Revista do SFI 46

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Encarte ABECIP 50 ANOS Passado, Presente e Futuro do Crédito Imobiliário

UMA PUBLICAÇÃO DA ABECIP • 2017 • ANO 21 • Nº 46

Ilan Goldfajn “A política monetária dá alento aos financiamentos”

Juro de um dígito ajuda a retomada do crédito

Dyogo Oliveira “Investimentos dão suporte à construção civil”

Os braços e os laços da construção na economia

A HORA DA

SEGURANÇA JURÍDICA



EDITORIAL

DO PASSADO DO AO FUTURO DO

P

repare o espírito para emoções. Longe de um texto para embalar o sono, é emocionante a história do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI). Uma rica história do fantástico e mal conhecido Brasil, onde convivem liberais, social-democratas e marxistas, pensadores do presente e do futuro com saudosistas de um socialismo arcaico jamais praticado como imaginado por Marx e Engels. Habitado por ricos e pobres, empresários de sucesso com proxenetas dos poderes e renomados cientistas. Um país fantástico, onde coabitam as mais diversas tribos econômicas, das que sabem que o Estado já não é financiável às que a todo custo querem direitos – inclusive de inatividade –, nunca antes assegurados na história de democracias de fato. É de uma parcela desse mundo fascinante – da vida imobiliária e, em especial, do crédito imobiliário –, que trata esta edição da Revista do SFI. Não se trata, pois, de uma edição convencional da publicação. Nela estão presentes conjuntura, história e futuro. Textos de colunistas consagrados, como Celso Martone, José Paschoal Rossetti e Teotonio Costa Rezende, convivem com a discussão das ameaças que pairam à alienação fiduciária e ao patrimônio de afetação e com entrevistas com personagens do Brasil moderno do livre mercado, em oposição ao Brasil antigo de corporações e subsídios. O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, e o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira,

SFH SFI

encarnam a virada positiva, a derrota da inflação e do juro básico recordista, enfrentam a rearrumação fiscal e agem com vistas ao retorno dos investimentos – no caso, em infraestrutura. Mas a parte mais notável desta edição está numa efeméride: a comemoração dos 50 anos da Abecip. Livros sobre os 30 anos, os 36 anos, os 40 anos e os 44 anos editados pela Abecip desde 1997 já refletiam as notáveis mudanças ocorridas no crédito imobiliário até então e as perspectivas promissoras à frente. Mas agora os desafios cresceram – e os brasileiros têm consciência dos problemas. Depois de alcançar no início da década o maior crescimento da história, o SFH e o SFI passaram em 2014 a se defrontar com a maior recessão econômica da vida do País. E se mostrou forte para aguentar o tranco. Esta história descrita pelos jornalistas José Roberto Nassar, Marcos Garcia de Oliveira, Raquel Landim e Fábio Pahim Jr. é também tratada por economistas e juristas de primeiríssimo escalão e engrandecida por uma rica avaliação acadêmica, sobre a importância do crédito, em geral, e do crédito imobiliário, em particular, para a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), preparada por Marcelo Gazzano, da consultoria ACP, liderada por Affonso Celso Pastore. Percorra conosco os tempos difíceis e os tempos de céu de brigadeiro do SFH e do SFI. E boa leitura! Os editores REVISTA DO SFI

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Job: 47539-074 -- Empresa: Publicis -- Arquivo: 47539-074-AFR-Bradesco-Antecipacao-An-ABEC-SFI-42x28_pag001.pdf

Registro: 187891 -- Data: 18:36:29 21/06/2017


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SFI

REVISTA DO SISTEMA DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO -

ÍNDICE

UMA PUBLICAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ENTIDADES DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO E POUPANÇA

ABECIP DIRETORIA GILBERTO DUARTE DE ABREU FILHO PRESIDENTE VICE-PRESIDENTES Ademar Citolin, Cristiane Magalhães Teixeira Portella, Edson Pascoal Cardozo, Fabrizio Ianelli, Heloísa Carvalho, João Carlos Silva, José de Castro Neves Soares, Marco Antonio Andrade de Araújo, Nelson Antonio de Souza, Nylton Velloso Filho,

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Onivaldo Scalco, Roberto Abdalla REVISTA DO SFI REDAÇÃO

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CONSELHO CONSULTIVO Anésio Abdalla, Décio Tenerello, Luiz Antonio França, Octávio de Lazari Filho, Nylton Velloso Filho CONSELHO DE PAUTA

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Affonso Celso Pastore, Altair Antonio de Souza, Cristiane Magalhães Teixeira Portella, Fabio Pahim Jr., Filipe Pontual, Gilberto Duarte de Abreu Filho, Gustavo Loyola, Teotonio Costa Rezende COORDENAÇÃO EDITORIAL

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Fábio Pahim Jr. Jornalista Responsável Silvia Braccio MTB 17.606

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COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Celso Luiz Martone, Danilo Vivan, Gilberto Duarte Abreu Filho, José Antonio Cetraro, José Paschoal Rossetti, José Roberto Nassar, Luca Bertalot, Marcelo Gazzano, Marcos Garcia, Jerusa Rodrigues, Raquel Landim, Teotonio Costa Rezende

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Serviços de apoio técnico à edição: Leonardo Rangel DESIGN GRÁFICO Pan Visual Content

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GRÁFICA | CTP Pancrom Data do fechamento desta edição 25.07.2017

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A Revista do SFI é uma publicação da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança e pretende apresentar à sociedade, para análise e debate, temas relacionados ao Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

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SÃO PAULO Av. Brigadeiro Faria Lima, 1485, 13 andar, Torre Norte – Jardim Paulistano São Paulo – SP CEP 01452-002 Telefone 11 3286-4855 Fax 3816-2785 e-mail: revistadosfi@abecip.com.br

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REVISTA DO SFI

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Editorial. Longe de um texto para embalar o sono, é emocionante a história do SFH e do SFI Notas& Fatos. Tendências de mercado no Brasil e no mundo. Por Marcos Garcia Entrevista Ilan Goldfajn. A redução dos juros reais vai chegar ao crédito imobiliário, afirma o presidente do BC a Fabio Pahim Jr. Entrevista Dyogo Oliveira. Mais segurança jurídica com alienação fiduciária e patrimônio de afetação. Por Fabio Pahim Jr. Colunista. É imprescindível preservar os marcos regulatórios do crédito imobiliário. Por Teotonio Costa Rezende Capa. A insegurança jurídica é uma ameaça à retomada imobiliária. Por Marcos Garcia de Oliveira Direito Imobiliário. O instituto da alienação fiduciária chega aos 20 anos e será aperfeiçoado. Por José Cetraro Juros. Inflação abaixo da meta e juro básico de um dígito são marcas de um novo tempo. Por Fabio Pahim Jr. Colunista. Os indicadores revelam a importância da construção civil para o crescimento. Por José Paschoal Rossetti Colunista. O setor público absorve 38% da poupança privada e distorce o mercado. Por Celso Martone


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Imóveis comerciais. O mercado hoteleiro recebe investimentos mas tem altos e baixos. Por Danilo Vivan Indicadores do crédito imobiliário. Os números do primeiro semestre, apurados pela Área de Inteligência de Mercado da Abecip Rumos I. A revolução tecnológica dá impulso a todas as atividades ligadas ao crédito. Por Gilberto Duarte, presidente da Abecip ÍNDICE DO ENCARTE 50 ANOS DA ABECIP

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Os tempos passados. O SFH dos anos 60 até os problemas dos 80. Por José Roberto Nassar e Fabio Pahim Jr. Os tempos modernos . O crédito imobiliário foi decisivo para garantir imóvel próprio a milhões de famílias. Por Marcos Garcia de Oliveira Os tempos futuros. Crédito imobiliário será decisivo para famílias formarem patrimônio. Por Fabio Pahim Jr. e José Roberto Nassar Perspectivas. O crédito imobiliário ganhou com a estabilidade macroeconômica. Por Raquel Landim Linha do Tempo. A evolução do crédito imobiliário de 1964 até o ano de 2017

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Investimento na construção. O setor residencial responde por mais de 50% da FBCF. Por Marcelo Gazzano Covered bonds. O Brasil ganhará peso no mercado de capitais internacional quando emitir e operar com LIGs. Por Luca Bertalot Rumos II. Das glórias passadas a um novo e promissor ciclo de crédito imobiliário. Por Gilberto Duarte, presidente da Abecip

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NOTAS&FATOS

Por Marcos Garcia

Política versus economia Enquanto muitos economistas veem no ambiente político a maior ameaça à política econômica, o ex-ministro e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso recomendou continuar olhando a economia em primeiro lugar. "É da economia que depende o governo" para se sustentar até 2018, disse no programa Globonews Painel, em 1º de julho.

Qualificação a distância

Degrau na carreira

Entrou no ar em junho a parceria entre o Ibrafi e a FK Lab, que criou o EAD (Ensino a Distância) para capacitação à certificação pela Abecip. Com foco na qualificação de profissionais que atendem clientes de crédito imobiliário, traz recursos avançados, permitindo simulações e planejamento de estudos.

Com três níveis de capacitação (CA 300, CA400 e CA600), o EAD Ibrafi/FK Lab atende profissionais de instituições financeiras e correspondentes bancários de todo o País. Nos bancos, a certificação já começa a ser considerada um degrau na carreira.

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Custo alto

Olho na Europa

A recente alteração na forma de pagamento do Imposto sobre Serviços (ISS), estabelecida em lei publicada em 1º de junho, pode ter impacto nos custos do crédito imobiliário, pois obriga as instituições a recolher o tributo no local do domicílio do tomador do crédito. Antes, valia o município do estabelecimento prestador.

O Parlamento Europeu aprovou em julho normativos que equalizam os covered bonds em toda a União Europeia. As mudanças interessam ao mercado brasileiro, onde a LIG (Letra Imobiliária Garantida) está em fase de regulamentação. Construído com base nos títulos europeus, esse instrumento de captação de recursos de longo prazo precisa estar em linha com o congênere internacional para ser atraente a investidores.

Avanço Avanço importante para o crédito imobiliário está consignado na MP 759, que criou a figura do ONR (Operador Nacional de Registro de Imóveis Eletrônico). Vai facilitar a padronização nacional do registro eletrônico de contratos imobiliários, reduzindo custos e aumentando a segurança jurídica. Com a tramitação do contrato via meios eletrônicos, poderá haver ganhos para toda economia, pois o prazo será reduzido de 35 a 40 dias para cerca de 5 dias. Mas há questionamentos no Supremo Tribunal Federal.

Estoque em queda Na Espanha, o mercado avança. O relatório “Radiografía del Stock: suelo e vivienda nueva”, da consultoria Tinsa, indica que o estoque de imóveis novos, que não encontravam compradores desde 2008, está diminuindo. Em todo o país, a queda em 2016 foi de 12,5%, chegando a 340 mil residências sem compradores. No ano anterior, eram 389 mil.

A crise continua

Preço alto

No Reino Unido, uma década depois da crise financeira de 2007, o mercado imobiliário ainda enfrenta problemas. Pesquisa do Lloyd´s Bank, citada pelo jornal The Guardian em junho, mostrou queda de quase um terço nas transações ao longo de 2016.

Os problemas, contudo, não afetaram os preços, que continuam elevados e, ao lado dos altos impostos, desestimulam as compras. Na Inglaterra e no País de Gales, as vendas em 2016 ficaram abaixo das registradas em 2006. Algumas áreas de Londres tiveram queda de 30% nos negócios

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ENTREVISTA ILAN GOLDFAJN

Paulatinamente, a caderneta de poupança tende a perder posição no funding do crédito imobiliário, abrindo espaço para novos instrumentos

A QUEDA DO JURO É O FATOR

DETERMINANTE DA RETOMADA DO CRÉDITO

O

Por Fábio Pahim Jr. e José Roberto Nassar (*)

presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, completou, em junho, um ano à frente da instituição, mostrando resultados excepcionais: a política monetária comandada pelo BC conjugou queda sustentável de cinco pontos porcentuais do juro básico – de 14,25% ao ano em junho de 2016, para 9,25% ao ano em julho de 2017 –, com queda também sustentável da inflação oficial medida pelo IPCA de 8,84% em 12 meses, até junho do ano passado, para 3,6% ao ano em maio de 2017, abaixo, portanto, do centro da meta de 4,5%, abrindo espaço para a redução do centro da meta para 4,25%, como foi decidido em reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) no final de junho.. A reconhecida profissionalização do BC ao longo de sua história continuou sendo reforçada na gestão Ilan, inclusive no plano do crédito imobiliário. “Estamos num processo de redução de juros reais, que vai chegar ao crédito imobiliário. Isso muda toda a estrutura do sistema”, disse o presidente do BC. Ex-diretor do Banco Central e do Itaú BBA, Ilan é um dos mais respeitados economistas brasileiros. Novamente no BC desde 2016, inovou na comunicação, tornando as informações sobre as reuniões do Copom muito mais acessíveis aos leitores, além de aumentar a previsibilidade dos agentes econômicos. Não é pouca coisa, tal a relevância das expectativas para as decisões de investimento das empresas

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e das famílias. O presidente do BC notou que a importância das cadernetas de poupança tende a se reduzir com outras formas de captação ganhando espaço”. Mas, acrescentou, “o intermediário financeiro faz o equilíbrio entre o curto prazo e a aplicação”. A seguir, os trechos principais da entrevista de Ilan Goldfajn à REVISTA DO SFI: REVISTA DO SFI – A queda do juro ocorre em velocidade rápida, talvez sem precedentes na história do regime de metas com a exceção de um momento passado em que os limites foram ultrapassados, a inflação voltou e se seguiu novo ciclo de alta do juro básico. Como vê o ritmo de queda já verificado? A extensão do ciclo de queda dependeria, hoje, mais da melhora da situação fiscal e do limite aos gastos públicos ou ainda se pode esperar algum recuo do IPCA, já inferior aos 4% ao ano? ILAN GOLDFAJN – Você tem uma inflação em queda, porque houve mudança na política econômica e alta capacidade ociosa na economia há dois anos, puxando a economia (para baixo) e permitindo a redução do juro. Onde vai chegar (esse movimento) depende das reformas, do quanto a inflação cai, dos riscos. Faz parte de uma conta só. A queda do juro básico de um ponto porcentual ao mês é forte. Estamos avaliando a próxima decisão. Acredito que a queda é sustentável, é esse


DIVULGAÇÃO

Ilan Goldfajn Presidente do Banco Central

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o nosso objetivo. Mas também temos um certo alívio com os indicadores de inflação em queda, como se vê na pesquisa Focus, abrindo espaço para um processo de redução de juros no início do segundo semestre e, assim para alguma recuperação. A economia chegou ao fundo do poço. Mas a pior herança é ter revertido anos e anos de responsabilidade fiscal. A partir de 2013 o Brasil entrou numa fase desastrosa no plano fiscal. Livrar-se dessa herança é, ao mesmo tempo, urgente e complexo. Maiores sacrifícios serão exigidos da sociedade – como um corte de privilégios, até um aumento de tributos.

COMPARATIVO DE TAXA DE JUROS SUSTENTÁVEL 14,25%

Há alguns anos vem sendo mencionada - ou defendida por alguns economistas - a alteração da meta de inflação para um nível mais próximo do praticado pelas economias desenvolvidas ou pelas economias dos países emergentes JUNHO DE que mais avançaram na política macro2016 econômica. No caso brasileiro, como trata desse sinal de política monetária? Pode ser lido também como um sinal de política fiscal mais austera o que ficou decidido na reunião histórica do Copom de 28 de junho? IG – A definição das metas para 2019 e 2020 mostram a determinação de seguir buscando inflação mais baixa de forma gradual, serena e de forma contínua. Dada a enormidade das tarefas, é preciso ter uma ordem de prioridades. Qual poderá ser a melhor sequência? IG – As projeções de inflação na pesquisa dos analistas da Focus coletadas pelo BCB mostram convergência para as metas definidas de 4,25% em 2019 e 4,0% em 2020. O Banco Central poderia induzir um aumento da oferta de crédito em ritmo mais pronunciado do que o já observado entre março e abril?

10,50%

JUNHO DE 2017

IG – Hoje em dia há o fenômeno da oferta e da demanda de crédito caindo. Há cautela com o futuro. Há menos investimentos, menos projetos, menos alavancagem – que significa retorno do crédito. Tenho a impressão de que vai voltar à medida em que a economia se recupera. O crédito vai acompanhando. Mas quero crer que ele não será o impulso, ele vai ajudar a recuperação. Cresce o número de economistas que trata do exagero da oferta de crédito direcionado, sugerindo que a redução dessas linhas permitiria rebaixar juros em geral e aumentar as operações de crédito livre – como vê isso? De certa forma, o governo já está agindo via BNDES para eliminar subsídios e generalizar o uso de taxas de mercado nos empréstimos. A política do BNDES é extensível aos demais bancos federais, a começar da CEF? Rebalancear os créditos direcionado e livre e cortar subsídios é o caminho central para reduzir os juros ativos?

IG – Tenho confiança em que à medida que o juro fica menor, a potência da política monetária cresce atingindo uma parcela maior dos consumidores. À medida que cresce o crédito livre, a economia pode se rebalancear de forma mais eficiente. A Medida Provisória 777 permitiu fazer isso modernizando a política do Brasil e tornando a política monetária também mais moderna. A comunicação do Banco Central mudou na sua gestão e é bem recebida pela maioria absoluta dos participantes do mercado. Há algum ruído? IG – Você consegue saber o caminho que o Banco Central vai fazer à frente, como tende a reagir. É a função da nossa reação. Quanto melhor nos comunicarmos, mais fácil fica. Quando você é mais transparente, pode atuar mais. A velocidade aumenta. É um processo saudável.

TENHO CONFIANÇA EM QUE À MEDIDA QUE O JURO FICA MENOR, A POTÊNCIA DA POLÍTICA MONETÁRIA CRESCE, ATINGINDO UMA PARCELA MAIOR DOS CONSUMIDORES; À MEDIDA QUE CRESCE O CRÉDITO LIVRE, A ECONOMIA PODE SE REBALANCEAR DE MODO MAIS EFICIENTE”

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O crédito imobiliário sempre teve fundas raízes na caderneta de poupança e no FGTS. Mas uma retomada exigirá se voltar mais para fontes alternativas presentes no mercado livre. Como o senhor vê o futuro de papéis com as Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs, os covered bonds brasileiros)? A redução dos juros chegará a essas modalidades de funding alternativo, das quais também fazem parte as LCIs e as LCs? IG – Estamos num processo de redução de juros reais, que vai chegar ao crédito imobiliário. Isso muda toda a estrutura do sistema. A Letra Imobiliária Garantida (LIG) é um instrumento novo, foi e voltou da consulta pública, mas é a taxa de juros que vai motivar o sistema. O sistema tem de se reinventar. Dá para ser bem maior do que os cerca de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) de hoje.

COMPARATIVO DE INFLAÇÃO OFICAL 8,84%

IG – Paulatinamente. A importância (da poupança) tende a se reduzir, com outras formas de captação ganhando espaço. O intermediário financeiro faz o equilíbrio entre o curto prazo e a aplicação. A longo prazo, vamos precisar alguma definição. IG – Tem uma posição a respeito dos distratos que tanto afetaram incorporadores e construtores?

3,6%

JUNHO DE

MAIO DE

2016

2017

Qual é, a seu ver, o futuro do crédito imobiliário? Em que prazo seria possível ter um sistema tão grande e dinâmico de financiamento à moradia, como os de países que mais desenvolveram a modalidade, como Espanha, Chile, Alemanha ou Estados Unidos? Duas décadas atrás, nos tempos da criação da Lei do SFI e da alienação fiduciária de bem imóvel, um dos diretores do BC à época, Sérgio Werlang, falava em dez anos para implantar o SFI – previsão que se mostrou acertada. IG – Em 10 anos, vamos ter, com juros e instrumentos diferentes, um sistema muito mais dinâmico e muito maior. Não se pode falar em porcentuais do PIB (que deverão ser atingidos). Temos de caminhar para o tamanho que há em outros países, mas sem prever prazos. Acredita mais numa redução paulatina ou acelerada do peso dos depósitos de poupança no funding imobiliário?

Não sei qual será a solução, mas tem de ser algo que não pode surpreender. Não podemos ter (um nível de) distratos que surpreenda o sistema. Voltando à economia, seria possível retomar com força uma agenda microeconômica – à semelhança daquela agenda desenvolvida pelos economistas Marcos Lisboa e Bernard Appy no início da década passada –, que incluísse o financiamento à moradia?

IG – A agenda micro do Banco Central é o BC+, pensamos em questões como o spread bancário, garantias eletivas, por exemplo. Estamos trabalhando nelas. O BC tem planos de ampliar suas bases de dados e instrumentos de aferição dos mercados de imóveis e de crédito imobiliário, utilizando, por exemplo, instrumentos como o IGMI-R da Abecip e da FGV, para acompanhar mais de perto a evolução de preços de imóveis, a partir dos números fornecidos pelos bancos? IG – Acabam de sair as novas séries de preços de imóveis, baseadas nas garantias recebidas pelas instituições financeiras. Creio que as estatísticas da Abecip são compatíveis com as do BC. As estatísticas do BC são feitas pelos técnicos da instituição. *Fabio Pahim Jr. é editor da Revista do SFI e José Roberto Nassar é jornalista

A LETRA IMOBILIÁRIA GAR ANTIDA É UM INSTRUMENTO NOVO, FOI E VOLTOU DA CONSULTA PÚBLICA, MAS É A TAXA DE JUROS QUE VAI MOTIVAR O SISTEMA IMOBILIÁRIO, QUE TEM DE SE REINVENTAR. DÁ PARA SER BEM MAIOR DO QUE OS CERCA DE 10% DO PIB DE HOJE” REVISTA DO SFI

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Dyogo Oliveira Ministro do Planejamento

ENTREVISTA DYOGO OLIVEIRA

Muitas iniciativas foram adotadas para fortalecer a construção, setor essencial para o investimento e o emprego

MAIS

SEGURANÇA JURÍDICA

COM A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E O PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO

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atribuído à construção civil e ao crédito imobiliário – como mecanismo mobilizador de recursos de longo prazo para o investimento? DYOGO OLIVEIRA – O setor da construção civil é importante para a economia brasileira em diversas frentes: PIB, investimento e, principalmente, emprego. Foram muitas as iniciativas implementadas ou em andamento para serem efetivas nesse setor como, por exemplo, as mudanças promovidas no programa Minha Casa Minha Vida; a elevação dos valores máximos de imóveis para enquadramento no SFH que podem ser adquiridos com recursos do FGTS; a criação do Cartão Reforma, permitindo que famílias de baixa renda tenham acesso ao crédito (limite de R$ 5 mil, em média) para reforma, ampliação ou conclusão de obras entre outras. Todas essas medidas contribuem como estímulo para esse setor. A atualização do marco legal de alienação fiduciária de bem Imóvel e a criação da matrícula única para imóvel são iniciativas que visam ao aumento da segurança jurídica. Além disso, uma iniciativa que favorecerá o crédito imobiliário é a regulamentação da Letra Imobiliária Garantida (LIG), que está sendo feita pelo Banco Central (BC). Nessa direção, apesar da crise e da contração de crédito de modo geral, o saldo do financiamento imobiliário foi o único que apresentou crescimento. São medidas como essas que continuaremos a adotar para que nossa economia se recupere o mais rápido possível, voltando a gerar emprego.

O

Por Fábio Pahim Jr.

s institutos jurídicos da alienação fiduciária de bem imóvel e do patrimônio de afetação, criados entre 1997 e 2004, são símbolos do aprimoramento normativo do crédito imobiliário, conferindo-lhe segurança jurídica, afirmou o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, nesta entrevista a Fabio Pahim Jr., editor da REVISTA DO SFI. Inúmeras iniciativas, seja no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida, seja mediante a elevação dos valores máximos financiáveis pelo SFH e que podem ser enquadrados no FGTS, seja com a criação do Cartão Reforma, evidenciaram a disposição do governo Temer de fortalecer a área da construção e o crédito imobiliário. Dyogo Oliveira dá grande destaque aos investimentos em infraestrutura – não só pelo impacto que provocam na redução do custo das empresas brasileiras e no aumento da produtividade, como na atração de capitais internos e externos e na atividade da construção. REVISTA DO SFI – O governo Temer está promovendo profundas mudanças institucionais, com vistas à retomada do investimento, em geral, e à infraestrutura, em particular. No âmbito dessa política, qual é o peso

Numa visão prospectiva, qual a contribuição esperada do setor imobiliário, compreendendo a produção física de imóveis e a oferta de crédito para a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF)? DO – Trabalhamos diuturnamente para que a recuperação do setor seja o mais rápido possível. Para isso estamos adotando medidas para melhorar as principais variáveis que impactam sua performance: renda, emprego e taxa de juros. Isso porque a construção residencial tem elevada participação do FBCF. Junto às obras de infraestrutura, os dois segmentos representam uma participação de 55% no FBCF. O primeiro sinal positivo vem da melhora conjuntural. Com a melhora das expectativas de mercado e forte queda da inflação, iniciou-se um intenso ciclo de redução da taxa básica de juros com efeitos diretos sobre o custo do capital, alavancagem financeira dos agentes econômicos e das concessões de crédito. Em abril de 2017, segundo o BC, a taxa média de juros do financiamento imobiliário, operações livres e reguladas, alcançou em média 9,01% ao ano, a menor desde março de 2015 e próxima do piso histórico; a inadimplência desse financiamento, em média de 1,97%, está bem abaixo da das demais operações de crédito; o nível de endividamento e o comprometimento de renda das famílias, 18,5% da renda anual e 2,7% da renda mensal, estão estabilizados em níveis adequados. Os resultados já começaram a aparecer. O PIB do 1º trimestre de 2017, com alta de 1,0% ante o último REVISTA DO SFI

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trimestre de 2016, marcou o fim da recessão, o que deverá ser seguido pela recuperação do emprego e da renda real de maneira mais generalizada. A massa de salários já aumentou 1,1% em termos reais em abril/2017, ante abril/2016 (PNAD Contínua/IBGE) e o emprego formal começou a apresentar, em abril/2017, geração líquida positiva de 60 mil postos de trabalho com carteira assinada (Caged/MTE). No âmbito do seu Ministério, entre as missões mais relevantes está a de preparar o projeto de Orçamento Geral da União (OGU) e, após aprovado, acompanhar sua execução. Qual o impacto sobre o OGU da meta de déficit deste ano e de 2018? Será possível preservar os recursos e incentivos aos programas habitacionais? O que espera do Programa Minha Casa Minha Vida (PCMV) para a geração de emprego? DO– O OGU é elaborado anualmente de modo a incorporar a meta fiscal estabelecida anteriormente pela respectiva Lei de Diretrizes Orçamentárias. Assim, o que pode afetar o OGU são eventuais frustrações de receita e/ou a ocorrência de despesas não previstas no orçamento. O primeiro fator foi determinante para o contingenciamento de R$ 42,1 bilhões em despesas, após o relatório de avaliação do 1º bimestre deste ano. Findo o 2º bimestre, o governo identificou a possibilidade de descontingenciar R$3,1 bilhões consoante com a meta de R$139 bilhões em déficit primário. A expectativa do governo é que a recuperação da economia e o consequente restabelecimento do fluxo arrecadatório permitam um crescente descontingenciamento até o final do ano. Para 2018, nossa meta é de um déficit de R$ 129 bilhões. O objetivo é executar o que foi programado, dando prioridade às áreas essenciais da sociedade, cujos recursos procura-se preservar ao longo da execução orçamentária. No PMCMV, a meta para 2017 é contratar 610 mil unidades habitacionais, englobando todas as faixas de renda do programa. Sem dúvida isso contribuirá para a reversão da taxa de desemprego, que é a prioridade número um do governo. Como vê a atratividade do Brasil para os investimentos em infraestrutura, não apenas do capital nacional como do capital internacional? DO – Os diálogos e os road shows que o governo brasileiro tem feito no exterior apontam para um grande apetite por investimentos em infraestrutura no Brasil. A recente experiência com leilão de aeroportos demonstra esse interesse. De fato, o Brasil se encontra numa posição de grande atratividade, principalmente por acabar de sair de uma recessão. O Fórum de Investimentos Brasil foi um exemplo de como os investidores estrangeiros estão interessados no Brasil, que possui ativos excelentes e que estão baratos. Também, há um avanço nas discussões e possibilidades de mecanismos de proteção cambial.

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Gostaria que avaliasse o interesse de investimento da China no Brasil, em particular por conta do anúncio de criação de um fundo de cooperação que através dos Potenciais Financiadores poderá investir até US$ 20 bilhões – o Fundo Brasil-China de Cooperação para a Expansão da Capacidade Produtiva, com recursos chineses, além de iniciativas de outros países dispostos a investir em infraestrutura no País. DO – Os chineses estão interessados nas oportunidades de investimentos em infraestrutura no Brasil, que, em diversos casos, possuem retornos bem atrativos. Também estamos promovendo mudanças no ambiente de negócios no Brasil, que propiciarão ainda mais oportunidades. Nesse contexto, o Fundo Brasil-China de Cooperação, no montante de U$ 20 bilhões, ganha um contorno relevante, com um mecanismo inovador para os dois países e que tem como objetivo a classificação de projetos de interesse comum entre Brasil e China. Esse mecanismo proporcionará uma maior aproximação e a melhoria do diálogo entre os dois países, no que tange aos investimentos chineses no Brasil. No site do Ministério do Planejamento há uma página exclusiva para o Fundo Brasil-China de Cooperação, que contém informações detalhadas sobre todo o processo de operacionalização do Fundo. Instituições multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), poderão ser parceiros importantes nos investimentos em infraestrutura? O mesmo se aplica ao Banco Mundial, por intermédio da International Finance Corporation (IFC), há muito estabelecida no País? DO – Certamente. As instituições multilaterais possuem grande expertise em infraestrutura, podendo contribuir para que os projetos e a estrutura de financiamento sejam aprimorados. Isso se aplica não só ao BID e ao IFC, mas também a outras agências, como Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). Já considera possível avaliar a mudança nas regras de concessões de infraestrutura, a partir do exemplo de concessões dos aeroportos de Porto Alegre, Florianópolis, Salvador e Fortaleza, bem como de terminais como o do Porto de Santarém? Exemplos como esses tendem a ser replicados nos próximos meses? DO – O governo sempre analisa o perfil das próximas concessões, antes de divulgar os editais e as minutas de contratos associados. Sem dúvida nenhuma, o leilão desses aeroportos foi um grande sucesso e daremos sequência com novos leilões. Como vê a introdução de mecanismos capazes de conferir grande credibilidade ao investimento público, como o do performance bond?


FOTOS: DIVULGAÇÃO

DO – Somos favoráveis a todos os mecanismos que mitigam os riscos de não realização do objeto contratual para as instituições financiadoras e para o Poder Público. Ainda não há no mercado um produto que resolva esse problema de modo completo. Continuamos em conversas com seguradoras e outros agentes na busca de soluções que não sejam apenas financeiras.

O CONGRESSO NACIONAL TEM SIDO UM PARCEIRO FUNDAMENTAL NA APROVAÇÃO DAS REFORMAS”

Qual é a política oficial para as estatais que atuam na infraestrutura, em especial para o grupo Eletrobrás e subsidiárias? A programada privatização ou concessão ao setor privado de distribuidoras da Região Norte permitirá um alívio significativo nos problemas de longo prazo da holding elétrica federal?

Eletrobrás e Petrobras, devem direcionar suas atividades para o seu core-business. Em outros termos, a Eletrobrás deve-se voltar para as atividades de geração e transmissão, saindo dos negócios de distribuição de energia elétrica. A privatização das distribuidoras (Eletroacre, Ceal, Cepisa, Amazonas Energia, BV Energia e Ceron) representará uma melhoria no resultado da empresa, retirando uma fonte de pressão do grupo. No que se refere à Petrobras, também há

DO – As estatais que atuam em infraestrutura, em especial

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estratégia de voltar o grupo para o seu core-business, qual seja: exploração e refino. Isso equivale a dizer que setores como petroquímica e fertilizante serão desinvestidos. A interação com o TCU tem sido importante para aumentar ainda mais a segurança jurídica nas operações de fusões e aquisições que fazem parte desse processo de desinvestimento. Retornando ao crédito imobiliário, como vê o instrumento no longo prazo? Com a modernização normativa do SFH e do SFI, mediante a introdução da alienação fiduciária de bem imóvel, do patrimônio de afetação, da concentração dos ônus na matrícula do Registro de Imóveis, o que falta para consolidar o modelo de financiamento imobiliário? Que importância atribui à segurança jurídica dos contratos de crédito imobi­ liário, em especial à sua aplicação prática no âmbito do Judiciário? Como vê mecanismos como a Letra Imobiliária Garantida (LIG), conhecida como o covered bond brasileiro? DO – Um conjunto de normas, que inclui os institutos da alienação fiduciária, patrimônio de afetação e outros instrumentos, significaram um aperfeiçoamento institucional do SFH e do SFI que resultou em maior segurança jurídica, maior expectativa de recuperação de crédito e contribuiu com o aumento de emprego e da renda e menores taxas de juros, para um ciclo de crescimento importante do financiamento imobiliário. Um aspecto que também tem requerido a atenção do governo e dos agentes do setor e que precisa de um maior esforço é exatamente modernizar e ampliar os mecanismos de funding, fomentando fontes alternativas e eficientes, para complementar e gradualmente ir substituindo a poupança e o

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crédito direcionado. Nesse contexto é que se insere a criação da LIG, um título de crédito emitido por instituição financeira, garantido por créditos imobiliários e pela instituição emissora. Então, na perspectiva de que estão sendo criadas as condições para um novo ciclo de crescimento com estabilidade macroeconômica e queda das taxas de juros, estamos construindo junto ao setor um ambiente propício à retomada dos financiamentos e investimentos baseado em dois eixos: aperfeiçoamentos da legislação regulatória, como a alienação fiduciária e o patrimônio de afetação; e o regulamento da LIG – um primeiro passo na ampliação de alternativas de funding para o setor imobiliário. Como avalia as implicações da crise política deflagrada em maio sobre o programa de reformas estruturais, a começar pela reforma da Previdência? DO – O Congresso Nacional tem sido um parceiro fundamental na aprovação das reformas. Entendo que não haverá impactos significativos, em particular, para a aprovação das reformas trabalhista e previdenciária, sobretudo porque são questões centrais para a retomada da confiança no País, da credibilidade fiscal e do crescimento econômico. O governo tem emitido a mensagem de que as reformas são o caminho para o País crescer de forma sustentável, sendo possível observar o início de um novo ciclo de crescimento com o resultado positivo do PIB do 1º trimestre, com a redução da inflação e com a redução dos juros. Nesse sentido, ainda que, eventualmente, possa ter algum efeito sobre as votações, as reformas são uma agenda estrutural. Por essa razão, estamos confiantes que o Congresso deverá aprová-las, porque está ciente de sua responsabilidade junto à sociedade, especialmente para a recuperação econômica, e não há um plano B para isso.


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COLUNISTA

TEOTONIO COSTA REZENDE Mestre em Gestão e Estratégia de Negócios

É IMPRESCINDÍVEL

PRESERVAR OS MARCOS REGULATÓRIOS DO CRÉDITO IMOBILIÁRIO

Conheça, a seguir, os marcos principais do financiamento de moradias e por que é imprescindível respeitá-los e aperfeiçoá-los

P

ara a maioria dos países, é inegável a relevância que as operações de crédito imobiliário têm, tanto em termos econômicos quanto em relação aos impactos sociais. Isso porque, dado o expressivo valor de um imóvel, poucos são aqueles que têm disponibilidade para adquiri-lo apenas com recursos próprios. O crédito imobiliário exerce o importante papel de, numa ponta, fomentar a produção de imóveis e, assim, possibilitar a geração de emprego e renda via fortalecimento do setor da indústria da construção civil. E por outro, viabilizar o acesso das famílias a uma moradia digna. Dessa forma, ao mesmo tempo em que gera impactos positivos na economia, o crédito imobiliário contribui para o desenvolvimento social por meio do combate ao déficit habitacional, tanto em termos quantitativos como em termos qualitativos. No mundo capitalista, se a segurança jurídica é de extrema importância para o funcionamento de qualquer mercado, inclusive em operações de curtíssimo prazo, nas operações de longo prazo, caso do crédito imobiliário, referida segurança jurídica é absolutamente vital. A segurança jurídica no mercado de crédito imobiliário é representada pelo binômio segurança para conceder o crédito, ou seja, a certeza da validade e eficácia dos contratos e da segurança para recuperar o crédito, isto é, a certeza de exequibilidade das garantias reais no caso de inadimplência do devedor.

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A instabilidade econômica da década de 1980 até meados da década de 1990, agravada pela elevação, em níveis insustentáveis, do risco jurídico advindo do paternalismo com que o Poder Judiciário tratou os devedores inadimplentes, associado à imprevisibilidade do desfecho dessas demandas judiciais, tanto em termos de conteúdo quanto de prazo de conclusão, acabou por tornar o crédito imobiliário ‘mau negócio’ para os bancos. E, por conseguinte, praticamente paralisou o mercado de crédito imobiliário por mais de uma década. A estabilidade econômica vigente a partir do segundo semestre de 1994, conjugada com importantes avanços no marco regulatório, possibilitou a retomada do crédito imobiliário, principalmente a partir de 2004. Para que se tenha uma ideia da dimensão da magnitude desse novo ciclo, vale destacar que no período 1970-1994 foram financiados, em média, 220 mil imóveis por ano, média essa que subiu para 550 mil imóveis por ano no período 1995-2015, com destaque para os três últimos anos desse período, quando se financiou quase 1 milhão de imóveis por ano. É possível afirmar, com convicção, que a melhoria na segurança jurídica foi um dos motores de expansão do crédito imobiliário nesse novo ciclo. Destacaremos, a seguir, os principais avanços verificados no marco regulatório do crédito imobiliário ao longo das duas últimas décadas, embora o objetivo principal deste artigo


não seja falar propriamente desses avanços, mas da preocupação quanto a possíveis retrocessos decorrentes de decisões judiciais equivocadas, que podem fazer com que estes avanços percam a eficácia, com sérios danos para a economia e para a sociedade.

O MARCO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA O primeiro grande marco regulatório, que ofereceu contribuição decisiva para que as Instituições Financeiras voltassem a ter interesse pelas operações do crédito imobiliário, foi a criação do instituto da alienação fiduciária de bens imóveis, instituída em 1997 pela Lei 9.514 e que passou a ser utilizada em larga escala a partir de 2001 e que hoje representa quase 100% das garantias das novas carteiras de crédito imobiliário. Essa garantia foi instituída como solução para a total insegurança em que se havia convertido a garantia hipotecária. Esta, em decorrência de decisões judiciais, cujo ápice foi a Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça, praticamente deixou de ser garantia real, sem embargo do prazo extremamente elevado nas execuções das garantias hipotecárias. Graças à redução da insegurança jurídica decorrente da instituição da alienação fiduciária, bem como de suas externalidades positivas que resultaram em ganhos operacionais em termos de redução de custos e de maior eficácia na cobrança dos devedores inadimplentes, foi possível viabilizar, inclusive, créditos às famílias de baixa renda a custo compatível com a capacidade de pagamento. Neste contexto, a alienação fiduciária teve papel relevante. Por exemplo, no período 2009/2016 foram viabilizados quase 2,8 milhões de financiamentos de imóveis novos por meio do Programa Minha Casa Minha Vida às famílias de baixa renda. Apenas a título de registro, cabe destacar que, não obstante o Programa Minha Casa Minha Vida tenha viabilizado, até 31/12/2016, a produção de quase 4,6 milhões de unidades habitacionais, dos quais cerca de 1,8 milhão de contratos se refere a operações de transferência de subsídios para a chamada Faixa 1. Porém, mesmo para esses contratos de transferência de subsídios, foi utilizado o instrumento da Alienação Fiduciária. Em termos de segurança jurídica, relativamente ao instrumento da alienação fiduciária, REVISTA DO SFI

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uma preocupação que poderá resultar em um novo imbróglio jurídico diz respeito ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto à validade dessa garantia frente aos chamados ‘adquirentes de boa-fé’? Prevalecerá, de fato, o previsto em lei, ou seja, que o credor fiduciário é proprietário do imóvel? Ou se repetirá o entendimento consumerista da Súmula 308, fazendo que a alienação fiduciária também perca, a exemplo da hipoteca, sua eficácia como garantia? Ainda em relação à alienação fiduciária, no contexto da insegurança jurídica, o jurista Melhim Chalhub, um dos maiores estudiosos e experts na matéria, tem alertado quanto a recentes decisões do Poder Judiciário que ameaçam fragilizar referida garantia. É o caso do Cartório de Registro de Imóveis que se recusa a realizar o registro da Consolidação da Propriedade simplesmente mediante expediente do devedor que alega não concordar com o valor que lhe está sendo cobrado. No intuito de contribuir para mitigar os riscos de fragilização da Alienação Fiduciária como garantia imobiliária, Chalhub tem dado ênfase à incompatibilidade dos ritos executórios da hipoteca em relação à alienação fiduciária. Para tanto, tem chamado a atenção para preocupantes decisões proferidas no STJ e nos Tribunais Estaduais. Entre estas, em contratos com garantia de alienação fiduciária cabe destacar a determinação de que a instituição financeira credora aceite a purgação da mora após a consolidação da propriedade e até a data da arrematação, além da aplicação subsidiária do DL 70/66. Neste particular, como esclarece Chalub, a Lei 9.514/97 tem um rito específico de execução extrajudicial para os contratos com garantia de alienação fiduciária, permitindo a aplicação subsidiária do DL 70/66 exclusivamente nos financiamentos com garantia hipotecária.

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Outra grave ameaça ‘indireta’ à alienação fiduciária está relacionada ao julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) relativamente à execução extrajudicial disciplinada no Decreto-Lei 70/66. Ora, se o STF julgar inconstitucional a execução extrajudicial prevista no DL 70/66, é pouco provável que não se ataque, logo em seguida, a execução extrajudicial disciplinada na Lei 9.514/97. O que chama a atenção neste caso é que o próprio STF já havia se pronunciado, deixando claro que o referido DL 70 não ofendia a Constituição Federal. Há, assim, o risco de se retornar à tese de que no Brasil até “o passado é mais incerto do que o futuro”. Decisões do tipo implicam os riscos de ‘judicialização do processo extrajudicial’ e fragilização da alienação fiduciária, trazendo grave risco para as operações de crédito imobiliário. PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO O segundo grande marco regulatório ocorreu em 2004, por meio da Lei 10.931, que criou o Patrimônio de Afetação e o Incontroverso. No caso do Incontroverso, este passou a ser um importante instrumento de combate à inadimplência, pois a Lei 10.931/2004, em seus artigos 49 e 50, regulamentou a forma de adimplemento das obrigações do devedor nas demandas que tenham por objeto os contratos de compra e venda de imóveis com pagamento parcelado. Para tanto, conforme textos de autoria de jurista Chalhub, foi determinado que “a parcela não controvertida da obrigação continue sendo paga e que a parcela controvertida seja depositada, mecanismo semelhante ao da ação de consignação em pagamento, em que se faculta ao credor o levantamento da parcela não controvertida da dívida e a manutenção da parcela controvertida em depósito”. Para que se tenha ideia da relevância da inovação trazida pela Lei 10.931/2004, basta

É HORA DE PENSAR A HABITAÇÃO SOCIAL COM UM POUCO DE OUSADIA


lembrar que, até então, era comum que o devedor, para evitar a execução de sua dívida, ingressasse em juízo contestando os valores que lhe eram cobrados. Normalmente questionava os índices de reajuste das prestações, nos casos de contratos regidos pela equivalência salarial e, quase sempre, afirmava a existência de anatocismo ou, não tão raramente, trazia a tese recentemente sepultada pelo STJ de que primeiro se deveria calcular os juros para, somente então, atualizar o saldo devedor. Uma vez concedida a medida liminar, o devedor se eximia de fazer quaisquer pagamentos enquanto a ação não tivesse seu desfecho final. Em muitos casos, além de não pagar as prestações do financiamento, também não pagava as taxas condominiais e os tributos incidentes sobre o imóvel. Ao final da demanda, após ter frustrado o fluxo de retorno esperado pelo credor ao longo de vários anos, tampouco dispunha de recursos suficientes para quitar a dívida em atraso e, portanto, em algumas situações o credor tinha de refinanciar grande parte dessa dívida ou, com mais frequência, adjudicar um imóvel em que, não raramente, a dívida tributária e condominial superava o valor da garantia. A partir do incontroverso, o credor poderá requerer a cassação da liminar eventualmente concedida, caso o devedor fique em mora com o pagamento das parcelas incontroversas e/ ou em relação ao pagamento dos tributos incidentes sobre o imóvel e a taxa condominial. Neste particular, é fundamental que as instituições financeiras exerçam rigoroso acompanhamento dos contratos que estão amparados por medidas liminares de modo a agir tempestivamente em caso de inadimplência do devedor, de forma a evitar que o Poder Judiciário seja invocado apenas para protelar o pagamento da dívida. Ainda em termos de controles e ações por parte das instituições financeiras, cabe destacar que a Lei 10.931 faculta ao juiz, “em caso de relevante razão de direito e risco de dano irreparável ao autor”, pagar somente a parcela não controvertida, ou seja, dispensando-o de fazer os depósitos da parte controvertida. Neste caso, é importante que os credores estejam atentos, verificando se em alguma localidade essa exceção não se está convertendo em regra. Em termos de marcos regulatórios de extrema relevância, a Lei 10.931 criou também

o patrimônio de afetação, que consiste na segregação patrimonial de bens do incorporador para uma atividade específica, com o intuito de assegurar a continuidade e a entrega das unidades em construção aos futuros adquirentes, mesmo em caso de falência ou insolvência do incorporador. Novamente nos recorrendo aos ensinamentos de Melhim Chalhub, os “patrimônios de afetação são compostos por bens destinados a uma função específica e para realizá-la são submetidos ao regime da incomunicabilidade, da qual resultam a vinculação de receitas e a limitação de responsabilidade; cumprida a função, o conjunto de direitos e obrigações que forma o patrimônio separado é desafetado e o que dele remanescer é reincorporado ao patrimônio geral do instituidor, livre do vínculo que o prendia à destinação para a qual foi afetado”. Desnecessário dizer quão importante é o patrimônio de afetação para salvaguardar os direitos de compradores de imóveis na planta em relação ao chamado “efeito Encol” (em alusão a uma grande construtora que faliu nos anos 90 dando enormes prejuízos aos adquirentes) e também para mitigar riscos para as instituições financeiras, haja vista que, na eventualidade da destituição do incorporador, a administração da incorporação passará a ser feita por comissão de representantes dos adquirentes ou, se for construção financiada, “por empresa ou profissional indicado pela instituição fornecedora dos recursos para a obra, devendo ser ouvida, neste último caso, a comissão de representantes dos adquirentes”. Tamanha é a importância da figura do patrimônio de afetação que, embora defensores da intervenção mínima do Estado em operações de mercado, entendemos que, em vez de opção do incorporador, a prática deveria ser obrigatória, principalmente nas operações destinadas à produção de habitação social. Além dessa obrigatoriedade, como afirma o consultor jurídico da Abecip, José Antônio Cetraro, “não basta ter o patrimônio de afetação; os bancos precisam zelar também pelos recebíveis, que substituem a hipoteca a partir da comercialização da unidade”. Destaque-se ainda a relevância de incentivar e dar maior ênfase à atuação da comissão de representantes dos adquirentes, com vistas à transparência e a mitigar riscos de práticas irregulares em relação ao patrimônio afetado. REVISTA DO SFI

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NÃO CABE IMPUTAR AO FINANCIADOR A RESPONSABILIDADE POR VÍCIOS CONSTRUTIVOS

Considerando que o patrimônio de afetação é um mecanismo de defesa dos adquirentes dos imóveis, seria de se esperar que, no âmbito do Poder Judiciário, se organizassem defensores das regras desse instrumento. Mas preocupações têm surgido recentemente, por exemplo, no caso de empresas que entram em recuperação judicial com a manifesta pretensão de consolidar os patrimônios de afetação no patrimônio geral da incorporadora. A rigor, isso representaria um absurdo jurídico ­– ou seja, a ‘desafetação do patrimônio afetado’ – implicando enormes riscos para os adquirentes dos imóveis e para a instituição financiadora. Mais uma vez recorrendo aos ensinamentos de Chalub, “não se pode cogitar da consolidação dos patrimônios de afetação no patrimônio geral da incorporadora recuperanda, dada a subsistência do regime especial de incomunicabilidade, que, instituído por lei (Lei 4.591/1964, arts. 31-A e seguintes, e CPC art. 833, XII), só por lei pode ser excepcionado, e, na medida em que a Lei 11.101/2005 não o excepcionou, os patrimônios de afetação das incorporações imobiliárias da empresa recuperanda permanecem incomunicáveis e, portanto, sujeitos ao regime de vinculação de receitas”. SISTEMAS DE AMORTIZAÇÃO Outro marco relevante em termos de mitigação do risco jurídico nas operações de crédito imobiliário foi a regulamentação dos Sistemas de Amortização e da Capitalização Mensal de Juros, ambos por meio da Lei 11.977/2009. Até então, alegar a ocorrência de anatocismo e/ ou a ilegalidade da Tabela Price ou mesmo de qualquer outro sistema de amortização era o mecanismo mais utilizado por devedores inadimplentes com o objetivo de postergar o processo de execução da dívida. No entanto, em que pese o avanço em termos de transparência na relação credor versus devedor, resultante da Lei 11.977, este ‘esqueleto’ ainda não foi ‘cremado’. Ainda há um grande estoque de contratos firmados anteriormente à Lei 11.977, que trata exclusivamente de financiamentos imobiliários concedidos por instituições integrantes do SFH. A solução definitiva do problema passa pela revogação ou alteração do artigo 4º do Decreto 22.626/33, bem como da alteração do artigo 591 da Lei 10.406/2002 (Código Civil), para eliminar, de uma vez por todas e de qualquer modalidade de crédito, as polêmicas sobre a prática de

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juros compostos, bem como dos equívocos em relação ao que seja capitalização de juros. CONCENTRAÇÃO NA MATRÍCULA Merece também destaque, na linha da mitigação dos riscos jurídicos, a Concentração de Atos na Matrícula do Imóvel, criada pela Lei 13.097/2015. O objetivo é reunir na matrícula do imóvel todos os eventuais riscos jurídicos a ele relativos, resultando em transparência e mitigação de riscos, principalmente para os compradores de imóveis e agentes financeiros do crédito imobiliário. Além desses ganhos, trará simplificação e celeridade para a concessão dos financiamentos habitacionais. Referida lei vem enfrentando resistência por parte de alguns poucos que tiveram interesses particulares feridos, mas é imprescindível que o Poder Judiciário garanta a aplicação da lei, tais os ganhos que dela advirão em termos de segurança das transações imobiliárias. Outro aspecto relevante em matéria de risco jurídico – e que se vem arrastando há muito, sem grande evolução –, diz respeito à imputação à instituição financeira que financiou o imóvel, inclusive nos casos que tenha financiado apenas a operação de compra e venda e não a produção do imóvel, a responsabilidade por eventuais vícios construtivos, quando a construtora não os repara. É patente que a instituição financeira não constrói nem vende as unidades habitacionais que financia, mas apenas e tão somente disponibiliza os recursos financeiros para viabilizar a transação imobiliária. Ainda são raras as decisões em que o Poder Judiciário imputa a responsabilidade de reparo dos vícios construtivos


ça social’ provoca, como efeito, a ‘socialização dos custos’, pois estes serão pagos pela coletividade. Enfim, os bons pagadores arcam com prejuízos causados por inadimplentes beneficiados com a dita ‘justiça social’. O bom senso recomenda que, desde que o contrato não contenha nenhuma cláusula ilegal, ele deva ‘fazer lei’ entre as partes – e a melhor forma de o Poder Judiciário ‘fazer justiça social’ é seguir o código binário dos sistemas jurídicos (lícito-ilícito).

à instituição financeira, mas este se tornou fator de encarecimento do crédito para os tomadores de crédito. Não se esqueça, ainda, da insegurança jurídica resultante do disposto no artigo 421 do Código Civil, quando os juízes associam a chamada ‘função social do contrato’ à ideia de que se deva fazer ‘justiça social’, gerando o risco adicional de politização do direito. Nessa trilha, tomando por base a tese da função social dos contratos, alguns juízes têm revisado contratos de acordo com seus conceitos subjetivos de ‘justiça social’, sob o argumento político de que é preciso proteger o fraco contra o forte que, no caso das operações de crédito imobiliário, é o mutuário. Para se ter ideia da dimensão dessa ‘politização do direito’, destaque-se o estudo de Armando Castelar Pinheiro mostrando que 73,1% dos magistrados afirmaram que “o juiz tem um papel social a cumprir e a busca da justiça social justifica decisões que violem os contratos”. Considerando ainda que o conceito de justiça social não é uma ‘ciência exata’ – ou seja, varia de pessoa para pessoa, “cada cabeça uma sentença”, no dito popular – imagine-se numa demanda sobre o direito à propriedade rural em que um juiz fosse o senador Ronaldo Caiado e o outro juiz fosse o senhor José Rainha, ex-líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A revisão dos contratos traz imensurável insegurança jurídica, criando instabilidade no ambiente econômico e elevando os custos de transação para todos que dependem do crédito imobiliário. O custo de se ingerir nos contratos para se fazer ‘justi-

O princípio da segurança jurídica é um dos pilares sobre os quais se assenta o estado de direito, sendo inquestionável que a insegurança jurídica tem custo elevado para os agentes econômicos, custo esse que é repassado para a sociedade, em geral, via preço ou, pior do que isso, via retração das atividades econômicas e consequente atraso para o País. A insegurança jurídica insere no ambiente de negócios um risco exógeno e imensurável, eleva os custos das transações e desestimula os investimentos e a aplicação do capital disponível. Nesse contexto, é essencial a previsibilidade do direito para que o mercado possa fluir e usufruir de toda a sua potencialidade, condição somente factível quando se torna possível fazer previsões minimamente seguras e objetivas e, portanto, seja viável precificar produtos e serviços apenas com os custos e riscos inerentes ao próprio negócio. Não se defende a eliminação de riscos – presentes em todo tipo de atividade econômica e operações comerciais – e imanente ao regime de mercado. Numa visão mais ampla, o economista norte-americano Frank Knight afirma que o mercado apresenta duas variáveis – risco e incerteza. No caso do risco, embora os resultados não sejam seguramente conhecidos, pode-se determinar a probabilidade de vários resultados potenciais, permitindo uma análise matemática do grau de risco. Neste caso, pode-se adotar medidas prévias para mitigá-los e, dessa forma, é minimamente possível, realisticamente, estimar os resultados esperados. Por sua vez, a incerteza advém de situações em que não se conhece a probabilidade de se obter os resultados desejados, significando que, nestes casos, não é possível, matematicamente, medir o grau de risco das alternativas de negócios. Numa verdadeira economia de mercado, investidores e empresários quase sempre decidem num ambiente REVISTA DO SFI

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de risco e incerteza e, assim, avaliam o potencial dos possíveis retornos, isto é, antes de decidir por determinada linha de ação, avaliam os possíveis resultados e comparam o retorno potencial frente às probabilidades, inclusive de perdas. Nesse contexto, a insegurança jurídica se insere nas operações de crédito imobiliário como variável de altíssimo peso para o custo e o funcionamento do negócio. Para que o sistema jurídico possa contribuir para o eficiente funcionamento do mercado, gerando um modelo ganha-ganha entre produtores e consumidores, como diz o advogado Marcelo Terra, cabe garantir, no tempo, a segurança jurídica, de forma que, em relação ao passado, haja “a certeza do tratamento jurídico dado a fatos já consumados, aos direitos adquiridos e a certeza da força da coisa julgada” e, para o futuro, o “sentimento de previsibilidade, quanto aos efeitos jurídicos decorrentes da atividade humana”. Justiça seja feita, nas operações de crédito imobiliário a insegurança jurídica não pode ser atribuída apenas à atuação do Poder Judiciário, embora este tenha nela grande participação. Além de um emaranhado de leis e normas que regulam o crédito imobiliário, o texto básico (a Lei 4.380/64) já tem mais de meio século. Não são raros os casos de falta de clareza e de transparência em muitos desses textos legais. Isso, sem contar que um decreto do início do Século 20, no caso o Decreto 22.626/33, ainda desponta como um dos maiores geradores de insegurança jurídica tanto para o mercado de crédito imobiliário como para os setores produtivo e financeiro. Muitas vezes o Poder Legislativo e, porque não dizer, os próprios atores do mercado de crédito imobiliário e do mercado imobiliário, ao permitirem a prevalência da ambiguidade, deixam aberta a porta para que o Judiciário tire as próprias conclusões. Ademais, para que o Poder Judiciário possa decidir com segurança, é imprescindível que os contratos de financiamento sejam elaborados corretamente, estejam em plena sintonia com a legislação que rege a operação e de acordo com o negócio que está sendo realizado. E, também, que o conteúdo das cláusulas contratuais seja passível de verificação, de entendimento e de aplicação. É essencial a percepção de que elaborar cláusulas de um

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contrato de crédito imobiliário não é tarefa para ‘amadores’, requerendo a participação de técnicos e advogados com expertise em crédito imobiliário. Na mesma linha, é importante avaliar os riscos e os ganhos de ações que visem ‘enxugar’ os contratos de crédito imobiliário, para que estes tenham o menor número de páginas possível, devendo-se ter o cuidado de não eliminar dados relevantes para a segurança jurídica e a transparência da operação. Portanto, entendemos ser de suma importância e urgência a constituição de um grupo de trabalho composto por experts em crédito imobiliário e em direito imobiliário, pelo setor da construção civil e por técnicos do Banco Central, preferencialmente sob a coordenação do Ministério da Fazenda, para (re)construir o arcabouço completo das operações de crédito imobiliário, eliminando o emaranhado e a dispersão hoje presentes, com foco na modernização e na atualização e, sobretudo, na transparência, para minimizar os conflitos entre credores e devedores e permitir que, quando esses conflitos ocorram, fique mais previsível o desfecho de uma demanda judicial. Nesse caso, quem tem razão terá quase 100% de certeza de êxito e quem não tem saberá que tem quase 100% de certeza que será perdedor. Seguramente, em operações de longo prazo, caso do crédito imobiliário, é impossível prever em leis, normas e contratos todas as possíveis ocorrências. Num mercado dinâmico, é natural que ocorram fatos imprevistos. Nestas situações, quando não é possível resolver as dúvidas administrativamente, as demandas desaguam na esfera judicial. Nessa hipótese, seria importante que, após a construção de um novo arcabouço jurídico, se mantivesse uma ‘inteligência permanente’ para ajustar o marco regulatório no tempo, abrigando no possível as demandas. Há uma minoria à qual não interessa a clareza de leis e normas, nem transparência nas relações entre credores e devedores: são os integrantes da ‘indústria de liminares’. Mas seguramente os ganhos para a sociedade mais do que justificam investir na mitigação da insegurança jurídica e na transparência das relações entre os diversos atores que interagem no mercado de crédito imobiliário e no mercado imobiliário.


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A INSEGURANÇA JURÍDICA

AMEÇA

A RETOMADA IMOBILIÁRIA 30

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CAPA

Questionamentos sobre instrumentos consolidados como alienação fiduciária e patrimônio de afetação geram incertezas sobre o desenvolvimento do crédito imobiliário

O

Marcos Garcia de Oliveira (*)

financiamento imobiliário é um compromisso que pode perdurar durante toda a vida útil de uma família, exigindo regras claras e estáveis, sem as quais os negócios imobiliários não fluem. Mas embora esse seja um fato óbvio, é frequentemente escamoteado e confrontado no Brasil. Como já ocorreu no passado, o mercado de imóveis volta a registrar, aqui e ali, sinais de que conquistas aparentemente consolidadas, como a alienação fiduciária e o patrimônio de afetação, podem ser solapadas. O resultado é insegurança jurídica, prejudicial a todos. E no rol dos problemas de insegurança desponta o dos distratos, que afeta o mercado imobiliário em decorrência de decisões judiciais que autorizam o rompimento unilateral de contratos de compra e venda de imóveis tidos e havidos como irretratáveis e irrevogáveis.

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As questões jurídicas sempre estiveram presentes nos contratos imobiliários. Nos anos 1980, por exemplo, o problema eram as hipotecas. Esse instrumento de garantia que em todo o mundo cumpre bem seu papel aqui entrou no rol dos vilões quando juros altos e recessão fizeram crescer a inadimplência e ameaçaram o modelo de crédito habitacional, cujos instrumentos de proteção eram fracos para a uma inflação de três dígitos e o desemprego crescente. Uma enxurrada de questionamentos sobre a retomada dos imóveis hipotecados chegou aos tribunais, sobrecarregando o Judiciário. A resposta do Judiciário à demanda dos mutuários inadimplentes – a multiplicação de decisões benevolentes com os devedores – provocou maus resultados. Só aparentemente tais decisões beneficiaram famílias de baixa renda em apuros, produzindo, na verdade, efeito oposto. Com menos garantias, o crédito imobiliário encolheu. E enquanto algumas famílias inadimplentes se beneficiaram com decisões pontuais que asseguraram sua permanência nos imóveis, milhões de brasileiros viam ficar mais distante o sonho da casa própria.

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UMA BOA SOLUÇÃO A alienação fiduciária, nascida em 1997 para solucionar o impasse e assegurar uma via extrajudicial para a recuperação do cré­dito, mostrou sua eficácia a partir de 2004, quando começou efetivamente a ser implementada. Fabrízio Ianelli, superintendente executivo de negócios imobiliários do Santander, lembra que o instrumento “trouxe mais segurança para as instituições investirem em financiamentos habitacionais; quem tinha recursos voltou suas baterias para esse mercado”. Associada à melhora macroeconômica, a alienação fiduciária permitiu multiplicar o número de imóveis construídos ou adquiridos com recursos do SBPE – de 54 mil unidades em 2004 para 538 mil em 2014, antes de a crise econômica voltar a afetar os negócios. A participação do crédito imobiliário no PIB passou, no período, de 1,3% para os 9,6% registrados em maio de 2017. Mas como lembra o presidente da Abecip, Gilberto Duarte de Abreu Filho, é nos momentos de crise que se começa a testar os instrumentos jurídicos. “Com as


DECISÕES DE PRIMEIRA INSTÂNCIA PODEM AMEAÇAR A SEGURANÇA JURÍDICA” Melhim Chalhub

dificuldades enfrentadas pelas famílias e pelas empresas, o mercado foi questionado e, apesar de ter passado relativamente bem pelo teste, começaram a aparecer as primeiras rachaduras no modelo, no patrimônio de afetação e na alienação fiduciária, com manifestações jurídicas distintas da natureza da lei”, explica. Para ele, a insegurança gerada por questionamentos legais acerca de instrumentos jurídicos já consolidados é uma ameaça a todo o modelo. “Da mesma maneira que esses dois pilares foram fundamentais para sustentar o crescimento observado na última década, sem eles o próximo ciclo de crescimento será comprometido. Sem confiança nas garantias, as instituições financeiras passam a dar menor valor a este tipo de crédito”, explica. Os problemas recentes com a alienação fiduciária começaram em 2014, recorda o consultor jurídico da Abecip, José Antonio Cetraro. Naquele ano o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisão de pri-

meira e segunda instâncias e autorizou um devedor a fazer o pagamento integral da dívida após o fim do contrato por não pagamento. “Era um caso simples, no qual a não purgação da mora já havia consolidado a propriedade em nome do fiduciário e extinguido a dívida, como determinam os artigos 26 a 30 da Lei 9.514/97, mas a juíza optou por uma interpretação própria e autorizou o devedor a usar um benefício válido para a hipoteca num contrato com alienação fiduciária, permitindo que ele pagasse a dívida após o fim do contrato”, lembra Cetraro. Além das implicações jurídicas dessa decisão peculiar, a nova interpretação do STF estabeleceu nova orientação para as instâncias inferiores. “Começaram a chover solicitações desse tipo nos tribunais de justiça e houve muitas sentenças semelhantes”, diz o consultor jurídico da Abecip, para quem isso provocou a judicialização de uma questão que era extrajudicial. Em resumo, “um caminho ruim, pois estimula quem tem dificuldades para pagar a recorrer a um expediente e ganhar tempo para quitar a dívida”. Um segundo instrumento, criado em 2004 para fortalecer as operações imobiliárias – o patrimônio de afetação –, começou a mostrar problemas na crise recente enfrentada por incorporadoras. As dificuldades não se originaram na legislação, que criou garantia adequada para compradores de imóveis na planta, evitando a repetição dos ônus decorrentes da quebra da incorporadora Encol, nos anos 90, mas de sua aplicação prática. Em apuros com a liquidez, a incorporadora Viver recorreu à recuperação judicial como boia de salvação. Os advogados da empresa tentaram na Justiça nivelar todas as operações, desconsiderando que a lei dá tratamento preferencial aos credores do empreendimento protegido pelo patrimônio de afetação. O primeiro teste, disse Cetraro, “foi superado positivamente”. O juiz de primeira instância respeitou a garantia, “mas houve recurso e preocupação” com o risco de enfraquecimento do instrumento”. No início de julho, o processo de recuperação judicial da incorporadora PDG era outra fonte de preocupação. Em sua proposta, a incorporadora optou por segregar os seus emREVISTA DO SFI

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preendimentos com patrimônio de afetação em planos de recuperação individuais. Em caso de déficit nesses planos, o passivo restante seria renegociado conforme o tratamento do plano principal apenas quando toda receita gerada fosse obtida e os compromissos, honrados. A proposta gerou uma divisão entre os credores. De um lado, houve bancos que concordaram com a ideia. Outros consideraram que nem mesmo as sociedades de propósitos específicos (SPEs) podem ir à recuperação pela via judicial. A própria PDG mostrava-se, no início de julho, aberta a propostas conciliadoras e as instituições financeiras negociavam uma posição unânime sobre o tema. O presidente da Abecip, Gilberto Duarte, trata o patrimônio de afetação como instrumento muito importante para o comprador do imóvel. Mas embora nem sempre os bancos exijam o patrimônio de afetação ao contratar um financiamento, um eventual enfraquecimento dessa garantia deve ser visto com preocupação pelas instituições financeiras. “Seria uma rachadura no modelo, que poderia se propagar e virar uma nova regra do mercado, criando uma instabilidade, cuja conta seria paga por toda a sociedade, com empréstimos mais caros, menos negócios, menos empregos e assim por diante”, reflete.

MODERNIZAR A LEI DE INCORPORAÇÕES

visto com caráter geral pelas regras básicas da recuperação judicial”. Para o diretor do Bradesco, a sociedade precisa ser melhor esclarecida sobre a “função social do contrato”. Isso não significa dar simplesmente a razão ao devedor, “mas enxergar a importância econômica e social do crédito em massa e respeitar os contratos pela utilidade que têm para o conjunto da sociedade, pois o crédito facilita o acesso de grande número de pessoas à sua moradia, aquisição de bens, etc.”.

ÁRVORE E FLORESTA Historicamente, em horas de crise econômica, o Judiciário brasileiro reage de forma paternalista, buscando fazer justiça social e redistributiva caso a caso. É como vê um dos maiores especialistas em Direito Imobiliário do País, o advogado Marcelo Terra, sócio do escritório Duarte Garcia Caselli Guimarães Terra Advogados e ativo participante do SecoviSP. Terra diz sobre o Judiciário: “Esquece de ver a floresta para enxergar somente a árvore”. Ao avaliar só as consequências da ruptura de determinada relação contratual, os juízes parecem deixar de ponderar sobre seus reflexos em todas as relações jurídicas conexas e inter-relacionadas. Daí a extrema importância, avança, da visão panorâmica, envolvendo o complexo das relações contratuais e econômicas antecedentes e sucessivas. “A proteção de uma determinada

João Carlos Gomes da Silva, da Diretoria Executiva do Bradesco, concorda. A Lei de Incorporação Imobiliária de 1964 precisa ser modernizada, diz ele, avançando: “Isso virá com a efetiva aplicação dos princípios do patrimônio de afetação como padrão mínimo e obrigatório para empreendimentos destinados à venda, tendo em vista que esse instrumento complementa a segurança da Lei de Incorporação, ao priorizar o coletivo de adquirentes das unidades incorporadas frente aos interesses individuais”. Mais do que isso, a Lei de Recuperação Judicial precisa ser atualizada, diz Silva. As operações de crédito destinadas à produção de moradias são diferentes das relativas a atividades puramente industriais e é necessário garantir a continuidade do fluxo de caixa, para que a empresa possa concluir o empreendimento e repassar as unidades aos compradores. Por isso, não considera “aplicável de maneira automática o pre-

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Everaldo Cambler


situação, ao largo da lei, afeta a segurança jurídica, essencial para o correto planejamento e para o desejado desenvolvimento sustentado”, afirma Terra. Para quem cabe enfrentar essa visão paternalista “com o esforço necessário para demonstrar ao julgador da importância macroeconômica de seu julgamento, sem medo de uma exposição que possa ser considerada como politicamente incorreta”.

ATIVISMO JUDICIÁRIO Outro especialista em Direito Imobiliário, Everaldo Cambler, sócio do escritório Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica, tem igual entendimento. “Perseguindo um caminho que conduziu ao descrédito da garantia hipotecária, diversas decisões judiciais, partícipes do hoje denominado ‘ativismo judiciário’, têm afastado a alienação fiduciária de seu regramento estabelecido em lei, ameaçando a qualidade da garantia”, enfatiza. É esse um dos desafios que o futuro do mercado apresenta. Decisões desse tipo não podem prevalecer no sistema jurídico, “sob pena de afrontarmos o princípio constitucional da segurança jurídica”. Desafio igualmente vital para a estabilidade do sistema jurídico, segundo Cambler, é a preservação dos leilões extrajudiciais, previstos no Decreto-Lei 70/66, na Lei 9.514/97 e em outros microssistemas legais, mas objeto de questionamento sob alegação de inconstitucionalidade. “O tema há muito deixou de ser polêmico, pois a constitucionalida-

de dos leilões extrajudiciais já foi sobejamente reconhecida pela doutrina e jurisprudência”, recorda. Mas votos recentes no Supremo Tribunal Federal (STF) ameaçam esse recurso eficiente para a resolução rápida de inadimplementos. “São evidentes as graves consequências que uma eventual decisão pela inconstitucionalidade dos leilões extrajudiciais trará para o mercado imobiliário e, principalmente, para a sociedade brasileira”, completa.

O PAI DA MATÉRIA Autor tanto do anteprojeto de lei do sistema de garantias fiduciárias instituído pela Lei 9.514/97 como do anteprojeto de constituição de patrimônios de afetação, o jurista Melhim Namem Chalhub é um analista privilegiado dos problemas, espécie de ‘pai da matéria’ da fidúcia e da segurança jurídica no âmbito imobiliário. E teme “decisões de primeira instância e de tribunais regionais e estaduais que, embora isoladas, ameacem a segurança jurídica” do crédito imobiliário. Melhim admite a necessidade de aperfeiçoar as normas referentes à alienação fiduciária e ao patrimônio de afetação. No caso da alienação fiduciária, por exemplo, “as normas precisam ser adequadas a procedimentos instituídos pelo novo Código de Processo Civil, sancionado em 2015, e em face de entendimentos que vêm sendo firmados pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”. Quanto ao patrimônio de afetação, deveria ser obrigatoriamente incluído nos contraREVISTA DO SFI

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tos. “A meu ver, é elemento natural do contrato de incorporação imobiliária e, portanto, deve ser aplicado a toda e qualquer incorporação”, diz. Na prática, “a crise do setor, com vários pedidos de recuperação judicial de empresas incorporadoras, vem demonstrando o risco a que ficam expostos os adquirentes, caso os diversos empreendimentos de uma mesma empresa não sejam segregados em patrimônios de afetação”. Mas, embora não tenha prosperado a ideia de consolidar na holding todos os patrimônios de afetação, o jurista lembra que o governo vem trabalhando para afastar a insegurança jurídica daí resultante. Um grupo de trabalho foi criado no Ministério da Fazenda para analisar um conjunto de alterações na Lei de Recuperação Judicial e Falência. Entre as ideias em avaliação está a da inclusão de dispositivo explicitando que as incorporações integrantes de patrimônios de afetação prosseguirão sua atividade com autonomia, imunes aos efeitos da recuperação, “e que seu resultado só será incorporado ao patrimônio da incorporadora em recuperação depois de entregues os imóveis aos adquirentes, com construção averbada no Registro de Imóveis e liquidado o financiamento da construção, se houver”.

A VISÃO DOS CONSTRUTORES Henrique Borenstein, fundador e presidente do Conselho da Helbor Empreendimentos, também se preocupa. “É inevitável que decisões judiciais que enfraqueçam o patrimônio de afetação tragam insegurança jurídica para os agentes financeiros e para os consumidores. Isso atinge o mercado de uma forma

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sistêmica”. Para Borenstein, que antes de constituir a Helbor atuou no Banco de Crédito Nacional (BCN), com o banqueiro Pedro Conde, a consequência “lógica e imediata” dessa insegurança é a elevação da taxa de juros e o aumento de custos para o incorporador. E, num segundo momento, também para o comprador. “O mesmo ocorre quando nos deparamos com decisões judiciais, inclusive de segunda instância, que determinam a rescisão de uma alienação fiduciária”, diz ele. “Em minha visão, precisamos torcer para que as recuperações judiciais em andamento respeitem a segregação patrimonial proporcionada pela afetação”. Mas a questão da obrigatoriedade do patrimônio de afetação é polêmica, pois traz custos e limitações para as operações. Embora conte com adeptos até mesmo entre os incorporadores, caso de Emilio Fugazza, diretor financeiro e de relacionamento com investidores da EZTec, tanto o presidente da Abecip, Gilberto Duarte, como o CEO da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), Luiz Antonio França, veem com reservas essa possibilidade. Para eles, é mais importante que a sociedade seja esclarecida sobre a importância desse instrumento, deixando-se a sua adoção a critério dos envolvidos em cada negócio. “Se os compradores passarem a exigir que os empreendimentos tenham patrimônio afetado, ele se tornará obrigatório”, diz França. Mas a insegurança jurídica também preocupa o gestor da Abrainc. Ele cita a questão dos distratos, que afeta diretamente o seu segmento do mercado. “O tratamento que o distrato recebe hoje no Judiciário brasileiro não tem paralelo no mundo”, observa França, lembrando que o problema não atinge só as incorporadoras. “O maior problema fica com quem paga em dia e permanece no contrato, pois corre o risco de não receber o imóvel, se os distratos inviabilizarem o empreendimento”. Dessa forma, embora possam existir diferenças nas receitas para enfrentar o problema, o diagnóstico é unânime no setor: é essencial para o próximo ciclo de desenvolvimento do mercado que se crie um ambiente de segurança jurídica. Sem isso, alerta Borenstein, “todos perdem – os bancos, as incorporadoras e, especialmente, os compradores”. (*) Marcos Garcia de Oliveira é jornalista


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DIREITO IMOBILIÁRIO

LEI MUDA PARA

ASSEGURAR CONFIABILIDADE À ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA O instituto da alienação fiduciária completa 20 anos

P

Por José Cetraro (*)

erto de completar 20 anos de vigência, a Lei 9.514/97 foi objeto de alterações importantes no tocante à alienação fiduciária de bem imóvel, em dispositivos incluídos no Projeto de Conversão PL 012/2017 – em tramitação no Congresso Nacional. Operou-se, assim, a substituição da hipoteca como garantia real até então predominante, porém alvo de posicionamento do Judiciário em relação ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH) que resultou em perda significativa de sua efetividade, em especial a partir da edição da Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) , além da natural morosidade da prestação jurisdicional como fator que concorre negativamente na recuperação dos créditos comprometidos pela inadimplência. Atualmente, a quase totalidade dos financiamentos imobiliários é garantida pela alienação fiduciária de bem imóvel Ao longo desses quase vinte anos essa modalidade de garantia sofreu questionamentos no Judiciário, muitos deles motivados pelo fato de se tratar de um procedimento extrajudicial, tal como ocorreu com o Decreto Lei nº 70/66 específico às hipotecas, invocando sua inconstitucionalidade por resultar em expropriação de bem “sem o devido processo legal”, no entendimento dos autores desses questionamentos.

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Assim como o próprio Decreto Lei nº 70/66, a alienação fiduciária tem regularmente superado essa questão, tendo sido sistematicamente reconhecida no Judiciário a sua constitucionalidade. Todavia, outras questões suscitadas têm como pretensão aplicar disposições específicas da execução extrajudicial de hipotecas do citado Decreto-lei no procedimento de execução da alienação fiduciária, apesar da absoluta incompatibilidade jurídica desses dois institutos jurídicos. O mais significativo resultou de uma decisão da Terceira Turma do STJ, proferida em 3 de junho de 2014 , posteriormente seguida por outras, que admitiu a purgação da mora pelo devedor até a arrematação do imóvel apesar de já consolidada a propriedade do imóvel em nome do credor. Releva considerar que o ato de consolidação da propriedade tem dois efeitos básicos, não apenas confere ao credor fiduciário a propriedade plena do imóvel, como extingue as obrigações de pagamento que competiam ao fiduciante, derivadas do contrato de financiamento, em razão da ocorrência da condição resolutiva representada pelo inadimplemento do devedor.Essas decisões repercutiram nos Tribunais inferiores com maior impacto em São Paulo, em razão da concentração de financiamentos garantidos por alienação fiduciária nesse Estado. Ainda que as decisões em São Paulo proclamam estar alinhadas com a orientação do STJ, fato é que o Tribunal Superior admitiu a excepcionalidade do pagamento total da dívida, após ter sido consolidada a propriedade do imóvel em nome do credor fiduciário, enquanto as decisões paulistas admitem apenas o pagamento das prestações vencidas, comprometendo um determinado procedimento extrajudicial iniciado, que, assim, poderia ser em tese repetido em situações futuras. Obviamente mediante novos procedimentos judiciais, resultando em um estímulo à judicialização para os inadimplentes. No Legislativo tramita o Projeto de Lei nº 6.525/2015 que propôs reformas na Lei nº 9.514/97 relativamente à alienação fiduciária e que é objeto de projeto substitutivo apresentado pelo Relator. A proposta inicial do Projeto foi limitar a exoneração da dívida, caso o imóvel não seja suficiente para quitá-la, apenas para os financiamentos habitacionais. Para as demais operações de crédito garantidas por alienação fiduciária, seria mantida a responsabilidade do devedor fiduciante pela dívida remanescente. A essa proposição foram acrescidas outras alterações do texto da Lei nº 9.514 consubstanciadas no referido projeto substitutivo. Parte dessas propostas de alteração foi incorporada no citado projeto de conversão nº 12/2017, não tendo sido incluída a mencionada limitação da exoneração da dívida. Considerando que essa concessão legal se identifica com o caráter assistencial dos financiamentos destinados à aquisição de moradia, justifi-

ca-se sua manutenção. Principalmente se considerado o fato de a alienação fiduciária ser a garantia absoluta nessa modalidade de financiamento, incluindo aqueles destinados às camadas sociais de menor poder aquisitivo, como é o caso do Financiamento de Arrendamento Residencial (FAR) e o Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). Todavia, a retirada desse benefício para as demais operações de crédito garantidas por alienação fiduciária de bem imóvel seria justificada pela natureza de tais empréstimos, muitas vezes objeto de transações complexas e de elevado valor, ou de natureza empresarial envolvendo instituições que atuam com fins lucrativos, que não guardam nenhuma identidade com financiamentos de cunho social. A propósito, o art. 1.366 do Código Civil , ao disciplinar como lei geral o instituto da alienação fiduciária, assegurou o direito do credor fiduciário ao saldo remanescente da dívida, quando o imóvel não bastar para quitá-la. Sem prejuízo dessa questão, as alterações constantes do texto ora em tramitação legislativa destinam-se a corrigir distorções na aplicação prática da Lei nº 9.514, reveladas ao longo desse período de vigência, ou a dotar o procedimento extrajudicial de mecanismos existentes nos processo judicial. A alteração no art. 24, mediante a inclusão de parágrafo único, destina-se a estabelecer um parâmetro mínimo para o valor do imóvel no segundo leilão, em relação ao valor da dívida, como estabelece a redação vigente. Visa a afastar a possibilidade de que o valor da dívida seja incompatível com o valor do imóvel, seja por eventual valorização imobiliária, como pelo valor reduzido da dívida apurada para a data do segundo leilão. Assim, a proposta estabelece como valor mínimo aquele que o poder municipal utilizou como base de cálculo da incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) por ocasião da consolidação da propriedade em favor do credor que, pela cronologia do procedimento, é relativamente próximo à realização do referido leilão. Trata-se de valor que presumivelmente atende à expectativa natural de arrecadação do fisco e não mantém vínculo com o valor contratualmente eleito pelas partes para o primeiro leilão, evitando assim discrepâncias em eventual arrematação por terceiros em prejuízo do direito do devedor de receber o valor diferencial que exceder ao da dívida. A proposta de acrescer ao art. 26 os parágrafos 3-A e 3-B é mecanismo previsto e há muito tempo praticado nos processos judiciais, quando ocorre suspeita de ocultação do devedor quando das diligências para sua notificação pelo Oficial. O procedimento extrajudicial é rápido, mas seu início depende de o devedor ser notificado para eventualmente exercer o direito de efetuar o pagamento das prestações vencidas. O propósito do devedor de dificultar a sua localização para a entrega pessoal dessa notificação, face à alteração proposta, resulta frustrado

O CREDOR FIDUCIÁRIO TEM DIREITO AO SALDO REMANESCENTE DA DÍVIDA

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diante da possibilidade de o Oficial formalizar a entrega da correspondência que serve como notificação à pessoa ligada ao devedor ou mesmo ao funcionário encarregado da entrega de correspondência em condomínios edilícios, em que a regra é controlar o acesso daqueles que não sejam moradores. A inclusão do art. 26-A confere maior prazo para a purgação da mora aos devedores por financiamentos habitacionais que, como já anotado, são merecedores de benefícios legais que lhes assegure preservar a moradia adquirida. O prazo geral de 15 dias torna-se exíguo para os mutuários de financiamentos de cunho social, em regra desassistidos e com dificuldades logísticas, seja para se dirigirem ao Oficial que os notificou ou à instituição financeira quando pretendem uma composição que regularize o débito. Por sua vez, o acréscimo dos parágrafos 2-A e 2-B ao art. 27 com incidência geral estabelecem o direito de preferência do fiduciante de readquirir o imóvel até a data do segundo leilão por preço equivalente ao da dívida e acréscimos incorridos, devendo para tanto ser comunicado da realização dos leilões, seja para tomar conhecimento de seu resultado, como para eventualmente exercer o direito de reaquisição que lhe foi assegurado. O disposto no parágrafo único a ser acrescido ao art. 30 foi concebido para conferir maior segurança jurídica aos negócios que envolvem o imóvel que foi objeto do procedimento extrajudicial da alienação fiduciária por inadimplemento do devedor. Seja quando esse imóvel é objeto de arrematação por terceiros ou quando é recolocado no mercado imobiliário por quem teve a propriedade consolidada em seu favor. O texto legal proposto estabelece que eventuais demandas ajuizadas em razão do procedimento extrajudicial sejam resolvidas em perdas e danos. Vale dizer, uma solução financeira que não afete os negócios jurídicos posteriores que poderão envolver terceiros que procederam com boa fé, inclusive em busca da moradia familiar. Exatamente para corrigir uma distorção que paradoxalmente tem sido um fator de estímulo à judicialização do procedimento extrajudicial, a nova redação proposta para o art. 37-A desloca o início da incidência da taxa de ocupação do imóvel pelo devedor da data da eventual arrematação do imóvel para a data que se segue à consolidação da propriedade pelo fiduciário. Como ressaltado, dentre os efeitos legais da consolidação da propriedade está a extinção das obrigações de pagamento derivadas do contrato de financiamento. Por outro lado, a propriedade plena do imóvel impõe ao fiduciário a responsabilidade pelo pagamento dos encargos fiscais e condominiais incidentes. Logo, a posse do imóvel pelo fiduciante passa a ser ilegítima e sem a penalização financeira que a taxa de ocupação estabelece, que pela redação atual só teria início após a arrematação do imóvel em leilão. Logo, é evidente o interesse do devedor que não procede de boa fé em obter uma eventual medida judicial que suspenda a realização dos leilões e que o mantenha

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na posse do imóvel sem desembolso relativamente à taxa de ocupação, tampouco pelos encargos fiscais e condominiais. A alteração de redação do art. 39 tem a ver com a extravagante interpretação pelo Judiciário, antes mencionada, de aplicar no procedimento extrajudicial da alienação fiduciária alguns dispositivos relativos à execução extrajudicial da hipoteca. Sabemos que uma das regras fundamentais que orientam a interpretação de dispositivos legais específicos é aquela que deva ser sistemática e não literal. Vale dizer, um determinado dispositivo deve ser interpretado em relação aos demais que integram uma norma legal. Assim, considerando que a Lei nº 9.517 criou o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e a alienação fiduciária de bem imóvel, o referido art. 39 tem clara pertinência com o Sistema então criado na medida em que em seus incisos I e II veda a aplicação de normas reguladoras do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e assegura a aplicação dos dispositivos relativos à execução extrajudicial de hipotecas. Extrai-se do contexto da Lei nº 9.514 que a alienação fiduciária não é garantia exclusiva do SFI (art. 22, § 1º ) que, assim, poderia ter seus contratos garantidos por hipoteca. Por sua vez, como o Decreto Lei nº 70/66 limitou a execução extrajudicial às hipotecas como garantia de contratos do SFH, a nova lei estendeu esse procedimento às hipotecas contratadas através das operações do SFI. A nova redação proposta para o referido art. 39, ainda que óbvia, destina-se à aclarar sua vinculação com os contratos compreendidos no SFI, quando garantidos por hipoteca. Em resumo, as alterações propostas são meros ajustes que se fizeram necessários a partir da aplicação da norma em situações concretas, seja para suprirem lacunas, como para corrigir distorções, visando a conferir plena segurança jurídica e, assim, efetividade ao instituto da alienação fiduciária de bem imóvel no momento crítico de realização da garantia e recuperação do crédito. (*) José Cetraro, advogado e especialista em crédito imobiliário

NOTAS Súmula nº 308: Enunciado: A hipoteca firmada entre a cons­ trutora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os ad­ quirentes do imóvel.

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RESP nº 1.433.031/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, data do julga­ mento: 03.06.2014 “Art. 1.366. Quando, vendida a coisa, o produto não bastar para o pagamento da dívida e das despesas de cobrança, continuará o devedor obrigado pelo restante.” Art. 22 § 1º A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que o­peram no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena.”


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JUROS

O

Por Fabio Pahim Jr. *

Banco Central lidera o combate à inflação via política monetária, enquanto o Ministério da Fazenda lança medidas de longo prazo para reorganizar as contas fiscais e favorecer a queda sustentável da taxa básica de juro. O último lance de grande repercussão da ofensiva anti-inflacionária foi a redução da meta de inflação de 4,5% ao ano, hoje, para 4,25% ao ano, em 2019, e 4% ao ano, em 2020. As políticas contra a inflação são consequentes, para conduzir a Selic a um patamar entre 7% e 8% ao ano ainda neste ano, com efeitos marcantes sobre a retomada do ritmo de atividade econômica no segundo semestre de 2017, o mais tardar em 2018. Se a política deixar, é para onde aponta o cenário mais promissor – e, pelo menos no final do primeiro semestre, “a política se tornou mais importante que a economia”, alertou o ex-presidente do Banco Central (BC), Armínio Fraga, no programa Canal Livre da TV Bandeirantes, dia 25/6. O recuo acentuado do juro dá alento à economia e ao crédito em geral e em particular ao crédito imobiliário. A disputa dos bons clientes está acirrada – a Caixa Econômica Federal (CEF) anunciou em junho juros diferenciados, conforme o perfil do tomador, privilegiando os de melhor score. Os bancos privados seguem na mesma direção, mas os benefícios da queda do juro vão mais longe. A retomada em curso tem como alicerces juros e inflação cadentes, produção agrícola e exportações crescentes e sinais tímidos de reação das contas públicas. Em

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O RITMO CERTO DA QUEDA DO JURO

Taxa básica de um dígito ao ano atrai tomadores e influi nas decisões de investimento imobiliário

junho, a recuperação chegava lentamente à produção industrial, ao comércio e às atividades de serviços, ou seja, à maior parte do Produto Interno Bruto (PIB). O ambiente foi mais promissor até meados de maio, perdendo brilho com as incertezas criadas pelas delações da JBS. Mas, ainda mais do que a retomada oscilante, o juro menor dá alento à economia e empurra para cima o ânimo de consumidores, empresas, analistas e até dos meios de comunicação. E ajuda alguns mercados. Para o mercado imobiliário, a queda do juro é vital para empresas, mutuários finais e para a longa cadeia da construção civil. Esgotada a era em que o capital rendia cerca de 1% ao mês sem dificuldades, os aplicadores avaliam os mercados de risco. Os mais ágeis já ensaiavam aplicações mais pesadas, quando a crise recrudesceu com a divulgação das delações para pressionar a Presidência da República.

EFEITOS IMEDIATOS O juro em queda produz efeitos imediatos – e positivos. Reduz o custo do Tesouro Nacional de carregar a dívida pública, torna mais lento o crescimento do endividamento do governo e mais fácil o corte de subsídios e incentivos, como nos empréstimos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ganham empresas sem capital e sem acesso ao crédito barato. Quando a queda do juro chegar às famílias, o consumo poderá ter forte alento. Juro menor, ademais, dá corpo à batalha contra o pessimismo. CONTRA O PESSIMISMO O desafio de vencer o pessimismo foi ajudado nos primeiros 12 meses do governo Temer pela aprovação de projetos de lei relevantes para a modernização da economia, como a limitação dos gastos públicos nos próximos 10 anos, o refinanciamento de dívidas dos Estados e as normas sobre a REVISTA DO SFI

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A PRUDÊNCIA DAS AUTORIDADES É UM ELEMENTO CHAVE NA RECUPERAÇÃO DA CONFIANÇA, MAS ESTA NÃO PODE DEPENDER DISSO, MAS DE REFORMAS ESTRUTURAIS

terceirização. A arcaica legislação trabalhista parecia pronta para ser revista no Congresso e seguia a discussão sobre a reforma da Previdência. Ao mesmo tempo, houve avanços nas regras de concessão de energia, portos, estradas, ferrovias. Alguns leilões tiveram êxito e atraíram empresas estrangeiras. Com deságios altos, serão menores as tarifas. O juro mais baixo também ajudará a atrair investidores internos e externos. Evidência da melhora do humor econômico foi a diminuição do custo Brasil avaliado pelo CDS (credit default swaps, medida de risco dos papéis brasileiros em relação aos títulos do Tesouro dos Estados Unidos de igual maturidade). O CDS caiu da casa dos 500 pontos no início de 2016 para menos de 200 pontos em maio, antes de voltar a subir os 230/240 pontos com a percepção de aumento do risco político. Mas a guerra contra pessimismo, recessão e juros altos não se vence num golpe. Há que seguir o bom caminho – e é visível o esforço para percorrê-lo em ritmo mais rápido do que o imaginado até 2016. No segundo trimestre de 2017, o espaço para o juro básico de um dígito cresceu com apoios generalizados. A queda do juro foi antecipada por economistas do calibre de Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central e hoje consultor. “Juros reais mais baixos estimulam a recuperação, induzindo um aumento na geração de caixa, e um quadro de endividamento elevado com alta proporção da dívida em dólares e apreciação do real leva à queda das despesas financeiras, invertendo o ‘efeito balanço”, escreveu Pastore em artigo no jornal O Estado de S.Paulo de 18/4. O Copom segue roteiro previsível. A Selic saiu de 13% ao ano em dezembro de 2016

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para 12,25% ao ano em fevereiro, cedeu para 11,25% ao ano em 12/4, 10,25% ao ano em 28/5 e 9,25% ao ano em 25/7. Entre janeiro e julho de 2017, foram 3,75 pontos porcentuais menos – e a queda vai prosseguir. Não, talvez, com o ritmo que se chegou a imaginar antes das delações de maio, mas numa cadência satisfatória. O juro básico de 2017 já está longe dos 14,25% ao ano vigente entre julho de 2015 e outubro de 2016. A Selic caiu na esteira da queda da inflação oficial de 10,67% em 2015 para 6,28% em 2016 e 3,60% em 12 meses em maio, quando o IPCA foi de 0,31% e por sua vez antecipado pelo IGPM em deflação de 1,8% em 2017, até 10 de junho, e de 0,63% em 12 meses, até 10/6. No IPCA-15 de junho a taxa mensal foi de 0,16% e em 12 meses de 3,52%. A pesquisa Focus do Banco Central aponta para uma inflação anual inferior a 4% em 2017. “Agora sim os juros podem e estão caindo”, já escrevia bem antes da divulgação dos últimos indicadores o ex-presidente do BC Armínio Fraga em artigo no jornal O Globo de 10/2. A prudência das autoridades é um elemento a mais na recuperação da confiança. Mas não depende só dela. Sem reforma (que por sua vez depende do Congresso), os juros vão “subir fortemente”, temia o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ao falar no seminário “Os Caminhos da Reforma da Previdência”, promovido pelo jornal Valor Econômico em 17/4. “A grande conclusão é que a reforma (da Previdência) não é uma questão de preferência, de opinião. É uma necessidade matemática e fiscal”, enfatizou. É possível que na reunião do Copom de 12/4 o corte do juro básico tivesse sido maior, se a reforma da Previdência já fosse lei. Como afirmou o economista da


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A TAREFA CENTRAL DO GOVERNO É RECUPERAR O EQUILÍBRIO MACROECONÔMICO, DESTRUÍDO POR MAIS DE UMA DÉCADA DE POLÍTICAS EQUIVOCADAS


PUC-Rio José Marcio Camargo ao repórter Douglas Gravas, de O Estado de S.Paulo, “acho que existe hoje espaço para fazer um corte um pouco mais rápido”. Só as incertezas explicam o comportamento mais “conservador” do BC. Em artigo dia 17/4, o ex-diretor de Política Monetária do BC Luís Eduardo Assis notou que a rejeição ou “mutilação” da reforma da Previdência terá impacto negativo sobre o risco Brasil e a consequência provável – mais inflação – “pode levar o Banco Central a elevar novamente as taxas de juros, abortando nossa flácida retomada”. Novamente em maio se previu que o juro básico poderia cair 1,25 ponto porcentual na reunião do Copom, chegando a 10% ao ano. Mas as incertezas reduziram a queda a ponto porcentual. PREVIDÊNCIA E JUROS Andam juntas a reforma da Previdência (com seu potencial de promover o reequilíbrio das contas públicas) e a redução sustentável do juro básico. Entrevistados por Alexa Salomão, do Estado de S.Paulo, Armínio Fraga, Marcos Lisboa e José Roberto Mendonça de Barros deram opiniões que não dão margem a dúvidas. “Sem essa reforma (da Previdência), e uma boa reforma, o plano de ajuste a longo prazo não fecha”, disse Fraga, ex-presidente do BC. “Seria gravíssimo”. Para o presidente do Insper, Marcos Lisboa, “há um ano tínhamos cenário de insolvência e de inflação elevada: de um ano para cá a coisa

melhorou porque o Brasil aceitou discutir uma agenda de reformas e, sem a reforma da Previdência, voltamos àquela realidade lá de trás”. O sócio da MB Consultores, José Roberto, lembra que as resistências à reforma da Previdência eram esperadas e o mais provável é que a aprovação só ocorra no segundo semestre de 2017. Parecem coisas velhas, tal a velocidade imposta ao País pela crise política, mas é provável que as reformas sejam retomadas mais depressa do que se poderia supor, como ocorreu com o juro. Com a ressalva de que é preciso maioria parlamentar para votar as reformas, haja ou não obstáculos. De fato, por trás das batalhas da Previdência, da reforma trabalhista e do ajuste fiscal do Estado está o embate maior – de políticas populistas, com ênfase numa economia hipoteticamente “controlada”, versus políticas pró-mercado, com liberdade e equidade. O juro é influenciado pela percepção dos agentes econômicos quanto aos riscos políticos. Em artigo no jornal Valor Econômico, Roberto Castello Branco, ex-diretor da Vale e hoje na FGV, separou as políticas pró-negócios da era petista – políticas que “usam a intervenção do Estado para favorecer alguns eleitos discricionariamente” – das políticas pró-mercado (do governo Temer) que “não envolvem favoritismo a setores e/ ou empresas e proporcionam crescimento econômico sustentável e mobilidade social e econômica, com redução da desigualdade REVISTA DO SFI

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e pobreza”. Parece exagero, mas ainda há quem tema o risco de o BC derrubar demais o juro, abrindo espaço para pressões inflacionárias, se a queda das taxas não vier acompanhada de medidas fortes nas contas públicas. Mas a deflação do IGPM e a queda vigorosa do IPCA ajudam a sepultar o medo. O BOM INSTRUMENTO Para o governo, o juro é instrumento, não objeto de crença. A questão chave é a recuperação do emprego, que vem dando leves sinais positivos com os dados do Ministério do Trabalho (Caged). O desemprego medido pela PNAD Contínua é da ordem de 14 milhões de pessoas e cede aos poucos, mas a evolução favorável é lenta. A guerra contra o pessimismo depende da oferta de emprego. Nem os bancos, tidos e havidos como defensores de políticas de juro elevado, criticam a derrubada da taxa básica. Treze meses após assumir a presidência do Banco Central, Ilan Goldfajn (ver entrevista à pág. 12) mostrou como uma política correta de juros dá suporte à missão de levar os índices de preços a níveis próximos aos do centro da meta de inflação. A queda radical da Selic é peça central da retomada da atividade, mas, antes mesmo que esta seja fato incontestável, cabe entender que ela é apenas uma parte, conquanto a mais vistosa, de uma política econômica realística e bem concebida. É da economia real que se está falando – e a queda do juro vai ajudar muito a economia real a se firmar, a menos que a evolução política solape os alicerces econômicos em reconstrução. (*) Fabio Pahim Jr. é jornalista e editor da revista do SFI

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COLUNISTA

JOSÉ PASCHOAL ROSSETTI Professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral

CONSTRUÇÃO RESIDENCIAL

E SUA IMPORTÂNCIA PARA O CRESCIMENTO O que os indicadores convencionais revelam é que o papel da construção civil para a economia é enorme e determinante da FBCF

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onsultas aos indicadores convencionais das Contas Nacionais não revelam, em todas as duas dimensões, a real importância da construção civil na geração do Produto Interno Bruto (PIB), na sustentação dos níveis de emprego e nos seus efeitos multiplicadores nas cadeias de suprimentos intermediárias e finais da economia. Listamos o que os indicadores dos últimos 25 anos revelam sobre a relevância da construção civil como um todo (residencial, comercial, industrial e de obras de infraestrutura) na economia brasileira:

situou-se entre 7,01% e 9,03% em relação ao total do pessoal ocupado (2000- 2014). Em termos absolutos, estes dados indicam um número de 9,5 milhões – o que significa 9,5 milhões de empregos diretos em um contingente de 105 milhões de pessoas ativas, incluindo empregados, empregadores e autônomos por conta própria.

• A participação da indústria da construção civil e das atividades imobiliárias em relação ao total do valor adicionado bruto da economia (equivalente ao conceito de PIB) variou entre 12,8 e 19,2% (2000-2016), estabilizando-se em torno de 15% no último quinquênio (2012-2016). • A participação dos vários segmentos da construção civil na formação bruta de capital fixo (investimentos brutos) variou entre 36,3% e 47,3% (2000-2016), estabilizando-se em 41% no último quinquênio (2012-2016).

Os dados sugerem que o valor adicionado per capita nestes setores da economia brasileira é inferior ao de outros setores, pela distância, que não é pequena, entre os dois indicadores de participação no PIB e no contingente economicamente ocupado. Ambos, porém – e principalmente o segundo –, minimizam a importância relativa da construção civil na ativação da economia como um todo. Não se trata obviamente de dados inconsistentes, mas que não mostram os efeitos multiplicadores das atividades de construção – e especialmente da residencial. Há razões visíveis que justificam esta observação.

• O pessoal ocupado nas atividades de construção civil e de serviços imobiliários

Há diferenças substanciais na cadeia produtiva da construção civil, na matriz de su-

• O peso do crédito imobiliário como fornecedor de funding tanto para incorporadores e construtores, como para mutuários finais (N. da R. Este tema também está tratado no encarte sobre os 50 Anos da Abecip, nesta edição).


primentos da economia, quanto à sua abrangência. Todos os segmentos construtivos mobilizam bens e serviços intermediários (insumos) e finais (bens de consumo e de capital) envolvendo amplo conjunto de cadeias produtivas, pela grande variedade de suas demandas. Estas não se limitam às cadeias produtoras de materiais básicos, como siderurgia, metalurgia de não ferrosos, cimento, argilas e silicatos, calcários, madeira e aglomerados, materiais químicos petroquímicos. Vai bem além a montante de sua atividade-fim. Além dos materiais básicos, para fundações e estrutura, movimenta amplo conjunto de indústrias de transformação fornecedoras de equipamentos pesados e ferramentas, de produtos para revestimentos, de elementos funcionais e de sistemas hidráulicos, elétricos e eletrônicos, assim como serviços técnicos de engenharia e ar-

quitetura, de intermediação financeira, de marketing, comunicação e comercialização. É este amplo conjunto que se considera para a definição da participação do setor na geração do valor adicionado bruto ou do PIB. Mas são desconsiderados os efeitos a jusante, em número muito mais extenso de setores produtivos, do que os mobilizados a montante. A construção civil vai muito além dos efeitos diretos que exerce sobre seus suprimentos diretos básicos, industriais e de serviços, pela ampla influência indireta sobre a quase totalidade das cadeias de bens e serviços finais de consumo supridos por outros setores, em decorrência da oferta de novas unidades construídas para fins industriais, comerciais e, destacadamente residenciais. O papel da construção civil como vetor do crescimento econômico é usualmente menREVISTA DO SFI

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SÃO MUITOS OS EFEITOS MULTIPLICADORES DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL NA ECONOMIA

surado pelo tamanho do seu produto proporcionalmente ao PIB, mas não se limita aos ativos fixos construídos, por sua ampla rede de efeitos multiplicadores, que estão a exigir mensurações de maior abrangência. Em Aspectos Econômicos da Construção Civil no Brasil (2014), Karlo Fialho, Heloína Costa, Sérgio Lima e Barros Neto, da UFC, observaram que “extenso, complexo, dinâmico e relevante são os termos comumente citados por autores de publicações científicas, em trabalhos sobre os aspectos econômicos que envolvem o setor de construção civil”. Realmente, as interligações econômicas do setor são de dupla categoria: para trás (com ampla mobilização de setores supridores de insumos e de bens de capital, para as edificações) e para frente, com a ativação de cadeias supridoras de investimentos em máquinas, equipamentos, móveis e utensílios (áreas industrial e comercial) e de bens de consumo de uso durável (área residencial). É inquestionável que estas ligações para frente têm evidentes efeitos sobre indústrias que não estão diretamente ligadas aos suprimentos para as construções civis, mas que se desencadeiam após a entrega das edificações. Todas têm de ser “preenchidas” por ampla variedade de bens finais, de capital e de consumo. A demanda derivada de novas edificações prontas para uso é de alto impacto sobre as matrizes de insumo-produto – de relações

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REVISTA DO SFI

intra e inter setoriais. A indústria da construção civil é, destacadamente, a de maior impacto na definição do nível de emprego e na geração da renda e do produto, em termos agregados. Em artigo anterior para esta revista (Revista do SFI edição 32, de 2010), destacando os impactos do setor na economia nacional, citamos uma conhecida expressão proferida no século XIX, em 1894, por Martin Nadeu, parlamentar na Assembleia Nacional Francesa, chamando a atenção sobre a importância da construção civil na recuperação da crise econômica, e não estabelecida na economia: “quand le bâtiment va, tout va” – quando a construção vai, tudo vai. Obviamente, essa observação tem a ver com os efeitos multiplicadores, a montante e a jusante, com destaque para as edificações para fins residenciais. Quando se iniciam as obras de edificações para fins residenciais, estão sendo criados potenciais de demanda para todos os bens de consumo de uso durável, como móveis e equipamentos eletrodomésticos, que preencherão os espaços vazios ou se instalarão em cada um dos cômodos, além dos utensílios também de uso durável que serão utilizados, independentemente das classes sócioeco­nômica a que o imóvel, em princípio, se destinará. No caso desses bens, deve-se obviamente também considerar os efeitos multiplicadores sobre as cadeias produtivas que se situam à jusante dos elos que produzem esses bens finais. Pela natureza desses bens,


O VALOR ADICIONADO DAS ATIVIDADES IMOBILIÁRIAS É DA ORDEM DE 15% DO PIB

é admissível assumir que, excetuando-se as cadeias produtivas de bens de uso imediato e de bens de capital, todas as demais cadeias produtivas da economia serão mobilizadas e positivamente. É um expressivo e poderoso conjunto de efeitos diferidos que então se cria e que seguramente ocorrerá com defasagem de efeito dependente da situação conjuntural da economia e dos níveis de confiança dos consumidores. Em situações conjunturais recessivas, a defasagem de efeito tende a ser maior, comprometendo os processos de recuperação dos níveis de emprego, de renda e de demanda agregada, caso os formuladores da política econômica não reúnam condições para acionar mecanismos de ativação desse segmento da indústria de construção ou para estimular a desova dos estoques de imóveis residenciais construídos antes do desencadeamento da conjuntura adversa. Mas certamente estarão reconhecendo os potenciais dos efeitos multiplicadores dessas iniciativas, promovendo então a geração de condições requeridas para acioná-los. Resta ainda considerar outros aspectos relevantes da construção civil residencial. Destacamos seis, todos de alto impacto econômico, político-institucional e social: 1. Os esforços pluri-direcionados de P&D na indústria de construção civil, em todos os seus segmentos – desenvolvimento de bens de capital de uso específico, de novos mate-

riais de construção assoviáveis a externalidades ambientais positivas e de novos processos produtivos, com foco em excelência operacional; 2. crescentes investimentos em capital fixo, assimilando os resultados dos projetos de P&D direcionados para o setor; 3. treinamento incessante da mão-de-obra empregada no setor, com ganhos não apenas relacionados à qualificação profissional e à adequação aos avanços tecnológicos setoriais, mas ampliados em termos comportamentais e culturais; 4. ganhos em produtividade dos recursos de produção empregados decorrentes dos três aspectos anteriores; 5. baixa demanda por importações da indústria da construção civil em todos os seus segmentos, gerando efeitos preponderantes sobre a geração interna de empregos; 6. impactos sociais e político-institucionais do bom desempenho da construção civil residencial, diante da alta demanda reprimida e do crescente déficit habitacional decorrente do deslocamento espacial da população e da velocidade do processo de urbanização; 7. desenvolvimento de uma cadeia de financiamento imobiliário, propiciando, por exemplo, a formação de pessoal especializado nos bancos e em outras instituições financeiras ligadas à atividade imobiliária. Em síntese, não é só a economia que vai bem quando a construção vai. Sem exagero, se não tudo, mas um amplo conjunto de externalidades positivas potenciais se observará. Visivelmente. REVISTA DO SFI

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COLUNISTA

CELSO MARTONE é professor titular da FEA-USP

PROBLEMAS DO FINANCIAMENTO DOS

INVESTIMENTOS O setor público absorve 38% da poupança do setor privado para financiar seu déficit – e nesse processo distorce o mercado de crédito

O

problema central do financiamento dos investimentos no Brasil é o elevado desequilíbrio do setor público. Uma estimativa razoável para o corrente ano é de poupança total ao redor de 13,7% do PIB, composta por poupança privada de 20%, poupança externa (déficit em conta corrente no balanço de pagamentos) de 1,2% e despoupança (déficit em conta corrente) do setor público de 7,5%. Ou seja, o setor público absorve nada menos do que 38% da poupança do setor privado para financiar seu déficit. Uma medida alternativa e ainda mais impressionante é a estimativa do Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec) de que o financiamento do déficit público tem absorvido cerca de 80% da poupança financeira nacional a cada ano. Resta ao setor privado disputar os 20% restantes. Trata-se de um gigantesco crowding out do setor público sobre o setor privado. A dívida pública é responsável pelos mesmos 80% dos ativos financeiros brutos do País. Esta situação implica que o Brasil tem se mantido, desde 2015, a um passo do que os economistas denominam “dominância fiscal”. É provável que só não tenhamos ingressado nessa situação perversa em 2016, porque o governo Temer conseguiu restabelecer um mínimo de confiança nos agentes econômicos com a aprovação da “lei do teto”, a proposta de reforma da Previdência Social e o progra-

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ma de saneamento financeiro dos Estados. Em especial, pode-se dizer que a aprovação ou não da reforma da Previdência pelo Congresso Nacional será o principal fator a nos aproximar ou afastar da dominância fiscal. De fato, em 2016 o déficit do sistema de Previdência Social brasileiro foi de R$ 294 bilhões, dos quais R$ 204 bilhões de responsabilidade do governo federal (servidores federais e Instituto Nacional do Seguro Social – INSS) e R$ 90 bilhões dos Estados e Distrito Federal. Para 2017, a previsão é que o déficit total atinja R$ 350 bilhões, dos quais cerca de R$ 240 bilhões do governo federal. A comparação desses números com o déficit primário do governo central (R$ 170 bilhões em 2016 e R$ 139 bilhões previstos para 2017) mostra que o déficit da Previdência (apenas a parte federal) é muito maior do que o déficit primário total. Ou seja, o governo federal está comprimindo todas as demais despesas, especialmente o investimento, para cobrir o “buraco” da Previdência. Esta é claramente uma situação insustentável, que compromete o futuro do País. Um segundo efeito perverso do avanço do setor público sobre a poupança nacional foi a concomitante expansão do chamado crédito direcionado. Parte significativa dos recursos captados em mercado via dívida pública foram repassados ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e à Caixa Econômica Federal (CEF) para o financiamento de investimentos sele-


dezembro 2008

dezembro 2016

R$ bilhões / %do total

R$ bilhões / %do total

Crédito livre

833 / 57,5

1556 / 50,1

Crédito direcionado

401 / 32,5

1550 / 49,9

BNDES

207 / 16,8

601 / 19,5

Crédito imobiliário

69 / 5,6

605 / 19,6

Crédito Rural

88 / 7,1

241 / 7,8

Outros

37 / 3,0

91 / 3,0

1234 / 100,0

3106 / 100,0

Total

O DESEQUILÍBRIO FISCAL É CAUSA, E NÃO CONSEQUÊNCIA, DA RECESSÃO ATUAL E SUA CORREÇÃO É CONDIÇÃO NECESSÁRIA PARA RECUPERAR A CAPACIDADE DE CRESCIMENTO

FONTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL

cionados pelo governo, como os “campeões nacionais” do BNDES, o PAC e programas como o Minha Casa, Minha Vida. Ao lado da extraordinária expansão do crédito imobiliário, que saltou de 5,6% para 19,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em apenas oito anos, isso contribuiu para que a participação do crédito direcionado no crédito total tenha aumentado desde 2008. O Quadro 1 mostra a composição do crédito total entre dezembro de 2008 e de 2016. Enquanto o crédito livre contraiu de 26,8% para 24,8% do PIB no período, o crédito direcionado praticamente dobrou de 12,9% para 24,7% do PIB. A este respeito cabem dois comentários. Primeiro, o crédito direcionado compartimenta o mercado num segmento de taxas de juro livres e num segmento de taxas reguladas pelo governo. Portanto, as taxas livres tendem a ser tanto mais elevadas quanto maior a participação do crédito direcionado no crédito total. Por exemplo, quando o Tesouro Nacional se endivida no mercado livre e repassa os recursos para o BNDES, ele aumenta o diferencial entre as taxas livres e as taxas reguladas. A não equalização de taxas de juros para a economia como um todo é uma das principais distorções e fontes de ineficiência do sistema financeiro. Este é um exemplo do crowding out tupiniquim. Segundo, assim como existe um diferencial entre as taxas de juro livres e reguladas, existe também uma distorção na alocação dos investimentos na economia. Ou seja, as REVISTA DO SFI

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taxas de retorno ao investimento também não se igualam para a economia como um todo. Aqueles investimentos que têm acesso às taxas reguladas tendem a ter taxa de retorno menor do que os demais investimentos, reduzindo o potencial de crescimento econômico. Novamente, o retumbante fracasso dos campeões nacionais do BNDES (empresas X, Oi, JBS, Odebrecht e outros) é um exemplo do que o arbítrio estatal na alocação de recursos pode produzir. A política econômica resultante da mudança do governo Dilma para o governo Temer incluiu mudanças substanciais no papel das instituições federais de crédito. No BNDES, as novas diretrizes para os financiamentos do banco tendem a aproximá-lo de um verdadeiro banco de desenvolvimento. Isso implica políticas horizontais (não discriminatórias) de crédito e a limitação dos subsídios de taxas de juro aos investimentos, em que a taxa social de retorno é maior do que a taxa privada de retorno, devido à presença de externalidades positivas. Este é o caso da maioria dos investimentos em infraestrutura, em pesquisa e desenvolvimento, educação e inovação. No

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Banco do Brasil (BB) e na CEF, observa-se um esforço de enxugamento da estrutura administrativa e aumento da eficácia geral dessas instituições. Comparado a alguns sistemas financeiros no mundo, o nosso é ineficiente. Essa ineficiência se revela no grande spread bancário, na quase total ausência de crédito privado de longo prazo, nos elevados depósitos compulsórios, na incipiência do mercado de capitais ou no peso desproporcional das instituições financeiras públicas, cujos critérios de atuação se submetem ao arbítrio do governo. Para superar essas dificuldades e garantir um fluxo regular de recursos para financiar os investimentos, um ponto crítico é caminhar na direção da unificação e permeabilidade dos vários segmentos de mercado. Mas esse caminho está bloqueado, no momento, pelo peso do financiamento do déficit federal sobre o mercado financeiro. A prioridade absoluta é financiar o déficit sem recorrer à inflação. Se o ajuste fiscal, ainda que lento, for perseguido tenazmente, surgirá a oportunidade, no médio prazo, de construir um sistema financeiro que contribua para o crescimento da economia.


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HOTÉIS E RESORTS EM FASES DISTINTAS

Os hotéis que dependem do chamado turismo de negócios sofreram mais com a intensidade da recessão Por Danilo Vivan

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“Para os hotéis urbanos, 2016 foi certamente o pior ano em uma década”, avalia o diretor da Jones Lang LaSalle (JLL) Hotels & Hospitality Group, Ricardo Mader. As dificuldades afetaram particularmente a cidade do Rio de Janeiro, principal destino de lazer do País. Se, em agosto, mês dos Jogos Olímpicos, o valor médio das diárias subiu incríveis 231%, quando a festa acabou o movimento despencou. Dados do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB) indicam que, comparando o primeiro trimestre de 2017 com igual período de 2016 (antes dos jogos, portanto), a taxa de ocupação caiu 19%. O valor das diárias diminuiu 14%. “O Rio de Janeiro, assim como Belo Horizonte, registrou um aumento desmedido da oferta de empreendimentos motivado, sobretudo, por estímulos fiscais das prefeituras

a partir de expectativas de aumento de demanda para os eventos esportivos”, explica o presidente da BSH Hospitality Managers, José Ernesto Marino Neto. Com uma economia mais diversificada e focada no turismo de negócios, São Paulo vem sofrendo menos com a crise – houve até um pequeno aumento de 2,7% na taxa de ocupação, quando se comparam os primeiros trimestres de 2016 e 2017, segundo dados do FOHB. SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO - TAXA DE OCUPAÇÃO (EM%) RJ - 62,6

RJ - 60,9

SP - 59,4

SP - 57,5

FONTE: FOHB

O

s segmentos de hotéis urbanos e de resorts fazem parte de um mesmo macrossetor, mas desde 2015 vivem realidades distintas. Os hotéis em geral, mais focados no público que viaja a negócios, amargaram em 2016 queda tanto nas taxas de ocupação (de 6,3% em média, na comparação com 2015) como no chamado ReVPar (ou receita por apartamento, indicador-chave que considera a taxa de ocupação versus o valor das diárias e que caiu 3,7%). Já os resorts, predominantemente dedicados às hospedagens de lazer, têm registrado recordes de ocupação.

JAN - ABR 2016

JAN - ABR 2017

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A capital paulista inicia uma temporada de inaugurações de hotéis de luxo ligados a redes que nem sempre operavam no Brasil. O movimento começou em maio de 2016 com a entrada em operação do Palácio Tangará, no Morumbi. É um hotel que oferece, entre outros serviços, um cardápio assinado pelo chef francês Jean-Georges Vongerichten (cujo restaurante já foi classificado como três estrelas pelo Guia Michellin). Em 2018, a rede canadense Four Seasons estreará no País com um cinco estrelas na Marginal do Pinheiros – próximo, por exemplo, do centro financeiro da avenida Juscelino Kubitchek e dos escritórios de multinacionais localizados na avenida Luis Carlos Berrini. Em 2019, está prevista a inauguração da primeira unidade no País do grupo Rosewood, de Hong Kong, em propriedade construída em 1904 e que pertenceu à família Matarazzo. O projeto de reforma do prédio é assinado pelo francês Jean Nouvel, que já venceu o prêmio Pritzker, espécie de Oscar da Arquitetura, e pelo artista plástico brasileiro Vik Muniz. Os novos hotéis pretendem disputar mercado com estabelecimentos já consolidados no segmento de alto luxo, como o Emiliano, o Fasano e o Grand Hyatt. Do Hilton, localizado no Cenu (Centro Empresarial Nações Unidas), se diz ser um dos mais rentáveis dessa cadeia de hotéis em todo o mundo. O Sheraton também está no Cenu.

ENFRENTAR OS DESAFIOS Em que pese a situação relativamente confortável do nicho de alto padrão, para o conjunto de hotéis urbanos a perspectiva é desafiadora. O cenário macroeconômico, em especial, não inspira tranquilidade. Após uma pequena recuperação no primeiro trimestre (crescimento do Produto Interno Bruto – PIB de 1%, segundo o IBGE), teme-se algum impacto da crise política sobre a economia. Souza, do FOHB, releva as dificuldades: “A entidade está preocupada com a situação política, mas avalia que 2017 será um ano de equilíbrio para a hotelaria. A perspectiva é a de que o mercado se estabilize no primeiro semestre.

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E que ocorra o início da retomada no segundo semestre, de forma lenta”. Um dos desafios é a obtenção de funding para os novos empreendimentos. Hoje, a atividade depende, em especial, do modelo do condo-hotel, formato quase exclusivo do Brasil e há pouco regulado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A regulação causou preocupação ao setor. Os condo-hotéis são uma espécie de modelo híbrido, com ingredientes dos mercados residencial e hoteleiro. Por esse sistema, uma construtora-incorporadora tradicional desenvolve o projeto, lança o empreendimento e comercializa as unidades junto aos potenciais investidores. Concluído o projeto, a incorporadora sai de cena, transferindo a administração a uma rede hoteleira tradicional. Esta, por sua vez, se encarrega de implantar os serviços e repassar os ganhos aos proprietários. A importância do modelo do condo-hotel é patente nos dados do FOHB: de 115 mil apartamentos que integram os 643 hotéis de associados da instituição, 87,4% (101 mil unidades) foram construídos com recursos obtidos por meio do modelo dos condo-hotéis. A preocupação dos dirigentes diz respeito ao fato de que, em 2013, a CVM passou a acompanhar mais de perto esse mercado, passando a exigir dos condo-hotéis um pedido de dispensa de registro. Isso traria, argumenta-se, maiores custos nos processos. O FOHB pôs em consulta pública proposta de norma que classifica as operações com condo-hotéis como valores mobiliários – caso em que terão de se enquadrar em regras parecidas com aquelas relativas, por exemplo, a IPOs ou ofertas de debêntures. A nova norma deve ser publicada em breve. “A depender de como for aprovada a nova regulamentação, podemos ter uma retração na oferta deste modelo de investimento, pois poderá vir a ser um desestímulo para os investidores”, afirma Souza. Marino, da BSH, diz que a nova regulação coincidiu com o início da crise econômica, contribuindo para pôr o setor em modo de pausa, diminuindo consideravelmente o número de negócios.


Com os condo-hotéis em compasso de espera, o mercado dos hotéis urbanos tem registrado algumas operações com players de peso. Principal fundo soberano do Oriente Médio, gerindo US$ 800 bilhões em ativos, a Abu Dhabi Investment Authority (ADIA) fincou bandeira no setor hoteleiro do País, entrando como sócia no Four Seasons da Marginal Pinheiros. A gigante de private equity Black Stone adquiriu, em março, o hotel Windsor Atlântica, no Rio de Janeiro. “São operações relevantes, mas pontuais”, observa Marino, da BSH.

O NICHO DOS RESORTS Se o segmento de hotéis urbanos sofreu com a crise, para os resorts, o momento é positivo. Impulsionados pela alta das cotações do dólar frente ao real e pelo ‘fator-Argentina’ (aumento da demanda de turistas do país vizinho), esses estabelecimentos tiveram, em 2016, crescimento de 11% na taxa de ocupação na comparação com 2015, segundo a Associação Brasileira de Resorts (ABR). Na média, desde 2009 houve um crescimento anual de 4,8% na ocupação, considerado muito expressivo. Se, por um lado, o dólar mais caro desestimula as viagens de brasileiros para o exterior, na via inversa atrai estrangeiros para terras brasileiras – particularmente para as praias do Nordeste. No caso dos argentinos, a retirada da restrição à compra de dólares e a eliminação de um tributo de 35% sobre gastos no exterior – duas medidas adotadas pelo governo Maurício Macri - foram determinantes para o aumento da demanda. “A única opção dos argentinos era adquirir pacotes pagando em pesos”, explica o presidente da ABR, Luigi Rotunno. Com a mudança, passou a ser possível, por exemplo, comprar apenas a passagem na Argentina e pagar o restante no Brasil, de acordo com a conveniência do turista. Com menos burocracia e menos custos, triplicou o número de argentinos nos resorts brasileiros, fazendo lembrar os tempos do dá me dos - expressão conhecida em Florianópolis

no auge da bonança quando os argentinos compravam tudo em dobro. Em alguns resorts do Nordeste, os argentinos chegam a representar 70% do público. Mas um dos fatores de sucesso é também o maior desafio dos resorts. A alta taxa de ocupação não se deve apenas ao ‘fator-Argentina’ ou ao câmbio, mas à inexorável lei da oferta e da procura. Em síntese, os resorts têm sempre boa lotação, entre outros motivos, porque as empresas do setor enfrentam dificuldades de ordem burocrática, como as relativas à obtenção de licenças ambientais para inaugurar novas unidades. “Não temos novos empreendimentos há cinco anos porque a legislação impõe muitas restrições”, explica Rotunno. Um caso conhecido da falta de segurança jurídica a que se refere o executivo da ABR é o do resort Fazenda da Lagoa, na paradisíaca praia de Una, no sul da Bahia, numa sociedade com participação do ex-presidente do Banco Central (BC) Armínio Fraga. Em 2013, o empreendimento foi invadido por índios tupinambás. Segundo a ABR, existem, no País, cerca de 80 resorts. No Brasil e no exterior, o investimento hoteleiro depende da política oficial. É o caso de Cuba, que tem usado sua vocação para o turismo para atrair redes globais de hotelaria. O país caribenho inaugura, em média, dois novos resorts por mês. Dadas as restrições regulatórias, mas capitalizados devido à alta taxa de ocupação dos últimos anos, resta aos resorts brasileiros investir, a toque de caixa, na modernização e ampliação das estruturas já existentes. O presidente da ABR é otimista com o futuro. O fator demográfico é uma espécie de seguro contra crises, permitindo prever um nível de ocupação próximo de 70% por muitos anos, diz ele, explicando: “A demografia joga a favor dos resorts. Temos uma grande concentração de jovens casais com filhos pequenos, que já passaram da fase de viagens low cost e hoje buscam empreendimentos mais confortáveis para descansar”. No médio prazo, passada a crise política e econômica atual, a recuperação do mercado para os hotéis urbanos é previsível, permitindo que hotéis e resorts voltem a crescer em ritmo semelhante. 63,5

RESORTS - TAXA DE OCUPAÇÃO (EM %)

58,7 56,1

57.2

52,7 50 46 44

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

FONTE: ABR

REVISTA DO SFI

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INDICADORESDECRÉDITO

Por Leonardo Rangel

525.374

FGTS

45%

33%

LCI

CRI

16%

6%

73.631

71.968

Dez/16

Jun/17

Dez/15

55.695

45.388 Dez/13

Dez/14

33.356 Dez/12

Jun/17

27.795

180.569

Dez/16

Dez/11

190.176

183.263

Dez/15

150.532 Dez/14

96.599 Dez/13

62.360 Dez/12

46.832 Dez/11

Mai/17

Dez/16

Dez/15

Dez/14

Dez/13

Dez/12

Dez/11

Jun/17

Dez/16

Dez/15

Dez/14

Dez/13

Dez/12

Dez/11

SBPE

60.630

VALORES EM R$ MILHÕES

373.419

397.796

364.695

330.824

299.039

269.075

515.955

509.223

522.344

466.789

SALDO E PARTICIPAÇÃO %

247.658

330.569

388.642

CADERNETA DE POUPANÇA X OUTRAS APLICAÇÕES - SALDO / PATRIMÔNIO NO FINAL DE MÊS

FONTES: ABECIP, BANCO CENTRAL DO BRASIL, CAIXA E B3 - OBS: FGTS: ÚLTIMO DADO DISPONÍVEL REFERENTE A MAIO DE 2017.`

POUPANÇA SBPE - R$ MILHÕES

8.000 6.000 4.000 2.000 0 -2.000 -4.000 -6.000 -8.000

Mai/17

Mar/17

Jan/17

Nov/16

Jul/16

Set/16

Mai/16

Mar/16

Jan/16

Nov/15

Set/15

-10.000 Jul/15

(9.522) (16.256) (21.441) (27.745) (31.923) (34.712) (35.624) (39.140) (41.054) (42.824) (40.224) (31.223) (8.716) (9.203) (12.746) (13.237) (13.064) (8.192)

Mai/15

(9.522) (6.735) (5.184) (6.305) (4.178) (2.789) (911) (3.516) (1.914) (1.770) 2.600 9.001 (8.716) (487) (3.543) (491) 173 4.872

VALORES EM R$ MILHÕES

10.000

Mar/15

NO ANO

Jan/15

NO MÊS

Set/14

JAN/16 FEV/16 MAR/16 ABR/16 MAI/16 JUN/16 JUL/16 AGO/16 SET/16 OUT/16 NOV/16 DEZ/16 JAN/17 FEV/17 MAR/17 ABR/17 MAI/17 JUN/17

CAPTAÇÃO LÍQUIDA

Nov/14

MESES

POUPANÇA SBPE - CAPTAÇÃO LÍQUIDA

FONTES: ABECIP E BANCO CENTRAL DO BRASIL

POUPANÇA SBPE E RURAL: DISTRIBUIÇÃO DO SALDO E DEPOSITANTES POR FAIXA DE VALOR (DEZ 2016)

`

FAIXA DE VALOR EM R$ ATÉ 100,00 DE 100,01 A 500,00 DE 500,01 A 1.000,00 DE 1.000,01 A 5.000,00 DE 5.000,01 A 20.000,00 DE 20.000,01 A 30.000,00 MAIS DE 30.000,00 TOTAL

FONTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL / FGC

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REVISTA DO SFI

SALDO R$ MILHÕES 1.200 4.396 6.618 43.772 119.725 57.508 424.963 658.003

% POR FAIXA 0,18 0,67 1,01 6,65 18,19 8,74 64,57 100,00

NÚMERO DE DEPOSITANTES % ACUMULADO 0,18 0,85 1,86 8,51 26,70 35,43 100,00

MILHARES 85.025 17.590 8.924 17.958 11.649 2.352 4.818 148.317

% POR FAIXA 57,33 11,86 6,02 12,11 7,85 1,59 3,25 100,00

% ACUMULADO 57,33 69,19 75,20 87,31 95,17 96,75 100,00


FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO SBPE E FGTS: UNIDADES E VALORES CONTRATADOS SBPE

MESES

FGTS

UNIDADES 13.495 14.682 19.613 14.404 18.614 19.709 17.320 17.991 12.235 16.061 15.119 20.446 13.175 12.237 15.483 11.702 14.554 15.379

JAN/16 FEV/16 MAR/16 ABR/16 MAI/16 JUN/16 JUL/16 AGO/16 SET/16 OUT/16 NOV/16 DEZ/16 JAN/17 FEV/17 MAR/17 ABR/17 MAI/17 JUN/17

MILHÕES 3.295 3.206 4.416 3.510 3.901 4.272 3.821 4.019 3.156 3.647 3.982 5.383 3.105 2.948 4.010 3.133 3.564 3.796

SBPE + FGTS

UNIDADES 69.859 37.817 63.752 58.153 42.554 76.293 40.289 46.427 35.637 34.205 41.216 72.419 58.385 34.334 49.562 31.913 41.482 45.781

MILHÕES 8.082 3.745 4.685 5.631 4.188 4.702 4.206 4.647 3.426 3.529 4.216 17.846 6.547 4.041 6.169 3.945 4.862 5.534

UNIDADES 83.354 52.499 83.365 72.557 61.168 96.002 57.609 64.418 47.872 50.266 56.335 92.865 71.560 46.571 65.045 43.615 56.036 61.160

MILHÕES 11.377 6.951 9.102 9.142 8.089 8.974 8.027 8.667 6.582 7.176 8.198 23.229 9.652 6.989 10.179 7.078 8.426 9.330

FONTES: ABECIP, BANCO CENTRAL DO BRASIL E CAIXA

UNIDADES FINANCIADAS

VALORES FINANCIADOS

SBPE

FGTS

5.534

3.295

SBPE + FGTS

SBPE

FGTS

Abr/17

Mai/17

Mar/17

Fev/17

Jan/17

Dez/16

Nov/16

Out/16

Ago/16

Set/16

Jul/16

Jun/16

Mai/16

Abr/16

Mar/16

3.796 Jan/16

Jun/17

Abr/17

Mai/17

Fev/17

Mar/17

Jan/17

Dez/16

Nov/16

Out/16

Ago/16 Set/16

Jul/16

Mai/16

Jun/16

Abr/16

Mar/16

Fev/16

Jan/16

13.495

9.330

8.082

Jun/17

61.160 45.781 15.379

69.858

11.377

Fev/16

83.354

(R$ MILHÕES)

SBPE + FGTS

FONTES: ABECIP, BANCO CENTRAL DO BRASIL E CAIXA

FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO SBPE E FGTS

(1º SEMESTRE DE 2017) - UNIDADES, VALOR E PARTICIPAÇÃO (%)

UF

UNIDADES

R$ MILHÕES

UF

UNIDADES

R$ MILHÕES

AC AM AP PA RO RR TO

195 1.620 202 3.489 1.331 256 1.191

31 296 37 466 166 36 153

DF GO MS MT

5.604 20.491 5.195 5.352

1.002 2.745 733 833

36.642

5.312

UF

UNIDADES

R$ MILHÕES

8.284

1.085

UF

UNIDADES

R$ MILHÕES

AL BA CE MA PB PE PI RN SE

2.755 11.342 7.742 4.515 6.583 9.378 3.787 5.858 3.876

380 1.681 1.211 583 790 1.324 381 585 536

ES MG RJ SP

3.719 37.978 18.753 114.899

571 4.783 3.692 19.004

55.836

7.473

2%

NORTE

16%

CENTRO OESTE

51%

SUDESTE UF PR RS SC

20% SUL

BRASIL

175.349

28.050

UNIDADES

R$ MILHÕES

28.102 25.233 14.541

3.767 3.679 2.189

67.876

9.635

343.987

51.654

2011 2012 Alienação Fiduciária

2013

2014

2015

2016

1,9%

2,1%

1,6%

1,8%

1,7%

1,9%

1,4%

1,4%

1,4%

1,7%

1,8%

1,3%

2,0% 1,2%

2010 2007 2008 2009 Garantia Hipotecária e Alienação Fiduciária

1,4%

2,1%

2,6%

1,2%

1,0%

1,3%

2,6%

SBPE: INADIMPLÊNCIA: CONTRATOS PÓS JUN.1998 COM MAIS DE 3 PRESTAÇÕES EM ATRASO 3,1% 3,1%

4,2% 4,2%

NORDESTE

11%

2017-03

FONTES: ABECIP E BANCO CENTRAL DO BRASIL

REVISTA DO SFI

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RUMOS

GILBERTO DUARTE DE ABREU FILHO Presidente da Abecip

TECNOLOGIA CHEGA MAIS AO

MERCADO IMOBILIÁRIO Segmentos inteiros da economia têm desaparecido diante de nossos olhos em velocidade sem paralelo

A

revolução tecnológica está chegando com rapidez a todos os setores da economia. A combinação do aumento da capacidade de processamento, velocidade das redes de dados e algoritmos cada vez mais poderosos está levando ao nascimento de novos modelos de negócios, pressionando empresas que se consideravam estabelecidas e seguras. Segmentos inteiros da atividade econômica têm desaparecido diante de nossos olhos em uma velocidade sem paralelo. Agências de viagens, locação de apartamentos em hotéis, cooperativas de táxi, gravadoras de músicas, jornais e revistas perdem espaço ou representam apenas uma fração da força que tiveram – e, em alguns casos, ainda têm, como alguns diários de grande circulação – em passado não muito distante. A economia do compartilhamento em que bens e serviços são usufruídos por quem não tem a posse deles é uma tendência para as novas gerações. Todos os setores da economia serão transformados, as relações de trabalho vão mudar dramaticamente e isso também prevalecerá no segmento de habitação. Ainda vivemos num mundo em que tomar um financiamento imobiliário demanda o preenchimento de inúmeros formulários, o envio de muitos documentos, a assinatura física de papéis. Todo o ciclo é lento e burocrático. Os novos clientes já não aceitam tanta burocracia, porque estão

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REVISTA DO SFI

se habituando a resolver tudo na hora, e sua mão, em um click. A expectativa sobre o nível de serviço é outra. Eles querem transparência nas informações, rastreabilidade de seu produto e simplicidade. O nível de expectativa é outro. Good enough (bom o suficiente, uma expressão que era tão comum no mundo dos negócios) já não faz parte da conversa. O crédito imobiliário será digitalizado como todos os demais processos. No começo ainda respeitará alguns elementos físicos, como o registro em cartório, mas, com o tempo, não há dúvida de que até isso será digitalizado. Não só o ciclo do crédito imobiliário será afetado. As próprias moradias terão diferentes configurações em relação às atuais. Isso já ocorre em outros mercados, como no segmento automobilístico. Os carros brasileiros, por exemplo, eram vendidos sem ar condicionado. Os níveis de poluição dos automóveis nem sequer eram questionados. Hoje isso é impensável. A sociedade mudou seu patamar de exigência. Os requisitos de sustentabilidade, como eficiência energética e consumo de água, serão atributos básicos de casas e prédios, tal como os catalizadores são elemento obrigatório em carros e motos. A automatização e a sustentabilidade, que até pouco tempo atrás eram consideradas “luxo”, serão parte obrigatória de residências. Novos atributos como tetos que geram energia para a malha de energia pública, baterias de armazenamen-


to para alimentar a casa à noite e abastecer o carro serão os novos diferenciais, pelo menos por alguns anos. Equipamentos e eletrodomésticos serão conectados à internet e poderão ser acionados de diversos lugares. Essa transformação demandará um novo perfil de produtos na construção, com novos atributos e serviços para criar diferenciais de venda. No Brasil, em especial, teremos de passar por um ciclo ainda mais básico de industrialização da construção. Para a maior parte dos imóveis ainda usamos técnicas tradicionais, mesmo em imóveis de menor valor. Dos imóveis “esculpidos” precisamos saltar para imóveis que sejam cada vez mais “montados”. Estruturas metálicas, paredes, portas e banheiros pré-formatados serão introduzidos por pioneiros e, ao longo do tempo, tenderão a ser a norma, ingressando na categoria do “novo normal”. O tempo, que hoje joga a favor da poupança dos clientes no ciclo do pré-chave, será substi-

tuído pela velocidade, que permitirá maior produtividade e redução dos riscos econômicos da obra ao diminuir a exposição a conjunturas adversas ou ciclos econômicos. Por fim, o próprio conceito do que é ser dono da residência pode mudar com o tempo. Na economia compartilhada, as pessoas já não têm tanta necessidade da posse dos bens, elas querem o usufruto. Ser proprietário de uma casa, de um apartamento ou até do celular já não representa aspiração para boa fatia das novas gerações. O mercado de hotéis, que já tinha passado por uma revolução com a separação entre os papéis do dono do imóvel, do administrador e da bandeira, agora está sendo atacado pelo AirBNB que nem sequer tem quartos. Por que não pensar que surgirão empresas de real estate dispostas a investir em patrimônio para alugar para os usuários finais, empresas que farão só manutenção dos imóveis e administradores desses serviços que operarão em rede, tal como um Uber? REVISTA DO SFI

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14º Prêmio ABECIP de Jornalismo 2017

Inscreva-se até 31 de agosto

15 prêmios de R$ 6.500 Para imprensa escrita (jornal e revista) e mídia eletrônica (internet, rádio e TV)

Informações: www.abecip.org.br

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