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Jornal da ABI

Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa - Outubro/Dezembro de 2004 – N o 297

Audálio e os dias de outubro Em artigo especial para o Jornal da ABI, o jornalista Audálio Dantas relembra as horas e os dias tormentosos que culminaram com o assassinato do jornalista Vladimir Herzog nos porões do Doi-Codi de São Paulo, em 25 de outubro de 1975. E Rodolfo Konder, também em texto exclusivo, evoca seu companheiro Vlado, com quem estava preso naqueles dias sinistros. Páginas 21 e 22

O GOVERNO BRIGA COM OS ARQUIVOS

Ele era argentino, mas teve a sensibilidade bem carioca de criar os tipos que se tornaram símbolos das torcidas do Rio e a boazuda que eles cobiçavam, a Miss Campeonato (à direita). Manoel Epelbaum fala do desenhista Lorenzo Molas e suas criações.

Página 18

Sem orientação definida a respeito e também sem coragem política de devassar os crimes da ditadura, as autoridades se surpreendem com as descobertas de arquivos da repressão dos anos de chumbo. E uma verdade salta aos olhos: nesse campo o Governo nada controla. Página 3 ANTONIO GUERRA

ACERVO MÁRIO RODRIGUES NETO

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ário Filho, que dá nome ao Estádio do Maracanã, criou a mitologia em torno do nosso craque de futebol e é justamente reverenciado como o primeiro grande jornalista esportivo do País. Irmão de Nelson Rodrigues (foto), Mário é autor de um estudo pioneiro, O Negro no Futebol Brasileiro, que João Máximo analisa com respeito e espírito crítico. Páginas 14 e 15

nco, a sitoras do Quinta às Ci po ex s da a um i fo z aló sentou e debateu juíza federal Salete Mac rca de três meses apre ce e nt ra du e qu I AB atualidade. programação da ção questões da maior ica un m Co de es nt da issão com jornalistas e estu bre a legislação da prof so u re or sc di ) rio Io r to êdo e Vi ginas 8 e 9 Salete (com Maurício Az suas insuficiências. Pá e s sta ui nq co as su o de jornalista, mostrand

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Jornal da A BI

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPENSA DIRETORIA - MANDATO 2004/2007 Presidente: Maurício Azêdo Vice-presidente: Milton Temer Diretor Financeiro: Aristélio Andrade Diretor Social: Domingos Meirelles Diretor Administrativo: Fichel Davit Chargel Diretor de Cultura e Lazer: João Máximo Diretora de Jornalismo: Joseti Marques

Outubro/Dezembro de 2004

NESTA EDIÇÃO

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ABI tomou vigorosa posição diante das violências sofridas pelo fotógrafo Cassiano de Souza, da revista Caras, quando fazia uma reportagem em torno da modelo Luma de Oliveira. A ABI oficiou ao Ministro da Justiça, que repassou o caso à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. A denúncia da ABI será apreciada no dia 17 de fevereiro de 2005 no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Veja a atuação da ABI nas páginas 4 e 5. REVISTA CARAS

COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Berta Nutels, Ely Moreira, Maria Inês Duque Estrada, Maurílio Ferreira e Tamar de Castro

Em carta à ABI, Luma de Oliveira nega que tenha xingado e ofendido Cassiano e os repórteres-fotográficos em geral. Sua carta na página 5.

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Adalberto Diniz, Altenir Santos Rodrigues, Anísio Félix, Ariosto da Silva Pinto, Germando Oliveira Gonçalves, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Italo de Saldanha da Gama, José Gomes Talarico, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Parisi e Yaci Nunes CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira, Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura CONSELHO FISCAL Jesus Antunes- Presidente, Aziz Ahmed - Secretário, Adriano Barbosa, Altenir Santos Rodrigues, Eduardo Rocha, Luiz Carlos de Oliveira e Zilda Ferreira CONSELHO DELIBERATIVO (2004-2005) Presidente: Carlos Alberto Caó Oliveira 1 º Secretário: Lênin Novaes 2 º Secretário: Nilo Marques Braga

BUSH, POR ARGEMIRO Em denso volume, que lhe custou anos de pesquisa e de observação da vida americana, o jornalista Argemiro Ferreira traça o perfil do Presidente George W. Bush, antes e depois do 11 de Setembro. Páginas 6 e 7

FAVELA OU COMUNIDADE? Quando é show, espetáculo, coisa fina, a área onde vive a população pobre é chamada pela mídia de comunidade; se é ocorrência policial, ela vira favela. Luiza Mariani analisa esses enfoques da mídia. Página 7

Conselheiros efetivos (2004-2007) Antonieta Vieira dos Santos, Arthur da Távola, Cid Benjamin, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Héris Arnt, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Ivan Cavalcanti Proença, José Gomes Talarico, José Rezende, Marceu Vieira, Paulo Jerônimo, Roberto M. Moura, Sérgio Cabral e Teresinha Santos Conselheiros efetivos (2003-2006 ) Antonio Roberto da Cunha, Aristélio Travassos de Andrade, Arnaldo César Ricci Jacob, Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos, Domingos João Meirelles, Fichel Davit Chargel, Glória Sueli Alvarez Campos, João Máximo, Jorge Roberto Martins, Lênin Novaes de Araújo, Moacir Andrade, Nilo Marques Braga, Octávio Costa, Vitor Iorio e Yolanda Stein Conselheiros efetivos (2002-2005) Alberto Dines, Ana Arruda Callado, Antonio José Ferreira Libório, Araquém Moura Roulien, Beatriz Santa Cruz, Carlos Arthur Pitombeira, Carlos Chagas, Federico Carlo Utzeri, Ítalo de Saldanha da Gama, Jorge Milton Temer, Lygia Maria Collor Jobim, Mario Antonio Barata, Maurício Azêdo e Milton Coelho da Graça

1 0 0 A Ns, farOia S 100 anos em 27 de

Alvaru iores caÁlvaro Cotrim, o nosso orim. Ele foi um dos ma Am s rlo Ca bra lem Página 24 dezembro, ricaturistas do Brasil. TV GLOBO/GIANNE CARVALHO

FOTO: ARISTÉLIO ANDRADE

Conselheiros suplentes (2004-2007) Adalberto Diniz, Aluísio Maranhão, Ancelmo Gois, André Louzeiro, Jesus Chediak, José Silvestre Gorgulho, José Louzeiro, Lílian Nabuco, Luarlindo Ernesto, Marcos de Castro, Marcus Barros Pinto, Mario Augusto Jakobskind, Marlene Custódio, Maurílio Ferreira e Yaci Nunes Conselheiros suplentes (2003-2006) Antônio Avellar C. Albuquerque, Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Antonio Roberto Salgado da Cunha, Domingos Augusto G. Xisto Cunha, Hildeberto Lopes Aleluia, José Carlos Rego, Lorimar Macedo Ferreira, Luiz Carlos de Souza, Marco Aurélio B. Guimarães, Marcus Antônio M. de Miranda, Mauro dos Santos Vianna, Pery de Araújo Cotta, Rogério Marques Gomes, Rosângela Soares de Oliveira e Rubem Mauro Machado. Conselheiros suplentes (2002-2005) Adalberto Correa de Oliveira, Afonso César Gentil de Magalhães Costa, Anísio Félix dos Santos, Beatriz de Oliveira Santa Cruz Lima Chargel, Carlos Alberto Caó Oliveira, Geraldo da Conceição Lopes, Jesus Edgard M. Catoira, Leda Acquarone de Sá, Marcos Tristão Chargel, Maria do Perpetuo Socorro Vitarelli, Osmar Amicucci Gallo, Paulo Parisi Rappoccio, Rosa Alonso Simon Garcia e Ubirajara Moura Roulien

Jornal da ABI Rua Araújo Porto Alegre, 71,7 ° andar – Telefone:(21)2220-3222 /2282-1292 CEP 22.030-010 – Rio de Janeiro – RJ – (jornal @abi.org.br) Editora: Joseti Marques Projeto Gráfico: Fichel Davit Chargel Editoração eletrônica: Miguel Heichard Assistente de edição: Raquel Ferraz Impressão: Gráfica Lance – Rua Santa Maria,47 – Cidade Nova – Rio de Janeiro, RJ. Diretor responsável: Maurício Azêdo As reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.

DOMINGOS, DIRETO

ESQUERDA, VOLVER!

Diante do descrédito público das instituições, Linha Direta, da Rede Globo, atua como um elo entre o Poder Público e a sociedade, disse Domingos Meirelles a Cláudio Carneiro. Meirelles é âncora do programa, que recebe 10 mil telefonemas por mês. Página 20

Uma banca absolutamente singular: nela podem ser encontradas publicações de organizações de esquerda sem espaço no mercado. Aristélio Andrade ouviu o jornaleiro Manuel Araújo, português radicado no Rio desde 1957 e nessa banca desde 1979. Páginas 12 e 13

E MAIS

As conclusões do Seminário A Aviação Comercial e a Soberania Nacional, promovido pela ABI e as associações de trabalhadores da Varig páginas 16 e 17, Milton Temer mostra que sem transformações radicais a corrupção sistêmica é invencível página 10, Carlos Jurandir fala da saga do jornal do PCB no Estado do Pará página 11 e, comentando pesquisa de Alexei Bueno, mostra que a imprensa da Belle Époque não tinha papas na língua página 23.


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ARQUIVOS DA DITADURA O Governo bate ora no cravo, ora na ferradura MAURÍCIO AZÊDO

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divulgação pelo Correio Braziliense, em 17 de outubro passado, de um conjunto de fotografias dadas como sendo do jornalista Vladimir Herzog, antes da sua morte na prisão do DoiCodi de São Paulo, em 25 de outubro de 1975, reavivou a exigência de abertura dos arquivos da repressão, sobretudo de órgãos militares, feita permanentemente por destacadas entidades de defesa dos direitos humanos, e deixou o Governo numa sinuca de bico, da qual, passados mais de dois meses, ele não conseguiu se livrar. O episódio revelou que o Governo não tem uma orientação definida nessa matéria, na qual, por sua suposta delicadeza, evita aprofundar-se, e também nada controla nesse campo: nem os arquivos e registros das ações da repressão, nem os órgãos que detêm a sua posse, especialmente os organismos militares. A publicação das fotografias causou estupor pela indignidade dos métodos da ditadura militar, visível no estado de prostração em que se encontrava o personagem retratado – fosse Vladimir Herzog, o Vlado, como a princípio admitiu até a sua viúva, Clarice, fosse o Padre Leopold D’Astoas, um religioso canadense que trabalhou no Brasil nos anos 70 e sofreu horrores nos cárceres do regime. As revelações do Correio Braziliense permitiram projetar um foco de luz sobre uma série de questões estranhas e inexplicadas que envolvem os arquivos da repressão, como o fato de o conjunto de fotografias ter sido encaminhado a uma Comissão da Câmara dos Deputados por um colaborador da ditadura, o cabo reformado do Exército José Alves Firmino, que parece possuir uma montanha de documentos sobre esse triste período da vida nacional e em nenhum momento foi chamado por qualquer órgão ou autoridade do Governo para explicar a origem do acervo que possui e as circunstâncias em que este foi formado. Firmino prestou longo depoimento à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados em 27 de outubro, “mas não revelou o que os parlamentares mais queriam saber: como foi que a papelama chegou até ele”.¹ O acervo de Firmino conteria 50 mil documentos reservados do Exército – não se sabe se os originais ou cópias.

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stranha igualmente foi a reação do Governo e do próprio Presidente da República diante da manifestação com que o Exército, através do seu Centro de Comunicação Social, recebeu e comentou as informações sobre o Caso Herzog. Supostamente à revelia do Comandante do Exército, General Francisco Albuquerque, segundo a versão oficial divulgada depois, uma nota oficial procurou justificar a adoção, na época, dos métodos que culminaram no assassinato de Herzog, sob o raciocínio elementar, em essência, de que valia tudo contra a subversão e o comunismo. O pronunciamento de saudosistas da ditadura enquistados em posição de relevo no Exército provocou reação indignada do então Ministro da Defesa, Embaixador José Viegas, que exigiu a demissão do Comandante do Exército, mas per-

deu a batalha travada silenciosamente nos bastidores do Governo: o Comandante foi mantido, uma nota de conteúdo oposto ao da primeira foi elaborada e divulgada e Viegas acabou perdendo o cargo, do qual saiu com grandeza. Se na novela em curso desde então há um grande personagem, este foi e é o Embaixador Viegas, que na carta em que pediu demissão censurou acremente os autores da primeira nota divulgada, a qual, “usando linguagem totalmente inadequada”, “buscava justificar os lamentáveis episódios do passado e dava a impressão de que o Exército, ou, mais apropriadamente, os que redigiram a nota e autorizaram a sua publicação, vivem ainda o clima dos anos 70, que todos queremos superar”. Com uma coragem política que nenhum outro membro do Governo teve, incluído o próprio Presidente da República, Viegas foi fundo na reprovação a Albuquerque e seus subordinados:

Além de manter Albuquerque, o Governo admite que este visite guarnições militares “para explicar ao pessoal da ativa e da reserva por que editou uma segunda nota oficial, praticamente desautorizando a primeira”.4 O Governo não estimula, no campo militar, análises como a empreendida pelo Chefe do Exército do Chile, General Juan Emílio Cheyre Espinoza, que reconheceu, pela primeira vez desde o golpe do 13 de setembro de 1973 comandado pelo General Augusto Pinochet, a participação do Exército nas violações dos direitos humanos praticadas durante a ditadura instaurada de 1973 a 1990. “ O Exército do Chile – disse o General Cheyre Espinoza – adotou a dura porém irreversível decisão de assumir a responsabilidade que, como instituição, cabe a ele por todos os atos puníveis e moralmente inaceitáveis do passado. As violações dos direitos humanos não podem ter justificativa ética, nunca e para ninguém.”5

São lentos os avanços na busca da verdade da História “A nota divulgada no domingo 17 representa a persistência de um pensamento autoritário, ligado aos remanescentes da velha e anacrônica doutrina da segurança nacional, incompatível com a vigência plena da democracia e com o desenvolvimento do Brasil no século 21. Já é hora de que os representantes desse pensamento ultrapassado saiam de cena. É incrível que a nota original se refira, no século 21, a ‘movimento subversivo’ e a ‘movimento comunista internacional’. É inaceitável que a nota use incorretamente o nome do Ministério da Defesa em uma tentativa de negar ou justificar mortes como a de Vladimir Herzog. É também inaceitável, a meu ver, que se apresente o Exército como uma instituição que não precisa efetuar ‘qualquer mudança de posicionamento e de convicções em relação ao que ocorreu naquele período histórico’.”²

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a queda de braço que lhe custou o cargo, decidida numa reunião do Presidente Lula com os Comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica na Base Aérea de Brasília, no dia 22 de outubro, Viegas não contava com o forte apoio político pessoal que favorecia o General Francisco Albuquerque e assegurava sua presença no comando da força de terra. Albuquerque, casado e sem filhos nem netos, tem como uma espécie de filho adotivo o Coronel Osvaldo Oliva, irmão do Senador Aloízio Mercadante, um dos poderosos hierarcas da República, segundo noticiou a Folha de S. Paulo.³ Desde então o Governo bate ora no cravo, ora na ferradura, procurando, de um lado, aplacar o clamor de instituições que reclamam a abertura dos arquivos – a Ordem dos Advogados do Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a ABI, o Grupo Tortura Nunca Mais, entre outras; de outro, deixar claro aos setores que produziram a primeira nota do Exército que não compactua com supostos “revanchismos” nem “radicalizações”.

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serpenteante comportamento do Governo na matéria fica claro nas declarações em que diferentes figuras do Governo, no nível de ministros de Estado, comentaram a questão em intervalos de dias. O titular da Secretaria Especial de Direitos Humanos, órgão da Presidência da República, Ministro Nilmário Miranda, admitiu em 16 de outubro que o Governo reveria o decreto do Presidente Fernando Henrique Cardoso que estabeleceu prazo indefinido para o sigilo dos documentos da repressão. Nilmário deixou entrever certo acochambramento do Governo na matéria, de modo a se “avançar de forma tranqüila, serena, mas dependendo de muitos arranjos e acordos”. A natureza desses acordos é desvendada por duas de suas frases: 1. “Não faria bem ao País reabrir o debate ideológico de um período que já passou. Não contribui com nada”; 2. “As pessoas mudaram; os tempos mudaram. Todos evoluíram. Por que reabrir conflitos superados?”.6 Pouco mais de uma semana depois, em 5 de novembro, ao visitar Salvador para assinar convênios na área de segurança pública com o Governo da Bahia, o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse que o Governo Lula “caminha para determinar a abertura dos arquivos secretos dos governos militares”, mas foi antecipando em que ritmo se fará a tal caminhada: “Estamos trabalhando nesse assunto com determinação, mas com cautela, sem fazer marola, gritaria, suspense à toa”.7 Nesse entretempo, descobertas incômodas perturbaram a disposição do Governo de se conduzir na matéria sem marola, e muito menos sem tsunamis, como os que desgraçaram 13 países da Ásia neste fim de ano. Reportagem do Fantástico, da Rede Globo de Televisão, no dia 12 de dezembro, mostrou a queima de documentos de arquivos da Aeronáutica na Base Aérea de Salvador.8 Na mesma semana, o Ministério Público do Rio Grande do Sul, em diligência solici-

tada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado, apreendeu na cidade de Eldorado do Sul, perto de Porto Alegre, milhares de documentos com carimbos de secreto e confidencial abandonados num sítio que pertenceu ao ex-Deputado Tarso Dutra, Ministro da Educação de 1967 a 1969 no Governo Costa e Silva.9 Em 15 de dezembro instalou-se a Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas, que decidiu requisitar todos os documentos reservados, sigilosos, secretos e ultra-secretos de todos os órgãos governamentais desde 1964: Serviço Nacional de Informações, Comissão Geral de Investigações–CGI, instituída logo após o golpe militar, Conselho de Segurança Nacional, Agência Brasileira de Inteligência–Abin, Polícia Federal, Exército, Marinha e Aeronáutica. O Ministro Márcio Thomaz Bastos informou então que o Governo pretende também buscar os arquivos que estão em poder de particulares que tiveram acesso aos documentos, como os militares que passaram à reserva.10 Talvez assim o cabo Firmino abra mão de seu acervo e não se confirme como procedente a observação do Desembargador Antônio Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sediado em Brasília, acerca da sua determinação de abertura dos arquivos da Guerrilha do Araguaia, decisão contra a qual o Governo recorreu: “Não dá pra entender. O Governo quer abrir os arquivos, mas de acordo com suas conveniências”.11 FONTES 1. Cabo que entrega papéis não diz de onde eles vieram. Por Eugênia Lopes e Leonel Rocha. O Estado de S. Paulo, 28 de outubro de 2004, página A9. Ex-araponga diz que sabe onde estão os papéis. Por Adriana Chaves. Folha de S. Paulo, 15 de novembro de 2004, página A 6. 2. Crise com militares derruba Viegas e Alencar é novo ministro de Defesa./ A íntegra da carta de demissão. Por Leonel Rocha. O Estado de S. Paulo, 5 de novembro de 2004, página A4. 3. Comandante do Exército tem apoio do PT. Por Eliane Cantanhede. Folha de S. Paulo, 7 de novembro de 2004, página A 19. 4. Comandante do Exército percorre o País e dá explicações. O Estado de S. Paulo, 5 de novembro de 2004, página A6. 5. Mea-culpa histórico no Chile. Por Janaína Figueiredo. O Globo, 6 de novembro de 2004, página 40. Exército chileno assume autoria de atos puníveis e inaceitáveis. Agências Associated Press, Reuters e Efe. O Estado de S. Paulo, 6 de novembro de 2004, página A26. 6. Sigilo será revisado, mas com cautela, diz Nilmário. Por Vanildo Mendes. O Estado de S. Paulo, 27 de outubro de 2004, página A9. z7. Bastos: sem marola, os arquivos serão reabertos. Por Biaggio Talento. O Estado de S. Paulo, 6 de novembro de 2004, página A11. 8. Arquivos da ditadura são queimados na Bahia. Por Claudia Lamego. O Globo, 13 de dezembro de 2004, página 5. Arquivos salvos a caminho da fogueira. O Globo, 14 de dezembro de 2004, página 3. 9. Descaso com a História: arquivos ao relento. Por Chico Oliveira. O Globo, 17 de dezembro de 2004, página 3. 10. Comissão decide requisitar arquivos da ditadura. Por Evandro Eboli. O Globo, 16 de dezembro de 2004, página 8. 11. Desembargador diz que governo é incoerente. O Globo, 15 de dezembro de 2004, página 11.


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Um caso de violência no exercício da profissão

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ABI solicitou ao Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, Fotógrafo Cassiano de Souza, da revista a apuração das violências praCaras, denuncia agressões e torturas sofridas ticadas contra o jornalista Cassiano de Souza, repórter-fotográfico da requando tentava fotografar a modelo Luma vista Caras, que foi torturado, despido, espancado, submetido a cárcere de Oliveira num resort no sul da Bahia. privado e ameaçado de morte quanA ABI pede ao Ministro da Justiça a do fazia reportagem em torno da modelo Luma de Oliveira no Txai Resort, apuração da ocorrência. situado no Município de Itacaré, no sul da Bahia. Relata a ABI que Cassiano foi submetido a essas violências pelos sócios do Txai Resort, Nelson Moraes, Renato Guedes e Márcio,de sobrenome não descoberto, e por um policial que acompanhava a modelo, Sigmar de clusive o de ser obrigado a ficar nu diante Almeida, apontado como vinculado “Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 2004. de seus algozes, e submetido a espancamenà Coordenadoria de Recursos EspeExmo. Sr. Ministro da Justiça tos, cárcere privado, subtração de equipaciais — Core, da Secretaria de SeguDr. Márcio Thomaz Bastos mentos de trabalho, furto de R$ 800,00 rança do Estado do Rio. A própria guardados na mala do jornalista e ameaLuma de Oliveira teria participado A Associação Brasileira de Imprensa didas humilhações impostas ao repórças de morte, como esta reproduzida no texrige-se a Vossa Excelência na qualidade de to mencionado: ter, conforme relato de Cassiano puPresidente do Conselho de Defesa dos Di2.1 “Dois seguranças me colocaram blicado na edição de Caras da semareitos da Pessoa Humana para requerer fornum carro Celta branco. Já passava da na seguinte (número 578). malmente a instauração de procedimentos No expediente ao ministro, firmeia-noite. Rodaram comigo por lugares investigatórios visando à responsabilização escuros e afastados do resort, me ameaçanmado por seu Presidente, Maurício dos autores de vários crimes contra a pesdo sem parar. Diziam que iam me matar e Azêdo, a ABI requer formalmente soa humana praticados contra o jornalisjogar meu corpo num rio e ninguém sabeque a investigação seja realizada no ta Cassiano de Souza, repórter-fotográfico âmbito do Conselho de Defesa dos ria de mim. `A gente vai te matar, você vai da revista Caras, entre a noite de sábado 27 sumir do mapa`, repetiam. Eu estava no Direitos da Pessoa Humana, orgade novembro e o amanhecer de domingo meio do nada, apavorado.” nismo federal integrado por repre28 de novembro de 2004, em dependências 3. Além de seguranças do Txai Resort, sentantes de entidades da sociedado Txai Resort, no Município de Itacaré, no que precisam ser identificados e responsade civil, como a ABI e o Conselho sul da Bahia. bilizados por darem cobertura às violênciFederal da Ordem dos Advogados do 2. Relato minucioso publicado na revisas de que Cassiano de Souza foi vítima, tiBrasil. A ABI considera necessário ta Caras, edição de número 578, ano 11, veram participação direta nos suplícios e que a apuração do caso seja feita data de capa 3/12/2004, dá conta de que o ameaças ao jornalista as seguintes pessoas pelo Conselho, por envolver ofensas jornalista Cassiano de Souza foi vítima de nominadas na citada reportagem da revisà dignidade da pessoa humana. constrangimentos de variada natureza, inA ABI dirigiu expediente também ao Governador FOTOS: REVISTA CARAS da Bahia, Paulo Souto, pedindo-lhe que se interesse direta e pessoalmente pela apuração das violências, já que a 7a. Coordenadoria de Polícia de Ilhéus, onde o caso foi registrado, encaminhou as peças processuais à Delegacia de Itacaré, que, diz a ABI, dificilmente apurará o caso, “dada a projeção social, o poderio econômico e o sentimento de impunidade dos proprietários do Txai Resort”. A ABI oficiou também à Governadora Rosinha Garotinho, pedindo-lhe que mande apurar se o policial Sigmar de Almeida, que ameaçou Cassiano de Souza de morte, estava em Itacaré “em dias em que deveria presumivelmente estar de serviço na Secretaria de Segurança Pública do Estado”. A íntegra das manifestações da ABI é reproduzida a seguir. O repórter-fotográfico Cassiano de Souza (à dir.) em depoimento na Delegacia de Ilhéus

O OFÍCIO AO MINISTRO

ta Caras, que dedicou ao assunto a capa da edição de número 578: 3.1. Nelson Moraes, um dos proprietários do Txai Resort, que iniciou os constrangimentos impostos ao jornalista, ameaçou quebrar o equipamento do profissional e mobilizou prepostos e apaniguados para o submeterem às violências que se sucederam num crescendo de ferocidade; 3.2. Renato Guedes e Márcio, de sobrenome não descoberto, sócios de Nelson Moraes no Txai Resort, que submeteram o jornalista a revista indevida e se associaram às violências de Nelson Moraes, o qual repetiu as ameaças anteriores, desta feita com mais intensidade, e promoveu a entrega de Cassiano de Souza aos seguranças protagonistas do episódio relatado no subitem 2.1; 3.3. Luma de Oliveira, referida como modelo, personagem constante de noticiário jornalístico, que instigou a prática das violências descritas, a estas se associou e, não contente com isso, buscou humilhar o profissional, dizendo-lhe: “Que profissão de merda. Vocês, fotógrafos, não têm jeito”; 3.4. Sigmar de Almeida, acompanhante de Luma de Oliveira, referido como policial da Coordenadoria de Recursos Especiais – Core da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, que também praticou violências contra Cassiano de Souza, de quem xerocou todos os documentos, incluídos os do carro, com o endereço residencial do jornalista, a quem advertiu, aos gritos, que este seria morto, se vazasse informação sobre o episódio. “Isso não é uma ameaça, é um aviso”, disse o algoz do repórter. 4. Essa angustiante seqüência de violências e ameaças foi registrada na 7ª Coordenadoria de Polícia de Ilhéus, que encaminhou Cassiano de Souza ao Departamento de Polícia Técnica para realização de exame de corpo de delito e promoveu a remessa das peças do processo então formado à Delegacia Circunstancional de Itacaré. 5. A Associação Brasileira de Imprensa, Senhor Ministro, vê com extrema apreensão o episódio, que contém inadmissíveis violências contra a liberdade de imprensa e o direito do exercício da profissão por um jornalista, e considera imperioso reclamar de Vossa Excelência a instauração do necessário inquérito no âmbito do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, porque é fundamentadamente previsível que a Delegacia Circunstancional de Itacaré não moverá uma palha para responsabilizar os poderosos proprietários do Txai Resort pelos crimes que cometeram e nos quais podem reincidir se as violências agora relatadas não forem punidas com as sanções previstas na legislação penal e nos textos de proteção legal dos direitos humanos. 6. Dada a gravidade do assunto, encareço um pronunciamento de resposta de Vossa Excelência com a rapidez que se impõe. No ensejo, renovo as expressões do meu elevado apreço. Cordialmente Maurício Azêdo Presidente”


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Uma carta de Luma de Oliveira Modelo nega que tenha ofendido os fotógrafos Em carta à ABI, a modelo Luma de Oliveira negou que tenha xingado ou menosprezado o repórter-fotográfico Cassiano Barbosa de Souza, da revista Caras, no rumoroso incidente ocorrido no Txai Resort, no Município de Itacaré, no sul da Bahia. “Seria um estúpido contra-senso uma modelo profissional, que depende diretamente da boa convivência com fotógrafos para projetar a sua imagem, atacar os profissionais de quem mais precisa”, diz a modelo em sua carta, cujo texto integral é o seguinte: “Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2004. Exmo. Sr. Jornalista Maurício Azêdo DD. Presidente da Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, nº 71 – Nesta

O repórter Cassiano de Souza sofreu hematomas no rosto e em várias partes do corpo

O APELO AO GOVERNADOR “Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 2004 Senhor Governador, A Associação Brasileira de Imprensa dá ciência a Vossa Excelência, conforme cópia anexa, da solicitação formal que fez ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, na qualidade de Presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, para a instauração de procedimentos investigatórios que conduzam à responsabilização dos autores das violências praticadas contra o jornalista Cassiano de Souza, repórterfotográfico da revista Caras, nos dias 27 e 28 de novembro passado, em dependências do Txai Resort, no Município

de Itacaré, no sul da Bahia. 2. Teme a ABI, Senhor Governador, que a Delegacia Circunstancional de Itacaré, à qual foram remetidas as peças processuais constituídas na 7º Coordenadoria de Polícia, sediada em Ilhéus, não tenha condições de proceder com eficácia às investigações para apuração das responsabilidades pelas violências de que Cassiano de Souza foi vítima, dada a projeção social, o poderio econômico e o sentimento de impunidade dos proprietários do Txai Resort, que determinaram e comandaram essas violências. 3. Daí porque, Senhor Governador, consideramos pertinente fazer um apelo a Vossa Excelência para que se inte-

resse direta e pessoalmente pela apuração das violências relatadas, que ferem a dignidade da pessoa humana, violam a liberdade de imprensa, cerceiam o direito de exercício da profissão de jornalista e, ainda, maculam a bela imagem que com muita justiça o Estado da Bahia, por seu Governo, seu povo e seu ambiente natural, é admirado e querido em todo o território nacional. 4. Fico na expectativa de informações acerca das providências que Vossa Excelência adotará em relação ao exposto. No ensejo, renovo as expressões do nosso elevado apreço. Cordialmente, Maurício Azêdo Presidente”

O PEDIDO A ROSINHA “Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 2004. Senhora Governadora, A Associação Brasileira de Imprensa dá ciência a Vossa Excelência, conforme cópia anexa, da solicitação formal que fez ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, na qualidade de Presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, para a instauração de procedimentos investigatórios que conduzam à responsabilidade dos autores das violências praticadas contra o jornalista Cassiano de Souza, repórter-fotográfico da revista Caras, nos dias 27 e 28 de novembro passado, em dependências do Txai Resort, no Município de Itacaré, no sul da Bahia. 2. Considera a ABI, Senhora Governadora, que é necessária também a

apuração da participação no episódio, em dias em que deveria presumivelmente estar de serviço na Secretaria de Segurança Pública do Estado, do policial Sigmar de Almeida, vinculado, segundo informou a revista Caras e fica evidente em fotografia por esta publicada em sua edição de número 578, ora nas bancas, à Coordenadoria de Recursos Especiais-Core, descrita como “tropa de elite da Polícia Civil” do Estado do Rio de Janeiro. Com esse fim, requer que Vossa Excelência expeça as determinações necessárias aos órgãos competentes. 3. A ABI considera igualmente necessário pedir a atenção de Vossa Excelência para o uso abusivo e indevido de uniformes, símbolos e imagens de organismos do sistema de segurança e defesa civil do Estado do Rio de Janeiro para promoção de in-

teresses comerciais, como aqueles patrocinados pela Senhora Luma de Oliveira, uma das instigadoras das violências e torturas a que foi submetido o jornalista Cassiano de Souza. Embora origine sorrisos e aparência de felicidade, esse uso indica uma ligeireza e uma promiscuidade que assumem tons de farra incompatíveis com a seriedade que os órgãos do Poder Público devem permanentemente exibir. 4. Fico na expectativa, Senhora Governadora, de informações acerca das providências que Vossa Excelência adotará em relação ao exposto. No ensejo, renovo as expressões do nosso elevado apreço. Cordialmente, Maurício Azêdo Presidente”

Excelentíssimo Senhor, Pelo enorme respeito que tenho por Vossa Excelência, cuja biografia ostenta extensa luta em favor da liberdade e da justiça, vejo-me na obrigação de esclarecer alguns aspectos do lamentável episódio que envolve o fotógrafo Cassiano Barbosa de Souza, colaborador da revista Caras. De início, quero deixar claro que não participei dos fatos que deram origem ao registro policial realizado pelo fotógrafo na Delegacia de Ilhéus e que não xinguei nem o menosprezei, até porque seria estúpido contra-senso uma modelo profissional, que depende diretamente da boa convivência com fotógrafos para projetar a sua imagem, atacar os profissionais de quem mais precisa. Realmente estava hospedada no Hotel Resort Txai, juntamente com um casal de amigos, quando ocorreu o imbróglio envolvendo o fotógrafo. Pelo que fui informada depois dos acontecimentos, tudo começou quando o acompanhante de minha amiga Regina, o Sr. Sigmar de Almeida, ao perceber que estava sendo fotografado por Cassiano, a ele se dirigiu, indagando se estava a serviço de algum órgão da imprensa. Nesse passo, disse-me depois o Sr. Sigmar que ponderou com o fotógrafo que por ser policial integrante do Core, equipe de elite da Polícia Civil, não poderia ter fotografias divulgadas na imprensa, porque isso poderia custarlhe a própria vida, uma vez que essa veiculação possibilitaria a sua identificação por bandidos que já prendera. No curso dessa conversa mantida entre o policial e o fotógrafo, interveio no assunto o Sr. Nelson, um dos proprietários do hotel, que tomou a frente das negociações com o fotógrafo para tentar dissuadi-lo de publicar as fotografias que eventualmente tirara. Mas o que me causa indignação é que, não obstante nada ter visto e de nada ter participado, estou sendo julgada sumariamente pela imprensa, mediante a junção de meias verdades para conduzir o raciocínio a uma conclusão absolutamente falsa. A situação chegou a um ponto tal que o intenso bombardeio que a imprensa está fazendo contra mim obriga-me a ter que provar que sou inocente. Ora, é princípio consagrado no direito de qualquer país civilizado que o ônus da prova cabe a quem acusa. Assim, confiando no reconhecido espírito de justiça de Vossa Excelência, espero ter conseguido esclarecer definitivamente esse deplorável episódio que me tem causado tanto constrangimento. Atenciosamente Luma de Oliveira”


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BUSH Antes e depois, na visão de Argemiro

Livro de jornalista brasileiro mostra as forças que comandam a política dos Estados Unidos desde antes do 11 de Setembro. CARLOS JURANDIR

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livro O Império Contra-Ataca: As guerras de George W. Bush, antes e depois do 11 de Setemb ro (Paz e Terra, São Paulo, 2004), do repórter Argemiro Ferreira, mostra que um dos grupos de sustentação do candidato George Bush para reconquistar a presidência dos EUA nas últimas eleições americanas – os neocons, ainda sem esse rótulo – é o mesmo que em 1992, aproveitando o fim da União Soviética, tentou impor receita inspirada na estratégia da Guerra Fria, que prevalecera quase cinco décadas. Documento interno do Pentágono (esboço de DPG, Orientação de Política de Defesa) vazou para a imprensa em 1992 e escandalizou o País e seus aliados tradicionais, relembra Argemiro. Denunciada como “Pax Americana” por vozes equilibradas da política externa, Bush I, o pai do atual Presidente, foi obrigado a fazer o grupo recuar, e Cheney, Wolfowitz, Douglas Feith, Lewis Libby, Richard Perle e o resto tiveram de refazer a DPG. Em 1992, a campanha republicana para reeleger Bush-pai foi arrebatada pelos theocons – fundamentalistas como os reverendos Pat Robertson, criador da Coalizão Cristã, e Jerry Falwell, da Maioria Moral. Eles passaram a ditar os rumos do Partido Republicano, levando-o à derrota em duas eleições presidenciais (Bush I e Bob Dole). Um ano antes, o velho Bush tinha sustado, sob a influência do Secretário de Estado James Baker e do

Chefe do Estado-Maior Conjunto, General Colin Powell, o plano da liderança civil do Pentágono, Dick Cheney à frente, de marchar para Bagdá e depor Saddam Hussein, em seguida à vitória na guerra e à expulsão dos iraquianos do Kuwait. FUNDAMENTALISMO À USA

O Império Contra-Ataca faz uma avaliação do Governo Bush, do papel da imprensa no período e da cobertura da mídia da última campanha eleitoral. Relaciona a pregação do outro grupo de sustentação da candidatura Bush, a direita religiosa (conservadores teocráticos, theocons, ou cristãos fundamentalistas), ao Projeto do Novo Século Americano dos neoconservadores (neocons) – os dois grupos que fundamentam o governo do segundo Bush. O livro oferece amplo conjunto de informações e bibliografia, inclusive links na Internet para os importantes documentos discutidos, como o NSS (Estratégia de Segurança Nacional, 2002), e ainda o PNAC (Projeto do Novo Século, 1997), o RAD (Reconstruindo as Defesas da América, 2000) e outros elaborados antes. Argemiro não acredita, entretanto, que George W. Bush mantenha a aliança com os chamados cristãos fundamentalistas. “Karl Rove, o estrategista maior da campanha e também o principal assessor de Bush”, analisa, “está nitidamente tentando diminuir o papel desempenhado pela direita religiosa. Pode ser um sintoma de que não se deseja pagar a fatura da dívida que Bush assumiu com essa facção extremista”. – A vitória não foi acachapante como os republicanos tentam pintar. De fato, foi a maior votação de um can-

didato à presidência na História. Mas também foi a maior votação na história contra um candidato à presidência. Ou seja, ficou claro de novo que o País está dividido – conta Argemiro. O jornalista destaca o fato de as primeiras declarações de Bush terem sido ambíguas: – Ao mesmo tempo em que disse ter o capital político para ‘realizar o que prometeu’, fez aceno conciliador, alegando que quer unir os americanos e não dividi-los. Para mim, o problema maior é que a direita religiosa – especialmente os evangélicos, aos quais se atribui a definição eleitoral – não admite qualquer conciliação. E vai cobrar do Governo. Como já está fazendo publicamente um de seus líderes, o reverendo James Dobson, do grupo Focus on the Family – conclui. OSCILAÇÕES DE BUSH

O autor não acredita que Bush pretenda ficar na história como um presidente extremista: – Ele terá de se distanciar de alguma forma desses cristãos fundamentalistas. Como é o último mandato dele, poderia prescindir desse apoio. Duvidoso é se o deseja. A influência dessa direita religiosa (que não deve ser confundida com os neoconservadores, também direitistas) poderá ser medida na batalha das nomeações para a Suprema Corte, onde serão abertas pelo menos duas vagas. É preciso observar ainda, daqui para a frente, em que posições ficarão os neoconservadores. Se ampliarem sua presença no Governo, hoje concentrada no Pentágono – por exemplo, passando a dominar também o Departamento de Esta-

do — será sintoma grave. Tendo a acreditar que Bush, empenhado em ter mais apoio internacional para fazer o que chama de “estabilizar o Iraque”, pode recuar um pouco, pelo menos um pouco, da linha unilateralista dos neocons. Isso seria importante para ele por causa do alto custo da guerra, em dinheiro e vidas. Ele quer dividir o ônus. O que obviamente não vai conseguir se insistir no rumo atual. Como já foi longe demais, ficará difícil para ele recuar sem desapontar aqueles que embarcaram na retórica belicista dele”. PATRIOTADAS

Quanto ao jornalismo político no Brasil, Argemiro acha que não deveria deixar de lado o que tem de bom para imitar o que há de pior na imprensa americana: – Eu não gostaria, por exemplo, que surgisse no Brasil algo como a rede Fox News ou os jornais da seita Moon, como o Washington Times. A mídia americana fez um papelão na eleição de 2000 e fez papel ainda pior nos meses que se seguiram ao 11 de Setembro. Por medo e covardia. Sujeitou-se à histeria patrioteira de um consenso absurdo, a pretexto de combater o terrorismo. O New York Times, o Los Angeles Times e o Washington Post, grandes veículos liberais, de grande circulação, fizeram boa cobertura da campanha. O NYTimes e o Post arrependeram-se do que fizeram logo depois do 11 de Setembro. A autocrítica foi tímida, devia ter sido muito mais contundente. Mas já foi alguma coisa, especialmente se tiverem aprendido a lição, o que só saberemos com mais algum tempo – conclui o jornalista.


Entre a favela e a comunidade

Um mineiro de olhar universal Argemiro Ferreira é jornalista há mais de 40 anos. Começou na imprensa de Belo Horizonte, depois de participar do grupo literário da revista Complemento e do Centro de Estudos Cinematográficos. Foi repórter dos Diários Associados (Estado de Minas, Diário da Tarde) e da Última Hora, além de correspondente da agência internacional UPI, então a maior em atividade no Brasil. Foi também redator do Repórter Esso da televisão Itacolomi, crítico de cinema em jornais e redatorchefe da Revista de Cultura Cinematográfica, além de colaborador de suplementos culturais. Transferiu-se para o Rio no ano seguinte ao golpe militar de 1964. Inicialmente, trabalhou nas redações de O Dia, O Jornal e Correio da Manhã. Depois no Jornal do Brasil (duas vezes), O Globo (duas vezes) e Manchete (duas vezes). Escrevia ainda, como colaborador, para Opinião (desde os primeiros números, em 1972) e Pasquim. Em 1975, quando uma crise interna ameaçou a sobrevivência de Opinião, aceitou substituir Raimundo Rodrigues Pereira à frente da redação, onde ficou um ano e meio. Eleito Vice-Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio em 1978, participou dos movimentos reivindicatórios dos jornalistas, inclusive uma greve, e da luta da sociedade civil pela restauração democrática em eventos, congressos, seminários, no Conselho Deliberativo da ABI e na revista Ciência Hoje, da SBPC, como editor na fase inicial, desde o número 1. Escreveu numerosos artigos sobre censura, direitos humanos e imprensa, inclusive para a revista Imprensa, tornando-se ainda editorchefe da Tribuna da Imprensa, jornal que fora alvo de atentado a bomba assim como Opinião e Pasquim. Depois do regime militar e até o início do Governo Collor, em 1989, foi editor-chefe do jornal nacional da Rede Educativa, liderada então pela TVE do Rio.

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Em 1992, antes do início da crise que levaria ao processo de impeachment de Collor, viajou aos EUA para cobrir os quatro meses finais da campanha presidencial (Clinton vs. Bush) para vários jornais, entre eles a Tribuna, Estado de Minas, Zero Hora, de Porto Alegre, e Correio Braziliense. A experiência provou a viabilidade do projeto de uma correspondência, sem vínculo trabalhista, para múltiplos veículos e posteriormente diversos jornais a seguiram: Jornal de Notícias, de Portugal, Diário do Grande ABC, de São Paulo, Jornal de Brasília, Observatório da Imprensa, Deadline, Radar. Durante algum tempo produziu e apresentou programas de rádio das Nações Unidas e participou várias vezes, como entrevistador convidado, do programa de televisão World Chronicle, produzido nos estúdios da Onu (UNTV). Hoje é correspondente da Tribuna da Imprensa, onde sua coluna de política internacional é publicada há mais de 20 anos. Atua também como correspondente na rede de TV a cabo GloboNews, no Jornal de Notícias, de Portugal, e na Rádio França Internacional, de Paris, nas suas transmissões em língua portuguesa. Tem feito colaborações eventuais também para a Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, Época e outros. Como autor, publicou anteriormente Informação e Dominação (1982, edição do Sindicato dos Jornalistas, RJ), sobre o controle no fluxo da informação internacional; Caça às Bruxas: Macartismo, Uma Tragédia Americana (L&PM, Porto Alegre, 1989), sobre a guerra fria e o infame período das listas-negras nos EUA. Colaborou, ainda, com ensaios em outros livros, como Rede Imaginária: Televisão e Democracia (Companhia das Letras, SP, 1991) e Mídia & Violência Urbana (Faperj, RJ, 1994). (C.J.)

A OBRA E SUAS PARTES Prefácio: Fernando Morais Cronologia: 1991-2004 Os personagens Introdução 1. A Jihad de Bin Laden e a cruzada de Bush I - ANTES DA TRAGÉDIA DE 11/09 2. A guerra cultural - e a vasta conspiração da Direita 3. Roubo de votos, o pecado original de um governo 4. Multilateralismo à la carte, à sombra da legitimidade 5. Uma dinastia no front da corrupção e dos crimes corporativos II - DEPOIS DAQUELE CONSENSO 6. A guerra de Bush e Ashcroft contra as liberdades civis 7. O pretexto de 11/09 e a nova estratégia de segurança nacional 8. A Direita religiosa ea cruzada dos neocons 9. A guerra contra a França e o papel da ONU 10. Da guerra de mentiras ao colapso da credibilidade 11. a força e a arrogância do império

LUIZA MARIANI

Q

uem lê o jornal diário ou assiste a telejornais com atenção redobrada certamente já percebeu a multiplicidade de palavras usadas pela mídia para se referir aos lugares onde reside população de baixa renda. Proponho uma reflexão a respeito do uso desses termos – favela, favelado, comunidade, morador –, cujo emprego venho acompanhando há quatro anos, pela TV ou nas páginas dos jornais diários que circulam na cidade do Rio de Janeiro. Aquele que construiu sua casa no morro é favelado, e o morro é denominado favela, caso o assunto da reportagem seja uma cena de violência. Ou seja, favela e f a ve l a d o a p a re c e m com uma conotação pejorativa. Mas se o interesse do jor nal for o de noticiar um e ve n t o e s p o r t i vo, como capoeira ou futebol, ou relacionado às artes, como um espetáculo de música ou de balé, desaparecem os termos favela e favelado, substituídos por comunidade e m o ra d o r, t e r m o s que entraram para o discurso da mídia mais recentemente. Pensar acerca desta questão é importante, devido à responsabilidade social inerente à nossa profissão. Barbosa Lima Sobrinho, ao prefaciar o livro Jornalismo é..., editado pela ABI, escreveu que “informar é também ajudar a formar conceitos”. Ele apontou aí o papel da responsabilidade social dos jornalistas. É uma questão delicada e tarefa complexa de ser realizada, ajudar (o público) a formar conceitos. A informação precisa ser veiculada com precisão. Portanto, o uso dos termos favela ou comunidade diz respeito aos jornalistas e à sociedade em geral. Uma boa pista é pensar em que lugar se coloca quem escreve e que expectativas faz em relação àqueles de quem vai falar na construção da notícia. Não me refiro ao espaço físico da redação, ou ao pedacinho da cidade onde os jornalistas estão quando redigem rapidamente um texto para fazer um stand-up diante de um morro, ou se estão sentados em um bar ou banco de praça escrevendo num laptop para adiantar o texto, ou se estão repassando o texto para a redação via telefone celular, caminhando no meio da rua. Estou pensando no espaço da camada social em que eles se inserem naquele momento. É o espaço da classe média, com a carga de referenciais e valores a ela pertinentes. Nós, jornalistas, sabemos muito bem que a classe média é dominante entre nós. É sau-

dável que se pense a respeito disso, porque o olhar do jornalista é guiado pelo filtro (inconsciente) da ideologia, que aflora no calor do momento de redigir, apesar dos esforços constantes na busca da isenção. O recorte que o jornalista faz da realidade que apurou para construir a notícia fica contaminado, à revelia do profissional. São raízes presentes no inconsciente. É difícil delas se libertar, em especial por causa da correria que é a vida de repórter, chefe de reportagem e editor. O jornal tem que sair no dia seguinte, o telejornal entra no ar no mesmo dia, às vezes meia hora depois que se apurou a notícia, mal dá tempo de se editar a matéria. Quem está fora da redação tem mais facilidade de observar este “nãover” e fazer uma reflexão, tarefa da universidade. Se é da responsabilidade social do jornalista ajudar a formar conceitos, no caso que aqui se examina a mídia passou ao largo desta tarefa – à sua revelia, insisto nisso. Mas a conseqüência é séria, porque leitores mais apressados podem perpetuar valores culturais repassados pelas palavras favela ou comunidade, empregadas pelos jornais para falar de quem mora no morro. Como o emprego do termo comunidade, contudo, é bem mais recente (anos 90, creio eu) do que o uso de favela, também se pode pensar que, na cidade partida, há momentos de desencontro quando a mídia distingue no morro espaços de violência – chamados favela –, e de encontro (aproximação) – quando o lugar é chamado de comunidade. Pensando no lugar de onde falam os jornalistas, dá para perceber o movimento do inconsciente. O processo de identificação ocorre quando os jornalistas escrevem comunidade para noticiar campeonatos esportivos, música ou balé. Da mesma forma, a nãoaceitação, o repúdio, o medo da violência, ou melhor, da mor te, que acompanha os termos favela e favelado para falar de tiroteio. A propósito, acompanhei neste final de ano, durante a 15ª edição do Uerj Sem Muros, um debate a esse respeito. Estavam presentes alunos da Uerj e alunos do Projeto de Jornalismo Comunitário no Morro dos Macacos, por mim coordenado. Os alunos do Morro dos Macacos disseram que preferem ser referidos como moradores de uma comunidade.

Como

a mídia

denomina

as áreas da população

pobre, também chamada de baixa renda

Luiza Mariani é professora da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro-Uerj.


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Joel Rufino

João Máximo

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Vitor Iorio

Ivam Cavalcânti Proença

QUINTA ÀS CINCO

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e 13 de setembro a 9 de dezembro, o projeto Quinta às Cinco reavivou na ABI a prática da discussão: todas as quintasfeiras às 17h, jornalistas, alunos e professores de Comunicação se reuniram em torno de um intelectual consagrado nacionalmente para discutir a cultura brasileira em seu viés político, social, cultural e profissional. Ao final desta primeira fase, o Quinta às Cinco orgulha-se de ter proporcionado um rico painel de 13 palestras que não só cumpriu o objetivo de reciclar as idéias dos participantes como também deu visibilidade à nova gestão da ABI. O sucesso do Quinta às Cinco, uma das iniciativas do Projeto ABI Educar, é resultado de uma competente articulação: de um lado, estudantes de Comunicação interessados em expandir seus conhecimentos para além da universidade, e de outro, uma combinação de nomes de grande quilate, ávidos por partilhar sua experiência e saber. Tudo isso com a liberdade de abordar o assunto cultura brasileira sob a ótica que mais convier ao palestrante, proporcionando assim um cruzamento de informações que instigam uma nova leitura do País. Na avaliação de Vitor Iorio, coordenador do projeto, é preciso creditar parte deste sucesso à ampla divulgação da programação das palestras: graças a uma parceria com a TV Globo, o Quinta às Cinco ganhou chamadas semanais no horário nobre, conquistando inclusive interessados de fora da cidade. A fórmula permitiu aos participantes testemunhar a lucidez política de Milton Temer ao falar da ética no jornalismo; a simpatia carioca de Sérgio Cabral na apresentação de um mal humorado Ari Barroso; a delicadeza e a sensibilidade de Joel Rufino no entrelace da tragédia pessoal de três jornalistas com a tragédia social do Brasil; o poder de síntese e o senso de reportagem de Ancelmo Góis no jornalismo de poucas linhas; a preocupação de João Máximo com o preconceito contra o jornalista espor-

UMA DISCUSSÃO INTELIGENTE Projeto ABI Educar mobiliza jornalistas e intelectuais para um concorrido encontro semanal FOTOS: AMICCUCI GALLO

Aos 81 anos, Villas-Bôas Corrêa deu um show de sabedoria e vitalidade: falou, de pé, durante uma hora e meia, para uma platéia atenta, na qual se destacavam duas turmas da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora

tivo e com a manipulação política do esporte no Brasil; o vernaculismo de Luís Paulo Horta na defesa do conhecimento da língua no jornalismo; o brilhantismo do pensamento teórico de Muniz Sodré ao criticar a mídia do espetáculo; a eloqüência dos argumentos de Salete Macalóz em sua aula sobre o direito do jornalista; o conhecimento e o respeito às instituições revelado por Maurício Azedo em sua análise da imprensa brasileira. As palestras proporcionaram ainda um longo debate com Domingos Meirelles em sua detalhada descrição sobre as fronteiras entre jornalismo, história e literatura, e reservaram momentos de grande emoção: Sílvio Tendler lançou seu último documentário sobre a vida e a obra do intelectual Milton Santos, e Ivan Cavalcanti Proença levou o repentista Azulão para colorir sua aula de brasilidade. Coube a Villas-Bôas Correia encerrar a primeira série de palestras do Quinta às Cinco, dando uma aula de vitalidade: aos 81 anos de idade, de pé durante uma hora e meia, e diante de uma platéia cheia, composta inclusive de duas turmas da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, dissertou sobre o poder no Brasil, de JK a Lula. “Foi uma aula da história política do Brasil de toda a segunda metade do século XX. Foi uma emoção imensa para nós”, comentou João Paulo Vieira, aluno do 4º período de jornalismo da UFJF. Tamanha oportunidade não poderia ficar limitada no tempo e no espaço: o coordenador do projeto já está organizando a transformação das palestras em livro para que o Quinta às Cinco 2004 possa chegar a todas as faculdades de Comunicação brasileiras e aos profissionais interessados em conhecer o Brasil pela cultura da informação. O projeto, que terá continuidade em 2005, já tem novos nomes para a segunda série de 17 palestras, que irá de 3 de março a 30 de junho. Com entrada franca, os interessados já podem se programar para ouvir jornalistas e intelectuais como Luis Erlanger, Carlos Lessa, Aloysio Teixeira, Carlos Nelson Coutinho, Emir Sader, Cícero Sandroni, Arnaldo Niskier, Hans Donner e Fritz Utzeri.


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Bye bye Conselho Federal de Jornalismo

Milton Temer e Maurício Azêdo

Domingos Meirelles

O repórter Chico Otávio (ao centro): aula de jornalismo investigativo por quem faz

Quinta às Cinco 2004 PALESTRANTES Milton Temer Sérgio Cabral Joel Rufino Ancelmo Gois João Máximo

Luís Paulo Horta Muniz Sodré Sílvio Tendler Ivan Cavalcanti Proença Salete Macalóz Domingos Meirelles Maurício Azêdo Villas-Bôas Corrêa

TEMAS “A ética no jornalismo” “O multimídia Ari Barroso” ial” “O jornalismo e a questão soc “Colunismo de Variedades” “A pátria em chuteiras: identidade e racismo no país do futebol” “Jornalismo de opinião” “Mídia e Espetáculo” “Pensadores brasileiros: O Brasil nãoconhece o Brasil” ” “Cantorias, repentes e cordel ca ísti “A atividade jornal e sua regulamentação” o, “As fronteiras entre jornalism história e literatura” “Imprensa e transformação” “O novo modelo de cobertura política”

DATA 16 de setembro 23 de setembro 30 de setembro 7 de outubro 14 de outubro

21 de outubro 28 de outubro 4 de novembro 11 de novembro 18 de novembro 25 de novembro 2 de dezembro 9 de dezembro

Um acordo de líderes do Governo e da Oposição selou na sessão de 15 de dezembro da Câmara dos Deputados o destino do projeto de lei de criação do Conselho Federal de Jornalismo: em votação simbólica, a proposta foi rejeitada e encaminhada ao arquivo. O relator da matéria, Deputado Nélson Proença (PPS-RS), manifestou-se pela rejeição do projeto, que em sua opinião imporia restrições à atividade jornalística. “Essas propostas são recorrentes”, disse o Deputado, segundo registrou O Globo na edição do dia seguinte. “Volta e meia retorna ao debate a idéia de regulamentar, restringir, coibir. Alguém já disse que o preço da liberdade é a eterna vigilância e isso vale para este caso.” Proposto pela Federação Nacional de Jornalistas-Fenaj, que entregou um anteprojeto ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em audiência que este concedeu em abril a diretores da entidade e de Sindicatos de Jornalistas, o projeto foi encaminhado à Câmara dos Deputados em princípios de agosto, depois de submetido ao Ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini. No Ministério, o anteprojeto sofreu alterações que agravaram as disposições inconstitucionais da proposta inicial e o expuseram a um bombardeio de críticas. Pelo texto encaminhado à Câmara, o Conselho Federal de Jornalismo teria por finalidade “orientar, disciplinar e fiscalizar a atividade dos jornalistas e a atividade do jornalismo”, isto é, orientar o que os jornalistas fazem e o resultado, o produto de sua atividade – a reportagem, a crônica, a entrevista, o editorial, as imagens e os sons do jornalismo eletrônico. Desde o primeiro momento a ABI manifestou-se contra o projeto, em pronunciamentos de sua Diretoria e do seu Conselho Deliberativo, que decidiram expressar um vigoroso não à idéia de criação do órgão. Suas opiniões a respeito foram sustentadas em debate promovido na Comissão de Educação do Senado Federal por iniciativa do Senador Hélio Costa (PMDB-MG), que é jornalista, e em discussão promovida em Brasília pela TV Câmara. A ABI participou também de um debate em Porto Alegre, onde seu Presidente foi hostilizado com vaias partidas de grupos ligados ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul, que é alinhado com a atual direção da Fenaj, patrona do projeto. Pesquisas realizadas pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal e pela revista Imprensa, tradicional publicação especializada editada em São Paulo, revelaram que a opinião da ABI coincidia com o sentimento da maioria dos profissionais ouvidos nessas consultas. Afora a Fenaj, nenhuma entidade nacional representativa de jornalistas e de órgãos de imprensa deu sua adesão à proposta de criação do Conselho, que foi rejeitada em manifestações oficiais da Associação Nacional de Jornais, da Associação Nacional de Editores de Revistas e da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão-Abert, entre outras. A votação do dia 15 de dezembro não sepultou para sempre a idéia de criação do Conselho, que o Líder do PT na Câmara, Deputado Arlindo Chinaglia, pretende ressuscitar, como ele anunciou, segundo O Globo, dando conta de sua disposição de pedir ao Governo que apresente novo projeto genérico, de simples criação do órgão, cujo detalhamento seria feito no Congresso Nacional. Também defenderam o projeto na discussão no plenário da Câmara, os Deputados Paulo Pimenta (PT-RS), que se declarou jornalista, e Daniel Almeida (PCdoB). Contra a proposta manifestaram-se os Deputados Tarcísio Perondi (PMDB-RS) e Fernando Gabeira (sem partido-RJ), que sustentaram que o País precisa de mais liberdade para a atividade jornalística. Gabeira, jornalista e conhecedor dos meandros da profissão, do sindicalismo e da vida partidária, tocou num ponto que a ABI evitou comentar, o do risco de partidarização do Conselho. “Não posso entender como esse Conselho formado de burocratas vai me orientar. Isso não tem sentido”, disse Gabeira. “O pior é que a constituição do Conselho é feita de tal maneira que a primeira direção seria a que aí está, a da Fenaj, composta de pessoas ligadas ao PT. Durante quatro anos teria a presença majoritária de jornalistas filiados ao partido do Governo.”


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MILTON TEMER E

stamos diante de um festival de suspeitas sobre duas CPIs a que se dedicaram a Câmara dos Deputados e a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. A do caso Waldomiro Diniz já foi encerrada numa clara preocupação de fechar o caixão sem ter preocupação quanto à morte cerebral do cadáver ali abrigado. Só o deputado Alessandro Molon teve a sensibilidade e a coragem de manifestar seu protesto, recusando-se a fazer parte do “consenso”, gerado a partir das denúncias da revista Veja, contra os “representantes do povo” André Luis e Alessandro Calazans. A da máfia dos combustíveis continua tramitando, e cheirando mal, no Congresso Nacional. Isto nos conclama à reflexão sobre a necessidade da corrupção nas diversas instâncias dos Poderes constituídos, sob pena de chegarmos a uma desmoralização perigosa das instituições republicanas. Mas a batalha não é de fácil e previsível desfecho, porque uma preliminar se impõe antes de qualquer reflexão sobre o tema. É possível discutir corrupção da ordem econômica, social e política sem discutir o caráter e a essência dessa complexa ordem? Evidentemente que não, afirmará o observador minimamente honesto, pois nem a corrupção nem a sociedade em que ela trafega são valores absolutos. Dependem do contexto em que se relacionam. Se a ordem é democrática, com espaços garantidos para o controle social, o conceito sobre o que é legal e ilegal é completamente distinto do que se vislumbra numa ordem autoritária, opressora e fragmentária. Na democrática, os valores de solidariedade se consolidam no quotidiano da vida dos cidadãos, impondo uma escala de valores humanísticos totalmente distintos dos que se registram na autoritária – que não é obrigatoriamente imposta pela presença militar –, onde o sentido de competitividade com o seu mais próximo, o “cada um por si”, prevalece. O ponto de partida para a discussão sobre a chaga da corrupção é, então, a definição mais detalhada e próxima dos valores, ou antivalores, aceitos e estimulados, na ordem em que vivemos. A que prevalece atualmente é, lamentavelmente, a vez mais identificada com o vale-tudo da promoção individual. Para não laborar no terreno das utopias, vale comparar duas fases do regime capitalista, que se fez absolutamente hegemônico após a derrocada dos regimes do Leste europeu, a União Soviética em particular. Vale estabelecer um paralelo entre os anos 50, quando a humanidade tirava benesses dos saltos qualitativos no desenvolvimento tecnológico do capitalismo industrial, e os dias atuais, em que, por conta da sobreposição da especulação financeira sobre a produção de bens materiais, a economia virtual — controlada por uma minoria ínfima de grandes especulado-

Para Temer, sem uma transformação qualitativa da ordem internacional a corrupção é imbatível

CORRUPÇÃO SISTÊMICA: COMO COMBATÊ-LA? res financeiros internacionais — se afirma como incontestável. No pique da Segunda Revolução Industrial, o capitalismo estipulava linhas de fronteiras claras. De um lado o capital, de outro o trabalho. De um lado, o patrão, de outro, o assalariado. Com o lucro se construindo na exploração da mais valia do trabalhador para a produção de bens materiais concretos. O próprio Estado tinha funções distintas das atuais, nos regimes democráticos. Era protetor das conquistas sociais e da garantia mínima das condições humanas de vida digna. No bojo da globalização financeirizada, da fragmentação do mundo do trabalho, o quadro se modifica totalmente. Não há mais uma avaliação sobre bens contabilizáveis. Políticas de Estado são submetidas, por conta também da falta de ousadia e dignidade de dirigentes dos ditos países emergentes, aos ditames do famigerado “mercado”. A garantia do “bem-estar social” é tratada como vilania dinossáurica; como empecilho ao “livre desenvolvimento” dos empreendimentos econômicos privados. O Estado é desmantelado nos vetores protetores dos setores desvalidos. Seus principais itens de obrigação social são transformados em áreas de comércio. Saúde, Educação e Previdência viram mercadorias geradoras de lucros obscenos. A desregulamentação dos fluxos de capitais, por cima dos controles de fronteira, avança em cadência simultânea com a privatização de empresas públicas estratégicas e lucrativas. A flexibilização das leis trabalhistas entra na ordem-do-dia dos Congressos nacionais como se fosse uma necessidade natural. E paulatinamente vamos construindo os atalhos prioritári-

os para uma marcha em direção a uma sociedade onde os poderosos podem tudo, com a fatura paga pelos que só têm o salário, cada vez menos avaliado, como meio de sobrevivência. Para uma forma de barbárie, já antevista nas obras contemporâneas de ficção científica. O que é, então, corrupção, dentro do sistema que, em si, é extremamente corrupto, desagregador? O que é corrupção numa economia cujas notícias são condicionadas pelo que se passa nos espaço predatório do mercado financeiro, onde o sucesso é garantido para os que, protegidos pelos instrumentos ali válidos, têm acesso antecipado a inside informations, que o próprio capitalismo considera de utilização ilegal? E quando a competência se mede pela capacidade de invadir espaços de informação vedados ao conjunto da sociedade, como separá-la da convivência com o suborno? Ainda tenho lembranças traumáticas de um processo que, por acaso, presenciei na década de 80, numa passagem, em tarefa política, por Paris. Os noticiários das televisões locais se concentravam nas manobras judiciárias que o sistema financeiro suíço empreendia para tentar colocar em prisão o deputado socialista Jean Ziegler. Que crime havia cometido Ziegler? Ele havia terminado de publicar um livro-libelo, onde fundamentava denúncias irrespondíveis sobre a responsabilidade dos bancos suíços na lavagem do dinheiro sujo do comércio de armas e de tóxico, em nome do “segredo bancário”. Ziegler havia obtido informações irrefutáveis que rompiam a cortina da “legalidade” bancária, em função de uma legalidade muito mais

ampla, porque de interesse do conjunto da humanidade. Mas isto não ficava claro na forma híbrida, “isenta”, com que os telejornais noticiavam o fato. A pressão não foi pouca. Nem pequenos os riscos que Ziegler correu. Mas valeu a pena o esforço. Denunciou o sistema, e hoje dá trabalho a governos “legalmente” corruptos, dirigindo organismo fiscalizador das Nações Unidas. No Brasil de hoje, os exemplos não são dos mais auspiciosos. O Governo do Presidente Lula editou duas medidas provisórias da maior gravidade, em relação ao tema que debatemos. Na primeira, promove a ministro de Estado o Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Realizou, com isso, manobra jurídica inqualificável do ponto de vista da moralidade pública, para livrar o citado indivíduo de investigações, já em curso, e com indícios fortes, sobre crimes de sonegação fiscal e remessa ilegal de divisas para o exterior. Para comprovar o caráter relativo do critério de ilegalidade e corrupção, vale lembrar que na Alemanha, pouco antes, o correspondente de Meirelles havia se obrigado à demissão por ter aceito hospedagem em hotel de luxo, paga por empresa privada. Ainda bem, para a imagem de nosso País, que o Procurador-Geral da República, Cláudio Fontelles, em parecer à ação de inconstitucionalidade movida contra essa medida provisória, agiu com independência em relação ao Poder Executivo, dando parecer favorável. Resta saber se o Supremo Tribunal Federal vai acompanhálo, diante da decisão do Congresso de transformar a MP em lei. Na segunda MP questionável, o Planalto legalizou um crime ambiental consumado, se submetendo, depois da porta arrombada, à arrogância do agronegócio gaúcho, que já havia plantado a soja transgênica. Era caso de prisão, e resultou em prêmio aos criminosos. No momento em que encerrávamos este texto, ainda não havia decisão definitiva sobre as duas iniciativas. Mas, mesmo corrigidas, com a rejeição, pelo Congresso e pelo Judiciário, teremos ficado com a mancha indelével da iniciativa de um Executivo eleito — ironia — na simbologia da renovação dos corrompidos métodos da política tradicional brasileira. Concluindo, resta a ilação óbvia. A luta contra a corrupção da ordem econômica, política e social passa, antes de tudo, pela constatação de que ela é parte natural da ordem atual em que a humanidade se vê aprisionada, por conta da globalização financeira, comandada pelos grandes consórcios multinacionais. Ou iniciamos a luta pela transformação qualitativa dessa ordem, buscando uma globalização democrática, uma concepção de política, economia e sociedade totalmente distinta da prevalecente, ou nada poderemos fazer para que a corrupção chegue a um fim.


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“PÁGINAS DE RESISTÊNCIA” CARLOS JURANDIR

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m retrato de 212 páginas da imprensa comunista no Brasil, mais especificamente no Pará, é o que apresenta o livro Páginas de Resistência, do jornalista Francisco Ribeiro do Nascimento. Especialmente a trajetória do jornal Tribuna do Pará, editado por integrantes do Partido Comunista Brasileiro, que circulou de 1946 a 1958. “Seu” Chiquinho, como é conhecido o autor, natural da Ilha de Marajó, integra a diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo. Militante histórico da imprensa esquerdista paraense, chegou a ser diretor do jornal, no ano de seu fechamento. Editado pela Imprensa Oficial do Estado e o Sindicato paulista, Páginas de Resistência narra a instalação do PCB no Pará, em agosto de 1931, de acordo com informações de outro pioneiro, o motorneiro Henrique Felipe Santiago, e a biografia do jornalista Pedro Pomar, assassinado pela ditadura, em São Paulo, em 1975. O livro conta inclusive como os então jovens ginasianos Pomar e João Amazonas içaram a bandeira da Aliança Nacional Libertadora, ligada ao PCB, no cume da caixa d’água do bairro da Campina, em Belém, alvoroçando os meios políticos locais. Um capítulo é dedicado às lutas, prisões, campanhas e manifestaç õ e s d e c o m u n i s t a s p a ra e n s e s, como o romancista Dalcídio Jurandir, o político Alberto Chermont – chefe civil da Revolução de 30 no estado, que depois aderiu às idéias socialistas –, o poeta Ruy Barata, o magistrado Levi Hall de Moura e a jornalista Eneida Vil a s Bo a s Co s t a d e Mo ra e s, e n t re o u tros, inclusive Pedro Pomar e João Amazonas, que, por divergência com a linha política do PCB, fundaram o PC do B, nos anos 60. “Nossos Mártires” relaciona os 22 jornalistas desaparecidos ou assassinados pela ditadura militar. São eles Joaquim Câmara Ferreira, Luiz Eduardo R. Merlino, Antônio Benetazzo, Ruy Osvaldo A. Pfitzenreuter, Luiz Guilhardini, Vladimir Herzog, Pedro Pomar, Vânio José de Matos, entre os declarados mortos. Entre os tidos como desaparecidos: Jayme Amorim de Miranda, Luís Inácio Maranhão Filho, Mário Alves de Souza Vieira, Orlando Bonfim Júnior e Tomaz Antônio S. Meireles. Francisco Ribeiro do Nascimento, 76 anos, entrou para o PCB aos 18 e foi preso pela primeira vez em

A SAGA DE UM JORNAL DO PCB Livro conta a história da imprensa e das lutas sociais no Estado do Pará

A Tribuna do Pará adotava uma linha panfletária na titulação e redação de suas matérias, refletindo a orientação do PCB, que mantinha a publicação

1954, em Parintins, no Pará, quando liderava uma manifestação a favor de Luiz Carlos Prestes. Após o golpe de 64, ficou seis meses escondido antes de conseguir fugir para Santos, deixando a mulher e dez filhos, que só se reuniram a ele cerca de um ano depois. “A função da imprensa é extraordinária quando cumpre os seus deveres, quando defende os interesses públicos e quando está ao lado das causas do povo”. O capítulo sobre os 12 anos de existência da Tribuna c o m e ç a c o m e s s a c i t a ç ã o d e Barbosa Lima Sobrinho. Narra as dificuldades enfrentadas pelo jornal, a começar pela clandestinidade, que quase inviabilizava a impressão e a distribuição. A pesquisa enfocou 91 edições da “Tribuna”, com 431 páginas, 175 títulos, confirmando a observação do professor Marcos Cipra, da PUC-SP, segundo o qual “a imprensa, mesmo sem compromisso com a História, registra os fatos que passam a fazer parte da História”. O jornal se ocupava de temas como reforma agrária, conflitos e assassinatos no campo, defesa da Amazônia, desemprego e salários mais dignos, bandeiras daquela época que continuam atuais nos dias de hoje, o que, frisa o pesquisador, desmascara “a mistificação dos golpistas de 64, que falavam na tentativa de instalação no Brasil de uma pretensa república sindicalista”. Como integrante do PCB, ele participou de todas essas lutas e mais a campanha pela criação da Petrobrás e a defesa de Fernando de Noronha, além do movimento sindical e pela legalidade d o p r ó p r io p a r t i d o. “O livro é dedicado a Vladimir Herzog e o u t ro s j o rnalistas que sofreram as conseqüências dos tempos da ditadura”, diz. Páginas de Resistência traz 173 páginas de edições da Tribuna com matérias sobre a luta política nacional e notícias a respeito de conquistas da população paraense. Começa com um poema de Ferreira Gullar, de 2002, que alude à fundação do PCB 80 anos antes: “Eles eram poucos / e nem puderam cantar muito alto a Internacional/ naquela casa de Niterói em 1922./ Mas cantaram e fundaram o partido (...)/ O PCB não se tornou o maior partido do Ocidente./ Nem mesmo do Brasil. / Mas quem contar a história de nosso povo e seus heróis/ tem que falar dele. / Ou estará mentindo”.


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s Farc-Ep, Forças Armadas Revolucionárias Colombianas-Exército Popular, lutam há 40 anos, completados no último 27 de maio. Mais detalhes na Resistência, revista editada em papel couchê pela Comissão Internacional das Farp-FP em comemoração à data. Francisco Caraballo, condenado a 40 anos de encarceramento, dos quais já cumpriu dez numa prisão de segurança máxima do Exército Colombiano. Se alguém quiser se inteirar do que aconteceu com ele, leia Unidade e Luta, órgão da Conferência Internacional de Partidos e Organizações Marxistas-Leninistas. Caso prefira ler em outros idiomas, procure Unidad y Lucha, Unity & Struggle ou Unité et Lutte. A revista Vietnam surpreende com a matéria de capa: “Os estaleiros de Da Nang”. Na mais destroçada cidade do Planeta, estão construindo em série navios cargueiros de grande porte, inclusive para empresas de petróleo do Texas. Para ler o que é omitido no curto espaço que os jornais brasileiros dedicam às notícias internacionais, o leitor pode ir até a esquina da Rua México com Araújo Porto Alegre, na quadra da Biblioteca Nacional. É ali

Onde a esquerda bota banca ARISTÉLIO ANDRADE

Ela salta aos olhos. É a menor das redondezas, mas é a preferida das editoras nanicas que não encontram distribuidores. Também não são apenas as publicações de caráter político que enfeitam a banca. Todas as editoras com o mesmo problema lá deixam seus produtos em consignação. Há de tudo, desde apostilas para vestibular até material religioso, que vai dos cultos afro-brasileiros até aos evangélicos. O diferencial da banca é que os editores sabem que ali o seu material será visto por um público muito especial. A bem da verdade, bem mais exposto do que comprado. Assim mesmo, elas sabem que as suas publicações ficam em exposição permanente, e que mais dia menos dia sempre passará um curioso para pedir ao jornaleiro para “dar uma espiada”. – Ele pega a tal publicação ou disco, livro, adesivo, o que for, manuseia à vontade. Eu sei que no fim ele tomará uma de duas atitudes: devolver com todo cuidado o que está em suas mãos, acompanhado de uma desculpa – estou duro, quando tiver bem de grana eu compro – ou, além de comprar, perguntar: “O senhor tem números atrasados?” Este, com certeza absoluta, nunca viu a minha banca. No que viu parou. Em geral é gente de esquerda que pára. São os meus melhores e permanentes fregueses. Manuel Araújo, português, 56 anos, é um perigo quando destrava a língua. Só se desvia do que está dizen-

do quando alguém passa e indaga: – O senhor sabe onde fica a Rua do Lavradio? Manuel informa corretamente e ainda diz como chegar mais rapidamente. Quando retoma a conversa é exatamente no mesmo ponto em que parou, como se nada tivesse acontecido. ... caso contrário vira um cliente nosso, com muita honra. Uma mulher, sem pedir licença, interrompe: – Pode me dizer onde fica a Rua da Ajuda, cinco? Conheço a Rua da Ajuda, um. Quando a senhora chegar lá vai encontrar o número cinco que a Rua da Ajuda é pequenina, enviesada, que fica... Passa um tempão ensinando como a mulher pode chegar ao endereço pedido e continua. – Só podia ser portuguesa; e vai ver é de uma aldeia como a minha, Vila Verde, Distrito de Braga, Norte de Portugal, e onde só voltei em 1979. Mas aquilo é muito frio e meu corpo não se acostuma mais. Foi a primeira e última vez que lá voltei a por os pés... (fala e estende o braço como estivesse medindo jumento) ...o senhor precisa ver, a neve chega a ficar assim de altura. Um jovem apressado freia e bufa. Tenta falar qualquer coisa, enquanto o som parece um grito. – Marechal Câmara, pra que lado fica? – O jovem sabe onde fica a Santa Casa de Misericórdia? O jovem balança a cabeça negando. Manuel pergunta por outro ponto de referência. O jovem também não conhece. A

A ban única jornai Impre Comun em Ha n E xposto banca, o nem sem


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nca da R a no Cen ua Araújo Port o t is de esq ro da Cidade “e Alegre talvez se u ensa Po erda. Publicaç specializada” e ja a m p õ nista Br ular, órgão ofic es como o histó asileiro, ial do Pa rico nói, pod e V ietna r tido e m m , c s uja reda er vistos os com d ção por os jorna estaque na fach quem passa po fica is a mpre te atraem um p da da pequen r ali. m dinhe a ú iro para blico cativo qu e compra r.

– Aqui eu vendo de tudo: apostilas solução é indicar a Rua Santa Luzia, avide vestibulares, revistinha pornográsando para só atravessar no sinal. fica (só velho quem compra – segre– Logo que você chegar numa rua da), guias, mapas, adesivos, livros, licheia de árvores antigas você vai ver vrinhos e livrões, jornais políticos, de um casarão mais velho ainda. Ali tem umbanda, evangélicos e tem mais: se um jornaleiro. Pergunte onde fica a o freguês se interessar arranjo númeMarechal Câmara, ora pois. ros atrasados. Alguns dão para fazer a A pergunta a esta altura se faz obrigacoleção. Também tenho CD, VHS, cartória. Quantas pessoas você atende por dia? tões postais e de vez em quando ban– Olhe, para falar a verdade, vou exideiras, bandeirinhas e flâmulas. Vengir dos senhores vereadores um título de do de tudo. Guia Mestre do Turismo do Rio de JaneiE prossegue depois de atender a ro. Podem pensar o que bem entender, outro passante. mas tem dia que eu atendo, com o maior – Não é raro o freguês ver uma recarinho, mais de 50 pessoas... vista que ele nunca viu nas demais Enquanto delira em voz alta, pensando bancas da cidade e pedir para ver meem exigir salário que lhe complemente a lhor. Não basta enxergar. Tem que têaposentadoria, ele atende mais duas mola nas mãos, passar as páginas calmacinhas de São Paulo, perdidas. Queriam ir mente... eu esperando... para me perpara Copacabana e não sabiam que conguntar ao final: o senhor possui oudução pegar. Pacientemente Manuel ensitros exemplares? Ou então é aquele na como e onde pegar ônibus ou metrô. comunista sem dinheiro que fica a Manuel, chegado ao Rio em 1957, descomer o exemplar com os olhos e dede 1979 estabelecido no coração admipois me pede desculpas porque está nistrativo do Rio de Janeiro, empossado sem dinheiro. como “administrador” da banca que per– Qual o tipo mais comum? tence à sua esposa, gaúcha, explica por– Bem, é o sem-dinheiro. Mas aí sou que o negócio não está no seu nome. obrigado a ressalvar: quando tem di– Burocracia. O que é mais fácil? Uma nheiro volta cá e compra e faz questão mulher, brasileira, maior de idade, ser de me perguntar: “O senhor lembra de dona de uma banca ou um português? mim? Eu sou aquele que quase leu a rePara explicar o fato de haver tanta publivista toda e depois disse que estava cação da esquerda na sua banca ele usa uma duro, lembra? Eu voltei. Voltei porque exclamação que soa como um protesto: o senhor não – Brasileira? FOTO: ARISTÉLIO ANDRADE ficou dizenInternacional, do “se vai isso sim. Na micomprar panha banca se ga logo. Se vende de tudo e não vai passa de todas as para revista pra tes do mundo – cá”. Em geral diz isso e mostra este tipo de a revista Vietleitor não nam, editada e volta. Mas distribuída pela aquele que é agência cubana tratado com Prensa Latina. dignidade, Ele fala e respeito, este gira o corpo, sempre volbraço direito ta. Não é asestendido com sim, caro jora palma da mão na vertical. Manuel Araújo, jornaleiro e guia de turismo nalista?

ALGUMAS PUBLICAÇÕES

Unidad e C a u s a O e L u t a, e d i t a d o Granma perária, de São em Recife; Paulo, I n t e r n Inverta , editadoacional, de Cub Trabalh a, pela Co a Noticios dores em Serviç operativa de publica os, são algumas os Editoriais e ções. das

R E V I S TA S UNIDADE E LUTA – Edições da Revolução Brasileira. Edição em português: Partido Comunista Revolucionário (PCR) – Brasil.Editora: CCML-Centro Cultural Manoel Lisboa. Endereço: Rua Carneiro Villela, 138. Espinheiro. Recife, PE. Cep: 52050-030. Telefone/fax: 3427-9376 e 3082-2874. VIETNAM – www.vietnampictorial.vnanet.vn. - Redação Central: 11 Tran Hung Dao, Hanoi. Telefone: (84-4) 9332300 e (84-4) 933889. http://www.vnagency.com.vn. E-mail: vnpictorial@vnagency.com.vn. Representação em Cuba: Rua 28, nº 116A, apto2, Miramar, Havana, Cuba. Telefone: 220-3381 fax: 204-9158. E-mail: bavinacu@ceniai.inf.cu - Publicidade: Publimagen: Rua 21, 406 Vedado, Havana, Cuba. Telefone: 35886. Fax: 33-6968. Impresso em: Empresa Gráfica Alfredo López. RUPTURA – ruptura@mailbr.com.br. www.nodo50.org/lel. Laboratório de Estudos Libertários.Caixa Postal: 4071, Cep 20001-970, Rio de Janeiro-RJ. RESISTÊNCIA – Comissão Internacional das Farc-EP. www.farcep.org.br. VOZ OPERÁRIA – Suplemento. Partido Comunista MarxistaLeninista.Co-edição: Jornal Inverta. Editora: Nova Victória. JORNAIS INVERTA – www.inverta.com.br. Inverta- Cooperativa de Trabalhadores em Serviços Editoriais e Noticiosos Ltda. Sede comercial: Rua Regente Feijó, 49, 2º andar, Centro, Rio de Janeiro. Cep 20060-060. Telefax: (021) 2507-2049. Redação: (021) 2222-4070.E-mail: inverta@inverta.com.br. A NOVA DEMOCRACIA – www.anovademocracia.com.br.

anovademocracia@uol.com.br. Publicação da CoeditaCooperativa de Trabalhadores em Produção Cultural. Coedita: Rua Figueiredo Magalhães, 286/1.010, Copacabana, Rio de Janeiro. Cep: 22031-010. Telefone/fax: (21) 2256-6303. E-mail: coedita@uol.com.br. HORA DO POVO – horadopovo@horadopovo.com.br - hp@webcable.com.br. Publicação do Instituto Brasileiro de Comunicação Social. Endereço: Rua dos Banqueiros, Bl. 8B/824, Vila Bancária, Cep 03918-050, São Paulo, SP. Telefone: (11) 3209-4421.Sucursal Rio de Janeiro: Avenida Marechal Floriano, 38, sala 601. Cep 20080007. Telefone: 2233-4140. E-mail: rj@brflash.com.br. horadopovorio@bol.com.br IMPRENSA POPULAR – imprensa.popular@pcb.org.br - Publicação oficial do Partido Comunista Brasileiro. Rio de Janeiro: Rua das Marrecas, 27, 3º andar, Centro, Cep: 20031-040. Telefone: (21) 2262-0855 e 2524-6354. E-mail: pcbrj@pcb.org.br. CAUSA OPERÁRIA – www.pco.org.br/causaoperaria. pco@pco.org.br. Redação e sede nacional: Rua Miguel Stéfano, 349, Saúde, São Paulo,SP, Cep 040301-010. Telefone: (11) 5584-8604. A VERDADE – http://sites.uol.com/jornalaverdade. Endereço: Rua Carneiro Vilela, 138, 1º andar, Espinheiro,Cep 52050-030, Recife-PE.Telefones: (81) 3427-9367 e 30822874.E-mail: jornalaverdade@uol.com.br. Rio de Janeiro: 2253-5717 e 9626-4898. a_verdade_rio@ig.com.br. GRANMA INTERNACIONAL – informacion@granmai.cip.cu. www.granma.cu. Reimpressores: Brasil-Inverta.


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Outubro/Dezembro de 2004 Mário Filho, com seu inseparável charuto, visita as obras de construção do Maracanã, produto da obstinação dele, na imprensa, e de Ari Barroso, na Câmara Municipal. Ele dedicou um livro à conquista do bi mundial, no Chile, em 62

JOÃO MÁXIMO

M

ário Filho foi o primeiro grande jornalista esportivo brasileiro. Nenhum outro, antes dele, viu, compreendeu e escreveu sobre futebol com o mesmo conhecimento, a mesma sensibilidade, a mesma paixão. Foi um inovador. Ou melhor, o primeiro a perceber que o principal personagem da comédia, do drama ou da tragédia do futebol não é o dirigente do clube, o cartola, mas o craque. O que é elementar hoje, beabá de qualquer foca que se inicia na crônica esportiva, não o era antes de Mário Filho. Basta conferir nos jornais antigos: só abriam espaço para falar do craque quando este, por qualquer razão, desrespeitava o dirigente, entendendo-se por desrespeito reivindicações salariais, queixas sobre a forma como o clube o tratava, certas declarações à imprensa e eventuais discordâncias com o treinador sobre táticas ou escalações, coisas que, depois de Mário Filho (e muito por causa dele), passaram a ser vistas como direitos de quem vive do futebol. E o dirigente, naqueles tempos, não vivia de futebol. Mário Filho, digamos assim, inverteu os papéis: o herói da história passou a ser quem joga. Não que ele fosse contra o dirigente, que o encarasse como vilão em oposição ao herói. De certa forma, o próprio Mário Filho era um dirigente. Chefe da seção de esportes de O Globo, e depois dono do Jornal dos Sports, dedicava-se paralelamente aos seus escritos, a projetos os mais importantes na vida esportiva brasileira: os Jogos da Primavera, os Jogos Infantis, a Copa Rio, o Rio-São Paulo, sem falar em sua atuação à frente da campanha que resultou na construção do

MÁRIO FILHO

A construção da mitologia da bola Maracanã. Acrescente-se que alguns de seus amigos mais chegados, articulistas em seu jornal, também eram dirigentes: Vargas Neto, João Lyra Filho, José Lins do Rego, Mário Polo. Só que Mário filho, diferentemente deles, via o futebol de outro modo, com olhos postos menos nos gabinetes do que nos gramados. Vivia com inteligência essa duplicidade: o dirigente realizando projetos, o

jornalista e escritor cuidando de construir toda uma mitologia em torno do craque brasileiro. O escritor Mário Filho é uma extensão do jornalista. Seus primeiros livros – Copa Rio Branco de 32, Primeira Fila, Romance do Futebol – têm como matéria-prima textos para os jornais. Um menos antigo, Histórias do Flamengo, é o melhor exemplo de seu estilo e de sua

maneira de ver o esporte mais popular do planeta. Ou de como Mário Filho foi transferindo conscientemente seu olhar do dirigente para o craque. Se no primeiro livro citado está devidamenre ressaltada a atuação dos jogadores na heróica vitória sobre os uruguaios campeões do mundo, a narrativa parte de uma conversa entre dirigentes saudosos do feito de 1932. Já nas crônicas sobre o seu Flamengo, não seriam mais José Bastos Padilha, Dario de Melo Pinto, Flávio Costa os personagens das histórias, mas Leônidas da Silva, Domingos da Guia, José Perácio, Sílvio Pirilo e Tomás Soares da Silva, o Zizinho, ídolos que cobriam de suor e glórias a camisa rubro-negra. É impressionante a maneira como Mário Filho os retrata, mais do que os admirando, dando-lhes vida. E o escritor faz isso com tanta paixão que por vezes emociona. Seu livro mais importante, porém, é mesmo O negro no futebol brasileiro.

Mário e seus irmãos, todos jornalistas: Augusto, Paulo, Milton e Nélson, o mais famoso. Nélson Rodrigues (à esq.) admirava o talento de Mário Filho, a quem ele ouvia embevecido


Outubro/Dezembro de 2004 Antes de falar dele, lembremos que muito tempo passou até que o futebol – como o samba, outra imensa paixão brasileira – fosse levado a sério por nossa intelligentsia. Poucos são os estudos em livro sobre esporte ou música popular na primeira metade do século XX. Mário de Andrade, em seus ensaios, Orestes Barbosa, Alexandre Gonçalves Pinto, o Animal, e Francisco Guimarães, o Vagalume, os três de forma menos erudita, são os responsáveis por alguns desses poucos (aos quais não se pode deixar de somar os textos em que, mais tarde, Marisa Lira, Olneida Alvarenga, Vasco Mariz falariam de samba e outras bossas). No futebol, Mário Filho é mesmo figura isolada (como foi, na música popular, já nos primeiros anos da segunda metade do século, José Ramos Tinhorão). Seu O negro no futebol brasileiro, já pelo aval dado pelo prefaciador Gilberto Freyre, entra para a história com mais uma primazia: é a primeira tentativa no sentido de estudar social e antropologicamente o futebol (mais especificamente o racismo) num país de craques negros e mestiços. Por ser o primeiro, e de certa forma único, O negro no futebol brasileiro acabou sendo a fonte também única a que os cientistas sociais de hoje invariavelmente recorrem, não só para falar de racismo, mas também, e sobretudo, para discutir a identidade nacional. Algumas explicações se fazem necessárias aos que, não tendo assistido à nossa palestra sobre futebol e racismo no Quinta às Cinco, tomaram conhecimento dela através do resumo publicado no site da ABI. Cartas recebidas e conversas ocasionais nos deixaram a impressão de que quem não nos ouviu não nos entendeu. Esclareçamos alguns pontos: 1. O fato de apontarmos erros em O negro no futebol brasileiro não tem por objetivo negar a qualidade e a importância do livro, cuja leitura consideramos obrigatór ia, senão pelos pontos de vista nele defendidos, pelo menos pelo admirável estilo de Mário Filho. Os erros foram apontados para defender que o livro não pode ser a única fonte em que se baseiam nossos cientistas sociais que, com freqüência, vêm escrevendo teses e dissertações sobre o tema. 2. Também não pretendemos negar a esses cientistas o direito de empreenderem suas teses e dissertações.

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Jornal da A BI Nunca! Seu interesse pelo futebol – assim como seu interesse pela música popular – vêm saldar uma dívida que a intelligentsia da primeira metade do século contraiu ao considerar as duas grandes paixões do povo brasileiro assuntos, digamos, menores. 3. A presença, na bibliografia dessas teses e dissertações, de estrangeiros ilustres como Hobsbawn, Lévi-Strauss, Eco, Gramsci (o primeiro dos quais citamos na palestra), de modo algum é condenável, embora raros deles tenham falado de racismo, futebol ou questões afins em seus trabalhos. O que criticamos é a citação gratuita desses nomes, como se fosse uma tentativa de demonstrar erudição por parte do autor ou simplesmente uma forma de engordar a relação bibliográfica. Lembramos na ocasião que livro lançado há pouco sobre o futebol inclui em sua bibliografia Lukacs, Durant, Stackelberg e até Albert Einstein, quando é impossível, ao menos para nós, identificar no texto qual foi a contribuição de cada um. 4. O conselho que nos atrevemos a dar – olhar o Brasil mais de perto e menos de fora para dentro – não significa desconhecermos o que aqueles estrangeiros ilustres pensam de nós ou de nossas coisas, mas evitar que adotemos, sem discussões, suas idéias e ações. Há muito de subdesenvolvido na atitude de achar inteligente, culto, certo e irrefutável tudo que vem de fora, só porque vem de fora. Um dos textos que lemos recentemente sobre racismo no futebol brasileiro, saído da pena de um cientista social, cita o autor alemão Anatol Rosenfeld como autoridade na matéria. E em quem se baseou o alemão para falar de racismo no futebol brasileiro? Isso mesmo: em Mário Filho. Em resumo, nossa palestra pretendeu propor que futuras teses e disserteções que se apoiem em pesquisas próprias, que tragam nova luzes ao tema, que mestres e doutores façam de O negro no futebol brasileiro sua pauta, mas que rechequem todas as informações antes de adotá-las (é preciso fazer justiça a Antônio Jorge Soares, não um cientista social, mas doutor em educação física, a quem não conhecemos pessoalmente: foi talvez o primeiro intelectual a ter a coragem de apontar por escrito o equívoco de seus colegas acadêmicos quando consideram O negro no futebol brasileiro, mais do que básico, único, definitivo). Afinal, por mais brilhantes que sejam o jornalista e o escritor Mário Filho (e por mais honesto, bem intencionado e bem escrito que possa ser o ensaio afiançado por Gilberto Freyre), nenhum cientista social pode concordar com o happy ending dado à edição revista e aumentada da fascinante história contada por ele. Nem é fato que “nenhum preto, no mundo, tem contribuído mais para varrer barreiras raciais do que Pelé”, como ele afirma sem medo de exagerar, nem o negro no futebol brasileiro venceu sua luta contra o preconceito no dia em que Pelé se fez rei.

Como a mídia trata a criança e o adolescente A ABI e o Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente põem em discussão a forma como eles aparecem nos meios de comunicação DANIEL CASTRO

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Infância e a Adolescência na Mídia foi o tema do seminário patrocinado pelo Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDCA), realizado no auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no dia 14 de dezembro. Com o objetivo de capacitar e sensibilizar jornalistas, editores, donos de empresas de comunicação e educadores para a responsabilidade social de seu papel na defesa dos direitos da criança e do adolescente, o debate teve por finalidade traçar um plano de divulgação das atividades do Conselho, além de contribuir para a criação de uma equipe de profissionais especializados na área. O Presidente da ABI, jornalista Maurício Azêdo, abriu o seminário exaltando o papel do jornalismo, principalmente da ABI, na colaboração, proteção e defesa da dignidade da criança e do adolescente. Em seguida o presidente do CEDCA, Ricardo Bittar, explicou que na maioria das matérias envolvendo crianças e adolescentes divulgadas na mídia o foco é sempre distorcido e superficial. De forma preconceituosa e sensacionalista, o menor é sempre tratado como problema, omitindo-se as causas sociais das questões tratadas. – Com este seminário, disse, pretendemos desenvolver estratégias educativas para convencer os responsáveis pelas políticas de comunicação para a divulgação de notícias de cunho humano, de esperança e de bons exemplos relacionados à infância – disse Bittar. Durante a segunda parte do evento, mediada pelo jornalista e coordenador de Educação da ABI, Vítor Iorio, o prin-

cipal depoimento foi dado pelo jornalista Luis Guilherme, diretor de Imagem do Conselho, que também destacou a necessidade de atingir principalmente os profissionais da área de comunicação social. Através de uma cartilha elaborada por ele e sua equipe, os conselheiros são orientados a construir um bom relacionamento com os meios de comunicação. O guia Mídia e Conselhos foi organizado em oito capítulos, concebidos para facilitar a busca de dicas e sugestões de ações a favor de uma boa divulgação a respeito da infância na mídia. Estiveram na mesa de debates o aluno representante do Parlamento Juvenil Federal 2004, Andrei de Carlo, e a coordenadora da Comissão do CEDCA/RJ, Regina Cavalcanti. O seminário serviu também para a divulgação dos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente e do funcionamento do Conselho no Rio, e da necessidade de se criar um espaço democrático para a discussão da relação entre direitos da infância e a mídia. A idéia é dar continuidade aos seminários, para que os profissionais que participarem dos treinamentos se tornem agentes propagadores dos direitos da infância e adolescência, quando estarão aptos para contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, tolerante e igualitária. Outro resultado esperado é a redução do destaque a personalidades violentas, contrapondo-as às de jovens de liderança positiva na sociedade. Aperfeiçoar a ética no texto jornalístico, diminuir a quantidade de detalhes mórbidos na mídia e conseguir dos comunicadores um compromisso real com os direitos da criança e do adolescente são outras metas a serem alcançadas.

O golpe foi militar e civil, diz Proença O professor de literatura e Conselheiro da ABI Ivan Cavalcânti Proença lançou, no dia 22 de novembro, no auditório do sétimo andar da ABI, o livro O Golpe Militar e Civil de 64, com o debate Sobre o Golpe e o Hoje Político. Participaram do ato representantes da Associação Brasileira de Imprensa , Associação Democrática e Nacionalista dos Militares (ADNAM) e do Grupo Tortura Nunca Mais, que assistiram a apresentação de arte cênica sobre o tema. Em abril de 1964, Ivan Proença era capitão dos Dragões da Independência e reagiu a arbitrariedades cometidas pelos militares, o que acarretou sua expulsão, prisão e perseguição durante todo o período da ditadura.

Ivan é autor de, entre outros, A Ideologia do Cordel, Futebol e Palavra e O Poeta do Eu. Com vasta experiência no estudo e na pesquisa literária no País, tem amplo conhecimento da cultura popular brasileira. Escreveu ainda adaptações e roteiros cinematográficos de livros de autores nacionais, ministrando palestras e cursos no País e exterior. Com mais de 30 anos de magistério, é professor titular de Cultura Popular Brasileira nas Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha); diretor e professor em ficção, ensaio e poesia, da Oficina Literária. No lançamento, apresentaram-se os repentistas mestres Azulão e Bezerra do Ceará.


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Seminário na ABI debate a crise da aviação comercial A

condenação da economia de mercado como solução para a crise da aviação comercial no Brasil, especialmente a da Varig, assim como a solidariedade para com o movimento dos aeronautas em prol de uma reestruturação do setor foi a tônica das manifestações do seminário A Aviação Comercial e a Soberania Nacional, realizado em 21 de novembro no auditório principal da ABI. O debate foi uma realização da própria ABI, Clube de Engenharia, Assembléia Legislativa do Estado e associações dos funcionários da Varig. O Senador Saturnino Braga, o Presidente do Clube de Engenharia, Raimundo de Oliveira, o Tenente-Coronel Robson Fernandes Ramos, do Departamento de Aeronáutica Civil, o Deputado Beto Albuquerque (PT-RS), Vice-Líder do Governo na Câmara e integrante da comissão que debate a crise no setor, o representante dos funcionários da Varig, Comandante Márcio Marsillac, e os Vereadores Ricardo Maranhão (PSB) e Paulo Eduardo Gomes, do PT de Niterói, entre outros, enfatizaram o caráter estratégico da aviação civil e a necessidade de uma presença maior do Estado no planejamento e regulamentação do uso do espaço aéreo nacional. Especificamente no caso da Varig, o Vereador Ricardo Maranhão recomendou até a intervenção estatal, já que as empresas aéreas funcionam em regime de concessão pública: – O Governo, como poder concedente, tem arcabouço legal para remover todos os obstáculos que impedem uma eventual solução, inclusive a direção da empresa, pois os interesses em jogo são nacionais – disse. Com o Auditório Oscar Guanabarino praticamente lotado por representantes de várias entidades dos aeronautas, inclusive do fundo de pensão Aerus, de estudantes, magistrados, urbanitários, professores, funcionários e jornalistas, o seminário começou com uma saudação do Presidente Maurício Azêdo, que lembrou a participação da ABI, há mais de cinqüenta anos, na campanha do petróleo, e o compromisso permanente da entidade com a luta pela soberania nacional, espelhado na trajetória de um de seus líderes, o jornalista Barbosa Lima Sobrinho. Depois de guardado um minuto de silêncio em homenagem ao economista Celso Furtado, por proposta do Presidente da ABI, sucederam-se as manifestações, que se estenderam por mais de três horas, recebidas com muito entusiasmo pela platéia, integrada também

por uma comissão do Movimento de Libertação dos Trabalhadores Sem Terra. Em sua intervenção, o senador Saturnino Braga considerou o problema enfrentado pelo setor da aviação civil, especificamente a Varig, “mais um ataque à soberania nacional”. Se a aviação comercial enfrenta dificuldades no mundo inteiro, as condições territoriais do Brasil, com grande extensão continental, seriam, por si só, segundo ele, razão suficiente para uma presença maior do Governo como indutor e regulador. – Não se pode falar em economia de mercado numa área estratégica – disse o Senador, condenando a concorrência predatória entre as empresas aéreas estimulada pelo neoliberalismo, assim como “a violência” contra os empregados perpetrada pela Varig, que demitiu mais de 60 funcionários e estigmatizou os líderes do movimento em cartazes do tipo “procura-se” espalhados por locais públicos. O Deputado estadual Paulo Ramos (PDT) lamentou que o projeto nacional surgido da luta contra a ditadura não passe ainda de mera cogitação, e que o atual Governo do PT apenas siga o mesmo caminho “do governo entreguista de Fernando Henrique Cardoso”. Também reclamou maior presença das autoridades na regulamentação do setor áereo. O representante dos funcionários da Varig, comandante Márcio Marsillac, enfatizou a histórica falta de uma política para a aviação comercial, revelando que,

das 300 cidades brasileiras servidas até bem pouco tempo atrás, hoje o avião só chega a pouco mais de 100. Já o engenheiro Raimundo de Oliveira lembrou Celso Furtado como inspirador de um caminho essencialmente brasileiro, e o Deputado Beto Albuquerque destacou o caráter pioneiro da Varig, mas apontou que está faltando a atual direção firmar a proposta feita pelos funcionários e em estudo no Congresso. – O modelo usado nos Estados Unidos não pode ser importado para o Brasil – afirmou o Tenente-Coronel Robson Fernandes Ramos, que apresentou um relatório sobre a performance das quatro maiores empresas aéreas americanas, todas com significativos prejuízos recentes. Enfatizou que as características do mercado brasileiro, com altas taxas de juros (19%, contra 5%, nos EUA), elevada carga tributária (17%, contra 7,5%, nos EUA), combustível caro (R$ 2,34 o litro, contra R$ 0,73 nos EUA) e outras taxas causam dificuldades às empresas, o que recomenda a regulamentação do Estado, para impedir favorecimentos e concorrência predatória. Já o mecânico de aviação francês Jean Robert Perrin, Secretário-Geral da CGT de seu país, contou, com o auxílio de uma intérprete, como só os trabalhadores saíram perdendo com a badalada venda da Air France, nacionalizada em 1945, para a KLM, uma empresa deficitária, que custou quase 20 bilhões de

francos e representou a perda, pelos funcionários, de todos os direitos trabalhistas em nome da economia. – É preciso resistir à lógica capitalista. – disse ele. Explicando o que aconteceu com os trabalhadores franceses, acrescentou que tanto aqui como lá “estamos tratando com bandidos”. O Comandante Elnio Borges relatou o desastre da Swissair, lendo um texto preparado por pilotos suíços. Recordou que os vôos da empresa foram parados no início de outubro de 2001 no mundo inteiro. A perda de dinheiro da Swissair, que escapara ao controle dos dirigentes, não era fruto de seu funcionamento e sim de má administração. A declaração final do Seminário foi firmada pelos representantes de nove entidades e instituições: Comandante Rodrigo Della Pasqua Marocco, da Associação dos Pilotos da Varig-Apvar; Comissário Reynaldo Goulart Machado Velho Filho, da Associação dos Comissários da VarigAcvar; Maurício Morales Ferraresi, da Associação de Mecânicos de Vôo da VarigAmvvar; Manoel da Silva Neves, da Associação dos Aposentados e Beneficiários do Aerus-Aprus; Jornalista Maurício Azêdo, da ABI; Engenheiro Raymundo de Oliveira, do Clube de Engenharia; Deputado Geraldo Moreira, Presidente da Comissão Especial para a Crise do Setor Aéreo, da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro; Dr. Jorge Sales Darze, do Sindicato dos Médicos.

SWISSAIR, UM VÔO DESASTRADO Como a empresa suíça fracassou na solução de sua crise. Um modelo a ser desprezado O relato sobre a Swissair descreve assim, em traços gerais, a crise vivida pela empresa: ● Os vôos da Swissair foram paralisados em 2 de outubro de 2001, para perplexidade da Europa e do mundo inteiro, por se tratar de uma empresa poderosa de um país de economia sólida e moeda forte, como a Suíça. A empresa pagou assim alto preço pelos maus investimentos que fez em outros setores: sua crise não derivou de resultados operacionais, mas de incompetência de administração. ● Diante da crise, após discussões a portas fechadas que privilegiaram outra operadora aérea suíça, a Crossair, criou-se uma nova empresa, sob o controle da Crossair e com recursos de dois bancos privados. A sucessora da Swissair foi rebatizada como Swiss Interna-

tional Airlines, nome encurtado para Swiss Airlines e reduzido coloquialmente para Swiss Air. A empresa recebeu de imediato forte suprimento de recursos: US$ 600 milhões do Governo suíço; US$ 600 milhões de dois bancos privados, UBS e Credit Suisse, e US$ 600 milhões de outras empresas e investidores privados. Ao todo, absorveu US$ 1,8 bilhão, em valores de 2001. ● Os primeiros gestores da “nova” Swiss Air, saídos da Crossair, reduziram em 30% a sua malha de operações, que respondia por seus resultados operacionais positivos. A Crossair, de seu lado, manteve sua malha, sua frota e seu quadro de pessoal. A redução da malha internacional e a manutenção da malha doméstica, com as duas empresas funcionando em regime de alimentação complementar, revelaram-se um desastre. Em

menos de dois anos, os primeiros gestores foram demitidos, não a tempo de se evitar um prejuízo de US$ 1,3 bilhão. A frota doméstica teve de ser também reduzida. Atualmente a “nova” Swiss Air equivale a menos de metade do que a Swissair e a Crossair eram juntas em 2001. ● O preço social dessa aventura: a Swissair encolheu inicialmente em 30% com eliminação de 4.000 empregos nas primeiras semanas de crise. Os restantes 70% de postos de trabalho foram para a nova Swiss Air, com os salários reduzidos em 35%. O fundo de pensão, Aeropers, sofreu redução na mesma proporção. O desastre só não foi maior porque a griffe Swissair passou a identificar a empresa aos olhos do público, até porque pintura idêntica à da Swissair foi mantida na frota de sua sucessora e a pronúncia igual – Swissair e Swiss Air – dão aos usuários a sensação de segurança das muitas décadas de bons serviços da Swissair, antes que os maus gestores a conduzissem a vôos empresariais desastrados.


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VIDAS

O mecânico de aviação francês Jean Robert Perrin, Secretário-Geral da CGT de seu país (à esquerda), disse que só os trabalhadores perderam com a venda da Air France à KLM holandesa (Foto: Antõnio Guerra). Ao lado, o cartaz de divulgação do Seminário

DUAS CARTAS AO PRESIDENTE 1 “Senhor Presidente, As entidades abaixo assinadas, preocupadas com o rumo tomado pela aviação nacional, deliberaram durante o seminário A Aviação Comercial e a Soberania Nacional apresentar Moção de Protesto pela excessiva demora do Governo, coordenador natural deste processo, em promover a necessária estruturação do setor de transporte aéreo e a definição de parâmetros de apoio e fomento às empresas aéreas brasileiras. O quadro, gravíssimo, já levou ao encerramento das atividades da Transbrasil, ameaça a existência das duas mais tradicionais companhias aéreas do Pais – Varig e Vasp – e sujeitará a sociedade brasileira, em curtíssimo espaço de tempo, a ficar órfã de um mercado de aviação equilibrado e eficiente, condição fundamental para o desenvolvimento e a integração nacionais. Setores mais conservadores do seu Governo têm defendido que este é um segmento da economia e, por esta razão, está inequivocamente condicionado às regras de livre mercado. Esta tese tem, infelizmente, prevalecido não só no setor de aviação, impondo ao País e ao nosso povo sacrifícios enormes sem, contudo, trazer melhorias significativas para a coletiva dos trabalhadores. A inação planejada que estes setores têm garantido ao seu Governo, na questão da aviação, tem promovido a quebradeira de empresas e o desemprego de milhares de pessoas. Aqui, não fazer significa que alguma coisa está sendo feita. Há conhecimento de causas suficientes para saber que este posicionamento, de completa paralisia, levará a concentração de todo o mercado aéreo brasileiro em uma ou duas empresas, tese que já foi abertamente defendida por uma parte do Governo, quando da pretensa fusão entre Varig e Tam. Senhor Presidente, não permita que o conservadorismo, estreito de propósitos, prevaleça – as mazelas decorrentes deste quadro serão de tal ordem que qualquer pretenso resultado positivo será obscurecido. Há alternativas mais criativas e melhores para se buscar a recuperação deste importante segmento da indústria brasileira, que é a aviação. Alternativas que garantem o equilíbrio entre rentabilidade e concorrência para o mercado, essencial para a saúde econômica e social da Nação, sem impor sacrifícios desnecessários ou injustificáveis. Para funcionar bem, o mercado de aviação não deve ser protegido demais, nem de menos. O transporte aéreo exige regras especialmente desenhadas, pois é um tipo especial de mercadoria. Não há no mundo países com o tamanho do Brasil e com economia compatível que tenham construído uma aviação forte e competitiva pela prevalência exclusiva das regras de livre mercado ou pela simples extinção da concorrência. Estas teses, como já ocorreu em outros países, nos levarão ao desastre – não aéreo, mas como nação.

A perspicácia e sensibilidades aguçadas, mas principalmente a fraqueza no trato com o povo, características peculiares em Vossa Excelência, nos permite questionar o atual posicionamento que prevalece em seu Governo e solicitar, com urgência que a situação exige, uma audiência para as representações signatárias deste documento. Temos a firme convicção de que há propostas alternativas que nos possibilitam, realmente, salvar a nossa aviação nacional. São as ponderações que respeitosamente fazemos a Vossa Excelência, na expectativa de convocação para um encontro que se prenuncia tardio, mas ainda oportuno.”

2 “Senhor Presidente, Há uma questão que perturba toda a sociedade civil organizada, segmento essencial e indispensável para o avanço e equilíbrio das relações sociais e econômicas – a perseguição política, tema condenado internacionalmente e que trouxe, para nosso país, conseqüências de tal ordem que muitos de nossos perseguidos ainda continuam desaparecidos. Ocorre que a atual crise vivida pelas empresas de aviação no Brasil só se tornou pública, adquirindo a transparência necessária ao debate, após o movimento coletivo organizado pelos pilotos da Varig, através de sua associação de classe. A atitude da Associação de Pilotos da Varig foi considerada como afronta e desrespeito pela administração da empresa, gerando um nível de retaliação e perseguição aos pilotos integrantes da direção da entidade e com a própria Associação, que extrapola a questão legal e o conflito natural das relações trabalhistas. A exposição e fotos dos pilotos demitidos em locais públicos, postos de verificação de bagagem nos aeroportos, como se fossem delinqüentes, foi uma das atitudes arbitrárias da administração que não encontram justificação plausível em nosso Estado Democrático. Outras tantas foram as atitudes com este nível de tratamento dispensado que podem ser comprovadas no volumoso dossiê em anexo. As entidades signatárias condenam tais práticas e solicitam que, no caso específico da Varig, qualquer apoio ou concessão governamental ou de empresas estatais seja condicionado à revisão deste ato arbitrário e que fere violentamente o direito humano ao trabalho, à livre expressão e à organização do trabalho. Postulando a transmissão dessa orientação aos órgãos do Governo com ingerência na matéria, apresentamos a Vossa Excelência as expressões do nosso elevado apreço.”

Fernando Sabino, um jornalista de múltiplos instrumentos Fernando Sabino morreu às véspera de completar 81 anos. Um dos seus maiores sucessos, o romance O Encontro Marcado, ainda hoje é tido como referência para muitos jovens que reconhecem suas próprias angústias existenciais na narrativa que faz o leitor passear na Belo Horizonte dos anos 40, conduzido pelo personagem Eduardo Marciano. Mineiro de Belo Horizonte, nascido a 12 de outubro de 1923, Sabino era, além de escritor, advogado, escoteiro, baterista de jazz, atleta e jornalista, sócio da ABI desde 1950. Como baterista, se apresentou com o grupo carioca The Rumbles. Herdou a vocação musical ainda menino, quando ouvia o pai e a irmã tocarem piano. Tornou-se leitor compulsivo também muito cedo. Filho do Procurador de Partes e representante comercial Domingos Sabino e de Dona Odete Tavares Sabino, suas primeiras tentativas literárias sofreram influência dos livros de aventuras, principalmente Winnetou, o Cacique dos Apaches, de Karl May, além dos romances policiais de Edgar Wallace, Sax Rohmer e Conan Doyle, entre outros. Nessa época, por iniciativa do irmão Gerson, seu primeiro conto policial foi publicado na revista Argus, órgão da Secretaria de Segurança de Minas Gerais. Mas o autor apareceu como Fernando Tavares “Sobrinho”. Ao final do curso ginasial, começa a colaborar regularmente com artigos, crônicas e contos nas revistas Alterosa e Belo Horizonte. Participa de concursos de crônicas e de contos, conquistando vários prêmios. Começa a ler os clássicos portugueses a partir dos quinhentistas Gil Vicente e João de Barros, entre outros, até romancistas como Alexandre Herculano, Almeida Garrett e Camilo Castelo Branco. Antes de chegar a Eça de Queiroz e Machado de Assis, aos 17 anos, decidira ser gramático. Inicia o curso superior na Faculdade de Direito, onde convive com escritores e, por indicação de seu amigo Murilo Rubião, ingressa no jornalismo como redator da Folha de Minas. Orientado por Marques Rebelo, reúne seus primeiros contos no livro Os Grilos não Cantam Mais, publicado no Rio de Janeiro à sua própria custa, ingressando definitivamente na carreira que lhe traria grande sucesso. No jornalismo, colaborava regularmente para o jornal Correio da Manhã, do Rio, quando conheceu Vinícius de Moraes. Em 1948, publica uma crônica semanal no Suplemento Literário de O Jornal. Em 1949, escreve crônicas e artigos para diversos

jornais brasileiros. Sob o pseudônimo de Pedro Garcia de Toledo, escreve diariamente O Destino de Cada Um, nota policial no Diário Carioca. Crônicas com o título geral Aventuras do Cotidiano, saem no Comício, semanário independente fundado e dirigido por Joel Silveira, Rafael Correia de Oliveira e Rubem Braga. Fernando Sabino foi colaborador da revista Manchete durante 15 anos, a partir do primeiro número. Em 1956, publica O Encontro Marcado, seu maior sucesso de crítica e público, com uma média de duas edições anuais no Brasil e várias no exterior, além de adaptações teatrais no Rio e em São Paulo. A partir de 1957, passa a viver exclusivamente de sua produção intelectual como escritor e jornalista. Fernando Sabino morreu no dia 11 de outubro, depois de lutar durante dois anos contra um câncer de esôfago.

Ele foi

baterista de jazz, atleta, escoteiro

e advogado

Manuel da Paixão Pires, repórter fotográfico, nascido em 1928, sócio da ABI desde 1966, morreu no dia 8 de outubro. Repórter fotográfico, trabalhou na Última Hora e na Folha de S. Paulo.

Hélio Benévolo Nogueira, morto em 19 de outubro, nasceu em 1925 e era sócio da ABI desde 1957. Foi repórter do jornal Imprensa Popular, do Partido Comunista Brasileiro, na década de 50. Mais tarde, trabalhou como repórter e redator na Última Hora. Paulo César Branco nasceu em 1948 e era sócio recente da ABI. Passou pela Rádio Tupi, O Globo, Última Hora, Fatos & Fotos, Tribuna da Imprensa, onde manteve a coluna Em Confidência. Comentarista político da TV Bandeirantes, criou a carta semanal Raios X, de economia e política. Morreu dia 26 de outubro. Arthur Parahyba Dias nasceu em 1920 e era associado à ABI desde 1979. Foi repórter fotográfico, tendo participado da criação da Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do RJ (Arfoc). Foi repórter esportivo do Diário Carioca e trabalhou também no Jornal do Brasil e na Tribuna da Imprensa, onde ficou até julho deste ano. Também colaborou em O Globo e no Jornal da Bahia. Arthur Parahyba Dias morreu dia 20 de novembro. Martins Alves da Luz morreu no dia 3 de dezembro. Sócio da ABI desde 1970, nasceu em 1921. Repórter e redator de várias publicações do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, nos anos 80 foi correspondente na Europa e na Ásia, tendo passado longa temporada na Tailândia.


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O desenhista argentino que aguçou a competição no futebol carioca

O pai dos símbolos das torcidas MANOEL EPELBAUM

O

argentino Lorenzo Molas morou no Rio de Janeiro entre os anos 1943 e 1955. Foram doze anos frutíferos em todos os sentidos, tanto para ele quanto para a imprensa esportiva do Brasil, já que Molas foi o criador dos desenhos que identificaram os times da cidade de forma inteligente e simpática, retratando de forma inocente e pura uma época futebolística plena de grandes craques e um ambiente maravilhoso, como era o Rio daqueles anos. Lanús é o bairro onde Molas nasceu em 1916. Está situado no Gran Buenos Aires, coladinho à capital argentina. Trata-se de um bairro operário, de gente sã, que nas tardes quentes do verão se senta à beira das calçadas para contar estórias e jogar víspora. Demais será dizer que era torcedor fanático do Lanús, que atu-

almente disputa o Campeonato Argentino da primeira divisão. Molas foi um eterno pintor, desenhista daqueles, diagramador de realidades, criador enorme, conhecedor das alegrias e das injustiças das redações. Sua passagem pelo jornalismo deixou profundos sulcos tanto na Argentina quanto no Brasil. Neles colocou sementes, para que milhões de leitores pudessem aprender a maravilha do desenho criativo e inovador. Trabalhou em Critica, Clarín, do qual foi diagramador dos Números Zero, logicamente no início desse matutino, Correo de la Tarde, La Hoja de la Tarde, La Opinión e El Economista. Filho de catalães, era conhecido pelo apelido de “Catalán”. Não podendo resistir aos seu impulsos de viajante, rumou para o Rio de Janeiro quando Crítica fechou suas portas, sendo ainda lembrado pela velha guarda jornalística dessa cidade. Molas foi o criador de vários sím-

bolos da torcida dos clubes de futebol que ainda perduram. O Flamengo era reconhecido por um Popeye pela sua força; o Vasco da Gama, pelo Almirante; o Fluminense, por um Cartola; o América, por um Diabinho; o Botafogo, um inquieto Pato Donald, só para dar alguns exemplos. Na Argentina, os grandes clubes também eram reconhecidos pelos desenhos espirituosos deste artista. Toda a sua vida profissional dividiuse em duas etapas: uma na Argentina e a outra no Brasil, onde foi puramente um desenhista. Na Argentina, exerceu essa profissão aliada à de diagramador. Quando faleceu o dono e diretor de Crítica, Natalio Botana, o jornal entrou em crise. Molas tinha ingressado no jornal ainda com calças curtas. Aos 17 anos começou como contínuo; ali ele se encontrou com gente famosa no âmbito do desenho: Bravo, Zavataro, Rojas, Linaje, Mirabelli, Premiani, uma plêiade de exímios desenhistas. Naque-

la época, Crítica chegou a ter uma seção com quinze deles de primeiro nível. Crítica deixou uma herança e um estilo até hoje lembrado na imprensa argentina. Botana era um gênio que fazia com que todos eles trabalhassem nas diferentes seções do vespertino. Molas compartilhou a redação nada menos que com Jorge Luís Borges, Roberto Arlt, Raúl González Tuñón, Horácio Rega Molina, Edmundo Guibourg e tantos outros. Borges, sempre muito calado, ensimesmado e humilde, chegou a escrever até crônicas policiais.


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Pela república, pela democracia A OAB lança campanha pela restauração de valores sob ameaça

Com seu traço de forte humor, Lorenzo Molas criou o Almirante, símbolo do Vasco; o Pato Donald, do Botafogo; o Popeye, do Flamengo; o Diabo, do América; o Cartola, do Fluminense. Sem elitismo, criou também os símbolos dos clubes pequenos, incluídos os que fechavam a raia na disputa dos campeonatos Tuñón fazia política, redação geral e esportes. Assim se passava com todos, já que Botana não queria “especializados”, e sim jornalistas. Com o Flamengo Molas tem uma estória cativante. Num dos campeonatos vencidos pelo Flamengo, propôs ao diretor do jornal, Mário Filho, fazer um desenho que ocuparia toda a página e a idéia foi aceita. Molas desenhou o casamento de Miss Campeonato com Popeye numa igreja com todos os detalhes, inclusive com um padre casandoos. Os demais clubes foram personificados conforme já relatado, mas do lado de fora da igreja; eles apenas olhavam o prêmio que o Flamengo levava. Foi um êxito fantástico no ano de 1943. A edição esgotou-se e no dia seguinte teve que ser repetida com idêntico sucesso, a pedido dos leitores. Na época em que o Brasil era governado pelo Presidente Getúlio Vargas e quando o Flamengo ganhou seu primeiro tricampeonato, Molas desenhou na capa o Popeye, numa pose clássica, mas na forma de posar de Getúlio — no lugar do cachimbo desenhou o tradicional charuto habitual nas mãos do Presidente. O desenho era enorme e foi assim intitulado: Flamengo, o ditador do futebol novamente campeão. Houve confusão na redação, mas infundada: vendeu-se toda a edição. No dia seguinte, Getúlio solicitou o desenho original para pendurálo no seu gabinete. Conheci Lorenzo na redação do jornal La Opinión, no bairro de Barracas, em Buenos Aires, nos anos 70. Ele se emocionou muito quando soube que eu vinha do Rio de Janeiro e da quantidade de pessoas de nossas relações comuns que mencionei. Ele trabalhava nesse jornal, um dos melhores já feitos na Argentina e que tinha como

caraterística se assemelhar ao Le Monde: somente texto, sem ilustrações nem fotografias. Ali Lorenzo me confessou sua paixão pelo Brasil, que lhe deu uma acolhida plena de carinho e realizações, e por Mário Filho, Geraldo Romualdo da Silva, Zé de São Januário (Álvaro Nascimento), Mário Pollo, Vargas Neto, José Lins do Rego, Silvestre Maia, Jota Efegê e tantos outros que conseguiram fazer da crônica esportiva uma leitura obrigatória. Lorenzo Molas também trabalhou em O Globo-Esportivo durante sua permanência no Brasil, certamente por indicação de Mário Filho, que também colaborava com essa edição especializada do jornal de Roberto Marinho, de quem era grande amigo.

Em concorrido ato realizado no auditório do Conselho Seccional do Estado do Rio de Janeiro, escolhido por se situar na cidade em que se deu a instituição do regime republicano, a Ordem dos Advogados do Brasil lançou em 15 de novembro, 115° aniversário da proclamação da república, uma campanha nacional em defesa da república e da democracia, valores que considera sob ameaça, como sublinhou em discurso na solenidade o Presidente do Conselho Federal da OAB, Roberto Busato. Em seu pronunciamento, salientou Busato que a evolução da vida nacional, desde o celebrado 15 de novembro de 1889, demonstra que não foi compreendido o sentido da transformação do regime político do País de monarquia em república, porque, “se considerarmos o sentido da expressão res publica, coisa pública como bem comum, é imperativo reconhecer que não apenas nos últimos 115 anos, porém, mais amplamente, desde o primeiro século da colonização, o nosso povo permaneceu e permanece à margem da vida política nacional”. “Mesmo em tempo de democracia formal, como agora, a cena política brasileira nos dá muitas vezes a impressão de um grande teatro, no qual os atores, em vez de representarem democraticamente o povo, representam perante o povo, iludindo-o”, disse o Presidente da OAB, que acrescentou: “A triste realidade é que o povo tem sido, no decorrer da nossa História, mero espectador. Admite-se, como hoje, que escolha de tempos em tempos os atores do teatro político, mas nunca as peças dramáticas a serem encenadas. Como se não bastasse, é um espectador sui generis, porque é sempre ele, e não os atores, que paga a conta do mau desempenho cênico das peças em cartaz”. À cerimônia, que reuniu seis presidentes de seções estaduais da OAB, além de três membros vitalícios do Conselho Federal e ex-Presidentes da OAB (Bernardo Cabral, Hermann de Assis Baeta e Reginaldo Oscar de Castro), estiveram presentes o representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro Dom Dimas Lara Barbosa, o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, Gilmar Mauro, e o Presidente e o Vice-Presidente da ABI, Maurício Azêdo e Mílton Temer. Da mesa diretora dos trabalhos, sob a presidência de Busato, participaram o Ministro Humberto Gomes de Barros, representando o Presidente do Institu-

to dos Advogados do Brasil, Celso Soares; os Deputados Miro Teixeira e Denise Frossard e o representante da CNBB, Dom Dimas Barbosa. Por falha do Cerimonial da OAB-RJ, que organizou o ato, os representantes da ABI não foram chamados para a mesa, falha de que o Presidente Roberto Busato se desculpou porque estava prevista no centro da cerimônia a presença das entidades que mais se destacaram nas lutas pela restauração do Estado de Direito no País: a OAB, a CNBB e a ABI. Numa prova de adesão do mundo jurídico à campanha lançada pela OAB, também participaram do ato o Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho-Anamatra; o Vice-Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Desembargador Tiago Ribas Filho, e o novo Presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas-Abrat, Osvaldo Rotbande. Coordenada pelo jurista e Professor Fábio Konder Comparato, Presidente da Comissão de Defesa de República e da Democracia da OAB, a campanha teve como primeiro ato a assinatura, pelos presentes, do projeto de iniciativa popular legislativa, em substituição à Lei n° 9.709, de 18 de novembro de 1998, que, disse Busato, “por suas notórias deficiências”, “não logrou superar o bloqueio institucional” que transformou esses institutos em “peças inúteis de um mecanismo meramente ornamental”. Ao concluir, disse o Presidente do Conselho Federal da OAB: “O presente projeto de lei dá uma precisa definição do objeto dessas consultas populares, com a previsão de plebiscitos e referendos obrigatórios em certas matérias, ao mesmo tempo que cria um regime especialmente reforçado para as leis provenientes da iniciativa popular. Trata-se, pois, de fortalecer a cidadania e de resgatar na sua essência o compromisso republicano, além de ajudar nosso povo a se pôr de pé para que afirme a defesa de sua dignidade, a fim de que, todos juntos, possamos proclamar: viva a República! Viva o Povo Brasileiro!”

O Presidente do

Conselho Federal da OAB, Roberto Busato, diz que a política no Brasil é um

grande teatro

O texto do projeto de lei que regulamenta o art. 14 da Constituição Federal em matéria de plebiscito, referendo e iniciativa popular, assim como a íntegra do discurso do Presidente Roberto Busato, pode ser acessado no site da OAB Federal: <http://www.oab.org.br/noticia>.


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O lanterninha do Troféu Santa Clara TV GLOBO/JOÃO MIGUEL JÚNIOR

“A VIOLÊNCIA ESTÁ EM CADA UM DE NÓS” CLAUDIO CARNEIRO

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le é o lanterninha na preferência popular do Troféu Santa Clara, que distingue os piores apresentadores da televisão brasileira. A premiação, que leva o nome da padroeira da TV, foi instituída pelo jornal Folha de S. Paulo, com o objetivo de criticar a baixa qualidade da programação das emissoras. Na verdade, ele é o apresentador que registra a menor taxa de rejeição entre o grande público. Trocando em miúdos: em uma premiação séria para a categoria, destacando apenas os melhores, o jornalista, escritor e apresentador Domingos Meirelles ficaria entre os primeiros colocados. Meirelles troca o estilo brigão dos demais apresentadores de programas policiais pelo jeito sóbrio, marca registrada que não perde nem mesmo quando dezenas de telefonemas interrompem nossa entrevista. O também Diretor Social da ABI atende pessoalmente a todas as ligações dos associados – meninos, eu vi! – e tenta encaminhar os mais variados pedidos de serviços: ambulatórios, convênios de toda natureza, dentista, exames de saúde, internações etc. “Acabei virando aqui um consultor médico não autorizado”, brinca. Carioca, morador da Taquara, Meirelles avalia que a pauta principal do Linha Direta, programa que apresenta na TV Globo há quatro anos, é o crime passional, que retrata, friamente, o que ele chama de “misérias da condição humana”: – A violência e a brutalidade que o programa mostra estão presentes em cada um de nós. Muitos daqueles personagens não tinham ficha criminal. Eram pessoas normais que, num determinado momento, expostas a forte emoção, foram privadas da razão, dos sentidos, e vencidas por instintos contra os quais um homem não consegue exercer nenhum controle. E aí ocorrem os crimes – diz Meirelles. Infelizmente, os crimes movidos pela paixão têm sempre uma carga de violência muito grande. Ele comenta que certos assassinatos, como o que comoveu toda a cidade em agosto último, descrevem rituais: – O pai que perde a guarda dos filhos promove um ritual macabro matando as crianças e se suicida em seguida. É como se ele se apossasse dos filhos para sempre – justifica. Meirelles considera que, evidentemente, há um forte componente de ordem patológica neste comportamento. – Um assassinato movido pela paixão, pelo ciúme (Shakespeare escreveu muito sobre isso) segue uma liturgia; os envolvidos e o próprio assassino são protagonistas de uma história desenhada entre quatro paredes: problemas de relacionamento, ciúmes, discórdias, vingança. Sobre a forte presença do crime nas emissoras de televisão, o apresentador acredita que isto se deva ao fascínio que histórias dessa natureza sempre despertaram. – Se você pegar os jornais dos anos

Apresentador de programa é também estudioso atento da História recente do País 20, uma das épocas mais ricas da imprensa brasileira, quando o Rio tinha 33 jornais diários, as mortes violentas ocupavam as primeiras páginas de quase todos eles, principalmente os vespertinos. Nessa época, um duplo suicídio, envolvendo um casal de jovens amantes apaixonados que se enforcaram num pé de jabuticaba, comoveu a capital da República. Os jornais A Manhã, de Mário Rodrigues, e o Diário da Noite deram grande destaque à paixão proibida que resultou em tragédia – ele conta. Meirelles avalia que o Linha Direta tem como fórmula os casos mais ou menos resolvidos, em que houve investigação policial e até a denúncia da promotoria. Segundo ele, a participação dos telespectadores é muito grande: – No momento em que as instituições estão desacreditadas, o programa funciona como um elo entre o Poder Público e a sociedade. Recebemos, em média, mais de dez mil telefonemas por mês. Isto é sinal de que as pessoas acreditam mais no programa que no Poder

Público. Para eles, diria Maquiavel, o programa tudo pode. No entanto, ele não disfarça um certo desconforto pelo fato de que o caso de maior repercussão, que gerou sozinho mais de 500 telefonemas, não tenha sido resolvido. – Era um psicopata que matava suas vítimas e as vampirizava, bebendo o sangue delas. Esse vampiro bateu asas e voou das garras da Justiça – lamenta. O apresentador fala também do Linha Direta-Justiça sobre os crimes que marcaram época, e destaca que é o público quem pauta o programa. – Nós recebemos os telefonemas. As pessoas ligam e contam suas histórias. Cada uma delas é avaliada pela produção, que entra em contato com a família da vítima ou com o promotor responsável pelo processo. A receptividade é muito boa, uma vez que o programa ajuda a fechar o caso. Ele destaca que quem prende é a polícia. – O programa não prende ninguém. Fazemos apenas a aproximação, promovemos um approach, brinca.

Domingos Meirelles e o Linha Direta em números

escolhe os piores da televisão 0 voto para o Troféu Santa Clara, que da Rede TV!, ficou com brasileira. O apresentador João Kleber, 44% dos votos, com 28.966 indicações. é o primeiro em audiência no horário. 1 desde que entrou no ar, o programa o programa ir ao ar. 20 foragidos presos antes mesmo de s na profissão, entre eles, 2 Esso de 23 prêmios conquistados por Domingo de Espanha de Televisão. reportagem, 2 Wladimir Herzog e o Rei 40 anos de carreira. de foragidos presos no Brasil e no exterior 300 já ultrapassa este número o total com a ajuda dos espectadores. rama. 1.500 e-mails mensais para o prog o programa. 10.000 telefonemas mensais para . l de 30 segundos no break do programa 85.090 preço em reais do comercia

Meirelles faz questão de falar do programa somente no período em que ele é o apresentador, sem citar jamais o período em que o Linha Direta foi comandado por Marcelo Resende, a quem considera um excelente repórter. Ele reconhece, no entanto, que as reconstituições dos crimes, dramatizadas durante o programa, mudaram muito com sua entrada: – O Milton Abirached, diretor do programa, tem uma preocupação muito grande em não exagerar nas cenas de violência extrema ou gratuita, observadas no início do programa. Essa é uma preocupação e um mérito dele. É preciso, todavia, ressalvar que a violência exposta nas reconstituições reporta fielmente o que está presente nos autos. Pouca gente sabe, mas o programa, antes de ir ao ar, é apresentado a um grupo de advogados. Eles lêem o processo e assistem ao programa para avaliar se o que está sendo contado pela dramaturgia reflete fielmente o que consta dos autos, explica Meirelles. Ele considera complicado ser apresentador, diretor social, jornalista e escritor ao mesmo tempo. Para escrever é preciso uma disciplina muito rígida: “É preciso abdicar de prazeres”. Ele se queixa de não ter vida social e por gastar todo o tempo livre em bibliotecas e arquivos públicos, mexendo em papéis velhos ou no computador: – Agora mesmo, estou terminando o livro que conta como foi costurada a conspiração que levou à queda de Washington Luís, episódio conhecido como a Revolução de 30, que na verdade foi um golpe de Estado, mas que a historiografia oficial considera uma revolução, o que de fato não foi porque as classes trabalhadoras organizadas não participaram, mas sim as tropas regulares, da Polícia Militar do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e da Paraíba. O escritor faz mistério sobre o nome do livro: “O título vai ser dado pela editora”, disfarça. Este será o segundo livro de Meirelles, que já escreveu um outro livro contando a marcha da Coluna Prestes. Esse projeto tomou 20 anos de pesquisas. O livro As Noites das Grandes Fogueiras – Uma História da Coluna Prestes está em sua décima edição e já vendeu 55 mil exemplares, um best-seller para os padrões brasileiros. Sobre o futuro, Meirelles pretende continuar escrevendo: – Eu já tenho um projeto sobre a Revolução de 32 e quero escrever também sobre a Guerra do Contestado, movimento messiânico que ocorreu entre 1914 e 1916 na divisa entre o Paraná e Santa Catarina, que é uma versão sulista do massacre de Canudos. É um episódio pouco conhecido e eu tenho muito material sobre essa guerra santa. Mesmo sem dizer, o escritor parece adepto daquela máxima que diz que o país que não conhece sua história está condenado a repeti-la: – Não existe presente sem passado. Às vezes, leio uma matéria no jornal e digo: esse filme eu já vi. E dá exemplo: — Esse projeto do Governo para impedir que funcionários públicos se manifestem sobre inquéritos é mera cópia de uma portaria, de número 19, do chefe de polícia do Washington Luís, o delegado Coriolano de Góis. Alguém aí se atreve a contestar?


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RODOLFO KONDER Vlado, vinte e nove anos Q

uase trinta anos. Vinte e nove anos atrás, para sermos precisos, o jornalista Vladimir Herzog perdia a vida e deixava para sempre um país então amargurado. Não o fez por vontade própria, isto é, pelo suicídio, como afirmaram os senhores da repressão e da guerra. Morreu sob tortura, nos lúgubres porões do Doi-Codi, na Rua Tutóia, São Paulo. Sua morte, para mim, aconteceu há mais de um século e se mistura à poeira do tempo, submersa nas águas turvas da nossa História. Mas ele, o amigo, continua presente. Posso senti-lo ao meu lado, nas discussões que continuo travando contra a repressão, a intransigência, o sectarismo, a intolerância. A imagem do jornalista sobreviveu à sua morte absurda, nas reflexões, na emoção, na saudade.

A morte de Vlado, como o chamávamos, marcou um momento em que se evidenciava o esgotamento do modelo político e econômico imposto pelos militares, especialmente a partir do Ato Institucional nº 5 (o AI-5), em dezembro de 1968. Com o desgaste, logo surgiram os conflitos dentro do próprio regime. Direita e ultra-direita entraram em choque. Os mais moderados, sob a liderança de Geisel e Golbery, queriam a abertura “lenta, gradual e segura”. Os radicais buscavam pretextos para impedir esta liberalização. Nas masmorras do Doi-Codi, a voz soturna do coronel-comandante ameaçava até o Presidente Geisel: “Caiu aqui dentro, a gente baixa o cassete; pode ser até o Presidente da República”. Ele nos dizia ainda que o governo brasileiro estava “totalmente infiltrado por agentes da KGB soviética”.

O assassinato do jornalista foi um marco decisivo na evolução deste conflito, que levou ao afastamento do General Ednardo D’Avila e à tentativa de golpe liderada pelo General Sílvio Frota. O avanço do projeto de descompressão dos Generais Geisel e Golbery desaguou no fim de um ciclo militar e no início de um novo capítulo em nossa História. Logo, a campanha das Diretas ocupou ruas e praças. Tancredo Neves venceu a eleição, no Colégio Eleitoral. Com a morte de Tancredo, Sarney assumiu. Tivemos eleições diretas e uma Constituinte. Reconquistamos a democracia. Os brasileiros puderam se ver no espelho e reconhecer seu próprio rosto, após vinte anos de penumbra. Mudaram os homens, mudaram as leis, mudou o País. Vladimir Herzog tornou-se um símbolo e se imortalizou. Está

conosco, inclusive na luta que prossegue contra o doutrinarismo de alguns políticos que pretendem instrumentalizá-lo. Era um homem do diálogo, do entendimento, que percorria o caminho da arte, mais do que o do jornalismo ou o da política, para realizar seus sonhos. No dia 25 de outubro de 1975, agredido mais uma vez pelos torturadores do II Exército, Vlado se foi para o outro lado das florestas do tempo. Havia escapado com a família, anos antes, das perseguições nazistas, na Europa abalada pela guerra. Mas o fanatismo, o fascismo, o anti-semitismo, a insensatez e a bestialidade cruzaram décadas e oceanos, porque também há sempre espaço, no Brasil ou em qualquer outra parte do mundo, para reproduções de Auschwitz ou Birkenau. Ontem, hoje – e no futuro incerto.

AUDÁLIO DANTAS Os dias de outubro A

s fotos publicadas recentemente como sendo do jornalista Vladimir Herzog, morto sob tortura em dependência do II Exército, em São Paulo, no dia 25 de outubro de 1975, trouxeram de volta, com grande intensidade, uma questão que parecia superada: a da abertura dos arquivos da ditadura militar. O debate que envolve amplos setores da sociedade civil poderá levar o Governo a tornar públicos os documentos da repressão, lançando luz sobre a escuridão em que se pretende manter fatos importantes de nossa História recente. Esse debate demonstra, mais uma vez, a importância de um episódio que constituiu um marco na luta de resistência contra a ditadura: o da denúncia do assassinato do jornalista. Foi a partir da denúncia desse crime que se abriu espaço para o crescimento da resistência da sociedade civil contra o regime instalado no País pelos golpistas de 1964. O corpo de Herzog não foi, como dezenas de outros, entregue em caixão lacrado e sepultado sob o peso do silêncio e do medo. A versão de suicídio apresentada pelas autoridades do II Exército não foi aceita passivamente. Os jornalistas, que durante anos tinham sido impedidos de noticiar os crimes praticados nos porões da ditadura, uniram-se em seu Sindicato para denunciar o assassinato. E a denúncia não se limitava à tragédia que os atingia de perto, mas se estendia a todo um sistema de repressão. O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo tornava-se, naquele momen-

to, uma trincheira, uma referência da sociedade civil na luta contra a repressão. O comunicado que distribuiu no dia seguinte à morte de Herzog, 26 de outubro, responsabilizava os militares : “Não obstante as informações fornecidas pelo II Exército – dizia o documento – o Sindicato dos Jornalistas deseja notar que, perante a lei, a autoridade é sempre responsável pela integridade física das pessoas que coloca sob sua guarda”. E ia além: “O Sindicato dos Jornalistas, que ainda aguarda esclarecimentos necessários e completos, denuncia e reclama das autoridades um fim a essa situação em que jornalistas profissionais, no pleno, claro e público exercício de sua profissão, cidadãos com trabalho regular e residência conhecida, permanecem sujeitos ao arbítrio de órgãos de segurança, que os levam de suas casas e de seus locais de trabalho, sempre sob pretexto de que apenas irão prestar depoimento, e os mantêm presos, incomunicáveis, sem assistência da família e sem assistência jurídica, por vá-

rios dias e até por várias semanas, em flagrante desrespeito à lei”. Os termos desse comunicado, de extrema ousadia naqueles dias, dão uma idéia do papel desempenhado pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo no episódio da morte de Vladimir Herzog. Resultavam de um processo de luta que se iniciara meses atrás, com a vitória do movimento de oposição nas eleições para a diretoria do Sindicato, quando se esboARQUIVO ABI

Vladimir Herzog

çavam as primeiras e tímidas tentativas de reorganização do movimento sindical no País, mantido sob rígido controle pelo regime militar. Desde a sua posse, em maio, a diretoria do Sindicato, por mim presidida, passou a promover a discussão de algumas questões proibidas, como a censura aos meios de comunicação e a política salarial imposta pelo Governo. Com isso, a entidade logo estaria na mira dos órgãos de repressão. Em junho, a tentativa de realização de um encontro intersindical para discutir a política salarial foi frustrada pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), então comandado pelo atual Senador Romeu Tuma, ao qual cabia “legalizar” os inquéritos produzidos no Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, o famigerado Doi-Codi do II Exército. Logo outro episódio colocaria a direção sindical em confronto direto com o Comando do II Exército. Uma nota do Sindicato contestava afirmações do locutor oficial do Palácio do Governo, Fausto Rocha, durante cerimônia de entrega de diplomas da Escola Superior de Guerra (Esg). Diante do Governador, Paulo Egídio, e do Comandante do II Exército, General Ednardo d‘Ávila Mello, o locutor fez um candente discurso em que afirmava estarem as redações dominadas pelos comunistas. Era, claro, um discurso de encomenda. A publicação da nota do Sindicato provocou a ira dos militares. Por telefone, o Comando do II Exército convocou ao quartel toda a diretoria do Sindicato. CONTINUA NA PÁGINA 22


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CONTINUAÇÃO DA PÁGINA ANTERIOR

O General avisou: “Estamos numa guerra” Aquele encontro marcaria o início de uma escalada que levaria à prisão de dezenas de opositores do regime, entre os quais jornalistas, acusados de participar do movimento de reorganização do Partido Comunista. A feroz repressão que se seguiu, comandada por militares da ultra-direita que se opunham ao anunciado projeto de abertura política do então Presidente, General Ernesto Geisel, culminaria com o assassinato de Herzog, no dia 25 de outubro. O próprio Comandante nos receberia. Meus companheiros de diretoria – o vice-presidente José Aparecido, o secretário Gastão Thomaz de Almeida, o diretor-cultural Fernando Pacheco Jordão e o tesoureiro Wilson Gomes – dividiam comigo a ansiedade. Ao nos receber, o General não se deteve em formalidades. Foi logo anunciando o motivo da convocação – “A nota que os senhores distribuíram à imprensa” –, para em seguida fazer uma preleção sobre as atividades dos comunistas, os quais classificava de “fascistas vermelhos”, e o dever que ele tinha de combatê-los. A nota distribuída pelo Sindicato, disse, era equivocada, pois o que dissera o locutor do Palácio era a pura verdade: “As redações estão infestadas de comunistas”. E voltou a falar sobre o seu dever de combater os opositores do regime, usando palavras duras: “Estamos numa guerra!” O General falava como se anunciasse os dias de terror que estavam por vir. Nos primeiros dias de outubro a guerra chegaria ao Sindicato dos Jornalistas, com a prisão de Sérgio Gomes da Silva, no dia 5. Outras prisões viriam nos dias seguintes. Em sucessivas notas à imprensa, o Sindicato denunciava as prisões, a maioria caracterizadas como verdadeiros seqüestros. Mais uma vez a diretoria foi convocada. No novo encontro, uma clara ameaça: o General advertiu que os comunicados eram manifestações perigosas, podiam ser entendidas como tentativa de indispor o povo contra as autoridades, conforme estava escrito na Lei de Segurança Nacional. A ameaça de enquadramento na Lei de Segurança não pesava tanto quanto a que, sabíamos, partia das sombras em que se movia o braço assassino da repressão, dos porões de onde os gritos dos torturados não chegavam aos ouvidos da Nação. Nos porões em que se encontravam os jornalistas presos, alguns dos quais ouviram os gritos de outro prisioneiro, Vladimir Herzog, que sucumbiu sob tortura na tarde de sábado, 25 de outubro, mesmo dia em que se apresentara, pela manhã. Horas depois, na noite daquele dia que vinha de longe, desdobrando-se em tensão e sobressaltos, fui despertado do sono mal iniciado depois de uma palestra sobre liberdade de imprensa que fizera para estudantes de Jornalismo, em Presidente Prudente, interior de São Paulo. No quarto do hotel, a notícia chegou numa frase dita em pranto: “Eles mataram o Vlado!” Era a voz de Fer-

Foto do padre canadense Leopold D’Astous (à esquerda), publicada no Correio Braziliense como sendo de Vladimir Herzog (à direita)

nando Jordão, companheiro de diretoria do Sindicato e um dos mais fraternos amigos de Vladimir. Acordei de vez para viver toda a angústia do que preferia fosse um pesadelo. No quarto do hotel ainda tentei agarrar-me à esperança de que aquela notícia não fosse verdadeira. Mas outras notícias chegariam na madrugada. Por telefone, recebo a confirmação de Gastão Thomaz de Almeida, admirável e dedicado companheiro que se dispôs a juntar as informações possíveis naquelas circunstâncias. Tratei de encontrar um meio de voltar o mais breve possível para São Paulo. Consegui um lugar no “banco de reserva” de um avião Bandeirante que partiria às 7 da manhã. Era preciso reunir forças para denunciar aquela morte que doeria fundo na consciência nacional.

denúncia até então feita de um crime da ditadura. A nota do Sindicato terminava com a convocação dos jornalistas para o sepultamento de Herzog, na segunda-feira, 27. Apesar de pressionada, a mulher de Vladimir, Clarice, resistiu e impediu que o enterro fosse realizado ainda no domingo. O velório, no Hospital Albert Einstein, foi feito sob grande tensão. Havia a presença de agentes de segurança e o temor de que um ato de força pudesse antecipar o sepultamento. Por isso, grupos de jornalistas se revezariam ao lado do corpo. Cerca de mil pessoas acompanharam o corpo de Herzog até o Cemitério Israelita do Butantã. Agentes da repressão se infiltravam na multidão. No tumulto da chegada ao cemitério, até o local do se-

“Foi despertado no sono mal iniciado. A notícia chegou numa frase dita em pranto: Eles mataram o Vlado” A morte do jornalista tinha sido confirmada em nota oficial do II Exército. Segundo o documento, Herzog se suicidara na prisão, depois de confessar sua participação em atividades comunistas. Havia pânico e medo. Segundo algumas interpretações, a morte de Vladimir seria o ponto de partida para uma escalada ainda maior da repressão, que culminaria num golpe da extrema-direita inconformada com a anunciada abertura política. E daí por diante tudo poderia acontecer. Entre os jornalistas, a dor e a revolta se sobrepunham ao medo. Ninguém aceita a versão de suicídio. Na casa de Fernando Jordão tomei conhecimento de toda a situação e do inteiro teor do comunicado do II Exército. Ali seria preparada a minuta da nota que mais tarde seria levada para discussão e aprovação da diretoria do Sindicato. No final da tarde de domingo, 26 de outubro, os termos da nota seriam longamente discutidos e, depois de aprovados, lidos para dezenas de jornalistas que, sem convocação, acorreram ao Sindicato. A perplexidade ia aos poucos cedendo lugar à disposição de protestar. Começava a nascer, por salas e corredores, a unidade que resultaria na mais contundente

pultamento, destacava-se a figura de um homem baixo e atarracado que gritava sem parar: “Vamos, vamos depressa!” Era um membro da Chevrah Kadisha, organização judaica responsável pelos funerais. Gotejando suor e medo no rosto afogueado, ele repetia, arfante: “Vamos, vamos!”. Aos que reclamavam, dizia estar cumprindo “ordens superiores”. Ordens superiores convocaram, mais uma vez, a diretoria do Sindicato ao quartel do II Exército. A convocação era para o final da tarde de segunda-feira , antes da reunião geral que deveria ocorrer no Sindicato. O encontro com os generais foi penoso. Eles estavam irritados e preocupados pelo que pudesse ocorrer na “assembléia” marcada para a noite. Não demorou muito e estávamos diante de uma série de fotos de Vladimir morto, além de laudos em que se descreviam as circunstâncias em que ocorrera o “suicídio”. Uma das fotos, a que mostra o corpo pendente, curvado sobre as pernas e com os pés tocando o chão, serviu para reforçar a nossa convicção de que se tratava de um assassinato. À noite, o Sindicato já não era só dos jornalistas. Na multidão que tomava conta de todos os espaços havia representan-

tes das mais diversas entidades, que foram levar a sua solidariedade, entre as quais as dos estudantes da Universidade de São Paulo (USP), que haviam decidido entrar em greve de protesto pelo assassinato de Herzog. Entre as muitas propostas aprovadas, estava a realização de um culto ecumênico em memória do jornalista. Marcado para o dia 31 de outubro, uma sexta-feira, o culto seria celebrado na catedral da Sé. Temia-se que fosse o momento que os militares da ultra-direita esperavam para agir. Andávamos, naqueles dias, sobre o fio da navalha. Era preciso evitar qualquer pretexto que ensejasse a ação dos golpistas. Enquanto isso, crescia a solidariedade de entidades representativas da sociedade civil de todo o País. Entre as primeiras manifestações estava a da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), assinada por seu Presidente, Prudente de Moraes, neto. Em reunião do Conselho Deliberativo, a entidade se declarou em vigília permanente até que cessassem as prisões e fosse apurada a morte de Herzog. Enquanto o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo se preparava para a realização do culto ecumênico, a ABI decidiu realizar uma missa na mesma data, na Igreja de Santa Luzia, no Centro do Rio de Janeiro. A missa seria proibida, por decisão do Cardeal Eugênio Salles, mas em seu lugar foi realizada na sede da entidade uma emocionante manifestação de protesto pelo assassinato de Vladimir. Ao lado de Barbosa Lima Sobrinho, Presidente do Conselho, Prudente abriu, perante 700 pessoas, o que considerou um culto simbólico. A homenagem seria silenciosa, acompanhando o culto ecumênico que, no mesmo momento, era celebrado em São Paulo pelo Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o pastor evangélico Jaime Wright, com a presença de 8 mil pessoas, a maior manifestação de massa desde a decretação do Ato Institucional nº 5, em 1968. O Brasil já não era o mesmo depois que os participantes dos dois atos deixaram, em silêncio, a sede da ABI e a catedral de São Paulo, com a lembrança de Vladimir Herzog em seus corações e mentes.


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achado de Assis, “monótono”, “pastel literário”. Raul Pompéia, “bajulador”, “onanista”. Olavo Bilac, “necrófilo”, “incestuoso”. João do Rio, “Joaninha do Rossio”. O Almirante “Custódio de Melo, líder militar”, o Almirante Negro era outro, o João Candido, da Revolta da Chibata, com um nome que “começava mal”. Essas são algumas gentilezas publicadas na imprensa da chamada Belle Époque, fins do século XIX e começo do século XX, por grandes figuras do jornalismo e das letras, de acordo com pesquisa de Alexei Bueno publicada no último número da revista Rio Artes. “Meticuloso, lamuriento, burilador de frases banais, bolorento pastel literário, autor de bombinhas da China”. Considerado o maior escritor brasileiro, Machado de Assis foi atacado por alguém credenciado, o crítico literário Sílvio Romero, contemporâneo do escritor e jornalista como ele. Em seu livro Estudos de Literatura Contemporânea, Romero disse ainda que o autor de Quincas Borba não passava de um “pequeno representante do pensamento retórico e velho no Brasil” e que sua produção simbolizava “nosso romantismo velho, caquético, opilado e sem idéias”. Com o título de “Como se esculhambava o próximo na Belle Époque”, a reportagem do Rio Artes narra ainda outras escaramuças publicadas nos jornais da época, protagonizadas por Emílio de Menezes, João do Rio, Olavo Bilac, Raul Pompéia e até Rui Barbosa, entre outros. O autor diz que se inspirou no debate a respeito do Conselho Federal de Jornalismo, a discussão sobre “os mais variados métodos de limi-

ILUSTRAÇÕES DE J. CARLOS

A imprensa da Belle Époque Pesquisa de Alexei Bueno mostra como era corrosivo o jornalismo do princípio do século

JOÃO DO RIO

Sem papas na língua tar ou amordaçar a imprensa”, para escrever esse “breve passeio pelas polêmicas, rixas, descomposturas pessoais e ataques impressos que foram a tônica da geração de nossos bisavós, justamente conhecida como uma das grandes gerações intelectuais da História brasileira”. VINGANÇA Machado tem seu nome associado à imprensa desde 1859, como revisor e colaborador do jornal Correio Mercantil. Em 1860, a convite de Quintino Bocaiúva, passa a fazer parte da redação do jornal Diário do Rio de Janeiro. Além desse, escrevia também para a revista O Espelho (como crítico teatral, inicialmente), A Semana Ilustrada (no qual usava também o pseudônimo de Dr. Semana) e Jornal das Famílias. Na Gazeta de Notícias, no período de 1881 a 1897, publica aquelas que foram consideradas suas melhores crônicas. No O Globo de então (1874), jornal de Quintino Bocaiúva, começa a publicar em folhetins o romance A mão e a luva. Escreveu crônicas, contos, poesias e romances para as revistas O Cruzeiro, A Estação e Revista Brasileira. Diz-se que a “análise” dos livros de Machado foi simples vingança de Romero, por ter o romancista apoiado a crí-

tica negativa recebida por seu livro de poesias Cantos do Fim do Século (1878). Também jornalista, além de crítico, advogado, político e poeta frustrado, o sergipano Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero, ensaísta, folclorista, polemista, professor e historiador da literatura brasileira, também fez seu estágio na imprensa da época, como colaborador, a partir de 1883, de O Repórter, de Tobias Barreto. “JOANINHA DO ROSSIO”

Uma das maiores vítimas de ataques pela imprensa OLAVO da Belle Époque foi BILAC João do Rio, o jornalista Paulo Barreto, chamado pelos inimigos de “Joaninha do Rossio”, alusão a certa área da atual Praça Tiradentes freqüentada por homossexuais desde a Regência. Alexei lembra a “saudação” atribuída a Emílio de Menezes quando da entrada de Paulo Barreto para a Academia Brasileira de Letras, em 1910: MENDEZ

CARLOS JURANDIR

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COELHO NETO RUI BARBOSA

Na previsão dos próximos calores A Academia, que idolatra o frio Não podendo comprar ventiladores Abriu as portas para o João do Rio. Lusófilo e dono do jornal A Pátria, Paulo Barreto polemizava freqüentemente com o ex-padre capixaba Antônio Torres, jacobino furibundo, que, ao contrário, odiava os portugueses. Para ele, Barreto não passava de “uma manta de toucinho com dois olhos”. Nem depois de morto João do Rio escapou do sarcasmo de Torres. “Paulo Barreto” - escreveu ele no Gil Brás, em extensa crônica sobre o falecido -, “por dinheiro, seria capaz até de praticar uma boa ação”, repetindo o epíteto de Mirabeau contra um desafeto. Outra polêmica travada através dos jornais que ficou famosa, também enfocada pelo artigo do Rio Artes, foi a que contrapôs o romancista Raul Pompéia e o poeta Olavo Bilac, entre outros, a partir de 1892, envolvendo a figura do Presidente Floriano Peixoto. Florianistas e antiflorianistas brigavam através dos jornais, como o escritor Artur Azevedo, que, comentando a Revolta da Armada, comandada pelo Almirante Custódio de Melo Mesquita, escreveu: Tem uma flor no princípio O nome do Marechal, Já o nome do Almirante Começa muito mal... Em resposta a uma nota publicada por Raul Pompéia, também jacobino e florianista fanático, publicada no Jornal do Commercio, seu ex-amigo Olavo Bilac chamou-o, em O Combate, de “empregado do governo”, alguém que poderia “ganhar e ingerir seu ordenado completamente, sem rebaixamento de caráter”. “Respingo de lama pode lá ter troco?”, revidou Pompéia, de sua trincheira no JC, dizendo que desprezar as diatribes do outro “seria sujar o desprezo”. Alexei Bueno conta que os dois se encontraram para um duelo no barracão do escultor Rodolfo Bernardelli, na Rua da Relação, no local onde hoje está a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio. Os adversários de Pompéia espalharam depois que ele fugiu, enquanto os inimigos de Bilac o acusavam pelos jornais de necrofilia, razão pela qual teria sido expulso da Faculdade de Medicina.


Cem anos com estilo

Traço a traço, os chargistas contam a história política

ascido há cem anos, em 27 de dezembro de 1904, no então Distrito Federal, Álvaro Cotrim publicou seu primeiro boneco no pequeno jornal clandestino A Bola, de quatro páginas, em 1923. A partir de 1925 começou a publicar profissionalmente em A Pátria. Depois, não parou mais: A Noite, A Manhã, A Platéia, Diário de Notícias, O Radical, A Maçã, Shimmy e muitos outros jornais e revistas do Brasil e do exterior tiveram o privilégio de contar com o traço refinado e o humor sutil de Alvarus. Influenciado pelo paraguaio Guevara, o mexicano Figueroa e os argentinos Valdivia e Alvarez, ajudou a arejar a caricatura brasileira, nessa época ainda presa à sua irmã francesa. Apesar de cultor declarado de um Daumier e de um Charles Leandré, Alvarus se inspirava no grande J.Carlos: “Sou e sempre fui seu admirador impenitente” – declarou certa vez. Alvarus publicou álbuns de suas caricaturas produzidas em mais de 50 anos de jornalismo, como Hoje Tem Espetáculo e Alvarus e Seus Bonecos, e de outros artistas, como Pedro Américo e a Caricatura e J.Carlos – Época, Vida e Obra, que não chegou a ver publicado. Estudioso e autor de numerosas crônicas, ensaios e palestras sobre o trabalho dos cartunistas, possuía provavelmente uma das mais completas bibliotecas especializadas sobre o tema no mundo. Inclui-se aí também uma riquíssima coleção de originais de Daumier, Charles Leandré, Willete, Gavarni, Sem e J.Carlos entre outros.

* Carlos Amorim, 40 anos, cartunista e diagramador, trabalhou em vários jornais, como o Jornal dos Sports e O Dia. É autor do projeto gráfico do Jornal da ABI adotado nos anos 90, que ajudou a diagramar. Como cartunista, foi o responsável pela última página da publicação, dedicada ao humor, de 1991 a 1997. Hoje envia seus trabalhos para vários jornais e revistas de todo o Brasil.

De acordo com Luiz Sodré, em A História da Charge no Brasil, a década de 1920 marcou o início da chamada caricatura moderna no País, juntamente com a decadência do pacto oligárquico que sustentava a economia baseada no binômio exportação de café/empréstimos externos, comandada pela burguesia cafeeira, elite econômica que reunia as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais em torno de um pacto político conhecido como “café com leite”, que assegurava sua alternância no poder. Eleito em 1926, o Presidente Washington Luís lança o governador de São Paulo, Júlio Prestes, à sua sucessão e rompe esse pacto, pois o político da vez era Antônio Carlos de Andrada, governador de Minas Gerais. Surge a Aliança Liberal, reunindo as oligarquias do Rio Grande do Sul, Minas e Paraíba, em torno da candidatura de Getúlio Vargas, Governador do Rio Grande do Sul. Ainda de acordo com Sodré, a crise financeira de 1929 forçara o País a tomar conhecimento de sua vulnerabilidade, com uma economia frágil e dependente, baseada na monocultura cafeeira como único produto de exportação. Ao mesmo tempo, uma progressiva industrialização engendra novas forças econômicas e novos grupos políticos à sociedade. Eles se articulam em torno de atividades ligadas ao Estado, até então sob controle exclusivo das oligarquias. O “tenentismo” é a manifestação do descontentamento desses novos atores sociais, cujas ten-

Rubem Braga

Otto Maria Carpeaux

Herbert Moses

CARLOS AMORIM*

N

Em novembro de 1978, numa entrevista ao Jornal do Brasil, afirmou que não havia na história da caricatura no Brasil o registro da prisão de nenhum artista da pena, “mesmo dos mais violentos, por perpetrar o retrato de algum membro do governo”. Isto na época em que o Pasquim estava sendo processado por alegadas ofensas à dignidade do Presidente da República e de vários ministros de Estado, caricaturados na edição 486, de 20 de outubro daquele ano. O pedido de processo era do então Chefe da Casa Civil, o General Golbery do Couto e Silva: “Quando a turma do Pasquim foi mandada para a cadeia em 1969”, recordou, “lá estavam o admirável Ziraldo e o não menor Fortuna. Mas não foram presos por serem caricaturistas e sim porque faziam parte do corpo redacional do semanário”. Em 1979, passou Alvarus a ser responsável pela última página do Jornal da ABI, abrilhantando esse espaço até 1985, quando as Parcas, como diziam seus contemporâneos, chamaram-no para conversar. Certamente uma conversa bem humorada sobre caricatura, tema de que as ditas senhoras não entendem bulhufas e que Alvarus dava um show à parte. ___________________________________________________________________

sões culminam na Revolução de 1930 com a deposição de Washington Luís e a posse de Getúlio. Em 1937, Vargas dá novo golpe, dissolvendo o Congresso, elabora uma Constituição autoritária e cria o Estado Novo. É quando ocorre o terceiro momento do desenvolvimento da charge, com a chegada dos desenhistas estrangeiros Andrés Guevara, paraguaio, e Enrique Figueroa, mexicano, que revolucionam a forma e o conteúdo da arte gráfica de humor na imprensa brasileira. O período de 1925 a 1930 marca o advento da caricatura brasileira moderna. Luiz Sodré registra que tanto na Monarquia quanto na República Velha a charge privilegiava situações genéricas numa sátira que, em geral, não particularizava as personalidades abordadas, não as colocava como alvo centrais de crítica; não as separava do contexto político no qual se inseriam; ela privilegiava “conjunturas” em detrimento da crítica pessoal que marcará, posteriormente, sua linguagem moderna. De fato, a representação do humor individualizado com a contundência e agressividade que caracteriza a charge hoje é conseqüência do acirramento dos conflitos que marcam a sociedade moderna, e que ela progressivamente amadurece entre as linhas de seu traço. Através de dois jornais que respiravam oposição, A Manhã e Crítica, Guevara e seus seguidores, entre eles Álvaro Cotrim, o nosso Alvarus, colocam a charge como porta-voz da sociedade e resgatam a intervenção política como prerrogativa inerente a seu discurso, preparando o terreno para o surgimento do sofisticado instrumento de comunicação que é hoje.

Di Cavalcânti


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