José Carlos Rego: um baque para a cultura popular Páginas 22 e 23
Jornal da ABI Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
Março de 2006 • Número 306 J.BATISTA
Em audiência que concedeu a dirigentes da ABI, o Presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoBSP), reconheceu que a entidade tem razão ao reivindicar o restabelecimento de seu registro de instituição beneficente de assistência social. Página 19
A cobertura do Carnaval, lá na pista Habituados à farra, como no bloco Imprensa que eu gamo (foto), os jornalistas vibram mas também padecem na cobertura do Carnaval. Páginas 3, 4, 5, 6 e 7
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ARQUIVO PESSOAL
DEPOIMENTOS
ALDO REBELO DÁ RAZÃO À ABI
Jornalismo corajoso é aquele que opina Em depoimentos nesta edição, Fernando Barbosa Lima diz que jornalismo de coragem é aquele que tem opinião e Luiz Garcia manda um recado: cuidado com os arapongas. Páginas 9, 10 e 11, 14, 15 e 16
Na tela, os nossos 100 anos Produtor de cinema, Luiz Carlos Barreto (à esq.) anunciou ao nosso Diretor Jesus Chediak que vai fazer um documentário sobre os 100 anos da ABI. Página 16
João Cândido recebe Medalha Chico Mendes Foi uma homenagem póstuma do Grupo Tortura Nunca Mais. Seu filho Candinho, funcionário da ABI, chorou ao recebê-la. Página 20
Graciliano, leitor severo de sua obra Um texto pouco conhecido de Perilo Galvão Peixoto revela a severidade com que Graciliano Ramos avaliava sua obra. “Para mim, nada presta”, disse ele a Perilo. Página 8
Jornal da ABI EDITORIAL
Sob o garrote vil Esta edição do Jornal da ABI ocupa-se mais uma vez de uma questão essencial para a Casa, qual seja o restabelecimento do seu registro de entidade beneficente de assistência social, cassado pelo Conselho Nacional de Assistência Social, em decisão que ensejou o lançamento pelo Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, a título de cobrança de contribuição previdenciária patronal, retroativa a cinco anos, de um débito que atualmente supera a cifra de 3 milhões de reais. Apoiando-se em fundamentação especiosa, e até ridícula, como a de que para merecer esse registro a ABI precisaria atender a todas as pessoas em “situação de vulnerabilidade” –– a grande legião de despojados da Cidade e do Estado do Rio de Janeiro ––, o Conselho Nacional de Assistência Social cometeu desalmada violência contra a Casa, ignorando que há quase 90 anos, desde 1917, ainda no longínquo Governo Venceslau Brás, a entidade foi reconhecida pelo Congresso Nacional como de utilidade pública, para todos os efeitos. Ao longo de mais de oito décadas, a ABI usufruiu dos benefícios que essa condição lhe assegurava e que o CNAS resolveu cassar. Desta vez o Jornal da ABI relata as gestões que promoveu em Brasília com as mais altas expressões do Poder Legislativo, o Presidente do Senado, Senador Renan Calheiros, o Presidente da Câmara, Deputado Aldo Rebelo, e o Senador José Sarney, os quais manifestaram sua compreensão de que é justo o pleito da ABI e que essa situação anômala está a exigir correção. Ao receber dirigentes da ABI, o Senador José Sarney salientou que esse desapreço fere não só a Casa, mas também o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que é a mais antiga instituição cultural do País, e a Academia Brasileira de Letras, ambas igualmente expostas ao garrote vil de imposições pecuniárias que podem levar essas beneméritas entidades à derrocada, através do assalto ao patrimônio que construíram com o sacrifício de inúmeras gerações. A ABI confia em que as autoridades do Poder Legislativo e do Poder Executivo serão tomadas de bom-senso e agirão no âmbito de suas competências para garantir os direitos e a tranqüilidade das instituições expostas ao cutelo que ameaça desabar inclemente sobre suas carótidas. Até que tal aconteça, a ABI não esmorecerá na denúncia do crime que se pratica contra ela e contra as veneráveis instituições nacionais também alcançadas por tanta inconsciência.
NESTA EDIÇÃO Um evento totalmente hollywoodiano
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Graciliano na intimidade
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Depoimento-1: Luiz Garcia
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Depoimento-2: Fernando Barbosa Lima
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Barreto porá na tela os 100 anos da ABI
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Um documentário sobre a vida de Saldanha
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Ao vivo, os atores de JK
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Comunique-se, nosso parceiro nos Cursos Livres
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Obras sobre temas polêmicos na Biblioteca Bastos Tigre
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Em Roraima até o Governo do Estado é silenciado
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México elimina prisão por delito de imprensa
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Destruída escultura de homenagem a Cláudio Abramo
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Tropa do Exército que intervém no Rio agride jornalistas
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Renan, Aldo e Sarney ouvem a ABI
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Medalha Chico Mendes para João Cândido
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Mais um acidente fatal na Cemig
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Diligência apura grampo na Rede Gazeta
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Reparação moral para mais 19 vítimas da ditadura
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O dia de uma função que está sucumbindo
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Vidas: José Carlos Rego, um amante da cultura popular 22 Nélson, o primeiro cineasta de fardão
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Aqueles velhos bons tempos da Revisão
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Conselheiros efetivos (2004-2007) Antonieta Vieira dos Santos, Arthur da Távola, Cid Benjamin, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Héris Arnt, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Ivan Cavalcanti Proença, José Gomes Talarico, José Rezende, Marceu Vieira, Paulo Jerônimo, Roberto M. Moura, Sérgio Cabral e Teresinha Santos
Associação Brasileira de Imprensa DIRETORIA – MANDATO 2004/2007 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretora Administrativa: Ana Maria Costábile Soibelman Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Souza (Pajê) Diretora de Jornalismo: Joseti Marques CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira, Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura CONSELHO FISCAL Jesus Antunes – Presidente, Miro Lopes – Secretário, Adriano Barbosa, Hélio Mathias, Henrique João Cordeiro Filho, Jorge Saldanha e Luiz Carlos Oliveira Chester CONSELHO DELIBERATIVO (2004-2005) Presidente: Ivan Cavalcanti Proença 1º Secretário: Carlos Arthur Pitombeira 2º Secretário: Domingos Xisto da Cunha Conselheiros efetivos (2005-2008) Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, Araquém Moura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho
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Conselheiros efetivos (2003-2006) Antonio Roberto da Cunha, Aristélio Travassos de Andrade, Arnaldo César Ricci Jacob, Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos, Domingos João Meirelles, Fichel Davit Chargel, Glória Sueli Alvarez Campos, João Máximo, Jorge Roberto Martins, Lênin Novaes de Araújo, Moacir Andrade, Nilo Marques Braga, Octávio Costa, Vitor Iorio e Yolanda Stein Conselheiros suplentes (2005-2008) Anísio Félix dos Santos, Edgard Catoira, Francisco de Paula Freitas, Geraldo Lopes, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães Conselheiros suplentes (2004-2007) Adalberto Diniz, Aluísio Maranhão, Ancelmo Gois, André Louzeiro, Jesus Chediak, José Silvestre Gorgulho, José Louzeiro, Lílian Nabuco, Luarlindo Ernesto, Marcos de Castro, Mário Augusto Jakobskind, Marlene Custódio, Maurílio Ferreira e Yaci Nunes Conselheiros suplentes (2003-2006) Antônio Avellar C. Albuquerque, Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Antonio Roberto Salgado da Cunha, Domingos Augusto G. Xisto da Cunha, Hildeberto Lopes Aleluia, José Carlos Rego, Lorimar Macedo Ferreira, Luiz Carlos de Souza, Marco Aurélio B. Guimarães, Marcus Antônio M. de Miranda, Mauro dos Santos Vianna, Pery de Araújo Cotta, Rogério Marques Gomes, Rosângela Soares de Oliveira e Rubem Mauro Machado
COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira – Presidente, Jarbas Domingos Vaz, José Ernesto Vianna, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Arthur Cantalice, Arthur Nery Cabral, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes
Jornal da ABI Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar Telefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 22.030-012 Rio de Janeiro - RJ (jornal@abi.org.br) Editores: Francisco Ucha, Joseti Marques e Maurício Azêdo Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Apoio à produção editorial: Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo e Solange Noronha. Diretor responsável: Maurício Azêdo Impressão: Gráfica Lance Rua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ. As reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.
Março de 2006
Jornal da ABI OPERAÇÃO CARNAVAL Por Rodrigo Caixeta
ARQUIVO RIOTUR
Um evento totalmente hollywoodiano Repórter do ABI Online devassou os bastidores da cobertura dos desfiles do Grupo Especial das escolas de samba do Rio de Janeiro, evento que o repórter-fotográfico Nélson Perez, do jornal Valor Econômico, descreve com esta imagem: “Isto aqui é totalmente hollywoodiano”
O
clima é de tensão nos dias de desfile das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Minutos antes da primeira apresentação na Passarela da Marquês de Sapucaí, os jornalistas correm para suas posições, seja para entrar no ar ao vivo em alguma emissora de rádio ou TV, seja para conseguir entrevistar os integrantes de cada agremiação e obter as informações mais importantes que estarão no noticiário do dia seguinte. Os repórteres-fotográficos formam uma verdadeira muralha em torno de alas, carros alegóricos e celebridades que vão desfilar. Tudo isso para mostrar com todos os detalhes como é o maior espetáculo popular da Terra. Leilane Neubarth é uma das jornalistas mais empolgadas na área da concentração. A repórter da TV Globo costuma chegar cedo e faz diversas matérias e flashes, antes, durante e depois de cada desfile. Com a agitação característica de quem trabalha em televisão, ela anda de um lado para o outro na Avenida, em busca de informações que possam ajudar no seu trabalho. Mas não é só o profissionalismo que a leva a cobrir com tanto entusiasmo a Sapucaí. Sua história de amor com a Passarela do Samba começou com a inauguração do Sambódromo, em 1984, quando desfilou pela Mangueira, sua escola predileta: — Na verdade, eu estava fazendo uma reportagem para falar sobre como uma pes-
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Festejada como a escola do samba no pé, a Mangueira aderiu à monumentalidade do principal desfile do Carnaval carioca.
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Jornal da ABI soa se sente ao desfilar numa escola de samba. Houve uma segunda vez em que a televisão foi homenageada num carro alegórico e eu também saí. Leilane só não fez o desfile no ano em que engravidou e no período em que apresentava o Bom-dia, Brasil. Ela diz que bom mesmo é estar na pista e se orgulha de conhecer pessoas como Jamelão e tia Surica: — Para mim, é sempre uma emoção diferente. Por mais que eu pense que vai ser a mesma coisa, quando chego aqui e sinto esse frisson, a adrenalina sobe e é muito emocionante. Ao longo desses anos, já vi histórias engraçadas, curiosas, fascinantes e tristes, como a da Porto da Pedra (que teve o carro que homenagearia mães brasileiras famosas quebrado antes mesmo de entrar na pista, obrigando a desfilar no chão a mãe de Cazuza, Lucinha Araújo, e Glória Perez, mãe de Daniela Perez). Nathaly Ducoulombier, repórter do SBT, acumula 14 anos de cobertura na Sapucaí. Para ela, é sempre diferente e emocionante, ainda que as escolas sigam os padrões determinados pela Liga Independente das Escolas de Samba-Liesa: — Quando a bateria passa, esquecemos até que estamos trabalhando; dá vontade de acompanhá-la — diz, empolgada. Cobrindo todos os dias de Carnaval — das 19h até à última escola — Nathaly não se deixa abater. E brinca: — Hoje (domingo) está movimentado. A chuva atrapalha nosso trabalho, porque não conseguimos conversar com as pessoas e, com o papel molhado, a caneta começa a falhar. Mas isso tudo acaba virando pauta. Como o SBT não tem direito de imagem sobre os desfiles, Nathaly faz matérias de comportamento e também sobre as escolas. O tempo é dedicado às anotações, a conversas com a equipe e atenção na concentração: — Lembro-me da primeira vez que vim para a Avenida, ainda como produtora. Foi emocionante. Só aqui é possível ver o que realmente acontece. Com a experiência de 20 de anos dedicados ao radiojornalismo, Fábio Tubino, comentarista da Rádio Carioca, diz que a emissora desenvolve um trabalho de cobertura do Carnaval durante todo o ano. Desta vez, ele conta que as equipes dos programas Madrugada guerreira e Carioca samba show se juntaram para cobrir o desfile e que todo o seu conteúdo é transmitido simultaneamente pelo site Viva Rio: — Estou na cobertura desde os ensaios técnicos. Há 12 anos faço o Carnaval carioca e a cada ano temos novas surpresas e muitas emoções. Para Fábio, a mecânica do rádio é mais atraente, pois trabalha com a informação imediata e a prestação de serviço: — O melhor é retratar com riqueza de detalhes o momento na hora em que tudo acontece. Acompanhei muito sensibilizado o desfile da Rocinha, que fez um carnaval bonito e luxuoso, mas foi prejudicada pela desorganização. Vi o esforço para que cada ala pudesse se recompor; transmitir isso acontecendo é muito complicado. No ano passado foi o mesmo com a Portela. Ao mesmo tempo, é muito bom transmitir um desfile coeso como o do Salgueiro. Quem também se emociona transmitindo ao vivo é Valéria Porto, da Rádio Carioca. Narradora dos desfiles da Sapucaí, ela se orgulha de dizer que é a primeira e única locu-
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Leilane Neubarth, da TV Globo, chega cedo à pista da Sapucaí, que sempre oferece emoções diferentes. Ela cobriu o desfile inaugural do Sambódromo.
tora de rádio a fazer cobertura de Carnaval no mundo: — Este é um universo interessante que as mulheres não procuram. Nossa responsabilidade é transmitir a emoção da Avenida e, por isso, absorvemos a euforia que é transmitida pelo espectador daqui. Ernâni Alves, da Rádio Itatiaia de Minas Gerais, conta que a transmissão ao vivo da emissora pega os 20 minutos iniciais de cada escola e os dez finais. Extrovertido e falante como a maioria dos profissionais de rádio, ele diz que a adrenalina maior é no início do desfile e que a tensão vai baixando em seguida: — Nossa preocupação é a extensão do Sambódromo e os fatos que acontecem isoladamente. Quatro repórteres ficam espalhados pela Avenida, fazendo entrevistas, correndo atrás dos fatos e é aí que se percebe o companheirismo dos colegas, porque há uma integração entre os jornalistas, que estão sempre trocando informações. Acabei de ceder
“É sempre uma emoção diferente. Por mais que eu pense que vai ser a mesma coisa, quando chego aqui a adrenalina sobe e é muito emocionante.” Leilane Neubarth
uma sonora de dois governadores para um colega de outra emissora. A narração via rádio, diz Ernâni, deve oferecer ao ouvinte a visualização do espetáculo: — Em nossa cobertura, costumamos dar nossas notas para as escolas, até mesmo para dar uma dinamizada. Cobrindo Carnaval há seis anos, Ernâni, que desta vez também fez reportagens para a TV do Portal Terra, analisa: — Depois de um certo tempo de experiência, conseguimos avaliar as escolas de forma técnica. No início, a emoção toma conta, até porque temos nossas escolas queridas, mas depois isso muda. Hoje eu torço apenas para a melhor, não tenho mais predileção. Mauro Sant’Ana, repórter da Rádio Livre, cobre Carnaval desde 2004, interagindo com os foliões no Terreirão do Samba, na Cinelândia e na Lapa. Este ano, foi pautado para cobrir as escolas: — É um espetáculo grandioso, que exige muita concentração do profissional. Procuro buscar informações para embasar minhas matérias, fico na pista e posso ir para onde quiser. Não estou setorizado como alguns colegas, posso ir dos camarotes às arquibancadas. Mas é preciso ter cara-depau para chegar nos locais e buscar pautas. Assim como Fábio Tubino, Mauro comoveu-se com o drama da Rocinha, que desfilou quase todo o tempo embaixo de chuva, teve carros alegóricos quebrados e acabou estourando o tempo de desfile em seis minutos. Depois, Mauro entusiasmou-se com o Salgueiro: — Cobri as escolhas de sambasenredo, a eleição das madrinhas de bateria... Então, já estou no clima das escolas, me envolvo muito mais, porque é um trabalho longo, que não se restringe aos dias de desfile. E é bom ver o sucesso das escolas na Avenida. Hérica Marmo, repórter do Extra, tem oito anos de experiência nesse tipo de cobertura e foi pautada para os desfiles do Grupo Especial: — Não sinto a mesma emoção da estréia, mas é a maior adrenalina, não dá tempo de apreciar como o espectador. Tenho que observar tudo o que está acontecendo e passar em tempo real para a Redação. Saindo daqui, vou para a Redação para escrever a matéria que sai no dia seguinte. Vivianne Cohen, sua colega de Redação, avalia com entusiasmo a cobertura na Sapucaí: — É legal porque nos dá a oportunidade
“Quando a bateria passa, dá vontade de acompanhá-la”, diz Nathaly Ducoulombier, do SBT, que cobre o desfile do samba há 14 anos. Fábio Tubino (ao centro), da Rádio Carioca, está na pista há 20, enquanto Mauro Sant’Ana, da Rádio Livre, estreou lá no Carnaval 2006.
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Jornal da ABI
Em busca do melhor ângulo
A
o lado dos re pórteres que se aglomeram em busca da notícia estão sempre os repórteres-fotográficos em busca do melhor clique — e para consegui-lo não basta ter talento, é preciso ter o colete que dá acesso à pista ou o crachá que permite Ernani Alves, da Rádio Itatiaia de Belo Horizonte, exalta a colaboração entre subir à torre de TV, de onde os repórteres: ele cedeu a coleguinhas sonoras com dois governadores. se tem uma visão privilegiada da Avenida. Nélson Perez, repórterde aprender muita coisa. No Extra, temos o fotográfico do Valor Econômicostume de dividir a tarefa entre os colegas, co, cobre o Carnaval na Sacada um faz três ou quatro escolas por dia, pucaí há 16 anos e diz que para não ficar cansativo. É sempre uma corAlex Slaib, de A Tribuna de Niterói, prefere fotografar da torre da Praça para quem nunca fez a fesreria, porque temos que apurar as informada Apoteose: lá embaixo, na pista, revela, rola muita pancadaria. ta é maravilhosa: ções antes de a escola entrar na Avenida. Fico — No entanto, para quem está na labuta acha que o que varia a cada Carnaval é a expecna concentração, mas há outra equipe na anual, é muito estressante. Temos pouca estativa em relação à escola para que torce, a dispersão. trutura para fazer um bom trabalho, porque Viradouro — “aí, sim, a emoção é diferente”, Denise Ribeiro, também do Extra e a mais esbarramos em um monte de coisas, como diz. Ao contrário de Nelson, ele prefere fotoexperiente do trio — 15 anos de Sapucaí — os seguranças das escolas que não deixam vografar da torre, “porque na Passarela rola mui, não larga o rádio através do qual troca incê trabalhar direito e os limites físicos da Prata pancadaria”: — Aqui é mais light e podeformações com a Redação, observa os aconça da Apoteose, pois sem o colete é impossímos fazer fotos diferentes, além das panorâtecimentos ao redor e mantém o espírito de vel chegar a alguns lugares. É a estrutura do micas. Lá embaixo, já vi muitos colegas serem alegria da festa. Sorridente, diz que não se deiCarnaval, não adianta discutir que ela não seespancados pelos seguranças das escolas, que xa abalar pelo nervosismo, a não ser pelo ferá mudada. E também é uma cachaça, muinão deixam a gente trabalhar, mas, felizmenchamento do jornal, pois é preciso cumprir o Nélson Perez to legal de fazer. Gosto de ver o resultado pute, nunca sofri esse tipo de agressão. Na verdacronograma: — Quando o desfile transcorre blicado, embora hoje trabalhe num jornal de, é preciso gostar realmente do que se faz. normalmente, é bem mais fácil, mas tudo não voltado para o desfile, Acostumado a fazer fotos de publicidade varia de acordo com mas para os empresários e estreando na Avenida, Frederico Borba, da os acontecimentos da que estão desfilando. Embratur, empolgava-se com seu primeiro noite. Com a setoOutro ponto relevante, trabalho fotojornalístico: — É um privilégio rização, o trabalho fidiz Nélson, é a pressão do estar pertinho do que está acontecendo. É um cou facilitado. fechamento. Nos tempos espetáculo bonito de se ver, uma das manifesPara Denise, repórem que trabalhava no Jortações da cultura brasileira, e o primeiro eventeres sem experiência nal do Brasil, além de corto grande que eu faço. No desfile das escolas na Avenida devem se rer atrás da melhor foto, era do Grupo de Acesso, fotografei lá de baixo, munir de um mínimo preciso correr para revelar mas as especiais preferi registrar daqui de cide conhecimento de o filme e selecionar o mama. Cada um tem suas peculiaridades. Lá emCarnaval: terial para a edição do dia baixo é possível mostrar o sentimento das — E a cada ano é seguinte: — Hoje, a difepessoas, a expressão de cada um, mas aqui fauma surpresa, cai rença é que corremos com ço uma visão geral do que está acontecendo. uma chuvarada, caro cartão de memória das ros se quebram... câmeras digitais, que, no Nem sempre o desfientanto, facilitam o envio le é perfeito como o desde que se tenha um esperado e temos que computador conectado à entrar em cena para internet. O que eu obserapurar o que gerou os Nélson Perez, de Valor Econômico, conta que o trabalho na pista é imprevistos. estressante, tantas são as barreiras, como a dos seguranças das escolas. vo é que são centenas de fotógrafos, mas cada um deFábio Silva, repórsenvolve uma visão diferente sobre um mester do site Galeria do Samba, considera os mo tema e o resultado é sempre diversificado. desfiles um trabalho gratificante para os jorFotografando do alto da torre de TV, Nélnalistas: — Você está participando do maison diz que antigamente ia ali para se refugior espetáculo da Terra e ainda desempenha ar do estresse da Avenida e buscava a melhor a sua função. E falar de Carnaval é muito foto lá embaixo. bom. Há sempre uma adrenalina diferente — Aqui em cima, se eu bobear perco a foto, quando você chega para trabalhar. porque os carros alegóricos passam muito raEm quatro anos, Fábio já testemunhou pidamente. Eles são mais bem fotografados muitas histórias engraçadas de colegas: daqui, mas as pessoas, não. Agora os desfiles — No ano passado, por exemplo, uma resão muito mais teatrais, espetacularizados. pórter ia entrar ao vivo, entrevistando o direIsso aqui é totalmente hollywoodiano. Acator de Harmonia de uma escola. Devido ao bou a festa popular. barulho da bateria, ele não entendeu a pergunta Alex Slaib, do jornal A Tribuna, de Niterói, e começou a cantar o samba-enredo. Nem é Fotógrafo de publicidade, Frederico Borba cobre os desfiles na Sapucaí há nove anos e preciso explicar a cara que a repórter fez. estreou na pista agora. Adorou. Frederico Borba
“São centenas de fotógrafos, mas cada um desenvolve uma visão diferente sobre um mesmo tema”
“É um privilégio estar pertinho do que está acontecendo.”
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Jornal da ABI
Atrás das celebridades
O Na cobertura de IstoÉ Gente, Clarissa Monteagudo buscava ídolos em geral, e não apenas da TV, e procurava frases inteligentes ou espirituosas.
Com 23 anos de profissão — 20 deles dedicados à cobertura da Sapucaí —, Carlos Magno, da revista Rio, Samba e Carnaval, diz que o trabalho é sempre diferente: — É uma festa vibrante, todos estão alegres, o que oferece um festival de imagens. Às vezes, fico até perdido com tanta riqueza. Podemos sempre testar um olhar novo, que vai sendo amadurecido ao longo dos anos. Diz Carlos que a cobertura não tem monotonia — “pode ser um trabalho cansativo, mas é sempre excitante”. Na torre ou na Avenida, ele diz que é possível fazer boas fotos. E avisa: — A dica é aproveitar ao máximo essa diversidade de imagens e deixar a imaginação fluir. Único repórter-fotográfico entrevistado na Passarela, Onofre Veras cobre os desfiles de Carnaval há vários anos e desta vez trabalhou para A Voz de Portugal, jornal que circula no Rio e na Europa. Analisando sua experiência na Sapucaí, ele diz: — A cada ano aumenta o número de profissionais, mas a velocidade da internet ajudou. É preciso se modernizar, acompanhar a tecnologia, porque fazemos a foto e precisamos transmiti-la para o mundo. Hoje, em menos de dez minutos qualquer país vê o que está acontecendo. Sobre os atropelos na Avenida, comenta: — É um pisa-pisa, um dando cotovelada no outro, porque todos querem ter o primeiro plano. Mas depois todo mundo se cumprimenta, pede desculpas, porque todos se conhecem e sabem que o trabalho é isso mesmo.
“O grande termômetro é o Setor 1: a pessoa que levanta a arquibancada é quase sempre aquela mais procurada pelas revistas de celebridades.” Clarissa Monteagudo
s jornalistas de revistas e sites de celebridades têm muito trabalho durante os desfiles na Marquês de Sapucaí. Os astros multiplicam-se ao longo das alas e nos camarotes e frisas que circundam a Avenida. Para dar conta da cobertura de tudo o que envolve os famosos, os repórteres se dividem por todos os setores do Sambódromo. Alguns desses jornalistas, no entanto, ainda conseguem encontrar tempo para se divertir e ajudar em outras funções além do que está previamente pautado. É o caso de Flávia Cirino, repórter da revista Conta Mais e do site O Fuxico, casada e mãe de um menino de um ano. Além de cobrir toda a festa na Avenida, no sábado à noite ela desfilou no Salgueiro; no final, correu para a sala de imprensa para redigir um release sobre a apresentação da escola e distribuí-lo aos veículos, sem descuidar do trabalho: — É uma correria, mas muito prazerosa. Assisto um pouco aos desfiles, vejo quem são os famosos, observo-os e corro para o computador, para dar notícia em tempo real. Faço Carnaval a vida inteira e acabei unindo o útil ao agradável. Ana Braga, repórter da revista Quem Acontece, está em seu quarto ano de Sapucaí. Já foi pautada exclusivamente para cobrir o que acontecia nos camarotes, mas hoje prefere a pista, principalmente a área da concentração: — Nesses dias é muito fácil encontrar os artistas, principalmente porque eles estão sempre cercados pela imprensa, são alvos fáceis. Para estar aqui nessa correria, porém, é preciso gostar de Carnaval e do trabalho, porque se não, no fim da noite, você está esgotado. No domingo de Carnaval, antes de a segunda escola entrar na Avenida, Ana já tinha entrevistado Carol Castro, Luana Piovani, Adriane Galisteu, Luciana Gimenez, Angélica, Luciano Huck e Sandra de Sá. Isso tudo num dia fraco, segundo ela: — A segunda-feira é sempre o melhor dia, pois é quando acontecem os desfiles da Mangueira, da Mocidade e de outras escolas preferidas do público. Nossa revista tem equipes espalhadas nos camarotes e na concentração. Depois, juntamos todo
o material e sai a edição de Carnaval. Jornalista há quase 30 anos, Márcia Penna Firme foi freelancer da Quem nos dias de Carnaval. Ela diz que a cobertura de celebridades tem muitos obstáculos, pois ao mesmo tempo em que elas não querem falar, sentemse também envaidecidas por serem procuradas: — No entanto, é sempre um encontro muito rápido, em que você tem muito pouco tempo para explorar o que essas pessoas têm a dizer. E a celebridade está muito vinculada ao espetáculo em si, seja o Carnaval, ou um show etc. É uma cobertura muito pontual, porque não fazemos uma história da estrela, o gancho é que ela é uma celebridade naquele momento. Márcia diz que é um trabalho difícil e cansativo porque todos os repórteres cobrem as pessoas de destaque. Assim, para obter algum ponto diferencial na cobertura, é preciso observar a celebridade: — Todos entrevistam ao mesmo tempo. Fiquei fixada na concentração, porque aqui é o único momento em que você consegue falar com alguém com mais tempo. Não dá para acompanhar cada um a noite toda. Para Márcia, o Carnaval é uma cachaça: — Parece que não sai da sua veia. Por mais que digamos estar cansados, sempre voltamos e somos contagiados pelo clima de euforia. Quem faz Carnaval se empolga sempre, ainda que o ritmo da cobertura seja sempre o mesmo. É muita ralação, são muitas horas de trabalho, e quem cobre reclama, mas gosta. É o que permite que fiquemos aqui até o dia raiar. Do contrário, a gente pira. Clarissa Monteagudo, repórter da IstoÉ Gente, diz que o trabalho em sua editoria é basicamente prestar atenção em pessoas que despertem o interesse do público, e não necessariamente que sejam de TV: — É preciso prestar atenção em atletas, grandes ídolos, rainhas de bateria... O grande termômetro é o Setor 1: a pessoa que levanta a arquibancada é quase sempre aquela mais procurada pelas revistas de celebridades. Diz Clarissa que o diferencial desse tipo de cobertura é perceber o inusitado do compor-
Às vezes o fotógrafo fica perdido diante de tanta riqueza de imagens, confessa Carlos Magno (à esq.), da revista Rio, Samba & Carnaval, Flávia Cirino (ao centro), repórter da revista Conta Mais e do site O Fuxico, cobriu o desfile e saiu no Salgueiro. Ana Braga, da revista Quem Acontece, prefere cobrir a pista.
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Jornal da ABI
Mais de 2.300 credenciados
tamento do artista: — É preciso saber tirar a frase divertida, trazer o espírito daquela pessoa para a cobertura. Muita gente acha um trabalho fútil, mas, se você tiver um olho bacana conmaior espetáculo da Terra atrai não segue transformar aquilo em apenas milhares de pessoas de todo algo interessante. É possível o mundo, mas também um granconseguir uma boa frase sobre de número de jornalistas, para copolítica ou um comentário brir o que acontece na Avenida — bem-humorado que é também que tem 700 metros de extensão. uma crítica ao comportamenDe acordo com informações da Riotur, sigla to das pessoas aqui. O Zeca famosa da Empresa de Turismo do MunicíPagodinho e a Suzana Vieira, pio do Rio de Janeiro S.A., são mais de 2.300 por exemplo, são ótimos frajornalistas credenciados: cerca de 1.300 de TV, sistas. Basta dar um tema que 324 de jornais, 265 de emissoras de rádio, 146 eles saem com uma boa frase, de revistas, 49 de sites e 27 de associações e sinrendem matéria. A cada vez que Com quase 30 anos de ofício, Márcia Penna dicatos — isto sem contar as equipes escalaa Suzana abre a boca sai uma Firme fala da dificuldade de entrevistar das para a cobertura do Sábado das Campeãs. frase divertida, característica celebridades, que não querem falar mas Dos profissionais credenciados, cerca de 200 do espírito dela. adoram quando são procuradas. são de mais de duas dezenas de países de váClarissa considera muito rios continentes: Estados Unidos, Inglaterra, fácil encontrar artistas na Sapucaí, a não ser Alemanha, França, Argentina, Chile, Japão, os que estão passando por alguma situação China, Israel, Coréia do Sul, México, Canadá, que não querem comentar. Depois de cobrir Uruguai, Suécia, Eslovênia, Rússia, muito camarote, este ano ela estreou na conPortugal, Espanha, Colômbia, Itália, centração: — É muito mais gostoso, porque Venezuela, Paraguai e Finlândia. nos camarotes você tem o comportamento Para atender ao grande continde uma festa à parte. Aqui, o artista está em gente de jornalistas, a Riotur organifesta junto com o povo. Quando entrevistei za uma ampla sala de imprensa, ona Luana Piovani, no domingo, ela estava no de veículos brasileiros e agências inmeio da Presidente Vargas, sendo ovacionaternacionais podem acondicionar da pelo público e se aquecendo, fazendo váseus equipamentos para a produção rias poses divertidas que renderam muitas foe edição de conteúdo em tempo real. tos. São situações de muita espontaneidade. Para os profissionais cuja empresa O bom repórter é aquele que tem um olho não tem base na sala, são disponibipara o que é diferente. lizados computadores com conexão Com experiência em diversos segmentos em banda larga e todos os recursos pado jornalismo, Clarissa diz não ter preconceira a transmissão de dados. Agora em to contra nenhuma editoria, pois acredita que 2006, foram cinco computadores. em todas se pode fazer um trabalho inteligenCésar Santos, da Rádio Carioca, narra o De acordo com informações de te, “desde que não se persiga o óbvio”: — Existe desfile e coordena 40 repórteres sua assessoria, a Rede Globo de Teleuma relação de amor e ódio entre os artistas espalhados por todo o Estado. visão, única emissora a ter o direito e as revistas de celebridades, porque, ao mesde transmitir as imagens do Grupo Especial, mo tempo que invadem a privacidade deles, preparou uma verdadeira operação de guerelas também levantam a carreira de muitos. ra para os dias 26 e 27. Na área da armação, Não podemos mais ignorar a cultura de celemontou um estúdio, batizado de Esquina do bridades, ela existe. Agora a questão é discusamba, para transmissões ao vivo ancoradas tir como ela será feita com qualidade. por Márcio Gomes. Do lado de fora, dezenas de repórteres se posicionavam em pontos estratégicos para fazer flashes e matérias da Avenida. Ao todo, 700 profissionais — o dobro do escalado para os desfiles de São Paulo — revezavam-se na cobertura. O número de equipamentos usados também impressiona: foram instaladas 22 câmeras ao longo da Marquês de Sapucaí, além das câmeras das equipes do Jornalismo e do Globocop, helicóptero da emissora. Jornalista há 35 anos, Jorge PerlingeiOs jornalistas que cobrem o Carnaval falam com um saber de experiência feito: eles próprios têm um bloco, o ro, apresentador de Imprensa que eu gamo, um dos mais tradicionais do Rio, onde é crescente o fenômeno da criação de blocos.
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Responsável pela leitura das notas dos desfiles, Jorge Perlingeiro tem experiência como jornalista e como diretor de escola, a Vila Isabel.
TV, Diretor Social e Artístico da Liga Independente das Escolas de Samba e locutor oficial da apuração dos votos, explica como é o seu trabalho nos bastidores do sambódromo: — Além de organizar a entrada das escolas, cuido dos informativos que serão lidos para os espectadores. Estou na Sapucaí há 22 anos, desde a sua fundação, mas cubro Carnaval há 33. Tenho experiência nos dois lados, da imprensa e do samba. Fui repórter e também Diretor da Unidos de Vila Isabel. Aqui no Sambódromo, lutamos para que o espetáculo transcorra num clima de amenidades, porque é sempre uma tensão muito grande e a adrenalina sobe. Aroldo Machado, Diretor de Jornalismo da Rede TV! no Rio e coordenador da cobertura na Sapucaí, diz que a emissora também escalou um grande número de profissionais para os desfiles de domingo e segunda-feira: — Há cerca de 50 profissionais da emissora, entre jornalistas, técnicos e operadores. É um trabalho intenso, que só acaba com o desfile da última escola. Da Rádio Carioca, o locutor-apresentador César Santos, coordenador das duas equipes da emissora que fizeram transmissões ao vivo diretamente do Sambódromo, diz que mais 40 repórteres foram espalhados por todo o Estado do Rio para cobrir, simultaneamente, os carnavais de rua e dos clubes: — No desfile, procuramos detalhar como foi desenvolvido cada enredo, falando sobre cada carro, cada ala, cada fantasia. O desfile da Sapucaí deixou de ser só cultura popular, está entre esta e a erudita, mas principalmente tornou-se uma cultura de massa. Há todo um trabalho comercial e os veículos devem acompanhar essa transformação. Não é só falar das mulheres lindas, mas de todo o processo envolvido no que é visto. É um espetáculo de abrangência universal e nós nos esforçamos para acompanhar o desenvolvimento cultural dos desfiles. Fico fascinado com seu conteúdo. Quanto à localização das cabines de rádio, acho adequada, porque damos as informações sobre as escolas antes de elas entrarem na Avenida ou serem vistas pela TV.
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Jornal da ABI MEMÓRIA Por Perilo Galvão Peixoto
Corria o ano de 1950 quando tive a honra de receber em meu consultório Graciliano Ramos, que ali fora a instância de seu cunhado, o colega e amigo dileto Luiz Augusto de Medeiros. Frente a frente com insigne personalidade, vieram-me de pronto à memória alguns antecedentes de sua vida de que fui testemunha ocasional: a prisão na capital alagoana, a transferência por via férrea para Recife e, logo depois, a passagem por Maceió, a caminho do Rio de JaneiExplorando a cordialidade, arrisro. De minha casa no Aterro do quei uma pergunta. Onde adquirir Jaraguá contemplava-se o sinistro um exemplar de Angústia, que não enManaus, fundeado ao largo, com o contrava na José Olympio. Veio de porão entupido de presos políticos, chofre a resposta generosa. Pessoalrevivescência hodierna dos navios nemente me traria o livro. greiros de triste memória. Em verdade não demorou a cumAnos mais tarde, avistava sempre prir o trato. Na consulta subseqüente o escritor, nos fundos da Livraria José ofertou-me a obra tão em evidência Olympio, aonde o interesse me connaqueles dias, com a dedicatória duzia, vez por outra, à cata de novicircunspecta: “Ao Doutor Perilo Peidades livrescas expostas nos balcões xoto, com amizade e agradecimene vitrines. Confesso, envergonhado, tos muito sinceros. Graciliano Raque até então, embora lhe conhecesse mos. Rio, 1950”. de sobejo o mérito literário, jamais Passaram-se poucos anos. Devolera integralmente obra sua, exceto rei tudo que de Graciliano se editaVidas Secas, adquirida numa livraria ra. Reli guloso Vidas Secas, rude epode Petrópolis. péia nordestina constituída de uma Eis que se ensejava a oportunidaseqüência de contos, à guisa de “sude ansiada: apertar-lhe a mão. E –– ó íte” musical. Certa feita inquiri-lhe coincidência –– por causa da mão é que ali se afrontava comigo Graciliano Ramos. Foi dizendo sem rebuços: “Estou incapacitado para o ofício de escrever. Malditas verrugas me impedem de exercê-lo. Não sei redigir à máquina”. Tremi de medo. Que responsabilidade! Restituir à sua faina, para gáudio dos leitores, o romancista famoso! O diagnóstico viera correto. À prescrição seguiu-se a conversa amena, como era de esperar da fidalguia do escritor, seu apanágio. Ao homem perspicaz não escapou a visão de pequena carreta gaúcha em cima de minha mesa de trabalho. Afigurava-se-lhe destoante o nordestino não exibir um carro-de-bois típico da sua região. ExpliqueiGraciliano numa foto encontrada nos arquivos do lhe que a carreta me fora presenDops, que o fichou por militância no PCB. Acima, teada por gentil cliente. retrato com dedicatória feito por Portinari.
REPRODUÇÃO
Graciliano na intimidade Autor de Vidas Secas dizia que nada presta em suas obras
WWW.GRACILIANO.COM.BR
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à queima-roupa qual a obra preferida, antecipando meu voto em favor de Vidas Secas. A modéstia característica do escritor fê-lo revidar sem titubeio: “Para mim, nada presta”. Que adiantava dizer-lhe da perfeição de tudo que lhe caía da pena? O estilo depurado, enxuto, levava-o, insatisfeito, a refundir sempre as novas edições, escoimando aqui, podando ali, amputando acolá. Fascinavalhe o corte. A tesoura impiedosa visava à concisão da linguagem. Um dia discreteou: “Desta vez o livro acaba saindo em branco”. Tornei a ver de mais perto o romancista combalido pela doença, marcado de morte. Visitei-o algumas vezes em seu apartamento no Leblon. Vanglorio-me de haver contribuído para minorar-lhe o sofrimento, prescrevendo-lhe opiáceos, já que as dores atrozes esgotavam a capacidade de receituário dos médicos assistentes. Em ocasião que me pareceu oportuna, pedi a Heloísa conseguisse do marido, num momento de acalmia, a autenticação do meu exemplar de Vidas Secas. Dias depois meus olhos deparavam a dedicatória rogada. A mesma de Angústia. A cerimônia de sempre, pois Gracialiano não era homem de conceder, sem mais aquela, intimidade a ninguém. Só que, dessa vez, o nome do homenageado veio completo: Doutor Perilo Galvão Peixoto. Nunca mais o avistei em vida. Mas levei-lhe o adeus saudoso no velório da Câmara Municipal.
Deve-se a imperativo de contribuição histórica o que aqui se narra. Cuidei meu dever o depoimento pessoal sobre a grande figura humana que foi Graciliano Ramos. O maior escritor brasileiro de sua época. Quando se comemoram os 40 anos de Vidas Secas e os 25 de morte do romancista, é mais do que oportuna a homenagem.
A republicação deste artigo de Perilo Galvão Peixoto torna-se oportuna nesta edição porque a 20 de março faz 53 anos que morreu o grande escritor, que foi jornalista e trabalhou como revisor no Correio da Manhã no tempo de Paulo Bittencourt. Enviado por seu filho Fernando Moura Peixoto, sócio da ABI que cultiva a sua memória, o texto reproduz a exposição que Perilo Galvão Peixoto fez na Sociedade Brasileira de Médicos EscritoresSobrames em 1978, em sessão que celebrou Graciliano no 25° aniversário de sua morte. Perilo Galvão Peixoto foi médico, jornalista, crítico musical, escritor e ornitólogo. Nascido em 8 de novembro de 1913 em Salvador, Bahia, morreu em 16 de março de 2002 no Rio, com 88 anos. Ele foi sócio da ABI durante 52 anos. Era membro titular da Sobrames e membro fundador da Academia Brasileira de Médicos Escritores. Perilo publicou mais de 50 trabalhos sobre temas médicos. Por iniciativa da Deputada Heloneida Studart, sócia da ABI, a Assembléia Legislativa concedeu-lhe postumamente o título de Cidadão Benemérito do Estado do Rio de Janeiro.
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Jornal da ABI DEPOIMENTO-1 Entrevista a José Reinaldo Marques
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rimeiro editor-chefe da sucursal carioca da revista Veja, em 1968, Luiz Garcia, hoje um dos principais colunistas da página de Opinião do Globo, fala, entre outros assuntos, sobre o cuidado que os jornalistas devem ter com a apuração de denúncias, a profissionalização da imprensa nos últimos 40 anos e o prazer de dar palestras e conselhos a estudantes de Jornalismo — a começar pelo consumo de boa literatura. Com 52 de anos de profissão, Luiz Garcia começou a carreira numa época em que os jornais eram verdadeiros guetos de partidos políticos e pouco profissionalizados. Estreou como estagiário na Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda. Mais tarde, após rápida passagem por O Globo como copidesque, dirigiu a sucursal carioca do Estadão – “por intermediação do Odylo Costa, filho, fui convidado pelo Prudente de Moraes, neto; fiquei lá cinco anos” – e participou do lançamento da Veja, em 1968. Chefiou a Redação da revista no Rio, comandou o escritório da Abril em Nova York, voltou ao Brasil e se manteve como um dos editoreschefes da revista por quatro anos, até se transferir para Visão. Quando esta foi vendida, em 1974, voltou para O Globo, onde está até hoje. Na opinião de Luiz Garcia, a boa literatura ajuda o jornalista a usar as palavras e fazer do texto algo que realmente fascine o leitor. Até porque, na sua opinião, “escrever é sempre um ato de presunção” e todo emissor de informações deve estar muito atento à sua capacidade de comunicação. A seguir, suas vivências e suas opiniões.
Luiz Garcia
Precisamos ter cuidado. Há muito araponga por aí. Guardião do estilo, da ética e da notícia, Garcia faz uma advertência: os arapongas ganham dinheiro vendendo matéria para jornal. Março de 2006
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Jornal da ABI Jornal da ABI — Qual é a sua formação acadêmica?
Luiz Garcia — Completei o que na época se chamava de curso científico, mas já então trabalhava em jornal. Naquele tempo não havia o registro profissional, que veio muito tempo depois. Eu então completei o secundário como foca na Tribuna da Imprensa, onde trabalhei muitos anos. Depois consegui uma bolsa na Universidade de Columbia (EUA), para um curso que é o equivalente ao mestrado; como não tinha a graduação formal, eu o completei como uma espécie de estudante especial. Jornal da ABI — Quando e como ingressou no jornalismo?
Luiz Garcia — Comecei pelas relações de amizade da minha família com o jornalista Carlos Lacerda, dono da Tribuna. Fomos seus vizinhos em Copacabana. Meu pai era pediatra e tratava dos filhos dele. Então, quando decidi começar a trabalhar, pedi-lhe uma oportunidade. Comecei em fins de 1953 e fui foca na Reportagem cerca de um ano e meio, mas naquele tempo os estágios nos jornais eram inteiramente amadorísticos e eu então, como filho de amigo, não tinha a menor remuneração.
ção e o estilo literário das pessoas que trabalhavam lá, como o Antônio Callado e o Otto Maria Carpeaux. Posso apontar também o Diário Carioca, pela inovação, a agilidade e o bom humor. Jornal da ABI — Quando os donos de jornais perceberam que era preciso reformular, para não perder credibilidade e leitores?
Luiz Garcia — Acho que no fim dos anos 50, com a reforma do Jornal do Brasil, que iria se transformar no melhor de todos eles. Gradativamente, mudaram também a Tribuna e a Última Hora. O resto era estilo “banho de sangue”. Jornal da ABI — Como foi sua passagem pela Veja?
Luiz Garcia — Era muito amigo do Odylo Costa, filho, diretor da Editora Abril no Rio, e ele me chamou para chefiar a Redação da revista, que ia ser lançada. Isso foi em 1968. Um ano depois, fui ser correspondente da Veja em Nova York. Por isso até não sou testemunha dos anos mais difíceis que a imprensa passou sob a ditadura militar. Jornal da ABI — Em que função fez sua estréia no Globo, em 74?
Luiz Garcia — No início da década de 1950, os jornais eram muito mais veículos de projetos políticos do que de outra coisa e funcionavam com poucas pessoas. É difícil para o jornalista e o leitor de hoje imaginar. Uma edição completa da Tribuna da Imprensa saía com no máximo 18 páginas.
Luiz Garcia — Cheguei sem ter uma função definida, mas comecei como subeditor-chefe, que era um cargo que podia servir para tudo. Naquela época as Redações ainda não eram estruturadas por editorias. Então, um editor ou chefe de reportagem acumulava várias funções. No Globo, que era um jornal grande, havia um chefe de reportagem, Alves Pinheiro, que mandava no jornal inteiro. Somente mais tarde, talvez por influência da imprensa norte-americana e européia, é que os jornais passaram a funcionar com a segmentação das editorias, o que coincide também com o surgimento da Veja, que era subdividida por áreas de especialidades.
Luiz Garcia — Apesar da improvisação, naquele período já começava a se desenvolver a técnica de lide, que foi trazida ao Brasil por dois jornalistas brasileiros: o Lacerda, na Tribuna da Imprensa, onde quase não era notada por causa da linha editorial extremamente política, e o Pompeu de Souza, no Diário Carioca. Jornal da ABI — E quando acabou o estágio?
Jornal da ABI — Quais eram estes?
Luiz Garcia — Um era o Correio da Manhã, ligado à UDN, pela sua tradi-
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mento de anunciantes — do que simplesmente um instrumento de uma vontade política, que funcionava como auxiliar de uma atividade empresarial. Jornal da ABI — Esta foi a grande descoberta do empresariado da mídia no início dos anos 60?
Luiz Garcia — Exatamente. De repente se descobriu que o jornal podia ser uma grande empresa economicamente bem-organizada e que, quanto mais credibilidade tivesse juntamente ao leitor, mais iria faturar. Essa mudança de comportamento das empresas jornalísticas coincide com a conscientização da população em relação aos direitos do consumidor e os jornais perceberam que deveriam cumprir o papel de defensores desses direitos. Foi uma revolução na imprensa, porque diminuiu brutalmente o número de jornais. Os picaretas foram todos jogados no escaninho e os que buscavam a credibilidade começaram a ter vantagem, porque passaram a prestar um serviço social mais adequado. Esses foram os benefícios quando os empresários começaram a adquirir a consciência de que deveriam ser mais associados ao bem-estar das comunidades. Jornal da ABI — Esta linha de pensamento se mantém?
Luiz Garcia — O Globo pratica esses princípios há muitos anos e é próspero. Já o Jornal do Brasil, que deixou de agir dessa maneira, foi para o buraco com uma rapidez extraordinária.
“Qualquer denúncia é o ponto de partida de uma apuração e incorre em grave erro o jornalista que acha que resolve esse problema ouvindo os dois lados.”
Luiz Garcia — Fui contratado para a Reportagem Geral e, aos 25 anos, fui exercer a função de chefe de Redação. Não tinha experiência para exercer a função, mas essa bagunça era então uma característica dos jornais, que não eram empresarialmente organizados. Mesmo assim, circulavam no Rio cerca de 20 jornais diários. Fechava um, abria outro; e poucos foram aqueles de que a gente pode se orgulhar de terem dado uma grande contribuição à imprensa.
uma vigilância extrema para saber quando aceitar ou rejeitar uma informação, especialmente hoje, quando há tanto araponga por aí ganhando dinheiro vendendo matéria para jornal.
“O empreendedor descobriu que ganhava mais dinheiro fazendo do seu jornal um instrumento a serviço dos interesses dos leitores.”
Jornal da ABI — Era um procedimento comum?
Jornal da ABI — Mas um estreante conseguia aprender as técnicas do jornalismo?
fissional. O empreendedor descobriu que ganhava mais dinheiro fazendo do seu jornal um instrumento a serviço dos interesses dos leitores — que passariam a se multiplicar e a contribuir com o au-
Jornal da ABI — Qual foi o impacto dessa mudança na imprensa brasileira?
Luiz Garcia — Começava ali a despedida do caráter amadorístico que ela carregava desde o início. Quando comecei, a grande maioria dos periódicos brasileiros era a expressão das ambições dos seus donos. Falar no Estado de S. Paulo era se referir ao jornal dos Mesquita; no Globo, o veículo do Roberto Marinho; Última Hora, Samuel Wainer; e assim por diante. Com o desenvolvimento da imprensa em relação às suas comunidades, à indústria e à exigência dos leitores, tudo ficou mais pro-
Jornal da ABI — Recentemente, o senhor fez um alerta sobre as tentativas de manipulação dos meios de comunicação. Por quê?
Luiz Garcia — A tentativa de chantagem é muito fácil de acontecer. Uma pessoa chega e oferece dinheiro, em troca de uma vantagem qualquer. Mas fica mais complicado se aproximar do jornalista e ofertar uma notícia exclusiva, porque nesse caso o repórter, ou o colunista, não se sente ofendido nos seus escrúpulos e acaba cedendo em função de contar com uma informação privilegiada. Isto acontece sem que o profissional perceba que aquela nota exclusiva atende aos interesses espúrios do grupo A contra os do grupo B — e esse não é o papel do jornalista. Precisamos ter
Jornal da ABI — O Globo adotou algum mecanismo para se defender desse tipo de assédio?
Luiz Garcia — De uns tempos para cá, instituímos o seguinte: qualquer informação sensacional, espetacular, que chegue de graça à Redação deve ser encarada como ponto de partida de uma apuração e não como matéria pronta. É claro que, para a imprensa de modo geral, às vezes a notícia é tão saborosa que escapa. Alguns editores são mais rigorosos que outros e há os que acham que se deve publicar tudo, deixando o julgamento por conta do leitor. Eu sou da escola do maior rigor, pois entendo que qualquer denúncia é o ponto de partida de uma apuração e incorre em grave erro o jornalista que acha que resolve esse problema ouvindo os dois lados. Jornal da ABI — É preciso ir mais além?
Luiz Garcia — Com certeza, porque escutar os dois lados é necessário, mas nesse caso é a forma mais preguiçosa do mundo de fazer jornalismo. O repórter tem que ouvir as duas fontes, mas deverá apurar muito bem quem está com a verdade. Jornal da ABI — Essa seria então a melhor linha de ação para se fazer jornalismo investigativo sem riscos e medo de ameaças?
Luiz Garcia — Devemos resistir a intimidações até por questões de sobrevivência, mas é preciso também evitar as tentativas de preencher a publicação com acusações. O dever da imprensa é defender o interesse público quando este está em jogo e o fato é comprovado. Pois notícia é: alguém disse, nós fomos checar e é verdade. O direito à privacidade também deve ser respeitado. No Brasil, os políticos raramente envolvem os parentes na campanha eleitoral, ao contrário dos Estados Unidos. Lá, se o repórter descobre que o político que posava de chefe de família exemplar bate na mulher e chuta o cachorro, isso é notícia legítima, porque ele transformou a vida particular em domínio público. Jornal da ABI — O senhor se lembra de algum episódio ocorrido no Brasil?
Luiz Garcia — Todo mundo respeitou, com uma única exceção, o fato de que o Fernando Henrique Cardoso tem um filho com uma jornalista. Ninguém dava a notícia porque a moral pessoal do ex-Presidente nunca fez parte de seu capital para conquistar votos. Agora, quando o Itamar Franco apareceu de porre num desfile de escola de samba, que é público, a coisa foi diferente.
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Jornal da ABI Jornal da ABI — Quanto à questão da preservação da fonte, a repórter do New York Times que foi presa agiu certo?
autor, que acha que pode ser corretamente entendido por todo mundo.
Luiz Garcia — Ela está absolutamente correta e é muito curioso que isso tenha acontecido nos EUA, onde a liberdade de imprensa, de maneira geral, sempre foi respeitada. Esse caso mostrou que eles têm uma lei muito retrógrada e só teve grande repercussão porque a Judith Miller é famosa. Mas todo ano vários jornalistas vão para a cadeia por decisão judicial.
Jornal da ABI — O senhor sempre foi um bom redator?
Jornal da ABI — O que o senhor acha da decisão do Governo Bush de vetar um projeto de lei que protege o jornalista da obrigação de revelar as suas fontes?
Luiz Garcia — Está perfeitamente de acordo com a personalidade do Presidente dos EUA, que é autoritário e tenta controlar os meios de comunicação e a opinião pública. É um governo de direita no sentido mais clássico e antigo que eu conheço. Jornal da ABI — Ser articulista de um grande jornal fazia parte dos seus planos?
Luiz Garcia — Sempre fui muito tímido e, nos primeiros anos da minha formação profissional, era uma porcaria de repórter. Então, eu me refugiava no texto para compensar minhas deficiências na apuração.
Jornal da ABI — Em 1992 foi lançado o Manual de Redação e Estilo de O Globo, que o senhor ajudou a organizar. Ele é bem-utilizado no jornal?
Jornal da ABI — Ficou mais fácil escrever com o computador e a fotocomposição?
Luiz Garcia — As ferramentas acopladas à máquina, como dicionário e sites de pesquisa, ajudam o jornalista a escrever. Houve também uma mudança no estilo das matérias.
Luiz Garcia — Creio que sim. Ele foi criado para ajudar o jornalista a desenvolver seu próprio estilo e não para padronizar o estilo do jornal. No entanto, como numa grande Redação há um alto índice de rotatividade de profissionais, é difícil saber o grau de importância dado ao manual. Muita gente gosta e também sou procurado por advogados que recorrem ao manual para criar seus textos.
Jornal da ABI — Em que sentido?
Luiz Garcia — Antigamente, como a paginação não era uma arte exata, os
“Nos primeiros anos da minha formação profissional, era uma porcaria de repórter. Então, eu me refugiava no texto para compensar minhas deficiências na apuração.”
Luiz Garcia — Não, porque eu morro de medo da falta de assunto. Há muito eu faço a crítica diária do jornal, mas já estou pensando em deixar uma das duas coisas. Jornal da ABI — Por quê?
Luiz Garcia — Porque ando meio cansado. Mas fico na dúvida, porque o que me dá mais prazer é fazer o artigo, mas é na crítica do jornal que tenho mais leitores. Jornal da ABI — Suas críticas são bemrecebidas pelos colegas de redação?
Luiz Garcia — Sim, porque também faço elogios e, se erro, peço desculpas. Não sei de casos de irritação. Em geral, quem não gosta me fala e briga comigo e, no fim, fazemos as pazes.
Jornal da ABI — Numa entrevista, o senhor disse que “escrever é sempre um ato de presunção”. Por quê?
Luiz Garcia — Porque você presume uma capacidade de comunicação, que é uma coisa extremamente complicada. Às vezes, entendemos o significado de algumas palavras quando as pronunciamos. Quando as escutamos, porém, elas podem ser interpretadas de outra maneira. O valor de um texto está no receptor e não no emissor. Então, a idéia de escrever um artigo assinado é uma demonstração de presunção do
Jornal da ABI — Em que estágio se encontra o jornalismo brasileiro?
Luiz Garcia — No sentido da ética, melhorou, mas ainda apresenta alguns defeitos. Os veículos ainda não sabem administrar bem essa questão, não conseguiram superar os preconceitos que são da própria sociedade. Ao invés de reagir a eles, acabam absorvendo-os.
dados mais importantes não podiam ficar no pé da matéria, porque na oficina, se os textos estivessem estourando na página, o paginador os cortava e a compreensão da notícia podia ficar comprometida. Isso não existe mais. Hoje a tecnologia permite que você deixe para o fim o que o texto tem de mais surpreendente. Jornal da ABI — E como ficam o lide e o sublide?
Luiz Garcia — Hoje defino o lide como aquilo que faz o leitor continuar lendo. Há poucos anos, um jornal norteamericano fez uma experiência: durante 15 dias publicou uma página contando uma história escrita em quatro estilos diferentes. Somente o primeiro texto foi construído no da pirâmide invertida, com lide e sublide. Quando os leitores foram consultados, o formato tradicional ficou em terceiro lugar na sua preferência.
“Bush é autoritário e tenta controlar os meios de comunicação e a opinião pública. É um governo de direita no sentido mais clássico e antigo que eu conheço.”
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mação uniforme para uma profissão que lida com uma grande variedade de conhecimento. O modelo tradicional diminui a capacidade de se preparar profissionais que já viriam da universidade com um certo grau de especialização, ou seja, em História para a editoria de Política, ou em Ciência Natural para atuar no noticiário científico.
Jornal da ABI — Qual é a sua opinião sobre o ensino do Jornalismo nas universidades brasileiras?
Luiz Garcia — Imaginar que os jovens repórteres estão sendo bem treinados nas escolas de Jornalismo esconde uma armadilha, pois isso não é verdade. Aqui no Globo, abrimos a cada seis meses um concurso para estagiários e entre 350, apenas 15 conseguem ser classificados
Jornal da ABI — Na sua opinião, as CPIs dos Correios e do mensalão têm sido noticiadas com a devida isenção?
Luiz Garcia — A cobertura é boa, mas, como já disse, devido ao excesso de denúncias prontas que chegam às Repara o curso de trainee que criamos. Isso prova que o ensino do Jornalismo não é de alta qualidade. Inclusive, sofremos muito com a falta de pessoas de outras profissões na Redação.
“O ensino do Jornalismo não é de alta qualidade. Inclusive, sofremos muito com a falta de pessoas de outras profissões na Redação.”
Jornal da ABI — Como assim?
Luiz Garcia — Gente formada em História, Ciência Política e Literatura, por exemplo. É claro que 80% do corpo de uma redação devem ser montados com profissionais de formação jornalística básica, mas precisamos de ajuda nessa difícil tarefa de administrar, escolher e editar informações muito variadas. Jornal da ABI — O senhor é contra a exigência do diploma de Jornalismo?
Luiz Garcia — Sim, mas sou a favor da exigência de um diploma universitário e de maior competitividade entre as faculdades de Jornalismo, dando-lhes a liberdade de ter currículos diferenciados. Jornal da ABI — Por quê?
Luiz Garcia — Porque os veículos são obrigados a contratar pessoal com for-
dações, principalmente por causa de um mercado que se tornou altamente competitivo, nem sempre há tempo para administrar corretamente o fluxo de informações. As revistas semanais, por exemplo, ao mesmo tempo em que são autoras de grandes revelações, cometem muitas gafes, porque publicam quase integralmente as denúncias que recebem. Jornal da ABI — De que maneira essas gafes podem ser evitadas?
Luiz Garcia — É muito simples: é só tratar as denúncias como pautas e não como matérias prontas. Esse mecanismo de tirar do fato a informação e transformá-la em notícia nós conhecemos e executamos há muitos anos, com a melhor das intenções, mas ainda de forma deficiente. A sorte é que ainda não surgiu coisa melhor.
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Jornal da ABI DEPOIMENTO-2 Entrevista a Rodrigo Caixeta
FERNANDO BARBOSA LIMA
JORNALISMO COM CORAGEM É TER OPINIÃO Criador de vários programas de sucesso na história da televisão brasileira, Fernando relembra o início de sua trajetória no veículo, compara o telejornalismo atual com o que era feito antigamente e fala sobre a influência recebida do pai, Barbosa Lima Sobrinho. 14
Carioca do Leme, 72 anos de idade e 53 de carreira, Fernando Barbosa Lima é definitivamente um homem de televisão. Sua estréia no veículo teve início na TV Rio, na qual criou diversos programas de sucesso como o Sem censura, numa época em que as transmissões eram ainda em preto e branco. Foi autor também do Jornal de vanguarda, um dos mais premiados telejornais da história da televisão brasileira, e do Abertura, programa que desafiou o regime militar ao falar de política. Nesta entrevista, Fernando diz que telejornalismo não é feito de sensacionalismo e que a televisão precisa ser oxigenada pelas idéias dos jovens para não ficar cada vez mais idiota, fala do seu propósito de cultivar a memória histórica do Brasil e relembra de que forma o pai, Barbosa Lima Sobrinho, influenciou sua trajetória profissional.
Jornal da ABI — Como o senhor começou a militar no jornalismo?
Fer nando Barbosa Lima — Comecei a ernando trabalhar aos 19 anos, logo depois de servir o Exército, como desenhista na Standard Propaganda. De lá, fui para São Paulo, onde trabalhei em O Tempo, dirigido pelo grande jornalista Vladimir Sacchetta. Hoje o jornal não existe mais. Voltei para o Rio e criei uma produtora de TV chamada Esquire. Foi então que comecei a dirigir programas na antiga TV Rio, no Posto 6, na praia de Copacabana.
Jornal da ABI — Qual o fato do início de sua trajetória profissional que considera marcante?
Fer nando Barbosa Lima — Foi ter coernando nhecido o Carlos Alberto Lofller, na TV Rio, e trabalhado com ele. Juntos, realizamos muitos programas; por sorte, todos fizeram grande sucesso. Jornal da ABI — Um jornal paulistano que o entrevistou deu o seguinte título à matéria: “De TV, ele entende tudo”. Em que medida essa afirmação é verdadeira?
Fer nando Barbosa Lima — Eu comecei ernando
na televisão muito jovem, quando ela ainda era em preto e branco e não existia o videoteipe. Dirigindo programas e emissoras, passei por todas as fases da nossa TV. Hoje, vivo no mundo digital. Jornal da ABI — O senhor acumula experiências na direção das emissoras Excelsior, Manchete e Bandeirantes, além da Presidência da TVE por duas vezes. O que mais?
Fer nando Barbosa Lima — Na Globo, ernando realizei o Jornal de vanguarda e o Noite de gala. Depois, transformei a Esquire
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Jornal da ABI
Jornal da ABI — Com 21 anos, o senhor já era diretor do Preto no branco — atual Verdade, exibido pela TVE —, criação sua que trazia Oswaldo Sargentelli entrevistando personalidades na TV Rio. A que se deve a permanência deste programa no ar há tantos anos?
Fer nando Barbosa Lima — O Preto no ernando branco foi um programa único, feito ao vivo. Os outros, Advogado do diabo, A verdade e A voz do trovão, foram filhos do Preto no branco. O Sargentelli começou a trabalhar comigo no Preto no branco, lendo as perguntas. Sua voz é insubstituível. Jornal da ABI — O senhor é responsável pela criação de programas de TV com formatos importantes, como o Cara a cara (Band), Sem censura (TVE) e Abertura (Tupi), este considerado um programa moderno demais para a década de 70.
Fer nando Barbosa Lima — ernando O Cara a cara foi criado na Bandeirantes com a Marília Gabriela. Até hoje ela segue esse estilo de entrevista e faz sucesso, é uma ótima jornalista. O Sem censura foi criado na TVE e vive até hoje; mais de seis apresentadoras já passaram por ele. O Abertura foi um grande desafio à ditadura militar. Tinha apresentadores como o Villas-Bôas Corrêa, o Glauber Rocha, o João Saldanha, o Sérgio Cabral, Tarcísio Holanda, Antonio Callado, Vivi Nabuco, Marisa Raja Gabaglia, Oswaldo Sargentelli, Roberto D’Ávila. Foi quando a TV voltou a falar de política. Eu criei e pus no ar mais de cem séries de programas. Posso citar, por exemplo, Xingu, Conexão internacional, Persona, Diálogo e muitos outros. Jornal da ABI — Não esqueçamos o Jornal de vanguarda (TV Excelsior), premiado internacionalmente.
Fer nando Barbosa Lima — ernando O Jornal de vanguarda foi único. Imagine só oito a nove grandes jornalistas e apresentadores no estúdio, ao vivo, dando um verdadeiro show de notícias. Gente como Millôr (Fernandes), Sérgio Porto, Villas-Bôas Corrêa, Borjalo, Appe, Célio Moreira, João Saldanha, Cid Moreira, Luiz Jatobá, Tarcísio Holanda, Fernando Garcia, Newton Carlos etc. Acredito que ele seja o programa de TV mais premiado do Brasil.
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FOTOS: ARQUIVO PESSOAL
em agência de publicidade — ela chegou a ficar entre as dez maiores do Brasil. Trabalhei praticamente com todas as mídias.
Jornal da ABI — Como o senhor avalia as produções de telejornalismo atuais? O que mudaria e o que não mudaria nelas?
Fer nando Barbosa Lima — Acho que ernando telejornalismo não é só dar as manchetes ou fazer sensacionalismo. Jornalismo com coragem é ter opinião, discutir os grandes assuntos com o público, esclarecer com profundidade e mostrar, acima de tudo, a verdade. Jornal da ABI — O senhor diz que o caminho agora é a produção independente. Foi pensando nisso que criou sua própria produtora, a FBL Produções Artísticas?
Fer nando Barbosa Lima — Sou um ernando produtor independente há mais de 40 anos. Tive a Esquire, fui sócio da Intervídeo e agora toco a FBL Criação e Produção. Gosto de ter liberdade para criar. Jornal da ABI — Através da sua produtora, o senhor tem feito documentários sobre grandes personagens da história brasileira, como Tancredo Neves, Leonel Brizola e seu pai, Barbosa Lima So-
brinho. O que o motivou a fazer essas produções?
Fer nando Barbosa Lima — Nosso povo ernando não tem uma vasta memória histórica. Daí o meu projeto Os grandes brasileiros, que inclui distribuição dos DVDs para bibliotecas, universidades, escolas, centros culturais e jornais. Neste momento estou produzindo documentários sobre Ziraldo, Darcy Ribeiro e Sarney. Todos grandes brasileiros. Jornal da ABI — Falando em seu pai, em que ser filho de Barbosa Lima Sobrinho influenciou sua carreira?
Fer nando Barbosa Lima — ernando Influenciou muito. Ele sempre foi para mim um grande exemplo de dignidade, ética, honradez e cidadania. Ele me levou a gostar de livros e do Brasil. Ele me ensinou a respeitar todas as idéias, mesmo que não concordasse com elas. Foi um grande pai e amigo. Sinto grande orgulho dele.
Fernando Barbosa Lima com parceiros na criação e apresentação de ousados programas de televisão: Cláudio Pereira e Roberto D’Ávila, seus antigos sócios na produtora Intervídeo.
Barbosa Lima brinca com a neta de Fernando, Maria Paula: entre os dois, mais de 100 anos de diferença. À direita, Fernanda Montenegro grava para o DVD sobre Barbosa na série produzida por Fernando, a qual inclui Tancredo e Brizola.
Jornal da ABI — Qual a sua definição para Barbosa Lima Sobrinho?
Fer nando Barbosa Lima — Um homem ernando que sempre lutou por suas idéias arriscando tudo. Jornal da ABI — Em entrevista recente ao Jornal do Brasil, o senhor fala que “falta à televisão o fundamental: servir ao povo brasileiro”, pois ela está mais preocupada em vender uísque, bancos, automóveis, do que em melhorar o nível cultural do público. Como acha que isso pode ser mudado?
Fer nando Barbosa Lima — Só o Conernando gresso pode mudar. Um canal de TV é uma concessão pública. Daí ser importante ter consciência disso e saber que o interesse público é mais importante do que o interesse comercial. Jornal da ABI — Nessa mesma entrevista, o senhor falou que falta criatividade na TV. Como o senhor avalia essa onda de reality shows e programas copiados de emissoras estrangeiras?
Fer nando Barbosa Lima — Falta ernando criatividade porque as nossas emisso-
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Jornal da ABI ACONTECEU NA ABI
Barreto porá na tela os 100 anos da ABI mentário Dez anos de CDI. — Este documentário foi feito no Morro dos Macacos, mostrando o esforço do Comitê para Democratização da Informática, liderado por Rodrigo Baggio, para levar inclusão digital e social às camadas mais pobres – diz Barreto. As palestras de todo o mês de abril do Estação ABI foram assim definidas: No dia 4, Zelito Vianna fala da Mapa O produtor Luiz Carlos Barreto reFilmes e o cinema de autor. O cineasta divelou em 28 de março na ABI que vai rigiu Os condenados, Villa-Lobos - uma vida realizar um documentário histórico sode paixão e JK - uma bela noite para voar, bre o centenário da Casa, a ser comemoentre outros filmes. rado em 2008. O anúncio foi feito duNo dia 11, a produtora e diretora Alice rante a abertura do evento ABI pensa o Gonzaga discorre sobre o tema 75 anos cinema, primeiro ciclo de palestras do de Cinédia. Alice é filha de Ademar Projeto Estação ABI. O Diretor CultuGonzaga, criador da Cinédia, primeira ral da ABI, Jesus Chediak, que criou o iniciativa brasileira de implantação da formato de palestra-entrevista para o indústria cinematográfica no País. projeto, conta que todas as atrações do No dia 18, a convidada é a atriz e diEstação ABI serão registradas para a Barreto: chamado a depor sobre o processo retora Ana Maria Magalhães, que fala produção de um dvd. de produção e a estética do Cinema Novo. sobre A mulher no cinema nacional. Como — Depois de editado, esse material atriz, Ana Maria teve diversas passagens irá para o Centro de Referência do Jorpelo cinema — participou de Os sete gatinhos, Se segura, manalismo Cultural que vamos criar na ABI, vinculado à Bilandro, Lúcio Flavio, o passageiro da agonia e Como era gostoso blioteca Bastos Tigre. Estamos negociando ainda a exibio meu francês, entre outros. Como diretora, fez filmes como ção dessas entrevistas em emissoras comprometidas com Assaltaram a gramática, Mangueira do amanhã, O bebê e Lara. as atividades culturais que o projeto contempla. Essa é a No dia 25, a atriz Letícia Spiller — que atuou em O pulso, idéia. E o próprio Luiz Carlos Barreto poderá ser um parceiOriundi, Villa-Lobos e A paixão de Jacobina — encerra o ciclo ro importante. Vamos botar essa nau para funcionar, com ABI pensa o cinema com a palestra O ator no cinema nacional. ou sem vento. Todas as palestras do Estação ABI serão registradas em A palestra de Luiz Carlos Barreto, prevista para 20 de fita de áudio ou vídeo ou, ainda, com câmara digital — para abril, versará o tema O processo de produção e a estética do a produção de um dvd. (Cláudio Carneiro) Cinema Novo; na ocasião também será exibido o docu-
Maior produtor do cinema brasileiro, Luiz Carlos Barreto vai realizar um documentário histórico sobre o centenário da Casa. Fernando Barbosa Lima apóia suas inovações em forte cultura clássica. Aqui ele curte beirais e sobrados do Porto, Portugal.
ras não abrem suas portas para os jovens, gente com novas idéias, gente que pode oxigenar a TV, que fica, a cada dia, mais idiota. Jornal da ABI — Por que o senhor afirma que a TV não se renova?
Fer nando Barbosa Lima — Basta ligar ernando a sua televisão. Jornal da ABI — Quais são seus projetos?
Fer nando Barbosa Lima — Sempre ernando que possível, ajudar o Brasil e o nosso povo com uma televisão séria e comprometida. Jornal da ABI — O lançamento de O diário da Júlia marca sua estréia na literatura infantil. Esta é uma nova área de atuação?
Fer nando Barbosa Lima — O diário da ernando Júlia é um pequeno livro feito para as crianças. É a história de uma cadela labradora, a Júlia do título, tentando salvar sua dona. Foi uma ótima experiência. Fiz todos os desenhos e a direção de arte foi do grande artista Rui de Oliveira. O livro ficou bom e vendeu tudo. Jornal da ABI — O senhor já publicou outros livros?
Fer nando Barbosa Lima — Participei de ernando um livro, juntamente com o Gabriel Priolli Neto, sobre a TV e a ditadura militar. Agora, estou conversando com a Ediouro sobre um livro que conta a minha vida na televisão. Jornal da ABI — Qual a sua relação atual com a Associação Brasileira de Imprensa, instituição que seu pai presidiu por tantos anos?
Fer nando Barbosa Lima — No momenernando to, faço parte do Conselho Deliberativo da ABI, com Maurício Azêdo, atual Presidente da instituição. Quando entro na ABI, é como se entrasse numa das casas do meu pai.
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Um documentário sobre a vida de Saldanha O filme vai mostrar aventuras de João que poucos conhecem. Um documentário de título simples e conciso – João – vai revelar ao público a vida e as aventuras de João Saldanha, tema de um documentário que concentra a paixão de André Siqueira, autor do roteiro, Beto Macedo, que divide a direção com André, Maurizzio Grazi, italiano responsável pela fotografia, e Sancha Amback, que fez a trilha sonora de 174 e Madame Satã e agora vai fazer a de João. Algumas tomadas do filme foram feitas na ABI, onde foi entrevistado um antigo companheiro de Saldanha na Última Hora – Maurício Azêdo, Presidente da Casa. O projeto do longa-metragem nasceu em 2003, quando André começou a pesquisar a vida do jornalista, com a
autorização da família: – Sempre tive a impressão de que João Saldanha morreu sem o reconhecimento à altura de sua trajetória como técnico e comentarista esportivo. Em torno de sua figura há muitas confusões, muitas lendas, e com isso se cristalizou na imagem dele um quadro de abandono. Desde que foi levado pelo pai para ver uma eliminatória da Copa de 70 entre Brasil e Venezuela, André não esquece a figura de João Saldanha. – Eu tinha uns oito para nove anos de idade e me emocionei ao ouvir o Maracanã gritar o nome do João. Saí daquele partida impressionado com o que vi e ouvi. Daquele dia em diante, João Saldanha, cujo nome colei numa caixa de fósforos que ficava na minha cabeceira, virou o técnico do meu time de botão. Mais tarde, era inadmissível assistir a uma partida de futebol sem, nos intervalos, estar ligado no rádio para ouvir os comentários do João.
No fim dos anos 80, após a anistia, André Siqueira entrou para o Partido Comunista Brasileiro e se aproximou mais do jornalista, que foi militante e dirigente do PCB – “ele virou meu ídolo.” Agora tudo o que André quer é finalizar o documentário em julho. – Queria fazer o lançamento durante a Copa. Falar da vida do João Saldanha na linguagem do cinema é um trabalho difícil. O filme precisa estar próximo da altura do personagem, que tem histórias interessantes, além da sua ligação com o futebol. O filme pretende revelar essas outras facetas e reavivar lembranças para quem o conheceu: – A cada dia me surpreendo mais. A maioria das pessoas não sabe, por exemplo, que ele falava vários idiomas e escrevia sobre diversos assuntos. Em minhas pesquisas, encontrei vários artigos dele sobre arquitetura.
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Jornal da ABI ACONTECEU NA ABI
AO VIVO, OS ATORES DE JK Auditório é palco de gravação de cena da minissérie, que atrai o pessoal da Casa. O Auditório Oscar Guanabarino, situado no 9º andar do Edifício Herbert Moses, sede da ABI, serviu de locação para cenas da minissérie JK, exibida pela TV Globo. Participaram da gravação, em 3 de março, os atores José de Abreu (Carlos Lacerda), Paulo Goulart (Israel Pinheiro), Tadeu di Pietro (Lúcio Costa) e Domingos Meira (Sérgio Sá), além de 120 figurantes que compuseram o plenário da ABI. Na cena, Israel Pinheiro é convocado por Carlos Lacerda para prestar esclarecimentos aos jornalistas e deputados sobre os custos polêmicos da construção de Brasília. O diretor da gravação, Cristiano Marques, revelou que as cenas reproduziriam exatamente o que aconteceu no auditório da ABI naquele dia: –
Israel Pinheiro (Paulo Goulart, sem paletó) enfrenta Lacerda (José de Abreu) na cena dirigida por Cristiano Marques (à dir.).
Lacerda pressionava Israel o tempo todo para falar sobre o dinheiro usado na construção da nova capital do País e achava que nesse encontro ele seria condenado. No entanto, como será mostrado no ar, Israel deu a volta por cima. Israel Pinheiro foi o responsável pela
Comunique-se, nosso parceiro nos Cursos Livres Também a Rede Globo assegura apoio e divulgação ao projeto. A ABI fez uma parceria com o Portal Comunique-se, que passou a divulgar em suas páginas um banner anunciando os Cursos Livres de Jornalismo da Casa, programados para abril tendo como objetivo a qualificação de estudantes e profissionais. No primeiro semestre de 2006, serão realizados os cursos de Jornalismo Investigativo, Assessoria de Imprensa, Jornalismo Cultural e Jornalismo Ambiental, ministrados por professores que são também jornalistas e têm vasta experiência em suas áreas. A jornalista Anna Catharina Siqueira, Diretora de Operações do Comunique-se, disse que o anúncio vai ficar exposto no topo da página. Além disso, haverá uma chamada para os cursos no informativo enviado diariamente aos usuários do portal. Joseti Marques, Diretora de Jornalismo da ABI e responsável pelos cursos, convidou Anna Catharina para ministrar o cur-
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so de Jornalismo Digital na próxima programação de cursos da ABI: — Aceitei o convite, mas ainda é preciso acertar alguns detalhes. Informou Anna Catharina que não serão medidos esforços para apoiar a ABI e destacar sua atuação no meio jornalístico: — A atual gestão deu uma modernização na Casa. Hoje, ouve-se falar muito mais da ABI do que há alguns anos. E o nosso portal vai oferecer ainda mais visibilidade devido ao grande número de jornalistas cadastrados em nosso banco de dados. Além do Comunique-se, também a Central Globo de Comunicação assegurou colaboração aos Cursos Livres, como resultado dos entendimentos mantidos pela Diretora Joseti Marques com o Diretor da CGC, Luiz Erlanger. A Central doou 11 computadores à ABI, os quais permitirão a criação, em breve, de cursos de Jornalismo Digital e Jornalismo Gráfico. Erlanger disse que a Rede Globo tem especial interesse por esse projeto, por envolver formação de jornalistas e se tratar de iniciativa da ABI, entidade que deve ser prestigiada por quantos se preocupam com a liberdade de expressão.
obra de construção de Brasília. Em 1956, ainda como deputado federal, foi convidado pelo então Presidente Juscelino Kubitschek a assumir a Presidência da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil-Novacap. Após a inauguração do Distrito Federal, Israel foi nomeado por Juscelino
primeiro Prefeito de Brasília, cargo que assumiu em 7 de maio de 1960. As gravações terminaram na madrugada de sábado e foram cercadas de grande interesse dos funcionários da ABI, que exultaram com a oportunidade de ver de perto personagens que apareciam na telinha de terça a sexta-feira.
Obras sobre temas polêmicos na Biblioteca Bastos Tigre Obras de Paulo Henrique Amorim e Nilson Lage incorporadas ao acervo da Biblioteca da ABI. Paulo Henrique Amorim, com seu Plim-plim: a peleja de Brizola contra a fraude eleitoral, e Nilson Lage, com seu A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística, que se encontra na quinta edição, figuram entre os autores de obras que acabam de ser incorporadas ao acervo da Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre), por aquisição. Entre os novos volumes colocados à disposição dos sócios encontramse trabalhos recentíssimos, como AI5, de Hélio Contreiras, e Mídia controlada: a história da censura no Brasil e no mundo, de Sergio Mattos, ambos editados em 2005.
SÃO ESTES OS NOVOS TÍTULOS À DISPOSIÇÃO DOS LEITORES: 1. Abreu, Alzira Alves de, e Rocha, Dora, org. Elas ocuparam as redações: depoimentos ao CP DOC CPDOC DOC. Rio de Janeiro: FGV, 2006. 2. Alzer, Luiz André Brandão França. Almanaque anos 80 80. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. 3. Amorim, Paulo Henrique. Plim-plim: a peleja de Brizola contra a fraude eleitoral eleitoral. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005. 4. Contreiras, Hélio. AI-5 AI-5. Rio de Janeiro: Record, 2005. 5. Guirado, Maria Cecília. tagem: a ar te da Reportagem: arte Repor investigação investigação. São Paulo: Arte e Ciência, 2004. tagem: 6. Lage, Nilson. A repor reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Record, 2005. 7. Mattos, Sérgio. Mídia controlada: a história da censura no Brasil e no mundo mundo. São Paulo: Paulus, 2005.
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Jornal da ABI LIBERDADE DE IMPRENSA
DESRESPEITO
EM RORAIMA ATÉ O GOVERNO DO ESTADO É SILENCIADO
Destruída escultura de homenagem a Cláudio Abramo
A Anatel tirou do ar a emissora oficial, para atender, diz o Governador Ottomar de Souza (PSDB), ao interesse político do Senador Romero Jucá (PMDB). Em Roraima até o Governo do Estado está sujeito à censura dos que controlam o principal meio de comunicação com as populações do interior: o rádio. A denúncia foi formulada à ABI pelo Governador do Estado, Ottomar de Souza Pinto, que, no expediente GAB/GOV/OF. n° 035/06, de 28 de março, pediu a intervenção da Casa junto ao Ministro das Comunicações, Senador Hélio Costa (PMDB-MG), para que fossem liberados os transmissores da rádio do Governo estadual, lacrados por agentes da Agência Nacional de Telecomunicações-Anatel. Disse o Governador Ottomar de Souza Pinto em sua comunicação à ABI: “É com pesar que levo ao conhecimento de Vossa Senhoria a volta da censura à imprensa no Estado de Roraima em tempo de democracia e sob o patrocínio
Tropa do Exército que intervém no Rio agride jornalistas A ABI expressou no dia 8 de março seu protesto contra as violências de que foram vítimas por parte de soldados do Exército os jornalistas Daniel da Costa, Felipe Costa e Paulo Henrique Gomes, agredidos fisicamente e ofendidos com xingamentos na Rua Miguel Ângelo, no bairro do Jacaré, subúrbio do Rio, onde a tropa montara uma barreira. Os jornalistas voltavam de uma festa no Grajaú quando o Gol em que viajavam foi interceptado na barreira. Assim que eles desceram do carro e antes mesmo de serem revistados, receberam chutes dos soldados, que passaram a xingá-los quando eles declinaram sua condição de jornalistas. Depois, ameaçaramnos com mais violência e os mandaram calar a boca. Adiante, o grupo parou num posto de gasolina para comprar cigarros e ali os três jornalistas foram mais uma vez ofendidos por um suposto capitão que seria o comandante da tropa. A ABI reclamou a apuração do episódio e a punição dos militares agressores, integrantes da tropa que passou a agir em áreas populares da Cidade do Rio de Janeiro, em intervenção que em seu entendimento carece de embasamento constitucional, pois a Carta da República não legitima ações como essas em desenvolvimento no Rio, ainda que com o objetivo justo de recuperar bens de sua propriedade: fuzis subtraídos de uma unidade do Exército. Ademais, a tropa não é treinada para ações de caráter policial, como as que estavam em curso, e pode cometer tropelias contra a população, como as que vitimaram os três jornalistas. Com isso, há risco de indesejável dano à imagem do Exército junto à comunidade carioca.
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do Governo Federal, conforme pretendo demonstrar a seguir. Na última quarta-feira, dois agentes da Unidade Regional da Agência Nacional de Telecomunicações-Anatel em Boa Vista, a capital de Roraima, lacraram os transmissores da rádio do Governo estadual. Os fiscais da Anatel cumpriram “determinação do Senhor Secretário de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações” e não apresentaram qualquer motivo plausível para tirar a emissora do ar. A Rádio Roraima AM é a única rádio de comunicação que chega a todo o Estado. Portanto, único meio de informação das populações que vivem isoladas em meio à floresta amazônica, nos mais longínquos rincões. O Governo de Roraima entende que
os maiores prejudicados são os moradores do interior do Estado e cobra do Ministério das Comunicações uma justificativa, sob pena de perdurarem suspeitas de cunho político partidário. Como se sabe, o Ministro das Comunicações, Hélio Costa, é do mesmo partido do Senador Romero Jucá, o PMDB. O Senador é pré-candidato ao Governo de Roraima contra o atual Governador Ottomar de Souza Pinto, do PSDB.” No último parágrafo de seu ofício, o Governador Ottomar pediu que a ABI intercedesse junto ao Ministro Hélio Costa para que a Rádio Difusora de Roraima AM voltasse ao ar. Com esse fim a ABI telegrafou ao Ministro Hélio Costa, que não respondeu à mensagem nem sequer acusou o seu recebimento.
México elimina prisão por delito de imprensa Abusos na liberdade de expressão devem sofrer sanções apenas na esfera cível. A Comissão de Justiça e Direitos Humanos da Câmara dos Deputados do México decidiu excluir do Código Penal do país as disposições que puniam jornalistas por crimes de injúria, calúnia e difamação, as quais poderão ser objeto de sanção apenas de caráter civil, sem impor privação da liberdade aos jornalistas no caso de abusos no exercício da liberdade de informação e de expressão. Com esse fim, a Comissão propôs a revogação de nada menos de 14 artigos do Código Penal Federal – os de números 350 a 363 – e a inclusão de seis parágrafos no artigo 1.916 do Código Civil Federal, para regular os procedimentos a serem adotados, na esfera cível, nos excessos cometidos por um comunicador ou qualquer outra pessoa no exercício da liberdade de expressão. Autor do projeto de revogação dessas disposições do Código Penal, o Deputado José Antonio Cabello Gil, da bancada do Partido Ação Nacional, justificou sua proposição assinalando que é reconhecido internacionalmente que a proteção à
honra e à reputação deve ser garantida somente através de sanções civis, e jamais pela via penal. “Os lugares onde ainda existem casos de denúncias penais por difamação e calúnia por divulgação de temas de interesse público – disse Cabello Gil – são reflexo da velha doutrina que considera que os cidadãos não devem criticar os seus governantes.” Constituído na Câmara dos Deputados, o Grupo de Trabalho de Acompanhamento de Agressões a Jornalistas e Meios de Comunicação declarou que o exercício da atividade jornalística é uma das profissões de maior risco em vários Estados do México, tantas são as ameaças e agressões registradas pelos organismos de defesa dos direitos humanos (ver quadro). Entre essas violências figuram 19 homicídios que abateram jornalistas nos últimos seis anos. Apesar dessas violências, concluiu o Grupo de Trabalho, as restrições legais existentes são o principal obstáculo institucional para o pleno e efetivo reconhecimento da liberdade de expressão e informação.
Uma série de equívocos remove da praça com o nome dele a lápide que exalta sua obra. Alertada pelo jornalista Raul Martins Bastos, associado morador na capital paulista, a ABI pediu no princípio de março ao então Prefeito José Serra que mandasse apurar os atos de vandalismo praticados contra uma escultura em homenagem a Cláudio Abramo existente na praça pública do bairro de Pinheiros que tem o nome do jornalista, responsável pelas reformas editoriais dos dois principais jornais de São Paulo, o Estado e a Folha, e destacado cronista e articulista da Folha. A violência contra a escultura – uma pedra com inscrição em homenagem a Abramo – começou com o equívoco de uma moradora do número 414 da Rua Itália, próxima à Praça Cláudio Abramo, a qual pediu a empregados da Construtora Marquise S.A., que trabalhavam nas imediações, que retirassem a pedra de granito, danificada por um acidente automobilístico. Sem noção de que se tratava de uma escultura, os operários quebraram a pedra em pedaços pequenos. Restou, porém, um pedaço maior, que desapareceu. Na investigação realizada por determinação do Prefeito José Serra, a Subprefeitura de Pinheiros esclareceu a participação no incidente da empresa Dória Associados, de propriedade do publicitário João Dória Júnior, que mantinha termo de cooperação com a Prefeitura para conservação da Praça Cláudio Abramo. É que, após a destruição da escultura, a empresa de Dória promoveu a colocação de outra obra de arte na praça, sem atentar que o vazio existente resultara da destruição da peça em homenagem a Abramo. Em e-mail à Subprefeitura de Pinheiros, que cobrara esclarecimentos sobre sua intervenção na Praça, Dória Júnior negou que tivesse qualquer envolvimento com a remoção da escultura, mas reconheceu que mandou pôr outra obra de arte no local sem obedecer às normas da Prefeitura e, também, sem consultá-la acerca da situação da Praça. Até o fim de março a Prefeitura adotava providências no âmbito da Secretaria Municipal de Cultura para o restabelecimento da homenagem a Cláudio Abramo.
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Jornal da ABI J.BATISTA
REIVINDICAÇÃO
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ceió, de um congresso nacional de jornalistas que deflagrou o processo de mudança. À frente dessa luta estava o então Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Alagoas, Freitas Neto, correspondente de O Estado de S. Paulo e que faleceria no fim dos anos 90 num acidente de aviação em Cuba. “Freitinhas, como o chamávamos, foi decisivo naquele movimento”, lembrou Aldo Rebelo. “Eram “Eu próprio muito devo à ABI”, disse o Presidente da Câmara, Aldo Rebelo, ao receber Maurício e Tarcísio. tempos ásperos, a ponto de termos sido ameaçados de prisão se elegêssemos para o Diretório Central dos Estudantes-DCE da Universidade Federal de Alagoas uma chapa só com estudantes de esquerda e adversários da ditadura. Tivemos então a sensibilidade de recuar, oferecendo a cabeça da chapa a um representante da direita e assegurando a maioria para nossas correntes. Com isso escapamos da prisão coletiva com que nos ameaçavam”, contou Rebelo, lembrando que o candidato original à Presidência do DCE pelo grupo progressista era um jovem acadêmico de Direito: Renan Calheiros, que, em nome da liberdade do grupo, concordou com a retirada de sua candidatura. Rebelo informou que iria pleitear da Ministra Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Dilma Rousseff, a concessão de uma audiência para expor a postulação da ABI, instituição que no seu entender deve merecer respeito do Poder Público, pois o Brasil muito deve à Casa, por sua participação nas grandes causas nacionais, como a campanha o Instituto Histórico e Geográfico Bratado sem respeito à contribuição que “O petróleo é nosso”, e a luta pela ressileiro e a Academia Brasileira de Letras. prestou e presta à vida nacional”, disse tauração do Estado de Direito. “O Instituto Histórico e Geográfico é a o Senador. “Eu próprio muito devo à ABI, pois mais antiga instituição cultural do País, O Presidente da Câmara, Deputado era Presidente da União Nacional dos fundado que foi ainda no governo do ImAldo Rebelo, lembrou aos representanEstudantes na época do atentado terroperador Dom Pedro II, e não pode ser trates da ABI que é também jornalista prorista do Riocentro, em 1980, e foi a ABI fissional e que acompanha as atividades que acolheu a Une, em seu auditório, pada Casa desde o seu tempo de vida acara um ato público de protesto contra a dêmica, em Maceió, Alagoas. “Uma das violência terrorista”, disse o Presidente minhas grandes alegrias como estudanda Câmara. te, no fim dos anos 70, foi ter recebido O Deputado Francisco Dorneles (PP-RJ) expressou à Diretoria da ABI seu apoio ao Também o Presidente do Senado exda ABI um pedido de remessa de exemrestabelecimento do registro de entidade beneficente de assistência social de que a pressou o seu apoio à postulação da ABI plar do jornalzinho acadêmico que eu enentidade usufruiu até 1994 e que foi cancelado pelo Conselho Nacional de Assistência e seu empenho em submeter a questão tão editava, o Boca do Povo, para integrar Social-CNAS. Dorneles comunicou sua decisão ao visitar a sede da ABI em companhia à Ministra Dilma Rouseff e ao Ministro o acervo de periódicos da Biblioteca da do Deputado federal Vanderlei Assis (PP-SP), que já discursou sobre o problema na Câmara em dezembro passado. do Desenvolvimento Social e Combate ABI. Para mim, muito moço, aquele pediDurante o encontro, em 10 de março, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, à Fome, Deputado Patrus Ananias, ao do da ABI era um título de honra”, disse. entregou aos dois parlamentares o texto do pedido de reconsideração da negativa da qual está vinculado o Conselho Nacional Aldo Rebelo relembrou também que concessão do registro, feito pela ABI ao Conselho Nacional de Assistência Social. O de Assistência Social, órgão de que emaesse momento da sua vida universitáPresidente da ABI mostrou a Dorneles o absurdo da alegação apresentada pelo CNAS, nou a decisão adversa à ABI. ria coincidiu com a movimentação de segundo o qual a Casa só poderia ser considerada entidade beneficente de assistência Além de determinar a conclusão do membros da ABI e de segmentos da casocial se atendesse a todas as pessoas em “situação de vulnerabilidade”. — Isto significa estudo jurídico que encomendaria a sua tegoria profissional para sanear o movi— disse Maurício — que a ABI teria de atender a milhões de pessoas em situação de assessoria em atenção a apelo feito anvulnerabilidade na cidade e no Estado do Rio de Janeiro. mento sindical dos jornalistas, então doDorneles revelou também sua disposição de, além de expor a questão na tribuna teriormente pela ABI, o Senador Renan minado por setores direitistas e pelegos da Câmara, solicitar uma audiência com o Ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Calheiros recomendou ao seu Gabinete acumpliciados com o regime. Um dos Ananias, para expor-lhe de viva voz o pleito da ABI, cujo papel na vida nacional e nas que agendasse audiência com os dois marcos da virada na representação singrandes causas de interesse do País foi por ele realçado. ministros, para exposição da matéria. dical foi a realização em 1978, em Ma-
Presidente do Senado Federal, Senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), e o Senador José Sarney (PMDB-AP) manifestaram no dia 22 de março sua disposição de apoiar os esforços da ABI para o restabelecimento de seu registro como entidade beneficente de assistência social, cassado pelo Conselho Nacional de Assistência Social. Com base na sonegação desse registro, o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS lançou a débito da ABI, retroativamente, o correspondente a cinco anos de contribuição previdenciária patronal, num montante que alcança agora valor superior a R$ 3 milhões. A decisão dos parlamentares foi anunciada em audiências que, em momentos diferentes, os três concederam a uma delegação de dirigentes da ABI, representada pelo Presidente e Vice-Presidente da Casa, Maurício Azêdo e Audálio Dantas, e pelo jornalista Tarcísio Holanda, associado da ABI e membro do Comitê de Imprensa do Senado. Da audiência com o Senador José Sarney participou o Senador Roberto Saturnino (PT-RJ), que salientou a importância da contribuição da ABI ao aperfeiçoamento das instituições democráticas no País e à defesa do patrimônio e das riquezas nacionais. Na audiência, o Senador José Sarney fez questão de frisar que iniciou sua vida profissional como jornalista e que é detentor do número 1 no registro da categoria profissional em seu Estado, o Maranhão. “Orgulho-me de integrar uma geração valorosa de jornalistas, muitos dos quais se transferiram para o Rio de Janeiro e obtiveram especial relevo no meio profissional e na vida cultural, como Ferreira Gullar, Lago Burnett, José Bandeira Filho e Joaquim Campelo, entre outros”, disse o Senador. Sarney revelou que pediria à sua assessoria a realização de um estudo jurídico de matéria, a fim de assegurar eficácia à sua intervenção e, também, estender o alcance da decisão a duas outras instituições que estão sendo afetadas por ações de órgãos da União, como
Renan, Aldo e Sarney ouvem a ABI
Delegação de dirigentes da instituição foi a Brasília pedir o restabelecimento de seu registro de entidade beneficente, cassado pelo Conselho Nacional de Assistência Social.
Assis traz apoio de Dorneles
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Jornal da ABI DIREITOS HUMANOS
Comenda foi entregue ao filho Candinho, funcionário da ABI, em cerimônia no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro.
ARQUIVO PESSOAL
Medalha Chico Mendes para João Cândido
A ABI recebe mais uma denúncia de morte de eletricitário da empresa mineira e uma série de irregularidades que não são fiscalizadas pela Aneel.
João Cândido: mais uma vez recebe justiça, que começou depois que Edmar Morel fez sua biografia.
O funcionário da ABI Adalberto do Nascimento Cândido, 68 anos, foi o protagonista do momento mais emocionante da cerimônia de entrega da 18ª Medalha Chico Mendes de Resistência, realizada no dia 31 de março no auditório do Arquivo Nacional, no Centro do Rio. A medalha foi instituída pelo Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro e é atribuída por um colegiado integrado por entidades representativas da sociedade civil, entre as quais a ABI. Ao receber a homenagem prestada a seu pai, o marinheiro João Cândido, líder da Revolta da Chibata, de 1910, que passou à História como o Almirante Negro, Candinho, como é chamado, começou a agradecer com um texto decorado, mas foi dominado pela emoção e teve de recorrer à anotação que redigira. Também emocionada, a platéia — que lotou o auditório — aplaudiuo de pé e entoou em coro os versos da canção O mestre-sala dos mares, de João Bosco e Aldir Blanc, um dos grandes sucessos da cantora Elis Regina, que celebra a iniciativa histórica de João Cândido: “(...) Salve o navegante negro/que tem por monumento/as pedras pisadas do cais”. A Medalha concedida a João Cândido foi entregue pelo Presidente do Conselho Deliberativo da ABI, Ivan Cavalcanti Proença. Também presente à solenidade, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, entregou a Medalha concedida ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra de Pernambuco. Outro momento de grande emoção da cerimônia foi o da entrega da Medalha à líder indígena chilena Juana Calfunao Paillalef, que revelou que ela e sua irmã Ana Luiza, após terem sido incriminadas sob a acusação de “desordem na via pública e ameaças a carabineiros em serviço”, foram espancadas,
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Mais um acidente fatal na Cemig
expulsas de suas casas e mantidas numa delegacia, sendo libertadas quando chegou ao Chile a notícia da homenagem do Grupo Tortura Nunca Mais do Brasil. Também foram entregues Medalhas em homenagem ao falecido cronista esportivo e membro do Partido Comunista Brasileiro João Saldanha; a Cléa Lopes de Moraes, 81 anos, que teve a filha assassinada pela ditadura e é fundadora do Grupo Tortura Nunca Mais; e à também octogenária Erica Bayer Toth, assistente social que se dedicou a ajudar os perseguidos políticos durante o regime militar. Da lista de agraciados constam também Frei Xavier Jean Marie Plassat, coordenador da Campanha contra o Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra; Hélio Bicudo, Presidente da Fundação Interamericana de Defesa de Direitos Humanos; Mônica Cunha, do Movimento de Mães pela Garantia dos Direitos dos Adolescentes no Sistema SócioEducativo (Degase), mais conhecido como Movimento Moleque, criado em 2003; Marcos Nonato Fonseca, membro da Ação Libertadora Nacional (ALN, criada em 1967) que foi morto com mais três companheiros por agentes do regime militar, após denúncia em São Paulo; e Kleber Lemos da Silva, militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) que participou do movimento estudantil e desapareceu na guerrilha do Araguaia em junho de 1972. A Medalha Chico Mendes de Resistência foi criada pelo Grupo Tortura Nunca Mais em 1989, para honrar pessoas e entidades que se destacam na luta contra as violações dos direitos humanos no Brasil e no mundo. Desde então, anualmente pessoas e entidades de setores diversos são homenageadas, após terem sido escolhidas em reuniões abertas.
O Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais-Sindieletro-MG denunciou à ABI mais um acidente de trabalho envolvendo um funcionário da Companhia Energética de Minas GeraisCemig. O Sindicato voltou a alertar também que as irregularidades na empresa são ignoradas pela Agência Nacional de Energia Elétrica-Aneel. Em 26 de fevereiro, o eletricista David Gomes, de 49 anos, não resistiu às conseqüências de um acidente ocorrido seis dias antes — ele foi eletrocutado quando trabalhava numa rede trifásica em Santo Antônio do Amparo, no Sul do Estado. A mulher do operário denunciou que ele se queixava do excesso de horas extras, à noite e nos fins de semana. Coincidentemente, na semana do acidente, trabalhadores daquela região enviaram a seguinte denúncia ao Sindieletro: “Amigos, estamos enfrentando uma difícil jornada de trabalho. Somos só
quatro eletricistas para uma área muito grande. Estamos exaustos, fazemos quase todo dia 12 horas de trabalho. Além disso, a cidade de Estrela do Indaiá irá medir o índice de satisfação do cliente. Olhem só o que está acontecendo: a Cemig mandou para lá o ‘Cemig na praça’ e o engenheiro para iludir o consumidor. Enquanto estamos no sufoco aqui, outras duplas estão indo para Estrela para manipular, mais uma vez, esta pesquisa.” Em ofício enviado à ABI, o Coordenador-Geral do Sindicato, Marcelo Correia de Moura Baptista, lembra que desde que a empresa criou o programa Acidente Zero — em fevereiro de 2004 — 15 trabalhadores morreram em acidentes de trabalho, o que, segundo ele, comprova o fracasso da iniciativa. Ainda segundo o sindicalista, a Cemig ameaça seus trabalhadores com punições para evitar o vazamento de notícias sobre acidentes e faz grandes investimentos em campanhas de marketing para iludir a opinião pública.
DILIGÊNCIA APURA GRAMPO NA REDE GAZETA A ABI participou da diligência efetuada em Vitória, em 17 de março, pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, para apurar denúncias de violação das liberdades individuais no exercício das atividades jornalísticas pela Rede Gazeta de Televisão, cujos telefones foram ilegalmente grampeados por autoridades policiais do Estado. A ABI foi representada pelo jornalista José Ângelo da Silva Fernandes, Presidente da Associação EspíritoSantense de Imprensa. Integrada pela ABI e pelos representantes do Ministério Público Federal, Procuradoras Ela Wiecko Volkmer de Castilho, do Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Justiça do Brasil, e Ivana Farina Navarrete Pena, e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Deputada
Irini Lopes, a delegação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana ouviu a Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Espírito Santo, Suzana Tatagiba, e o Diretor-Geral da Rede Gazeta, Carlos Fernando Lindenberg, além de autoridades. Após a tomada de depoimentos, a comissão considerou necessário proceder a nova diligência no Estado, em face de contradições entre depoimentos tomados. Além de procuradores da República no Espírito Santo, a comissão ouviu o Secretário de Estado de Segurança, Evaldo França Martinelli, e delegados de Polícia que atuaram no caso sob investigação, o Procurador Marcelo Zenkner, do Ministério Público Estadual, e o Desembargador Pedro Valls Feu Rosa, do Tribunal de Justiça do Estado.
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Jornal da ABI DIREITOS HUMANOS
Reparação moral para mais 19 vítimas da ditadura Comissão defere processos, seis deles relativos a presos políticos falecidos
ARQUIVO PESSOAL
Em reunião realizada em 28 de março, a Comissão Especial de Reparação da Secretaria de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro aprovou os pedidos de indenização formulados por 19 vítimas de prisão e torturas físicas e psíquicas em dependências estaduais durante a ditadura militar. A Comissão indeferiu sete dos requerimentos apresentados, dois deles em grau de recurso. Dentre os pedidos aprovados seis referem-se a requerentes já falecidos, como a antiga líder sindical de alfaia-
Edmilson Valentim (PCdoB) e Chico tes e costureiras do antigo Estado da Alencar, atualmente deputado fedeGuanabara, Maria Segóvia Jacobsen, ral e no Psol. A Lei previa que a indeque foi destacada militante do Parnização variaria de R$ 5 mil a R$ 50 tido Comunista Brasileiro. Dentre os mil, mas a Comissão propôs que se demais requerimentos deferidos fifixasse um valor único nessa faixa, guram os dos Professores Daniel dado o constrangimento de se avaliAarão Reis Filho e Joel Rufino dos ar monetariamente a Santos e do jornalista extensão das lesões soMaurício Azêdo, Prefridas pelos requerensidente da ABI. tes durante sua prisão. Como registrado Por proposta da Coem edições anteriores missão, o Governo do do Jornal da ABI, a reEstado estabeleceu em paração moral por paR$ 20 mil o valor da redecimentos em depenparação, que até mardências estaduais por ço só fora paga a 140 remotivo político foi insquerentes, dos mais de tituída pela Lei nº 700 que postularam a 3.744, de 21 de dezemindenização. Ao lado, bro de 2001, de autoa lista dos processos ria dos Deputados Joel Rufino: reparação após Carlos Minc (PT), prisão, tortura e exílio. apreciados.
DEFERIDOS Antônio Rogério Garcia Silveira Carlos Monteiro Valente (Falecido) Daniel Aarão Reis Filho Evelyn Eisenstein Generino Teotônio de Luna (Falecido) Geraldo Barreto da Silva (Falecido) Gilson Ribeiro da Silva Joel Rufino dos Santos Laerte Rezende Bastos Manoel Alves Albertino (Falecido) Maria de Lourdes Lemos Brito de Menezes Maria Segovia Jacobsen (Falecido) Maria Valderez Sarmento Coelho da Paz Neuza Maria de Souza Netto Ladeira Nilo Sérgio de Menezes Macedo Oscar Maurício de Lima Azêdo Sílvia Maria Rodrigues Leite Vânia Amoretty Abrantes Waldir Albuquerque (Falecido)
INDEFERIDOS Euclides da Silva Marinho Ignácio José Gama Medeiros (Falecido) João Polycarpo de Lyra (Falecido) Maurício de Azevedo (Recurso) Nestor Cozetti Marinho (Recurso) Procópio de Alencar (Falecido) Waldir Nunes Escobar
TRABALHO Por Cláudio Carneiro
O dia de uma função que está sucumbindo O calendário registra a existência do Dia do Revisor, mas só o dia resiste; este desapareceu. Em 28 de março, a imprensa brasileira comemora o Dia do Revisor e do Diagramador. As duas atividades jornalísticas, regulamentadas pelo Decreto-lei 972, de 17/10/1969, que define o exercício da profissão de jornalista, são consideradas importantes e intimamente ligadas ao jornal. Mesmo com o avanço das técnicas e o planejamento de página feito com o auxílio do computador, a diagramação não sofreu maiores perdas, mas os revisores não têm muito o que comemorar, uma vez que a função — que deu emprego a Machado de Assis, Graciliano Ramos, Quintino Bocaiuva e Orestes Barbosa — está sucumbindo diante da velocidade industrial imposta pelas Redações, que obriga redatores e repórteres a revisar o próprio texto. Revisor do Globo, 56 anos, Manuel Corgo já trabalhou no Correio da Manhã, na Última Hora e na Revista Marítima Brasileira e avalia que a atividade sofreu com os avanços: — Atualmente, a revisão é feita diretamente no micro. Até então, as composições eram feitas em fitas perfuradas e impressas por computador. Mais para trás, as correções eram marcadas manualmente em provas impressas das composições feitas em linotipo, sempre de péssima qualidade, com a tin-
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ta ainda meio fresca. Apesar disso, a tecnologia não tornou o trabalho menos importante. Qualquer trabalho escrito necessita ser revisto, pelo próprio autor ou por outro. Independentemente de ser feito no computador ou manuscrito.
Corgo admite, no entanto, que o mercado para o revisor encolheu e que essa é a tendência: — Agora a versão final do texto é do próprio autor. Não existe mais a composição do linotipista ou do digitador. Conseqüentemente, foram
eliminados os erros do compositor. É com pena do leitor que reconheço que esta é uma atividade em extinção. Não existe escola de formação de revisor e os últimos bons profissionais estão sumindo do mercado.
O diagramador sobrevive
Luiz Carlos Chester: Diagramação não acabou; mudou do tempo do chumbo para o do computador.
Já o diagramador Luiz Carlos de Oliveira, o Chester, de 58 anos, acha que seu trabalho só foi facilitado pelas novas tecnologias e destaca que nos dias de hoje é impossível “estourar” uma matéria com os recursos disponíveis: — Comecei diagramando no papel. O computador facilitou tudo. Jamais pensei que uma máquina fosse substituir o lápis: o mouse fez isso. Mas a tecnologia nos ajudou muito. Antigamente, havia dois riscos: ou “estourava” (a matéria ultrapassava o espaço reservado para ela) ou “dava buraco” (faltava matéria para ocupar o espaço). Com passagens por jornais como O Globo, Última Hora, Luta Democrática, Gazeta de Notícias, O Dia, Folha Dirigida e Estadão, Chester lembra que a Bloch Editores foi a primeira empresa a utilizar a computação gráfica em suas edições. Ele afirma que o mercado para o diagramador não encolheu: — Ninguém perdeu o emprego. Todos se adaptaram e estão trabalhando. Eu mesmo comecei no chumbo (linotipo), passei pelo papel (composer) e terminei no computador. Que eu saiba, ninguém perdeu trabalhos com essas mudanças. Sobre o futuro da profissão, Chester é otimista. Para ele, os periódicos semanais, quinzenais e mensais até poderão usar o expediente de editar e diagramar ao mesmo tempo, “mas no jornalismo diário, com a pressão do horário de fechamento, não tem pra ninguém”.
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Jornal da ABI VIDAS AGÊNCIA GLOBO
JOSÉ CARLOS REGO
fazia feroz oposição e lhe impôs neste caso uma derrota política de grande repercussão. José Carlos Rego era membro do Conselho Deliberativo da ABI e do Conselho Superior de Música Popular do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro e integrou em caráter permanente o júri do concurso Estandarte de Ouro do jornal O Globo desde a sua instituição, em 1972. Seu nome não foi citado entre os 13 jurados do Estandarte do Carnaval 2006 (O Globo, Caderno Especial Carnaval 2006, página 21, 1 de março de 2006) presumivelmente por ausência motivada pelo problema de saúde que o levou à internação. José Carlos deixou viúva, dois filhos e uma neta. (Maurício Azêdo)
“Ele sabia que estava chegando a sua hora”
Um amante da cultura popular Membro do Conselho Deliberativo da ABI, ele se destacou como estudioso da cultura popular do Rio e especialmente das escolas de samba
A
migos e companheiros do jornalista José Carlos Rego participaram em 5 de março da cerimônia de seu sepultamento no cemitério Jardim da Saudade, na Zona Oeste do Rio. Entre os presentes à cerimônia estavam os jornalistas Adail, Lênin Novaes, Maurício Azêdo, Presidente da ABI, Oriovaldo Rangel, Sílvio Paixão, exPresidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro, e Zilmar Basílio, o compositor Dalmo Castelo e a escritora e pesquisadora de música popular Marília Trindade Barbosa. José Carlos faleceu na véspera de acidente vascular cerebral que o acometeu na Quarta-Feira de Cinzas, o qual provocou logo a sua morte cerebral. Fluminense de Miracema, 70 anos, José Carlos Rego começou sua carreira em 1957 no diário Imprensa Popular, órgão do Partido Comunista Brasileiro-PCB, e nesse mesmo ano se transferiu para a Última Hora, onde se destacou como repórter de Geral e de cober-
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tura da cidade e da vida cultural do Rio, especialmente da música popular e das escolas de samba. Em 1994, lançou o livro A dança do samba, em que discorre sobre as formas coreográficas desse gênero musical com fina capacidade de descrição e análise. A obra é considerada um clássico do tema. Torcedor do Vasco da Gama, José Carlos era também apaixonado pela escola de samba Império Serrano, sobre a qual fez pesquisas de caráter antropológico que não chegou a expor em livro, como a de que a agremiação se formou e cresceu em torno das relações de casamento e parentesco sangüíneo e afim entre as famílias Santos e Oliveira, envolvendo mais de 250 integrantes de ambas. Seu amor à Império Serrano não impediu que, sobretudo a partir dos anos 60, divulgasse as demais escolas de samba, contribuindo para que estas se projetassem e alcançassem o fastígio que agora exibem. Um dos seus parceiros nessa obra foi o jornalista Waldinar Ranulfo, também repórter de Última Hora e já
falecido, que se celebrizou na cobertura das escolas de samba com o pseudônimo Meu Sinhô. Como repórter, um dos trabalhos mais rumorosos de José Carlos Rego foi a reportagem que fez no começo dos anos 60 com o jovem delinqüente Manguito, matador do também jovem Odylo Costa Neto, filho do escritor Odylo Costa Filho, jornalista responsável pelo começo da famosa reforma do Jornal do Brasil nos anos 50 e membro da Academia Brasileira de Letras. O então Governador Carlos Lacerda lançou toda a Polícia no encalço do matador do rapaz, transformando sua prisão numa questão de honra. José Carlos localizou Manguito e o levou para a Redação da Última Hora, que deu manchete com o assunto, estampou gigantesca foto do matador e declarou que ele estava à disposição do Governador, ao qual seria entregue com a condição de que não sofresse violências e fosse colocado sob a proteção da Justiça. O episódio deixou Lacerda furioso: Última Hora lhe
Numeroso grupo de associados da ABI assistiu em 10 de março à missa de sétimo dia em intenção da alma de José Carlos, oficiada na Igreja de Santa Luzia, onde a ABI realiza tradicionalmente seus atos religiosos. Entre os presentes encontravam-se os jornalistas Antônio Carlos de Carvalho; Antônio Nery; Araquém Moura Roulien; Jesus Soares Antunes, Presidente do Conselho Fiscal da ABI; João Duque Estrada Meyer; José Rezende; Maurício Azêdo, Presidente da ABI; Maurílio Cândido Ferreira; e Zilmar Borges Basílio. Após a missa, a jornalista Zilmar Borges Basílio distribuiu cópias do texto do perfil de José Carlos Rego feito por seu filho, Rodrigo Ernesto de Andrade Rego, que o lera durante a vigília que precedeu ao seu sepultamento. O texto elaborado por seu filho Rodrigo Ernesto, intitulado originalmente Missão Cumprida, tem o seguinte teor: “No dia 3 de junho de 1935 nascia na cidade de Miracema um homem de muita ambição. Com muita coragem, inteligência e força de vontade, veio para a cidade grande, onde buscou, trilhou e conseguiu o seu espaço. Posicionou-se como jornalista e passo a passo conseguiu ser reconhecido no seu ambiente de trabalho. Desde então, neste jornalista passou a rolar uma paixão que o acompanhou em toda a sua vida: o samba. Passou a se dedicar a conhecer a música e estudála profundamente. Durante estes anos, fez muitas amizades e conquistou a admiração e o reconhecimento dentro do mundo do samba. Compôs, criou, participou de um grupo de compositores e por final eternizou na for-
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Jornal da ABI CONSAGRAÇÃO presenciar seus filhos se formarem; mas uma parte da missão estava sendo cumprida. Sua obra não poderia terminar sem um grande presente de Deus. E ele veio no mês de janeiro, de forma grandiosa e sublime: uma neta linda que a ele foi dado o prazer de dar o nome. Luanda, assim como a capital angolana, que ele se encantou ao conhecer nos anos 80. Depois disso tudo, ele foi, desencarnou, foi para um mundo melhor do que este em que nós aqui ficamos. Foi encontrar velhos amigos que ele tanto amava, como o seu grande parceiro Manuel da Paixão Pires. Foi encontrar seus pais e familiares que o aguardavam de braços abertos. Agora neste momento nós não o vemos, mas ele nos vê e tenho certeza de que está feliz e olhando por todos nós. Este, homem, negro com orgulho, grande crítico musical, jornalista, é o meu pai, José Carlos Rego, de quem me orgulho muito. Pai, que seguramente está aqui entre nós, te digo poucas palavras: Obrigado! Até breve! Do seu filho que te ama e sempre te amará. A partir de agora, estaremos conversando e trocando idéias no plano espiritual. (a) Rodrigo Ernesto de Andrade Rego, 5 de março de 2006.”
REPRODUÇÃO
ma de um livro grande parte dos seus conhecimentos. Em Dança do samba, Exercício do prazer, reuniu grandes nomes que, assim como ele, faziam e fazem do samba a sua vida. Outra paixão que levou com muito orgulho por toda a sua existência foi o prêmio Estandarte de Ouro, do jornal O Globo; que desde a sua primeira edição tinha este jornalista no corpo de jurados. O Carnaval era o ápice anual desta paixão; ele não abria mão nunca de assistir pessoalmente aos desfiles das escolas de samba. Mas, não por acaso, neste ano de 2006 não quis participar da festa, para surpresa dos seus familiares. Sentia-se cansado; mas hoje nós vemos que ele sabia que estava chegando a sua hora. Estava se preparando espiritualmente. Agora falaremos um pouco do lado pessoal deste jornalista. Pessoa amável e sempre com uma palavra de carinho, uma mão sempre disposta a ajudar. Não tinha quem o conhecesse e já no primeiro encontro não o admirasse. Por onde passou, ajudou muita gente, mas como um bom espírita não fazia questão de se vangloriar destas ajudas. Um excelente pai, que criou, educou e deu o caminho certo para que seus filhos pudessem crescer e caminhar sozinhos. Viu e se orgulhou de
A Academia premiara Nélson em 2005. Agora lhe deu o prêmio maior: a cadeira n° 7.
Nélson, o primeiro cineasta de fardão
NOSSO ATÉ
Autor de Memórias do cárcere é eleito para a Academia Brasileira de Letras.
Zé Carlos deve ter sido recebido Do outro lado, por muita gente boa... Pois em samba era autoridade! Pires, Waldinar, Haroldo Bonifácio, é sabido Que lá, como cá, sempre soa O som das palmas da sinceridade!... O gentleman jornalista partiu O comentarista do samba deixa saudade Pois marcou muito bem seu espaço... Era espírita e isso certamente influiu Em seu caminho de autenticidade: Um bom retorno, amigo. E forte abraço! Adail José de Paula
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O jornalista e cineasta Nélson Pereira dos Santos foi eleito em 9 de março para a cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras, na qual vai ocupar a vaga do Embaixador Sérgio Correa da Costa, falecido em setembro. Nélson será o primeiro cineasta a vestir o fardão da Academia. Concorrendo com o ex-Governador da Paraíba Ronaldo Cunha Lima, os escritores Jorge Tannuri, Paulo Hirano, Waldemar Cláudio dos Santos e Dário Castro Alves, que retirou sua candidatura antes da sessão de eleição, Nélson foi prestigiado pelo alto quórum verificado: dos 38 acadêmicos, 34 compareceram ao chamado Petit Trianon para participar da votação. Estiveram presentes, entre outros, os acadêmicos Marcos Vinícios Vilaça, Presidente da Academia; Cícero Sandroni, Secretário-Geral; Antônio Carlos Secchin, Tesoureiro; Ana Maria Machado, Primeira-Secretária; Evanildo Bechara, Ivan Junqueira, Alberto da Costa e Silva, Ledo Ivo, Eduardo Portela, Sábato Magaldi, Antônio Olinto, Arnaldo Niskier, Murilo Melo Filho, Carlos Nejar, Sérgio Paulo Rouanet, Afonso Arinos Filho, Moacir Scliar, Hélio Jaguaribe e Cândido Mendes.
Nélson Pereira dos Santos consagrou-se como diretor de filmes, mas seu currículo no cinema é diversificado, pois trabalhou também como roteirista, argumentista, editor (montador), produtor e co-produtor, além de assistente de direção, no começo da carreira, em São Paulo, onde nasceu e se formou em Direito. Ele levou para a tela importantes obras da literatura brasileira, como Vidas secas e Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos, A terceira margem do Rio, de Guimarães Rosa, Tenda dos Milagres, de Jorge Amado, e O Alienista, de Machado de Assis, transformado no filme Azyllo muyto louco. Essa ligação com a literatura levou a Academia a lhe prestar homenagem com um prêmio especial, em 2005. Em 1962, quando terminou Vidas secas, Nélson estava licenciado do Jornal do Brasil, do qual era redator copidesque. Sob o comando de Jânio de Freitas como secretário de Redação e, depois, nessa função, de José Ramos Tinhorão e Nilson Lage, integrava uma equipe formada por Décio Vieira Ottoni, Hélio Pólvora, José Bandeira Filho, Lago Burnett, Maurício Azêdo, Sérgio Noronha e Waltensir Dutra.
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Jornal da ABI HISTÓRIA Por Rogério Marques
utro dia fiquei sabendo, pelo ABI Online, que o nosso Marcos de Castro começou a carreira como revisor, na Tribuna da Imprensa. E me deu vontade de escrever algumas coisas sobre esta categoria de jornalistas praticamente extinta, substituída pelos recursos da informática, que permitem aos profissionais responsáveis pelo fechamento revisar o texto na tela do computador. Assim como o Marcos, também comecei na Revisão — embora sem ter, nem de longe, sua bagagem cultural e, já naquela época, seu conhecimento do nosso idioma. Meu querido e saudoso pai, Diamantino Marques, foi revisor de O Globo durante muitos anos. Por suas mãos amigas fui levado a um estágio no Correio da Manhã, numa época em que ele tinha razões de sobra para se preocupar com o meu futuro. Era 1968 e eu, com apenas 17 anos, vivia uma adolescência turbulenta como aqueles tempos de ditadura, guerra fria, psicodelismo, contestação. Com meu Português capenga, tive que juntar forças para vencer a insegurança e entrar naquele jornal que era, então, um dos maiores e mais importantes do País. Fui recebido com simpatia pelo Dilo Potrik, um dos subchefes, morto precocemente em um acidente de carro. Naquele mesmo dia o Dilo começou a me dar alguns serviços, sempre supervisionados pelos mais experientes. Era assim que, até o final dos anos 60, os jornalistas eram iniciados na profissão — fosse como revisores, repórteres ou redatores. A Revisão do Correio, no segundo andar do edifício da Avenida Gomes Freire, era um time de craques. Jamais me esquecerei daquela sala grande e enfumaçada, numa época em que jornalista e fumante eram quase sinônimos. Por volta das 20 horas, no fechamento do jornal, com grande parte da equipe presente, uma névoa de nicotina e alcatrão baixava sobre todos nós. Tudo isso era novidade para mim: as discussões políticas inflamadas às vésperas do AI-5, os sinais de revisão que meu pai me ensinou em casa e até mesmo o mobiliário — mesas pesadonas, de aço, com uma meia lua de cada lado, onde a dupla de
Uma evocação do trabalho no Correio da Manhã no fim dos anos 60, começo da década de 70. REPRODUÇÃO DE GRAVURA DE PEGGY BACON, THE COPY DESK, 1945
O
Aqueles velhos bons tempos da Revisão
revisores se encaixava para o trabalho diário. E que trabalho importante! Enquanto um lia em voz alta a prova tipográfica do linotipista, o outro acompanhava, atento, no original do redator. Era preciso muito cuidado porque às vezes o linotipista — outro profissional que desapareceu dos jornais com a informatização — saltava frases ou até mesmo parágrafos. Quantos erros eram eliminados ali, naquele trabalho! Mas o ofício do revisor nunca foi valorizado pelas empresas. Se repórteres e redatores já naquele tempo ganhavam mal, pior ainda os revisores. Não eram poucos os que trabalhavam em dois e até três empregos com turnos de cinco horas cada um. Alguns lutavam con-
tra o sono e chegavam a cochilar na mesa, sobre os papéis, na hora do serviço. A maioria morava no subúrbio. E quase todos se destacavam pelo profundo conhecimento do Português: Derlan Navarro, José Fernandes, Carlos Alberto Malcher, Olímpio Marques dos Santos, Hélio Barbosa Gomes, Bento Hyarup Cabral e José Maria de Sá Peixoto, entre tantos outros. A generosidade e a paciência daqueles colegas foram fundamentais para que eu seguisse em frente na vida profissional. Lembro perfeitamente do momento em que aprendi o significado ou a grafia correta de determinadas palavras, e também de alguns erros que cometi. O mais grave, com certeza — e o pior
erro que um revisor pode cometer —, foi no dia em que transformei o certo em errado: alterei a palavra peripécia para “peripércia”. Fui salvo pela experiência de um grande linotipista, o Esteves, que entrou na Revisão e entregou ao subchefe Anésio a prova tipográfica com a minha “correção”. Anésio levou-a até a mim e disse baixinho, em tom solene: “Há algo de podre no reino da Dinamarca com esta emenda que o senhor fez”. Naquele momento me senti mais infeliz que o próprio Hamlet, traído pela minha incúria. Sobrinho-neto do ex-presidente Floriano Peixoto e também alagoano, José Maria de Sá Peixoto, ou simplesmente Peixoto, já falecido, foi amigo e professor. Para desgosto de sua tradicional família, era boêmio como tantos outros jornalistas. Boêmio e eterno brincalhão. Quando bebia cerveja, já meio alto, gostava de dizer que era um “brâmane” e que seu aeroporto predileto era o de Viracopos, em Campinas. Peixoto sabia Português como poucos. Às vezes, os colegas brincavam de desafiá-lo, procurando no dicionário as palavras mais estranhas, que ele “decifrava” tranqüilamente, uma a uma. Não raro a política provocava divisões internas, naqueles tempos de Guerra Fria. A ala esquerda, maioria, às vezes se estranhava com a direita. Algumas vezes saí com colegas para atravessar a Avenida Chile e acompanhar as passeatas do movimento estudantil na Rio Branco — mais uma novidade para os meus 17 anos. O Partido Comunista Brasileiro, com simpatizantes e filiados em todas as Redações, estava presente também nas Revisões, e no Correio não era diferente. Através de Derlan Navarro, que um dia me deu alguns exemplares da Voz Operária — o jornal do PCB —, acabei me aproximando do Partido. Mas dezembro também se aproximava, e com ele o Ato 5. O resto é o que se sabe: no dia 9 de junho de 1974, sufocado pela truculência da ditadura, o Correio da Manhã deixou de circular. Acabava, assim, o jornal que 10 anos antes exigiu a deposição do presidente constitucional, João Goulart, nos famosos editoriais “Chega!” “Basta!” e “Fora!”. Rogério Marques, jornalista, é sócio da ABI.