Revista do SFI 46

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Encarte ABECIP 50 ANOS Passado, Presente e Futuro do Crédito Imobiliário

UMA PUBLICAÇÃO DA ABECIP • 2017 • ANO 21 • Nº 46

Ilan Goldfajn “A política monetária dá alento aos financiamentos”

Juro de um dígito ajuda a retomada do crédito

Dyogo Oliveira “Investimentos dão suporte à construção civil”

Os braços e os laços da construção na economia

A HORA DA

SEGURANÇA JURÍDICA



EDITORIAL

DO PASSADO DO AO FUTURO DO

P

repare o espírito para emoções. Longe de um texto para embalar o sono, é emocionante a história do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI). Uma rica história do fantástico e mal conhecido Brasil, onde convivem liberais, social-democratas e marxistas, pensadores do presente e do futuro com saudosistas de um socialismo arcaico jamais praticado como imaginado por Marx e Engels. Habitado por ricos e pobres, empresários de sucesso com proxenetas dos poderes e renomados cientistas. Um país fantástico, onde coabitam as mais diversas tribos econômicas, das que sabem que o Estado já não é financiável às que a todo custo querem direitos – inclusive de inatividade –, nunca antes assegurados na história de democracias de fato. É de uma parcela desse mundo fascinante – da vida imobiliária e, em especial, do crédito imobiliário –, que trata esta edição da Revista do SFI. Não se trata, pois, de uma edição convencional da publicação. Nela estão presentes conjuntura, história e futuro. Textos de colunistas consagrados, como Celso Martone, José Paschoal Rossetti e Teotonio Costa Rezende, convivem com a discussão das ameaças que pairam à alienação fiduciária e ao patrimônio de afetação e com entrevistas com personagens do Brasil moderno do livre mercado, em oposição ao Brasil antigo de corporações e subsídios. O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, e o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira,

SFH SFI

encarnam a virada positiva, a derrota da inflação e do juro básico recordista, enfrentam a rearrumação fiscal e agem com vistas ao retorno dos investimentos – no caso, em infraestrutura. Mas a parte mais notável desta edição está numa efeméride: a comemoração dos 50 anos da Abecip. Livros sobre os 30 anos, os 36 anos, os 40 anos e os 44 anos editados pela Abecip desde 1997 já refletiam as notáveis mudanças ocorridas no crédito imobiliário até então e as perspectivas promissoras à frente. Mas agora os desafios cresceram – e os brasileiros têm consciência dos problemas. Depois de alcançar no início da década o maior crescimento da história, o SFH e o SFI passaram em 2014 a se defrontar com a maior recessão econômica da vida do País. E se mostrou forte para aguentar o tranco. Esta história descrita pelos jornalistas José Roberto Nassar, Marcos Garcia de Oliveira, Raquel Landim e Fábio Pahim Jr. é também tratada por economistas e juristas de primeiríssimo escalão e engrandecida por uma rica avaliação acadêmica, sobre a importância do crédito, em geral, e do crédito imobiliário, em particular, para a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), preparada por Marcelo Gazzano, da consultoria ACP, liderada por Affonso Celso Pastore. Percorra conosco os tempos difíceis e os tempos de céu de brigadeiro do SFH e do SFI. E boa leitura! Os editores REVISTA DO SFI

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Job: 47539-074 -- Empresa: Publicis -- Arquivo: 47539-074-AFR-Bradesco-Antecipacao-An-ABEC-SFI-42x28_pag001.pdf

Registro: 187891 -- Data: 18:36:29 21/06/2017


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SFI

REVISTA DO SISTEMA DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO -

ÍNDICE

UMA PUBLICAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ENTIDADES DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO E POUPANÇA

ABECIP DIRETORIA GILBERTO DUARTE DE ABREU FILHO PRESIDENTE VICE-PRESIDENTES Ademar Citolin, Cristiane Magalhães Teixeira Portella, Edson Pascoal Cardozo, Fabrizio Ianelli, Heloísa Carvalho, João Carlos Silva, José de Castro Neves Soares, Marco Antonio Andrade de Araújo, Nelson Antonio de Souza, Nylton Velloso Filho,

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Onivaldo Scalco, Roberto Abdalla REVISTA DO SFI REDAÇÃO

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CONSELHO CONSULTIVO Anésio Abdalla, Décio Tenerello, Luiz Antonio França, Octávio de Lazari Filho, Nylton Velloso Filho CONSELHO DE PAUTA

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Affonso Celso Pastore, Altair Antonio de Souza, Cristiane Magalhães Teixeira Portella, Fabio Pahim Jr., Filipe Pontual, Gilberto Duarte de Abreu Filho, Gustavo Loyola, Teotonio Costa Rezende COORDENAÇÃO EDITORIAL

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Fábio Pahim Jr. Jornalista Responsável Silvia Braccio MTB 17.606

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COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Celso Luiz Martone, Danilo Vivan, Gilberto Duarte Abreu Filho, José Antonio Cetraro, José Paschoal Rossetti, José Roberto Nassar, Luca Bertalot, Marcelo Gazzano, Marcos Garcia, Jerusa Rodrigues, Raquel Landim, Teotonio Costa Rezende

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Serviços de apoio técnico à edição: Leonardo Rangel DESIGN GRÁFICO Pan Visual Content

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GRÁFICA | CTP Pancrom Data do fechamento desta edição 25.07.2017

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A Revista do SFI é uma publicação da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança e pretende apresentar à sociedade, para análise e debate, temas relacionados ao Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

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SÃO PAULO Av. Brigadeiro Faria Lima, 1485, 13 andar, Torre Norte – Jardim Paulistano São Paulo – SP CEP 01452-002 Telefone 11 3286-4855 Fax 3816-2785 e-mail: revistadosfi@abecip.com.br

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REVISTA DO SFI

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Editorial. Longe de um texto para embalar o sono, é emocionante a história do SFH e do SFI Notas& Fatos. Tendências de mercado no Brasil e no mundo. Por Marcos Garcia Entrevista Ilan Goldfajn. A redução dos juros reais vai chegar ao crédito imobiliário, afirma o presidente do BC a Fabio Pahim Jr. Entrevista Dyogo Oliveira. Mais segurança jurídica com alienação fiduciária e patrimônio de afetação. Por Fabio Pahim Jr. Colunista. É imprescindível preservar os marcos regulatórios do crédito imobiliário. Por Teotonio Costa Rezende Capa. A insegurança jurídica é uma ameaça à retomada imobiliária. Por Marcos Garcia de Oliveira Direito Imobiliário. O instituto da alienação fiduciária chega aos 20 anos e será aperfeiçoado. Por José Cetraro Juros. Inflação abaixo da meta e juro básico de um dígito são marcas de um novo tempo. Por Fabio Pahim Jr. Colunista. Os indicadores revelam a importância da construção civil para o crescimento. Por José Paschoal Rossetti Colunista. O setor público absorve 38% da poupança privada e distorce o mercado. Por Celso Martone


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Imóveis comerciais. O mercado hoteleiro recebe investimentos mas tem altos e baixos. Por Danilo Vivan Indicadores do crédito imobiliário. Os números do primeiro semestre, apurados pela Área de Inteligência de Mercado da Abecip Rumos I. A revolução tecnológica dá impulso a todas as atividades ligadas ao crédito. Por Gilberto Duarte, presidente da Abecip ÍNDICE DO ENCARTE 50 ANOS DA ABECIP

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Os tempos passados. O SFH dos anos 60 até os problemas dos 80. Por José Roberto Nassar e Fabio Pahim Jr. Os tempos modernos . O crédito imobiliário foi decisivo para garantir imóvel próprio a milhões de famílias. Por Marcos Garcia de Oliveira Os tempos futuros. Crédito imobiliário será decisivo para famílias formarem patrimônio. Por Fabio Pahim Jr. e José Roberto Nassar Perspectivas. O crédito imobiliário ganhou com a estabilidade macroeconômica. Por Raquel Landim Linha do Tempo. A evolução do crédito imobiliário de 1964 até o ano de 2017

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Investimento na construção. O setor residencial responde por mais de 50% da FBCF. Por Marcelo Gazzano Covered bonds. O Brasil ganhará peso no mercado de capitais internacional quando emitir e operar com LIGs. Por Luca Bertalot Rumos II. Das glórias passadas a um novo e promissor ciclo de crédito imobiliário. Por Gilberto Duarte, presidente da Abecip

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NOTAS&FATOS

Por Marcos Garcia

Política versus economia Enquanto muitos economistas veem no ambiente político a maior ameaça à política econômica, o ex-ministro e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso recomendou continuar olhando a economia em primeiro lugar. "É da economia que depende o governo" para se sustentar até 2018, disse no programa Globonews Painel, em 1º de julho.

Qualificação a distância

Degrau na carreira

Entrou no ar em junho a parceria entre o Ibrafi e a FK Lab, que criou o EAD (Ensino a Distância) para capacitação à certificação pela Abecip. Com foco na qualificação de profissionais que atendem clientes de crédito imobiliário, traz recursos avançados, permitindo simulações e planejamento de estudos.

Com três níveis de capacitação (CA 300, CA400 e CA600), o EAD Ibrafi/FK Lab atende profissionais de instituições financeiras e correspondentes bancários de todo o País. Nos bancos, a certificação já começa a ser considerada um degrau na carreira.

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Custo alto

Olho na Europa

A recente alteração na forma de pagamento do Imposto sobre Serviços (ISS), estabelecida em lei publicada em 1º de junho, pode ter impacto nos custos do crédito imobiliário, pois obriga as instituições a recolher o tributo no local do domicílio do tomador do crédito. Antes, valia o município do estabelecimento prestador.

O Parlamento Europeu aprovou em julho normativos que equalizam os covered bonds em toda a União Europeia. As mudanças interessam ao mercado brasileiro, onde a LIG (Letra Imobiliária Garantida) está em fase de regulamentação. Construído com base nos títulos europeus, esse instrumento de captação de recursos de longo prazo precisa estar em linha com o congênere internacional para ser atraente a investidores.

Avanço Avanço importante para o crédito imobiliário está consignado na MP 759, que criou a figura do ONR (Operador Nacional de Registro de Imóveis Eletrônico). Vai facilitar a padronização nacional do registro eletrônico de contratos imobiliários, reduzindo custos e aumentando a segurança jurídica. Com a tramitação do contrato via meios eletrônicos, poderá haver ganhos para toda economia, pois o prazo será reduzido de 35 a 40 dias para cerca de 5 dias. Mas há questionamentos no Supremo Tribunal Federal.

Estoque em queda Na Espanha, o mercado avança. O relatório “Radiografía del Stock: suelo e vivienda nueva”, da consultoria Tinsa, indica que o estoque de imóveis novos, que não encontravam compradores desde 2008, está diminuindo. Em todo o país, a queda em 2016 foi de 12,5%, chegando a 340 mil residências sem compradores. No ano anterior, eram 389 mil.

A crise continua

Preço alto

No Reino Unido, uma década depois da crise financeira de 2007, o mercado imobiliário ainda enfrenta problemas. Pesquisa do Lloyd´s Bank, citada pelo jornal The Guardian em junho, mostrou queda de quase um terço nas transações ao longo de 2016.

Os problemas, contudo, não afetaram os preços, que continuam elevados e, ao lado dos altos impostos, desestimulam as compras. Na Inglaterra e no País de Gales, as vendas em 2016 ficaram abaixo das registradas em 2006. Algumas áreas de Londres tiveram queda de 30% nos negócios

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ENTREVISTA ILAN GOLDFAJN

Paulatinamente, a caderneta de poupança tende a perder posição no funding do crédito imobiliário, abrindo espaço para novos instrumentos

A QUEDA DO JURO É O FATOR

DETERMINANTE DA RETOMADA DO CRÉDITO

O

Por Fábio Pahim Jr. e José Roberto Nassar (*)

presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, completou, em junho, um ano à frente da instituição, mostrando resultados excepcionais: a política monetária comandada pelo BC conjugou queda sustentável de cinco pontos porcentuais do juro básico – de 14,25% ao ano em junho de 2016, para 9,25% ao ano em julho de 2017 –, com queda também sustentável da inflação oficial medida pelo IPCA de 8,84% em 12 meses, até junho do ano passado, para 3,6% ao ano em maio de 2017, abaixo, portanto, do centro da meta de 4,5%, abrindo espaço para a redução do centro da meta para 4,25%, como foi decidido em reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) no final de junho.. A reconhecida profissionalização do BC ao longo de sua história continuou sendo reforçada na gestão Ilan, inclusive no plano do crédito imobiliário. “Estamos num processo de redução de juros reais, que vai chegar ao crédito imobiliário. Isso muda toda a estrutura do sistema”, disse o presidente do BC. Ex-diretor do Banco Central e do Itaú BBA, Ilan é um dos mais respeitados economistas brasileiros. Novamente no BC desde 2016, inovou na comunicação, tornando as informações sobre as reuniões do Copom muito mais acessíveis aos leitores, além de aumentar a previsibilidade dos agentes econômicos. Não é pouca coisa, tal a relevância das expectativas para as decisões de investimento das empresas

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e das famílias. O presidente do BC notou que a importância das cadernetas de poupança tende a se reduzir com outras formas de captação ganhando espaço”. Mas, acrescentou, “o intermediário financeiro faz o equilíbrio entre o curto prazo e a aplicação”. A seguir, os trechos principais da entrevista de Ilan Goldfajn à REVISTA DO SFI: REVISTA DO SFI – A queda do juro ocorre em velocidade rápida, talvez sem precedentes na história do regime de metas com a exceção de um momento passado em que os limites foram ultrapassados, a inflação voltou e se seguiu novo ciclo de alta do juro básico. Como vê o ritmo de queda já verificado? A extensão do ciclo de queda dependeria, hoje, mais da melhora da situação fiscal e do limite aos gastos públicos ou ainda se pode esperar algum recuo do IPCA, já inferior aos 4% ao ano? ILAN GOLDFAJN – Você tem uma inflação em queda, porque houve mudança na política econômica e alta capacidade ociosa na economia há dois anos, puxando a economia (para baixo) e permitindo a redução do juro. Onde vai chegar (esse movimento) depende das reformas, do quanto a inflação cai, dos riscos. Faz parte de uma conta só. A queda do juro básico de um ponto porcentual ao mês é forte. Estamos avaliando a próxima decisão. Acredito que a queda é sustentável, é esse


DIVULGAÇÃO

Ilan Goldfajn Presidente do Banco Central

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o nosso objetivo. Mas também temos um certo alívio com os indicadores de inflação em queda, como se vê na pesquisa Focus, abrindo espaço para um processo de redução de juros no início do segundo semestre e, assim para alguma recuperação. A economia chegou ao fundo do poço. Mas a pior herança é ter revertido anos e anos de responsabilidade fiscal. A partir de 2013 o Brasil entrou numa fase desastrosa no plano fiscal. Livrar-se dessa herança é, ao mesmo tempo, urgente e complexo. Maiores sacrifícios serão exigidos da sociedade – como um corte de privilégios, até um aumento de tributos.

COMPARATIVO DE TAXA DE JUROS SUSTENTÁVEL 14,25%

Há alguns anos vem sendo mencionada - ou defendida por alguns economistas - a alteração da meta de inflação para um nível mais próximo do praticado pelas economias desenvolvidas ou pelas economias dos países emergentes JUNHO DE que mais avançaram na política macro2016 econômica. No caso brasileiro, como trata desse sinal de política monetária? Pode ser lido também como um sinal de política fiscal mais austera o que ficou decidido na reunião histórica do Copom de 28 de junho? IG – A definição das metas para 2019 e 2020 mostram a determinação de seguir buscando inflação mais baixa de forma gradual, serena e de forma contínua. Dada a enormidade das tarefas, é preciso ter uma ordem de prioridades. Qual poderá ser a melhor sequência? IG – As projeções de inflação na pesquisa dos analistas da Focus coletadas pelo BCB mostram convergência para as metas definidas de 4,25% em 2019 e 4,0% em 2020. O Banco Central poderia induzir um aumento da oferta de crédito em ritmo mais pronunciado do que o já observado entre março e abril?

10,50%

JUNHO DE 2017

IG – Hoje em dia há o fenômeno da oferta e da demanda de crédito caindo. Há cautela com o futuro. Há menos investimentos, menos projetos, menos alavancagem – que significa retorno do crédito. Tenho a impressão de que vai voltar à medida em que a economia se recupera. O crédito vai acompanhando. Mas quero crer que ele não será o impulso, ele vai ajudar a recuperação. Cresce o número de economistas que trata do exagero da oferta de crédito direcionado, sugerindo que a redução dessas linhas permitiria rebaixar juros em geral e aumentar as operações de crédito livre – como vê isso? De certa forma, o governo já está agindo via BNDES para eliminar subsídios e generalizar o uso de taxas de mercado nos empréstimos. A política do BNDES é extensível aos demais bancos federais, a começar da CEF? Rebalancear os créditos direcionado e livre e cortar subsídios é o caminho central para reduzir os juros ativos?

IG – Tenho confiança em que à medida que o juro fica menor, a potência da política monetária cresce atingindo uma parcela maior dos consumidores. À medida que cresce o crédito livre, a economia pode se rebalancear de forma mais eficiente. A Medida Provisória 777 permitiu fazer isso modernizando a política do Brasil e tornando a política monetária também mais moderna. A comunicação do Banco Central mudou na sua gestão e é bem recebida pela maioria absoluta dos participantes do mercado. Há algum ruído? IG – Você consegue saber o caminho que o Banco Central vai fazer à frente, como tende a reagir. É a função da nossa reação. Quanto melhor nos comunicarmos, mais fácil fica. Quando você é mais transparente, pode atuar mais. A velocidade aumenta. É um processo saudável.

TENHO CONFIANÇA EM QUE À MEDIDA QUE O JURO FICA MENOR, A POTÊNCIA DA POLÍTICA MONETÁRIA CRESCE, ATINGINDO UMA PARCELA MAIOR DOS CONSUMIDORES; À MEDIDA QUE CRESCE O CRÉDITO LIVRE, A ECONOMIA PODE SE REBALANCEAR DE MODO MAIS EFICIENTE”

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O crédito imobiliário sempre teve fundas raízes na caderneta de poupança e no FGTS. Mas uma retomada exigirá se voltar mais para fontes alternativas presentes no mercado livre. Como o senhor vê o futuro de papéis com as Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs, os covered bonds brasileiros)? A redução dos juros chegará a essas modalidades de funding alternativo, das quais também fazem parte as LCIs e as LCs? IG – Estamos num processo de redução de juros reais, que vai chegar ao crédito imobiliário. Isso muda toda a estrutura do sistema. A Letra Imobiliária Garantida (LIG) é um instrumento novo, foi e voltou da consulta pública, mas é a taxa de juros que vai motivar o sistema. O sistema tem de se reinventar. Dá para ser bem maior do que os cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) de hoje.

COMPARATIVO DE INFLAÇÃO OFICAL 8,84%

IG – Paulatinamente. A importância (da poupança) tende a se reduzir, com outras formas de captação ganhando espaço. O intermediário financeiro faz o equilíbrio entre o curto prazo e a aplicação. A longo prazo, vamos precisar alguma definição. IG – Tem uma posição a respeito dos distratos que tanto afetaram incorporadores e construtores?

3,6%

JUNHO DE

MAIO DE

2016

2017

Qual é, a seu ver, o futuro do crédito imobiliário? Em que prazo seria possível ter um sistema tão grande e dinâmico de financiamento à moradia, como os de países que mais desenvolveram a modalidade, como Espanha, Chile, Alemanha ou Estados Unidos? Duas décadas atrás, nos tempos da criação da Lei do SFI e da alienação fiduciária de bem imóvel, um dos diretores do BC à época, Sérgio Werlang, falava em dez anos para implantar o SFI – previsão que se mostrou acertada. IG – Em 10 anos, vamos ter, com juros e instrumentos diferentes, um sistema muito mais dinâmico e muito maior. Não se pode falar em porcentuais do PIB (que deverão ser atingidos). Temos de caminhar para o tamanho que há em outros países, mas sem prever prazos. Acredita mais numa redução paulatina ou acelerada do peso dos depósitos de poupança no funding imobiliário?

Não sei qual será a solução, mas tem de ser algo que não pode surpreender. Não podemos ter (um nível de) distratos que surpreenda o sistema. Voltando à economia, seria possível retomar com força uma agenda microeconômica – à semelhança daquela agenda desenvolvida pelos economistas Marcos Lisboa e Bernard Appy no início da década passada –, que incluísse o financiamento à moradia?

IG – A agenda micro do Banco Central é o BC+, pensamos em questões como o spread bancário, garantias eletivas, por exemplo. Estamos trabalhando nelas. O BC tem planos de ampliar suas bases de dados e instrumentos de aferição dos mercados de imóveis e de crédito imobiliário, utilizando, por exemplo, instrumentos como o IGMI-R da Abecip e da FGV, para acompanhar mais de perto a evolução de preços de imóveis, a partir dos números fornecidos pelos bancos? IG – Acabam de sair as novas séries de preços de imóveis, baseadas nas garantias recebidas pelas instituições financeiras. Creio que as estatísticas da Abecip são compatíveis com as do BC. As estatísticas do BC são feitas pelos técnicos da instituição. *Fabio Pahim Jr. é editor da Revista do SFI e José Roberto Nassar é jornalista

A LETRA IMOBILIÁRIA GAR ANTIDA É UM INSTRUMENTO NOVO, FOI E VOLTOU DA CONSULTA PÚBLICA, MAS É A TAXA DE JUROS QUE VAI MOTIVAR O SISTEMA IMOBILIÁRIO, QUE TEM DE SE REINVENTAR. DÁ PARA SER BEM MAIOR DO QUE OS CERCA DE 10% DO PIB DE HOJE” REVISTA DO SFI

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Dyogo Oliveira Ministro do Planejamento

ENTREVISTA DYOGO OLIVEIRA

Muitas iniciativas foram adotadas para fortalecer a construção, setor essencial para o investimento e o emprego

MAIS

SEGURANÇA JURÍDICA

COM A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E O PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO

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atribuído à construção civil e ao crédito imobiliário – como mecanismo mobilizador de recursos de longo prazo para o investimento? DYOGO OLIVEIRA – O setor da construção civil é importante para a economia brasileira em diversas frentes: PIB, investimento e, principalmente, emprego. Foram muitas as iniciativas implementadas ou em andamento para serem efetivas nesse setor como, por exemplo, as mudanças promovidas no programa Minha Casa Minha Vida; a elevação dos valores máximos de imóveis para enquadramento no SFH que podem ser adquiridos com recursos do FGTS; a criação do Cartão Reforma, permitindo que famílias de baixa renda tenham acesso ao crédito (limite de R$ 5 mil, em média) para reforma, ampliação ou conclusão de obras entre outras. Todas essas medidas contribuem como estímulo para esse setor. A atualização do marco legal de alienação fiduciária de bem Imóvel e a criação da matrícula única para imóvel são iniciativas que visam ao aumento da segurança jurídica. Além disso, uma iniciativa que favorecerá o crédito imobiliário é a regulamentação da Letra Imobiliária Garantida (LIG), que está sendo feita pelo Banco Central (BC). Nessa direção, apesar da crise e da contração de crédito de modo geral, o saldo do financiamento imobiliário foi o único que apresentou crescimento. São medidas como essas que continuaremos a adotar para que nossa economia se recupere o mais rápido possível, voltando a gerar emprego.

O

Por Fábio Pahim Jr.

s institutos jurídicos da alienação fiduciária de bem imóvel e do patrimônio de afetação, criados entre 1997 e 2004, são símbolos do aprimoramento normativo do crédito imobiliário, conferindo-lhe segurança jurídica, afirmou o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, nesta entrevista a Fabio Pahim Jr., editor da REVISTA DO SFI. Inúmeras iniciativas, seja no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida, seja mediante a elevação dos valores máximos financiáveis pelo SFH e que podem ser enquadrados no FGTS, seja com a criação do Cartão Reforma, evidenciaram a disposição do governo Temer de fortalecer a área da construção e o crédito imobiliário. Dyogo Oliveira dá grande destaque aos investimentos em infraestrutura – não só pelo impacto que provocam na redução do custo das empresas brasileiras e no aumento da produtividade, como na atração de capitais internos e externos e na atividade da construção. REVISTA DO SFI – O governo Temer está promovendo profundas mudanças institucionais, com vistas à retomada do investimento, em geral, e à infraestrutura, em particular. No âmbito dessa política, qual é o peso

Numa visão prospectiva, qual a contribuição esperada do setor imobiliário, compreendendo a produção física de imóveis e a oferta de crédito para a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF)? DO – Trabalhamos diuturnamente para que a recuperação do setor seja o mais rápido possível. Para isso estamos adotando medidas para melhorar as principais variáveis que impactam sua performance: renda, emprego e taxa de juros. Isso porque a construção residencial tem elevada participação do FBCF. Junto às obras de infraestrutura, os dois segmentos representam uma participação de 55% no FBCF. O primeiro sinal positivo vem da melhora conjuntural. Com a melhora das expectativas de mercado e forte queda da inflação, iniciou-se um intenso ciclo de redução da taxa básica de juros com efeitos diretos sobre o custo do capital, alavancagem financeira dos agentes econômicos e das concessões de crédito. Em abril de 2017, segundo o BC, a taxa média de juros do financiamento imobiliário, operações livres e reguladas, alcançou em média 9,01% ao ano, a menor desde março de 2015 e próxima do piso histórico; a inadimplência desse financiamento, em média de 1,97%, está bem abaixo da das demais operações de crédito; o nível de endividamento e o comprometimento de renda das famílias, 18,5% da renda anual e 2,7% da renda mensal, estão estabilizados em níveis adequados. Os resultados já começaram a aparecer. O PIB do 1º trimestre de 2017, com alta de 1,0% ante o último REVISTA DO SFI

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trimestre de 2016, marcou o fim da recessão, o que deverá ser seguido pela recuperação do emprego e da renda real de maneira mais generalizada. A massa de salários já aumentou 1,1% em termos reais em abril/2017, ante abril/2016 (PNAD Contínua/IBGE) e o emprego formal começou a apresentar, em abril/2017, geração líquida positiva de 60 mil postos de trabalho com carteira assinada (Caged/MTE). No âmbito do seu Ministério, entre as missões mais relevantes está a de preparar o projeto de Orçamento Geral da União (OGU) e, após aprovado, acompanhar sua execução. Qual o impacto sobre o OGU da meta de déficit deste ano e de 2018? Será possível preservar os recursos e incentivos aos programas habitacionais? O que espera do Programa Minha Casa Minha Vida (PCMV) para a geração de emprego? DO– O OGU é elaborado anualmente de modo a incorporar a meta fiscal estabelecida anteriormente pela respectiva Lei de Diretrizes Orçamentárias. Assim, o que pode afetar o OGU são eventuais frustrações de receita e/ou a ocorrência de despesas não previstas no orçamento. O primeiro fator foi determinante para o contingenciamento de R$ 42,1 bilhões em despesas, após o relatório de avaliação do 1º bimestre deste ano. Findo o 2º bimestre, o governo identificou a possibilidade de descontingenciar R$3,1 bilhões consoante com a meta de R$139 bilhões em déficit primário. A expectativa do governo é que a recuperação da economia e o consequente restabelecimento do fluxo arrecadatório permitam um crescente descontingenciamento até o final do ano. Para 2018, nossa meta é de um déficit de R$ 129 bilhões. O objetivo é executar o que foi programado, dando prioridade às áreas essenciais da sociedade, cujos recursos procura-se preservar ao longo da execução orçamentária. No PMCMV, a meta para 2017 é contratar 610 mil unidades habitacionais, englobando todas as faixas de renda do programa. Sem dúvida isso contribuirá para a reversão da taxa de desemprego, que é a prioridade número um do governo. Como vê a atratividade do Brasil para os investimentos em infraestrutura, não apenas do capital nacional como do capital internacional? DO – Os diálogos e os road shows que o governo brasileiro tem feito no exterior apontam para um grande apetite por investimentos em infraestrutura no Brasil. A recente experiência com leilão de aeroportos demonstra esse interesse. De fato, o Brasil se encontra numa posição de grande atratividade, principalmente por acabar de sair de uma recessão. O Fórum de Investimentos Brasil foi um exemplo de como os investidores estrangeiros estão interessados no Brasil, que possui ativos excelentes e que estão baratos. Também, há um avanço nas discussões e possibilidades de mecanismos de proteção cambial.

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Gostaria que avaliasse o interesse de investimento da China no Brasil, em particular por conta do anúncio de criação de um fundo de cooperação que através dos Potenciais Financiadores poderá investir até US$ 20 bilhões – o Fundo Brasil-China de Cooperação para a Expansão da Capacidade Produtiva, com recursos chineses, além de iniciativas de outros países dispostos a investir em infraestrutura no País. DO – Os chineses estão interessados nas oportunidades de investimentos em infraestrutura no Brasil, que, em diversos casos, possuem retornos bem atrativos. Também estamos promovendo mudanças no ambiente de negócios no Brasil, que propiciarão ainda mais oportunidades. Nesse contexto, o Fundo Brasil-China de Cooperação, no montante de U$ 20 bilhões, ganha um contorno relevante, com um mecanismo inovador para os dois países e que tem como objetivo a classificação de projetos de interesse comum entre Brasil e China. Esse mecanismo proporcionará uma maior aproximação e a melhoria do diálogo entre os dois países, no que tange aos investimentos chineses no Brasil. No site do Ministério do Planejamento há uma página exclusiva para o Fundo Brasil-China de Cooperação, que contém informações detalhadas sobre todo o processo de operacionalização do Fundo. Instituições multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), poderão ser parceiros importantes nos investimentos em infraestrutura? O mesmo se aplica ao Banco Mundial, por intermédio da International Finance Corporation (IFC), há muito estabelecida no País? DO – Certamente. As instituições multilaterais possuem grande expertise em infraestrutura, podendo contribuir para que os projetos e a estrutura de financiamento sejam aprimorados. Isso se aplica não só ao BID e ao IFC, mas também a outras agências, como Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). Já considera possível avaliar a mudança nas regras de concessões de infraestrutura, a partir do exemplo de concessões dos aeroportos de Porto Alegre, Florianópolis, Salvador e Fortaleza, bem como de terminais como o do Porto de Santarém? Exemplos como esses tendem a ser replicados nos próximos meses? DO – O governo sempre analisa o perfil das próximas concessões, antes de divulgar os editais e as minutas de contratos associados. Sem dúvida nenhuma, o leilão desses aeroportos foi um grande sucesso e daremos sequência com novos leilões. Como vê a introdução de mecanismos capazes de conferir grande credibilidade ao investimento público, como o do performance bond?


FOTOS: DIVULGAÇÃO

DO – Somos favoráveis a todos os mecanismos que mitigam os riscos de não realização do objeto contratual para as instituições financiadoras e para o Poder Público. Ainda não há no mercado um produto que resolva esse problema de modo completo. Continuamos em conversas com seguradoras e outros agentes na busca de soluções que não sejam apenas financeiras.

O CONGRESSO NACIONAL TEM SIDO UM PARCEIRO FUNDAMENTAL NA APROVAÇÃO DAS REFORMAS”

Qual é a política oficial para as estatais que atuam na infraestrutura, em especial para o grupo Eletrobrás e subsidiárias? A programada privatização ou concessão ao setor privado de distribuidoras da Região Norte permitirá um alívio significativo nos problemas de longo prazo da holding elétrica federal?

Eletrobrás e Petrobras, devem direcionar suas atividades para o seu core-business. Em outros termos, a Eletrobrás deve-se voltar para as atividades de geração e transmissão, saindo dos negócios de distribuição de energia elétrica. A privatização das distribuidoras (Eletroacre, Ceal, Cepisa, Amazonas Energia, BV Energia e Ceron) representará uma melhoria no resultado da empresa, retirando uma fonte de pressão do grupo. No que se refere à Petrobras, também há

DO – As estatais que atuam em infraestrutura, em especial

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estratégia de voltar o grupo para o seu core-business, qual seja: exploração e refino. Isso equivale a dizer que setores como petroquímica e fertilizante serão desinvestidos. A interação com o TCU tem sido importante para aumentar ainda mais a segurança jurídica nas operações de fusões e aquisições que fazem parte desse processo de desinvestimento. Retornando ao crédito imobiliário, como vê o instrumento no longo prazo? Com a modernização normativa do SFH e do SFI, mediante a introdução da alienação fiduciária de bem imóvel, do patrimônio de afetação, da concentração dos ônus na matrícula do Registro de Imóveis, o que falta para consolidar o modelo de financiamento imobiliário? Que importância atribui à segurança jurídica dos contratos de crédito imobi­ liário, em especial à sua aplicação prática no âmbito do Judiciário? Como vê mecanismos como a Letra Imobiliária Garantida (LIG), conhecida como o covered bond brasileiro? DO – Um conjunto de normas, que inclui os institutos da alienação fiduciária, patrimônio de afetação e outros instrumentos, significaram um aperfeiçoamento institucional do SFH e do SFI que resultou em maior segurança jurídica, maior expectativa de recuperação de crédito e contribuiu com o aumento de emprego e da renda e menores taxas de juros, para um ciclo de crescimento importante do financiamento imobiliário. Um aspecto que também tem requerido a atenção do governo e dos agentes do setor e que precisa de um maior esforço é exatamente modernizar e ampliar os mecanismos de funding, fomentando fontes alternativas e eficientes, para complementar e gradualmente ir substituindo a poupança e o

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crédito direcionado. Nesse contexto é que se insere a criação da LIG, um título de crédito emitido por instituição financeira, garantido por créditos imobiliários e pela instituição emissora. Então, na perspectiva de que estão sendo criadas as condições para um novo ciclo de crescimento com estabilidade macroeconômica e queda das taxas de juros, estamos construindo junto ao setor um ambiente propício à retomada dos financiamentos e investimentos baseado em dois eixos: aperfeiçoamentos da legislação regulatória, como a alienação fiduciária e o patrimônio de afetação; e o regulamento da LIG – um primeiro passo na ampliação de alternativas de funding para o setor imobiliário. Como avalia as implicações da crise política deflagrada em maio sobre o programa de reformas estruturais, a começar pela reforma da Previdência? DO – O Congresso Nacional tem sido um parceiro fundamental na aprovação das reformas. Entendo que não haverá impactos significativos, em particular, para a aprovação das reformas trabalhista e previdenciária, sobretudo porque são questões centrais para a retomada da confiança no País, da credibilidade fiscal e do crescimento econômico. O governo tem emitido a mensagem de que as reformas são o caminho para o País crescer de forma sustentável, sendo possível observar o início de um novo ciclo de crescimento com o resultado positivo do PIB do 1º trimestre, com a redução da inflação e com a redução dos juros. Nesse sentido, ainda que, eventualmente, possa ter algum efeito sobre as votações, as reformas são uma agenda estrutural. Por essa razão, estamos confiantes que o Congresso deverá aprová-las, porque está ciente de sua responsabilidade junto à sociedade, especialmente para a recuperação econômica, e não há um plano B para isso.


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COLUNISTA

TEOTONIO COSTA REZENDE Mestre em Gestão e Estratégia de Negócios

É IMPRESCINDÍVEL

PRESERVAR OS MARCOS REGULATÓRIOS DO CRÉDITO IMOBILIÁRIO

Conheça, a seguir, os marcos principais do financiamento de moradias e por que é imprescindível respeitá-los e aperfeiçoá-los

P

ara a maioria dos países, é inegável a relevância que as operações de crédito imobiliário têm, tanto em termos econômicos quanto em relação aos impactos sociais. Isso porque, dado o expressivo valor de um imóvel, poucos são aqueles que têm disponibilidade para adquiri-lo apenas com recursos próprios. O crédito imobiliário exerce o importante papel de, numa ponta, fomentar a produção de imóveis e, assim, possibilitar a geração de emprego e renda via fortalecimento do setor da indústria da construção civil. E por outro, viabilizar o acesso das famílias a uma moradia digna. Dessa forma, ao mesmo tempo em que gera impactos positivos na economia, o crédito imobiliário contribui para o desenvolvimento social por meio do combate ao déficit habitacional, tanto em termos quantitativos como em termos qualitativos. No mundo capitalista, se a segurança jurídica é de extrema importância para o funcionamento de qualquer mercado, inclusive em operações de curtíssimo prazo, nas operações de longo prazo, caso do crédito imobiliário, referida segurança jurídica é absolutamente vital. A segurança jurídica no mercado de crédito imobiliário é representada pelo binômio segurança para conceder o crédito, ou seja, a certeza da validade e eficácia dos contratos e da segurança para recuperar o crédito, isto é, a certeza de exequibilidade das garantias reais no caso de inadimplência do devedor.

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A instabilidade econômica da década de 1980 até meados da década de 1990, agravada pela elevação, em níveis insustentáveis, do risco jurídico advindo do paternalismo com que o Poder Judiciário tratou os devedores inadimplentes, associado à imprevisibilidade do desfecho dessas demandas judiciais, tanto em termos de conteúdo quanto de prazo de conclusão, acabou por tornar o crédito imobiliário ‘mau negócio’ para os bancos. E, por conseguinte, praticamente paralisou o mercado de crédito imobiliário por mais de uma década. A estabilidade econômica vigente a partir do segundo semestre de 1994, conjugada com importantes avanços no marco regulatório, possibilitou a retomada do crédito imobiliário, principalmente a partir de 2004. Para que se tenha uma ideia da dimensão da magnitude desse novo ciclo, vale destacar que no período 1970-1994 foram financiados, em média, 220 mil imóveis por ano, média essa que subiu para 550 mil imóveis por ano no período 1995-2015, com destaque para os três últimos anos desse período, quando se financiou quase 1 milhão de imóveis por ano. É possível afirmar, com convicção, que a melhoria na segurança jurídica foi um dos motores de expansão do crédito imobiliário nesse novo ciclo. Destacaremos, a seguir, os principais avanços verificados no marco regulatório do crédito imobiliário ao longo das duas últimas décadas, embora o objetivo principal deste artigo


não seja falar propriamente desses avanços, mas da preocupação quanto a possíveis retrocessos decorrentes de decisões judiciais equivocadas, que podem fazer com que estes avanços percam a eficácia, com sérios danos para a economia e para a sociedade.

O MARCO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA O primeiro grande marco regulatório, que ofereceu contribuição decisiva para que as Instituições Financeiras voltassem a ter interesse pelas operações do crédito imobiliário, foi a criação do instituto da alienação fiduciária de bens imóveis, instituída em 1997 pela Lei 9.514 e que passou a ser utilizada em larga escala a partir de 2001 e que hoje representa quase 100% das garantias das novas carteiras de crédito imobiliário. Essa garantia foi instituída como solução para a total insegurança em que se havia convertido a garantia hipotecária. Esta, em decorrência de decisões judiciais, cujo ápice foi a Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça, praticamente deixou de ser garantia real, sem embargo do prazo extremamente elevado nas execuções das garantias hipotecárias. Graças à redução da insegurança jurídica decorrente da instituição da alienação fiduciária, bem como de suas externalidades positivas que resultaram em ganhos operacionais em termos de redução de custos e de maior eficácia na cobrança dos devedores inadimplentes, foi possível viabilizar, inclusive, créditos às famílias de baixa renda a custo compatível com a capacidade de pagamento. Neste contexto, a alienação fiduciária teve papel relevante. Por exemplo, no período 2009/2016 foram viabilizados quase 2,8 milhões de financiamentos de imóveis novos por meio do Programa Minha Casa Minha Vida às famílias de baixa renda. Apenas a título de registro, cabe destacar que, não obstante o Programa Minha Casa Minha Vida tenha viabilizado, até 31/12/2016, a produção de quase 4,6 milhões de unidades habitacionais, dos quais cerca de 1,8 milhão de contratos se refere a operações de transferência de subsídios para a chamada Faixa 1. Porém, mesmo para esses contratos de transferência de subsídios, foi utilizado o instrumento da Alienação Fiduciária. Em termos de segurança jurídica, relativamente ao instrumento da alienação fiduciária, REVISTA DO SFI

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uma preocupação que poderá resultar em um novo imbróglio jurídico diz respeito ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto à validade dessa garantia frente aos chamados ‘adquirentes de boa-fé’? Prevalecerá, de fato, o previsto em lei, ou seja, que o credor fiduciário é proprietário do imóvel? Ou se repetirá o entendimento consumerista da Súmula 308, fazendo que a alienação fiduciária também perca, a exemplo da hipoteca, sua eficácia como garantia? Ainda em relação à alienação fiduciária, no contexto da insegurança jurídica, o jurista Melhim Chalhub, um dos maiores estudiosos e experts na matéria, tem alertado quanto a recentes decisões do Poder Judiciário que ameaçam fragilizar referida garantia. É o caso do Cartório de Registro de Imóveis que se recusa a realizar o registro da Consolidação da Propriedade simplesmente mediante expediente do devedor que alega não concordar com o valor que lhe está sendo cobrado. No intuito de contribuir para mitigar os riscos de fragilização da Alienação Fiduciária como garantia imobiliária, Chalhub tem dado ênfase à incompatibilidade dos ritos executórios da hipoteca em relação à alienação fiduciária. Para tanto, tem chamado a atenção para preocupantes decisões proferidas no STJ e nos Tribunais Estaduais. Entre estas, em contratos com garantia de alienação fiduciária cabe destacar a determinação de que a instituição financeira credora aceite a purgação da mora após a consolidação da propriedade e até a data da arrematação, além da aplicação subsidiária do DL 70/66. Neste particular, como esclarece Chalub, a Lei 9.514/97 tem um rito específico de execução extrajudicial para os contratos com garantia de alienação fiduciária, permitindo a aplicação subsidiária do DL 70/66 exclusivamente nos financiamentos com garantia hipotecária.

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Outra grave ameaça ‘indireta’ à alienação fiduciária está relacionada ao julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) relativamente à execução extrajudicial disciplinada no Decreto-Lei 70/66. Ora, se o STF julgar inconstitucional a execução extrajudicial prevista no DL 70/66, é pouco provável que não se ataque, logo em seguida, a execução extrajudicial disciplinada na Lei 9.514/97. O que chama a atenção neste caso é que o próprio STF já havia se pronunciado, deixando claro que o referido DL 70 não ofendia a Constituição Federal. Há, assim, o risco de se retornar à tese de que no Brasil até “o passado é mais incerto do que o futuro”. Decisões do tipo implicam os riscos de ‘judicialização do processo extrajudicial’ e fragilização da alienação fiduciária, trazendo grave risco para as operações de crédito imobiliário. PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO O segundo grande marco regulatório ocorreu em 2004, por meio da Lei 10.931, que criou o Patrimônio de Afetação e o Incontroverso. No caso do Incontroverso, este passou a ser um importante instrumento de combate à inadimplência, pois a Lei 10.931/2004, em seus artigos 49 e 50, regulamentou a forma de adimplemento das obrigações do devedor nas demandas que tenham por objeto os contratos de compra e venda de imóveis com pagamento parcelado. Para tanto, conforme textos de autoria de jurista Chalhub, foi determinado que “a parcela não controvertida da obrigação continue sendo paga e que a parcela controvertida seja depositada, mecanismo semelhante ao da ação de consignação em pagamento, em que se faculta ao credor o levantamento da parcela não controvertida da dívida e a manutenção da parcela controvertida em depósito”. Para que se tenha ideia da relevância da inovação trazida pela Lei 10.931/2004, basta

É HORA DE PENSAR A HABITAÇÃO SOCIAL COM UM POUCO DE OUSADIA


lembrar que, até então, era comum que o devedor, para evitar a execução de sua dívida, ingressasse em juízo contestando os valores que lhe eram cobrados. Normalmente questionava os índices de reajuste das prestações, nos casos de contratos regidos pela equivalência salarial e, quase sempre, afirmava a existência de anatocismo ou, não tão raramente, trazia a tese recentemente sepultada pelo STJ de que primeiro se deveria calcular os juros para, somente então, atualizar o saldo devedor. Uma vez concedida a medida liminar, o devedor se eximia de fazer quaisquer pagamentos enquanto a ação não tivesse seu desfecho final. Em muitos casos, além de não pagar as prestações do financiamento, também não pagava as taxas condominiais e os tributos incidentes sobre o imóvel. Ao final da demanda, após ter frustrado o fluxo de retorno esperado pelo credor ao longo de vários anos, tampouco dispunha de recursos suficientes para quitar a dívida em atraso e, portanto, em algumas situações o credor tinha de refinanciar grande parte dessa dívida ou, com mais frequência, adjudicar um imóvel em que, não raramente, a dívida tributária e condominial superava o valor da garantia. A partir do incontroverso, o credor poderá requerer a cassação da liminar eventualmente concedida, caso o devedor fique em mora com o pagamento das parcelas incontroversas e/ ou em relação ao pagamento dos tributos incidentes sobre o imóvel e a taxa condominial. Neste particular, é fundamental que as instituições financeiras exerçam rigoroso acompanhamento dos contratos que estão amparados por medidas liminares de modo a agir tempestivamente em caso de inadimplência do devedor, de forma a evitar que o Poder Judiciário seja invocado apenas para protelar o pagamento da dívida. Ainda em termos de controles e ações por parte das instituições financeiras, cabe destacar que a Lei 10.931 faculta ao juiz, “em caso de relevante razão de direito e risco de dano irreparável ao autor”, pagar somente a parcela não controvertida, ou seja, dispensando-o de fazer os depósitos da parte controvertida. Neste caso, é importante que os credores estejam atentos, verificando se em alguma localidade essa exceção não se está convertendo em regra. Em termos de marcos regulatórios de extrema relevância, a Lei 10.931 criou também

o patrimônio de afetação, que consiste na segregação patrimonial de bens do incorporador para uma atividade específica, com o intuito de assegurar a continuidade e a entrega das unidades em construção aos futuros adquirentes, mesmo em caso de falência ou insolvência do incorporador. Novamente nos recorrendo aos ensinamentos de Melhim Chalhub, os “patrimônios de afetação são compostos por bens destinados a uma função específica e para realizá-la são submetidos ao regime da incomunicabilidade, da qual resultam a vinculação de receitas e a limitação de responsabilidade; cumprida a função, o conjunto de direitos e obrigações que forma o patrimônio separado é desafetado e o que dele remanescer é reincorporado ao patrimônio geral do instituidor, livre do vínculo que o prendia à destinação para a qual foi afetado”. Desnecessário dizer quão importante é o patrimônio de afetação para salvaguardar os direitos de compradores de imóveis na planta em relação ao chamado “efeito Encol” (em alusão a uma grande construtora que faliu nos anos 90 dando enormes prejuízos aos adquirentes) e também para mitigar riscos para as instituições financeiras, haja vista que, na eventualidade da destituição do incorporador, a administração da incorporação passará a ser feita por comissão de representantes dos adquirentes ou, se for construção financiada, “por empresa ou profissional indicado pela instituição fornecedora dos recursos para a obra, devendo ser ouvida, neste último caso, a comissão de representantes dos adquirentes”. Tamanha é a importância da figura do patrimônio de afetação que, embora defensores da intervenção mínima do Estado em operações de mercado, entendemos que, em vez de opção do incorporador, a prática deveria ser obrigatória, principalmente nas operações destinadas à produção de habitação social. Além dessa obrigatoriedade, como afirma o consultor jurídico da Abecip, José Antônio Cetraro, “não basta ter o patrimônio de afetação; os bancos precisam zelar também pelos recebíveis, que substituem a hipoteca a partir da comercialização da unidade”. Destaque-se ainda a relevância de incentivar e dar maior ênfase à atuação da comissão de representantes dos adquirentes, com vistas à transparência e a mitigar riscos de práticas irregulares em relação ao patrimônio afetado. REVISTA DO SFI

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NÃO CABE IMPUTAR AO FINANCIADOR A RESPONSABILIDADE POR VÍCIOS CONSTRUTIVOS

Considerando que o patrimônio de afetação é um mecanismo de defesa dos adquirentes dos imóveis, seria de se esperar que, no âmbito do Poder Judiciário, se organizassem defensores das regras desse instrumento. Mas preocupações têm surgido recentemente, por exemplo, no caso de empresas que entram em recuperação judicial com a manifesta pretensão de consolidar os patrimônios de afetação no patrimônio geral da incorporadora. A rigor, isso representaria um absurdo jurídico ­– ou seja, a ‘desafetação do patrimônio afetado’ – implicando enormes riscos para os adquirentes dos imóveis e para a instituição financiadora. Mais uma vez recorrendo aos ensinamentos de Chalub, “não se pode cogitar da consolidação dos patrimônios de afetação no patrimônio geral da incorporadora recuperanda, dada a subsistência do regime especial de incomunicabilidade, que, instituído por lei (Lei 4.591/1964, arts. 31-A e seguintes, e CPC art. 833, XII), só por lei pode ser excepcionado, e, na medida em que a Lei 11.101/2005 não o excepcionou, os patrimônios de afetação das incorporações imobiliárias da empresa recuperanda permanecem incomunicáveis e, portanto, sujeitos ao regime de vinculação de receitas”. SISTEMAS DE AMORTIZAÇÃO Outro marco relevante em termos de mitigação do risco jurídico nas operações de crédito imobiliário foi a regulamentação dos Sistemas de Amortização e da Capitalização Mensal de Juros, ambos por meio da Lei 11.977/2009. Até então, alegar a ocorrência de anatocismo e/ ou a ilegalidade da Tabela Price ou mesmo de qualquer outro sistema de amortização era o mecanismo mais utilizado por devedores inadimplentes com o objetivo de postergar o processo de execução da dívida. No entanto, em que pese o avanço em termos de transparência na relação credor versus devedor, resultante da Lei 11.977, este ‘esqueleto’ ainda não foi ‘cremado’. Ainda há um grande estoque de contratos firmados anteriormente à Lei 11.977, que trata exclusivamente de financiamentos imobiliários concedidos por instituições integrantes do SFH. A solução definitiva do problema passa pela revogação ou alteração do artigo 4º do Decreto 22.626/33, bem como da alteração do artigo 591 da Lei 10.406/2002 (Código Civil), para eliminar, de uma vez por todas e de qualquer modalidade de crédito, as polêmicas sobre a prática de

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juros compostos, bem como dos equívocos em relação ao que seja capitalização de juros. CONCENTRAÇÃO NA MATRÍCULA Merece também destaque, na linha da mitigação dos riscos jurídicos, a Concentração de Atos na Matrícula do Imóvel, criada pela Lei 13.097/2015. O objetivo é reunir na matrícula do imóvel todos os eventuais riscos jurídicos a ele relativos, resultando em transparência e mitigação de riscos, principalmente para os compradores de imóveis e agentes financeiros do crédito imobiliário. Além desses ganhos, trará simplificação e celeridade para a concessão dos financiamentos habitacionais. Referida lei vem enfrentando resistência por parte de alguns poucos que tiveram interesses particulares feridos, mas é imprescindível que o Poder Judiciário garanta a aplicação da lei, tais os ganhos que dela advirão em termos de segurança das transações imobiliárias. Outro aspecto relevante em matéria de risco jurídico – e que se vem arrastando há muito, sem grande evolução –, diz respeito à imputação à instituição financeira que financiou o imóvel, inclusive nos casos que tenha financiado apenas a operação de compra e venda e não a produção do imóvel, a responsabilidade por eventuais vícios construtivos, quando a construtora não os repara. É patente que a instituição financeira não constrói nem vende as unidades habitacionais que financia, mas apenas e tão somente disponibiliza os recursos financeiros para viabilizar a transação imobiliária. Ainda são raras as decisões em que o Poder Judiciário imputa a responsabilidade de reparo dos vícios construtivos


ça social’ provoca, como efeito, a ‘socialização dos custos’, pois estes serão pagos pela coletividade. Enfim, os bons pagadores arcam com prejuízos causados por inadimplentes beneficiados com a dita ‘justiça social’. O bom senso recomenda que, desde que o contrato não contenha nenhuma cláusula ilegal, ele deva ‘fazer lei’ entre as partes – e a melhor forma de o Poder Judiciário ‘fazer justiça social’ é seguir o código binário dos sistemas jurídicos (lícito-ilícito).

à instituição financeira, mas este se tornou fator de encarecimento do crédito para os tomadores de crédito. Não se esqueça, ainda, da insegurança jurídica resultante do disposto no artigo 421 do Código Civil, quando os juízes associam a chamada ‘função social do contrato’ à ideia de que se deva fazer ‘justiça social’, gerando o risco adicional de politização do direito. Nessa trilha, tomando por base a tese da função social dos contratos, alguns juízes têm revisado contratos de acordo com seus conceitos subjetivos de ‘justiça social’, sob o argumento político de que é preciso proteger o fraco contra o forte que, no caso das operações de crédito imobiliário, é o mutuário. Para se ter ideia da dimensão dessa ‘politização do direito’, destaque-se o estudo de Armando Castelar Pinheiro mostrando que 73,1% dos magistrados afirmaram que “o juiz tem um papel social a cumprir e a busca da justiça social justifica decisões que violem os contratos”. Considerando ainda que o conceito de justiça social não é uma ‘ciência exata’ – ou seja, varia de pessoa para pessoa, “cada cabeça uma sentença”, no dito popular – imagine-se numa demanda sobre o direito à propriedade rural em que um juiz fosse o senador Ronaldo Caiado e o outro juiz fosse o senhor José Rainha, ex-líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A revisão dos contratos traz imensurável insegurança jurídica, criando instabilidade no ambiente econômico e elevando os custos de transação para todos que dependem do crédito imobiliário. O custo de se ingerir nos contratos para se fazer ‘justi-

O princípio da segurança jurídica é um dos pilares sobre os quais se assenta o estado de direito, sendo inquestionável que a insegurança jurídica tem custo elevado para os agentes econômicos, custo esse que é repassado para a sociedade, em geral, via preço ou, pior do que isso, via retração das atividades econômicas e consequente atraso para o País. A insegurança jurídica insere no ambiente de negócios um risco exógeno e imensurável, eleva os custos das transações e desestimula os investimentos e a aplicação do capital disponível. Nesse contexto, é essencial a previsibilidade do direito para que o mercado possa fluir e usufruir de toda a sua potencialidade, condição somente factível quando se torna possível fazer previsões minimamente seguras e objetivas e, portanto, seja viável precificar produtos e serviços apenas com os custos e riscos inerentes ao próprio negócio. Não se defende a eliminação de riscos – presentes em todo tipo de atividade econômica e operações comerciais – e imanente ao regime de mercado. Numa visão mais ampla, o economista norte-americano Frank Knight afirma que o mercado apresenta duas variáveis – risco e incerteza. No caso do risco, embora os resultados não sejam seguramente conhecidos, pode-se determinar a probabilidade de vários resultados potenciais, permitindo uma análise matemática do grau de risco. Neste caso, pode-se adotar medidas prévias para mitigá-los e, dessa forma, é minimamente possível, realisticamente, estimar os resultados esperados. Por sua vez, a incerteza advém de situações em que não se conhece a probabilidade de se obter os resultados desejados, significando que, nestes casos, não é possível, matematicamente, medir o grau de risco das alternativas de negócios. Numa verdadeira economia de mercado, investidores e empresários quase sempre decidem num ambiente REVISTA DO SFI

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de risco e incerteza e, assim, avaliam o potencial dos possíveis retornos, isto é, antes de decidir por determinada linha de ação, avaliam os possíveis resultados e comparam o retorno potencial frente às probabilidades, inclusive de perdas. Nesse contexto, a insegurança jurídica se insere nas operações de crédito imobiliário como variável de altíssimo peso para o custo e o funcionamento do negócio. Para que o sistema jurídico possa contribuir para o eficiente funcionamento do mercado, gerando um modelo ganha-ganha entre produtores e consumidores, como diz o advogado Marcelo Terra, cabe garantir, no tempo, a segurança jurídica, de forma que, em relação ao passado, haja “a certeza do tratamento jurídico dado a fatos já consumados, aos direitos adquiridos e a certeza da força da coisa julgada” e, para o futuro, o “sentimento de previsibilidade, quanto aos efeitos jurídicos decorrentes da atividade humana”. Justiça seja feita, nas operações de crédito imobiliário a insegurança jurídica não pode ser atribuída apenas à atuação do Poder Judiciário, embora este tenha nela grande participação. Além de um emaranhado de leis e normas que regulam o crédito imobiliário, o texto básico (a Lei 4.380/64) já tem mais de meio século. Não são raros os casos de falta de clareza e de transparência em muitos desses textos legais. Isso, sem contar que um decreto do início do Século 20, no caso o Decreto 22.626/33, ainda desponta como um dos maiores geradores de insegurança jurídica tanto para o mercado de crédito imobiliário como para os setores produtivo e financeiro. Muitas vezes o Poder Legislativo e, porque não dizer, os próprios atores do mercado de crédito imobiliário e do mercado imobiliário, ao permitirem a prevalência da ambiguidade, deixam aberta a porta para que o Judiciário tire as próprias conclusões. Ademais, para que o Poder Judiciário possa decidir com segurança, é imprescindível que os contratos de financiamento sejam elaborados corretamente, estejam em plena sintonia com a legislação que rege a operação e de acordo com o negócio que está sendo realizado. E, também, que o conteúdo das cláusulas contratuais seja passível de verificação, de entendimento e de aplicação. É essencial a percepção de que elaborar cláusulas de um

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contrato de crédito imobiliário não é tarefa para ‘amadores’, requerendo a participação de técnicos e advogados com expertise em crédito imobiliário. Na mesma linha, é importante avaliar os riscos e os ganhos de ações que visem ‘enxugar’ os contratos de crédito imobiliário, para que estes tenham o menor número de páginas possível, devendo-se ter o cuidado de não eliminar dados relevantes para a segurança jurídica e a transparência da operação. Portanto, entendemos ser de suma importância e urgência a constituição de um grupo de trabalho composto por experts em crédito imobiliário e em direito imobiliário, pelo setor da construção civil e por técnicos do Banco Central, preferencialmente sob a coordenação do Ministério da Fazenda, para (re)construir o arcabouço completo das operações de crédito imobiliário, eliminando o emaranhado e a dispersão hoje presentes, com foco na modernização e na atualização e, sobretudo, na transparência, para minimizar os conflitos entre credores e devedores e permitir que, quando esses conflitos ocorram, fique mais previsível o desfecho de uma demanda judicial. Nesse caso, quem tem razão terá quase 100% de certeza de êxito e quem não tem saberá que tem quase 100% de certeza que será perdedor. Seguramente, em operações de longo prazo, caso do crédito imobiliário, é impossível prever em leis, normas e contratos todas as possíveis ocorrências. Num mercado dinâmico, é natural que ocorram fatos imprevistos. Nestas situações, quando não é possível resolver as dúvidas administrativamente, as demandas desaguam na esfera judicial. Nessa hipótese, seria importante que, após a construção de um novo arcabouço jurídico, se mantivesse uma ‘inteligência permanente’ para ajustar o marco regulatório no tempo, abrigando no possível as demandas. Há uma minoria à qual não interessa a clareza de leis e normas, nem transparência nas relações entre credores e devedores: são os integrantes da ‘indústria de liminares’. Mas seguramente os ganhos para a sociedade mais do que justificam investir na mitigação da insegurança jurídica e na transparência das relações entre os diversos atores que interagem no mercado de crédito imobiliário e no mercado imobiliário.


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A INSEGURANÇA JURÍDICA

AMEÇA

A RETOMADA IMOBILIÁRIA 30

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CAPA

Questionamentos sobre instrumentos consolidados como alienação fiduciária e patrimônio de afetação geram incertezas sobre o desenvolvimento do crédito imobiliário

O

Marcos Garcia de Oliveira (*)

financiamento imobiliário é um compromisso que pode perdurar durante toda a vida útil de uma família, exigindo regras claras e estáveis, sem as quais os negócios imobiliários não fluem. Mas embora esse seja um fato óbvio, é frequentemente escamoteado e confrontado no Brasil. Como já ocorreu no passado, o mercado de imóveis volta a registrar, aqui e ali, sinais de que conquistas aparentemente consolidadas, como a alienação fiduciária e o patrimônio de afetação, podem ser solapadas. O resultado é insegurança jurídica, prejudicial a todos. E no rol dos problemas de insegurança desponta o dos distratos, que afeta o mercado imobiliário em decorrência de decisões judiciais que autorizam o rompimento unilateral de contratos de compra e venda de imóveis tidos e havidos como irretratáveis e irrevogáveis.

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As questões jurídicas sempre estiveram presentes nos contratos imobiliários. Nos anos 1980, por exemplo, o problema eram as hipotecas. Esse instrumento de garantia que em todo o mundo cumpre bem seu papel aqui entrou no rol dos vilões quando juros altos e recessão fizeram crescer a inadimplência e ameaçaram o modelo de crédito habitacional, cujos instrumentos de proteção eram fracos para a uma inflação de três dígitos e o desemprego crescente. Uma enxurrada de questionamentos sobre a retomada dos imóveis hipotecados chegou aos tribunais, sobrecarregando o Judiciário. A resposta do Judiciário à demanda dos mutuários inadimplentes – a multiplicação de decisões benevolentes com os devedores – provocou maus resultados. Só aparentemente tais decisões beneficiaram famílias de baixa renda em apuros, produzindo, na verdade, efeito oposto. Com menos garantias, o crédito imobiliário encolheu. E enquanto algumas famílias inadimplentes se beneficiaram com decisões pontuais que asseguraram sua permanência nos imóveis, milhões de brasileiros viam ficar mais distante o sonho da casa própria.

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UMA BOA SOLUÇÃO A alienação fiduciária, nascida em 1997 para solucionar o impasse e assegurar uma via extrajudicial para a recuperação do cré­dito, mostrou sua eficácia a partir de 2004, quando começou efetivamente a ser implementada. Fabrízio Ianelli, superintendente executivo de negócios imobiliários do Santander, lembra que o instrumento “trouxe mais segurança para as instituições investirem em financiamentos habitacionais; quem tinha recursos voltou suas baterias para esse mercado”. Associada à melhora macroeconômica, a alienação fiduciária permitiu multiplicar o número de imóveis construídos ou adquiridos com recursos do SBPE – de 54 mil unidades em 2004 para 538 mil em 2014, antes de a crise econômica voltar a afetar os negócios. A participação do crédito imobiliário no PIB passou, no período, de 1,3% para os 9,6% registrados em maio de 2017. Mas como lembra o presidente da Abecip, Gilberto Duarte de Abreu Filho, é nos momentos de crise que se começa a testar os instrumentos jurídicos. “Com as


DECISÕES DE PRIMEIRA INSTÂNCIA PODEM AMEAÇAR A SEGURANÇA JURÍDICA” Melhim Chalhub

dificuldades enfrentadas pelas famílias e pelas empresas, o mercado foi questionado e, apesar de ter passado relativamente bem pelo teste, começaram a aparecer as primeiras rachaduras no modelo, no patrimônio de afetação e na alienação fiduciária, com manifestações jurídicas distintas da natureza da lei”, explica. Para ele, a insegurança gerada por questionamentos legais acerca de instrumentos jurídicos já consolidados é uma ameaça a todo o modelo. “Da mesma maneira que esses dois pilares foram fundamentais para sustentar o crescimento observado na última década, sem eles o próximo ciclo de crescimento será comprometido. Sem confiança nas garantias, as instituições financeiras passam a dar menor valor a este tipo de crédito”, explica. Os problemas recentes com a alienação fiduciária começaram em 2014, recorda o consultor jurídico da Abecip, José Antonio Cetraro. Naquele ano o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisão de pri-

meira e segunda instâncias e autorizou um devedor a fazer o pagamento integral da dívida após o fim do contrato por não pagamento. “Era um caso simples, no qual a não purgação da mora já havia consolidado a propriedade em nome do fiduciário e extinguido a dívida, como determinam os artigos 26 a 30 da Lei 9.514/97, mas a juíza optou por uma interpretação própria e autorizou o devedor a usar um benefício válido para a hipoteca num contrato com alienação fiduciária, permitindo que ele pagasse a dívida após o fim do contrato”, lembra Cetraro. Além das implicações jurídicas dessa decisão peculiar, a nova interpretação do STF estabeleceu nova orientação para as instâncias inferiores. “Começaram a chover solicitações desse tipo nos tribunais de justiça e houve muitas sentenças semelhantes”, diz o consultor jurídico da Abecip, para quem isso provocou a judicialização de uma questão que era extrajudicial. Em resumo, “um caminho ruim, pois estimula quem tem dificuldades para pagar a recorrer a um expediente e ganhar tempo para quitar a dívida”. Um segundo instrumento, criado em 2004 para fortalecer as operações imobiliárias – o patrimônio de afetação –, começou a mostrar problemas na crise recente enfrentada por incorporadoras. As dificuldades não se originaram na legislação, que criou garantia adequada para compradores de imóveis na planta, evitando a repetição dos ônus decorrentes da quebra da incorporadora Encol, nos anos 90, mas de sua aplicação prática. Em apuros com a liquidez, a incorporadora Viver recorreu à recuperação judicial como boia de salvação. Os advogados da empresa tentaram na Justiça nivelar todas as operações, desconsiderando que a lei dá tratamento preferencial aos credores do empreendimento protegido pelo patrimônio de afetação. O primeiro teste, disse Cetraro, “foi superado positivamente”. O juiz de primeira instância respeitou a garantia, “mas houve recurso e preocupação” com o risco de enfraquecimento do instrumento”. No início de julho, o processo de recuperação judicial da incorporadora PDG era outra fonte de preocupação. Em sua proposta, a incorporadora optou por segregar os seus emREVISTA DO SFI

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preendimentos com patrimônio de afetação em planos de recuperação individuais. Em caso de déficit nesses planos, o passivo restante seria renegociado conforme o tratamento do plano principal apenas quando toda receita gerada fosse obtida e os compromissos, honrados. A proposta gerou uma divisão entre os credores. De um lado, houve bancos que concordaram com a ideia. Outros consideraram que nem mesmo as sociedades de propósitos específicos (SPEs) podem ir à recuperação pela via judicial. A própria PDG mostrava-se, no início de julho, aberta a propostas conciliadoras e as instituições financeiras negociavam uma posição unânime sobre o tema. O presidente da Abecip, Gilberto Duarte, trata o patrimônio de afetação como instrumento muito importante para o comprador do imóvel. Mas embora nem sempre os bancos exijam o patrimônio de afetação ao contratar um financiamento, um eventual enfraquecimento dessa garantia deve ser visto com preocupação pelas instituições financeiras. “Seria uma rachadura no modelo, que poderia se propagar e virar uma nova regra do mercado, criando uma instabilidade, cuja conta seria paga por toda a sociedade, com empréstimos mais caros, menos negócios, menos empregos e assim por diante”, reflete.

MODERNIZAR A LEI DE INCORPORAÇÕES

visto com caráter geral pelas regras básicas da recuperação judicial”. Para o diretor do Bradesco, a sociedade precisa ser melhor esclarecida sobre a “função social do contrato”. Isso não significa dar simplesmente a razão ao devedor, “mas enxergar a importância econômica e social do crédito em massa e respeitar os contratos pela utilidade que têm para o conjunto da sociedade, pois o crédito facilita o acesso de grande número de pessoas à sua moradia, aquisição de bens, etc.”.

ÁRVORE E FLORESTA Historicamente, em horas de crise econômica, o Judiciário brasileiro reage de forma paternalista, buscando fazer justiça social e redistributiva caso a caso. É como vê um dos maiores especialistas em Direito Imobiliário do País, o advogado Marcelo Terra, sócio do escritório Duarte Garcia Caselli Guimarães Terra Advogados e ativo participante do SecoviSP. Terra diz sobre o Judiciário: “Esquece de ver a floresta para enxergar somente a árvore”. Ao avaliar só as consequências da ruptura de determinada relação contratual, os juízes parecem deixar de ponderar sobre seus reflexos em todas as relações jurídicas conexas e inter-relacionadas. Daí a extrema importância, avança, da visão panorâmica, envolvendo o complexo das relações contratuais e econômicas antecedentes e sucessivas. “A proteção de uma determinada

João Carlos Gomes da Silva, da Diretoria Executiva do Bradesco, concorda. A Lei de Incorporação Imobiliária de 1964 precisa ser modernizada, diz ele, avançando: “Isso virá com a efetiva aplicação dos princípios do patrimônio de afetação como padrão mínimo e obrigatório para empreendimentos destinados à venda, tendo em vista que esse instrumento complementa a segurança da Lei de Incorporação, ao priorizar o coletivo de adquirentes das unidades incorporadas frente aos interesses individuais”. Mais do que isso, a Lei de Recuperação Judicial precisa ser atualizada, diz Silva. As operações de crédito destinadas à produção de moradias são diferentes das relativas a atividades puramente industriais e é necessário garantir a continuidade do fluxo de caixa, para que a empresa possa concluir o empreendimento e repassar as unidades aos compradores. Por isso, não considera “aplicável de maneira automática o pre-

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Everaldo Cambler


situação, ao largo da lei, afeta a segurança jurídica, essencial para o correto planejamento e para o desejado desenvolvimento sustentado”, afirma Terra. Para quem cabe enfrentar essa visão paternalista “com o esforço necessário para demonstrar ao julgador da importância macroeconômica de seu julgamento, sem medo de uma exposição que possa ser considerada como politicamente incorreta”.

ATIVISMO JUDICIÁRIO Outro especialista em Direito Imobiliário, Everaldo Cambler, sócio do escritório Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica, tem igual entendimento. “Perseguindo um caminho que conduziu ao descrédito da garantia hipotecária, diversas decisões judiciais, partícipes do hoje denominado ‘ativismo judiciário’, têm afastado a alienação fiduciária de seu regramento estabelecido em lei, ameaçando a qualidade da garantia”, enfatiza. É esse um dos desafios que o futuro do mercado apresenta. Decisões desse tipo não podem prevalecer no sistema jurídico, “sob pena de afrontarmos o princípio constitucional da segurança jurídica”. Desafio igualmente vital para a estabilidade do sistema jurídico, segundo Cambler, é a preservação dos leilões extrajudiciais, previstos no Decreto-Lei 70/66, na Lei 9.514/97 e em outros microssistemas legais, mas objeto de questionamento sob alegação de inconstitucionalidade. “O tema há muito deixou de ser polêmico, pois a constitucionalida-

de dos leilões extrajudiciais já foi sobejamente reconhecida pela doutrina e jurisprudência”, recorda. Mas votos recentes no Supremo Tribunal Federal (STF) ameaçam esse recurso eficiente para a resolução rápida de inadimplementos. “São evidentes as graves consequências que uma eventual decisão pela inconstitucionalidade dos leilões extrajudiciais trará para o mercado imobiliário e, principalmente, para a sociedade brasileira”, completa.

O PAI DA MATÉRIA Autor tanto do anteprojeto de lei do sistema de garantias fiduciárias instituído pela Lei 9.514/97 como do anteprojeto de constituição de patrimônios de afetação, o jurista Melhim Namem Chalhub é um analista privilegiado dos problemas, espécie de ‘pai da matéria’ da fidúcia e da segurança jurídica no âmbito imobiliário. E teme “decisões de primeira instância e de tribunais regionais e estaduais que, embora isoladas, ameacem a segurança jurídica” do crédito imobiliário. Melhim admite a necessidade de aperfeiçoar as normas referentes à alienação fiduciária e ao patrimônio de afetação. No caso da alienação fiduciária, por exemplo, “as normas precisam ser adequadas a procedimentos instituídos pelo novo Código de Processo Civil, sancionado em 2015, e em face de entendimentos que vêm sendo firmados pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”. Quanto ao patrimônio de afetação, deveria ser obrigatoriamente incluído nos contraREVISTA DO SFI

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tos. “A meu ver, é elemento natural do contrato de incorporação imobiliária e, portanto, deve ser aplicado a toda e qualquer incorporação”, diz. Na prática, “a crise do setor, com vários pedidos de recuperação judicial de empresas incorporadoras, vem demonstrando o risco a que ficam expostos os adquirentes, caso os diversos empreendimentos de uma mesma empresa não sejam segregados em patrimônios de afetação”. Mas, embora não tenha prosperado a ideia de consolidar na holding todos os patrimônios de afetação, o jurista lembra que o governo vem trabalhando para afastar a insegurança jurídica daí resultante. Um grupo de trabalho foi criado no Ministério da Fazenda para analisar um conjunto de alterações na Lei de Recuperação Judicial e Falência. Entre as ideias em avaliação está a da inclusão de dispositivo explicitando que as incorporações integrantes de patrimônios de afetação prosseguirão sua atividade com autonomia, imunes aos efeitos da recuperação, “e que seu resultado só será incorporado ao patrimônio da incorporadora em recuperação depois de entregues os imóveis aos adquirentes, com construção averbada no Registro de Imóveis e liquidado o financiamento da construção, se houver”.

A VISÃO DOS CONSTRUTORES Henrique Borenstein, fundador e presidente do Conselho da Helbor Empreendimentos, também se preocupa. “É inevitável que decisões judiciais que enfraqueçam o patrimônio de afetação tragam insegurança jurídica para os agentes financeiros e para os consumidores. Isso atinge o mercado de uma forma

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sistêmica”. Para Borenstein, que antes de constituir a Helbor atuou no Banco de Crédito Nacional (BCN), com o banqueiro Pedro Conde, a consequência “lógica e imediata” dessa insegurança é a elevação da taxa de juros e o aumento de custos para o incorporador. E, num segundo momento, também para o comprador. “O mesmo ocorre quando nos deparamos com decisões judiciais, inclusive de segunda instância, que determinam a rescisão de uma alienação fiduciária”, diz ele. “Em minha visão, precisamos torcer para que as recuperações judiciais em andamento respeitem a segregação patrimonial proporcionada pela afetação”. Mas a questão da obrigatoriedade do patrimônio de afetação é polêmica, pois traz custos e limitações para as operações. Embora conte com adeptos até mesmo entre os incorporadores, caso de Emilio Fugazza, diretor financeiro e de relacionamento com investidores da EZTec, tanto o presidente da Abecip, Gilberto Duarte, como o CEO da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), Luiz Antonio França, veem com reservas essa possibilidade. Para eles, é mais importante que a sociedade seja esclarecida sobre a importância desse instrumento, deixando-se a sua adoção a critério dos envolvidos em cada negócio. “Se os compradores passarem a exigir que os empreendimentos tenham patrimônio afetado, ele se tornará obrigatório”, diz França. Mas a insegurança jurídica também preocupa o gestor da Abrainc. Ele cita a questão dos distratos, que afeta diretamente o seu segmento do mercado. “O tratamento que o distrato recebe hoje no Judiciário brasileiro não tem paralelo no mundo”, observa França, lembrando que o problema não atinge só as incorporadoras. “O maior problema fica com quem paga em dia e permanece no contrato, pois corre o risco de não receber o imóvel, se os distratos inviabilizarem o empreendimento”. Dessa forma, embora possam existir diferenças nas receitas para enfrentar o problema, o diagnóstico é unânime no setor: é essencial para o próximo ciclo de desenvolvimento do mercado que se crie um ambiente de segurança jurídica. Sem isso, alerta Borenstein, “todos perdem – os bancos, as incorporadoras e, especialmente, os compradores”. (*) Marcos Garcia de Oliveira é jornalista


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DIREITO IMOBILIÁRIO

LEI MUDA PARA

ASSEGURAR CONFIABILIDADE À ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA O instituto da alienação fiduciária completa 20 anos

P

Por José Cetraro (*)

erto de completar 20 anos de vigência, a Lei 9.514/97 foi objeto de alterações importantes no tocante à alienação fiduciária de bem imóvel, em dispositivos incluídos no Projeto de Conversão PL 012/2017 – em tramitação no Congresso Nacional. Operou-se, assim, a substituição da hipoteca como garantia real até então predominante, porém alvo de posicionamento do Judiciário em relação ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH) que resultou em perda significativa de sua efetividade, em especial a partir da edição da Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) , além da natural morosidade da prestação jurisdicional como fator que concorre negativamente na recuperação dos créditos comprometidos pela inadimplência. Atualmente, a quase totalidade dos financiamentos imobiliários é garantida pela alienação fiduciária de bem imóvel Ao longo desses quase vinte anos essa modalidade de garantia sofreu questionamentos no Judiciário, muitos deles motivados pelo fato de se tratar de um procedimento extrajudicial, tal como ocorreu com o Decreto Lei nº 70/66 específico às hipotecas, invocando sua inconstitucionalidade por resultar em expropriação de bem “sem o devido processo legal”, no entendimento dos autores desses questionamentos.

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Assim como o próprio Decreto Lei nº 70/66, a alienação fiduciária tem regularmente superado essa questão, tendo sido sistematicamente reconhecida no Judiciário a sua constitucionalidade. Todavia, outras questões suscitadas têm como pretensão aplicar disposições específicas da execução extrajudicial de hipotecas do citado Decreto-lei no procedimento de execução da alienação fiduciária, apesar da absoluta incompatibilidade jurídica desses dois institutos jurídicos. O mais significativo resultou de uma decisão da Terceira Turma do STJ, proferida em 3 de junho de 2014 , posteriormente seguida por outras, que admitiu a purgação da mora pelo devedor até a arrematação do imóvel apesar de já consolidada a propriedade do imóvel em nome do credor. Releva considerar que o ato de consolidação da propriedade tem dois efeitos básicos, não apenas confere ao credor fiduciário a propriedade plena do imóvel, como extingue as obrigações de pagamento que competiam ao fiduciante, derivadas do contrato de financiamento, em razão da ocorrência da condição resolutiva representada pelo inadimplemento do devedor.Essas decisões repercutiram nos Tribunais inferiores com maior impacto em São Paulo, em razão da concentração de financiamentos garantidos por alienação fiduciária nesse Estado. Ainda que as decisões em São Paulo proclamam estar alinhadas com a orientação do STJ, fato é que o Tribunal Superior admitiu a excepcionalidade do pagamento total da dívida, após ter sido consolidada a propriedade do imóvel em nome do credor fiduciário, enquanto as decisões paulistas admitem apenas o pagamento das prestações vencidas, comprometendo um determinado procedimento extrajudicial iniciado, que, assim, poderia ser em tese repetido em situações futuras. Obviamente mediante novos procedimentos judiciais, resultando em um estímulo à judicialização para os inadimplentes. No Legislativo tramita o Projeto de Lei nº 6.525/2015 que propôs reformas na Lei nº 9.514/97 relativamente à alienação fiduciária e que é objeto de projeto substitutivo apresentado pelo Relator. A proposta inicial do Projeto foi limitar a exoneração da dívida, caso o imóvel não seja suficiente para quitá-la, apenas para os financiamentos habitacionais. Para as demais operações de crédito garantidas por alienação fiduciária, seria mantida a responsabilidade do devedor fiduciante pela dívida remanescente. A essa proposição foram acrescidas outras alterações do texto da Lei nº 9.514 consubstanciadas no referido projeto substitutivo. Parte dessas propostas de alteração foi incorporada no citado projeto de conversão nº 12/2017, não tendo sido incluída a mencionada limitação da exoneração da dívida. Considerando que essa concessão legal se identifica com o caráter assistencial dos financiamentos destinados à aquisição de moradia, justifi-

ca-se sua manutenção. Principalmente se considerado o fato de a alienação fiduciária ser a garantia absoluta nessa modalidade de financiamento, incluindo aqueles destinados às camadas sociais de menor poder aquisitivo, como é o caso do Financiamento de Arrendamento Residencial (FAR) e o Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). Todavia, a retirada desse benefício para as demais operações de crédito garantidas por alienação fiduciária de bem imóvel seria justificada pela natureza de tais empréstimos, muitas vezes objeto de transações complexas e de elevado valor, ou de natureza empresarial envolvendo instituições que atuam com fins lucrativos, que não guardam nenhuma identidade com financiamentos de cunho social. A propósito, o art. 1.366 do Código Civil , ao disciplinar como lei geral o instituto da alienação fiduciária, assegurou o direito do credor fiduciário ao saldo remanescente da dívida, quando o imóvel não bastar para quitá-la. Sem prejuízo dessa questão, as alterações constantes do texto ora em tramitação legislativa destinam-se a corrigir distorções na aplicação prática da Lei nº 9.514, reveladas ao longo desse período de vigência, ou a dotar o procedimento extrajudicial de mecanismos existentes nos processo judicial. A alteração no art. 24, mediante a inclusão de parágrafo único, destina-se a estabelecer um parâmetro mínimo para o valor do imóvel no segundo leilão, em relação ao valor da dívida, como estabelece a redação vigente. Visa a afastar a possibilidade de que o valor da dívida seja incompatível com o valor do imóvel, seja por eventual valorização imobiliária, como pelo valor reduzido da dívida apurada para a data do segundo leilão. Assim, a proposta estabelece como valor mínimo aquele que o poder municipal utilizou como base de cálculo da incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) por ocasião da consolidação da propriedade em favor do credor que, pela cronologia do procedimento, é relativamente próximo à realização do referido leilão. Trata-se de valor que presumivelmente atende à expectativa natural de arrecadação do fisco e não mantém vínculo com o valor contratualmente eleito pelas partes para o primeiro leilão, evitando assim discrepâncias em eventual arrematação por terceiros em prejuízo do direito do devedor de receber o valor diferencial que exceder ao da dívida. A proposta de acrescer ao art. 26 os parágrafos 3-A e 3-B é mecanismo previsto e há muito tempo praticado nos processos judiciais, quando ocorre suspeita de ocultação do devedor quando das diligências para sua notificação pelo Oficial. O procedimento extrajudicial é rápido, mas seu início depende de o devedor ser notificado para eventualmente exercer o direito de efetuar o pagamento das prestações vencidas. O propósito do devedor de dificultar a sua localização para a entrega pessoal dessa notificação, face à alteração proposta, resulta frustrado

O CREDOR FIDUCIÁRIO TEM DIREITO AO SALDO REMANESCENTE DA DÍVIDA

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diante da possibilidade de o Oficial formalizar a entrega da correspondência que serve como notificação à pessoa ligada ao devedor ou mesmo ao funcionário encarregado da entrega de correspondência em condomínios edilícios, em que a regra é controlar o acesso daqueles que não sejam moradores. A inclusão do art. 26-A confere maior prazo para a purgação da mora aos devedores por financiamentos habitacionais que, como já anotado, são merecedores de benefícios legais que lhes assegure preservar a moradia adquirida. O prazo geral de 15 dias torna-se exíguo para os mutuários de financiamentos de cunho social, em regra desassistidos e com dificuldades logísticas, seja para se dirigirem ao Oficial que os notificou ou à instituição financeira quando pretendem uma composição que regularize o débito. Por sua vez, o acréscimo dos parágrafos 2-A e 2-B ao art. 27 com incidência geral estabelecem o direito de preferência do fiduciante de readquirir o imóvel até a data do segundo leilão por preço equivalente ao da dívida e acréscimos incorridos, devendo para tanto ser comunicado da realização dos leilões, seja para tomar conhecimento de seu resultado, como para eventualmente exercer o direito de reaquisição que lhe foi assegurado. O disposto no parágrafo único a ser acrescido ao art. 30 foi concebido para conferir maior segurança jurídica aos negócios que envolvem o imóvel que foi objeto do procedimento extrajudicial da alienação fiduciária por inadimplemento do devedor. Seja quando esse imóvel é objeto de arrematação por terceiros ou quando é recolocado no mercado imobiliário por quem teve a propriedade consolidada em seu favor. O texto legal proposto estabelece que eventuais demandas ajuizadas em razão do procedimento extrajudicial sejam resolvidas em perdas e danos. Vale dizer, uma solução financeira que não afete os negócios jurídicos posteriores que poderão envolver terceiros que procederam com boa fé, inclusive em busca da moradia familiar. Exatamente para corrigir uma distorção que paradoxalmente tem sido um fator de estímulo à judicialização do procedimento extrajudicial, a nova redação proposta para o art. 37-A desloca o início da incidência da taxa de ocupação do imóvel pelo devedor da data da eventual arrematação do imóvel para a data que se segue à consolidação da propriedade pelo fiduciário. Como ressaltado, dentre os efeitos legais da consolidação da propriedade está a extinção das obrigações de pagamento derivadas do contrato de financiamento. Por outro lado, a propriedade plena do imóvel impõe ao fiduciário a responsabilidade pelo pagamento dos encargos fiscais e condominiais incidentes. Logo, a posse do imóvel pelo fiduciante passa a ser ilegítima e sem a penalização financeira que a taxa de ocupação estabelece, que pela redação atual só teria início após a arrematação do imóvel em leilão. Logo, é evidente o interesse do devedor que não procede de boa fé em obter uma eventual medida judicial que suspenda a realização dos leilões e que o mantenha

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na posse do imóvel sem desembolso relativamente à taxa de ocupação, tampouco pelos encargos fiscais e condominiais. A alteração de redação do art. 39 tem a ver com a extravagante interpretação pelo Judiciário, antes mencionada, de aplicar no procedimento extrajudicial da alienação fiduciária alguns dispositivos relativos à execução extrajudicial da hipoteca. Sabemos que uma das regras fundamentais que orientam a interpretação de dispositivos legais específicos é aquela que deva ser sistemática e não literal. Vale dizer, um determinado dispositivo deve ser interpretado em relação aos demais que integram uma norma legal. Assim, considerando que a Lei nº 9.517 criou o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e a alienação fiduciária de bem imóvel, o referido art. 39 tem clara pertinência com o Sistema então criado na medida em que em seus incisos I e II veda a aplicação de normas reguladoras do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e assegura a aplicação dos dispositivos relativos à execução extrajudicial de hipotecas. Extrai-se do contexto da Lei nº 9.514 que a alienação fiduciária não é garantia exclusiva do SFI (art. 22, § 1º ) que, assim, poderia ter seus contratos garantidos por hipoteca. Por sua vez, como o Decreto Lei nº 70/66 limitou a execução extrajudicial às hipotecas como garantia de contratos do SFH, a nova lei estendeu esse procedimento às hipotecas contratadas através das operações do SFI. A nova redação proposta para o referido art. 39, ainda que óbvia, destina-se à aclarar sua vinculação com os contratos compreendidos no SFI, quando garantidos por hipoteca. Em resumo, as alterações propostas são meros ajustes que se fizeram necessários a partir da aplicação da norma em situações concretas, seja para suprirem lacunas, como para corrigir distorções, visando a conferir plena segurança jurídica e, assim, efetividade ao instituto da alienação fiduciária de bem imóvel no momento crítico de realização da garantia e recuperação do crédito. (*) José Cetraro, advogado e especialista em crédito imobiliário

NOTAS Súmula nº 308: Enunciado: A hipoteca firmada entre a cons­ trutora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os ad­ quirentes do imóvel.

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RESP nº 1.433.031/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, data do julga­ mento: 03.06.2014 “Art. 1.366. Quando, vendida a coisa, o produto não bastar para o pagamento da dívida e das despesas de cobrança, continuará o devedor obrigado pelo restante.” Art. 22 § 1º A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que o­peram no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena.”


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JUROS

O

Por Fabio Pahim Jr. *

Banco Central lidera o combate à inflação via política monetária, enquanto o Ministério da Fazenda lança medidas de longo prazo para reorganizar as contas fiscais e favorecer a queda sustentável da taxa básica de juro. O último lance de grande repercussão da ofensiva anti-inflacionária foi a redução da meta de inflação de 4,5% ao ano, hoje, para 4,25% ao ano, em 2019, e 4% ao ano, em 2020. As políticas contra a inflação são consequentes, para conduzir a Selic a um patamar entre 7% e 8% ao ano ainda neste ano, com efeitos marcantes sobre a retomada do ritmo de atividade econômica no segundo semestre de 2017, o mais tardar em 2018. Se a política deixar, é para onde aponta o cenário mais promissor – e, pelo menos no final do primeiro semestre, “a política se tornou mais importante que a economia”, alertou o ex-presidente do Banco Central (BC), Armínio Fraga, no programa Canal Livre da TV Bandeirantes, dia 25/6. O recuo acentuado do juro dá alento à economia e ao crédito em geral e em particular ao crédito imobiliário. A disputa dos bons clientes está acirrada – a Caixa Econômica Federal (CEF) anunciou em junho juros diferenciados, conforme o perfil do tomador, privilegiando os de melhor score. Os bancos privados seguem na mesma direção, mas os benefícios da queda do juro vão mais longe. A retomada em curso tem como alicerces juros e inflação cadentes, produção agrícola e exportações crescentes e sinais tímidos de reação das contas públicas. Em

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O RITMO CERTO DA QUEDA DO JURO

Taxa básica de um dígito ao ano atrai tomadores e influi nas decisões de investimento imobiliário

junho, a recuperação chegava lentamente à produção industrial, ao comércio e às atividades de serviços, ou seja, à maior parte do Produto Interno Bruto (PIB). O ambiente foi mais promissor até meados de maio, perdendo brilho com as incertezas criadas pelas delações da JBS. Mas, ainda mais do que a retomada oscilante, o juro menor dá alento à economia e empurra para cima o ânimo de consumidores, empresas, analistas e até dos meios de comunicação. E ajuda alguns mercados. Para o mercado imobiliário, a queda do juro é vital para empresas, mutuários finais e para a longa cadeia da construção civil. Esgotada a era em que o capital rendia cerca de 1% ao mês sem dificuldades, os aplicadores avaliam os mercados de risco. Os mais ágeis já ensaiavam aplicações mais pesadas, quando a crise recrudesceu com a divulgação das delações para pressionar a Presidência da República.

EFEITOS IMEDIATOS O juro em queda produz efeitos imediatos – e positivos. Reduz o custo do Tesouro Nacional de carregar a dívida pública, torna mais lento o crescimento do endividamento do governo e mais fácil o corte de subsídios e incentivos, como nos empréstimos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ganham empresas sem capital e sem acesso ao crédito barato. Quando a queda do juro chegar às famílias, o consumo poderá ter forte alento. Juro menor, ademais, dá corpo à batalha contra o pessimismo. CONTRA O PESSIMISMO O desafio de vencer o pessimismo foi ajudado nos primeiros 12 meses do governo Temer pela aprovação de projetos de lei relevantes para a modernização da economia, como a limitação dos gastos públicos nos próximos 10 anos, o refinanciamento de dívidas dos Estados e as normas sobre a REVISTA DO SFI

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A PRUDÊNCIA DAS AUTORIDADES É UM ELEMENTO CHAVE NA RECUPERAÇÃO DA CONFIANÇA, MAS ESTA NÃO PODE DEPENDER DISSO, MAS DE REFORMAS ESTRUTURAIS

terceirização. A arcaica legislação trabalhista parecia pronta para ser revista no Congresso e seguia a discussão sobre a reforma da Previdência. Ao mesmo tempo, houve avanços nas regras de concessão de energia, portos, estradas, ferrovias. Alguns leilões tiveram êxito e atraíram empresas estrangeiras. Com deságios altos, serão menores as tarifas. O juro mais baixo também ajudará a atrair investidores internos e externos. Evidência da melhora do humor econômico foi a diminuição do custo Brasil avaliado pelo CDS (credit default swaps, medida de risco dos papéis brasileiros em relação aos títulos do Tesouro dos Estados Unidos de igual maturidade). O CDS caiu da casa dos 500 pontos no início de 2016 para menos de 200 pontos em maio, antes de voltar a subir os 230/240 pontos com a percepção de aumento do risco político. Mas a guerra contra pessimismo, recessão e juros altos não se vence num golpe. Há que seguir o bom caminho – e é visível o esforço para percorrê-lo em ritmo mais rápido do que o imaginado até 2016. No segundo trimestre de 2017, o espaço para o juro básico de um dígito cresceu com apoios generalizados. A queda do juro foi antecipada por economistas do calibre de Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central e hoje consultor. “Juros reais mais baixos estimulam a recuperação, induzindo um aumento na geração de caixa, e um quadro de endividamento elevado com alta proporção da dívida em dólares e apreciação do real leva à queda das despesas financeiras, invertendo o ‘efeito balanço”, escreveu Pastore em artigo no jornal O Estado de S.Paulo de 18/4. O Copom segue roteiro previsível. A Selic saiu de 13% ao ano em dezembro de 2016

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para 12,25% ao ano em fevereiro, cedeu para 11,25% ao ano em 12/4, 10,25% ao ano em 28/5 e 9,25% ao ano em 25/7. Entre janeiro e julho de 2017, foram 3,75 pontos porcentuais menos – e a queda vai prosseguir. Não, talvez, com o ritmo que se chegou a imaginar antes das delações de maio, mas numa cadência satisfatória. O juro básico de 2017 já está longe dos 14,25% ao ano vigente entre julho de 2015 e outubro de 2016. A Selic caiu na esteira da queda da inflação oficial de 10,67% em 2015 para 6,28% em 2016 e 3,60% em 12 meses em maio, quando o IPCA foi de 0,31% e por sua vez antecipado pelo IGPM em deflação de 1,8% em 2017, até 10 de junho, e de 0,63% em 12 meses, até 10/6. No IPCA-15 de junho a taxa mensal foi de 0,16% e em 12 meses de 3,52%. A pesquisa Focus do Banco Central aponta para uma inflação anual inferior a 4% em 2017. “Agora sim os juros podem e estão caindo”, já escrevia bem antes da divulgação dos últimos indicadores o ex-presidente do BC Armínio Fraga em artigo no jornal O Globo de 10/2. A prudência das autoridades é um elemento a mais na recuperação da confiança. Mas não depende só dela. Sem reforma (que por sua vez depende do Congresso), os juros vão “subir fortemente”, temia o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ao falar no seminário “Os Caminhos da Reforma da Previdência”, promovido pelo jornal Valor Econômico em 17/4. “A grande conclusão é que a reforma (da Previdência) não é uma questão de preferência, de opinião. É uma necessidade matemática e fiscal”, enfatizou. É possível que na reunião do Copom de 12/4 o corte do juro básico tivesse sido maior, se a reforma da Previdência já fosse lei. Como afirmou o economista da


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A TAREFA CENTRAL DO GOVERNO É RECUPERAR O EQUILÍBRIO MACROECONÔMICO, DESTRUÍDO POR MAIS DE UMA DÉCADA DE POLÍTICAS EQUIVOCADAS


PUC-Rio José Marcio Camargo ao repórter Douglas Gravas, de O Estado de S.Paulo, “acho que existe hoje espaço para fazer um corte um pouco mais rápido”. Só as incertezas explicam o comportamento mais “conservador” do BC. Em artigo dia 17/4, o ex-diretor de Política Monetária do BC Luís Eduardo Assis notou que a rejeição ou “mutilação” da reforma da Previdência terá impacto negativo sobre o risco Brasil e a consequência provável – mais inflação – “pode levar o Banco Central a elevar novamente as taxas de juros, abortando nossa flácida retomada”. Novamente em maio se previu que o juro básico poderia cair 1,25 ponto porcentual na reunião do Copom, chegando a 10% ao ano. Mas as incertezas reduziram a queda a ponto porcentual. PREVIDÊNCIA E JUROS Andam juntas a reforma da Previdência (com seu potencial de promover o reequilíbrio das contas públicas) e a redução sustentável do juro básico. Entrevistados por Alexa Salomão, do Estado de S.Paulo, Armínio Fraga, Marcos Lisboa e José Roberto Mendonça de Barros deram opiniões que não dão margem a dúvidas. “Sem essa reforma (da Previdência), e uma boa reforma, o plano de ajuste a longo prazo não fecha”, disse Fraga, ex-presidente do BC. “Seria gravíssimo”. Para o presidente do Insper, Marcos Lisboa, “há um ano tínhamos cenário de insolvência e de inflação elevada: de um ano para cá a coisa

melhorou porque o Brasil aceitou discutir uma agenda de reformas e, sem a reforma da Previdência, voltamos àquela realidade lá de trás”. O sócio da MB Consultores, José Roberto, lembra que as resistências à reforma da Previdência eram esperadas e o mais provável é que a aprovação só ocorra no segundo semestre de 2017. Parecem coisas velhas, tal a velocidade imposta ao País pela crise política, mas é provável que as reformas sejam retomadas mais depressa do que se poderia supor, como ocorreu com o juro. Com a ressalva de que é preciso maioria parlamentar para votar as reformas, haja ou não obstáculos. De fato, por trás das batalhas da Previdência, da reforma trabalhista e do ajuste fiscal do Estado está o embate maior – de políticas populistas, com ênfase numa economia hipoteticamente “controlada”, versus políticas pró-mercado, com liberdade e equidade. O juro é influenciado pela percepção dos agentes econômicos quanto aos riscos políticos. Em artigo no jornal Valor Econômico, Roberto Castello Branco, ex-diretor da Vale e hoje na FGV, separou as políticas pró-negócios da era petista – políticas que “usam a intervenção do Estado para favorecer alguns eleitos discricionariamente” – das políticas pró-mercado (do governo Temer) que “não envolvem favoritismo a setores e/ ou empresas e proporcionam crescimento econômico sustentável e mobilidade social e econômica, com redução da desigualdade REVISTA DO SFI

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e pobreza”. Parece exagero, mas ainda há quem tema o risco de o BC derrubar demais o juro, abrindo espaço para pressões inflacionárias, se a queda das taxas não vier acompanhada de medidas fortes nas contas públicas. Mas a deflação do IGPM e a queda vigorosa do IPCA ajudam a sepultar o medo. O BOM INSTRUMENTO Para o governo, o juro é instrumento, não objeto de crença. A questão chave é a recuperação do emprego, que vem dando leves sinais positivos com os dados do Ministério do Trabalho (Caged). O desemprego medido pela PNAD Contínua é da ordem de 14 milhões de pessoas e cede aos poucos, mas a evolução favorável é lenta. A guerra contra o pessimismo depende da oferta de emprego. Nem os bancos, tidos e havidos como defensores de políticas de juro elevado, criticam a derrubada da taxa básica. Treze meses após assumir a presidência do Banco Central, Ilan Goldfajn (ver entrevista à pág. 12) mostrou como uma política correta de juros dá suporte à missão de levar os índices de preços a níveis próximos aos do centro da meta de inflação. A queda radical da Selic é peça central da retomada da atividade, mas, antes mesmo que esta seja fato incontestável, cabe entender que ela é apenas uma parte, conquanto a mais vistosa, de uma política econômica realística e bem concebida. É da economia real que se está falando – e a queda do juro vai ajudar muito a economia real a se firmar, a menos que a evolução política solape os alicerces econômicos em reconstrução. (*) Fabio Pahim Jr. é jornalista e editor da revista do SFI

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COLUNISTA

JOSÉ PASCHOAL ROSSETTI Professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral

CONSTRUÇÃO RESIDENCIAL

E SUA IMPORTÂNCIA PARA O CRESCIMENTO O que os indicadores convencionais revelam é que o papel da construção civil para a economia é enorme e determinante da FBCF

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onsultas aos indicadores convencionais das Contas Nacionais não revelam, em todas as duas dimensões, a real importância da construção civil na geração do Produto Interno Bruto (PIB), na sustentação dos níveis de emprego e nos seus efeitos multiplicadores nas cadeias de suprimentos intermediárias e finais da economia. Listamos o que os indicadores dos últimos 25 anos revelam sobre a relevância da construção civil como um todo (residencial, comercial, industrial e de obras de infraestrutura) na economia brasileira:

situou-se entre 7,01% e 9,03% em relação ao total do pessoal ocupado (2000- 2014). Em termos absolutos, estes dados indicam um número de 9,5 milhões – o que significa 9,5 milhões de empregos diretos em um contingente de 105 milhões de pessoas ativas, incluindo empregados, empregadores e autônomos por conta própria.

• A participação da indústria da construção civil e das atividades imobiliárias em relação ao total do valor adicionado bruto da economia (equivalente ao conceito de PIB) variou entre 12,8 e 19,2% (2000-2016), estabilizando-se em torno de 15% no último quinquênio (2012-2016). • A participação dos vários segmentos da construção civil na formação bruta de capital fixo (investimentos brutos) variou entre 36,3% e 47,3% (2000-2016), estabilizando-se em 41% no último quinquênio (2012-2016).

Os dados sugerem que o valor adicionado per capita nestes setores da economia brasileira é inferior ao de outros setores, pela distância, que não é pequena, entre os dois indicadores de participação no PIB e no contingente economicamente ocupado. Ambos, porém – e principalmente o segundo –, minimizam a importância relativa da construção civil na ativação da economia como um todo. Não se trata obviamente de dados inconsistentes, mas que não mostram os efeitos multiplicadores das atividades de construção – e especialmente da residencial. Há razões visíveis que justificam esta observação.

• O pessoal ocupado nas atividades de construção civil e de serviços imobiliários

Há diferenças substanciais na cadeia produtiva da construção civil, na matriz de su-

• O peso do crédito imobiliário como fornecedor de funding tanto para incorporadores e construtores, como para mutuários finais (N. da R. Este tema também está tratado no encarte sobre os 50 Anos da Abecip, nesta edição).


primentos da economia, quanto à sua abrangência. Todos os segmentos construtivos mobilizam bens e serviços intermediários (insumos) e finais (bens de consumo e de capital) envolvendo amplo conjunto de cadeias produtivas, pela grande variedade de suas demandas. Estas não se limitam às cadeias produtoras de materiais básicos, como siderurgia, metalurgia de não ferrosos, cimento, argilas e silicatos, calcários, madeira e aglomerados, materiais químicos petroquímicos. Vai bem além a montante de sua atividade-fim. Além dos materiais básicos, para fundações e estrutura, movimenta amplo conjunto de indústrias de transformação fornecedoras de equipamentos pesados e ferramentas, de produtos para revestimentos, de elementos funcionais e de sistemas hidráulicos, elétricos e eletrônicos, assim como serviços técnicos de engenharia e ar-

quitetura, de intermediação financeira, de marketing, comunicação e comercialização. É este amplo conjunto que se considera para a definição da participação do setor na geração do valor adicionado bruto ou do PIB. Mas são desconsiderados os efeitos a jusante, em número muito mais extenso de setores produtivos, do que os mobilizados a montante. A construção civil vai muito além dos efeitos diretos que exerce sobre seus suprimentos diretos básicos, industriais e de serviços, pela ampla influência indireta sobre a quase totalidade das cadeias de bens e serviços finais de consumo supridos por outros setores, em decorrência da oferta de novas unidades construídas para fins industriais, comerciais e, destacadamente residenciais. O papel da construção civil como vetor do crescimento econômico é usualmente menREVISTA DO SFI

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SÃO MUITOS OS EFEITOS MULTIPLICADORES DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL NA ECONOMIA

surado pelo tamanho do seu produto proporcionalmente ao PIB, mas não se limita aos ativos fixos construídos, por sua ampla rede de efeitos multiplicadores, que estão a exigir mensurações de maior abrangência. Em Aspectos Econômicos da Construção Civil no Brasil (2014), Karlo Fialho, Heloína Costa, Sérgio Lima e Barros Neto, da UFC, observaram que “extenso, complexo, dinâmico e relevante são os termos comumente citados por autores de publicações científicas, em trabalhos sobre os aspectos econômicos que envolvem o setor de construção civil”. Realmente, as interligações econômicas do setor são de dupla categoria: para trás (com ampla mobilização de setores supridores de insumos e de bens de capital, para as edificações) e para frente, com a ativação de cadeias supridoras de investimentos em máquinas, equipamentos, móveis e utensílios (áreas industrial e comercial) e de bens de consumo de uso durável (área residencial). É inquestionável que estas ligações para frente têm evidentes efeitos sobre indústrias que não estão diretamente ligadas aos suprimentos para as construções civis, mas que se desencadeiam após a entrega das edificações. Todas têm de ser “preenchidas” por ampla variedade de bens finais, de capital e de consumo. A demanda derivada de novas edificações prontas para uso é de alto impacto sobre as matrizes de insumo-produto – de relações

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REVISTA DO SFI

intra e inter setoriais. A indústria da construção civil é, destacadamente, a de maior impacto na definição do nível de emprego e na geração da renda e do produto, em termos agregados. Em artigo anterior para esta revista (Revista do SFI edição 32, de 2010), destacando os impactos do setor na economia nacional, citamos uma conhecida expressão proferida no século XIX, em 1894, por Martin Nadeu, parlamentar na Assembleia Nacional Francesa, chamando a atenção sobre a importância da construção civil na recuperação da crise econômica, e não estabelecida na economia: “quand le bâtiment va, tout va” – quando a construção vai, tudo vai. Obviamente, essa observação tem a ver com os efeitos multiplicadores, a montante e a jusante, com destaque para as edificações para fins residenciais. Quando se iniciam as obras de edificações para fins residenciais, estão sendo criados potenciais de demanda para todos os bens de consumo de uso durável, como móveis e equipamentos eletrodomésticos, que preencherão os espaços vazios ou se instalarão em cada um dos cômodos, além dos utensílios também de uso durável que serão utilizados, independentemente das classes sócioeco­nômica a que o imóvel, em princípio, se destinará. No caso desses bens, deve-se obviamente também considerar os efeitos multiplicadores sobre as cadeias produtivas que se situam à jusante dos elos que produzem esses bens finais. Pela natureza desses bens,


O VALOR ADICIONADO DAS ATIVIDADES IMOBILIÁRIAS É DA ORDEM DE 15% DO PIB

é admissível assumir que, excetuando-se as cadeias produtivas de bens de uso imediato e de bens de capital, todas as demais cadeias produtivas da economia serão mobilizadas e positivamente. É um expressivo e poderoso conjunto de efeitos diferidos que então se cria e que seguramente ocorrerá com defasagem de efeito dependente da situação conjuntural da economia e dos níveis de confiança dos consumidores. Em situações conjunturais recessivas, a defasagem de efeito tende a ser maior, comprometendo os processos de recuperação dos níveis de emprego, de renda e de demanda agregada, caso os formuladores da política econômica não reúnam condições para acionar mecanismos de ativação desse segmento da indústria de construção ou para estimular a desova dos estoques de imóveis residenciais construídos antes do desencadeamento da conjuntura adversa. Mas certamente estarão reconhecendo os potenciais dos efeitos multiplicadores dessas iniciativas, promovendo então a geração de condições requeridas para acioná-los. Resta ainda considerar outros aspectos relevantes da construção civil residencial. Destacamos seis, todos de alto impacto econômico, político-institucional e social: 1. Os esforços pluri-direcionados de P&D na indústria de construção civil, em todos os seus segmentos – desenvolvimento de bens de capital de uso específico, de novos mate-

riais de construção assoviáveis a externalidades ambientais positivas e de novos processos produtivos, com foco em excelência operacional; 2. crescentes investimentos em capital fixo, assimilando os resultados dos projetos de P&D direcionados para o setor; 3. treinamento incessante da mão-de-obra empregada no setor, com ganhos não apenas relacionados à qualificação profissional e à adequação aos avanços tecnológicos setoriais, mas ampliados em termos comportamentais e culturais; 4. ganhos em produtividade dos recursos de produção empregados decorrentes dos três aspectos anteriores; 5. baixa demanda por importações da indústria da construção civil em todos os seus segmentos, gerando efeitos preponderantes sobre a geração interna de empregos; 6. impactos sociais e político-institucionais do bom desempenho da construção civil residencial, diante da alta demanda reprimida e do crescente déficit habitacional decorrente do deslocamento espacial da população e da velocidade do processo de urbanização; 7. desenvolvimento de uma cadeia de financiamento imobiliário, propiciando, por exemplo, a formação de pessoal especializado nos bancos e em outras instituições financeiras ligadas à atividade imobiliária. Em síntese, não é só a economia que vai bem quando a construção vai. Sem exagero, se não tudo, mas um amplo conjunto de externalidades positivas potenciais se observará. Visivelmente. REVISTA DO SFI

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COLUNISTA

CELSO MARTONE é professor titular da FEA-USP

PROBLEMAS DO FINANCIAMENTO DOS

INVESTIMENTOS O setor público absorve 38% da poupança do setor privado para financiar seu déficit – e nesse processo distorce o mercado de crédito

O

problema central do financiamento dos investimentos no Brasil é o elevado desequilíbrio do setor público. Uma estimativa razoável para o corrente ano é de poupança total ao redor de 13,7% do PIB, composta por poupança privada de 20%, poupança externa (déficit em conta corrente no balanço de pagamentos) de 1,2% e despoupança (déficit em conta corrente) do setor público de 7,5%. Ou seja, o setor público absorve nada menos do que 38% da poupança do setor privado para financiar seu déficit. Uma medida alternativa e ainda mais impressionante é a estimativa do Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec) de que o financiamento do déficit público tem absorvido cerca de 80% da poupança financeira nacional a cada ano. Resta ao setor privado disputar os 20% restantes. Trata-se de um gigantesco crowding out do setor público sobre o setor privado. A dívida pública é responsável pelos mesmos 80% dos ativos financeiros brutos do País. Esta situação implica que o Brasil tem se mantido, desde 2015, a um passo do que os economistas denominam “dominância fiscal”. É provável que só não tenhamos ingressado nessa situação perversa em 2016, porque o governo Temer conseguiu restabelecer um mínimo de confiança nos agentes econômicos com a aprovação da “lei do teto”, a proposta de reforma da Previdência Social e o progra-

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ma de saneamento financeiro dos Estados. Em especial, pode-se dizer que a aprovação ou não da reforma da Previdência pelo Congresso Nacional será o principal fator a nos aproximar ou afastar da dominância fiscal. De fato, em 2016 o déficit do sistema de Previdência Social brasileiro foi de R$ 294 bilhões, dos quais R$ 204 bilhões de responsabilidade do governo federal (servidores federais e Instituto Nacional do Seguro Social – INSS) e R$ 90 bilhões dos Estados e Distrito Federal. Para 2017, a previsão é que o déficit total atinja R$ 350 bilhões, dos quais cerca de R$ 240 bilhões do governo federal. A comparação desses números com o déficit primário do governo central (R$ 170 bilhões em 2016 e R$ 139 bilhões previstos para 2017) mostra que o déficit da Previdência (apenas a parte federal) é muito maior do que o déficit primário total. Ou seja, o governo federal está comprimindo todas as demais despesas, especialmente o investimento, para cobrir o “buraco” da Previdência. Esta é claramente uma situação insustentável, que compromete o futuro do País. Um segundo efeito perverso do avanço do setor público sobre a poupança nacional foi a concomitante expansão do chamado crédito direcionado. Parte significativa dos recursos captados em mercado via dívida pública foram repassados ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e à Caixa Econômica Federal (CEF) para o financiamento de investimentos sele-


dezembro 2008

dezembro 2016

R$ bilhões / %do total

R$ bilhões / %do total

Crédito livre

833 / 57,5

1556 / 50,1

Crédito direcionado

401 / 32,5

1550 / 49,9

BNDES

207 / 16,8

601 / 19,5

Crédito imobiliário

69 / 5,6

605 / 19,6

Crédito Rural

88 / 7,1

241 / 7,8

Outros

37 / 3,0

91 / 3,0

1234 / 100,0

3106 / 100,0

Total

O DESEQUILÍBRIO FISCAL É CAUSA, E NÃO CONSEQUÊNCIA, DA RECESSÃO ATUAL E SUA CORREÇÃO É CONDIÇÃO NECESSÁRIA PARA RECUPERAR A CAPACIDADE DE CRESCIMENTO

FONTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL

cionados pelo governo, como os “campeões nacionais” do BNDES, o PAC e programas como o Minha Casa, Minha Vida. Ao lado da extraordinária expansão do crédito imobiliário, que saltou de 5,6% para 19,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em apenas oito anos, isso contribuiu para que a participação do crédito direcionado no crédito total tenha aumentado desde 2008. O Quadro 1 mostra a composição do crédito total entre dezembro de 2008 e de 2016. Enquanto o crédito livre contraiu de 26,8% para 24,8% do PIB no período, o crédito direcionado praticamente dobrou de 12,9% para 24,7% do PIB. A este respeito cabem dois comentários. Primeiro, o crédito direcionado compartimenta o mercado num segmento de taxas de juro livres e num segmento de taxas reguladas pelo governo. Portanto, as taxas livres tendem a ser tanto mais elevadas quanto maior a participação do crédito direcionado no crédito total. Por exemplo, quando o Tesouro Nacional se endivida no mercado livre e repassa os recursos para o BNDES, ele aumenta o diferencial entre as taxas livres e as taxas reguladas. A não equalização de taxas de juros para a economia como um todo é uma das principais distorções e fontes de ineficiência do sistema financeiro. Este é um exemplo do crowding out tupiniquim. Segundo, assim como existe um diferencial entre as taxas de juro livres e reguladas, existe também uma distorção na alocação dos investimentos na economia. Ou seja, as REVISTA DO SFI

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taxas de retorno ao investimento também não se igualam para a economia como um todo. Aqueles investimentos que têm acesso às taxas reguladas tendem a ter taxa de retorno menor do que os demais investimentos, reduzindo o potencial de crescimento econômico. Novamente, o retumbante fracasso dos campeões nacionais do BNDES (empresas X, Oi, JBS, Odebrecht e outros) é um exemplo do que o arbítrio estatal na alocação de recursos pode produzir. A política econômica resultante da mudança do governo Dilma para o governo Temer incluiu mudanças substanciais no papel das instituições federais de crédito. No BNDES, as novas diretrizes para os financiamentos do banco tendem a aproximá-lo de um verdadeiro banco de desenvolvimento. Isso implica políticas horizontais (não discriminatórias) de crédito e a limitação dos subsídios de taxas de juro aos investimentos, em que a taxa social de retorno é maior do que a taxa privada de retorno, devido à presença de externalidades positivas. Este é o caso da maioria dos investimentos em infraestrutura, em pesquisa e desenvolvimento, educação e inovação. No

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Banco do Brasil (BB) e na CEF, observa-se um esforço de enxugamento da estrutura administrativa e aumento da eficácia geral dessas instituições. Comparado a alguns sistemas financeiros no mundo, o nosso é ineficiente. Essa ineficiência se revela no grande spread bancário, na quase total ausência de crédito privado de longo prazo, nos elevados depósitos compulsórios, na incipiência do mercado de capitais ou no peso desproporcional das instituições financeiras públicas, cujos critérios de atuação se submetem ao arbítrio do governo. Para superar essas dificuldades e garantir um fluxo regular de recursos para financiar os investimentos, um ponto crítico é caminhar na direção da unificação e permeabilidade dos vários segmentos de mercado. Mas esse caminho está bloqueado, no momento, pelo peso do financiamento do déficit federal sobre o mercado financeiro. A prioridade absoluta é financiar o déficit sem recorrer à inflação. Se o ajuste fiscal, ainda que lento, for perseguido tenazmente, surgirá a oportunidade, no médio prazo, de construir um sistema financeiro que contribua para o crescimento da economia.


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HOTÉIS E RESORTS EM FASES DISTINTAS

Os hotéis que dependem do chamado turismo de negócios sofreram mais com a intensidade da recessão Por Danilo Vivan

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“Para os hotéis urbanos, 2016 foi certamente o pior ano em uma década”, avalia o diretor da Jones Lang LaSalle (JLL) Hotels & Hospitality Group, Ricardo Mader. As dificuldades afetaram particularmente a cidade do Rio de Janeiro, principal destino de lazer do País. Se, em agosto, mês dos Jogos Olímpicos, o valor médio das diárias subiu incríveis 231%, quando a festa acabou o movimento despencou. Dados do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB) indicam que, comparando o primeiro trimestre de 2017 com igual período de 2016 (antes dos jogos, portanto), a taxa de ocupação caiu 19%. O valor das diárias diminuiu 14%. “O Rio de Janeiro, assim como Belo Horizonte, registrou um aumento desmedido da oferta de empreendimentos motivado, sobretudo, por estímulos fiscais das prefeituras

a partir de expectativas de aumento de demanda para os eventos esportivos”, explica o presidente da BSH Hospitality Managers, José Ernesto Marino Neto. Com uma economia mais diversificada e focada no turismo de negócios, São Paulo vem sofrendo menos com a crise – houve até um pequeno aumento de 2,7% na taxa de ocupação, quando se comparam os primeiros trimestres de 2016 e 2017, segundo dados do FOHB. SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO - TAXA DE OCUPAÇÃO (EM%) RJ - 62,6

RJ - 60,9

SP - 59,4

SP - 57,5

FONTE: FOHB

O

s segmentos de hotéis urbanos e de resorts fazem parte de um mesmo macrossetor, mas desde 2015 vivem realidades distintas. Os hotéis em geral, mais focados no público que viaja a negócios, amargaram em 2016 queda tanto nas taxas de ocupação (de 6,3% em média, na comparação com 2015) como no chamado ReVPar (ou receita por apartamento, indicador-chave que considera a taxa de ocupação versus o valor das diárias e que caiu 3,7%). Já os resorts, predominantemente dedicados às hospedagens de lazer, têm registrado recordes de ocupação.

JAN - ABR 2016

JAN - ABR 2017

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A capital paulista inicia uma temporada de inaugurações de hotéis de luxo ligados a redes que nem sempre operavam no Brasil. O movimento começou em maio de 2016 com a entrada em operação do Palácio Tangará, no Morumbi. É um hotel que oferece, entre outros serviços, um cardápio assinado pelo chef francês Jean-Georges Vongerichten (cujo restaurante já foi classificado como três estrelas pelo Guia Michellin). Em 2018, a rede canadense Four Seasons estreará no País com um cinco estrelas na Marginal do Pinheiros – próximo, por exemplo, do centro financeiro da avenida Juscelino Kubitchek e dos escritórios de multinacionais localizados na avenida Luis Carlos Berrini. Em 2019, está prevista a inauguração da primeira unidade no País do grupo Rosewood, de Hong Kong, em propriedade construída em 1904 e que pertenceu à família Matarazzo. O projeto de reforma do prédio é assinado pelo francês Jean Nouvel, que já venceu o prêmio Pritzker, espécie de Oscar da Arquitetura, e pelo artista plástico brasileiro Vik Muniz. Os novos hotéis pretendem disputar mercado com estabelecimentos já consolidados no segmento de alto luxo, como o Emiliano, o Fasano e o Grand Hyatt. Do Hilton, localizado no Cenu (Centro Empresarial Nações Unidas), se diz ser um dos mais rentáveis dessa cadeia de hotéis em todo o mundo. O Sheraton também está no Cenu.

ENFRENTAR OS DESAFIOS Em que pese a situação relativamente confortável do nicho de alto padrão, para o conjunto de hotéis urbanos a perspectiva é desafiadora. O cenário macroeconômico, em especial, não inspira tranquilidade. Após uma pequena recuperação no primeiro trimestre (crescimento do Produto Interno Bruto – PIB de 1%, segundo o IBGE), teme-se algum impacto da crise política sobre a economia. Souza, do FOHB, releva as dificuldades: “A entidade está preocupada com a situação política, mas avalia que 2017 será um ano de equilíbrio para a hotelaria. A perspectiva é a de que o mercado se estabilize no primeiro semestre.

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E que ocorra o início da retomada no segundo semestre, de forma lenta”. Um dos desafios é a obtenção de funding para os novos empreendimentos. Hoje, a atividade depende, em especial, do modelo do condo-hotel, formato quase exclusivo do Brasil e há pouco regulado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A regulação causou preocupação ao setor. Os condo-hotéis são uma espécie de modelo híbrido, com ingredientes dos mercados residencial e hoteleiro. Por esse sistema, uma construtora-incorporadora tradicional desenvolve o projeto, lança o empreendimento e comercializa as unidades junto aos potenciais investidores. Concluído o projeto, a incorporadora sai de cena, transferindo a administração a uma rede hoteleira tradicional. Esta, por sua vez, se encarrega de implantar os serviços e repassar os ganhos aos proprietários. A importância do modelo do condo-hotel é patente nos dados do FOHB: de 115 mil apartamentos que integram os 643 hotéis de associados da instituição, 87,4% (101 mil unidades) foram construídos com recursos obtidos por meio do modelo dos condo-hotéis. A preocupação dos dirigentes diz respeito ao fato de que, em 2013, a CVM passou a acompanhar mais de perto esse mercado, passando a exigir dos condo-hotéis um pedido de dispensa de registro. Isso traria, argumenta-se, maiores custos nos processos. O FOHB pôs em consulta pública proposta de norma que classifica as operações com condo-hotéis como valores mobiliários – caso em que terão de se enquadrar em regras parecidas com aquelas relativas, por exemplo, a IPOs ou ofertas de debêntures. A nova norma deve ser publicada em breve. “A depender de como for aprovada a nova regulamentação, podemos ter uma retração na oferta deste modelo de investimento, pois poderá vir a ser um desestímulo para os investidores”, afirma Souza. Marino, da BSH, diz que a nova regulação coincidiu com o início da crise econômica, contribuindo para pôr o setor em modo de pausa, diminuindo consideravelmente o número de negócios.


Com os condo-hotéis em compasso de espera, o mercado dos hotéis urbanos tem registrado algumas operações com players de peso. Principal fundo soberano do Oriente Médio, gerindo US$ 800 bilhões em ativos, a Abu Dhabi Investment Authority (ADIA) fincou bandeira no setor hoteleiro do País, entrando como sócia no Four Seasons da Marginal Pinheiros. A gigante de private equity Black Stone adquiriu, em março, o hotel Windsor Atlântica, no Rio de Janeiro. “São operações relevantes, mas pontuais”, observa Marino, da BSH.

O NICHO DOS RESORTS Se o segmento de hotéis urbanos sofreu com a crise, para os resorts, o momento é positivo. Impulsionados pela alta das cotações do dólar frente ao real e pelo ‘fator-Argentina’ (aumento da demanda de turistas do país vizinho), esses estabelecimentos tiveram, em 2016, crescimento de 11% na taxa de ocupação na comparação com 2015, segundo a Associação Brasileira de Resorts (ABR). Na média, desde 2009 houve um crescimento anual de 4,8% na ocupação, considerado muito expressivo. Se, por um lado, o dólar mais caro desestimula as viagens de brasileiros para o exterior, na via inversa atrai estrangeiros para terras brasileiras – particularmente para as praias do Nordeste. No caso dos argentinos, a retirada da restrição à compra de dólares e a eliminação de um tributo de 35% sobre gastos no exterior – duas medidas adotadas pelo governo Maurício Macri - foram determinantes para o aumento da demanda. “A única opção dos argentinos era adquirir pacotes pagando em pesos”, explica o presidente da ABR, Luigi Rotunno. Com a mudança, passou a ser possível, por exemplo, comprar apenas a passagem na Argentina e pagar o restante no Brasil, de acordo com a conveniência do turista. Com menos burocracia e menos custos, triplicou o número de argentinos nos resorts brasileiros, fazendo lembrar os tempos do dá me dos - expressão conhecida em Florianópolis

no auge da bonança quando os argentinos compravam tudo em dobro. Em alguns resorts do Nordeste, os argentinos chegam a representar 70% do público. Mas um dos fatores de sucesso é também o maior desafio dos resorts. A alta taxa de ocupação não se deve apenas ao ‘fator-Argentina’ ou ao câmbio, mas à inexorável lei da oferta e da procura. Em síntese, os resorts têm sempre boa lotação, entre outros motivos, porque as empresas do setor enfrentam dificuldades de ordem burocrática, como as relativas à obtenção de licenças ambientais para inaugurar novas unidades. “Não temos novos empreendimentos há cinco anos porque a legislação impõe muitas restrições”, explica Rotunno. Um caso conhecido da falta de segurança jurídica a que se refere o executivo da ABR é o do resort Fazenda da Lagoa, na paradisíaca praia de Una, no sul da Bahia, numa sociedade com participação do ex-presidente do Banco Central (BC) Armínio Fraga. Em 2013, o empreendimento foi invadido por índios tupinambás. Segundo a ABR, existem, no País, cerca de 80 resorts. No Brasil e no exterior, o investimento hoteleiro depende da política oficial. É o caso de Cuba, que tem usado sua vocação para o turismo para atrair redes globais de hotelaria. O país caribenho inaugura, em média, dois novos resorts por mês. Dadas as restrições regulatórias, mas capitalizados devido à alta taxa de ocupação dos últimos anos, resta aos resorts brasileiros investir, a toque de caixa, na modernização e ampliação das estruturas já existentes. O presidente da ABR é otimista com o futuro. O fator demográfico é uma espécie de seguro contra crises, permitindo prever um nível de ocupação próximo de 70% por muitos anos, diz ele, explicando: “A demografia joga a favor dos resorts. Temos uma grande concentração de jovens casais com filhos pequenos, que já passaram da fase de viagens low cost e hoje buscam empreendimentos mais confortáveis para descansar”. No médio prazo, passada a crise política e econômica atual, a recuperação do mercado para os hotéis urbanos é previsível, permitindo que hotéis e resorts voltem a crescer em ritmo semelhante. 63,5

RESORTS - TAXA DE OCUPAÇÃO (EM %)

58,7 56,1

57.2

52,7 50 46 44

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

FONTE: ABR

REVISTA DO SFI

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INDICADORESDECRÉDITO

Por Leonardo Rangel

525.374

FGTS

45%

33%

LCI

CRI

16%

6%

73.631

71.968

Dez/16

Jun/17

Dez/15

55.695

45.388 Dez/13

Dez/14

33.356 Dez/12

Jun/17

27.795

180.569

Dez/16

Dez/11

190.176

183.263

Dez/15

150.532 Dez/14

96.599 Dez/13

62.360 Dez/12

46.832 Dez/11

Mai/17

Dez/16

Dez/15

Dez/14

Dez/13

Dez/12

Dez/11

Jun/17

Dez/16

Dez/15

Dez/14

Dez/13

Dez/12

Dez/11

SBPE

60.630

VALORES EM R$ MILHÕES

373.419

397.796

364.695

330.824

299.039

269.075

515.955

509.223

522.344

466.789

SALDO E PARTICIPAÇÃO %

247.658

330.569

388.642

CADERNETA DE POUPANÇA X OUTRAS APLICAÇÕES - SALDO / PATRIMÔNIO NO FINAL DE MÊS

FONTES: ABECIP, BANCO CENTRAL DO BRASIL, CAIXA E B3 - OBS: FGTS: ÚLTIMO DADO DISPONÍVEL REFERENTE A MAIO DE 2017.`

POUPANÇA SBPE - R$ MILHÕES

8.000 6.000 4.000 2.000 0 -2.000 -4.000 -6.000 -8.000

Mai/17

Mar/17

Jan/17

Nov/16

Jul/16

Set/16

Mai/16

Mar/16

Jan/16

Nov/15

Set/15

-10.000 Jul/15

(9.522) (16.256) (21.441) (27.745) (31.923) (34.712) (35.624) (39.140) (41.054) (42.824) (40.224) (31.223) (8.716) (9.203) (12.746) (13.237) (13.064) (8.192)

Mai/15

(9.522) (6.735) (5.184) (6.305) (4.178) (2.789) (911) (3.516) (1.914) (1.770) 2.600 9.001 (8.716) (487) (3.543) (491) 173 4.872

VALORES EM R$ MILHÕES

10.000

Mar/15

NO ANO

Jan/15

NO MÊS

Set/14

JAN/16 FEV/16 MAR/16 ABR/16 MAI/16 JUN/16 JUL/16 AGO/16 SET/16 OUT/16 NOV/16 DEZ/16 JAN/17 FEV/17 MAR/17 ABR/17 MAI/17 JUN/17

CAPTAÇÃO LÍQUIDA

Nov/14

MESES

POUPANÇA SBPE - CAPTAÇÃO LÍQUIDA

FONTES: ABECIP E BANCO CENTRAL DO BRASIL

POUPANÇA SBPE E RURAL: DISTRIBUIÇÃO DO SALDO E DEPOSITANTES POR FAIXA DE VALOR (DEZ 2016)

`

FAIXA DE VALOR EM R$ ATÉ 100,00 DE 100,01 A 500,00 DE 500,01 A 1.000,00 DE 1.000,01 A 5.000,00 DE 5.000,01 A 20.000,00 DE 20.000,01 A 30.000,00 MAIS DE 30.000,00 TOTAL

FONTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL / FGC

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REVISTA DO SFI

SALDO R$ MILHÕES 1.200 4.396 6.618 43.772 119.725 57.508 424.963 658.003

% POR FAIXA 0,18 0,67 1,01 6,65 18,19 8,74 64,57 100,00

NÚMERO DE DEPOSITANTES % ACUMULADO 0,18 0,85 1,86 8,51 26,70 35,43 100,00

MILHARES 85.025 17.590 8.924 17.958 11.649 2.352 4.818 148.317

% POR FAIXA 57,33 11,86 6,02 12,11 7,85 1,59 3,25 100,00

% ACUMULADO 57,33 69,19 75,20 87,31 95,17 96,75 100,00


FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO SBPE E FGTS: UNIDADES E VALORES CONTRATADOS SBPE

MESES

FGTS

UNIDADES 13.495 14.682 19.613 14.404 18.614 19.709 17.320 17.991 12.235 16.061 15.119 20.446 13.175 12.237 15.483 11.702 14.554 15.379

JAN/16 FEV/16 MAR/16 ABR/16 MAI/16 JUN/16 JUL/16 AGO/16 SET/16 OUT/16 NOV/16 DEZ/16 JAN/17 FEV/17 MAR/17 ABR/17 MAI/17 JUN/17

MILHÕES 3.295 3.206 4.416 3.510 3.901 4.272 3.821 4.019 3.156 3.647 3.982 5.383 3.105 2.948 4.010 3.133 3.564 3.796

SBPE + FGTS

UNIDADES 69.859 37.817 63.752 58.153 42.554 76.293 40.289 46.427 35.637 34.205 41.216 72.419 58.385 34.334 49.562 31.913 41.482 45.781

MILHÕES 8.082 3.745 4.685 5.631 4.188 4.702 4.206 4.647 3.426 3.529 4.216 17.846 6.547 4.041 6.169 3.945 4.862 5.534

UNIDADES 83.354 52.499 83.365 72.557 61.168 96.002 57.609 64.418 47.872 50.266 56.335 92.865 71.560 46.571 65.045 43.615 56.036 61.160

MILHÕES 11.377 6.951 9.102 9.142 8.089 8.974 8.027 8.667 6.582 7.176 8.198 23.229 9.652 6.989 10.179 7.078 8.426 9.330

FONTES: ABECIP, BANCO CENTRAL DO BRASIL E CAIXA

UNIDADES FINANCIADAS

VALORES FINANCIADOS

SBPE

FGTS

5.534

3.295

SBPE + FGTS

SBPE

FGTS

Abr/17

Mai/17

Mar/17

Fev/17

Jan/17

Dez/16

Nov/16

Out/16

Ago/16

Set/16

Jul/16

Jun/16

Mai/16

Abr/16

Mar/16

3.796 Jan/16

Jun/17

Abr/17

Mai/17

Fev/17

Mar/17

Jan/17

Dez/16

Nov/16

Out/16

Ago/16 Set/16

Jul/16

Mai/16

Jun/16

Abr/16

Mar/16

Fev/16

Jan/16

13.495

9.330

8.082

Jun/17

61.160 45.781 15.379

69.858

11.377

Fev/16

83.354

(R$ MILHÕES)

SBPE + FGTS

FONTES: ABECIP, BANCO CENTRAL DO BRASIL E CAIXA

FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO SBPE E FGTS

(1º SEMESTRE DE 2017) - UNIDADES, VALOR E PARTICIPAÇÃO (%)

UF

UNIDADES

R$ MILHÕES

UF

UNIDADES

R$ MILHÕES

AC AM AP PA RO RR TO

195 1.620 202 3.489 1.331 256 1.191

31 296 37 466 166 36 153

DF GO MS MT

5.604 20.491 5.195 5.352

1.002 2.745 733 833

36.642

5.312

UF

UNIDADES

R$ MILHÕES

8.284

1.085

UF

UNIDADES

R$ MILHÕES

AL BA CE MA PB PE PI RN SE

2.755 11.342 7.742 4.515 6.583 9.378 3.787 5.858 3.876

380 1.681 1.211 583 790 1.324 381 585 536

ES MG RJ SP

3.719 37.978 18.753 114.899

571 4.783 3.692 19.004

55.836

7.473

2%

NORTE

16%

CENTRO OESTE

51%

SUDESTE UF PR RS SC

20% SUL

BRASIL

175.349

28.050

UNIDADES

R$ MILHÕES

28.102 25.233 14.541

3.767 3.679 2.189

67.876

9.635

343.987

51.654

2011 2012 Alienação Fiduciária

2013

2014

2015

2016

1,9%

2,1%

1,6%

1,8%

1,7%

1,9%

1,4%

1,4%

1,4%

1,7%

1,8%

1,3%

2,0% 1,2%

2010 2007 2008 2009 Garantia Hipotecária e Alienação Fiduciária

1,4%

2,1%

2,6%

1,2%

1,0%

1,3%

2,6%

SBPE: INADIMPLÊNCIA: CONTRATOS PÓS JUN.1998 COM MAIS DE 3 PRESTAÇÕES EM ATRASO 3,1% 3,1%

4,2% 4,2%

NORDESTE

11%

2017-03

FONTES: ABECIP E BANCO CENTRAL DO BRASIL

REVISTA DO SFI

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RUMOS

GILBERTO DUARTE DE ABREU FILHO Presidente da Abecip

TECNOLOGIA CHEGA MAIS AO

MERCADO IMOBILIÁRIO Segmentos inteiros da economia têm desaparecido diante de nossos olhos em velocidade sem paralelo

A

revolução tecnológica está chegando com rapidez a todos os setores da economia. A combinação do aumento da capacidade de processamento, velocidade das redes de dados e algoritmos cada vez mais poderosos está levando ao nascimento de novos modelos de negócios, pressionando empresas que se consideravam estabelecidas e seguras. Segmentos inteiros da atividade econômica têm desaparecido diante de nossos olhos em uma velocidade sem paralelo. Agências de viagens, locação de apartamentos em hotéis, cooperativas de táxi, gravadoras de músicas, jornais e revistas perdem espaço ou representam apenas uma fração da força que tiveram – e, em alguns casos, ainda têm, como alguns diários de grande circulação – em passado não muito distante. A economia do compartilhamento em que bens e serviços são usufruídos por quem não tem a posse deles é uma tendência para as novas gerações. Todos os setores da economia serão transformados, as relações de trabalho vão mudar dramaticamente e isso também prevalecerá no segmento de habitação. Ainda vivemos num mundo em que tomar um financiamento imobiliário demanda o preenchimento de inúmeros formulários, o envio de muitos documentos, a assinatura física de papéis. Todo o ciclo é lento e burocrático. Os novos clientes já não aceitam tanta burocracia, porque estão

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REVISTA DO SFI

se habituando a resolver tudo na hora, e sua mão, em um click. A expectativa sobre o nível de serviço é outra. Eles querem transparência nas informações, rastreabilidade de seu produto e simplicidade. O nível de expectativa é outro. Good enough (bom o suficiente, uma expressão que era tão comum no mundo dos negócios) já não faz parte da conversa. O crédito imobiliário será digitalizado como todos os demais processos. No começo ainda respeitará alguns elementos físicos, como o registro em cartório, mas, com o tempo, não há dúvida de que até isso será digitalizado. Não só o ciclo do crédito imobiliário será afetado. As próprias moradias terão diferentes configurações em relação às atuais. Isso já ocorre em outros mercados, como no segmento automobilístico. Os carros brasileiros, por exemplo, eram vendidos sem ar condicionado. Os níveis de poluição dos automóveis nem sequer eram questionados. Hoje isso é impensável. A sociedade mudou seu patamar de exigência. Os requisitos de sustentabilidade, como eficiência energética e consumo de água, serão atributos básicos de casas e prédios, tal como os catalizadores são elemento obrigatório em carros e motos. A automatização e a sustentabilidade, que até pouco tempo atrás eram consideradas “luxo”, serão parte obrigatória de residências. Novos atributos como tetos que geram energia para a malha de energia pública, baterias de armazenamen-


to para alimentar a casa à noite e abastecer o carro serão os novos diferenciais, pelo menos por alguns anos. Equipamentos e eletrodomésticos serão conectados à internet e poderão ser acionados de diversos lugares. Essa transformação demandará um novo perfil de produtos na construção, com novos atributos e serviços para criar diferenciais de venda. No Brasil, em especial, teremos de passar por um ciclo ainda mais básico de industrialização da construção. Para a maior parte dos imóveis ainda usamos técnicas tradicionais, mesmo em imóveis de menor valor. Dos imóveis “esculpidos” precisamos saltar para imóveis que sejam cada vez mais “montados”. Estruturas metálicas, paredes, portas e banheiros pré-formatados serão introduzidos por pioneiros e, ao longo do tempo, tenderão a ser a norma, ingressando na categoria do “novo normal”. O tempo, que hoje joga a favor da poupança dos clientes no ciclo do pré-chave, será substi-

tuído pela velocidade, que permitirá maior produtividade e redução dos riscos econômicos da obra ao diminuir a exposição a conjunturas adversas ou ciclos econômicos. Por fim, o próprio conceito do que é ser dono da residência pode mudar com o tempo. Na economia compartilhada, as pessoas já não têm tanta necessidade da posse dos bens, elas querem o usufruto. Ser proprietário de uma casa, de um apartamento ou até do celular já não representa aspiração para boa fatia das novas gerações. O mercado de hotéis, que já tinha passado por uma revolução com a separação entre os papéis do dono do imóvel, do administrador e da bandeira, agora está sendo atacado pelo AirBNB que nem sequer tem quartos. Por que não pensar que surgirão empresas de real estate dispostas a investir em patrimônio para alugar para os usuários finais, empresas que farão só manutenção dos imóveis e administradores desses serviços que operarão em rede, tal como um Uber? REVISTA DO SFI

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14º Prêmio ABECIP de Jornalismo 2017

Inscreva-se até 31 de agosto

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REVISTA DO SFI

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TEMPOS

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REVISTA DO SFI


SFH, NOS TEMPOS HERÓICOS DE

SONHOS E PESADELOS

A

Por José Roberto Nassar e Fábio Pahim Jr. (*)

nos 50, anos dourados, mas sem crédito à habitação. Anos 60, anos autoritários, misto de combate à esquerda e economia se reaprumando, mas nascia um sistema moderno de crédito à moradia – o Sistema Financeiro da Habitação (SFH). No centro da cena política dos anos 60, o marechal Castello Branco. No centro da economia, Roberto Campos (cujo centenário há pouco celebrado mostrou um embaixador dialogando com lideranças do Brasil e do mundo, de Kennedy a Lyndon Johnson, de Amintore Fanfani a Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda, de empresários como Nelson Rockfeller e Horácio Lafer a personagens do show-bizz como a miss Brasil Marta Rocha e o artista americano James Cagney). REVISTA DO SFI

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OS PRIMÓRDIOS DO SFH Luís Aldredo Stockler

Presidente da Abecip no período 1977/1982, Luís Alfredo Stockler esteve, pode-se dizer, desde sempre ligado à evolução do crédito imobiliário no Brasil. Conviveu com os governos Geisel e Figueiredo, enquanto comandante da Abecip, viu o choque do petróleo, a exacerbação dos juros americanos (que chegaram a 20%), a crise da dívida externa, que tornou “perdida” para muitos a década de 1980. Mas participou, com afinco, do sucesso que o SFH conquistou em sua primeira fase. Sua história mostra bem como se formavam as lideranças (e os mercados) daqueles primórdios. De 1962 a 1964, entre o fim da era Jango e o início da era Castello, Stockler, então na casa dos 20 anos, fazia curso de mestrado sobre política urbana na Universidade Yale, em Connecticut, nos Estados Unidos, com brasileiros como João Paulo dos Reis Velloso. Num certo dia, o ministro Roberto Campos apareceu em Yale para uma palestra, ouviu de professores locais que Velloso era “o aluno brasileiro mais aplicado que já havia passado pela escola” e o convidou para montar, no Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Stockler voltou ao Brasil como assessor de Reis Velloso no Ipea. E ajudou, no BNH, a refazer a política para a moradia. O Brasil não tinha, então, sistema habitacional. Financiamentos, raríssimos, só eram concedidos a ‘figurinhas carimbadas’, escolhidas para receber a benesse, decorrente de que a dívida assumida não era sujeita à correção monetária e a inflação transformava empréstimo em doação. Em última forma, lembra Stockler, “era o presidente da República o responsável por autorizar um financiamento à casa própria”. Um dos instrumentos dessa “quase doação” era a Fundação da Casa Popular, do governo federal, que Stockler foi incumbido de fechar. O SFH, lembra o ex-presidente da Abecip, foi criado à seme­lhança do modelo americano – o BNH era uma espécie de banco de segunda linha, para comprar as hipotecas geradas pelos agentes financeiros. A evolução dos acontecimentos a que Stockler vem assistindo desde então mostra as voltas que o mundo dá: o crédito imobiliário brasileiro já não vive mais (só) de hipotecas, o SFH ganhou a companhia do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e toda sua nova estrutura e as empresas hipotecárias americanas só não quebraram na crise de 2008, porque são garantidas pelo governo.

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Acima de tudo, Campos liderou a reorganização do Estado brasileiro. Criou, em 1964, a correção monetária, o SFH, o Banco Nacional da Habitação (BNH). Em 1966, criou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), instituto só mais novo do que a caderneta de poupança, nascida nos tempos do Império (1861). Do FGTS disse Delfim Netto a Roberto D’Ávila, dia 6/5/2017 na Globonews, ser um “instrumento fantástico”, proveniente de um “pensador genial” (Campos, tendo ao lado o então ministro da Fazenda, Octávio Bulhões). Entre as figuras decisivas da criação do SFH, Mário Henrique Simonsen, depois ministro da Fazenda de Ernesto Geisel e de João Batista Figueiredo; José Luiz Bulhões Pedreira, o jurista responsável pela Lei das S/As e pela legislação do SFH; o construtor Moacir Gomes de Almeida, um dos precursores da construção civil residencial em grande escala ao lado de empreendedores de ponta como Moacir Ferreira de Souza, Anuar Hindi, Yogiro Takaoka e Renato Albuquerque, Alfredo Mathias, Romeu Chap-Chap, Samuel Kohn, João Fortes e José Carlos Mello Ourívio, da Veplan, entre tantos outros. Muitos, mas nem todos os primeiros empresários do crédito imobiliário, entenderam bem nos meados dos anos 60 o que estava em jogo e como o xadrez institucional era jogado. O crédito imobiliário, por exemplo, antes de ter o peso decisivo que tem hoje na carteira dos bancos e na vida de empresas e mutuários que querem a casa própria, parecia promessa distante num tempo em que a modalidade se destinava a poucos amigos e correligionários. Por conta dessa anomia, o governo nem conseguia achar interessados em comprar a carta-patente de uma Sociedade de Crédito Imobiliário (SCI) ou de uma Associação de Poupança e Empréstimo (APE), lembram altos burocratas do BNH da época, como José Eduardo de Oliveira Penna, e empresários privados, como o ex-presidente da Abecip, Luís Alfredo Stockler. Amigos eram chamados para declarar interesse por cartas-patentes de SCI para “criar mercado”. Oliveira Penna fez isso e mais: definiu as características da caderneta de poupança, que em 1968 ganhou formas semelhantes às atuais e se tornou o mais popular dos instrumentos de captação de recursos de todos os tempos. E é assim até hoje, quando casas de análise gastam tempo e paciência (dos leitores) tentando descaracterizar essa aplicação acessível a todos, com regras iguais para todos e que serve a quase todos como alternativa à conta corrente, tal a simplicidade do instrumento. O Club Nacional, no ponto mais alto da Rua Angatuba, no bairro do Pacaembu, em São Paulo – onde está até hoje –, atraía empresários para o uísque do fim de tarde, rivali-


zando com o Club São Paulo, onde despontava a figura do banqueiro Gastão Vidigal, cético entre os mais céticos quanto à introdução no País de um moderno sistema de crédito imobiliário. O SFH “é uma merda que vai feder até a África”, ironizou Gastão conversando com Stockler, que era então um aplicado consultor do BNH. Nada mais natural que os primeiros empreendedores do segmento imobiliário vissem no Club Nacional um bom lugar para fundar a Abecip. E em 19 de agosto de 1967 foi lá que o advogado Renato Darcy de Almeida, primeiro presidente da entidade, o deputado e prócer político mineiro Nylton Velloso e os empresários José Carlos Mello Ourívio e Nilton Rique, entre outros, além de jovens executivos como Luiz Eduardo Pinto Lima, constituíram a Abecip. Poucos bancos participaram da nova atividade. Entre as exceções, o Bradesco, que nos tempos de Amador Aguiar constituiu a APE Cidade de Deus. O Brasil daquele tempo pouco se assemelhava ao Brasil de hoje. O Produto Interno Bruto (PIB) de 1970 era de apenas US$ 42,5 bilhões (o PIB atual, em dólares no-


minais, é 50 vezes maior), a renda per capita era de US$ 450 e a população era de 93 milhões, das quais 52 milhões (ou 56%) moravam nas cidades. (Nas décadas seguintes, a urbanização maciça atraiu milhões de tomadores para o crédito imobiliário). Em 2010, a população urbana do País já era de 161 milhões de habitantes e representava 84% da população total. E só no Sudeste 93% das pessoas viviam nas cidades. Nos anos 60, as dúvidas predominavam sobre as certezas. A economia mal se recompunha dos desmandos da era Jango Goulart (quando as mentes econômicas que estavam no governo tinham ideias parecidas com as que predominaram, recentemente, no triênio 2014/2016), a indústria sofreu queda até então inédita de 4,7% em 1965 e as apostas na eficiência da gestão econômica da dupla Campos/Octávio Bulhões tinham alto custo. Mas, mesmo com inflação de 40% em 1965 e de 28,4% na média de 1965/1969, Campos e Bulhões preferiram o gradualismo ao tratamento de choque – o que distingue a economia de 1964 da de 2017. Cabe registrar que há semelhanças entre aqueles anos perigosos e os anos presentes, também perigosos. Em 1964, Campos disse a Castello, então com 69 anos de idade e que o estava convidando para o Ministério do Planejamento com a missão de superar a enorme crise política e econômica que consumia o País, “que não conhecera até então nenhum político disposto a atravessar esse inverno de impopularidade”. Melhor foi a resposta de Castello, coisa de estadista. À moda do que faz (ou tentou fazer) hoje o presidente Michel Temer, Castello Branco retrucou a Campos: “Talvez o senhor me subestime. Não tenho preocupações eleitoreiras. Dedicar-me-ei a salvar o País do caos”. Ou seja, Castello não era candidato à própria sucessão, nem se movia a votos populares. Nos planos político, ético e moral, as comparações entre aqueles tempos e hoje podem parecer surreais. Para começar, o regime democrático fora substituído pelo regime autoritário. Mas, em matéria econômica, há semelhanças notáveis. Em primeiro lugar porque, sem arrumar a casa, nem o Brasil de Castello Branco tinha futuro promissor, nem teria agora horizonte o Brasil de Temer (ou de seus sucessores). A diferença fica por conta do gradualismo. Ao contrário de Castello, Temer aceitou o tratamento de choque (monetário) proposto pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e pelo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn. E mais depressa do que nos anos 60 surgiram resultados palpáveis – com a inflação seguindo solerte em busca do centro da meta e o juro básico entrando em queda livre, limitada apenas pelas circunstâncias. Com alguma sorte – e se a evolução dos acontecimentos políticos per-

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mitir –, o Brasil estará crescendo 2% a 3% em 2018, menos do que nos tempos de Castello, mas o bastante para virar o jogo. O Brasil cresceu em média 3,5% ao ano entre 1963 e 1967 e 9% ao ano entre 1968 e 1980 – o que faz enorme diferença para emprego e renda. Mas a inflação média foi de 28% na segunda metade dos anos 60 e superou 40% a partir de 1976. O governo usou e abusou da correção monetária – que mais tarde Bulhões reconheceu como instrumento duvidoso e que causou danos à economia. A tolerância com a inflação era maior – e maior o número dos que acreditavam na tolice de que um pouquinho de inflação ajudaria o crescimento. A “construção catedralesca” do SFH – como Campos se referiu à criação do sistema de financiamento habitacional na sua obra biográfica “Lanterna na Popa” – veio acompanhada de instrumentos para manter de pé o modelo de crédito à moradia. O FGTS forneceria funding adequado ao SFH e, enquanto os recursos fossem insuficientes, os agentes financeiros do SFH – Caixas Econômicas, SCIs, APEs e as cooperativas habitacionais (Cohab’s) – poderiam ainda se valer da emissão de Cédulas Hipotecárias e Letras Imobiliárias (LI’s) para captar recursos ou abocanhar verbas públicas de governos federal, estaduais e municipais.


O CONSTRUTOR DO SFI Anésio Abdalla

Presidente da Abecip durante 11 anos, entre 1984 e 1988 e entre 1995 e 2001, Anésio Abdalla teve um papel único na história da entidade e do crédito imobiliário do Brasil. Enfrentou, no primeiro mandato, a crise aguda vivida pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH) nos anos 1980. E assumiu, no segundo mandato, nos anos 1990 e início dos 2000, a liderança do processo de reconstrução do financiamento à moradia, com a criação do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), a alienação fiduciária de bem imóvel, o patrimônio de afetação e a securitização de recebíveis imobiliários – instrumentos que constituem a base do crédito imobiliário presente e futuro. Anésio Abdalla deu vigor aos seus mandatos com a assessoria de notáveis personagens da vida brasileira, como o ex-ministro da Fazenda e do Planejamento Mário Henrique Simonsen e o ex-ministro do Trabalho Arnaldo Prieto. Simonsen, que participara da criação do SFH nos anos 60, foi o principal inspirador do SFI. Prieto, com ampla atividade parlamentar no passado, costurou no Congresso a apresentação e aprovação do projeto da Lei do SFI, a 9.514/1997, graças ao apoio dos relatores José Chaves, na Câmara dos Deputados, e Fernando Bezerra, no Senado. “Os relatores não alteraram o texto da Casa Civil, o que evitou que o novo modelo [do SFI] fosse um Frankenstein, como tantas outras leis”, afirmou Anésio em depoimento a Fábio Pahim Jr. publicado no Livro dos 40 Anos da Abecip (O tempo do crédito imobiliário, pág. 43). Com amplo trânsito no Congresso, no Judiciário e no Executivo federais, Abdalla enfrentou – e superou – as dúvidas de instituições financeiras que não acreditavam que o SFH pudesse ser salvo, tão grandes eram os descompassos entre ativos e passivos do sistema e o rombo provocado no Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS). No final dos anos 90, com a criação do SFI, deixou pavimentado o caminho para a grande recuperação do crédito imobiliário entre 2007 e 2013. Em sua empresa, a Cobansa, Abdalla se dedicou, em especial, à habitação popular e a loteamentos.

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O SFH NA FASE MAIS DIFÍCIL Mário Gordilho

O baiano Mário Gordilho comandou a Abecip nos anos de 1983/84. Tornou-se presidente aos 36 anos, quando atuava no antigo Banco Econômico. Eram tempos difíceis, como tantos outros que ocorrem nas melhores sociedades (para fazer jogo com os períodos de bonança). Naqueles dois anos, o número de unidades financiadas havia caído de 541 mil (em 1982) para 77 mil e 86 mil, respectivamente. Inflação ascendente, combinada com arrocho salarial e crise da dívida externa, corroía o poder de compra. Além disso, o crescente descasamento entre as correções de salários, prestações e saldos devedores – descasamento tanto de prazos como de valores – começava a ampliar os buracos do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FVCS), criados em 1967 exatamente para prevenir tais descompassos. O ambiente político ensejava incursões governamentais destinadas a limitar reajustes das prestações (que, em 1984, passaram a acompanhar os reajus­ tes da categoria profissional do mutuário). O BNH era vinculado ao Ministério do Interior no governo João Figueiredo. E o ministro, coronel Mário Andreazza, candidato à Presidência da República (perdeu a indicação, na convenção da Arena, para Paulo Maluf), concentrava-se nessa face social do sistema. Mas diferenças de prazos e índices “quebram a espinha dorsal do PES-Plano de Equivalência Salarial”, lembra Gordilho. Seria preciso, então, abrir portas junto à outra face do sistema, a financeira. Captação de recursos via poupança, títulos, etc. tem de estar sob o guarda-chuva do Banco Central. A Abecip abriu um canal direto com o BC, presidido na época por Affon­so Celso Pastore, um “interlocutor de alto nível, excelente gestor”. Nessa bola dividida, a Abecip passou até a dar informações ao BC, que não tinha conhecimento de todos os dados guardados do outro lado do muro do BNH. “Eu morava no avião, entre Rio (sede da Abecip na época), Brasília e Bahia”. Além disso, o Judiciário tornava-se o desaguadouro da pletora de processos movidos por força da inadimplência, do desemprego, das alterações legais (processos que escapavam às negociações e renegociações particulares). “As peculiaridades do sistema são muito complexas (basta lembrar o descasamento entre financiamento de longo prazo e captação de curto prazo, num ambiente de inflação) e os juízes tinham dificuldade de entendê-las”, diz Gordilho. Novas leis e regulamentos surgidos nas décadas seguintes tiraram um bocado da sujeira do ar. Aos 69 anos, o atual consultor Gordilho vive em Salvador e, portanto, não mora mais num avião – pelo menos não por obrigação.

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A qualidade dos créditos habitacionais seria garantida por instrumentos jurídicos bem concebidos. O Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) prometia o equilíbrio financeiro dos contratos assinados por mutuários finais se houvesse inflação e os mutuários ficassem sem recursos para honrar as prestações. O Coeficiente de Equiparação Salarial (CES) permitiria compensar as defasagens entre os ajustes periódicos de prestações e salários. O Fundo para Pagamento de Prestações em caso de Perda de Renda por Desemprego e Invalidez Temporária (FIEL) permitiria socorrer os mutuários em situações extremas. Concepção boa, mas não deu certo. O descasamento entre ativos e passivos foi avassalador e, juntos, o descasamento e a recessão quase aniquilaram o SFH. “Faltou combinar com os russos”, diria o craque Mané Garrincha ao treinador Vicente Feola na Copa do Mundo de 1958, vencida pelo Brasil, seguindo-se a vitória na Copa do Mundo de 1962, no Chile, com Garrincha e sem Pelé. Não era diferente a situação do SFH. Ruiu a parafernália legal criada para dar segurança ao sistema. Assim como os lances idealizados por Feola não seriam executados sem ‘combinar com os russos’, o SFH não suportou a desordem econômica e as influências políticas. Coisas que se repetiriam no futuro, mais precisamente na era Dilma, entre 2014 e 2016 (quando o Brasil, por pouco, não ficou arruinado).


Mas nada foi imediato naqueles tempos históricos do SFH. Dos primeiros anos do SFH na era Campos/Bulhões e nos governos Costa e Silva e Medici até a primeira fase de Delfim Netto como ministro da Fazenda, a correção dos salários foi compatível com a correção das prestações. Os mecanismos compensatórios destinados ao equilíbrio dos contratos cumpriram então seu papel. Só no final dos anos 70, quando as crises do petróleo já haviam provocado a erosão das bases de sustentação econômica, o modelo do SFH perdeu a saúde e entrou na longa agonia dos anos 80 marcada por recessão, inflação de três dígitos, desemprego e reajustes salariais inferiores à evolução dos preços. Por pouco o SFH não ficou inviabilizado, como se temeu naqueles tempos. Anésio Abdalla, hoje aos 83 anos, presidente da Abecip durante 11 anos em mandatos alternados, é um dos poucos personagens que viveram toda a história do SFH, do convívio regular com Mário Henrique Simonsen nas décadas de 70 e 80 até o início dos 90 à participação direta na reforma do modelo imobiliário, no final dos anos 90. Anésio foi o responsável pela ajuda de Simonsen – o grande artífice da modernização do crédito imobiliário – à Abecip na qualidade do mais notável conselheiro de que se valeu a entidade em toda a sua história, como se verá adiante. É outro ex-presidente da Abecip, Luis Alfredo Stockler (1977/1982), quem fala dos tempos pretéritos do crédito imobiliário e das vicissitudes dominantes (ver quadro na pág. 70). “Fui presidente da Abecip durante os governos Geisel (1974/78) e Figueiredo (1979/85). Os principais problemas econômicos da época foram a inflação alta e o segundo choque do petróleo”, disse ele para a edição comemorativa dos 40 anos da Abecip. “Havia relutância em adotar medidas amargas, devido à concepção errônea, mas muito aceita na época, de que graças ao milagre econômico o Brasil era uma ilha de tranquilidade num cenário internacional revolto”. As consequências vieram um pouco mais tarde, com o avançar da década de 1980. Até então, as interferências governamentais para incentivar o crédito imobiliário tiveram sucesso: os financiamentos vieram num crescendo naquele período, subindo para o patamar das 300 e 400 mil unidades financiadas/ano e marcando um recorde de 630 mil em 1980 (a queda que se sucedeu a partir de 1983 durou até os anos 2010). Além disso, coincidindo com a gestão Stockler, iniciava-se um processo de modernização com a entrada dos bancos, que – enfim, convencidos – passaram a adquirir cartas-patentes em todo o país e a incorporar SCIs e APEs independentes. “Com o passar do tempo, o sistema depurou-se, amadureceu, e resistiu até mesmo às convulsões políticas, à hiperinflação, aos vários planos e choques econômicos”, acrescentou Stockler – e, pode-se acrescentar agora, às turbulências do início do século 21. REVISTA DO SFI

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Resistiu, mas não sem as dores que o acometiam, de tempos em tempos, ao longo do caminho. A primeira fase, de franca expansão do SFH, durou até a virada dos anos 1970/80. A velha, renovada e profícua caderneta de poupança fornecia recursos crescentes e o número de unidades financiadas avançava ano a ano – até bater o recorde de 1980, mais de 600 mil [de 1965 a 1982, haviam sido financiadas 4,2 milhões de unidades]. A partir daí, o sistema se estiolou. Não poderia ser diferente. Num ambiente de choque de petróleo, inflação já de três dígitos, juros americanos chegando a 20%, crise da dívida (em vários quadrantes do mundo, a começar pelo México), empréstimos-ponte negociados emergencialmente entre os presidentes Figueiredo e Reagan, correção monetária prefixada, arrocho salarial, as fragilidades do SFH vinham à tona, marcadamente o descompasso entre os reajustes das prestações/ salários (anuais) e dos saldos devedores (trimestrais). A abertura política prosseguia lenta e gradual e a ação parecia deslocar-se para Brasília. Nesse período, teve papel preponderante como representante da Abecip na capital federal o engenheiro civil gaúcho Arnaldo da Costa Prieto (1930/2012). Tendo sido ministro do Trabalho do governo Geisel, deputado federal (e posteriormente deputado constituinte e ministro do Tribunal de Contas da União), propiciou à Abecip, entre 1982 e 1986, uma eficaz colaboração nas tratativas brasilienses. A dupla face do SFH ficou ainda mais vulnerável. De um lado, havia o BNH, vinculado ao Ministério do Interior, mais preocupado com a tarefa de prover moradia para as famílias – uma responsabilidade social de alta sensibilidade. De outro, havia o Banco Central, antenado com as repercussões financeiras de uma atividade que envolvia captação de recursos e financiamentos, com todas as suas implicações para os agentes financeiros e construtores. E nem sempre os dois caminhos conversavam amigavelmente. Em 1983/84, sensibilizado por essas repercussões sociais, o governo decidiu fazer mais uma incursão no sistema. Baixou o Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional (PES/CP), por meio do qual os reajustes das prestações deveriam corresponder ao aumento salarial da categoria profissional a que o mutuário pertencia. Corria o ano eleitoral previsto pela abertura política e o coronel Mário Andreazza, o forte ministro do Interior, disputou a indicação de seu partido, a Arena, foi derrotado (perdeu para Paulo Maluf, que depois perdeu para Tancredo Neves). De qualquer forma, a alteração introduzida pelo PES/CP acelerou o descasamento de índices e agudizou os rombos do FCVS – que nascera, em 1967, precisamente para prevenir esses desequilíbrios. No seu conjunto, as interferências governamentais “quebraram a espinha dorsal do sistema, sua estrutura atuarial”, diz Mario Gordilho, presidente da Abecip no biênio 1983/84 (ver o quadro na

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pág.70). E ajudaram a tirar do mercado inúmeras empresas independentes, como as SCIs e as APEs. Novos lances viriam daí a pouco. Acumulavam-se diferentes índices de correção e a conta era debitada ao FCVS sem o crédito correspondente de mais reservas para o fundo. Em 1985, já no governo Sarney, o reajuste das prestações foi de 112% e a inflação chegou a 246%. Em 1986, o Plano Cruzado converteu o valor das prestações pela média de até 12 meses anteriores e congelou os reajustes pelos 12 meses seguintes (resultando numa redução de cerca de 40% no valor das prestações). Logo após, o Plano Bresser (1987) e o Plano Verão (1989) congelaram temporariamente as prestações – já no contexto de uma hiperinflação indesmentível. No Plano Verão, a Abecip era presidida por Luís Filipe Soares Baptista, num tempo em que o SFH era punido pela “amortização negativa” dos financiamentos – situação insustentável, que tornava temerária a concessão de crédito imobiliário pelos bancos. “O equacionamento da problemática habitacional passa, necessariamente, pela redução da taxa inflacionária e pela reativação sustentada da economia e, consequentemente, pela redistribuição da renda e crescimento da participação da massa de salários no produto real”, disse Luís Filipe em entrevista à REVISTA HABITAÇÃO & POUPANÇA, antecessora da REVISTA DO SFI.


DESDE AS ORIGENS DA FUNDAÇÃO DA ABECIP Luiz Eduardo Pinto Lima

Presidente da entidade entre 1990 e 1992, o administrador Luiz Eduardo Pinto Lima é uma das raras pessoas que viu nascer a Abecip no Club Nacional, em 1967. Era, então, representante da financeira Finauto, que tinha um braço de crédito imobiliário. “Toda minha vida profissional foi ligada às atividades associativas de crédito imobiliário, dos tempos de estudante em que participava da associação paulista do crédito imobiliário (Acresp) até a presidência da Abecip em época turbulenta”. Nesta época, por exemplo, o governo Collor confiscou os depósitos de poupança. “Mas o maior problema da época era o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), originalmente bem concebido e depois usado com fins políticos, o que gerou um enorme rombo jogado para o futuro”. Assim deixando um ‘esqueleto’ entre os que marcaram as contas públicas nos anos 80 e 90. Pinto Lima representou a Abecip nos conselhos do FCVS, do FGTS, da Cetip e do RGA, além de presidir a associação global – International Union for Housing Finance (IUHF). Colaborou na elaboração do manual das normas e procedimentos operacionais do FCVS, “que no programa de privatização com as Letras Hipotecárias da CEF, com lastro no crédito de cada agente financeiro, entre outros, equacionou o problema”. Mudou a sede do Rio para São Paulo, cortando custos em tempos de apuros. O futuro era incerto e o SFH ficou paralisado por muito tempo. Participou então dos estudos que levaram à criação do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e das primeiras discussões para criar os FIIs, os CRIs e as LCIs, bem como a Companhia Brasileira de Securitização (Cibrasec), como vice-presidente operacional. “Estancada a inflação, houve uma demorada fase de adaptação ao cenário macroeconômico, com exageros e inadimplência”, recorda. A entrada dos bancos europeus no mercado brasileiro ajudou a trazer confiança e experiência ao crédito imobiliário, aumentando o interesse dos bancos brasileiros pelo setor.

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ESTANCANDO A FUGA DOS POUPADORES João Batista GattiI

A atmosfera de efervescência da década de 1990 coinci­diu com a presença de João Batista Gatti na presidência da Abecip (1992/95). Depois dos planos Cruzado e Bresser (da década anterior) e dos dois planos Collor, a intrincada malha de regulamentos, proibições, subsídios deixava suas marcas no mercado. Recessão, desemprego, instabilidade política (com direito a impeachment presidencial) mostravam sua face cinzenta. O número de unidades habitacionais financiadas, que havia chegado a 600 mil dez anos antes, despencou para o patamar de 60 mil/ano. A maldição do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) ganhava corpo e se tornava fonte de inúmeras contendas judiciais (nesse caso, promovidas pelos agentes financeiros e não pelos mutuários). Tarefa urgente de Gatti foi demonstrar a “falência” do FVCS, cujos rombos aumentavam incessantemente. Ao cabo de sucessivas negociações com o governo e o Congresso (“eu ia toda semana a Brasília naquele tempo”), foi possível separar os compromissos em dois tempos: a partir de 1993 (por conta da Lei 8.692) nenhuma nova operação contaria com o FCVS, mas os contratos já firmados foram respeitados. E os déficits decorrentes da situação velha só foram equacionados em 2000, com troca de créditos por títulos e novos prazos. A entrada em cena do Plano Real, em 1994, mudou o clima e as expectativas e trouxe benefícios que hoje conhecemos. Mas produziu uma curiosidade. Como acabara a ilusão mo­ netária – “o juro passou a ser mais importante que a correção” –, os poupadores passaram a temer uma queda – era a percepção – nos seus rendimentos. A Abecip dedicou-se então a um esforço de esclarecimento (por meio de publicidade, debates, mídia), para convencê-los de que sua caderneta não perderia nada em termos reais. Conseguiu, diz Gatti, não só estancar uma possível fuga, como preparar a retomada. Economista, de 70 anos, vivendo no Rio mas mineiro de Juiz de Fora, Gatti continua no setor atuando como consultor. Viu a Abecip tornar-se protagonista (agindo muitas vezes “em conjunto com a Febraban”) e lembra que “plantou as sementes” do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI). Agora, podem estar abrindo novas oportunidades. Se persistir a inflação baixa – e dependendo da marcha do desemprego e do endividamento –, o mercado “vai lavar a égua”.

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O Plano Collor, de 1990, coroou as turbulências daquela década efervescente. Corrigiu os saldos devedores pela inflação de março (84%), índice que remunerou as contas vinculadas do FGTS e os depósitos de poupança, mas a correção dos contratos PES/CP foi de 41%. Tudo isso engrossava o rombo do FCVS – estimado em R$ 70 bilhões no final de 1998. Esse esqueleto só começou a ser desmontado na virada do século, com troca de títulos e securitização. Em 1991, os financiamentos deram sinal de vida: o número de unidades financiadas chegou a 400 mil (fugindo do patamar anterior de 200 mil) – surpresa que pode ser creditada ao alívio que restou, quando cessaram os efeitos mais danosos do plano. Mas em 1993 o número já tinha caído para 58 mil – consequência do biênio anterior dominado por recessão e impeachment do presidente. A chegada do Plano Real, em 1994, abriu caminho para uma nova etapa (a terceira) na história recente do setor imobiliário brasileiro. A segunda etapa já estava superada. O plano tirou a sujeira inflacionária do ar, começou a recuperar o poder aquisitivo das famílias, ajudou a reequilibrar os investimentos. Trouxe de volta, sobretudo, dois sentimentos que, aos brasileiros mais velhos, lembravam o JK dos anos 1950: esperança e otimismo. Pois ganhamos até a Copa do Mundo – nos pênaltis, mas valeu. Trouxe também algumas incompreensões, logo superadas. Sem a ilusão monetária, os poupadores passaram a temer pelo seu dinheiro. Viam que o juro superava a correção monetária e, ainda dominados pelo rendimento nominal anterior, “sentiam” os bolsos vazios. Ensaiavam fugir da caderneta, como fizeram em 1990. Uma das grandes tarefas da Abecip nesse tempo foi convencê-los de que tudo continuava na mesma em termos reais. “Conseguimos estancar a perda inicial e recuperar o crescimento”, diz João


Batista Gatti, presidente da entidade de 1992 a 1995 (ver o quadro na pág.74). O mais importante, porém, é que – após Itamar Franco e com Fernando Henrique Cardoso – já se podia pensar no futuro. O novo ambiente político-econômico ensejava ousadia e ideias criativas. O SFH até então dependia dos recursos captados pela poupança (SBPE) e dos fornecidos pelo FGTS, ambos vinculados à árvore do crédito direcionado. Eles ainda têm peso determinante, mas a intrincada teia de leis, regulamentos, portarias, subsídios, limites sugeria a necessidade de avançar por outros caminhos, alocados num mercado livre. O funding daí resultante – securitização, letras e títulos – viria a complementar, não a substituir, o que já era fornecido pelo SBPE. Nasceu então, em 1997, o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), que já vinha sendo estudado desde 1995 na Abecip. Foi a primeira das três grandes mudanças estruturais na área do crédito imobiliário que inauguraram, na virada do século, a terceira etapa de sua história e preparam o boom que se apresentaria entre 2009 e 2015. A certidão de nascimento do SFI está na Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, ano em que a Abecip era presidida por Anésio Abdalla. Junto à abertura de portas para os novos fundings, a lei introduziu a alienação fiduciária para bens imóveis, tal como a já existente para bens móveis. A possibilidade de recuperação rápida e extrajudicial do bem deu mais segurança e previsibilidade aos contratos – e derrubou para 1,5% a inadimplência que rondava a casa dos 30% nos mútuos hipotecários. O segundo lance estrutural veio na década seguinte: a introdução da figura jurídica do patrimônio de afetação: Lei 10.931, de 2004, tempo em que a Abecip era presidida por Décio Tenerello. Trata-se da separação entre a contabilidade patrimonial do incorporador e a contabilidade do empreendimento, o que dá mais segurança ao investidor/comprador. Esse mesmo compromisso foi posteriormente estendido a títulos de captação como as Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs) pela Lei 13.097/15 – os recebíveis também não se comunicam com o patrimônio geral do agente financeiro emissor. A terceira mudança refere-se a processos judiciais: constante também da Lei 10.931/04, determina a separação entre as partes não controversas e as partes controversas, que coabitam num processo; o que é ponto pacífico tem de ser pago, enquanto se continua a discutir o restante. Estava preparado, portanto, o cenário para o exponencial crescimento que veio a partir de 2008 e para superar o interregno baixista presente desde 2015. Mas é digno de nota registrar que, de 1964 a 2016, o sistema financiou 17,5 milhões de unidades habitacionais. (*) Jornalistas, co-editores da edição dos 50 Anos da Abecip

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TEMPOS

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OURO, O AJUSTE APÓS O

R

Por Marcos Garcia (*).

enascido em 1997 com a instituição da alienação fiduciária de bem imóvel e do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e seus instrumentos – os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), a securitização de créditos e os primeiros passos para a implantação de um verdadeiro mercado secundário de ativos imobiliários, estabelecendo a ponte entre o mercado de capitais e o mercado de imóveis –, o crédito imobiliário ingressou, naqueles anos finais do século passado, na fase da modernidade. De fato, 33 anos após a criação do modelo original do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) – e 30 anos após o nascimento da Abecip –, o que era moderno (o SFH) se ressentia de um sopro inovador, que veio a partir do final dos anos 1990, quando ganhou a companhia do SFI. Os números do SFH, na verdade, foram exuberantes. O crédito imobiliário baseado nos recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) cresceu 40 vezes entre meados da primeira década do século 21 e meados da segunda década deste século, mais precisamente até 2015 – quando uma REVISTA DO SFI

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BRACHER ENFATIZA OS AVANÇOS REGULATÓRIOS Cândido Bracher

Candido Bracher (foto), CEO do Banco Itaú Unibanco (líder do crédito imobiliário privado no País), resume com precisão esse quadro de dificuldades no curto prazo e soluções a médio e longo prazos. Ele acredita numa virada nas expectativas, desde que haja um ambiente favorável para o mercado imobiliário como um todo. “Mas para isso é essencial que sejam garantidos os avanços regulatórios obtidos, relacionados à alienação fiduciária, alicerce fundamental para fomentar o crescimento do setor”. Bracher lembra que "nos últimos 50 anos, o mercado imobiliário brasileiro consolidou-se como um dos importantes motores da economia, sendo o financiamento imobiliário uma de suas principais alavancas. Mais recentemente, após viver seus melhores momentos até 2014, o setor tem passado por algumas dificuldades em função de uma série de fatores, tais como a escassez de funding, a elevação dos juros, o aumento dos distratos e principalmente a redução do nível de confiança em função da crise econômica”. Dessa forma, diz, “o atual momento da nossa economia ainda não permite que seja traçado um cenário claro de retomada para o mercado imobiliário”. Acrescenta Bracher: “Isso certamente acontecerá com a desaceleração da inflação, queda das taxas de juros e, principalmente, o crescimento do PIB e o aumento da confiança por parte dos consumidores e empresários”.

SONHOS REALIZADOS Desde 1964 até abril de 2017, 17,7 milhões de imóveis residenciais e comerciais foram financiados no Brasil 1964 - 2017 FUNDING

MILHÕES DE IMÓVEIS

FGTS

0,8

SBPE

6,9

TOTAL

17,7

FONTE: IBGE

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recessão virulenta se abateu sobre toda a atividade econômica, poupando, no máximo, alguns nichos do mercado imobiliário, como o financiamento da habitação popular. Entre 2010 e 2014, o número de unidades financiadas galgou o patamar de 900 mil anuais. Milhões de famílias brasileiras – de todas as classes sociais – realizaram com o crédito imobiliário o sonho da casa própria. No total, considerando-se os recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) e do FGTS, foram financiados 17,7 milhões de imóveis, residenciais e comerciais, de 1964 a abril de 2017. Mas o sistema corria o risco de estiolar-se, sem o aparecimento dos novos instrumentos. Deputado federal entre 1995 e 2015 e então no PMDB, o engenheiro José Chaves,


com experiência em grandes construtoras, como Carvalho Hosken e Guarantã, foi, com o suporte técnico fornecido pela Abecip e amplo debate com instituições públicas e privadas, o autor do texto original e relator na Câmara do projeto que criou o SFI, dando também à luz a alienação fiduciária de bem imóvel – a Lei 9.514/1997. Naquele momento, três personagens desempenharam papel-chave na aprovação da Lei do SFI – o então presidente da Abecip Anésio Abdalla, o diretor da Abecip em Brasília Arnaldo Prieto e o jurista Melhim Chalhub. Cinco anos depois, prefaciando o livro de Chalhub “Alienação Fiduciária, Incorporação Imobiliária e Mercado de Capitais”, Chaves lembrou o empenho da Abecip para superar a crise habitacional dos anos 1990, após a extinção do Banco Nacional da Habitação (BNH), em 1986, e o agravamento dos problemas do SFH. Entre as causas da crise, a deficiência das garantias imobiliárias tradicionais. “Era necessário reformular o sistema de garantias ou instituir um novo sistema, que, possibilitando rápida recomposição das situações de desequilíbrio dos contratos, encorajasse os investidores a redirecionar suas aplicações para o setor da construção civil”.

OS PRIMEIROS DEZ ANOS Dez anos se passaram até que a alienação fiduciária saísse da casca (e outros sete anos para que o patrimônio de afetação ganhasse vida) e fosse incorporada aos usos e costumes do mercado imobiliário – prazo antevisto pelo ex-diretor de Política Econômica do Banco Central, Sérgio Werlang, em entrevista à REVISTA DO SFI pouco depois do nascimento do SFI. Com efeito, os anos que se seguiram foram decisivos. Mas as novas regras do SFH e do SFI demoraram para ser digeridas. Enquanto essas regras eram aprimoradas, as instituições revitalizavam as estruturas administrativas necessárias para o desenvolvimento do novo sistema. Abdalla concluiu em 2002 sua última gestão à frente da Abecip, deixando o caminho pavimentado para o sucessor Décio Tenerello. Com a enorme experiência adquirida na administração de créditos, Tenerello promoveu nova rodada de aperfeiçoamento do sistema de crédito imobiliário e deu suporte para o avanço da legislação que o ampara. A edição da Lei 10.931, em 2004, simbolizou o êxito normativo mais notável daquele período, com a criação do patrimônio de afetação. Separando cada empreendimento da contabilidade total das incorporadoras, a 10.931 permitiu evitar a repetição de problemas como os da construtora Encol, que quebrou dando prejuízo a milhares de compradoREVISTA DO SFI

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res de imóveis na planta. Com o apoio dos executivos da Abecip Osvaldo Corrêa Fonseca (que, como Tenerello, era originário dos quadros do Bradesco) e do advogado especializado em crédito imobiliário Carlos Eduardo Duarte Fleury, superintendente da Abecip, Tenerello deixou entre múltiplos legados a solução para o rombo bilionário do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), sem o que o modelo brasileiro de crédito imobiliário teria patinado por muito mais tempo. Como um dos alicerces disso tudo, a agora cinquentenária Abecip.

ARRUMAÇÃO INSTITUCIONAL Foi a arrumação institucional do crédito imobiliário, ocorrida entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000, que tornou possível o salto nos financiamentos aos mutuários finais e a modernização de todos os protagonistas – das instituições financeiras às construtoras (que abriram o capital em busca de recursos para investir em estoques de terrenos) e às incorporadoras, muitas das quais agora reunidas na Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), cujo presidente executivo, Luiz França, é um dos ex-presidentes da Abecip. Tornou-se imperioso construir, com custos competitivos, produtos que os clientes tivessem capacidade de adquirir. Pois a demanda se generalizava e aprofundava. Em São Paulo, por exemplo, em todos os seus nichos, a classe média, inclusive a chamada emergente, tornou-se mais exigente. “Para atender o mercado paulistano, é preciso oferecer terraço com churrasqueira, academia e áreas de lazer para as crianças, mais do que dormitórios amplos”, insistia o ex-presidente da Abecip Octavio de Lazari Junior nos balanços periódicos do crédito imobiliário feitos à imprensa especializada durante sua gestão à frente da Abecip. [Mídia, impressa e eletrônica, ressalte-se, que passou a cobrir todos os segmentos do mercado e, desde 2002, concorre anualmente ao Prêmio Abecip de Jornalismo]. A força da demanda fez nascer o temor de que o mercado, num país de baixa capacidade de poupança, pudesse continuar crescendo, quando surgiu a crise imobiliária nos Estados Unidos (e no resto do mundo) dez anos atrás. Mas os empreendedores deram respostas surpreendentes a ela – e só foram afetados mesmo pela nossa recessão de 2015/16. Um bom exemplo é o projeto Jardim das Perdizes, em São Paulo, da Tecnisa, com apartamentos, escritórios, comércio e serviços criando um verdadeiro bairro novo em área de 250 mil m2 no bairro da Barra Funda. Outro exemplo, este contando com financiamento público: o conjunto de prédios com 3,6 mil unidades denominado Ilha Pura, na Barra da Tijuca, no Rio, que abrigou os atletas das Olimpí-

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adas de 2016 e foi construído pela Carvalho Hosken e pela Odebrecht Realizações Imobiliárias.

LIVRE VS. DIRECIONADO Assim como os mercados de São Paulo e Rio tinham entre as marcas de grande visibilidade, nos anos 1970/80, empresas como Hindi, Takaoka, Adolpho Lindenberg, Fortes ou Carvalho Hosken, entre outros, neste início de século 21 os nomes de ponta passaram a ser Cyrella, Even, Helbor, Brookfield, Tecnisa, You, Yuni, Upcom – ou construtoras constituídas há décadas e que ampliaram suas operações, como a ExTo. Entre as que têm ações muito negociadas está a EZTec – um caso clássico de sucesso de empresa de origem familiar, comandada pelo patriarca Ernesto Zarzur. Para Emilio Fugazza, diretor financeiro e de relações com investidores da EZTec, conquanto essencial para o crescimento do mercado brasileiro, o crédito imobiliário precisa de fortes mudanças para continuar exercendo esse papel. “E a instabilidade é provocada pelo modelo atual, de dinheiro direcionado, que impede a elevação dos níveis de financiamento a patamares já alcançados em países em fase de desenvolvimento equivalente à nossa”, diz ele, sugerindo caminhar rumo a um modelo de mercado livre, com funding de longo prazo, sem dispensar a segurança propiciada por uma política macroeconômica forte. “Dependemos de uma economia mais estável”, enfatiza Fugazza, pois uma variação de 1 ponto porcentual na taxa de juro da economia traz um impacto de 7% a 8% na parcela paga pelo cliente. “Isso muda completamente a linha de corte, ao definir se a renda permite ou não o financiamento”. Estabilidade com previsibilidade das taxas de longo prazo fazem toda a diferença no mercado imobiliário.

ATUAÇÃO CONJUNTA

Ações políticas ou macroeconômicas não eliminam, porém, iniciativas que o próprio mercado deve tomar – de preferência por meio de parcerias que já são históricas, caso de Abecip e Secovi, o sindicato da habitação. Como afirma o presidente do Secovi e reitor da Universidade Secovi, Flavio Amary, a união das duas entidades foi essencial “para debater, criar e aprimorar um dos mais importantes marcos regulatórios do setor: a Lei do Patrimônio de Afetação e do instrumento da alienação fiduciária de bens imóveis”. E acrescenta: “Ressalto, também, a busca por fontes alternativas de recursos ao FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e à poupança (SBPE – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) – como CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários), FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios), FII (Fundos de


A VISÃO GLOBAL, SEGUNDO SÉRGIO RIAL Sergio Rial

Uma visão global da atividade de crédito imobiliário vem do presidente do Santander no Brasil, Sérgio Rial (foto), que anunciou, em julho, uma política de juros mais baixos. O maior banco internacional no Brasil prevê a expansão das atividades no País, inclusive no crédito imobiliário. E como afirmou a presidente mundial do banco, Ana Botin, citada em reportagem do jornal O Globo de 6 de julho, “não estamos mudando em nada os planos no Brasil”. Como assinalou Rial à REVISTA DO SFI, "de qualquer ângulo que se observe, o futuro é promissor para o mercado imobiliário brasileiro”, explicando: “Para começar, somos uma economia em desenvolvimento, com um déficit de mais de 6 milhões de moradias. E resolvê-lo é uma prioridade nacional. Dentre todas as modalidades de crédito, o imobiliário talvez seja a que mais tem efeitos multiplicadores para a atividade econômica e o bem-estar da população. O mercado imobiliário é capaz, por exemplo, de impulsionar o nível de crédito geral da economia, por meio de instrumentos como o home equity – um produto financeiro ainda pouco utilizado no Brasil”. Em especial, disse o presidente do Santander Brasil, “o que percebemos hoje é que o pior momento da economia ficou para trás, a inflação cedeu e vemos uma queda estruturada na taxa básica de juros. Esses são os pontos mais imediatos para uma retomada do crédito imobiliário, que já começa a se tornar perceptível. Quando olhamos mais de perto para o setor, notamos uma agenda positiva em andamento nas últimas duas décadas. Ainda há obstáculos a serem superados, como as limitações de funding e as amarras do direcionamento obrigatório de recursos. Mas te­nho convicção de que o Brasil vive um momento de sua história que é favorável para trazermos à mesa questões como essas, fundamentais para destravar os nós do desenvolvimento".

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ESTABILIDADE, FUNDING E SEGURANÇA JURÍDICA Murilo Portugal Filho

Como afirma Murilo Portugal Filho, um dos mais qualificados especialistas da área pública do País e desde 2011 à frente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), “crédito imobiliário é fundamental para o desenvolvimento econômico e social de um País”. Por vários motivos: “Primeiro, porque cria condições para a expansão do setores da construção civil e de infraestrutura, que trazem dinamismo econômico ativando diversas cadeias produtivas e são grandes geradores de emprego. Segundo, permite que muitas famílias realize o sonho da casa própria. Sem o crédito imobiliário este sonho ficaria restrito às famílias mais ricas que são capazes de adquirir um imóvel sem recorrer a um financiamento. Como sabemos, esta não é a realidade da grande maioria da população, especialmente dos mais jovens, que necessitam do crédito imobiliário para adquirir a casa própria. “Dada a natureza do crédito imobiliário – uma operação de longo prazo e que envolve valores significativos –, depende de uma combinação de fatores para se desenvolver. Eu destaco três destes fatores que me parecem fundamentais. Primeiro, a estabilidade macroeconômica, em especial, inflação baixa e estável; segundo, existência de captações de longo prazo em condições competitivas, que permitam ao setor bancário ampliar a oferta de crédito para esta segmento, sem correr o risco de grande descasamento em seus balanços; terceiro, o crédito imobiliário requer que se tenha segurança jurídica na execução dos contratos, quer dizer, que as regras legais que existiam na época do contrato e as condições pactuadas sejam preservadas pela justiça e que as garantias oferecidas aos credores sejam respeitadas”. No Brasil, houve na década de 2000 uma demonstração prática do poder desta combinação. Como enfatiza Murilo, “um cenário macroeconômico positivo, a existência de fi­ nanciamento em condições favoráveis e a ampliação da se­­ gurança jurídica trazida, entre outros, pela introdução do pa­­­trimônio de afetação permitiram expansão impressionante do crédito imobiliário, que passou de cerca de 2% do PIB em 2002 para quase 10% do PIB no início de 2017. O crescimento foi expressivo, mas ainda temos um longo caminho pela frente. Se revivermos esta combinação, poderemos chegar a porcentuais bem mais expressivos, na faixa dos 20% do PIB.

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Investimentos Imobiliários), debêntures e mais recentemente a LIG (Letra Imobiliária Garantida) –, iniciada pelas entidades após a retomada do crédito imobiliário no País a partir do controle da inflação trazido pelo Plano Real”. João Crestana, ex-presidente do Secovi SP por duas gestões, enfatiza o papel institucional da Abecip voltado para o aprimoramento da regulação e para o desenvolvimento do mercado imobiliário brasileiro, “representando bancos que acreditaram no setor nos momentos mais difíceis e sempre dialogando com os outros segmentos, buscando o entendimento que permitiu a consolidação do mercado”. Esse diálogo, diz Crestana, deve prosseguir. “A Abecip, o Secovi e outras entidades do setor imobiliário têm desafios à frente, a exemplo da constante busca por segurança jurídica e novos fundings. A poupança perdeu muito do saldo que deu solidez à evolução observada até agora e é preciso buscar fontes alternativas”, acrescenta. Outro desafio apontado pelo ex-presidente do Secovi é a manutenção das boas práticas de governança conquistadas até agora. “É consenso que não podemos sobreviver sem a alienação fiduciária e o patrimônio de afetação; esses instrumentos têm de ser defendidos com toda a força por todo o setor, porque trouxeram segurança às operações e isso estimula novos negócios”. A importância da moradia para as famílias também é destacada por outro líder empresarial da construção civil, o in-


Os novos marcos regulatórios – como a alienação fiduciária, o patrimônio de afetação, a concentração do ônus na matrícula e o registro eletrônico dos contratos, entre outros – são essenciais para enfrentar esse mar revolto e garantir a expansão, quando vier a estabilização. Como lembra o presidente da entidade, Gilberto Duarte de Abreu Filho, a Abecip exerceu papel muito importante desde o surgimento do SFH até hoje, ao contribuir para que, “mesmo numa economia muito desorganizada, houvesse um mercado, com construção e financiamento”. Contudo, ele acredita que a contribuição maior ainda está por vir. “Temos de ser o agente de mudança, ajudar a promover o ajuste necessário para que o país não fique refém do atual modelo, que vive de gastos do governo, com os direcionamentos determinados pelo governo”, afirma. Ele acredita que a mudança virá porque financiamento e construção são bons negócios, que não necessitam de incentivos para serem realizados. “Os bancos vão emprestar porque isso gera lucros, gera resultados e muitos outros benefícios dentro do sistema financeiro”. Assim, afirma, “temos de levantar a cabeça e saber que o nosso papel no futuro é diferente, não é o de uma associação que defende o direcionamento, mas que busca condições de mercado para que exista financiamento e construção em patamares muito mais elevados que os já alcançados, que supere os 100% do PIB em crédito imobiliário”. Gilberto Duarte destaca que o mercado imobiliário é um dos pilares da economia e seu pleno funcionamento é o primeiro passo no processo de desenvolvimento de qualquer país. “A construção puxa os segmentos industriais de menor tecnologia, que produzem tijolo, cimento e outros insumos. Depois vêm os demais segmentos, mais tecnológicos, e então esse é um ciclo que o Brasil vai ter de cumprir, pois a construção é um dos principais motores para que a economia arranque. E temos aqui construção para décadas, não vai faltar trabalho”, afirma. corporador Ricardo Yazbek, com longa folha de serviços em entidades como Secovi e Fiabci, uma entidade internacional de incorporadores, também parceira da Abecip. A compra da casa própria, ressalta, traz paz social e segurança para as famílias, garantindo o desenvolvimento das nações. O desafio, afirma, é buscar instrumentos para ampliar o crédito, com base em funding de longo prazo, além de combater a insegurança jurídica. “As questões que abalam a confiança nos contratos precisam ser enfrentadas, pois, ao enfraquecer as garantias, impedem maior aporte de recursos ao setor”. Entre elas se destaca o elevado número de distratos registrado nos últimos anos. E há as sentenças judiciais que invalidam o que está estabelecido em contratos, limitando a possibilidade de que as partes cumpram seus compromissos. “Temos de enfrentar juntos essas ameaças”.

Citando a experiência de países como a Espanha, Duarte lembra que o pleno desenvolvimento do mercado imobiliário propicia avanços nos processos de urbanização e na própria qualidade de vida das pessoas, porém depende fundamentalmente da existência de condições para que os juros permaneçam baixos. “Se parte do potencial que temos aqui for explorado, haverá uma revolução urbana, assim como aconteceu na Espanha. Lá, hoje, cidades como Madri estão totalmente renovadas, onde havia favelas há 25 ou 30 anos, temos bairros organizados. Aqui também tudo será refeito; a qualidade das moradias, ruas e equipamentos urbanos será muito melhor”, prevê. O presidente da Abecip, no entanto, diz que, para chegar a isso, será preciso superar o impasse que impede a efetiva queda dos juros. “É uma decisão política e econômica que o Brasil ainda não tomou, mas a sociedade dá mostras de que está querendo REVISTA DO SFI

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mudar isso”. Para ele, há várias razões para os elevados juros, uma delas é a legislação. “A criação do SFI em 1997 foi um passo importantíssimo para o setor imobiliário operar em condições de mercado livre, mas desde então nunca tivemos no país juros realmente baixos”, lembra Duarte, que prossegue: “Estamos chegando a um momento em que tanto o governo como a sociedade começam a perceber que é preciso mudar”. Enquanto “não estabilizarmos a dívida pública não teremos juros baixos e enquanto não tivermos juros baixos não teremos um desenvolvimento econômico sadio”, afirma, lembrando que juros em patamares razoáveis dispensam o direcionamento, criando um ciclo econômico que anda sozinho. Sem equilíbrio das contas públicas, o País pode quebrar. “Se nada mudar, vamos entrar em uma situação muito grave, na qual vai ocorrer em escala nacional o que está acontecendo atualmente no Rio de Janeiro ou na Venezuela”, prevê.

GARANTIAS LEGAIS

A necessidade de buscar um modelo de mercado mais livre e com menos subsídios é compartilhada pelo ex-presidente da Abecip Décio Tenerello, para quem “o trabalho desenvolvido pela associação está na origem das transformações positivas do crédito imobiliário desde os anos 1980 até agora”. Outro ex-presidente, Octavio de Lazari Júnior, antecessor de Gilberto Duarte, dá grande ênfase à modernização normativa do crédito imobiliário para retomar um forte crescimento das operações (ver quadro na pág. 92). Em depoimento sobre os 50 anos da entidade, o jurista Melhim Chalhub lembra que “a história da Abecip é marcada por decisiva atuação na estruturação e no desenvolvimento da cultura da poupança e do mercado de crédito imobiliário no país”. Mas ressalva que “as conquistas não afastam a necessidade de constante revisão e aperfeiçoamento normativo, recomendados pela aplicação prática e pela evolução natural dos mercados. As normas sobre alienação fiduciária, por exemplo, precisam ser adequadas a procedimentos instituídos pelo novo Código de Processo Civil, sancionado em 2015, e em face de entendimentos que vêm sendo firmados pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”. Outro instrumento jurídico a ser aperfeiçoado é o patrimônio de afetação: “A meu ver, é elemento natural do contrato de incorporação imobiliária e, portanto, deveria ser aplicado a toda e qualquer incorporação”. João Carlos Gomes da Silva, diretor-executivo-adjunto do Bradesco, completa: “O marco regulatório das operações de crédito imobiliário, embora tenha atingido um nível razoável, precisa de algumas melhorias”. É necessário, por exemplo, aprimorar a legislação que regula a alienação fiduciária, fortalecendo “os procedimentos de realização da garantia no âmbito extrajudicial, visando a manter tal característica como garantia da agilidade nos negócios”.

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Gomes da Silva defende também a efetiva aplicação dos princípios do patrimônio de afetação “como padrão mínimo e obrigatório para empreendimentos destinados à venda” e a atualização da Lei de Recuperação Judicial. Além disso, afirma que é necessária a regulamentação das Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs). Esses ajustes “irão melhorar o ambiente de negócios, permitindo que a contribuição do crédito imobiliário no PIB atinja níveis mais relevantes que os atuais 9,5%, contribuindo enormemente com a redução do déficit habitacional e o atendimento de forma expressiva de todas as faixas da população”. O vice-presidente de Habitação da Caixa Econômica Federal (CEF), Nelson Antônio de Souza, nota que para a evolução do modelo habitacional o papel exercido pela Abecip foi fundamental. “São décadas possibilitando a articulação entre instituições para consolidar um sistema de crédito imobiliário mais estável e sustentável”, enfatizou. “O grande mérito desses 50 anos de história é a aproximação e diálogo entre os diferentes agentes financeiros do mercado imobiliário”. Mas o futuro do mercado imobiliário exige uma mudança de paradigma. “Estamos aprendendo a enxergar habitação como algo que extrapola a concessão de crédito imobiliário – um desafio de nosso tempo é a busca de alternativas de funding”. Em sua opinião, embora a poupança tenha se estabelecido


O CRÉDITO E O MERCADO IMOBILIÁRIO ANDAM JUNTOS SÃO DÉCADAS POSSIBILITANDO A ARTICULAÇÃO ENTRE INSTITUIÇÕES PARA CONSOLIDAR UM SISTEMA DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO MAIS ESTÁVEL E SUSTENTÁVEL" Nelson Antônio de Souza, vice-presidente de Habitação da Caixa Econômica

Décio Tenerello

O futuro do crédito imobiliário depende da adoção de um modelo com mais mercado livre e menos subsídios, condizente com a expansão forte que se prevê para o longo prazo, afirma o ex-presidente da Abecip Décio Tenerello nesta entrevista a Marcos Garcia, da Revista do SFI. • Revista do SFI – Nesses 50 anos, quais são os momentos que o sr. destaca na evolução do mercado imobiliário brasileiro? Décio Tenerello – O mercado de imóveis teve uma grande expansão nos anos 60 e 70, em atividade e em valores, com a criação do BNH e dos agentes financeiros do SFH, mas as bases do financiamento ficaram enfraquecidas com a recessão, a inflação de três dígitos dos anos 80 e o desemprego. Foi preciso reconstruir o modelo de crédito imobiliário nos anos 90, em especial com uma solução para o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) e a modernização trazida pelo Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), criado em 1997. Ficamos à frente da entidade entre 2002 e 2007, quando as novas regras do SFI começaram a ser aplicadas. Os volumes de crédito começavam a ser significativos na segunda metade dos anos 2000, graças aos efeitos da Lei 9.514/97 e à aprovação da Lei 10.931/2004. Esta criou o patrimônio de afetação e aumentou a segurança jurídica dos contratos. No plano político, a Abecip se firmou, afastando o risco de que se tornasse braço de

associações bancárias, pondo em risco a expertise acumulada em sua história. • Qual foi a contribuição da Abecip nesse processo? O papel da Abecip foi decisivo em toda a história do SFH e do SFI. Primeiro como foro de discussões e apresentação de projetos legislativos nos anos 90, com des­ taque para a gestão de Anésio Abdalla, quando foram criados o SFI e a alienação fiduciária de bem imóvel. E, depois, nos anos 2000, quando conseguimos, junto aos batalhadores de boas causas como Osvaldo Correa Fonseca, Carlos Eduardo Duar­te Fleury e José Pereira Gonçalves, entre outros, propor e conseguir a aprovação do patrimônio de afetação. O trabalho da Abecip está na origem das transformações positivas do crédito imobiliário desde os anos 1980 até agora. Por exemplo, com a criação das Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs), em 2015, na gestão Octavio Lazzari. As LIGs vão garantir recursos para o financiamento, quando o crédito direcionado já não tiver a importância que ainda tem. Felizmente, esse trabalho é reconhecido pelas autoridades e pelas lideranças bancárias privadas e públicas. • Qual é sua visão sobre o futuro do mercado imobiliário e, especialmente, do crédito para construção e aquisição de imóveis no Brasil? O crédito imobiliário e o mercado imobiliário andam juntos. Nos governos dos últimos 15 anos, entre 2003 e 2016, viveu um período de crescimento em ritmo chinês até 2014, seguindo com uma acomodação decorrente da recessão do segundo governo do PT. Os alicer­ ces do crédito imobiliário são sólidos. As adminis­trações recentes da Abecip, tanto as de Luís França e Octavio Lazzari como, agora, a de Gilberto Duarte de Abreu, têm tido papel marcante para conduzir o crédito imobiliário a um modelo com mais mercado livre e menos subsídio, condi­zente com a expansão forte que se prevê para o longo prazo.

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TEMPOS ÁUREOS DO CRÉDITO HABITACIONAL

no Brasil como uma das principais fontes de recursos para o crédito imobiliário, é necessário construir outros caminhos. “A Abecip dispõe de profunda competência técnica e pode, como entidade representativa, contribuir muito para o estabelecimento de políticas de moradia junto ao governo federal. O deficit habitacional no país ainda é significativo e temos muito o que fazer”.

Luiz Antonio França

A VEZ DA LIG

A atmosfera de efervescência da década de 1990 coincidiu com a presidência áurea, de 2007 a 2011, vivida por Luiz Antonio Nogueira de França. Economia vigorosa, desemprego baixo, inflação sob controle impulsionaram as famílias brasileiras a buscar a casa própria. O número de unidades financiadas disparou do patamar de 400 mil unidades/ano para um milhão de unidades. “A Abecip dava todo o suporte e havia a sensação de mercado sólido”, diz. Começava-se a pensar no futuro e em novos instrumentos que dariam sustentação ao funding exigido pela demanda projetada. Foi quando se esboçou o projeto da Letra Imobiliária Garantida (LIG), ora tornada realidade. “O relacionamento com Fazenda, Banco Central e Caixa era muito bom; entendiam o mercado”. Ia muito a Brasília, mas para tratar com o Executivo. Nem houve “grandes assuntos” a conflitar com o Judiciário. A alienação fiduciária (alternativa à historicamente problemática hipoteca, já estava implantada (desde 1997) e a figura do patrimônio de afetação ama­durecia desde 2007. De qualquer forma, explicações eram e são sempre necessárias. “No Brasil, tudo cai no Judiciário e, por mais capacidade que tenham, é humanamente impossível eles entenderem de tudo”. Pode ser o caso da querela atual entre construtoras/incorporadoras e compradores em torno dos distratos. Naquela época do céu de brigadeiro, o setor foi chamado a investir pesado para responder à demanda que se vislumbrava. Grandes construtoras abriram o capital, estimuladas por bancos de investimentos, para captar recursos e criar bancos de terrenos. O rápido crescimento, porém, foi colhido pela crise que chegou para valer em 2014. Endividados e sob o fantasma do desemprego, boa parte dos compradores bate em retirada e deixa as empresas, principalmente as pequenas e médias, “sem meios para resolver os distratos”, diz. Aos 54 anos, engenheiro civil com passagem por bancos de investimento nos Estados Unidos e pela diretoria do Banco Itaú, pede “equilíbrio nessa discussão”, em que ambos os lados têm bons argumentos. Pois agora como CEO da Associação Brasileira dos Incorporadores Imobiliários (Abrainc) desde fevereiro deste ano, o tema distrato tornou-se item central de sua agenda.

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Rubens Menin, presidente do Conselho de Administração da MRV Engenharia e do Conselho da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), também destaca os grandes desafios. “A Abecip teve papel importante como agente propulsor do crescimento e dos avanços que beneficiaram o mercado, tendo construído uma história muito consistente, mas o mais importante ainda está por vir”, afirma. Para ele, o mercado brasileiro é uma incógnita porque deveria ser muito maior do que é hoje. “É surpreendente porque temos demanda e aparato legal avançado, mas o crédito imobiliário representa menos de 10% do PIB, índice muito inferior ao registrado em países comparáveis, onde se tem 25% ou mais, apesar de terem arcabouço legal inferior ao nosso”, diz Menin. Ponto-chave é a efetiva implantação da LIG. “Precisamos trabalhar todos juntos para fazer a melhor formatação para a implementação desse instrumento de captação de recursos de longo prazo e para a criação de um mercado secundário. Isso será um grande estímulo para o mercado imobiliário e cabe a todos nós lutar por isso”, diz ele. Um dos decanos do mercado imobiliário brasileiro, Henrique Borenstein, 81 anos, presidente do Conselho de Administração da Helbor Empreendimentos S.A., lembra que o País vive um momento delicado e precisa de instituições fortes. Ele acompanha a atuação da Abecip desde a época em que era diretor e acionista do Banco de Crédito Nacional (BCN). “Hoje, na Helbor Empreendimentos, incorporadora imobiliária que em 2017 completa 40 anos, posso afirmar que vi os esforços da entidade em inúmeras ações, sempre visando a reduzir a influência do governo no setor e, ao mesmo tempo, testemunhei seu compromisso de parceria com o setor imobiliário, que tanto se desenvolveu nos últimos tempos”, completa. Mesmo considerando que enfrentamos atualmente uma grave crise que não é só econô-


EM 2014, RITMO RECORDE PARA ATENDER AS FAMILIAS Octavio de Lazari JR.

Presidente da Abecip entre 2012 e 2015, Octavio de Lazari Junior não só colheu os frutos da modernização institucional do crédito imobiliário conquistados em anos precedentes, como avançou em itens caros a mutuários, financiadores, incorporadores e construtores – e do mercado imobiliário em seu todo. Na era Lazari foram criadas as Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs) e ajustadas as regras das Letras Crédito Imobiliário (LCIs), implantadas as bases para a adoção do registro eletrônico dos contratos e ampliados os limites do financiamento habitacional. Isso significou ampliar o funding para o crédito imobiliário, muito dependente das cadernetas de poupança; acelerar a tramitação dos contratos de financiamento, favorecendo vendedores e compradores finais; e reconhecer que os patamares máximos que podiam ser financiados pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) já não eram adequados, em especial, nas grandes metrópoles, onde o valor dos contratos não acompanhava os preços dos terrenos e do metro quadrado construído, assegurando a realização de incorporações. Com um rico arsenal regulatório em mãos, o crédito imobiliário cresceu rapidamente – em 2014, foram financiados R$ 112,8 bilhões para a comercialização de 538,3 mil unidades, recordes históricos do SBPE. Nos quatro anos da gestão Lazari, mais de 1,86 milhão de imóveis foram financiados e o crédito habitacional chegou às manchetes – até ser colhido, a partir de 2015, pela mais aguda recessão da história brasileira. “Apesar de todas as dificuldades que se seguiram, não tivemos perdas severas para os mutuários finais”, notou Lazari, que fez sua carreira na Cidade de Deus e hoje preside a Bradesco Seguros, além de ser vice-presidente da instituição. “O mercado de crédito imobiliário está solidamente estabelecido”, observou. A inadimplência é baixa e o sistema resistiu bem à recessão, dispondo dos instrumentos que lhe permitirão continuar crescendo nos próximos anos.

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mica, “como as outras duas que vi o Brasil superar”, o empresário continua acreditando no grande potencial do mercado imobiliário brasileiro. “Essa é uma crise mais difícil de sair, porque temos de nos livrar do problema econômico e do problema político, mas tenho certeza de que o País irá se reerguer”. Para que as coisas melhorem, ele acredita que o Estado precisa consolidar as regras do jogo e garantir estabilidade na regulação dos diferentes setores da economia. “Só isso garantirá credibilidade ao País perante os investidores internacionais, que sabem do nosso potencial, mas ainda têm receio de apostar seus recursos no Brasil. E também estimulará os investidores nacionais a continuarem acreditando no País e empreendendo”, prevê.

UM MILHÃO DE FAMÍLIAS Na opinião da economista Ana Maria Castelo, coordenadora de Estudos da Construção Civil do FGV/IBRE, “a segurança regulatória é, sem dúvida, um dos pilares do crescimento recente” – e a Abecip (cuja história de 50 anos está ligada à própria história do mercado) deu

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contribuição ativa nessa e noutras frentes, como na diversificação dos instrumentos de captação de recursos, ao trabalhar conjuntamente com o Banco Central e outras entidades no campo institucional. Vale lembrar que, em 2003, o crédito habitacional representava menos de 2% do PIB. Em dezembro de 2016 essa participação chegou a quase 10%. “Esse salto só foi possível a partir das mudanças institucionais que trouxeram mais garantias para agentes financeiros e famílias”. Outra frente são os estudos patrocinados pela entidade, como o IGMI-R, que “trouxe novos horizontes de informação, algo vital para investidores e analistas”. O quadro continuará difícil provavelmente nos próximos 12 meses, mas “a dinâmica demográfica do País continua muito favorável, pois o crescimento populacional vem se reduzindo”. O desafio é prover habitações para mais de um milhão de famílias que se formam anualmente, o que “só será possível com o suporte do crédito habitacional”. E as principais fontes disponíveis de crédito, poupança e FGTS, não darão conta de um novo ciclo de crescimento. Dessa forma, novas fontes de captação terão que se consolidar nesse novo ciclo”. (*) Jornalista, co-editor da edição dos 50 Anos da Abecip


TEMPOS

futuros

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UM FUTURO PROMISSOR E PREVISÍVEL

PARA O SFH E O SFI

I

Por Fabio Pahim Jr. e José Roberto Nassar

móveis são o centro da vida das famílias, das empresas, dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e até dos capitães da tecnologia e dos nerds. Foi em garagens que jovens como Bill Gates, Steve Jobs e Larry Page se reuniram para fundar a Microsoft, a Apple e o Google. Hoje, não se imagina o You Tube sem sua maravilhosa sede em San Bruno, na Califórnia, a Ferrari sem seus domínios em Maranello, em Módena, como não se imaginava a antiga Chrysler sem o Chrysler Building e o Chase Manhattan sem o Rockfeller Center, ícones arquitetônicos de Nova York. Ou Washington sem a Casa Branca, Moscou sem o Kremlin, Londres sem o 10 Downing Street e Brasília sem o Palácio do Planalto, o Estado sem o Palácio dos Bandeirantes ou a Prefeitura sem o Edifício Matarazzo. Mas esses imóveis só foram edificados após a mobilização de recursos – seja do crédito imobiliário, do funding de tributos ou da transformação de riqueza monetária dos acionistas controladores em patrimônio imobiliário. E para se transformarem em patrimônio comercializável ou transferível, tiveram sua construção submetida às leis vigentes, enquadrando-se nos princípios da segurança jurídica, o que é vital em todo o processo de formação do patrimônio imobiliário, para todo e qualquer proprietário. É probabilíssimo que nada mude muito no futuro, a partir da história do homo sapiens na qual até o homem de Neandertal procurava uma gruta ou uma caverna – um imóvel, enfim – para se abrigar e guardar víveres. Mas é do crédito imobiliário que trata esta edição da Revista do SFI e do papel extraordinário que ele teve na história da formação do patrimônio imobiliário das pessoas, das empresas e das entidades de Direito Público.

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COM MENOS CUSTOS, JÁ SE ANTEVÊ O MOMENTO EM QUE OS BANCOS TERÃO GANHOS DE ESCALA QUE LHES PERMITAM REDUZIR OS JUROS COBRADOS DOS MUTUÁRIOS, SEGUINDO A TENDÊNCIA DO COPOM Gênesis Pazzetto Baptista


E assim continuará sendo, no futuro, na forma atual ou, mais provavelmente, com as modificações exigidas pelo funding de mercado, o crédito imobiliário continuará a propiciar enormes oportunidades para as famílias, como as de Adalto Turco, Rafael Brandimarte e Rodrigo Elizeu, exemplos que os autores deste texto conhecem de perto – entre milhões de outros casos semelhantes de pessoas que aumentaram significativamente seu patrimônio, graças ao financiamento habitacional pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Em períodos econômicos favoráveis, o crédito imobiliário embasado em emprego e renda dos mutuários potenciais, instituições sólidas, contratos bem feitos, segurança jurídica e a construção de novos instrumentos para o futuro será o principal sustentáculo da formação do patrimônio imobiliário das famílias e parte importante da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). Mas, para que essa visão de futuro possa se tornar palpável, algumas questões centrais têm de ser postas na mesa (driblando vícios passados como o excesso de crédito direcionado) – questões estruturais, que se localizam tanto no plano macro quanto no micro-

econômico, e vão além das dificuldades conjunturais. A chave pode ser assim resumida: abrir espaço para o setor privado, num ambiente de estabilidade. Se isso ocorrer, será uma mudança e tanto. Os governos, desde os anos 1960, sempre foram protagonistas no setor imobiliário, interferindo até no sistema de financiamento (basta ver a ação dos bancos públicos). Descuidaram-se, porém, do planejamento urbano, da infraestrutura, do saneamento básico (vital até mesmo para a saúde da população), das grandes cidades, das favelas, das habitações precárias – tarefas que lhes são próprias. Agora, a crise mostra que está na hora de virar a chave e preparar o terreno para o avanço de novos protagonistas, por caminhos que passam por mais liberação e desregulamentação. O primeiro passo para reorganizar a economia e voltar a crescer é a estabilização macroeconômica, na opinião de Gilberto Duarte de Abreu Filho, presidente da Abecip. Estamos falando de controle de gastos, ajustes fiscais, reformas que estão em andamento. Este é o cenário onde se encaixa o setor imobiliário, num país de “demanda habitaREVISTA DO SFI

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cional gigantesca”. As reformas transcendem a governos, são uma “questão de Estado”, diz o presidente Gilberto – são “um valor brasileiro”, afirma Filipe Pontual, diretor-executivo da Abecip. Sem elas, veremos inflação (se não hiperinflação) e inadimplência, entre tantos outros, acrescenta Gilberto. Com elas, será possível baixar os juros consistentemente. Num novo quadro de juros baixos, tende a dissipar-se o conflito crédito livre versus crédito direcionado. Esta modalidade provê recursos subsidiados para os setores imobiliário e rural e para os financiamentos do BNDES – recursos sempre ou limitados ou próximos da saturação. No crédito livre, não há limites. O mundo tem muito dinheiro e novas formas de funding vão surgindo, como as Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs), em fase final de regulamentação pelo Banco Central (são co-irmãs dos covered bonds, de grande sucesso na Europa).”O crédito direcionado foi criado para uma ambiente de juros altos”, diz Gilberto Duarte. “Anestesia, mas não trata a doença, só traz sensação de alívio e posterga a solução”. Com juros baixos o setor privado terá condições de competir tanto no crédito rural, como no crédito imobiliário, até mesmo nas camadas populares. Só a faixa mais baixa de renda é que deveria ficar por conta do crédito oficial e assim mesmo com recursos transparentes e previstos em orçamento. “No mundo inteiro, financia-se habitação com dinheiro do mercado”, diz Gilberto. “Temos de esperar que o capitalismo funcione”. [Um exemplo: na Inglaterra, crédito imobiliário representa 75% do PIB; no Brasil, mal chega a 10%]. O espaço para crescer a partir do uso de instrumentos de mercado é muito grande, afirma um dos maiores especialistas em crédito imobiliário do País, o ex-presidente do Banco Central e sócio da consultoria Tendências Gustavo Loyola. Quanto ao futuro do crédito imobiliário no País, Loyola prognostica: “O crédito imobiliário cresceu nos últimos anos como proporção do PIB (embora em nível inferior ao de outros países) por fatores como a estabilidade macroeconômica e mudança nas quais a Abecip teve fundamental importância, como a alienação fiduciária de bem imóvel e o patrimônio da afetação. Mas ainda há um grande desafio no crédito imobiliário: reduzir a dependência da caderneta de poupança, para permitir captação de mercado para o crédito imobiliário com custos compatíveis com a capacidade de os mutuários arcarem com o custo. Isso será muito facilitado com o mercado secundário de títulos privados imobiliários, como os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e as Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs)”. O mercado secundário, enfatiza Loyola, é a chave: “Este mercado tem de ser expandido e tem de ter mais liquidez. Ninguém quer ficar casado com um papel de longo prazo sem ter porta de saída. O SBPE é um sistema de taxas reguladas. Não há aplicadores em TR, só tomadores. Precisa-

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RAFAEL BRANDIMARTE Rafael, 35 anos, executivo da área comercial, pagou R$ 480 mil por um apartamento do tipo garden de 100 m2 da EZTec em 2012, com entrada de R$ 96 mil e 360 prestações no valor inicial de R$ 3,8 mil, reduzidas em junho de 2017 para R$ 2,3 mil, após amortizações extraordinárias de R$ 120 mil. Para um saldo devedor atual de R$ 112 mil, o imóvel tem valor de mercado de R$ 800 mil. Sobre os valores desencaixados calcula uma valorização nominal de 320% em cinco anos. “A hora em que precisar eu tomarei um novo financiamento, pois o custo do crédito imobiliário é relativamente baixo”, afirma Rafael.


mos criar mercados não compartimentados. O banco deve ter a liberdade de negociar ou não os ativos que constituiu, diretamente ou via papéis. Hoje, quando bate no limite da poupança, a situação fica difícil. O objetivo é tornar o mercado maior, viabilizando o lançamento de títulos com taxas de mercado”.

SUBSÍDIOS E INCENTIVOS NÃO HÁ UMA SOLUÇÃO ÚNICA PARA A QUESTÃO DA HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL; NESSE SEGMENTO, PARA SER BEM-SUCEDIDA, A POLÍTICA HABITACIONAL DEVE SER DIVERSIFICADA, COM OFERTA DE DIFERENTES SOLUÇÕES Nylton Velloso Filho

Na história dos últimos 50 anos da Abecip – e dos 53 anos do crédito imobiliário –, a oferta de incentivos e subsídios foi uma constante, por mais que esta situação tenha contribuído para manter uma estrutura de juros mais elevada do que se poderia alcançar sem o uso tão intensivo dessas práticas. É o que revela reportagem de Malu Delgado, publicada no jornal Valor Econômico de 12/5/2017, mostrando que os males do crédito favorecido é conhecido há décadas no Brasil. A questão é como combatê-lo? O professor Luigi Zingales, da Universidade de Chicago Boots, afirma que a abertura da economia é – também para o crédito imobiliário – uma das maneiras de quebrar as pernas desse capitalismo de compadrio, que favorece poucos. Os recursos para o financiamento habitacional subsidiado estão minguando. O FGTS depositado nas contas inativas e devolvido aos depositantes foi usado para reaquecer a economia e perdeu vigor para financiar a habitação. A caderneta de poupança perdeu depositantes e recursos nos tempos de juro básico elevado e não terá fôlego para financiar o próximo ciclo positivo de demanda de crédito habitacional. A saída natural para oferecer crédito é utilizar mecanismos de mercado de capitais já disponíveis na praça, como Lis, LCIs, LCs e, em breve, por LIGs. Mantido o caminho da busca da estabilidade, tudo ficaria mais claro. “Se o país fizer a lição de casa e o cenário econômico melhorar efetivamente, vamos assistir à progressiva redução da taxa de juros, o que começava a acontecer antes da crise”, afirma Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos de construção do IBRE/FGV. “Assim, o crédito com origem nas novas formas de captação vai concorrer em situação competitiva com o crédito direcionado. Isso será bom para o mercado como um todo, famílias e construtoras e incorporadoras”. Castelo acrescenta: “Precisamos de reformas que garantam a retomada do crescimento e, certamente, elas estão associadas a um ambiente político mais estável. Provavelmente, a recuperação será jogada mais frente. Mas sou otimista e acredito que daqui a cinco anos o país terá superado essa fase mais difícil e o mercado voltará a ingressar em um ciclo de crescimento. Mas não será mais a taxas chinesas do período 2006 a 2013”. REVISTA DO SFI

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O CRÉDITO IMOBILIÁRIO FOI CRIADO PARA UM AMBIENTE DE JUROS ALTOS; ANESTESIA, MAS NÃO TRATA A DOENÇA, SÓ TRAZ SENSAÇÃO DE ALÍVIO E POSTERGA A SOLUÇÃO Gilberto Duarte de Abreu Filho

Análise semelhante faz o respeitado especialista Teotonio Costa Rezende, ex-diretor da Caixa Econômica Federal. “Um ponto que ainda continua precisando de um 'choque' é a quase que total dependência de créditos direcionados, bem como a elaboração de um novo arcabouço jurídico, mais atual e mais moderno em relação à Lei 4.380/64 (que criou o BNH), bem como um enfrentamento mais direto e efetivo da insegurança jurídica”. Quanto à conjuntura, Teotonio acredita que “2017 ainda não será o ano da retomada das contratações, continuando o período de ajustes em relação aos estoques de imóveis prontos e em produção, com preocupação especial no que diz respeito ao mercado de imóveis comerciais. Nossa avaliação é que até mesmo 2018 ainda será um ano mais de ajustes e rearranjos e, se a economia voltar a dar sinais claros de estabilidade, possivelmente a partir do final de 2018 e início de 2019, as operações de crédito imobiliário voltem ao ciclo de crescimento, porém, provavelmente ainda não naqueles níveis do período 2008-2012”. Uma vez estabilizada a economia e os juros passando a se situar em patamares “civilizados”, ele pensa que se deve dar “ênfase plena às soluções de funding via mercado, principalmente por meio da LIG - Letra Imobiliária Garantida e da securização de créditos, sem prejuízo de buscar, também, criar um mercado eficaz de captações por meio de investidores internacionais”.

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Partindo da premissa de que a estabilidade macroeconômica é o primeiro passo para reorganizar a economia e recuperar o crescimento, segue-se a ele necessariamente um segundo passo, que tem a ver com a previsibilidade e a modernização tecnológica. E a isso a Abecip tem reservado o melhor de seus esforços, ressalta o presidente Gilberto Duarte de Abreu Filho. Um dos pilares disso é a busca da segurança jurídica, contando com o apoio do Banco Central. Aqui e ali, institutos como alienação fiduciária e patrimônio de afetação (ou a separação entre o que é contencioso e o que é pacífico nos processos judiciais) são arranhados por decisões nos tribunais – o que se complica mais um pouco com o acúmulo recente dos distratos, neste clima de recessão. “Às vezes, pretende-se defender o consumidor, mas se prejudica a coletividade”, diz Duarte de Abreu. O segundo pilar é a atualização operacional. Trata-se de ações que impactam o custo de transação, em benefício de todos, bancos, incorporadores, compradores: redução da burocracia, simplificação de procedimentos, rapidez na execução, internetização. Embora em estágio incipiente ou localizado, já estão em andamento medidas como a concentração dos ônus numa só matrícula, o registro eletrônico de contratos, simplificações no FGTS ( já se pode, por telefone celular, usar o FGTS para abater parcelas do financiamento,


embora não na entrada), simplificações na troca de um financiamento, quando é preciso quitar o primeiro para abrir o segundo (interveniente quitante), e assim por diante. As grandes evoluções tecnológicas estão, portanto, no radar dos principais players do mercado de crédito imobiliário. A velocidade, afirma Teotonio Rezende, “é menor do que o desejável”. Mas ele imagina “que não esteja longe de ser possível implementar o ‘crédito imobiliário zero papel', ou seja, a possibilidade de se realizar uma operação de crédito imobiliário 100% eletrônica, inclusive o registro no cartório de registro de imóveis”.

TIJOLOS E DINHEIRO

RODRIGO ELIZEU Rodrigo, 36 anos, publicitário que atua na área de produção audiovisual, adquiriu em 2013 por R$ 190 mil um apartamento da construtora Brookfield (hoje Tegra), pagou a entrada a prazo, usou o FGTS e financiou R$ 120 mil. Depois antecipou o que pode nas prestações do financiamento e em 2017 tem interessados na aquisição do seu imóvel de 58 m2 pelo valor de R$ 520 mil. “Se vendesse agora meu apartamento – e há demanda para ele –, teria um ganho de R$ 330 mil, menos o FGTS, em quatro anos pagando o equivalente a um aluguel mensal”, diz Rodrigo.

Um exemplo de avanço na área imobiliária está no desenvolvimento de modelos de governança corporativa aplicáveis ao financiamento habitacional, inclusive às sociedades de propósito específico (SPEs) formadas para a construção de edifícios. Novas ferramentas tecnológicas estão disponíveis para instituições financeiras, incorporadores e investidores, abrindo caminho para uma diminuição, a prazo curto ou médio, dos custos de administração dos contratos imobiliários. Estão surgindo empresas especializadas na gestão de custos e obras físicas, administrando não apenas créditos relativos a empreendimentos em curso, mas alguns duramente atingidos por distratos e que correm o risco de ficar inviabilizados. Como resultado, evitarão que os bancos tenham de gerir a conclusão de edifícios problemáticos, fugindo do seu core business. Uma dessas empresas, a OGFI Governance, está hoje administrando a conclusão de 170 edifícios residenciais, principalmente em São Paulo. “Com menos custos, já se antevê o momento em que os bancos, desonerados de obrigações distantes da sua atividade básica, terão ganhos de escala que lhes permitam reduzir os juros cobrados dos mutuários, seguindo a tendência de mercado determinada pela redução da taxa básica pelo Copom”, afirma o diretor de Operações da OGFI, Gênesis Pazzetto Baptista, que conhece de perto as incorporações como ex-controller da Klabin Segal. “Bancos trabalham com dinheiro, não com tijolos” – diz Gênesis sobre o princípio básico da empresa que dirige.

PREÇOS MEDIDOS PELO IGMI-R Outro aspecto da modernização é o lançamento pela Abecip, ocorrido em 2016, do inovador Índice Geral do Mercado Imobiliário Residencial (IGMI-R), que vem a complementar o já existente índice de preços de imóveis comerciais. O indicador é o mais confiável do setor, pois é calculado com base nos laudos dos imóveis financiados REVISTA DO SFI

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pelos bancos. Tendo como base o Brasil, é uma ferramenta útil para todos os interessados, empreendedores e consumidores, que passam a ter acesso mensal a dados que orientarão sua decisão. O guia básico pode ser consultado gratuitamente. Mas já está em estudos – como informa Paulo Picchetti, coordenador do índice e professor do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), da FGV – um desdobramento dele. Serão criados filhotes que permitirão aos interessados buscar e analisar informações específicas. Mais um avanço, portanto. Esses são os elementos que ajudarão a moldar o futuro, que, diga-se, também pode ser traçado pelos homens. E há muito o que fazer para enfrentar as tarefas que a sociedade brasileira impõe. O quadro populacional nos vem mostrando transformações palpáveis: a taxa de fertilidade já é quase de primeiro mundo, a família padrão brasileira já tem menos de quatro pessoas, os brasileiros envelhecem, há mais gente morando sozinha, a mulher torna-se a chefe da casa, os imóveis estão cada vez menores, a economia compartilhada avança entre jovens (carros primeiro, casas depois?), parece haver uma volta ao centro das cidades e um repensar dos investimentos na mais distante das periferias. “O número de famílias que está se formando agora e se formará nos próximos anos ainda reflete os resultados de uma taxa populacional bem mais elevada”, afirma Ana Castelo, da FGV. “A PNAD de 2015, a última disponível, mostrou uma taxa de formação de famílias de 1,47% para um crescimento populacional de 0,87%. Isso significa que em 2015, mesmo com crise surgiu mais de um milhão de famílias no país”, acrescenta. Pouco a pouco, a desaceleração do crescimento populacional começará a se refletir no mercado, “que tem de considerar essas transformações, pois o produto tem de se ajustar a demanda”, diz. Mesmo assim, há quem afirme que ainda enfrentaremos por bom tempo a necessidade de produzir 1,5 milhão de moradias por ano. Quem vai bancar a aposta? Não será o governo, que deve cuidar da habitação popular, do planejamento urbano, da infraestrutura, na opinião de Gilberto Duarte, que diz: “Com reformas e estabilidade, o setor privado será o agente do desenvolvimento”.

INCURSÕES NA ÁREA DA HABITAÇÃO SOCIAL Nylton Velloso Filho, presidente da Economisa e vice-presidente da Abecip, tem se ocupado da habitação social e do futuro dessa modalidade, refletindo: “A política da casa própria será sempre a melhor alternativa para populações vulneráveis? Transformar famílias de renda quase nula em proprietárias de um ativo caro é a única e melhor opção?” Ele mesmo não tem certezas. Uma das alternativas é in-

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centivar o mercado de aluguel de imóveis de baixo custo, apoiando a criação de empresas especializadas em gestão imobiliária para população de baixa renda. Além disso, políticas públicas de aluguel subsidiado poderiam aumentar a oferta de moradias adequadas e acessíveis à população, dando maior flexibilidade para as classes baixas se adaptarem aos ciclos econômicos”. Mas o futuro da habitação de interesse social, adverte, poderá passar pelo incentivo e ampliação de microfinanças para a habitação, baseadas na construção assistida, novas técnicas e materiais aplicados na construção e no melhoramento da moradia atual com crédito de curto prazo. Esse modelo vem sendo desenvolvido em conjunto com organizações civis, cooperativas, entidades financeiras, construtoras e governos. Não há “uma solução única para a questão da habitação de interesse social”, argumenta Velloso. Nesse segmento, uma política habitacional para ser bem-sucedida deverá ser diversificada, com a oferta de diferentes soluções, capazes de satisfazer às diversas necessidades das famílias. Mas é clara a necessidade de atrair investimentos do setor privado para aumentar a oferta dessas habitações, melhorando a regularização e a titulação fundiária, fomentando o financiamento e explorando opções que vão além da casa própria e incluam aluguéis e técnicas de construção mais eficientes. Por conta de sua óbvia importância para as famílias, a sensível questão da moradia tem sido objeto, por décadas, de inúmeras incursões governamentais. Avanços foram registrados, claro, mas ainda há muito o que fazer em termos de política habitacional, planejamento urbano, infraestrutura. Especialista no tema, a professora Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção no IBRE/FGV, analisa: “A FGV estimou o déficit habitacional de 2015, em 7,7 milhões de domicílios e 90% dele é formado por famílias com até 3 salários mínimos. As novas famílias que


EDEMIR PINTO

PRESIDENTE DA BOLSA É AGORA EMPREENDEDOR IMOBILIÁRIO Mal terminou a longa crise que afetou o setor imobiliário nos últimos anos e começam a se agitar grandes empreendedores do setor, caso da Cyrela, da Tecnisa, da Tegra, da Yazbek e da Bolsa de Imóveis de São Paulo (BISP), que avalia áreas em regiões disputadas. Ainda melhor, surgem novos empreendedores dispostos a investir nesse enorme e diversificado mercado, como Edemir Pinto, ex-presidente da B3, com sólida carreira nos mercados de ações, commodities e futuro e entre cujas principais atividades esteve a de liderar a fusão da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) com a Bolsa Mercantil e de Futuros (BM&F), formando a BM&FBOVESPA – que se associou à Cetip em 2017. Edemir gosta de grandes desafios. Chegou à Bolsa em 1986 para criar o mercado de futuros de mercadorias agrícolas. Ocupou por três décadas cargos chave na Bolsa e buscou, como presidente, um delicado equilíbrio entre os principais participantes dos mercados de ações e futuros – as instituições bancárias e as instituições independentes. Seu último projeto foi unir a BM&FBOVESPA à Cetip, transação de R$ 12 bilhões que criou uma Bolsa com R$ 40 bilhões de valor de mercado, consolidando o segmento de câmaras de compensação e negociação de ações, títulos e commodities numa companhia (B3) reconhecida internacionalmente. "Há hoje um modelo brasileiro inédito no mundo, de uma infraestrutura de mercado única. O Brasil possui uma Bolsa forte e um mercado com grande potencial de desenvolvimento, o que significa que ela está preparada para, cada vez mais, atrair investidores de todo o mundo". Mas, aos 64 anos, Edemir não quis desfrutar da aposentadoria propiciada pela atuação numa empresa generosa com seus quadros e fundou, em junho, a EP – Empreendimentos e Participações, com foco no setor imobiliário e em empresas com atuação na área social.

• É a perspectiva do fim da crise do setor imobiliário que o motivou a ingressar nesse mercado? Edemir Pinto – O mercado imobiliário, principalmente nas grandes regiões, chegou ao fundo do poço. Fizemos um estudo da recuperação dos aluguéis, que já mostra um início de recuperação. Na Região Sudeste, já começa a retomada, vinculada às questões políticas e econômicas. Mas condições estão dadas. Se você olhar o nível de colocação de imóveis novos, houve crescimento no último trimestre, se comparado a igual período de 2016. Acredito mais no setor imobiliário voltado para baixa renda, não no segmento MCMV, mas dois degraus acima – é o que estou olhando. • Algum projeto específico? Estamos trabalhando num projeto de 700 mil m2 em cidade próxima da Grande São Paulo, voltado para a terceira faixa da classe baixa. É o primeiro ponto para entrar no piso da classe média. Loteamentos para classe média e alta têm de ser para a segunda casa, com terrenos de 500 m2 a 700 m2. Nosso projeto é de terrenos entre 200 m2 e 300 m2, para a primeira casa. Tem de custar no máximo R$ 1 mil por mês – é o que cabe no orçamento para pagar o lote e construir. • Pretende atuar na intersecção entre o mercado imobiliário e o de capitais, com instrumentos como os CRIs? Isso está no meu radar. Quando você trabalha com a classe mais baixa, tem de buscar um financiamento que caiba no orçamento da família. Quando busca isso, vai abrir uma frente de carteiras espetacular. Pode ter financiamento próprio ou de terceiros, com produtos sofisticados de mercado. Não tenho dúvida de que todos os meus projetos vão utilizar, em algum momento, instrumentos financeiros do mercado de capitais.

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se formam também estão concentradas nesse estrato de renda. Isso significa que o país precisa de uma política habitacional que dê conta do passivo e do futuro. Essa política tem de incluir o subsídio para as faixas de menor renda. No entanto, o que está claro também é que a política habitacional tem de estar integrada em uma proposta ampla de desenvolvimento urbano e tem de ter o envolvimento tanto do governo federal como dos estados e municípios”. Uma das iniciativas recentes no campo da habitação popular foi o programa Minha Casa Minha Vida. Ex-diretor da Caixa, Teotonio Rezende o acompanhou muito de perto. Aqui, ele fez um balanço e aponta caminhos. “O programa foi criado com dois objetivos básicos: ação anticíclica, destinado a mitigar os riscos da crise econômica global iniciada em 2008, evitando uma eventual 'quebradeira' das empresas do setor da construção civil; combate efetivo ao déficit habitacional”. Esses objetivos, segundo ele, foram atendidos, ajudando o setor da construção civil a passar pela crise internacional sem maiores percalços. “Ao mesmo tempo, propiciou acesso à moradia digna a famílias, que, pelas vias convencionais, não teriam acesso ao crédito imobiliário, e criou um nicho de mercado para o setor da construção civil”. Desde sua criação e até 31.12.16, o MCMV viabilizou o financiamento para construção de 4.544.449 unidades habitacionais, das quais 1.763.094 para a Faixa 1; deste total, 3.250.418 já foram entregues, sendo 1.139.293 para as famílias do Faixa 1, a faixa de acesso. Com base na sua experiência, Teotonio oferece um roteiro para a continuidade do MCMV: I) Viabilizar fontes alternativas de recursos para os subsídios relativo às operações de financiamento - faixas 2 uma vez que o FGTS, por ser um fundo privado, deve ser priorizado como fonte de funding oneroso, isto é, 100% retornável e com rentabilidade aceitável; II) Evitar que os conjuntos habitacionais do Faixa 1 se tornem grandes favelas e que não sejam dominados pelo crime organizado; III) Melhoria contínua da qualidade das obras, reduzindo os custos de manutenção por parte do governo federal; IV) Melhoria dos projetos arquitetônicos, com foco na construção de cidades sustentáveis; V) Evitar a construção de mega empreendimentos que, quase sempre, resultam em sérios problemas em termos

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ADALTO TURCO Turco, 47 anos, diretor de multinacional, pagou R$ 880 mil em 2008 por um apartamento incorporado pela Cyrella e Tecnisa, honrou as prestações do financiamento imobiliário de R$ 500 mil equivalentes ao valor do aluguel do imóvel de 170 m2 durante oito anos e vendeu a propriedade por R$ 2,17 milhões no início de 2017. Excluindo da conta as prestações, espécie de aluguéis, sobre a entrada de R$ 300 mil apurou R$ 1,8 milhão, auferindo a rentabilidade de 500% em oito anos. Mesmo pagando o lucro imobiliário de 15%, foi uma operação muito vantajosa.

de condições de vida para as famílias e também de custos com infraestrutura por parte dos governos; VI) Conter as constantes invasões (Faixa 1) e, também, concluir tempestivamente as obras paralisadas; VII) Solução efetiva para a inadimplência do Faixa 1 podendo, por exemplo, passar a responsabilidade da cobrança para os representantes dos próprios conjuntos habitacionais, com o retorno dos pagamentos se revertendo em favor dessas próprias comunidades o que, além de reduzir a inadimplência, também eliminará um elevado custo de manutenção desses contratos. VIII) Transformar o programa, de forma explícita, em uma Política Habitacional do Governo Federal, evitando 'mega' metas de contratação em curtos prazos, de forma a evitar fortes e insustentáveis pressões sobre os preços dos terrenos e dos insumos, bem como também possibilitando uma melhor gestão e direcionamento dessa política habitacional.


AS

REGRAS MUDARAM

PARA MELHOR

Por Raquel Landim (*)

J

á se vão quase 10 anos desde que o Cristo Redentor decolou na capa da revista The Economist. O ano era 2009 e o ex-presidente Lula vivia o auge do seu prestígio internacional. Os preços das commodities estavam nas alturas, a economia crescia e mais brasileiros finalmente realizavam o sonho da casa própria. A aposta de economistas renomados era que o crédito imobiliário decolaria no Brasil, graças às bem-feitas reformas microeconômicas implementadas pelo governo Lula no primeiro mandato. Mudaram, por exemplo, as regras do patrimônio de afetação, que deram mais garantias aos compradores de imóveis na planta em casa de falência do incorporador. A nova lei reduziu um problema grave no país em que a quebra de uma construtora arrastava inúmeros empreendimentos, prejudicando muitos compradores. Em 2003, os economistas Dionisio Dias Carneiro e Marcos Vinicius Valpassos, no livro “Financiamento à habitação e instabilidade econômica” já apontavam que a possibilidade de o Brasil consolidar seu processo de estabilidade monetária abria perspectiva de crescimento e aperfeiçoamento do crédito imobiliário. Surgiram novos instrumentos financeiros, como as LCIs (Letras de Crédito Imobiliário), papéis de renda fixa lastreados em crédito imobiliários garantidos por hipotecas ou por alienação fiduciária do imóveis. Esses

instrumentos se disseminaram com a ajuda de isenções fiscais aos poupadores. Em resumo: a recém conquistada estabilidade da economia, iniciada no governo Fernando Henrique e mantida na gestão Lula, criava as condições para juros mais civilizados no financiamento imobiliário no Brasil, viabilizando o atendimento de uma demanda por moradia e prédios comerciais represada por décadas no país. Mas, quando tudo parecia ir bem, o Brasil virou da cabeça para baixo e o foguete do Cristo Redentor despencou na capa da mesma The Economist em 2013. A euforia dos investidores com o país arrefeceu e o crédito imobiliário, que é muito sensível ao desempenho da economia, também sofreu. O que deu errado? "O crédito imobiliário realmente deslanchou, mas não se sustentou. Foi atropelado pelo estouro nas bolhas do crédito automotivo e da linha branca", recorda a economista Mônica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute em Washington. REVISTA DO SFI

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Ela se refere ao forte estímulo à antecipação do consumo de bens duráveis promovido pelo governo Lula para manter a economia acelerada, depois que a crise do subprime americano contaminou o mundo em 2008. Em 2010, antes das eleições presidenciais que levaram Dilma Rousseff ao Planalto, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu espantosos 7,5%. Embriagadas pelo crédito barato e fácil, despejado principalmente pelos bancos públicos, como Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, a mando do governo, as famílias brasileiras se endividaram além do limite. Carros seminovos foram entregues nas concessionárias, porque não valiam as prestações que ainda eram devidas. E a casa própria, que exige um comprometimento de crédito muito maior do tomador do que um veículo, novamente ficou para depois. "As mudanças no mercado de crédito imobiliário vieram para ficar. Sempre é possível avançar, mas hoje as regras são muito melhores", diz Armando Castelar, coordenador de economia aplicada do IBRE/FGV. "O problema é que a demanda caiu muito. O crédito é a antecipação da compra. Se a pessoa está com medo de perder o emprego, não toma crédito", completa. Fortemente atrelado ao desempenho da economia, o mercado de crédito imobiliário sofreu muito com a recessão dos últimos três anos. Em 2014, o PIB ficou estagnado com alta de míseros 0,5%. Em seguida, a recessão atingiu o país em cheio, com queda de 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016. A estabilidade macroeconômica, que permitiu ao crédito imobiliário deslanchar, se perdeu. Com as pedaladas fiscais do governo Dilma, as contas públicas ficaram em frangalhos. Para se reeleger, a presidente tentou controlar o preço da gasolina e da energia elétrica, represando a inflação, o que exigiu forte correção de preços e expressiva alta de juros em 2015 e 2016. Com juros altos e economia em queda, o crédito imobiliário sofreu. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Crédito Imobiliário (Abecip), o montante de financiamentos com recursos da poupança atingiu R$ 16,76 bilhões de janeiro a maio deste ano, recuo de 8,6% em relação ao mesmo período de 2016. Na comparação com janeiro a maio de 2015, a queda chega a expressivos 43%. Após o impeachment da presidente e com uma nova equipe econômica respeitada pelo mercado, os juros finalmente começariam a cair e há uma expectativa de recuperação do mercado imobiliário, principalmente a partir de 2018. Mas tudo depende de o país seguir nos trilhos. A crise política provocada pela delação do empresário Joesley Batista, que envolveu o presidente Michel Temer, colocou

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em xeque a capacidade do governo de aprovar as reformas, principalmente a previdenciária. E, sem isso, as contas públicas seguirão desajustadas. Até o fechamento deste texto, a situação política seguia indefinida, após o presidente ser denunciado por corrupção pela Procuradoria Geral da República. O Congresso já discutia hipóteses de solução para a crise.

NO BRASIL, EXISTEM MUITOS GRUPOS DA SOCIEDADE QUERENDO UM PEDAÇO DO ORÇAMENTO PÚBLICO POR MEIO DE ISENÇÕES TRIBUTÁRIAS. ENQUANTO NÃO CONSEGUIRMOS SOLUCIONAR ESSE CONFLITO DISTRIBUTIVO, É DIFÍCIL TER CRÉDITO DE LONGO PRAZO NO PAÍS" Samuel Pessoa

Com a indefinição, os bancos pisavam no freio por conta do aumento do risco de inadimplência e os consumidores também não conseguem se comprometer com o financiamento de um imóvel, que pode durar por décadas. Para o economista Samuel Pessoa, também da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a criação de mercado de hipotecas sólidos no país é altamente dependente da estabilidade macroeconômica. Sem um mínimo de previsibilidade sobre o futuro, os prêmios de risco exigidos pelos poupadores se tornam altos demais para os tomadores de crédito. Já a estabilidade macroeconômica, explica o professor, está diretamente ligada à boa condução da área fiscal. Com o governo gastando mais do que arrecada, tudo fica desajustado: dívida pública, inflação e juros. "No Brasil, existem muitos grupos da sociedade querendo um pedaço do orçamento público por meio de isenções tributárias. Enquanto não conseguirmos solucionar esse conflito distributivo, é difícil ter crédito de longo prazo no país", diz Pessoa. (*) Raquel Landim é jornalista

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LINHA DO TEMPO Lei 4.380, de 21/8, cria o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e o Banco Nacional da Habitação e institui a correção monetária facultativa nos contratos imobiliários. Em dezembro, a Lei 4.595 muda o setor financeiro e cria o Banco Central

Torna-se obrigatória a correção monetária no SFH. Lei 5.107, de 13/9, cria o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), como compensação aos trabalhadores pelo fim da estabilidade no emprego e relança a caderneta de poupança

Resolução do BNH cria o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FVCS) para corrigir diferença entre reajuste dos saldos devedores (trimestral) e a correção das prestações (anual). Garante limite de prazo para a amortização da dívida dos mutuários, e que não vão ter de pagar por tempo maior que o combinado

O BNH institui o Plano de Equivalência Salarial (PES) para enfrentar os resíduos (diferenças entre reajustes de salários e de prestações e saldos devedores) O Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional (PES-CP), de novembro, define reajuste de prestações pelos aumentos salariais de cada categoria. Mas, com arrocho salarial, inflação e correção prefixada, houve sub-reajustamento das prestações, corrigidas por 80% da variação do salário mínimo O SFH bate o seu primeiro recorde: 640 mil unidades financiadas. No biênio 1979/1980, a correção monetária foi prefixada, em detrimento dos credores

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Planos Bresser e Verão congelam temporariamente as prestações

Plano Collor corrige saldos devedores pela inflação de março (84%), índice que remunera as contas vinculadas do FGTS e depósitos de poupança. Prestações dos contratos PES/ CP são corrigidas em 41%. Plano Collor II suspende os reajustes das prestações referentes aos aumentos salariais do período de maio a outubro

Nasce o Plano Real.

O Plano Cruzado, de 1º de março, converte o valor das prestações pela média de até 12 meses anteriores e congela os reajustes pelos 12 meses posteriores. Valor das prestações cai 40%. Em novembro, o BNH foi extinto e o Conselho Monetário Nacional (CMN) passa a regular o SFH

Lei 10.150, de 21/12, enfrenta o rombo do FCVS, permite durante 30 anos a troca do FCVS por títulos da dívida do FCVS com agentes financeiros (novação da dívida), valendo até 2027

Lei 10.931, de 2/8, promove segunda mudança estrutural no crédito imobiliário: cria o patrimônio de afetação e dá maior segurança a investidores e compradores finais. Com a figura do incontroverso, a discussão do valor limita-se ao objeto do conflito

O instituto da alienação fiduciária de bem imóvel chega aos 20 anos e será aperfeiçoado

Lei 9.514, de 20/11, lança inovação estrutural no crédito imobiliário, a partir de estudos da Abecip. Institui o SFI, a securitização de recebíveis imobiliários e a alienação fiduciária de bem imóvel. O SFI passa a conviver com o SFH

Lei 11.977, de julho, cria o programa Minha Casa Minha Vida

O número de unidades financiadas alcança o recorde. A Lei 13.097 amplia a aplicação do patrimônio de afetação, estendendo-o às LIGs. Os recebíveis deixam de se comunicar com o patrimônio geral do agente financeiro emissor

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O

PESO DECISIVO

DA CONSTRUÇÃO E DO CRÉDITO IMOBILIÁRIO NO PIB

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Unidades habitacionais financiadas (FGTS e SBPE)

800

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segundo choque do petróleo

1,000

Lei nº 10,931

1,200

600

400

100

0 65

70

75

80

85

90

95

00

05

10

15

FONTE: LEONARDO RANGEL (“AVANÇA A RELAÇÃO CRÉDITO IMOBILIÁRIO/PIB”, 2013) DADOS ATÉ 1999 E ABECIP PARA 2000 EM DIANTE

Por Marcelo Gazzano (*)

N N

os últimos 50 anos os investimentos na construção civil residencial registraram dois marcantes ciclos de expansão. O primeiro de 1970 até 1980 e o segundo começando em meados dos anos 2000. Como era de se esperar, dada a característica do setor, o crédito foi o pilar de sustentação desses dois ciclos. A construção civil tem peso elevado nos investimentos brasileiros: 52% em 2014, do qual o segmento residencial responde pela metade. Nesse sentido, ter um bom funcionamento no mercado de crédito imobiliário é essencial para o desempenho dos investimentos domésticos. A literatura é consensual em apontar os avanços do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) e seus impactos sobre o setor de construção. O risco à frente é de que o aumento do número de distratos, que nada mais é do que o rompimento unilateral do contrato por parte do mutuário, volte a inviabilizar esses empréstimos. A habitação é relativamente custosa – e José Mario Lucena calcula que em 1985 o valor da habitação era de três a quatro vezes a renda anual de um indivíduo, o que dificulta – ou mesmo impede – o lançamento e a comerciali-

zação de imóveis sem algum tipo de financiamento. Com a intensificação do processo de urbanização, na década de 1950, aumentou a demanda por imóveis, mas o ambiente de taxas nominais de juros fixas inibia o florescimento de um mercado de crédito ao setor. A criação do SFH foi a solução encontrada para destravar o crédito. A criação do SFH está por trás do primeiro ciclo de expansão do investimento. O SFH tinha como fonte de recursos o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE) e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O sistema também previa que tanto ativos quanto passivos seriam corrigidos pelo mesmo indexador. Finalmente, a garantia provisionada pelos mutuários era a hipoteca do imóvel recém-adquirido. No gráfico vemos que o SFH obteve êxito em elevar o número de financiamentos imobiliários. Em 1980 o número de unidades financiadas atingiu 600 mil contra 150 mil no início dos anos 1970. Mas pouco depois esse número despencou para 80 mil unidades, permanecendo em patamar deprimido até a primeira metade da década de 1990. Quais foram as razões para essa queda abrupta do financiamento imobiliário? Como citado anteriormente, a ideia era que tanto o saldo devedor como as prestações seriam corrigidos pelo mesmo indexador. Mas logo em 1965 esta regra foi mudada e o saldo devedor passou a ser atualizado pela correção monetária, enquanto as parcelas seriam ajustadas pelo salário mínimo. Essa mudança acabou trazendo distorções e foi a responsável por praticamente extinguir o crédito para o setor. Devido à diferença entre os indexadores, era provável que ao final do contrato o mutuário ainda tivesse algum saldo REVISTA DO SFI

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residual a quitar. Esse saldo residual seria creditado, então, ao Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), cujos saldos seriam compensados por uma sobreprestação nos novos contratos. Estimativas da Abecip indicam que esse mecanismo funcionaria desde que a inflação não superasse a marca de 70% ao ano. Mas em 1979, com o segundo choque do petróleo, a inflação escalou para mais de 100%, alargando o saldo no FCVS. E com a política de controle da inflação os salários reais caíram, levando à elevação da inadimplência dos contratos de crédito. No meio de enorme crise foram criadas diversas associações de mutuários que coordenaram calotes coletivos e questionaram na justiça os saldos devedores. A inadimplência do SFH saltou então de 26,1% em 1980 para quase 55% quatro anos depois. Esta situação praticamente extinguiu o crédito habitacional da época. A tabela abaixo evidencia o quanto o bom funcionamento do mercado de crédito é importante para os investimentos no setor de construção. Logo após a criação do SFH, a formação bruta de capital fixo em construção cresceu em ritmo extremamente acelerado. Mas, na década de 1980, o investimento em construção caiu quase 1% ao ano em média. Taxas médias de crescimento (% ao ano)

1971-1980

1981-1990

1991-2000 2001-2014

FBCF

10.4

-2.0

2.3

4.4

FBCF construção

11.0

-0.9

1.6

2.9

FONTE: IBGE

Só com a estabilização monetária permitida pelo plano real houve o ressurgimento do financiamento imobiliário. Em 20 de abril de 1997, foi criado o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), que instalou o instituto da alienação fiduciária. A alienação fiduciária dá maior segurança jurídica ao credor em relação à hipoteca. A execução do contrato, cuja garantia é a hipoteca é judicial e, no caso da alienação fiduciária, a execução é extrajudicial. Isso torna a execução da alienação fiduciária muito mais rápida. Estimativa de Carlos Eduardo Fleury, advogado que foi o superintendente geral da Abecip até 2007, o tempo médio de execução de uma hipoteca é de 42 meses, contra três meses no caso da alienação fiduciária. Mas, mesmo com o avanço criado pelo SFI, ainda existiam questionamentos jurídicos quanto à alienação fiduciária. Isso só foi resolvido com a Lei 10.931, de 2 de agosto de 2004. Natalia Quiroga Cotarelli apresenta sólida evidência empírica de que o avanço jurídico da lei de 2004 possibilitou o aumento da oferta de financiamento imobiliário, ampliando tanto o valor do empréstimo quanto o prazo

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do financiamento. Em outro estudo, Lilian Pacheco de Medeiros mostra que a expansão do crédito contribuiu para o crescimento do número de domicílios, reduzindo o déficit habitacional brasileiro. Na tabela é possível verificar que o reforço jurídico da alienação fiduciária contribuiu para o segundo ciclo de expansão dos investimentos. No gráfico observa-se que o número de imóveis financiados cresceu exponencialmente até 2010. Esse movimento se inverte com a recessão que se iniciou no segundo trimestre de 2014. O PIB da construção civil recuou quase 20% desde o começo da recessão, o dobro em relação à queda da atividade econômica como um todo. Algumas questões conjunturais, como a necessidade de desalavancagem das famílias, devem ajudar a explicar o fraco desempenho do setor nos últimos trimestres. No entanto, como bem argumentado por Marcos Lisboa , o aumento do número de distratos – que entre 2014 e 2016 saltou 10 pontos porcentuais – pode inviabilizar o crédito imobiliário. O distrato é a desistência da compra de um imóvel que ainda está em construção e o requerimento da devolução das parcelas já pagas. O Judiciário tem dado ganho de causa para os compradores. No entanto, diversos empreendimentos foram financiados com taxas de juros relativamente mais baixas, exatamente por conta da venda prévia, o que deveria reduzir o risco de inadimplência. A decisão unilateral dos indivíduos de romper o contrato eleva o risco do empréstimo, consequentemente aumentando sua taxa de juros e também inibindo novos empréstimos por parte dos bancos. Os distratos de hoje podem ter um efeito semelhante ao do descasamento dos índices de correção entre o saldo devedor e as parcelas que enfraqueceram o mercado de crédito no passado. Se não houver penalização alguma para os distratos, há um risco expressivo de que ocorra uma redução da oferta de financiamento imobiliário. Consequentemente, teremos um importante setor que é a construção civil em estado de letargia atrasando a recuperação dos investimentos domésticos.

NOTAS José Mario Pereira de Lucena; “O mercado habitacional no Brasil” 1985.

1

Natalia Quiroga Cotarelli; “Crédito habitacional no Brasil: avanços institucionais nos contratos de crédito imobiliário” 2014

2

Lilian Pacheco de Medeiros Ferro; “Crédito e formação de domicílios no Brasil” 2013

3

4

Marcos Lisboa; “De boas intenções o inferno está cheio” 2017

*Marcelo Gazzano é economista da A.C. Pastore & Associados

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A

EVOLUÇÃO DO MERCADO INTERNACIONAL

O

Por Luca Bertalot (*)

s covered bonds são o coração da tradição financeira europeia, tendo desempenhado um papel central nas estratégias de financiamento ao longo dos últimos dois séculos. Sua importância estratégica como uma ferramenta de financiamento de longo prazo é agora reconhecida a nível mundial. Fora a Europa, Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Coreia do Sul já implementaram uma legislação sobre Covered Bonds (CBs) recentemente. Jurisdições importantes, incluindo Austrália, Brasil, Chile, Índia, Japão, México, Marrocos, Panamá, Peru, África do Sul e Estados Unidos, estão em processo de normatização ou estudando a inclusão de CBs. No Brasil, os covered bonds têm como designação Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs). Em 2016, o saldo em aberto do mercado de CBs permaneceu praticamente estável, em torno de EUR 2,5 tri em relação ao ano anterior, enquanto o número de emissões contraiu 10% em relação a 2015, atingindo cerca de EUR 485 bi. A garantia habitualmente mais utilizada no caso de CBs são as hipotecas, que representam EUR 2,1 tri, ou quase 85% do mercado atual, participação esta que vem aumentando

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constantemente desde 2003, quando o porcentual era de 40%. Os maiores participantes continuam sendo Dinamarca, França, Alemanha e Espanha que, juntos, representam 53% do saldo em aberto no mercado. Em 2016, pela primeira vez a Dinamarca ultrapassou a Alemanha como o maior mercado de CBs da Europa. Os covered bonds em aberto de países não membros da União Europeia representaram mais de 17% do total em 2016, acréscimo de 1,7 ponto porcentual em relação ao ano anterior. Em reconhecimento à disseminação global dos CBs e visando a assegurar que as principais características de qualidade dessa classe de ativos permaneçam como seus alicerces em todo o mundo, ao final de 2015 o European Covered Bond Council (ECBC) criou o Grupo de Trabalho sobre Questões Globais (GIWG), que se reuniu pela primeira vez em Cingapura em março de 2016. O Anuário do ECBC deste ano apresenta uma cobertura abrangente das novas legislações específicas e acontecimentos globais, mostrando como o ECBC, por meio do GIWG, entre outros canais, está fortalecendo ainda mais seu papel de ser a voz dos covered bonds não somente na Europa, como também em todo o mundo. O compromisso de contribuir com os esforços europeus para melhorar a estabilidade financeira e a transparência fez com que o setor de CBs lançasse um selo de qualidade em 2012. O Selo de Covered Bonds foi desenvolvido pela comunidade de emissores europeus, em estreita cooperação com investidores e reguladores, além de ouvir toREVISTA DO SFI

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dos os principais stakeholders, entre os quais a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu (BCE). O Selo tem por base a Convenção sobre o Selo de Covered Bonds, que define as características básicas necessárias para que um programa de CBs seja elegível para o Selo. O Selo de Covered Bonds e sua plataforma de transparência www.coveredbondlabel.com existem desde janeiro de 2013, fornecendo dados detalhados sobre o mercado de covered bonds, informações comparativas sobre as carteiras de ativos e detalhes da legislação sobre as diversas estruturas legais nacionais destinadas a proteger os detentores dos CBs. Até junho de 2017, 110 selos foram concedidos a 93 emissores de 16 países, abrangendo mais de EUR 1,5 trilhão em CBs em aberto. 4.800 CBs incluem informações sobre a Exigência de Cobertura de Liquidez (LCR) estruturas de vencimento, tratamento regulatório, etc. Nesse contexto, emissores de covered bonds dessas 16 jurisdições já se reuniram para desenvolver o Modelo de Transparência Harmonizado. Desde 2016, isso vem provendo informação sobre a carteira de ativos em um formato harmonizado, que permite reconhecer tanto as especificidades nacionais, com as Abas de Transparência Nacionais, como a comparabilidade das informações necessárias para facilitar os processos de auditoria dos investidores. A massa crítica alcançada por essa iniciativa (cerca de 60% dos covered bonds em aberto ao redor do mundo possuem o Selo) mostra o reconhecimento pelo setor da neces-

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sidade de atender às exigências de novas classes de investidores, ao oferecer níveis mais altos de transparência para facilitar as decisões de investimento. Da mesma forma, é importante salientar o progresso atingido ao longo dos últimos anos, no que diz respeito à coleta e distribuição de informações relevantes, no nível macro, sobre o setor de CBs: • O website do ECBC permanece sendo a fonte principal de dados agregados sobre o mercado de CBs, bem como para análises comparativas de estruturas; e • O Anuário do ECBC, em sua 12ª edição, continua sendo a mais lida fonte de inteligência de mercado sobre covered bonds.

AGENDA DE POLÍTICAS Revisitando 2016, fica claro que o espaço dos covered bonds tem sido fundamentalmente afetado por grandes ondas de política monetária, exercício de supervisão e mudanças regulatórias, o que vem causando um impacto significativo nos setores de financiamento a longo prazo e de financiamento habitacional. Voltando ao CMU mencionado anteriormente, este Projeto é um dos pilares-chave do Plano de Investimentos da Comissão para a Europa, o assim chamado Plano Juncker. Por meio de uma combinação de reformas regulatórias e não regulatórias e de iniciativas de mercado, o projeto busca aprimorar a interligação entre poupança e investimentos. Visa a fortalecer o sistema financeiro europeu, com fontes alternativas de financiamento e maiores oportunidades para consumidores e investidores institucionais. O CMU reformulado tem enfoque forte em financiamento sustentável e verde: enquanto o setor financeiro começa a ajudar investidores pró-sustentabilidade a escolher projetos e empresas adequados, a Comissão está determinada a liderar o trabalho global para apoiar essas iniciativas. Ao se debruçar sobre a melhor maneira de moldar a futura paisagem do mercado bancário europeu, bem como construir o CMU que garantirá a capacidade do setor de apoiar a agenda de crescimento enquanto provê financiamento de longo prazo à economia real, identificam-se diversas áreas de reflexão: • Achar o ponto de equilíbrio, em termos de condições de igualdade, entre os bancos internacionais que atuam na União Europeia e os protagonistas europeus que atuam tanto nos mercados internacionais quanto nos nacionais. • Examinar cuidadosamente o impacto no mercado de diversos acontecimentos importantes de natureza regulatória, REVISTA DO SFI

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na tentativa de garantir os pilares bancários europeus nos debates do Comitê de Basileia, ou seja, Índice de Captação Líquida Estável (NSFR), ponderação de risco, estrutura de pisos de capital, índice de alavancagem. • O papel dos credores europeus no contexto de financiamento habitacional e de pequenas e médias empresas (PME), bem como o crédito para a economia real, está se tornando cada vez mais multifacetado, após a introdução da União de Mercados de Capitais. • O papel dos covered bonds e o compromisso firme setorial de alcançar um nível mais alto de harmonização, alinhados aos objetivos da União Europeia e às preferências do mercado. • O desenvolvimento de hipotecas energeticamente eficientes e de covered bonds, em benefício dos cidadãos da União Europeia e do meio ambiente. Ao longo dos últimos doze meses, algumas novidades vêm animando a paisagem regulatória dos covered bonds: Em novembro de 2016, a Autoridade Bancária Europeia (EBA) anunciou uma proposta de abordagem em três etapas para a harmonização das normativas dos covered bonds dentro da União Europeia, com enfoque (i) no desenvolvimento de uma legislação para os CBs com a introdução de uma nova diretriz sobre os covered bonds (Etapa 1); (ii) emendas às Regulamentações sobre Exigências de Capital (CRR) com relação ao tratamento preferencial de ponderação de risco (Etapa 2); e convergência voluntária (Etapa 3). Essas três etapas de harmonização foram propostas após a Comissão Europeia ter concluído a análise das respostas recebidas à sua consulta pública sobre o tema, realizada em setembro de 2015, que visava a coletar as opiniões dos stakeholders sobre a hipótese e forma de desenvolver, na melhor maneira possível, uma legislação pan-europeia de Covered Bonds. Nesse sentido, o ECBC forneceu à Comissão, por meio da participação de peritos jurídicos nacionais na Força-Tarefa de Supervisão do ECBC, feedback detalhado do setor exigindo que se alcance um equilíbrio entre a manutenção de legislações específicas nacionais de CBs perfeitamente funcionais e o estabelecimento de uma normatização comum europeia, com uma recomendação para incentivar os Estados-Membros a aumentarem a convergência e (ii) uma diretriz de alta qualidade, com base em princípios, que garanta a harmonização de determinados padrões mínimos. Logo depois da publicação das conclusões do EBA, a Comissão Europeia ordenou um estudo detalhado sobre essa proposta, avaliando os custos e os benefícios de se prosseguir com uma legislação específica para o espaço dos CBs. Ademais, em junho de 2017, a Comissão Europeia publicou sua Revisão Intermediária da União dos Mercados de Capital, anunciando, entre ações planejadas, sua intenção de pro-

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por uma legislação no espaço dos covered bonds na forma de uma diretriz no primeiro trimestre de 2018. Paralelamente, o Parlamento Europeu elaborou, por iniciativa própria, um relatório sobre o arquivo de LIGs, que será concluído em julho de 2017. O ECBC gostaria de registrar a relevância da análise do mercado realizada pelo Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e a Autoridade Bancária Europeia ao longo dos últimos meses. O ECBC está acompanhando de perto os acontecimentos atrelados a esses fatos e está pronto para fornecer percepções e apoiar o processo de normatização, atuando como grupo de pesquisa para o mercado. No que diz respeito às legislações mais recentes, acreditamos que uma abordagem com base em princípios destinada a criar uma estrutura qua-


litativa para a classe de ativos dos CBs reforçaria a confiança dos investidores e preservaria as principais características macroprudenciais dos covered bonds. O EMF-ECBC também apoia integralmente a meta da CMU de fortalecer o investimento e a captação a longo prazo, reconhecendo a necessidade de construir um mercado de capitais verdadeiramente único para “garantir acesso a financiamento para empresas e apoiar investimento na economia real”. O compromisso de ajudar na construção da CMU tornou-se evidente em junho de 2017, quando o EMF-ECBC, junto a Dombrovskis, vice-presidente da Comissão Europeia, assinaram os Princípios de Alto Nível para Retornos dos Bancos sobre Solicitações de Crédito por PMEs Negadas. Levando em conta essas duas importantes discussões sobre políticas, o ECBC constituiu duas forças-tarefa dedicadas: a Força-Tarefa sobre a Estrutura da União Europeia para os Covered Bonds, e a Força-Tarefa sobre as Notas Europeias Garantidas (ESN), visando a apoiar as instituições relevantes em seu trabalho no nível nacional e europeu, assim ajudando a evitar quaisquer consequências não intencionais, bem como para desenvolver a nova classe de ativos das ESN.

EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E CBs Mais recentemente, o EMF-ECBC iniciou e está em frente de discussões entre stakeholders sobre o desenvolvimento de um mecanismo de financiamento de hipotecas para apoiar proprietários de imóveis na aquisição de imóveis com eficiência energética ou na reforma energeticamente eficiente de imóveis já existentes. Os bancos podem desempenhar um papel revolucionário em prover financiamento a longo prazo para melhorias energéticas no estoque habitacional europeu, assim contribuindo para alcançar as metas ambiciosas de economia de energia da União Europeia para os anos 2020 e 2030. Quando um cidadão compra um imóvel, os bancos intervêm no momento mais crítico e podem contribuir, de maneira significativa, para melhorar o desempenho qualitativo e energético das residências, liberando o recurso disponível e, ao mesmo tempo, reduzindo o risco de crédito para tomadores, credores e investidores. Uma iniciativa pan-europeia para hipotecas energeticamente eficientes nesta área também ajudará na coordenação de intervenções no mercado, criando sinergias na cadeia de valor das hipotecas e dos CBs, oferecendo um círculo virtuoso entre credores, tomadores e investidores, desde a criação da hipoteca até a centralização de garantias energeticamente eficientes, que serviriam de lastro subjacente para covered bonds “verdes”. (*) Luca Bertalot é secretário-geral da ECBC

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A HORA DO

BRASIL T

Gilberto Duarte de Abreu Filho (*)

oda história pode ser contada de várias formas. A história do mercado imobiliário dos últimos 50 anos é um destes casos, especialmente quando falamos do binômio FGTS/SFH. Os fundamentos do mercado imobiliário surgiram em 1967, após a desorganização econômica e política que culminou no golpe militar de 1964. O modelo de crédito imobiliário não foi a única criação do período. Naquele mesmo momento histórico surgiram todas as regras do sistema financeiro (incluindo os demais direcionamentos), a estrutura governamental que persiste até hoje, etc. Como todas as regulamentações, reflete o momento político e econômico daquele momento. O que teria sido do financiamento imobiliário nos últimos 50 anos, um longo período em que a macroeconomia, de forma geral, esteve constantemente desequilibrada no

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Brasil? Haveria financiamento no meio da hiperinflação dos anos 80? Haveria financiamento durante o período de juros reais altos durante as últimas duas décadas? A forma de contar esta história de forma positiva é que o desenvolvimento imobiliário teria sido muito pior, o cenário urbano seria ainda mais degradado e o crédito imobiliário seria muito menor no Brasil. Sob este prisma, o modelo de direcionamento de crédito foi um sucesso para o segmento. Ele permitiu que mesmo nos momentos de maior turbulência houvesse crédito disponível, que houvesse construção e que milhões de famílias alcançassem o sonho da casa própria. Tudo isso é verdade e teve um poder transformador no mercado. Mas há outros prismas para esta história. Poderíamos reforçar os aspectos negativos e as distorções geradas por esse sistema: limitação da remuneração dos poupadores (que involuntariamente subsidiam o sistema), custo ao Tesouro do resgate de bancos públicos, arbitragens regulatórias feitas pelos bancos, escolha de empresas “vencedoras” (muitas vezes por critérios políticos) agraciadas com o acesso a recursos subsidiados e, mais recentemente, limitação de recursos. Talvez a pior consequência do modelo é que ele anestesia uma parte da economia para os descontroles macroeconômicos dos sucessivos governos. Não há necessidade de ajustes, controles de gastos ou disciplina fiscal se você, como empresário, consegue obter dinheiro barato ou como agente público praticar direcionamentos de recursos cativos que estejam disponíveis. No entanto, após 50 anos, o contexto político e econômico que sustentou as regras já não é o mesmo. Como todo modelo, os aspectos negativos e, em especial, a limitação de recursos, crescem e precisam de novas respostas. O principal defeito dos créditos subsidiados é que eles são escassos, pois sempre há uma limitação do apetite da sociedade em pagar por programas que poucos usam. A demanda de construção e de habitação, por outro lado, não para de crescer. Qualquer modelo que tenha como premissa a existência de novos subsídios precisa ser capaz de responder à pergunta: quem vai subsidiar quem? O Estado, os bancos públicos, o Tesouro, os pequenos poupadores? A verdade é que há pouco espaço no orçamento das diferentes esferas de governo para criar ou até mesmo manter subsídios para o futuro. Novos impostos também têm sido repetidamente rechaçados. A grande verdade é que a economia de subsídios guiados pelo Estado não será a base para nosso crescimento nos próximos 50 anos. Ou mudamos o modelo, ou vamos apequenar a indústria de construção e, por conseguinte, a economia do País. Precisamos de um novo ciclo. REVISTA DO SFI

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O MODELO DOS PRÓXIMOS 50 ANOS O modelo de financiamento do crédito imobiliário dos próximos 50 anos será baseado em recursos de mercado. A questão não é criar novos “títulos", “letras” ou veículos financeiros criativos que possam despertar o interesse do mercado. A questão é que agora empresários, governos, instituições financeiras e investidores terão de convergir para um cenário em que todos ganharão com o ciclo da produção e da criação de riquezas. O novo motor da economia tem de se chamar juros baixos. Juros baixos fomentam o in-

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vestimento na produção. No atual cenário de incertezas, o investimento do Brasil alcançou os mais baixos níveis históricos. Ainda mais alarmante é que o investimento no Brasil, à exceção da construção civil, não é tão baixo mesmo neste momento de crise. É na construção e na infraestrutura que estamos deixando de gerar riquezas. Será a construção o maior motor de crescimento em um cenário de juros baixo. No caso do Brasil, a demanda reprimida de habitação extrapola em muito toda e qualquer métrica governamental. Costumamos avaliar a demanda reprimida por subhabitações ou habitações precárias. No entanto, o cenário urbano do Brasil passaria por uma profunda transformação, quando ativarmos a indústria da construção. Mesmo nas


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maiores e mais ricas cidades brasileiras, a presença de habitações de baixa qualidade, de prédios degradados, de ruas precárias, de saneamento básico inexistente, de aeroportos subdimensionados é uma realidade nacional. Favelas e sub-habitações que estão em todas as nossas cidades são a prova viva e material de uma oportunidade que não está se materializando. O principal elemento necessário para esta transformação é a mudança da mentalidade da liderança econômica do nosso setor. Nós também temos as nossas tomadas de três pinos. Precisamos mudar as perguntas de: * “Como consigo dinheiro barato para mim hoje?” para perguntar “como fazemos o dinheiro ficar barato para todos sempre?”; * “Como consigo arbitrar as regras do MAPA 4?” para perguntar “por que alguém precisa ser direcionado a emprestar dinheiro, se tem tanta gente precisando de casa?”; * “Por que o banco não me dá algo que peço?” ?” para perguntar “o que meu cliente (incorporador ou mutuário) precisa?” Responder às segundas perguntas vai gerar muito mais riqueza e oportunidade para todos. No entanto, os ganhadores não necessariamente serão os mesmos da primeira pergunta. Competição, eficiência e visão empresarial são as palavras de ordem. É um ciclo totalmente diferente que implica abrir mão do que é conhecido para abraçar um novo ciclo de progresso com desenvolvimento certo, mas com destinos individuais muito mais incertos. Este novo ciclo vai exigir novas regras, novas regulamentações e uma nova forma de trabalhar. O que nos trouxe até aqui não gerará os fundamentos que precisamos. Direcionamento de funding, MAPA 4, subsídios, mercados cativos para bancos públicos, “impostos implícitos do FGTS”, tudo isso tem de ser revisado e, em muitos casos, eliminado por ser desnecessário. Financiar a construção será um excelente negócio. Teremos de optar entre a hora do Brasil – aquele momento por todos esperado, em que o País despontará e materializará seu potencial – ou nos prender à Hora do Brasil, espécie de panfleto publicitário criado em 1938 por Getúlio Vargas e preservado no regime militar junto às regras do mercado imobiliário e que só serve para aporrinhar a vida de todos os brasileiros nas rádios do Brasil há 50 anos. (*) Gilberto Duarte de Abreu Filho é presidente da Abecip

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Foto: Bento Viana

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