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Jornal da ABI Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

Junho de 2006 • Número 309

PARTICIPAÇÃO:

Ministro da Cultura

Gilberto Gil Deputada Jandira Feghali Gustavo Gindre Sérgio Gomes da Silva Ronald Siqueira Barbosa COORDENAÇÃO:

Audálio Dantas


Jornal da ABI EDITORIAL

Subsídios para a luta A

ABI inicia nesta edição a publicação do texto integral das intervenções feitas no debate que promoveu em torno do tema A Questão da TV Digital, o qual lançou luz sobre aspectos ainda imprecisos ou nebulosos de uma temática que, como assinalado na apresentação das exposições efetuadas, vai merecer as atenções dos segmentos da sociedade preocupados com a influência que a radiodifusão, e especialmente a televisão, tem na vida nacional. Embora sujeita a decisão que se expressa num ato administrativo aparentemente comum, como outros que compõem a rotina de gestão da coisa pública, a discussão da questão não se esgotará com esse édito, pois, pela relevância dos múltiplos aspectos nela contidos, a definição oficial ensejará reparos, críticas, sugestões e, por certo, contestações.

Para falar sobre o estado em que o exame do tema então se encontrava no interior do Governo, a ABI convidou o Ministro da Cultura, Gilberto Gil, que desde o começo da atual administração assumiu posição destacada em relação à produção audiovisual no País e se tornou excepcional protagonista do processo oficial de reflexão sobre o tema. O

respeito que, como tal, o Ministro Gil granjeou em relação à matéria ficou visível numa circunstância que marcou sua passagem pelo Rio: no mesmo dia ele foi chamado a participar de debate sobre a tv digital não apenas na ABI, mas também no Clube de Engenharia, acatada instituição gremial e técnica da sociedade civil, que, assim como a ABI, reconheceu sua qualificação para discorrer sobre questão tão complexa.

Embora o Ministro evitasse, por apreço à ética e à desejável unidade governamental, revelar a existência de entendimentos diversos e até conflitantes no âmbito do Governo, evidenciou-se para os assistentes do debate que havia dissonâncias na compreensão da matéria entre o Ministério da Cultura e o Ministério das Comunicações, que tendia a encarar a questão sob um prisma de feição puramente tecnológica, em detrimento de fatores de caráter cultural, social e político – este expresso na aspiração de democratização da comunicação social formulada e sustentada por setores da sociedade que, ao contrário do Ministro das Comunicações, têm densa crônica de lutas em favor da democracia e do progresso social no País.

Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart, Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta.

Associação Brasileira de Imprensa DIRETORIA – MANDATO 2004/2007 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: – Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Souza (Pajê) Diretora de Jornalismo: Joseti Marques CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira, Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura CONSELHO FISCAL Jesus Antunes, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Adriano do Nascimento Barbosa, Arthur Auto Nery Cabral, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha e Luiz Carlos de Oliveira Chester. CONSELHO DELIBERATIVO (2006-2007) Presidente: Fernando Segismundo 1º Secretário: Estanislau Alves de Oliveira 2º Secretário: Carlos Rodrigues Conselheiros efetivos (2006-2009) Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo,

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Conselheiros efetivos (2005-2008) Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, Araquém Moura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho Conselheiros efetivos (2004-2007) Antonieta Vieira dos Santos, Arthur da Távola, Cid Benjamin, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Héris Arnt, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Ivan Cavalcanti Proença, José Gomes Talarico, José Rezende, Marceu Vieira, Paulo Jerônimo, Roberto M. Moura, Sérgio Cabral e Teresinha Santos Conselheiros suplentes (2006-2009) Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães, Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. Conselheiros suplentes (2005-2008) Anísio Félix dos Santos, Edgard Catoira, Francisco de Paula Freitas, Geraldo Lopes, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães Conselheiros suplentes (2004-2007) Adalberto Diniz, Aluísio Maranhão, Ancelmo Gois, André Louzeiro, Jesus Chediak, José Silvestre Gorgulho, José Louzeiro, Lílian Nabuco, Luarlindo Ernesto, Marcos de Castro, Mário Augusto Jakobskind, Marlene Custódio, Maurílio Ferreira e Yaci Nunes

Como se verá na leitura do material cuja publicação a ABI inicia nesta edição e conclui no próximo número de seu jornal, o Ministro Gilberto Gil exibiu moderado otimismo, como se diz na linguagem diplomática, ao discorrer sobre o teor da decisão que o Presidente da República adotaria. Admitia ele que seria vitoriosa a posição fixada em linhas essenciais nos grupos de trabalho que discutiram a matéria, integrados por 12 Ministérios. Seu vaticínio não se confirmou. Antes que junho findasse o Presidente editou um decreto com sabor de prato-feito gestado no Ministério das Comunicações, confiado a um titular cujo comportamento ético foi objeto de questionamento no debate, como se verá nas intervenções.

Com esta publicação a ABI quer proporcionar subsídios para dotar de mais informações quantos anseiam e lutam por mais democracia no campo da comunicação social. Em suma: munição para um combate sabidamente difícil.

Aos leitores - Esta edição número 309 do Jornal da ABI, com data de capa junho de 2006, foi produzida editorialmente e impressa na segunda quinzena de setembro de 2006.

COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente, Jarbas Domingos Vaz, José Ernesto Vianna, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Arthur Cantalice, Arthur Nery Cabral, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes

Jornal da ABI Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar Telefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 22.030-012 Rio de Janeiro - RJ (jornal@abi.org.br) Editores: Francisco Ucha, Joseti Marques e Maurício Azêdo Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Apoio à produção editorial: Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo e Solange Noronha. Diretor responsável: Maurício Azêdo Impressão: Gráfica Lance Rua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ. As reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.

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Jornal da ABI

A QUESTÃO DA TV DIGITAL

PARTE 1 A degravação deste debate foi feita por Celeste Cintra. A edição e montagem final do texto, por Maurício Azêdo. A operação de som foi de Neilson Lopes Paes.

A ABI pôs em debate um tema que vai absorver as atenções da área de comunicação e da área cultural nos próximos meses ou mesmo anos: a questão da tv digital, a nova tecnologia a ser adotada no sistema de radiodifusão do País — rádio e televisão. Entre os expositores figurou o Ministro da Cultura, Gilberto Gil, que travava nos bastidores do Governo uma batalha incruenta por um objetivo que ultrapassa o âmbito dos processos tecnológicos: a democratização do acesso à produção de comunicação eletrônica no Brasil.

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omo parte das comemorações do Dia da Imprensa, transcorrido a 1º de junho, a ABI promoveu no dia 5 de junho um debate sobre um tema que vai ocupar de forma crescente as atenções dos setores interessados na produção de comunicação eletrônica e de instituições da sociedade civil, finalmente despertadas para uma polêmica e uma disputa até há pouco circunscritas aos bastidores do Governo, às empresas de comunicação e a segmentos da comunidade jornalística: a questão da tv digital, a nova tecnologia a ser implantada no sistema de radiodifusão do País, isto é, no rádio e na televisão. O debate foi valorizado pela presença, como principal convidado e expositor, do Ministro da Cultura, Gilberto Gil, que fez de improviso longa e fundamentada explanação, na qual inseriu, lendo-o, o roteiro da cronologia fixada no interior do Governo para escolha do padrão tecnológico a ser utilizado na implantação da tv digital. Gil, que saiu da ABI para um debate sobre o mesmo tema no Clube de Engenharia, deixou entrever, ainda que sem admitir expressamente, a existência de opiniões conflitantes no seio do Governo em relação ao padrão a ser adotado. Ainda que sem revelar

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publicamente essa crença, ele acreditava que seriam vitoriosas as proposições do segmento do Governo a que se vinculava nessa questão, empenhado em promover a democratização do acesso à produção e veiculação de comunicação eletrônica no País. Idealizador do evento, o Vice-Presidente da ABI e Presidente da Representação da ABI em São Paulo, Audálio Dantas, esmerou-se no comando da organização do debate, formulando o convite ao Ministro Gilberto Gil, escolhendo e convidando os demais expositores e, por fim, assumindo o papel de moderador das intervenções, que se estenderam por cerca de quatro horas, diante de uma assistência que lotou o Auditório Oscar Guanabarino, o principal da Casa. Apesar da exigüidade do tempo a isso destinado, reduzido pela extensão com que, entusiasmados, os expositores se entregaram às suas intervenções, a platéia pôde formular perguntas aos integrantes da mesa e fundamentá-las, em alguns casos com revelações que impressionaram a assistência e a própria mesa, como se deu com a jornalista Ana Lúcia de Alvarenga Silva, radicada há oito anos nos Estados Unidos. Após a abertura do tema pelo Ministro Gilberto Gil, intervieram a Deputada

Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que também se retirou logo para participar do debate promovido pelo Clube de Engenharia; o Professor Gustavo Gindre, Diretor do Instituto de Estudos e Projetos de Comunicação e Cultura-Index e membro do Intervozes-Coletivo Brasil de Comunicação Social; o jornalista Sérgio Gomes da Silva, Diretor da empresa jornalística Oboré Projetos Especiais de Comunicação e Artes, de São Paulo, e membro do Conselho Consultivo da Representação da ABI em São Paulo, e Ronald Siqueira Barbosa, Assessor Técnico da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão-Abert. Os três últimos responderam ou comentaram perguntas e intervenções da platéia. Dada a extensão do debate, a Casa programou a sua publicação em duas edições especiais do Jornal da ABI, esta de número 309, com data de capa junho de 2006, e a de número 310, com data de capa julho de 2006. Ambas as edições foram produzidas editorialmente e impressas na segunda quinzena de setembro, quando se iniciou a sua circulação nacional. A ABI admite que a transcrição das intervenções pode conter imprecisões de ordem técnica, para cuja correção conta com a colaboração dos leitores.

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Jornal da ABI Maurício Azêdo – A ABI tem a honra de receber na sua sede essa figura extraordinária da cultura brasileira que é o Ministro Gilberto Gil, a quem convidamos para integrar a mesa. Convido também o VicePresidente da ABI, jornalista Audálio Dantas, que será o mediador das discussões que apresentaremos. Convido ainda os Diretores da ABI presentes, Domingos Meirelles, Diretor Econômico–Financeiro, Joseti Marques, Diretora de Jornalismo, e Paulo Jerônimo de Souza, Diretor de Assistência Social. Convidamos também a integrar a mesa essa parlamentar que honra a representação do Estado do Rio de Janeiro no Congresso Nacional, Deputada Jandira Feghali, do PCdoB. Não sei se já chegou mas fica convidado a integrar a mesa o Deputado Vanderlei Assis, que tem sido um aliado da ABI na luta que ela trava contra a tentativa do Governo Federal de se apossar do Edifício Herbert Moses, sede da nossa Casa, através de uma cobrança indevida da contribuição previdenciária patronal relativa a cinco anos. Está presente um dos assessores do Deputado Vanderlei Assis, que nos dará ciência da chegada do parlamentar. Chamo, também, o Professor Gustavo Gindre, que será um dos apresentadores do tema, e temos a perspectiva de chegar logo o jornalista Sérgio Gomes da Silva, que vem de São Paulo especialmente para esta discussão. Convido ainda a integrar a mesa Ronald Siqueira Barbosa, Assessor Técnico da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão–Abert. Sem mais delongas, passo a palavra a Audálio Dantas Audálio Dantas – Quero primeiro agradecer a presença do Ministro Gilberto Gil, que aceitou, sem um minuto de hesitação, o convite para debater esse tema tão atual, importante e fundamental para o Brasil que é a implantação de um sistema digital de televisão e rádio. Agradeço também a presença de Gustavo Gindre, que é Diretor do Instituto de Estudos e Projetos de Comunicação e Cultura–Index, uma das entidades da sociedade civil que se empenham, há muito tempo, na necessidade de debatermos profundamente essa questão de interesse nacional. Contaremos com a presença do Ministro até por volta das 18 horas e portanto não vamos nos alongar, mas gostaria de fazer algumas referências a esse importante fato que é a chegada da televisão e rádio digital no País e os debates que se vêm dando no Brasil, há mais de um ano, por várias entidades, que chamam a atenção para um aspecto no meu entender fundamental, que é a questão da democratização da comunicação no País. Essas lutas que estão se desenvolvendo neste momento são continuação de outras que temos desenvolvido no Congresso Nacional, nos meios jornalísticos, nos sindicatos, na Federação Nacional dos Jornalistas e nesta ABI sobre a necessidade de termos uma comunicação social efetivamente democratizada que possibilite o acesso de todos os setores da sociedade. O advento da tecnologia digital, do padrão digital de televisão e rádio, é uma oportunidade para que discutamos, por

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exemplo, a necessidade de termos novo marco regulatório das comunicações no País, uma vez que a legislação que rege o assunto é antiga, de 1962, e portanto necessita, urgentemente, de uma atualização. Além da discussão em torno do padrão tecnológico a ser adotado, a ABI entende que é importante, cumprindo seu papel histórico de defesa das liberdades democráticas, discutir não só o acesso dos diversos setores da sociedade a essa nova tecnologia, mas também o conteúdo dessa televisão, que televisão o povo brasileiro espera, que não seja apenas uma televisão de alta definição, mas uma televisão que permita, por exemplo, a regionalização da produção, o acesso de novos atores, produtores, entre outros aspectos. Agradeço, em nome da ABI, a presença do Ministro Gilberto Gil, do companheiro Gustavo Gindre e de outros que participarão deste debate. E passaremos, então, imediatamente, a palavra ao Ministro Gilberto Gil.

IDÉIAS EM CONFRONTO O Ministro Gilberto Gil fez a intervenção de abertura do debate A Questão da TV Digital. À mesa, Joseti Marques, Gustavo Gindre, Jandira Feghali, Maurício Azêdo e Audálio Dantas, moderador da discussão, que se estendeu por cerca de quatro horas, no Auditório Oscar Guanabarino, na ABI.

Gilberto Gil – Muito obrigado. Quero saudar o Presidente Maurício Azedo, nossos companheiros de diretoria, todos os que estão conosco aqui na mesa, nossa Deputada Jandira Feghali, estimada e conhecida deputada do Rio de Janeiro, e todos os representantes do sistema de comunicação social, todos os jornalistas reunidos em sua Casa, esta Casa que abriga o mundo, o pen-

“O advento do padrão digital de televisão e rádio é uma oportunidade para que discutamos a necessidade de novo marco regulatório das comunicações no País, uma vez que a legislação que rege a matéria é antiga, de 1962, e portanto necessita, urgentemente, de uma atualização.” Audálio Dantas samento e a própria institucionalidade do mundo jornalístico. Muito obrigado a todos pelo convite e pela presença também, já que, exatamente como ressaltou Audálio, essa questão é altamente relevante, como tantas outras que dizem respeito ao mundo público, às relações entre o mundo público e a vida como um todo, especialmente as questões

que são da esfera pública, questões que envolvem o Estado e o papel mediador do Estado. Todas essas questões precisam efetivamente da participação de todos, da discussão de todos, especialmente quando tudo isso se coloca sob a égide da vida democrática, do princípio democrático, do princípio da participação social, da participação de todos, do exercício da soberania ampla, soberania múltipla, pulverizada no fragmento de cada indivíduo, de cada cidadão, e representada no sentido aglutinador, podemos assim dizer, exatamente pelo Estado e suas várias áreas de representação institucional. O Audálio também se referiu ao fato de que eu de pronto aceitei o convite para vir aqui e outra não foi a razão, exatamente essa discussão de que estamos falando, a necessidade dessa discussão, a necessidade de que ela se amplie, a necessidade de que ela se faça de forma abrangente, transbordante para todos os campos, para todas as áreas de interesse da sociedade, seja de interesses mais materiais, negociais, comerciais e todos os que exploram aspectos comerciais, negociais envolvidos com essas questões, seja pelos usuários, pelo público, pelos cidadãos, pela ponta do consumo do bem cultural, da vida cultural, da dimensão cultural. E que todos esses homens, mulheres, jovens, crianças desfrutem a comunicação social, de seus campos, desse mundo da comunicação social. Portanto, vir debater, vir discutir, trazendo a palavra, trazendo a posição, trazendo a visão de uma das partes importantes do Governo envolvida nessa questão toda, é uma obrigação nossa, é um trabalho. Estamos aqui fazendo exatamente isso que estamos convocando a sociedade a fazer, debater a questão, discutir a questão, se informar, se instruir a respeito do que seja, dos aspectos inovadores de um novo modelo de televisão, daquilo que, ao mesmo tempo, permanece, o que na televisão digital continua sendo a televisão de sempre e o que na televisão digital passa a ser uma outra coisa. Há na sociedade uma divisão de imediato em relação a essa questão, porque há segmentos da sociedade que envolvem detentores de direitos adquiridos, que envolvem interessados na exploração industri-

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Jornal da ABI al, etc, e não só esses, como vários outros do próprio público, muitos outros do próprio público defendem uma permanência, uma transposição pura e simples do modelo analógico, que é o modelo de televisão que está em vigência até agora, uma mera transposição desse modelo para o modelo digital com a pura e simples garantia de direitos já adquiridos nesse espaço, já ocupado pelos atores que já estiveram e estão em cena e não mais que isso. Já uma outra área da sociedade, por razões evidentes também, por razões, exatamente, da defesa do interesse público, da compreensão da dinâmica dos processos, da transformação necessária que os tempos impõem a tudo o que é humano, a todos os afazeres humanos, essa outra área da sociedade entende que a televisão digital, por se tratar de um outro estágio tecnológico, de uma outra oferta de possibilidades múltiplas, diferenciadas tal e tal, trata-se, portanto, de um novo modelo, e, portanto, para ele, tem que merecer uma nova abordagem, uma nova oferta de espaços, um novo dimensionamento. Nessa discussão, evidentemente, como lhe cabe uma série de definições, uma delas, a primeira, logo, que é a questão do modelo técnico, a opção tecnológica, o Estado terá que se manifestar. E essa pauta é a pauta mais atual, é a pauta quente no momento, é a pauta que tem provocado as maiores discussões no geral da sociedade, e, também, internamente no Governo: é exatamente a definição do modelo tecnológico que a tv digital vai ter no Brasil. Todos nós sabemos que há uma oferta inicial de três modelos: um modelo americano, que foi o primeiro, digamos assim, a ser desenvolvido no mundo, a partir do qual, inclusive, se desenvolveram tanto o modelo europeu, num segundo momento, e o modelo japonês, num terceiro e já mais qualificado momento de utilização da acumulação adquirida. Todos três são, portanto, modelos de uma matriz, essa primeira matriz americana que deu o modelo europeu e, depois, o modelo japonês. É preciso saber, também, que esses modelos não são os únicos a serem ofertados. Eles talvez apareçam como oferta mais visível por estarem ligados a forças econômicas, políticas e sociais poderosas, como o caso dos Estados Unidos, da União Européia e do Japão, que é uma das grandes potências econômicas, uma das grandes potências industriais, especialmente, no mundo moderno. Há outros modelos que estão sendo oferecidos. Um deles é o ainda não completamente desenvolvido, mas já em desenvolvimento, o modelo brasileiro. Há na China, por exemplo, só internamente na China, o desenvolvimento de quatro modelos que eles desenvolveram para eles, mas que evidentemente estão ofertados também internacionalmente. É possível que haja outros modelos. Enfim, essa questão tecnológica é uma questão portanto ampla, aberta. Uma das necessidades, por exemplo, vista como básica e imediata, é que o Brasil se pronuncie com relação a essa questão de sua

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“Há segmentos da sociedade que defendem uma transposição pura e simples do modelo analógico, que é o modelo de televisão em vigência agora, com a pura e simples garantia de direitos já adquiridos nesse espaço, já ocupado pelos atores que já estiveram e estão em cena.” Ministro Gilberto Gil

VALTER CAMPANATO/ABR

ALÉM DA TECNOLOGIA A decisão sobre a tv digital envolve aspectos que ultrapassam o âmbito de questões tecnológicas, sustentou Gilberto Gil.

própria capacidade de modelagem, de uma modelagem para a televisão digital ou de sua capacidade de complementação dos modelos em oferta no mercado com as tecnologias, enfim, com os aperfeiçoamentos desenvolvidos pelo próprio Brasil. Sabe-se, por exemplo, que além dos três modelos em pauta –– americano, europeu e japonês –– há tecnologias desenvolvidas no Brasil, a partir de Porto Alegre, do Rio de Janeiro, da Paraíba, de Minas Gerais; são 22 institutos técnicos envolvidos nisso, incluindo as universidades, etc. O funcionamento otimizado desses modelos –– americano, europeu e japonês –– só se dá, no caso das exigências brasileiras, no caso de exigências geográficas, topográficas, etc, com o acoplamento de dimensões de unidades técnicas, tecnológicas desenvolvidas no Brasil. Tanto é que qualquer modelo que seja adotado, dos três que estão em pauta agora, porque parece que o Brasil finalmente decidiu manter a possibilidade de escolha dentro da oferta desse três modelos, qualquer dos três modelos que venha a ser escolhido terá, necessariamente, que ser aperfeiçoado para uso no Brasil com as tecnologias desenvolvidas no Brasil. O que importa, no entanto, para a sociedade brasileira não é exatamente só essa questão da dimensão tecnológica. É o que a televisão digital vai mostrar e para quem vai mostrar. Interessa saber se a nova tecnologia permitirá maiores opções de escolha de programas gratuitos; se a nossa diversidade cultural e a diversidade cultural do mundo estarão acessíveis em todos os lares e escolas; se toda a população ou que percentual dessa população terá acesso à nova maravilha da comunicação. Interessa saber a qualidade técnica da imagem e do som, mas interessa muito mais –– essa é uma crença do Governo brasileiro e eu acredito que é uma crença da parte mais significativa da sociedade brasileira –– o que estará dentro desse invólucro mágico da televisão digital. Os estudos de pesquisadores brasileiros no âmbito do Sistema Brasileiro de TV Digital, que tem a sigla SBTVD, proporcionaram ao Governo uma visão completa sobre as muitas questões envolvidas na transição da televisão analógica para a digital. Contudo, o debate atual na mídia tem focado apenas ou mais particularmente o padrão de modulação, responsável pela transmissão e recepção dos sinais, um dos aspectos-chaves de qualquer sistema de televisão digital, mas não o único aspecto importante. Discute-se se o Brasil adotará o padrão norte-americano, japonês ou europeu, ou mesmo uma inovação inteiramente nacional, que já tem até o nome de sorça, de-

senvolvido pela Puc do Rio Grande do Sul. É um debate ainda tímido, que não pode se restringir ao Governo. Tímido, porque retira o foco das principais questões envolvidas na implantação da tv digital, como a estruturação de uma política industrial calcada na microeletrônica. Essa é uma das questões básicas: o próprio mundo industrial brasileiro pode se beneficiar de uma implantação desse tipo. Há a questão das fábricas de semicondutores, toda a indústria de microeletrônica, dos aplicativos que vão não só para a televisão digital mas para uma série de outras utilizações dessas pequenas máquinas, desses pequenos eletrônicos, desses miúdos eletrônicos que temos por aí. A incorporação de tecnologia brasileira, como já venho falando, pode assegurar a otimização do uso do espectro de radiofreqüências e a construção de uma política para produção e difusão de conteúdos audiovisuais nacionais. Aí entram questões a que vamos nos referir, e já referindo uma delas, a questão regional e aqui está uma das defensoras da questão da regionacionalização, através de um projeto de lei que já está em tramitação no Senado prevendo exatamente a extensão das políticas industriais relativas à cultura e especialmente relativas à radiodifusão nas diferentes regiões, conferindo às regiões a capacidade de produzir, distribuir e portanto difundir produção televisiva para todo o Brasil. O espectro de radiofreqüências é um bem público escasso, cuja utilização deve resguardar o atendimento do interesse público. No mundo digital não há mais sentido em se falar em canais. Muito da confusão presente no tema, especialmente na forma como o público em geral apreende e compreende os elementos dessa discussão, é causada por essa visão de que se trata exatamente de uma transposição de canais analógicos para canais digitais. Como referi no início, muitos são a favor de que haja uma mera e simples transposição do mundo analógico para o mundo digital, mas não é assim. No mundo digital não há mais sentido em falar em canais. Os mesmos 6 Mh que hoje dão vazão a uma programação de televisão no mundo analógico possibilitarão com técnicas de compressão que oito programações digitalizadas cheguem à casa dos telespectadores, caso se opte pela transmissão em definição padrão. Caso não se opte pela transmissão em alta definição, que é um dos benefícios que a tecnologia digital traz, os grandes radiodifusores de hoje vão querer adotá-la, inclusive porque na disputa internacional precisam estar na alta definição, na high definition; ainda que optem por alta definição para transmissão de parte de sua programação, ainda assim é possível a existência de programação de mais quatro chamados canais, hoje chamados canais, ou seja, quatro outras programações em definição padrão. Portanto, compartilhando espectro entre alta definição para uma parte dele e para o uso convencional como o analógico de hoje para uma outra parte desse espectro. A passagem do paradigma dos canais para o paradigma das programações exige que se ponha na mesa uma análise sobre o mode-

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temas terão no Brasil ao adotarem técnicas desenvolvidas no País. Os três sistemas só se tornarão suficientemente robustos em termos das necessidades brasileiras caso adotem tecnologias que forem desenvolvidas aqui no Brasil. Ao lado disso, se definiu que o Sistema Brasileiro de TV Digital deverá permitir a inclusão digital, portanto permitindo a operação de outros serviços que não apenas a radiodifusão: serviços de saúde, de educação, governo eletrônico, e assim por diante. Considerou-se ainda que ele abre oportunidades para a entrada em cena de novos agentes na radiodifusão brasileira, ao mesmo tempo que exige, dado o cenário de convergência, marco regulatório claro para o setor da comunicação social eletrônica e por conseqüência para o setor das telecomunicações quando as empresas de telecomunicações aspirem a operar serviços assemelhados. Eis o caso: as telefônicas, através dos celulares, etc, através de todas essas possibilidades eletrônicas que têm hoje, já disputam espaços importantes na difusão de conteúdo, na difusão de programação em competição clara e aberta com os teledifusores, os radiodifusores tradicionais e os outros novos jogadores, digamos assim, que estão surgindo por aí. Segundo o decreto que disciplinou o processo do Sistema Brasileiro de TV Digital foram estabelecidos os objetivos que devem ser atendidos com as pesquisas de capacidade nacional, com o trabalho do Grupo Gestor e com as decisões do Comitê de Desenvolvimento. Esse decreto evitou consagrar privilégios no início do processo, ao mesmo tempo que assegurou, e isso é importante que seja frisado, assegurou ao setor da radiodifusão o respeito aos seus direitos adquiridos. Toda a questão vem sendo discutida a partir dessas premissas básicas. Com a percepção clara de que não é possível o Brasil desenvolver a curto prazo um novo padrão, os trabalhos do Grupo Gestor se orientaram para, por um lado, continuar as pesquisas no sentido de identificar as inovações brasileiras que poderão ser incorporadas a um dos padrões existentes; por outro lado, para fazer os estudos necessários

MARCELLO CASAL JR/ABR

lo de exploração da televisão digital. É esta uma discussão que independe da escolha da modulação, do padrão a ser adotado. A otimização do uso do espectro abre espaço para que novas programações cheguem aos telespectadores. Emissoras de interesse público hoje disponíveis apenas por assinatura poderão chegar às casas de milhões de brasileiros, assim como emissoras comunitárias, universitárias e, naturalmente, novas redes de emissoras públicas e comerciais. Abre-se aqui a discussão de uma nova política pública para o audiovisual brasileiro. O dinamismo da indústria audiovisual, com a geração de mais e melhores empregos, depende da criação de novos instrumentos legais para o setor que contemplem preceitos constitucionais, como o estímulo à programação regional e a veiculação da produção independente brasileira nas emissoras públicas e comerciais, preceitos amplamente adotados já em vários países. A regulamentação desses preceitos constitucionais assegurará a potencialização da produção audiovisual brasileira e a expressão da diversidade cultural do País na televisão aberta, meio de comunicação mais acessível aos brasileiros e, se puder dizer, acho que posso, meio de comunicação mais acessível a todas as populações do mundo. Está aí a Copa do Mundo que não me deixa mentir. Quase 2 bilhões de telespectadores assistirão aos 64 jogos da Copa na Alemanha. A criação de novo marco regulatório para o audiovisual e para a comunicação social brasileira envolve aspectos políticos, econômicos e culturais que antecedem, perpassam, acompanham e eu diria mesmo sucedem a implantação da tv digital. Trata-se de um debate público necessário cujos resultados são fundamentais para a cultura e para a democracia brasileiras e para a consolidação do País como grande produtor de conteúdos na era das convergências e da economia digital. Vou ler agora para vocês um resumo de pontos que o Governo e o nosso Ministério, como parte dos grupos, de vários, de alguns dos grupos de discussão intragoverno, vêm examinando nessa questão. São posições que estão sendo emanadas dessas discussões que o Governo vem fazendo. Desde o início do processo de desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Televisão Digital se pactuou no âmbito do Comitê de Desenvolvimento, que é formado por 10 ou 12 Ministérios, e do Grupo Gestor, que é um grupo de técnicos, envolvendo técnicos do Governo, técnicos de entidades do setor técnico brasileiro, universidades, os 22 institutos que mencionei, que o que importa no caso do sistema digital são a robustez, a flexibilidade, a mobilidade, a portabilidade e a interatividade. Essas são condições, digamos assim, que vão ser preechidas e buscadas pelo modelo técnico a ser adotado. Há modelos que são mais robustos, outros que são mais flexíveis e menos robustos, outros que têm mobilidade. Eu até me referi aqui no início à questão da robustez que todos os três sis-

UM MUNDO ABERTO Para Gil, o que interessa no sistema digital é o que ele pode oferecer em robustez, flexibilidade, mobilidade, portabilidade e interatividade. A tv digital, disse, é um mundo aberto a inovações, a desenvolvimentos e a transformações.

“O dinamismo da indústria audiovisual, com a geração de mais e melhores empregos, depende da criação de novos instrumentos legais para o setor que contemplem preceitos constitucionais, como o estímulo à programação regional e a veiculação da produção independente brasileira nas emissoras públicas e comerciais, preceitos já amplamente adotados em vários países.” Ministro Gilberto Gil para a implantação da televisão digital no Brasil. Trata-se portanto de um debate complexo, com diversas implicações. As pesquisas realizadas apontaram capacidade brasileira de chegar a inovações que poderão a ser incorporadas a um dos padrões. Já falamos muito disso. Em geral, os grupos precisam de um pouco mais de

tempo para desenvolver protótipos e para que os mesmos sejam integrados e testados com os sistemas em questão, o europeu, o norte-americano e o japonês. Há um problema que vem sendo superado com a extensão dos prazos iniciais, que é exatamente o problema dos prazos. Houve naquele momento, quando o decreto foi feito, uma pressão de prazos. O prazo inicial para que a decisão governamental fosse tomada era até fevereiro deste ano; esse prazo já foi estendido. Essa pressão de prazos, portanto, já não é tão grande quanto era antes. Havia também a pressão, e aí por interesses justificáveis dos radiodifusores, para que já essa Copa do Mundo fosse transmitida no Brasil a partir da televisão digital, já com o processo de tv digital. Isso também não foi possível. E esse adiamento causou uma extensão favorável do prazo para que essas discussões, essas análises técnicas e esses aperfeiçoamentos fossem feitos. E o que é esse processo? A- Esse processo implica em identificar as inovações que poderão ser aproveitadas. Definir a partir do acompanhamento feito pelo CPqD e pelo Grupo Gestor quais as inovações têm maturidade para serem aproveitadas em qualquer dos sistemas préexistentes. B- Seguir a pesquisa. Continuar o desenvolvimento das inovações definidas para que elas possam ser incorporadas em um dos sistemas a curto prazo e manter linhas de pesquisas que sigam investigando outras possibilidades de inovação a médio e a longo prazo. A tv digital é um mundo aberto a inovações, a desenvolvimentos, a transformações, etc., etc. Portanto, o papel da política industrial brasileira nesse campo não se esgota na definição de qual padrão vai ser adotado. É uma coisa que tem de seguir adiante. Esses institutos todos envolvidos têm de continuar suas bases de pesquisas, têm de aprofundar essas pesquisas, têm de desenvolver novos produtos, têm de dar vazão a essa extraordinária criatividade que demonstraram ter até agora. C- Negociar política industrial com as bases tecnológicas aprontadas e com o modelo arranjado. Negociar com a indústria a produção e os tempos. D- Indicar o modelo de negócios. Concluir qual o modelo de negócios emerge com a implantação da tv digital. O que se quer manter, o que se quer incentivar e o que se quer evitar. E- Definir o arranjo regulatório. Decidir que modelo regulatório o País adotará na operação da tv digital. Quem poderá prestar o serviço. Em que bases deverá prestar o serviço. O que poderá ser realizado além de televisão aberta. Como será a concessão da faixa de espectro necessária à transmissão. Como estará definida a situação da tv pública na tv digital. Que novos agentes poderão operar com base na tv digital. Que serviços poderão operar. Interface, rede, regional quem programa, como programa e assim por diante. F- Política de apoio à produção de conteúdo de forma complementar. É preciso articular a implantação da tv digital com o desenvolvimento de uma política de pro-

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Jornal da ABI dução de conteúdos. Trabalhar com as novas possibilidades de formato, com o estímulo à formação de pólos de produção local, com a incorporação de produção independente, com o equilíbrio entre a produção nacional e a produção local. As ações imediatas que o Governo entendeu como necessárias naquele momento em que se definiu esse papel do Estado. Montar uma força-tarefa para as negociações, força que deve conduzir as negociações com os países vizinhos interessados. Ainda há pouco surgiu na imprensa a questão da divergência argentina com relação ao padrão. A Argentina parece inclinar-se pelo padrão americano ou europeu, enquanto o Brasil parece estar se inclinando para o padrão japonês. Havia no início uma expectativa de que a América do Sul fosse toda ela com um padrão só para possibilitar compactuações conceituais, tecnológicas, produção de escala otimizada, etc. fruição da produção industrial dos países todos, criação de mercados externos e tal. Não se sabe se isso vai ser possível. G- Diretriz para que o Grupo Gestor ultime as definições necessárias para uma avaliação de conjunto pelo Comitê de Desenvolvimento, preparando uma tomada de posição conjunta do Governo, que é exatamente o que está se dando agora. Esse Grupo Gestor informou, instruiu, abasteceu o Comitê de Desenvolvimento formado pelos Ministérios de todas as informações, de todos os dados necessários para que eles tivessem uma base de apoio para as suas decisões e é exatamente esse processo que estamos vivendo no momento. H- Manter acompanhamento do processo em nível ministerial. Isso está sendo feito. Monitorar essa questão dos prazos, essa questão dos compromissos, mais ou menos, parcialmente ou integralmente assumidos entre o Brasil e algumas áreas do exterior. Enfim, toda essa discussão vai ser mesmo sobre o sistema japonês, a modulação japonesa; a modulação européia; a modulação americana. Nós estamos agora em fase de decisão. A impressão que temos no Governo é que há um amadurecimento relativamente grande com relação a questões técnicas, porém há muito a amadurecer com relação ao que sucederá à definição técnica, ou seja, a questão da lei das comunicações sociais, de que ela tratará, o que ela abrangerá; a questão do marco regulatório, como será feito, se teremos uma agência, se não teremos uma agência, se a agência que já existe no âmbito das comunicações será dotada do que precise se complementar para essas tarefas ou se uma outra será criada. Enfim, essa questão toda do marco regulatório: como serão tratados os novos players ou novos atores, as telecomunicações. Essa questão regulatória está sendo também definida agora, e, portanto, aí no que diz respeito mais diretamente ao Ministério da Cultura, como regulará a política de produção e difusão de conteúdos no Brasil; do audiovisual de modo geral e, em particular, daqueles que terão abrigo na difusão, na produção mas especialmente na difusão via televisão digital. Dei um apanhado geral de como as coi-

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sas estão, como estamos vendo as questões lá no Governo e como temos tratado essas questões e gostaria de deixar um espaço para que outros se manifestem. Maurício Azêdo – Antes de passar a direção dos trabalhos novamente ao nosso Vice-Presidente Audálio Dantas, a mesa registra que chegou e está já com assento à mesa o nosso companheiro jornalista Sérgio Gomes da Silva. Sem desapreço a outros membros da ABI, nós queremos registrar com especial carinho a presença entre nós na platéia do jornalista e ex-Senador Arthur da Távola, que foi o relator das matérias relacionadas com comunicação social

QUE TV SERÁ ESSA? A Deputada Jandira Feghali questionou qual a tv que virá com o sistema digital: uma democrática ou concentrada, como agora? Abrirá espaços para novos radiodifusores e para a tv comunitária?

na Assembléia Nacional Constituinte, e também a presença do nosso companheiro Conselheiro da ABI, tal como Arthur da Távola, Fernando Barbosa Lima, que foi o pioneiro da televisão de qualidade no Brasil através de programas que criou em diferentes emissoras. Por fim, a mesa registra as mensagens de cumprimentos à ABI e ao Ministro Gilberto Gil enviadas pelo Secretário de Estado de Segurança Pública, Roberto Precioso Júnior, pelo Secretário Municipal de Obras, Carlos Eugênio Adegas, pelo Prefeito Municipal de Santo Antônio de Pádua, Luis Padilha Leite, dos Deputados estaduais Alberto Brizola, Andréa Zito, Dica, Léo Vivas e Edna Rodrigues, da Vereadora Tereza Bergher e dos Vereadores Jerominho e Dr. Adilson Soares. Devolva a palavra e a direção dos trabalhos ao nosso companheiro Audálio Dantas. Audálio Dantas – Agradecendo mais uma vez as palavras do Ministro Gilberto Gil, nós damos continuidade a esse debate dando a palavra à Deputada Jandira Feghali. Jandira Feghali – Eu cumprimento e agradeço à Associação Brasileira de Imprensa por ter me incorporado a este debate. Nas pessoas de Maurício Azêdo e de Audálio eu cumprimento todos os diretores da ABI e os Conselheiros como Arthur da Távola e Fernando Barbosa Lima. Cumprimento o nosso Ministro Gilberto Gil, que democraticamente, estimula este debate em todo o País de forma muito consistente e aberta. Cumprimento as entidades aqui representadas e particularmente um parceiro de muitos debates, Gustavo Gindre. E eu entraria aqui; rapidamente, num

primeiro conceito que me parece muito importante que é a compreensão de que debater a comunicação é debater a democracia, até porque nós lidamos – e até aqui nesta Casa tão importante à democracia brasileira na sua trajetória, como, também, no presente – nós temos a clareza absoluta de que comunicação é estratégia para democracia, comunicação é uma concessão pública, a produção pode ser privada em muitas televisões, mas o transporte da informação é público e tem que seguir, portanto, a caracterização da Carta Magna pela função social lá determinada. E o artigo 221 é um parceiro nessa definição do que é a comunicação e do que ela deve atender. Lá, nos incisos do artigo 221, estão explicitados a regionalização, o espaço à produção independente, a função educativa, cultural, ética, etc, etc e nós sabemos o que a ingerência política tem produzido, dependendo de sua linha editorial, no resultado inclusive de eleições no Brasil, de destinos do País. Tudo isso nós todos conhecemos aqui e não precisamos delinear aqui esses aspectos fundamentais. Nesse sentido, o debate sobre tv digital tem tido, dentro do que nós enxergamos, uma grande parceria com o Ministério da Cultura numa posição avançada, como também da Ancine. Temos vivenciado esse debate de uma forma muito próxima na visão do que deve ser esse novo modelo da televisão brasileira. Eu só fico triste porque o rádio não está envolvido com tanta intensidade nesse debate e o rádio é um instrumento importante também da comunicação no Brasil. E esse debate da tv digital por algum tempo ficou extremamente enviesado. Sinceramente, nem ao Ministério da Cultura, nem à sociedade importa muito centrar o debate se o modelo é europeu, japonês ou americano. O que importa é criar um sistema brasileiro de tv digital, em que o centro do debate seja qual o modelo de exploração da nova televisão brasileira. De fato eu nunca vi nenhuma manifestação na rua em que a sociedade se mobilizasse com faixas sem fantasma. Nossa preocupação maior é: que televisão será essa? Será de fato mais democratizada ou se manterá concentrada com os mesmos radiodifusores de hoje? Abrirá espaço para novos radiodifusores, para a radiodifusão comunitária, para a televisão educativa, para nova função. Hoje há canais que ficam vendendo boi, jóias, tapetes, a noite inteira. Esse não é um programa que nós gostaríamos de continuar vendo na televisão brasileira. Mas é que tipo de programação, que público vamos atingir e qual o conteúdo? Essa é uma palavra-chave para nós. Qual é o conteúdo da nova programação brasileira? E isso a tv digital proporciona: uma multiplicação de possibilidades, de demo-

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Jornal da ABI cratizar essa informação, de mexer no conteúdo como nunca antes na história de país nenhum. E eu acredito que esse debate, na minha opinião, ainda está pequeno, até porque a televisão de maior audiência no Brasil não tem na sua programação um programa de debates, nem para debater isso. Não tem. Nem meia hora de programa de debate. Então, nós não temos muitas vezes como fazer a sociedade brasileira entender que tema é esse que nós estamos debatendo. É o modelo tecnológico que estamos debatendo? Não é. E esse é para mim um aspecto muito definidor. Essa questão da outorga e da concessão, se nós vamos passar a ter uma transição, se vamos ter por um bom tempo ainda a chamada tv analógica e nós vamos passar a ter num período largo de transição à tv digital, o que vai importar muito no novo marco regulatório, que será necessário, é como será feita a outorga. E isso é que a grande radiodifusão não quer debater. Agora se vê: eu já tenho 6 Mh na tv analógica e quero continuar tendo novos 6 Mh na tv digital. E com isso a própria Anatel diz que nos próximos 10 anos não entra mais ninguém na radiodifusão brasileira. E esse é o problema que a grande radiodifusão não debate. TV Globo, TV Bandeirantes, SBT, todos só querem debater como ficará a outorga da tv digital . TV Cultura também entra, como disse o Deputado Miro Teixeira?. Todo mundo só quer debater isso. Terei novas outorgas para novos radiodifusores ou vou ampliar na medida em que eu comprimo a informação num espaço menor? Pela tecnologia digital eu posso multiplicar a entrada de novos radiodifusores, de uma nova programação de conteúdo. E aí, de fato, é irmã gemea desse debate a regionalização da produção cultural, artística e jornalística porque essa é a possibilidade de você democratizar e interferir no conteúdo da tv aberta, porque o Brasil tem 93% da população com tv aberta. A tv por assinatura é 7%, caindo inclusive pelo preço.

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Então é essa televisão diferentemente do Japão, de países da Europa. Nós temos de fato aqui uma tv democrática no sentido do acesso, o problema é que conteúdo não é e quem faz a programação também não é, é concentrado e isso é poder. Esse para mim é o grande embate que precisamos fazer e para isso precisa de fato de um novo marco regulatório. Eu estou no Congresso Nacional desde 1991, lá se vão 16 anos, e a todo momento em que esse debate entra ele é paralisado. Já teve a Lei de Informação Democrática – a Lide –, ficou lá, está lá na gaveta desde então. A Frente Parlamentar da Radiodifusão Comunitária avançou na legislação mas ainda é uma legislação dificílima que está levando milhares de rádios comunitárias a não conseguir se manter. A regionalização da produção nós conseguimos pensar, andou, aprovou na Câmara, está no Senado engavetada há três anos e meio. Agora nós estamos tentando desencavar de novo com a ajuda do Ministério da Cultura. Vai se discutir tv digital, que é um debate que está na Comissão de Ciências e Tecnologia há mais de dez anos. Eu tenho participado de todos esses processos da Lide, da radiodifusão comunitária, etc e tal, mas na hora da definição nós provocamos o Presidente da Câmara num seminário e isso não foi feito. Mas nós queremos participar das definições. Queremos decidir o novo marco regulatório. E o decreto que o Governo venha a fazer por definir um padrão tecnológico não pode, como decreto, entrar em questões da lei, porque vai começar uma briga jurídica absurda, a partir inclusive do Ministério Público. Um decreto não pode mudar a lei. E a lei de 1962 está absolutamente ultrapassada, mas no que está em vigor ela proíbe inclusive uma dupla autônoma (?) E isso não pode ser mudado por decreto. Então, o novo marco regulatório é decisivo para nós. Outro dia o Gindre lembrava como esse debate é difícil no Congresso. Em 1962 foram colocados 50 vetos pelo Governo Jango na lei de 1962. E os 50 foram derrubados no Congresso. Para ver como esse embate no Congresso é difícil, a gente sabe como os lobbies funcionam, principalmente nessa área, porque isso tem relação direta com o poder. A lei geral da comunicação está sendo produzida, mas nós não podemos aguardar isso. Acho que precisamos avançar no marco regulatório da digitalização, que dá imensas possibilidades, como Gil estava dizendo. A interatividade, você ter internet na televisão, é um programa de inclusão digital brutal. É muito importante que tenhamos isso. Então todo o processo de um novo momento da televisão brasileira tem que levar em conta para quem e para quê. E esse é um debate que, na minha opinião, está

“Hoje há canais que ficam a noite inteira vendendo boi, jóias, tapetes. Esse não é um programa que gostaríamos de continuar vendo na televisão brasileira. Que tipo de programação e que público vamos atingir e com qual conteúdo? Estamos debatendo muito mais que o modelo tecnológico.” Deputada Jandira Feghali

DEBATE IGNORADO Jandira Feghali lamentou que o debate acerca da tv digital tenha sido ignorado pela grande mídia. Um seminário do Congresso Nacional sobre o tema foi divulgado e coberto apenas pela TV Câmara, que não tem o alcance das grandes redes.

curtinho. Se você perguntar ali na rua o que é tv digital, o que está em jogo, ninguém sabe. É porque o debate ainda está intramuros e assim limitado às iniciativas democráticas das entidades ou a um seminário do Congresso Nacional, que só foi coberto pela TV Câmara. Nenhuma grande televisão fez uma divulgação do seminário que se fez lá. Uma outra questão que eu quero levantar é que a gente fala em reforma política. Será que é possível uma reforma política estrutural com o debate democrático concentrado assim? Tudo tem relação. Se eu não democratizo a comunicação, eu não consigo debater uma reforma política adequada, porque a opinião pública sempre vai achar que cláusula de barreira é bom, que restringir partido é bom, que ter dois partidos é mais democrático; isso é que pega porque é isso que a grande mídia divulga. E a gente não tem o mesmo espaço de confrontar esse tipo de discussão, cuja conseqüência é deixar lá dois ou três ou quatro partidos no Congresso Nacional. Aliás na ditadura só havia dois e não me parece que era um período de muita liberdade. Então esse debate a gente não consegue desenvolver e fazer. Uma outra questão em que o marco regulatório tem que avançar é a relação produção-transmissão. Eu não sei se há outro país no mundo em que quem transmite é quem produz tudo. Eu não sei se há. Pelo menos pelos dados que a gente tem é que no Canadá é zero. A televisão é transmissora apenas, não é ela que produz a programação. Nos EUA deve estar lá por 50%. Na Europa, 25%. Aqui é 100%. Quem transmite é quem produz e fecha o cerco e você não tem como entrar. Então, essa questão do conteúdo tem uma relação direta com a concessão de outorga e quem vai explorar o novo modelo da televisão brasileira. E por fim para não demorar muito porque o Ministro tem pouco tempo e ele precisaria estar à disposição aí para o próprio debate, eu sei que há uma disputa que pode interferir muito nas definições. Uma é a disputa telecomunicação com radiodifusão, até porque em 1997, quando se fez a lei separando a telecomunicação para poder privatizar, para ter a possibilidade de privatização, acabou-se separando aquilo que na tv digital não deveria mais estar com esse grau de separação, inclusive na legislação. Então há uma disputa. As teles disputam fatias de digitalização e a radiodifusão também. Essa é uma disputa que vai interferir certamente na definição. A outra que sinto que é uma preocupação do Governo brasileiro, expressa pela Ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, é a questão da política industrial porque hoje há uma evasão de 8 bilhões por ano na importação de meios eletrônicos para a produção de televisão, particularmente na tecnologia digital. Certamente isso interfere também nas definições. A questão da pesquisa que já foi desenvolvida: é bom que a gente tenha em mente que isso estava no âmbito da Anatel no Governo anterior; no início do Governo Lula se puxou para o Ministério das Comunicações e se fez o decreto de criação do

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Sistema Brasileiro de TV Digital, no qual mais de 50 instituições se envolveram e desenvolveram a tecnologia brasileira, e isso não pode ser jogado fora, porque no Sistema Brasileiro de TV Digital muito do que se desenvolveu pode ter a complementação do que há de melhor nos outros modelos. Não temos que importar tecnologia proprietária para pagar royalties para o Japão ou para quem quer que seja. E depois a matéria saiu do âmbito puro do Ministério das Comunicações porque o atual Ministro das Comunicações passou a desrespeitar o Conselho Consultivo e os fóruns democráticos construídos e passou para um fórum interministerial, de que participam, se não me engano, nove ministérios ou até mais, para que essa definição tenha um contraponto, o que é uma evolução interessante do processo. Mas nós precisamos fazer que o Congresso seja de fato o responsável pela definição do marco regulatório, porque isso não poderá ser feito por decreto. Isso é uma questão que colocamos de público porque é importante que não se avance esse sinal sob pena de uma briga jurídica indefinida. Então para fechar, o que eu acho, primeiro, não é o modelo tecnológico que está em debate, e sim o modelo de exploração da tv brasileira relacionada diretamente com a democracia, com a cidadania, com a possibilidade de inclusão da sociedade em novas formas de comunicação e de digitalização. Segundo, é necessário avançar com um marco regulatório, que seja um marco regulatório construído junto com o Parlamento brasileiro, com a sociedade civil, para que ele se adeque a esse objetivo democratizador, de mudança de conteúdo, de regionalização da produção e difusão. Em terceiro lugar que a gente consiga evitar que uma definição de política

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OS QUE DECIDEM A Ministra Dilma Rousseff, Chefe da Casa Civil, era considerada pelo Ministro Gil como uma garantia de que o Presidente Lula levaria em conta as conclusões do debate que se travava no Governo. No fim de junho viu-se que Gil errou na previsão.

industrial se afaste dessa discussão do papel da comunicação brasileira e leve em conta a sociedade e o Congresso Nacional para que a gente não tenha uma definição, eu até brinco um pouco, que não seja tão rápida que pareça covardia e que não seja tão lenta que pareça provocação. Então nós precisamos ter um tempo adequado. E um ano eleitoral não é um ano bom para esse tipo de definição porque a pressão vem muito grande para cima do Governo, não é um bom momento para essa definição. Talvez fosse mais cauteloso e prudente acumular um certo debate e definir sem a pressão do processo melhor, que a gente define melhor. Ninguém está querendo jogar para a indefinição porque é inevitável que o Brasil digitalize e digitalize bem, mas também não pode ser uma decisão tão apressada que impeça esse debate, essa adequação de um novo modelo de televisão brasileira que atinja a população buscando maior cidadania, maior inclusão e maior descentralização de poder. E é de poder mesmo e isso tem uma ingerência política e ideológica que todos nós aqui conhecemos. Agradeço a vocês . Audálio Dantas – Agradecemos a contribuição ao debate da Deputada Jandira Feghali. Aliás nós estamos vendo que os temas centrais estão sendo colocados em todas as palavras e antes de passarmos aos de-

“Será possível uma reforma política estrutural com o debate democrático concentrado? Se não se democratiza a comunicação, não se consegue uma reforma política adequada, porque a opinião pública sempre vai achar que cláusula de barreira é bom, que restringir partidos é bom, que ter só dois partidos é mais democrático.” Deputada Jandira Feghali

batedores eu gostaria de chamar a atenção para o fato que também aqui foi registrado que raro é o dia em que não apareça em manchetes ou em notícias de colunas, várias colunas, notícias plantadas no sentido de que o Presidente da República já decidiu qual vai ser o padrão tecnológico ou que vai decidir na próxima semana ou que vai decidir nos próximos 15 dias, etc. Isso significa que há interesses que estão aí jogando e por isso este debate em que a ABI hoje se engaja de maneira mais efetiva deve prolongar-se além do jogo de interesses que porventura esteja ocorrendo aí. Eu queria chamar, não sei se está presente, o representante da Abert, Ronald Siqueira Barbosa. Não. O Deputado Vanderlei Assis. Também não está presente. Sobre o representante da Abert, eu gostaria de dizer que nós tomamos o cuidado, este é o entendimento da ABI, de tornar este debate o mais amplo possível, de convidar as partes envolvidas nessa questão, e a Abert, por ser representante das emissoras de rádio e televisão no Brasil, foi por nós convidada. Há cerca de 15 dias foi indicado um representante que seria Evandro Guimarães e, hoje, pela manhã, por volta das 11 horas, recebemos a informação de que ele não poderia vir e que no lugar dele estaria Ronald Siqueira Barbosa. Infelizmente, ambos não estão aqui. E nós damos continuidade ao nosso debate convidando o Professor Gustavo Gindre, que é diretor do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura- Index, dizendo que cada debatedor tem 20 minutos para a sua intervenção. Gustavo Gindre – Eu queria agradecer o convite da ABI na figura do Presidente Maurício Azêdo e do Vice, Audálio Dantas, a oportunidade de estar aqui debatendo nesta Casa, nesta Casa histórica, esse tema fundamental que é o tema da tv digital, e a honra de poder estar na mesa com pessoas que são importantíssimas nesse processo, que têm inclusive se tornado lideranças na luta pela democratização da comunicação, tanto a Deputada Jandira Feghali, quanto o Ministro Gilberto Gil no Ministério da Cultura, na Ancine, na área da cultura desse Governo, quanto um irmão que a vida me deu, que é Sérgio Gomes, que está ali do outro lado da mesa. Ao mesmo tempo que agradeço a oportunidade de estar aqui, eu lamento que o Evandro Guimarães não tenha vindo, embora já esperasse esse tipo de posição. O Evandro, para quem não sabe, é o Vice-Presidente de Relações Institucionais da Rede Globo. Era esperado que ele não viesse a esse tipo de debate, eu pelo menos esperava. Enfim, a emissora que não tem nem o batebola, nem aquela chatíssima mesa de debate nos domingos à noite para discutir futebol, ou seja, onde a opinião só chega editada, a opinião não chega a partir dos emissores dessas opiniões, obviamente não estaria aqui com a cara a tapa para este debate. Eu também lamento, infelizmente, que a posição do Ministro Gilberto Gil, que é uma posição forte, é uma posição coerente nesse sentido, acabe não sendo, por exem-

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plo, a posição do Ministério das Comunicações, Ministério esse que tem cumprido um papel importante para sabotar o processo democrático de definição da tv digital. Processo esse que, hoje, é tocado no Ministério das Comunicações por um rádiodifusor, por uma pessoa que desrespeita o artigo 54 da Constituição Federal, que diz que um parlamentar não pode ter nenhuma ligação com uma empresa concessionária de serviço público. Pois o parlamentar, Senador Hélio Costa, é dono de uma rádio. O Ministro das Comunicações, responsável por fiscalizar as rádios e as televisões no Brasil, é dono de uma rádio fiscalizada por ele próprio. Pois esse Ministro simplesmente deixou de convocar o Conselho Consultivo do Sistema Brasileiro de TV Digital, do qual eu fazia parte, onde a sociedade civil estava presente para poder participar desse debate. E, nesse sentido, o Ministro Hélio Costa desrespeita o decreto do próprio Presidente Lula que define que no Sistema Brasileiro de TV Digital a decisão só pode ser tomada depois de ouvido o Conselho Consultivo. É preciso resgatar que o decreto que criou o Sistema Brasileiro de TV Digital é um decreto bem avançado. É um decreto que define direitos e deveres de maneira bem coerente com o princípio da democratização da comunicação, da inclusão digital, só que isso não está sendo levado a cabo por esse Ministro das Comunicações, que simplesmente deixou de convocar a sociedade e desrespeita o que o Presidente Lula definiu no decreto. É lamentável infelizmente a posição do Ministro. É preciso registrar a posição corajosa da Deputada Jandira, que denunciou lá na mesa dos debates na Câmara dos Deputados que o sistema japonês não estaria disposto a fazer uma transmissão em teste. O Ministério simplesmente mandou cancelar os testes que seriam feitos pelo padrão europeu, pelo padrão norte-americano e pelo sorça, desenvolvido pela Puc do Rio Grande do Sul. Ou seja, se o padrão que o Ministro defende, se o padrão que as emissoras de televisão defendem não aparece, ninguém mais pode fazer essa transmissão. Essa infelizmente tem sido a conduta do Ministro, o que nos deixa preocupados. Preocupados em que essa decisão venha a ser tomada com o apoio desse Ministério num ano eleitoral, num ano em que os radiodifusores têm um poder de pressão sobre o Governo muito maior. Por isso, entre outras coisas nós pedimos o adiamento dessa decisão, não o adiamento ad eternum, mas o adiamento até o ano que vem, de modo que a gente possa tomar essa decisão de forma mais pensada, de forma mais pausada. E isso não significa atraso nenhum. A China com 1 bilhão e 200 milhões de pessoas decidiu que só vai colocar a sua tv digital no ar em 2008. Nenhum país do mundo tem consolidado um modelo de tv digital aberto, nem na Europa, nem nos Estados Unidos e muito menos no Japão. Portanto, jogar esse debate para o ano que vem não significa jogá-lo para as calen-

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das, nem significa relegar o Brasil ao atraso. Dito isso, é preciso fazer um pouco uma divisão, que acho uma divisão importante, meio óbvia, mas infelizmente escamoteada pelos grandes meios de comunicação em que eu diria que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Uma coisa é a discussão tecnológica. Essa discussão é importantíssima, porque define o futuro da ciência e da tecnologia brasileira em duas áreas que são transversais à economia nacional, a área de microeletrônica, que está presente desde o sinal de trânsito ao carro popular, passando pela aviação, pela indústria petrolífera, por setores de ponta da economia brasileira, onde a microeletrônica está presente, e a área do software, que também é transversal a quase tudo o que a gente consome, hoje, de bens eletroeletrônicos. Portanto, definir o padrão tecnológico da tv digital é impactar diretamente nessas duas áreas, e é impactar no desenvolvi-

UM PRATO-FEITO O Ministro das Comunicações, Senador Hélio Costa, jactou-se numa audiência pública no Senado de que encaminhara ao Presidente um texto irretocável de decreto sobre a tv digital. Houve quem achasse que ele estava blefando.

“O Ministério das Comunicações tem cumprido um papel importante para sabotar o processo democrático de definição da tv digital. O Senador Hélio Costa, Ministro das Comunicações, é dono de uma rádio fiscalizada por ele próprio. Ele desrespeita o artigo 54 da Constituição, que diz que um parlamentar não pode ter nenhuma ligação com uma empresa concessionária de serviço público.” Gustavo Gindre mento nacional. E isso é importante. É importante definir uma política industrial que até agora não apareceu de forma clara nas sinalizações do Governo. Quais serão os acordos off-set, ou seja, quais serão as contrapartidas que nós teremos, se viermos a adotar tecnologia estrangeira? Transferência de tecnologia? Vão transferir tecno-

logia para que a gente possa produzir a nossa própria tecnologia? A gente vai ter inserção no board diretivo desses padrões tecnológicos para que as futuras inovações não venham a sabotar nosso mercado interno, para que a gente não fique à mercê do desenvolvimento tecnológico de outro país? Por exemplo, o perfil de consumo do Japão é radicalmente diferente do perfil de consumo brasileiro. Lá troca-se de telefone celular a cada seis meses, joga-se fora. Se nós adotarmos um padrão e ficarmos a reboque do desenvolvimento tecnológico de um outro país, provavelmente isso terá impacto significativo em nossa balança comercial, terá impacto significativo no bolso do consumidor, nas nossas exportações. Vamos pagar royalties por isso? É preciso definir. Os softwares que vão habitar essas tvs digitais e aquelas caixinhas que nós vamos comprar para que nossas tvs possam receber a tv digital, esses softwares serão softs proprietários ou serão softs livres? Tudo isso precisa ser definido antes que o decreto sobre a escolha do padrão tecnológico venha a ser tomado. E precisa ser definido como? Com audiências públicas, com uma consulta pública. Antes de essa decisão ser tomada, pelo impacto que terá, afinal trata-se de um meio de comunicação que orienta a contemporaneidade, está presente em quase 95% dos lares brasileiros, enquanto a tv paga está presente em 8%. É uma relação completamente diferente. Só para vocês terem uma idéia, em Berlim 95% têm tv paga, no Brasil são 8%. No Japão, quase a totalidade. Enfim, dado o peso desse meio de comunicação é preciso que essa decisão passe antes por consulta pública, por audiência pública, é preciso que a sociedade discuta, que a sociedade esteja informada. Mas essa é uma parte do debate. Esse debate, em tese, não impacta sobre o modelo exploratório de televisão. Em

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Jornal da ABI tese o que é possível ser feito com o padrão tecnológico japonês, é possível ser feito com o padrão europeu, com algumas adaptações, é possível ser feito com o padrão brasileiro. Eu, particularmente, preferiria o desenvolvimento nacional. Mas, enfim, é possível ser feito com qualquer um desses padrões. A grande questão que está por trás, a outra coisa que é outra coisa, que não é uma coisa, e que os meios de comunicação confundem o tempo inteiro, é o modelo regulatório que vai administrar esse processo. E aí qual é o nosso medo? E nós já sinalizamos isso para o Governo, sinalizamos em uma audiência pública com a Ministra Dilma Rousseff. O nosso medo é que o decreto, ao definir questões tecnológicas, permita às emissoras fazerem teste. Afinal de contas, definida a tecnologia, elas têm que começar a testar essa tecnologia. E aí conceda espectro a essas emissoras, nem que seja de maneira provisória, Enfim, conceda a essas emissoras espectro para que elas comecem a funcionar. Se isso for feito, babau democratização dos meios de comunicação, porque depois que outorgar, mesmo que seja provisoriamente, espectro para a Globo, para a Bandeirantes, para a TV Record, não há poder político instituído neste País capaz de retomar esse espectro. E aí a questão dançou. Aí a democratização da comunicação foi para o espaço. E o nosso medo é a estratégia Martinho da Vila, é o devagar, devagar, devagarinho, concede para teste, vai fazendo, quando a gente perceber está com a mesma lei de 1962, está com tudo como era antes e está tudo na mão dos radiodifusores. Por quê? Porque são as potencialidades que podem ir para o ralo e que fazem da tv digital uma questão tão estratégica. Hoje, o espectro eletromagnético do rádio e da televisão é como se fosse uma régua. A cada seis unidades, no caso Mh, mas poderia ser outra coisa, a cada seis unidades coloca-se um canal de televisão. Então o canal 2 entra de 54 a 60, o canal 3, de 60 a 66, assim vai até o canal 69 do UGF. Pois bem, nesse mesmo espaço onde antes entrava um canal de televisão, hoje, se eu colocar uma imagem com a qualidade de um dvd, sem chuvisco, sem fantasma, sem bombril na ponta da antena, com a qualidade de um dvd, isso é suficiente para 90% da população, se quiser, ir nas Casas Bahia e comprar lá seu home teather. Se eu quiser, com qualidade dvd e som digital, transmito nesse espaço de 6 Mh oito canais de televisão. A questão é: quem vai ser dono desse latifúndio? A gente vai botar a casinha e meia dúzia de bois para dizer que esse terreno é produtivo ou vamos realmente fatiar esse espaço e dar esse espaço para a sociedade que precisa ocupá-lo? Se já é crítico conceder todo esse enorme latifúndio para as organizações Globo com todos os malefícios que já conhecemos, imaginem conceder esse espaço para a CNT ficar vendendo anel e tapete a madrugada inteira ou culto evangélico ou o que quer que seja, ao invés de abrir esse espaço para que a população possa falar. Nós temos a

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“O espectro eletromagnético do rádio e da televisão é como se fosse uma régua. A cada seis unidades, no caso Mh, coloca-se um canal de televisão. Com a tv digital, nesse espaço de 6 Mh cabem oito canais de televisão. Quem vai ser dono desse latifúndio? A gente vai botar a casinha e meia dúzia de bois para dizer que esse terreno é produtivo ou vamos realmente fatiar esse espaço e dar esse espaço para a sociedade que precisa ocupá-lo?” Gustavo Gindre possibilidade de colocar dezenas de novos canais de televisão na tv aberta. E quando estou falando de dezenas é a possibilidade de TV Câmara, TV Senado e também tvs comunitárias, tvs universitárias, tvs de baixa potência, tvs de bairro, tvs locais que possam ser geridas publicamente. A Venezuela está lá com uma experiência em que distribuiu ilhas de edição por toda Caracas para que a comunidade produza e transmita de uma única emissora sua produção comunitária. Nós aqui temos possibilidade de fazer isso e ir além, porque você vai poder colocar esse espaço de produção e transmitir localmente, e fazer o que já hoje é a rádio comunitária, é possível fazer com a televisão. Óbvio, isso não interessa aos meios de comunicação de massa, que querem manter esse espaço. A proposta da Abert é que cada emissora de televisão que, hoje, tem um canal analógico receba mais um inteiro. Se isso for feito em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, toda a Baixada Santista e Porto Alegre, dados do próprio do Governo, não entra mais nenhuma emissora de televisão JOSÉ CRUZ/ABR

NO MESMO RITMO? Nem tanto. Após abrir o debate, o Ministro Gil disse acreditar que as posições do Ministério da Cultura por ele expostas corresponderiam à visão do Governo sobre a tv digital. Sua esperança se frustrou dias depois. Lula decidiu diferente.

enquanto durar o processo de transmissão simultânea entre analógico e digital. Ou seja, temos de um lado um projeto de democratizar a comunicação, da abertura de dezenas de canais, e do outro lado, manter os mesmos Abravanel, Saad, Marinhos, o bispo Macedo, que estão aí e que dominam as capitanias hereditárias da comunicação no Brasil. Essa é uma das questões que está em jogo e que não vai aparecer nos grandes meios de comunicação.

Em outra mesa de debate, em que o Evandro Guimarães por acaso esteve, propus a ele: dê um Globo Repórter sobre isso. Vamos discutir essa questão na Rede Globo, coloca gente para debater lá. Deixa a gente perguntar para a população o que ela prefere. Colocar alta definição, o que significa uma imagem muito melhor que a imagem do dvd, mas uma imagem que o olho humano só percebe se você conseguir assistir numa tela acima de 36 polegadas. Abaixo de 36 polegadas você não identifica a qualidade da alta definição, o que significa uma tela que hoje não custa menos de 10 mil reais. Pede para a população escolher se ela prefere as mesmas emissoras com essa qualidade só para aqueles que podem pagar por essa imagem. Faz um big brother, pede para a população escolher, faz lá a Telemar para discar, disque pelo SMS de O Globo, lá ainda ganha uns caraminguás por isso, manda as pessoas escolherem se elas preferem isso ou se preferem oito programações no mesmo espaço. Eu não tenho dúvida do que a população brasileira vai preferir se ela for informada sobre isso. Essa é uma questão. A segunda questão, só para não me alongar, é a questão da interatividade. O que está colocado hoje? A tv digital pode ter um canal de retorno, ou seja, a tv, que hoje só recebe conteúdo, pode devolver esse conteúdo, pode começar a ser interativa. Como eu tenho dito, a tv pode começar um namoro com a internet. A tv não será internet, mas tv e internet vão começar a ir ao cinema, pegar na mão, trocar uns beijos e em algum momento, lá na frente, terão filhos. Que não serão internet como nós conhecemos e não serão a televisão como conhecemos, serão um híbrido desse processo. Pois bem, é possível começar isso agora. Como? Primeiro, garantindo que as pessoas tenham acesso a um canal de retorno, portanto a banda larga. Vocês vão dizer: isso custa dinheiro. Mais ou menos, porque, segundo dados do próprio Governo e estudo do CPqD, é possível colocar acessos sem fio – wimax, que é uma tecnologia sem fio, banda larga – em todo o território brasileiro por R$ 400 milhões. O que acontece? Todos nós pagamos te-

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lefone. Do telefone tiramos 1% para o FustFundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações. O Fust, hoje, que é o dinheiro que vai garantir a inclusão digital, tem quase R$ 6 bilhões lá. Dá para fazer com 400 milhões que as pessoas tenham acesso à internet banda larga. Ouro Preto está fazendo isso. Ouro Preto começou a colocar internet sem fio wimax. Aí eu fui perguntar para o pessoal da Anatel. Como é que estão botando lá? Pela lei atual, aquela desgraceira de 1962 e, depois, a de 1997, que foi feita exclusivamente para privatizar a Telebrás, com essa lei não dá para fazer, o que vocês vão fazer? O pessoal da Anatel disse que vamos fingir que não estamos vendo, porque o processo é tão interessante, que se a gente for intervir, a gente mata. Se a gente for agir de acordo com a lei a gente mata. Então, é preferível não ver. É possível tecnologicamente fazer isso e é possível financeiramente, e esses recursos estão disponíveis nessa rubrica. Não precisa tirar dinheiro de lugar nenhum. É só pegar do Fust e investir e dá para garantir acesso banda larga para as pessoas. Que tipo de serviço eu vou disponibilizar para essas pessoas? A UnB desenvolveu um aplicativo que faz do possuidor de cada caixinha de tv digital um cliente de e-mail. Significa que cada televisão passa a poder enviar e receber e-mail. Nós saímos, hoje, de uma base instalada de 6% das residências do Brasil com banda larga, de apenas 20% das residências do Brasil usando internet, exceto o uso do trabalho cada vez mais confirmado. Então, no uso privado de sua casa apenas 20% das residências do Brasil têm acesso a email. Nós saímos dessa base instalada para 95% das residências no Brasil com televisão; portanto, 95% das residências no Brasil disponíveis para ter e-mail. Outros tipos de serviços que podem ser colocados, serviços de governo eletrônico para que as pessoas que estão excluídas, hoje, da possibilidade de pagar imposto de renda, descontem imposto de renda pela internet, ter acesso ao prontuário médico, ao boletim escolar de seu filho, à educação, à educação a distância, serviços interativos de educação, portanto serviços individualizados. Eu estive conversando com a direção da Fiocruz e eles estão bolando serviços interativos de saúde que podem estar disponíveis na internet e podem estar disponíveis na televisão. Então, estamos falando de um admirável mundo novo que agora pode estar disponível absolutamente para todas as pessoas do Brasil usando a plataforma de meio de comunicação mais inclusiva que nós temos. Mas qual é o projeto dos radiodifusores? É manter isso confinado e usar para big brother, para você decide. Porque aí o medo é: se for abrir, vai colocar as teles no meio e teles nós não queremos. E a desculpa da Globo é a desculpa de que, afinal de contas, teles é capital estrangeiro e nós somos capital nacional. Se a Globo acha que é realmente importante o capital nacional, eu gostaria de perguntar, e já perguntei ao Evandro Guimarães, privadamente, e pergunto aqui, por

que é que a Globo tentou comprar o satélite brasileiro, que é estratégico, junto com a Italia Telecom? Por que a Globo vendeu a sua rede de integração por satélite – a Vicom – para a maior operadora de satélites dos Estados Unidos, a Comsat? Por que a Globo comprou telefonia celular junto com a Itália Telecom e depois vendeu para a Itália Telecom a Maxitel, que operava na Bahia e em Sergipe? Se a Globo acha estratégico o capital nacional, por que afinal de contas se tornou minoritária na Sky, permitindo que Sky e Directv se fundissem e que o Rupert Murdoch, que é o Roberto Marinho do mundo, que é um sujeito que não pode botar os pés na Inglaterra, onde a Sky opera, porque tem processo contra ele, que o Rupert Murdoch passasse a deter 97% da tv por satélite no Brasil, asfixiando a única operadora brasileira, que é a TecSat, que passa a ter 8% do mercado? Se é estratégico o capital nacional, por que a Globo se tornou minoritária na Net Serviços e permitiu que a Telmex, do quarto homem mais rico do mundo, se tornasse dona dos cabos de transmissão da Net, tornando a Rede Globo minoritária? Se a Globo acha tão importante o capital nacional, por que ela transmite na Net Nickelodeon, Disney, Jetix, Discovery Kids, Boomerang, Cartoon Network, mas não transmite a TV Rá Tim Bum, que é a única tv para crianças no Brasil, mas transmite todo o lixo im-

CRIAÇÃO SOLITÁRIA No alto, Bum, personagem da TV Rá Tim Bum, único canal infantil da televisão paga. Abaixo, sede da TecSat, de São José dos Campos, empresa de tecnologia de ponta, também solitária, única operadora de tv por satélite do País, a qual perdeu mercado para a Sky do milionário Rupert Murdoch.

portado? Então não se trata de defesa do capital nacional. Trata-se de outra coisa, de reserva de mercado. E aí reserva de mercado nesse sentido, para mim, é tão nefasta sendo do Rupert Murdoch quanto do Roberto Marinho. Enfim, só para concluir, pois acho que já falei demais, quero dizer que são essas as questões que estão por trás na definição da tv digital no Brasil. E se trata de algo muito mais importante do que o tal do Fla-Flu entre europeus e japoneses que a mídia especializada tem tratado. E aí o que nós queremos é sinalizar para o Governo, e especificamente para um setor do Governo que tem avançado o sinal, especialmente na figura do Ministro Hélio Costa, é que se a decisão que parece que se avizinha for tomada no sentido da estratégia Martinho da Vila, tão devagarinho mas a gente vai mantendo a atual legislação, que é a legislação de 1962 – coitado do Martinho da Vila – e se ela for mantida nesse sentido devagar, devagarinho, e se algo avançar no sentido de manter os privilégios atuais, concedendo o espectro para os atuais radiodifusores, a sociedade civil vai à Justiça. E vai à Justiça junto com o Ministério Público Federal, que já sinalizou, publicamente, aqui no Rio, por exemplo, na audiência do Crea, que esse tipo de posição não será aceito. E a sociedade civil já está mobilizada. Na semana passada, nós tivemos uma reunião, em São Paulo, preparamos estratégia para ir ao TCU sobre o desperdício de bem público que é o espectro eletromagnético, preparamos estratégia para ir ao Supremo, preparamos estratégia para ir aos Tribunais de Justiça e nós vamos brigar por isso, mesmo que saia o decreto; mesmo que vocês leiam o decreto na imprensa, não pensem que essa batalha acabou. Ela está longe de acabar porque a sociedade civil não vai desistir dessa briga enquanto não conseguir reverter esse processo de concentração dos meios de comunicação. Então, não se deixem arrefecer se vocês lerem no jornal qualquer decisão que pareça significar que o monopólio mais uma vez ganhou, porque não ganhou. Essa batalha continua e a gente não vai desistir. Audálio Dantas – O Professor Gindre foi na marca dos 20 minutos. Eu quero dizer que ele voltará porque o debate continuará. Nesse momento, o Ministro Gilberto Gil quer dizer algumas palavras porque ele terá de sair. Gilberto Gil – Queria me despedir e queria dizer ao Gindre que, ainda que a posição do Ministério da Cultura, nesse conjunto de manifestações que o Ministério tem tido, seja diferente de posições que outros Ministérios possam ter em relação também a esse conjunto de questões, eu diria que espero estar representando aqui com as posições do Ministério da Cultura a visão do Governo. Enfim, sou suficientemente abastecido, digamos assim, nessa minha confiança pelo fato de que o Comitê de Desenvolvimento formado pelos 12, se não me engano, hoje, 11, pelos menos 11 Ministérios, vem-se debruçando sobre o conjunto dessas questões, o que antece-

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Jornal da ABI de, o que é contemporâneo e o que sucederá à mera definição do aspecto técnico da modulação, ou seja, do sistema tecnológico a ser adotado. A questão dos prazos, também, com relação ao decreto presidencial que você admite, a Jandira, também, que é um decreto positivo no seu conjunto, contemplando no seu conjunto todas essas questões importantes. A nossa posição, a nossa expectativa é de que a posição do Governo em relação à escolha do sistema que já tem, como você colocou muito bem, algumas implicações diretas na maior ou menor democratização em que a coisa possa sair, resultar. Mas que esse decreto, enfim, seja contemplado na sua essência. Que a posição do Governo venha com relação à escolha do sistema e a posição dos trabalhos do Governo no sentido do aperfeiçoamento do marco legal e do aperfeiçoamento do marco regulatório e da garantia do aperfeiçoamento das políticas de conteúdo, de produção e difusão de conteúdo no País que esses aspectos todos que já estão contemplados na origem, na base, no arcabouço, como esqueleto do decreto, que tudo isso seja honrado. Que tudo isso seja realmente confirmado e que o Governo tome a posição convergente com a expectativa democrática que nós temos no País. Essa é a nossa expectativa e eu diria pelo trabalho, pelo modo com que a Ministra Dilma Rousseff vem conduzindo os trabalhos, pelo modo como o conjunto dos Ministérios envolvidos vem encarando as questões, não vejo como não mantermos essa expectativa. Expectativa de que o Governo venha a criar no Brasil, seja pela implantação do modelo tecnológico, seja pelos aspectos que sucedem a ele, venha a plantar, venha a garantir no Brasil a implantação – porque não é o Governo quem implanta, ele garante a implantação – de um sistema de tv digital moderno, contemporâneo, democrático, aberto, enfim, contemplando todas as necessidades propostas já pela vida tecnológica moderna, como seja a interatividade, a participação, a produção independente, a produção local; enfim, a autogestão da informação, digamos assim se é que se pode chegar a um neologismo desse tipo, a autogestão da informação pelo povo brasileiro. Essa é a nossa expectativa. Na quartafeira agora nós vamos com o Presidente da República assinar um projeto com urgência. O Presidente vai enviar para o Congresso um projeto, com urgência constitucional, exatamente dando, ampliando os benefícios da Lei do Audiovisual para o setor televisivo, que é uma demanda justa, que é um progresso, um avanço justo. E garantindo algumas outras conquistas na Lei do Audiovisual para o fomento da produção de audiovisual no Brasil, enfim, porque essa lei se extinguirá agora, no final do ano, em dezembro, e é preciso exatamente a sua renovação. Nós estamos providenciando isso com todo o apoio do setor de audiovisual brasileiro, produtores, difusores, exibidores, etc

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“Se algo avançar no sentido de manter os privilégios atuais, concedendo o espectro eletromagnético para os atuais radiodifusores, a sociedade civil vai à Justiça, vai junto com o Ministério Público da União, que já sinalizou que esse tipo de posição não será aceito. Mesmo que vocês leiam o decreto na imprensa, não pensem que essa batalha acabou. A sociedade civil não vai desistir dessa briga enquanto não conseguir reverter esse processo de concentração dos meios de comunicação.” Gustavo Gindre

UMA LUTA DE SUMÔ Jornalista e empresário da área de comunicação e artes, Sérgio Gomes (à direita) usou uma imagem para definir a disputa em torno da tv digital: é como no sumô, em que os lutadores se olham, se estudam e de repente um derruba o outro.

Dizendo isso só para dar um pouco conta da nossa atuação, no que o Ministério vem providenciando junto ao Governo, junto ao Congresso Nacional em benefício de um setor importantíssimo da cultura brasileira que é o setor de audiovisual. Com relação ao Grupo Gestor e ao Comitê de Desenvolvimento do Sistema Brasileiro de TV Digital, nosso Ministério continua firme com as suas posições, posições que foram apresentadas em linhas gerais aqui. São posições convergentes, coincidentes com a grande demanda da democracia brasileira, com a grande demanda da sociedade brasileira. Esperamos que o Ministério da Cultura honre a sua posição e assim o faça o Governo brasileiro como um todo. Audálio Dantas – O debate continua. Mais uma vez queremos agradecer a presença e a participação do Ministro da Cultura, Gilberto Gil, que será acompanhado pelo Presidente da ABI na sua saída. E prosseguir com o debate e antes do companheiro Sérgio Gomes da Silva, vamos anunciar a presença do Deputado federal Vanderley Assis e da Vereadora Sílvia Pontes. Nós vamos ouvir a intervenção do jornalista Sérgio Gomes da Silva, que é diretor da Oboré, uma instituição que se envolve no debate, há muitos anos, com relação à democratização dos meios de comunicação e principalmente a uma parte que não vem sendo muito discutida dessa questão da chegada da tecnologia digital, que é a questão do rádio, principalmente as rádios comunitárias. Sérgio Gomes da Silva, 20 minutos. Sérgio Gomes da Silva – Agradeço à diretoria da ABI e a todos os que estão aqui. É a primeira vez que estou aqui nesse caixote de tanta História. E me sinto coresponsável porque faço parte da equipe, capitaneada pelo Audálio, que está trabalhando pela reconstrução da ABI lá em São Paulo depois de dez anos em que ela ficou inativa. E essa questão de debater as questões ligadas às novas possibilidades tecnológicas pela democratização é absolutamente fundamental. Eu não sei como será isso. Ainda hoje é um debate estimulante, de abrir, jogar uns raios, ainda que seja na base de ver apenas os vultos mas que as pessoas possam começar a ter a noção do que se está tratando. As grandes instituições que têm o que dizer, como é o caso da ABI, da Academia Brasileira de Letras, Instituto Ethos, Instituto Ayrton Senna, MST, Fiesp, etc, tudo isso tem mais que direito, têm necessidade de acesso aos meios de comunicação e esses protagonistas até agora não foram chamados. Eu queria sair daqui e me valer de uma imagem do João Guilherme Vargas Neto, que é um amigo comum que temos Gustavo Gindre e eu em São Paulo, mas é um carioca. Ele estava usando esta imagem: essa luta toda que temos para travar é meio parecida com luta de sumô, em que se põem num tablado sem cordas aqueles gordões, que se estudam, ficam se olhando, mas a

luta mesmo é resolvida muito rapidamente: basta empurrar o cara para fora daquilo, e está resolvido. Às vezes, e ali basicamente, é uma luta de entender quem é o adversário, de estudá-lo. Portanto este debate que está se dando aqui pode ser comparado ao sumô. Nós estamos estudando e eles estão nos estudando. Quando o pessoal da Globo é chamado para um debate na ABI com o Ministro da Cultura e ainda assim não vem, isso significa alguma coisa. Tem um significado diferente de alguém fazer de conta que está chamando a Abert e a Globo para um debate num centro acadêmico de uma faculdade; como sabe que vai ser massacrado, o sujeito não vai. Aqui não, aqui é outra coisa. Nesta Casa, houve todo o cuidado do Audálio de fazer os contatos, dar telefonemas, enviar carta pessoal; volta, reafirma, confirma os nomes depois às 11 horas da manhã. Por que não vêm? Tem alguma coisa aí. Isto, portanto, já faz parte dessa luta de sumô, embora o desfecho vá ser muito rápido, em algum momento se decidirá se o padrão vai ser este ou aquele. Às vezes tenho ficado as madrugadas assistindo às vezes à TV Câmara, às vezes à TV Senado, para acompanhar esse debate. Numa dessas madrugada tive ocasião de assistir à apresentação do Ministro Hélio Costa numa audiência pública no Senado. Isto depois que ele tinha participado do programa Roda Viva lá em São Paulo. Ele conseguiu dominar a cena e estava se sentindo absolutamente à vontade; pensou que seria uma caminhada como se fosse uma excursão escolar para esperar a Seleção Brasileira no aeroporto; uma caminhada que tinha uma data de desfecho; pensou que era possível encantar as pessoas com a idéia da nova tv já por conta da Copa do Mundo, o que era mentira, era só uma coisa experimental Mas havia mesmo uma banalização das dificuldades para eles. A certa altura es-

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Jornal da ABI tou assistindo a essa audiência pública na TV Senado, 2h30-3 horas da manhã, e ele diz assim: – Olha, já tomei todas as providências como Ministro do Governo Lula e coloquei a bola na risca do gol. Agora basta o Lula chutar. É só assinar, já está tudo resolvido. Um senador do PFL, nordestino, muito à vontade, afinal de contas estavam todos eles ali em casa e às vezes eles esquecem que a televisão está gravando tudo, diz assim: – Mas vem cá, e se de repente o Lula chutar fora, não tomar a decisão pelo padrão japonês? Hélio Costa replica: – Impossível, porque a bola está na risca, basta o Lula chegar lá, dar um toquinho, e fazer o gol. É impossível. Não há outra coisa a fazer. Nessa hora, quem é de São Paulo e acompanha o Lula há muitos anos, vê, conhece, sabe que nesse momento o Hélio Costa cometeu um erro gravíssimo, que é subestimar a possibilidade de Lula ter outra alternativa que não seja esse fato consumado. Eis o que antigamente se chamava de cagada. O sujeito comete uma cagada. E houve essa cagada do Hélio Costa. A partir daí Hélio Costa começou a ter dificuldades, já não pôde ser liberado para ser vice do Aécio Neves, etc. Agora eu vejo assim: nós estamos tão acostumados com más notícias...

Sérgio Gomes da Silva – Acabou de chegar? Então, vamos lá. Você chegou depois que o Ministro Gilberto Gil saiu. Bem, tudo bem, vamos ver se terei de engolir al-

Até parece mentira que temos essa possibilidade, nesse mundo perplexo que está aí, de nos situarmos nesse tabuleiro de outra maneira, não de costas, nem de forma subalterna, mas de frente. Há possibilidade de economizarmos esses bilhões mencionados aqui pela Jandira. Há possibilidade de desenvolvimento, de termos o nosso FMI, que é Fortalecer o Mercado Interno. Há possibilidade de gerar mercadoria que seja compatível com a possibilidade de consumo. Há possibilidade de termos nesse horizonte não muito longo o melhor da idéia do Darci Ribeiro, que quando aprovou a Lei de Diretrizes e Bases foi para Lisboa passar 20 dias para estudar o Projeto Erasmus, para estudar essa coisa da universidade européia de integração. Para se ter uma idéia, há 1,5 milhão de estudantes universitários tirando diploma no fim em projeto de educação à distância. E estamos falando de dez anos atrás, quando ainda não existia internet. Há possibilidade de os centros de excelência de todas as áreas, de Engenharia, de Química, de Matemática, de Educação, de Física, de Economia, de Comunicação, poderem com esses recursos inimagináveis estender esse trabalho de maneira interativa para que a gente possa elevar no quadro de uma década o nível escolar deste país-continente, etc, etc. Tudo isso é real. Nós estamos tão acostumados a uma espécie de consciência infeliz que quanto mais a gente sabe mais a gente se sente perplexo, impotente, incompetente, incapaz, mas de repente percebe que é perfeitamente possível. Não estamos fazendo blablablá, estamos falando de coisas reais que

“Uma rádio comunitária pode existir mas não pode se auto-sustentar. Para que se mantenha ela terá que se valer de recursos de quem tem grana na periferia, o que significa narcotráfico, crime organizado, igrejas fundamentalistas em geral, políticos ricos padrão Roberto Jefferson com a mala cheia ou quem tiver mais contatos, ongs que mantenham contatos internacionais naquele esquema: meu pobre, meu projeto, meu gringo.”

gumas das minhas palavras. Nós estamos tão acostumados com más notícias que essa é mais uma boa notícia, aquilo tudo que Gustavo Gindre colocou aqui, que a Jandira colocou, que o Ministro Gilberto Gil colocou; nós estamos tão acostumados com as más notícias que, às vezes, isso tudo, essas possibilidades até parecem mentira. Até parece mentira que a universidade brasileira, convocada açodadamente, com aquele pouquinho de dinheiro, fosse capaz de produzir tanta inteligência útil.

podem se incorporar a um outro padrão de existência da nossa nação, do nosso povo, da nossa sociedade. Isso é real. Mas teremos que ter tempo para isso. Qualquer coisa açodada desta vez significa uma precipitação que pode nos custar o tipo de futuro que a sociedade brasileira terá ou poderia ter tido. Isso é real. Nesse sentido, é importante essa contribuição do Intervozes – eu estou com a camiseta do Intervozes para manifestar meu apoio a esses jovens, um grupo de 70 e 80 jovens, recém-formados, há três ou quatro anos,

UMA ONDA NO AR No filme sob esse título (foto), o diretor mineiro Helvécio Ratton mostra como uma rádio comunitária muda a vida dos jovens de uma comunidade popular, afastando-os da droga, do tráfico e da criminalidade em geral.

Audálio Dantas (interrompendo) – Quero anunciar que acaba de chegar Ronald Siqueira Barbosa, Assessor Técnico da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão-Abert.

Sérgio Gomes da Silva DIVULGAÇÃO

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que têm conseguido articular vários aliados e produzir. Esse documento ficou pronto ontem ou anteontem e circulará encartado na revista Caros Amigos. Aqui está uma parte considerável do que existe de pensamento sobre tv digital e, portanto, merece que muitos dos que estão aqui examinem depois essas dez razões para uma decisão mais ponderável. Foi dito aqui pela Jandira e o Gilberto Gil acertou comigo e com o Audálio que vamos fazer um debate como este em São Paulo, em cuja Assembléia Legislativa temos uma frente parlamentar de 27 deputados e 13 partidos, uma frente sobre a questão das rádios comunitárias. O mesmo acontece na Câmara Municipal de São Paulo. Estou falando de uma coisa que existe em São Paulo e que é inimaginável no Rio. O que acontece é que São Paulo ainda continua sendo uma província, tem que ser uma coisa muito importante para chegar a Taubaté. Para ter repercussão e chegar aqui no Rio de Janeiro tem que ser uma coisa muito espetacular. Há grandes iniciativas ocorrendo nos últimos anos a favor da democratização que não são de conhecimento geral porque São Paulo continua sendo uma província e o Rio continua sendo a capital. Eu trago aqui esta notícia: este mapa dá conta de 269 escolas públicas municipais que já têm equipamentos de rádio a bordo. O artigo 266 do Plano Diretor de São Paulo (abro parêntesis: imaginem que durante os anos nefastos de Maluf, Pitta, Jânio, etc nós ficamos 22 anos sem Plano Diretor, no reino da especulação, à vontade. Finalmente há cinco anos atrás a Câmara Municipal conseguiu estabilizar e aprovou um Plano Diretor Estratégico, criaram-se 31 subprefeituras e a cada dois anos esse Plano Diretor é revisado em sua implementação), o artigo 266, repito, estabelece que o Executivo municipal, ou seja a Prefeitura, deve implantar o Plano Diretor de Radiodifusão Comunitária. Isto significa que as rádios que já existem nos bairros, mais esses ovos galados, que são as emissoras intramuros dentro da escola, constituem a possibilidade real de uma rede na área de comunicação, educação e cultura que tem tudo a ver. E não é televisão, porque televisão é cara para montar e para manter, enquanto o rádio é barato para montar e manter. Enquanto nós estamos falando, enquanto nós não tivermos aqui informação para que a gente possa fazer interpretação e, ao cabo, cada um tenha a opinião que achar que deva ter, há necessidade de nos pormos a par do que aconteceu em São Paulo nos últimos quatro ou cinco anos, que são coisas indicativas de uma linha de democratização efetiva dos meios de comunicação. Apesar de São Paulo e dos 32 Municípios em volta, a Grande São Paulo é a única região do País que oito anos depois da existência da restritiva Lei da Radiodifusão Comunitária não tem uma emissora legalizada. Nenhuma. Não houve sequer um chamamento do Ministério das Comunicações. Todas as emissoras são ilegais, não porque queiram ser, mas simplesmente porque até hoje não foram chamadas a se legalizar. Isso é um fato brutal.

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Jornal da ABI WILSON DIAS/ABR

A lei foi aprovada na Câmara dos Deputados pela Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação. Quando isto se deu, 70% dos membros da Comissão eram proprietários de grandes emissoras de televisão. Está lá, é real. Como não era possível deixar de aprovar uma lei, aprovaram uma lei que é uma barbaridade. Ela diz, por exemplo, que uma rádio comunitária pode existir mas não pode se auto-sustentar. Ela não pode ter publicidade, porque é comunitária. Na concepção desse pessoal, comunidade é o local de moradia, de vizinhança, visão absolutamente precária do que é comunidade. Por isso a lei diz que só pode ter apoio cultural de instituição que tenha sua sede debaixo do guarda-chuva de um quilômetro de raio de onde está a emissora. Ou seja, uma instituição que esteja na Avenida Paulista, na Cidade Universitária, etc. não pode dar nenhum apoio cultural a uma emissora. Significa que uma emissora comunitária criada, o que é muito barato, para que se mantenha terá que se valer de recursos de quem tem grana na periferia. O que, hoje, no Brasil significa narcotráfico, crime organizado, igrejas fundamentalistas em geral, políticos ricos padrão Roberto Jefferson com a mala cheia ou quem tiver mais contatos, ongs que tenham contatos internacionais, porque aí é aquele esquema: meu pobre, meu projeto, meu gringo. O sujeito junta as três coisas: um pobrinho específico, um projeto específico e um gringo para financiar. E mantém esse negócio. Nada de nosso povo, de políticas públicas, etc. Estamos frente a uma situação que precisa ser rompida, a começar por informar às pessoas o que se passa. Eu venho aqui como uma espécie de porta-voz da província de São Paulo para dizer o que está rolando por lá. E eu trouxe aqui para a ABI a revista A Rede, que é nacional, embora editada em São Paulo. Nós temos aqui uma matéria de duas páginas chamada Educação em sintonia, que conta exatamente: isso não é um projeto de lei, é uma lei, aprovada pela Câmara Municipal, sancionada pela Prefeita Marta Suplicy e regulamentada pelo Prefeito José Serra. O Comitê Gestor disso é formado pelo Sindicato dos Jornalistas, Sindicato dos Radialistas, Universidade de São Paulo, grêmios estudantís, professores, mais as Secretarias de Educação, Cultura, Saúde, Meio Ambiente e Lazer, que se reúnem agora, 12 de junho, à tarde. É importante que fossem ver o que é esse Comitê Gestor, que implantará essa rede de emissoras a partir da rede de ensino público. Audálio Dantas – Você tem três minutos. Nós voltamos depois no debate. Sérgio Gomes da Silva – Eu tenho três minutos. O caso da mudança do rádio de analógico para digital é uma barbaridade. Esse assunto não aconteceu, passou batido, eles rezam a cada dia que não apareça. Não vou entrar aqui nos detalhes técnicos do rádio analógico para digital, porque a exposição ficaria comprida, é uma chatice, mas basicamente é aquilo que o Gindre disse. Eu tenho aqui uma posição, que é a emissora, e existe um terreno baldio à direita e à esquerda, que é exatamente para

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PENSAMENTO COMUM Embora adversários, Serra e Marta Suplicy revelaram identidade de pensamento em relação à implantação de emissoras de rádio em escolas públicas de São Paulo. Ela sancionou a lei e ele a regulamentou, permitindo sua aplicação.

ANTONIO CRUZ/ABR

que você faça no analógico a sintonia passar de uma emissora para outra, até você calibrar direitinho. Esse terreno baldio é chamado de canal adjacente. Então, na transição do rádio analógico para o digital, e essa transição demorará dez anos, eles ocupam temporariamente esse terreno baldio que não lhes pertence, em que a concessão é dessa posição, para fazer a transição. Em seguida, ficam com ele. Portanto, o que está para acontecer com o rádio é o maior seqüestro de freqüência de toda a História, desde o Padre Landell de Moura, que foi o brasileiro que inventou o rádio. Aliás, nome do CPqD. Não foi o Marconi, que lamentavelmente carregou a fama, quem inventou o rádio. Do mesmo jeito que aconteceu com Santos Dumont, devo informar que também no rádio o inventor foi um brasileiro, um brasileiro que foi enterrado como louco. Landell de Moura era um jesuíta, produzia coisas estranhas, falava que a voz dele saía sem fio por oito quilômetros. Esse homem inventou a fibra óptica. Landell com dois eles, gaúcho de Santa Maria. Tenho a dizer que desde maio, junho, a CBN, a Bandeirantes, no caso tanto a Abert quanto a Abra se unificaram e decidiram pelo sistema e-bock, que é um sistema que ainda está em transição também nos Estados Unidos. Para não dizerem que estou divulgando informação de cocheira, isso foi publicado às claras na revista Meio & Mensagem, semanalmente, desde maio do ano passado, há um ano, portanto. Diziam claramente assim: – A gente cria um fato consumado e dane-se, não vou esperar lei nenhuma. Vamos aproveitar essa crise do Governo Lula e passar batido; bate a carteira, grita pega ladrão e manda ver. Isto tem sido feito sistematicamente, sem que as universidades debatam a questão, inclusive nas faculdades de Educação. Audálio Dantas – Tempo esgotado. Convido o representante da Abert, Ronald

Siqueira Barbosa, para a sua intervenção. Antes eu queria dar um esclarecimento sobre a não chegada a tempo no nosso debate do Senhor Ronald Barbosa. Ele diz que o convite se referia a 18h30min e efetivamente o primeiro convite, feito há cerca de 2030 dias, falava em 18h30min porque era essa a nossa decisão interna. Depois, em razão dos compromissos do Ministro Gilberto Gil, esse horário foi antecipado para 16h30min, mas isso foi comunicado à Abert. Lamentavelmente, parece que houve um ruído na comunicação, já que tratamos do assunto e a mudança de horário talvez não tenha chegado ao conhecimento da direção da Abert. Quero dizer que independentemente desse desencontro a participação da Abert é bemvinda, porque pretendemos que esta discussão seja efetivamente democrática; como democrática que deve ser, a discussão tem necessariamente de chegar à sociedade brasileira como um todo e não ficar apenas restrita aos gabinetes. Agradeço a presença de Ronald Siqueira, a quem cedo a palavra, por 20 minutos Ronald Siqueira Barbosa – Quero me desculpar profundamente pelo equívoco, mas na verdade tenho uma correspondência aqui do Senhor Audálio de 22 de maio, de uma semana atrás, que fala de 18h30min. Eu não recebi outro e-mail mudando esse horário e vim de Brasília para cá tranqüilo porque pela primeira vez chegaria cedo num evento; quando chego o Ministro estava saindo e já estavam discutindo. Eu fiquei muito constrangido, mas isso acontece. Quero agradecer o convite em nome da diretoria da Abert e dizer da satisfação de estar participando de um debate. O Gustavo Gindre eu conheço há muito tempo, a gente já trabalhou bastante no Comitê Consultivo do SBTVD. E a gente sabe que estamos presentes nessa discussão em todas as áreas, em todos os setores em que apareça discussão sobre radiodifusão. Em nome do Presidente da Abert, José Inácio

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Jornal da ABI Pizane, agradeço o convite e quero parabenizar vocês pela reunião que estão promovendo neste momento. Para falar um pouco sobre esse assunto, queria começar, dada a minha formação um pouco mais técnica, por duas palavras que considero emblemáticas neste século que começou agora, que é a questão da globalização e a questão da sociedade da informação. A primeira, globalização, acabou sendo uma palavra desgastada porque era necessário que os países tivessem uma identidade para participar da globalização, porque senão eles se perdiam e acabavam simplesmente como um portador de tecnologia, de produtos e serviços que compravam o tempo todo e não faziam nada. Vocês podem perceber que essa palavra se desgastou um pouco com o tempo. Mas a outra palavra ficou na cabeça de muita gente – sociedade da informação – porque você em qualquer lugar do planeta poderia receber informação e estar informado em qualquer mídia, em qualquer meio que você tivesse. E logicamente que isso não poderia acontecer enquanto todas as mídias de comunicação utilizassem a transmissão analógica. Isto só pôde ser pensado em 1998, quando a Europa já estava digitalizada seja nas telecomunicações, seja nas transmissões por satélite e nas transmissões a cabo, e os Estados Unidos já tinham definido seu padrão em 1996. Começou-se a pensar na possibilidade da convergência, da interatividade, da interoperabilidade e palavras que surgiram e logicamente nós já conhecíamos na convergência há muito tempo; não surgiram com a digitalização. Quem não conhece um receptor que tem FM-AM, onda média e onda curta? Quem não conhece também o sistema de usar a telefonia para fazer a complementação de uma cobertura, seja de rádio ou de televisão? A interoperabilidade, a interatividade, a convergência são palavras que nós já conhecemos no nosso dia-a-dia. Mas, na verdade, elas tomaram um vulto muito grande. E com isso, em Mineápolis, em 1998, a Onu resolveu tratar da questão da sociedade da informação de forma oficial. E pediu que a UIT, que é a União Internacional de Telecomunicações, incluísse na agenda da Onu uma questão sobre a sociedade da informação. Foram feitas então aquelas duas conferências, após três pré-conferências, de que vocês já devem ter conhecimento, e surgiu a conferência da cúpula mundial. Nessa conferência, as primeiras questões eram que mídia poderia atender num determinado país a toda a sua população. Tentaram com a internet, e viram que a internet não atingia nem 10% da população mundial. Tentaram com satélite, tentaram com cabo, tentaram com a telefonia, e viram que só 20% da população mundial tinham acesso ao telefone. A única mídia que podia atender a toda uma população em qualquer país, fosse um país de Primeiro Mundo, fosse um de Terceiro Mundo, era a radiodifusão. O rádio e a televisão atingem 80% da população mundial. Essa população mundial tem acesso a mais de 80% da mídia. Então, lo-

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gicamente, todos os olhos da sociedade da informação se viraram para rádio e televisão, principalmente para radiodifusão. No Brasil não foi diferente. Por quê? Porque a radiodifusão terrestre brasileira, todo mundo sabe, tem uma audiência fantástica. Ela atende a mais de 90% dos lares. Se ela atingisse 2% não estaria ninguém discutindo nada, porque ninguém discute nada sobre digitalização das telecomunicações, embora as telecomunicações, com a telefonia celular, se proponham a fazer também um serviço de multicast. Mas ninguém procura saber como ela se digitalizou. E a telefonia é um setor vital da economia brasileira.Quando você fala em receita da comunicação, 93% da receita da comunicação do Brasil, que é em torno de 39 bilhões, ficam na mão da telefonia. Só 7% ficam na mão da radiodifusão. E por que essa incoerência toda, se a gente não tem nem 10% da receita nacional de comunicação? Por que atrair tanto? É que nós temos uma coisa fantástica que se chama audiência. Essa penetração a telefonia não tem no Brasil. Se você pegar os celulares, os 80 milhões de celulares que existem no Brasil, posso garantir que 80% são pré-pagos e prépagos de 20 reais. Quem vai colocar alguma coisa a mais para você pagar, se você só pode pagar 20 reais? Você não tem condição de oferecer um novo conteúdo nessa mídia. Porque o in tone que você quer é 4 reais. Se você quer mandar um torpedo, uma mensagem, vai pagar 2 reais. Agora, quem pode suportar isso em termos de nação, em termos de país? Mas radiodifusão não, porque é uma coisa que você simplesmente negocia com a loja que você tem ao seu lado e compra um receptor; por isso a gente fala que é livremente, diretamente recebida pelo público. Isso não é um conceito nacional, um conceito brasileiro, é um conceito internacional, está na UIT. Isso foi feito por acordo. A UIT é formada por acordo internacional, é feita por recomendação, por resoluções, é um organismo da Onu. As coisas não nascem. Radiodifusão não é um serviço criado pelo Governo brasileiro e nem genuinamente brasileiro, mas um serviço adotado pelo Estado brasileiro. Ele está na Constituição brasileira, e a Constituição garante à União o direito de legislar sobre radiodifusão. Mas o que vemos é que as pessoas estão, a partir de um apelo tecnológico que é digitalizar um serviço, querendo criar um marco regulatório e discutir um modelo de sistema de radiodifusão e tudo, quando, na verdade, isso é uma discussão que nós estamos dizendo posterior. A telecomunicação é que está interessada nessa desregulamentação. Ela quer um marco regulatório. Ela quer uma regulamentação para desregulamentar. Na Europa eles estão desregulamentando toda a telecomunicação. Então, eles querem desregulamentar aqui também. É um discurso, e muitas vezes a gente precisa entender como funciona a coisa. Então, a partir, como eu estava dizendo, dessa so-

“A radiodifusão terrestre brasileira tem uma audiência fantástica. Ela atende a mais de 90% dos lares. Se atingisse 2% ninguém estaria discutindo nada, porque ninguém discute nada sobre digitalização das telecomunicações, embora as telecomunicações, com a telefonia celular, se proponham a fazer também um serviço de multicast. Mas ninguém procura saber como ela se digitalizou.” Ronald Siqueira Barbosa

ciedade da informação e da UIT criando e gerando essa discussão em cima da radiodifusão, o Brasil começou a mexer com o processo de digitalização de suas emissoras, a partir de um evento que houve em Brasília, da UIT, em que eles já traziam novos aspectos tecnológicos para radiodifusão, através de um americano. Criamos então um grupo chamado Abert–Set e queríamos tratar da migração dos radiodifusores da transmissão analógica para a transmissão digital. Com isso, o que foi feito? Nós não fizemos escolha de padrão nesse momento. Nós buscamos quais eram os padrões que a UIT recomenda. E não somos contra nenhum padrão brasileiro, desde que esse padrão seja submetido a um crivo internacional, através de um organismo reconhecido como a UIT, e que se submeta a discussão de intercâmbio de comunicação com outros padrões que existem no mundo. É isso que acontece. Então, se esse padrão for submetido à UIT, é lógico que ele será também testado no Brasil exaustivamente porque temos interesse de testar aquilo que está oficial. Então, o que existia: um padrão americano, um padrão europeu e um padrão japonês reconhecidos pela UIT. A Anatel fez uma consulta pública e foi feito teste nos três padrões. Esses testes muitas vezes as pessoas não conhecem, mas nós pegamos todo o memorial de teste de cada padrão e fomos a cada detentor do padrão e perguntamos se aquilo que nos propúnhamos a fazer estava de acordo com aquilo que ele achava que deveria ser feito. Ele disse, então, estar de acordo e assinou embaixo. Nós viemos, testamos e mostramos que o padrão que dava mais flexibilidade ao radiodifusor, porque esse foi um princípio que nós adotamos, era o padrão ISDB. Eu poderia ter uma alta definição, eu poderia ter uma definição padrão, eu poderia transmitir dados em baixa velocidade, poderia suportar distribuir meu sinal digital para outras mídias. E, com isso, nós chegamos para a Anatel, conseqüentemente para o Governo, e dissemos que o modelo que melhor atende às necessidades do radiodifusor brasileiro é o padrão japonês. Com isso foi criado o USBTVD, que não mudou o conceito de padrão, não determinou um outro padrão novo, no sentido de que você superasse o padrão japonês que foi apresentado, apenas ele inovou na questão do midware, em que a interatividade é uma inteligência nacional. Nós não podemos adotar um padrão japonês com uma interatividade, um midware dele, japonês. Isso vai ter que depender de cada país, vai depender do Brasil e nós vamos utilizar a inteligência nacional. Só que radiodifusão é um setor produtivo no Brasil em que milhões de pessoas trabalham direta ou indiretamente. Esse setor não pode ficar parado enquanto se pesquisa numa universidade. Era como se o Governo decidisse fazer uma reforma de ensino superior e as universidades tivessem que fechar até que a discussão se completasse. É isso que nós pensamos. Temos pessoas que compram equipamentos, temos uma indústria que vende equipamentos,

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Jornal da ABI que precisa vender equipamentos e essa indústria está parada, está todo mundo parado. Por quê? Porque se discute o padrão e isso daí está atrasando e a indústria está atrasando o setor como um todo. Esse é o pensamento que nós temos. Então, nós queríamos que isso tudo acontecesse paralelamente. Por que não aconteceu isso na telefonia digital? Ela anoiteceu analógica e amanheceu digital e ninguém discutiu nada, ninguém falou nada, ninguém participou de nada e ninguém quer participar de nada. Discute-se muito na questão da radiodifusão quando você entrega porque você vai ter a multimídia, você vai entregar o seu sinal digitalizado para diferentes mídias. E você vai entregar para telefone celular, para internet, para satélite, para qualquer um. Você precisava ter uma qualidade. Porque vai chegar num ponto que você não precisa entregar mais. Porque todo mundo vai estar com seu receptor dedicado recebendo de outras mídias. Nós temos o IPTV, nós temos o iPod misturado com bluetooth. Tem muita gente já fazendo o acesso à internet via iPod. Então, o que você vai dizer? Você atrasa um setor em detrimento de uma pesquisa a que você muitas vezes não garante os recursos durante o ano. Não existe um planejamento de recursos. Não existe uma política industrial para o setor e você acaba atravancando todo um processo de algo que dá certo e é reconhecido internacionalmente como é a radiodifusão. Nós queremos discutir qualquer tipo de marco regulatório, qualquer tipo de regulamentação, nós sempre discutimos isso. Agora nós não queremos atrasar a decisão. Isso daí, como é uma questão de Estado, deve ser conduzido até dentro do Congresso Nacional, assim como começou pelo Congresso Nacional a criação do serviço de radiodifusão comunitária e o serviço de radiodifusão. Essa discussão deve ser iniciada pelo Congresso Nacional, mas posteriormente à decisão sobre a digitalização. Até que essa discussão esteja concluída, o setor já terá um prejuízo muito grande. Esse é o pensamento da radiodifusão. Queria trazer para os senhores este início de considerações, porque a mesa me deu 15 minutos. Queria só fazer um comentário com relação ao rádio comunitário em São Paulo, que foi citado aqui na mesa. A cidade de São Paulo tem uma distribuição de plano em que se você considerar do canal 201, que é a canalização de FM, até o canal 300, você não tem como entrar com um canal de FM naquela banda de FM como está ali em São Paulo. O que fez a Anatel? Ela criou três canais – 198, 199 e 200 – anterior à banda para que pudesse acomodar o radiocom dentro da cidade de São Paulo. E tem feito uma reconfiguração do plano em todo o Brasil para acomodar o radiocom. O radiocom é um serviço oficial, é um serviço reconhecido que tem lei, que tem decreto, que tem norma, e é um serviço de radiodifusão. Existe, sim, uma preocupação de aco-

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se ausentar em razão de outros eventos, inclusive um deles relativo ao mesmo tema. Com a palavra a Deputada Jandira Feghali.

DISPUTA ANTIGA Idealizador do debate e responsável pelo convite ao Ministro da Cultura, o Vice-Presidente Audálio Dantas disse que a disputa em torno da tv digital é continuação da luta que há muito se trava para democratizar a comunicação social.

“Queremos discutir qualquer tipo de marco regulatório, qualquer tipo de regulamentação, sempre discutimos isso. Como essa é uma questão de Estado, tem de ser discutida no Congresso Nacional, mas posteriormente à decisão sobre a digitalização, para não atravancar a digitalização até que essa decisão esteja concluída, senão o setor terá um prejuízo muito grande. Esse é o pensamento da radiodifusão.” Ronald Siqueira Barbosa

modar esse serviço na cidade de São Paulo. Só que São Paulo é uma cidade muito grande e muito complicada para você colocar qualquer coisa. Não é só esse canal de FM, não. É canal de televisão, é canal de rádio de onda média, qualquer coisa. Se você quiser passar uma posteação para colocar mais emissoras de outro serviço qualquer, São Paulo é uma dificuldade. Se você quiser passar cabeação em São Paulo é uma dificuldade. É uma cidade que se resolve por si só. Ela não pode ser levada num planejamento digamos nacional, porque o Brasil não é exceção de São Paulo, não pode ficar esperando por uma decisão para São Paulo. E, também, a cidade de São Paulo se resolve em si mesma, ela tem solução para os seus problemas. Este é um ponto que queria esclarecer. O outro ponto é que o Padre Landell de Moura fez o primeiro transmissor, mas o serviço de radiodifusão como serviço de radiodifusão, em que você tem um planejamento, tem uma cobertura, esse realmente a gente tem desde a Rádio Pittsburg e o Marconi tem uma participação efetiva. A gente não pode descredenciar isso. Eu valorizo o Landell de Moura. Sei que é muito difícil ter um brasileiro reconhecido e fazendo alguma coisa. E ele fez. Fez o primeiro transmissor reconhecido no mundo todo. Foi o Landell de Moura. Agora, como serviço de radiodifusão, a gente ainda fica com o Marconi e a rádio de Pittsburg. Eu queria começar colocando essas coisas no debate. Audálio Dantas – Antes de iniciarmos o debate, que começa e promete aqui na mesa entre os debatedores, que farão perguntas uns para os outros, depois estenderemos o debate à platéia, quero apenas registrar que quase metade das pessoas saiu logo após as palavras do Ministro Gilberto Gil, mas isso é natural. Muita gente saiu daqui com muita informação, mas eu gostaria de continuarmos este debate com a participação do auditório. Antes de começarmos esta parte dos trabalhos, eu anuncio que a Deputada Jandira Feghali e o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, têm que

Jandira Feghali – Eu lamento porque gosto mesmo é de um debate, mas, infelizmente, tenho de me retirar. Eu adoro quando ele esquenta, aí é que fica bom. Aliás, eu sempre proponho às entidades e ninguém cumpre que sempre se comece pelo debate, depois a gente fala. Eu nunca consigo essa inversão, que é bem mais interessante. É que o Clube de Engenharia também está promovendo debate sobre tv digital agora e eu estou na mesa de lá e de fato preciso ir porque está marcado para às 19 horas. Mas eu gostaria de agradecer muito e espero de alguma forma ter trazido alguma informação que tenha contribuído. E apenas dizer ao representante da Abert que o fato de a telefonia ter sido digitalizada sem debate tem muito a ver com o contexto do Governo anterior, em que as coisas saíam sempre de surpresa e nós não tivemos a chance de fato de debater e definir. Isso foi um fato consumado na telefonia, que apesar de sua função social não tem o poder político da comunicação da televisão e mesmo do rádio. Como também o rádio tem um fato consumado que a gente não conseguiu evitar porque também foi autorizado um teste e ficou. Isso não significa que continuemos desrespeitando a democracia criando novos fatos consumados. Se o poder político da televisão pode ser regulado, democratizado pelo Congresso, não vejo por que o desrespeito de se decidir primeiro o que se faz para depois perguntar ao Congresso qual o marco regulatório que terá. Acho que esse é um processo que tem que ser feito de forma coletiva e democrática, porque o que está em jogo é muito. E o muito significa a possibilidade de se democratizar serviços e informações para o povo brasileiro. Maurício Azêdo – Eu queria deixar minha saudação de despedida aos membros da mesa e aos integrantes da platéia porque vou ter que me retirar para participar na Câmara Municipal do Rio de Janeiro da solenidade de entrega póstuma da Medalha de Mérito Pedro Ernesto ao nosso pranteado companheiro Tim Lopes, por iniciativa da Vereadora Andréa Gouvea Vieira. Esse é um ato a que a ABI se associa não só pela imposição do convite formulado pela Vereadora mas pela adesão que tem à memória desse nosso grande companheiro. O resto da sessão será dirigido pelo nosso companheiro Audálio Dantas, que foi o idealizador deste ato e deste debate e que o conduzirá com a proficiência que marca sua atuação à frente de entidades gremiais de jornalistas, entre as quais o Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo, a Federação Nacional dos Jornalistas e a Representação da ABI em São Paulo, cujo restabelecimento será inaugurado no próximo dia 20, como fruto de um trabalho exemplar do nosso companheiro Audálio Dantas. A todos, a nossa saudação mais cordial. Muito obrigado.

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