ILLESCAS, 1999, p. 369). O baixo número das mulheres diante a população carcerária masculina não pode ser justificativa para a violação de seus direitos como ser humano e cidadã. De acordo com os dados do Departamento Penitenciário Nacional, no Brasil, elas representam cerca de 6,5% dos presidiários. Com tudo, é imprescindível levar em conta a taxa mensal de crescimento do número de mulheres encarceradas, que é de cerca 10,7%, segundo o Infopen. As presas encontram-se oprimidas e estigmatizadas. Primeiramente por serem mulheres, carregando consigo uma cultura estereotipada e excludente. As políticas penitenciárias, como já citado aqui, foram pensadas pelos homens e para os homens. As mulheres são, todavia, uma parcela da população carcerária situada na invisibilidade, suas necessidades por muitas vezes não são atendidas e sua dignidade é constantemente violada. Por isso, torna-se de extrema importância que as carências femininas sejam levadas em consideração pelo sistema carcerário brasileiro.

3. GRAVIDEZ ATRÁS DAS GRADES A falta de recursos básicos do sistema prisional ou a desvalorização das queixas das gestantes por parte dos profissionais confere grave falha no que diz respeito aos direitos humanos, podendo repercutir em sérios danos à mãe e ao recém-nascido. Entretanto, o Estado é responsável pela vida, pela saúde e pela dignidade da mulher presidiária e de sua criança como seres de direito. Não cabe que essas pessoas sejam punidas com a privação dos seus demais direitos humanos e de sua cidadania. Em 2003 foi instituído o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP), que teve por objetivo garantir acesso à saúde das pessoas privadas de liberdade, oferecendo ações e serviços de atenção básica dentro das unidades prisionais. Essas ações devem ser desenvolvidas por equipes multiprofissionais para prevenção e para promoção da saúde, incluindo o direito ao pré-natal às detentas grávidas. De acordo com dados de um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre o perfil da população feminina encarcerada que vive com os filhos em unidades prisionais


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femininas no país2. Na maioria dos estados brasileiros, a mulher grávida é transferida, no terceiro trimestre de gestação, da prisão de origem para unidades prisionais que abriguem mães com filhos, geralmente localizadas nas capitais e regiões metropolitanas. O parto é feito em hospital público, e elas voltam para a unidade prisional com o recémnascido. Após o sexto mês, geralmente as crianças são entregues aos familiares. Na ausência destes, vão para abrigos, e a mãe retorna à prisão de origem. Segundo uma das coordenadoras da pesquisa e integrante da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, Maria do Carmo Leal, as condições da atenção à gestação e ao parto para a mães encarceradas no Sistema Único de Saúde são piores que as dadas às mães que não estão presas. (LEAL, 2017) Conforme o Cadastro Nacional de Presas Grávidas e Lactantes, criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há 622 mulheres no Brasil que estão presas ou lactantes. Através desse Cadastro Nacional de Presas Grávidas e Lactantes, o Judiciário acompanha a situação das mulheres sujeitas ao sistema prisional brasileiro. Com esse sistema, o Supremo Tribunal Federal (STF) quer evitar, também, que os bebês nasçam nos presídios, com condições indignas e precárias, conforme observou a ministra Cármen Lúcia, criadora e idealizadora do cadastro. De acordo com ela, se o Judiciário não tiver condições de deferir a prisão domiciliar, o Estado deve providenciar um local adequado para que a mãe possa ficar custodiada até o fim da gravidez, e também durante o tempo de amamentação de seu filho. (CNJ, 2018) Desde que foi instituído, o Cadastro Nacional de Presas Grávidas e Lactantes passou a ser considerada uma ferramenta importante para que o Judiciário possa cobrar dos estados as providências necessárias para a custódia dessas mulheres, garantindo a proteção das crianças que vão nascer ou que já nasceram nas unidades prisionais. Essa preocupação é procedente, considerando que essas crianças não têm nada a ver com o crime que suas mães cometeram. Além disso, é preciso lembrar que a vida delas está em jogo, pois nem todas as mulheres possuem condições processuais para estarem em prisão domiciliar. Por outro lado, as unidades devem garantir assistência médica mínima ao filho e à mãe. 4. A SAÚDE DA ENCARCERADA 2

Estudo inédito da Fiocruz que traçou o perfil da população feminina que vive com seus filhos em prisões.


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Dentre as situações que flagelam o sistema carcerário brasileiro, a falta de atendimento à saúde é um dos seus fatores mais preocupantes. O ambiente do estabelecimento penal influencia, no todo ou em parte, para o desenvolvimento de doenças já latentes ou seu desencadeamento. No entanto, as apenadas não têm viabilidade de, buscar qualquer outro tipo de atendimento ou medicação diferentes do oferecido pelo sistema. Tornam-se submissas dos maus tratos, da negligência e da violência incorporada na falta de atenção com quem está sob custódia. São diversas as condições que podem intervir da condição normal de uma gestação. O segundo e terceiro trimestres gestacionais compõem uma das fases da gestação em que as condições ambientais vão desempenhar influência direta no estado nutricional do feto. O ganho de peso adequado, o fator emocional, a ingestão de nutrientes e o estilo de vida serão definitivos para o crescimento e desenvolvimento normais do feto. É lógico que quanto maior for o número de fatores inadequados presentes em uma gestação, pior o diagnóstico. Ainda que na Lei de Execução Penal, esteja disposto em seu artigo 14, § 3 o que “será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido”, o Pré-Natal, que é direito tanto da mãe quanto do nascituro, não é respeitado nos presídios femininos. Em alguns casos, há genitoras soropositivas que descobrem na hora do parto, o que por diversas vezes causa problemas para o recém-nascido, tendo em vista necessitarem de cuidados especiais nos partos, o que não ocorre. Em outros casos, vários partos acontecem nos pátios e celas dos presídios. Mais uma vez, importante salientar que por serem unidades construídas por homens e para os homens, foram apenas adaptadas às mulheres, sendo assim, o espaço adequado para amamentação, berçário e creche são inexistentes, e essas ações normalmente são realizadas nas próprias celas. A carência de escolta policial dificulta que as presidiárias sejam levadas para tratamentos de saúde nos hospitais de referência. Há falta contínua de medicamentos e os tratamentos para diversas doenças acabam se reduzindo à prescrição de analgésicos para alívio dos sintomas. Praticamente inexiste o pré-natal e os programas voltados à prevenção dos cânceres de colo de útero e de mamas.


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Coordenadora de um estudo sobre a situação das mulheres no cárcere e pesquisadora da fundação Fiocruz, a médica Maria do Carmo Leal relata que a maior parte não engravida na prisão, mas é detida no período de gestação e não é feito exame de admissão para descobrir. A gravidez detectada tardiamente resulta em acompanhamento insuficiente e precário, de acordo com a médica. Ela ressalta que as crianças nascem 13 vezes mais com sífilis do que nos partos do SUS. Já o risco de transmissão vertical do HIV é sete vezes maior. (LEAL, 2018) As apenadas grávidas, em que estão sendo punidas por um ato ilícito que cometeram, não podem ser mais uma vez castigadas pela escassez de assistência médica, isto é, em algo que transcende a sua sentença condenatória. Além disso, o feto é a principal vítima e o que mais se prejudica pela ausência de assistência médica propícia neste período. A saúde é um direito de todos, independentemente de quem seja, e é dever do Estado prestar este atendimento com a maior dignidade humana possível. Essas situações, que afetam quase todas as mulheres em sistema prisional, se tornam ainda mais graves quando elas se encontram grávidas, tendo em vista a maior fragilidade física e emocional própria deste período. 5. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA “A dignidade da pessoa humana é o valor e o princípio subjacente ao grande mandamento, de origem religiosa, do respeito ao próximo. Todas as pessoas são iguais, e têm direito a tratamento igualmente digno” (BARROSO, 2011, p.272). A presente citação denota um conceito sobre a dignidade em uma perspectiva clara e objetiva. Segundo SARLET apud KIRST (2008, p.01): para o delinquente “que pode ter atentado, da forma mais grave e insuportável, contra tudo aquilo que a ordem de valores da Constituição coloca sob sua proteção, não pode ser negado o direito ao respeito da sua dignidade", como também “não é possível a perda da dignidade humana em nenhuma condição” (HOEFLING apud KIRST, 2008, p.01). Em outras palavras, em uma análise mais subjetiva, o preso intitulado não pode, apesar de quaisquer circunstâncias, ter seus direitos violados sob nenhum regime de cárcere. Trazendo para esfera feminina, a mulher, como pessoa humana, portadora de necessidades especiais, não tem seus direitos assegurados pela política vigente. Fazendo das informações apenas teorias irreais comparadas a realidade praticada.


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Os primeiros direitos assegurados as mulheres encarceradas foram determinadas pelo Código Penal e pelo Código de Processo Penal, ambos de 1940, pela lei das Contravenções Penais, de 1941. O artigo 29°, parágrafo 2° do Código Penal de 1940 estabelece que “ as mulheres comprem pena em estabelecimento especial, ou, a falta de secção adequada de penitenciaria ou prisão comum, ficando sujeitas a trabalho interno. ” Outra alusão é o art. 5° da Constituição Federal de 1988, incisos XLVIII e o Código Penal, art.37, que determinam que as mulheres apenadas devam cumprir pena em estabelecimento próprio, e que seja adequado as necessidades inerentes ao gênero feminino. No entanto, apesar das garantias legais terem sido asseguradas pelos códigos, estas não são postas em prática. As mesmas “estão legalizadas, consolidando a ideia de serem respeitadas e estendidas a todos, mas não há apreço por parte da sociedade e do Estado, encontrando-se a massa carcerária totalmente desprovida de atenção e consideração” (KIRST, 2008, p.02). Os meios de difusão de informação, por vezes, coagem-nos uma visão equivocada em relação as detentas, gerando assim, uma visão alienada. Para uma sociedade, muitas vezes, doutrinada pela cultura da Lei do Talião -olho por olho, dente por dente-, carrega-se uma necessidade de que para enxergarmos o cumprimento da pena são necessários o sofrimento e a privação. Abstendo-nos de que para existir a ressocialização dos réus, torna-se imprescindível a vigência dos direitos sobre a dignidade humana. As encarceradas do nosso país têm amparo legal, no entanto, não tem ciência de como reivindicar seus direitos, ocupando, dessa forma, uma categoria que podemos titular de “estorvo social”, uma problemática que não inspira muitas resoluções, posto que delinquentes não despertam empatia e comoção na sociedade. Afinal, terminam por desprezar que estes seres humanos possuem direitos como qualquer outro cidadão. 6. METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa qualitativa. O método qualitativo faz inferência a valores, subjetividades e permite aprofundar conhecimentos sobre um grupo de pessoas com características específicas, tais quais as gestantes privadas de liberdade. Apresenta-se


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também, a documentação indireta, abrangendo a pesquisa documental e bibliográfica, procurando evidenciar a problemática abordada com mais credibilidade. Além do método dedutivo, que tem como objetivo partir de um problema geral (as mulheres brasileiras privadas de liberdade) para uma premissa menor (mulheres grávidas apenadas). 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao legitimar o Estado Democrático de Direito como fundamento e adotar à Escola do Neodefensismo Social, o Brasil assumiu o compromisso de possibilitar melhores condições para a harmonia da reintegração social do encarcerado, seja ele homem ou mulher. No entanto, como já abordado no decorrer deste artigo, a realidade, muitas vezes oculta para a maioria dos telespectadores da vida encarcerada, ressalta a ineficácia e a demanda de melhores serviços prestados nas penitenciárias brasileiras, sobretudo, no que tange as necessidades das mulheres, incluindo as gestantes. O atual sistema penal acentua o estigma da desumanização e oprime direitos básicos, estimulando, na maioria das vezes, a revolta por parte das presas, fazendo com que as mesmas voltem a reincidir na vida do crime. Uma vez que, as pessoas privadas de liberdade também possuem direitos e deveres que, por via Constitucional, são garantidos, além da existência do SUS que tem por base a prestação de assistência à saúde para todo e qualquer cidadão. Dessa forma, este estudo ressalta a necessidade de mudanças, não apenas na estrutura do sistema prisional, mas, sobretudo, na consciência dos profissionais atuantes e da sociedade civil com relação ao modo de como se enxerga, lida e aplica as penalidades às mulheres privadas de liberdade. Portanto, torna-se necessário um olhar mais compassivo sob uma perspectiva não somente humanitária, mas também justa, visto que apesar dos delitos cometidos, todos são dotados do direito à vida e a saúde. Afinal, como já afirmado pelo filósofo Platão: “o importante não é viver, mas sim viver bem”. Além disso, no ordenamento jurídico brasileiro, os direitos do nascituro são postos à salvo desde a sua concepção. Os direitos da personalidade são intrínsecos à natureza humana e existem independentemente da personalidade ou da capacidade do indivíduo, logo, se referem a valores fundamentais que são indispensáveis ao desenvolvimento da


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pessoa humana no que diz respeito a sua dignidade. Assim sendo, os direitos da personalidade do nascituro são compatíveis com a sua condição especial de indivíduo concebido e ainda não nascido, em virtude da sua condição de ser humano em desenvolvimento. Percebe-se então, a necessidade de garantir ao nascituro o direito de não ser agredido moralmente. A vida, ainda que na gestação, deve ser encarada sob um olhar de dignidade da pessoa humana, visto que atualmente temos um direito civil constitucionalizado, e é de extrema importância que esta constitucionalização seja absoluta. Ademais, o Direito Brasileiro assegura ao nascituro o direito a dignidade da pessoa humana. Este deverá ter suas necessidades atendidas, inclusive sua genitora, pois o feto vive no ventre materno. Portanto, os direitos básicos para uma vida digna ao ser humano devem ser garantidos ao nascituro, pois, tais garantias são pilares para o desenvolvimento do feto. À vista disso, levando em consideração que o nascituro é titular dos direitos da personalidade e conserva consigo a sua dignidade como pessoa humana, obriga-se admitir que o desacato a esses direitos constitui dano moral, independentemente do fato de que o mesmo não tenha consciência de mundo, nem tampouco seja capaz de sentir e de compreender o mal que esteja lhe sendo direcionado. Visto que, como já abordado, o dano moral abstém-se de qualquer mudança psicológica ou desordem espiritual da vítima, o que não constitui no dano em si, mas sendo assim consequência deste.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGÊNCIA BRASIL. Com 726 mil presos, Brasil tem terceira maior população carcerária do mundo. Disponível em: < http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-12/populacao-carceraria-do-brasilsobe-de-622202-para-726712-pessoas> Acesso em: 31 out, 2018. ALMEIDA, R. de O. Mulheres que matam. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001 BARROSO, Luís Roberto. Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.


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Capítulo 4

PCC: DO DOMÍNIO DO CÁRCERE AO SISTEMA DE PODER NAS COMUNIDADES

(Autora) Rafaela Rocha Arnaud (Coautora) Greycianne Campos Ferreira Almeida

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Referencial teórico. 2.1. Como tudo começou: o surgimento do PCC no sistema carcerário. 2.2. O sistema de poder do PCC no universo prisional brasileiro. 2.3. Territorialização e domínio do crime: do cárcere à comunidade . 2.4. A territorialidade do PCC em ascendência na região nordeste. 3. Metodologia. 4. Considerações finais. 5. Referências.


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RESUMO O Primeiro Comando da Capital (PCC) é uma das maiores organizações criminosas do Brasil, possuindo atuação em todos os estados da federação e se estendendo para outros países da América Latina. O presente artigo pretende retratar o processo histórico de formação dessa facção, bem como o seu funcionamento dentro do cárcere à comunidade, dispondo sobre as influências culturais e organizacionais do grupo no universo do crime, bem como a expansão do seu domínio na região Nordeste. Para realizar esse trabalho utilizou-se a revisão de literatura como metodologia através do método dedutivo e das técnicas de pesquisa documental e bibliográfica. Conclui-se, assim a relevância desse estudo, tendo em vista ser um tema pouco discutido na área do Direito no meio acadêmico e complexo quanto ao modus operandi do grupo dentro e fora do ambiente carcerário. Palavras-chave: Ambiente carcerário. Sistema organizacional. Expansão do PCC. 1. INTRODUÇÃO As organizações criminosas crescem e se expandem pelos presídios brasileiros desde o início do século XXI, como a exemplo do Primeiro Comando da Capital – mais conhecido por PCC – que é considerada uma das precursoras facções do Brasil. Haja vista seu crescimento nos anos 2000 faz-se importante estudar acerca das consequências de tal expansão, tanto no sistema organizacional dos presídios brasileiros como nas comunidades periféricas em que o PCC atua. A produção deste artigo teve início a partir da recente notícia, veiculada em 2018, de que a diminuição da taxa de mortes em São Paulo seria fruto da atuação do PCC na comunidade. Além disso, a motivação para a escrita do presente trabalho partiu do episódio “SMJ #2 – Mundo Carcerário” do podcast Salvo Melhor Juízo que tratou também sobre a organização do PCC e seu fluxo cultural entre presídio e comunidade. Ao passo que discute sobre uma das maiores organizações criminosa do Brasil e reúne um arcabouço bibliográfico de diferentes espécies, este trabalho conduz um importante caminho no ambiente acadêmico por ser este um tema ainda pouco discutido na área do Direito e bastante nebuloso no que diz respeito ao modus operandi do PCC que tem voltado suas atividades para o narcotráfico transnacional e à expansão na região Nordeste do Brasil. Dessa forma, o artigo tem por objetivo analisar as influências culturais e organizacionais do sistema de domínio do Primeiro Comando da Capital que, tendo iniciado nos anos 90, é caracterizado ainda na atualidade como a facção criminosa dominante dos cárceres. Ademais, o artigo volta-se também para a análise do complexo


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sistema de composição do PCC e da política de expansão realizada pelos membros do grupo que, nos últimos anos, busca conquistar os Estados do Nordeste. A fim de atingir o objetivo, busca-se, como ponto de partida, tratar sobre o surgimento

do

PCC

e

sua

consolidação

enquanto

organização

criminosa.

Posteriormente, tratar-se-á sobre a complexa organização do PCC no universo prisional e como os membros da facção articularam sua ascensão de dentro das penitenciárias, delineando-se ainda sobre a transitoriedade do domínio entre o cárcere e as periferias. Por fim, o artigo aborda sobre a expansão do PCC na região Nordeste e o enfrentamento existente entre a supracitada facção e as suas rivais.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Como tudo começou: o surgimento do PCC no sistema carcerário Com o advento da Lei nº 12.850/2013 o Brasil passou a conceituar o termo organização criminosa e dispor sobre investigação criminal, ou seja, apesar de ser um termo amplamente desenvolvido no Brasil desde muito tempo, apenas em 2013 o legislador brasileiro passou a tratar de forma mais clara e eficiente sobre o tema. Assim, pois, o conceito de organização criminosa, ainda controverso na doutrina, apresenta algumas características próprias, são elas: associação de pessoas; divisão de tarefas; objetivo econômico; prática infrações graves (ANSELMO, 2017). Uma das mais conhecidas, senão a maior das organizações criminosas do Brasil, é o Primeiro Comando da Capital (PCC) que surgiu em meados dos anos 90 dentro dos presídios paulistas. Existem variadas versões sobre a origem do PCC, não sendo possível determinar com exatidão o momento do seu surgimento. Dentre elas, a versão consolidada no meio carcerário trata-se da retratada no livro de Jozino (2004), o qual já circulava no interior das prisões, pouco tempo após o seu lançamento. Tal versão relata que o surgimento do PCC ocorreu em 31 de agosto de 1993, durante uma partida de futebol em um presídio no interior paulista – Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté –, entre o Comando Caipira e o Primeiro Comando da Capital, da qual resultou uma briga e em consequência a morte de dois membros do Comando Caipira. Como forma de proteção, os oito integrantes do time do PCC firmaram um acordo no qual a punição que um deles viesse a sofrer, enfrentaria a reação de todos os outros membros do time.


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A segunda versão acerca da criação do PCC foi disseminada pelos primeiros integrantes da facção, os quais afirmavam que esta havia sido criada com o objetivo de “combater a opressão dentro do sistema prisional paulista”, bem como para “vingar a morte dos 111 presos” ocorrida em 2 de outubro de 1992 no que ficou conhecido como o “Massacre do Carandiru”, episódio este em que a Polícia Militar matou 111 presidiários no pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo (BIONDI, 2009). A consolidação do PCC iniciou com a primeira “mega-rebelião”, ocorrida em 18 de fevereiro de 2001, que teve como objetivo causar represália ao Estado de São Paulo pela transferência dos principais chefes do grupo. Para isso, a organização escolheu um dia de Domingo, no qual ocorria as visitas sociais aos presídios de todo o país. A ordem da rebelião partiu do segundo escalão do PCC que, através dos celulares, articularam o movimento em 29 presídios ao redor do país, mantendo familiares e agentes penitenciários como reféns (DANIEL JELIN, 2016). A segunda grande mobilização do PCC ocorreu através da segunda “megarebelião”, em maio de 2006. De acordo com O Estado de São Paulo (2015), Os ataques ocorreram do dia 11 de maio – momento em que Marcola, principal líder do PCC, é transferido do presídio de Avaré para Presidente Venceslau – a 17 de maio – dia em que foi descoberta a compra da cópia de um depoimento do Diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC) pelo PCC no valor de R$ 200,00 (duzentos reais). No ano de 2006, aconteceu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do tráfico de armas, com o depoimento de Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola) principal líder do Primeiro Comando da Capital –, onde, este, ao ser questionado sobre a relação do nascimento do PCC com o massacre ocorrido no Carandiru, afirma que realmente o surgimento da facção iniciou-se com tal acontecimento. Porém, quando o ex-diretor do Carandiru foi para o presídio de Taubaté e quis impor as mesmas diretrizes de maus-tratos - como a “lei do espancamento” - que eram aplicadas na Casa de Detenção de São Paulo – Carandiru – o PCC ganhou ainda mais força, para combater os castigos físicos e torturas aplicados aos presidiários (BRASÍLIA, 2006). Durante o período entre o “Massacre” e a desativação do presídio, em 2002, o sistema prisional brasileiro sofreu consideráveis transformações, entre elas, a população carcerária do Estado de São Paulo experimentou um crescimento frenético, passando de 52.000 presos dispostos em 43 unidades prisionais, para 110.000 em aproximadamente


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80 unidades, dados estes, apresentados pela Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo (SAP). Iniciava-se, assim, a história da facção criminosa mais conhecida e diferente de qualquer outra já vista no país: uma irmandade inicialmente secreta com realização de negócios inspirados em modelos empresariais. (COSTA; ADORNO, 2018) Com o passar do tempo, o grupo foi crescendo cada vez mais, expandindo sua atuação pelas principais penitenciárias de todo o Estado de São Paulo. O número de membros ativos – chamados dentro do sistema organizacional de “irmãos” – foi aumentando e consequentemente se espalhando para estados próximos como, por exemplo, Paraná e Mato Grosso do Sul, locais que facilitavam a rota de tráfico de drogas e armas. O Ministério Público denunciou o PCC como “organização criminosa” em junho de 2001, porém, já nessa época, os membros do Comando não mais o mantinham no anonimato, divulgando a sigla o quanto podiam, conforme destaca Biondi (2009). Em Dossiê Crime Organizado, pelo Instituto de Estudos Avançados da USP, Santos (2007) trata o PCC como “grupo organizado” conforme classifica a ONU. Para ele, tal denominação consiste em:

(...) criminosos confinados que em nome de uma falsa solidariedade assumiram o comando dos presídios, por falta da presença do Estado. Por isso chamo de previdência das prisões. Como eles têm má-índole e a maioria é formada por condenados, vivendo numa situação quase patológica, eles se organizaram para continuar praticando crimes, fazendo uma falsa proteção de familiares de presidiários, no ambiente de proteção de gangues como Primeiro Comando da Capital, o PCC, que virou até grife (SANTOS, 2007, p. 100-101).

Ainda no mesmo Dossiê, é possível destacar que os autores traduzem o PCC como uma cópia mal elaborada do Estado, formado por uma hierarquia composta por uma cadeia de comando que se torna mais eficiente que a própria estrutura estatal, uma vez que não se submete às burocracias intrínsecas do Estado (SANTOS, 2007). Dessa forma, é possível constatar que a formação do PCC, desde o início, reflete um sistema organizacional complexo e com objetivos claros perante o Estado. Tais informações constituem um arcabouço para entender as influências das organizações criminosas, em especial, do Primeiro Comando da Capital, cuja atuação ocorre dentro dos presídios brasileiros e, também, nas comunidades periféricas do país.


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2.2 O sistema de poder do PCC no universo prisional brasileiro

O período entre 1960 e 1970 foi definido por mudanças significativas que desenvolveram um sentimento de vulnerabilidade e medo na população do Estado de São Paulo. Diante disso, o “mundo do crime” passou a estar cada vez mais presente nos debates ocorridos na esfera pública. Conforme destaca Caldeira (2000), em São Paulo, o universo do crime, nessa época, possibilitou a expressão dos sentimentos de perda e decadência social decorrentes das transformações estruturais, bem como serviu para justificar a reação violenta por parte das autoridades, buscando resgatar uma ordem passada aparentemente perdida. A figura do “bandidão” tornou-se o principal inimigo a ser controlado e isolado a partir daquele momento. Superada essa classificação de sujeito característica do “mundo do crime”, criou-se então uma nova categoria especial, definida como sujeito criminal:

[...] um sujeito não revolucionário, não democrático, não igualitário e não voltado ao bem comum (...) produzido pela interpelação da polícia, da moralidade pública e das leis penais. Não é qualquer sujeito incriminado, mas um sujeito, por assim dizer, “especial”, aquele cuja morte ou desaparecimento podem ser amplamente desejados (MISSE, 2010, p. 17)

A partir do momento que a esfera pública assume a condição de agentes da guerra do crime, esta realiza um papel diferente do que pretendia, uma vez que reforçam o processo de “acumulação social da violência e de sujeição criminal” (MANSO; DIAS, 2017). Em decorrência do estabelecimento do “mundo do crime” como um ordenamento social específico, tem-se uma relação de interdependência entre os membros desse universo, uma vez que o PCC possibilitou a gestão e o controle desse ambiente do crime. Com a consolidação do PCC, ocorreu uma homogeneização de vários

fatores

determinantes

para

a

convivência

nas

unidades

carcerárias.

Houve, assim, uma unificação de normas, práticas, valores e princípios, antes dispostos de forma dispersa, formando então, um ordenamento social e moral específico. No ano de 2003, o PCC começou a reorganizar a sua estrutura, tal decisão ocorreu em detrimento da expulsão de dois dos fundadores do Comando - Geleião e


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Cesinha -, possibilitando novas lideranças, bem como novas formas de desempenhar o controle da facção, permitindo mudanças de organização interna e externa. Essa reorganização do Comando foi o fator primordial para a expansão geográfica, política e econômica do PCC.

FIGURA 1: Estrutura do PCC - 1ª e 2ª fases

Fonte: Dias (2011, p. 218)

A Figura 1 apresenta a estrutura do PCC na sua primeira década de atuação, ou seja, antes da primeira reorganização estrutural. Nesse período, a organização do Comando caracterizava-se pela hierarquia piramidal, onde os ocupantes das posições inferiores deveriam se reportar diretamente ao seu superior imediato. Nesse modelo de organização, todo o centro de poder encontrava-se dentro das penitenciárias, de forma que ainda não haviam membros de influência fora das prisões (DIAS, 2011). Em 2001 – em decorrência da primeira mega-rebelião -, a partir da disseminação de aparelhos celulares dentro e fora das prisões, o PCC conseguiu uma forte expansão. É importante ressaltar que já nesse período, o grupo atuava de maneira pouco organizada na comunidade através de atividades criminosas, associadas a indivíduos particulares e até mesmo, a quadrilhas pertencentes ao grupo, que entendiam dever uma obrigação moral ao Comando, e por isso, realizavam doações de parte do lucro obtido nessas ações ao PCC. Como já mencionado, no ano de 2003, o PCC sofreu com uma grave crise envolvendo os integrantes do escalão do Comando. Esse acontecimento ocasionou uma


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disputa acirrada pelas lideranças, além de várias vítimas, promovendo então, uma significativa mudança organizacional do próprio PCC, além de ocasionar consequências dentro e fora das prisões. Porém, foi apenas no final de 2006 que essa reestruturação se firmou com o alastramento tanto de um novo modelo de funcionamento como de um discurso novo que abarcava todas as classes de membros do Comando (DIAS, 2011). A partir desse momento, a estrutura do Primeiro Comando da Capital possibilitou uma atuação mais presente do grupo nas diferentes localidades de operação, tanto fora como dentro das prisões, uma vez que tal estruturação se baseia em três níveis de abrangência hierárquicos e com várias ramificações, diferentemente da estrutura anterior. FIGURA 2: PCC – Atual Estrutura Hierárquica Geral

Fonte: Dias (2011, p. 222)

Inicialmente, o PCC adotou como princípios edificantes a paz, justiça e liberdade, fazendo menção à Revolução Francesa. A partir de sua consolidação já na fase de reestruturação destacada pela Figura 2, alterou-se o seu Estatuto e foram incluídos os princípios da igualdade e união. Tais princípios tornaram-se o lema do PCC disseminado no ambiente carcerário, trazendo um poder informativo, bem como coesão aos discursos dos seus membros: “paz, justiça, liberdade, igualdade e união” (FREITAS JUNIOR, 2017).


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De acordo com Dias (2011), a estrutura apresentada na Figura 2 foi baseada em grande parte, na fala de Marcola concedida à CPI do Tráfico de Armas, quando este negou a sua liderança do Comando e a atribuiu a um grupo de pessoas, onde o poder encontra-se distribuído entre estas: “Peguei um número de pessoas e distribuí o poder. Isso e aquilo e eu estou fora [...]. a partir do momento que eu distribuí, entenda, a partir do momento que foi dividido... acabou o piramidal” (BRASÍLIA, 2006). O PCC tornou-se a maior e mais influente facção criminosa do Brasil conforme destaca Porto (2008, P. 76): “Estima-se que hoje o primeiro comando da capital seja formado por quinze mil integrantes só no Estado de São Paulo, espalhados em 117 unidades prisionais.”, e espalhados por outros países como Paraguai, Bolívia, Uruguai, Colômbia e México. Vale destacar que o estudo realizado por Porto (2008) fora realizado há uma década atrás, fato este que corrobora com a ideia de que, atualmente, o PCC - através de sua expansão - tem domínio sobre mais unidades prisionais em Estados e países circunvizinhos.

2.3 Territorialização e domínio do crime: do cárcere à comunidade

O domínio do Primeiro Comando da Capital (PCC), como fora supracitado, iniciou dentro dos cárceres brasileiros, em especial, após o Massacre do Carandiru – momento este que o PCC se fixou como organização criminosa. Juntamente com isso, ocorreu uma mudança no sistema prisional brasileiro, onde as prisões migraram das regiões centrais para as periféricas, como forma de distanciar a população da vivência ora presenciada pela população. Tal distanciamento, todavia, refletiu também na atuação do PCC que, tanto no cárcere como na comunidade, atuava em áreas longínquas do ritmo urbano (BIONDI, 2009). A atuação do Comando fora das prisões pode ser evidenciada através das “megarebeliões” organizadas pelos membros da organização. Tais rebeliões, como o próprio nome menciona, foram grandiosas por ultrapassarem os muros das prisões e alcançarem a movimentação das ruas, gerando um grande contingente de vítimas. Os atentados de 2006, diferentemente do que ocorreu em 2001, atingiram de maneira particular as ruas de São Paulo. Não há dado preciso quanto à quantidade de mortos e feridos nos ataques, haja vista que o PCC realizou ações de grande complexidade, atacando fóruns, ônibus e agências bancárias em diferentes locais. De


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acordo com jornais da época que noticiaram os atos, a segunda “mega-rebelião” alcançou o número de 132 mortos, sendo 23 policiais militares, 8 agentes penitenciários, 6 policias civis, 4 civis, além de 71 suspeitos e 17 detentos que estavam em rebelião (IG, 2012). Esses dois momentos demonstraram a força do Primeiro Comando da Capital que, com um sistema de organização complexo, já demonstrava naquela época o lema disposto em seu Estatuto: luta pela liberdade, justiça e paz. Diferente do que comumente acontecia no sistema prisional, onde originalmente o fluxo cultural ocorre de fora para dentro, o PCC trouxe uma nova visão para o domínio do crime, a partir do momento em que o fluxo cultural e organizacional dos criminosos ocorreu de dentro para fora: do cárcere à comunidade. Nesse sentido, as organizações criminosas passam a territorializar os espaços dentro das prisões bem como nas periferias, sobretudo, aquelas localizadas em São Paulo – cidade em que o grupo iniciou o sistema organizacional. Quando os espaços passam a ser territorializados, o grupo alcança um viés político e contorna uma situação totalmente divergente da criminalidade pulverizada, cuja principal característica é a falta de uma autoridade central que ofereça proteção aos mais vulneráveis (MISSE, 2007; DIAS, 2011). O PCC territorializou, assim, os espaços anteriormente ocupados pelos “bandidões” nos presídios brasileiros e iniciou a imposição de uma cultura prisional mais respeitada pela sociedade e, por isso, mais aderida pelos carcerários (FREITAS JUNIOR, 2017). O processo de territorialização, segundo Misse (2007, p. 144), “passa a constituir efetivamente novas redes de sociabilidade, que emergem das relações de poder que demarcam esses territórios”. As redes de sociabilidade logo se expandiram pelos presídios de São Paulo, ultrapassando os muros das prisões e alcançando as regiões periféricas do Estado. Enquanto no cárcere, o PCC dominou a grande maioria dos presídios paulistas, nas periferias não ocorreu de forma diferente, haja vista que o Partido passou a comandar o tráfico de armas e drogas nas comunidades e a instaurar o legado da “paz entre ladrões” ao passo que avançava o sistema de poder nas periferias (FELTRAN, 2008, 2012). O tráfico de drogas, em especial, tem sido a principal atividade do PCC nos últimos anos, cujo objetivo é conquistar o monopólio das rotas de tráfico para o exterior, conforme afirma Márcio Sérgio Christino, procurador do Ministério Público do


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Estado de São Paulo. Nesse sentido, o PCC tem avançado pelas rotas da região Norte – comandadas majoritariamente pela Família do Norte (FDN) - e busca uma espécie de narcotráfico transnacional, chamado informalmente de “Narcosul” (THIAGO DE ARAÚJO, 2018). Apesar da visão negativista da organização criminosa no que diz respeito ao domínio do tráfico de drogas e armas nas comunidades, o PCC - através de seu sistema organizacional baseado na irmandade e fraternidade – é responsável pela diminuição nas taxas de homicídios das comunidades periféricas de São Paulo. Segundo dados do Atlas da Violência, realizado por Cerqueira et al. (2018), a queda de homicídios em São Paulo foi a maior do país, caracterizando uma diminuição de 46,7% entre os anos de 2006 e 2016. (...) Nesse debate, inúmeros fatores explicativos se somam (alguns evidenciados empiricamente, outros não), como: i) políticas sobre o controle responsável das armas de fogo; ii) melhorias no sistema de informações criminais e na organização policial; iii) fator demográfico, com a diminuição acentuada na proporção de jovens na população; iv) melhorias no mercado de trabalho; v) hipótese da pax monopolista do Primeiro Comando da Capital (PCC), quando o tribunal da facção criminosa passou a controlar o uso da violência letal, o que teria gerado efeitos locais sobre a diminuição de homicídios em algumas comunidades (CERQUEIRA et al., 2018, p. 24, grifo nosso).

Segundo Feltran (2012) – em concordância com o que dispõe o Atlas da Violência 2018 –, a diminuição de homicídios na capital paulista é consequência da hegemonia do PCC no domínio do crime, uma vez que a expansão dos presídios e a implantação do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) - através da Lei nº 10.792/2003 – retiraram das ruas das periferias os criminosos assassinos, dando espaço à hegemonia do crime organizado que condenava o assassinato de indivíduos sem que houvesse prévia autorização da facção. A liderança do PCC, por sua vez, é decorrente de um acordo político entre o governo de São Paulo e a organização criminosa. Em depoimento no Processo Criminal 1352/06, o Delegado José Luiz Ramos Cavalcanti contou sobre o suposto acordo estabelecido entre as lideranças do PCC e o governo de SP através da advogada da ONG Nova Ordem – Iracema Vasciaveo – que, na época, representava os interesses da facção. Segundo Cavalcanti, o acordo teria sido realizado com o aval do corregedor da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), do coronel comandante da


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região, do diretor do presídio Presidente Bernardes e ainda do então governador do Estado, Cláudio Lembo (ALEXANDRE HISAYASU, 2015).

2.4 A territorialidade do PCC em ascendência na região Nordeste

Como fora observado ao longo da pesquisa, o PCC iniciou seu sistema organizacional inserido nos presídios de São Paulo, estendendo-se posteriormente aos lugares mais longínquos da metrópole paulista e do Sul e Sudeste do Brasil, como a exemplo do Estado do Paraná, local em que o PCC já coexiste dominando todo o complexo carcerário e comunitário paranaense (FREITAS JUNIOR, 2017). A pretensão de expansão do PCC enquanto organização não se resume à região Sul do Brasil, fato este que é comprovado pela busca da organização em conquistar Estados do Norte e Nordeste do país, conforme demonstra investigação colhida de um inquérito policial, com exclusividade, pela Veja (EDUARDO GONÇALVES, 2018). O material do inquérito colaborou para a Operação Echelon, deflagrada em 14 de junho de 2018, que ajudou os policiais a desvendarem o modus operandi do PCC na nova onda de expansão que se inicia. Segundo dados da Operação Echelon, o PCC tem controlado as relações interestaduais através de ramificações da facção criminosa e busca expandir seu domínio no “mundo do crime” em uma guerra declarada contra as facções rivais, conforme demonstra mapa disponibilizado pela Revista Veja, com dados do Atlas da Violência 2018 e das informações colhidas do inquérito sigiloso supracitado:


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FIGURA 3 - Relação entre aumento do número de homicídios e a rivalidade do PCC nos Estados brasileiros

Fonte: Eduardo Gonçalves (2018)

Conforme demonstra os mapas, os Estados em que o PCC enfrenta uma guerra com facções rivais coincidem, em sua grande maioria, com aqueles em que houve aumento da quantidade de homicídios nos últimos anos. Dos 9 (nove) Estados da região Nordeste, 5 (cinco) tiveram aumento nas taxas de homicídio, de modo que apenas um deles – o Maranhão - não enfrenta um embate interno entre a facção do PCC e outras de sua rivalidade, como ocorre nos demais Estados. A expansão do PCC no Nordeste tem acontecido através do sistema de “franquias”, onde outras organizações aliam-se ao Primeiro Comando da Capital, fortalecendo seu domínio mesmo nas regiões mais distantes, segundo dispõe Eduardo Gonçalves (2018). A expansão, no entanto, promete ser um árduo passo para a facção que encontra um sistema resistente nos Estados nordestinos, através rivais, como por exemplo: Okaeda, na Paraíba, e Sindicato do Crime, no Rio Grande do Norte. Apesar das guerras oriundas das rivalidades entre facções estarem presentes em apenas alguns locais do Nordeste do país, é possível constatar a presença do PCC em todos os Estados da região, de acordo com investigação realizada pelo Centro de


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Segurança Institucional e Inteligência do Ministério Público de São Paulo em agosto de 2016. “De acordo com o MP-SP, os noves Estados do Nordeste juntos têm 3.818 criminosos filiados ao PCC. Depois do Ceará, Alagoas é o Estado com mais 'batizados': são 970. O Rio Grande do Norte vem em seguida, com 446 membros” (VINICIUS KOSHINSKI, 2017).

3. METODOLOGIA A metodologia utilizada neste artigo consiste na revisão de literatura, baseandose em livros, dissertações, periódicos e, principalmente, matérias jornalísticas que retrataram o sistema operacional do PCC nos presídios durante o início do século XXI até a atualidade, momento em que a organização criminosa atinge outras esferas da sociedade em sua expansão. Utilizou-se o método dedutivo, partindo da historicidade sobre a criação do PCC e buscando analisar o fluxo organizacional existente entre os presídios comandados pelo Partido e os bairros periféricos liderados pelo mesmo. Dessa forma, a análise corrobora a tese de que o PCC realizou um fluxo cultural inverso, criando redes de sociabilidade dos presídios para as comunidades periféricas do Sul e Sudeste, onde a região Nordeste mantem-se ainda pouco dominada pela organização (MARCONI; LAKATOS, 2010). Empregaram-se as técnicas de pesquisa documental e, sobretudo, bibliográfica, haja vista que a produção do artigo se utiliza de pesquisas de diferentes áreas e espécies - como jornais, artigos de periódicos, livros e dossiê - para criar um arcabouço sobre a origem, organização e expansão da organização criminosa mais conhecida do Brasil: o Primeiro Comando da Capital. Tomando como embasamento uma abordagem hermenêutico-dialética exposta por Minayo (1992), busca-se a integração dialógica e crítica, a qual – articulando qualitativo e quantitativo – leva o intérprete a entender sobre o processo social que envolve o comando do PCC nos cárceres e nas comunidades, o fluxo cultural e organizacional, bem como, as dificuldades no processo de expansão em todos os estados do Brasil.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente artigo buscou desempenhar um estudo acerca da historicidade do Primeiro Comando da Capital (PCC), percorrendo desde o seu surgimento até a sua


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consolidação no “mundo do crime”. Através da pesquisa, observou-se que o PCC atua através de um sistema bastante complexo e organizado, o qual possui objetivos claros e próprios, destacando-se sua evolução organizacional com a unificação de normas, práticas, valores e princípios, o que possibilitou sua consolidação como gestor e controlador do ambiente criminal. Ao longo do artigo, concluiu-se que, com a introdução do PCC no universo criminal, o fluxo cultural e organizacional dos criminosos passou a ocorrer de dentro para fora – do cárcere para a comunidade – caracterizando um movimento sistemático centrífugo. Como demonstrado no trabalho, o Comando surgiu dentro da própria prisão, movimento esse que acontece de forma contrária à maioria das outras organizações criminosas, as quais se iniciam no meio comunitário e, posteriormente, são disseminadas nas prisões quando seus membros são presos. O PCC ascendeu de forma enérgica no “mundo do crime”, obtendo, pois, o comando no controle do tráfico de drogas e armas tanto no Brasil como em outros países da América Latina, tendo em vista que a facção atua em todos os 27 Estados da Federação brasileira, bem como nos países vizinhos. É justo dizer que o controle do PCC sobre o tráfico de drogas e armas é uma visão bastante negativa da facção. Porém, como restou demonstrado, o Comando foi responsável pelo decréscimo expressivo da taxa de homicídios nas comunidades periféricas do Estado de São Paulo entre o período de 2006 e 2016 juntamente com a expansão dos presídios e implantação do RDD – Lei nº 10.792/2003. Apesar de ser mais atuante na região Sudeste, o artigo analisou a atuação do PCC no Nordeste do país. A partir da análise de mapas e matérias jornalísticas, concluiu-se que a região apresenta bastante resistência quanto à entrada do PCC, uma vez que possui facções rivais muito fortes e atuantes, ocasionando guerras e um crescimento na taxa de homicídio nos Estados que o PCC não possui maior controle. Sendo assim, vê-se que o ordenamento jurídico brasileiro precisa dar uma maior atenção para a problemática da atuação das facções criminosas, investindo não só na segurança pública, como também em infraestrutura, saúde e, principalmente em educação, tendo em vista que se trata um problema cultural. São mudanças que, se realizadas, só produzirão efeitos a médio e longo prazo, haja vista que as facções envolvem um sistema político de corrupção ainda pouco divulgado pelas mídias


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tradicionais. Tal fator, todavia, não deve desestimular a população, uma vez que para que para vencer uma luta é necessário dar o primeiro passo.

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Capítulo 5

TIPIFICAÇÃO DA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL SOB O ENFOQUE DA LEI 13.718/2018: ANÁLISE DOS FATORES QUE IMPULSIONARAM O AUMENTO DA RIGIDEZ DA PENA

(Autores) Cinthya Nathaly Pereira Cardoso Maria Barbosa Queiroga

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Raízes do problema. 3 Atual legislação. 4 Metodologia. 5 Considerações finais. 6 Referências.


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RESUMO O presente artigo busca promover o debate acerca do recém sancionado decreto-lei 13.718/2018 que tipifica os, agora considerados, crimes de importunação sexual, que vem tendo grande repercussão nacional devido a casos de ande impacto que violava a dignidade das vítimas, que em grande maioria são do sexo feminino. Desse modo, tendo em vista que a dignidade é um direito fundamental, atrelado ao direito a vida, a saúde, seja ela psicológica ou física, que é previsto na constituição, é fundamental que a sociedade tenha entendimento da importância da norma em vigor e como pode servir de ferramenta protetiva para as mulheres bem como para diminuição da impunidade recorrente em crimes de menor repercussão. Esse trabalho faz um estudo dedutivo pois analisa a norma de uma forma ampla, sendo aplicada nos casos concretos que ocorrem diariamente no convívio social. Como retorno a sociedade o artigo revela os prós do sancionamento da lei, esclarecendo a população os seus direitos perante a legislação vigente.

Palavras-chave: Importunação. Norma. Impunidade

ABSTRACT This article seeks to promote the debate about the recently enacted decree-law 13,718 / 2018, which typifies those now considered crimes of sexual harassment, which has had great national repercussion due to cases of violence that violated the dignity of the victims, the vast majority are female. Thus, given that dignity is a fundamental right, linked to the right to life, health, whether psychological or physical, which is provided for in the constitution, it is fundamental that society has an understanding of the importance of the norm in force and how can serve as a protective tool for women as well as to reduce recurrent impunity in crimes of minor repercussion. This work makes a deductive study because it analyzes the norm in a broad way, being applied in the concrete cases that occur daily in social life. As a return to society the article reveals the pros of sanctioning the law, clarifying the population their rights under the current legislation. Keywords: Impact. Norm. Impunity.

1 INTRODUÇÃO Posteriormente a casos de grande repercussão, como o estupro coletivo sofrido por quatro adolescentes no Piauí em 2015, um outro estupro coletivo contra uma jovem de 16 anos no Rio de Janeiro em 2016, filmado e divulgado na internet, e o episódio do homem que ejaculou no pescoço de uma moça quando ambos se encontravam no interior de um ônibus na Avenida Paulista, em São Paulo, em 2017 se


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deu o estímulo para a elaboração de uma nova lei, firmada em setembro de 2018 pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, tipificando a figura da “importunação sexual” no Código Penal. A lei define o tipo penal como prática de ato libidinoso contra alguém, sem a anuência dessa pessoa, para satisfazer a própria lascívia bem como a de terceiros. Condena, ainda, a divulgação de cena de estupro e estabelece o aumento da pena para “crimes sexuais contra vulnerável e crimes contra a liberdade sexual”, na definição da lei. Em detrimento da lei sancionada houve a alteração do termo contravenção para crimes que ferem a dignidade sexual, passando a ser de ação penal pública incondicionada uma vez que a doutrina já questionava a transgressão colocando-a como inadequada nos dias de hoje, da forma como disposta no ordenamento, sugerindo sua abolição. Seu texto estava mais preocupado em proteger o pudor, a moralidade e os considerados bons costumes do que a liberdade sexual. Com o objetivo de encerrar a polêmica envolvendo a aplicação da arcaica contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, tipificando um novo delito destinado a substituí-la, a importunação sexual. Mediante estudo da norma, a promotora de justiça Valeria Scarence defende, em uma entrevista prestada em setembro deste ano, para Agencia Brasil, que essa lei surge em razão de duas graves lacunas da nossa legislação que não previa especificamente nem a conduta de importunação sexual, conhecida vulgarmente como assédio na rua, e a conduta de divulgação de cena íntima ou cena de estupro visto que fatos de gravidade acentuada, mas que não encontravam correspondente na lei, dessa forma os efeitos já foram sentidos imediatamente, portanto essa lei vem ao encontro do anseio da população que estava com a sensação de insuficiência normativa. Por conseguinte, mesmo se tratando de uma promulgação recente ver-se que na verdade se deu em virtude de problemas atemporais e muitas vezes silenciosos, sendo mais uma adaptação das infrações no âmbito sexual para a contemporaneidade, do que algo recém-surgido, fazendo-se relevante por atingir verticalmente as parcelas sociais, então através de uma fundamentação referencial aprofundada nas doutrinas, busca-se expor da melhor forma o tema trabalhado.


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2 RAÍZES HISTÓRICAS DO PROBLEMA A princípio o patriarcado é um dos conceitos que vem despertando grande produção no viés intelectual feminista e tem ocupado um lugar de destaque no pensamento social brasileiro, relatando sobre o notório controle de gênero sendo trabalhado pelo sociólogo Max Weber, que pontua que para a efetuação do controle social as mulheres são assemelhadas, pelas instituições sociais, às criaturas irracionais ou de difícil autocontrole, ou seja, com grande capacidade de ocasionar o desordem, ou como seres capazes de causar emoção em quem as circunda, inclusive pelos desejos que podem despertar e para a contenção desses sentimentos muitas vezes se estabelece pela comunidade diversas regras sobre as vestimentas, normatizando e impondo que sejam cobertas as partes do corpo feminino que podem suscitar desejos nos homens, surgindo assim um estereótipo de que a mulher sempre incentiva que o homem se corrompa e por isso ela deve ser o objeto de regulação. O patriarcado está por trás da mais silenciosa à mais gritante violência, seja ela física, sexual ou psicológica. Muitos cristãos têm cultuado ideias sobre a suposta inferioridade da mulher, seja por ingenuidade ou por interesse deliberado de manter seus privilégios, sendo atrelado ao vitimísmo feminino. Atualmente tem-se diversas ondas de pensamento que se utilizam do empoderamento feminino e a busca pela igualdade de gêneros de forma equivocada, e as justificativas para a oposição a esta luta são as piores possíveis, e se utilizam de expresso de cunho depreciativo, como por exemplo: “Mulher quer direitos iguais, então vai carregar um saco de cimento ou objetos pesados”. A estrutura de poder patriarcal assola os espaços públicos e privados, as ruas, as famílias, as empresas e as igrejas. E seus apoiadores não medem esforços para exercer controle sobre a vida, os corpos, os destinos e sonhos das mulheres. E silenciar frente a feminicídios e os assédios sexuais que são justificados na moral religiosa é ser cúmplice das diversas formas de violência a que elas estão cotidianamente expostas. Sendo assim, é evidente que o patriarcado é um meio de organização social onde suas relações são fundamentadas em um princípio primordial no qual as mulheres são hierarquicamente subordinadas aos homens, dessa forma caracterizado pela supremacia masculina, desvalorização da identidade feminina e atribuição funcional do


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ser mulher, apenas para procriação, advindo desde a História Antiga e Idade Média. (SCOTT,1995) Quanto ao cenário familiar, mesmo em meios a presença continua da discussão a respeito da proteção a dignidade feminina e busca pela igualdade em todos os aspectos, ainda encontramos evidências, em pequenas atitudes que em primeira análise não parecem ofensivos ou preconceituosos, mas de fato representam a forte influência do patriarcado, no que se refere ao comportamento esperado das mulheres nesse contexto em que elas eram economicamente dependentes dos homens. Fazendo com que implicitamente subsistisse um “contrato de troca” o qual subentendia que as mulheres, por serem sustentadas pelos maridos, teriam que cuidar dos afazeres domésticos e os satisfizer sexualmente enquanto em sua maioria o homem fica responsável apenas pelo trabalho em âmbito profissional sendo notório o estereótipo dado a mulher: esposa dócil, submissa, ociosa e indolente, ocupando importância extrema na educação dos filhos, na gerência do domicílio e assumindo a posição de chefe apenas na ausência do patriarca. (FREIRE,1951) Outro ponto presente nas relações familiares, é o predomínio da “dupla moral sexual”, ou seja, a sexualidade feminina ainda é desvalorizada e silenciada, potencializando a condenação do adultério praticado por mulheres, enquanto que para os homens a sexualidade é estimulada em todos os aspectos, ocasionando a aceitação e valorização social dessa prática. Embora a mulher independente passe a se tornar mais reconhecida, o patriarcado contemporâneo em nenhum momento provoca alguma alteração acentuada nos deveres de gênero ou na estrutura tradicional da família. A nova imagem de esposa moderna passa a adquirir características de independência em relação ao cônjuge, busca pela carreira profissional e autonomia financeira, no entanto uma das características da cultura patriarcal que ainda perdura é a objetificação do corpo feminino, uma vez que esta é profundamente ligada à atribuição ao corpo da mulher enquanto mera ferramenta de prazer sexual masculino. (BRUSCHINI 1993) Dessa forma foi notório o fato de que o patriarcalismo está intrinsecamente ligado a toda uma população, o que muitas vezes reflete na autodepreciação e objetificação feminina. Quando lembramos que parte da cultura machista compreende a satisfação sexual que a mulher precisa dar ao homem, a consequência disso no comportamento de muitas mulheres é de se empenhar em tornar seus corpos


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sexualmente atraentes para os homens em desvantagem de suas próprias expectativas, enxergam seu próprio corpo e o corpo de outras mulheres como objetos de contentamento do desejo sexual masculino realizando o processo de auto-objetificação, ou seja, se colocando sempre a mercê das vontades masculinas.

3 ATUAL LEGISLAÇÃO 3.1 VIGÊNCIA DO DECRETO-LEI RECÉM PROMULGADO Promulgada no último dia 24 de setembro de 2018, a chamada Lei de Importunação Sexual, qualifica a importunação sexual e a exposição de cena de estupro, e ainda torna pública incondicionada a natureza da ação penal dos delitos contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, expondo as motivações do aumento da pena para esses crimes e configura como fomentador do enrijecimento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo. Essa lei altera o decreto

2.848 de 7 de setembro de 1940 (Código Penal)

para tipificar os crimes de importunação sexual e de divulgação de cenas de importunação sexual de divulgação de cena de estupro, tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelecer causas de aumento de pena para os crimes de estupro coletivo e estupro corretivo; e revoga dispositivo do decreto-lei

3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei de Contravenções

Penais) sendo mais rigoroso e com a missão de atender a atual demanda social de combate mais efetivo ao assédio e abuso sexual. Como exposto, os artigos modificados foram eles: art. 213, 215 e 217, o primeiro teve a sua atuação um pouco restringida devido ao fato que em sua redação tinha “ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso”. Analisando pelas mesmas letras a nova redação do artigo 213 do Código Penal percebe-se claramente que ato libidinoso é todo aquele diverso da conjunção carnal que, pode variar de um beijo lascivo até o coito anal (CAPEZ, 2010). Sendo agora esses atos encaixados e regulados pelo artigo 215-A criado para substituir a contravenção, o crime de importunação sexual tipificado no mesmo, este artigo do Código Penal brasileiro (Lei n. 13.718, de 24 de setembro de 2018) disciplina in verbis:


C a p í t u l o V | 81 Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. (BRASIL, 2018)

Sendo importante relembrar, para melhor compreensão da ideia, o que é ato libidinoso. Libido é o desejo sexual. Ato libidinoso é todo ato que tenha como objetivo a satisfação da libido, isto é, de satisfação do desejo ou apetite sexual da pessoa. São atos libidinosos mais comuns a conjunção carnal, o coito anal, a prática de sexo oral, a masturbação e o beijo lascivo. Além de acrescentar ao artigo 217 o parágrafo 5º que presume-se a incapacidade da vítima de prestar consentimento para o ato sexual, seja em razão da idade (menor de 14 anos), seja em razão de específica de enfermidade ou deficiência mental, sendo possível de lhe retirar completamente o discernimento acerca do ato, ou outra circunstância análoga, que de forma equivalente restringe sua autonomia, além de falar que as penas devem ser aplicadas independente da permissão do menor, ou seja, o ato de denunciar, por exemplo, pode e deve partir da vítima, mas não somente podendo um terceiro denunciar e ocorrer a aplicação da pena, isso se dá pelo fato de muitas vezes a vítima ficar com medo de denunciar, sendo essa uma forma de combater a impunidade dos pedófilos. Por fim, para obter maior clareza, se faz relevante que seja realizado um liame entre estupro e importunação, sendo esta a vertente de maior enfoque da seguinte pesquisa realizada, portanto o estupro (art. 213) e na importunação sexual (art. 215-A), faz-se menção ao dissenso da vítima. No primeiro, o não consentimento da vítima é superado pelo agente, que pratica o ato libidinoso com emprego de violência física ou grave ameaça, tendo o delito de importunação sexual sua natureza subsidiária caracterizada apenas se a conduta praticada pelo sujeito ativo, além de preencher todos os elementos de tipicidade penal previstos no artigo 215-A, não caracterizar o próprio crime de estupro ou estupro de vulnerável.

3.2 CASOS DE REPERCUSÃO NACIONAL QUE IMPULSIONARAM A ELABORAÇÃO DA LEI


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Após os acontecimentos expostos a seguir que trouxeram grande mobilização social, tendo seu percursor em 2015, iniciou-se debates para análise e modificação do antigo ordenamento afim de promover uma maior proporcionalidade entre penas e delitos.

 Caso do ônibus em São Paulo Matéria publicada no dia 02 de setembro de 2017 pelo G1. Relatou o caso do ajudante de serviços gerais Diego Ferreira de Novais, de 27 anos, que foi preso por suspeita de ato obsceno contra uma mulher dentro de um ônibus que passava pela Avenida Brigadeirio Luis Antônio. Na delegacia, acabou indiciado por estupro porque foi acusado de esfregar o pênis no ombro da vítima e ainda tentado impedi-la de fugir dele. Na mesma semana foi detido novamente ao atacar outra passageira dentro de um coletivo na região da Avenida Paulista. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou, por meio de nota, que esta é a quarta vez que Diego é preso por estupro; o homem também já foi detido 13 vezes por ato obsceno e importunação ofensiva ao pudor, totalizando 17 passagens pela polícia.  Caso Castelo do Piauí Matéria publicada pelo G1 do dia 28 de maio de 2015. Mostra o caso de um estupro coletivo ocorrido em Castelo do Piauí em que quatro adolescentes foram agredidas, estupradas e arremessadas do alto de um penhasco de cerca de 5 metros de altura. De acordo com a polícia, cinco homens participaram do crime. Quatro deles, menores de idade e um adulto, segundo o delegado eles teriam cortado os pulsos das meninas, furado mamilos e olhos e depois ainda arremessado elas de cima de um morro. De acordo com o mesmo as garotas ainda foram amarradas antes de sofrerem a violência sexual.  Caso estupro coletivo no Rio de Janeiro Matéria publicada pelo G1 26 de maio de 2016. Expõe o caso do estupro coletivo no Rio de Janeiro em que uma adolescente de 16 anos foi violentada por em média 30 homens. Inicialmente ela teria ido até a casa de um rapaz com quem se relacionava há três anos. Ela relata que estava a sós na casa dele e só se lembra que acordou no dia seguinte em uma outra casa, na mesma comunidade, com 33 homens armados com fuzis e pistolas


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que estava dopada e nua. Dois dias depois ela descobriu que imagens suas, sem roupas e desacordada, circulava na internet.

Os casos mostrados acima são apenas a ponta do iceberg dos problemas existentes no cotidiano devido ao fato de que a violência seja ela física ou moral vai de encontro com o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo comprovado por uma pesquisa do Datafolha este ano, em que uma parcela de 42% das brasileiras com 16 anos ou mais declara já ter sido alvo de assédio sexual. Considerando as formas consultadas, as mais comuns são o assédio nas vias urbanas e no transporte público. Nas ruas, uma em cada três brasileiras adultas (29%) declara já ter sofrido assédio sexual, sendo que 25% que sofreram assédio verbal, seja através de piadas ou cantadas, tendo como exemplo muito popular o famoso “fiu fiu” e 3%, físico, seja por meio de carícias em partes íntimas (seios, genitália, nádegas) o encoxamento, esfregar órgãos sexuais em locais de aglomeração de pessoas se aproveitando da lotação, ocorrendo com mais frequência em transportes coletivos, além dos que sofreram ambos. O assédio em transporte público foi relatado por 22%, com incidência similar entre assédio físico (11%) e verbal (8%). Estando assim cada vez mais explícito a necessidade de uma aplicação eficaz da norma.

3.3 LEI ANTIGA FRENTE A ATUAL Expressando as diferenças entre a modificada legislação e vigente atualmente, observa-se que o problema que havia no Código Penal, no que diz respeito a essa parte dos crimes sexuais, é que o crime de estupro, da forma como está redigido desde 2009 – “prática de qualquer ato libidinoso, mediante violência ou grave ameaça” – [abarcava] uma variação muito grande de condutas, quanto à sua gravidade, submetidas a uma mesma pena. (ZAPATER,2018) Partindo da reflexão sobre os casos anteriores viu-se que as penas aplicadas a eles foram brandas, como por exemplo no caso do ônibus de São Paulo, em que o infrator passou apenas três dias em detenção, posto em liberdade pelo Judiciário sob a justificativa de inclusão do fato à contravenção penal de importunação ofensiva ao


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pudor – infração de menor potencial ofensivo que não comportava a manutenção da prisão. Então, após a mudança, o art. 2º da lei em análise mudou ainda o art. 225, do capítulo VI (das disposições gerais) para acabar com a ação pública condicionada na execução nos crimes sexuais definidos nos capítulos I (art. 213 a 216-B) e II (art. 217-A a 218-D) do título VI, do Código Penal, correspondendo aos crimes contra a dignidade sexual, revogando também o seu parágrafo único. A ação pública incondicionada, que antes estava restrita aos casos em que a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoal vulnerável, passa, de agora em diante, a ser a regra, dispensando-se consulta à vontade do sujeito passivo para o início da persecução penal. Localizado o artigo 215-A topograficamente no capítulo I, aplica-se ao crime de importunação sexual esta disposição. A pena cominada pela transgressão abordada é de reclusão de um a cinco anos. E a majoração da penalidade não retroage para prejudicar os praticantes de fatos cometidos antes da mudança, por ser lei mais onerosa. A punição diminuta da velha contravenção fazia com que os casos recaíssem no brando tratamento da Lei dos Juizados Especiais Criminais (9.099/1995), ocasionando que o suspeito conduzido fosse posto em liberdade logo após o atendimento policial, ao assinar termo de compromisso de comparecimento posterior ao juízo. Ademais, o procedimento judicial sumaríssimo dos juizados foi substituído pelo ordinário, previsto no Código de Processo, permitindo, inclusive, a decretação da cautelar preventiva pelo judiciário, preenchidos os requisitos legais.

4 METODOLOGIA Após análise da conjuntura com o propósito de expor a atual legislação na vertente dos crimes sexuais, de acordo com o novo decreto-lei 13.718, que age em relação importunação sexual, foi feito o estudo de acordo com o método dedutivo de abordagem que:

Também parte de premissas assim como o método indutivo. Em que se a conclusão partir de premissas verdadeiras, a conclusão será verdadeira, ou seja, a conclusão estará explícita ou implícita na premissa. (LAKATOS E MARCONI 2005)


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Isto é, analisou-se o que foi proposto pela letra da lei, vendo sua aplicação nas situações do dia a dia, para que assim decorra da melhor forma possível o presente estudo. Em relação ao método de procedimento foi utilizado o monográfico que ao invés de se concentrar em um aspecto, abrange o conjunto das atividades de um grupo social particular, tendo como nível de profundidade o modo explicativo tem como objetivo registrar fatos, analisa-los, interpreta-los e identificar suas causas visando ampliar generalizações, definir leis mais amplas, estruturar e definir modelos teóricos, relacionar hipóteses em uma visão mais unitária do universo ou âmbito produtivo em geral e gerar hipóteses ou ideias por força de dedução lógica, no que se refere a coleta de dados utilizou-se a pesquisa bibliográfico que “é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.” (GIL, 2010) Inicialmente buscou-se apresentar as causar de forma histórica que fomentaram a promulgação da norma, tendo como principal motivador o patriarcalismo que colocava a mulher como submissa e tendo como principal função satisfazer o homem e cuidar das tarefas domésticas, de forma que não tivesse voz ativa, causando no homem um sentimento de se achar no direito de agir com a mesma da forma que bem entendesse. Seguindo a análise, no segundo ponto foi apresentada a lei 13.718 sendo analisada, e comparada com a antigo ordenamento vigente, e também explicando sua abrangência. Por fim, o presente artigo expôs a sua aplicação social, e a forma a qual se fará eficaz, apresentando suas penas, que teve como base o princípio da proporcionalidade, tornando-se mais rígida em relação à antiga.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em suma, é notório o avanço legislativo subsidiado por esse novo decretolei que cada vez mais adapta a arcaica situação normativa do país, que era baseada nos costumes da sociedade do século passado, e que a distância entre gêneros e a busca pela honra feminina era baseada no seu pudor, tendo a distinção de mulher honesta e as demais que tinha costumes mundanos, sendo esta última não protegida por lei, não sendo encaixadas em crimes de estupro, podendo livremente servir de satisfação sexual e ser violentada, enquanto a primeira tinha sua honra protegida de forma ferrenha e em caso de abuso o ainda sim havia frouxidão na norma em que o agressor era perdoado da pena se contraísse núpcias com a vítima, que teria que conviver com o que causou seu


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sofrimento, além de romper com pensamento de que a mulher não se incomoda ou apenas deve suportar atitudes de menor amplitude, seja verbal através de expressões que cause constrangimento, ou fisicamente, por atitudes que trazem grande desconforto, buscando, portanto melhores condições, seja no trabalho, ao andar na rua e até no convívio familiar, para uma parcela social estereotipada como sexo frágil, que deve ser submissa e dócil que tem voz ativa mínima. Apesar de uma redação ruim no caput que menciona, “sem a sua anuência”, por não se fazer necessário essa expressão, devido ao fato de que se houvesse anuência não seria importunação sexual, a lei ainda permanece sólida cumprindo com seu objetivo de caracterizar as atitudes de constrangimento que ocorre no cotidiano, e mostrando a sua diferença do estupro além de abordar o estupro coletivo e corretivo, que são questões muito delicadas que antes formavam uma lacuna legislativa , no quando é buscada, se aplicando da forma devida nos casos concretos. Como ocorreu dois dias após sua sanção, em São Paulo, em que um homem foi preso sob suspeita de passar a mão na perna de uma passageira em um trem da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, sendo o primeiro caso a se enquadrar na nova legislação. Diante disso, viu-se o quão carente é a legislação brasileira, para as vertentes que aborda questões sexuais, isso advindo de uma cultura de desigualdade de gênero que solidifica inúmeros tabus, os quais influencia na elaboração de leis que fizesse a devida regulação de muitas atitudes que pudesse condenar o homem, então após diversos momentos e que houve risco para a minoria, as mulheres, criou-se a lei 13.718, a qual veio para abranger atitudes que antes não era consideradas crimes, as contravenções, e trazia uma enorme margem para a impunidade de pessoas que se aproveitava de forma implícita de situações cotidianas para se satisfazer sexualmente das mulheres, causando nelas constrangimento, e colocando agora como importunação sexual e cabível de pena, além de tipificar os mesmos, deixando clara a intenção do legislador de extinguir qualquer resquício da antiga infração, e trouxe assim, um sentimento de maior proteção e segurança para as vítimas, que muitas vezes tinham medo de andar nas ruas, tendo que se autorregular em relação a roupas, se eram curtas e portanto era colocada como convite a homens, ou onde andar e seu horário.

REFERÊNCIAS


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Capítulo 6

A ILEGALIDADE DO USO DA PRISÃO CAUTELAR COMO INCENTIVO À DELAÇÃO PREMIADA

(Autor) João Francisco de Sousa Filho

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Fundamentação teórica. 2.1 Delação premiada: peculiaridades e requisitos de validade. 2.2 A prisão cautelar no ordenamento jurídico brasileiro. 2.3 O uso da prisão cautelar como incentivo à delação premiada. 3 Metodologia. 4 Considerações finais. 5 Referências.


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RESUMO

A delação premiada apesar de passível de diversas críticas por parte da doutrina tornou-se uma realidade inexorável dentro do processo penal brasileiro, isso se deve em muito pela importância que o instituto teve dentro das investigações da Operação Lava Jato, que tem movimentado o cenário jurídico brasileiro nos últimos anos, contudo, percebeu-se o constante uso da prisão cautelar para pressionar os investigados a realizar delação, prática que constitui dever da função dada pelo legislador às cautelares e que macula o caráter voluntário da qual a relação deve se revestir, em face disso faz-se necessário que o legislador crie mecanismos para impedir a continuidade dessa prática e passe a punir os abusos nas práticas negociais que vem sendo cometidos pelas autoridades. Tratou-se de uma revisão bibliográfica principalmente em manuais de processo penal, artigos de pesquisadores e outros documentos. Palavras-chave: Direito Processual Penal. Delação Premiada. Prisão Cautelar.

1 INTRODUÇÃO

Em face dos múltiplos processos criminais abertos no contexto da Operação Lava Jato, movida pelo Ministério Público Federal majoritariamente com foro na 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR e com notória intervenção do Supremo Tribunal Federal, a Delação Premiada, prevista e regulada pela Lei nº 12.850/2013, tornou-se um relevante meio de obtenção de prova dentro do processo penal brasileiro. Nesse contexto, as delações firmadas entre o Ministério Público Federal e os primeiros réus delinearam os contornos a serem seguidos pelas investigações e que se mantém até o presente, e foram, ao menos inicialmente, os elementos fundamentais do arcabouço probatório do Ministério Público Federal. Para que tenha validade o acordo de colaboração premiada deve ser produto da livre manifestação de vontade do imputado, sendo ilegal qualquer tipo de pressão física, moral ou mental, devendo ser interpretado como produto da intenção do mesmo em abandonar a prática criminosa, não sendo passíveis de análise as motivações íntimas que o levaram a tomar essa decisão. Contudo, no âmbito da mesma Operação Lava Jato, detectou-se o uso


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indiscriminado de prisões cautelares com o objetivo de incentivar acusados a firmar acordos de colaboração premiada, onde a delação é utilizada como instrumento de restituição de liberdade daqueles investigados que se encontram encarcerados. A prisão cautelar constitui exceção à presunção de inocência, princípio fundamental que rege o processo penal, que é regra de tratamento atuando numa dimensão interna, ou seja, relativa ao processo, onde o ônus da prova recai ao acusador e a dúvida conduza à absolvição, e também numa dimensão externa, protegendo a imagem do réu da publicidade abusiva e da estigmatização precoce. Usar a prisão como forma de pressionar o imputado a firmar a colaboração premiada é uma prática ilegal, pois macula o caráter voluntário, que é requisito fundamental para validade do acordo, trazido expressamente no Art. 4º, da Lei 12.850/2013, além de constituir grave desvio da finalidade que o legislador do instituto da prisão cautelar. Em face dos pontos que foram elencados, o presente artigo busca analisar a ilegalidade do uso da prisão cautelar como forma de induzir o imputado a firmar acordo de colaboração premiada. O tema atualmente vem sendo amplamente debatido no meio acadêmico e sua relevância reside na necessidade de entender de compreender os abusos que vem sendo cometidos dentro do processo penal brasileiro, para que seja possível construir um processo penal democrático à luz da Constituição Federal. Tratou-se de uma revisão bibliográfica, realizada a partir dos estudos em doutrina especializada em Direito Processual Penal, artigos de pesquisadores da área e documentos do Congresso Nacional. Na estrutura do trabalho se abordam primeiramente o instituto da delação premiada, tema extremamente atual, que vem sendo amplamente discutido pelos especialistas da área. Em seguida se discute a temática das medidas cautelares no direito penal brasileiro, com especial enfoque à prisão cautelar. Ao fim será abordado o problema do uso da prisão cautelar para incentivar a delação premiada e suas implicações.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. DELAÇÃO PREMIADA: PECULIARIDADES E VALIDADE


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Importa inicialmente compreender de forma sintética do que se trata o instituto da colaboração premiada, mais conhecido na linguagem coloquial como delação premiada, para tanto se faz mister buscar na doutrina pátria uma conceituação desse instituto jurídico, para que sirva de ponto de partida para discussões mais aprofundadas: A colaboração premiada, ou colaboração processual, ou, ainda, delação premiada (os primeiros termos, eufemísticos, visam disfarçar certa conotação antiética que a conduta em questão possui) consiste na redução de pena (podendo chegar, em algumas hipóteses, até mesmo a total isenção de pena) para o delinquente que delatar seus comparsas, concedida pelo juiz na sentença, desde que sejam satisfeitos os requisitos que a lei estabelece. (BITENCOURT, 2014, p.115).

Esse instituto é regido pela Lei n

12.850 2013, lei de organizações

criminosas, esta determina que se possa conceder o benefício do perdão judicial, da redução em dois terços da pena privativa de liberdade ou sua substituição por pena privativa de direitos para aquele que, de forma voluntária, ou seja, demonstrando sincero interesse de abandonar a prática criminosa, contribua de forma efetiva para a investigação, de maneira que seja possível identificar os demais coautores e partícipes da organização, recuperação do produto da infração, localização de eventuais vítimas, dentre outros objetivos. Antes mesmo da Lei nº 12.850, a colaboração processual já havia sido apresentada ao Direito brasileiro pela Lei n 8.072 1990, lei de crimes hediondos, que previu a possibilidade de diminuição de pena em favor do coautor ou participe do crime de extorsão mediante sequestro praticado por quadrilha ou bando que denunciasse o crime à autoridade, possibilitando a libertação da vítima. Antes de 2013 ela já se encontrava presente de forma esparsa dentro do ordenamento jurídico brasileiro na forma de uma série de normas de natureza material, inclusive normas que não são especificamente de Direito Penal, a exemplo da Lei 10.149/2000, como apontado por Walter Bittar. (BITTAR, 2017, p.229). A delação premiada trata-se de um instituto que foi importado de legislações estrangeiras, Cezar Roberto Bitencourt aponta institutos semelhantes no Código Penal espanhol, Arts. 376 e 579 n 3; Código Penal italiano, Arts. 289bis e 630, e Leis n 304 82, 34 87 e 82 91; Código Penal português, Arts. 299, n 4, 300, n 4, e 301, n 2;


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nos Estados Unidos, com a prática corrente do plea bargaining (BITENCOURT, 2014, p.116), O doutrinador Eduardo Araújo da Silva identifica a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Nacional, ratificada no Brasil através do Decreto nº 5.015/2004, como uma forma de consolidação dessa tendência, estimulando os países signatários a adotarem a colaboração processual no combate à criminalidade organizada (SILVA, 2015, p. 55), o que pode ser visto no Art. 26 da mesma:

1. Cada Estado Parte tomará as medidas adequadas para encorajar as pessoas que participem ou tenham participado em grupos criminosos organizados: a) A fornecerem informações úteis às autoridades competentes para efeitos de investigação e produção de provas, nomeadamente: i) A identidade, natureza, composição, estrutura, localização ou atividades dos grupos criminosos organizados; ii) As conexões, inclusive conexões internacionais, com outros grupos criminosos organizados; iii) As infrações que os grupos criminosos organizados praticaram ou poderão vir a praticar; b) A prestarem ajuda efetiva e concreta às autoridades competentes, susceptível de contribuir para privar os grupos criminosos organizados dos seus recursos ou do produto do crime. 2. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, nos casos pertinentes, de reduzir a pena de que é passível um arguido que coopere de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente Convenção.

O cabimento da delação premiada dá-se somente no caso das organizações criminosas, não sendo aplicável em outras formas de concurso de pessoas, dessa maneira a própria Lei nº 12.850 em seu Art. 1º, parágrafo único, tratou de dizer o que seriam organização criminosa: “Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.” Passando a análise dos pressupostos de validade da colaboração processual estes podem ser extraídos da leitura do Art. 4º, caput e §1º, seriam estes a voluntariedade do colaborador, a efetividade da colaboração, a eficácia das declarações e as circunstâncias favoráveis ao colaborador, dentre estas a voluntariedade é aquela que está mais diretamente vinculada ao objeto deste trabalho, motivo pelo qual se dispensará maiores considerações acerca dos demais requisitos.


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A delação só poderá ser considerada válida quando feita de maneira livre e voluntária pelo imputado, não sendo legítimo que este seja coagido por qualquer autoridade, nesse sentido escreve Bitencourt:

A delação premiada deve ser produto da livre manifestação pessoal do delator, sem sofrer qualquer tipo de pressão física, moral ou mental, representando, em outras palavras, intenção ou desejo de abandonar o empreendimento criminoso, sendo indiferentes as razões que o levam a essa decisão. (BITENCOURT, 2014, p.119).

Silva ainda aponta que a preocupação do legislador com o caráter voluntário da delação demonstra a previsibilidade da ocorrência de excessos por parte das autoridades no intento de extrair a confissão durante as investigações, tendo em vista a vulnerabilidade a que o acusado se encontra exposto (SILVA, 2015. p.58), Nesse contexto entra a utilização das prisões cautelares no contexto da Operação Lava Jato, utilizar as cautelares para incentivar a delação constitui clara coação do imputado, como se verá mais a diante. 2.2. A PRISÃO CAUTELAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Quis o constituinte que a presunção de inocência fosse um princípio diretor do processo penal brasileiro, tendo esta sido consagrada no Art. Art. 5º, LVII, da Constituição Federal: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, dessa maneira o constitucionalista garantiu uma proteção a todo cidadão, mas, como se verá a diante, não é uma regra absoluta e poderá ser afastada pelo Juiz em determinadas situações, desde que de forma excepcional e por sempre de forma bem fundamentada. Trata-se de um princípio fundamental para a coletividade, como aponta o Professor Aury Lopes Jr.: “ um principio fundamental de civilidade, fruto de uma opção protetora do individuo, ainda que para isso tenha-se de pagar o preço da impunidade de algum culpável, pois sem dúvida o maior interesse é que todos os inocentes, sem exceção, estejam protegidos.” (LOPES JR, 2017, p.19). A presunção de inocência constitui um dever de tratamento que deve ser observado numa dimensão interna ao processo, no sentido de que o ônus da prova recai inteiramente ao acusador, devendo a dúvida favorecer o acusado, e também


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numa dimensão externa ao processo, na forma da presunção de inocência e na proteção conferida pela Constituição à imagem e dignidade do acusado, protegendo-o da publicidade abusiva e da estigmatização precoce. (LIMA, 2018, p.45). Mas ao mesmo tempo em que há um direito com status constitucional de não ser considerado culpado e sofrer as consequências jurídicas dessa condição sem o devido processo legal, existe dentro do Direito a figura das medidas cautelares, o que representa a possibilidade do Estado de cercear a liberdade ou outros direitos ainda no âmbito das investigações ou durante o processo. Ocorre que a legislação admite compatibilidade entre as garantias constitucionais e o sistema de cautelares, sendo possível a coexistência entre estes opostos. Contudo, essa convivência só se mantém de forma harmônica quando as medidas cautelares são utilizadas de forma excepcional, somente quando comprovada a sua extrema necessidade e para preservar a eficácia do processo. Dentre todas as cautelares, aquela que representa mais grave intervenção estatal na vida daquele que ainda não foi considerado culpado é a prisão preventiva, de maneira que esta merece a maior moderação do juiz na sua decretação. Evidentemente, pois, que não pode haver decretação de cautelares de forma arbitrária no âmbito do processo penal o juiz de direito deve analisar a presença de dois fundamentos: fumus commissi delicti e periculum libertatis. O fumus comissi delicti, ou fumaça da prática de fato punível, trata-se da comprovação da materialidade do delito, se revela pela presença indícios suficientes que indiquem a probabilidade da ocorrência de fato aparentemente punível. Capez especifica que serão considerados pressupostos da decretação a prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria. (CAPEZ, 2017, p. 339) Já o periculum libertatis, diz respeito ao risco de fuga do acusado ou de prejuízo à coleta das provas, sobre isso a doutrina enuncia que:

Aqui o fator determinante não é o tempo, mas a situação de perigo criada pela conduta do imputado. Fala-se, nesses casos, em risco de frustração da função punitiva (fuga) ou graves prejuízos ao processo, em virtude da ausência do acusado, ou em risco ao normal desenvolvimento do processo criado por sua conduta (em relação à coleta da prova). (LOPES JR., 2017, p.26).


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Segundo Renato Brasileiro de Lima, “Prisão cautelar (carcer ad custodiam) é aquela decretada antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória com o objetivo de assegurar a eficácia das investigações ou do processo criminal.” (LIMA, 2018, p.888). A doutrina tradicional aponta três espécies de prisão cautelar: prisão em flagrante, prisão preventiva e prisão temporária. A prisão preventiva, prevista no art. 313 do Código de Processo Penal deve ser decretada pela autoridade judiciária competente, mediante representação de autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente de acusação. Poderá ser decretada em qualquer fase da investigação ou do processo penal, sendo nessa última situação possível que o próprio juiz a decrete de ofício. Há cabimento da prisão preventiva quando presentes os requisitos legais do art. 313 e os motivos listados no art. 312, porém, mais importante para a temática discutida no presente trabalho, o legislador autorizou a decretação de prisão preventiva perante a inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão, presentes no art. 319. A intenção do legislador ao redigir esta parte do Código de Processo Penal foi a de que a prisão fosse utilizada somente como último remédio, porém, como se verá mais adiante, vem ocorrendo reiteradamente uma deturpação da sua função.

2.3. O USO DA PRISÃO CAUTELAR COMO INCENTIVO À DELAÇÃO PREMIADA

Em 2017, através da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada à investigar possíveis abusos cometidos nos procedimentos de acordos de colaboração premiada celebrado entre o Ministério Público Federal e os acionistas das empresas JBS e J&F, ambas investigadas na Operação Lava Jato, detectou-se, como foi documentado em relatório parcial de relatoria do deputado Wadih Damous, dentre outras irregularidades na utilização do instituto, o abuso na utilização da prisão cautelar como incentivo a delação premiada. No documento, diversos eminentes juristas como os Drs. Aury Lopes Jr (BRASIL, 2017, p. 56), Alexandre de Morais da Rosa (p. 40-41), Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (p. 29 e 79) e Eugênio José Guilherme de Aragão (p. 48)


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denunciam a proliferação exacerbada de prisões preventivas com o fim precípuo de pressionar o encarcerado a realizar a delação. Inclusive o Procurador Ângelo Tomaz, que foi ouvido pela CPMI, atesta que tal abuso vem sendo reiteradamente utilizado no âmbito da Operação Lava-Jato (p. 88-89). A prática constitui clara violação ao caráter voluntário da qual deve se revestir a delação premiada, o qual é pressuposto de validade da colaboração premiada, uma vez que, como foi abordado anteriormente, ao optar pela delação, o colaborador deve fazê-lo de forma livre de qualquer pressão física, moral ou mental, nesse sentido pode-se citar a declaração do jurista Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, encaminhado a relatoria da já citada CPMI: Um sintoma concreto do que se está a dizer é justamente o uso indiscriminado, então, das prisões cautelares, impostas com o objetivo velado de forçar o acusado a firmar o acordo de delação premiada. A experiência demonstrou e continua a demonstrar que o acordo é empregado como instrumento de restituição da liberdade daqueles que se encontram encarcerados. Nesse cenário catastrófico e agonizante, para obter benefícios, o delator se vê obrigado a renunciar inúmeras garantias constitucionais, dentre elas a possibilidade de interposição de recursos e a propositura de ações constitucionais como o Habeas Corpus, o que constitui uma flagrante inconstitucionalidade. (COUTINHO, apud BRASIL, 2017, p.29).

A recorrência dessa prática ilegal pode ser encontrada inclusive nas declarações de membros do MPF, noticiadas pela mídia em todo o país, a exemplo da edição brasileira do jornal El País, que comentou sobre a polêmica do Procurador Manoel Pestana, que defendeu em um de seus pareceres que as prisões preventivas no caso Petrobras se justificam como forma de “convencer os infratores a colaborar com o desvendamento dos ilícitos” e chegou a justificar a posição em determinada entrevista, por meio do comentário que de ficou rapidamente conhecido, onde este diz que “o passarinho pra cantar precisa estar preso” (BORGES, 2014, página única), em alusão à prática de trancafiar aquele que está sendo investigado para induzir que este delate o que sabe sobre a prática do ilícito. A respeito do caráter coercitivo da ameaça de prisão cautelar, pode-se traçar um paralelo entre a realidade da justiça negocial dentro do processo penal brasileiro e dentro dos tribunais norte americanos. O professor John Langbein, Ph.D., do departamento de Direito da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, produziu um


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relevante estudo comparando as impiedosas práticas de tortura utilizadas pela justiça secular na Europa medieval para extrair a confissão, que era considerada naquele período a rainha das provas, com as práticas de plea bargaining onde em não raras vezes ocorre o uso da ameaça de aumento substancial de pena em caso de condenação se o acusado não aceitar o acordo oferecido pela acusação. O que Langbein propõe é que a natureza dessas práticas é a mesma a diferença reside meramente na intensidade, como pode se extrair da obra do mesmo: Existe, é claro, uma diferença entre ter seus membros esmagados se você se recusar a confessar, ou sofrer alguns anos extras de prisão se você se recusar a confessar, mas a diferença é de grau, não de tipo. A barganha, como a tortura, é coercitiva. Como os europeus medievais, os americanos estão agora operando um sistema processual que se envolve em condenação sem julgamento. (LANGBEIN, 1978, p.13-14, tradução nossa).

Ocorre exatamente o mesmo na realidade do processo penal brasileiro, utilizase a prisão cautelar para forçar a delação premiada, aproveitando-se do poder de coerção que a ameaça de encarceramento pode ter sobre o investigado. O raciocínio utilizado pelo Professor Langbein explica que o que vem ocorrendo no Brasil é uma prática similar a tortura, que se alinha com as práticas utilizadas para extrair a confissão na idade média e que jamais poderia ser aceita dentro do processo penal democrático, nem mesmo com a justificativa funcionalista que está sendo utilizada. O que ocorre é uma clara deturpação do instituto da prisão cautelar, que, como discutido anteriormente, deve ser utilizado de forma excepcional para assegurar a normal continuidade do processo, nunca de forma indiscriminada para incentivar a delação. Diante do que foi positivado na lei sabe-se que a prisão preventiva somente poderia ser utilizada de forma excepcional, diante da ineficácia de outras medidas mais brandas e para preservar a normal continuidade do processo. O crescente uso das prisões cautelares no âmbito da Operação Lava-Jato vem se dando sem o respeito aos requisitos determinados pela lei, o que além de constituir violação desnecessária ao princípio da presunção de inocência, tem se dado com a finalidade precípua de encarcerar acusados e força-los a realizar delação sob o efeito de forte pressão psicológica. A lei é clara ao dizer que delação deve se dar de forma voluntária, qualquer prática que macule esse caráter por consequência macula também a legalidade da delação, tornando-a uma prova ilegítima e que jamais poderia ser


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utilizada dentro do processo penal.

3. METODOLOGIA

Visando atingir os objetivos delimitados para este trabalho, utilizou-se, quanto à abordagem, o método dedutivo e, quanto ao procedimento, empregou-se o método observacional. Quanto à classificação da pesquisa desenvolvida foi utilizada, quanto à natureza, a pesquisa aplicada; quanto à forma de abordagem do problema se aplicou a pesquisa qualitativa; em relação ao objetivo geral, a pesquisa se utilizou a pesquisa explicativa; e, quanto aos procedimentos técnicos, a pesquisa se classifica em bibliográfica e documental.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do que se apurou na CPMI da JBS e J&F, verificou-se que tem sido prática recorrente do Ministério Público Federal o uso da prisão cautelar para forçar a delação no âmbito da Operação Lava Jato. Trata-se ato ilegal, pois deturpa o caráter voluntário que é fundamental para a validade do acordo de colaboração premiado, pois a lei aceita que apenas a própria convicção do delator enseje o ato de entregar informações em troca dos benefícios previstos na lei. Como demonstrado, as medidas cautelares possuem requisitos e fundamentos próprios e a utilização destes como instrumento de coerção também constitui deturpação da finalidade precípua destas, que é assegurar a normal continuidade das investigações ou do processo. Sendo a presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição Federal) a regra dentro do processo penal, o juiz deve ter o máximo de cuidado ao decretar qualquer das cautelares, especialmente a prisão preventiva, que, por sua natureza, tende a ser a mais violenta intervenção estatal na vida daquele que está sendo processado, devendo ser utilizada de forma subsidiária, somente quando as medidas menos gravosas se mostrarem inadequadas ou insuficientes. A utilização da prisão cautelar com o fim de obter a delação como demonstrado pelo estudo de Langbein constitui forma de tortura psicológica, muito similar a aquela


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que foi sistematicamente empregada pela justiça secular durante a idade média. Durante o Medievo o objetivo dos torturadores era extrair a confissão a qualquer custo, transportada para os dias de hoje e com uma nova roupagem, a ameaça de aumento substancial da pena nos tribunais americanos e a ameaça de decretação da prisão preventiva nos tribunais pátrios representam uma eficiente forma de tortura psicológica disfarçada com uma justificativa funcionalista objetivando extrair a mesma confissão que era buscada pelos torturadores medievais e no caso da delação premiada outras informações sobre a organização criminosa por trás da prática do ilícito alvo da investigação. O objetivo do uso desregulado e desmedido da prisão preventiva no âmbito da Operação Lava-Jato é claro, obter a colaboração dos réus e investigados, mesmo que para extrair a confissão dos acusados seja necessária a deturpação de dois importantes institutos do direito processual penal. Tais ilegalidades comprometem a legitimidade das provas obtidas, bem como das investigações, e não podem em hipótese alguma ser admitidas dentro do Estado Democrático de Direito. Abandonar esse tipo de prática é fundamental para a consolidação de um processo penal democrático e que opere em consonância com os princípios insculpidos na Constituição Federal. Como apontado pelo relatório parcial mostra-se fundamental que o legislador imponha a circunstância de o acusado estar respondendo o processo em liberdade como condição necessária que o juiz competente deva observar para a homologação judicial do acordo de colaboração, como forma de preservar o caráter voluntário da mesma e evitar a decretação de prisões ilegítimas.

5. REFERÊNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Comentários ei de Organi a es Criminosas: Lei 12.850/2013 / Cezar Roberto Bitencourt; Paulo César Busato. – São Paulo: Saraiva, 2014.

BITTAR, Walter B. O problema do conteúdo da valoração do depoimento dos delatores diante do conceito de justa causa para o regular exercício da ação penal. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n. 1, p. 225-251, jan./abr. 2017. Disponível em <https://doi.org/10.22197/rbdpp.v3i1.41>. Acesso em 15 de Novembro de 2018.


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BORGES, Rodolfo. Operação Lava Jato desafia os melhores advogados do Brasil. El País. 05 de Dez. de 2014. Disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2014/12/05/politica/1417805491_151821.html>. Acesso em 15 de Novembro de 2018.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.> Acesso em: 15 Nov. 2018.

. Congresso Nacional. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada a investigar supostas irregularidades envolvendo as empresas JBS e J&F em operações realizadas com o BNDES e BNDES-PAR ocorridas entre os anos de 2007 a 2016, que geraram prejuízos ao interesse público, assim como investigar os procedimentos do acordo de colaboração premiada celebrado entre o Ministério Público Federal e os acionistas das empresas JBS e J&F. elatório Parcial - ela ão Premiada. Relator Parcial: Deputado Wadih Damous, Brasília, DF, dez 2017. Disponível em: <file:///C:/Users/CLIENTE/Downloads/relatorio%20parcial%20dep.%20wadih.pdf>. Acesso em 14 de Novembro de 2018.

_______. Decreto nº 5.015, de 12 de Março de 2004. Brasília, 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em: 15 Nov. 2018. _______. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941. Rio de Janeiro, 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 15 Nov. 2018. _______. Lei nº 12.850, de 2 de Agosto de 2013. Brasília, 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12850.htm>. Acesso em: 15 Nov. 2018. LANGBEIN, John H., Torture and Plea Bargaining. Yale Law School Faculty Scholarship Repository. Faculty Scholarship Series. Paper 543. 1978. Disponível em <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/543>. Acesso em 15 de Novembro de 2018. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único/ Renato Brasileiro de Lima – 6. Ed. ver., ampl. e atual. – Salvador: Ed. Jus.Podivm, 2018.


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LOPES JR., Aury. Prisões cautelares / Aury Lopes Jr. – 5. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2017.

RODRÍGUEZ, Víctor Gabriel. Delação premiada: limites éticos ao Estado / Víctor Gabriel Rodríguez. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.

SILVA, Eduardo Araújo da. Organizações criminosas: aspectos penais e processuais da Lei no 12.850/13 / Eduardo Araújo da Silva. – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2015.


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Capítulo 7

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI BRASILEIRO: UMA ANÁLISE DO CASO ELOÁ

(Autores) Francisco das Chagas Bezerra Neto Jhonata Soares Barbosa

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Desenvolvimento. 2.1 Atividade midiática, respaldo legal e a sua função social. 2.2 Princípios processuais penais que perpassam a relação entre a mídia e o judiciário. 2.3 A interferência da mídia na decisão do Tribunal do Júri. 2.4 Caso Eloá: Do Tribunal do Júri ao recurso em segunda instância. 3 Metodologia. 4 Considerações finais. 5 Referências.


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RESUMO: A pertinência do conteúdo abordado tem como fundamento precípuo a relação da influência midiática sobre o julgamento do cárcere da jovem Eloá Cristina Pimentel, sobretudo no âmbito do Tribunal do Júri e seus reflexos diante do recurso em segunda instância. Nessa perspectiva, o presente artigo, através da pesquisa exploratória, método indutivo, coleta de dados documental e bibliográfica, procedeu-se de modo a analisar o respaldo constitucional com o intuito de esclarecer a importância da atividade midiática ao Estado Democrático de Direito. Não obstante, elucidou-se também, o caráter primordial dos princípios constitucionais basilares do processo penal que impõem limites à imprensa no âmbito judicial como: o devido processo legal, contraditório e a ampla defesa, presunção de inocência e a publicidade processual. Por fim, diante do conflito entre princípios constitucionais, buscou-se traçar mecanismos capazes de preservar tanto a liberdade de expressão, quanto aos direitos fundamentais processuais penais de proteção a liberdade individual. Palavras-chave: Tribunal do Júri. Influência Midiática. Processo Penal. 1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como diretriz básica destacar a relação de influência que exerce a mídia nas decisões do Tribunal do Júri, sobretudo nos casos de grande comoção social. Expondo, de um lado, o respaldo legal da atividade midiática e sua função social, de outro, a previsão normativa das garantias constitucionais inerentes ao processo penal brasileiro. Em virtude da temática proposta, ocorrerá uma análise doutrinária sobre os princípios constitucionais que norteiam o processo penal, como o devido processo legal, a presunção de inocência, contraditório e a ampla defesa. Não obstante, buscar-se-á demostrar o vasto papel realizado pela mídia em âmbito jurídico e sua influência psicológica na opinião das pessoas e de que modo podem afetar o conselho de sentença. Analisar-se-á, ainda, o aspecto da publicidade dos atos judiciais em uma ação penal, especialmente no processo do Tribunal do Júri, bem como, a divulgação dos seus efeitos pela imprensa. Além disso, procurando abordar sobre a usurpação da informação perante os direitos constitucionais: a intimidade, a imagem e a honra do


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acusado. Adiante, com o intuito de exemplificar e concretizar a ideia exposta será demostrado o caso Eloá Cristina Pimentel. De modo a fazer uma análise crítica dos excessos cometidos no exemplo citado, decorrerá sobre os escritos jurídicos, documentários e comentários da sentença penal para demonstrar os desvios de conduta da mídia que agridem direitos fundamentais indispensáveis à dignidade da pessoa humana. Por fim, procurar-se-á encontrar uma forma de ponderar e harmonizar a liberdade de expressão e a garantia ao devido processo legal. Dessa maneira, busca uma diretriz para que a liberdade de expressão não seja danosa às partes, mas ao mesmo tempo, seja útil a liberdade de informação em um Estado Democrático de Direito. 2. DESENVOLVIMENTO

2.1 ATIVIDADE MIDIÁTICA, RESPALDO LEGAL E A SUA FUNÇÃO SOCIAL A mídia tem o papel fundamental em comunicar, transmitir, repassar, divulgar e revelar, ao maior número de pessoas, informações ou notícias acontecidas no mundo. Além disso, proporcionar aos indivíduos mecanismo de educação, cultura, sempre atentando os valores e os aspectos éticos daquela sociedade. Nesse sentido, é plausível considerar que há uma confiança social nas informações destinadas ao público. Para José Afonso da Silva, a liberdade de imprensa é um direito de essencial importância para o Estado Democrático pois consiste no olhar onipotente do povo e o reflexo intelectual do seu público. A imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a confiança personalizada do povo nele mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais, e idealiza suas formas brutas. É a franca confissão do povo a si mesmo, e sabemos que o poder da confissão é o de redimir. A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê, e a visão de si mesmo é a primeira confissão de sabedoria. (SILVA, 2005, p. 246)

A Constituição Federal de 1988, estampa por fins primordiais um Estado Democrático de Direito, priorizando pela defesa dos direitos fundamentais. Dessa


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forma, visando garantir à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, o constituinte originário expôs no art. 5º, IX e XIV: Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; [...] XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. (BRASIL, 1998)

Ademais, a Carta Magna, em seu artigo 220, caput, §1° e §2°, assegura a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, vedando toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. §1°. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII e XIV. §2°. É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. (BRASIL, 1998).

Consoante Luiz Roberto Barroso, o direito de informação não é absoluto, devendo observar certas condições, em razão de respeitar o dever de se deter a informação verdadeira, e não aquela que comercializa melhor a notícia. Além do mais, vale destacar que o autor deixa explícito, que o direito fundamental de informação detém limites, obedecendo a intimidade de outrem, devendo assim ser empregado em situações verídicas, fieis a realidade e de boa-fé por parte da mídia. A informação que goza de proteção constitucional é a informação verdadeira. A divulgação deliberada de uma notícia falsa, em detrimento do direito de personalidade de outrem, não constitui direito fundamental do emissor. Os veículos de comunicação têm o dever de apurar, com boa fé e dentro dos critérios da razoabilidade, a correção do fato a qual darão publicidade. É bem de ver, no entanto, que não se trata de uma verdade objetiva, mas subjetiva, subordinada a um juízo de plausibilidade, e ao ponto de observação de quem a divulga. (BARROSO, 2004, p. 36)

A função da mídia não permanece em apenas informar a situação cotidiana, mas, principalmente, em formar sua opinião, desfrutando, na grande maioria, da


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hipossuficiência sociocultural, acrescido da escassez de informação e a carência de outros canais. A massa que, tecnicamente, não pode manter diálogo com a mídia absorve a notícia que é difundida de forma instantânea ou rápida, e seus integrantes não têm tempo de formar uma opinião individual. Por conseguinte, surgem opiniões coletivas e, muitas vezes, estereotipadas. As imagens, as palavras ou, ainda, as fotografias transmitidas pela mídia são sujeitas à interpretação. Se os indivíduos que compõem a massa não possuem outras informações e carecem de outros canais, não formam juízo próprio sobre a mensagem recebida, e tendem a seguir a ideia sugerida pelo meio de comunicação. (VIEIRA, 2003, p. 58)

Outro

aspecto

que

perpassa

a

atividade

da

mídia

que

colabora

consideravelmente na formação da convicção do receptor é a linguagem sensacionalista. De acordo com Ana Lúcia Vieira, essa tática busca chocar o público, causar impacto, exigindo seu envolvimento emocional. Nessa perspectiva, a linguagem sensacionalista além de envolver o leitor ou telespectador à inatividade cognitiva, tornam-os incapazes de discernir entre o mundo dos fatos e a esfera sentimentalismo.

A linguagem sensacionalista, caracterizada por ausência de moderação, busca chocar o público, causar impacto, exigindo seu envolvimento emocional. Assim, a imprensa e o meio televisivo de comunicação constroem um modelo informativo que torna difusos os limites do real e do imaginário. Nada do que se vê (imagem televisiva), do que se ouve (rádio) e do que se lê (imprensa jornalística) é indiferente ao consumidor da notícia sensacionalista. As emoções fortes criadas pela imagem são sentidas pelo telespectador. O sujeito não fica do lado de fora da notícia, mas a integra. A mensagem cativa o receptor, levando-o a uma fuga do cotidiano, ainda que de forma passageira. Esse mundo-imaginação é envolvente e o leitor ou telespectador se tornaram inertes, incapazes de criar uma barreira contra os sentimentos, incapazes de discernir o que é real do que é sensacional. (VIEIRA 2003, p. 53)

Por fim, o típico noticiário que pretende fornecer respostas rápidas à sociedade, imbuídas de alto grau de sentimentalismo e sem a prioridade de preservar os fatos nela contidas, acarreta um desvio a finalidade precípua da comunicação, em que a Constituição Federal busca preservar.


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2.2 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS QUE PERPASSAM A RELAÇÃO ENTRE A MÍDIA E O JUDICIÁRIO

Basilar na construção do ordenamento jurídico, os princípios possuem alto grau de abstração e garantem valores fundamentais à sociedade. Além de servir de parâmetro interpretativo, sua eficácia produz efeitos resguardando direitos subjetivos e estabelecendo limites ao poder do Estado, protegendo o cidadão do arbítrio judicial e da coerção estatal. O Direito Processual Penal estampa por fins primordiais a proteção da liberdade individual. Incorporando a si, princípios constitucionais indispensáveis à plenitude do Estado Democrático de Direitos e na eficácia das garantias constitucionais fundamentais. Precípuo, por de ele decorrer todos os outros princípios e garantias constitucionais, o devido processo legal prioriza pela garantia, a todos, o contraditório e a ampla defesa e a um julgamento justo. Explícito no art. 5°, inciso LIV, da carta magna de 1988: “ninguém será privado da liberdade ou dos seus bens sem o devido processo legal”, o legislador menciona o caráter elementar, atuante em todos os ramos do direito material e processual, da salvaguarda que o acusado tem de ser processado nos termos da lei. Para Alexandre de Moraes, o princípio do devido processo legal é fundamental, pois: O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estadopersecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal). (MORAES, 2018, p. 153)

Outrossim, primordial ao Direito brasileiro, sobretudo ao Processo Penal, o princípio da presunção de inocência foi incorporado ao nosso ordenamento jurídico com status constitucional. Respaldado na lei suprema da República Federativa do Brasil de 1998, no art. 5°, inciso LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, prevê expressamente à garantia fundamental da dignidade da pessoa humana de presumi-la inocente, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se asseguram todas as garantias necessárias para a sua defesa.


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Conforme cita Moraes (2010, p. 347): A presunção de inocência [...] representa um direito que veio atender à igualdade, ao respeito à dignidade da pessoa humana, ao cidadão e ao devido processo penal porquanto: a) a relação jurídica entre o imputado e órgãos persecutórias mais equilibrada (garantia à igualdade), impedindo que as manifestações do poder pública ultrapassem o necessário; b) impede, de ordinário, que ao imputado seja dado tratamento de condenado, antes do reconhecimento definitivo de sua culpa (garantia à dignidade da pessoa); c) impõe a necessidade de um processo condizente com todos os padrões constitucionais de justiça para que se processada à verificação e declaração de culpa do cidadão (garantia do devido processo legal); d) impõe uma decisão menos prejudicial ao imputado sempre que houver dúvida fática ou se possa proceder à mais favorável escolha jurídica, como asseveração do prestigio à dignidade da pessoa humana em toda e qualquer decisão judicial penal.

Além das garantias constitucionais indispensáveis à pessoa humana, como a preservação da inocência do acusado em todo o trâmite processual legal, mediante não obtenção de provas suficientes para a condenação e restando alguma dúvida ao juízo, a decisão deve absolvê-lo, mediante fundamento no princípio do “in dúbio pro reo”. Nestor Távora e Rosmar Rodrigues (2016, p.66) expõem que: em verdade, na ponderação entre o direito de punir do Estado e o “status libertatis” do imputado, este último deve prevalecer. Ainda que haja situações legais que exija prisão cautelar, mediante casos de extrema necessidade de aprisionamento temporal, preventivo ou em flagrante, é consenso doutrinário que tal medida não viola o princípio da presunção de inocência. Entretanto, seja qual for a natureza do delito ou o grau de malefícios a ordem social, independente de comoção social, é de vital importância assegurar, ao infrator, o devido processo legal, a presunção da inocência e todas as garantias constitucionais inerentes à dignidade da pessoa humana. Tendo em vista a soberania dos Poderes da República, incluso o Judiciário, serem pertenças ao povo, a publicidade dos atos processuais constitui o mais transparente ato de inspeção popular diante dos conflitos. Assim como sabiamente, Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 76) discorrem sobre: O princípio da publicidade do processo constitui uma preciosa garantia do indivíduo no tocante ao exercício da jurisdição. A presença do público nas audiências e a possibilidade do exame dos autos por qualquer pessoa representam o mais seguro instrumento de fiscalização popular sobre a obra dos magistrados, promotores públicos e advogados. Em última análise, o povo é o juiz dos juízes. E a responsabilidade das decisões judiciais assume outra dimensão, quando tais decisões hão de ser tomadas em audiência pública, na presença do povo.


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Posto no art. 5°, LX e art. 93, IX da Constituição Federal, o princípio da publicidade estabelece que: Art. 5°, LX: a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. Art. 93, IX: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentados todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos no quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (BRASIL, 1998).

Além disso, em lei infraconstitucional, o Código de Processo Penal prevê o princípio da publicidade no artigo 792 e, estabelece regras e exceções para a transparência das audiências, sessões e atos processuais: Art. 792 § 1º do CPP: Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação a ordem, o juiz, ou tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes. (BRASIL, 1941)

Embora a publicidade processual seja fundamental à proteção do cidadão contra interesses ocultos, tal princípio não é absoluto. De modo que a lei estabelece critérios como a defesa da intimidade da pessoa interessada, o interesse social no sigilo e também o interesse público à informação, para a relativização do princípio da publicidade. Por intermédio constitucional, a liberdade de expressão do pensamento e o direito ao acesso à informação assegura à atividade jornalística na cobertura dos processos judicias, desde que atendam as finalidades da profissão e preserve sempre o interesse e o direito das partes envolvidas.

2.3 A INTERFERÊNCIA DA MÍDIA NA DECISÃO DO TRIBUNAL DO

JÚRI Instituição secular, o Tribunal do Júri é visto como uma prerrogativa democrática do cidadão, que versa sobre o julgamento, pelos seus semelhantes, nos crimes dolosos contra vida. Nessa perspectiva a Constituição Federal de 1988, no rol dos direitos e garantias fundamentais, expõem que:


C a p í t u l o V I I | 111 Art. 5°, XXXVIII: é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) b) c) d)

a plenitude da defesa; o sigilo das votações; a soberania dos veredictos; a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; (BRASIL, 1988)

Frisam-se as alíneas, do inciso XXXVIII, art. 5°, pela plenitude da defesa: agregando a defesa técnica e a autodefesa; o sigilo das votações: assegurando aos jurados do conselho de sentença a livre convicção sobre o veredicto. Outrossim, garante a soberania dos veredictos: apesar de não ser um princípio absoluto, de moda que

o julgamento realizado pelo conselho de sentença não pode sofrer

alterações, acréscimos ou suprimento pelo Tribunal. Por fim, atribui, via de regra, ao Tribunal do Júri a competência de processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, ressalvando-se as competências especiais por prerrogativa de função. Disciplinado pelo artigo 447 do Código de Processo Penal, a composição do Tribunal do Júri é formada por um juiz presidente togado e vinte e cinco jurados leigos, dos quais sete serão sorteados para compor o conselho de sentença. Além disso, consoante Alencar e Távora (2016), o curso processual é dividido em: juízo de admissibilidade (art. 406 ao 412 do CPP) e juízo de execução (art.422 ao 497 do CPP). Por outro lado, no art. 5°, inciso IX, a Constituição assegura a liberdade de expressão, permitindo à imprensa a cobertura dos atos processuais, desde que resguarde o direito da parte envolvida. Entretanto, haja vista os membros do conselho de sentença serem leigos, desprovidos de conhecimentos técnicos, muitas vezes são levados a julgarem os crimes dolosos contra a vida, conforme suas convicções e sentimentos pessoais. Nessa perspectiva pondera Aury Lopes Junior (2014, p. 769): A falta de profissionalismo, de estrutura psicológica, aliados ao mais completo desconhecimento do processo e de processo, são graves inconvenientes do Tribunal do Júri. Não se trata de idolatrar o juiz togado, muito longe disso, senão de compreender a questão a partir de um mínimo de seriedade científica, imprescindível para o desempenho do ato de julgar.

Sobretudo nos crimes que geram comoção social, a mídia protagoniza um sensacionalismo linguístico que repassa ao púbico, de modo a sensibilizá-los e fomentá-los a um juízo de valor sobre os fatos.


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Assim defende Ana Lucia Menezes Vieira (2003, p. 246): O jurado é mais permeável à opinião pública, à comoção, que se criou em torno do caso em julgamento, do que os juízes togados e, por sentirem-se pressionados pela campanha criada na imprensa, correm o risco de se afastarem do dever de imparcialidade e acabam julgando de acordo com o que foi difundido na mídia.

É fático que a dramatização da dor humana, sensibiliza o público e gera audiência. Entretanto, o engajamento pela parcialidade dos fatos deteriora toda a estrutura do Tribunal do Júri e as garantias constitucionais do processo penal. A deslealdade midiática em matéria de grande repercussão gera prévia condenação, de modo a violar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa e a presunção de inocência do acusado. Conforme complementa Fernando Luiz Ximenes Rocha (2014, p. 335-336): [...] têm sido comum os meios de comunicação condenarem antecipadamente seres humanos, num verdadeiro linchamento, em total afronta aos princípios constitucionais da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, quando não lhes invadem, sem qualquer escrúpulo, a privacidade, ofendendo lhes aos sagrados direitos à intimidade, à imagem e a honra, assegurados constitucionalmente. [...] Aliás, essa prática odiosa tem ido muito além, pois é corriqueiro presenciarmos, ainda na fase da investigação criminal, quando sequer existe um processo penal instaurado, meros suspeitos a toda sorte de humilhação pelos órgãos de imprensa, notadamente nos programas sensacionalistas da televisão, violando escancaradamente, como registra Adauto Suannes, o constitucionalismo prometido respeito à dignidade da pessoa humana. [...] Não foram poucos os inocentes que se viram destruídos, vítimas desses atentados que provocam efeitos tão devastadores quanto irreversíveis sobre bens jurídicos pessoais atingidos.

Existente

o

conflito

entre

direitos

fundamentais

consagrados

constitucionalmente, é indispensável que o Poder Judiciário pondere os interesses, de modo proporcional, caso a caso. Nesse ponto de vista, para conservação da ordem constitucional, o conflito entre presunção de inocência e liberdade de expressão não deve resultar em anulação desse ou aquele, mas preservá-los proporcionalmente. 2.4 CASO ELOÁ: DO TRIBUNAL DO JÚRI AO RECURSO EM SEGUNDA INSTÂNCIA

Para fins didáticos, aborda-se a temática da influência midiática na decisão do Tribunal do Júri, usando como caso concreto o sequestro em cárcere privado da


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jovem Eloá Cristina Pimentel. Carlos Roberto Bacila obteve êxito em resumir bem o cativeiro das pessoas envolvidas no caso Eloá Cristina Pimentel, no dia 13 de outubro de 2008, em Santo André, cidade do estado de São Paulo. Conta o autor: O caso Nayara/Eloá se refere ao cárcere privado efetuado num conjunto habitacional de Santo André, no Estado de São Paulo, e que teve como autor Lindemberg Alves (22 anos) que no dia 13 de outubro de 2008 invadiu o apartamento de sua ex- namorada Eloá Cristina Pimentel (15 anos) e lá rendeu, além de Eloá, sua amiga Nayara e mais dois adolescentes Iago e Vitor. Estes últimos foram libertados algumas horas após a incursão de Lindemberg no apartamento, mas teriam sofrido agressões de Lindemberg, o que foi mais um indício do que estaria para suceder. Eletambém agrediu Eloá, demonstrando que não tinha freios para agir. Avisou que só sairia morto e que não iria para a prisão. No dia seguinte, Nayara também foi libertada. Neste mesmo dia (terça-feira, dia 14) Lindemberg forneceu mais uma prova do que era capaz de fazer. Ele atirou na direção da multidão. Mais tarde, ele atirou novamente. (...) Lindemberg atirou contra a população duas vezes. Nayara foi feita refém, conseguiu sair, a polícia reinseriu a adolescente no cativeiro e depois ela levou um tiro na cabeça, mas sobreviveu. Eloá sofreu violências durante o tempo em que ficou refém e no final levou um tiro na cabeça e outro na perna e morreu horas depois. (BACILA, 2009, p. 02)

Com a perspectiva de conseguir material a ser exibido nos meios de comunicação, a mídia não mediu esforços e ultrapassou as barreiras do bom senso. Nesse sentido, a imprensa divulgou incansavelmente o caso Eloá Cristina Pimentel sendo Lindemberg Alves a pessoa mais citada na mídia na época do cárcere privado. A título de exemplo de usurpação do direito à liberdade de imprensa, o programa de Sonia Abrão, detentor de grande audiência em canal aberto, mostrou a cobertura passo a passo do sequestrador, da polícia e dos envolvidos no cativeiro, sem os mínimos conhecimentos técnicos dos efeitos daquelas informações. Além disso, de modo impróprio passou a interferir no caso concreto através da ligação feita ao sequestrador, expondo-o em rede nacional e comprometendo o trabalho dos negociadores da polícia militar. Nesse sentido defende Pimentel (2008, p. 02): A Sonia Abrão, da RedeTV, a Record e a Globo foram irresponsáveis e criminosas. O que eles fizeram foi de uma irresponsabilidade tão grande que eles poderiam, através dessa conduta, deixar o tomador das reféns mais nervoso, como deixaram; poderiam atrapalhar a negociação, como atrapalharam... O telefone do Lindemberg estava sempre ocupado, e o


C a p í t u l o V I I | 114 capitão Adriano Giovaninni (negociador da polícia militar) não conseguia falar porque a Sonia Abrão queria entrevistá-lo. Ele ficou visivelmente nervoso quando a Sonia Abrão ligou, e ela colocou isso no ar. Impressionante! O Lindemberg falou: „‟quem são vocês, quem colocou isso no ar, como conseguiram o meu telefone? 1

A cobertura feita pela imprensa colocou em risco não só a vida da jovem Eloá Cristina Pimentel, mas também de todos que se encontravam perto dela. Além do mais, a extrapolação do direito à liberdade de expressão, mediante sensacionalismo impulsionador de comoção pública, além de ter afetado potencial e concretamente as pessoas que estavam sob a mira de suas acusações, prejudicou as prerrogativas constitucionais do julgamento do réu. No ano de 2012 ocorreu um dos mais esperados Tribunal do Júri de todos os tempos. Foram anos de puro euforismo conjuntural à espera desse dia. Durante os quatro dias de julgamento, a população aguardava o desfecho dessa história com a esperança de uma única resposta: condenação a pena máxima. Lindemberg Alves foi condenado pelo mais longo cárcere privado do Brasil, com a pena de 98 anos e 10 meses de reclusão pela morte de Eloá Cristina Pimentel e pelos outros 11 crimes cometidos durante o sequestro ocorrido no conjunto habitacional de Santo André, no Estado de São Paulo. Indiscutivelmente, a repercussão do caso e a comoção social influenciaram os jurados a condenar o réu por todos os crimes pelos quais fora denunciado e pronunciado. A juíza- presidente discorreu sobre a enorme divulgação do caso Eloá Cristina Pimentel: “Os crimes tiveram enorme repercussão social e causaram grande comoção na população, estarrecida pelos dias de horror e pânico que o réu propiciou às indefesas vítimas”2. A mídia foi um agente ativo nesse caso e contribuiu decisivamente para uma decisão menos imparcial e, consequentemente, tendenciosa. Por fim, a condenação de Lindemberg Alves pelo conselho de sentença concretizou o reflexo e a pressão a qual os meios de comunicação trouxeram para o processo. Após esse sensacionalismo ao caso, o processo tomou seu curso normal, sendo 1

PORTAL VERMELHO. Pimentel: mídia foi „criminosa e irresponsável‟ no caso Eloá. Disponível em: <http:// http://www.vermelho.org.br/confecom/noticia.php?id > Acesso em 31. outubro. 2018 2

Sentença do Processo n. 554.01.2008.038755-7. Acompanhamento Processual disponível em <http://www.tjsp.jus.br/PortalTJ3/Paginas/Pesquisas/Primeira_Instancia/Interior_Litoral_Criminal/Por_c omarca_cr iminal.aspx>. Acesso em: 25. outubro. 2018.


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que no dia 04 de junho de 2013 o Tribunal de Justiça de São Paulo reduziu para 39 anos e 3 meses a pena de Lindemberg Alves, condenado pela morte da exnamorada Eloá Pimentel e pelos outros 11 crimes cometidos. Destarte, é arriscada a forma que a imprensa aborda os crimes. Consoante Andrade (2009), a mídia distorce seu papel de potencial transformador incrível, para submeter-se ao papel amesquinhado, visando o aspecto econômico para a empresa privada a qual está vinculada. A Mídia, que atualmente ocupa o papel de destacado relevo e possui um potencial transformador incrível junto à sociedade, satisfaça-se com o papel amesquinhado que vem ocupando nos últimos anos, especialmente em troca de maiores lucros para a empresa privada a qual está vinculada (ANDRADE, 2009, p. 14).

Mesmo diante da barbaridade do delito e do conjunto de provas suficientes à condenação, a discussão não busca adentrar ao mérito processual, mas sim aos fatores externos que influenciam nas prerrogativas constitucionais. Logo, é certo que a deslealdade midiática em matéria de grande repercussão gera prévia condenação, de modo a violar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa e a presunção de inocência do acusado.

3. METODOLOGIA

O ponto de partida deste trabalho tem como base o questionamento da interferência que exerce a mídia sobre o processo penal brasileiro, principalmente no âmbito do Tribunal do Júri. Posteriormente, analisaram-se os artigos da Constituição Federal de 1988 que foram violados pelo imenso poder midiático de influenciar, muitas vezes, por utilizar-se de sensacionalismos. Tendo em vista o cerceamento de tais direitos, foi feito uma pesquisa exploratória, que tem por objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema. Sem a perspectiva de esgotamento do tema, tratou-se sobre as consequências práticas da influência da mídia no processo penal brasileiro, perpassando os artigos 5°, LIV, LVII, LX, XXXVIII e 93, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A pesquisa foi desenvolvida utilizando-se, como forma de abordagem, o método indutivo, a começar de parte particular e coloca a generalização como um


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produto posterior do trabalho de coleta de dados particulares. (GIL, 2002, p.10). Enquanto ao método de procedimento, atribuiu-se o método monográfico, que o parte do princípio de que o estudo de um caso em profundidade pode ser considerado representativo de muitos outros ou mesmo de todos os casos semelhantes. (GIL, 2002, p.18). Para elaboração deste artigo, a pesquisa quanto à coleta de dados, prosseguiu por meio de análises bibliográfica e documental. Nesse sentido, o primeiro método permite ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente (GIL, 2002, p.50). Já a análise documental, consiste em observar materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa. (GIL, 2002, p.51). De modo geral, a metodologia empregada buscou oferecer, mediante consultas de livros, documentos e sentença condenatória, explorar à problemática do tema. De forma a mostrar uma análise reflexiva de todos os dados obtidos no decorrer do trabalho, a fim de proporcionar um apontamento com relação ingerência que exerce a mídia sobre o processo penal brasileiro.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se que, mediante considerações abordadas durante o texto, é indispensável ao Estado Democrático de Direito que os princípios basilares da atividade midiática necessitam estar em sincronismo com as prerrogativas constitucionais do processo penal. Entretanto, a partir da análise doutrinária e casos concretos, o cenário atual é bastante controverso. Nota-se que, além das funções sociais desempenhadas pela mídia como repassar informações de interesse coletivo, há desvios precípuos da profissão devido ao sensacionalismo formador de opinião, sobretudo nas matérias que geram comoção pública. No âmbito do tribunal do Júri, concluiu-se que, as informações que extrapolam os limites constitucionais influenciam na imparcialidade das decisões provenientes dos membros do conselho de sentença, tendo em vista seu desconhecimento jurídico e processual. Com a finalidade de associar a pertinente discussão ao caso concreto, utilizou-


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se o conhecido cárcere da jovem Eloá Cristina Pimentel, para abordar situações práticas de informação que exorbitam a garantia do devido processo legal, presunção de inocência, contraditório e a ampla defesa, inerentes ao réu. Além disso, verificou-se que após o curso normal do processo, o recurso provido em segunda instância resultou em redução da pena, do réu Lindemberg Alves, de 98 anos e 10 meses, para 39 anos e 3 meses. Por fim, verifica-se que em situações de bens jurídicos conflitantes ou concorrentes, a Constituição Federal de 1988 determina a aplicação do princípio hermenêutico da concordância prática ou harmonização. De modo a preservar tanto a liberdade de expressão, quanto aos direitos fundamentais processuais penais de proteção a liberdade individual.

5. REFERÊNCIAS ANDRADE, Fabio Martins. A influência dos órgãos da mídia no processo penal: o caso Nardoni. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 14.

BACILA, CARLOS ROBERTO. O fantasma de Lindbergh e cativeiro com morte em São Paulo. Boletim IBCCRIM nº 194 - Janeiro / 2009. Disponível em: https://www.faneesp.edu.br/novo/conteudo/direito/artigo_fantasma.pdf. Acesso em 29. outubro.2010, p. 02.

BARROSO, Luiz Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direito de personalidade. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo, 2004, p. 36.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini;

DINAMARCO, Cândido Rangel. TEORIA GERAL DO PROCESSO. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 75.

JUNIOR. Aury Lopes. Direito processual penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 769.

MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 347.


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MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 34 ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 153.

ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. Mídia, poder e constituição. 2014. Disponível em: <http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/1206/1/LD_n4-5_20.pdf>. Acesso em: 01 novembro. 2018, p. 335-336.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 246.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processsual penal. 11 ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 66.

VIEIRA, Ana Lucia Menezes. Processo penal e mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 246.


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Capítulo 8

DESAFIOS DAS PROGENITORAS EM SISTEMAS CARCERÁRIOS

(Autores) Tarsila Shimoda Cartaxo Anna Beatriz Abreu Lins


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RESUMO A abordagem sobre a humanização do cárcere da mulher gestante, puérpera ou mãe com filhos até 12 anos sob sua responsabilidade diz respeito à efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana. Ademais, considera-se a mulher na sua integridade física, social e psíquica, e não unicamente sob uma perspectiva biológica, e dessa maneira, capta-se que o significado de humanização na instituição prisional representa uma das formas de garantir o cumprimento da pena pelas detentas de forma íntegra e posteriormente, uma melhor ressocialização dessa população carcerária. O artigo tem como objetivo demonstrar o uso excessivo do sistema criminológico atuante no direito penal brasileiro no que diz respeito ao público feminino, em particular as presas que encontram-se sob condição de prisão cautelar, demonstrando os malefícios não somente a essas mulheres, bem como aos seus descendentes. Existe esperança para essa condição obscura, e essa luz vem sendo proporcionada tanto pelo direito interno quanto pelo direito internacional, que juntos visam salvaguardar os direitos fundamentais dessas mulheres. Palavras-chave: Detentas; Penitenciárias; Habeas Corpus Coletivo; Direito internacional. ABSTRACT The approach about the humanization of the prison of the pregnant, puerperal woman or mother with children up to 12 years under her responsibility concerns the realization of the principle of the dignity of the human person. In addition, it is considered the woman in her physical, social and psychological integrity, and not only from a biological perspective, and in this way, it is understood that the meaning of humanization in the prison institution is one of the ways to guarantee the fulfillment of the sentence by the inmates integrally and posteriorly, a better resocialization of this prison population. The article aims demonstrating the excessive use of the criminological system in Brazilian criminal law in relation to the female public, in particular the prisoners who under condition of precautionary prison demonstrating the harm not only to these women, as well as to their descendants. There is hope for this obscure condition, and this light has been provided by both domestic law and international law, which together aim preserving the fundamental rights of these women. Keywords: Inmate; Penitentiaries; Collective Habeas Corpus; International right.

1. INTRODUÇÃO Este artigo pretende demonstrar uma análise dos direitos humanos acerca da condição das mulheres submetidas a prisão cautelar no sistema penitenciário nacional, que estejam sob a condição de gestantes, de puérperas ou de mães com filhos até 12 anos sob sua responsabilidade. Terá como parâmetro o pedido de Habeas Corpus Coletivo 143.641 SP, em consonância com as Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras, conhecida, de forma simplificada, como as Regras de Bangkok. Assim, será apresentado uma breve introdução sobre os sistemas penais, para compreendermos, na atualidade, como funciona o sistema penal no Brasil. A partir disso será


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possível interpretar os dados mais recentes sobre o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen Mulheres, 2° edição; e avaliar, criticamente, as disparidades existentes sobre a realidade do sistema carcerário para as detentas, em contraste com a literalidade do aparato legal. A preservação dos direitos fundamentais dos indivíduos é um dever do Estado e quando essas garantias não são efetivadas, cabe ao Estado dar voz ao seu povo, como afirma Ihering (2009, p. 61) ao dizer: “Aquele que for atacado em seu direito deve resistir; é um dever para consigo mesmo”. Todavia, muitos são os grupos que tem sua voz silenciada diante da dura realidade social em que estão inseridos. Sendo justamente as mulheres presas de forma cautelar, que encontram-se na condição de grávidas, puérperas ou mais, um desses grupos marginalizados socialmente que carecem de representatividade e assistência. Essa carência não se encerra nessas mulheres-mães, e sim estende-se ao seus descendentes, que nascem marcados por estigmas sociais e a ausência do aparato materno em seu cotidiano. Assim sendo, é possível perceber que o propósito dual do sistema carcerário não está sendo colocado em prática, uma vez que não existe um cuidado com a prevenção de crime futuro baseado na ressocialização das detentas. A luz para esse caminho obscuro está sendo irradiada pelo judiciário que vem percebendo, através de uma visão humanística, que essa problemática atinge diversos âmbitos dentro de uma sociedade e é necessário moldar essa forma estática de punir.

2. DESENVOLVIMENTO/FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 - Historicidade do Direito Penal O Direito Penal surge em conjunto com a necessidade humana de viver em coletividade, onde os atos ilícitos praticados deveriam ser resolvidos por meio da aplicação de penas. A própria palavra pena, como explica Rogério Greco (2017, p. 47), “provém do latim poena e do grego poiné e tem o significado de inflição de dor física ou moral ao transgressor de uma lei”.

Nesse primeiro momento, aplicava-se a pena unicamente como meio de restituição do mal causado pelo infrator, em sua maioria desproporcional ao delito causado. Magalhães Noronha (2004, p. 20), relata esse pensamento ao afirmar que: “A pena, em sua origem, nada mais foi que vindita, pois é mais que compreensível que naquela criatura, dominada pelos instintos, o revide à agressão sofrida devia ser fatal, não havendo preocupações


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com a proporção, nem mesmo com sua justiça.” Após esse período de punição como vingança, sendo ela privada, divina ou pública; desenvolveu-se o período humanitário que influenciado do período iluminista trouxe à vida a racionalidade das penas. Dessa forma, não apenas o meio processual deveria ter respaldo em provas concretas e comprováveis; bem como o ser humano passou a ser visto como indivíduo e não somente um meio de retaliação do Estado. A partir disso, a legalidade passou a adotar a proporcionalidade das penas, que só poderia ser aplicada se, previamente, houvesse lei que as determinassem. O princípio fundamental que rege a legalidade seria Estado de Direito, que determina que todos sejam tratados igualmente, respeitando, todavia, suas particularidades. Além disso, a lei precisa ser possível de compreensão, não devendo conter interpretações dúbias e obscuras, facilitando, assim, o seu entendimento pelo povo. Dessa forma, o sistema prisional, paulatinamente, deixou de ser um processo transitório para aplicação da pena, tornando-se a principal forma de aplicação penal. Não obstante, os desafios desse modelo punitivo, a degradação da dignidade humana permanece enraizada em seu contexto. Os presídios eram desprovidos de condições básicas para que as pessoas pudessem habitá-los, era nesses lugares nocivos onde os condenados pagariam pelos seus delitos, e tão somente isso. Posteriormente ao período humanitário, instaurou-se o período criminológico, que estudava o sistema penal não apenas uma forma linear como ocorria em outrora, e sim através da interdisciplinaridade de um estudo que correlaciona o comportamento delitivo com o contexto social em que se insere. O estudo criminológico, tal como enfatiza Rogério Greco (2017, p. 70), “não se limita ao comportamento delitivo em si, visto que vai mais longe, procurando descobrir sua gênese, retrocedendo, como um historiador do crime, em busca das suas possíveis causas.”. Em suma, a criminologia considera o crime em suas diversas faces. A pena passa a ter um caráter bifásico, englobando a retribuição do delito juntamente com a preservação da delinquência futura, propondo a prevenção à reincidência, por meio da coação e da recuperação do agente.

2.2 - Informações sobre o sistema penitenciário brasileiro Com base nessa síntese sobre os sistemas penais, é perceptível a evolução das penas no que se refere a dignidade da pessoa humana, por meio da proporcionalidade e juridicidade


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penal. Não é possível, todavia, vendar os olhos para a estagnação em que o sistema penitenciário se encontra, bem como o presente descaso com a preservação de alguns direitos fundamentais do indivíduo e com a futura ressocialização desse para o convívio com a coletividade. Essa realidade é marcada pelo estigma social e judicial de que a pena privativa de liberdade é a regra ou o único meio cabível para sanar a impunidade dos delitos, não abrindo espaço para a aplicação das demais formas penais. Isso gerou, por consequência, os inchaços prisionais, tornando o Brasil o quarto país com maior população carcerária do mundo, o que agrava a condição dos detentos. Através desse panorama, é possível demonstrar que a taxa ocupacional dos presídios que comportam mulheres atinge a marca de 157,7% e um déficit de 15.326 vagas para mulheres.

Além desse quadro, as cadeia existentes no país são construídas por homens para atender uma demanda composta por homens, sendo escassa a preocupação com a população feminina nos presídios nacionais. A reflexão de Heidi Ann Cerneka, autora da obra “Homens que menstruam: Considerações acerca do sistema prisional às especificidades da mulher”, remete a essa análise: “Para o Estado e a sociedade, parece que existem somente 440.000 homens e nenhuma mulher nas prisões do país. Só que, uma vez por mês, aproximadamente 28.000 desses presos menstruam”.


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Uma demonstração dessa realidade é a discrepante quantidade de estabelecimentos penais destinados ao gênero masculino, sendo essas 74%, em consonância aos destinados ao gênero feminino, que correspondem apenas 7%. Ademais, as penitenciárias de destinação mista, que configuram 16%, representam alas ou celas específicas para mulheres em

estabelecimentos originalmente destinados ao gênero masculino, que foram adaptados para mulheres e que por isso não comportam ambientes especializados para mulheres.

3. Pedido do Habeas Corpus Coletivo 143.641 Um grupo que merece especial atenção é o de mulheres grávidas, puérperas ou que tenham sob sua proteção crianças de até doze anos, que estejam sob a condição de prisão cautelar. O Ministro Ricardo Lewandowisk afirma, em seu voto, que a prisão preventiva dessas mulheres reduz a disponibilidade de acompanhamento médico de pré-natal e pós-parto o que constitui um tratamento desumano, privando não apenas a liberdade, como também o acesso a atendimentos básicos de saúde e estruturas mínimas necessárias para uma boa gestação e um posterior cuidado dos filhos. Segundo os dados da infopen, acerca das condições de infraestrutura, nos estabelecimentos femininos ou mistas existem apenas 55 unidades no território nacional que apresentam ambiente específico para as gestantes, essas representam apenas 16% das unidades existentes no país. Além disso, dentre as unidades femininas ou mistas, somente 14% delas contam com berçários e espaços destinados a bebês até dois anos de idade. Ademais, nessas unidades apenas 3% contam com creches, onde apenas quatro dentre os estados federativos representam essa porcentagem, sendo inexistente nos demais.


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Diante desse cenário, impetrou-se, por meio da iniciativa de membros do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos, o habeas corpus coletivo referente a essa parcela da população carcerária. Como justificativa ao cabimento da coletividade do habeas corpus defende a liberdade de locomoção de um grupo determinado de indivíduos, que diante da sua condição temporária, tem a violação dos direitos fundamentais a sua integridade física e psicológica. Demonstram, conjuntamente, que o atentado aos direitos é proveniente de falhas estruturais de acesso à justiça, que enfrentam barreiras de natureza econômica, social e cultural. Prova disso, é mais uma vez a demonstração numérica das mulheres presas atualmente no Brasil, inseridas nesse contexto, tem-se que quase metade das detentas estão presas por medidas cautelares, fenômeno proveniente do encarceramento em massa. Somado a essa condição, o perfil dessas detentas representa que 50% delas são jovens, com a faixa etária entre 18 e 29 anos. Ademais, tem-se que 62% da população prisional feminina é negra, e 45% possui o ensino fundamental incompleto. Dados que marcam um modelo social de pessoas à margem da sociedade, que não possui representatividade e visibilidade, estão sujeitas a entrada no mundo do crime, como meio de sobrevivência.


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A violação dos direitos das gestantes e seus filhos poderia ser evitada, visto que grande parte das prisões cautelares, quando julgadas, resultam em penas alternativas. Alegou-se na decisão do habeas corpus coletivo que a prisão domiciliar não é um direito subjetivo inerente às gestantes e mães, porém essa concessão nada mais seria que a própria efetivação dos direitos fundamentais propostos nos incisos XLIX e


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XLV do artigo 5° da Constituição vigente, que assegura aos presos o respeito à integridade física e moral, e determina que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, respectivamente. Ademais, a Lei 11.942, que alterou a Lei de Execução Penal, também determina algumas medidas a serem tomadas, para garantir a integridade da gestante e do filho. Assim, temos no parágrafo 3° do artigo 14, que “Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido”. Seguido do parágrafo 2° do artigo 83, onde “Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade.”. Por fim, o artigo 89 que determina que “... a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa.”. Além dessas determinações legais, está presente nós incisos III, IV e V do artigo 318 do Código de Processo Penal, as hipóteses de cabimento da substituição preventiva pela domiciliar, estando no contexto, a saber, quando o agente for: imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; gestante; ou mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.” Diante das particularidades desse parcela da população carcerária, é legítima a aplicação da prisão cautelar domiciliar, visto que o Estado não consegue promover muitos desses direitos reservados às mulheres, e ao renunciá-los agrava sua condição de vulnerabilidade. Segundo o voto do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, compreende-se que: [...] deve ser superado o prisma individualista do habeas corpus por meio de uma leitura constitucional e sistêmica, de modo a admitir-se a identificação das beneficiárias da ordem durante a tramitação ou ao final do writ, ou mesmo na oportunidade da execução da ordem, tendo em consideração a transitoriedade da condição de presas preventivas e a fim de garantir tratamento isonômico a estas. (Lewandowski, 2018)

O Supremo Tribunal Federal tem se adequado às situações contemporâneas que aflige determinados grupos, atuando por intermédio de remédios constitucionais coletivos, que garantem uma isonomia no tratamento da busca pela proteção dos


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direitos atingidos. Ainda são poucos os tratados e convenções que voltam o olhar para esse grupo de pessoas vulneráveis, um dos principais marcos normativos para esta temática são as Regras de Bangkok (2010), trazendo consigo particularidades que dizem respeito à prisão feminina, buscando em sua maioria evitar a entrada das mulheres nas prisões, dando assim preferência às medidas não privativas de liberdade, porém, o Brasil ainda não contempla sua total eficácia, mesmo que tenha assumido internacionalmente esse compromisso o país necessita de impulsos nos âmbitos de direitos internacionais e humanos para que as medidas adotadas possam ser enfim executadas de forma digna. Um dos propósito das Regras de Bangkok, como está expresso em seu texto normativo, visa contudo, reconhecer que uma parte das mulheres infratoras não apresenta risco à sociedade e seu encarceramento pode dificultar uma futura ressocialização, como ocorreria com os demais infratores que não intimidam a população de maneira ameaçadora, à vista disso, a regra número 58 salienta que: "Tendo em conta as disposições do parágrafo 2.3 das Regras de Tókio, não se separarão as delinquentes de seus parentes e comunidade sem prestar a devida atenção a sua história e seus vínculos familiares. Quando proceda e seja possível, se utilizarão mecanismos opcionais no caso das mulheres que cometam delitos, como medidas alternativas e outras que substituam a prisão preventiva e a condenação". Alguns dos requisitos adotados para que se cumpram efetivamente essas regras fazendo valer os princípios da dignidade da pessoa humana são: condições dignas de ingresso ao sistema carcerário, sendo as presas orientadas de forma adequada evitando assim possíveis conflitos externos e internos, as presas devem estar devidamente registradas no presídio em que se encontram, elas devem estar em presídios próximos ao seu meio familiar, devem ter acesso aos principais recursos de higiene pessoal, serviços de cuidado à saúde, dentre outras condições mínimas para uma permanência digna na prisão para que se cumpra a pena estabelecida. Frente às dificuldades encontradas

pelas

mulheres

infratoras

em

obterem

um

regime específico

principalmente na condição de mãe, deve-se lembrar que os direitos humanos resguardam os direitos de todos, não apenas dos que estão livres, desse modo, alguns dos aparatos normativos ratificados no Brasil são: Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (2002), Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher: Convenção de Belém do


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Pará (1996), Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (2000), estes devem ser acionados em quaisquer casos se necessários, dentro ou fora do presídio, em prisão preventiva, privativa ou cautelar. Tendo em vista a evolução social e o surgimento de novos direitos com o decorrer dos anos é viável a apreciação da expansão de novas garantias voltadas ao público feminino no que diz respeito à execução penal, os direitos devem se resguardar as pessoas de acordo com o tempo em que vivem, a tecnologia tem avançado e possibilitado diversas formas de fiscalizar o público carcerário, o monitoramento eletrônico em prisão domiciliar através de tornozeleiras é um exemplo de controle da localização do infrator. Noberto Bobbio (1909, p. 36 e 37), em seu livro A Era dos Direitos, já trazia que: [...] as exigências que se concretizam na demanda de uma intervenção pública e de uma prestação de serviços por parte do Estado só podem ser satisfeitas num determinado nível de desenvolvimento econômico e tecnológico; e que, com relação à própria teoria, são precisamente certas transformações sociais e certas inovações técnicas que fazem surgir novas exigências, imprevisíveis e inexequíveis antes que essas transformações e inovações tivessem ocorrido. Isso nos traz uma ulterior conformação da sociabilidade, ou da não-naturalidade, desses direitos. (BOBBIO, 1909)

Assim, sabe-se que o meio tecnológico só tende a avançar, e esse crescimento pode acarretar em uma nova conjuntura de direitos e deveres a serem estabelecidos, sempre na busca por melhorias sociais e respeitando os limites expressos na Constituição Federal de 1988.

3. METODOLOGIA O percurso metodológico da pesquisa é de natureza básica que segundo Prodanov e Freitas (2013, p. 126) “envolve verdades e interesses universais, procurando gerar conhecimentos novos úteis para o avanço da ciência [...]”, dessa forma, a pesquisa foi realizada com base em estudos bibliográficos com o intuito de identificar as medidas punitivas adotadas no sistema judiciário brasileiro e os impactos sociais causados por elas no que se refere principalmente ao público carcerário feminino, sob a condição de gestante, de puérperas ou de mães com filhos até 12 anos sob sua responsabilidade, tais como a importância da preferência da prisão domiciliar em consonância da prisão preventiva, quando tiver caráter provisório e das formas de


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aplicação utilizadas para o cumprimento das penas impostas. O objetivo desse estudo segue a linha exploratória que visa proporcionar uma maior intimidade com o fenômeno pesquisado, tornando-o explícito. Para tanto, foi elaborada uma linha de pensamento comparativo entre os Direitos Humanos e os direitos oferecidos às mulheres presas. O método científico utilizado foi o dedutivo, que ainda segundo Prodanov e Freitas (2013, p. 127) “sugere uma análise de problemas do geral para o particular, através de uma cadeia de raciocínio decrescente”, de abordagem qualitativa que tem como ambiente natural fonte direta para coleta de dados, interpretação de fenômenos e atribuições de significados. A contemplação de obras, artigos e demais documentos foi essencial para atingir os resultados esperados, consultando autores fundamentais para a realização do trabalho, tais como: Manoel Gonçalves Ferreira Filho; Noberto Bobbio; José Eduardo Faria; Rogério Greco; Renato Marcão; Mariana Lucena Queiroz; Ingo Wolfgang Sarlet; Carlos Weis, entre outros autores.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em busca da efetivação dos Direitos Humanos nos ditames apresentados, as políticas públicas estão sendo direcionadas para a modernização de todos os setores da sociedade. Apesar de existir a percepção da necessidade de progressos em vários setores do cárcere feminino no Brasil é evidente a precariedade nas instalações em consonância com a superlotação nas celas comprovando que os presídios tem se tornado muito mais do que um ambiente marginalizado. É possível salientar a presença de uma esperança na humanização da aplicação das normas constitucionais que dependem da neutralidade do Estado ao atender as mulheres encarceradas, tendo em vista que não ocupam somente a posição de infratoras na sociedade, são seres humanos e devem ter seus direitos atendidos. O Estado, por sua vez, se propõe a estabelecer uma sociedade livre, justa, fraterna e sem discriminações no que diz respeito ao que está previsto na Constituição Federal de 1988 quando esta se propõe a trabalhar em cima da erradicação da marginalização e desigualdades, preservação dignidade da pessoa humana, preponderância dos direitos


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humanos, dentre outros direitos essenciais para o homem. É dentro dessa lógica que o judiciário deve voltar seu olhar para as mulheres encarceradas – a realidade em muitas penitenciárias pode ser analisada como exposto no trabalho. A tendência é que ocorra uma adaptação dessas inovações nas políticas punitivas a partir das condutas normativas já aceitas nacionalmente, já em fase de execução que pretendem alcançar um maior público feminino nos presídios de todo o país. Tais inovações podem se tornar reais entrando em pauta propostas equivalentes a cada caso concreto analisado a partir de um estudo sistemático da comunidade prisional envolvida. A resposta então é realizar tais melhorias propostas e atribuir as detentas que se encaixam nos requisitos determinados – quer sejam gestantes, quer sejam alguns responsáveis por filhos até 12 anos – a tarefa de trabalhar com as mulheres a melhor maneira de botar em prática as penas substitutivas possibilitando uma melhor ressocialização e um tratamento mais humano por parte do Estado.

REFERÊNCIAS:

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Capítulo 9

O CÁRCERE ALÉM DA PRIVAÇÃO DE LIBERDADE: UMA ANÁLISE SOCIOJURÍDICA DA SITUAÇÃO DE GESTANTES E MÃES INSERIDAS NO ATUAL SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

(Autora) Maria Fernanda Rodrigues Neves Farias

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Fundamentação Teórica. 2.1 O panorama do cárcere feminino e a projeção deste na vida de mulheres gestantes, mães e seus filhos. 2.2 O ordenamento jurídico brasileiro e a (in) observância dos direitos humanos e fundamentais ante o cumprimento da pena privativa de liberdade. 2.3 A prisão domiciliar como medida assecuratória dos direitos humanos sob o novo entendimento jurisprudencial. 3 Metodologia. 4 Considerações Finais. 5 Referências.


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RESUMO: O presente artigo objetiva analisar as condições proporcionadas às gestantes e mães, bem como a seus filhos, que se encontram nas prisões brasileiras, a partir de um delineamento do nível de efetividade das disposições legais e da garantia dos direitos humanos e fundamentais. Justifica-se pela importância de dar visibilidade às inúmeras transgressões contra a população carcerária feminina que são constatadas no Brasil. Em relação à metodologia, consiste, quanto ao nível de profundidade, em uma pesquisa exploratória, na qual houve revisão da literatura e consulta a legislações, com emprego do método de abordagem dedutivo e, de procedimento, monográfico. Constatando-se, dentre outras coisas, que as fragilidades do sistema prisional feminino decorrem do descumprimento de normativas legais, como a Lei de Execução Penal, e da indiligência proveniente do Estado, que investe minimamente em políticas públicas para a reorganização dos ambientes prisionais femininos, resultando na violação dos direitos das apenadas. Palavras-chave: Ambientes prisionais. Direitos Humanos. Lei de Execução Penal.

1. INTRODUÇÃO O sistema prisional feminino brasileiro compreende, a nível mundial, a quarta maior população de mulheres encarceradas. Destas, uma maioria de jovens, negras, mães, com ensino fundamental incompleto e cumprindo pena por tráfico de drogas. São mulheres condenadas e outras que aguardam o julgamento, distribuídas em estabelecimentos penais femininos ou mistos, em todas as unidades da federação. A taxa de aprisionamento cresceu demasiadamente em menos de duas décadas, e cada vez mais mulheres encontram-se em privação de liberdade no Brasil. Em razão disso, existe, atualmente, um índice de superlotação nos presídios femininos que, embora menor relativamente aos masculinos, contraria diretrizes legalmente estabelecidas. E além das presas, acomodam-se, em muitos desses locais, crianças com suas respectivas mães apenadas. As adversidades dos estabelecimentos destinados à execução da pena podem ser observadas desde a falta de capacitação e sensibilidade dos profissionais que lidam com essas mulheres, até às más condições de higiene e saúde. Essa situação tem marcado pejorativamente o país perante demais Estados que, juntamente com o Brasil, são signatários de acordos internacionais de direitos humanos. Nesse sentido, esta pesquisa faz-se relevante porquanto são constatadas inúmeras transgressões à população carcerária feminina, mas não lhe é dada a devida


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notabilidade. Também pela necessidade de informar e reforçar, ao corpo acadêmico e social, sobre a problemática vigente. A elaboração deste trabalho parte do seguinte questionamento: as mulheres gestantes, puérperas e lactantes recebem, em linhas gerais, um tratamento humanizado, e, por sua condição especial, um tratamento diversificado nos estabelecimentos penais? Assim, o presente estudo tem por intuito analisar as condições proporcionadas às gestantes e mães, bem como a seus filhos, que se encontram nas prisões brasileiras, a partir de um delineamento do nível de efetividade das disposições legais e da garantia dos direitos humanos e fundamentais. Para tanto, apresentar-se-á dividido em três subseções de desenvolvimento que tratam, a saber, do panorama do cárcere feminino, da legislação penal pertinente e do novo parecer do Supremo Tribunal Federal sobre a temática.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 O panorama do cárcere feminino e a projeção deste na vida de mulheres gestantes, mães e seus filhos

A população prisional feminina, crescente no Brasil, encontra-se inserida em um quadro de negligência pública e social denotado nos diversos ambientes carcerários do país. O tratamento reservado a essas mulheres perpassa as desigualdades comumente vislumbradas em todo o sistema penal, concentrando-se, sob um recorte de gênero, na ausência de estrutura e recursos destinados ao público feminino, mormente, de assistência médica especializada e serviços básicos de saúde (ANDRADE, 2017). A precariedade destes recintos, em princípio, advém da própria arquitetura projetada para abranger um coletivo masculino, com total desconsideração das especificidades das mulheres – em particular daquelas em vivência da maternidade – e se estende à carência de produtos de higiene pessoal como papel higiênico e absorventes, assim como condições alimentares irregulares e problemas relativos à infraestrutura inadequada desses locais (ANDRADE, 2017). No que concerne às mulheres gestantes no cárcere, estas não usufruem, em sua maioria, de uma alimentação diferenciada – fundamental para o desenvolvimento sadio


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do nascituro – tampouco de celas confortáveis. As unidades prisionais carecem de profissionais qualificados e equipamentos ginecológicos específicos para as consultas pré-natais, o que impossibilita a realização de exames e o devido acompanhamento gestacional (ANDRADE, 2017; VIEIRA, 2013). O pleno desenvolvimento da criança que vai nascer passa necessariamente pela assistência pré-natal às mães com o mínimo de seis consultas, realização de exames como ultrassonografia, hemograma completo, HIV, sífilis, doenças dermatológicas, hepatite viral crônica, [...] além de outros cuidados de monitoramento, avaliação, intervenção e construção de projetos terapêuticos adaptados à realidade singular da gravidez no cárcere. A realidade da gravidez encarcerada no Brasil, entretanto, anda muitíssimo apartada da atenção integral à saúde do nascituro. (VIEIRA, 2013, p. 217, grifo nosso).

Outrossim, além de não haver o encaminhamento das gestantes a uma instituição pública de saúde para consultas e orientação, muitas destas encontram-se até um período avançado da gravidez em celas comuns com as demais apenadas, à espera de vagas nas repartições materno-infantis. E, não raramente, dão à luz no próprio estabelecimento penal – por vezes algemadas e com o mínimo amparo pósparto (GOMES, 2011; SILVESTRIN, 2017). Em seu livro “Presos que Menstruam”, Queiroz (2017, p. 74) assim evidencia: [...] na maioria dos presídios e cadeias públicas, elas ficam misturadas com a população carcerária e, quando chega a hora do parto, geralmente alguém leva para o hospital. Já nasceu muita criança dentro do presídio porque a viatura não chegou a tempo, ou porque a polícia se recusou a levar a gestante ao hospital, já que provavelmente não acreditou – ou não se importou – que ela estava com as dores de parto.

As deficiências vulgarmente apresentadas nesses estabelecimentos divergem, sobretudo, das regras e disposições internacionais relacionadas ao tratamento concedido às pessoas em privação de liberdade. Nesse seguimento, as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos – Regras de Mandela, pretextam acerca da responsabilidade do Estado para com as detentas gestantes, tanto no sentido de oferecer acomodação diferenciada e tratamentos pré e pós-natal, como no empenho para que os nascimentos sucedam em um hospital externo à prisão (BRASIL, 2016b). Ademais, as dificuldades se distendem às parturientes, lactantes e seus respectivos filhos porquanto não existem berçários nem espaços para a amamentação suficientemente dispostos nas unidades prisionais, circunstância esta que os impele a


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se arranjarem nas celas. Do mesmo modo, não se verifica acompanhamento pediátrico e disponibilidade de medicamentos específicos para a saúde infantil (SILVESTRIN, 2017; VIEIRA, 2013). Consoante o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN Mulheres, apenas 14% das unidades nacionais, femininas e mistas, dispõem de berçário ou centro de referência materno-infantil (BRASIL, 2018b). Porém, de acordo com as Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras – Regras de Bangkok, mães e filhos devem usufruir de instalações e serviços adequados na prisão, haja vista que estes últimos não podem sofrer os encargos da pena de sua progenitora (BRASIL, 2016a). Existem, ainda, entraves que se projetam no convívio entre a mãe presa e o seu filho, atinentes à permanência do mesmo na prisão, e, em contrapartida, aos efeitos de uma separação materno-infantil nos primeiros meses de vida. Esse contato inicial entre mãe e filho tem sua importância devido ao período de amamentação – a partir do qual são transferidos ao recém-nascido os principais nutrientes para um crescimento saudável – e, igualmente, pelo fortalecimento da relação afetiva-familiar entre ambos (ARAÚJO et al., 2014). Nessa perspectiva, Vieira (2013, p. 223) explicita que, para a criança recémnascida, “a possibilidade de permanecer ao lado da mãe logo após o parto representa uma medida de conforto psíquico, ajudando-a assim a enfrentar a mudança do estado intrauterino para o estado de vida fora do corpo materno. ” Sob esse viés, as Regras de Mandela preceituam que a estância ou não dos filhos com a mãe na unidade prisional deve levar em consideração o princípio do melhor interesse da criança (BRASIL, 2016b). Contudo, após o período de seis meses, há o afastamento da mesma – que passa a ter sua guarda sob a égide da família de origem – o que geralmente resulta em uma ruptura do vínculo afetivo, sem que ocorra qualquer espécie de adaptação ou acompanhamento psicológico, principalmente para a apenada. E, por vezes, quando a criança é encaminhada para instituições de acolhimento, a mãe acaba perdendo o poder familiar (BRAGA; ANGOTTI, 2015). Para mais, no Brasil, conforme os dados do INFOPEN mulheres, existem


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aproximadamente mil cento e onze crianças em estabelecimentos penais – vivenciando situações impróprias e degradantes. Embora encontrem-se envolvidas pela figura materna, essa experiência, torna-se, em certo grau, nociva à sua formação. Somando-se a isso a escassez de creches na maioria dos presídios brasileiros (BRASIL, 2018b; VIEIRA, 2013).

2.2 O ordenamento jurídico brasileiro e a (in)observância dos direitos humanos e fundamentais ante o cumprimento da pena privativa de liberdade A legislação penal brasileira, particularmente a Lei de Execução Penal – LEP, reserva disposições concernentes aos procedimentos de admissão dos presidiários e atenta para a responsabilidade de se preservar a integridade física e moral tanto dos presos condenados quanto dos provisórios, com deferência a direitos como assistência material, jurídica e social – nos termos dos arts. 40 e 41 da LEP (BRASIL, 1984). De acordo com o art. 82, parágrafo 1º, da referida lei, a figura feminina deve ser recolhida a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal. Entretanto, este dispositivo não encontra obediência em determinados presídios que, por sua natureza mista, recebem mulheres. Essa determinação tem respaldo também na Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso XLVIII, o qual dispõe que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”. (BRASIL, 1984, 1988). Nessa continuidade, o art. 83, parágrafo 2º, da LEP corrobora que os estabelecimentos penais dispensados às mulheres devem possuir berçários para que estas possam amamentar seus filhos por, no mínimo, seis meses. E o parágrafo 3º, na sequência, assegura que nesses espaços trabalhem, exclusivamente, agentes do sexo feminino na segurança interna (BRASIL, 1984). Em seguida, o art. 89, em seu caput, afirma que essas unidades prisionais devem ser dotadas de uma seção para gestantes e parturientes, assim como dispor de creches para abrigar crianças entre seis meses e sete anos de idade (BRASIL, 1984). No que tange à assistência à saúde – fragilizada na maior parte das prisões, conforme apresentado – o art. 14 da LEP assevera:


C a p í t u l o I X | 143 Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico. § 1º (Vetado). § 2º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento. § 3o Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido.

Sob esse enfoque, importa o art. 8º, parágrafo 9º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, expondo que se a gestante não iniciar as consultas de pré-natal, ou abandoná-las, assim como as puérperas que não comparecerem às consultas pós-parto, a atenção primária à saúde deverá, ativamente, fazer uma busca pelas mesmas (BRASIL, 1990). Ainda nesse sentido, o parágrafo 10 sustenta que:

§ 10. Incumbe ao poder público garantir, à gestante e à mulher com filho na primeira infância que se encontrem sob custódia em unidade de privação de liberdade, ambiência que atenda às normas sanitárias e assistenciais do Sistema Único de Saúde para o acolhimento do filho, em articulação com o sistema de ensino competente, visando ao desenvolvimento integral da criança.

A concretização das premissas legais supramencionadas, não obstante, representa apenas uma pretensão, uma vez que há disparidade entre a determinação normativa e a situação real vivenciada nas prisões femininas. Embora a pena preconizada seja a privação de liberdade, frequentemente são infringidos os demais direitos das apenadas, muitos dos quais inerentes à pessoa humana e que devem, de per si, ser resguardados (MARTINS, 2018). Além disso, os direitos sociais conclamados no art. 6º da Constituição Federal não devem, em sua aplicação, excetuar as apenadas, na medida em que sejam com estas compatíveis – como o direito à educação, saúde, alimentação e proteção à maternidade. A denegação em efetivá-los, além de causar desorganização carcerária, pode ser fator expressivo para a reincidência (BRASIL, 1988; MARTINS, 2018). Nesse diapasão, Greco (2016) proclama que a todo momento tem-se conhecimento, através dos meios de comunicação, da humilhação sofrida por aqueles incluídos em nosso sistema carcerário. O Estado, por sua vez, tem obrigação de


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salvaguardar as condições mínimas de dignidade dos indivíduos. Pois, mesmo que a pessoa tenha praticado um delito, aquele não pode cometer outro ao tratá-la desumanamente. Em se tratando da gravidez na prisão, cabe ao Estado intervir ativamente, porque a gestação transpassa no contexto da execução da pena. Assim, mãe e filho concebido, sob a responsabilidade estatal, não devem ter seus direitos violados diante das mazelas do cárcere brasileiro. Ressalve-se que a criança acaba por sofrer, também, uma sanção penal (MARTINS, 2018; SILVA; ARAÚJO, 2013; VIEIRA, 2013). Para Moraes (2014), os direitos humanos fundamentais caracterizam-se como os direitos e garantias do ser humano que, uma vez institucionalizados, objetivam a sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o desenvolvimento da personalidade humana, com condições dignas de vida. Outrossim, Piovesan (2013) deslinda que os direitos humanos constituem matéria internacional e, por conseguinte, uma proteção adicional à garantia dos direitos fundamentais. A negação desses direitos ou omissão na sua implementação implica, pois, na responsabilização do Estado violador. Entretanto, o desrespeito aos direitos humanos tem se intensificado nas prisões e o Estado tem se mostrado de certa forma, incapaz de solucionar a crise penitenciária que assola nosso país, desobedecendo todos os princípios e regras penitenciarias, perdendo o brilho da LEP, que por se tratar de uma norma de caráter humanitário, onde visa a correta execução da pena, cujo desejo é ressocializar o indivíduo, fazendo dele uma nova pessoa de bem, apenas afronta suas regras. (SILVA; ARAÚJO, 2013, p. 3).

Nesse sentido, o Brasil recebeu em 2017, através da Revisão Periódica Universal da Organização das Nações Unidas – ONU, mais de duzentas recomendações para combater as diversas violações aos direitos humanos que acontecem no país. Dentre as quais, encontra-se o pedido de reformulação do sistema penitenciário, em razão da incidência de maus-tratos, tortura e violência (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS BR, 2017). No país existe uma política que se perfaz no aprisionamento em massa, sem a devida prudência quanto a necessidades fisiológicas e materiais, ou ainda, prescrições legais (SILVA; ARAÚJO, 2013). Destarte, Varella (2017) clarifica que, embora o encarceramento atenda à expectativa social de retirar das ruas aqueles que oferecem perigo, os presídios funcionam apenas para castigar.


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2.3 A prisão domiciliar como medida assecuratória dos direitos humanos sob o novo entendimento jurisprudencial O Código de Processo Penal brasileiro cauciona a prisão domiciliar – recolhimento do/a acusado/a em sua residência, podendo ausentar-se apenas mediante autorização judicial – como substituição à prisão preventiva nas hipóteses de o agente ser maior de oitenta anos; debilitado por doença grave; imprescindível aos cuidados de pessoa com deficiência ou menor de seis anos de idade; gestante; e mulher ou homem com filho de até doze anos de idade incompletos – art. 318 (BRASIL, 1941). No entanto, esses dispositivos processuais penais referentes às gestantes e mães de crianças só foram acrescidos pela Lei nº 13. 257, de 2016 – Estatuto da Primeira Infância, pois anteriormente essa alternativa de prisão era admitida para as gestantes unicamente a partir do sétimo mês de gravidez ou caso esta fosse de risco. Em virtude da alteração legal, tornou-se possível as mães cumprirem pena em seus domicílios, evitando, ora a presença dos filhos na prisão, ora o afastamento inconveniente entre ambos (SILVEIRA, 2018). Nesse ínterim, a debilidade do cárcere feminino no Brasil tornou-se o cerne das discussões do Supremo Tribunal Federal – STF, em fevereiro de 2018, após o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos – CADHu – impetrar habeas corpus coletivo, reivindicando medida liminar favorável às gestantes, puérperas e mães de crianças que se encontram em regime de prisão preventiva (BRASIL, 2018a). A fundamentação do pedido consistiu precisamente na afirmação de que há, nos presídios, subtração do acesso à saúde durante os períodos de gestação e pós-parto, bem como privação das crianças às condições adequadas ao seu desenvolvimento, infringindo, verbi gratia, o princípio de individualização da pena – manifesto no art. 5º, inciso XLV, da Constituição Federal (BRASIL, 2018a). Para tanto, os membros do CADHu mencionaram o art. 25, inciso I, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – que defende o direito, para toda pessoa, a um recurso simples, rápido e efetivo ante os juízes ou tribunais competentes – para ressaltar a importância da garantia de acesso à Justiça e frisar a presença acentuada de práticas que violam direitos fundamentais (BRASIL, 2018a; COMISSÃO


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INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969). Dessa forma, reiteraram que as dificuldades no acesso à Justiça, quais sejam, econômicas, sociais e culturais, favorecem a prolongação de gestantes e mães de crianças em prisão cautelar. Em congênere com essa alegação, os dados do INFOPEN Mulheres revelam que, até junho de 2016, 45% das mulheres presas no Brasil ainda não haviam sido julgadas e condenadas (BRASIL, 2018a, 2018b). A ação requerida teve sua justificativa, também, no fato do Poder Judiciário ter negado o pedido de substituição da prisão preventiva por domiciliar para gestantes e mães de crianças em grande parte dos casos pleiteados, a contrassenso do que assevera a supracitada Lei nº 13.257/2016. Além do mais, os indeferimentos eram dados com base na gravidade do delito que, presumidamente, essas mulheres praticaram. Sem embargo, o CADHu alegou a inconsistência desses argumentos, insistindo que a gravidade do crime, por si só, não é suficiente para a manutenção do aprisionamento (BRASIL, 2018a). Nesse ângulo, foi sublinhado que, em face do encarceramento preventivo “em massa”, especialmente de mulheres pobres, e levando em consideração o desrespeito aos direitos das gestantes e de seus filhos, seria ajustado aquiescer a prisão domiciliar. Pois, além de tudo, muitas mulheres presas de forma preventiva no país acabam sendo absolvidas ou incumbidas de penas alternativas – e os danos outrora sofridos não são, por assim dizer, reparados (BRASIL, 2018a). Na ação, a Defensoria Pública do Estado Ceará, no mérito, postulou:

[...] a aplicação do princípio da intranscendência, segundo o qual a pena não pode passar da pessoa do condenado, e do princípio da primazia dos direitos da criança, asseverando que tais postulados têm sido ofendidos sistematicamente pela manutenção de prisão preventiva de mulheres e de suas crianças em ambiente inadequado e superlotado (BRASIL, 2018a, p. 8).

No entanto, houve apreciação em contrário ao habeas corpus – da Procuradoria- Geral da República – que redarguiu sobre o descabimento da concessão genérica de tal instrumento legal, sem a necessária individualização do beneficiário. Porém, sustentou- se, ao fim, que, embora algumas situações requeiram uma análise individual, outras podem ser dirimidas coletivamente. Além disso, não se trata de


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pessoas indeterminadas, pois o Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN – e autoridades estaduais forneceram listas com os nomes dessas mulheres (BRASIL, 2018a). Em seu voto, o relator Ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a ação competia ao STF e era necessária, uma vez que tramitam no Poder Judiciário milhões de processos distribuídos entre poucos juízes. Logo, com a autorização de remédios como este habeas corpus coletivo, facilita-se em muito a própria atividade dos juízes e o descongestionamento desses processos, ao passo que não coloca em perigo os direitos das classes menos favorecidas (BRASIL, 2018a). O então relator também pronunciou que:

À toda a evidência, quando o bem jurídico ofendido é o direto de ir e vir, quer pessoal, quer de um grupo de pessoas determinado, o instrumento processual para resgatá-lo é o habeas corpus individual ou coletivo. É que, na sociedade contemporânea, burocratizada e massificada, as lesões a direitos, cada vez mais, assumem um caráter coletivo, sendo conveniente, inclusive por razões de política judiciária, disponibilizar-se um remédio expedito e efetivo para a proteção dos segmentos por elas atingidos, usualmente desprovidos de mecanismos de defesa céleres e adequados (BRASIL, 2018a, p. 15).

Desse modo, foi concedido pela segunda turma do STF, por maioria de votos, o habeas corpus coletivo nº 143.641/SP relativo à prisão domiciliar para as mulheres grávidas, puérperas ou mães de crianças e deficientes, presas preventivamente, e também para adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas, que estejam na mesma condição (BRASIL, 2018a; CRUVINEL, 2018). Todavia, houve uma ressalva quanto àquelas que cometeram crimes com uso de violência ou grave ameaça contra seus descendentes. Nos casos excepcionais, os juízes que negarem a prisão domiciliar devem fundamentar adequadamente as razões, podendo substituí-la por medidas alternativas. Salienta-se, ademais, que esse benefício não abrange as mulheres já condenadas, muito embora enfrentem os mesmos óbices do cárcere (BRASIL, 2018a; CRUVINEL, 2018). Por fim, confirmou-se que o Judiciário deve buscar o cumprimento efetivo dessa decisão e que, para isso, não se faz necessário o estímulo de um advogado, pois o objetivo é sanar falhas estruturais de acesso à Justiça. Sendo assim, foi determinado


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que os Presidentes dos Tribunais Federais e Estaduais, e da Justiça Militar Federal e Estadual, dentro de sessenta dias a partir da publicação da decisão, implementassem as determinações acordadas (BRASIL, 2018a).

3. METODOLOGIA Este trabalho consiste, relacionado ao nível de profundidade, em uma pesquisa exploratória que, segundo Gil (2002, p. 41), “tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses”. E, quanto à coleta de dados, trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental, na qual houve revisão da literatura e análise de legislações e documentos oficiais. No que diz respeito à revisão literária, realizou-se consultas a livros, doutrina, artigos científicos e afins – dispostos em revistas e bancos de dados de universidades. Para a escolha dos trabalhos acadêmicos, o critério de tempo adotado foi entre 2011 e 2018, com vistas a utilizar os mais recentemente elaborados. No tocante ao método de abordagem, utilizou-se o dedutivo, cuja característica é partir de princípios reconhecidos como verdadeiros para, através da lógica, alcançar conclusões formais (GIL, 2008). O método de procedimento empregado foi o monográfico, que se preocupa em estudar aspectos e particularidades de determinados temas ou grupos sociais, a fim de obter generalizações (MARCONI; LAKATOS, 2003). Por último, esta pesquisa possui finalidade básica ou pura, com interesse apenas na produção de conhecimentos científicos, mas sem aplicação prática (GIL, 2008).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, depreende-se que as fragilidades do sistema prisional feminino são diversas e decorrem, dentre outros fatores, do descumprimento das normas alusivas à questão penitenciária, a exemplo da própria Lei de Execução Penal. Não há uma aplicabilidade sincrética da legislação penal em todo o país, nem observação dos princípios que a circundam. Semelhantemente, as regras internacionais que versam sobre o tema não têm um acolhimento satisfatório no Brasil.


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Dessa forma, o tratamento garantido a essas mulheres se distancia muito do que está normativamente previsto, e a falta de estrutura e recursos obstaculiza cada vez mais a sua experiência no cárcere. Há uma indiligência oriunda do próprio Estado para com essa população, com o mínimo investimento em políticas públicas que visem a reorganização dos ambientes prisionais femininos. As vulnerabilidades envolvem também os filhos que estão juntamente com as mães na prisão, sendo-lhes privado o gozo dos direitos e garantias fundamentais – tornando muito tênue o limiar entre manter a proximidade materno-infantil e afastar a criança do cárcere. Além disso, outro problema diz respeito à insuficiência no acesso à Justiça, ou seja, muitas mulheres estão presas sem a decisão condenatória transitada em julgado, e não raras vezes, inocentes ou tendo cometido crimes menos graves. Sendo, nessa última hipótese, cabível alguma pena restritiva de direitos. Nessa acepção, o habeas corpus coletivo 143.641/SP é um instrumento para evitar que demais violações ocorram contra essas pessoas. O recente entendimento do STF indica um avanço frente aos desafios que o Brasil precisa transpor para converter toda uma cultura de encarceramento excessivo. Esta decisão suscita novos olhares para um grupo de pessoas que o Estado tenta diariamente camuflar, mas que, inevitavelmente, retornará ao seio social, e pouco tem sido preparado para isso. Por mais que o posicionamento da Suprema Corte não alcance a todas as presas gestantes e mães de crianças, aquelas que, porventura, seriam absolvidas, já ficam isentas do cerceamento dos seus direitos.

Sob outro aspecto, existe um estigma da própria sociedade para com essas mulheres, do momento em que são apreendidas à saída da prisão, negando-lhes, muitas vezes, oportunidades de emprego e reintegração no meio social. Para muitos, o cumprimento da pena só é efetivo quando dentro de um presídio, o que os leva a acreditar que a prisão domiciliar, ainda que em hipóteses especiais como a das gestantes e mães – prevista em lei e reiterada pelo aludido habeas corpus – configura-se como um privilégio. Portanto, se faz indispensável a conscientização social sobre a importância da adoção de medidas distintas do cárcere, mas que têm a mesma finalidade deste. Urge


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também a fiscalização da aplicabilidade das normas penais brasileiras e a reestruturação do sistema prisional feminino para que o mesmo não mais funcione como uma máquina abusiva e violadora de direitos. E, da mesma maneira, que não haja tamanha morosidade no julgamento dessas mulheres, considerando seu estado gestacional e a presença de um ser absolutamente incapaz nessa conjuntura.

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Capítulo 10

A PERSISTÊNCIA DA CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO: UMA AFRONTA AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER

(Autora) Vívian Layara de Oliveira Fernandes


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RESUMO O artigo propõe uma análise sobre a descriminalização do aborto, abrangendo principalmente os direitos das mulheres, onde postula-se o argumento de que a mulher é a única dirigente pelo seu corpo, logo pode decidir pela interrupção de uma gravidez indesejada sem que seja punida por tal ato. O aborto, dessa maneira, seria um exercício inviolável dos direitos do gênero feminino. Como objetivo dessa análise sugere-se que o Estado se posicione de maneira eficaz frente ao assunto, agindo diretamente na área da saúde e não na área criminal, com uma atenção maior e mais segura. Em seguida, desenvolve-se uma revisão bibliográfica e estudos das leis e princípios que integram a área em questão, enunciando-os e citando aplicações como ferramenta empírica. Finalmente, conclui-se evidenciando sua importância na atualidade, e como a área do Direito é ampla, deve haver discursões coerentes com o que vivenciamos de fato. Palavras-chave: Aborto. Criminalização. Saúde. 1. INTRODUÇÃO

A Pesquisa Nacional de Aborto do ano de 2016, de acordo com Diniz; Medeiros; Madeiro (2016) trouxe dados sobre a magnitude do aborto, no intervalo de 2010 a 2016: entre 2000 mulheres, com idades entre 18 e 39 anos, 13% já realizou ao menos um aborto. Essa estatística cresce quando relacionada a faixa etária de 35 e 39 anos, onde 18% já abortou. Metade dos casos são realizados usando medicamentos (48% dos casos válidos). No ano de 2015, dois terços das mulheres que abortaram, precisaram de atendimento hospitalar devido a complicações. A legalização do aborto é uma luta que vem se arrastando a décadas, um tema que ainda é tratado como tabu diante a sociedade, como se, infelizmente, não fosse recorrente os casos de mortes devido a complicações resultantes de abortos realizados de forma autônoma ou em cínicas clandestinas. Mortes estas, relacionadas devido a omissão do Estado, pois trata o tema como uma perspectiva moral e religiosa, e não como um problema de saúde pública, como bem deveria. Segundo Aun (2018), em um país onde cerca de 850 mil abortos ilegais são realizados por ano, e cada dois dias uma mulher morre vítima de aborto inseguro, por isso, tratar o tema com base em preceitos religiosos e morais é um descaso com a seriedade e com o real motivo com que o assunto está relacionado. Como melhor relata a Cartilha: Aborto e Saúde Pública no Brasil, publicada pelo Ministério da Saúde (2009).


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Enfrentar com seriedade esse fenômeno significa entendê-lo como uma questão de cuidados em saúde e direitos humanos, e não como um ato de infração moral de mulheres levianas. E para essa redefinição política há algumas tendências que se mantêm nos estudos à beira do leito com mulheres que abortaram e buscaram o serviço público de saúde: a maioria é jovem, pobre e católica e já possui filhos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009, p.14).

Ainda segundo a Cartilha: Aborto e Saúde Pública no Brasil, publicada pelo Ministério da Saúde (2009), as mais afetadas pela ilegalidade do aborto são mulheres pobres e sem acesso aos recursos médicos para realizarem um aborto seguro, trazendo consequências negativas a sua saúde, logo de acordo com estes dados só demonstra ainda mais a desigualdade social, visto que quem tem condições financeiras melhores, podem ir a clínicas especializadas, apresentando poucas chances de apresentarem complicações e possíveis sequelas irreparáveis. Dessa forma, para melhor esclarecer sobre o tema, o trabalho busca analisar, de forma abrangente, diferentes aspectos do aborto como problema de saúde pública, e os preceitos utilizados para a sua legalização.

2. DESENVOLVIMENTO 2.1 Direito à vida Falar da descriminalização do aborto está diretamente ligado ao conflito entre direito à vida e o direito a autonomia da mulher, integridade física e psíquica. A Constituição Federal de 1988 traz em seu art. 5º, caput, em suas garantias constitucionais, a guarda do direito à vida como bem fundamental. Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindo a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes nos pais a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade (Art. 5º, caput).

Tratar o aborto só pelo viés do direito à vida, é renegar os direitos relativos a mulher, a sua dignidade, autonomia e liberdade. O Estado estaria obrigando a mesma a se submeter a uma situação à qual ela não se encontra pronta, seja psicologicamente ou financeiramente. Não se trata de um capricho, ninguém fará por prazer, mas sim por necessidade.


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Justamente por estarmos falando em direito à vida, cabe questionar, de que adiantaria tanta luta pela vida, se após o nascimento o Estado é omisso? E quanto à situação em que a criança se encontrará depois do nascimento, não tem importância? O direito à vida garantido ao feto, está diretamente em conflito com os direitos da mulher, o que também deve ser considerado, pois a mulher também tem uma vida, a qual deve ser resguardada, e sobre a qual deve ter liberdade diante de suas escolhas. O Ministro Luís Roberto Barroso em decisão do STF, explanou sobre os direitos da mulher que deixam de ser visados quando se fala em aborto, onde cita a violação do direito à autonomia da mulher, a integridade física e psíquica, sexuais e reprodutivos, igualdade de gênero, e ainda sobre a desigualdade social e o impacto sobre mulheres pobres. Abaixo está descrita a Emenda designada:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA SUA DECRETAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA DO TIPO PENAL DO ABORTO NO CASO DE INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GESTAÇÃO NO PRIMEIRO TRIMESTRE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

1.

O habeas corpus não é cabível na hipótese. Todavia, é o caso de concessão da ordem de ofício, para o fim de desconstituir a prisão preventiva, com base em duas ordens de fundamentos. 2. Em primeiro lugar, não estão presentes os requisitos que legitimam a prisão cautelar, a saber: risco para a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal (CPP, art. 312). Os acusados são primários e com bons antecedentes, têm trabalho e residência fixa, têm comparecido aos atos de instrução e cumprirão pena em regime aberto, na hipótese de condenação. 3. Em segundo lugar, é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade. 4. A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria. 5. A tudo isto se acrescenta o impacto da criminalização sobre as


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mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos. 6. A tipificação penal viola, também, o princípio da proporcionalidade por motivos que se cumulam: (i) ela constitui medida de duvidosa adequação para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida do nascituro), por não produzir impacto relevante sobre o número de abortos praticados no país, apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro; (ii) é possível que o Estado evite a ocorrência de abortos por meios mais eficazes e menos lesivos do que a criminalização, tais como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho, mas se encontra em condições adversas; (iii) a medida é desproporcional em sentido estrito, por gerar custos sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus benefícios.

7.

Anote-se, por derradeiro, que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália. 8. Deferimento da ordem de ofício, para afastar a prisão preventiva dos pacientes, estendendo-se a decisão aos corréus.

2.2 Criminalização do aborto No Brasil, a prática do aborto é considerada crime, com exceção dos casos em que há risco de vida para a mãe ou quando a gravidez é resultante de estupro. Para o Código Penal, a conduta está prevista nos artigos 124 a 126, onde preceitua que a provocação do aborto em si mesma ou a autorização para que outrem provoque, bem como o ato de provocar o aborto com ou sem o consentimento da gestante constitui assim a prática criminosa. Apenas em duas hipóteses o aborto não foi tipificado como crime na legislação brasileira: (i)

quando não há outro meio de salvar a vida da gestante, caso em que teremos o aborto necessário (aborto terapêutico);

(ii)

ou quando a gravidez resultar de estupro e o aborto for precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Além disso, o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF nº 54 em

2012, entendeu que em casos de anencefalia, quando há má formação do cérebro do


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feto, não constitui crime a prática do aborto, pois considera-se aborto necessário e não há necessidade de autorização judicial. O entendimento do órgão superior foi baseado em critérios inerentes aos direitos individuais indisponíveis, tendo em vista o Estado laico, a dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a proteção da autonomia da vontade liberdade, da privacidade e da saúde. O tema, agora, é discutido constantemente, tendo em vista que muitos princípios constitucionais são violados, a exemplo do princípio da proporcionalidade, onde os custos sociais causados pela criminalização do aborto são muito maiores que os benefícios pretensamente almejados com a criminalização, como mostra o alto índice da taxa de mortalidade materna no Brasil, além disso é gigantesco o número de sequelas físicas e psíquicas suportadas pelas mulheres em razão da prática de abortos inseguros,

decorrentes

da

clandestinidade

provocada

pela

incoerência

da

criminalização da pratica no país, o que não tem sido um meio útil, nem eficaz, muito menos idôneo para controlar ou evitar a prática de abortamentos. A Suprema Corte, recentemente, decidiu que a prática do aborto, até o terceiro mês de gestação, não é compatível com os princípios da proporcionalidade e igualdade e com a autonomia e os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, impedindo-as, sobretudo as pobres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas que recorram ao sistema público de saúde. Por consequência disso, há multiplicação “dos casos de automutilação, lesões graves e óbitos” como bem posiciona o Tribunal. (HC n. 124.306/RJ). Doutrinariamente falando, o aborto é tema também discutido incansavelmente. Na visão de Capez (2003), o crime de aborto se encaixa na modalidade dos crimes dolosos, conforme artigo 18, parágrafo único do Código Penal. No entanto, se terceiro provocar será responsabilizado penalmente pela lesão corporal culposa. Enquanto que Mirabete (2006), apesar de afirmar que o crime de aborto não corresponde a modalidade culposa, cita que se o aborto for praticado por mulher grávida por motivos de imprudência por ela mesma causada, esta será considerada autora e responderá pelo crime de lesão corporal culposa.

2.3 Direito a saúde e assistência hospitalar


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É notório que o aborto clandestino traz consigo inúmeras implicações e é uma das principais causas de morte materna no mundo, com relevância nos países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil. Estima-se que no país a pratica de abortamento chega a ocorrer mais de um milhão de vezes ao ano. Segundo Aguiar (2017), foi a primeira vez que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fez uma estimativa com relação a quantidade de aborto realizados no Brasil. De acordo com a pesquisa, mais de 8,7 milhões de brasileiras com idade entre 18 e 49 anos já fizeram ao menos um aborto na vida. Destes, 1,1 milhão de abortos foram provocados (AGUIAR, 2017). Na Figura 1, esta mostrado as regiões do Brasil onde mais tiveram abortos provocados. Figura 1 – Número de abortos provocados nas regiões do Brasil.

Fonte: Aguiar (2017).

Logo mais, na Figura 2 está expresso o total de mulheres que cometeram abortos provocados de acordo com seu nível de escolaridade.


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Figura 2 - Total de mulheres que cometeram abortos provocados de acordo com seu nível de escolaridade.

Fonte: Aguiar (2017).

Ademais, é importante salientar que o déficit de recursos econômicos e a dificuldade de acesso à informação e direitos humanos fazem com que o aborto clandestino e/ou inseguro atinja, especialmente, as mulheres pobres e marginalizadas, o que se torna cada vez mais preocupante esse impasse no país. Além disso, o aborto realizado sem segurança medica, tal como acontece no Brasil, em sua maioria dos casos, resulta inúmeras consequências, pois compromete de forma gigantesca a saúde da mulher, o que gera ainda mais custos para o sistema de saúde brasileiro, implicado assim, custos advindos de recuperações das sequelas deixadas pela pratica ilegal e sem assistência, o que estigmatiza a mulher e seus familiares O Ministério da Saúde (2009) descreve que as dentre as sequelas trazidas pelo aborto estão à saúde física, mental e reprodutiva da mulher, com possíveis hemorragias, infecções, perfurações de órgãos e até mesmo infertilidade, o que é lamentável para o contexto atual de criminalização e desamparo a essa parcela da sociedade. É indispensável que o Estados assuma o aborto como uma questão de saúde pública. Deve-se afastar a responsabilização dessa prática do âmbito do sistema penal, pois, em face de seu caráter repressivo, exclui, estigmatiza e impede que as mulheres tenham a assistência médica do Estado, evitando assim uma serie de mortes


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e lesões causadas pelo abortamento inseguro. Segundo o próprio Ministério da Saúde (2009), a ilegalidade não impede a prática do aborto, e o mesmo representa um grande problema de saúde pública no país. Para que seja feito o atendimento ao abortamento, a equipe de saúde precisa estar apta para a prática profissional, para que se tenhas atitudes livre de julgamentos ou rotulações. É preciso que seja dissociado os valores individuais (morais, éticos, religiosos) entre a prática profissional. No entanto, não é o que podemos observar na maioria dos profissionais da área, visto que não sabem lidar com os sentimentos, as questões sociais, dentre uma série de fatores que influenciam a prática. Para que sejam efetuados os abortamentos é preciso que haja acolhimento da paciente, uma postura humanizada deve ser tomada, já que como mostra pesquisa recentemente feita por Marcelo Diego (1999) apud Instituto Alan Guttmacher, uma organização apartidária que destina recursos para pesquisas na área da reprodução humana e análises políticas em todo o planeta, as mulheres que praticam aborto em países onde ele não é permitido têm 275 vezes a mais de chance de morrer do que em países onde ele é legalizado, o que é lamentável e inaceitável para um país em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Segundo a mesma pesquisa, em média, 210 milhões mulheres engravidam a cada ano. Cerca de 38% dos casos, as mulheres engravidam sem que haja um planejamento, onde 22% acabam em aborto, e ainda ressalta que o percentual só cresce entre os países desenvolvidos (71%) e cai drasticamente nos países em desenvolvimento (33%). É importante dizer que mesmo proibido, o aborto continua sendo praticado, elevando o grau de perigo para a saúde da mulher. Segundo o relatório, das 600 mil mortes decorrentes de complicação com a gravidez ao ano, cerca de 11% são causadas por abortos em condições irregulares. Como relata DIEGO (1999) apud Jeannie Rosoff, presidente do Instituto Alan Guttmacher, em países com grande pobreza, as mulheres são as mais expostas a riscos de complicação ou morte devido as ilegalidades ocorridas em situações de insegurança.


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De acordo com Fernandes (2018) apud Tânia Lago (médica), relata que apesar de ter ocorrido uma de redução no total de curetagens nos últimos anos, a dimensão de abortos com relação a partos permanece a mesma, assim diz que a fecundidade no Brasil diminuindo, a quantidade de partos também diminui, entretanto a chance de uma brasileira engravidar mesmo que tenha diminuído, a mesma caso engravide pode caminhar para o aborto, pois a razão é a mesma. Logo, no ano de 2016 por exemplo, foram em torno de 11,7 realizados para 100 partos, onde a média anual desde 2012 é similar, de 11,24. No Gráfico 1, mostra esse decréscimo de abortos provocados.

Gráfico 1 – Curetagens no Brasil.

Fonte: Fernandes (2018).

3. METODOLOGIA A pesquisa a ser realizada no presente trabalho pode ser classificada como explicativa com uma abordagem direta sobre o assunto. Por meio de referências bibliográficas com o método hipotético dedutivo é permitido propor maior amplitude ao trabalho. Enquanto procedimento, este estudo realizar-se-á por meio de observação direta, tendo em vista o comportamento abordado dos indivíduos na sociedade atual. A pesquisa utilizar-se-á de doutrinas que abrangem o tema através de dados estatísticos,


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comparativos e etc. pois estas ferramentas permitiram uma maior compreensão e argumentação no trabalho. Quanto ao material utilizado, bem como, as respectivas análises serão organizadas em tópicos e se pretende construir um estudo coerente e frutuoso.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do que foi pesquisado no presente estudo, verificou-se que a busca de mulheres por direitos, entre eles, o acesso às ações e serviços de saúde, perdura por décadas. Entretanto, várias mudanças ainda precisam acontecer, como a redução dos índices elevados de aborto no Brasil e, consequentemente, da mortalidade materna, que, por conta da falta de assistência à saúde sexual e reprodutiva oferecida no país, faz com que mulheres acabem por engravidar de forma indesejada e várias decidam pela prática do aborto. Mesmo diante das favoráveis mudanças ocorridas à saúde da mulher no Brasil, se tratando do aborto, especificamente o induzido, nota-se que as mulheres não têm direito sobre o próprio corpo, posto que ainda constitui crime no Brasil, e na maioria dos casos, ocorre a pratica clandestina o que gera riscos que podem ocasionar até mesmo a morte da mulher gestante. Ocorre aqui uma violação dos direitos humanos e um problema de saúde pública e isso não significa que se defenda a prática de procedimentos de aborto, mas é indiscutível que o Estado atue amparando a mulher que procura realizar a pratica com segurança. Compete ao Estado, portanto, providências de natureza educativa e assistencial, mas não a imposição de restrições à liberdade da mulher que se revelam ineficazes e que há muito seguem enraizadas em questões de cunho moral.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR I. Veja onde se faz mais aborto no Brasil, de acordo com o IBGE. 2017. Disponivel:< https://www.huffpostbrasil.com/2015/08/21/veja-onde-se-faz-maisaborto- no-brasil-de-acordo-com-o-ibge_a_21694557/>. Acesso em: 20 set 2018. ALMEIDA, H. B. Aborto: o grande tabu no Brasil. Católicas pelo Direito de Decidir. 2012. Disponível em:


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<http://www.catolicas.org.br/noticias/conteudo.asp?cod=3409>. Acesso em: 15 set 2018. AUN H. 8 dados chocantes sobre o aborto no Brasil que você precisa saber. Catraca Livre. 2018. Disponível em:< https://catracalivre.com.br/cidadania/8-dadoschocantes- sobre-oaborto-no-brasil-que-voce-precisa-saber/>. Acesso em: 09 nov. 2018. BRASIL. Ministério da Saúde. Assistência em Planejamento Familiar. Manual Técnico. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica de Saúde da Mulher. 4. ed. 2002. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/0102assistencia1.pdf>. Acesso em 15 set 2018. BRASIL. Ministério da Saúde. Aborto e Saúde pública no Brasil: 20 anos. 2009. Disponível em:<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/livro_aborto.pdf>. Acesso em: 15 set 2018. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus nº 124.306, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Brasília, DF, 29 de novembro de 2016. Lex: jurisprudência do STJ e Tribunais Regionais Federais, Rio de Janeiro. 2016 BRASIL. Ministério da Saúde. Atenção Humanizada ao Abortamento. BrasíliaDF. 2005. Disponível em:< http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento.pdf>. Acesso em 16 set 2018. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 124.306 – Rio de Janeiro. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 09/08/2016. Disponível em: < http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4637878>. Acesso em: 10 nov. 2018. CAPEZ, F. Curso de direito penal. v.2, parte geral. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. Disponível em: <https://forumdeconcursos.com/wpcontent/uploads/wpforo/attachments/3992/95-Curso-de-Direito-Penal-Vol2FERNANDO-CAPEZ.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2018. DIEGO M. Aborto mata 275 vezes mais onde é proibido. FOLHA DE SÃO PAULO. Nova Iorque. 1999. Disponível em:<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft14039911.htm>. Acesso em: 09 nov. 2018. DINIZ D. MEDEIROS M. MADEIRO A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. DOI: 10.1590/1413-81232017222.23812016 Disponível em:


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Acesso

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Capítulo 11

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PUNIBILIDADE DO PSICOPATA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

(Autora) Luiza Fernanda Leal Avelino

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Desenvolvimento. 2.1 Psicopatia e consequências penais. 2.2 Métodos de avaliação. 2.3 Criminalidade frente ao transtorno dissocial. 2.4 O princípio da culpabilidade. 2.5 Semi-imputabilidade aplicada ao psicopata. 2.6 Controvérsias na aplicação da medida de segurança. 2.7 Proposta de alteração da lei. 3 Metodologia. 4 Considerações Finais. Referências.


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RESUMO: O presente artigo discorre acerca da punibilidade do psicopata no ordenamento jurídico brasileiro e as incongruências apresentadas mediante a aplicação dessas sanções penais. Para tanto, buscou-se compreender a configuração do transtorno de personalidade dissocial frente a aspectos médicos e jurídicos, haja vista que ambos permeiam vias, por vezes, conflituosas. Desse modo, o estudo objetiva analisar a importância do diagnóstico da psicopatia, além de averiguar a eficácia das medidas disciplinares atualmente empregadas pelo sistema penal do país e, principalmente, quais as alternativas viáveis para uma categorização e punição satisfatórias da referida seara, dentre elas a criação de dispositivo específico e ampliação da individualização da pena. Assim, utilizou-se método de pesquisa bibliográfico e documental, além de procedimentos histórico-comparativo, bem como se propôs uma análise qualitativa e abordagem dialética dos dados estudados referentes à devida seara. Palavras-chave: Personalidade. Reintegração Social. Transtorno.

1. INTRODUÇÃO Ao dissertar sobre a psicopatia, logo se presume que esta implica em loucura ou ainda criminosos de alta periculosidade e serial killers. Contudo, ainda que tais sujeitos existam, não são os únicos a disporem de comportamento transgressor, tampouco são sinônimos de desvario psíquico. Assim, faz-se relevante a análise da relação entre psicopatas e a adequação da lei existente às demandas da condição e à jurisprudência, principalmente no que diz respeito à existência de controvérsias quanto à classificação e execução da pena dessa parcela populacional. Trata-se de um assunto que, apesar de desconhecido em essência, denota importância não somente aos afetados por tal transtorno, mas, primordialmente, à conjuntura social, visto que a partir do momento em que manifestam caráter desprovido de empatia, afetividade e remorso, implicam considerável risco à sociedade, pois essa insensibilidade, geralmente, interfere no cumprimento do regimento normativo, gerando, dessa forma, instabilidade e perigo iminente. Isto posto, esse estudo tem o propósito de apresentar as assimetrias entre a definição do transtorno psicótico para a medicina, em contrapartida à categorização de semi-imputabilidade, seguida pela execução da pena por intermédio da medida provisória, evidenciando a incongruência entre o desígnio de tal diligência e a não admissão médico-psíquica de cura para a psicopatia. Destarte, o trabalho constitui-se de capítulos orientados para pesquisa acerca do diagnóstico do transtorno de personalidade antissocial, critérios importantes para a


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decisão jurisprudencial, adaptação do conjunto normativo existente e a necessidade da elaboração de dispositivo específico voltado para a psicopatia, além de ressaltar a importância da atuação em conjunto da Medicina Forense e do Direito Penal, a fim da concretização satisfatória da referida proposta. 2. DESENVOLVIMENTO 2.1. Psicopatia e consequências penais O termo psicopatia significa “sofrimento da mente”– psykh (mente) e pathos (sofrimento). No entanto, ainda que possua definição clara no dicionário, muitos especialistas divergem acerca da conceituação do termo, existindo três correntes sobre sua definição. A primeira entende que se trata de uma doença mental, a segunda realiza uma análise mediante o aspecto moral e, por último, compreendem-na como transtorno de personalidade. Todavia, ainda que existam muitos questionamentos relacionados a tal conceituação, hoje, a corrente majoritária e o ordenamento jurídico do país percebem a psicopatia como um transtorno de personalidade antissocial (ou dissocial) que, forçosamente, compete ao indivíduo desprezo e violação aos direitos de outrem, sem remorso ou culpa. A falta de empatia apresentada por aqueles é universal: são indiferentes aos direitos e sofrimentos de desconhecidos ou familiares, demonstrando algum grau de afetividade, quando esta implica em possessão e não pelo amor genuíno (SILVA, 2014). Porém, em termos médico-psiquiátricos, a psicopatia não se adequa a visão tradicional das doenças mentais, pois os indivíduos não são considerados loucos, tampouco apresentam algum espectro de desorientação. Também não vivenciam delírios e alucinações (semelhante à esquizofrenia) ou ainda sofrimento cerebral (como a depressão e o pânico, por exemplo). Nesse contexto, a tais sujeitos deve-se uma atenção especial, conforme asseveram Fiorelli e Mangini:

Tem particular interesse para a Psicologia Forense o transtorno de personalidade antissocial, também denominado psicopatia; sociopatia; transtorno de caráter, sociopático ou dissocial. A variação terminológica


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reflete a aridez do tema e o fato de a ciência não ter chegado a conclusões definitivas a respeito de suas origens, desenvolvimento e tratamento. (FIORELLI E MANGINI, 2012, p. 105-106).

Outrossim, a figura do psicopata foi descrita pela primeira vez na década de 40, pelo psiquiatra americano Hervey M. Cleckley, tornando-se alicerce para os estudos modernos, que buscam averiguar traços de personalidade e um conjunto de comportamentos específicos. Ademais, no intuito de melhor aclarar essa configuração personalística pondera que se investiguem as condições orgânicas e sociais do indivíduo estudado, malgrado, para a constatação desse transtorno na pessoa, observa-se lacunas na formação do superego, a exemplo da ideia e percepção de valores morais, éticos e sociais praticamente inexistentes. Além disso, vale ressaltar que o problema abordado não é uma doença contraída ou ainda passageira, mas uma condição de ser, que vigora do nascimento à morte e exige do próprio psicopata colaboração para um diagnóstico a contento. Para tanto: É importante sublinhar que os estudos clínicos sobre a psicopatia sempre apresentam grandes dificuldades de serem realizados. A investigação científica sobre a personalidade psicopática é tarefa extremamente complicada, pois os testes realizados para esse fim dependem dos relatos dos avaliados. Porém, não têm interesse nenhum em revelar algo significante para os pesquisadores e tentam sempre manipular a verdade para obter vantagens. (SILVA, 2011, p. 29).

Sendo assim, muito embora o indivíduo tenha conhecimento desse transtorno, não é habitual causar sofrimento a si mesmo, mas à conjuntura social, independente de serem pessoas de seu convívio ou não. Em outras palavras, é possível afirmar que a psicopatia apresenta uma evidente desarmonia que reverbera de maneira considerável no bem estar da sociedade, em decorrência de tal comportamento. Eles ainda exprimem uma forte tendência a responsabilizar os demais por suas falhas e justificar comportamentos conflitantes com os demais. Dessa forma, salva a configuração do caráter psicótico, é válido ressaltar que esse comportamento social destoante não importa obrigatoriamente em conduta desviante das normas legais, porém, na maioria dos casos, observa-se que, para lograrem êxito nos objetivos almejados, são necessárias atitudes que infringem o ordenamento normativo, o que resulta no crime. Assim, é necessário fazer-se uma explanação no que tange aos instrumentos viáveis para diagnóstico de tal desequilíbrio comportamental, da mesma


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maneira à punição desses entes, mediante as complicações analisadas e, também, o que prevê o Direito Penal do Brasil. 2.2. Métodos de avaliação A Prova de Rorschach, elaborada no ano de 1911 e publicada na década posterior pelo psiquiatra suíço Hermman Rorschach, apresenta-se como mecanismo de avaliação global da personalidade do indivíduo, independente do ato realizado. É composta por dez pranchas com borrões de tintas coloridas ou preta e branca, que representam características próprias quanto à proporção, angularidade, luz, equilíbrio espacial, coloração e aparato formal. É, também, um meio de projeção dos aspectos comportamentais do examinado, quando interpreta os significados das manchas de tintas e estas são averiguadas por especialistas e comparadas a dados estabelecidos para a população normal. Assim, a doutrina é majoritária no entendimento de que esse teste, aliado a outros métodos avaliativos, seria adequado ao diagnóstico de transtornos específicos da personalidade, especialmente a psicopatia. Apesar disso, pouco é utilizado no país. De modo complementar, considerando a correlação entre crimes – em especial os violentos e a psicopatia – na década de 80, o canadense Robert Hare elaborou o Psychopath Checklist (PCL) e, alguns anos mais tarde, o Psychopath Checklist-Revised (PCL-R). Atualmente, há um consenso de que o mecanismo mais propício para mensurar a psicopatia e reconhecer fatores de risco de violência é o PCL-R, haja vista a eficácia reputada a essa ferramenta na doutrina, por exemplo:

A Escala Hare tem se mostrado muito eficaz na identificação da condição de psicopatia, sendo unanimemente considerado o instrumento mais fidedigno para identificar psciopatas, principalmente no contexto forense, e verificar, além de comportamentos, os traços de personalidade prototípicos de psicopatia. (TRINDADE, 2010, p.170).

Para tanto, o estudo é organizado por vinte itens de verificação, dentre eles a presença de transtornos de conduta de infância e superestima. Ademais, cada preceito da escala é pontuado de 0 a 2 e o levantamento das características baseia-se em fatores de estilo de vida, cuja pontuação total pode chegar a 40. Dessa maneira, o PCL-R é aplicado


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nas populações carcerárias de diversos países, dentre eles: Estados Unidos da América, Canadá, Escócia, Nova Zelândia, China e Alemanha. 2.3. Criminalidade frente ao transtorno dissocial

Em primeira análise, torna-se imprescindível salientar a diferença entre criminosos comuns e os que manifestam transtorno de caráter, assim, entende-se que aqueles possuem aspectos de antissociabilidade semelhante ao psicopata, entretanto, costumam preservar alguns princípios e valores morais - mesmo que deturpados – e, normalmente, apresentam lealdade a determinadas pessoas, como familiares, delimitando suas atitudes. Todavia, com o portador da psicopatia isso não ocorre, pois são destituídos de afetividade e arrependimento, do mesmo modo que habitualmente demonstra agressividade. Diante disso, a psicopatia representa notoriedade ao contexto forense, devido à incongruência em relação à responsabilidade penal devida, envolvendo o laudo psiquiátrico, a exemplo de características marcantes, como ausência de medo e ansiedade, tornando-os menos propensos a sensibilizarem-se com o sofrimento alheio, atributos que desencadeiam impulsividade e desapego emocional. Tais fatores são empecilhos para o alcance da empatia, haja vista que os impedem de se importarem com as consequências de seus comportamentos delitivos, o que suscita na prática de crimes, por meio de manipulação e crueldade. Ademais, vale ressaltar que a constante vivência psíquica no presente é fundamental para a determinação de faculdade parasitária e usurpadora, o que resulta na impossibilidade de aprendizado empírico e, por conseguinte, a assimetria com a finalidade da punição penal.

Em razão da insensibilidade diante dos fatos e da vaidade pessoal, os psicopatas são capazes de cometerem qualquer tipo de crime. Tais fatores são incrementados pela falta de consciência moral desses indivíduos. Inclusive, qualquer tipo de tentativa de regeneração ou reeducação é inútil, pois não existe um modelo ético que consigam seguir. Na verdade as tentativas de correção e o cárcere os tornam infratores capazes de incrementarem as técnicas para cometerem crimes e conseguirem escapar da Justiça, ao invés de deixarem de executar novos crimes. (MEDEIROS, 2014, p.17).

Outro problema significativo ao trabalhar-se o transtorno psicótico em questão é a


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conexão com reincidência e ressociabilidade. Desse modo, o retorno ao crime é previsto por lei como método de reprovação mediante malfeitor que persiste em conflitar com o regimento por mais de uma vez. Assim, deparar-se com um réu reincidente é uma demonstração da falha do sistema penitenciário, o que reafirma a ineficácia dos programas de reabilitação e, também, a existência de criminosos que não podem ser reabilitados, a exemplo dos psicopatas. No entanto, no sistema carcerário do Brasil não há exames padronizados para a efetuação da análise das possibilidades de tal problemática, contudo, averíguam-se dados– como os de Hemphill – em que os números de regressão à criminalidade apresentam superioridade (em três níveis) nos casos de psicopatia, evidenciando-se ainda a incidência daqueles que cometem infrações de cunho violento em comparação aos demais. (MORANA, 2003). Além disso, por possuírem caráter predador, tendem a permanecer na marginalidade por tempo maior, pois se trata de uma personalidade transtornada que demonstra afinidade por práticas delitivas. Esses coeficientes e peculiaridades - desprezo pelo regimento normativo, hostilidade e indolência - manifestam um grau de inseguridade social que culminaram em propostas voltadas a uma maior inflexibilidade quanto à punição e privação de liberdade severa aos referidos criminosos, entretanto, devido aos limites estabelecidos no ordenamento jurídico do país, permanecem como projetos de lei.

2.4. Princípio da culpabilidade A culpa é critério imprescindível para a penalização do criminoso, assim, mesmo que de forma sucinta, é válida a elucidação do significado e categorias de tal configuração. O termo culpabilidade é advindo da palavra culpa frequentemente utilizada com o fito de dispor a alguém um episódio condenável. No entanto, outorga-se à compreensão de culpabilidade, pelo Direito Penal, outras acepções: fundamento e limitadora da pena, que significa uma garantia para o infrator, frente aos possíveis excessos do poder punitivo estatal (esse entendimento deriva do princípio de que não há pena sem culpabilidade). Desempenhando o papel de identificadora e delimitadora da


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responsabilidade individual subjetiva, é assimilada como um instrumento para a prevenção de crimes e, sob essa perspectiva, desempenha a função de atribuir estabilidade ao sistema normativo, de modo a reafirmar a obrigatoriedade do cumprimento das normas. Isso posto, para que um fato ilícito seja suscetível de punição legal é necessário cumprir com três critérios para aplicação da pena: a imputabilidade, o potencial conhecimento da ilicitude da ação e a exigibilidade de conduta diversa. Em casos de inexistência de alguma dessas condições, acarreta ao fato a impossibilidade de aplicação da pena, tendo em vista que são quesitos inerentes à imposição da sanção imposta. Com essa compreensão “poderemos determinar as condições da atribuição de responsabilidade penal, isto é, de que forma e em que limites a culpabilidade funciona como fundamento e medida da pena”. (BITENCOURT, 2015, p. 438). Nesse ínterim, a imputabilidade penal comporta-se como elemento constitutivo do princípio da culpabilidade e faz referência à pessoa maior de dezoito anos, mentalmente sã, que tem a capacidade de receber punição, além de assimilar o caráter defeso do ato e de se precisar de acordo com esse entendimento. Assim, existem três pressupostos para aferição da imputabilidade: biológico, psicológico e biopsicológico. O primeiro considera a idade do indivíduo; o seguinte avalia o nível de discernimento do agente em relação à sua conduta, independentemente da faixa etária; o último – e adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro - consiste na averiguação dos dois critérios anteriores. Dessa maneira, não é suficiente que o agente padeça de alguma enfermidade mental, faz-se mister, ainda, que exista prova (pericial) de que este distúrbio realmente acometeu a capacidade de cognição a respeito da ilegalidade do fato (requisito intelectual) ou de determinação conforme tal conhecimento (requisito volitivo) à época do ocorrido e no momento da ação criminosa. Nesse contexto, considera-se que os psicopatas não estão inclusos na classificação de imputáveis, sequer na de inimputáveis, pois, de acordo com abordado, esses indivíduos não possuem nenhuma doença ou retardo mental, mas detém uma anormalidade social. Destarte, o enfoque da discussão está no transtorno psicótico que, por ser uma


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alteração de personalidade, não afeta a vontade e a inteligência do sujeito, ou seja, não o exime da culpa. Entretanto, a corrente majoritária – ainda que controversa- considera o psicopata como semi-imputável: possui discernimento limitado dos seus atos, em virtude de perturbação mental (termo que vai de encontro ao assegurado pela medicina), culminando na diminuição da capacidade perceptiva da conduta reprovável, porém, a responsabilidade penal não é completamente excluída, o que determina o texto do Código Penal: Art. 26. Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL, 1940).

Para tanto, apesar de os juízes atribuem ao psicopata a semi-imputabilidade, ocorre que, como delineado no item referente à conceituação, tal agente não denota perturbação, incompletude ou retardo no desenvolvimento da saúde psíquica. Diferentemente disso, apresenta capacidade cognitiva e intelectual integrais. Contudo, devido à ausência de disposição específica no ordenamento jurídico tupiniquim, do mesmo modo que a ciência não obteve conclusões definitivas a respeito da origem e do tratamento desse problema, realiza-se uma adaptação da lei existente aos casos concretos. 2.5.

Semi-imputabilidade aplicada ao psicopata

Essa classificação, apesar de aproximar-se da inimputabilidade, apresenta distinções, como anteriormente versado: ao possuírem um estado mental limítrofe que permeia a doença e normalidade psicológicas, possibilitará aos indivíduos, a partir da decisão judicial, a substituição da pena pela medida de segurança em forma de internação ou tratamento ambulatorial, ou redução de um a dois terços, se, no momento do crime, não era integralmente capacitado de compreender o caráter ilícito do ato ou de determinar-se. Assim sendo, o sujeito acometido pela psicopatia se adequa à categoria de semiimputabilidade - de acordo com a óptica da jurisprudência brasileira - por manifestar um transtorno que aflige o caráter, contrariamente ao sofrimento mental, que impede a lucidez e desestabiliza emoções. Para assimilar tal diferença, é importante,


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primeiramente, a compreensão acerca da personalidade:

Personalidade é o conjunto de características que individualizam o sujeito, o qual possui seu modo próprio de agir e pensar. Refere-se, portanto, ao modo de ser do indivíduo. Na definição da Associação Americana de Psiquiatria, é “[...] uma tendência de sentir, comporta-se e pensar de formas relativamente consistentes ao longo do tempo e nas situações em que o traço pode se manifestar”. (MECLER, 2015, p. 35).

Então, essa especificação resulta em uma divergência, considerando-se que, diferentemente do ponto de vista doutrinário/jurisprudencial, para o entendimento psicológico-legal o psicopata usufrui de completa percepção da licitude dos acontecimentos, o que não elimina, assim, a culpa. Nesse caso, porém, para a decisão judicial, a culpabilidade contém certo grau de censurabilidade, devido à perturbação da consciência, contudo, inferior a inimputabilidade, em detrimento disso, considera-se uma responsabilidade diminuída com possibilidade alternativa de redução da pena, visto que o caráter criminoso não diminui em virtude de a culpabilidade ser menor. Nesse contexto, a jurisprudência corrobora a idéia tratada anteriormente, ou seja, procura explicar que o transtorno de personalidade dissocial não corresponde a um adoecimento mental, mas a uma desarmonia que transita entre a normalidade psíquica e alteração da mente, por consequência disso, se conforma na redução facultada da pena do artigo 26, parágrafo único do Código Penal, não fazendo menção, neste caso, à periculosidade do condenado. No que tange ao perigo representado pelo psicopata à sociedade, o Direito brasileiro propõe o emprego da medida de segurança (no instante que indicar a sua interrupção por meio de exame) com o fito de manter a integridade de todos:

Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. Prazo § 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. Perícia médica


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§ 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.

Portanto, fica evidente que o judiciário, apesar de ter conhecimento acerca da não alteração cognitiva e intelectual do psicopata, opta por ajustar a penalização deste aos casos de semi-imputabilidade, incorrendo, assim, de modo incompatível ao asseverado pelo contingente psiquiátrico e esferas médicas vinculadas à decisão judicial, o que resulta na vulnerabilidade social e ineficácia punitiva. 2.6. Controvérsias na aplicação da medida de segurança Enquanto a pena tem como objetivo agir de forma física, ao retirar o criminoso do convívio social (retribuir o mal do crime), evitar a reincidência e recuperar o sujeito para o retorno à sociabilidade, a medida de segurança, hodiernamente, age de modo preventivo-curativo, haja vista a atuação psicológica. (BRASIL, 1940). Todavia, tal disposição legal apresenta algumas adversidades ao ser posta em prática, a exemplo disso, o tempo de duração. A pena comum possui extensão– mínima e máxima – predeterminada, já a medida de segurança depende da comprovação da suspensão da periculosidade do condenado a partir de exames psicológicos, porém a deliberação jurídica determinou o máximo de 30 anos - pautada na pena comum utilizando como critério a avaliação periódica a cada três anos. Vale ressaltar que nas situações em que o perigo continuar iminente, o juiz exigirá a manutenção dessa providência e fixará novo prazo para exames. Outra dificuldade identificada é a necessidade de local propício à instalação satisfatória do psicopata –considerado semi-imputável – e de condições para vivenciar um tratamento específico, de acordo com a orientação de profissionais capacitados. Porém, ainda mediante tal obstáculo, há mais uma controvérsia: a inexistência de comprovação científica acerca da eficácia de medicamentos para a psicopatia. Na atualidade, somente remédios que servem para controlar a agressividade foram constatados. Isso ocorre, principalmente, devido ao fato de que o psicopata não costuma buscar ajuda, tendo em vista que não considera o transtorno que o acomete como algo negativo e prejudicial a si mesmo.


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Não há evidencias de que possam existir métodos curativos de cunho psiquiátrico com eficiência real na redução da violência ou criminalidade contra psicopatas. Estudos apontam que eles desestruturam as próprias instituições de terapia, burlam as normas de disciplinas, contribuindo para si mesmo, ao tirarem proveito de tal desestruturação.(TRINDADE, 2012, p. 176177).

Também, há poucos estudos relacionados a procedimentos de cura do psicopata, principalmente porque, como já mencionado anteriormente, necessitam da colaboração da pessoa em análise, que, na maioria das vezes, procura beneficiar-se e manipular os profissionais envolvidos. Conquanto, não se deve consolidar a ideia de incurabilidade daqueles, até se esgotarem as possibilidades, tampouco desistir de encontrar tratamento, ao invés de acreditar que, aprisionando um indivíduo com transtorno de personalidade antissocial em cela comum, com vários outros criminosos que não compartilham do mesmo problema, será a melhor alternativa. Em vista disso, o artigo 5 , XLVI da Constituição Federal assegura: “A lei regulará a individualização da pena”. Tal passagem significa ofertar ao preso a possibilidade de ser reintroduzido ao convívio com demais pessoas, por meio do encaminhamento daquele ao programa de execução que seja mais ajustado às suas características próprias. A exemplo disso, nas circunstâncias em que o juiz decretar não substituir a condenação pela medida de segurança, dever-se-á colocá-lo em cárcere separado, após a avaliação de uma comissão técnica para classificar o grau de risco daquele delinquente. Entretanto, ainda que prevista por lei, a efetivação da individualização da pena através de testes de averiguação mental é insuficiente, uma vez que a superlotação dos presídios do país impossibilita tal feitio.


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2.7. Proposta de alteração da lei Primeiramente, é necessário destacar o estudo realizado por Nelson Hungria, durante a Conferência Pan-Americana de Criminologia em 1947, no Rio de Janeiro, acerca da conclusão de que criminosos de responsabilidade diminuída deveriam ser recolhidos em um estabelecimento propício e adequado, de modo que configurasse a transição entre prisão comum e hospital psiquiátrico. Tal sugestão, ainda que convincente, não foi posta em prática, pois, apesar de considerada teoricamente completa, apresentava-se inviável na prática. A despeito disso, em 2010, o então deputado federal Marcelo Itagiba elaborou um projeto que propunha a alteração da Lei nº 7.210, de 1984 - Lei de Execução Penal - a fim de criar uma comissão técnica autônoma, para estabelecer a realização de exames criminológicos dos condenados à penas cerceadoras de liberdade, em hipóteses previamente determinadas. Art. 84 ..................................................................................................... §3º. O condenado ou preso provisório classificado como psicopata cumprirá pena em seção distinta daquela reservada aos demais presos.” (NR) Art.112....................................................................................................§ 3o A transferência para regime menos rigoroso, a concessão de livramento condicional, o indulto e a comutação de penas do condenado classificado como psicopata depende de laudo permissivo emitido pela comissão técnica de que trata o art. 8º-A.

Assim, Itagiba fundamentou as proposições em vista da efetivação do mecanismo de individualização da pena privativa de liberdade ampliada ao psicopata, em prol da salvaguarda e recuperação dos demais apenados. E, também, ao exigir a averiguação da essência ciminológica dos condenados, o Deputado elencou critérios para que a concessão do benefício não fosse executada de maneira deliberada.

Os transtornos de personalidade, sobretudo o tipo anti-social, representam verdadeiros desafios para a psiquiatria forense. Não tanto pela dificuldade em identificá-los, mas, sim, para auxiliar a Justiça sobre o lugar mais adequado desses pacientes e como tratá-los. Os pacientes que revelam comportamento psicopático e cometem homicídios seriados necessitam de


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atenção especial, devido à elevada probabilidade de reincidência criminal, sendo ainda necessário sensibilizar os órgãos governamentais a construir estabelecimentos apropriados para a custódia destes sujeitos. (MORANA, STONE E FILHO, 2014, p.6).

Portanto, a intenção de segregar presos comuns daqueles diagnosticados com transtorno antissocial torna-se válida, pois impossibilita que estes interfiram na recuperação de delinquentes regulares, através de características individuais incompatíveis com a reintegração social e, também, por compreender que o então projeto de lei não está alicerçado na classificação do crime, mas na análise da personalidade do infrator.

3. METODOLOGIA: Utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, assim como estudos documentais exploratórios, o que permitiu uma análise comparada da conceituação médica acerca do transtorno psicótico e a classificação deste na categoria de semiimputabilidade. Fez-se, ainda, uso do método histórico-comparativo no discorrer do artigo, buscando averiguar as possíveis contribuições do projeto normativo que propunha a alteração da Lei nº 7.210, de 1984 - Lei de Execução Penal - para melhoria na adequação punitiva. Ademais, elucidou-se o estudo de passagens do regimento jurídico de modo a questionar suas efetivações em relação à concretude dos fatos, bem como se propôs a explanação dos dados, acerca da referida seara, de modo qualitativo, através de procedimento dialético. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificou-se, no decurso deste trabalho, que há pouco material de estudo acerca do transtorno de personalidade, arrazoando a questão de forma descritiva e conceitual, esquecendo-se de abordar pontos fundamentais para a referida seara. No entanto, isso é explicado pela quantidade insuficiente de pesquisas científicas na área, haja vista que a premissa de incurabilidade do psicopata é asseverada como única e inalterável. Tais indivíduos são compreendidos como empecilhos à seguridade social,


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assim, recebem da população a sanção moral de que devem permanecer encarcerados, o que suscita no esquecimento da essência da problemática: o respeito à impossibilidade de ultrapassar o limite estipulado pela lei de 30 anos de detenção. Constatou-se, ainda, que o psicopata não é considerado um portador de doença mental, posto que o distúrbio causa alterações no caráter, mas não interfere na cognição e capacidade de discernimento/determinação. Esse limiar é imprescindível para categorizar a imputabilidade penal, já que, após análise detalhada, pode-se concluir que não há interferência nesses preceitos. Assim, apesar da existência de contradições relacionadas ao desequilíbrio psicótico na esfera

psiquiátrica,

equitativamente transposta para o âmbito penal, não há incerteza quanto ao perfil caracterizado pela ausência de empatia e, principalmente, pela tendência delituosa. No que tange à punição, observou-se que o sistema penitenciário brasileiro não apresenta preparo suficiente para atender às necessidades da psicopatia, mesmo que o Código Penal afiance a medida de segurança como possibilidade aos casos de imputabilidade reduzida. Ademais, tal opção não desempenha, nesses casos, a função pela qual é destinada – cura e prevenção -, pois, entende-se que essa parcela da população não é capaz de assimilar os objetivos da punição, dentre eles a reintegração social, tampouco se tem evidências da eficácia de tratamentos curativos para essa espécie de transgressão. Em vista disso, as repreensões executadas pelo ordenamento jurídico do país não manifestam resultados significativos, considerando-se que os setores médico e penal permanecem em constante contradição, não somente ao que se refere à classificação da psicopatia mediante o direito, mas, também, ao cumprimento adequado da função punitiva. No que concerne a individualização da pena, ainda que indispensável, a jurisprudência faz-se omissa, muitas vezes em decorrência da falta de estrutura no cárcere do país. Portanto, fica evidente que o transtorno de personalidade antissocial psicopatia - representa uma ameaça à população, desse modo, deve-se repensar as formas de diagnóstico, classificação e punição de tais sujeitos. Para tanto, duas medidas são fundamentais: a primeira diz respeito à elaboração de um dispositivo legal específico, a fim de atender, com eficácia, às necessidades da referida problemática, assim, o projeto de lei proposto por Marcelo Itagiba apresenta, em suma, viabilidade e, também,


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denota simetria com preceitos constitucionais, a exemplo do respeito à condição limítrofe da duração da sanção punitiva. Em seguida, a individualização no que concerne ao cumprimento da pena precisa ser estendida à situação em análise, pois faz-se importante que esse apenado, em especial, permaneça isolado de criminosos comuns, com o fito de não atrapalharem a reintegração de outrem. Ademais, estando separados, haverá a oportunidade de que a Medicina Forense, juntamente com o Direito Penal, possa avaliar e elaborar métodos satisfatórios para a real compreensão do problema.

5. REFERÊNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto.Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. BRASIL, CONSTITUIÇÃO (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. BRASIL. Decreto-Lei n.2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal. In: Vademecum saraiva. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana CathyaRagazzoni. Psicologia jurídica. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012. ITAGIBA, Marcelo. PROJETO DE ALTERAÇÃO DA LEI nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=467290. Acesso em: (06 nov. 2018). MECLER, Katia. Psicopatas do cotidiano. 1. Ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2015. MEDEIROS, Verônyca Muniz Veras. A Psicopatia como Semi-Imputabilidade no Sistema Penal. Brasília, 2014. Disponível em: http://www.pensamientopenal.com.ar/system/files/2015/11/doctrina42395.pdf Acesso em: (04 nov. 2018). MORANA, Hilda C. P. Identificação do ponto de corte para a escala PCL-R em população forense brasileira: caracterização de dois subtipos de personalidade. São Paulo, 2003. MORANA, Hilda C. P.; STONE, Michael H.; ABDALLA-FILHO, Elias.


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Transtornos de personalidade, psicopatia e serial killers. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 28, out. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462006000600005 Acesso em: (08 nov. 2018). SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. 2. ed. São Paulo: Globo, 2014. SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Psicopatia a maldade original de fábrica. Consulex Revista Jurídica, Brasília, DF, ano XV, n. 347, p. 29, jul. 2011. TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. 4. ed. rev., atual. eampl. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2010.


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Capítulo 12

JUSTIÇA RESTAURATIVA E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO APENADO

(Autoras) Yonara Kaise da Silva Oliveira Nádia Lauane Silva Oliveira

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Contexto histórico da pena e sua aplicação. 3 Direitos fundamentais do apenado. 4 Violações dos direitos fundamentais nas penitenciárias brasileiras. 5 Justiça restaurativa e garantia dos direitos fundamentais. 6 Metodologia. 7 Considerações finais. 8 Referências.

RESUMO O sistema penitenciário brasileiro encontra-se em crise ferrenha. Dentre as problemáticas, está


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a violação aos direitos fundamentais do apenado. Na busca por soluções, têm-se discutido um modelo de justiça penal baseado na dignidade humana - a Justiça Restaurativa. A proposta restaurativa é supletiva à justiça penal comum e intenta a resolução dos conflitos de forma participativa, sem violência e com diálogo e consenso. Diante disso, o presente trabalho objetiva discutir a possível contribuição da Justiça Restaurativa para a garantia dos direitos fundamentais do apenado. Para tanto, utiliza-se o método dedutivo e realiza-se pesquisa bibliográfica e normativa acerca desses direitos e do processo restaurativo. Os resultados apontam para a coerência entre a Justiça Restaurativa com a proteção aos direitos fundamentais, de modo a indicá-la parte de solução necessária para a manifesta crise carcerária nacional. PALAVRAS-CHAVE: Sistema penitenciário; Processo restaurativo; Direitos Humanos.

1. INTRODUÇÃO

É irrefutável que o sistema penitenciário brasileiro encontra-se em estado de falência, de modo que são diversos os problemas a serem discutidos e resolvidos. A crise é tamanha que, dentre as problemáticas, figura a violação aos direitos fundamentais do apenado. Posto que somente a liberdade é restringida pelo Estado no exercício do ius puniendi, é dever do ente estatal proporcionar condições de cumprimento de pena que não firam os demais direitos, zelando pela dignidade humana e suas implicações. Visto que esta não é a realidade do sistema prisional brasileiro, mesmo sendo assim delineado pelo ordenamento jurídico pátrio, faz-se necessária a busca por soluções que garantam aos apenados seus direitos, visando o cumprimento digno da pena. Nesse sentido, a Justiça Restaurativa vem sendo discutida como um caminho para que a sociedade possa lidar com um crime de maneira a favorecer a reintegração do agente, zelando pelos direitos fundamentais. A proposta restaurativa encontra fundamento na dignidade humana e visa a resolução pacífica e menos retribucionista dos conflitos por meio da participação dos envolvidos na prática criminosa, autor e vítima, bem como suas comunidades. Diante disso, o objetivo do presente trabalho é discutir a possível contribuição da Justiça Restaurativa para a eficácia dos direitos fundamentais no âmbito do sistema penitenciário. Para tal, utilizou-se o método de abordagem dedutivo e fez-se uma pesquisa documental e bibliográfica, englobando textos legais, doutrinários e artigos científicos. Ademais, natureza da pesquisa é qualitativa. Este estudo subdivide-se em um tópico inicial sobre o contexto histórico da pena e sua aplicação, seguido de um sobre os direitos fundamentais do apenado. Dando continuidade, faz-se uma explanação acerca das violações desses direitos nas penitenciárias brasileiras. Posteriormente, apresentam-se noções basilares da Justiça


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restaurativa, relacionando-a à garantia dos direitos fundamentais no âmbito penal. Na sequência, esclarece-se a metodologia utilizada e tece-se as considerações finais. 2. CONTEXTO HISTÓRICO DA PENA E SUA APLICAÇÃO

A vida em comunidade é a principal responsável pelo percurso do sistema punitivo. Desde a antiguidade, para prevalência da paz e do bem comum, foram estabelecidas regras de convivência e a consequente punição do infrator. Desse modo, o percurso histórico da pena sofreu um processo de transformações evolutivas paralelamente às modificações da sociedade. O conceito de pena não é alvo de discussões doutrinárias, no entanto, explica Greco (2017), que surgiram teorias que tentaram explicar ou entender a finalidade da punição diante dos comportamentos sociais de cada época e da organização do Estado. De acordo com Mirabete (2005), a teoria da pena da retribuição, também nomeada de sanção de castigo ou teoria absoluta, está conectada com fatos pretéritos, buscando nesse sentido, o castigo através do mal praticado, ignorando o futuro e a mudança de realidade. Considerado o pai do garantismo penal, Ferrajoli (2002) critica esses pensamentos e tem uma ótica de proteção. A pena retributiva seria uma forma de proteger o condenado da punição cruel e desproporcional. A segunda corrente teórica, continua Greco (2017), é denominada teoria da prevenção e finca sua preocupação no futuro, buscando de maneira utilitarista dois objetivos, o primeiro, que os homens tomem como exemplo e não venham mais a cometer crimes e o segundo motivo é o próprio condenado, punindo-o para que não peque mais. Já a teoria da ressocialização, conforme o penalista, seria uma oportunidade de regeneração do condenado. Há nos estudos dessa teoria o ideal que de que a pena deveria ser justa e não passar do necessário. Não se preocupando apenas com a prevenção, mas com a tentativa de mudar a realidade. Por fim, temos a teoria eclética ou mista. Observando a pena como como regeneração, ou seja, uma junção de todas as outras teorias, afirma Greco (2017). Traduzindo essa junção não como divergentes, mas sim complementares. Modernamente, é a teoria mais aceita e adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, mais especificamente no art. 59, caput do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o Código Penal brasileiro. Para além da lei, compreender a realidade do sistema carcerário exige que recorramos ao direito dos nossos colonizadores. Em sua obra, Roig (2005) explica os cárceres do período colonial, iniciado em 1500. Segundo o autor, os cárceres não constituíam locais munidos de segurança, higiene e práticas de ressocialização. É fato que as cadeias não eram instituições importante dentro da ciência criminal implementada pelas autoridades coloniais. Na maioria


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dos casos, eram meros lugares de detenção que guardavam suspeitos. Localizadas em prédios fétidos e inseguros, as cadeias coloniais não tinham sequer registro de entrada e saída dos detentos. Logo, a carceragem colonial significou apenas um controle de armazenamento sem preocupar-se com a reforma dos agentes. Não bastando essa carceragem falida, ainda segundo Roig (2005), o sistema punitivo era marcado por lesões corporais, imposição de trabalhos públicos forçado e pela subsistência da pena de morte na forca. Com a chegada do período republicano, vigorava no país uma visão positivista no discurso científico. O novo Código Criminal de 1890 tinha como centro a pena privativa de liberdade em diferentes ângulos, seja pela prisão disciplinar ou trabalho obrigatório em estabelecimento agrícola. Roig (2005) ainda esclarece que a arquitetura do Código Penal da República adotou o sistema de Filadélfia, também denominado de Pensilvânia, combinado com o auburniano e modificado pelo método irlandês. Assim, o regime adotado tinha caráter correcional. Em 1937, o quadro político do país é alterado drasticamente, acarretando modificações nas leis criminais. De acordo com Zaffaroni e Pierangeli (2008): O texto que compõe a nova parte geral constitui uma verdadeira reforma penal e supera amplamente o conteúdo tecnocrático da frustrada tentativa de reforma de 1969, posto que apresenta uma nova linha de política criminal, muito mais de conformidade com os Direitos Humanos. De uma maneira geral, o neo-idealismo autoritário desaparece do texto, apresentando apenas uma isolada amostragem de neohegelianismo, ao cuidar da imputabilidade diminuída. Retorna-se um direito penal de culpabilidade ao erradicar as medidas de segurança do Código Rocco e ao diminuir, consideravelmente, os efeitos da reincidência. Ainda que sem apresentar alguma fórmula expressa para o concurso real, certo é que, ao menos através de uma forma expressa, elimina a possibilidade de perpetuação da pena, ao estabelecer o limite máximo de 30 anos (ZAFFARONIi; PIERANGELI, 2008, p. 196).

Um marco na história da ciência criminal brasileira é o advento da Lei nº 7.210, de 11 de Julho de 1984, a Lei de Execução Penal, que regulou e regula a disciplina carcerária. Para Roig (2005), a referida lei é um meio de controle das condutas carcerárias, com o suposto objetivo de proporcionar a reintegração social do condenado, resguardando um acervo de direitos sem aplicabilidade, desse modo delegou aos órgãos da execução penal julgar o comportamento dos presidiários, para tanto dispôs de uma série de procedimentos, tendo em vista a organização nos presídios. Sendo assim, a carceragem e sua estrutura frágil com violência institucional é resultado de um processo histórico instável que marca até o século atual os parâmetros que o Brasil adotou para a pena de prisão.


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3. DIREITOS FUNDAMENTAIS DO APENADO

O ser humano instituiu no decorrer de sua história, conforme lição de Silva (2005), direitos que entendeu como fundamentais e universais a si enquanto pessoa. Esses direitos são denominados fundamentais e definidos por Vasconcelos (2017) como: [...] disposições inseridas em determinado ordenamento jurídico que reconhecem e garantem o mínimo existencial do ser humano, rechaçando desta forma os abusos perpetrados pelas autoridades públicas, limitando o poder do Estado. São disposições que resguardam legalmente a dignidade da pessoa humana (VASCONCELOS, 2017, p. 145).

Assim, os direitos fundamentais são aqueles que baseiam-se na dignidade inerente ao ser humano, de modo que são titulares destes todas as pessoas, inclusive aquelas que encontramse privadas de sua liberdade. Tais direitos são firmados a nível internacional por legislações como a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966). No âmbito nacional, são consagrados pela Constituição Federal de 1988 (CF/88). A Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), acerca dos direitos dos sentenciados, estabelece direitos como vida, segurança e integridade física, bem como traça princípios que afastam a arbitrariedade dos julgamentos e nas privações de liberdade, como verifica-se resumidamente no trecho a seguir:

a. cada pessoa tem direito à vida, liberdade e segurança; ninguém será preso arbitrariamente ou mantido no cárcere ou conduzido a outra terra; b. quem sofrer lesão a direitos e liberdades têm direito à concessão de um processo eficaz perante um juiz determinado pela lei; c. a independência dos juízes e a atuação não partidária do Poder Judiciário devem ser eficazes; toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança. A liberdade de uma pessoa somente pode ser suprimida nos casos seguintes e por meio das formas estabelecidas na lei: a) quando presa de acordo com o direito, pelo juiz competente; d. toda pessoa tem direito ao respeito e à integridade física, psíquica e moral; a condenação penal não pode recair em outra pessoa além do autor da infração; as penalidades privativas de liberdade têm o objetivo da reinserção social do preso. [...] (CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969).

Em consonância, no ordenamento jurídico brasileiro é a CF/88, especificamente em seu art. 5°, inciso XLIX, que assegura aos encarcerados garantias como o respeito à integridade física e moral (BRASIL, 1988). Além da CF/88, a Lei nº 7.210, de 11 de Julho de 1984, a Lei de Execução Penal, trata dos direitos dos apenados. A referida legislação trata das regras para tratamento dos presos, cumprimento de pena, condições de clausura, do trabalho e da remição de pena (BRASIL, 1984).


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Revela-se, assim, a preocupação internacional, assim como do constituinte e do legislador com o caráter humanitário no cumprimento da pena, a partir da proteção dos direitos fundamentais.

4. VIOLAÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS PENITENCIÁRIAS BRASILEIRAS

Embora, como trabalhou-se anteriormente, haja proteção aos direitos fundamentais dos apenados

tanto

na

legislação

internacional

quanto

na

nacional,

constitucional

e

infraconstitucional, a realidade das penitenciárias flagrantemente apresentam situação oposta. O Estado não garante o cumprimento da lei, seja por descaso do governo ou pelo descaso da sociedade. As penitenciárias brasileiras, hoje, significam verdadeiras usinas de revolta humana. O preso é visto sob um viés que nega sua condição de pessoa. Essa realidade é evidenciada por dados do Conselho Nacional do Ministério do Público (2018) que, conforme divulgou em junho de 2018, em um total de 1456 unidades foram registradas mortes em 455 delas. Assim, não está efetivamente garantido o direito à segurança, tampouco à vida. Esses dados alarmantes ainda apontam que em 81 estabelecimentos houve registro interno de maus-tratos a presos praticado pelos agentes e em 436 foram registradas lesões corporais a presos praticadas por funcionários. Além disso, a superlotação das celas representa a violação do espaço mínimo previsto no art. 88 da já mencionada Lei de Execução Penal, de 6m quadrados. Evidencia-se, assim, a falta de estrutura para manter os apenados e as péssimas condições dos compartimentos de clausura que são presentes nas celas em que se amontoam dezenas de presidiários, sem o mínimo de conforto e higiene. Esse abarrote constitui violação institucional visto no Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN, 2016), segundo o qual, em junho de 2016, a população carcerária do Brasil atingiu a marca de 726,7 mil presos, mais que o dobro de 2005. Diante desses dados é perceptível a crise sistemática que assola as penitenciárias brasileiras atualmente. Estamos frente a violação em massa dos direitos fundamentais dos apenados, tanto na ótica do ordenamento jurídico nacional quanto no que tange a legislações internacionais das quais o Brasil é signatário, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, já tratada. Essas violações são graves. Bem observa Marques (1960) que a justiça penal não pode resultar em condições que firam os direitos fundamentais, visto que os bens jurídicos mais basilares e cruciais à pessoas devem ser resguardados. Nas palavras do referido autor:


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A justiça penal não pode ser instrumento de degradação dos direitos do homem. Mesmo o delinqüente tem garantido a tutela dos bens jurídicos que lhe são mais caros; e só depois que a viva fox iuris do magistrado o declara responsável criminalmente, é que seu status libertatis pode sofrer as limitações decorrentes da sanção penal (MARQUES, 1960, p. 53).

Na análise dessas principais violações aos direitos humanos é constatável, em primeiro lugar, a violência que ali incide. Os abusos e agressões policiais são práticas comuns e simbolizam a desqualificação e despreparo destes. Além disso, as agressões por parte dos agentes penitenciários e entre os próprios presos são recorrentes, por inúmeros motivos, como por exemplo a imposição de respeito ou ideologias do crime organizado. A integridade física é também ferida mediante a ocorrência de abusos sexuais nas penitenciárias brasileiras. Considera-se, como explicita Martins (2017), este um dos grandes problemas, principalmente na esfera dos LGBTI+. Em consonância, Nascimento (2017) demonstra que os presos LGBT estão entre os mais vulneráveis da população prisional, fato evidenciado pelo autor com o gritante dado de que 67% dos presos LGBT foram agredidos enquanto estavam presos. Por causas de tamanhas violações, a prisão ao invés de "frear a delinquência, parece estimulá-la, convertendo-se em instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidade" (BITENCOURT, 2011, p. 157). Desse modo, não traz benefício algum ao apenado e ainda possibilita violências, vícios e degradações. 5. JUSTIÇA RESTAURATIVA E GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Para possibilitar a vida em sociedade, o ordenamento jurídico imputa punição ao autor de comportamento criminoso. Assim, conforme Greco (2017), o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o Código Penal, em seu art. 59, adota uma espécie de teoria mista quanto à finalidade da pena. Isso significa que entende-se como finalidade da pena tanto a reprovação da conduta criminosa quanto a sua prevenção. No entanto, as falhas do sistema penitenciário no tocante aos fins almejados é latente, bem como o problema das violações aos direitos fundamentais, já trabalhadas. Perante essa ineficácia, a Justiça Restaurativa começou a ser discutida, como afirmam João e Arruda (2014), com a intenção de contrapor a maneira punitivo-retributiva de lidar com o crime. Nesse sentido, Gimenez e Spengler (2018) explicam que a Justiça Restaurativa pode ser entendida como a matriz teórica que visa construir uma filosofia, uma cultura que rompa com o atual modelo penal e construa uma justiça que lide de forma diferente com o crime em si. Na perspectiva da Justiça Restaurativa, de acordo com Santana e Santos (2018), o crime é uma violação às pessoas e às relações sociais. Sendo assim, o delito não constitui-se, em


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primeiro plano, em uma ofensa ao Estado por meio da infringência da lei. Portanto, a resposta estatal ao comportamento criminoso deve possibilitar que os indivíduos envolvidos diretamente e suas comunidades resolvam os conflitos por meio do consenso. Ainda explicam Gimenez e Spengler (2018) que a Justiça Restaurativa pauta-se na dignidade humana. Logo, suas práticas são marcadas pelo diálogo, pelo acordo e pela preocupação em atender as necessidades dos envolvidos. Assim, a vítima não é deixada à margem da resolução, pois confere-se poder a todas as pessoas envolvidas no conflito, devolvendo a autodeterminação própria do ser humano e que havia sido retirada pelo delito. Como bem explica Carvalho (2014), o programa da justiça restaurativa é utilizado nos crimes de pequeno e médio potencial ofensivo, além dos casos de violência doméstica. A autora destaca também que todo o processo é voluntário, de modo que a Justiça Restaurativa não implica no não cumprimento da pena tradicional, as duas podem acontecer concomitantemente. Logo, a intervenção restaurativa é suplementar. O entendimento de Scuro Neto (2000) corrobora para que compreenda-se a importância do processo restaurativa do ponto de vista da integração da sociedade e da transformação de perspectivas, como observa-se: Práticas de justiça com objetivos restaurativos identificam os males infligidos e influem na sua reparação, envolvendo as pessoas e transformando suas atitudes e perspectivas em relação convencional como sistema de justiça, significando, assim, trabalhar para restaurar, reconstituir, reconstruir, de sorte que todos os envolvidos e afetados por um crime ou infração devem ter, se quiserem, a oportunidade de participar do processo restaurativo (SCURO NETO, 2000, p. 47).

Entendendo o que vem a ser e o objetivo da Justiça Restaurativa, parte-se para a percepção de que suas práticas podem contribuir para o combate às violações aos direitos fundamentais dos apenados, já trabalhadas. Teófilo (2014) esclarece que a Justiça Restaurativa, por estar alicerçada na dignidade humana, aproxima-se dos preceitos da CF/88 mais que a justiça penal tradicional, a qual carrega forte estigma. Acrescenta Quadros (2018) que um outro traço de coerência entre a Justiça Restaurativa e o Estado Democrático de Direito é a concepção de crime e de responsabilização transcendente à noção de prêmio e castigo. Para a autora, a responsabilização restaurativa é mais significativa por constituir-se da assunção do compromisso, por parte do autor, frente aos prejuízos por ele causados. Apontando também para a ligação com o Estado democrático, Teófilo (2014) frisa que o processo restaurativo leva a democracia participativa para o âmbito penal. A autora assim entende com base na comunicação não violenta e na integração social promovida pela Justiça


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Restaurativa. Sendo assim, as práticas restaurativas denotam a proteção aos direitos fundamentais. Ora, o alicerce de tais direitos é a dignidade humana, bem como o fundamento da própria Justiça Restaurativa. Isso indica que a proposta restaurativa é condizente com a proteção desses direitos e a resolução de problemáticas do sistema prisional brasileiro. 6. METODOLOGIA Para a elaboração deste trabalho fora utilizado o método de abordagem dedutivo, posto que partiu-se de um contexto geral para um específico. A pesquisa foi de cunho documental e bibliográfico, posto que foram estudadas legislações referentes aos direitos fundamentais do apenado, bem como material doutrinário e científico correspondente a tais direitos e, especialmente, ao cenário atual do sistema penitenciário brasileiro. Apesar de mencionar dados estatísticos trata-se de um estudo qualitativo e explicativo quanto aos seus resultados. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo os direitos fundamentais, inclusive dos apenados, e a democracia participativa resguardados pela CF/88 e firmados como essenciais ao Estado Democrático de Direito, entende-se que o caminho para o combate às violações trabalhadas deve passar pela Justiça Restaurativa. Essas violações latentes como são um dos reflexos gritantes da crise do sistema carcerário que, como visto, é problemático desde seus primórdios. É preciso, então, oxigenar a justiça penal tradicional direcionando recursos e esforços para a ampliação da aplicação do processo restaurativo. Contudo, a violação aos direitos humanos é um problema social, de modo que a esfera jurídica não é suficiente a resolução dessa questão. Além de políticas públicas cabíveis ao poder estatal, faz-se necessário trabalhar essa problemática no seio da sociedade, combatendo as concepções absolutas da pena com um fim em si mesma. Sendo assim, o presente trabalho não visa esgotar a temática, mas tão somente contribuir com a discussão de soluções para a crise carcerária nacional. 8. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 12 nov. 2018.


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Capítulo 13

OS TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL E O CRIME: UMA LINHA TÊNUE ENTRE A IMPUTABILIDADE E A INSEGURANÇA PÚBLICA

(Autoras) Laila Priscila Oliveira Sampaio Mariana Luísa Alves Bacurau Ulisses

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Psicologia forense: clínica x judiciário. 3. Assasinos em série: constrovérsias acerca de imputabilidade, semi- imputabilidade e inimputabilidade. 4. Análise dos transtornos da personalidade antissocial com ênfase na psicopatia. 5. As políticas criminais e o sistema penal brasileiro. 6. Metodologia. 7. Considerações finais. 8. Referências.


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RESUMO: O presente artigo discorre a respeito da problemática da carência de políticas penais e da ausência de legislação específica direcionada aos criminosos possuidores de transtornos da personalidade antissocial (TPAS), como a sociopatia e a psicopatia. Para tanto, a realização do trabalho valeu-se de pesquisas bibliográficas, documentais e legislativas, usando a metodologia de pesquisa científica dialética, somada ao método de abordagem qualitativo. Através deste estudo, faz-se uma análise pertinente à classificação dos delinquentes com algum TPAS à luz do Direito Penal, de modo a levantar questionamentos a respeito da sua imputabilidade, buscando avaliar se responsabilizá-los apenas dessa forma é uma medida benéfica para ele - o delinquente - e para a sociedade, que pode vir a ser vítima dos seus atos após o cumprimento de sua pena,

tendo em vista que essas doenças psiquiátricas possuem mínima ou inexistente chance de cura, sendo, dessa forma, difícil a ressocialização desses indivíduos, tornando-se, pois, um caso de segurança pública. PALAVRAS-CHAVE: Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS). Imputabilidade. Segurança Pública.

1. INTRODUÇÃO A priori, quando se versa sobre a pena referente aos delitos praticados por indivíduos possuidores de transtornos da personalidade antissocial, é impossível dissociar o Direito Penal da Psicologia, tendo em vista que é um assunto que interessa à Ciência Criminológica, cuja matéria é eminentemente interdisciplinar. Destarte, é imprescindível mencionar importantes nomes da Criminologia, especialmente da Escola Positiva, como Lombroso, Ferri e Garófalo que, com seus estudos sobre os mais variados aspectos que compõe o crime, elaboraram uma nova maneira de considerar o delito, buscando encontrar todo complexo de causas dentro de perspectiva biológica e psicológica. De acordo com Alessandro Baratta, em seu livro „Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal‟: O desenvolvimento da Escola positiva levará, portanto, através de Grispigni, a acentuar as características do delito como elemento sintomático da personalidade do autor, dirigindo sobre tal elemento a pesquisa para o tratamento adequado. (BARATTA, 2014, p.39)

Em decorrência dessas influências criminológicas, o sistema penal passa a atentar não somente ao delito e às classificações da conduta delitiva, mas também à personalidade do delinquente e a classificação tipológica dos autores. A pena já possuiu diversas funções. Para a Escola Clássica ela era tida como forma de prevenir novos delitos, de modo que era vista como uma resposta objetiva de cunho retribucionista. Já para Escola Positiva, a pena deve ser um instrumento de defesa social de acordo com a periculosidade do delinquente. Além dos estudiosos que fizeram parte dessas escolas, destaca-se Michel Focault, grande nome que interveio no campo da violência no que


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se refere à punição e ao controle da criminalidade, presentes no seu livro Vigiar e Punir (1977). A prisão, na sua concepção, foi uma invenção humana que fracassou em seu objetivo de correção e reinserção, tendo em vista que a natureza política da pena é conquistada pelo terror, em que o objeto da punição é o delinquente e o seu objetivo é amedrontar a sociedade para que não venha a cometer contravenções, métodos no qual é perceptível que na sociedade brasileira é bastante ineficiente. A pena no Brasil ainda precisa ser fruto de muitas análises para que se consiga a eficácia esperada, uma vez que é notório o crescimento exorbitante dos crimes hodiernamente. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) celebrou um acordo de cooperação técnica com o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), para que fosse realizada uma pesquisa sobre o caráter recidivo dos delitos no Brasil. O termo previu um trabalho capaz de apresentar um panorama da reincidência criminal com base em dados coletados em alguns estados do país. Embora imprecisos esses números, o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do sistema carcerário divulgou em 2008 que a taxa de reincidência dos crimes chegava a 70% ou a 80% segundo a Unidade de Federação (UF). Porém, não produziu nenhuma pesquisa para comprovar a veracidade desses dados, tendo estes sido informados pela direção dos presídios. Conclui-se no relatório que: Hoje sabemos que a prisão não previne a reincidência e que devemos caminhar para alternativas que permitam ao autor de um delito assumir responsabilidades e fazer a devida reparação do dano eventualmente causado. (Brasil, 2008b)

Percebe-se, por conseguinte, a ineficiência do sistema carcerário nacional, que, embora os números abordados não tenham sido ratificados, eles revelam uma estimativa assustadora realizada pelos presídios. Ademais, essa situação de não ser atestada a autenticidade das informações demonstra grande fragilidade e ausência de comprometimento do Poder Público em sanar os problemas criminais em suas mais diversas searas. As políticas penais brasileiras existentes na prática entram em confronto com o que assegura a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, XLVIII,-a em que garante que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, idade e o sexo do apenado; diante disso surge o impasse em relação aos portadores de transtornos psicológicos e de conduta, tendo em vista que eles são inseridos no sistema prisional, onde irão ficar com os presos comuns, sem qualquer perspectiva real de ressocialização, pois inexiste um tratamento exclusivo e eficaz para que isso se torne possível. Como os possuidores de transtornos de personalidade não respondem às punições, ao entrarem em contato com os demais apenados, os sociopatas e psicopatas podem exercer influencia sobre


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aqueles, incitando-os a cometer crimes dentro das celas, dificultando, dessa forma, o processo de reeducação e ressocialização. Diante disso, nota-se a necessidade da formulação de uma legislação específica, a fim de garantir que no momento que tais indivíduos retornem ao âmbito social, não voltem a delinquir (se possível), necessitando, portanto, de auxílio psicológico intensivo, na tentativa de uma ressocialização, ou apenas um controle dos instintos natos. Se analisarmos mais profundamente as penas e o sistema prisional brasileiro, quantos desses crimes reincidentes são cometidos por indivíduos que possuem transtorno de personalidade antissocial? O Estado tem conhecimento disso? Como o Direito Penal se manifesta em relação aos crimes cometidos por pessoas que possuem esse transtorno, tendo em vista que sua capacidade de reincidência é extremamente previsível, mas a legislação vigente proíbe a prisão perpétua e a pena de morte como garantia e direito fundamental? Eles deveriam ser tratados como inimputáveis, passando, assim, em vez de ser aplicado a esses uma pena “comum”, ser direcionada a esses uma medida de segurança? Empregará na presente pesquisa o método científico dialético, além dos métodos cooperantes da pesquisa bibliográfica e legislativa.

2. PSICOLOGIA FORENSE: CLÍNICA x JUDICIÁRIO Há ainda uma discussão nos ramos da Psicologia e da Psiquiatria sobre a questão: o ser humano nasce ou torna-se criminoso? Tal questionamento ainda não possui respostas concretas e por isso há diversos estudos acerca de quais aspectos motivam a prática delituosa. A princípio, devemos ter a atenção de também sabermos dissociar essas duas questões, pois nem todo sociopata é delinquente, bem como nem todos os delinquentes são sociopatas ou possuidores de algum transtorno mental que o leve a cometer o crime. Por isso, é indispensável que o ordenamento jurídico brasileiro tenha conhecimento da personalidade do delinquente para que a pena, que por ventura venha a ser aplicada, seja, de fato, capaz de impedir que o criminoso venha a reincidir. À vista disso, faz-se necessária uma estreita relação entre a clínica psiquiátrica e o sistema judiciário. Há vários posicionamentos a respeito dos transtornos de personalidade antissocial (TPAS), tendo em vista que outros termos são utilizados como sinônimos, tais como sociopatia e psicopatia, além do transtorno de personalidade dissocial, que é bem menos discutido. Contudo, segundo Kenberg (1995), esses transtornos se apresentam de forma distinta. A distinção utilizada se baseia na capacidade empática do indivíduo, que no psicopata se encontra ausente.


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[...] a reação antissocial estaria se referindo ao psicopata e a reação dissocial àquele grupo de pessoas que ignora normas sociais, que são geradas em ambiente social anormal, mas são capazes de mostrar fortes sentimentos de fidelidade no aspecto pessoal. Neste sentido, a Psicopatia envolve sempre comportamentos antissociais, porém, nem todo comportamento antissocial tem as características da Psicopatia ou do TPAS. (DAVOLGLIO e ARGIMON, 2010, p.113)

Consideramos até o presente momento deste artigo a unificação dos transtornos da personalidade antissocial, posto que em geral todos os que se enquadram nessas designações podem apresentar potencial para cometer atos ilícitos nas mais variadas ordens do direito, como a administrativa, a civil, a fiscal e a penal, tendo em vista o caráter manipulador e persuasivo desses indivíduos. Todavia, se formos analisar de forma separada esses transtornos, podemos observar que os crimes cometidos por psicopatas geralmente incidem sobre normas do Direito Penal, ou seja, são aquelas que regulam bens jurídicos indisponíveis como, por exemplo, a vida, a liberdade e a integridade física. Isso decorre, como já foi mencionado superficialmente anteriormente, da sua incapacidade de sentir empatia, embora saiba fingir com maestria esse nobre sentimento; da sua eloquência e encanto superficial, dado que se apresenta como uma pessoa divertida e agradável; sua personalidade egocêntrica e presunçosa, tendo em vista que eles têm a capacidade de supervalorizar sua importância; sua nítida ausência de remorso ou culpa; possuir talento para mentir e manipular; além de possuir emoções superficiais devido a uma disfunção cerebral, e quando demonstram algum comportamento emotivo certamente ele é fruto de um aprendizado superficial (LEME, Fabrício e Michele, 2011). Assim construída a personalidade inerente aos psicopatas, é sabida sua tendência a cometer práticas delituosas, decorrente do seu alto grau de impulsividade; seu autocontrole deficiente; sua busca incansável por situações que lhe gerem excitação; além de ser possuir alto grau de irresponsabilidade. Em análise crítica aos aspectos intrínsecos do psicopata, não nos resta outra dúvida acerca do seu desviado estilo de vida. Além de incorrer em desvios interpessoais, o psicopata apresenta-se à sociedade com um comportamento instável e sem direção, delineado pela sua tendência à violação das normas sociais. (LEME, Fabrício e Michele, 2011, p.78).

Tendo em vista o já mencionado a respeito da reincidência dos crimes, as decisões que versem sobre a liberação dos presos, seja ela pela progressão do regime de pena ou por meio de outros benefícios, devem ser analisadas minuciosamente a partir de instrumentos confiáveis, a fim de que seja possível diagnosticar alguma estrutura de personalidade que possa trazer algum perigo maior à sociedade.


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Nesse sentido, a escala PCL - R (Psychopathy Checklist Revised), de autoria de Robert D. Hare, foi tema da tese de doutorado da psiquiatra Hilda Morana, defendido na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. No trabalho, a autora buscou identificar o ponto de corte da versão brasileira, ou seja, a partir de que pontuação um sujeito pode ser considerado psicopata, tornando a escala apta para utilização em contexto nacional, sendo sua venda recentemente permitida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). (AMBIEL, 2006, Revista Psico).

O PCL-R é considerado “padrão ouro” na avaliação da psicopatia, projetada para avaliar de maneira segura e objetiva o grau de periculosidade e readaptabilidade à vida comunitária dos condenados, buscando diferenciar os psicopatas dos não-psicopatas, segundo a proposta de Here, sendo bastante importante para tomada de decisão acerca do trâmite do condenado no sistema penal, utilizado como uma forma segura de dissociar os que apresentam a condição de psicopata, daqueles que não a apresentam, com objetivo, também, de não prejudicar a reabilitação dos “criminosos comuns”, além de associar-se ao famoso teste de Rorschach, comumente conhecido como “teste do borrão de tinta”, este já muito utilizado no Brasil. No futuro, estudos como esses, devem ser realizados também na nação, proporcionando um aprimoramento das qualidades psicométricas da versão brasileira do instrumento (AMBIEL, 2006). O PCL-R se mostraria muito eficiente no Brasil, tendo em vista sua alta precisão, podendo, assim, ser feito um acompanhamento com os presos, a depender do seu crime e de anteriores análises psicológicas, para detectarem algum distúrbio de personalidade de maneira mais objetiva, em especial a psicopatia, para então traçar a capacidade que os detentos por ventura tenham de partir do regime fechado para o semiaberto, e sua possibilidade de, de fato, ressocializar-se.

3.

ASSASINOS

EM

SÉRIE:

CONSTROVÉRSIAS

ACERCA

DE

IMPUTABILIDADE, SEMI-IMPUTABILIDADE E INIMPUTABILIDADE

O Código Penal brasileiro, prevê por meio do seu artigo 26 que “é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.” Nessa perspectiva, um “serial killer”, expressão americana para designar os assassinos em série, não é isento da pena, tendo em vista que, apesar de muitos considerarem a psicopatia como uma doença mental, ela se configura, como já foi abordado, em um transtorno de personalidade que, em quase nada tolhe o discernimento de quem a possui, uma vez eles têm conhecimento da lei, possuem plena


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consciência dos seus atos, mesmo lhes falte senso ético e moral. Portanto, é importante frisar que a psicopatia não diminui a capacidade do indivíduo, isto é, um psicopata não é doente mental. Assim, Here entende que:

Os psicopatas não são pessoas desorientadas ou que perderam o contato com a realidade; não apresentam ilusões, alucinações ou a angústia subjetiva intensa que caracterizam a maioria dos transtornos mentais. Ao contrário dos psicóticos, os psicopatas são racionais, conscientes do que estão fazendo e do motivo por que agem assim. Seu comportamento é resultado de uma escolha exercida livremente. (HARE, 2013, p. 38).

Desse modo, ao analisar o dolo e a culpa, segundo Mirabetti: Para que exista o dolo, faz-se necessário que três subsídios estejam preservados, sendo eles: a consciência do ato (psíquico), a vontade (psíquico) e o conhecimento da ilicitude (normativo). Para que haja a culpa, sem o dolo, tem que haver a ausência ou o prejuízo de um ou mais desses três elementos citados acima. Destarte, a culpa poderá existir, independentemente da consciência. Já no que diz ao dolo, não (MIRABETE, 2001-a, p. 34 apud MOURA e FEGURI, 2012, p. 209).

Conclui-se, portanto, que os psicopatas possuem discernimento de seus atos, sendo estes praticados de forma dolosa, e de fato não se pode desconsiderar legislação penal e passar a considera-los inimputáveis. Logo, os psicopatas brasileiros são detidos como criminosos comuns, como é o caso de Francisco Assis Pereira, mais conhecido por “maníaco do parque”, que em 1998 foi descoberto por assassinar e estuprar mulheres em uma área de mata Atlântica na capital de São Paulo: o parque do Estado. Francisco, considerado um psicopata assassino em série, tendo em vista o estudo de sua personalidade e seus assassinatos contínuos feitos no mesmo modus operandi, expressão em latim que significa “modo de operação”, na tradução literal para a língua portuguesa. Esta expressão determina para a criminologia o modo como foi feito o crime, o local em que foi cometido, as características peculiares do delito e somando-se aos crimes contra a vida, um estudo aprofundado sobre vitimologia, analisando os perfis das vítimas e sua contribuição ou não para o crime. Observando esses aspectos, considerando que Francisco Assis Pereira está cumprindo a pena como um cidadão “comum”, tendo previsão de sua soltura para 2028. Vale relembrar neste tópico a grande capacidade de reincidência dos psicopatas, e a sua quase impossível ressocialização considerando que a psicopatia não tem cura. Sabemos que o ordenamento jurídico vigente não permite aos imputáveis, pena superior a 30 anos, então é lógico e dedutível que em algum momento os psicopatas que atualmente estão presos, posteriormente serão soltos, e por não haver uma cura ou tratamento especifico para transtornos de personalidade antissocial, tudo indica que ao sair da prisão o indivíduo irá reincidir no crime de


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forma a modificar apenas o seu modus operandi. Por conseguinte, é válido o questionamento: considerar psicopatas assassinos em série como imputáveis é uma medida benéfica? O Psiquiatra Forense Guido Arturo Palomba, diz que normalmente os atos delituosos praticados por condutopatas, sempre vão apresentar características peculiares, inusitadas e, via de regra, repetitivas. Ademais, classifica que possuem três tipos de delitos relacionados diretamente aos condutopatas: o assassinato em série, o parricídio e a piromania. Considerando o que foi posto sobre os assassinos em série, sendo o indivíduo normal, se aplica a imputabilidade penal, se for considerado fronteiriço, semi- imputabilidade; caso seja doente mental é considerado inimputável. O Francisco Assis Pereira entra na qualificação de fronteiriço, visto que está entre a loucura e a sanidade. Todavia, ele está preso como indivíduo normal, sob pena dirigida aos imputáveis, sem nenhuma medida psicológica pertinente para tratar, ou, ao menos, atenuar as consequências do seu transtorno psiquiátrico. A deformidade dos assassinos seriais fronteiriços está na falta de senso moral e ético, na afetividade subdesenvolvida, na vontade fraca ou fixa em um ponto mórbido qualquer, no entendimento limitado, sem comprometimento significativo da inteligência, da memória, da sensopercepção, da vigilância. Pelo fato de essas últimas faculdades estarem íntegras, a ação parece planejada, dissimulada, normal, mas não é, uma vez que há frieza patológica, associada à crueldade, à insensibilidade, ao egoísmo e à perversão. Sentem prazer na maldade em si, na vingança e na desgraça alheia.” (PALOMBA, 2003, p.525).

4. ANÁLISE DOS TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE ANTISSOCIAL COM ÊNFASE NA PSICOPATIA

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DMS), um transtorno de personalidade é um padrão interno e persistente que se desvia da cultura esperada de um indivíduo, e se manifestando na adolescência ou fase adulta ou da infância de maneira precoce, acarretando prejuízos a ele e a sociedade. Sendo considerado pela DMS, o transtorno da personalidade antissocial é “um padrão de desrespeito e violação dos direitos dos outros” (2013, p.684). A Organização Mundial de Saúde (OMS), publica o conceito de psicopatia como: “Transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições (2000).” Este conceito foi definido pela Classificação Internacional de Doenças (CID). Entretanto são considerados sinônimos os conceitos contemporâneos: transtorno de personalidade e comportamento (CID10), transtornos de personalidade (DSM-IV), personalidades psicopáticas, sociopatias. O


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psiquiatra forense, Guido Arturo Palomba, foi o primeiro a usar o termo “condutopatia”. “Esse transtorno de comportamento é devido ao comprometimento de três estruturas psíquicas: a afetividade, a conotação-volição, a capacidade crítica, mantendo-se íntegras as outras partes mentais.” (PALOMBA, G.A. Tratado de psiquiatria forense, civil e penal. São Paulo: Atheneu, 2003, p.515). Por mais antigo que seja o conhecimento da existência de transtornos de conduta, ainda existem divergências entre o conceito de psicopatias, refletindo criticamente nas sanções penais. Ademais, ideia de que psicopatas sempre se utilizam de violência para seus atos é equivocada. A psiquiatra e autora, Ana Beatriz Barbosa e Silva, cita em seu livro Mentes Perigosas: É importante ressaltar que os psicopatas possuem níveis variados de gravidade: leve, moderado e grave. Os primeiros se dedicam a trapacear, aplicar golpes e pequenos roubos, mas provavelmente não “sujarão as mãos de sangue” nem maltratarão as vítimas. Já os últimos botam verdadeiramente a “mão na massa”, com métodos cruéis sofisticados, e sentem um enorme prazer com seus atos brutais (SILVA, 2014 p. 19,20).

Para caracterizar um psicopata não é necessário que exista crimes violentos, por possuírem uma grande capacidade de manipulação, muitas vezes agem somente instigando suas vítimas, com o intuito de conseguir o que almejam, sem haver qualquer infração da lei.

5. AS POLÍTICAS CRIMINAIS E O SISTEMA PENAL BRASILEIRO A prática criminal pelos psicopatas “também difere da do criminoso comum; são atos violentos praticados a sangue-frio, planejados e predatórios, motivados por lucro social ou financeiro, ao contrário do que nos ocorre „crimes passionais‟” (DAYNES, 2012, p. 27). No ordenamento jurídico brasileiro vigente, de acordo com o sistema penal, as sanções penais podem se dar de duas formas: as penas e as medidas de segurança. Para que pena seja imputada ao agente é necessário que haja a culpabilidade, ao passo que a medida de segurança é fundamentada no aspecto da periculosidade, em que se enquadra aspectos que se atribuem à sanidade mental. A título de exemplo, as medidas de segurança são postas a esquizofrênicos e a todos aqueles que possuem graves transtornos mentais que lhe incapacitam a consciência (ESTEFAM, 2013, p. 65). Desse modo, se levarmos em consideração a definição de psicopatia como uma doença mental, existe um excludente de culpabilidade, fazendo-se necessária a aplicação de uma medida de segurança, que tecnicamente não é pena. Caso o indivíduo seja direcionado para um presídio, possivelmente não existirá evolução na conduta, já que os psicopatas são


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considerados pessoas incapazes de aprender com castigo ou punições. A lei brasileira estabelece no seu artigo 26 do Código Penal, anteriormente mencionado, a isenção de pena para portadores de doenças mentais ou retardo mental completo ou incompleto, por se tratar de pessoas que possuem incapacidade de discernimento de seus atos. Segundo a psicologia, se fossemos classificar os psicopatas como doentes mentais, eles passariam a se enquadrar como pessoas dotadas de inimputabilidade, mas ordenamento jurídico brasileiro entende eles com imputáveis, tendo o seu diagnóstico feito por uma perícia especializada em consonância com os artigos 149 ao 154 do Código de Processo Penal, para realização do exame de insanidade mental, porém a decisão judicial não é adstrita ao laudo pericial. Está previsto no Código Penal em seu artigo 97:

Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Prazo § 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Perícia médica § 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Desinternação ou liberação condicional § 3º - A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 4º - Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz

Existem divergências sobre a sanidade mental do psicopata. A doutora em psiquiatria forense, Hilda Morana, em um trabalho efetuado pelo jornalista Eduardo Szklarz (2009), determina que crimes praticados tanto por psicopatas quanto sociopatas, carregam riqueza de detalhes e bastante organização, dessa forma quando capturados usam de diversas facetas para buscar inocência ou insanidade para justificar seus atos, logo estes são sim portadores de discernimento do ato por eles praticado, empregando dolo, pois são atos premeditados, realizados com ausência de culpa. Para os que defendem esse ponto de vista, usam a classificação de imputáveis tendo de receber sansão. O doutrinador Damásio de Jesus, define o termo imputabilidade pode ser cominado à: “Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade de alguma


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coisa. Imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada de um fato punível” (2009, p. 465). Hodiernamente os psicopatas são classificados como sendo o indivíduos semi-imputáveis. O psiquiatra Guido Palomba os define como “indivíduos que padecem de deformidades do afeto, da intençãovolição e da crítica, vale dizer, deformidades que, ao cabo, vão repercutir na forma de conduzirse no mundo”. Essa tese também é defendida pelo doutrinador, Damásio de Jesus, quando defende o enquadramento da psicopatia no rol exemplificado no art. 26 do Código Penal, por considerar o agente responsável por alguma consciência de ilicitude de fato, mas não plenamente ciente do caráter ilícito do fato e do agir conforme o entendimento por fatores externos. Os defensores da semi-imputabilidade alegam que, pelo fato dos indivíduos portadores da psicopatia não reagirem a punições e possuírem ausência total de culpa agem com indiferença. Desse modo, a sua pena deveria ser atenuada e ser submetidos a medidas de segurança em hospitais psiquiátricos conforme os artigos 99 a 101 da Lei nº 7.210 1984:

CAPÍTULO VI Do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Art. 99. O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos no artigo 26 e seu parágrafo único do Código Penal. Parágrafo único. Aplica-se ao hospital, no que couber, o disposto no parágrafo único, do artigo 88, desta Lei. Art. 100. O exame psiquiátrico e os demais exames necessários ao tratamento são obrigatórios para todos os internados. Art. 101. O tratamento ambulatorial, previsto no artigo 97, segunda parte, do Código Penal, será realizado no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou em outro local com dependência médica adequada (BRASIL, 1984)

O sistema criminal brasileiro, atualmente é vicário. As alterações de binário para o vicário mostraram mudanças na imputação de responsabilidade dos indivíduos psicopatas. Genival Veloso de França relata em seu livro de Medicina Legal que: Antes, no advento do sistema do “duplo binário”, considerávamos as personalidades psicopáticas como inimputáveis, pelo equívoco de se imporem primeiro a pena e depois o tratamento em Casa de Custódia. Hoje, sob a vigência do sistema “vicariante” ou “unitário”, defendemos que elas sejam consideradas semi-imputáveis, ficando sujeitas à medida de segurança por tempo determinado e a tratamento médico-psiquiátrico, resguardando-se, assim, os interesses da defesa social e dando oportunidade de uma readaptação de convivência com a sociedade (FRANÇA, 2015, p. 1185).

As medidas de segurança são uma espécie de sansão penal. Diferentemente das penas, a medida de segurança tem por finalidade essencial a prevenção do ato delituoso, atendendo a


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dois interesses: o da obtenção de cura daquele a quem é imposta, ou a possibilidade de um tratamento que minimize os efeitos transtorno mental.

6. METODOLOGIA: Para desenvolver esta pesquisa, foi necessária a utilização do método de pesquisa dialético, recorrendo ao estudo da legislação que trata acerca da punição dos doentes mentais e das pessoas que sofrem transtornos psiquiátricos como a sociopatia e a psicopatia, bem como outros estudos na área criminológica, perpassando na área da psicologia. Necessitou-se, portanto, do método de abordagem qualitativo, para buscar apresentar resultados através de percepções e análises a respeito das mais diversas searas que compõe o tema, sendo imprescindível se utilizar de bibliografias, Constituição Federal, Código Penal e Código Processual Penal. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Por fim, vale salientar que não existem dados que comprovem que o tratamento psicoterapêutico realizado em portadores do Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS) possui resultados satisfatórios, as terapias farmacológicas também são ineficazes para: insensibilidade / falta de empatia, agressividade instrumental / planejada, dificuldade em aprender com erros, egocentrismo/narcisismo, perversidade, mentir à patológica e comportamentos manipulativos, dessa forma não surte efeitos em condutopatas. Destarte, é necessário que haja uma modificação na legislação brasileira, a fim de que o Código Penal possa englobar medidas penais específicas para delitos cometidos por sociopatas ou psicopatas, haja vista que esses possuem capacidade de ressocialização quase inexistente, tendo uma vez que eles têm resistência às abordagens terapêuticas. Dessa forma, as penas aplicadas a esse determinado grupo de indivíduos, tanto o cárcere, quanto as medidas de segurança, se apresentam como medidas paliativas, pelo fato do Direito Penal Brasileiro não fazer a correta distinção das penas aplicadas a indivíduos que possuem capacidade de ressocialização (delinquentes “comuns”) ou não (sociopatas e psicopatas), visto que os portadores do Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS) não reagem às punições, em razão da ausência de empatia, egoísmo, e conduta moral distorcida. Logo, no momento em que ele cumprir sua pena, possivelmente voltará a cometer crimes. O que nos leva a analisar em até que ponto a preservação dos direitos do indivíduo particular está prejudicando os direitos de toda uma sociedade, considerando que a reincidência de delitos diz respeito a


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questões de segurança e ordem pública. Conclui-se, portanto, que uma possível solução cabível a ser aplicada é a criação de “casas de custódia” com tratamento exclusivo, direcionado à deficiência de conduta, com intuito de monitorar de forma eficaz, segura e permanente e garantir a integridade tanto dos delinquentes com transtornos de personalidade, quanto da sociedade brasileira. 8. REFERÊNCIAS AMBIEL, Rodolfo Augusto Matteo. Diagnóstico de psicopatia: a avaliação psicológica no âmbito judicial . 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-82712006000200015&script=sci_arttext> Acesso em: 03 nov. 2018. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica ao direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2011 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cciVil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 03 nov. 2018. CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal para concursos. 8º ed. Salvador: JusPodivim, 2015. DAVOGLIO, Tárcia Rita; ARGIMON, Irani I. de Lima. Avaliação de comportamentos antisociais e traços psicopatas em psicologia forense. 2010. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5118383 > Acesso em: 03 nov. 2018. (DAYNES, Kerry; FELLOWES, Jessica. Como identificar um psicopata: Cuidado! Ele pode estar mais perto do que você imagina. Tradução: Mirtes Frange de Oliveira Pinheiro. São Paulo: Cultrix, 2012. p. 27) ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral. 3.ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2013. FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. HARE, Robert D. Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós. Porto Alegre: Artmed, 2013. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA – IPEA. Relatório de pesquisa de reincidência criminal no brasil. 2015. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=2559 Acesso em: 01 nov.2018.

0>.

JESUS, Damásio. Direito Penal: Parte Geral. 30º ed. São Paulo: Saraiva, 2009. MOURAL, Juliana Atanai Gonçalves. FEGURI, Fernanda Eloise Schmidt Ferreira. Imputabilidade penal dos psicopatas à luz do código penal Brasileiro. 2012 Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/seminasoc/article/view/9526/12656>. Acesso em: 06 nov. 2018.


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NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal, comentado. 15º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS). CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde. Trad. Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português. 10. rev. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2000.) PALOMBA, G.A. Tratado de psiquiatria forense, civil e penal. São Paulo: Atheneu, 2003 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas, o psicopata mora ao lado. 2. ed. São Paulo: Globo, 2014. SZKLAZ, Eduardo. O psicopata na justiça brasileira. Revista Super Interessante, ed. 267. 2009. Disponível em: <https://super.abril.com.br/comportamento/o-psicopata-na- justicabrasileira/> Acesso em 07 de nov. 2018.


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Capítulo 14

TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL (Autora) Anara Holanda Linhares

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Desenvolvimento. 2.1 Tráfico internacional de mulher com finalidade sexual. 2.2 Tráfico internacional de crianças para fins sexuais. 2.3 Medidas paliativas e políticas públicas para o combate ao tráfico humano internacional com fim sexual. 3 Metodologia. 4 Considerações Finais. 5 Referências.


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RESUMO

O presente trabalho aborda sobre a exploração sexual, sendo de mulheres, homens, ou mesmo crianças, nas quais são postos em condições desumanas, em que se tratando de tráfico internacional, muitas vezes adentram neste cenário sem conhecimento, ou mesmo tendo ciência de qual prática irão realizar, são ludibriadas por propostas de melhoria de vida. O tráfico humano é proibido no Brasil, bem como pela Organização das Nações Unidas – ONU. Tem-se como objetivo apresentar as nuances do tráfico internacional humano para prática do sexo, com uma breve análise dos fatores que colaboram para a propagação deste ilícito penal, além de estudar aspectos de gênero, ilegalidade e medidas executadas para deter o crime que circunda internacionalmente de forma deliberada. Como método de procedimento tem-se a pesquisa bibliográfica. Perseguindo o objetivo geral, este artigo trouxe uma análise acerca do tráfico internacional de mulheres, bem como de crianças, para fins de exploração sexual internacional abordando medidas e políticas paliativas que visam coibir tal prática criminosa. Dada a importância jurídica nacional e internacional e a elaboração de políticas públicas adequadas para sua prevenção e extinção de práticas criminosas. Palavras-chave: Tráfico Internacional. Crime Sexual. Direitos Humanos.

1 INTRODUÇÃO

O tráfico humano internacional para fins de exploração sexual é uma prática ilícita que ocorre no Brasil ao longo de sua história, dada a situação de vulnerabilidade social, econômica e mesmo de gênero, tendo mulheres como alvo principal para a execução do ato ilícito, vê-se que o direito penal no país penaliza de forma severa quem envolve-se em tráfico de pessoas, seja dentro do território nacional, seja em âmbito internacional, perfazendo uma sociedade sombria e aquém de respeitar os direitos humanos, luta esta enfrentada pelos poderes judiciário, executivo e legislativo. A norma brasileira é concisa ao tipificar o tráfico como conduta penal ilegal e impõe uma maior vigilância e uso de medidas coercitivas, através do Estado, para que seja evitada ou impedida, destarte, o poder-dever do Estado em garantir condições mínimas de subsistência é protegido constitucionalmente, tendo assim o mesmo e a sociedade de se manterem alertas para indícios de que esteja ocorrendo este fato ilegal, típico e ilícito.


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A pena para quem pratica o tráfico humano para fins de prostituição é de reclusão de três a oito anos, sendo restritiva de liberdade e uma ação incondicionada pública. O problema do tráfico humano para a prática sexual é que o lucro do mesmo é alto, sendo considerado um dos mercados mais rentáveis, estando na terceira posição internacional, tendo o tráfico de armas e o tráfico de drogas na frente, segundo a Organização Internacional do Trabalho – OIT, com os lucros milionários, tendo sua comercialização à margem da lei e uma grande lacuna para sua fiscalização, meios mais concretos para serem combatidos, abre-se um leque de possibilidades de ser realizado o tráfico, que na maioria das vezes, é de mulheres, que possuem condições financeiras desfavoráveis e veem na ida para o exterior uma oportunidade em sua melhoria de vida, e mesmo de uma melhor qualidade de vida para seus familiares. Os mecanismos utilizados pelo tráfico, que seja de maneira consciente de que é para se prostituir, ou que seja dada sua aceitação por meios ilusórios, os aliciadores propagando que são funções trabalhistas como babá, garçonetes ou para ser modelo no exterior, existe assim, um vasto e complexo mercado envolvendo o tráfico de pessoas para ato sexuais, haja vista, suaelaborada mercancia o combate deve ser intenso e contínuo para oportunizar uma vida digna as pessoas nestas condições de objeto escravocrata. O objetivo do presente trabalho é apresentar as nuances do tráfico internacional humano para prática do sexo, com uma breve análise dos fatores que colaboram para a propagação deste ilícito penal, além de estudar aspectos de gênero, ilegalidade e medidas executadas para deter o crime que circunda internacionalmente de forma deliberada. Tendo o objetivo de explanar as celeumas que envolvem o tráfico humano para realização de relações sexuais, caracterizando assim a prostituição forçada imersa as pessoas que por estarem em posição de vulnerabilidade social, seja ela econômica, idade, gênero, raça, independente de qual seja a situação da vítima, a mesma é exposta e finda por se encontrar presa, com dívidas e tendo seu corpo violado para que sejam feitos atos libidinosos forçados, já que o consentimento não é levado em consideração na situação fática, haja vista, está sob coação a de sua integridade física e emocional, de sua vida e de sua liberdade cerceada. Para tanto utilizou-se do da pesquisa bibliográfica como metodologia, conforme descrito no item 3 deste artigo.


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2 DESENVOLVIMENTO O Tráfico das pessoas é caracterizado como uma violação aos direitos humanos e abrange a privação de liberdade, a exploração, a violência e a retenção de documentos como a identidade e o passaporte.O Brasil possui um alto índice de exportação de mulheres para o tráfico sexual, havendo também dentro das pessoas reféns do tráfico humano, crianças, meninos e meninas, homens são em menor quantidade. A relação de serem as mulheres a maior parte das pessoas traficadas está ligada a uma cultura de gênero machista, onde a mulher é vista como mercadoria, um objeto sexual para o uso e satisfação de vontades libidinosas, concepção esta, advinda de relações em que a mulher foi posta, historicamente, em relação ao homem, com o foco, principalmente em sua subordinação, função de procriação e seu status de fragilidade, incapacidade e delicadeza, que a põe em situação de desvantagem aos demais membros da sociedade. Segundo Miguel Reale (2002, p.65), há o aspecto fático, o aspecto axiológico e o aspecto normativo, preleciona: Onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.); um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor; tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados uns dos outros, mas coexistem numa unidade concreta; mais ainda, esses elementos ou fatores não só se exigem reciprocamente, mas atuam como elos de um processo de tal modo que a vida do Direito resulta da integração dinâmica e dialética dos três elementos que a integram.

Para tanto foi necessário ir além do Código Penal e da Constituição Federal de 1988, com o Protocolo de Palermo – promulgado pelo Decreto nº 5.017, de 12/03/2004, também denominado como “Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças”. Promulgado para que a criminalização e punição de crimes de tráfico para relações sexuais, em especial de mulheres e crianças fosse mais eficaz. Como aduz o Código Penal, em seu artigos 231 e seguintes:


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Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. § 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi- la ou alojá-la. § 2º A pena é aumentada da metade se: I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou , IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. § 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. Do Tráfico interno de pessoas para fim de exploração sexual: Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. § 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. § 2º A pena é aumentada da metade se: I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; . II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. § 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.”

A mulher enfrenta outras questões ligadas ao seu organismo biológico ao ser posta em casas de prostituição, como por exemplo, está exposta a doenças sexualmente transmissíveis, pode sofrer agressões físicas durante as relações, tanto dos criminosos quanto dos clientes, estão suscetíveis a engravidarem e assim, ou ter um filho indesejado ou sofre um aborto pondo em risco sua vida, tendo em vista que sua liberdade e saída não é permitida, devendo o realizar de forma clandestina. Os


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quesitos jurídicos, humanitários são inquestionavelmente preciosos em se tratando deste crime indigno, havendo, pois, de ser combatido de forma veemente por todos os meios legais, nacionais e internacionais para que tenha fim. O Brasil com sua desigualdade social fomenta que maiores números de pessoas aceitem e acreditem nas promessas de melhoria de vida em países estrangeiros, suscitando assim, o aumento considerável de mulheres brasileira vítimas deste ilícito penal. Ou mesmo dentro do país, que é considerado ilegal a prostituição e muitas contra sua própria vontade adentram neste meio à margem da lei para sobreviver e ter como sustentar seus lares, a falta de oportunidade, tanto para a educação como para a obtenção de emprego pelas pessoas, permite que um grande volume de pessoas creia nas chances fraudulentas de uma qualidade de vida que estes criminosos oferecem a quem necessita sobrepor-se as adversidades da vida. Há pessoas em situação de hipossuficiência em todo o país, instrumento facilitador para os delinquentes conquistarem as vítimas fazendo-as reféns.Por conseguinte, o Protocolo de Palermo (PALERMO, 2006), determina de forma explícita, no artigo 3 , alínea “b”, que mostra: “O consentimento dado pela vítima de Tráfico de Pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea “a”) do presente artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer dos meios referidos na alínea “a”)”. Contudo, assim o presente protocolo estabelece que devem estar presentes todos os requisitos para a caracterização da tipificação de Tráfico de Pessoas, tendo a ação, a meio e o fim, mesmo que haja consentimento da vítima, o mesmo fica configurado. 2.1 TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHER COM FINALIDADE SEXUAL

As mais propensas ao tráfico para fins sexuais são de mulheres, jovens em situação de vulnerabilidade, as mulheres recebem propostas de emprego, como modelos, garçonetes, babás, etc, por pessoas como se fossem de agências profissionais internacionais, transmitindo confiança e oferecendo estabilidade financeira com empregos disponíveis no exterior, muitas mulheres que necessitam sustentar a si mesmas ou suas famílias, com a perspectiva em melhorar de vida aceitam os empregos com esperança, ao chegar nem países estrangeiros são aprisionadas e obrigadas a realizares trabalho sexual contra sua vontade, criminosos que pagam o deslocamento, alimentação e demais despesas cobram como uma dívida,


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na qual as mesmas nunca conseguem quitar, pois ao estarem presas, a alimentação, vestimentas e todo o material básico de sobrevivência é nunca pondo um fim a conta. A primeira Turma do Supremo Tribunal Federal já dispôs sobre o tema no julgamento Ext 1287 DF:

EMENTA EXTRADIÇÃO. CRIME DE TRÁFICO DE PESSOAS. CORRESPONDÊNCIA COM O CRIME DE TRÁFICO INTERNO DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL. DUPLA INCRIMINAÇÃO CONFIGURADA. PRESCRIÇÃO: NÃOOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICES LEGAIS À EXTRADIÇÃO. ENTREGA CONDICIONADA À ASSUNÇÃO DE COMPROMISSO QUANTO À DETRAÇÃO DA PENA. 1. Pedido de extradição formulado pela República da Colômbia que atende aos requisitos da Lei nº 6.815/1980 e do Tratado de Extradição específico. 2. Crime de tráfico de pessoas que corresponde ao crime de tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual, do art. 231-A do Código Penal. Dupla incriminação atendida. 3. Não-ocorrência de prescrição e inexistência de óbices legais. 4. O compromisso de detração da pena, considerando o período de prisão decorrente da extradição, deve ser assumido antes da entrega da presa, não obstando a concessãoda extradição. O mesmo é válido para os demais compromissos previstos no art. 91 da Lei nº 6.815/1980. 5. Extradição deferida. (STF - Ext: 1287 DF, Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 25/06/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-165 DIVULG 22-08-2013 PUBLIC 23-08-2013)

Os casos de mulheres brasileiras traficadas são investigados pela polícia federal, onde no Brasil se busca o devido julgamento, tendo os indiciados, ao serem sentenciados, cumprirem sua pena em conformidade com o que preceitua o Código Penal brasileiro.A Organização da Nações Unidas – ONU no Protocolo de Palermo, no ano de 2003, enfatizou e promulgou medidas efetivas para que seja extinto este crime desumano, como aduz O Tráfico de Pessoas é definido pela ONU (ONU, 1945), presente no Protocolo de Palermo sendo: O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo-se à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.

Ou seja, é penalmente punível toda e qualquer uso do corpo de outrem, seja


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por meio de indução seja com consentimento, a escravidão é inadmissível, seja ela em qualquer de suas formas, como no caso em tela, quando se tratar de escravidão sexual. A Organização das Nações Unidas, bem como o ordenamento jurídico brasileiro não permitem em qualquer hipótese a escravidão, a prisão de uma mulher para ser obrigada a se prostituir fere grandemente os direitos humanos, direito à vida, o princípio da dignidade da pessoa humana, assim como, fere o direito à liberdade, o direito de autonomia de vontade, ninguém pode dispor do corpo de outra pessoa.As mulheres estão em situação indefensibilidade em sua permanência em determinados países. O ordenamento brasileiro garante a proteção das mesmas, contudo, não é todos os países que possuem lei que salvaguardem os direitos de gênero, de vida e segurança das mulheres, que uma mulher deve realizar, caso consiga sair da casa de prostituição é ir em busca da embaixada brasileira, caso haja risco em sua integridade física, deve procurar um local seguro e tentar contato com familiares, amigos e mesmo o poder judiciário no Brasil, para que as medidas judiciais cabíveis sejam tomada. 2.2 TRÁFICO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS PARA FINS SEXUAIS A prática delituosa de traficar crianças para fins sexuais fere uma série de garantias constitucionais, igualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990), que preconiza em seu artigo Art. 239: Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro: Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa. Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude: (Incluído pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003) Pena - reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Ocorrendo aqui o fenômeno da norma mais específica em detrimento da mais abrangente, para penalizar criminosos que realizam o tráfico de crianças para fins lucrativos, nesta categoria inclui-se o uso do tráfico infantil com finalidades sexuais, haja vista, ser um crime com finalidades monetárias, nas quais não há qualquer cumprimento das normas constitucionais e legais, os infratores só visam o lucro financeiro próprio, ao dispor de crianças. As crianças, que por sua condição biológica em si, já são vulneráveis em muitos aspectos, como a força física, o discernimento


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intelectual, imputabilidade legal, ou seja, são seres humanos em formação moral, ética, física e psíquica, não possuindo assim, qualquer discernimento para a relação delituosa do crime de tráfico nas quais estão sendo vítimas. Prerrogativas que dificultam mais ainda a busca por sua interrupção e sua investigação, pois crianças não tem como buscar ajudo ou auxílio por meio da polícia judiciária, dado seu pouco desenvolvimento e o estado de cárcere nas casas de prostituição. Relevante salientar, que no caso em questão, os clientes dos prostíbulos estão cometendo o crime de pedofilia, no Código Penal em seu artigo 217-A, “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos”. Bem como preleciona o ECA (BRASIL, 1990), no seu artigo Art. 241-E:

Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008).

O Código Penal (BRASIL, 1940) também prevê uma agravante em caso de ser menor de dezoito anos, em seu artigo 231, prevê crime para aquele que facilitar ou promover a entrada, no território nacional, de uma pessoa para fins de prostituição ou exploração sexual. A pena é agravada se a vítima for menor de 18(dezoito) anos e se tiver parentesco, emprego de violência e as vítimas não forem totalmente capazes de seus atos. A punibilidade formal do crime é expressamente prevista, no âmbito material ao passo que, é um crime internacional, a sua investigação, produção de provas e celeridade processual são morosas, pois a soberania de cada Estado deve ser respeitada. Em cada país há uma legislação sobre o assunto abordada de uma forma diferente, havendo assim, que ser respeitado e seguir as burocracias e ditames legais para deflagrar tal crime, como por exemplo, em casos de busca e apreensão ou colheita de prova, tanto no Brasil como em outros países deve-se prosseguir dentro das formalidades legais para validar os atos de coação e combate ao crime de tráfico de menores de idade para fins sexuais.Como aduz a 16º Câmara de direito Criminal no

processo

Apelação

11.2006.8.26.0638:

APL0001113-

11.2006.8.26.0638

SP

0001113-


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TRÁFICO INTERNO DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL. Pretendida absolvição. Admissibilidade. Conjunto probatório que não é apto a demonstrar, de forma clara e segura, o dolo da ré em promover ou facilitar o deslocamento da vítima para o exercício da prostituição. Indícios de que F.F.E. é adolescente já envolvida com a prostituição e que empreendia diversas viagens a fim de realizar programas sexuais. Negativa da acusada que se mostra verossímil. Declarações de F.F.E., em Juízo, que buscam inocentar a acusada. Necessidade de aplicação do princípio in dubio pro reu. Absolvição decretada. Recurso defensivo provido. (TJ-SP APL: 11131120068260638 SP 0001113-11.2006.8.26.0638, Relator: Otávio de Almeida Toledo, Data de Julgamento: 16/10/2012, 16ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 17/10/2012)

Conforme preconiza o Relatório Global do Tráfico de pessoas 2014, promovido pelo UNODC, realizado em 2011, o número de crianças vítimas do tráfico sexual corresponde a 33% em esfera mundial, sendo 21% meninas e 12% meninos, um aumento de 5% em comparação a pesquisa anterior, realizada entre 2007 e 2010. Ou seja, com o passar do tempo está aumentando o tráfico em vez de ser reduzido, algo preocupante, pois o acesso à informação é cada vez mais rápida e fácil, deveria colaborar para a redução, porém não é o que vem ocorrendo na realidade. Crianças precisam ter sua proteção contra este mal não só por parte do Estado, como da sociedade, seus pais e familiares, dado sua excepcional conjuntura.

2.3 MEDIDAS PALIATIVAS E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O COMBATE AO TRÁFICO HUMANO INTERNACIONAL COM O FIM SEXUAL

A raiz para o tráfico de pessoas é antiga, advém da escravidão, mesmo antes da prática escravocrata da comercialização dos negros, lugares como Roma e Mesopotâmia, após as guerras, faziam os sobreviventes da região dominada seus escravos, sendo os mesmo brancos ou negros, homens, mulheres ou crianças, foi alterada esta cultura escrava com o passar dos anos e com o avanço da sociedade, que estabeleceu normas éticas e legais, bem como, os direitos humanos para salvaguardar o direito à vida e igualde entre todos os seres humanos. No Brasil e nos órgãos internacionais existem medidas legais, como anteriormente foram citadas, para que


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evite a ocorrência dos casos evitando assim que a futura vítima venha a sofre a lesão, bem como a devida punição cabível a quem cometer o crime, desta forma, as medidas paliativas e políticas públicas vem para no arcabouço jurídico a sociedade em meio em as organizações filantrópicas, atuando principalmente em medida de prevenção para o acontecimento do ato criminoso. Alternativas válidas para que houvesse o acesso à informação do crime de tráfico internacional de pessoas para fins sexuais seriam campanhas informativas nas escolas, palestras, material explicativo, que tenham métodos didáticos para que tantos as crianças como as mães tenham acessos a este material, possibilitando a propagação do conhecimento da existência desta prática. Estas medidas educativas devem ter o enfoque maior em regiões com hipossuficiência econômica, pois os alvos principais dos aliciadores criminosos. Outro meio para a prevenção são as mídias digitais, postagens nas redes sociais com campanhas divulgadas pelos órgãos judiciários, em redes sociais como, por exemplo, facebook, instagram ou twitter, uma forma simples e gratuita para que haja conscientização em maior escala, dado que é benéfico instrumento de fácil uso e expansão, atingindo assim todos os estados do país, que por ter dimensões continentais possui uma maior dificuldade em difundir as informações desejadas, sendo a internet um meio prático e gratuito que executa com eficiência esta função. Como diz a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal no processo Ext 1290 DF: EMENTA EXTRADIÇÃO. CRIME DE TRÁFICO DE PESSOAS. CORRESPONDÊNCIA COM O CRIME DE TRÁFICO INTERNO DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL. DUPLA INCRIMINAÇÃO CONFIGURADA. PRESCRIÇÃO: NÃOOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICES LEGAIS À EXTRADIÇÃO. ENTREGA CONDICIONADA À ASSUNÇÃO DE COMPROMISSO QUANTO À DETRAÇÃO DA PENA. 1. Pedido de extradição formulado pela República da Colômbia que atende aos requisitos da Lei nº 6.815/1980 e do Tratado de Extradição específico. 2. Crime de tráfico de pessoas que corresponde ao crime de tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual, do art. 231-A do Código Penal. Dupla incriminação atendida. 3. Não-ocorrência de prescrição e inexistência de óbices legais. 4. O compromisso de detração da pena, considerando o período de prisão decorrente da extradição, deve ser assumido antes da entrega do preso, não obstando a concessão da extradição. O mesmo é válido para os demais compromissos previstos no art. 91 da Lei nº 6.815/1980. 5. Extradição deferida. (STF - Ext: 1290 DF, Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 25/06/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-158 DIVULG 13-08-2013 PUBLIC 14-08-2013).


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Formas simples com o acesso de dados pode de forma simplificada contribuir para evitar que a vítima desloque-se, como conferir se a empresa que os criminosos usam de fachada sem CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, se possui endereço e procurar funcionárias anteriores, pesquisas online, acesso a dados cadastrais em órgãos como a Receita Federal, Banco Centro, INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social, que dados públicos que pudessem realizar uma análise de informações, pesquisando assim, a veracidade das informações e conhecimentos sobre a oferta de emprego e chances de emprego no exterior. Contudo, a prevenção ao crime com o uso da propagação da informação e investigação dos dados e antecedentes funcionários da oferta oportuniza a averiguação das informações repassadas, evitando assim, estar numa situação de vulnerabilidade, permitindo assim, que evite o crime, mesmo que seja a suposta vítima a se precaver. O Estado e a sociedade com o auxílio das mídias sociais e recursos de divulgação com campanhas nas escolas e regiões de hipossuficiência social, econômica.

3 METODOLOGIA

A pesquisa é qualitativa, realizada para o presente trabalho, com base de pesquisa na metodologia referencial-bibliográfica, com uso de artigos, pesquisas por órgãos especializados, leis, doutrinas, tendo assim, uma pesquisa básica e pura, sendo a mesma, com intuito de estudar e analisar o tráfico de pessoas, com o enfoque em mulheres e crianças, com a sua finalidade de obtenção de lucros, com atividades sexuais em âmbito internacional.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência que é gerada com o tráfico internacional das pessoas para fins sexuais tem a cada dia mais sendo estudado e analisado perante as autoridades judiciais nacionais e internacionais. O trabalho analisado manteve seu foco nas mulheres e crianças, que estão na linha de maior risco de serem traficadas. Devido à vulnerabilidade social, econômica, racial ou mesmo linguística enfrentada quando


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estão fora do Brasil, consubstanciando na análise bibliográfica e referencial de estudos monográficos, declarações e tratados internacionais. No caso dos menores de idade, crianças e adolescente, que são considerados inimputáveis, perante a jurisdição brasileira, há uma agravante, tendo em vista que não cometem somente o crime de tráfico internacional de menores de dezoito anos, mas também tem a finalidade de obter proveito pecuniário os usando para realizar relações sexuais, tipificando assim, a conduta ilícita de pedofilia. Os direitos humanos têm como objetivo proteger garantias fundamentais inerentes a todos os seres humanos, como à dignidade da pessoa humana, à vida, à liberdade de ir vir, como aduz a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 1º, inciso II, Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: II - a cidadania; Por isso não se deve sobrepor outros direitos, como o da soberania dos Estados em detrimento dos direitos fundamentais pertencentes a todos as pessoas, seja a situação de risco que se encontrar. Todas as pessoas merecem ter seu direito à personalidade, a liberdade garantidos, o proveito econômico tirado das práticas ilegais do tráfico internacional de pessoas com a finalidade de relações sexuais ferem uma séria de prerrogativas que causam indignidade e aflições que causam traumas emocionais, físicos, que perduram por toda a vida, principalmente pela morosidade do poder público que faz perdurar o sofrimento por mais tempo, podendo permanecer estas pessoas por anos em cárcere sendo forçadas a praticar atos sexuais. Os direitos humanos vêm como preceito garantidor dos direitos, seja qual for a nacionalidade, a religião, em qual país estiver para que não deixe de proteger as pessoas de crimes internacionais, pois a humanidade é garantida a todos a partir dos tratados internacionais, por ser conquistado mediante a transição da sociedade. Sendo assim, em qualquer local em que se encontre, mesmo em situações como: estar em outros países sendo vítima de um crime tráfico.


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5 REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4504.htm>.Acesso em: 15 nov. 2018. . Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4504.htm>. Acesso em: 15 nov. 2018.

. Decreto nº 2.740 de 20 de agosto de 1998. Promulga a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores, assinada na Cidade do México em 18 de março de 1994. Brasília: D.O.U. de 21 ago.1998. . Decreto nº 5.015 de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Brasília: D.O.U. de 15 mar.2004.

. Decreto nº 5.017 de 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Brasília: D.O.U. de 15 mar.2004. NODC. Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas: consolidação dos dados de 2005 a 2011. Disponível em: <http://www.unodc.org/documents/lpobrazil/noticias/2013/04/2013- 04-08_Publicacao_diagnostico_ETP.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2018. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Atlas 2003. RUEDELL, Natalli Rathe. O tráfico internacional de mulheres para fins de exploração sexual: apontamentos e perspectivas. Disponível em: <https://monografias.brasilescola.uol.com.br/direito/o-trafico-internacionalmulheres-para- fins-exploracao-sexual-apontamentos-perpesctivas.htm>. Acesso em: 15 nov. 2018. VENSON, Anamaria Marcon, PEDRO, Joana Maria. Tráfico de pessoas: uma história do conceito. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbh/v33n65/03.pdf>. Acesso em 20 nov. 2018. VASCONCELOS, Karina Nogueira. Tráfico de Pessoas: pesquisa e diagnóstico do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e de trabalho no Estado de Pernambuco. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-


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pessoas/publicacoes/anexos/2008pesquisa_pernambuco.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2018. XEREZ, Lívia. Tráfico internacional de mulheres para fins de exploração sexual: Estratégia nacionais e locais de enfrentamento. Disponível em:<http://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-depessoas/premios-e-concursos/livia- xerez.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2018.


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Capítulo 15

AS MORTES VIOLENTAS CAUSADAS PELA HOMO/TRANSFÓBIA NO BRASIL EM 2017 SOB O PRISMA DOS DIREITOS HUMANOS

(Autor) Marcos Vicente Marçal

SUMÁRIO: Introdução. Desenvolvimeto. Proteger indivíduos de violência homofóbica e transfóbica. Prevenir tortura e tratamento cruel, desumano e degradante de pessoas lgbt. Descriminalizar a homossexualidade. Proibir discriminação baseada em orientação sexual e identidade de gênero. Respeitar as liberdades de expressão, de associação e de reunião pacífica. Metodologia. Considerações finais. Referências.


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RESUMO: A homofobia mata e o Estado fica em silêncio, ou melhor fala, mas não efetiva. Assim, ocorrem violações evidentes de Direitos Humanos. LGBT´s que são discriminadas no acesso ao direito de trabalhar, estudar e a saúde, dentre outros, sendo maltratadas e rejeitadas até mesmo por suas próprias famílias. O presente artigo propõese relacionar dados estatísticos e qualitativos das mortes violentas no Brasil de LGBT´s em 2017, fornecidos pelo Grupo Gay da Bahia, com as recomendações da Organização das Nações Unidas na proteção dos Direitos Humanos. Para tanto, utiliza-se do método dedutivo, com as técnicas de coleta de dados: pesquisa bibliográfica e documental, com uma abordagem mista. Entendendo-se que, a garantia dos Direitos Humanos em todos os âmbitos, torna todos iguais e livres de aflições, e a concretização de tais orientações jurídicas tornaria o mundo onde a paz não seria apena uma recomendação. Palavras-chave: Liberdade. Violações. Proteção.

1. INTRODUÇÃO:

Atitudes homofóbicas ligada a falta de proteção jurídica ou até mesmo com a criminalização (em alguns países no mundo) faz com que, muitas pessoas lesbicas, gays, bissexuais e transexuais, independentemente das idades e em todas as regiões do mundo, ocorram violações evidentes de seus Direitos Humanos. Estes indivíduos são discriminados no acesso ao direito de trabalhar, estudar e a saúde, dentre outros, sendo maltratadas e rejeitadas até mesmo por suas próprias famílias. Em lugares públicos, particulares (como dentro de suas próprias casas, por exemplo) são os “escolhidos” para agressões psicológicas e físicas, como espancamento, agressões sexuais, torturas e mortes. Em diversos países, ainda, possuem leis discriminatórias que criminalizam relações consensuais privadas entre pessoas do mesmo sexo, colocando indivíduos LGBT ao risco de serem detidos, acusados, presos ou mortas; sem falar nos países que se mantém neutros na proteção, deixando que crimes ocorram sem que os algozes sintam medo de serem repreendidos justamente pelo Estado, por causa do sentimento de impunidade, provocado pelas diversas ocorrências de casos bárbaros, sem a pena proporcional. A relevância social do presente estudo encontra-se em discuti a violência causada pela homo/transfobia1, em sua consequência mais grave, que no caso está sendo tratado como reflexo desses acontecimentos no Brasil no ano de 2017. Buscando-se discutir sob a ótica dos direitos humanos, posto que promove uma conscientização, com um espírito 1

A homofobia consiste na repulsa contra gays, lesbicas e bissexuais, que frequentemente ocasiona exclusão, rebaixamento, violências físicas e psicologias para os indivíduos que se encontram fora do padrão heteronormativo. A transfobia diferente daquelas violências ocasionadas por orientação sexual, está se origina por conta da identidade de gênero, entretanto tendo os mesmos efeitos e causado pelo mesmo sistema, e é por conta disse que para os efeitos deste estudo são usadas conjunto.


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científico. Desse modo, submergir tal assunto nos meandros lógico-teórico do direito, cumprindo uma das finalidades do próprio ensino superior, tendo vista o reforço dos Direitos Humanos quanto ao assunto tratado. A justificativa, para o artigo em tela, encontra-se na necessidade de analisar os dados estatísticos oferecidos pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) a partir da ótica social aplicada da ciência jurídica, mais especificamente dos Direitos Humanos. Assim, a realidade social em pauta será exposta e relacionada com os liames dos documentos internacionais dos quais o Brasil faz parte. Tendo em vista, ainda, a atualidade da discussão, posto que os dados estatísticos são de 2017. A problemática que gira em torne desse estudo consiste na discussão em relação a proteção de bens jurídicos de indivíduos LGBT, a saber: a vida, liberdade e não discriminação; por causa de um motivo específico, que é a homo/transfobia. Sendo desse modo, uma violação dos Direitos Humanos. Surgindo a questão da invisibilização dessa questão, posto que mesmo com as violações explícitas, o Estado, que tem o dever de proteger todos os seus cidadãos, se omite quanto a discussão dessa questão de forma efetiva. O presente artigo propõe-se relacionar dados estatísticos e qualitativos das mortes violentas no Brasil de indivíduos LGBT´s em 2017, apresentados pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), com as recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) na proteção dos Direitos Humanos. Mais especificamente no que se refere a proteger indivíduos contra violência homo/transfóbica, prevenir contra a tortura e tratamento cruel, desumano e degradante de Pessoas LGBT, descriminalizar a homossexualidade, bem como sobre coibir discriminação baseada em orientação sexual e identidade de gênero, e sobretudo no que se refere a respeitar as liberdades de expressão, de associação e de reunião pacífica. A ONU é uma organização internacional produzida por países que se reuniram voluntariamente para construir a paz e o desenvolvimento mundial. O GGB é a mais antiga associação de defesa dos direitos para homossexuais no Brasil. O presente trabalho estrutura-se a parti das cinco recomendações em relação a LGBT´s.

2. DESENVOLVIMENTO: 2.1 – Proteger indivíduos de violência Homofóbica e Transfóbica

Os crimes de ódio contra pessoas LGBT é comumente produzido por pessoas não ligadas ao Estado, que são agentes individuais, grupos organizados ou organizações extremistas. No entanto, é pela deficiência de autoridades do Estado em investigar e punir este tipo de violência, deixando ocorrer violações da obrigação estatal de proteger os direitos à vida, à liberdade e à segurança pessoal, como garante o artigo 3° da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) que diz “Todos têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” e os artigos 6° e 9° do Pacto Internacional sobre


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Direitos Civis e Políticos (1966) que diz “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida” e “Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoal”. No entanto, de acordo com dados do GGB (2017) foram 445 mortes violentas de LGBT, ademais alguns héteros que foram confundidos como intrigantes dessa comunidade. Ao falar sobre o estudo, Mott (2015) é contundente:

[...] 99% destes homicídios contra LGBT têm como agravante seja a homofobia individual, quando o assassino tem mal resolvida sua própria sexualidade e quer lavar com o sangue seu desejo reprimido; seja a homofobia cultural, que pratica bullying contra lésbicas e gays, expulsando as travestis para as margens da sociedade onde a violência é endêmica; seja a homofobia institucional, quando o Governo não garante a segurança dos espaços frequentados pela comunidade lgbt ou como fez a Presidente Dilma, ao vetar o kit anti-homofobia, que deveria ter capacitado mais de 6 milhões de jovens no respeito aos direitos humanos dos homossexuais e mais recentemente, ao ter pressionado os senadores para que não aprovassem o PLC 122 que equiparava a homofobia ao crime do racismo.

Em 15 de fevereiro de 2017, um dos casos bárbaro foi o da travesti Dandara, de 42 anos, que foi espancada, torturada, apedrejada e morta a tiros por cinco homens, no bairro Bom Jardim, em Fortaleza (CE). Ela trabalhava vendendo roupas usadas, e quem a conhecia relatava que distribuía sorrisos por onde passava, além de ajudar mãe nas atividades domesticas. Enquanto era torturada, enxugava o sangue de seu rosto com as mãos e chama pela mãe. Tal ato foi filmado pelos algozes, explicitando a barbárie e a desumanização produzida pelos agressores. A obrigação de resguarda a vida requer que o Estado efetive o devido interesse na prevenção, punição, e reparação quando ocorrer privação da vida por agentes privados, em especial nos casos em que a vítima foi alvo de agressão em razão de sua orientação sexual e identidade de gênero. Assim, os Estados têm obrigações frente ao direito internacional de evitar execuções e maus tratos, investigar tais assassinatos e levar os responsáveis à justiça penal.

2.2 – Prevenir Tortura e Tratamento Cruel, Desumano e Degradante de Pessoas LGBT:

Nesse ponto de vista, os Estados mantem deveres frente ao direito internacional de garantir aos indivíduos que não sejam torturas e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. Ademais, a falha em investigar e trazer à luz da justiça os algozes de tortura é, por si só, uma violação da lei internacional de direitos humanos. Ademais, a utilização de exame anal forçado viola, como ocorre em muitos países onde a


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homossexualidade é crime. Esses direitos são garantidos pelo artigo 5° da DUDH, artigo 7° do PIDCP e artigo 2° da Convenção contra a Tortura, que dizem:

Art. 5°: Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante (DUDH, 1948). Art. 7°: Ninguém poderá ser submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas (PIDCP, 1966). Art. 1, 1: Para fins da presente Convenção, o termo “tortura” designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, sejam físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenham cometido ou sejam suspeitas de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram. Art. 2, 1: Cada Estado tomará medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição (CCT, 1984).

O Comitê contra a Tortura, no relatório especial sobre tortura e outros mecanismos e pelos organismos de direitos humanos, foram documentadas evidências importantes de abuso e maus tratos de indivíduos LGBT por policiais, guardas prisionais e outros funcionários responsáveis pela aplicação da lei, em diversas partes do mundo. Com efeito, o Comitê contra a Tortura da ONU pronunciou que “homens e mulheres, meninos e meninas podem estar sujeitos a violações da Convenção por conta de seu real ou percebida não conformidade com os papeis de gênero determinados socialmente”. De acordo com o GGB (2017) a causa mortis dos assassinatos de LGBT+, registrados em 2017, no Brasil, predomina a utilização de armas de fogo (30,8%), seguida por armas brancas perfuro-cortantes 25,2% e 37% das mortes ocorreram dentro da própria residência, 56% em vias públicas e 6% em estabelecimentos privados. Via de regra, travestis que se prostituem são executadas no local onde trabalham com tiros de revólver, pistola e escopeta, mas também vítimas de espancamento, pauladas e pedradas. No entanto, todos os seres humanos são protegidos contra tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, e perante o direito internacional, o Estado tem a obrigação de proibir e punir tais atos. Portanto, o Estado deve definir tortura e tratamento cruel como ofensas perante o direito penal nacional, para garantir que todos os atos de barbárie realizados por funcionários responsáveis pela aplicação da lei e


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outros agentes do Estado ou não sejam investigados, de forma célere e que os responsáveis sejam levados à justiça. Assim, os Estados que fazem parte desses acordos têm o dever de prover um sistema através do qual as vítimas de tais atos possam procurar formas de resolução, incluindo compensação.

2.3 – Descriminalizar a homossexualidade

Uma série de leis independentes criam violações que são relacionadas. Essas leis violam o direito individual de ser livre de discriminação, estabelecido no art. 2° da DUDH e em tratados internacionais de direitos humanos, bem como o direito de ser protegido contra interferência em vida privada e detenção arbitrária, protegidos pelos art. 12° e 9° da DUDH e art. 17° e 9° do PIDCP. Ademais, leis que penalizam com a pena de morte para a conduta sexual, violam o direito à vida, garantido pelo art. 3° da DUDH e art. 6° do PIDCP:

Art. 2: Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Art. 7: Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção desta. Todos e todas têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Art. 9: Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado. Art. 12: Ninguém será sujeito a interferências em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataques a sua honra e reputação. Art. 6, 2: Nos países em que a pena de morte não foi abolida, uma sentença de morte só pode ser pronunciada para os crimes mais graves em conformidade com a legislação em vigor no momento em que o crime foi cometido e não deve estar em contradição com as disposições do presente Pacto nem com a Convenção para Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. Esta pena não pode ser aplicada senão em virtude de um julgamento proferido por um tribunal competente. Art. 9: Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoal. Ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos. Art. 17: Ninguém poderá ser objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais a sua honra e reputação. Artigo 26: Todas as pessoas são iguais perante a lei e tem direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da lei. A este respeito, a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião,


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opinião política ou de outra natureza, de origem nacional ou social, de propriedade, de nascimento ou de qualquer outra situação.

No Brasil, segundo dados do Grupo Gay da Bahia (2017), a cada 19 horas um LGBT é covardemente assassinado ou se suicida vítima da homo/transfobia, o que faz do Brasil o campeão mundial de crimes contra esta comunidade. Ademais, de acordo com agências internacionais de direitos humanos, matam-se mais homossexuais no Brasil do que nos 13 países do Oriente e África onde há pena de morte contra os LGBT. E ainda, tais mortes crescem assustadoramente: de 130 homicídios em 2000, para 260 em 2010 e 445 mortes em 2017.

2.4 – Proibir Discriminação Baseada em Orientação Sexual e Identidade de Gênero

Indivíduos que fazem parte da comunidade LGBT sofrem discriminações especificas em diferentes aspectos da vida cotidiana. Sofrem tanto com a discriminação oficial, na forma de leis e políticas que criminalizam a homossexualidade em diversas partes do mundo, como com a discriminação não oficial, na forma de estigma social encontrado em praticamente todas as sociedades contemporâneas, exclusão e preconceito inclusive no trabalho, em casa, na escola e em instituições de saúde. Contudo, esses indivíduos são protegidos pelo art. 2° da DUDH, bem como no art. 26°, da DUDH, estabelecendo que todos são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei. Bem como, ainda, no art. 2° do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e art. 2° da Convenção sobre os Direitos da Criança:

Art. 2°: Os Estados Membros do presente Pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados se exercerão sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra condição. Art 2°: Os Estados membros comprometem-se a respeitar e garantir os direitos previstos na presente Convenção a todas as crianças sujeitas à sua jurisdição, sem discriminação, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, em relação à criança, aos seus pais ou representantes legais, ou da sua origem nacional, étnica ou social, situação econômica, incapacidade, nascimento ou de qualquer outra condição.

Nesse sentido, cabe o reconhecimento de relacionamentos, direito de não discriminação em ambientes de acesso à educação, saúde, emprego, entre outros. Assim, esta é uma obrigação imediata e transversal perante o regime internacional de direitos humanos. Com isso, os Estados devem adotar legislação abrangente que proíba a


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discriminação em razão da orientação sexual e identidade de gênero tanto na esfera pública como na privada. Entretanto, o GGB (2017, p. 4) informa: A travesti Stefany, de Boa Vista (RO) 27 anos, foi morta com 23 facadas; a lésbica Nilda Pereira, 35 anos, residente em Coruripe, (AL), foi encontrada nua no quintal de sua casa, „com o corpo completamente perfurado‟; o padre Pedro Gomes Bezerra, 49 anos, de Borborema (PB) foi massacrado com 29 facadas dentro da casa paroquial. Lucas Carvalho, 17 anos, de Aracagy, região metropolitana de São Luís, “executado com requintes de crueldade, foi estuprado por um grupo de agressores, o corpo mostrando sinais de perfurações, espancamento e a cabeça degolada.” A travesti Marcossone, 27 anos, de Curitiba (PR), foi abordada por dois homens que lhe desferiram 25 tiros de pistola 9mm e 380, na região da cabeça e do tronco. Tais crimes são assustadores, não só pelo fato de serem cometidos motivados pelo ser ou agir de alguém, o que por si só é injustificável, mas também pela crueldade de como tais atos ocorreram. 23 facadas ou 25 tiros não chegam a ser necessários para matar um animal grande e forte, mas quando se observa que tais técnicas foram empregues conta um ser humanos explicita-se o ódio com que foram produzidos. Portanto, é uma discriminação que chega a níveis alarmantes, e mesmo assim as políticas públicas para a diminuição da desigualdade baseado na orientação sexual ou identidade de gênero exigidas pelos órgãos internacionais não se efetivam ou não chagam a serem criados por força da morosidade e conservadorismo do legislativo.

2.5 – Respeitar as liberdades de expressão, de associação e de reunião pacífica

Limitações nos direitos à liberdade de expressão, de associação e de reunião pacífica baseadas na orientação sexual ou identidade de gênero de um indivíduo violam os direitos garantidos pelos art. 19° e 20° da DUDH e art. 19°, 21° e 22° do PIDCP:

Art. 19: Todo ser humano tem direito às liberdades de opinião e de expressão; este direito inclui as liberdades de, sem interferências, ter opiniões e procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. Art. 20, 1: Todo ser humano tem direito às liberdades de reunião e de associação pacífica. Art. 19, 2: Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; este direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de fronteiras, sob forma oral ou por escrito, impressa ou artística, ou por qualquer outro meio à sua escolha. Art. 21: O direito à reunião pacífica será reconhecido. O exercício deste direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança


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nacional, da segurança ou ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas. Art. 22, 1: Toda pessoa terá o direito de associar-se livremente a outras, inclusive o direito de constituir sindicatos e de a eles filiar-se, para proteção de seus interesses.

Os Estados invocam a “moralidade pública” como resposta as limitações em relação a tais direitos. No próprio PIDCP estes direitos podem ser restringidos quando as restrições: estão previstas na lei, são necessárias em uma sociedade democrática e são para um propósito legítimo. Assim, os propósitos legítimos listados nos art. 19°, 21° e 22° são semelhantes, e incluem proteção pública da saúde e da moral. Contudo, leis que tipificam os exercícios desses direitos civis “devem ser compatíveis com as disposições, metas e objetivos do Pacto” e não devem “violar as disposições sobre não discriminação presentes no Pacto”. Contudo, em cartilha, o GGB (2017, p. 5) expressa: Diversas vezes o/s assassino/s executaram no mesmo ato um casal de gays ou de lésbicas: no caso das homossexuais femininas, tais crimes foram perpetrados muitas vezes por ex-companheiros ou familiares inconformados com a união homoafetiva, como aconteceu em Linhares (ES), com Emily Martins Pereira, 21 anos e sua parceira Meryhellen Bandeira, 28 anos, mortas a tiros desferidos em suas costas: segundo o Juiz da 1a Vara Criminal “trata- se de um crime gravíssimo cuja motivação foi o preconceito em virtude do relacionamento homoafetivo entre as vítimas.” Exsurge, que a liberdade de união não é plena. Crimes de ódio conta excompanheiros explicita a inconformidade não com o termino, mas pelo fato de ter sido por motivos de orientação sexual. Portanto, tais crimes tornam claro a deficiência no respeito as liberdades de expressão e associação, a partir do momento em que um indivíduo mata duas mulheres por declararem publicamente seu amor.

3. METODOLOGIA:

A método científico utilizado baseia-se no caminho proposto pelo método dedutivo, posto que parte de premissas, de cunho estatístico e qualitativas. Para que, por conseguinte, dentro da digressão tornasse possível discutir o problema das mortes violentas causas pela homo/transfobia na ótica dos direitos humanos de forma abrangente, trazendo e relacionando especificamente com aqueles dados ocorridos em um determinado território e espaço de tempo, a saber: o Brasil, no ano de 2017. Assim, o presente estudo é dotado de especificidades coerentes com os seus objetivos, geral e específicos, tendo em vista que cada ponto discutido contribuiu para a análise de forma a torna uma universalidade, explanando sistematicamente as violências e as subsunções nos documentos de direitos humanos destes, formando assim um estudo criminológico, que segundo Crespo (2009, p.4):


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[...] tratando-se de uma análise sobre um evento humano, a criminologia concederá ao crime o maior grau possível de problematização, a fim de que sejam descortinados os seus elementos, vislumbrando, por conseguinte, um estudo detalhado mais próximo da realidade, sem, contudo, pretender explicá- lo, mas tão somente interpretá-lo, pois cada crime comporta inúmeras vertentes psicossociais, o que afasta a possibilidade de se buscar um resultado padrão de comportamento.

Logo, ao explanar as violências sob a ótica da violação dos direitos humanos, tal estudo proporcionou uma análise jurídica de crimes com características comuns e específicas, que são aclaradas e discutidas durante todo o desenvolvimento. O método de coleta de dados foi a pesquisa bibliográfica e documental, tendo em vista que o objeto de estudo consiste em documentos e estudos que tem relação com a problemática. A partir de fontes primárias e secundárias, que são os dados oferecidos pelo GGB e os documentos internacionais, como DUDH, pactos e convenções, e os documentos editados pelas Organização das Nações Unidas, por autores e especialistas. Com efeito, os dados coletados foram analisados a partir de fundamentos qualitativos e quantitativos, posto que foram explanados dados estatísticos e notícias, bem como os documentos internacionais correlatos. Assim, com a dupla abordagem feita, fez com que tal artigo se caracterize como tendo uma abordagem mista. Ademais, ao racionalizar os objetivos específicos, este artigo se perfez como sendo do tipo exploratória, que segundo Gerhardt e Silveira (2009, p. 34):

Este tipo de pesquisa tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. A grande maioria dessas pesquisas envolve: (a) levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de exemplos que estimulem a compreensão.

Sendo, utilizado nesta pesquisa as hipóteses elencadas na letra (a) e (c), como já visto nos métodos de coleta de dados e abordagens descritas anteriormente.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

As garantias dos direitos humanos em todos os âmbitos, tornando todos iguais e livres de aflições, a concretização de tais orientações jurídicas tornaria o mundo onde os direitos humanos não seriam apenas recomendações. As declarações, tratados, pactos e convenções parecem estar somente no plano do dever-ser para muitas situações


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ocorridas no Brasil desde sempre. As pesquisas realizadas pelo GGB em 2017 são apenas um reflexo quantitativo, sem uma análise sociologia, no enteando dizem muito, e mostram a brutalidade com que individuas LGBT morem no Brasil. Tais mortes que crescem a cada ano segundo a própria pesquisa, mas não sensibiliza o Estado brasileiro que esquece que é democrático de Direito. A responsabilidade perante o direito internacional não ocorrer. São feitos planos, metas, mas nada disso foi efetivado, não existem permissões legais para a homofobia ou coação explicita por parte do Estado brasileiro, mas isso é o mínimo. Os agentes que produzem atos de homofobias devem ser proporcionalmente julgados, e se isso não ocorrer, a impunidade e a falta de medo pela pratica de tal conduta continuará. Em 2017, foi ano que mais ocorreu violações dos direitos humanos contra indivíduos LGBT´s e nada mudou, decorrentes de mortes violentas. O ódio é cada vez mais encoberto com a desculpa de liberdade de expressão, mas lembremos que a violência não é algo meramente físico, como já é espantosamente divulgado, os crimes simbólicos que levam indivíduos LGBT´s a desistirem de ir para a escola, que expulsa de casa, que apanha na rua ou em casa, os empecilhos criados ao irem em busca de emprego, a forma barbara como os crimes ocorrem, dentre outros, são simplesmente ignorados seu teor. Mas isso pode ocorrer, os tratados, as declarações, os pactos não foram cridos para serem apenas folhas de papeis que individuas usam para se promoverem em relação aos direitos humanos, os agentes devem ser levados à justiça e os Estados devem criar formas de reparar os danos, se não as recomendações da Organização das Nações Unidas não terão utlidade.

5. REFERÊNCIAS:

COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS. Comentário Geral nº 34. Disponível em: http://acnudh.org/wp-content/uploads/2011/06/Compilation-of-HR-instruments-andgeneral-comments-2009-PDHJTimor-Leste-portugues.pdf acesso: 26/06/18 às 16:21 CONVENÇÃO CONTRA A TORTURA E OUTRO TRATAMENTOS OU PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES. Assembleia Geral das Nações Unidas, em sua XL Sessão, realizada em Nova York. 10 dez. 1984. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-deapoio/legislacao/tortura/convencao_onu.pdf> acesso: 24/06/2018 as 12:57 CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA. Assembleia Geral das Nações Unidas. 20 nov. 1989. Disponível em: < https://www.unric.org/html/portuguese/humanrights/Crianca.pdf> acesso: 24/06/2018 as 14:45 CRESPO, Aderlan. Curso de Criminologia: As relações políticas e jurídicas sobre o crime. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.


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DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris. 10 dez. 1948. Disponível em: <http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf> acesso: 24/06/2018 as 12:34 GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo. Métodos de pesquisa. Coordenado pela Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFRGS e pelo Curso de Graduação Tecnológica – Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural da SEAD/UFRGS. – Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. GRUPO GAY DA BAHIA. Pessoas LGBT Mortas no Brasil: relatório 2017. Disponível em: <https://homofobiamata.files.wordpress.com/2017/12/relatorio2081.pdf> Acesso: 24/06/2018 às 11:34. MOTTA, Luiz. Grupo vê mais mortes por homofobia em 2014. Disponivel em: < http://spbancarios.com.br/01/2015/grupo-ve-mais-mortes-por-homofobia-em-2014 > acesso: 23/10/2018 às 12:43 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Nascidos Livres e Iguais: orientação sexual e identidade de gênero no regime internacional de direitos humanos. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Publications/BornFreeAndEqualLowRes_Portugues e.pdf Acesso: 24/06/2018 às 11:56. PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS. Adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas. 16 dez. 1966. Disponível em: <https://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20Direitos% 20Civis%20e%20Pol%C3%ADticos.pdf> acesso: 24/06/2018 as 12:56


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Capítulo 16

O DIREITO PENAL SIMBÓLICO E A CRIMINALIZAÇÃO DA HOMO/TRANSFÓBIA: O ESTADO FRENTE A ANTIGOS ANSEIOS

(Autor) Marcos Vicente Marçal

SUMÁRIO: Introdução. Desenvolvimeto. O direito penal simbólico na contemporaneidade. Contrastes da criminalização da homo/transfóbia. Progresso e violência: manifestações no brasil contra a homo/transfóbia. Metodologia. Considerações finais. Referências.

RESUMO: O principal objetivo da presente digressão consiste em pensar o impacto da criminalização da homo/transfóbia sob a ótica do direito penal simbólico. Mais


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especificamente, explanar a referida teoria que abre a tese do Direito Penal Simbólico na contemporaneidade, para que, logo depois, se observe a divergência no que se refere a problemática de criminalizar ou não, para que, por fim, desenvolver a problemática em debate no Brasil e as concernentes manifestações. O método utilizado para a discursão deste artigo foi o caminho proposto pelo método dedutivo, com uma abordagem qualitativa, formando assim, uma pesquisa aplicada exploratória, e o método de coletada de dados utilizado foi pesquisa bibliográfica. Entendendo- se que, mesmo que a solicitação por intervenção penal aparentemente possa ser acertada, até mesmo fundamental, é soberbo destacar que a dita interferência, embora apropriada, é bem provável que não seria competente de surtir uma implicação instantâneo ou mesmo a longo prazo na nação brasileira. Palavras-chave: Divergência. Progresso. Calamidade.

1. INTRODUÇÃO

A relevância social do presente estudo consiste em revisitar os rumos do direito penal no plano contemporâneo. Desse modo, abrindo uma discussão no que se refere a violência contra indivíduos LBGT, que mesmo sendo espantoso os índices, pouco se fala em uma discussão neste sentido no âmbito acadêmico jurídico. Com efeito, busca-se encontrar as divergências acerca do assunto, bem como explicitar a problemática, e sobretudo, refletir sobre um espírito acadêmico no que tange a trazer para o campo lógico teórico das discussões criminológicas. A problemática encontra-se na discussão acerca da criminalização ou não da homo/transfobia1, que no Brasil existe uma situação calamitosa nesse sentido, tendo em vista o grande número de vítimas de mortes violentas causado por tal motivo. Entretanto, por um lado, se encontra argumentos direcionados à necessidade de suprir os anseios da população, quanto a criminalização de forma mais específica e de outro lado, a demanda por uma discussão mais aprofundada. A presente pesquisa justifica-se pelo fato da necessidade de se ter uma visão mais aprofundada sobre o papel do Estado na repreensão contra o preconceito e a discriminação contra a homo/transfobia, que não somente uma resposta coercitiva 1

A homofobia consiste na repulsa contra gays, lesbicas e bissexuais, que frequentemente ocasiona exclusão, rebaixamento, violências físicas e psicologias para os indivíduos que se encontram fora do padrão heteronormativo. A transfobia diferente daquelas violências ocasionadas por orientação sexual, está se origina por conta da identidade de gênero, entretanto tendo os mesmos efeitos e causado pelo mesmo sistema, e é por conta disse que para os efeitos deste estudo são usadas conjunto.


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encontrada no anseio popular, onde se indignam diante de casos consecutivos de violência, caindo desse modo no campo do imediatismo, deixando-se de considerar aspectos relevantes para tal discussão, que neste artigo serão tratados. O objetivo geral do artigo em tela consiste em pensar o impacto da criminalização da homo/transfóbia sob a ótica do direito penal simbólico. Mais especificamente, explanar a referida teoria que abre a tese do Direito Penal Simbólico na contemporaneidade, para que, logo depois, se observe a divergência no que se refere a problemática de criminalizar ou não, para que, por fim, desenvolver a problemática em debate no Brasil e as concernentes manifestações.

2. DESENVOLVIMENTO: 2.1 – O direito penal simbólico na contemporaneidade:

Tomando por base que o escopo do Direito Penal é proporcionar defesa aos bens qualificados vitais pelo ordenamento jurídico e castigar todos aqueles que ameaçarem a sua integridade, esclarece-se que é imprescindível para o Sistema Jurídico a devotada apreciação de suas normas basilares e a modernização de seus vocábulos quando necessário, de maneira a poder seguir a sociedade que objetiva resguardar, esta continuamente versátil e em constante avanço. Com efeito, a eficácia do Direito é consecutivamente posta em suspeita, sendo observada desse modo por Busato e Huapaya (2007, p. 35), que afirmam: O Direito Penal tenta responder às mudanças sociais. Exemplos como os da escolha de novos bens jurídicos que se deve proteger, a mudança dos fins declarados da pena desde uma fundamentação absoluta até outra preventiva; os processos reformados surgidos nos diversos Estados da Europa são sintomas da evolução do Direito Penal. Entramos em um sistema ainda não muito claro onde todos os conceitos básicos dogmáticos passam a ser debatidos, como a função do bem jurídico, a missão da pena, etc.

De modo recente, as doutrinas acadêmicas em relação a justiça penalista, segurança pública e criminalização vêm trocado a velha política criminal amparadas nos ideais humanitários liberais e nos princípios ressocializadores do ambiente criminal por “uma política penal mais dura, abrangente e agora mais voltada para a


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defesa social” no combate do crime (CAMPOS, 2010, p. 06). Com efeito, avaliando-se a sociedade brasileira contemporânea, é manifesto o nascimento de uma esperança através do público em geral por máxima – possível – gestão por parte do estado das precipitações da criminalidade, e também por maior controle e precaução do componente delinquente que intimida a garantida paz. Assim, o Estado tem se comprometido para satisfazer com a espera popular, mesmo sendo uma empreitada complexa. Tendo em vista as novas ameaças, “a sociedade apresenta uma forte demanda de segurança por parte do Estado e este tem respondido com o recurso penal de criminalização de comportamentos que se desenvolvem nessas novas esferas de risco” (ALVES, 2013, p. 07). Este anseio genérico de incerteza que ataca a população brasileira depara a sua hipotética saída adentro do Direito Penal Simbólico, cujo utilitário geral é remediar esta necessidade

trivial

por

iniciativa

governamental,

atravessadamente

do

estabelecimento de novos tipos penais e medida repressiva mais rigorosas para os crimes, suplantando assim as demarcações constituídos pelo Direito Penal Clássico e os seus resguardos de bens e valores. Segundo Guimarães (2012, p. 32), elaborador desta tese, o novo encargo do Direito Penal nessa concepção teórica é “a tutela da integridade do ordenamento jurídico e da própria aplicação de normas”. Deste modo, tendo o Estado sido acometido por esta transformação, o próprio não mais se compõe exclusivamente como um braço cujas posições repressivas se dirigem no afugentamento absentista, tendo evolucionado para uma administração de aparência intervencionista cuja obediência caça abarcar os direitos individuais e os direitos coletivos lado a lado de um revigorado foco no feitio coercitivo das sanções penais. Como tratado com antecipação, o Direito Penal de contínuo teve em seu imo a investigação pela teoria penal que com maior capacidade efetiva, caso não constituísse ser apto de impedir inteiramente a delegação da conduta criminosa, restringiria a seu perpetramento a alcances aturáveis. Significando a sanção a cardeal forma descoberta dentro de um determinado espaço de tempo para reagir assim que perpetrado uma infração, procura-se oscilar o quão intensamente dela deve quadrar como pagamento pelo mal infiltrado e a que quantidade ela deve constranger o infrator condenado e a população genérica a não refletir tal conduta.


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Ambas as indigências fluíram a ser harmonizadas na primeira metade do século XX, transversalmente das “teorias da união”, que solicitam que “a pena deve servir para retribuir à culpabilidade, sem deixar por isso de ter, por outro lado, um saudável efeito preventivo [...]”, como Conde e Hassemer (2008, p. 171-172): Assim, por exemplo, no âmbito da cominação penal, significa que, quando o legislador tipifica nas leis penais um fato como delito e ameaça sua realização com um determinado tipo de pena, pode-se pretender desencadear, antes de tudo, o efeito preventivo geral, esperando com ele que, à vista da ameaça penal, os cidadãos destinatários dessa cominação se abstenham de realizar a conduta proibida. E o mesmo efeito cabe esperar quando, na fase sumarial de investigação e instrução do processo penal, inicia-se a investigação de um delito e dirige-se a acusação contra uma determinada pessoa, adotam-se medidas cautelares, como a prisão preventiva, e se põe em marcha um mecanismo que não só incide na pessoa ou pessoas diretamente implicadas, inculpadas ou acusadas da comissão do delito, senão na generalidade dos cidadãos que veem como se põe em movimento a pesada e, às vezes terrível, máquina da Justiça. Em troca, quando, uma vez terminado o juízo oral, o acusado é considerado culpável e a ele é imposta pena, a magnitude desta deve ser, antes de tudo, a retribuição da culpabilidade e da gravidade do delito que restaram provados durante o processo.

Ao aguçar a posição simbólico da legislação, o Estado ambiciona conseguir uma modificação instantânea da opinião pública a em relação a sua julgada ineficiência, robustecendo-se para provocar a imagem de um Poder Legislativo que ordena saídas penais virtuosas as mazelas que acendem a excitação popular. Exemplo primoroso deste raciocino, foi o debate alusivo a possível diminuição da maioridade penal. Posto que o grande número de notícias midiáticas com relação a uma aparente elevação de caso de crimes perpetrados por menores de idade, chegou tal proposta a ser confirmada em primeiro turno dentro da Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda Constitucional da redução da maioridade penal (PEC 171/93) para 16 anos nas hipóteses de crimes incumbidos por meio de violência ou grave ameaça, crimes hediondos, homicídio doloso, lesão corporal grave ou lesão corporal seguida de morte, tráfico de drogas e roubo qualificado2. Esta exibição da performance interior do Direito as obstinações do alvoroço popular é a cacimba capital das críticas das ciências criminais ao Direito Penal Simbólico, tendo em vista que este com facilidade se vale com o apaziguamento dos

2

Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/07/apos-bate-boca-camara-retomaanalise-de- pecque-reduz-maioridade.html>


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entusiasmos do povo, por meio da concepção de meios-termos, que são destituídas de válida efetividade, impedindo desse modo afrontar o fato de que transformações sociais palpáveis não são tão fluentemente adquiridas e abafam uma autêntica mobilização humana, que de acordo com Barrata (1994, p. 23): [...] não é tanto a função instrumental da pena que serve para resolver determinados problemas e conflitos, são determinados problemas e conflitos que ao atingirem certo grau de interesse e alarde social no público se convertem num pretexto para uma ação política destinada a obter não tanto funções instrumentais específicas, mas sim uma função de caráter geral: a obtenção do consenso buscado pelos políticos na chamada “opinião pública”.

O conveniente conceito de controle social por meio da prática de novidades nas normas penais nos códigos e estatutos legislativos possibilitam vir a ser estimado como utopia, cátedra que a eficiência da administração pública na repressão de delitos e irregularidades não é capazes de ser tão abarcante a tese de eficazmente disciplinar todos as condutas reprováveis pela sociedade, possuindo dessa maneira, uma “inevitável diferença entre a seleção das condutas criminalizadas pelo Poder Legislativo [...] e a efetiva atuação dos aparelhos repressivos na dissuasão de delitos praticados pelas pessoas vulneráveis à incidência do mecanismo penal”. (CARVALHO, 2011, p. 89). Esta circunstância prevalece pelo acontecimento de numerosos fatores, tendo com relevância a inabilidade do aparelhamento repressor estatal de afiançar arrimo e desempenhar punição sobre todas as infrações perpetradas dentro do país, tanto pela falta de dados, com o desprendimento da população em noticia-los ou o adequado crivo realizado pelos postos policiais. Abraçando este entendimento, torna-se ilusória a perspectiva de que esta ostentação seja apropriada de verdadeiramente cumprir sua força para punir todos os crimes e contravenções, jazendo eles já tipificados. Por efeito disso, a credibilidade de que outras tipificações, de qualquer outro comportamento significaria eficaz em conter psicologicamente o seu exercício desanda-se fantasiosa. Sendo de fato, corroborado pelo mestre das matérias criminológicas, Zaffaroni (1991, p. 26), que: [...] a disparidade entre o exercício de poder programado e a capacidade operativa dos órgãos é abissal, mas se por uma circunstância inconcebível este poder fosse incrementado a ponto de chegar a corresponder a todo o


C a p í t u l o X V I | 243 exercício programado legislativamente, produzir-se-ia o indesejável efeito de se criminalizar várias vezes toda a população.

Por imediato, sendo o escopo abrolhar uma concreta mudança nacional, Carvalho (2012) aconselha um afastamento do desejo de implantar novas regras jurídicas esperando que exclusivamente estas acarretarão soluções próximas, porque sem a carecida exame do transgressor e o ensejo de sua conduta criminosa, tais obras se revolverão frívolas. Ao oposto de acrescer maiores corretivos como decorrência do algarismo elevado de atuações delinquentes de um tipo peculiar, é conciso avaliar os fatores sociais que desvirtuaram a ascendência do mesmo, porque apenas dessa forma, apreendendo estes, as porvindouras ocorrências possibilitarão ser evitadas.

2.2 – Contrastes da criminalização da homo/transfobia:

Considerando-se a heterogeneidade de doutrinadores que chegaram a versar sobre a temática em discussão, numerosos disposições já foram vestidas em relação à indigência de uma criminalização da homofobia no Brasil. Os autores Freire e Cardinali (2012, p. 51-54) são determinados quando afiançam que uma gestão dura por parte da direção estatal na questão representaria uma significativa obrigação por parte dos chefes das funções do estado na discussão contra a referida brutalidade. Porém, os mesmos colocam alguns contornos à efetividade de tal exercício: Invocar a tutela penal parece adequado. Contudo, é importante destacar que a mesma não promoverá a conscientização social ou o valor da tolerância, uma vez que não lhe é própria uma função pedagógica, mas apenas a de impedir a perpetração de condutas discriminatórias. Cabe aqui resgatar a distinção entre preconceito e discriminação para esclarecer que não pretende a lei penal, por não lhe ser objeto, a correção ou anulação do preconceito. Ela se presta somente, conforme já dito, à tutela da discriminação.

No entanto, no fluxo antagônico de ideias, Oliveira (2011, p. 224-225) certifica que nenhumas experiências que tendam a criminalização de condutas homofóbicas jazeriam indo de incidência com os princípios básicos blindados pelos Direitos Humanos, tendo em vista que, nesta posição não se pode acastelar uma circunstância de opressão cunhando uma nova opressão:


C a p í t u l o X V I | 244 Tem algo, particularmente, que eu queria propor com o debate, talvez causando alguma uma ordem de polêmica – mas, se não foi para isso que nós viemos falar, não sei para que serve uma conversa com um coletivo tão qualificado como vocês –, que diz respeito à criminalização da homofobia, numa aposta na punição e na apenação pela via privação de liberdade. Quero afirmar que esse é um equívoco e que essa é uma linha muito problemática para a perspectiva dos direitos humanos e das transformações culturais em direção a uma sociedade justa.

Considerando-se também evidente a seriedade da advertência dos Princípios Gerais do Direito Penal não só dentro de um determinado espaço de tempo o arranjo de nova legislação, bem como na prática do poder estatal, a importância da criação de um novo tipo penal não pode ser perdida inteiramente, pois estes sempre desempenharam uma autoridade expressiva na cabal efetivação do Direito penal. Em meio as lutas predecessoras à dos Direitos LGBT, a relevância do imperativo de maior cobertura a outras comunidades que são ao mesmo tempo limitadas e hostilizadas por causa de preconceitos apareceu-se elementar ao passo que na absorção de várias outras garantias equitativamente primordiais. Com efeito, a aquisição de uma igualdade formal induziu, em seguida, o robustecimento de uma igualdade material (CARVALHO, 2012). Ainda assim o conceito proporcionado por estudiosos como Carrara (2010) que, fundamentada na evidente rejeição de ampla parte da população por sujeitos homoafetivos, crê poder vir a ser negativo para a peleja LGBT criminalizar a comportamento homofóbico, porque a posição de um hipotético réu incriminado desta infração não seria sopesada reprovável por essa parcela. Entretanto, sendo respeitável voltar a advertir a essencialidade do arrimo dos valores de igualdade e dignidade humana, os dois garantidos constitucionalmente a todos os cidadãos brasileiros e ainda invariavelmente postos como um dos alicerces da nossa nação, independentemente de qualquer opinião particular. Portanto, mesmo que tais alterações possibilitem findar aborrecendo a generalidade opressora, as exposições desta com referência a matéria são desimportantes. Como sobressai Cademartori (1999, p. 105) ao dizer que: “O Estado de direito não pode ficar à mercê de eventuais consensos produzidos por eventuais maiorias”. Em realidade, ao situar visivelmente incluso na lei maior federal um incondicional repúdio a todo tipo de postura opressiva e discriminatória, elencando


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efeitos claros e austeros com os quais o Direito penal possibilitara punir condutas preconceituosos, o Estado pode vir a ser incapaz de trazer uma transformação prontamente concreta, tendo em vista que a mentalidade homofóbica localiza-se, na conjuntura, descomedidamente enraizada no imo da sociedade brasileira. Ademais, o próprio efetivamente será a tomada de posição, ao menos de acordo com as ideias focalizadas, a favor da defesa de os seus cidadãos, avulsa de quem estes venham a ser. Por mais delineada que venha a ser a sensação primaria de uma casual criminalização, é fundamental ter o entendimento de que o poder simbólico do Direito é hábil de proporcionar rendimentos, mesmo que francos. Entretanto, estes não carecerão de ser notados como apenas outra saída imaginária para esta realidade presentemente despótica em que se jazem os cidadãos homoafetivo e/ou transgênero, mas sim como instrumentos com as quais se ambicionará procurar a edificação de uma sociedade mais suave no futuro.

2.3 – Progresso e Violência: manifestações no Brasil contra a homo/transfobia:

Não existe quaisquer estatísticas oficiais disponibilizada pelo governo federal sobre os dados certo de mortes violentas vinculados contra os sujeitos LGBT brasileiros. Entretanto, o Grupo Gay da Bahia (GGB) todos os anos torna pública seu próprio estudo, formado com base em notícias achadas em jornais ou na internet, não compreendendo a integralidade dos casos, mesmo assim oferece um cenário bastante chocante. De acordo os dados oferecidos, o Brasil permanece a deter sua situação como campeão internacional em relação a crimes motivados pela homo/transfobia. De todos os 387 (trezentos e oitenta e 7) indivíduos assassinados e 58 (cinquenta e oito suicídios) em 2017, 194 (cento e noventa e quatro) eram gays, 43 (quarenta e três) lésbicas, 5 (cinco) bissexuais, 191 (cento e noventa e um) travestis. Ademais, 12 (doze) heterossexuais foram mortos ao serem confundidos ou por estarem em lugares em que LGBT frequentam. (GGB, 2017). Esta referência denuncia para a realidade de que ao menos um homicídio produzido pela homo/transfobia foi perpetrado a cada 19


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horas durante o ano de 2017. Ao falar sobre o estudo, Mott (2014) é contundente: [...] 99% destes homicídios contra LGBT têm como agravante seja a homofobia individual, quando o assassino tem mal resolvida sua própria sexualidade e quer lavar com o sangue seu desejo reprimido; seja a homofobia cultural, que pratica bullying contra lésbicas e gays, expulsando as travestis para as margens da sociedade onde a violência é endêmica; seja a homofobia institucional, quando o Governo não garante a segurança dos espaços frequentados pela comunidade lgbt ou como fez a Presidente Dilma, ao vetar o kit anti-homofobia, que deveria ter capacitado mais de 6 milhões de jovens no respeito aos direitos humanos dos homossexuais e mais recentemente, ao ter pressionado os senadores para que não aprovassem o PLC 122 que equiparava a homofobia ao crime do racismo.

Contribuindo com as argumentações de Mott apontadas transcritas anteriormente, a Fundação Perseu Abramo, em companhia com Stiftung, com o intuito de mais claramente perceber a dispersão da discriminação homo/transfóbico dentro do Brasil publicou em 2009 uma análise titulado “Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil” (VENTURI, 2010, p 36), descrevendo a maneira como a inimizade com a comunidade LGBTI atua em diferentes níveis, não só explicitamente, mas aparecendo de forma concentrada em uma parcela expressiva da população e, dessa maneira, afeiçoando a sua agudeza da problemática em debate e as concernentes maneiras que ambicionam solucioná-la.

[...] é evidente que uma medida de preconceito assim construída, pontuando como preconceituosas não apenas as respostas extremas, mas também respostas intermediárias – por exemplo, quem disse ter „antipatia‟ por travestis (mas não „ódio ou repulsa‟), ou ainda que „não gostaria, mas procuraria aceitar‟ vizinhos homossexuais (em vez de „não aceitaria e mudaria de casa‟) – não pode ser lida como sinônimo de medida da homofobia.

Em realidade, o autor acima afirma que, mesmo as amplas percentualidades alcançadas dentro da investigação possam ser explanadas como representativos de um determinado grupo social com disposições densamente discriminatórias em relação à integrantes da comunidade LGBT, é de relevante valia o entendimento da diferenciação entre um prejuízo extremo e inflexível e um tipo de conduta que, mesmo em tese formada em preconceito, causa-se no entanto de certa ignorância, existindo também, fatívelmente, tolerância dentro do desconhecimento (VENTURI,


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2010). 3. METODOLOGIA O método utilizado para a discursão deste artigo foi o caminho proposto pelo método dedutivo, posto que parte de pressuposto delineados pela visão do direito penal

simbólico,

passado

pela

divergência

quanto

a

criminalização

da

homo/transfobia, para escoar nas pesquisas e fatos cotidianos, no que se refere a violência contra LGBT‟s e qual a melhor forma de lidar com tal situação, tendo em vista tal situação no plano contemporâneo brasileiro. Ao promover uma abstração das racionalidades internos do pesquisador, para promover uma pesquisa livre de vícios, o tipo de pesquisa quanto a abordagem foi a qualitativa, que segundo Gerhardt e Silveira (2009, p. 31): A pesquisa qualitativa não se preocupa com representatividade numérica, mas, sim, com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, etc. Os pesquisadores que adotam a abordagem qualitativa opõem-se ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências, já que as ciências sociais têm sua especificidade, o que pressupõe uma metodologia própria. Assim, os pesquisadores qualitativos recusam o modelo positivista aplicado ao estudo da vida social, uma vez que o pesquisador não pode fazer julgamentos nem permitir que seus preconceitos e crenças contaminem a pesquisa

Deste modo, com a busca de ser coerente com o objeto, que são, a saber: a tese do direito penal simbólico e pesquisas relacionadas a homo/transfobia. Com efeito, produziu-se um conhecimento aprofundado e ilustrativo, sendo capaz de atingir o objetivo proposto. Tal sorte, se fez necessário por não ser capaz de se produzir informações que podem ser quantificadas, tendo em vista estar inserido no ceio das relações sociais jurídicas, em seu plano logico teórico, mais especificamente, do direito penal. O tipo de pesquisa quanto a natureza é a da pesquisa aplicada, porque gerar noções para aproveitamento prático, ou seja, responde a divergência quanto ao anseio de criminalização da homo/transfobia, cativando fatos e interesses locais, já que aprofunda-se na tese do direito penal simbólico quanto a uma problemática brasileira. Ademais, ao racionalizar os objetivos específicos, ainda no plano do tipo de pesquisa, este artigo se perfez como sendo do tipo exploratória, que de acordo com Gerhardt e Silveira (2009, p. 34):


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Este tipo de pesquisa tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. A grande maioria dessas pesquisas envolve: (a) levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de exemplos que estimulem a compreensão.

Sendo, utilizado nesta pesquisa as hipóteses elencadas nas letras (a) e (c), visto que o método de coleta de dados foi o procedimento da pesquisa bibliográfica, por meio de um levantamento de referencial teórico em banco de dados que hospedam teses, dissertações e TCC‟s, livros específicos da área do direito penal e da criminologia, além de pesquisas feitas por especialistas em direitos LGBT; e a abordagem/analise como já foi demonstrada, foi à qualitativa.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A demanda que se descobre genuinamente no interior da vida social aqui arremetida é uma de identificação. Ampla parcela da história da humanidade, um escolhido grupo de indivíduos dentro da sociedade tem seu comportamento, suas condutas, sua vida particular, seus intelectos, e sobretudo sua cidadania protestada e limitada por uma multidão dominadora que invariavelmente buscou, por meio de regras arcaicas de convivência, comprimir e ajustar a personalidade desta quantia de seus semelhantes ao que esses terceiros sopesavam como o padrão. A problemática aqui versada, que pendência a configuração às regras e códigos de comportamento pré-instituídos, converte a homossexualidade em uma circunstância fora do sistema. Tal condição acende a homofobia, mas não é díspar de tantas outras configurações de preconceito que surgiram antes e nem significará lobrigada das que ainda hão de ser provocadas. Implicação de um sistema patriarcal heteronormativa, a homofabia apareceu tendo suas ascendências sexistas invariavelmente encravadas na cultura brasileira, exibindo-se como notadamente maléfica por estar coeva não só em revelações de extrema violência, mas bem como sucedendo desapercebida em meio às conexões diárias. A desconsideração, o subestimo, os rebaixamentos e até a exclusão terminam


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sendo adornes levianos quando confrontados com a persistentes intimidações de violência e morte. Para mais, quando ações são originadas mirando a ampliação cultural do povo ou a salvaguarda deste grupo hostilizado, estes são recebidos com chacota ou insurreição, muitos operando como se fosse aloucado crer que tais transformações sejam remotamente necessárias, mesmo com todas as proeminências demonstrando o oposto. Compreendendo que os princípios constitucionais que conduzem a performance intervencionista do Direito Penal o arranjam de modo a balizar a sua prática descomedida, tãosó consentindo sua gerência quando ela se apresentar unicamente necessária, torna-se inteligível a perplexidade de muitos estudiosos das ciências criminológicas em relação a esta aspiração de instituir mais uma tipificação na lei como contragolpe a questões sociais, tendo em vista que, teoricamente, o Direito Penal não careceria ser empregado como instrumento de requerimento de políticas públicas. Contudo, este é um raciocínio que se localiza no imo do Direito Penal Simbólico, função que o mesmo procura preencher as esperanças de protetorado, domínio e prudência do componente delituoso por meio da colocação de sanções penais focalizadas na coerção e na punição. Desse modo, a eficácia simbólica não pode ser totalmente ignorada, porque há real alcance sobre o entusiasmo do povo de um país e neste caso acenderia campo para um debate necessária em terras brasileiras. Assim sendo como precedentes legislações especiais que largaram o andamento válido para o progresso cultural, até mesmo fazerem com que os cidadãos vitimados percebam-se mais cômodos para buscarem pela justiça, tal especialização estaria em conformidade com os termos determinados pela Constituição Federal, posto que as demandas submergem a salvaguarda da vida, a probidade, a dignidade e o brio, não sendo desse modo diferente das defesas proporcionadas a outros grupos minoria, como as mulheres, os negros ou os idosos. Entretanto, mesmo que a solicitação por intervenção penal aparentemente possa ser acertada, até mesmo fundamental, é soberbo destacar que dita interferência, embora apropriada, é bem provável que não seria competente de surtir uma implicação instantâneo ou mesmo a longo prazo na nação brasileira. Logo, uma mutação simbólica advinda da abordagem estatal à violência homo/transfóbica não


C a p í t u l o X V I | 250

seria satisfatória enquanto prepondera a heteronormatividade na profundeza da questão aqui moderada.

5. REFERÊNCIAS: ALVES,

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Cosme

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Jesus.

Violência

homofóbica,

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Acessado

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Acesso

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