S O AN H
0 SF 5 S
O DO
OCTAVIO DE LAZARI JR.
2014 ANO 17 Nº 40
A evolução do crédito imobiliário MARCOS LISBOA,
POR QUE AS PESSOAS VIVEM NAS METRÓPOLES
DO INSPER
Avanços microeconômicos DANIEL CITRON, DA RELATED
TEATROS
EQUILÍBRIO AO AVALIAR O BRASIL
PLANETÁRIOS RESTAURANTES CINEMAS
CICLOVIAS
ARTIGOS ADRIANO MATIAS Celso Martone FERNANDO ZILVETI FLAVIANO GALHARDO MELHIM CHALHUB TEOTONIO COSTA REZENDE
MUSEUS
O MARCO REGULATÓRIO DO CRÉDITO IMOBILIÁRIO
HÉ LIO DE ALMEIDA
shoppings
Inscrições Até 15 de setembro de 2014
EU. S O D O T É O T I O CR É D
o i m e 11 Pr e d p i c Abe o m s i l a n r o J o
Categorias Financiamento Imobiliário Fontes de Recursos para o Mercado Imobiliário Educação Financeira e Responsabilidade Social na Construção Civil Prêmios R$ 97.500 em prêmios! Serão cinco prêmios em cada categoria: 2 para Imprensa Escrita (Jornal e Revista) e 3 para Mídia Eletrônica (Internet, Rádio e TV) Estudantes Estudantes de Jornalismo ou Rádio e TV também podem participar. Inscrevam-se! Informações www.abecip.org.br
Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança
ABECIP
ÍNDICE Editorial
Mercado de Crédito
Internacional (2)
O governo anunciou que regulará a criação do covered bond brasileiro, a Letra Imobiliária Garantida, e a concentração dos ônus na matrícula do imóvel.
O vice-presidente do Insper, Marcos Lisboa, aborda as mudanças adotadas na década passada na política microeconômica, inclusive no crédito imobiliário.
O professor da FGV-SP Fernando Zilveti mostra que tributos justos ajudam a atrair investimentos.
Marcos na história do crédito imobiliário - Pág. 2
Entrevista O diretor da Related Brasil, Daniel Citron, nota que o humor dos investidores no Brasil tem oscilado além do razoável. O Brasil tem enormes oportunidades de investimento - Pág. 3
A rapidez das transações imobiliárias depende do aperfeiçoamento do sistema registral, mostra Flaviano Galhardo.
A maturidade do sistema de crédito imobiliário - Pág. 18
Juros Controles de juros, por mais perigosos que sejam, existem em 14 dos 27 países europeus, mostra Teotonio Costa Rezende. Controles de juros, fontes de incertezas e conflitos - Pág. 22
Notas&Fatos
Divulgação
Informações sobre o mercado imobiliário local e internacional, por Silvia Braccio Pág. 47
Ibrafi
Capa
Criado pela Lei 4.380, de agosto de 1964, o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) completou meio século.
O Código do Consumidor e os financiamentos imobiliários - Pág. 44
O sistema SREI acelerará as transações imobiliárias - Pág. 34
Uma evolução saudável no primeiro semestre - Pág. 8
SFH 50 Anos
O jurista Melhim Chalhub analisa a interpenetração entre as normas do crédito imobiliário e do Código do Consumidor.
Registro eletrônico
O presidente da Abecip, Octavio de Lazari Jr., em balanço do crédito imobiliário, previu que o SFH continuará a crescer.
Crescer com qualidade, desafio das metrópoles - Pág. 12
Direito imobiliário
Medidas microeconômicas e o desenvolvimento do crédito - Pág. 30
SBPE
Moradores das metrópoles optaram pela vida nas cidades, onde há mais serviços disponíveis, inclusive imobiliários.
A tributação imobiliária ajuda a atrair investimentos - Pág. 42
Marcos Lisboa: crédito melhor
FBCF Um dos desafios brasileiros é elevar a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), na qual o investimento imobiliário tem peso relevante, mostra o professor Celso Martone, da FEA-USP. Investimentos imobiliários e formação de capital - Pág. 37
Internacional (1) A Dinamarca possui um dos mais antigos sistemas de financiamento habitacional do mundo e adota instrumentos modernos, como os covered bonds. Um sistema nórdico de crédito imobiliário - Pág. 40
Cada ano de estudo corresponde a um aumento de salário próximo de 20%. O interesse pela educação generaliza-se e se fortalecem os cursos qualificados, como os do Ibrafi, braço educacional da Abecip. O capital humano está no centro do modelo de crédito imobiliário - Pág. 48
Indicadores A evolução dos números do SFH, reunidos pela Área de Inteligência de Mercado da Abecip. Pág. 50
Rumos Discutidas e propostas pela Abecip, a Letra Imobiliária Garantida e a concentração dos ônus na matrícula do Registro de Imóveis são marcos fundamentais, avalia o presidente da entidade, Octavio de Lazari Junior. Dois marcos: o covered bond e a concentração na matrícula - Pág. 52
EDITORIAL
Revista Sistema de Financiamento Imobiliário
Marcos na história do crédito imobiliário
Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) Diretoria
Esta edição já estava pronta quando foram anunciadas, dia 20/8, medidas que são um marco na história do crédito imobiliário. A primeira é a criação da Letra Imobiliária Garantida (LIG), o covered bond brasileiro. A segunda é a concentração dos ônus na matrícula do Registro de Imóveis, reduzindo os trâmites burocráticos e aperfeiçoando o sistema de garantias representado pela alienação fiduciária de bem imóvel. São proposições da Abecip apresentadas na década passada e amplamente discutidas, nos últimos anos. Na seção Rumos, o presidente da Abecip, Octavio de Lazari Jr. aborda o significado histórico do anúncio do covered bond brasileiro e da concentração dos ônus na matrícula, medidas de longo prazo para ampliar o crédito imobiliário no Brasil. O número 40 da Revista do SFI reflete uma economia em transição. O comportamento do crédito imobiliário foi satisfatório, no primeiro semestre, mostrou Lazari Jr. em entrevista à imprensa. O segmento fortaleceu-se com as políticas públicas adotadas desde fins dos anos 1990. As decisões de cunho microeconômico tomadas da década passada são avaliadas pelo vice-presidente do Insper, Marcos Lisboa. Em entrevista, o diretor da incorporadora Related
Brasil notou que o humor dos investidores tem oscilado demais. E na matéria de Capa, o jornalista Marcos Garcia trata das dificuldades dos grandes aglomerados urbanos, como São Paulo, explicando por que as pessoas preferem viver aqui. Comemoraram-se, em agosto, os 50 anos do Sistema Financeiro da Habitação, cuja história foi recapitulada. A diversidade de temas marca esta edição. Um tema complexo – os juros – foi abordado por Teotonio Costa Rezende: em muitos países, há controles, em geral limitados, sobre as taxas. O jurista Melhim Chalhub trata da convivência entre as normas do crédito imobiliário e o Código do Consumidor. O professor Fernando Zilveti analisa diferentes regimes tributários para operações imobiliárias. E Flaviano Galhardo mostra a evolução do registro eletrônico. Celso Luiz Martone, da FEA-USP, trata da importância do sistema imobiliário para a Formação Bruta de Capital Fixo (FCBF), no Brasil, da ordem de 40%. O Brasil gera pouca poupança bruta, o que afeta o crescimento. Um assunto completa esta edição. O gestor financeiro Adriano Matias trata do modelo de crédito imobiliário da Dinamarca, com 200 anos de história e cuja captação baseia-se justamente nos covered bonds.
Octavio de Lazari Jr. presidente Claudio Borges Cassemiro, Daisy Divina Godoy, Daniella dos Santos Delfino, Gilberto Duarte de Abreu Filho, Gueitiro Matsuo Genso, Jaime P. Guiganças, José de Castro Neves Soares, José Urbano Duarte, Luiz Antonio França, Marco Antonio Andrade de Araújo, Onivaldo Scalco, Nylton Velloso Filho, Roberto Abdalla vice-presidentes Filipe Pontual diretor executivo José Aguiar superintendente técnico Revista do SFI Redação Conselho Editorial Affonso Celso Pastore, Anésio Abdalla, Décio Tenerello, Fábio Pahim Jr., Geraldo Gardenali, José Paschoal Rossetti, Luiz Antonio França, Octavio de Lazari Junior e Salim T. Schahin Coordenação editorial Fábio Pahim Jr. Jornalista responsável Silvia Braccio Colaboraram nesta edição Adriano Matias, Celso Martone, Fernando Zilveti, Flaviano Galhardo Jr., Jacqueline de Mello Vicente, Marcos Garcia, Marcos Lisboa, Melhim Chalhub, Octavio de Lazari Jr., Patrícia Franco, Silvia Braccio, Teotonio Costa Rezende Serviços de apoio técnico à edição Leonardo Rangel Editor de arte Artur Kenji Capa Hélio de Almeida Ilustrações e fotos Artur Kenji, Attilio, Joelcio Bráulio e Bruno Mooca CTP Printcrom Gráfica Printcrom Projeto gráfico Flávio Peralta e Sergio Seiei Myashyro A Revista do SFI é uma publicação da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança e pretende apresentar à sociedade, para análise e debate, temas relacionados ao Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH). São Paulo Av. Brigadeiro Faria Lima, 1485 – 13º andar Torre Norte – Jardim Paulistano São Paulo – SP – CEP 01452-002 Telefone (11) 3286-4855 – Fax (11) 3816-2785 e-mail: revistadosfi@abecip.org.br Fechamento desta edição: 20/8/2014
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E
Daniel Citron
ntrevista
CEO da Related Brasil
“O Brasil tem enormes oportunidades de investimento” em 1980, Citron se aproximou cedo do segmento imobiliário. O primeiro emprego foi na incorporadora JHS, onde ficou oito anos e viu de perto a atividade da construção civil. Ao sair da empresa, foi trabalhar com franquias (fundou a Francap, ainda hoje presente no mercado), inclusive desenvolvendo o Plano Cem da Rossi Construtora. Após alguns anos, voltou ao mercado imobiliário, de onde
não mais saiu. Entrou num grupo de ponta, a Brasil Realty, associação entre a Cyrella e o investidor global George Soros. Lá ficou entre 1995 e 2000, cuidando da área financeira e de operações do mercado de capitais. “Mas o mercado era muito difícil, pois os emergentes, inclusive o Brasil, sofreram com as sucessivas quebras de países do Sudeste Asiático, da Rússia e do México”. Aceitou, então, o convite para dirigir a Tishman Speyer no Brasil, onde foi o CEO durante dez anos. “Os investimentos do grupo chegaram perto dos US$ 2 bilhões, atraindo, por exemplo, fundos e investidores institucionais em geral”. O grupo se tornou o maior estrangeiro no mercado brasileiro de imóveis e o maior por metragem entre as subsidiárias, em todo o mundo. Uma das decisões foi ingressar no mercado residencial, pois a crise global havia afetado mais intensamente o mercado corporativo, em especial os edifícios comerciais qualificados como “triple A”. E fez Divulgação
As percepções sobre o Brasil oscilam muito, entre os investidores estrangeiros – ora eles são muito mais otimistas do que o justificável, ora “muito mais pessimistas do que seria razoável, como agora”, acredita o CEO da Related Brasil, Daniel Citron. “Não somos nem a Índia nem a Bélgica”, enfatiza. “Mas há enormes oportunidades de investimento”. O País avançou muito desde a estabilização da moeda e a chegada de milhões de novos consumidores ao mercado. O necessário, agora, é fazer “enormes reformas”, que permitam avançar no longo prazo. É pouco perceptível, no curto prazo, o impacto de medidas que permitiram o desenvolvimento dos mercados, inclusive o imobiliário, como o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a introdução de institutos como o patrimônio de afetação, por intermédio da Lei 10.931/2004. Formado em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas,
Citron, da Related: nem bolha nem alavancagem
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breve pausa: incluiu-se no pequeno grupo de executivos que conseguem parar um tempo de trabalhar. Num ‘ano sabático’, estudou em Londres, andou de bicicleta com o filho na França e foi conhecer a Ásia, passando, entre outros países, pela Tailândia e pela China. Os contatos com o embaixador norte-americano no Brasil Clifford Sobel, durante os tempos na Tishman Speyer, levaram Citron à Related e aos sócios do grupo, Jorge Perez e Stephen Ross. Eles decidiram se estabelecer no Brasil. Sobel e Citron são sócios da Related Brasil. “O objetivo é nos tornarmos incorporadores locais, não investidores”, disse Citron. “Queremos juntar a experiência americana e a experiência local para disputar o mercado brasileiro, não com os maiores, mas com os melhores empreendedores”. A seguir, os trechos principais da entrevista de Daniel Citron a Fábio Pahim Jr., coordenador editorial da Revista do SFI.
que as coisas andam. Para nós isso é ruim, o apetite pelo Brasil diminui. Também é difícil avaliar a União Europeia, onde a encrenca foi muito mais grave. Mas veja Londres, lá os preços já estão voltando. O mesmo não ocorre na Espanha e em Portugal, onde as dificuldades econômicas foram muito mais graves. De uma forma geral, o mercado vai demorar um pouco para voltar.
passar um tempo de marasmo. Mais importante é que o Brasil mudou de patamar. Há dezenas de milhões de consumidores novos, de pessoas que podem estudar, de chefes de família que podem tomar um avião e viajar com os filhos para as cidades de origem. E os filhos já estão na faculdade. O Brasil vai se ajustar. O mercado imobiliário tem espaço para um bom crescimento. Não é nada instantâneo, mas também não penso em queda de preço – ninguém vai vender mais barato do que comprou. E é um mercado cíclico. Normalmente, as condições de mercado são diferentes quando se comparam o momento em que você comprou e o momento em que recebeu o imóvel, até cinco anos depois. Não se pode pensar no curto prazo.
O mercado imobiliário tem espaço para um bom crescimento, que não será instantâneo. É um mercado cíclico, em que as condições do momento da compra são, em geral, diferentes daquelas que se apresentam no momento de receber o imóvel
Revista do SFI – Qual é sua visão do mercado imobiliário internacional? Daniel Citron – Da China não sabemos. Nos Estados Unidos, o mercado está começando a retomar. Em algumas cidades, como Miami, já está tão forte quanto era. Hoje se vende tudo para venezuelanos, brasileiros, russos, entre outros estrangeiros. Os norte-americanos têm uma participação pequena, entre 7% e 8%, das vendas. O mesmo ocorre em Nova York. O dólar não subiu. As outras moedas ainda têm bom poder aquisitivo. O mercado ainda é promissor, dada a velocidade com
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Qual é sua visão do mercado imobiliário brasileiro? No Brasil, os investidores estão à espera de oportunidades. Quem compra um imóvel para morar leva de duas a três vezes mais tempo para tomar a decisão. A conclusão do negócio é, assim, mais demorada, o ritmo é bem mais sossegado (do que no período de euforia). Com o mercado aquecido, anunciar maciçamente faz a água ferver. Quando o mercado está fraco, o impacto é menor. Vamos
Ou seja, estamos longe do risco de bolha? Aqui não tem bolha porque não tem alavancagem. Não tem bolha, mas tem com o que se preocupar. O mercado imobiliário é cíclico, repito. Depende, é claro, de oferta e demanda. Mas estamos no meio (de uma fase de incerteza). Qual é sua visão do mercado imobiliário paulistano? São Paulo aguenta tudo. Mas você tem de estar no lugar certo. O difícil é quando se tem um período muito longo de alta e todos acham que sabem fazer. O sucesso não é bom conselheiro. Se você repete a experiência anterior, pode apanhar. Há agora um momento de seleção. Não é porque o mercado esteja uma tragédia, é porque os desenvolvedo-
res podem sê-lo. São Paulo absorve os bons produtos. Mas, em caso de superoferta, você tem de baixar o preço. Porém não há crise, há perda de renda. São Paulo tem uma demanda ‘profunda’. O Rio não tem a mesma resistência, não aguenta tanto desaforo. Depende dos negócios do petróleo, por exemplo. Ainda assim é um mercado muito melhor do que o de cidades menores. São Paulo é o sonho de quem tem um bom projeto.
O mercado de capitais é criativo, com os Certificados de Recebíveis Imobiliários, os CRIs, os fundos, que servem de lastro para os investidores comporem seus portfólios. Os fundos já têm um público investidor importante
Ou seja, é o que despertou o interesse da Related? É trazer produtos que agreguem valor. Todo mundo olha os consumidores que entram na classe C. Mas as classes que mais cresceram foram a dos mais abastados e a média alta – e estas é que criam a tendência. Cria-se um mercado para quem quer comprar produtos diferenciados. Nichos de mercado que eram perigosos ficaram mais acessíveis. O mercado está-se diversificando. Ofereciam-se, antes, área e preço. Isso mudou. Agora há financiamento de longo prazo. É algo semelhante ao que ocorre no mercado de veículos. Quem tinha carro com ar-condicionado, muitos anos atrás? São Paulo tornou-se um laboratório de tendências. Tendências consagradas fora estão chegando aqui. Isso contribui para um mercado mais variado, o que se aplica a edifícios comerciais e residenciais. Olhamos muitos negócios até encontrarmos uma liga com o que fazemos nos Estados Unidos. É o caso do empreendimen-
to na Marginal, o Parque Global, com cinco torres. Estamos antecipando a construção. Agora olhamos para a hotelaria de longa permanência, pessoas que ficam um mês, um ano, até dois anos, por exemplo, para estudar. É, ao mesmo tempo, um produto residencial e um hotel. Nos Estados Unidos, a Related tem 18 mil unidades próprias, com taxa média de ocupação de 97%. É o começo de um mercado institu-
Há grandes diferenças entre os mercados imobiliários do Brasil e dos Estados Unidos, pois nestes há diversas categorias de risco e de retorno; alguns preferem esperar mais tempo. Estruturar um negócio é tarefa mais complexa
cional de locação de imóveis residenciais, que não existe no Brasil. O objetivo é vender de 60% a 65% das unidades e ficar com o restante para obter renda. Qual é sua avaliação do potencial do comprador, do mutuário final de imóveis? Olhamos para as classes A e a B+, classes média alta e alta. Nos Estados Unidos não é assim, a empresa faz até habitação social. Pensamos em projetos de uso misto, um conceito em que se pode agregar valor. A demanda maior é, de fato, na baixa renda, mas esta não é nossa especialidade. Nosso conceito é o produto sob medida (taylor-made). Como vê a importância do crédito imobiliário e de outros instrumentos financeiros do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI)? Ainda somos muito dependentes das cadernetas de poupança. A poupança cresceu muito e o nível de financiamento é bom, mas vão surgir alternativas. Quando os juros caíram (no ano passado), os bancos começaram a olhar para essas alternativas. O mercado de capitais é criativo, com os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), os fundos, que servem de lastro para os investidores comporem seus portfólios. Os fundos imobiliários já têm um público importante. A base está posta. Falta os juros voltarem para um nível mais baixo. Mas ainda assim cabe reconhecer que já andamos bastante.
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São Paulo é muito melhor do que isso. Os estrangeiros que chegam aqui acham que o Brasil está no primeiro mundo. Não está, mas tampouco é uma África. Diferenças aparecem na hora de abrir uma empresa, aprovar um projeto. Aí há frustração. Sem olhar essas coisas, salta aos olhos a contradição: o Brasil é um país de oportunidades. Pode haver aspectos cartoriais, dificuldades burocráticas, Justiça lenta. Mas há oportunidades. Comparativamente, outros mercados da região são pequenos – caso do Chile, Colômbia. Nos últimos tempos, a percepção sobre o Brasil variou, não somos nem Índia nem Bélgica. Há reformas a fazer. Mas muitas já foram feitas – e é esse o aspecto importante quando se pensa no longo prazo. A Lei de Responsabilidade Fiscal, o Plano Real, o instituto do patrimônio de afetação fazem a diferença no longo prazo. Divulgação
“Comparativamente, outros mercados da América Latina, tais como o do Chile e o da Colômbia, são muitos pequenos comparativamente ao mercado brasileiro” ainda. Até 11% a 12% ao ano, é possível trabalhar. Como a economia brasileira é vista por uma empresa internacional? Os juros são altos, limitam a expansão do mercado imobiliário. Mas não apenas os juros impactam a operação imobiliária. Vamos olhar para São Paulo. São Paulo é uma Nova York, uma Londres. Se você olhar de perto, verá ruas esburacadas. Mas
Attílio
É possível comparar o funding do mercado de crédito brasileiro com o norte-americano? Há grandes diferenças, a começar do tipo de investidor. Há categorias diversas de risco e retorno. Alguns querem correr riscos baixos, outros preferem esperar mais tempo para receber mais, correm mais riscos. Estruturar um negócio é mais complexo. É diferente do Brasil, pois aqui, com a caderneta de poupança, não se vai mudar. Para que procurar algo diferente, se eu tenho o funding da caderneta? No segmento comercial é diferente, e nos Estados Unidos o mercado é mais sofisticado. Aqui há um longo caminho a percorrer. Com juros de 7% ao ano a 8% ao ano, o mercado estruturado começou a ser analisado. Mas hoje se vai para a poupança, enquanto houver recursos – e parece que eles vão existir por um bom tempo
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S
Marcos Garcia de Oliveira
BPE
Jornalista
Uma evolução saudável no primeiro semestre Apesar da leve deterioração da economia e da redução do número de dias de trabalho em junho – em função da Copa do Mundo – no primeiro semestre de 2014 foram financiados R$ 53,1 bilhões para aquisição e construção de imóveis, com aumento de 7% em relação ao mesmo período do ano passado, indicando que a previsão de crescimento de 15% no ano continua correta. A informação é do presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Octavio de Lazari Jr., para
quem esse índice é “razoável e saudável” e não deverá ser afetado nem mesmo pelo processo eleitoral. “Os pilares do segmento estão se mantendo e não há previsão de estremecimentos nos próximos meses”. As afirmações do presidente da Abecip foram feitas durante entrevista coletiva à imprensa, dia 24 de julho, para apresentação dos resultados do primeiro semestre e das perspectivas para o segundo semestre. Para ele, o enfraquecimento observado nos grandes números da economia – inflação, juros, confiança do
conjuntura econÔMICA
Desemprego (Média)
Medo Desemprego 97,5%
11,5%
76,1% 5,0% 2004
Abril 2014
2004
2028
9,7%
Rendimento Real
Inadimplência Imobiliária
1,8%
1487 2004
Junho 2014
Abril 2014
2004
Junho 2014 Fonte: Abecip e Banco Central do Brasil
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consumidor e Produto Interno Bruto (PIB) – é compensado por aspectos positivos como baixo desemprego, rendimento real estável e inadimplência sob controle. “No caso do mercado de trabalho, que é um pilar de sustentação importante do crédito imobiliário, não estamos observando picos de desemprego e o medo de perder o posto de trabalho subiu pouco, mantendo-se equilibrado”, explicou. (Ver quadro Conjuntura Econômica) Ele citou também o índice de inadimplência (contratos com mais de três prestações em atraso), que permanece em 1,8%, e o porcentual financiado do valor do imóvel (LTV) – 65% em junho – como outros indicadores da boa saúde do segmento. “A inadimplência não traz qualquer preocupação e o LTV mostra que o brasileiro continua muito consciente na hora de tomar o crédito, buscando dar a maior entrada possível”. (Quadros Inadimplência e LTV) Na verdade, destacou Lazari Jr., a questão dos atrasos de pagamento no crédito imobiliário apresenta um quadro tranquilizador e “muito sadio”, especialmente se comparada a outras carteiras de crédito das instituições financeiras. Ele citou, para efeito de comparação, a inadimplência observada no último mês
Douglas Rodrigues José/Divulgação Abecip
de maio nas operações com sibilidade de se recuperar Sustentabilidade do Setor cheque especial (9,6%), do tropeço observado em veículos (5%) e crédito junho, quando houve queLTV 65% pessoal (4%). da de R$ 2,2 bilhões no vo63% Mesmo considerandolume de financiamento em 61% -se o endividamento total razão da redução do núme56% das famílias, lembrou, não ro de dias úteis, por causa 53% há motivo de preocupade eventos como o Carnação, uma vez que, a partir val em março, mudança do 48% de 2012, o endividamento calendário das férias escototal passou a crescer em lares e a Copa do Mundo. Junho 2006 2008 2010 2012 função exclusivamente do Na comparação com junho 2014 crédito à habitação. Asde 2013 – quando se regisComprometimento Amortização sim, em 2011, enquanto trou o maior volume mende Renda = 30% SAC o endividamento total das sal dos últimos 20 anos, famílias era de 41,7% e a atingindo R$ 11,2 bilhões Fonte: Abecip e Banco Central do Brasil dívida habitacional repre– houve redução de 19%. sentava 10,7% da renda, o “Mesmo assim, junho deste disso, devemos considerar que levantamento mais recente indiano registrou o segundo melhor o crescimento de 15% previsto ca que a dívida com prestações resultado para o mês na história para este ano é um nível muito do crédito imobiliário se elevou recente do SFH”, disse ele. saudável, pois já sabemos que para 16,2%, enquanto o endiOutro sinal de que não haíndices maiores acabam batenvidamento total subiu apenas 4 verá problemas para se atingir do em algum lugar, como falta pontos percentuais, chegando o crescimento previsto para este de mão de obra, equipamentos e a 45,7%. (Ver quadro Endividaano é o fato de que, embora o outros problemas”, explicou. mento das famílias) crédito no Brasil não esteja cresÉ com base na manutenção Nível saudável – Em sua opicendo em níveis ideais, áreas desses pilares que Octavio de Lanião, esses números evidenciam como o crédito rural e o crédito zari Jr. prevê um bom segundo a qualidade do crédito imobiliáimobiliário continuam apresensemestre para o segmento, no rio no Brasil, com efeito posititando bom desempenho. “Nos qual as instituições terão a posvo em toda a economia. “Além 12 meses encerrados em maio
Lazari Jr., da Abecip: sem picos de desemprego
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Endividamento das Famílias
A partir de 2012, o endividamento TOTAL passou a crescer em função exclusiva do crédito à HABITAÇÃO
39,2 29,1 21,5 18,4
32,2
21,0
25,0
43,4
45,5
45,7
35,4
Endividamento Total
24,5 27,2
41,7
28,8
30,4
31,0
3,2
3,5
4,1
5,0
6,6
8,8
2005
2006
2007
2008
2009
2010
30,5
29,7
29,5
10,7
12,9
15,8
16,2
2011
2012
2013
Março 2014
SEM Habitacional SÓ Habitacional
Fonte: Abecip e Banco Central do Brasil
o crédito rural cresceu 33% e o imobiliário, 31%, mantendo-se em linha com a evolução observada ao longo de 2013, enquanto os demais portfolios das instituições financeiras registraram taxas decrescentes”, lembrou. Para ele, a manutenção desse crescimento é saudável para a economia brasileira. “O saldo do crédito imobiliário já supera o do financiamento de veículos e do crédito pessoal, com crescimento bem mais expressivo, e essa é uma notícia boa, importante para nossa economia”,
disse, lembrando que esse é o quadro que prevalece nos países mais desenvolvidos. Crescimento – Considerando um período mais longo, o crescimento do financiamento de imóveis é mais expressivo. O volume de empréstimos para aquisição e construção, com recursos da poupança (SBPE), atingiu R$ 112,7 bilhões no período de 12 meses completados em junho de 2014. Isso significou um aumento de 18% em relação ao período anterior. Em junho de 2014, especi-
ficamente, foram financiadas aquisições e construções de 42,4 mil imóveis, com redução de 8% em relação a maio e de 20% em comparação com o mesmo mês do ano anterior. Além da redução do número de dias úteis, a variação ocorreu também devido ao fato de a base de comparação ser o mês de junho do ano passado, que foi registrado um recorde de contratações. Em todo o semestre, porém, foram financiados 256,1 mil imóveis, com crescimento de 4,6% em relação ao mesmo período de 2013. Em relação ao volume financiado para aquisição, explicou Lazari Jr., o primeiro semestre registrou aumento de 8%, atingindo R$ 38,3 bilhões. “As entregas de imóveis novos produzidos continuaram e o crescimento no primeiro semestre, em relação ao mesmo período de 2013, foi de 25%, mas o imóvel usado, que representa 60% do volume financiado, teve, na mesma comparação, queda de 0,7% em função da redução dos dias úteis que afetou o trabalho de corretores, cartórios e todo o mercado”. Em termos de financiamentos do SBPE para construção,
Funding Adicional para o Crédito Imobiliário
LCI Letra de Crédito Imobiliário
CRI Certif. Recebíveis Imobiliários
119,9
50,2 45,4
96,6 33,4 27,8
62,4 46,8
18,9
29,3 7,3 2006
7,8
10,5 2008
7,2
15,5 2,2 2010
Junho 2014
2012
Saldo
2006
10,6
2,9 2008
% Variação 12 meses
2010
2012
Junho 2014 Fonte: CETIP
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o volume total passou mesmo que em taxas Poupança SBPE – Captação Líquida (R$ bilhões) de R$ 14,2 bilhões em mais baixas”, disse. junho do ano passado Por exemplo, os saldos 10,6% Selic Over para R$ 14,8 no mesdas Letras de Crédito Média 9,6% mo mês de 2014, com Imobiliário (LCIs) e crescimento de 4%. dos Certificados de ReMas a perspectiva para cebíveis Imobiliários Poupança 7,3% o segundo semestre (CRIs), somados, cheInversamente é mais Proporcional competitiva com é positiva. Tanto as gam a R$ 170 bilhões. 20,0 Selic baixa construtoras quanto A resistência das os fabricantes de macadernetas – Embora terial de construção o crescimento dos salCaptação 12,5 têm razões fortes para dos de cadernetas de Líquida 8,3 prever uma retomada poupança tenha sido nos negócios, projemais elevado, em 2013, 2012 2013 2014 1º semestre 1º semestre 1º semestre tando um segundo sea variação em 12 memestre mais positivo. ses, até junho, ainda Fonte: Abecip e Banco Central do Brasil Nesse cálculo, levam atingiu 17%, porcenem consideração a tual ligeiramente suda economia e a elevação da taxa possibilidade de um adiantaperior ao registrado no quadride juros (Selic), de tal sorte que mento da compra de imóveis ênio 2009 a 2012, quando foi de recursos migraram para outros pelos brasileiros, precavendo16% ao ano, em média. Isso se segmentos. (Ver quadro Funding -se contra mudanças no goverexplica pela longa história das adicional) no em 2015, e o fato de a maior cadernetas, um instrumento de De todo modo, observou, parte das incorporadoras estar grande aceitação e enrarizado o saldo das cadernetas de poupreparando lançamentos ao na cultura brasileira. pança (ver quadro) se aproxima longo do terceiro trimestre. Segundo Lazari, embora a de meio trilhão de reais (R$ 490 Tranquilidade – Sobre o funsituação atual do funding seja milhões, em junho) e é suficiending do crédito imobiliário, o melhor que a de dois anos atrás, te para manter o crédito imopresidente da Abecip informou o segmento continua buscando biliário crescendo. “Isso nos dá que, apesar da redução do voalternativas para o futuro, tais bastante tranquilidade, inclusilume captado em relação a pecomo uma versão brasileira para ve porque outras modalides de ríodos anteriores, o saldo contios covered bonds, em estudo funding continuam crescendo, nuou crescendo, mantendo-se a no Banco Central. “Avançamos perspectiva de que bastante com os esnão haverá probletudos sobre o memas para o finanlhor arcabouço juPoupança SBPE – Saldo (R$ bilhões) ciamento no mínirídico e comercial mo até 2016. Lazari e esperamos em 490 mostrou que a quebreve ter condi467 da da captação líções de fazer testes O saldo se quida, que saiu de com esses papéis”, aproxima de 389 MEIO TRILHÃO R$ 20 bilhões, no adiantou Lazari 331 de Reais 300 primeiro semestre Jr., explicando que 254 de 2013, para R$ uma das questões 215 8,3 bilhões nos priem análise é a pos188 meiros seis meses sibilidade de isen25% 150 135 20% 115 127 deste ano, ocorreu ção para empresas 18% 18% 18% 11% em razão de fatoestrangeiras que 10% 7% 17% 15% 3% 10% res tais como o ritaplicarem recursos mo de evolução da nos títulos, como 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Junho 2014 renda real, o meforma de atrair ca% Variação 12 meses Saldo nor crescimento pital externo. Fonte: Abecip e Banco Central do Brasil
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Marcos Garcia de Oliveira
apa
Jornalista
Crescer com qualidade, desafio das metrópoles São Paulo, Pequim, Moscou, Mumbai ou Xangai têm uma característica comum: são metrópoles com mais de 10 milhões de habitantes e enormes desafios. Vias congestionadas, necessidade de deslocamento diário entre grandes distâncias e busca de serviços públicos de qualidade são, em maior ou menor grau, problemas comuns às populações dessas megacidades. As palavras-chave são mobilidade e sustentabilidade – e elas invadem o cotidiano de milhões de pessoas. São questões centrais nas grandes cidades brasileiras, onde crescimento de renda e crédito farto, em contraste com serviços públicos deficientes, se combinam para tornar a vida dos cidadãos um desafio complexo. Os temas urbanos estão nos planos de governo – e foram registrados na Justiça Eleitoral – de todos os candidatos à Presidência, nas eleições de outubro. Não há, de fato, apenas problemas nas megacidades, como São Paulo. As pessoas escolhem essas metrópoles para morar porque elas têm atributos que não podem ser substituídos. Emprego e acesso imediato ao crédito, inclusive ao crédito imobiliário, proximidade de faculdades, universidades e centros culturais, teatros e restaurantes significam, acima de tudo, soluções: ajudam
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as pessoas a viver melhor ou a se desenvolver. Nas metrópoles, o acesso à moradia própria ampliou-se, tanto para os indivíduos que chegam ao mercado de trabalho como para famílias que estão se formando ou para aqueles que alcançaram a maturidade e já não precisam de tanto espaço individual para viver. As cidades se transformam com projetos inovadores, como aqueles que reúnem, num só empreendimento, a residência, o escritório, a área de lazer e até a loja de conveniência, a farmácia e o restaurante. Assim tentam conviver com o risco permanente do apagão de mobilidade, vi-
Metrópoles têm atributos únicos, como emprego, acesso a crédito, escolas, centros culturais, teatros e restaurantes. São, portanto, soluções para viver melhor
sível nos congestionamentos que crescem e põem em risco a vida e o patrimônio das pessoas. Problemas e soluções, em resumo, estão no radar dos cidadãos das metrópoles. Mas, se é essencial deslocar-se entre bairros distantes, a precariedade do transporte coletivo e das condições de deslocamento nas áreas metropolitanas entrava a qualidade de vida. A população que vive em bairros distantes do local de trabalho costuma ser a mais atingida. Despende em deslocamentos diários horas preciosas que poderiam ser empregadas no trabalho, no lazer ou no estudo, com enorme custo social. Muitos trabalhadores de menor renda residem em áreas periféricas, onde os serviços públicos são precários e é insatisfatória a oferta de trabalho. A prioridade conferida ao transporte individual é uma questão ainda mais complexa – e não há solução à vista, pois as pessoas não usam o automóvel somente pelo conforto e a comodidade oferecidos, mas porque não há transporte coletivo de qualidade. No mais das vezes, os usuários têm como alternativa se servir de ônibus montados sobre carrocerias de caminhão, desconfortáveis e com baixa acessibilidade. Em 2012, o Brasil tinha uma
frota de 76,1 milhões de veícuque se deslocam por grandes O trabalho põe em debate los automotores, aumento de distâncias para ter acesso a lazer, a mobilidade e suas consequên138,6% em relação a 2001. Nos saúde, trabalho e educação, entre cias inevitáveis para a saúde dos mesmos anos, a frota de automóoutros serviços. O Rio de Janeiro, cidadãos. Transporte público deveis passou de 24,5 milhões para por sua vez, tem projeção no Esficiente significa ameaça tanto à 50,2 milhões. No Rio de Janeiro, pírito Santo, no sul da Bahia e na saúde como à qualidade de vida o número de motocicletas triZona da Mata mineira. dos habitantes das metrópoles. plicou, de pouco mais de 98 mil Assim, para fazer compras, À poluição se somam ruído e para 472 mil. por exemplo, a população brasiestresse, entre as consequências Outro aspecto do problema leira se desloca cerca de 49 km, dos engarrafamentos. foi analisado, no Censo de 2010, em média, ajudando a congesEm 2025, segundo as Nações pelo Instituto Brasileiro de Geotionar o trânsito e os serviços das Unidas, 61% da população mungrafia e Estatística (IBGE). Para grandes cidades. dial viverá em cidades; em 1975, chegar ao local de trabalho, miMais dificuldade, menos esse porcentual era de 37%. lhões de pessoas têm de se desrenda – Na década passada, as Das 21 maiores metrópoles do locar diariamente por grandes dificuldades para chegar ao tramundo, 14 estão em países subdistâncias. O tempo despendido balho, a postos de saúde ou aos desenvolvidos. E as projeções no transporte cresce com a frocentros de lazer atuaram no senindicam uma multiplicação das ta de veículos automotivos, não tido contrário ao do aumento da grandes cidades nas regiões poacompanhada de investimentos renda. “Na Região Metropolitabres. O que é bem diferente do correspondentes em transportes na do Rio de Janeiro moradores que ocorreu há 60 anos, quando coletivos. em áreas com fortes diferenças apenas 100 aglomerações urbaDistância percorrida – A tade mobilidade urbana podem nas tinham mais de um milhão bela 1 mostra a quilometragem perder até 22,8% do seu potende habitantes e a maioria estava percorrida, em média, dos cencial de renda do trabalho”, callocalizada em países ricos. Ainda tros até o destino, por moradoculam Renato Gama-Rosa Costa, segundo a ONU, em 2025 haverá res das áreas de influência das Claudia G. Thaumaturgo da Sil527 grandes cidades – e mais de metrópoles brasileiras para ter va e Simone Cynamon Cohen, 60% localizadas nos países meacesso a lazer e serviços. autores do texto “A origem do nos desenvolvidos. A tabela 1 mostra que as dicaos – a crise de mobilidade no Enquanto isso, o Brasil viveu ficuldades de deslocamento obRio de Janeiro e a ameaça à saúum dos mais rápidos processos servadas nas grandes metrópoles de urbana”, publicado em Cade urbanização do mundo: em brasileiras são agravadas também dernos Metrópole. 1940, as cidades abrigavam 46% pela atração da população, que exercem porcentual Tabela 1 sobre suas que chegou a Atraídos pela concentração de serviços, moradores de outras regiões contribuem áreas de in61%, em 1975, para atravancar os espaços já superlotados das áreas metropolitanas fluência, que alcançou 75%, Distâncias médias dos centros de destino (km)* Região de abrangem até em 1991, e Cursos influência Saúde Lazer Compras Aeroportos Jornais** mesmo muatualmente é superiores nicípios de estimada em São Paulo 217 130 49 53 54 53 Rio de Janeiro 144 141 35 41 48 36 outros Estaquase 85%, Brasília 240 184 96 107 100 100 dos, conforme projetandoManaus 215 186 218 250 269 216 mostra estudo -se 88%, em Belém 266 131 90 102 81 81 do IBGE. Com 2025. São PauFortaleza 177 186 53 73 59 63 isso, capitais lo é a terceira Recife 162 165 38 46 37 41 Salvador 192 146 54 80 77 66 como São Paumaior cidade Belo Horizonte 170 143 44 55 60 48 lo atraem pesno mundo em Curitiba 135 100 30 35 36 35 soas de Minas, termos de poPorto Alegre 165 141 26 36 33 36 Mato Grosso pulação. Hoje, Goiânia 195 161 62 65 85 70 do Sul, Mato cerca de 40% Brasil 180 148 49 60 58 55 Fonte: IBGE, Região de Influência das Cidades - 2007 Grosso, Ronda população * Distância em linha reta **Distância média entre as cidades onde o jornal é editado e onde ele é vendido dônia e Acre, brasileira vive
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A Unesco propõe que sejam realizados concursos públicos de projetos urbanos em todos os níveis. O objetivo: resolver problemas arquitetônicos e urbanísticos, enfatizar o desenvolvimento tecnológico e a qualidade de vida nas cidades. O Brasil é signatário do compromisso da Unesco, mas a preferência tem sido por soluções administrativas. O resultado, aponta Pinheiro, são soluções incompletas, que resolvem um problema e criam outros. O Plano Diretor da cidade de São Paulo trouxe um ponto positivo – maior participação da população no debate. Como explica Pinheiro: “Os planos de bairro são uma oportunidade para ampliar essa participação”. Mas a adoção dos eixos de transporte público depende tanto da melhoria efetiva do transporte público como de uma boa legislação de uso e ocupação do solo. O plano incentivou novas construções nos miolos de bairros já adensados. Não fazia parte da proposta original. “Tais regiões deveriam servir como ‘respiros’ da cidade”, lembra. A ampliação das áreas especiais de interesse social, a destinação obrigatória de 30% dos recursos da outorga onerosa para a mobilidade, novos instrumentos como o fundo municipal para a criação de novos parques e o incentivo à produção de edifícios com fachadas ativas e calçadas mais amplas devem ser vistos como sinais positivos. “Mas uma preocupação dos projetistas é a Divulgação
em metrópoles (abrangendo mais de 200 municípios). Mas pesquisas recentes indicam um esgotamento dessa tendência. Houve uma interiorização do crescimento: a população das cidades médias cresce mais rapidamente do que a das grandes metrópoles. As tendências são de maior interiorização e espraiamento da população. O que também tem aspectos negativos. Em 2010, segundo o IBGE, 14,3 milhões de pessoas trabalhavam ou estudavam fora do município de residência, quase o dobro das 7,3 milhões de 2000. O descasamento entre moradia e local de trabalho ou estudo cresce – e rapidamente. O custo do deslocamento da periferia para os centros maiores é elevado. Para o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), Haroldo Pinheiro, a construção de Brasília e o planejamento de Curitiba foram bons exemplos de urbanização. “Mas, lamentavelmente, eles vêm sendo progressivamente prejudicados”, explica. Hoje o desenvolvimento das metrópoles carece de planejamento integrado e da participação de especialistas em cidades. O Brasil tem muito a aprender com as experiências de metrópoles de países desenvolvidos, com bom planejamento e projetos de desenvolvimento definidos. Criada há um século com um projeto definido, Barcelona é um caso paradigmático: a qualidade de vida dos cidadãos é boa e há um dos melhores sistemas de tratamento de
Cândido Malta: seguir o planejamento metropolitano
resíduos do mundo. “Na França, os projetos de arquitetura e urbanismo são obrigatoriamente objeto de concurso público e, há poucos anos, Paris realizou um concurso público de projetos para conduzir o crescimento, ciente das consequências no país”. O planejamento da capital está integrado ao planejamento urbano da França.
O descasamento entre moradia e local de trabalho é problema crescente, assim como o deslocamento da periferia
O problema dos congestionamentos tem de ser pensado de forma regional, e não apenas sob a óptica municipal Pinheiro enfatiza: “Nossas cidades precisam, antes de tudo, de planejamento como política de Estado”. As soluções planejadas para os dilemas urbanos não podem mudar a cada novo prefeito. “E isso não depende apenas dos esforços das administrações municipais. Os vultosos recursos do programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, poderiam
ser utilizados para reorganizar as cidades em benefício de todos, não se restringindo simplesmente à produção de moradias isoladas, em geral em regiões sem infraestrutura urbana adequada”, afirma. Ex-secretário de planejamento de São Paulo, o arquiteto e urbanista Candido Malta Campos Filho é claro: “É preciso uma lei que obrigue os municípios a seguirem o planejamento metropolitano”. Hoje, há apenas projetos de desenvolvimento metropolitano, nem sempre obedecidos pelas prefeituras. Assim será possível, enfatiza Malta, resolver os quatro principais gargalos que afligem os habitantes das metrópoles: mobilidade, habitação popular, abastecimento de água e enchentes. A questão da mobilidade urbana, para ele, é exemplar. “Só agora está sendo iniciada a construção da primeira linha de Metrô que vai atender parte da região metropolitana de São Paulo, embora há muito se saiba que só será possível resolver o problema dos congestionamentos se a questão for pensada de forma regional, e não apenas municipal”. Mas, alerta, um equívoco foi cometido no Plano Diretor de São Paulo: “É um absurdo, o plano promove o adensamento urbano ao longo de linhas de metrô que estão superlotadas”. Os congestionamentos que maltratam os moradores de regiões metropolitanas são resultado do descasamento entre a lei de zoneamento, que permite Divulgação
complexidade dos procedimentos a serem adotados para exercerem sua atividade, tal como simplesmente saber o que se pode fazer com um determinado terreno. A própria Prefeitura não tem isso claro, terá que capacitar seu quadro”. O dilema das metrópoles – Quando se fala em desenvolvimento urbano, especialmente nas metrópoles, o Brasil está entre o péssimo e o ruim. Tem de enfrentar o déficit habitacional (faltam cerca de 7 milhões de unidades no País, segundo o IBGE), além de conviver com problemas de mobilidade, poluição e queda da qualidade de vida, o que contribui para acentuar as tensões. Nos últimos anos, no Brasil, o aumento da renda dos assalariados, a melhoria das condições para a oferta de crédito imobiliário e os programas públicos para construção de moradias propiciaram um aumento do ritmo da atividade, em especial nos grandes centros. Mas os frutos ainda deixam a desejar. Em grandes cidades, como São Paulo, crescem as pressões sobre o poder público em favor das pessoas sem moradia. E a demanda é por moradias populares nas regiões centrais, onde existem todos os serviços públicos. Se o desenvolvimento urbano não pode ser resolvido apenas pelo mercado, tampouco se podem esperar soluções adequadas sem planejamento e obrigatoriedade de obediência ao que foi planejado.
Haroldo Pinheiro, do CAU: políicas de Estado
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pação coordenada não existe no Brasil”, diz, citando como exemplo “os recursos disponibilizados para os grandes eventos (Jogos Panamericanos, Copa da FIFA, Olimpíada) e para os programas Minha Casa Minha Vida, todos de elevado impacto urbano, mas sem integração entre si e com o planejamento das cidades”. Pinheiro acredita que o primeiro passo seria a integração de
trazer para as cidades em um curto prazo de tempo. As manifestações de junho de 2013, ainda que com objetivos difusos, deram indício de que esta conscientização começa a ser construída, mas falta ainda avançar muito nesse campo”, diz ele. Propostas semelhantes são defendidas pelo ex-governador do Paraná Jaime Lerner, um urbanista reconhecido internacionalmente. Para Lerner, a educação é parte essencial do processo de desenvolvimento urbano. Ele costuma citar o resultado obtido em Curitiba, depois que conceitos básicos de sustentabilidade começaram a ser ensinados nas escolas. “Em 20 anos, nos tornamos a cidade com maior índice de reciclagem do mundo, reaproveitando 70% dos resíduos”, conta em suas palestras. Lerner entende que sustentabilidade e mobilidade são dois conceitos essenciais para a qualidade de vida nas metrópoles e defende a ideia de que não se deve perder tempo para iniciar o processo de correção de rumos. “Criatividade é começar, não podemos ser prepotentes e achar que temos todas as respostas. Temos que começar a planejar e contar com a contribuição da sociedade, que vai dizer se estamos ou não no caminho certo”. Um dos instrumentos para a sociedade balizar esse planejamento é o Ministério Público. Como afirma José Carlos de attílio
muito, e o sistema de transporte, que provê pouco. “O que temos de fazer é aumentar a oferta de transporte e ao mesmo tempo reduzir a demanda do zoneamento, mas esse é um casamento que vai demorar 10 ou 15 anos”, diz Malta. A questão da habitação popular é crítica. Em São Paulo, maior vitrine dos problemas urbanos do País, há outro aspecto criticável: a adoção de áreas de mananciais (e protegidas) para a construção de moradias mais baratas. “Com isso, o desenvolvimento urbano prejudica a questão da água, outro grande gargalo das metrópoles”. Também aqui a solução é o planejamento metropolitano, afirma Malta. “Habitação popular, abastecimento de água e controle de enchentes são claramente questões de dimensão metropolitana, que não podem ser solucionadas apenas no âmbito municipal. É preciso planejamento e o envolvimento de outras instâncias do poder público para equacionar todas as demandas”, recomenda. O presidente do CAU/BR vai além. “As grandes cidades devem conter seu crescimento horizontal e atentar para a importância da não ocupação das áreas de risco e da substituição do conceito de mobilidade pelo de conectividade urbana, com a incorporação dos espaços urbanos e da arquitetura”. Mas falta coordenação entre as três instâncias de governo no desenvolvimento das metrópoles. “Atualmente essa partici-
uma política nacional de desenvolvimento urbano com a política econômica, de maneira que se possa enxergar o País como um todo, assim como as vocações naturais e os destinos estratégicos de cada região, buscando a desconcentração sustentável das metrópoles e das cidades de médio porte. “Isso não virá de cima para baixo. Entendo que é necessária uma conscientização da sociedade do papel do planejamento e os resultados positivos que ele pode
Freitas, primeiro promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo do MP de São Paulo, esse esforço vem sendo realizado no Estado desde 1993, quando foi criada a Promotoria de Urbanismo, para combater os loteamentos clandestinos. Desde então, seus integrantes enfrentam a dificuldade de definir legalmente o que é um projeto ‘negativo’ para a cidade e seus habitantes. “Há muita criatividade na busca de alternativas para tornar os projetos viáveis, legal e economicamente”, diz ele, explicando que, a partir daí, surgem desvios que trazem problemas para as regiões próximas ao empreendimento. “Em muitos casos não
blico e para a população em geral. Freitas enxerga esse tipo de atitude em relação aos problemas urbanos até mesmo em iniciativas do poder público, como é o caso do Plano Diretor de São Paulo aprovado este ano. “As propostas aprovadas têm gerado dúvidas entre arquitetos e urbanistas, pois não levam em conta todos os aspectos envolvidos”, diz ele. Cita como exemplo a ideia de se promover o desenvolvimento ao longo dos eixos estruturantes e o estímulo ao crescimento em áreas voltadas para a preservação da natureza, “que podem comprometer a qualidade de vida da população e a própria sustentabilidade”.
Educação é parte essencial do desenvolvimento das cidades, como analisa Jaime Lerner, um dos maiores especialistas em mobilidade urbana se dimensiona corretamente o impacto de uma obra sobre o entorno, gerando problemas viários, redução de cobertura vegetal (criando-se ilhas de calor) e redução da capacidade de absorção de água pluvial”, conta Freitas. Isso traz custos pesados para a cidade, para o poder pú-
O peso do crédito imobiliário O crédito imobiliário tem papel relevante na vida das metrópoles. Responde, em primeiro lugar, por parcela expressiva das novas construções. E é, assim, um dos principais vetores do desenvolvimento urbano, contribuindo para a melhoria na qualidade de vida dos moradores. Resultados parciais relativos ao período 2006/2013 dão conta da importância do financiamento habitacional nas cinco principais metrópoles brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e Curitiba). Em 2013, estimativas da área técnica da Abecip revelam a que 110 mil unidades foram financiadas, nessas capitais, com recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), ou seja, das cadernetas de poupança. Os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná, além do Distrito Federal, concentram cerca de 70% do número total de financiamentos.
Mas, como alerta Haroldo Pinheiro, do CAU/ BR, “resolver o problema habitacional não é só tentar solucionar uma questão econômica”. Ele sugere que os bancos analisem em grande profundidade os projetos habitacionais que demandam crédito. Seria ideal, notou, que houvesse “uma métrica para se aferir os custos/benefícios do empreendimento para a cidade como um todo”. No caso dos bancos públicos, ainda melhor seria que eles tivessem uma visão holística das cidades, “sintonizada com o planejamento proposto nos planos diretores de desenvolvimento urbano”. Para Cândido Malta Filho, os bancos deveriam usar seu peso na defesa de políticas públicas voltadas para a racionalização do processo de desenvolvimento urbano. “As instituições podem, por exemplo, fomentar o debate sobre os melhores caminhos para as metrópoles, criando opinião pública favorável a propostas nesse sentido”.
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FH 50 ANOS
Fabio Pahim Jr. Jornalista
A maturidade do sistema de crédito imobiliário Criado pela Lei 4.380, de 21 de agosto de 1964, o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) chega aos 50 anos. E há mais motivos para comemorar a efeméride do que para rememorar os percalços enfrentados ao longo da história do modelo brasileiro de crédito imobiliário, que nasceu para enfrentar o problema do déficit habitacional e para atender “à aspiração popular pela moradia própria”1. Em cinco décadas, o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) financiou a aquisição de cerca de 6,1 milhões de unidades. Se incluídos os financiamentos com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o número atinge 15,3 milhões. Em 2013, apenas no âmbito do SBPE foram emprestados R$ 109 bilhões para a aquisição ou construção de cerca de 530 mil imóveis. E o crédito imobiliário continua crescendo, neste ano, conforme os dados do primeiro semestre. Não há, no plano quantitativo, termo de comparação entre o que ocorria antes do nascimento do SFH e o que ocorre meio século depois da sua implantação. Mas a história de meio século do SFH enseja lições. No Brasil pré-SFH, as aquisições de imóveis só eram possíveis mediante o pagamento à vista ou com financiamento direto do vendedor e, em caráter excep-
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cional, quando o mutuário era contemplado com uma das raras modalidades de crédito oficial, como o propiciado pelos institutos de aposentadorias e pensões, caso do Ipesp, de São Paulo. A inflação era uma grande inimiga do crédito habitacional. Os preços haviam ganhado asas no período Juscelino Kubitschek, passando dos 20% ao ano – e como estava em plena vigência a Lei da Usura, de 1933, limitando os juros a 12% ao ano, a política econômica pressupunha a existência de juros negativos, como se fosse possível conviver com esse absurdo por muito tempo. Os preços continuaram em forte alta no curto mandato de Jânio Quadros e deram um salto até os 80%, em 1963, no governo de João Goulart, quando se previa um ritmo anual superior a 100%, em 1964. Já no governo Castello Branco, a inflação foi de 91,9% naquele ano – só declinando a partir de 1965. Mas continuou em patamar muito elevado, de 34%, em 1966, e 38%, em 1967. Uma inflação, portanto, resistente o bastante para ser virtualmente incompatível com sistemas de crédito de longo prazo. Ao criar o SFH, o Brasil inovou ao promover a convivência entre realidades contrapostas. A Lei 4.380/64 criou o Banco Nacional da Habitação (BNH) e
as Sociedades de Crédito Imobiliário (SCIs) como agentes do novo modelo de crédito imobiliário no País, ao lado das caixas econômicas, há muito conhecidas. Só em fins de 1966 foram criadas as Associações de Poupança e Empréstimo (APEs), as cédulas hipotecárias e o FGTS. Com o Fundo, os empregadores passaram a recolher uma contribuição mensal incidente sobre os salários. A ideia era substituir o instituto da indenização por tempo de serviço por um sistema que engessasse menos as relações trabalhistas. O FGTS foi implantado para ancorar o SFH e propiciar funding ao sistema habitacional, que dependia das Letras Imobiliárias. As cadernetas de poupança, conhecidas há um século e meio, passaram a receber depósitos com correção monetária. Mas só com o aprimoramento das regras ganharam expressão, a partir de 1967. O equilíbrio pretendido para o modelo de financiamento habitacional decorria da correção monetária, criada no mesmo texto que instituiu o SFH, para evitar que o retorno dos empréstimos fosse negativo. Foram estabelecidos instrumentos compensatórios para proteger o sistema contra os riscos de desemprego e inadimplência. A correção monetária era definida por índices sancionados pelo Conselho Na-
cional de Economia. E aplicada, no SFH, por intermédio da moeda do BNH, a Unidade Padrão de Capital (UPC), com valor reajustado semestralmente. O BNH era, simultaneamente, responsável pelas regras, pelo controle e pela fiscalização do SFH. E, na qualidade de banco de segunda linha, pela concessão de créditos, repassados pelos agentes financeiros. Tinha atribuições demais – e conflitantes. O modelo do SFH pressupunha que a oferta de recursos do FGTS, assegurada por restrições aos saques, traria funding crescente para o crédito imobiliário, num ritmo semelhante ao do crescimento dos salários, do mercado de trabalho e da economia. O fortalecimento da captação via cadernetas tinha como objetivo aumentar a oferta de recursos no curto prazo. A exemplo de outras instituições, transcorreram anos entre a implantação e o deslanche do novo modelo. O SFH só levantou âncora nos anos 1970. Os depósitos de poupança eram de apenas US$ 421 milhões, em 1970, ou menos de 1% do PIB de US$ 42,3 bilhões. Demorou uma década para que chegassem aos US$ 15 bilhões, em 1980 (6,3% do PIB de US$ 237,3 bilhões), segundo a publicação Abecip 30 Anos2. A demanda de recursos crescia mais do que o avanço dos depósitos. Entre 1966 e 1980 foram financiadas 1,17 milhão de unidades habitacionais, das quais 22% em 1980. Entre 1980 e 1982, quando 786 mil moradias foram financiadas, ou 46% de tudo o que havia
sido financiado em 15 anos, desde a criação do SFH, os saldos das cadernetas de poupança cresceram apenas 50%, em termos reais. A prefixação da correção monetária, em 1979 e 1980, provocou um esvaziamento real dos saldos depositados em cadernetas de poupança e dos saldos do FGTS, enquanto as pessoas corriam para aplicar em ativos reais. O rebaixamento da correção não atingiu, portanto, o objetivo cen-
Recessão, desemprego e inflação criaram o ambiente para o desequilíbrio do SFH, nos anos 80, pois as salvaguardas previstas, como o FCVS, o CES e o FIEL, não deram conta do recado tral: conter a inflação, que passava dos 100% ao ano. Problema ainda maior, a recessão econômica derrubou o PIB no triênio 1981/1983. Recessão, desemprego e inflação criaram o ambiente para o desequilíbrio do sistema, pois seus mecanismos de salvaguarda – como o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), o Coeficiente de Equiparação Salarial (CES) e o Fundo para Pagamento de Prestações no caso de Perda de Renda por Desemprego e/ou Invalidez Temporária (FIEL), entre outros
– mostraram-se insuficientes para o reequilíbrio dos contratos. A partir daí a inadimplência tornou-se avassaladora e o remédio oficial foi ainda pior: em 1985, o reajuste anual das prestações – que seria de 246%, pela variação da UPC – foi reduzido para 112%, desde que os mutuários aceitassem reajustes com maior frequência, conforme as variações de salário, pelo critério do Plano de Equivalência Salarial (PES/CP). Era mantida inalterada a indexação dos saldos devedores, que dispararam. Formou-se um gigantesco rombo no SFH, pois o FCVS não podia cumprir as obrigações com os agentes financiadores. Durante duas décadas, o SFH ficou estacionado. A oferta de crédito despencou. Em quatro anos (1983 a 1986) foram financiados apenas 184,3 mil imóveis – ou 71% do que havia sido financiado num único ano (1982). Enquanto cresciam a população e a demanda de moradias, o SBPE financiou, entre 1983 e 2005 – em 22 anos, portanto – apenas 1,3 milhão de unidades, menos de 60 mil por ano, em média. A reconstrução – Mas os números mal retratam o que se passava no plano institucional. Enquanto empresas independentes, como SCIs e APEs, desapareciam, fortalecia-se o sistema bancário, evitando que o SFH se tornasse um grave obstáculo ao equilíbrio das contas públicas. Decisões como a extinção do BNH, em novembro de 1986, em nada ajudaram a tarefa de reconstrução do crédito imobiliário – afinal, o BNH reunia um enorme grupo de
1. José Antonio Cetraro, em Revista do SFI número 29, Uma avaliação das normas do sistema, 2009 2. Abecip 30 Anos – História e Futuro do Crédito Imobiliário, 1998
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especialistas em financiamento à habitação. A origem dos problemas do SFH não estava no BNH, mas na política macroeconômica, na recessão e na pajelança dos planos heterodoxos. Apenas parte dos quadros do velho BNH foi absorvida pela Caixa Econômica Federal (CEF) e pelo Banco Central – que ficou com a responsabilidade pela regulamentação e pela fiscalização do SFH. O decreto-lei 2.406, de janeiro de 1988, permitiu a liquidação antecipada ou a transferência de contratos com saldos devedores vinculados ao FCVS, mediante a concessão de desconto. Iniciava-se, ali, um processo de redução das responsabilidades financeiras do FCVS, que só agora, transcorrido mais de um quarto de século, vai chegando ao fim. Um grande avanço institucional ocorreu em setembro de 1988, quando o Conselho Monetário Nacional criou, pela Resolução 524, a figura dos bancos múltiplos. Os agentes financeiros do SFH, em sua maioria SCIs, foram transformados em carteiras de crédito imobiliário dos bancos comerciais. Mas o sistema de crédito imobiliário necessitava bem mais do que uma reorganização normativa. Era preciso pensar num modelo mais moderno e capaz de resistir ao tempo. Começou, na Abecip, um processo equivalente à refundação do SFH. Os agentes do crédito imobiliário iniciaram o estudo de mecanismos capazes de eliminar o rombo passado e de retomar os financiamentos. O pressuposto é óbvio: o crédito de longo prazo é essencial para as famílias e parte relevante das políticas públicas para a habitação. E
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assim teria de ser considerado em todas as esferas públicas. Dirigentes e consultores da Abecip reuniram-se intensamente desde o final dos anos 80 para avaliar as experiências de outros países em crédito imobiliário e formular propostas para o Brasil. Uma das ideias era criar um novo modelo habitacional, baseado em premissas de mercado – e o resultado foi o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI). Outra era revigorar o Sistema Financeiro da Habitação (SFH). A opção final foi preservar a expe-
A Abecip teve um papel decisivo na formulação das propostas que permitiram modernizar o crédito imobiliário a partir dos anos 1990 e que posteriormente deram fôlego ao financiamento riência passada, ao mesmo tempo que eram introduzidos novos institutos jurídicos. Capazes, inclusive, de dar sustentação ao crédito imobiliário quando os depósitos de poupança deixassem de ser suficientes para financiar toda a demanda habitacional. Vários nós foram desatados, a partir de então. Projetos de reforma do SFH e de criação do SFI foram discutidos na Abecip e em seminários com a participação de especialistas internacionais. A temática foi amplamente debatida no VIII Encontro da Abecip, realizado em Brasília, em novembro
de 1995, com a presença do vice-presidente da República, Marco Maciel, do ministro da Fazenda, Pedro Malan, e a participação de um dos maiores especialistas em crédito imobiliário da história brasileira, o ex-ministro Mario Henrique Simonsen. A memória do encontro está no livro SFI – Um novo modelo habitacional, editado pela Abecip, em 1995. Algumas medidas de ordem jurídica já haviam sido adotadas para fortalecer o sistema habitacional. É o caso da instituição, em março de 1991, da Taxa Referencial de Juros (TR), até hoje empregada como mecanismo de correção de ativos e passivos do SFH. Novos planos de correção das prestações foram instituídos, criando as condições para a retomada das operações. Pela Medida Provisória 1.520, de 1996, estabeleceu-se a possibilidade de novação da dívida do FCVS com as instituições financeiras. A dívida do FCVS foi assumida pela União para ser quitada no prazo máximo de 30 anos, com juros anuais de 3,17% ao ano para os financiamentos originalmente concedidos com recursos do FGTS e de 6,17% para os demais financiamentos pelo SFH. Dois anos depois foi eliminada a possibilidade de se formarem saldos devedores residuais ao final do prazo contratual dos contratos com os mutuários. O grande marco – A Lei 9.514, de 1997, foi o grande marco da transição de um sistema de financiamento que se tornou vítima dos óbices macroeconômicos para um sistema moderno de crédito imobiliário. Foi instituída a alienação fiduciária de bem imóvel, baseada na experiência bem
sucedida da alienação fiduciária de automóveis. Combinada com a possibilidade de execução extrajudicial prevista no Decreto-Lei 70, de 1966, tornou-se possível destravar o crédito imobiliário. O Judiciário assimilou a mudança. Hoje, a alienação fiduciária garante a quase totalidade das operações de crédito imobiliário. É uma garantia exercida, em caso de inadimplência, pelos agentes financeiros, que, antes dela, dependiam da execução da hipoteca, em casos de inadimplência. E a resolução das hipotecas era lentíssima – em geral, superior a cinco anos. Simultaneamente, foram criadas as companhias securitizadoras, cuja captação é feita pela emissão de Certificados de 2.477,1 1993
1.620,9 1990
1.119,0 1992
mento atraente para os financiadores e, além de atraente, indispensável para os mutuários, como ocorre em todos os países que têm vigorosos sistemas de crédito imobiliário. Os números recentes são conhecidos. No quadriênio 2006/2009 foi financiado mais de um milhão de unidades. E no quadriênio seguinte (2010/2013) esse número atingiu cerca de 1,9 milhão. Numa década, o volume de recursos aplicado anualmente pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo saiu de R$ 2,2 bilhões (2003) para quase R$ 530 bilhões (2013) – ou seja, quase 240 vezes mais. A relação entre o crédito imobiliário e o PIB já se aproxima dos 9% e as carteiras habitacionais se tornaram as mais importantes para os bancos, nas operações com pessoas físicas, superando o crédito pessoal e o crédito a veículos. O sistema de crédito imobiliário nascido há meio século cumpre a finalidade básica – facilitar o acesso das famílias à moradia. Mas, como no passado, seu bom funcionamento depende do nível de emprego, da inflação contida e de juros módicos, além de regras claras. Esses atributos são indissociáveis do crédito sustentável de longo prazo.
Recebíveis Imobiliários (CRIs). Estabeleciam-se os laços entre o sistema imobiliário e o mercado de capitais. E novos papéis foram lançados, nos anos seguintes, para ampliar os instrumentos de captação de recursos para o mercado imobiliário. Esse processo só não precisou se desenvolver mais por conta do vigor das cadernetas de poupança, que resistiram extraordinariamente na história e até hoje são o principal mecanismo de captação de recursos do SFH. Uma legislação mais recente, a Lei 10.931, de 2004, fortaleceu a atividade da construção civil e as incorporações imobiliárias, permitindo a segregação dos empreendimentos do balanço das construtoras, pelo mecanismo do patrimônio de afetação. Ampliavam-se, mais uma vez, as garantias do sistema – desta feita, não só para os credores, mas para os compradores de imóveis na planta. Estava criado o ambiente favorável à vigorosa retomada do crédito imobiliário, registrada ao longo da década passada, com base nas alterações normativas da década de 1990 e da primeira metade da década passada. Reduziram-se, em resumo, os custos de transação, transformando as operações de crédito imobiliário num instru-
916,4 1994
O crescimento sustentável do SBPE
Regras melhores e menos inflação favorecem a expansão 421,3 472,6
299,6
1991
74,9 41,0 64,8 53,7 61,3
46,5 38,2 35,4 39,3 35,1 36,4 35,7 28,9 36,4 53,8 61,1 22,4 9,5
5,2
1,6
8,9
5,9 7,6
12,5 9,3
7,6 5,6
529,7
492,9
302,6
453,2
195,9 113,8
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5,9
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1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Nº de unidades financiadas (SBPE, em mil)
Inflação (%) Fonte: IPCA (IBGE) e Abecip
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uros
Controles de juros, fontes de incertezas e conflitos Teotonio Costa Rezende Mestre em Gestão e Estratégia de Negócios O objetivo deste artigo é identificar as experiências e regulamentações internacionais relativas à existência ou não de um teto para a taxa de juros, ou seja, a definição do que seria caracterizado como taxa de juros abusiva e, portanto, ilegal. Trata-se de um tema de extrema complexidade, como se verá. Não se pretende aqui entrar no mérito jurídico do assunto, mas identificar como é tratado no mundo, em especial na União Europeia, nos Estados Unidos e em alguns países da América Latina, como Chile e Uruguai. E, a partir daí, verificar em que medida a experiência internacional é útil para o Brasil. Com relação à Europa, uma excelente referência é o Estudo sobre as Restrições da Taxa de Juros na União Europeia, elaborado, em 2010, pelos professores Udo Reifner, Sebastien Clerc-Renaud e Michael Knobloch, do Institut für Finanzdienstleistungen e. V. Rödingsmarkt, da Alemanha. Com ênfase nas relações de consumo, trata-se de uma ampla análise dos diversos aspectos relacionados ao crédito nos 27 países da região, destacando as questões relativas à existência ou não de um teto para as taxas de juros. Ainda em relação à União Europeia, merecem destaque os seguintes documentos: - Directiva 2008/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23/4/2008; - Decreto-Lei 133, de 2/6/2009, de Portugal; - Decreto-Lei 42-A, de 28/3/2013, de Portugal; Em relação ao Chile, uma referência importante é a Lei 18.010, de 27/6/1981 e, ao Uruguai, a Lei 18.212, de 5/12/2007. Em princípio, sendo a taxa de juros o preço pela utilização da ‘mercadoria’ dinheiro e, conhecendo-se quão inúteis e nefastas têm sido as
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experiências em termos de controle e tabelamento de preços de mercadorias e serviços, seria natural concluir que o ideal, em relação às taxas de juros, é que estas sejam livremente definidas pelo mercado. Portanto, num ‘mundo ideal’, o “laissez-faire” seria a única regra para regular o mercado financeiro. Mas a prática sugere que entre o ideal e o real há uma distância. E que, sem alguma regulação e muita transparência, o “mundo real” pode implicar mais riscos do que o “mundo possível”. Argumentos contra o teto de juros – Não são poucos os argumentos contrários à regulação das taxas e, em especial, à definição de tetos. Um deles é de que um teto traz consequências indesejáveis, prejudicando quem se queria proteger. Considerando-se que há uma relação direta entre o preço do dinheiro – taxa de juros – e o risco do tomador, criar um teto para o juro elevaria a taxa de rejeição nos bancos. O crédito seria inacessível para clientes com pior perfil, pois o teto não cobriria os riscos nesse segmento. Poderia ainda provocar uma seleção adversa, retirando do mercado os participantes mais agressivos, que atuam em nichos de alto risco, vendem produtos mais caros ou operam em condições muito arriscadas. A redução da concorrência poderia elevar, para perto do teto, as taxas cobradas dos bons clientes. Em resumo, o mercado deve fixar os preços. As taxas devem ser reguladas pela oferta e a procura, assegurando produtos competitivos para o consumidor. Seria melhor educar os consumidores, evitando comprometer a renda ainda não gerada e prevenir contra o superendividamento. Argumentos a favor do teto – Mas alguns argumentam a favor da definição de um teto, afirmando:
a) taxas abusivas são aplicadas sobre os consumidores com menor nível de informação e, não raramente, baixo poder econômico; b) elevadas taxas de juros podem pôr em risco o cumprimento dos contratos pelos consumidores; c) faltam instrumentos para assegurar que as taxas não subam a ponto de causar danos aos consumidores; d) mesmo na presença de concorrência real e transparente, o mercado, por si só, não é eficaz o bastante para definir preço justo, requerendo a ‘arbitragem’ por autoridades reguladoras do mercado e pela concorrência, equilibrando emprestadores e tomadores de empréstimos. Regras claras e transparentes – No mercado financeiro, a falta de regras claras e transparentes provoca conflitos de interesse entre credores e devedores. Cria-se uma lacuna e o imobilismo ou lentidão do Poder Legislativo incentiva o Poder Judiciário a atuar como árbitro das contendas. Mas, dada a diversidade de entendimento no âmbito do Judiciário, há o risco de decisões diversas para um mesmo tema, aumentando o risco do negócio e elevando o spread bancário. Em contraste com a liberdade de atuação do mercado, regras claras e objetivas estabelecendo limites acima dos quais as taxas de juros são consideradas abusivas evitariam que as decisões sejam tomadas pelo Poder Judiciário, de maneira não padronizada. No Brasil, o § 3º do artigo 192 da Constituição de 1988 tentou limitar a taxa de juros reais a 12% ao ano. Mas a aplicabilidade da regra, felizmente, estava condicionada à edição de lei complementar e foi revogada pela EC 40/2003. Numa economia com histórico de instabilidade e altas taxas de inflação, a fixação do teto de juros em 12% ao ano asfixiaria o mercado financeiro, gerando instabilidade, inibindo a oferta de recursos e fazendo que os bancos fossem obrigados a aplicar normas extremas de seletividade de crédito, além de induzir operações de baixo risco e, de preferência, com garantia real. Ademais, a definição de ‘juros reais’ poderia resultar em interpretações equivocadas e no aumento das contendas judiciais. Mesmo defensores do limite aos juros e da re-
gra de que o descumprimento seja tratado como abusivo e ilegal evitam alternativas que estabeleçam teto único, como o previsto no artigo 192 da Constituição. Ou seja, não se podem ignorar as enormes diversidades de características dos produtos financeiros e de seus respectivos riscos, tanto das operações como dos tomadores. Por exemplo, seria absurdo comparar um financiamento de crédito imobiliário, com garantia real e Loan-to-value (LTV) inferior a 80% feito por cliente com rating AAA, a uma operação de cartão de crédito, sem garantia real, com cliente com rating D. Cabe ainda evitar, na busca de limites aos juros, armadilhas como as definidas no Decreto 2.626/33, cujo artigo 4, redigido sem clareza, transformou-se em matéria-prima da “indústria de liminares”, pois uma taxa de juros de 1,0% ao ano, com capitalização mensal, é considerada ilegal, mas é legal uma taxa de 60% ao ano, com capitalização anual. Em síntese, a utilização de limites à taxa de juros baseada em conceitos como o anatocismo, ou capitalização de juros, ou ainda em aspectos jurídicos relativos ao padrão da taxa de juros – Taxa de Juros Nominal versus Taxa de Juros Efetiva – além de se sustentar em conceitos arcaicos e ambíguos, não cobre elementos relativos a custos adicionais ou regras desvantajosas na composição do cálculo do efetivo custo do dinheiro para o devedor. Abre-se, assim, o caminho para evasões, sem benefícios para devedores ou para credores. Os únicos beneficiários de modelos como este são aqueles a quem interessa a situação de ‘quanto pior melhor’. Ou seja, cujos negócios advêm da falta de transparência e do fomento às divergências entre devedores e credores. Decisões não padronizadas – Divergências à parte sobre o benefício da definição, clara e objetiva, de um teto para a taxa de juros, verdade é que, na ausência desta, no caso brasileiro, o Poder Judiciário tem se manifestado de forma não padronizada, de acordo com o entendimento de cada juiz ou cada turma da Suprema Corte. Como exemplo, pode-se destacar que a jurisprudência tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia (REsp 271.214/RS), ao dobro (REsp
A Constituição de 1988 tentou limitar a taxa real de juros a 12% ao ano, mas felizmente a aplicabilidade da regra dependia da edição de lei complementar
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1.036.818) ou ao triplo (REsp 971.853/RS) da média. Exemplos: 1) Em contrato de financiamento bancário, garantido por alienação fiduciária, foi considerada abusiva a taxa pactuada (31,84% ao ano) em relação à taxa média de mercado (23,54% ao ano). 2) Empréstimo de pequeno valor de R$ 800: o STJ verificou que a cobrança foi maior do que o triplo da taxa média de juros praticada no mercado na época (70,55% ao ano) e mais do que a Selic (19,75% ao ano). O salto de R$ 800 para R$ 1.177,62 significou 11% ao mês de juros capitalizados ou 249,85% ao ano. 3) Em outro empréstimo, de R$ 1.000,00, com juros de 14% ao mês, foram cobrados juros anuais de 380,78%. Os juros foram considerados abusivos pois a taxa média, na época da realização do empréstimo, era de 67,81% ao ano. Nota-se, portanto, que a ausência de um teto formal para as taxas de juros no Brasil, além de contribuir para conflitos na relação entre credor e devedor, que poderia se transformar em “credor & devedor” na presença de regras transparentes, impõe risco imensurável para os agentes econômicos, haja vista a disparidade nas decisões judiciais, o que colabora para a elevação do spread bancário. Assim, não se podem descartar os benefícios que adviriam para o mercado financeiro brasileiro, tanto em termos de transparência quanto de mitigação de riscos e redução de custos, decorrentes de uma eventual definição, formal e objetiva, de um teto para os juros e da caracterização, de forma padrão, do que são juros abusivos. Importa destacar a questão relativa à capitalização de juros em período inferior a um ano, bem como a Tabela Price, em face de interpretações equivocadas do Decreto 2.626/33, mais precisamente de seu artigo 4º. Durante quase três décadas foi debatida a pertinência ou não, para o mercado financeiro, de se enfrentar referidos problemas via edição de nova lei. Somente em julho/2009, por meio da Lei 11.977, superou-se a questão da capitalização de juros em período inferior a um ano, passando a ser mensal. Explicitou-se a legitimidade da utilização da Tabela Price, mas só para as operações de crédito imobiliário. Claro que a transparência será
sempre vantajosa para aqueles que, direta ou indiretamente, interagem no mercado financeiro. O ideal seria que as medidas reguladoras das taxas de juros fossem adotadas no âmbito do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central, com o respaldo de lei editada pelo Congresso. Mas na falta de iniciativa dessas entidades, seria adequado, salvo melhor juízo, que a Suprema Corte agisse. Um exemplo recente é o da Colômbia: reinava cizânia no país relativamente à capitalização de juros (não muito diferente do que ocorria no Brasil até a edição da Lei 11.977/2009). Diante do vácuo legal e da inércia do Poder Legislativo, a Suprema Corte trouxe para si a responsabilidade de regulamentar a questão. Do ponto de vista econômico, não foi a decisão mais adequada, mas foi definida uma regra clara e padronizada que ajudou a mitigar os riscos de demandas judiciais e permitiu que os agentes econômicos ajustassem seus procedimentos à luz da regra definida pela Justiça. Mitigou-se o risco de que as incertezas provocassem escassez de recursos e elevação do spread bancário. Na Alemanha, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu haver forte presunção de que taxas de juros que são o dobro daquelas praticadas no mercado são contrárias aos bons costumes (seção 138 do BGB). Embora os tetos de juros sejam impostos administrativamente, os tribunais alemães transformaram o antigo princípio subjetivo de bons costumes em um moderno teto da taxa de juros objetiva. É um processo que, em princípio, está aberto aos Estados-Membros da União Europeia. Muitos países, do mundo desenvolvido e em desenvolvimento, têm tetos de juros no crédito ao consumidor. Entre estes estão França, Bélgica, Países Baixos, Polônia, Eslováquia, Irlanda, Portugal, Alemanha, alguns estados da Austrália, Canadá, alguns estados dos EUA, Chile, Uruguai, África do Sul e Japão, entre outros. O sistema bancário islâmico proíbe a cobrança de juros e usa uma participação nos lucros do negócio como remuneração daquele que aporta capital, mas este é um caso particular, que não serve de exemplo para os países capitalistas. Situações concretas – Serão tratadas, agora, as práticas efetivas de tetos de juros nos Estados Uni-
Os tribunais alemães transformaram um velho princípio subjetivo num moderno teto da taxa de juros
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dos, Chile, Uruguai e União Europeia, com destaque para Portugal. Nos Estados Unidos, a regulação das taxas pode variar de Estado para Estado. Em alguns inexiste teto e, nos que existe, predomina o de 12% ao ano, relativamente baixo comparado aos vigentes na Europa. Pode parecer contrassenso destacar o teto de 12% ao ano em Estados norte-americanos e criticar a ideia inicial do artigo 192 da Constituição brasileira. Mas a diferença está na solidez e na estabilidade da economia norte-americana e na tradição da prática de juros baixos no país. Há muitas situações diferentes. Na Índia, por exemplo, segundo a professora Marja Hoek, consultora do Banco Mundial, uma lei limita os juros em 26% ao ano. Na Colômbia, está em discussão na Corte Constitucional uma norma com o objetivo de fixar um teto de juros variável com a inflação, entre outros parâmetros. No Chile há um exemplo interessante e aparentemente simples: pela Lei 18.010/91, a taxa de juros corrente é a taxa de juros média cobrada pelos bancos e pelas sociedades financeiras estabelecidas no país. As médias são estabelecidas em relação às operações efetuadas durante cada mês calendário e as taxas de juros resultantes são publicadas no Diário Oficial na primeira quinzena do mês seguinte, com vigência até o dia anterior à próxima publicação. Para determinar a taxa de juros média, o regulador poderá excluir as operações sujeitas a refinanciamentos ou subsídios ou outras que, por sua natureza, distorçam a taxa de juros de mercado. Não se pode estipular uma taxa de juros que exceda em mais de 50% a taxa de juros corrente em vigor no momento da concessão do crédito, quer seja fixa, quer variável. O limite de 1,5 vez a taxa de juros corrente se denomina taxa de juros máxima. Embora tenha como vantagem a simplicidade no cálculo, tem como desvantagem o fato de não haver tetos diferenciados para os diferentes perfis de operações, bem como levar em conta apenas a taxa de juros, não considerando as demais variáveis que compõem o custo efetivo total. No contexto da regulação da taxa de juros, de uma maneira geral e não apenas no que concerne à definição de um teto, desperta interesse o caso do Uruguai: a Lei 18.212, de 5/12/2007, foi
editada para enfrentar a ausência de clareza nas leis e normas que regulamentavam o mercado financeiro e cuja falta de transparência e ambiguidade gerava conflitos permanentes entre credores e devedores, abarrotando o Poder Judiciário com ações e gerando riscos enormes para os credores, ao provocar alta do spread bancário e contenção da oferta voluntária de recursos. Referida lei, por sua clareza e abrangência, deveria ser estudada tanto no Congresso Nacional como no Poder Judiciário e no Ministério Público. Ela é iminentemente técnica e se esmera no quesito transparência. Chega a ponto de apresentar exemplos e fórmulas de cálculo. Ao definir o juro abusivo, o modelo do Uruguai leva nítida vantagem sobre o do Chile, pois apura o teto a partir do Custo Efetivo Total. Este leva em conta todo o custo do capital para o devedor, segrega as taxas médias por destinatários – famílias (pessoas físicas), micros e pequenas empresas e as demais empresas e, principalmente, por faixas de valores e modalidades de crédito. O Banco Central do Uruguai publica as taxas médias e as máximas. Estas são definidas como teto para a taxa de juros de cada uma das modalidades de operação, diferenciando-as por prazos, moedas, destinatários dos créditos e modalidades de operações. As médias são apuradas com base nas operações realizadas no trimestre móvel anterior à data da concessão do crédito, podendo o BC excluir da base de cálculo operações cuja atipicidade possa desvirtuar as taxas livremente praticadas pelo mercado. Considerando cada uma das taxas médias de acordo com o público destinatário e a modalidade de crédito, considera-se taxa abusiva aquela que superar em 60% (1,6 vez) a taxa de juros média publicada pelo BC para operações cujo valor seja de até dois milhões de unidades indexadas, sendo que esse limite será de 90,0% (1,9 vez) a taxa de juros média para operações com valores superiores ao limite de dois milhões de unidades indexadas. Este modelo, com ajustes, poderia ser referência a ser avaliada pelo Conselho Monetário Nacional e, na falta de iniciativa, pela Suprema Corte. Os juros na UE – O Study on interest rate restrictions in the EU, de 2010, avalia a política de taxas de juros nos 27 países-membros da União Europeia.
A lei uruguaia leva em conta o Custo Efetivo Total e segrega as taxas médias por clientes
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É possível que haja alterações mais recentes, que não invalidam nem desqualificam as informações. No caso de Portugal, há também uma legislação específica no país. O CCD 2008 – União Europeia – teve um forte impacto sobre a definição de teto para a taxa de juros. Até março de 2010, a implementação estava concluída em apenas cinco Estados-membros, mas outros 12 já tinham projetos para iminente implantação. Apenas Portugal, Holanda e França tinham utilizado o CCD 2008 para introduzir ou alterar os tetos de taxas de juros. No caso de Portugal, houve grandes avanços em relação à Taxa Anual de Encargos Efetiva Global (TAEG), uniformizada no quadro da Comunidade Europeia e com método normalizado de cálculo e anexado ao decreto-lei 133/2009, permitindo apresentar exemplos da sua aplicação, requeridos na fase pré-contratual. As instituições europeias de crédito ao consumidor podem estar sujeitas a vários reguladores, entre os quais se incluem: - Banco Central (Itália, Portugal, França), com empréstimos restritos a instituições autorizadas pelo banco. - Um ministério, na Bélgica, ou uma agência especializada, no Reino Unido, Alemanha, Holanda e Estônia. - Uma autoridade de defesa do consumidor (Irlanda, Bulgária, Letônia) ou da Inspeção do Mercado (Eslovênia). - Um provedor dos consumidores, juntamente com uma Autoridade de Supervisão Financeira (Finlândia). Uma avaliação sobre a eficácia do teto para as taxas de juros nos países da UE mostrou que houve acordo entre as organizações de consumidores quanto à eficácia da existência de teto para a taxa de juros e de regulação dos preços dos créditos. A percepção de baixa eficácia só predomina nos Estados-membros onde não há tetos para a taxa. A avaliação da eficácia referente à existência de tetos, num grau de 1 a 5, apresentou os seguintes resultados: (1) França, Bélgica, Portugal: muito eficaz (4.5); (2) Chipre, Dinamarca, Finlândia, Itália, Países Baixos: eficaz (4.0); (3) Polônia, Áustria, Bulgária, República Che-
ca, Estônia, Letônia, Lituânia, Eslováquia, Eslovênia, Suécia, Romênia: indiferente (3.0); (4) Espanha, Alemanha, Grécia, Hungria, Luxemburgo, Malta, Reino Unido: menos eficaz (2.1); e (5) Irlanda: não é eficaz (1.0) Os resultados coincidem ao supor que tetos rigorosos são os mais eficazes, especialmente se estão em vigor por um longo tempo, enquanto princípios gerais revelam preocupações quanto à sua efetividade. O Estudo sobre Restrições à Taxa de Juros mostrou que em 13 Estados-membros não há teto para a taxa de juros. No entanto, algum tipo de teto existe nos 14 restantes. Destes 14, três Estados-membros utilizam tetos absolutos (sobre a taxa nominal fixa) e 11 Estados-membros têm tetos relativos, isto é, os limites máximos são calculados em relação a uma variável, como a taxa média de mercado ou a taxa de base. Em termos de taxa de juros e de mecanismos de fixação de teto na União Europeia, de forma sintética, pode-se afirmar que a maioria dos Estados-membros que aplicam tetos tem optado por determiná-los de acordo com coeficientes de multiplicação que variam de país para país. Para os que aplicam o coeficiente de preços médios de mercado de crédito, os seguintes coeficientes estão em uso: Portugal e França (1,33 vez); Itália (1,5); Alemanha, Eslováquia e Eslovênia (2 vezes); e Estônia (3 vezes). A Polônia também utiliza um método de cálculo baseado em um coeficiente de multiplicação (de quatro vezes), mas este é aplicado a uma taxa de referência endógena, ou seja, uma taxa do banco central, em oposição a taxas contratadas nos próprios mercados de crédito. Ressalte-se que a dispersão do teto da taxa de juros é alta e revela variações extremamente elevadas. Na Eslovênia, por exemplo, chega a 453% ao ano num pequeno empréstimo, mas o limite é de 13,2% ao ano num empréstimo de longo prazo. Na França, em março de 2010, o spread entre os tetos para diferentes formas de crédito situou-se entre 5,72% ao ano e 21,63% ao ano. Alguns países fornecem esses tetos só excepcionalmente: na Espanha, aplicam-se ao cheque especial e ao crédito à habitação de inte-
Nos países da União Europeia, há diversas formas de limitação a juros em 14 Estados membros e liberdade em 13
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resse social; na Irlanda, estão restritos a cooperativas de crédito e agiotas; na Grécia, valem para não bancos; e na Holanda, as hipotecas estão excluídas. País a país – Apresenta-se, a seguir, uma síntese do tema em diversos países da União Europeia: França – Tem uma longa história de uso de tetos das taxas de juros. Atualmente, estabelece uma TAEG máxima relativa de 133% da média de taxas de juros encontradas para diferentes tipos e quantidades de crédito, por exemplo, tetos separados por crédito rotativo e parcelamento e para pequenos e grandes valores de créditos. Isso levou a um sistema com 12 tetos, dos quais seis aplicáveis ao crédito de consumo. Ou seja, os tetos de taxas de juros diferem dependendo do tipo, prazo e valor do empréstimo. O teto é de 1,33 vez a taxa de mercado para cada segmento de mercado, calculado sobre a taxa média praticada pelas instituições de crédito no trimestre anterior para os empréstimos de mesmo tipo e que apresentem risco semelhante. A África do Sul adotou um modelo semelhante de abordagem, com os empréstimos divididos em sete categorias. Alemanha – A jurisprudência limita a flexibilidade dos credores, obrigando-os a cobrar não mais do que o dobro da taxa média do mercado. Mas há uma segunda condição: se as taxas médias de mercado superarem 12,1% ao ano, o nível do teto aplicado não será mais de duas vezes (24,2%), mas será limitado pela segunda condição em 24,1%. O efeito de moderação adicional é enorme: se a média de mercado chegasse a 30% ao ano, o limite de juros seria de 42% ao ano, e não de 60% ao ano, se prevalecesse a regra de duas vezes a taxa média. Itália – Usura é crime na Itália e a legislação fornece um detalhado sistema de tetos de usura com base em 50%, calculado acima das taxas médias do mercado para diferentes tipos de crédito e diferentes quantidades de crédito. Polônia – Os valores-teto na Polônia estão sujeitos à regulamentação no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. A taxa de juros máxima na Polônia é um teto de taxa relativa para todos os tipos de crédito, calculado por referência à taxa Lombard multiplicado por quatro.
A taxa Lombard, em 2010, era de 5% ao ano, o que resultava numa taxa máxima de 20% ao ano. O mecanismo para limitar as taxas é de 2005. O limite máximo é fixado em relação à taxa de juros do empréstimo, não considerando o custo total do crédito, ou seja, a TAEG ou CET. Espanha – Em geral, há apenas limite para a taxa de juros do crédito de cheque especial. O artigo 19 do Código de Defesa do Consumidor determina que os saques a descoberto em conta corrente não podem incorrer em juros superiores a 2,5 vezes o nível da taxa de juros legal – e esta é estabelecida anualmente na Lei do Orçamento. Há regras específicas para setores especiais, como os relativos ao financiamento da habitação de interesse social. Um sofisticado sistema regula estas taxas. Os juros estão na forma da TAEG e são definidos por referência a índices como a “taxa de juros legal” (que é o índice aplicável ao padrão). Excluindo-se essas duas modalidades de crédito, as demais taxas cobradas do consumidor são livres. Reino Unido – A usura é comumente entendida como empréstimos em excesso ou juros exorbitantes, mas não existe um termo definido na legislação e não há sanções legais para esta prática, desde que o credor seja licenciado pelo regulador. No entanto, os tribunais têm o poder de intervir em contratos de crédito ao consumo, onde a relação entre devedor e credor seja considerada “injusta”. Ressalve-se que a norma Atos dos Agiotas, abolida em 1974, continha uma presunção de que taxas de juros superiores a 48% ao ano eram consideradas abusivas. República Tcheca – O teto para a taxa de juros é de quatro vezes a taxa de juros média. Eslováquia – São consideradas abusivas as taxas de juros superiores a 30% ao ano. Lituânia – A usura não é legalmente definida e não há restrições nem tampouco teto para as taxas de juros. Portugal – o Decreto-lei 133, de 2/2009, com as alterações introduzidas pelo Decreto 42-A, de 28/3/2013, em seu artigo 28, adota os seguintes procedimentos para definição de juros abusivos e para delimitação do teto das taxas de juros: 1 – É considerado usurário o contrato de cré-
Na Espanha, só há teto para juros ativos nas operações a descoberto em conta corrente, como por exemplo, no cheque especial
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eventual adoção de práticas similares no mercado financeiro do Brasil. No entanto, para fins de dimensionamento da relação entre a taxa máxima e a taxa média, é essencial levar em conta as diferenças entre os dois países, principalmente na parte relativa às taxas de juros efetivamente praticadas nos dois mercados. Neste particular, embora se possa valer da experiência portuguesa, a Lei 18/12/2007, do Uruguai, parece mais próxima à realidade brasileira. De qualquer forma, é inegável que a definição de um teto para as taxas de juros é uma violação ao livre funcionamento do mercado e, portanto, qualquer iniciativa neste sentido não pode ter caráter paternalista e, muito menos, populista. Deve estar fundada em critérios técnicos e na regulação, não na intervenção no mercado. Deve-se afastar de limites de taxas que não levem em conta todas as variáveis que compõe o custo efetivo total. Importante também se afastar de teses arcaicas e que somente trazem distorções ao funcionamento do mercado, sem proteger os consumidores, caso do anatocismo, ou fixar conceitos imprecisos relativos à relação entre taxas nominais e taxas efetivas. Uma provável externalidade da adoção de teto para a taxa de juros será o aumento da restrição à concessão de crédito a clientes de altíssimo risco, pois o hiato entre taxa média e a taxa máxima pode ser insuficiente para cobrir e remunerar adequadamente o nível de risco a que se expõe este segmento de clientes. A dúvida é se esta será uma externalidade negativa ou positiva. Afinal, se de um lado reduz a oferta de crédito para um segmento de pessoas ou de empresas, por outro contrai o espaço para as instituições financeiras operarem numa fatia de mercado com maior margem operacional. Ao proteger clientes contra o superendividamento, poderá criar um freio à agressividade dos emprestadores. Há, afinal, uma linha tênue que separa a agressividade da irresponsabilidade, com implicações para a saúde e a sustentabilidade do Sistema Financeiro Nacional. Attílio
dito cuja TAEG, no momento da celebração do contrato, exceda em um quarto a TAEG média praticada pelas instituições de crédito no trimestre anterior, para cada tipo de contrato de crédito aos consumidores. 2 – Também é usurário o contrato de crédito cuja TAEG, no momento da celebração do contrato, embora não exceda o limite definido no número anterior, ultrapasse em 50% a TAEG média dos contratos de crédito aos consumidores celebrados no trimestre anterior. 3 – A identificação dos tipos de contrato de crédito aos consumidores relevantes e a definição do valor máximo resultante da aplicação do disposto nos números anteriores são determinadas e divulgadas ao público trimestralmente pelo Banco de Portugal, sendo válidos para os contratos celebrados no trimestre seguinte. 4 – Nos contratos sob a forma de facilidade a descoberto, com obrigação de reembolso no prazo de um mês, considera-se que são usurários se a TAEG exceder o máximo definido. 5 – É ainda havido como usurário o contrato de crédito na modalidade de ultrapassagem de crédito cuja TAN, no momento da sua celebração, exceda o valor máximo de TAEG definido, nos termos dos números anteriores, para os contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito em prazo superior a um mês. 6 — Considera-se automaticamente reduzida à metade do limite máximo previsto nos números 1, 2, 4 e 5 a TAEG, ou, no caso de ultrapassagem de crédito, a TAN, que os ultrapasse, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal. No contexto da defesa dos direitos dos consumidores, o arcabouço normativo e legal vigente em Portugal, tanto no que se refere à apuração e divulgação da TAEG quanto à transparência no relacionamento entre credores e devedores, quanto no que se refere à delimitação do que são e do que não são juros abusivos, é, sem dúvida, uma referência para fins de avaliação de uma
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ercado de crédito
Divulgação
Medidas microeconômicas e o desenvolvimento do crédito Marcos de Barros Lisboa Vice-Presidente do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa A relevância do mercado de crédito é tema recente na economia brasileira. Até os anos 1990, a elevada taxa de inflação, a volatilidade do ambiente econômico e as frequentes mudanças institucionais, com alterações nos contratos existentes, inviabilizavam o mercado de crédito. A instabilidade dos preços, o mecanismo da correção monetária e o desenvolvimento tecnológico permitiram o desenvolvimento peculiar do sistema financeiro no Brasil naquele período. O custo da inflação era parcialmente compensado pela movimentação dos recursos no sistema bancário, que garantia a correção diária dos recursos. Esse processo levou ao surgimento de bancos universais, com grande capilaridade e a capacidade de corrigir os depósitos. A inflação induziu soluções que procuravam compensar, ainda que parcialmente, seus imensos custos sociais. A sofisticação do sistema de intermediação bancária no Brasil dos anos 1990 foi a resposta possível às peculiaridades econômicas e institucionais do País à época, como a correção monetária, sendo seu custo pago pelo imposto inflacionário. A estabilidade econômica, conquistada com o Plano Real, teve impacto sobre o sistema bancário. A redução abrupta da inflação significou a redução dos benefícios da intermediação financeira e, simultaneamente, incentivou o desenvolvimento do mercado de crédito. O sistema bancário brasileiro viabilizava a existência de uma ampla rede de agências e instrumentos de captação de recursos, cujo custo não mais podia ser financiado apenas pelo diferencial de taxa nominal de juros e a elevada taxa de inflação. Por essas razões, a segunda metade da década de 1990 foi um período de transição do sistema fi-
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juros dos empréstimos em reais eram maiores, porém as operações em dólar enfrentavam o risco da desvalorização. Alguns preferiram maior segurança, pagando maiores taxas de juros por isso, tomando empréstimos em reais. Outros tomavam empréstimos em dólar, pagando menores taxas de juros, porém aceitavam o risco da desvalorização. A desvalorização ocorreu. Ações judiciais, no entanto, evitaram que os tomadores de empréstimos em dólar arcassem com o custo da sua aposta. Eles receberam o benefício de menores taxas de juros, porém arcaram apenas parcialmente com o custo possível das suas escolhas, a desvalorização cambial, protegidos pelo Judiciário. A insegurança das regras institucionais se traduz em custo para as operações de crédito, muitas vezes implicando simplesmente o fechamento dos mercados. As operações de leasing cambial praticamente cessaram depois de 2000, prejudicando muitos tomadores de crédito cujas rendas são em moedas estrangeiras e que prefeririam receber recursos indexados ao dólar. No começo do primeiro governo Lula, a agenda de reformas para o mercado de crédito foi retomada. A expansão do crédito consignado exemplifica os princípios que balizaram essa agenda. Os créditos consignado e pessoal utilizam os mesmos depósitos bancários para financiar o consumo das famílias. A única diferença ocorre na forma de pagamento das dívidas, deduzido diretamente do salário do tomador no caso do consignado. A diferença na forma de pagamento tem, no entanto, impactos sobre os riscos da operação de crédito e o seu custo para o tomador final. A dedução direta das obrigações na folha de pagamento reduz o risco de inadimplência. Além disso, o crédito Attílio
nanceiro no Brasil, com a consolidação do sistema bancário e as opções de arbitragem em uma economia ainda bastante instável. O desenvolvimento do mercado de crédito, no entanto, encontrava restrições institucionais. Empresas em dificuldades tinham diversos mecanismos disponíveis para evitar honrar suas obrigações, como a antiga lei de falências e o mecanismo da concordata. Em caso de falência dos tomadores de empréstimos, os bancos devem arcar com o custo de recuperação dos ativos e, no Brasil, esses custos são significativos. A complexidade e morosidade judicial, os baixos valores eventualmente recuperados e a insegurança sobre o processo implicam custos para o processo de concessão de crédito. O segundo governo Fernando Henrique Cardoso iniciou uma agenda para reduzir os custos das operações de crédito. O objetivo era reduzir a insegurança das operações e a perda de recursos em caso de inadimplência. A alienação fiduciária, por exemplo, teve por objetivo garantir maior eficiência na recuperação dos recursos emprestados em caso de não pagamento das dívidas. A regra do valor incontroverso tinha por objetivo garantir o pagamento dos valores das dívidas que não eram questionados judicialmente. Com frequência, ações judiciais eram propostas arguindo os juros das dívidas, sendo concedidas liminares que não apenas suspendiam os valores questionados, mas também o pagamento integral das dívidas. A volatilidade macroeconômica adicionava insegurança às operações de crédito. O caso do leasing cambial foi particularmente traumático. Em um período de câmbio controlado, porém com muitas dúvidas sobre a sua sustentabilidade, existiam empréstimos em reais e em dólar. As taxas de
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consignado induz a melhor seleção dos tomadores de empréstimos. Potenciais tomadores de dívidas, com receio de honrar suas obrigações, podem aceitar o crédito pessoal, porém não o consignado, que impõe maior dificuldade para a possibilidade de inadimplência. Dessa forma, o crédito consignado reduziu o risco de inadimplência e garantiu ganho de produtividade para a concessão de crédito, com queda do custo dos financiamentos, implicando menores taxas de juros para os clientes e, portanto, um aumento da renda dos tomadores de crédito, em valor presente. Funchal, Coelho e Mello (2012) estimam que a lei resultou em queda de 7,7 pontos porcentuais da taxa de juros real anual e um aumento no volume de crédito mensal de mais de 150%(1). As melhores regras para a alienação fiduciária de automóveis, a partir de 2005, levaram a uma queda dos spreads e aumentaram o prazo dos empréstimos, como mostram Assunção, Benmelech e Silva (2012). O spread cobrado dos tomadores com menor risco caiu 11,5% em relação à média e houve aumento do número de parcelas de 5,9%. A probabilidade de financiamento de carros novos aumentou entre 22,9% e 29,1%, além de aumentar o acesso ao crédito de clientes com menor renda(2). As novas letras de crédito, como a do agronegócio (LCA) e a do crédito imobiliário (LCI), assim como regras que garantiam maiores garantias para a oferta de crédito, permitiram ampliar o acesso ao crédito e a queda da taxa de juros, decorrente da queda do risco de inadimplência, e a incorporação de novos segmentos ao mercado de crédito. Reformas semelhantes ocorreram no financiamento imobiliário, em que a melhora da qualidade das garantias pode ter um impacto ainda mais relevante sobre a expansão do crédito e seus efeitos derivados sobre a produção e o emprego. Nos países desenvolvidos, o crédito imobiliário corresponde à maior parte do financiamento concedido às famí-
lias e a construção civil é a principal componente do investimento em capital fixo. Desde 2003, o crédito para consumo no Brasil convergiu para os níveis observados nos países desenvolvidos em quase todas as modalidades. A principal exceção, no entanto, ainda se encontra no crédito imobiliário, extremamente relevante nos países desenvolvidos, porém ainda relativamente pouco relevante no Brasil. A relevância do financiamento imobiliário para o desenvolvimento dos países decorre da inerente qualidade das garantias, que permite menores taxas de juros. Os custos de concessão de empréstimos imobiliários se reduzem na medida em que os imóveis cujo financiamento não foi pago possam ser retomados com celeridade e vendidos. Menores custos com a inadimplência resultam em menores taxas de juros e maiores prazos para os tomadores de empréstimos. No caso do Brasil, o financiamento de imóveis apresentava riscos adicionais. Caso o construtor enfrentasse dificuldades com algum dos seus empreendimentos, os demais projetos seriam solidariamente responsáveis pelas obrigações devidas, onerando tanto o financiador dos projetos quanto os tomadores de crédito imobiliário. As novas regras para o patrimônio de afetação tiveram como objetivo reduzir o risco de contaminação no financiamento de novos imóveis. Cada novo empreendimento passou a poder ser segregado, assim como suas obrigações tributárias e trabalhistas. Financiadores e compradores passaram a poder acompanhar o cumprimento das obrigações de cada projeto e assumi-los em caso de dificuldade do empreendedor, sem responsabilidade pelos demais projetos da construtora, reduzindo o custo e a insegurança do financiamento imobiliário e permitindo menores taxas de juros e maior volume de crédito concedido. Além disso, a reformulação da legislação sobre valor incontroverso reduziu o risco de contaminação do pagamento das dívidas por alguma contes-
A relevância do crédito imobiliário para o desenvolvimento decorre da qualidade das garantias, com juros menores, baixa inadimplência e retomadas céleres
1. Assunção, J.; E. Benmelech & F. S. Silva (2012): “Repossession and the Democratization of Credit”, NBER working paper; 17858. 2. Funchal, B.; C. A. Coelho & J. M. P. Mello (2012): “The Brazilian payroll lending experiment”; in Review of Economics and Statistics; 94(4). A. Ao contrário do consignado e da alienação fiduciária, ainda não existem análises controladas sobre a eficácia dessas medidas
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tação judicial assessória, como a discussão das taxas de juros. Menores riscos significaram menores custos para a concessão de crédito e melhores condições de financiamento para as famílias. As novas regras para o cálculo do ganho de capital no caso de venda de imóveis, pela atualização parcial dos valores nominais quando da aquisição do imóvel, e a isenção de tributação caso os recursos sejam utilizados para adquirir um novo imóvel tiveram por objetivo reduzir a tributação sobre a atualização, ainda que parcial, do valor dos imóveis em decorrência da inflação do período, que, do ponto de vista econômico, não corresponde a ganhos de capital, assim como reduzir a cunha tributária sobre a troca de imóveis residenciais, aumentando a liquidez do mercado(A). No entanto, como nas demais modalidades de crédito no Brasil, ainda existem diversos fatores que aumentam a incerteza na concessão de financiamentos e seus custos esperados, onerando os tomadores de empréstimos. Os questionamentos judiciais imotivados e a ausência de implicações para quem os introduz adicionam incerteza e custo ao financiamento imobiliário e terminam por prejudicar os compradores de boa fé. A dificuldade com a retomada das garantias, em caso de inadimplência, implica maiores custos para o financiamento de imóveis e resulta em maiores taxas de juros e menor concessão de crédito. A maior qualidade na garantia dos empréstimos e a facilidade na retomada dos imóveis em caso de não pagamento das dívidas permitiriam a redução nas taxas de juros e a ampliação da oferta de crédito. Além disso, a maior segurança na execução das garantias induziria uma melhor seleção dos devedores, reduzindo o risco de crédito. Os bons pagadores se beneficiariam de menores facilidades aos inadimplentes.
Além disso, a afetação dos recursos captados para projetos específicos, blindados contra eventuais dificuldades das instituições financeiras, com garantias rapidamente exequíveis em caso de inadimplência, garantiria maior segurança para os compradores de imóveis financiados. Por fim, o registro de propriedades no Brasil ainda é excessivamente complexo em comparação com os demais países, inclusive os emergentes. O custo e a insegurança com a observância das regras oneram a todos. O sistema cartorial concede privilégios a grupos de interesse em detrimento da sociedade. A concessão de crédito no Brasil, em particular o crédito imobiliário, apresentou importantes avanços desde a estabilização dos preços em 1994. No entanto, a complexidade dos procedimentos para registro de imóveis, os elevados custos de transação e as dificuldades e insegurança jurídica na execução das garantias em comparação com outros países oneram as operações de crédito, prejudicando os tomadores de crédito. O debate sobre possíveis desenvolvimentos do mercado se crédito no Brasil se beneficiaria de uma análise comparativa das características do nosso mercado em comparação com outros países e seus impactos sobre o bem-estar dos tomadores de crédito. A recente crise do mercado de crédito nos países desenvolvidos aponta a necessidade de uma análise prudencial cuidadosa que contraponha os custos e benefícios das normas atuais e seus possíveis aperfeiçoamentos. Simplificar os procedimentos, viabilizar a eficiente execução das obrigações, minimizando os custos desnecessários de transação, reduzir a insegurança e os mecanismos de contestação indevidos beneficiariam a maioria. Andar pelo acostamento não deve ser mais benéfico do que seguir as regras. Para o bem de todos.
A maior segurança na execução das garantias induz a uma melhor seleção dos devedores, reduzindo o risco de crédito e permitindo que os bons pagadores tenham mais facilidades
A concessão de crédito no Brasil, em particular de crédito imobiliário, apresentou importantes avanços desde a estabilização dos preços, em 1994, com o Plano Real
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egistro eletrônico
O sistema SREI acelerará as transações imobiliárias Flaviano Galhardo Titular do 10º CRI e diretor da Arisp Em Revista do SFI recente, foi feita uma breve introdução ao projeto desenvolvido pela Associação dos Registradores de Imóveis de São Paulo (Arisp), com o apoio do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (Irib) de implementação do registro eletrônico de imóveis na forma preconizada no artigo 38 da Lei 11.977 de 7/7/2009 (1). Foram, então, explicitadas as premissas jurídicas e tecnológicas da proposição e alguns módulos que iriam compor a chamada Central Registradores de Imóveis, sobretudo para explicar o funcionamento da plataforma destinada ao protocolo eletrônico de títulos (e-Protocolo) para postagem, tráfego, download e controle de escrituras e contratos de financiamento imobiliário, elaborados na forma de documentos eletrônicos. Passado mais de um ano e meio da idealização do projeto, cumpre atualizar os leitores sobre o estágio do novo modelo. Primeiro, registre-se que, após inúmeras discussões, revisões e aperfeiçoamentos nos estudos, a proposta foi acolhida pela Corregedoria Geral de Justiça, por intermédio da edição dos Provimentos 42/2012 e 11/2013, ambos consolidados no Provimento 37/2013(veja www.extrajudicial.tjsp.jus.br), que deu nova redação a todo o Capítulo XX das Normas de Serviço da CGJ-SP. Com essas novas normas atinentes ao Registro de Imóveis, o Poder Judiciário estadual, no âmbito de sua competência constitucional de delegar, fiscalizar e, portanto, regulamentar os serviços públicos que lhe são subordinados, cumpre o comando legal supra citado, estabelecendo regras de segurança para o registro eletrônico com atendimento aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP) e à arquitetura e-PING (Padrões de Inte-
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roperabilidade de Governo Eletrônico). Da íntegra dessa regulamentação, verifica-se a instituição de uma seção inteira (Seção XI) destinada ao Registro Eletrônico de Imóveis (SREI). O item 315 prevê: “O Serviço de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI) será prestado aos usuários externos por meio de plataforma única na internet que funcionará no Portal Eletrônico da Central de Serviços Eletrônicos Compartilhados dos Registradores de Imóveis (Central Registradores de Imóveis), desenvolvido, operado e administrado pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp), composto dos seguintes módulos e submódulos: I – Ofício Eletrônico; II – Penhora Eletrônica de Imóveis (Penhora Online); III – Certidão Digital; IV - Matrícula Online; V - Pesquisa Eletrônica; VI – Protocolo Eletrônico de Títulos (e-Protocolo); VII – Repositório Confiável de Documento Eletrônico (RCDE) VIII – Acompanhamento Registral Online; IX – Monitor Registral; X – Correição Online (acompanhamento, controle e fiscalização; XI – Cadastro de Regularização Fundiária Urbana; XII – Cadastro de Regularização Fundiária Rural; e XIII – Central de Indisponibilidade de Bens.” Todos esses módulos, que podem ser utilizados por intermédio do site www.registradores.org. br, já se encontram implantados e, além dos 315 Registros de Imóveis do Estado de São Paulo, outros
cartórios dos Estados de Santa Catarina, Minas Gerais, Mato Grosso e Pará começaram a integrar referida central, baseados em termos de cooperação firmados entre as corregedorias estaduais e a Arisp. Importante observar que, conforme o “Manual de Instruções para Integração dos Registros de Imóveis com a Central de Serviços Eletrônicos Compartilhados dos Registradores de Imóveis – Versão 1.0 Março/2014”, o sistema privilegia a não transferência da base de dados da serventia para a Central Registradores de Imóveis, pois os cartórios que optam pela utilização de servidores virtuais são dispensados de atualização diária do Banco de Dados, tendo em vista que as informações serão obtidas pelo sistema, diretamente por comunicação via WebService. E, mesmo quando a serventia opta pela utilização de infraestrutura compartilhada, o modelo em operação segrega a base de dados de cada cartório, o que permite a administração individualizada desses dados diretamente pelo oficial de registro. Dessa forma, dados os riscos de concentrar todas as matrículas e todos os dados em um só lugar, em razão da possibilidade de sobreposição ou de duplicação do banco de dados, a filosofia do projeto tem como principal pressuposto a mantença da responsabilidade do oficial pela geração, guarda e conservação do acervo registral, de acordo com a circunscrição imobiliária de sua competência. Vale dizer, os oficiais permanecem responsáveis pelos registros, certidões e informações registrais fornecidas pela central a quem incumbe, tão somente, a canalização integrada e inteligente dos serviços numa única plataforma na internet. Dos treze módulos previstos, três, em especial, merecem comentários – o número VI – Protocolo Eletrônico de Títulos (e-Protocolo); o número VII – Repositório Confiável de Documento Eletrônico (RCDE); e o número IX – Monitor Registral; O e-Protocolo, já tratado, em pormenores*, é o canal de envio dos títulos ao registro e já se encontra em plena utilização por parte dos tabeliães de notas. Em 2014, mais de 2.500 traslados digitais de escrituras foram recepcionados pelo sistema que
conta com ferramentas próprias para o pagamento online dos emolumentos e acompanhamento do procedimento registral pelo interessado, através de login e senha fornecidos no ato da solicitação do serviço. E o registro é recebido pela internet com a possibilidade de se fazer um download da certidão digital da matrícula com os atos nela praticados. Com relação aos contratos de financiamentos imobiliários, a estrutura já está aparelhada para receber o chamado Extrato de Instrumento Particular. Com Efeitos de Escritura Pública, simplesmente denominado pelas normas de serviço como “Extrato”, a ser apresentado sob a forma de documento eletrônico estruturado em XML (Extensible Markup Language), e em conformidade com o modelo normatizado pela Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo. Para tanto, a Arisp contratou a consultoria do LSI-TEC Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológico, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), que se encarregou da elaboração da documentação estrutural básica dos arquivos. Lastreados em termos de cooperação recíproca já firmados, técnicos dos principais bancos que atuam no segmento de financiamento imobiliário vêm mantendo, a passos largos, as tratativas com a área de TI da Central Registradores, com o intuito de iniciar a fase de testes neste semestre. Acrescente-se que, conforme previsto no item 262 das Normas, além dos contratos de financiamento, os procedimentos de intimações e consolidações nas alienações fiduciárias também poderão ser feitos ou enviados sob a forma eletrônica por meio do módulo e-Protocolo. O Repositório Confiável de Documento Eletrônico (RCDE) é um sub-módulo do e-Protocolo que favorecerá e desburocratizará ainda mais o acesso dos contratos imobiliários ao Registro de Imóveis, sobretudo dos instrumentos de baixa, de liberação e de cancelamento de garantias, tais como hipotecas e alienações fiduciárias. Como explica o juiz Antonio Carlos Alves Braga Júnior, assessor da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo e membro do Grupo de Trabalho incum-
Nos contratos de financiamento, a estrutura cartorial já está aparelhada para receber o chamado Extrato de Instrumento Particular com Efeitos de Escritura Pública
* Flaviano Galhardo, O Registro Eletrônico representa enorme avanço, in Revista do SFI número 37, ano 2012
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passado. Com o Monitor Registral, o interessado poderá monitorar a matrícula, com a frequência que quiser (semanalmente, mensalmente, etc) e ser automaticamente avisado pelo sistema via e-mail ou SMS, caso haja a prática de algum ato de registro ou de averbação. A grande vantagem desse modelo de Central é a conciliação da imprescindível segurança jurídica da titulação da propriedade imobiliária com a desburocratização e a rapidez tão almejadas pelo mercado imobiliário. Ela foi idealizada para dar agilidade aos negócios, mas sem abrir mão de assegurar a eficácia dos assentos, a higidez das informações e a garantia de perpetuidade dos registros públicos, garantia essa vinculada à responsabilidade circunscricional dos oficiais delegatários pela sua guarda e conservação. Ganhando escala na sua utilização, a Central Registradores de Imóveis vem sendo considerada um divisor de águas na prestação do serviço de registro imobiliário brasileiro, na medida em que possibilita a solicitação e o recebimento do serviço pela internet. Resta o desafio de implantar o novo modelo em todas as circunscrições imobiliárias do País, seja mediante termos de cooperação firmados entre as Corregedorias-Gerais dos Estados e a Arisp, seja por meio de uma regulamentação nacional, a ser aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça. Assim o Registro de Imóveis, que há mais de 160 anos dá sustentação ao mercado de direitos imobiliários, ganhará em âmbito nacional contornos de eficiência, rapidez e modernidade. O que representará uma das maiores conquistas não dos registradores de imóveis, mas da sociedade brasileira. Attílio
bido do desenvolvimento do SREI, o RCDE “funciona como uma espécie de biblioteca para todo título que seja submetido ao registro”. Braga Junior avança: “Serão armazenados, com toda segurança, os documentos complementares e também os instrutórios. O registrador recebe o título eletrônico e, para visualizar os documentos instrutórios, basta acessar essa área. Ou seja: não precisa receber , imprimir nem manusear papel. Uma grande utilidade do Repositório Confiável de Documento Eletrônico será o armazenamento (de uma única via) de documentos necessários ao registro de uma multiplicidade de títulos. Por exemplo, no caso de instituições financeiras, procurações, estatutos ou contratos sociais poderão ser arquivados uma única vez e darão suporte ao registro de centenas ou milhares de títulos”. Outra novidade da central é o Monitor Registral, que possibilita o acompanhamento permanente da situação da matrícula imobiliária. Como se sabe, a certidão do registro retrata a situação da matrícula até o momento da solicitação. Ela não contempla ocorrências futuras com o imóvel. Nesse sentido, momentos após a expedição da certidão, pode ocorrer o ingresso de outros títulos tendo por base o mesmo imóvel, como alienações, compromissos de venda, locações, garantias reais, penhoras, arrestos, sequestros e indisponibilidades de bens. E isso traz, como consequência, a necessidade de atualização constante dessa certidão no período compreendido entre o início da contratação e a concretização do negócio imobiliário, sob pena de se utilizar uma informação congelada no
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Investimentos imobiliários e formação de capital Celso L. Martone Professor titular da FEA-USP A queda da poupança e do investimento – É conhecido o fato de o Brasil ter baixas taxas de poupança e investimento, quando comparadas com os países emergentes. Esta é uma das razões de o País crescer a taxas bem inferiores a eles. Ademais, a partir de 2008, assistimos a uma queda adicional das taxas de investimento e poupança, concomitante com a redução do crescimento da economia. Em números redondos, a poupança caiu perto de 4 pontos de porcentagem do PIB, enquanto o investimento caiu perto de 2,5 pontos. A diferença foi o aumento do déficit em conta corrente no balanço de pagamentos (a poupança externa) para 3,5% do PIB, como mostra o gráfico. A composição da poupança interna é perversa. Usando números de 2013, a poupança privada (famílias e empresas) foi de 16,5% do PIB e a poupança pública (setor governamental) foi negativa em 2,5%, o que produz a taxa de 14% para a poupança interna. O investimento atingiu 17,5% do PIB, financiado por esses 14% de poupança interna mais 3,5% do PIB de poupança externa. Além de não contribuir com o esforço de poupança nacional, o setor público usa 2,5 pontos porcentuais da poupança privada para financiar seu déficit. Este é, sem dúvida, um dos fatores que travam o desenvolvimento brasileiro.
A redução da poupança parece ter sido a consequência inevitável das políticas adotadas a partir de 2008. Essas políticas tinham como objetivo expandir o consumo interno, por pelo menos três caminhos simultâneos: a redistribuição da renda, o aumento do próprio consumo do governo e o aumento do crédito ao consumidor. Como o consumo cresceu acima do crescimento da renda real, a poupança caiu em relação ao PIB. É interessante observar que, além de seus objetivos políticos, as políticas adotadas pelos dois últimos governos são coerentes com a visão kalekyana sobre como funciona uma economia capitalista. Trata-se de uma teoria mecanicista, que se apoia em dois postulados: a) o aumento do consumo (das famílias e do governo) aumenta o excedente das empresas; e b) o aumento do excedente produz aumento do investimento. Ou seja, a expansão do consumo e do déficit do governo gera a expansão do investimento e o crescimento sustentável da economia. A evidência de que a economia não funciona assim é a queda do investimento e do crescimento da renda pós-2008, a despeito do extraordinário aumento do consumo doméstico e das despesas do governo, no período. Uma das proposições centrais dessa teoria, de que “o investimento gera sua própria poupança” e,
No Brasil, as construções representam 40% dos investimentos totais e há um interesse especial em conhecer o que se refere a residenciais e a não residenciais, pois o comportamento e a motivação dos investidores são diferentes
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portanto, não é necessário até 2013. Como os investiestimular a poupança, mas mentos na indústria devem sim o consumo, mostra-se ter caído nos últimos anos, falsa. em função do baixo desemA taxa bruta de investipenho desse setor, é promento brasileira não é comvável que grande parte da patível com o crescimento formação de capital tenha do PIB além de 2,5-3,0% ao ocorrido nas construções, ano. Esta é a realidade que especialmente comercial e temos vivido desde 2011. residencial. Nos últimos quatro anos A expansão dos investi(2011-14), o crescimento mentos em construção civil médio da economia foi de iniciou-se em 2006. Uma 1,9% ao ano e a taxa mémaneira indireta e parcial dia de investimento foi de de acompanhar a evolução 17,5% do PIB. do setor desde então é pela O setor imobiliário e produção física dos princia formação de capital – O pais insumos utilizados na estoque de capital, pelo criconstrução civil, indicador tério das contas nacionais, acompanhado mensalmené formado por três elemente pelo IBGE na pesquisa tos: máquinas e equipamentos, construções e vada produção industrial. Segundo este indicador, riação de estoques. No Brasil, as construções têm de 2006 a 2013 a produção desses insumos cresceu representado, em média, 40% dos investimentos to33%, média anual de 3,6%. A indústria da construtais. Infelizmente, o IBGE só divulgou a composição ção civil como um todo cresceu 38%, média anual da formação de capital até 2009, o que impede uma de 4,1%. As duas taxas são próximas e superiores ao avaliação de como cada componente evoluiu nos crescimento médio do PIB no período. últimos anos. De interesse especial, mas também Neste ponto é necessário fazer uma distinção não disponível, é a participação do investimento entre os investimentos diretamente produtivos e em construção nos segmentos residencial e não-reos investimentos em construção residencial. Os prisidencial. Embora ambas sejam consideradas invesmeiros se traduzem em aumento do estoque de mátimento, seu comportamento no tempo depende quinas, equipamentos e construções empregado na de causas e motiprodução de bens vações diferentes. e serviços, ao pasEnquanto os invesso que os segundos Taxa de Investimento, Taxa de Poupança e timentos não-resimelhoram a quaDéficit em Conta-Corrente (% do PIB) denciais dependem lidade de vida da 24 basicamente das população e, evenexpectativas de extualmente, a proInvestimento 20 pansão da produdutividade da força ção e dos lucros, os de trabalho. Du16 investimentos resirante a expansão Poupança denciais dependem recente, os investi12 das expectativas de mentos residenciais renda real do connão foram acompa8 sumidor e das connhados por investidições de financiamentos industriais, Déficit C/C 4 mento. e especialmente O investimento em infraestrutura. 0 total cresceu 8,8% Esse descompasso ao ano entre 2006 resulta na perda de -4 a 2008, mas apenas competitividade da 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 3,9% ao ano daí economia brasilei-
Em seis anos, o crédito imobiliário passou de 3% para cerca de 10% do PIB. O boom imobiliário não teria sido possível sem essa forte expansão dos financiamentos, ao ritmo real de 20% ao ano, muito maior do que a do crédito direto ao consumidor
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ços de commodities a níveis inéditos, o País começou a acumular reservas em moeda forte. Ou seja, a adoção consistente do “tripé” da política econômica a partir de 1999, sob a inspiração do FMI, auxiliada pelo boom mundial, criou a previsibilidade necessária para destravar o mercado de capitais e iniciar o processo de expansão de crédito. Em decorrência disso, os prazos se alongaram e as taxas reais de juro cairam substancialmente, o que tornou o consumo e a casa própria acessíveis a uma parcela crescente da população. Essas condições favoráveis ao mercado imobiliário e ao mercado de capitais em geral começaram a reverter a partir de 2011, quando se tornou claro que o governo estava abandonando o “tripé” da política econômica. Primeiro, a expansão dos gastos públicos, traduzida num superávit primário menor, colocou em risco a estabilidade fiscal e passou a gerar desconfiança dentro e fora do País. Segundo, a ruptura do regime de câmbio flutuante, em prol de intervenções mais ou menos arbitrárias, geralmente para controlar as pressões inflacionárias, afetou a segunda perna do tripé. Finalmente, ficou claro que o compromisso com a meta de inflação não era firme. A tolerância do Banco Central com o aumento da taxa de inflação nos últimos quatro anos, justificada pela manutenção de taxas reais de juro abaixo do equilíbrio de mercado, assim como os controles dos preços administrados, mais recentemente, tem levado a expectativas de inflação crescente no futuro. A desmontagem do tripé levou a uma política dependente da conjuntura. Como resultado, aumentou a incerteza dos agentes econômicos, pela impossibilidade de prever o futuro no médio prazo. Essa imprevisibilidade é nociva ao mercado imobiliário e pode comprometer o dinamismo que o caracterizou nos últimos anos. Attílio
ra, pela não renovação do capital produtivo e pela defasagem tecnológica, sobretudo da indústria. No longo prazo, esse desequilíbrio na formação de capital significa que a renda real dos consumidores crescerá menos do que poderia se a taxa global de investimento fosse elevada. O boom imobiliário recente não teria sido possível sem a expansão concomitante do volume de financiamento. Entre 2008 e 2013, o valor real dos empréstimos imobiliários para pessoas físicas aumentou à média de 20% ao ano, em termos reais, taxa bem superior aos 8,5% de aumento anual do crédito ao consumidor em geral. Em relação ao PIB, o crédito imobiliário saltou de 3% para cerca de 10% em apenas seis anos. Como explicar essa expansão e quais as consequências para a economia como um todo? Como dizia Marshall, são necessárias duas lâminas para a tesoura cortar: a oferta e a demanda. Do lado da oferta, o SFH mantinha um excedente de recursos, que não eram aplicados no financiamento imobiliário. De outro lado, havia uma demanda reprimida por imóveis. Portanto, o mercado tinha um grande “potencial” de expansão, quando as condições favoráveis aparecessem. Essas condições foram, basicamente, duas: a consolidação do regime de metas de inflação e a redução da vulnerabilidade externa do País. Esses eram os dois grandes entraves ao desenvolvimento de um mercado financeiro de longo prazo no País. A inflação elevada e volátil é mortal para o mercado de capitais, ao passo que a fragilidade do balanço de pagamentos tornava uma crise cambial sempre uma ameaça, com todas as suas consequências. A partir de meados dos anos 2000, aumentou a confiança de que a taxa de inflação se manteria mais ou menos em torno da meta do governo. Ao mesmo tempo, fruto do boom na economia mundial, que elevou os pre-
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Um sistema nórdico de crédito imobiliário Adriano Matias Pós-graduado em Gestão Financeira, Auditoria e Controladoria Trata-se de um modelo competitivo e exA Dinamarca possui um sistema de tremamente transparente de acesso à taxa crédito imobiliário tão singular que dede juros de mercado por parte do tomador veria ser mundialmente conhecido, asdo crédito, pois o investidor compra o bond sim como os contos de Hans Christian pela mesma taxa paga pelo tomador. AdiAndersen e a qualidade de vida daquele cionalmente, são cobradas taxas de servipaís nórdico. A origem do mercado de ços e administração que cobrem os custos e o lucro crédito imobiliário na Dinamarca remonta ao ano dos bancos. de 1795, quando ocorreu um incêndio de grandes Assim, os bancos de crédito imobiliário não estão proporções em Copenhague, gerando uma forte deexpostos ao risco de mercado, posto que há um casamanda para financiar a reconstrução da capital. Em mento entre as taxas ativas e passivas. Mas eles assu1797, foi fundado o primeiro banco especializado mem o risco de crédito dos covered bonds, posto que em crédito imobiliário. esses papéis são carregados em seus balanços até o Como é tradição nos países europeus, o sistema vencimento. é baseado na emissão de covered bonds para lastrear o O longo histórico de adimplência dos tomadores financiamento de imóveis. O mercado dinamarquês e do retorno propiciado pelos covered bonds tornam é, atualmente, regido por um modelo que tem como esses papéis tão líquidos quanto os títulos públicos premissa o equilíbrio entre a carteira ativa dos bandinamarqueses, atraindo assim investidores instituciocos e o passivo, constituído integralmente por covered nais e o capital internacional. bonds. Os bancos funcionam como uma espécie de A regulação desse mercado é mais restritiva do conduíte que leva o fluxo de caixa gerado pelo pagaque a dos demais países europeus, porém goza de um mento dos empréstimos para os detentores dos bonds. histórico invejável de mais de 200 anos de emissões Quando o banco recebe uma proposta de crédisem a ocorrência de to imobiliário, ele um único default. A oferta imediatamenFIGURA 1 primeira lei sobre te covered bonds para covered bonds na Disuprir o montante Tomador Investidor namarca remonta necessário para a Covered Bonds preço de mercado Empréstimo ao ano de 1850 e compra do imóJuros e Amortização Juros e Amortização a última reforma vel. Dessa maneira, ocorreu em 2007. o preço que será Manteve-se o caráter Margem de Administração Salários e Custos pago pelo tomador Perdas e Provisões Taxas conservador da leé determinado pelo Banco Impostos gislação, adequada preço do bond praRendimentos aos patamares de reticado no mercado, querimento de capiou seja, a definição Resultado tal vigente na União de preço não é feiO banco não determina o preço do crédito Europeia. Foram ta pelo originador. Fonte: Realkreditradet
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USA
Poland
Belgium
Hungary
UK (non regulated)
Slovakia
Czech Republic
Italy
Czech Republic
UK (regulated)
Greece
Germany
Greece
Ireland
Netherlands
Portugal
Spain
Cyprus
Sweden
Denmark
introduzidas medidas de originação responsável que O sistema foi testado e reagiu satisfatoriamenexigem que os bancos forneçam informações qualifite ao longo do tempo de diversas crises econômicadas para todos os tomadores e que o atendimento cas locais e internacionais. Por exemplo, a econoseja efetivamente consultivo, principalmente no que mia dinamarquesa também sofreu com a crise de se refere aos preços e riscos. 2008/2009 – o PIB caiu aproximadamente 6%, no As regras prudenciais exigidas para a carteira de biênio. O desemprego cresceu de 2,5% para 6,2% crédito imobiliário incluem cota (LTV) máxima de e os imóveis sofreram uma desvalorização de 15% 80%, covered bonds 100% garantidos por propriedades entre 2007 e 2009. imobiliárias, regras rigorosas de avaliação de proprieTal resistência demonstra solidez e confiança por dades e marcação a mercado, além de direito prefeparte do mercado, também alicerçada em eficiente rencial dos investidores sobre os ativos dos bancos de infraestrutura de informação, compartilhada por crédito imobiliários em caso de falência. Os proceditodo o mercado, seja pelos bancos de crédito imobimentos de originação e documentação comprobatóliário, seja pelos investidores. Existem aplicativos na ria de bens e renda são padronizados entre os bancos internet com informação sobre a qualidade das care as informações de histórico de crédito dos tomadoteiras, bem como sistemas de registro eletrônico de res são amplamente acessíveis. Esse ambiente regulapropriedade e de liquidação de transações de transtório não impediu que, em 2013, o estoque de covered ferência de títulos. bonds emitidos equivalesse a 145% do Produto Interno A igualdade é um dos valores fundamentais da Bruto (PIB) da Dinamarca. cultura dinamarquesa e o sistema de crédito imobiliA originação de crédito é realizada tanto por ário vigente propicia a todos os tomadores com perfil bancos especializados como por bancos de varejo, de risco similar (rating), independentemente do valor sendo que os primeiros detêm 60% de participação do bem, as mesmas condições de preços, prazos e opde mercado. ções de pré-pagamento. Proporcionalmente ao tamanho da economia, a Tais fatores, aliados à estabilidade macroeconômiDinamarca possui uma extraordinária capacidade de ca, propiciam um mecanismo eficiente de fomento à captação por meio dos covered bonds, cuja importância atividade imobiliária, cujos principais retornos para o transcende o mercado imobiliário e influencia toda a país são: economia. - Competição e preços baixos Atualmente, uma operação de crédito imobiliário - Transparência na Dinamarca custa para o tomador algo em torno de - Disponibilidade de financiamento para toda a de4% ao ano mais taxas, tem prazo de 30 anos, com LTV manda imobiliária entre 60% e 80%, pagamentos trimestrais com opção - Instrumento seguro e líquido para investidores com de pagamento apenas de retorno superior à taxa juros nos primeiros anos básica de juros FIGURA 2 do financiamento. - Suporte para estabilidaCrédito Imobiliário lastreado em Covered Bonds Apesar de os prazos de econômica em porcentagem do PIB 160 de concessão serem lonRespeitadas as subsgos, os bonds são emitidos tanciais diferenças cultu140 com prazos variáveis. Os rais e econômicas entre 120 títulos com prazo inferior Dinamarca e Brasil, os a seis anos representam fundamentos do mode100 70% do mercado e os título dinamarquês podem 80 los com prazo de um ano contribuir para nortear o equivalem a aproximadadesenvolvimento de fon60 mente um terço do total. tes alternativas de funding 40 Os investidores que para o mercado brasileiro, 20 detêm esses títulos são pois não será possível, nos predominantemente inspróximos anos, ofertar 0 tituições financeiras, de secrédito imobiliário sufiguro e fundos de pensão, ciente para atender a toda que conjuntamente cara demanda sem alterar os regam aproximadamente mecanismos históricos do 70% de todos os ativos. crédito direcionado. Fonte: ECBC Factbook, 2013; Realkreditradet
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nternacional
A tributação imobiliária e a atração de investimentos Fernando Zilveti Professor livre-docente de Tributação e Política Fiscal (FGV-SP)
No Brasil e em qualquer parte do mundo, poucos políticos falam de tributação, na atualidade, sem reclamar de excessos arrecadatórios e de complexidade sistêmica. Parlamentares promovem medidas legislativas para simplificar os tributos e tornar as regras fiscais compreensíveis para o cidadão comum. Presidentes, chefes de Estado e de governo adotam discursos comuns na defesa da maior integração entre sistemas tributários no plano internacional ou mesmo no âmbito de blocos econômicos ou instituições supranacionais. Há boas razões para isso. A questão da tributação preocupa os responsáveis pela política fiscal por pelo menos dois aspectos antagônicos. Por um lado, o gasto público crescente pressiona a arrecadação e força o agente de política fiscal a buscar novas fontes de custeio. Por outro, a tributação alta e complexa afugenta o investidor, de sorte que o agente de política fiscal deve tratar de estimular a atividade econômica por meio de redução de carga fiscal e outros meios de incentivo. O objetivo é encontrar um ponto de equilíbrio entre os interesses do Fisco e do contribuinte numa economia cada vez mais globalizada. O que se observa, como trataremos neste ensaio comparado, é a necessidade de concepção de sistemas tributários menos hostis, que tornem os países mais competitivos para atração de investimentos – inclusive investimentos imobiliários. Partimos de uma comparação entre sistemas tributários dos chamados países intermediários, aqueles que não alcançaram o título de desenvolvidos, como Brasil, Chile e México. Nessa ordem podemos elencar a carga tributária de 33%, 20% e 19%, respectivamente. No que se refere à complexidade do sistema tributário, o Brasil ocupa o posto 183º, enquanto o vizinho Chile está no 131º e o México, no 155º lugar nesse ranking. Em que pese o Brasil ter a
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maior carga entre esses países, a retribuição em desenvolvimento não é proporcional. Medida pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o País está abaixo do Chile e o México é o que mais se aproxima do Brasil nesse quesito. Os indicadores comparativos de competitividade do País são afetados pela alta carga tributária e sua complexidade e falta de desenvolvimento humano. E no tocante à tributação do setor imobiliário não é diferente, porém se notam algumas outras particularidades. Vejamos. Quanto à tributação do setor imobiliário, algumas perguntas são normalmente formuladas pelo investidor. Primeiro, o estrangeiro que investe em imóveis quer saber qual a possibilidade de aquisição de tais bens. De modo geral, não há restrição a que estrangeiros adquiram uma propriedade no Brasil, assim como ocorre em outras jurisdições mundo afora. Mas para adquirir imóveis no País é preciso que o investidor tenha um registro fiscal de pessoa natural (CPF) ou jurídica (CNPJ). Não é necessário o uso de empresa nacional para adquirir imóveis, mas esse veículo é interessante na otimização da tributação. Disso se tratará mais adiante. O registro imobiliário tem fundamental importância para o investidor. Não se pode falar em propriedade sem registro público do bem. O ato de registro tem efeito fiscal, pois nessa operação se apura o recolhimento de imposto de transmissão, além de servir de base de informação para outros tributos, como a renda. A transmissão é tributada em diversas jurisdições, como a Alemanha, Áustria, França, Bélgica, Finlândia, Grécia, entre outras. A alíquota média dessa tributação pode ser quantificada em 4%. A base de cálculo é variável, levando-se em conta o valor do bem, calculado sob diversas modalidades. No aspecto de rendimento nas operações imo-
biliárias, as empresas brasileiras estão sujeitas a uma ca uma redução no imposto de renda das empresas tributação da renda da ordem aproximada de 34%. optantes pelo lucro presumido. Por outro lado, para As operações imobiliárias com ganho de capital esaquelas optantes pelo lucro real, a contabilização dos tão sujeitas a tal tributação para as pessoas jurídicas. imóveis determina a possibilidade de aproveitamenQuando, porém, se tratar de pessoas físicas, a tributato do fenômeno da depreciação para edifícios com ção do ganho de capital não segue a tributação prouso estimado de 25 anos, numa proporção de 4% ao gressiva para as rendas comuns. Apurado o ganho o ano. Com o advento do padrão IFRS (International tributo será cobrado da pessoa física o IR numa alíFinancial Reporting Standards), a contabilização dos quota fixa de 15%. Na França, o ganho de capital da investimentos imobiliários passou a ser uniforme em pessoa física sofre uma tributação de 19%, alíquota diversos países que internalizaram, em seus sistemas, comum à dos demais países da União Europeia. os parâmetros internacionais de contabilidade. Para Algumas jurisdições, como a própria França, fins tributários, essa contabilização uniforme perÁustria e Alemanha, tributam, ainda, as grandes formite aos investidores ter um quadro mais claro de tunas com base no valor do patrimônio, o que resulta seus investimentos e planejar melhor seus negócios num pesado fardo para os investambém no aspecto tributário. tidores imobiliários. Esse tributo O cumprimento de regras contásobre fortunas, que assombra o beis e fiscais segue uma tendênImposto de Renda sobre o Lucro das Transações Imobiliárias contribuinte local desde 1988, cia de transparência e adequação deve ser visto como um retrocesnatural da economia mundial. Pessoas físicas so em termos de eficiência fiscal, Nesse aspecto particular da Alemanha Até € 8.004 : 0% além de desestimular a formação transparência é preciso salientar De € 8.005 em diante: entre 14% e 45% de poupança. Países mais avana tendência de implementar leÁustria Até €11.000 : 0 çados em política fiscal, como a gislação fiscal com o objetivo de De €11.000 até € 25.000: 36,5% Inglaterra, preferem alcançar a impor às instituições financeiras De € 25.000 até € 60.000: 43,124% De € 60.001 em diante: 50% mesma riqueza por meio do imo ônus de identificar e reportar Bélgica posto de renda progressivo. operações financeiras origináAté € 8.350 : 25% De € 8.350 até € 11.890 : 30% Voltando ao tema das socierias de transações comerciais, De € 11.890 até € 19.810 : 40% dades detentoras de imóveis, as como parte dos esforços para De € 19.810 até € 36.300: 45% De € 36.300 em diante: 50% chamadas holdings imobiliárias, reduzir os riscos de evasão fiscal. França essas sofrem a tributação mencioO controle de contas bancárias Até € 5.963 : 0% De € 5.963 em diante: entre 5,5% e 41% nada nas transações com ganho não é novidade no Brasil, onde Finlândia de capital. Os dividendos origio Conselho de Controle de AtiTabela progressiva de 6% até 47% Grécia nários da exploração da atividavidades Financeiras (Coaf) já Até € 12.000 : 0% de mercantil são isentos. Para as atua há mais de uma década. O De € 5.0000 até € 16.000 : 10% De € 16.000 até € 26.000: 25% demais operações com o exterior controle internacional parece De € 26.000 até € 40.000: 35% devem ser observados os tratados aumentar de modo consistenDe € 40.000 até € 60.000: 38% De € 60.000 até € 100.000: 40% internacionais para evitar a bitrite em diversas jurisdições. Um De € 100.000 em diante: 45% butação, a reciprocidade entre destaque especial nesse aspecto Fonte: E-ZTAX Consultoria países que não mantenham tais cabe aos Estados Unidos, onde tratados e a legislação especial o Facta – Foreign Account Tax para determinados rendimentos. A distribuição isenta Compliance Act – exerce um rigoroso controle sobre de dividendos é um atrativo para organizar a proprieas atividades em geral, com bastante influência sobre dade imobiliária por meio de empresas. A maioria dos as operações imobiliárias. países isenta a distribuição de dividendos ou é adotaEnfim, a visão da tributação do setor imobiliário da uma tributação complementar da pessoa jurídica sob a perspectiva internacional e num ambiente de pela pessoa física. livre concorrência entre jurisdições permite ajustar Outro aspecto favorável para as empresas imobias expectativas do contribuinte. Não se espera que liárias se encontra no tratamento contábil destinado os investimentos imobiliários se mantenham afastaa tais investimentos. Além da conhecida possibilidados de qualquer imposição fiscal. O que o investidor de de utilizar as despesas de manutenção dos imóveis almeja é poder aplicar seus recursos em países que para abater o lucro tributável, outros benefícios da conjuguem segurança jurídica da propriedade com forma de contabilização têm reflexos fiscais, como a previsibilidade fiscal. O Brasil tem muito a evoluir destinação dos bens no ativo circulante, que provonesses quesitos.
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ireito Imobiliário
O Código do Consumidor e os financiamentos imobiliários Melhim Chalhub Jurista, especializado em crédito imobiliário As normas instituídas pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) aplicam-se aos contratos, em geral, firmados por consumidor, assim qualificado aquele que “adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (art. 2º) e que se encontre em posição de desvantagem técnica ou econômica em relação ao fornecedor. Fornecedor é o que desenvolve atividade de produção, comercialização, prestação de serviços, como produto qualquer bem, material ou imaterial, e como serviço “qualquer atividade (...) de natureza bancária, de crédito...” (art. 3º e parágrafos). A partir da promulgação do CDC questionou-se a aplicabilidade de suas normas às operações de crédito, mas o Supremo Tribunal Federal pôs fim à controvérsia ao decidir a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.591, no sentido de que “as instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor.” No mercado imobiliário, as instituições financeiras operam com frequência no âmbito das incorporações imobiliárias, no qual concedem financiamentos a adquirentes de imóveis, formalizando-os mediante compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia. A matéria é regulada pelas Leis 4.591/1964 e 9.514/1997. A aplicabilidade das normas do CDC nessa operação, entretanto, deve ser examinada a partir de sua articulação simultânea, sistemática e coordena-
da em relação às citadas leis especiais, por meio de um diálogo entre fontes legislativas1. É que, como se sabe, as normas jurídicas não existem desligadas umas das outras, mas, antes, formam um sistema dotado de coerência, dentro do qual devem conviver em harmonia, sem invadir o campo de aplicação umas das outras, de modo que a adequada interpretação resulta de cotejo entre normas que mantenham relação de compatibilidade entre si e da preservação da coerência do sistema. É como sinaliza a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.591, que confirma a incidência das normas do CDC sobre as operações bancárias, quando realizadas com consumidores, sem prejuízo da aplicação das normas específicas relativas ao aspecto financeiro da operação2. O debate que se travou nesse julgamento evidencia a necessidade de identificação dos distintos campos de incidência do CDC e das normas especiais, e nesse sentido é ilustrativo o voto do ministro Cezar Peluso, segundo o qual as normas do CDC se aplicam “sobre os aspectos factuais da relação entre instituição do sistema financeiro e cliente, encarada apenas do ponto de vista do consumo. Não invadem, portanto, nenhuma competência que se possa qualificar reservada a normas regulamentares do sistema financeiro nacional, cujo âmbito de aplicação, ou de validade material, é outro (...). O CDC não tende a disciplinar as relações
1. MARQUES, Cláudia Lima, BENJAMIN, Antônio Herman V. e MIRAGEM, Bruno, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2. ed., 2006, p. 28. 2. Ementa da ADI 2.591: “Art. 3º, § 2º, do CDC. Código de Defesa do Consumidor. Art. 5o, XXXII, da CB/88. Art. 170, V, da CB/88. Instituições financeiras. Sujeição delas ao Código de Defesa do Consumidor. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. “Consumidor”, para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. Ação direta julgada improcedente.”
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entre as instituições integrantes do sistema financeiro nacional e seus clientes, sob o prisma estritamente financeiro...” Aplicam-se, assim, às operações bancárias que caracterizem relações de consumo, as normas do CDC relativas à proibição de publicidade enganosa, de cláusulas abusivas, de cláusulas que inviabilizem a inversão do ônus da prova, entre outras (CDC, arts. 37, 39, V, IX, X e 51), além de outras normas de proteção do contratante que se encontre em posição de desvantagem, sem que isso, entretanto, implique invasão do campo normativo das operações de crédito a ponto de alterar a natureza jurídica dos contratos bancários, tal como regulados no direito positivo. Num empréstimo destinado a pessoa qualificada como consumidor, as cláusulas devem observar os deveres inerentes à boa-fé objetiva, a proibição de vantagem exagerada em favor do fornecedor, entre outros, mas a aplicação dessas normas do CDC não interferem na tipificação do contrato de mútuo constante do art. 586 do Código Civil nem na exigibilidade do pagamento no tempo, lugar e forma pactuados no contrato, de modo que devem ser observados os mecanismos de compensação da vulnerabilidade do consumidor, assegurada a efetividade da execução do contrato de mútuo. A partir desses pressupostos, explica-se a convivência das normas do CDC e da legislação especial sobre o sistema financeiro “em razão dos diferentes aspectos que uma mesma realidade apresenta, fazendo com que ela possa amoldar-se aos âmbitos normativos de diferentes leis3,” como ressalva o ministro Joaquim Barbosa em seu voto nessa ADI. Assim, a sujeição da generalidade dos contratos ao CDC, nos aspectos correspondentes à rela-
ção de consumo, não importa em interferência de suas normas na estrutura, tipicidade e funcionalidade dos contratos. Em relação ao contrato de incorporação imobiliária, que se caracteriza, basicamente, pela venda de conjuntos imobiliários durante a construção, o STJ decidiu pela prevalência das normas da Lei 4.591/1964 em relação às do CDC, no REsp 80036-SP, tendo o relator, ministro Ruy Rosado, chamado a atenção para a aplicabilidade da lei especial que disciplina o contrato de incorporação imobiliária naquilo que ele tem de específico, salientando que, apesar da incidência dos princípios gerais trazidos pelo CDC, “é certo que o contrato de incorporação, no que tem de específico, é regido pela lei que lhe é própria (Lei 4.591/64)”, e que a eventual aplicação do CDC a essa espécie de contrato se daria por força dos princípios gerais que o CDC introduzira no sistema civil, entre eles o da justiça contratual, da equivalência das prestações e da boa-fé objetiva. Especificamente em relação aos efeitos do inadimplemento da obrigação do devedor fiduciante, merecem atenção o art. 53 do CDC e o art. 27 da Lei 9.514/1997. Como se sabe, o art. 53 do CDC considera nula a cláusula que preveja a perda total das quantias pagas nos contratos de venda a prazo, inclusive na venda com garantia fiduciária4. O art. 27 da Lei 9.514/1997, por sua vez, institui normas típicas de execução de crédito garantido por direito real, prevendo a venda do imóvel para levantamento de recursos destinados ao pagamento da dívida. A par da dinâmica natural da execução, o regime jurídico da alienação fiduciária de bens imóveis em garantia é dotado de normas tendentes a assegurar o
A aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor não interferiu na tipificação dos contratos realizados com os mutuários
O artigo 27 da Lei 9.514/1997 instituiu normas típicas de execução de crédito garantido por direito real, prevendo a venda do imóvel
3. Trecho do voto do Ministro Joaquim Barbosa. 4. Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor): “Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.”
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equilíbrio da relação contratual, sobretudo mediante compensação da vulnerabilidade do devedor, entre as quais são dignas de nota as que definem os elementos do conteúdo mínimo do contrato; condicionam os poderes do credor em face dos direitos do devedor, em conformidade com a função de garantia da propriedade fiduciária; obrigam o credor a entregar ao devedor, até trinta dias após o pagamento da dívida garantida, o respectivo termo de quitação, sob pena de multa mensal de meio por cento sobre o valor do contrato; determinam que constem do contrato as normas procedimentais de execução do crédito, bem como a fixação do valor de mercado do imóvel, para efeito de leilão; identificam, taxativamente, as verbas que compõem o saldo devedor e, bem assim, as espécies de despesa passíveis de ser atribuídas ao devedor; fixam o prazo de cinco dias para que o credor entregue ao devedor a quantia que, do produto apurado no leilão do imóvel, exceder o valor do crédito em execução; exoneram o devedor da obrigação de pagar o saldo remanescente da dívida, caso o valor apurado no leilão não seja suficiente para satisfação do seu crédito, e, nesse caso, obrigam o credor a dar quitação ao devedor no prazo de cinco dias, entre outras disposições tendentes a compensar a vulnerabilidade do consumidor (Lei 9.514/1997, arts. 24 a 27). Não obstante a especificidade da extinção do contrato de mútuo, obviamente distinta da extinção do contrato de promessa
de venda, e a despeito de o art. 27 não ser incompatível com o princípio enunciado no art. 53 do CDC, registram-se na jurisprudência de alguns tribunais regionais decisões que desprezam a norma especial e optam pela aplicação de critério de composição de perdas e danos típico da resolução dos contratos de promessa de compra e venda5, que, como se sabe, é incompatível com as normas específicas de execução de créditos constituídos em contratos de mútuo ou financiamento. As recentes decisões dos tribunais superiores, na ADI 2.591 e nos REsps citados, reconhecendo a convivência das normas no sistema, delimitam os campos de aplicação do CDC e das normas de caracterização dos tipos contratuais, de modo a que as normas de proteção do consumidor se façam “nos limites da realidade do contrato, sua estrutura, tipicidade e funcionalidade6,” até porque a lei fixa esses limites em conformidade com a singularidade da espécie contratual, circunstância que confere às leis especiais efetividade específica em relação aos tipos contratuais de que tratam. Em suma, a prevalência da lei especial não elimina a lei geral, como deixa claro Norberto Bobbio: “Isso significa que quando se aplica o critério da lex specialis não acontece a eliminação total de uma das duas normas incompatíveis, mas somente daquela parte da lei geral que é incompatível com a lei especial. Por efeito da lei especial, a lei geral cai parcialmente7.”
Decisões recentes dos tribunais superiores já reconhecem a convivência das normas que delimitam os campos de aplicação do CDC
Segundo Norberto Bobbio, quando se aplica o critério da lex specialis, há apenas uma queda parcial da lei geral, não eliminação total
5. TJSP, 4ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 0382643-79.2008.8.26.0577, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 21/7/2011, e TJSP, 25ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n°: 9300853-02.2008.8.26.0000, rel. Des. Hugo Crepaldi, j. 18.4.2012, Reg. 20.4.2012. Outros julgados: “A forma da restituição do valor pago encontra-se regulada pelo § 4º, do art. 27, da Lei nº 9.514/97 e não de acordo com a forma genérica do art. 53, do Código de Defesa do Consumidor.” (TJSP, 5a Câmara Cível, Apelação Cível n° 400.962.4/0-00, rel. Des. Oldemar Azevedo, j. 5.11.2005; TJSP, Agravo de Instrumento nº 386425-4/0-00, 7ª Câmara de Direito Privado — Tribunal de Justiça de São Paulo — rel. Des. Encinas Manfré). Contra: “Reintegração de posse. Compra e venda de imóvel.. Alienação fiduciária. Inadimplência confessa do comprador. Retomada do bem. Devolução de quantias pagas (...), nos termos do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor, é devida a devolução das parcelas pagas quando da retomada de imóvel objeto de alienação fiduciária. (TJRJ, 9ª Câmara Cível, Apelação Cível 0020867-44.2007.8.19.0202, rel. Des. Carlos Santos de Oliveira, j. 15.4.2011). 6. CAVALIERI FILHO, Sérgio, O direito do consumidor no limiar do século XXI. Rio de Janeiro: Padma, 2000, RTDC, v. 2, p. 128. 7. BOBBIO, Norberto, Teoria geral do direito. São Paulo: Martins Fontes, 3. ed. 2010, 2ª reimpressão 2014, p. 253.
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NOTAS & FATOS Divulgada em junho, a publicação Global Housing Watch, do Fundo Monetário Internacional, estabeleceu o contraste entre a recuperação imobiliária global e a necessidade de os países evitarem um novo boom no setor, que deflagrou a crise de 2008. Em países como Austrália, Bélgica, Canadá, Noruega e Suécia, as relações entre os preços dos imóveis, os aluguéis e a renda estão acima da média histórica, segundo a publicação. Os países onde os preços mais subiram, desde 2000, foram Filipinas, Hong Kong, Nova Zelândia, China, Colômbia, Estônia, Brasil, Malásia, Turquia e Estados Unidos. “O setor imobiliário é essencial para a economia de qualquer país e tem implicações sistêmicas”, observou o vice-diretor-gerente do FMI, Min Zhu.
dades brasileiras estabilizou-se, até julho. De uma alta de 10,1%, em 12 meses, até julho, recuaram para pouco mais de 4%, nos primeiros sete meses de 2014, apenas levemente acima da inflação. Quedas expressivas foram registradas em capitais onde ocorreu superoferta de unidades, como Brasília e Curitiba. A acomodação de preços afasta o risco de bolha imobiliária. Gustavo Loyola, Economista do Ano O ex-presidente do Banco Central e sócio da consultoria Tendências, Gustavo Loyola, foi Divulgação
O FMI e os mercados de imóveis
O patrimônio imobiliário brasileiro O patrimônio imobiliário foi estimado em R$ 4,17 trilhões pelo economista Marcelo Néri, ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. O cálculo foi feito com base em pesquisa de campo com 3.800 entrevistas em 210 cidades do País, revelou Néri em artigo publicado dia 2/7/2014 no jornal Valor. No Brasil, preços de imóveis se estabilizam O Índice FipeZAP de preços pedidos pelos imóveis em 16 ci-
Gustavo Loyola
escolhido Economista do Ano de 2014 pela Ordem dos Economistas do Brasil. “Os economistas reconheceram o trabalho que o Loyola vem desenvolvendo ao longo desses anos”, disse o presidente da Ordem, professor Manuel Enriquez Garcia. Ex-presidente do BC, Loyola é um dos maiores conhecedores de sistemas imobiliários do País. Teve, em seu período no BC, participação decisiva na reconstrução do modelo brasileiro de crédito imobiliário.
Investimentos imobiliários A FGV Rio, em parceria com a Abecip e o Ibrafi, criou um curso para quem quer investir no mercado imobiliário. Destinado aos profissionais da área, o curso Produtos Imobiliários: do Financiamento ao Mercado de Capitais vai ensinar noções gerais e fundamentos em investimentos através de produtos de mercado de capitais, crédito imobiliário por meio do financiamento bancário e metodologias da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) de precificação do ativo imobiliário. O curso começa no dia 11 de outubro de 2014 e terá periodicidade quinzenal. Prêmio Abecip de Jornalismo Estão abertas as inscrições para o 11º Prêmio Abecip de Jornalismo. Nesta edição, concorrerão os trabalhos reproduzidos ou publicados entre 9 de setembro de 2013 e 31 de agosto de 2014 e que se inscreverem até 15 de setembro. São três categorias: Financiamento Imobiliário, Fontes de Recursos para o Mercado Imobiliário e Educação Financeira e Responsabilidade Social na Construção Civil. Cada categoria receberá cinco prêmios: dois para Imprensa Escrita (jornal e revista) e três para Mídia Eletrônica (internet, rádio e tevê). Os prêmios totais perfazem R$ 97,5 mil. Há também um prêmio para estudantes de Jornalismo ou Rádio e TV. Informações e inscrições no site da Abecip (www.abecip.org.br). Silvia Braccio
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I
Jaqueline de Mello Vicente
brafi
Jornalista
O capital humano está no centro do modelo de crédito imobiliário Há meio século a comunidade acadêmica internacional passou a tratar a educação como uma decisão de investimento das pessoas. Em síntese, cada ano de estudo significa um acréscimo nos rendimentos dos trabalhadores. Estimativa dos professores Fernando de Holanda Barbosa Filho e Samuel Pessôa (1), com base nos dados da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD), mostra que “cada ano de educação no Brasil está associado a uma elevação média dos salários entre 19% e 21%”. Trata-se, portanto, do desafio de privilegiar o capital humano como elemento decisivo para o crescimento econômico, a partir do desenvolvimento das pessoas, das empresas e da qualidade dos serviços, públicos e privados. O Brasil enfrenta uma grave limitação para obter mais dos investimentos em educação: o ensino fundamental é, historicamente, deficiente. Ou seja, o retorno da educação no ensino primário é baixo. Não só a educação fundamental, mas também a educação média não tiveram a prioridade que lhes
foi conferida em outros países, como a Coreia do Sul. E sem um nível adequado de educação, os avanços da produtividade são mais lentos. A baixa produtividade é um dos fatores que expli-
A educação financeira tem importância crescente, pois as instituições têm de orientar os clientes sobre temas complexos, tais como logoritmos em mercados de bolsa e obtenção de renda regular cam a perda de dinamismo da economia brasileira, hoje. As empresas não estão alheias ao problema. Daí as iniciativas voltadas para o aprimoramento educacional das pessoas. Ampliam-se, assim, as estratégias educacionais na esfera empresarial – e elas ganham dinamismo. Palestras, eventos e
1. Desenvolvimento Econômico – Uma Perspectiva Brasileira, Editora Elsevier, 2013
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congressos sobre os mais variados temas movimentam a busca por conhecimento e inovação. Para além do ambiente acadêmico, mecanismos de formação permitem às pessoas manter-se atualizadas. As empresas incentivam seus profissionais a se tornarem cada vez mais aptos a compreender o seu nicho de atividade, habilitando-os a decidir, com competência. Afinal, bem informados e bem formados, os indivíduos podem melhor avaliar riscos e oportunidades, analisar os melhores caminhos e fazer escolhas profissionais consistentes. O objetivo das empresas é formar mão de obra de alta qualidade. Entre várias vertentes da educação, a educação financeira tem espaço crescente. O desafio é acompanhar a expansão substancial dos produtos financeiros ocorrida nos últimos anos, dos logoritmos aplicados aos mercados futuros à engenharia financeira desenvolvida para atrair investidores para o mercado imobiliário, tão presente em mercados desenvolvidos, como o norte-americano. A educa-
Douglas Rodrigues José/Divulgação Abecip
Filipe Pontual: estudo profundo
Atualmente, acrescenta o superintendente da Abecip, José Aguiar, “quem entra no mercado imobiliário hoje é, em geral, muito jovem e possui informações superficiais sobre a história do crédito no País”. O crédito imobiliário tem uma história de meio século, que começou com a criação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do Banco Nacional da Habitação (BNH) e avançou com as políticas de financiamento e o estudo de soluções para enfrentar os problemas da falta de moradia. Houve um enorme acúmulo de experiências. Com Douglas Rodrigues José/Divulgação Abecip
ção tem, nessa esfera, impacto enorme tanto para os indivíduos que se educaram como para os consumidores que entram em contacto com um vasto rol de alternativas de aplicação. Adicionalmente, com a internet houve uma explosão de cursos à distância, que favorecem uma educação flexível e facilitam o acesso a um espectro mais amplo de pessoas, contribuindo para reduzir as dificuldades de acesso físico às universidades e escolas de ponta. Em termos práticos, o êxito das empresas relaciona-se com o dos serviços por ela prestados. No âmbito do crédito imobiliário, os inúmeros cursos oferecidos pelo Instituto Brasileiro de Estudos Financeiros e Imobiliário (Ibrafi), o braço educacional da Abecip, asseguram conhecimento de alto nível para atuar no mercado de trabalho e aumentar a produtividade do trabalho. “Claramente pessoas que fazem esses cursos voltados para a vida prática da profissão, como são os cursos do Ibrafi, percebem o reflexo que eles têm na qualidade de trabalho, pois elas já chegam ao ambiente corporativo com uma visão mais ampla e mais profunda das necessidades das empresas”, enfatiza o diretor executivo da Abecip, Filipe Pontual. Por exemplo, nota Pontual, um curso sobre securitização – que se trata de uma “matéria bastante complexa e que envolve diversas etapas” – capacita o profissional a realizar de forma apurada e juridicamente correta ações que reduzam a exposição dos clientes a riscos. Motivo: o aluno passa a entender com maior profundidade o conteúdo das leis e suas aplicações práticas, agregando valor à atividade e conferindo mais eficiência à empresa em que trabalha.
José Aguiar: olhando a história
esse conhecimento o Ibrafi, hoje uma referência na propagação do conhecimento sobre o crédito imobiliário, formata cursos de aplicação prática para a formação profissional de especialistas que atuam na área, tanto nas instituições financeiras, como no setor da construção civil e imobiliárias. Trata-se, enfatiza Aguiar, de um investimento de longo prazo: “Podemos fazer uma analogia a um pé de carvalho que demora 40 anos para se formar – ninguém o planta para usufruir de sua sombra de maneira imediata, mas, se ninguém o tivesse plantado 40 anos atrás, não poderíamos usufruir hoje”. Hoje o Ibrafi oferece mais de 20 cursos voltados para atender às necessidades e desafios do mercado. Dispõe de um programa estruturado entre cujos pontos fortes está o corpo docente, formado por profissionais atuantes e altamente especializados no setor. O Ibrafi oferece educação de qualidade. “Foi criado para que o saber não fosse perdido, uma missão muito nobre de manter viva uma história, de multiplicar o conhecimento com excelência”, completa Aguiar. O Ibrafi tem objetivos ambiciosos, entre os quais o de ser o embrião de uma escola de crédito imobiliário de amplo espectro. Uma das fontes de inspiração é a Universidade Secovi, com a qual o Ibrafi mantém parceria. Entre outros parceiros do Ibrafi estão a Fundação Getúlio Vargas e o Bradesco. O propósito é formar milhares de profissionais especializados em crédito imobiliário. Uma universidade de crédito imobiliário deve basear-se na excelência em todos os pormenores: ambiente, professores, carga horária. O essencial é dar um passo à frente, antecipando-se à demanda por educação.
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O SBPE em números Recursos Participação dos Ativos em Jun/2014 10% Poupança SBPE
Variação dos Ativos - Jun/2014 / Jun/2013 28,0%
14% Títulos Públicos 3% Depósitos à Vista
3% Poupança Rural
16,9%
Poupança Rural
Poupança SBPE
8,1%
49% FIFs
21% Títulos Privados
14,9%
FIFs
1 – Caderneta de poupança X outras aplicações – Saldo/Patrimônio em final de mês Meses jun.2013 jul ago set out nov dez jan.2014 fev mar abr mai jun
Poupança SBPE 419.468 429.077 435.221 442.434 448.396 456.193 466.789 469.922 474.534 478.591 480.465 485.037 490.241
Poupança rural 118.979 120.974 122.260 124.448 125.855 127.536 131.154 132.873 133.574 134.321 134.521 135.289 136.729
Títulos privados poder do público 977.060 976.808 987.660 991.935 998.425 1.009.453 1.012.504 1.023.556 1.033.944 1.046.521 1.055.637 1.074.229 1.074.788
10,0%
Títulos Privados
Títulos Públicos
Valores em R$ milhões
FIF's 2.330.178 2.358.724 2.355.954 2.367.851 2.383.720 2.384.876 2.407.015 2.386.542 2.414.417 2.429.633 2.444.437 2.473.836 2.519.495
Tít. Púb.(SELIC) Est. Mun. 569.354 567.077 572.041 610.516 624.133 618.431 634.912 610.873 644.242 656.398 662.651 674.485 728.577
-4,8% Depósitos à vista
Depósitos à vista 164.814 159.140 158.804 159.736 156.191 166.054 179.833 162.362 164.232 161.801 162.415 156.172 156.920
Fontes: ABECIP, ANBIMA e Banco Central do Brasil
2 – Evolução do saldo das cadernetas SBPE Meses jun.2013 jul ago set out nov dez jan.2014 fev mar abr mai jun
Saldo R$ milhões 419.468 429.077 435.221 442.434 448.396 456.193 466.789 469.922 474.534 478.591 480.465 485.037 490.241
Variação no mês R$ milhões % 8.538 9.609 6.144 7.213 5.961 7.797 10.596 3.133 4.612 4.057 1.874 4.572 5.204
2,08 2,29 1,43 1,66 1,35 1,74 2,32 0,67 0,98 0,86 0,39 0,95 1,07
Variação acumulada no ano R$ milhões % 30.826 40.435 46.579 53.793 59.754 67.551 78.147 3.133 7.745 11.802 13.676 18.249 23.452
7,93 10,40 11,99 13,84 15,38 17,38 20,11 0,67 1,66 2,53 2,93 3,91 5,02
Variação % Em 12 meses 18,60 18,72 19,16 19,19 19,54 20,03 20,11 20,07 20,11 19,24 18,65 18,03 16,87
Fontes: ABECIP e Banco Central do Brasil
Dez.2013
3- Contas de Poupança: Distribuição do saldo depositantes por faixa de valor Faixa de Valor em R$ Até 100,00 De 100,01 a 500,00 De 500,01 a 1.000,00 De 1.000,01 a 5.000,00 De 5.000,01 a 20.000,00 De 20.000,01 a 30.000,00 Mais de 30.000,00 Total
Fonte: Banco Central do Brasil / FGC 50 - SFI
Saldo R$ milhões 934 3.670 5.295 39.328 110.381 51.462 388.281 599.351
% por faixa 0,16 0,61 0,88 6,56 18,42 8,59 64,78 100,00
Número de clientes % acumulado 0,16 0,77 1,65 8,21 26,63 35,22 100,00
Milhares
69.591 14.829 7.388 16.171 10.824 2.112 4.338 125.254
% por faixa 55,56 11,84 5,90 12,91 8,64 1,69 3,46 100,00
% acumulado 55,56 67,40 73,30 86,21 94,85 96,54 100,00
O SBPE em números Aplicações
4 - SBPE: Distribuição de contratos por valor de prestação
Número de contratos - Dez/2013
Unidades
% por faixa
% acumulado
Até 50,00 De 50,01 a 100,00 De 100,01 a 200,00 De 200,01 a 300,00 De 300,01 a 400,00 De 400,01 a 500,00 De 500,01 a 600,00 De 600,01 a 900,00 Acima de 900,00 Total
2.798 4.443 13.390 25.427 37.033 49.871 59.423 204.389 952.171 1.348.945
0,21 0,33 0,99 1,88 2,75 3,70 4,41 15,15 70,59 100,00
0,21 0,54 1,53 3,41 6,16 9,86 14,26 29,41 100,00
Fontes: ABECIP e Banco Central do Brasil
1.250 1.150 1.050 950 850 750 650 550 450 350
Contratacões acumuladas em 12 meses
125,0 115,0 105,0 95,0 85,0 75,0 65,0 55,0 45,0 35,0
em R$ bilhões
jun/14
mar/14
set/13
Unidades
dez/13
jun/13
mar/13
set/12
dez/12
jun/12
mar/12
set/11
dez/11
jun/11
em mil unidades
Valor da Prestação mensal em R$
R$ Bilhões
Exclusive contratos em poder da Emgea
5 - SBPE: Contratos ativos por data de assinatura Número de contratos Data de assinatura
Âmbito do SFH
Jan.2014
Abr.2014
Mai.2014
Jun.2014
1.430.749
1.451.110
1.481.323
1.504.923
31.716
31.074
31.250
29.998
30.238
29.371
1.357.919
1.380.230
1.399.499
1.421.112
1.451.085
1.475.552
173.791
175.671
176.991
179.052
180.019
180.477
1.563.426
1.586.975
1.607.740
1.630.162
1.661.342
1.685.400
Mai.2014
Jun.2014
Carteira Hipotecária Total
Mar.2014
1.411.304
Até 23.6.98 Após 24.6.98
Fev.2014
1.389.635
‘Fontes: ABECIP e Banco Central do Brasil
6 - SBPE: Distribuição dos contratos ativos por região geoeconômica Regiões Geoeconômicas
Número de contratos Jan.2014
Fev.2014
Nordeste
192.986
198.646
201.371
204.721
209.157
212.835
Sul
305.163
311.226
315.820
319.578
326.614
331.102
Norte
52.977
Sudeste
Centro-Oeste Brasil
853.943 158.357
1.563.426
54.295
860.723 162.085
1.586.975
Mar.2014
55.103
871.514 163.932
1.607.740
Abr.2014
56.030
883.549 166.284
1.630.162
57.148
899.465 168.958
1.661.342
58.104
912.251 171.108
1.685.400
Fontes: ABECIP e Banco Central do Brasil
7 - SBPE: Unidades financiadas e valores contratados Meses jun.2013 jul ago set out nov dez 2013 jan.2014 fev mar abr mai jun
Unidades financiadas
Valores em R$ milhões
Construção
Aquisição
Total
Construção
Aquisição
Total
18.014 13.393 15.919 14.546 13.899 16.895 17.580 164.795 9.936 16.385 11.455 14.059 12.144 13.302
35.242 34.501 34.335 29.672 30.065 30.847 33.309 365.002 29.999 29.976 26.099 29.639 33.987 29.140
53.256 47.894 50.254 44.218 43.964 47.742 50.889 529.797 39.935 46.361 37.554 43.698 46.131 42.442
3.730 2.747 3.290 2.787 2.867 3.332 3.002 32.233 1.876 2.400 2.725 2.826 2.375 2.623
7.447 7.222 7.225 6.370 6.552 6.790 7.349 76.945 6.280 6.422 5.531 6.347 7.310 6.417
11.178 9.970 10.516 9.157 9.419 10.122 10.351 109.178 8.157 8.822 8.256 9.173 9.685 9.040
Fontes: ABECIP e Banco Central do Brasil SFI - 51
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Dois marcos: o covered bond e a concentração na matrícula Octavio de Lazari Junior Presidente da Abecip A criação das Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs), a versão brasileira dos covered bonds, e a concentração dos ônus na matrícula do Registro de Imóveis são dois marcos fundamentais na história do crédito imobiliário brasileiro. Anunciadas, em 20 de agosto, pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, as duas medidas foram estudadas exaustivamente em várias diretorias da Abecip, desde a década passada. Representam, portanto, passos necessários ao fortalecimento, no longo prazo, do sistema de financiamento habitacional. O SFH e o SFI são tratados como parte relevante das políticas públicas. As novas letras, testadas e aprovadas na União Europeia, fortalecerão os mecanismos de funding. E a concentração dos ônus da matrícula permitirá acelerar a concessão do crédito, além de propiciar mais garantia a compradores, vendedores e instituições financeiras. As decisões chegam em boa hora. Há um contraste entre as restrições econômicas registradas na virada do primeiro para o segundo semestre e as perspectivas de longo prazo. Dessas circunstâncias não se exclui o crédito imobiliário, com retrospecto excelente e futuro auspicioso. As tendências demográficas asseguram espaço para a construção civil e o crédito imobiliário por 15 anos a 20 anos. O Brasil ainda não envelheceu, apesar do aumento da população maior de 60 anos, enfatizado por especialistas como Fabio Giambiagi devido às implicações sobre a Previdência. A idade média da população urbana, segundo o Censo de 2010 do IBGE, é de 32,1 anos. E a faixa etária mais elevada também demanda habitação, pois as necessidades de espaço mudam com o tempo e a organização familiar. O porcentual de habitantes que vive em áreas urbanas aumentou de 67,6%, em 1980, para 75,6%,
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em 1991, alcançou 81,2%, em 2000 e chegou a 84,4%, segundo o IBGE. A demanda por habitação nas cidades tende a aumentar, como no mundo desenvolvido. O aumento de investimentos em educação significará mais produtividade e renda. Cresce a consciência em todos os extratos sociais de que a educação de qualidade é essencial. Desde a estabilização, nos anos 90, o Brasil rejeita o desequilíbrio macroeconômico – inflação alta, câmbio irreal, desajuste nas contas públicas. E os brasileiros continuam a poupar, em ritmo compatível com o momento econômico. No microcosmo do SBPE, as cadernetas preservam o vigor, mesmo sujeitas à competitividade dos fundos DI. A captação líquida dos depósitos de poupança foi positiva em 1,78%, entre os primeiros semestres de 2013 e 2014, na comparação com um dos períodos mais favoráveis do SBPE. A fidelidade dos aplicadores é histórica, dando suporte ao crédito imobiliário. A demanda de habitação nas cidades tende a continuar forte, com a estabilização de preços. A oferta de recursos do SBPE, já assegurada até 2016, provavelmente, pelas cadernetas, disporá também das Letras Imobiliárias Garantidas, tão logo estejam reguladas. O nível de emprego na economia é elevado e até alguma acomodação, no curto e no médio prazos, não se afigura ameaça ao sistema habitacional. O ajuste de preços administrados afigura-se compatível com o regime de metas. O pressuposto é que o crescimento econômico será retomado, após os ajustes, qualquer que seja o cenário político. Em alguns anos, o SBPE financiará um milhão de unidades/ano. A relação crédito imobiliário/PIB, hoje em 8,9%, evoluirá para os 15% a 20% do PIB, chegando aonde já está na China, no Chile ou na África do Sul. O Brasil tem potencial para muito mais.
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