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A POLÍTICA DOS ESCRITOS DE HÉLIO OITICICA
from Jornada ABCA 2020
by abcainforma
Alexandre Sá1
1 Atual diretor do Instituto de Artes da UERJ. Procientista - UERJ. Professor adjunto do Departamento de Ensino e Cultura Popular. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Artes da UERJ. Professor Titular da Comissão de credenciamento de revistas acadêmicas da UERJ. Sócio da Associação Brasileira de Críticos de Arte. Membro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas - Comitê de Poéticas Artísticas. Editor-chefe da Revista Concinnitas
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Resumo: Hélio Oiticica (1937-1980) é considerado um dos mais importantes artistas brasileiros da última metade do século XX e um dos grandes expoentes da arte contemporânea que, ao longo dos últimos dez anos vem sendo, através de um revisionismo histórico e curatorial, reavaliado dentro do circuito internacional. A quantidade de pesquisas sobre sua obra e sobre a época na qual produziu grande parte dos seus trabalhos é extremamente expandida e não é difícil encontrar um conjunto de textos que os relacionem temporalmente com o panorama político no Brasil, mais especificamente entre os anos de 1964 e 1969. Contudo, examinando de forma mais precisa esta produção crítica, é raro encontrarmos pesquisas que discutam de maneira aprofundada a relação intrínseca de tais trabalhos, potencializados pela conjunção entre imagem e texto, com a política brasileira daqueles anos. Ou seja, mesmo sendo um objeto de pesquisa extremamente recorrente no panorama das recentes pesquisas acadêmicas, ainda há uma inquestionável ausência de debate sobre o espelhamento de tal produção, visual e crítica, e suas relações de aproximação e distanciamento com os anos em que o país esteve mergulhado em um governo militar e ditatorial. Nesse sentido, a política dos escritos de Hélio, também pode vir a servir como elemento de comparação e iluminação da atualidade, guardando obviamente as inquestionáveis diferenças, já que sempre priorizavam uma certa imprecisão que por si só, foi capaz de contrariar certezas absolutas que talvez também atendessem a um mercado ideológico e pasteurizador. Esta proposta discute de maneira mais verticalizada tais relações, apostando inclusive na ambiguidade como um não-lugar possível de resistência, dobra e desorientação dos dispositivos de controle. Palavras-chave: arte brasileira; resistência; ditadura militar; hélio oiticica
“Toda história é contemporânea” Benedetto Croce
Hélio Oiticica (1937-1980) é considerado um dos mais importantes artistas brasileiros da última metade do século XX e um dos grandes expoentes da arte contemporânea que, ao longo dos últimos dez anos vem sendo, através de um revisionismo histórico e curatorial, reavaliado dentro do circuito internacional. A quantidade de pesquisas sobre sua obra e sobre a época na qual produziu grande parte dos seus trabalhos é extremamente expandida e não é difícil encontrar um conjunto de textos que os relacionem temporalmente com o panorama político no Brasil, mais especificamente entre os anos de 1964 e 1969. Contudo, examinando de forma mais precisa esta produção crítica, é raro encontrarmos pesquisas que discutam de maneira aprofundada a relação intrínseca de tais trabalhos, potencializados pela conjunção entre imagem e texto, com a política brasileira daqueles anos. Ou seja, mesmo sendo um objeto de pesquisa extremamente recorrente no panorama das recentes pesquisas acadêmicas, ainda há uma inquestionável ausência de debate sobre o espelhamento de tal produção, visual e crítica, e suas relações de aproximação e distanciamento com os anos em que o país esteve mergulhado em um governo militar e ditatorial. Embora seja considerado o mais importante teórico e artista de todo o processo de vanguarda dos anos 1960, sendo inclusive um eixo imprescindível de ligação entre a produção dos anos 1950 e a geração dos anos 1970 (PECCININI, 1999, p. 98), a pesquisa sobre seus textos críticos bem como a aproximação com a escrita presente em suas obras tende sempre a escolher um caminho poético que, inclusive de acordo com os direcionamentos e diretrizes da vanguarda artística na qual esteve envolvido, priorizava o questionamento da tradição dando ênfase a alguns elementos determinantes como a negação da pintura, o investimento em uma obra expandida para o ambiente e seu entorno, a estreita relação entre artes visuais e cultura popular, a necessidade de tomada de posição do artista nas questões político-sociais, bem como a participação do público como agente ativador da experiência estética. Tal legado estrutural presente em textos como Esquema Geral da Nova Objetividade (FILHO, 2011, p. 87), embora indique a urgência de ação artística na sociedade, termina relacionando tal motivação, se acostumada à comodidade de suas próprias repetições, a um processo estéticopolítico que apenas enfatiza uma desconstrução da linguagem artística, obviamente influenciada por uma herança estruturalista. Ou seja, há uma paradoxal tradição crítica e historiográfica, amparada inclusive em depoimentos do próprio artista, que mesmo considerando sua posição de vanguarda, opta na maioria dos casos, por simplesmente iluminar uma única questão semântica da produção crítica: a negação do suporte. Contudo, considerando tais reavaliações curatoriais, presentes e propostas em exposições como: A dança da minha experiência (MASP, SP, 2020), To organize delirium (Whitney Museum of Art, Pittsburg, 2017) e Das Groẞe Labyrinth (Museum für Moderne Kunst Frankfurt am Main, Frankfurt, 2014), é possível identificar um lapso no debate histórico que além de merecer atenção, termina por erigir este projeto de pesquisa: a necessidade de pensar a atmosfera política no Brasil a partir dos textos críticos produzidos pelo artista. Tal lapso se dá por diversas razões, inclusive por um desejo de retroalimentação da importância da cultura popular em suas propostas. Ou ainda, por optar pelo desvio de um debate fundamental sobre o elemento político, considerado frequentemente como um elemento nebuloso. Parte deste problema se dá inicialmente por dois motivos: a falta considerável de coragem de questionar as próprias falas e escritos do artista e por um elemento biográfico importante, já que em 1969, Hélio Oiticica está fora do país para um temporada de dez anos no exterior, em parte concomitante ao já conhecidos anos de chumbo. Importante destacar que o próprio Hélio Oiticica em uma de suas
últimas entrevistas concedida a Heloísa Buarque de Hollanda e Carlos Alberto M. Pereira em 1980 (FILHO, 2009. p. 250), ao ser perguntado sobre a ruptura diante dos códigos políticos da arte e a atuação política, responde:
“Bom, eu acho que sempre é uma atuação política, mas não num nível de ativismo político, porque as pessoas que têm um ativismo político, têm que se dedicar totalmente a ele. A me ver, a arte sempre tem um caráter político, principalmente quando é uma coisa altamente experimental, que propõe a mudar. Uma proposta de mudança das coisas sempre tem um caráter político. Mas eu não acho que, automaticamente, haja um ativismo político só porque é arte. Pode ser arte e não ter nenhuma atividade política” Por certo tal citação, além de explicitar um posicionamento ambivalente, no melhor sentido possível, termina por ser também uma tentativa de resposta a uma demanda pública a ele colocada de forma recorrente: seu posicionamento em relação ao panorama político brasileiro, principalmente quando distante da ditadura militar que aqui acontecia. Importante destacar que a geração posterior, dos anos 1970, teve alguns de seus agentes completamente envolvidos na luta armada e parte da geração do início dos anos 1960 defendeu de forma contundente, um processo de reestruturação social a partir da militância e da participação política, como por exemplo, no Centro Popular de Cultura (CPC), criado em 1962, extinto em 1964 e tendo Ferreira Gullar como seu presidente em 1963.
Sendo assim, Hélio Oiticica termina em uma situação extremamente particular que deambula entre a voracidade e virulência de seus textos, bem como a radicalidade de suas experimentações visuais (instalações, ambientes e propostas performativas) e um certo distanciamento físico e simbólico da cena política que assolava o país. Por certo, ele não é o único artista que saí do Brasil nesta época pelas razões mais óbvias: necessidade de resguardo da sua própria segurança, aposta na expansão do trabalho através do contato com outras culturas e um inevitável desencantamento e sensação de derrota diante das possibilidades progressistas dos anos 1950. Entretanto, apesar de ser possível reconhecer em tais ações considerável naturalidade, a questão lançada por Heloísa de Buarque de Hollanda, direcionada para a produção literária, parece ainda ecoar na trajetória de Hélio Oiticica como uma certa fantasmática: “Ou seja, em que medida ela estará reabastecendo o aparelho produtivo do sistema ou atuando para modifica-lo” (HOLLANDA, 2004. p, 32) Nesse sentido, a política nos escritos de Hélio, também pode vir a servir como elemento de comparação e iluminação da atualidade, guardando obviamente as inquestionáveis diferenças, já que sempre priorizavam uma certa imprecisão que por si só, foi capaz de contrariar certezas absolutas que talvez também atendessem a um mercado ideológico e pasteurizador. Mercado esse que em última instância servia para eclipsar a tortura e o silenciamento das minorias em termos econômicos e dos intelectuais, ideologicamente. Michael Asbury, historiador, crítico de arte, professor da Universidade de Londres é um dos poucos teóricos que de fato explicita tal “anti-dicotomia” como sendo uma característica relevante da trajetória do artista, indicando tal problemática e a necessidade ainda presente de voltarmos a sua obra.
“Evidentemente, Oiticica denunciava o regime – como poderia ser diferente? –, mas colocá-lo no simples antagonismo entre ‘a favor ou contra’ obscurece o fato de que ele estava engajado em transformar o modo como entendemos arte, ao trazer à luz problemas que afetam a sociedade brasileira até hoje. Se esses problemas continuam ou foram exacerbados a partir dos anos 1960, apesar do fim da ditadura nos anos 1980 e os subsequentes governos ‘democráticos’ de distintas afiliações no espectro político, a recepção de seu trabalho como artista, na minha opinião, ainda não é considerada satisfatória.” (ASBURY, 2014. p. 4)
influência americana no xadrez político brasileiro era inconteste. Tal conjunto de negociações para a produção de um efeito de realidade política precisou apostar na adversidade do país em relação com o cenário internacional, bem como em seus marcadores de subdesenvolvimento para que assim, fosse possível inventariar uma outra forma de manejo simbólico que conseguisse inclusive escapar de uma nostalgia de construção de uma identidade nacional em seu legado antropofágico, já que tal eixo já estava completamente cooptado pelas forças militares, presente em slogans como: Brasil, ame-o ou deixe-o. Ou como indica Paulo Reis em sua tese de doutorado, que também é uma referência sobre o assunto, defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Paraná: “Um contexto cultural marcado por novas configurações sociais e políticas trouxe outras formulações e demandas para a obra de arte” (REIS. 2005, p. 74). Trata-se de uma mudança no tônus político do trabalho de arte em relação a atmosfera macropolítica, em um certo tipo de afinidade deambulatória e estrategicamente imprecisa. É possível então afirmar que trata-se de um movimento de debate público e estruturação de um pensamento político, conjugado a uma postura estética de maneira indireta, num diálogo profícuo que não pode ser atualizado a partir de suas perspectivas formais. Nesse sentido, surge uma analogia indireta e não menos potente onde história, política e arte podem ser examinadas como ambientes inter-relacionais e multidirecionais, intercambiando afinidades discursivas e nãodiscursivas, provocando uma aproximação inevitável com o conceito de dispositivo foucaultiano. Ou de outra forma, através da busca de um conjunto de relações entre elementos heterogêneos, buscando estabelecer a natureza do nexo que os erige sem afastar as possíveis relações de consonância eventualmente contraditórias (CASTRO. 2004, p. 114), buscando assim os acontecimentos invisíveis, imperceptíveis para os contemporâneos. Eventos esses que estariam abaixo da espuma da história (FOUCAULT. 2015, p. 306). Nesse sentido, ainda é urgente uma pesquisa que escape de suas estruturas totalizantes, esquadrinhando operacionalizações outras que não se amparem unicamente em um jogo de alteridade e que não se contentem pura e simplesmente com uma abordagem dicotômica e totalitária, provocando e promovendo reflexões indiretas, em múltiplas camadas, tendo a história do presente como referência e responsabilidade.
“Assumir que o trabalho dos primeiros pesquisadores de Oiticica possuía um elemento de essencialismo estratégico seria reducionista; no entanto, a maneira como a relevância do artista tem sido recebida, após essa re-estruturação decisiva do circuito de arte internacional não faz justiça nem ao trabalho nem à relação que o artista mantinha com os contextos locais sociopolíticos e da história da arte. Houve, na verdade, uma distorção do trabalho de Hélio Oiticica que o coloca como um lugar de alteridade, simultaneamente estabelecendo um processo de legitimação da arte (predominantemente, mas não exclusivamente) brasileira contemporânea. Isso quase sempre opera por meio de associações simples, frequentemente formalistas. Em relação a Oiticica, essa operação mantém uma dimensão histórica que é esmagadoramente baseada em seu envolvimento com a favela. É, com efeito, uma leitura a-histórica...” (ASBURY, 2008. p. 32).
REFERÊNCIAS
ASBURY, Michael. Hélio Oiticica e a ditadura militar. In: Em 1964. Arte e cultura no ano do golpe (Instituto Moreira Salles – blog), São Paulo, 2014. https://em1964.com.br/helio-oiticica-e-a-ditaduramilitar-no-brasil-por-michael-asbury. Acesso em 10 de outubro de 2020. ______. O Hélio não tinha ginga. In: BRAGA, Paula. Fios soltos: a arte de Hélio Oiticica. São Paulo: Editora Perspectiva, 2008. p. 27 – 51. CASTRO, Edgar. Vocabulário de Foucault. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2009. FILHO, Cesar Oiticica et al (orgs). Hélio Oiticica – encontros. Rio de Janeiro: Beco do azougue editorial, 2009. ______. (org). Museu é o mundo. Rio de Janeiro: Beco do azougue editorial, 2011. FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos. Volume II. Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Rio de Janeiro: Forense. Universitária, 2015. HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Impressões de viagem. CPC, vanguarda e desbunde. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004. PECCININI, Daisy. Figurações. Brasil anos 60. São Paulo: Itaú Cultural e Edusp, 1999. REIS, Paulo Roberto de Oliveira. Exposições de arte – vanguarda e política entre os anos 1965 e 1970. Tese de doutorado em História (PPGHIS). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.