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REPRODUÇÃO

As guerras da mídia no mundo por sua liberdade.

EXCLUSIVO

Páginas 17, 18 e 19

Jornal da ABI Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

Maio de 2006 • Número 308

Injustiças nos presídios alimentam os atentados MARCELO MONTEIRO

As mazelas do sistema penitenciário, entre as quais a corrupção de agentes públicos, constituem o grande elemento de mobilização de bandos criminosos para as ações violentas que desencadearam em São Paulo. Juristas dizem como enfrentar essa crise. Páginas 10 e 21 e Editorial na página 2

No Acre quem manda na imprensa é o Governo O Estado do Acre não conta com liberdade de imprensa, denunciou à ABI um atuante jornalista local. Graças a repasses mensais aos empresários da comunicação, o Governo dita o que pode ser publicado. Página 20

Sadi Cabral (à dir.) em Rio, 40 graus: um ato na ABI, em 1955, resultou na liberação do filme, marco do Cinema Novo. Página 3

Ilustrador das crônicas de Nélson Rodrigues em O Globo, Marcelo Monteiro começou a desenhar em jornal aos 17 anos, quando o teatrólogo Oduvaldo Viana, pai do Vianinha, lhe pediu um desenho da poetisa chilena Gabriela Mistral. Seu traço (acima) é refinado. Página 24 JOSÉ REINALDO MARQUES

ATO NA ABI SALVOU RIO, 40 GRAUS

DIVULGAÇÃO

Marcelo Monteiro: um artista de traço refinado

NÉLSON PEREIRA DOS SANTOS

“Quero me dedicar apenas à Academia” Primeiro cineasta a vestir o fardão de imortal, o diretor de Vidas secas quer deixar o cinema para trabalhar só na Academia. Páginas 3 e 4

ABI PENSA O CINEMA ANA MARIA MAGALHÃES, ROSANE SVARTMAN E JOSÉ JOFFILY Os depoimentos de Ana Maria, Rosane e Joffily na série organizada pela Diretoria de Cultura e Lazer da Casa. Páginas 4 e 5

MARCOS DE CASTRO E TEREZA CRUVINEL Formado em Letras Clássicas e apaixonado pela língua portuguesa, Marcos de Castro adverte: os jovens jornalistas precisam ler os grandes autores, como Machado de Assis e José de Alencar. E Tereza Cruvinel chama a atenção para riscos presentes: imprensa não é delegacia. Páginas 8, 9, 10 e 11; 14, 15 e 16.


Jornal da ABI EDITORIAL

A ferro e fogo, não Em sua reunião de maio, o Conselho Deliberativo da ABI não pôde ater-se aos aspectos meramente institucionais dessa sessão, destinada à posse dos associados eleitos dias antes, porque o fragor das ocorrências relacionadas com a segurança pública em São Paulo se impôs como a questão mais relevante nas preocupações de quantos têm interesse no bem comum. Estavam em curso naquele 15 de maio, data da reunião, e desde então assumiram um crescendo, ações de extremada violência e irracionalidade praticadas por bandidos obedientes a ordens partidas do próprio sistema penitenciário, de onde um núcleo que se arroga poderes de comando emite determinações para a prática indiscriminada de crimes e para a contestação à ordem legal e aos organismos que a representam. Tivemos, em série, um cortejo de crimes jamais vistos no País: atentados a edificações e instalações públicas e privadas, destruição a fogo de dezenas de ônibus do transporte público e de veículos de uso oficial e particular, assassinato massivo de membros das corporações policiais e de agentes do sistema prisional. O crime por atacado fez São Paulo parar e manteve sua população em estado de choque e de insegurança; enfim, presa do medo. Além de manifestar seu vigoroso repúdio às ações criminosas, o Conselho Deliberativo da ABI decidiu dar ênfase a questões que só merecem atenção quando seus efeitos detonam crises que não se consegue ignorar, como as condições vergonhosas do sistema penitenciário no País, que constituem a grande fonte de proselitismo e aliciamento de mentes e braços para o crime pelos que se consideram comandantes da massa carcerária. Não fossem a degradação do sistema, sua desumanidade, seu desrespeito profundo e continuado à dignidade das pessoas a ele recolhidas, a pregação desses apóstolos da bestialidade não arregimentaria seguidores nem mobilizaria sicários para as suas investidas anti-sociais. É esse o caldo de cultura que ceva os inimigos da lei e da paz pública. O Conselho Deliberativo da ABI entende também que a Casa deve e deverá sufragar todas as iniciativas e proposições que visem a uma reflexão serena e adequada sobre essa crise e a definição das formas de superá-la, como a declaração firmada naqueles mesmos dias por eminentes mestres do Direito radicados em São Paulo e no Rio de Janeiro, entre os quais o Professor Goffredo Telles Júnior, a quem a instauração do Estado Democrático de Direito tanto deve, pela coragem com que se houve no enfrentamento da ditadura militar. Essas vozes respeitáveis advertem que estamos diante de atos de barbárie, e esta não pode ser enfrentada a ferro e fogo, e sim com civilização, com inteligência e com competência, virtude que tem faltado ao Poder Público nos diferentes níveis da Federação.

NESTA EDIÇÃO Ato na ABI salvou Rio, 40 graus

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Dines e Sodré ganham prêmio de Cidadania

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A velha jovem guarda do JB se reencontra

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Conselho elege Segismundo

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Uma aula de Flávio Tavares no curso de Cecília Costa

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Depoimento-1: Marcos de Castro

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Depoimento-2: Tereza Cruvinel

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As guerras da mídia no mundo

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Brasil Terra Perigosa

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Brasil firma Declaração de Chapultepec

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Governo do Acre controla a mídia

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A ABI adere à declaração contra a barbárie

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Uff lança obra de denúncia

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O que nos diz o DPF sobre Ivandel Godinho

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Família busca os restos de Marcos Dias

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Vidas: O bom Conrado partiu

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Marcelo Monteiro: Um mestre do traço

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ERRATAS • No Editorial O dever dos pauteiros, da edição número 307, abril de 2006, página 2, onde se lê Roraima, leia-se Rondônia, o Estado que não tem sistema penitenciário. • Na matéria Só podia dar Prudente, da edição número 307, páginas 21 e 22, foi omitido entre os Conselheiros suplentes (2006-2009) eleitos o nome da associada Yeda Otaviano de Souza.

Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart, Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta.

Associação Brasileira de Imprensa DIRETORIA – MANDATO 2004/2007 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: – Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Souza (Pajê) Diretora de Jornalismo: Joseti Marques CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira, Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura CONSELHO FISCAL Jesus Antunes, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Adriano do Nascimento Barbosa, Arthur Auto Nery Cabral, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha e Luiz Carlos de Oliveira Chester. CONSELHO DELIBERATIVO (2006-2007) Presidente: Fernando Segismundo 1º Secretário: Estanislau Alves de Oliveira 2º Secretário: Carlos Rodrigues Conselheiros efetivos (2006-2009) Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo,

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Conselheiros efetivos (2005-2008) Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, Araquém Moura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho Conselheiros efetivos (2004-2007) Antonieta Vieira dos Santos, Arthur da Távola, Cid Benjamin, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Héris Arnt, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Ivan Cavalcanti Proença, José Gomes Talarico, José Rezende, Marceu Vieira, Paulo Jerônimo, Roberto M. Moura, Sérgio Cabral e Teresinha Santos Conselheiros suplentes (2006-2009) Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães, Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. Conselheiros suplentes (2005-2008) Anísio Félix dos Santos, Edgard Catoira, Francisco de Paula Freitas, Geraldo Lopes, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães Conselheiros suplentes (2004-2007) Adalberto Diniz, Aluísio Maranhão, Ancelmo Gois, André Louzeiro, Jesus Chediak, José Silvestre Gorgulho, José Louzeiro, Lílian Nabuco, Luarlindo Ernesto, Marcos de Castro, Mário Augusto Jakobskind, Marlene Custódio, Maurílio Ferreira e Yaci Nunes

COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente, Jarbas Domingos Vaz, José Ernesto Vianna, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Arthur Cantalice, Arthur Nery Cabral, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes

Jornal da ABI Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar Telefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 22.030-012 Rio de Janeiro - RJ (jornal@abi.org.br) Editores: Francisco Ucha, Joseti Marques e Maurício Azêdo Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Apoio à produção editorial: Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo e Solange Noronha. Diretor responsável: Maurício Azêdo Impressão: Gráfica Lance Rua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ. As reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.

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Jornal da ABI CULTURA Por Rodrigo Caixeta e José Reinaldo Marques

ATO NA ABI SALVOU RIO, 40 GRAUS Com exemplar regularidade, a Diretoria de Cultura e Lazer prosseguiu em maio com a tomada de depoimentos de personalidades do cinema brasileiro, na série A ABI pensa o cinema, idealizada pelo Diretor Jesus Chediak para documentar, em gravação em fita, dvd e, posteriormente, em vídeo, a trajetória do cinema brasileiro contada por seus protagonistas. A série teve seqüência no dia 2, com o depoimento da atriz e diretora de cinema Ana Maria Magalhães, prosseguiu no dia 9 com a entrevista da roteirista e diretora de cinema e televisão Rosane Svartman, no dia 16 com o diretor José Joffily e, após

REPRODUÇÃO

Em depoimento na série A ABI pensa o cinema, o diretor Nélson Pereira dos Santos lembra a campanha liderada por Pompeu de Sousa para liberar o filme. recesso na terça-feira seguinte, teve continuidade com o depoimento de Nélson Pereira dos Santos. Antes mesmo do encerramento do bloco de depoimentos de maio, Jesus Chediak anunciou as entrevistas programadas para junho; Sílvio Tendler, dia 6; Sandra Werneck, dia 13; Carla Camurati, dia 20; Antônio Molina, dia 27. Em seguida, uma visão de aspectos dos depoimentos de Ana Maria, Rosane, Jofilly e Nélson acompanhados pelos repórteres do ABI Online José Reinaldo Marques e Rodrigo Caixeta (o primeiro, de Ana Maria Magalhães) e Rodrigo Caixeta, os demais. DIVULGAÇÃO

NÉLSON PEREIRA DOS SANTOS

“Quero me dedicar apenas à Academia”

Rio, 40 graus dava ao cinema brasileiro um realismo a que os atores, desde os calejados, como Sadi Cabral (à esq.), aos calouros, como Haroldo de Oliveira, que iniciou menino longa carreira de ator, emprestavam verossimilhança.

Maio de 2006

Nélson Pereira dos Santos, primeiro cineasta imortal, falou sobre sua trajetória detrás das câmeras, a experiência como revisor de jornal nos áureos tempos da imprensa fluminense e a Academia Brasileira de Letras. Paulistano, Nelson contou que veio para o Rio em 1952, a convite de Rui Santos e Alex Viany, com quem trabalhou como assistente de direção em Agulha no palheiro: — Foi nessa época que escrevi o roteiro de Rio, 40 graus. Não consegui nenhum produtor que tivesse vontade de fazê-lo, mas montei um esquema de produção através de uma cooperativa, em que vendia cotas para a família e amigos e depois para alguns capitalistas. O roteiro foi inspirado no que vi quando fui assistente do filme Balança, mas não cai, realizado num estúdio na favela do Jacarezinho. Sobre sua forte ligação com a ABI, Nélson contou que Rio, 40 graus ficou famoso após a proibição de exibição pelo Coronel Geraldo de Menezes Cortes, então Chefe de Polícia do Distrito Federal no Governo Café Filho:— Graças a ele, o filme foi parar na primeira página dos jornais. Pompeu de Sousa, então diretor do Diário Carioca, comandou uma campanha pela liberação do filme. Foi organizada aqui na ABI uma sessão para jornalistas e intelectuais, que repercutiu na mídia e resultou na liberação do filme para exibição.

Em seguida Nélson dirigiu Rio, Zona Norte, um fracasso de bilheteria: — Por conta disso, bati na porta do Diário Carioca para pedir emprego. Fui revisor, numa época em que os salários eram maravilhosos. Depois, fui para o Jornal do Brasil, e também recebia um salário suficiente para pagar o aluguel da minha casa e do meu escritório e ainda manter meus dois filhos em escolas particulares. Pensei que jamais voltaria a fazer cinema — brincou. Em 1958, porém, Nélson participou de um encontro de cineastas da América Latina em Montevidéu, onde Rio, 40 graus e Rio, Zona Norte fizeram muito sucesso: — Daí tomei força novamente. Fiz Mandacaru vermelho, Boca de ouro, baseado em peça homônima de Nélson Rodrigues, e Vidas secas, que, baseado no livro de Graciliano Ramos, teve o apoio da Herbert Richers, fez sucesso em Cannes e tomou dimensão mundial. Nélson falou também sobre seu último filme, Brasília 18%, que tem como tema os bastidores da vida política no Distrito Federal: — O filme acabou ficando pouco tempo em cartaz porque hoje, no cinema brasileiro, se um filme não alcançar a renda prevista no fim de semana de estréia, na semana seguinte sai da sala. O problema também é a falta de tempo de leitura. No Cinema Novo, eram lança-

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Jornal da ABI DIVULGAÇÃO

JOSÉ JOFFILY

“Filme é para sentir, não é para entender” RODRIGO CAIXETA

— Antes, jamais havia pensado em fazer cinema. Acabei me unindo a uns amigos e formamos uma cooperativa. Fizemos vários curtas e alternávamos as funções - contou José Joffily, relatando seu encontro com o cinema nos anos 70. Em 1980, Joffily dirigiu e fotografou Até a última gota, que falava da comercialização de sangue na América Latina e que ele acreditava que seria um grande sucesso: — Filmamos em bancos de sangue da Baixada Fluminense e passamos um ano só na produção. Depois distribuímos convites nas ruas. Apesar de o filme ter sido inscrito no Festival de Cannes, não teve audiência expressiva. Joffily nunca pensou em fazer cinema, mas acabou O longa seguinte foi O soseduzido ao fotografar bastidores de filmagens. nho não acabou, escrito em colaboração com Sérgio Rezende: — Pasavalia:— O cinema anda paralelamensamos um mês em Brasília escrevendo, te ao País, acompanha-o, é um espeinspirados por fatos violentos da cidade. lho da nação. Hoje é mais plural do Depois, passei um tempo apenas escreque já foi antes, pois reflete as tendênvendo roteiros, até voltar a dirigir em cias regionais. E a competição é feroz Urubus e papagaios. no mundo inteiro. No Brasil, na AleSobre o premiado Quem matou manha ou no Paraguai, as produções Pixote?, filme que conta a trajetória de norte-americanas ainda dominam a Fernando Ramos da Silva, diz Joffily: maior parte das salas. — A história é baseada nos livros Pixote nunca mais, escrito pela mulher de Fernando, Cida Venâncio, e Pixote, a lei do mais fraco, de José Louzeiro. O filme foi feito numa época de condições faJosé Joffily, que chegou a se formar voráveis, porque não há experiência em Direito, começou no cinema por mais dolorosa do que parar um filme. acaso, quando era fotógrafo. A estréia Com a herança de R$ 200 mil deifoi como assistente do diretor Stephan xada pelo pai, Joffily pensou em proWohl, atuando como fotógrafo de still duzir um documentário. Daí surgiu O nos bastidores de As aventuras de um chamado de Deus, sobre as influências detetive português, em 1975: — Até religiosas que os filhos recebem das então tinha sido apenas fotógrafo de mães: — Depois eu percebi que fiz este publicidade e do mercado editorial. Mas filme para a minha mãe. Talvez tenha fui aprendendo aos poucos sobre tosido este o trabalho que mais prazer das as funções no cinema e fiz de tudo. me tenha dado. Como documentaDesde 1984, quando lancei Urubus e rista, você engravida, fica pleno e paspapagaios, acumulo as atividades de sa a observar muito. produtor e diretor. Sobre o recém-lançado Achados e perAos 33 anos de carreira como cinedidos, Joffily diz que é um filme somasta, ele diz que no início mentia sobre brio, triste, com pouco humor, mas ótiseu tempo de experiência: — Aliás, promos desempenhos: — O Antônio Fadutor vive mentindo. Mente para consegundes, a Zezé Polessa e a Juliana Knust guir recursos, sobre o orçamento, o temfizeram um trabalho magnífico. Não po de produção, o número de espectadores e por aí vai. Mas tudo por bons tivemos tempo para muitos ensaios. E motivos — brinca. é uma obra centrada nos personagens A filmografia de José Joffily inclui e não em ações. Achados e perdidos (2006), Vocação Saudoso dos tempos em que as sado poder (2005), O chamado de Deus las de cinema se multiplicavam pelas (2001), A maldição do Sanpaku (1992), ruas da cidade, Joffily lamenta a ocuUrubus e papagaios (1985), Galeria pação desses espaços por templos reliAlaska (1980), Copa Mixta (1979), Alô, giosos. E adverte:— Não é preciso enTetéia (1978) e Praça Tiradentes (1977), tender um filme, mas senti-lo. E nós, entre outros. cineastas, devíamos cultivar o costume Em 2003 ele ganhou o Troféu Cande olhar em retrospectiva e ver como dango de Melhor Diretor no Festival de estamos fazendo nossos filmes, se meBrasília, por Dois perdidos numa noite suja lhoramos, se caímos na mesmice, se fra(2003) e em 1996 o Kikito de Ouro de cassamos. É uma reflexão que faço Melhor Filme e Melhor Roteiro no Festival constantemente. de Gramado, por Quem matou Pixote?. Com relação ao cinema nacional,

As cenas de glamur, na praia, não impressionaram o coronel que interditou Rio, 40 graus.

dos uns dois filmes por ano. Atualmente, os lançamentos são semanais. Sobre o convite para assumir uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, Nélson diz que partiu de uma proposta da própria ABL de acolher representantes de outras áreas culturais: — Foi um privilégio ter sido convidado para a ABL, o que coincide com a minha aposentadoria. Agora pretendo fazer apenas um documentário sobre a vida de Tom Jobim, antes de me dedicar exclusivamente à Academia.

55 anos de câmera

RODRIGO CAIXETA

Nélson Pereira dos Santos entrou para o cinema como assistente de direção de Rodolfo Nanni em O saci, em 1951. Quando se mudou para o Rio de Janeiro, em 1953, trabalhou como assistente de Alex Viany em Agulha no palheiro e de Paulo Wanderley, em Balança mas não cai. Considerado um dos precursores do Cinema Novo, em meados dos anos 50 começou a idealizar sua trilogia da cidade, que começou com Rio, 40 graus — seu primeiro longa —, seguiu com Rio, Zona Norte e deveria ser concluída com Rio, Zona Sul. Entre os principais filmes dirigidos por Nélson estão Vidas secas, Boca de ouro, Fome de amor, Como era gostoso o meu francês, Cinema de lágrimas, Meu compadre Zé Kéti e Raízes do Brasil. Em 1983, ganhou o prêmio da crítica especializada no Festival de Cannes por Memórias do cárcere, baseado no livro homônimo de Graciliano Ramos, interpretado no filme por Carlos Vereza. Raízes do Brasil, que fala sobre o historiador Sérgio Buarque de Holanda, ganhou o Prêmio Margarida de Prata, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, na categoria de melhor documentário. Recentemente, Nelson foi o primeiro cineasta eleito para a Academia Brasileira de Letras.

Considerado o mais importante diretor do cinema brasileiro, Nélson Pereira dos Santos pretende dar tchau às câmeras após fazer um documentário sobre Tom Jobim para trabalhar apenas na Academia, onde, aliás, há muita coisa para filmar.

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Mentir, mentir

Maio de 2006


Jornal da ABI ROSANE SVARTMAN

Roteirista e diretora de cinema e televisão, Rosane Svartman falou sobre sua trajetória profissional e as dificuldades na vida do cineasta no Brasil. Ela diz que é do tempo em que quase não havia escolas de Cinema no País: — Foi quando descobri o quanto era difícil ingressar nessa área, nos anos 80, tão concorrida quanto as cadeiras do curso de Medicina. Pensava também que só encontraria essas escolas no exterior. Quando entrou na Faculdade de Cinema da Universidsade Federal Fluminense, em 1986, Rosane costumava discutir com os colegas de turma, nos intervalos das aulas, os filmes produzidos: — Era o momento que tínhamos para avaliar as produções, trocar idéias, etc. E cinema se faz em turma. Nós tentamos formar um movimento, porque éramos grandes realizadores. E no Rio já não havia mais tantos cineclubes, o que dificultava o nosso acesso aos grandes filmes. Lamentando ter-se formado na Era Collor, Rosane diz que foi o tempo como aluna que a ajudou a ganhar experiência: — Quando saí da faculdade, havia poucos filmes sendo produzidos no Brasil. Mas tive a sorte de ter dirigido três curtas enquanto estudava, além de ter sido diretora de arte

Prazer no morro Premiada roteirista e diretora de cinema e televisão, Rosane Svartman há dez anos é professora do Núcleo de Cinema Nós do Morro, criado no Morro do Vidigal, comunidade popular da Zona Sul do Rio. Formada em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (Uff), Rosane tem entre seus principais trabalhos os filmes Sexo, amor e traição, Mais uma vez amor e Como ser solteiro (Prêmio Especial do Júri e de Melhor Ator no Festival de Brasília, em 1997, e Prêmio do Público no Festival de Cinema Brasileiro de Miami, em 98). Para a televisão, fez inúmeros programas e seriados — entre eles, Como ser solteiro — A série, exibida no Multishow e no Canal Brasil —, muitos com co-produção estrangeira. Rosane conheceu o Nós do Morro durante as filmagens de Como os pássaros no Rio, produção canadense em que cuidou do elenco: — Foi muito interessante esse encontro com pessoas tão talentosas e interessadas em aprender. É um grande prazer poder ajudá-los nesse processo e ver muitos dos meus alunos já atuando no mercado de trabalho, fazendo filmes. Isso é muito bom!

ANA MARIA MAGALHÃES

“Nossa luta é para botar o filme na tela”

Maio de 2006

ABI — quem lhe abriu as portas para o cinema. — Eu tinha largado a faculdade e a militância política e o Nélson começou a fazer a minha cabeça, dizendo que eu devia investir no cinema. Foi o momento da decisão. Acabei largando tudo e indo com ele para Paraty, onde filmei Como era gostoso o meu francês. Além de relatar sua trajetória como atriz e diretora, Ana Maria falou também de sua grande amizade com Gláuber Rocha, com quem diz ter aprendido a montar seus personagens. Ela encerrou o depoimenmto fazendo sua análise sobre o cinema brasileiro: — A história do filme no Brasil não é de afirmação artística, é muito mais do que isso. É uma conquista do público e do mercado, de lutar para pôr o filme na tela. Pelo gosto do pai, o Deputado Sérgio Magalhães, Ana Maria seria economista. Uma palestra de Nélson Pereira na ABI empurrou-a para o caminho do cinema.

fessor, nos emprestou a moviola. Mas o filme estava na Lei do Audiovisual e depois conseguimos arrecadar cerca de R$ 625 mil com patrocínios. E chegamos à marca de 160 mil espectadores. Só não mantivemos o filme nas salas porque Titanic acabara de ser lançado. Depois do sucesso, Rosane emendou Como ser solteiro — A série, exibida no GNT, e outras produções para os canais Futura e Multishow: — Quando veio o segundo longa, Mais uma vez amor, de 2005, baseado numa peça que ficou anos em cartaz e rodou todo o Brasil, sabia que seria difícil, ainda que tivesse R$ 3 milhões. O primeiro filme eu tinha feito com amigos, já o segundo tinha mais caráter de indústria, distribuição da Warner Bros., essas coisas. Apesar disso, tivemos audiência de cerca de metade dos 600 mil espectadores esperados. O cinema brasileiro vive uma queda de público. Sobre projetos, Rosane diz: — Estou produzindo a série Quando éramos virgens, do GNT, que mostra a primeira vez sob diversos aspectos. Depois, sigo com outras séries para o Futura, o Multishow. O próximo longa ainda pode demorar.

do meu filme de formatura, experiência de que não gostei muito — brincou. — No entanto, curta nunca sustentou nem sustenta até hoje. Ganhei vários prêmios, mas nada que pagasse a produção. Servia mais de aprendizado. Os filmes não recebiam incentivo algum, dávamos festas para angariar fundos, arrecadávamos dinheiro em sinais de trânsito, vendi meu saxofone e nunca mais comprei outro... Embora diga que teve colegas que ela acreditava serem mais bem-preparados, Rosane foi a única a fazer um longa-metragem: — Mas não gosto de ser a exceção. Isso é ruim, demonstra que a regra é difícil. Além disso, hoje não vivo de cinema, mas da produção de conteúdo para o mercado audiovisual de TV, publicidade, etc. A idéia de produzir o longa Como ser solteiro partiu de um curta homônimo: — Convidei uma amiga e com apenas R$ 80 mil rodamos o filme. Era uma loucura, mas assumimos dívidas que fomos pagando ao longo do tempo. Contamos também com uma equipe generosa, dos atores aos técnicos. O José Joffily, que tinha sido meu pro-

“Um bom momento da minha vida” Ana Maria Magalhães começou no cinema em 1965 e viu “muita coisa acontecer nesse tempo”:, mudanças na forma de produção de filmes, na administração dos recursos econômicos, etc Ela foi não apenas atriz no começo da carreira: também fez dublagem, montagem e roteiros. — Agora, como no Brasil diretor normalmente produz, busco uma forma de distribuição para o documentário que acabei de fazer, Lembranças do futuro, sobre o arquiteto Afonso Eduardo Reidy. E com outras imagens e um novo viés, estou editando Reidy — a construção da utopia, uma visita ao Rio por intermédio de sua obra. JOSÉ REINALDO MARQUES

Convidada a falar sobre a mulher no cinema nacional, Ana Maria Magalhães iniciou seu depoimento abordando sua ligação com a política, iniciada por causa do pai, Sérgio Magalhães, que se elegeu deputado federal nos anos 50 e depois foi cassado pelo regime militar: — Ele levava os filhos quando ia panfletar e essa experiência foi útil na minha profissão. Conquistei o olhar que eu tenho da classe dirigente e dos menos favorecidos com a freqüência de ambientes de níveis sociais diferenciados. Isso me ajudou muito no cinema. A decisão de ser atriz não foi bemvinda na família. — Minha mãe não queria de jeito nenhum. E meu pai me incentivava a me tornar economista. Mas em 65 eu entrei para o Conservatório Nacional de Teatro, onde conheci Sadi Cabral. Logo depois, fui convidada por Zé Celso Martinez Corrêa para participar do Teatro Oficina. Esse convívio foi muito rico, o Zé Celso foi uma escola. Revelou Ana Maria que foi Nélson Pereira dos Santos — que ela conheceu durante uma palestra sobre cinema na

RODRIGO CAIXETA

“Vendi meu saxofone para fazer cinema”

Rosane: Como ser solteiro só não fez carreira melhor porque coincidiu com o lançamento de Titanic.

A atriz ficou lisonjeada com o convite do amigo Jesus Chediak, Diretor Cultural da ABI, com quem chegou a contracenar no tempo em que eram alunos do Conservatório Nacional: — O artista tem necessidade do público, mas hoje sinto que a mídia é muito seletiva. Este encontro na ABI acontece quase que simultaneamente ao lançamento da minha biografia pela série Aplauso. São coisas que chegam num bom momento da minha vida. Ana Maria Magalhães acumula diversos prêmios em sua carreira. Em 1972, foi Atriz Revelação pela Associação Paulista dos Críticos de Arte-APCA. Em 1975, arrebatou o Kikito de Melhor Atriz por Uirá, um índio em busca de Deus, de Gustavo Dahl. Em 1984, sua direção de Assaltaram a gramática foi premiada no I Festival Nacional de Caxambu. Em 1992, o documentário Mangueira do amanhã — exibido no Canal Plus francês — recebeu Menção Honrosa (Margarida de Prata) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB. A estréia como atriz profissional foi no Grupo Oficina, um dos mais importantes e revolucionários grupos teatrais do Brasil. No início dos anos 80, Ana Maria dirigiu o documentário sobre Leila Diniz Já que ninguém me tira pra dançar..., que se tornou o primeiro vídeo com produção independente a ser exibido na televisão brasileira. Como atriz, trabalhou em Os sete gatinhos; Se segura, malandro; Lúcio Flávio – O passageiro da agonia, além do já citado Como era gostoso o meu francês. Além de Assaltaram a gramática e Mangueira do amanhã, dirigiu O bebê e Lara.

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Jornal da ABI HOMENAGEM

HENRIQUE HUBER/FOLHA DIRIGIDA

Dines e Sodré ganham prêmio de Cidadania

Muniz Sodré: eleito por um colégio com 2.500 eleitores.

Em concorrida solenidade realizada em 4 de maio, a Folha Dirigida promoveu no Jockey Clube Brasileiro, no Centro do Rio, a entrega do prêmio Personalidades Cidadania 2006, iniciativa do jornal co-patrocinada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura-Unesco e a ABI. Foi esta a segunda edição do prêmio, destinado a contemplar anualmente, dez personalidades por seu trabalho em defesa das conquistas sociais e em busca da valorização do ser humano. Além disso, também são eleitas três instituições que trabalhem pela inclusão social. A escolha das personalidades é feita por voto direto e secreto de um colégio eleitoral integrado por 2.500 pessoas representativas de diversos segmentos da comunidade fluminense.

Este ano, foram eleitos os jornalistas Alberto Dines, editor do Observatório da Imprensa, e Muniz Sodré, Presidente da Biblioteca Nacional. Também foram premiados Rosiska Darci de Oliveira, escritora e Presidente do Centro de Liderança da Mulher-Celim; João Batista Berthier, Procurador do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro; Lucinha Araújo, Presidente da Fundação Viva Cazuza; Nilcéa Freire, Ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres; Rubem César Fernandes, antropólogo e Presidente do Movimento Viva Rio; Yvonne Bezerra de Mello, Presidente da ong Uerê; Zilda Arns, médica e fundadora da Pastoral da Criança; e o Senador Saturnino Braga. As três instituições eleitas em 2006 foram o Banco da Providência, a Pró-Matre e o Sebrae-RJ.

CONFRATERNIZAÇÃO

A VELHA JOVEM GUARDA DO JB SE REENCONTRA Uma festa para o coração reúne repórteres, revisores, redatores, editores, guardador de carros e contínuo das décadas de ouro do jornal Cerca de 200 jornalistas que atuaram no Jornal do Brasil nas décadas de 60, 70 e 80 — que muitos consideram os períodos mais importantes da história do jornal — reuniram-se no espaço musical Rio Scenarium, na Lapa, Centro do Rio, no fim de abril, num reencontro que reaproximou grandes nomes do jornalismo brasileiro, como Alberto Dines, Jânio de Freitas, Ana Arruda, Remy Gorga e Tato Taborda, cujo trabalho ajudou a fazer do JB um dos mais importantes veículos de comunicação do País. Também estiveram presentes jornalistas com atuação política institucional, como Fernando Gabeira, Milton Temer e Ibsen Pinheiro. A comissão encarregada de localizar os convidados foi formada por Vera Perfeito, Carlos Lemos, Sérgio Fleury, Altair Thury Filho, Fichel Davit Chargel, Margarida Autran, Joëlle Rouchou, José Silveira, Romildo Guerrante, Beatriz Bonfim e Armando Strozenberg. Contou Vera Perfeito que a idéia nasceu num almoço de 30 ex-colegas da Geral, em que Carlos Lemos sugeriu um evento maior, com a participação de companheiros de todas as editorias e até de outras áreas — foram chamados, por exemplo, os compositores Monarco, ex-guardador de carros no estacionamento do jornal, e Tantinho da Mangueira, ex-contínuo. Zilda Ferreira — que trabalhou no Departamento de Pesquisa e na sucursal do JB no Recife de 1974 a 1980 e atualmente dá aulas na ABI — achou o evento importante e lamentou a fal-

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Com alegria e irreverência, antigos colaboradores do JB formaram grupos, em diferentes momentos, para a histórica foto do reencontro. O jornalista Fritz Utzeri, que foi editor-chefe do jornal, disse que foi no JB que encontrou a redação mais unida com que já trabalhou.

ta de alguns colegas.— Gostaria de ter reencontrado o Mário Pontes e o João Máximo. Senti também a falta do Maurício Azêdo. Foi bom relembrar esse período importante de nossas vidas e do jornalismo, que não sei se um dia conseguiremos retomar.

Fritz Utzeri, ex-editor-chefe do JB e colunista do ABI Online, disse que o encontro deveria repetir-se anualmente: — Foi muito bom relembrar um período áureo do jornal. Foi a redação mais unida que em que eu já trabalhei. Entre os presentes estiveram Agnal-

do Ramos, Alberto Ferreira, Alberto Dines, Alice Burlá, Altair Thury Filho, Ana Arruda, Ana Maria Funke, Ângela Santângelo, Ângela Saraiva, Antônio Augusto Dunshee de Abranches, Antônio Maria, Arthur Aymoré, Atenéia Feijó, Beatriz Chargel, Beatriz Horta, Belisa Ribeiro, Bia Bomfim, Borges Neto, Bruno Cartier-Bresson, Carlos Leonam, Carlos Lemos, Célia Abend, Cláudia Boechat, Clecy Ribeiro, Cristina Autran, Cristina Borges, Cristina Calmon, Christine Ajuz, Denise Assis, Davit Chargel, Diane Lisbona, Elizabeth Carvalho, Emília Silveira, Fernanda Pedrosa, Fernando Gabeira, Fernando Zerlotini, Ferreira Gullar, Franca di Sabato, Fred Sutter, Fritz Utzeri, Geisa Mello, Gilse Campos, Glória Alvarez, Glória Nogueira, Guilherme Duncan, Hamilton Corrêa, Helena Duque, Heloisa Nascimento Brito, Hudson de Carvalho e Humberto Borges. E mais: Ibsen Pinheiro, Ivanir Yasbek, Jamille Attié, Jânio de Freitas, João Batista de Freitas, João Berrêdo, J.Arruda, Joaquim Campelo, Joëlle Rouchou, Jomar Pereira da Silva, José Silveira, J. Paulo, José de La Peña, Laerte Gomes, Lan, Liège Quintão, Liliane Schwab, Luciana Conti, Lucila de Beaurepaire, Luiz Eduardo Rezende, Lutero Mota Soares, Luiz Lobo, Luiz Carlos Mello, Luiz Orlando Carneiro, Lula David, Lywall Sales, Mabel Arthou, Márcia Pena Firme, Maria Cristina Brasil, Maria do Céu, Margarida Autran, Maria Helena Malta, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, Maria Alice Paes Barreto e Maria Teresa Ottoni. E ainda: Marta Alencar, Monarco, Mônica Cotta, Mônica Horta, Nani, Norma Couri, Pimba, Regina Rito, Regina Zappa, Ricardo Kotscho, Rita Luz, Rogério Reis, Romildo Guerrante, Ronaldo Braga, Sandra Chaves, Sérgio Fleury, Sônia Beatriz, Suzana Schild, Tamar de Castro, Thais de Mendonça, Trajano de Moraes, Tereza Cristina Levy, Vasni Frota, Venerando Carlos Martins, Vera Cavaliéri, Vera Perfeito, Vera Sastre, Walder de Góis, Walter Diogo, Wilson Costa, Wilson Figueiredo e Yacy Nunes.

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Jornal da ABI ACONTECEU NA ABI

POSSE

DÉBORA GIORDANO

CONSELHO ELEGE SEGISMUNDO Novo Presidente é escolhido por aclamação.

Uma aula de Flávio Tavares no curso de Cecília Costa O jornalista e escritor Flávio Tavares foi o convidado especial do Curso Livre de Jornalismo Cultural da ABI, que o chamou para falar no dia 8 de maio sobre o tema Jornalismo e Literatura. Ao comentar a condição atual do jornalismo cultural, Flávio disse que os cadernos especializados têm que se reestruturar e buscar abordagens mais cotidianas: — Cultura é vida e temos que buscar para esses cadernos justamente o que está relacionado à nossa vida. Os jornalistas devem sair da redação e parar de ser pautados somente pelas assessorias de imprensa. Devemos tratar da essência humana. Cecília Costa concordou e acrescentou que a publicidade passou a pautar a imprensa: — Antigamente, nós, jornalistas, tínhamos horror aos anúncios invadindo as páginas dos jornais. Hoje, no entanto, há um fascínio por fazer tudo rápido e em grande escala para satisfazer o mercado capitalista em que estamos inseridos. Na conclusão de sua aula, Flávio Tavares falou sobre as conseqüências de sua militância política e seu exílio na época da ditadura militar tanto em sua vida pessoal quanto na carreira: — O saldo é que hoje sou uma pessoa mais aberta, pronta para aprender o tempo todo. Por outro lado, me tornei muito exigente e esse nível de exigência que adquiri me ajudou bastante na vida profissional, porque me tornei um jornalista mais aguçado, com mais senso crítico. Na minha opinião, é disso que os meios de comunicação precisam, porque, ao mesmo tempo que não podemos esquecer que é o capitalismo que move o mundo, não devemos achar que a imprensa é só isso. (Débora Giordano)

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Por isso impõe-se ao nosso respeito e admiração. Já empossado na Presidência do Conselho, Fernando Segismundo agradeceu as palavras de apoio, cumprimentou seu antecessor e falou sobre Em sessão solene em 15 de maio, a sua gestão: — Como antigo militante ABI empossou um terço do seu Consedesta Casa, aceito o trabalho que vou lho Deliberativo — 15 membros efetidesempenhar com a certeza da responvos e 15 suplentes, para o mandato sabilidade que me espera. E antecipo 2006-2009 — e a totalidade do Conseque farei isso ouvindo regularmente lho Fiscal —para o período 2006-2007. meus companheiros, pois sou uma pesNo mesmo ato foram eleitos, por aclasoa que luta pelo ambiente democrátimação, o novo Presidente da Mesa Dico e o convívio fraternal. Vamos conretora do Conselho, Fernando Segisjugar nossas esperanças e experiências mundo, e os membros das três Comispara o bem da Casa e do nosso País. sões que integram a Direção da Casa: a Antes do encerramento da solenidade Sindicância, a de Ética dos Meios de de de posse, Audálio Comunicação e a de Liberdade de ImDantas, Vice-Presiprensa e Direitos Humanos. dente da ABI e PresiPara a Mesa do Conselho foram emdente da Comissão possados com Fernando Segismundo os de Defesa da Liberasslociados Estanislau Alves de Oliveidade de Imprensa e ra, 1º Secretário, e Carlos Rodrigues, 2º Direitos Humanos, Secretário. Os três ocuparão as vagas propôs um voto de deixadas por Ivan Cavalcanti Proença, louvor a Ivan CaDomingos Xisto da Cunha e Carlos valcânti Proença: — Arthur Pitombeira, respectivamente. Eu só o conhecia de A sessão de posse aconteceu na Sala referência, mas deHeitor Beltrão,no 7º andar do Edifício pois de conhecê-lo Fernando Segismundo (à dir.), com Audálio Dantas: Vamos Herbert Moses, e foi presidida pela Mesa mais de perto faço conjugar nossas esperanças para o bem da Casa e do nosso País. formada pelo ex-Presidente do Conseesta proposta, baselho Deliberativo, Ivan Cavalcânti Promerece todo o nosso respeito. Apresenado na competência da sua atuação. Ele ença, o Presidente da ABI, Maurício tamos seu nome por sua projeção inteé merecedor de todo o nosso aplauso. Azêdo, os Conselheiros Domingos Xisto lectual e no quadro da ABI. Segismundo Juntamente com o Conselheiro e Carlos Arthur Pitombeira e a Diretora contribuiu para manter a ABI no pataMário Augusto Jakobskind, membro da de Jornalismo, Joseti Marques. mar de dignidade que ocupa, pelos serComissão, Audálio também apresenAntes de declarar empossados os viços que tem prestado à entidade. tou uma moção para que a ABI se macomponentes do terço do Conselho O Presidente da ABI elogiou a atunifestasse em relação aos atos de vioDeliberativo, Ivan Proença, que não ação de Segismundo como membro da lência que estavam ocorrendo em São concorreu à reeleição, declarou: — Casa e como intelectual e jornalista Paulo: — Quero lembrar a importânAgradeço o convívio fraterno que tive que teve também papel destacado na cia de um pronunciamento da ABI socom os colegas e as intervenções de constituição do Sindicato dos Jornabre a situação que ocorre em São Paumuitos de meus companheiros para listas Profissionais do Rio de Janeiro e lo, que tem a ver com a questão dos que eu concorresse à permanência no da Federação Nacional de Jornalisdireitos humanos, fruto da seqüência cargo, mas tenho meus motivos para tas:— Ele fez um trabalho valoroso de longos anos de desrespeito a esses me afastar. para que os jornalistas do País tivesdireitos e à incapacidade de diversos Em seguida, Maurício Azêdo elosem uma instituição que expusesse, no governos de resolver a violência. giou a atuação de Ivan Proença à frenplano federal, as reivindicações da caAlém de apoiar a proposta, Mauríte do Conselho: — Seu desempenho tegoria dos profissionais de imprensa. cio Azêdo manifestou sua preocupação com “a insegurança que ameaça estender-se a outros Estados”: — Devemos mostrar a falência do sistema prisional ao falar sobre as condições desumanas e brutais dos presídios do País — e, em especial, do Rio de Janeiro — que caracterizam a responsabilidade do Governo Federal com a política nacional de segurança pública. Até mesmo nos Estados que dispõem de recursos a segurança pública carece de investimentos sem teor meraEstanislau de Oliveira (à esq., com Segismundo e Domingos Xisto) é o 1º Secretário da Mesa do Conselho. mente repressivo. RODRIGO CAIXETA

Os jornalistas da área cultural devem sair mais da redação, disse Flávio Tavares

elevou os interesses da ABI, pelo estreitamento de relações que ele conseguiu promover entre os companheiros e as relações de confiança que foram estabelecidas. Na seqüência de sua intervenção, Maurício justificou a indicação de Fernando Segismundo para o cargo que vinha sendo ocupado por Ivan e informou que a indicação coube à Presidência da ABI, após consultas à Diretoria, a associados e membros do próprio Conselho Deliberativo: — Para nós da Diretoria da ABI corresponde a um dever de justiça conduzir à Presidência do Conselho Deliberativo da Casa Fernando Segismundo, associado que

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Jornal da ABI DEPOIMENTO-1 Entrevista a José Reinaldo Marques JOSÉ REINALDO MARQUES

MARCOS DE CASTRO Apaixonado pela língua portuguesa, escritor, tradutor e jornalista há mais de 40 anos, Marcos de Castro — licenciado em Letras Clássicas pela Faculdade Nacional de Filosofia da antiga Universidade do Brasil — considera a leitura um hábito essencial. Seu grande sonho, diz, é ver a maioria dos jovens brasileiros interessada nas obras dos grandes autores nacionais. Pensando nisso — e atendendo a um apelo do amigo Moacir Japiassu, também jornalista e escritor —, Marcos lançou recentemente o livro Caminhos para a leitura, que reúne 25 artigos com biografias e antologias de autores como Machado de Assis, Lima Barreto, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade e Aluísio Azevedo.

“OS JOVENS JORNALISTAS PRECISAM LER OS GRANDES MESTRES DA LÍNGUA” Ninguém escreve bem se não lê os bons autores de seu idioma, diz ele, um jornalista licenciado em Letras Clássicas. 8

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Jornal da ABI ACERVO MARCOS DE CASTRO/FOTO RUBENS BARBOSA-JB

Jornal da ABI — Desde quando a leitura é um item básico na sua vida? Marcos de Castro — Nasci numa casa que tinha estantes espalhadas por todos os cômodos e livros do chão até o teto. Então, eu me habituei a ler desde pequeno. Nessa ocasião, morávamos em São Paulo. Meu pai era carioca, mas formou-se em Engenharia e foi trabalhar em ferrovias. Ao longo da linha, foram nascendo os filhos: eu em Uberaba, outro em Campinas, outro em Franca. Jornal da ABI — Quando foi sua aproximação com o jornalismo? Marcos — Eu estudava Letras Clássicas, na velha Faculdade Nacional de Filosofia, e precisava ganhar um dinheirinho. Na época, não pensava em ser jornalista, mas pedi a um cunhado, que trabalhava na Tribuna da Imprensa, que me conseguisse um lugar de revisor. Embora não soubesse aqueles sinais e convenções, tinha condições de fazer o trabalho. Jornal da ABI — Então a revisão foi a sua porta de entrada na imprensa? Marcos — Sim. Meu primo me apresentou ao Gabriel Chaves de Melo, que era o chefe da Revisão da Tribuna e estava também assumindo a Direção de Redação (naquele tempo não se usava o termo editor) da revista Maqui, do Amaral Neto. Ele estava com um arquivo fotográfico bagunçado e perguntou se eu não queria ajudá-lo. Não havia salário, mas teria um pró-laborezinho, ou coisa assim. Quando comecei a trabalhar, em 1958, o Amaral Neto lançou O Brasil em Jornal, sobre História, em que a gente publicava o fato como se estivesse ocorrendo naquele momento, algo como “Frota de Cabral avista novas terras e o Monte Pascoal”. Era uma imitação do francês Le Journal de Monde. Fez muito sucesso e tinha uma Redação de elite. Jornal da ABI — Quem eram seus colegas? Marcos — Lá estavam craques como Cláudio Soares, que era professor de História e jornalista de altíssimo nível; Rubem Azevedo Lima, que tinha acabado de ganhar 400 mil cruzeiros num programa de televisão famoso da época, O céu é o limite, respondendo sobre História do Rio de Janeiro; e o Zuenir Ventura, que foi meu colega de faculdade. Trabalhei lá por uns cinco ou seis meses, até que um dia apareceu o Carlos Lemos, no início de 1959. Ele estava completando a grande reforma gráfica e editorial do Jornal do Brasil, que foi — acho eu — o passo mais importante da imprensa brasileira no

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Um momento de dupla emoção: Marcos de Castro recebe o Prêmio Esso de Informação Científica das mãos de Carlos Lemos, que fora o responsável por sua ida para o Jornal do Brasil, dez anos antes, em 1959. Lemos completava então a célebre reforma do JB.

século XX, com Odylo Costa, filho à frente. Lemos fora nomeado chefe de Esportes e foi lá buscar Cláudio Soares, com quem eu tinha trabalhado na Tribuna. Jornal da ABI — Eles o levaram para o JB? Marcos — O Cláudio recusou o convite. Era professor de História em dois ou três colégios e à tarde ainda tinha o trabalho na Tribuna da Imprensa. Então, virou-se para o Lemos e disse: “Eu não posso trabalhar de noite, mas, se você quiser, leva esse garoto aqui, o Marcos, que está começando. Acho que ele tem condições para o cargo.” Acabei fazendo o caminho inverso da grande maioria dos jornalistas: em vez de repórter, virei logo copidesque, que tinha a função de reescrever toda a matéria. O Jornal do Brasil tinha o padrão gráfico determinado pelo Amílcar de Castro — grande artista e diagramador maravilhoso —, que nos obrigava a fazer lead e sublead. O JB criou também o sublead porque antes eram dois blocos de cinco linhas, uma diagramação horrível, totalmente verticalizada. Reescrevíamos inteiramente os textos, em primeiro lugar, para adaptá-los ao projeto gráfico; depois, porque os repórteres, realmente, não eram de alto nível. As matérias chegavam cheias de erros, precisando de muito mais do que o que hoje se chama de uma “copidescada”. Jornal da ABI — E como foi a sua pas-

sagem pela Redação da revista Realidade? Marcos — O período de dois anos (1967-1969) em que trabalhei na Realidade foi o melhor de minha carreira, se é que se pode dizer que tenho uma carreira. Lá, era dignamente remunerado para fazer apenas uma reportagem por mês, trabalhei com gente como José Hamílton Ribeiro e Luiz Fernando Mercadante e ganhei um dos meus Prêmios Esso, na categoria Informação Científica (1969). O outro, de Reportagem Esportiva, ganhei no JB (1963), numa parceria com meu saudoso companheiro Dácio de Almeida. Pela Realidade, viajei muito e fui o único repórter brasileiro a entrevistar Chiang Kai-Chek, ditador de Formosa — que hoje os jornais chamam colonialisticamente de Taiwan, quebrando uma tradição de mais de 400 anos na língua portuguesa. Jornal da ABI — No seu mais recente livro, Caminhos para a leitura, você diz que pretende ajudar os jovens jornalistas a conhecer os clássicos da literatura brasileira. Como espera alcançar este objetivo? Marcos — Acho a leitura essencial para o jornalista, que, afinal, vive das palavras. Ninguém escreve bem se não lê os bons autores de sua língua. E um bom redator não pode deixar de ler os grandes mestres, como Machado de Assis e José de Alencar. Se você pegar Machado, por exemplo, vai ter toda a vida do Rio antigo e conhecê-lo muito melhor do que num chato livro de História. Com escritores como ele, o cidadão mergulha fundo na história da cidade e do País. Jornal da ABI — O que considera mais interessante em seu livro?

Marcos — Ele tem um pequeno estudo — não é crítica, que eu não sou crítico literário — sobre cada autor. A esse pequeno estudo acrescento uma antologia, um trecho de cada escritor. Acho que isso pode levar os jovens a se reencontrarem com a leitura. Sobretudo, também, porque os críticos literários acham que a obra literária é uma coisa inteiramente à parte, que não tem nada a ver com a biografia do autor. Acho muito importante, por exemplo, o sujeito que lê o nosso grande Lima Barreto saber que ele era negro, suburbano, pobre, bêbado e louco, duas vezes internado no hospício onde seu pai já tinha estado, na Praia Vermelha, diante do que é, hoje, o Iate Clube Brasileiro. Jornal da ABI — A idéia foi mesmo do jornalista e romancista Moacir Japiassu? Marcos — Ele é culpado pela existência do livro porque tinha uma bonita e crítica revista chamada Jornal dos Jornais. Quando foi lançar o nº 1 da publicação, o Japiassu me telefonou, dizendo: “Marcos, eu quero que você faça um artigo por mês sobre um escritor de língua portuguesa. Sabe por quê?” — e aí ele repetia o que sempre digo — “Porque os jovens não estão lendo nada. Eu quero que, através da nossa revista, eles comecem a penetrar no espírito do autor, para que, a partir daí, se interessem pelos livros desses autores.” Escrevi durante quase dois anos para a revista. Quando ela fechou, falei com a Luciana Vilas-Boas, da Record, e ofereci os artigos. Ela disse: “Tem 21 artigos. Faz mais quatro que a gente publica esse livro”. Jornal da ABI — Seu penúltimo livro,

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Jornal da ABI

Jornal da ABI — Quais são, como você diz, as principais batatadas da imprensa com o idioma? Marcos — Em A imprensa e o caos na ortografia, apresento uma coleção de 70 a 80 batatadas. Como a expressão “vítima fatal”. Fatal é um adjetivo que significa “que mata”. Assim, uma doença fatal é uma doença que mata. Ora, a vítima não mata, fatal é o acidente. Jornal da ABI — O que acha de se incorporar à língua vocábulos de outros idiomas? Marcos — Quando necessários, vocábulos de outros idiomas enriquecem uma língua. Por exemplo, quando o abajur chegou aqui, não tínhamos uma palavra para ele. A palavra criada em função da tecnologia que vem de fora é aceitável. Agora, acho absolutamente desnecessária a expressão delivery, uma vez que temos a tão comum entrega em domicílio. Jornal da ABI — O que isso traz de ruim? Marcos — É ruim por ser absolutamente inútil. Outro dia chegou aqui um rapazinho fazendo entrega de supermercado e dizendo que era o “delivéri”, deturpando a pronúncia. Ele não tem obrigação de saber inglês. Estamos por aí com essa estupidez de delivery, um termo absolutamente inútil forçado pelo comércio, que quer ser copiador dos americanos. A imprensa contribui por não fazer uma triagem, não usar apenas os termos essenciais. A Economia importou muitos vocábulos estrangeiros. Jornal da ABI — Você assina a coluna Boca-de-cuia no Jornal dos Sports. Desde quando tem atração pela crônica esportiva? Marcos — Na grande imprensa, eu comecei na editoria de Esportes, trabalhando com uma equipe de primeiríssimo nível: o editor era Carlos Lemos, o subeditor era Jânio de Freitas e o time de copidesques tinha o Sérgio Noronha e o Fernando Horácio da Mata, infelizmente falecido. Em se-

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guida, incorporou-se à equipe o Armando Nogueira. Quando ele entrava em férias, eu era chamado para interino da coluna, que se chamava Na grande área. Desde então tenho essa quedinha pelo esporte em geral, particularmente pelo Flamengo.

JOSÉ REINALDO MARQUES

A imprensa e o caos na ortografia, sugere que os textos jornalísticos também estão ruins. Marcos — Além de ruins, estão coalhados de erros. Por exemplo, acabo de ler uma matéria em que a repórter se refere à Roda dos Expostos, onde as mulheres pobres abandonavam crianças. A repórter diz que esse recurso já existia no século XIX, como está — segundo ela — escrito no conto Relíquias de casa velha, de Machado de Assis. Ora, Relíquias de casa velha não é um conto, é um livro de contos.

tura. Acho que a nossa crônica política caiu um pouco de lá para cá. Castelinho era tão hábil que, mesmo no auge da ditadura, conseguia usar as entrelinhas de sua coluna. Jornal da ABI — O que você acha que provocou essa queda de qualidade nas colunas políticas? Marcos — Acho que é a falta de leitura. Hoje, você não tem um colunista do nível do Castelinho ou do Heráclio. Ou ainda, antes deles, do velho Prudente de Morais, neto, que foi Presidente da nossa ABI e se assinava Pedro Dantas. Ele era um cronista político finíssimo, de altíssimo nível. Posso juntar a Heráclio Sales e Castelinho o nome de Pedro Dantas, seria uma injustiça se não juntasse o nome dele.

Jornal da ABI — Qual é o cronista esportivo cujo texto você mais admira? Por quê? Marcos — Gosto muito do Armando Nogueira, que acabo de citar e que tem um texto primoroso, e também do Fernando Calazans, que é um sujeito que você logo percebe que conhece o idioma, que lê e sabe escrever. Isto é muito importante para mim. Jornal da ABI— No artigo Carrinhos e malas, para o JS, você critica o fato de os comentaristas esportivos abusarem de termos impróprios, principalmente na TV. A imprensa esportiva comete muitas batatadas? Marcos — Tanto quanto as outras editorias. Ela não é nem melhor nem pior do que a imprensa da área policial ou de política. Acho que ela tem a mania de repetir velhas coisas, como pelota e árbitro, quando é muito mais fácil você falar bola e juiz. E há os que querem seguir uma coisa rígida, a denominação técnica oficial; então, dizem “o assistente”. Por que, se é mais simples transmitir para o leitor ou para o telespectador a expressão “bandeirinha”?

“Acho a leitura essencial para o jornalista, que, afinal, vive das palavras. Ninguém escreve bem se não lê os bons autores de sua língua.”

Jornal da ABI — Como você avalia a participação do jovem brasileiro na política?

Um missionário da causa do idioma: em dois dos vários livros que escreveu, Marcos estimula a leitura e combate a poluição da língua portuguesa.

Jornal da ABI — O multiculturalismo é um tema que vem sendo muito debatido atualmente. Você acha que os veículos de comunicação dão a devida atenção ao assunto? Marcos — Nós temos hoje nos jornais os segundos cadernos, coisa que a reforma do Jornal do Brasil fundou na imprensa. O Caderno B foi o primeiro deles, até então não existia isso. A partir dele, todo grande jornal do País tem o primeiro caderno — com notícias de política, economia, polícia, esportes etc. — e o segundo — com lazer e cultura. Essa criação do Reinaldo Jardim é uma criação do Jornal do Brasil na época da reforma. Acho que os assuntos culturais estão, razoavelmente, bem tratados nesses cadernos. Além disso, os jornalões têm também suplementos literários que tratam quase que exclusivamente de livros.

Marcos — A ditadura deixou, até hoje, seqüelas muito graves nesse sentido. Acho que o jovem brasileiro não participa como no tempo da campanha O petróleo é nosso e de muitas outras que surgiram. Pouco a pouco, porém, com a democracia estabelecida e estratificada no País, acho que a tendência é melhorar cada vez mais, cada vez o jovem participar mais.

Jornal da ABI — Em que medida o jornalista deve respeitar as diferenças culturais? Marcos — Na medida mais ampla possível. Acho que diferenças culturais têm que ser respeitadas sob qualquer hipótese. O respeito a uma diferença cultural indígena, negra ou qualquer outra é uma coisa importantíssima, fundamental. Mas há coisas que acho uma perda de tempo, como o que fez um ex-Secretário de Cultura do Município do Rio — com grande boa vontade, tenho certeza —, que mudou o nome de Secretaria de Cultura para Secretaria das Culturas.

Jornal da ABI — Você gosta do jornalismo político nacional? Marcos — Gosto. Não sei se é saudosismo ou um pouco de velhice, mas lembro que o Jornal do Brasil tinha colunistas como o Castelinho (Carlos Castelo Branco) e o Heráclio Sales, que eram não só homens de grande saber, como amavam seu idioma, conheciam profundamente sua língua; enfim, eram homens de cul-

Jornal da ABI — Que tipo de lição a imprensa vai tirar de um episódio como o das charges sobre Maomé? Marcos — Acho que a lição básica é que tudo tem seu limite. Há um limite muito delicado quando você agride a crença das pessoas, desrespeita sua fé. Você está atingindo um campo perigoso, e é injusto mexer com esse tipo de sensibilidade, que tem de ser respeitado.

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Jornal da ABI ACERVO MARCOS DE CASTRO/FOTO RUBENS BARBOSA-JB

Um Prêmio Esso inesquecível No salão de festas do Hotel Glória, os tiras destoavam, embora não fossem propriamente uma raridade naquele tempo. Era o dia 11 de dezembro de 1969, almoço de entrega do Prêmio Esso, as mesas floridas. Luís Edgar de Andrade era o grande premiado, com uma série de reportagens na Última Hora. Entre os outros ganhadores estava eu, prêmio de Informação Científica com uma reportagem sobre um novo método de terapia para crianças nascidas com lesão cerebral, publicada na revista Realidade. A nos unir, um drama recente, que também não era coisa rara naqueles dias: ambos tínhamos sido presos pela ditadura, conhecêramos as masmorras do Doi-Codi na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, nos fundos do quartel da PE. Desencontro: Luís Edgar saíra da prisão na tarde de 9 de setembro, eu entrara poucas horas depois, à noite. Não darei aos leitores o incômodo de me alongar quanto àquela sucursal do inferno. Bastem, quanto a ela, as palavras de Luís Edgar no seu discurso ao receber o prêmio. Voltemos por ora às mesas e a suas flores. E também aos tiras, estrate-

ACERVO MARCOS DE CASTRO/FOTO RUBENS BARBOSA-JB

Marcos de Castro

Quando Luís Edgar, ganhador do principal Prêmio Esso de 1969, comparou o inferno de Khe Sanh, no Vietnã, aos gritos dos torturados no Doi-Codi, Marcos, que também estivera no Doi-Codi, correu para o palco e o abraçou comovido. A platéia aplaudiu de pé.

gicamente espalhados pelos cantos do salão. Como ficou dito, a presença deles não era raridade, onde quer que fosse, naqueles dias de violência (eram os primeiros meses do Governo Médici, os tempos mais sombrios da ditadura). Mas talvez o fato de haver dois “subversivos” entre os premiados tenha aumentado o número daquela gente inconfundível, sempre de terno escuro, sempre de gravata, sempre com um jeito típico a denunciá-los. Chegavam aos locais em carros pretos (ficou famoso o Opala preto), com placa particular. Pois Luís Edgar ignorou os tiras, ignorou a ditadura, ignorou seu período mais brutal, no discurso que tinha de fazer como principal premiado – era a praxe. Poucas vezes pude sentir tão de perto a vivência daquilo a que o filósofo Paul Tillich chama “a coragem de ser ”. Luís Edgar a teve. Lembrou, na sua fala, que, repórter cobrindo a guerra do Vietnã, tinha estado no cerco de Khe Sanh, o inferno de Khe Sanh, em fevereiro e março do ano anterior, 1968. Eis o trecho de seu discurso que desafiava o arbítrio (não um desafio gratuito, mas o desafio da dignidade): “Khe Sanh eu já esqueci. Mas, 100 anos que eu viva, jamais esquecerei os gritos desesperados que cortavam a noite vindos das câmaras de tortura do DoiCodi, num quartel brasileiro, há poucos meses.” Talvez não sejam essas as palavras exatas, mas foi isso o que ele disse, com toda a carga de emoção. Não resisti, não pude resistir, tratava-se de um rasgo de coragem que tinha de ser reconhecido no ato. Comecei a tremer, levantei e atravessei o salão correndo, foi uma força interior que me levou até meu companheiro de infortúnio no DoiCodi. Quando subi ao palco, o salão todo aplaudia de pé aquela transgressão totalmente fora do programa de uma cerimônia até então bem comportada. O abraço que dei em Luís Edgar há de ter sido um dos momentos mais comovidos da minha vida (foi foto de primeira página no tablóide Zero Hora, de Porto Alegre, no dia seguinte). Os tiras tiveram de engolir o constrangimento que certamente sentiram. Por um minuto a ditadura fora vencida, um minuto inesquecível. A única conseqüência ficou para o ano seguinte: não houve mais discurso nas cerimônias do Prêmio Esso até o fim da ditadura.

“Por um minuto a ditadura fora vencida, um minuto inesquecível.” Maio de 2006

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BAHREIN

MALÁSIA

E U R O PA

E S PA N H A

CANADÁ

EUA

HUNGRIA

TURQUIA

AUSTRÁLIA

MÔNACO

FRANÇA

ITÁLIA

SAN MARINO

I N G L AT E R R A

ALEMANHA

CHINA

COM GASOLINA PETROBRAS, TODO CIRCUITO FICA MAIS FÁCIL.

JAPÃO

BRASIL

A GASOLINA DA EQUIPE WILLIAMSF1.


Jornal da ABI DEPOIMENTO-2 Entrevista a José Reinaldo Marques SERGIO MARQUES/ O GLOBO

TEREZA CRUVINEL Analista política de O Globo e da GloboNews acha que a imprensa deve investigar, mas não pode atribuir-se o papel de outras instituições.

“IMPRENSA NÃO É DELEGACIA”

F

ormada em Jornalismo em 1981 pela Universidade de Brasília e mestre em Comunicação Social, com orientação para Mídia e Política, pela mesma universidade, Tereza Cruvinel é uma das mais respeitadas analistas políticas da imprensa brasileira. Além da coluna Panorama político, que assina diariamente em O Globo, há dez anos faz comentários políticos na

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GloboNews. Mais recentemente, passou a aparecer também no Programa do Jô, na TV Globo, ao lado de outras renomadas colegas. Premiada, Tereza passou ainda pelas redações da TV Brasília, do Jornal de Brasília, do Correio Braziliense e do Jornal do Brasil e participou como repórter de importantes coberturas, como a campanha pelas diretas e a eleição de Tancredo Neves. Maio de 2006


Jornal da ABI Jornal da ABI — Como foi seu início na carreira? Tereza Cr uvinel — Antes de me Cruvinel formar, mais como militante do que como jornalista, atuei em alguns jornais alternativos, como Versus e Cidade Livre, nos anos 70. Mas minha carreira profissional para valer teve início no Jornal de Brasília, assim que concluí a faculdade. Jornal da ABI — O jornalismo político sempre foi sua paixão? Tereza — Praticamente foi só o que fiz em minha vida. Sou um ser político, fui líder estudantil, militei em organizações de esquerda nos anos 70, mas acabei optando pelo jornalismo como atividade profissional. No Jornal de Brasília, fiz Cidade durante alguns meses, mas logo fui puxada para a Política pelo então editor, Leonardo Motta Neto. Jornal da ABI — Como você avalia o desempenho da imprensa diante dos escândalos que estouraram em Brasília, envolvendo o Governo e o Legislativo? Tereza — Certamente foi importantíssima a contribuição do jornalismo investigativo para o esclarecimento de muitas questões, bem como a cobertura das CPIs. A GloboNews transmitiu ao vivo quase todos os depoimentos importantes. E tudo foi detonado, não nos esqueçamos, pela divulgação da fita sobre extorsão nos Correios, pela Veja, e depois pela en-

Jornal da ABI — Qual a cobertura que mais a marcou? Tereza — Certamente, a campanha das diretas e a eleição de Tancredo Neves, quando éramos também cidadãos empenhados em garantir o fim da ditadura. Duvido que alguém diga, honestamente, que participou de tais coberturas sem emoção, com absoluta indiferença ou extrema objetividade. Os jovens jornalistas de hoje não sabem o que foi a ditadura, não podem entender aqueles tempos. Jornal da ABI — Escrever o Panorama Político é o ponto mais alto de sua carreira? Tereza — Escrever uma coluna diária é um privilégio e uma responsabilidade, mas é também uma forma de prisão, nossos movimentos profissionais ficam mais limitados. Não há um mercado para colunistas. Esta é uma posição a que se chega pelas mais diferentes circunstâncias. Mas O Globo é uma excelente casa, tanto no aspecto da independência e do respeito profissional como do ambiente e das condições de trabalho. Jornal da ABI — Você acha que foi guindada à função prematuramente? Tereza — No início dos anos 80 não havia essa profusão de colunas de hoje. O grande e quase solitário colunista político era Carlos Castelo Branco, o Castelinho, um monstro sagrado, no JB. O Globo tinha

profissões”, você escreveu certa vez que acha o jornalismo a mais incompreendida das profissões. Por quê? Tereza — O nível de exigência é grande e a qualidade de vida, precária, por conta do estresse e do desafio de matar um leão por dia. Uma falha significativa pode anular todos os méritos acumulados em anos. E do outro lado há um leitor ou telespectador que está sempre a esquadrinhar o seu trabalho, em busca de falhas. Na minha área, há aquela coisa de querer descobrir suas verdadeiras posições políticas, como se o jornalista fosse proibido de ter uma. Ele tem; não pode é sujeitar o trabalho às suas preferências políticas, porque aí estaria faltando ao dever essencial de garantir a oferta de boa informação. Jornal da ABI — Você também já chamou a profissão de antiintelectual. Tereza — Há uma máxima batida segundo a qual o jornalista é sempre um gênio da superficialidade. Ocorre que temos uma rotina tresloucada, sobretudo em Brasília. Com isso o jornalista tem limitado seu tempo para consumir cultura e crescer intelectualmente. Ficamos quase todos, basicamente, com a bagagem acumulada antes de nos profissionalizarmos. Jornal da ABI — Em síntese, o que

ças poderosas, sempre prontas a reagir. Ainda bem que na Justiça, e não a bala. Em alguns casos isolados, houve má apuração dos fatos e publicação de inverdades — a competição hoje é maior, novos meios surgiram e, em momentos de crise, a ansiedade para mostrar trabalho é grande; todos querem dar seu tiro e alguns erram o alvo. No geral, porém, acho que isso é um bom sinal de que a imprensa está cumprindo seu papel. Infelizmente, muitas dessas ações traduzem tentativas de intimidação, ou seja, de limitação da liberdade de imprensa. Jornal da ABI — Onde os erros são mais graves: nos jornais ou nas revistas semanais? Tereza — Embora os jornais sejam mais suscetíveis ao erro de apuração, devido ao tempo mais exíguo de produção industrial, acho que as revistas pecam mais. Jornal da ABI — Você já foi obrigada a se retratar por alguma nota considerada caluniosa? Tereza — Sim, e não tenho problema em corrigir minhas falhas, geralmente ligeiras. É impossível ser perfeito escrevendo todo santo dia. Vez ou outra escorregamos numa indução ou apuração apressada. Grave mesmo foi um episódio em que a História me deu razão. Jornal da ABI — Qual? Tereza — Durante a Constituinte,

“Na minha área, há aquela coisa de querer descobrir suas verdadeiras posições políticas, como se o jornalista fosse proibido de ter uma. Ele tem; não pode é sujeitar o trabalho às suas preferências políticas, porque aí oa informação. boa informação.”” estaria faltando ao dever essencial de garantir a oferta de b trevista de Roberto Jefferson à Renata Lo Prete, da Folha de S. Paulo. Jornal da ABI — Foi um bom momento para a cobertura política? Tereza — Sem dúvida. Veja o caso dos repórteres Bernardo de La Peña e Gerson Camarotti, de O Globo, que acabaram de lançar o livro Memorial do escândalo. Foi um bom momento para o jornalismo político, mas é preciso tomar cuidado com o salto alto, com a confusão de papéis. O da imprensa é informar, e para isso é necessário também investigar. Mas a imprensa não deve ser delegacia, nem o jornalista, um policial inescrupuloso — e muito menos avocar-se o papel político que cabe a outras instituições.

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uma coluna de notas na página 4, e com o afastamento do titular, Antônio Martins, fui indicada pelo Evandro Carlos de Andrade e o Carlos Lemos para ocupá-la por alguns dias. Insisti em que fosse só por alguns dias. Achava uma responsabilidade imensa, era quase uma foca, com pouco tempo de estrada. E depois, estava gostando de ser repórter, cobria o Palácio do Planalto, onde o Governo Sarney dava os primeiros passos. Era um momento importante da transição, de remoção do entulho autoritário. Estes poucos dias, entretanto, transformaram-se em 20 anos. Jornal da ABI — Citando Gabriel García Márquez, para quem o jornalismo é “a mais formidável das

faz um repórter de Política em Brasília? Tereza — Cobre as sessões do Congresso, que varam madrugadas, acompanha medidas provisórias, que são baixadas tarde da noite, e há sempre uma vida social que, no fundo, é profissional. Ainda tem o que é preciso ler sempre: vários jornais por dia e umas tantas revistas semanais. Jornal da ABI — A Associação Brasileira de Jornalismo InvestigativoAbraji tem chamado a atenção para o grande número de ações judiciais contra jornalistas. Qual sua opinião sobre o assunto? Tereza — Em parte porque se fortaleceu muito nos últimos anos, o jornalismo investigativo enfrentou for-

no auge do enfrentamento entre o Presidente José Sarney e os constituintes pela duração do mandato, noticiei que ele tivera um mal-estar cardíaco, chegando a ser atendido pelo Dr. Adib Jatene, chamado de São Paulo a Brasília. O Planalto, obviamente, soltou um sonoro desmentido e os outros jornais deram destaque. No aperto, abri minha fonte, o Deputado Sarney Filho. Anos depois, José Sarney admitiu, em diversas entrevistas, que teve três crises cardíacas naquele período. Fui criticada e incompreendida, mas O Globo foi muito correto e sustentou minha matéria. Jornal da ABI — Em qual dos três Poderes estão as principais fontes do jornalismo político?

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Jornal da ABI Tereza — O Legislativo sempre foi acessível e mais democrático, e por isso a informação circula mais livremente por lá. O Executivo guarda interesses poderosos — e informação é poder, administrado segundo os mais diferentes critérios, que variam também de governo para governo. Já o Judiciário é sabidamente mais fechado e ameaçador. Por tudo isso, a imprensa sempre bate mais no Congresso, que não é retaliativo.

foi muito criticado por ter aceitado jantar com jornalistas em sua casa, em fevereiro de 2004. Tereza — Conheço Lula desde o final dos anos 70, mesma época em que conheci Fernando Henrique Cardoso, então muito próximo do

Jornal da ABI — Como avalia a relação da imprensa com o poder? Tereza — Sempre me bati contra certa visão distorcida de que os jornalistas que atuam em Brasília curtem a sombra do Poder — já se disse até que comemos as sobras da mesa deixadas por ele. Isso é uma indignidade e uma ignorância. É claro que para ter informação é preciso ter acesso, o que não significa, necessariamente, sinal de promiscuidade. Já vi muita vestal chegar do Rio ou de São Paulo evitando contatos pessoais com os ocupantes do poder. Em pouco tempo se rendem. Cabe a nós ter o bom

mar alguns ao Palácio da Alvorada ou do Planalto, pois a seleção dos nomes sempre geraria problemas. O Kotscho me pediu que organizasse o jantar e eu aceitei, na melhor das intenções, acreditando que colaborava para o estabelecimento de uma relação melhor, que facilitaria o acesso de todos ao Presidente. A conversa foi ótima, ele falou sobre todos os assuntos levantados com muita naturalidade, e terminou dizendo que poderíamos repetir encontros daquela natureza. Todos publicaram tudo com destaque, mas alguns criticaram o formato do encontro, como se o Lula tivesse explicitado uma preferência por mim e pelas Organizações Globo. Jornal da ABI — Como você reagiu? Tereza — Fiquei chateada. Depois da crise, este jantar voltou a ser muito recordado, como se embutisse um delito profissional de minha parte. Um leitor chegou a dizer que ouviu dizer que eu ofereci uma festa de arromba ao Lula logo depois da posse, veja só. Jornal da ABI — Você acha que até o fim do mandato

tas. Fernando Henrique fazia isso com maestria. Com freqüência, recebia em grupos ou individualmente apenas para conversar, não para dar entrevista. Jornal da ABI — Você disse uma vez que a internet transformou os leitores em “ministério público da imprensa”. O que isso significa? Tereza — Eu me referia à democratização do acesso dos leitores e consumidores de informação em geral aos veículos e aos próprios jornalistas. Tal acesso tem produzido uma vigilância permanente, às vezes cobranças e julgamentos severos por parte dos leitores e telespectadores, sempre prontos a julgar nosso trabalho. Eles escrevem para as seções de cartas dos leitores e para nós, muitas vezes de forma grosseira ou agressiva. Tenho um blog no Globo Online em que sempre veiculo as críticas a meu trabalho, algumas ofensivas e injustas. Mas faz parte e é bom que isso esteja acontecendo, é sinal de vitalidade de nossa democracia. Nos Estados Unidos, a sociedade reagiu fortemente quando a imprensa, num arroubo patriota, fez o jogo do Presidente Bush em relação à invasão do Iraque. Foi bom porque a imprensa norteamericana se corrigiu. Jornal da ABI — Sua participação no Programa do Jô, que tem grande audiência e é dirigido também ao

“T enho um blog no Glob o “Tenho Globo Online em que sempre veiculo aas críticas a meu trabalho, algumas ofensivas e injustas. Mas faz parte e é b om que isso esteja bom acontecendo, é sinal de vitalidade de nossa democracia. democracia.”” senso de distinguir as coisas. Se me convidam para um almoço no Itamarati em função de uma visita estrangeira e no qual estarão pessoas com quem desejo conversar, aceito. Se sou convidada para o churrasco familiar de uma autoridade, é claro que isso é uma tentativa de me envolver e não vou, a não ser que tal evento vá me propiciar algum contato muito importante. O acesso não quer dizer intimidade. Intimidade a gente tem com amigos e parentes. Com as fontes, devemos ter uma relação de lealdade, mas não um pacto de proteção recíproca, do tipo “eu informo e você me garante só boas notícias”. Jornal da ABI — O Presidente Lula

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sindicalismo do ABC. Se o Presidente amanhã for o Serra, também poderei dizer que o conheço há quase duas décadas. É da vida. Quanto ao jantar na minha casa, quem foi mais criticada fui eu mesma. Este episódio guarda lances de uma mesquinhez impressionante. Jornal da ABI — Como assim? Tereza — A relação do Governo Lula com a imprensa, um ano depois da posse, continuava péssima. O Presidente se recusava a dar uma entrevista coletiva, mas por sugestão do Ricardo Kotscho, na época Secretário de Imprensa, aceitou ter uma conversa informal com jornalistas políticos. Ele queria ir ao encontro deles em lugar neutro, e não cha-

o Presidente conseguirá melhorar sua relação com a imprensa? Tereza — Acho difícil. Vem aí uma campanha que promete ser sangrenta e, como candidato, não creio que ele supere sua dificuldade em lidar com jornalistas. Jornal da ABI — Qual tem sido o maior erro do Presidente em sua relação com a mídia? Tereza — Primeiro, não ter compreendido a importância das entrevistas coletivas, dando prioridade aos que cobrem o Palácio, acompanham suas viagens, enfim, ralam no dia-a-dia do Governo. Segundo, não ter estabelecido uma rotina de contatos informais com jornalistas, sobretudo analistas e colunis-

público formador de opinião, mudou alguma coisa na sua carreira? Tereza — Acredito que não. Continuo no mesmo lugar e fazendo as mesmas coisas. Além da coluna, faço comentários políticos no Jornal das Dez, da GloboNews, há uma década e gosto desta atuação paralela na televisão, embora a TV paga ainda tenha um público muito restrito neste País de renda tão concentrada. Jornal da ABI — Você trocaria o jornal pela televisão? Tereza — Ainda não tive que fazer esta opção. Gosto muito de escrever e espero poder me dedicar mais a criar contos, coisa que faço muito marginalmente.

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Jornal da ABI LIBERDADE DE IMPRENSA Tradução de Maria Ilka Azêdo

AS GUERRAS DA MÍDIA NO MUNDO

O Relatório de 2005 do Instituto Internacional de Imprensa (IPI, na sigla em inglês) mostra que no mundo inteiro a mídia está engajada em batalhas para garantir seu direito fundamental: o de dar informação.

REPRODUÇÃO

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elevada taxa de morte de jornalistas continuou em 2005 com 65 jornalistas assassinados. O Iraque, onde 23 jornalistas foram mortos, ainda é o país mais perigoso do mundo para a mídia. Jornalistas também foram vitimados em outros 21 países, entre eles Bangladesh, Haiti, Rússia e Somália. Quatro jornalistas foram mortos na Europa oriental, mas o evento mais significativo na Europa ocidental foram os bombardeios de 7 de julho em Londres. O ataque fez a Inglaterra adaptar a legislação proibindo a “glorificação” do terrorismo. Em setembro, a União Européia discutiu em um policy paper¹ o envolvimento da mídia na “radicalização” do terrorismo e indicou códigos voluntários de conduta como solução. Esses gestos sugeriram uma mudança na relação entre liberdade e segurança e também formaram o debate político acerca das controvertidas caricaturas de Maomé, publicadas

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pelo jornal dinamarquês JyllandsPosten em 30 de setembro. Na Ásia, onde 20 jornalistas foram mortos, a China está adotando o capitalismo sem que as liberdades necessárias sejam introduzidas. Políticos europeus procuraram fazer acordos comerciais, empresas de computação americanas censuraram seus softwares de internet e muitos jornalistas e ativistas da internet permaneceram nas prisões chinesas. Nove jornalistas foram assassinados nas Filipinas, fazendo que este se tornasse o país fora de uma zona de conflito mais arriscado para as práticas do jornalismo; enquanto isso, no Sri Lanka houve novos assassinatos de jornalistas devido às suas convicções políticas. Jornalistas no Nepal estão engajados em uma batalha vocal, porém desigual, pela liberdade de imprensa. Com 26 jornalistas assassinados, o Oriente Médio e o Norte da África formam a região uniformemente mais restrita do planeta. Com poucas exceções, os governos

mantêm uma dura contenção ao livre fluxo da informação. No Iraque, a insurreição alvejou a mídia, forçando jornalistas estrangeiros a permanecer em zonas protegidas. Como resultado, os jornalistas iraquianos foram as maiores vítimas. No Líbano, o assassinato de dois jornalistas intimidou a mídia mais enérgica da região. Quatro jornalistas foram mortos na África em 2005: dois na Somália, um em Serra Leoa e outro na Repú-

blica Democrática do Congo. O Governo da Etiópia atacou a mídia independente do país e prendeu jornalistas por traição, enquanto no Zimbábue a mídia ainda é controlada pela legislação repressiva. A região da Áustrália e das ilhas do Pacífico testemunhou alguns avanços, mas também a falta de capital e uma fraca infra-estrutura de comunicação trazem dúvidas quanto a seu futuro. Nas Américas, onde 11 jornalistas morreram, houve um progresso em 2005 com a revogação de algumas leis restritivas² – no Chile, Guatemala, Honduras e Panamá – e a redução dos ataques violentos a jornalistas venezuelanos; no entanto, a autocensura aumentou na região, e atentados contra jornalistas continuam na Colômbia e no México. O Haiti se tornou o país mais perigoso da área, com três jornalistas mortos. Nos Estados Unidos, restrições no acesso à informação e perseguições judiciais a fontes jornalísticas contribuiram para um ano difícil para a mídia. ¹ Documento com uma proposta política clara que pode servir de base para concepção de uma nova legislação. ² No original, insult laws.

O texto que reproduzimos, intitulado originalmente Guerras da mídia: ano zero, constitui a apresentação da Revista da Liberdade de Imprensa no Mundo (World Press Freedom Review) relativa a 2005, editada pelo Instituto Internacional de Imprensa (International Press Institute-IPI), instituição sediada em Viena, Áustria, que reúne jornalistas, editores e diretores de órgãos de comunicação de 120 países. O volume reúne informações sobre a situação da liberdade de imprensa no ano passado e é uma edição especial do IPI Report (Relatório IPI), publicação periódica da instituição. Firmado pelo Presidente do IPI, Wilfred D. Kiboro, e pelo Diretor e Editor da Revista, Johann P. Fritz, o texto é publicado integralmente no Brasil pela primeira vez nesta edição do Jornal da ABI.

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Jornal da ABI LIBERDADE DE IMPRENSA

Ao expor a situação da liberdade de imprensa entre nós, o Relatório do Instituto Internacional de Imprensa diz que o País é um dos mais perigosos do Ocidente para o exercício do jornalismo.

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REPRODUÇÃO

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om centenas de jornais e canais de televisão e milhares de estações de rádio, o Brasil é o maior mercado de mídia da América do Sul. A mídia independente do país reporta vigorosamente a performance do governo e outras questões políticas e sociais. No entanto, jornalistas que trabalham no interior do país que tentam investigar o tráfico de drogas, a corrupção e outras atividades ilegais continuam a enfrentar ameaças, agressões físicas e até mesmo a morte nas mãos dos criminosos e detentores do poder local, fazendo que o Brasil seja um dos países mais perigosos do hemisfério ocidental para a prática do jornalismo. Quando não se deparam com ameaças e violência física, os jornalistas brasileiros têm de lidar com tentativas de censura e processos intimidatórios, que incluem ações judiciais criminais e civis por difamação baseadas na Lei de Imprensa de 1967, um remanescente da ditadura militar. O uso excessivo da força pela polícia também foi um problema para os repórteres. Dois jornalistas foram assassinados no Brasil em 2005. Em 31 de março, Ricardo Gonçalves Rocha, dono do Jornal Vicentino na cidade de São Vicente, São Paulo, foi assassinado em seu carro por um assaltante em uma moto não identificado. Figura controversa, Gonçalves Rocha foi vereador da cidade por muitos anos. A Polícia afastou a hipótese de assalto, pois os pertences do jornalista não foram levados. José Cândido Amorim Pinto, jornalista investigativo da Rádio Comunitária Alternativa de Carpina, Pernambuco, foi morto em 1º de julho. Ele foi assassinado por dois homens em uma motocicleta enquanto estacionava seu carro do lado de fora da estação de rádio. Amorim produzia e apresentava um programa investigativo no qual freqüentemente denunciava casos

BRASIL TERRA PERIGOSA

Lúcio Flávio Pinto, do Pará: vários processos por dizer verdades.

de corrupção. Os recentes alvos de suas investigações incluíam os políticos locais Mandel Botafogo e Antônio Moraes. Amorim já havia recebido ameaças, e foi ferido em 21 de maio quando dois homens em uma motocicleta atiraram em seu carro. Em uma tentativa de acabar com a impunidade no Brasil, alguns envolvidos na morte de jornalistas receberam longas sentenças de prisão. Em 25 de maio, um júri condenou o chefe do tráfico local Elias Pereira da Silva pelo assassinato do repórter investigativo Tim Lopes em 2002, e o sentenciou a 28 anos e 6 meses de prisão. Em outros julgamentos, mais seis homens foram declarados culpados e pegaram longas sentenças pelo assassinato de Tim Lopes. Os brasileiros ficaram chocados com a morte brutal de Tim, repórter investigativo premiado, em junho de 2002. O jornalista havia ido à Vila Cruzeiro, um dos subúrbios mais empobrecidos do Rio de Janeiro, para investigar festas bancadas por traficantes de drogas onde acontecia a exploração sexual de menores. De acordo com os dois suspeitos presos em 9 de junho, alguns homens próximos a Pereira da Silva seqüestraram Lopes na Vila Cruzeiro por volta da meia-noite de 2 de junho. Depois que Lopes lhes contou que trabalhava para a TV Globo, eles o levaram a Elias Pereira da Silva, que estava em uma favela próxima. Os traficantes agrediram Tim e atiraram em seus pés, e após isso fizeram com zombaria um julgamento que o sentenciava à morte. Elias Pereira da Silva matou o repórter com uma espada, e seu corpo foi queimado e enterrado. Em dois julgamentos, em 3 de maio e 16 de junho, Célio Alves dos Santos e João Leite foram condenados a cumprir 17 anos e 6 meses de prisão e 15 anos e 2 meses, respectivamente, pelo assassinato do jornalista Domingos Sávio Brandão Lima Júnior, em 2002. O dono e editor do jornal Folha do Estado em

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Jornal da ABI

Em uma tentativa de acabar com a impunidade no Brasil, alguns envolvidos na morte de jornalistas receberam longas sentenças de prisão. Cuiabá, Mato Grosso, foi baleado no peito pelo menos cinco vezes enquanto supervisionava a construção de um novo escritório do jornal. No decorrer do ano, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo-Abraji, a Associação Interamericana de Imprensa (Inter American Press Association, IAPA) e o Instituto de Imprensa e Sociedade (Instituto Prensa y Sociedad, no Peru), entre outros, reportaram numerosas violações da liberdade de imprensa e ataques contra jornalistas brasileiros. Em 21 de janeiro, Lúcio Flávio Pinto, editor do periódico bimensal Jornal Pessoal, sofreu agressões físicas de Ricardo Maiorana, homem de negócios e político, em Belém, no Pará. Lúcio Flávio Pinto foi por várias vezes socado e chutado por Maiorana e dois seguranças em um restaurante em Belém, onde estava almoçando com alguns amigos. Maiorana, diretor do jornal diário O Liberal e do canal TV Liberal, ainda o ameaçou de morte, diz Lúcio Flávio, que enfrenta diversos processos devido às suas reportagens críticas a respeito de variados assuntos, e já havia recebido ameaças de morte no passado.

Maurício Melato Barth, editor do jornal bimensal Info-Bairros, levou dois tiros nas pernas. Em 23 de março, Maurício Melato Barth, editor do jornal bimensal Info-Bairros, levou dois tiros nas pernas de dois homens não identificados em frente à sua casa em Itapema, Santa Catarina. O ataque aconteceu após a publicação no jornal de uma série de artigos falando sobre corrupção entre políticos locais. Barth, que já sofrera ameaças anônimas, ficou meses em recuperação até poder andar novamente. Ele e sua família foram obrigados a se esconder. Em 4 de maio, o juiz Jeová Sardinha de Morais, da 7ª Vara Cível de Goiânia, Goiás, impôs um man-

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dado judicial que ordenava a apreensão de todas as cópias do livro Na Toca dos Leões, que circulava no Brasil. O mandado foi concedido em benefício do ex-candidato à Presidência da República Ronaldo Caiado, que entrou com uma ação criminal de difamação e uma ação civil, recriminando o autor do livro, o jornalista Fernando Morais, e uma ação civil contra a Editora Planeta do Brasil. O livro de Morais, que foi publicado no começo de abril, conta a história da agência de publicidade W/Brasil, no qual sócios da empresa falam das declarações de Caiado na campanha presidencial de 1989,

Uma atividade de alto risco: os jornalistas mortos em 2005 País Número Iraque 23 Filipinas 9 Bangladesh 3 Haiti 3 Brasil 2 Colômbia 2 Líbano 2 México 2 Nepal 2 Paquistão 2 Rússia 2 Sri Lanka 2 Somália 2 Afeganistão 1 Azerbaijão 1 Belarus 1 Equador 1 Líbia 1 Nicarágua 1 Rep. Democrática do Congo 1 Serra Leoa 1 Tailândia 1 Total: 65

o qual teria afirmado que a solução para o problema de superpopulação no Nordeste brasileiro era a esterilização das mulheres. Em abril, o comentarista esportivo Jorge Kajuru foi acusado de difamação e sentenciado a 18 meses de prisão. Kajuru, cujo nome real é Jorge Reis da Costa, foi condenado a permanecer no dormitório da prisão em Goiânia toda noite, a partir do dia 28 de maio. O processo contra Kajuru decorreu de declarações que ele fez no ar, em janeiro de 2001, alegando que a TV Anhangüera, afiliada da Rede Globo, haveria recebido a concessão para transmitir o campeonato estadual de futebol de Goiás graças à sua relação próxima com o Governo do Estado. As Organizações Jaime Câmara Júnior moveram diversas ações contra Kajuru. O juiz

jornalista Sandra Miranda em Palmas, Tocantins. Miranda, editora do jornal independente Primeira Página, acredita que o ataque tenha conexão com sua reportagem sobre a corrupção entre políticos locais e oficiais da Polícia militar. Em 1º de setembro, o juiz José Alonso Beltrame Júnior, da 10ª Vara Cível de Santos, São Paulo, concedeu liminar proibindo o jornal A Tribuna de noticiar inquérito sobre mau uso de finanças públicas. Em agosto, A Tribuna havia feito diversas reportagens acerca de investigações sobre a suposta apropriação indébita de fundos cometida por Sônia Maria Precioso de Moura, funcionária pública da Prefeitura de Santos. Em 8 de setembro, foram incendiadas em Marília, São Paulo, a sede do jornal Diário de Marília e duas estações de rádio, Diário FM e Dirceu AM. De acordo com um segurança, que estava sozinho na hora, três homens encapuzados forçaram a entrada no prédio, ameaçando-o com suas armas, e tocaram fogo no edifício, destruindo cerca de 80% de suas instalações. O editor-chefe do Diário de Marília, José Ursílio de Souza, achou que o ataque constituiu uma retaliação à linha editorial crítica do jornal, principalmente a políticos locais. Em dezembro, o Comitê para a Proteção de Jornalistas (Committee to Protect Journalists, CPJ, sediado em Nova York), condenou o mandado judicial em São Paulo que impediu o jornal diário Folha de S. Paulo de publicar reportagens sobre uma ação judicial. A Folha de S. Paulo recebeu a ordem judicial, assinada pela juiza federal Margarete Sacristan, em 9 de dezembro. A ordem instruía o jornal a não publicar qualquer reportagem sobre o caso de espionagem na batalha pelo controle da Brasil Telecom. O CPJ classificou a ordem como “o exemplo mais recente da ditadura judicial no Brasil”. Tradução de Maria Ilka Azêdo

Em 8 de setembro, foram incendiadas em Marília, São Paulo, a sede do jornal Diário de Marília e duas estações de rádio. Alvarino Egídio da Silva Primo, da 12ª Vara Criminal de Goiânia, declarou Kajuru culpado por difamação em junho de 2003. Kajuru entrou com alguns recursos no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás e no Supremo Tribunal Federal, mas sua condenação foi mantida. Em 15 de maio, um juiz proibiu a Rede Amazônica de Televisão, afiliada da Rede Globo em Rondônia, de transmitir uma reportagem sobre a corrupção local. Minutos antes da transmissão do programa Fantástico, que iria colocar no ar a reportagem com o suposto envolvimento de legisladores estaduais com a corrupção, oficiais de Justiça adentraram os estúdios da Rede Amazônica de Televisão com um mandado judicial impedindo sua veiculação. Em 17 de maio, pessoas não identificadas incendiaram a casa da

Esta parte do Relatório do IPI repete o título adotado para descrever a situação da liberdade de imprensa no Brasil em 2004: Morte vigia o País, agora com o algarismo 2, indicando que se trata de segunda parte do trabalho. Também este texto é publicado integralmente no Brasil pela primeira vez.

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Jornal da ABI LIBERDADE DE IMPRENSA

Brasil firma Declaração de Chapultepec JOSÉ CRUZ/ABR.

Na tarde da quarta-feira, 3 de maio, o Presidente Lula assinou, no Palácio do Planalto, a Declaração de Chapultepec, que reafirma o compromisso e o apoio do Governo brasileiro à liberdade de expressão e de imprensa. Lançada em 1994 pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, em espanhol), a declaração pretende valorizar a liberdade de informação, expressão e opinião em todo o continente americano. Em 1996, Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro Presidente brasileiro a assinar o compromisso. Este ano, foi a Associação Nacional de Jornais (ANJ) que tomou a iniciativa de propor a Lula a adesão ao documento, seguindo o exemplo de outros 45 chefes de Estado do hemisfério, além de juristas, jornalistas, organizações e cidadãos. De acordo com informações do site da ANJ, ao assinar a declaração Lula reafirmou seu compromisso com o princípio maior da liberdade, exaltando que todos sempre estarão “subordinados à compreensão daqueles que lêem, assistem e ouvem, e os governantes estarão à mercê do julgamento dos que votam no País”. Ainda segundo o site da ANJ, a Presidente da SIP, Diana Daniels, destacou que a assinatura do Presidente na Declaração de Chapultepec “é um compromisso com a liberdade, a tolerância, o respeito aos Direitos Humanos e aos direitos dos cidadãos de receber informação”.

O Presidente Lula exibe a Declaração de Chapultepec ao lado de Diana Daniels, Presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa-Sip, e Nélson Sirotsky, Presidente da ANJ.

A íntegra da Declaração de Chapultepec Uma imprensa livre é condição fundamental para que as sociedades resolvam seus conflitos, promovam o bem-estar e protejam sua liberdade. Não deve existir nenhuma lei ou ato de poder que restrinja a liberdade de expressão ou de imprensa, seja qual for o meio de comunicação. Porque temos consciência dessa realidade e a sentimos com profunda convicção, firmemente comprometidos com a liberdade, subscrevemos esta declaração com os seguintes princípios: I – Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício dessa não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo.

II – Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar esses direitos. III – As autoridades devem estar legalmente obrigadas a pôr à disposição dos cidadãos, de forma oportuna e eqüitativa, a informação gerada pelo setor público. Nenhum jornalista poderá ser compelido a revelar suas fontes de informação. IV – O assassinato, o terrorismo, o seqüestro, as pressões, a intimidação, a prisão injusta dos jornalistas, a destruição material dos meios de comunicação, qualquer tipo de violência e impunidade dos agressores, afetam seriamente a liberdade de expressão e de imprensa. Esses atos

devem ser investigados com presteza e punidos severamente. V – A censura prévia, as restrições à circulação dos meios ou à divulgação de suas mensagens, a imposição arbitrária de informação, a criação de obstáculos ao livre fluxo informativo e as limitações ao livre exercício e movimentação dos jornalistas se opõem diretamente à liberdade de imprensa. VI – Os meios de comunicação e os jornalistas não devem ser objeto de discriminações ou favores em função do que escrevam ou digam. VII – As políticas tarifárias e cambiais, as licenças de importação de papel ou equipamento jornalístico, a concessão de freqüências de rádio e televisão e a veiculação ou supressão da publicidade estatal não devem ser utilizadas para premiar ou castigar os meios de comunicação ou os jornalistas. VIII – A incorporação de jornalistas a associações profissionais ou sindicais e a filiação de meios de comunicação a câmaras empresariais devem ser estritamente voluntárias. IX – A credibilidade da imprensa está ligada ao compromisso com a verdade, à busca de precisão, imparcialidade e eqüidade e à clara diferenciação entre as mensagens jornalísticas e as comerciais. A conquista desses fins e a observância desses valores éticos e profissionais não devem ser impostos. São responsabilidades exclusivas dos jornalistas e dos meios de comunicação. Em uma sociedade livre, a opinião pública premia ou castiga. X – Nenhum meio de comunicação ou jornalista deve ser sancionado por difundir a verdade, criticar ou fazer denúncias contra o poder público.

Governo do Acre controla a mídia Em e-mail à ABI, jornalista denuncia que o Governo do Estado cooptou empresários da comunicação com repasses mensais que os mantêm vassalos do poder. O jornalista Archibaldo Antunes, de Rio Branco, capital do Acre, queixou-se à ABI de que o Estado não dispõe de liberdade de imprensa, porque o Governador Jorge Viana tem cooptado os empresários da comunicação, os quais recebem repasses mensais do Governo para divulgar as informações de interesse de Viana e seu grupo político. Antunes fez a afirmação em extenso e-mail enviado ao Presidente da ABI, do seguinte teor: “A liberdade de imprensa está amordaçada no Acre. Desde que assumiu o poder no Estado em 1999, o Governo Jorge Viana tem cooptado os empresários da comunicação. Rádios, emissoras de TV e jornais impressos recebem repasses mensais do Governo para divulgar as informações que interessam aos políticos ligados a Jorge Viana. A

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manipulação das informações é feita a partir da Secretaria de Comunicação do Acre. O Governo interfere no conteúdo jornalístico das empresas, determinando o que pode ou não ser divulgado e quais os assuntos a receberem destaque nas edições diárias. Emissoras públicas de rádio e TV, ligadas ao sistema Cultura de Comunicação, não abrem espaço a políticos de oposição ou lideranças comunitárias contrárias às ações do Governo. A programação da TV Aldeia é dedicada a divulgar apenas o ideário político do grupo atualmente no poder. O mais grave é que o orçamento da mídia local atende aos interesses desse grupo, além de ferir a Lei de Licitações (Lei n° 8.666). Segundo matéria do jornal Folha de S. Paulo, edição do dia 4 de julho de 2005, o Governo acreano au-

mentou em 585% o valor de um contrato de publicidade, que saltou de R$ 4 milhões para R$ 27,4 milhões. Fez isso através de 13 termos aditivos. De acordo ainda com a Folha, o contrato fora assinado em abril de 2001 entre o então secretário de Comunicação do Acre, Aníbal Diniz, e o sócio da Asa, Paulo Vasconcelos do Rosário Neto. Este último dirigiu a empresa de publicidade DNA, ligada à SMPB de Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser o operador do “mensalão”. O Ministério Público estadual, após denúncia da Folha, chegou a ‘recomendar’ que o contrato fosse anulado. O órgão, porém, não aprofundou investigações ou apontou culpados. Essa proximidade entre Governo e empresas de comunicação, sob as vistas do Ministério Público estadual e federal, tem favorecido a impunidade. Graves denúncias de superfaturamento de diversas obras sequer são noticiadas. O Tribunal de Contas da União (TCU) detectou, por exemplo, superfaturamento de uma ponte entre o Município

de Assis Brasil e Ñapari, na Bolívia. Os jornais, com exceção daqueles pertencentes à empresa de comunicação O Rio Branco, não informaram os leitores dos resultados da averiguação do TCU. Outra fonte de escândalos no Estado tem sido a BR-364, na qual o Governo chegou a gastar R$ 2,2 milhões por quilômetro de asfalto. Em menos de dois anos a obra se desfaz com as chuvas, o que revela a precariedade técnica dos serviços. Alguns jornalistas são escalados pelo Governo para ocupar cargos nos jornais como comentaristas políticos. Isso só contribuiu ainda mais para a manipulação das informações, sempre favoráveis ao grupo político do Governador Viana. Nas eleições de 2004, nem todos os jornais foram imparciais na destinação de espaços aos candidatos. Os que mantiveram o critério da igualdade acabaram tomados pelas campanhas publicitárias do Governo, cujo candidato a prefeito venceu as eleições sob suspeita de favorecimento do esquema de caixa 2 do PT federal.”

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Jornal da ABI DIREITOS HUMANOS

A ABI adere à declaração contra a barbárie

Em consonância com a decisão adotada por seu Conselho Deliberativo na sessão extraordinária de posse dos seus novos membros, no dia 15 de maio, a ABI manifestou hoje sua adesão à declaração sob o título “Civilização, sim; barbárie, não”, firmada por eminentes juristas de São Paulo e do Rio, os quais sustentam que a recente onda de violência em dezenas de localidades do Estado de São Paulo tem de ser enfrentada com “medidas compatíveis com o Estado de Direito consagrado em nossa Constituição”. A declaração, publicada na edição de 18 de maio da Folha de S. Paulo, condena as “vozes tonitroantes” que pregam “a barbárie contra barbárie, truculência contra truculência, poder de fogo contra poder de fogo!” e adverte que “o que a cidadania não pode é deixar-se levar pela insolência e pela agressividade dos que advogam a barbárie e abdicar dos princípios do direito”, porque “o que pode derrotar a barbárie é mais civilização — não a truculência”. Firmam a declaração, que a ABI passou a subscrever, os juristas Antônio Visconti, Celso Antônio Bandeira de Mello, Fábio Konder Comparato, Goffredo Telles Júnior, Hermann Assis Baeta, João Luiz Duboc Pinaud, José Osório de Azevedo Júnior, Maria Eugênia Raposo da Silva Telles, Plínio de Arruda Sampaio e Weida Zancaner.

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AGÊNCIA GLOBO

Conselho da ABI empresta a sua adesão ao entendimento de que o que pode derrotar a barbárie, como a verificada em São Paulo, é mais civilização, e não a truculência. O texto do manifesto de juristas de São Paulo e do Rio de Janeiro.

TRUCULÊNCIA SEMEIA O CAOS O teor da declaração é o seguinte: “Não é fácil apelar para o bom senso quando os ânimos estão exaltados e, sobretudo, quando a exaltação é plenamente justificável. Nenhuma pessoa de sentimentos pode deixar de solidarizar-se com as famílias dos policiais e dos civis inocentes assassinados nem de condenar, da forma mais veemente, a truculência dos bandidos que deflagraram a recente onda de violência em dezenas de cidades do Estado de São Paulo. Mas é justamente nessas horas que se torna imprescindível alertar a população para o risco da exploração política do episódio. No rádio, na televisão, nos jornais e nas revistas, vozes tonitroantes reclamam penas mais rigorosas, mais armamento para os policiais, mais restrições aos presos, mais limites à liberdade dos cidadãos. Senadores da República procuram associar o episódio com o terrorismo e prometem votar uma legislação penal, processual e penitenciária mais repressiva em apenas 15 dias! É barbárie contra barbárie, truculência contra truculência, poder de fogo contra poder de fogo! Por esse caminho, semeia-se, única e exclusivamente, o caos. Quem está, de fato, interessado em enfrentar o gravíssimo problema da violência precisa fazer uma análise objetiva do episódio e propor medidas compatíveis com o Estado de Direito consagrado em nossa Constituição. Estamos, antes de mais nada, diante de uma tragédia social. Os atentados desta semana são a explosão de um processo cumulativo, cujo combustível é a extrema desigualdade social do País. Enquanto esse problema não for atacado seriamente pela sociedade brasileira, será impossível livrar o nosso quotidiano da violência. Embora não haja clima para discutir as medidas de longo prazo destinadas a combater a desigualdade, enquanto bandidos queimam ônibus e metralham a esmo prédios públicos e privados, torna-se indispensável denunciar que o discurso da truculência estatal visa precisamente esconder essa questão de fundo, porque ela afeta privilégios e interesses de gente muito poderosa. Fiquemos, pois, por ora, apenas nas providências que podem coibir imediatamente o surto de violência. A primeira

delas é a reestruturação completa — de cima a baixo — do aparelho repressivo do Estado, pois todos sabem que, sem a conivência de uma rede de funcionários venais, com ramificações até nas altas cúpulas, o crime organizado não tem condições de acumular a assustadora força que demonstrou. Junto com isto — e a contrário do que propõem os portavozes do atraso — é indispensável estabelecer penas não prisionais para os crimes de menor gravidade; impedir o contato entre presos de diferentes graus de periculosidade; criar mecanismos eficazes para ouvir queixas das vítimas de violência de agentes públicos; organizar um sistema de reabilitação de presos, fazer funcionar a defensoria pública; constituir conselhos e outras formas de participação popular no planejamento da segurança dos bairros. Base não falta, portanto, para ações imediatas e eficazes dos Poderes da República. O que a cidadania não pode é deixar-se levar pela insolência e pela agressividade dos que advogam a barbárie e abdicar dos princípios do direito. O que pode derrotar a barbárie é mais civilização — não a truculência.” (a) Antonio Visconti, 66, Procurador de Justiça do Estado de São Paulo (a) Celso Antônio Bandeira de Mello, 69, professor titular de Direito Administrativo da Puc-SP (a) Fábio Konder Comparato, 69, professor titular da Faculdade de Direito da USP (a) Goffredo Telles Júnior, 91, professor emérito da Faculdade de Direito da USP (a) Hermann Assis Baeta, 73, Presidente nacional da OAB de 1985 a 1987 (a) João Luiz Duboc Pinaud, Conselheiro da OAB (a) José Osório de Azevedo Júnior, 72, professor de Direito Civil da Puc-SP (a) Maria Eugênia Raposo da Silva Telles, advogada pela USP (a) Plínio de Arruda Sampaio, 75, advogado, Deputado federal pelo PT-SP de 1985 a 1991 (a) Weida Zancaner, professora de Direito Administrativo da Puc-SP.

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Jornal da ABI DIREITOS HUMANOS Dono de uma empresa de comunicação, Ivandel era um homem de bem com a vida. Foi morto dias após o seqüestro, ao tentar fugir do cativeiro.

UFF LANÇA OBRA DE DENÚNCIA Alunos do curso de Jornalismo recolheram depoimentos sobre a repressão da ditadura. centros e diretórios acadêmicos e impedia a constituição de entidades centrais de estudantes, como as uniões estaduais de estudantes e, depois, a União Nacional dos Estudantes-Une. Em seguida, o Decreto nº 477 instituiu e generalizou o sistema de punições de estudantes e professores no ensino superior e instituiu como medida de repressão a expulsão de estudantes, que ainda ficavam impedidos de se matricular em qualquer curso superior durante três anos. Sob o império do Decreto n° 477, implantaram-se as Assessorias de Informação e Segurança, que sistematizaram a vigilância sobre estudantes e professores, para punir o que eles consideravam subversão. As Assessorias foram instituídas no ensino superior, no âmbito do Ministério da Educação e nas unidades a ele vinculadas e subordinadas. É a documentação gerada pela atividade desses órgãos de repressão que a Uff decidiu franquear à consulta de pesquisadores e demais interessados, conforme foi anunciado pelo Professor Serra ao longo do debate em torno das questões relacionadas com a repressão do regime militar, no qual intervieram na Mesa, coordenada pela Pró-Reitora de Assuntos Acadêmicos da Uff, Esther Hermes Lück, os jornalistas Antônio Theodoro de Barros, Professor Emérito da Uff; Maurício Azêdo, Presidente da ABI; João Batista de Abreu; e Victória Grabois, Professora da UFRJ e representante do Grupo Tortura Nunca Mais.

O ATO LIBERTADOR Por meio da Portaria nº 35.041, de 11 de maio, o Reitor da Universidade Federal Fluminense, Cícero Mauro Fialho Rodrigues, desclassificou como sigilosos os documentos da Assessoria de Segurança e Informação no período de 1960 a 1988. A medida permite que sejam estabelecidas normas para consulta à documentação existente na Uff acerca de punições de estudantes e de professores e põe esse material à disposição deles e de pesquisadores. As punições foram instituídas pelo Decreto nº 227, que disciplinava, com caráter restritivo, as eleições para os centros e diretórios acadêmicos e impedia a constituição de entidades centrais de estudantes. A Portaria decreta a quebra do sigilo sobre o acervo documental produzido pela ASI, mas determina que as informações só poderão ser reveladas

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“desde que as pessoas mencionadas naquele acervo tenham resguardadas as suas imagens e privacidade”. O documento determina também ao Núcleo de Documentação da Universidade que “estabeleça procedimentos de acesso aos documentos e informações integrantes do precitado acervo”. Diz o Reitor Cícero Mauro Fialho Rodrigues, ao fundamentar o ato, que tomou a iniciativa com base “na necessidade de ampliar a democratização e a visibilidade das informações produzidas no âmbito da Uff ” e no que foi sugerido em relatório pela Comissão Permanente de Documentos de Natureza Sigilosa, instituída pelas Portarias 27.247, de 3 de março de 1999; 28.681, de 22 de dezembro de 2000; e 33.916, de 7 de junho de 2005, de acordo com a legislação vigente sobre o assunto.

DIVULGAÇÃO

A Universidade Federal Fluminense promoveu em 11 de maio o lançamento do livro Afasta de mim este cale-se — um encontro de memórias e histórias sobre o regime militar, seguido de um debate sobre as questões que envolveram a repressão e as violências que ocorreram sob o regime militar. O livro é uma coletânea de 11 trabalhos resultantes de um projeto realizado com estudantes do curso de Jornalismo e produzido a partir de relatos sobre a repressão e a resistência durante a ditadura. A publicação foi coordenada e produzida pelo Professor João Batista de Abreu, chefe do Departamento de Comunicação Social da Uff, auxiliado por Maria Luiza Muniz e Renata Cunha. Durante o ato, o Professor Antônio Amaral Serra, Diretor do Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade, comunicou que a Pró-Reitoria de Assuntos Acadêmicos constituiu uma comissão com a finalidade de estabelecer as normas para consulta à documentação existente na Uff acerca de punições de estudantes e de professores, a fim de colocar esse material à disposição de pesquisadores e de outros interessados, como os próprios estudantes alcançados pelas punições. Essas punições foram instituídas pelo Decreto nº 227, na gestão do Ministro da Educação Flávio Suplicy de Lacerda, que foi o primeiro Ministro da ditadura sob o Governo Castelo Branco. O Decreto nº 227 disciplinava, com caráter restritivo, as eleições para os

O que nos diz o DPF sobre Ivandel Godinho O Departamento de Polícia Federal encaminhou à ABI relatório em que o Chefe de Gabinete do órgão, Delegado Ivo Valério dos Santos, presta esclarecimentos sobre o desaparecimento do jornalista Ivandel Godinho Júnior, seqüestrado em outubro de 2003, em São Paulo. Em expediente encaminhado à Polícia Federal, em 5 de abril de 2005, a ABI pedira “o esforço das autoridades policiais nas investigações do paradeiro do jornalista”. O caso foi apurado por meio do Inquérito Policial nº 0107/ 03, instaurado na Divisão Anti-Seqüestro, relatado em 16 de fevereiro do ano passado. Apesar de o corpo de Ivandel Godinho não ter sido localizado, o inquérito concluiu que o jornalista foi morto por integrantes da quadrilha de seqüestradores enquanto se encontrava no cativeiro. A PF conseguiu localizar e prender dois dos cinco bandidos envolvidos no seqüestro: Fabiano Pavan do Prado e Wilson de Moraes da Silva. Os outros três — Sidney Correia, Miguel José dos Santos Junior e Wellington Ricardo da Silva — tiveram prisão preventiva de-

cretada, mas ainda estavam foragidos. Com a prisão posterior de Miguel José dos Santos Júnior, o Juninho, a Polícia de São Paulo esperava esclarecer mais rapidamente a morte do jornalista. Juninho, que teria comandado o grupo responsável pelo seqüestro do jornalista em 22 de outubro de 2003, era um dos criminosos mais procurados de São Paulo. Sua prisão foi feita pela Divisão Anti-Seqüestro da Polícia Civil de São Paulo, em Itanhaém, no litoral do Estado. De acordo com o Delegado Wagner Giudice, o bandido confirmou o depoimento dos outros integrantes do bando que estão presos, de que Ivandel Godinho foi morto depois que tentou fugir do cativeiro, cerca de três a quatro dias depois de seqüestrado. Juninho confessou também que foi ele quem negociou com a família de Ivandel o pagamento do resgate, em 10 de janeiro de 2004. Os dois primeiros bandidos envolvidos no seqüestro a serem presos foram Fabiano Pavan do Prado e Wilson de Moraes da Silva. Sidney Correia e Wellington Ricardo da Silva tiveram prisão preventiva decretada, mas continuavam foragidos.

FAMÍLIA BUSCA OS RESTOS DE MARCOS DIAS O jornalista Pinheiro Salles — também bacharel em Direito, membro do Diretório Nacional do PT, ex-preso político e autor de dois livros sobre a ditadura militar — enviou à ABI cópia de carta que encaminhou ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na qual pede que se cumpra a promessa de colocar o Governo à disposição da família da Sra. Maria de Campos Batista (Dona Santa), “para continuar a luta até encontrar os restos mortais de seu filho Marcos Antônio Dias Ba-

tista”, desaparecido em 1970, durante o Governo Médici. Na carta, o jornalista diz a Lula que sua manifestação de condolências aos parentes de Marcos Antônio deve transformar-se num compromisso, para que seu Governo fique na História como o primeiro, desde Sarney, que não aceitou a cumplicidade com o regime implantado em 1964, que introduziu no País um terrorismo de Estado a partir da edição do AI-5, em 13 de dezembro de 1968.

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Jornal da ABI VIDAS

O bom Conrado partiu Depois de longa atividade como repórter e editor de jornais, ele se dedicava como um samaritano à Diretoria de Assistência Social da ABI.

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altava um dia para José Conrado Pereira da Silva, ou simplesmente Conrado Pereira, completar 35 anos de vinculação à ABI, a 25 de maio. Ele não viu esse dia tão grato para ele: na madrugada da véspera, aos 72 anos, Conrado sucumbiu a uma insuficiência renal, contra a qual seu organismo lutara durante três meses. Conrado começou no jornalismo em 1960, como estagiário da agência de notícias UPI. Passou depois pelas redações da TV Excelsior e da Rádio Tupi. Em 1963, foi para o Jornal do Brasil e três anos depois para O Globo. Trabalhou 21 anos como repórter político de O Dia, do qual saiu para ingressar na Tribuna da Imprensa e no Monitor Mercantil. Foi um dos primeiros profissionais formados pelo Curso de Jornalismo da Faculdade Nacional de Filosofia, da antiga Universidade do Brasil. Participava intensamente da vida da ABI, à qual se associou em 1971 e na qual foi Secretário da Mesa Diretora, do Conselho Administrativo, antes de assumir a Secretaria da Diretoria de Assistência Social-Das. Baiano da fronteira com o Piauí, filho de lavradores, Conrado interessou-se pela leitura ainda menino e foi morar com o padrinho, que prometera ajudá-lo nos estudos. No Rio de Janeiro, destacou-se pela atuação como repórter de O Dia, revolucionando a filosofia editorial do jornal ao implantar o noticiário de Economia em um diário que dava ênfase às matérias de Polícia. Seus problemas de saúde começaram em fevereiro deste ano. Após seguidas internações, foi diagnosticado um câncer no esôfago e insuficiência renal. Depois de uns poucos dias em casa, uma pneumonia o levou de volta ao hospital, onde permaneceu até falecer. Nos anos em que se dedicou à Casa do Jornalista, Conrado fez muitos amigos, entre eles a funcionária Maria Helena Modesto Vieira, que começou a trabalhar na instituição um ano após a chegada de Conrado: — Quando ele enMaio de 2006

HONRA E MÉRITO Adail José de Paula

Nos deixou o caro Conrado Pereira Honrado companheiro que a sua maneira Desenvolveu bem seu lado assistencialista Paralelamente à função de jornalista... Era maneiro o nosso saudoso Conrado Presente na Comissão Interna da Prevenção de Acidentes De O Dia, Diário, Última Hora ou Tribuna da Imprensa Cobrindo a Bolsa de Valores era um bocado Dedicado, correto, comprovando que decência compensa Passando por sérios problemas ultimamente Mas se doando ao Departamento Social da ABI Se auto-superando de forma pungente Conrado deixou seu simpático exemplo aqui!...

trou na ABI, trabalhava em três jornais. Então, não podia vir aqui diariamente, como fez nos últimos anos de vida. Conrado era tranqüilo, bonachão, tolerante e compreensivo. Outras características marcantes de Conrado,diz Maria Helena, eram a serenidade e a grande capacidade armazenar informações na memória: — Conrado tinha um temperamento tão pacífico que nem mesmo nas vezes em que se aborrecia era possível perceber. Soube pouquíssimas vezes de seus estresses porque ele mesmo me contou. E ainda assim mantinha a voz serena, não se exaltava. Hélio Fernandes Filho, Diretor da Tribuna da Imprensa, trabalhou com Conrado quando este era repórter de Economia do jornal: — Aqui ele fez de tudo, Geral, Política, etc. Era um profissional que jamais se atrasava ou se recusava a fazer matérias. Era uma excelente pessoa, com quem tive ótimo convívio, e que jamais vi levantar a voz. Jorge Reis, fotógrafo da Tribuna da Imprensa que costumava acompanhar Conrado em suas reportagens, era amigo pessoal dele: — Ele era um colega sensacional, companheiro, trabalhador. Eu o conhecia de longa data, desde os tempos de O Dia. Costumávamos nos encontrar com freqüência. O professor Flávio Ramos, editor do portal www.mensageiro. com.br, disse que Conrado foi o responsável em O Dia pelo sucesso das matérias de Economia, “um dos assuntos mais importantes, por levar o trabalhador a entender o desenvolvimento do País”. “Conrado era um arquiteto que construía no terreno do espírito, cujo discurso douto e fácil era como um bisturi na mão do cirurgião treinado, cortava o tecido doente e deixava à mostra a verdade clara e precisa”. A Diretoria da ABI aprovou uma moção de pesar lamentando a perda do grande companheiro, detentor de múltiplos talentos. Conrado deixou um casal de filhos.

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Jornal da ABI ARTE Entrevista a Carlos Rodrigues CAVALCANTI

Sports, feito por Mário Júlio Rodrigues — seu pai, Mário Filho, ainda era vivo na época — e que acabou se tornando um grande amigo.

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Marcelo no departamento de arte, a redação já vazia, adiantando as ilustrações para o fim de semana: são três para a página 7, de Opinião, e outras três para a Revista Globo.

MARCELO MONTEIRO

UM MESTRE DO TRAÇO DESDE A MOCIDADE Ele começou aos 17 anos fazendo um retrato da poetisa chilena Gabriela Mistral, a convite do teatrólogo Oduvaldo Viana, pai do Vianinha.

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arcelo Monteiro nasceu em casa, num apartamento da Rua Mayrink Veiga, Centro do Rio, na semana do Carnaval de 1935. Já a vocação para o desenho nasceu ao pé da prancheta do pai, o pintor, cenógrafo, arquiteto, carnavalesco e ilustrador Monteiro Filho. Aos 17 anos — sua idade atual vista pelo espelho, como diz —, Marcelo fez seu primeiro trabalho profissional a convite do autor teatral Oduvaldo Viana, amigo da família: - Ele dirigia o jornal do PCB, Imprensa Popular, e um dia me perguntou se queria fazer um retrato da poetisa chilena Gabriela Mistral. Topei na hora.

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2 Jornal da ABI — Você não se considera um chargista e diz que cria paralelamente ao texto. Explique melhor seu trabalho. Marcelo Monteiro — Sempre fui ilustrador, isto é, meu trabalho está sempre cingido a um texto. É uma criação paralela, nunca independente, por mais tênue que seja o liame entre trabalho gráfico e texto. Jornal da ABI — Como foram as duas décadas em que você ilustrou os textos de Nélson Rodrigues em O Globo e no Jornal dos Sports? Marcelo — Criei em desenho vários de seus inesquecíveis personagens, como Sobrenatural de Almeida, Gravatinha e A Grãfina das Narinas de Cadáver. Tenho muita saudade de Nélson e de nossas conversas. Lembro do dia, no Globo, em que eu estava ao seu lado, esperando ele acabar de escrever a crônica, quando ele me perguntou: “Ó, 5 ridículo (maneira

carinhosa que usava para brincar com os mais íntimos). O que é que acha disso?” Debrucei-me sobre o texto e li: “Não se dá um passo em Álvaro Chaves sem tropeçar numa glória.” Respondi: “Genial. É a definição lapidar de um tricolor ”. Quantos anos já se passaram depois disso, meu Deus! Jornal da ABI — Como foi sua ida para O Globo? Marcelo — Fiz de tudo — cartazes, cenografia, publicidade, histórias em quadrinhos e desenho de produção para o cinema — até 1962, quando, trabalhando na Editora Ozon e fazendo o curso de Arquitetura, conheci Paulo Rodrigues, irmão do Nélson. Ele ia lançar um livro pela editora e me chamou para fazer a capa. Paulo também mantinha uma coluna diária no Globo e um dia me disse que o Dr. Roberto Marinho estava procurando um ilustrador para ela. No ato, me propôs ilustrar umas das historinhas que sairiam no dia seguinte. Fiz, ele levou para o jornal e uma hora depois me ligou, mandando eu ir pra lá também. Quando cheguei, o Dr. Roberto me perguntou: “Você pode começar hoje?” Como naquela época era possível trabalhar em dois jornais simultaneamente, desde que não fossem concorrentes, em 63 aceitei também o convite para colaborar no Jornal dos

Jornal da ABI — Qual a diferença entre a charge e a arte que você faz? Marcelo — Embora possa ter um aspecto caricatural, a ilustração difere da charge, pois esta raramente está ligada a um texto, é uma obra independente. Como a ilustração trata da interpretação de um texto — que pode ser literal, simbólica ou conceitual — e como as interpretações variam com os indivíduos, é comum editores fazerem sugestões que algumas vezes demandam negociações e, em outras, matam a charada. No meu trabalho não funciona — nem poderia — a “lei” da obra de arte irretocável. Jornal da ABI — Os autores também interferem? Marcelo — Ilustrei muitos cronistas ao longo da carreira e nenhum interferiu no meu trabalho. Minto. Uma vez o bom João Saldanha me alertou que a posição de um boneco

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que ia chutar a bola estava errada. Corrigi na hora. Hoje, velhote, ilustro no Globo e na Revista Globo uma verdadeira seleção de craques: João Ubaldo Ribeiro, Luiz Garcia, Veríssimo, Zuenir Ventura, Martha Medeiros, Paulo Coelho, Alberto Goldin e B. Piropo. Jornal da ABI — Qual o lado mais gratificante do seu trabalho? Marcelo — Apesar de todas as limitações inevitáveis, decorrentes da própria natureza do trabalho em imprensa, minhas tarefas incluem uma boa dose de criação. E que atividade pode ser mais prazerosa para o ser humano do que aquela que exige um esforço, por mínimo que seja, de criatividade? Identificação das ilustrações: 1 - Desenho que ilustrou a coluna do Nélson Rodrigues, na década de 70; 2 - Coluna do Veríssimo no Caderno Especial da Copa do Mundo de 2006, por ocasião da derrota da Seleção Brasileira para a França; 3 - Revista Globo; 4 e 5 - Desenhos para a página de Opinião do jornal O Globo para as colunas do Veríssimo e do João Ubaldo Ribeiro.


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