2006__313_outubro

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Uma estranha sentença de condenação de Hélio Fernandes Sem ter saído do Rio no curso do processo, ele foi declarado revel e obrigado a indenizar Benjamim Steinbruch, o dono da Siderúrgica. Página 19

Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

Jornal da ABI

313 OUTUBRO 2006

Flávio Pinheiro não admite concessões no plano moral

A ÉTICA É CONSTRUÍDA NA ROTINA DA REDAÇÃO Editor do Estadão questiona: o jornalista usa a fonte ou é usado? Ele pode ser amigo da fonte? Páginas 16, 17 e 18

HELENA CHAGAS, jornalista política em Brasília, também recomenda cuidado com o uso de fontes e adverte: aqueles informantes que mentem não são fonte respeitável. Páginas 7, 8 e 9

CURSOS DA ABI REÚNEM CRAQUES DO JORNALISMO

Nani e Ique no Estação ABI

VEJAM SÓ: PERY COTTA, DOMINGOS MEIRELLES, MILTON COELHO. PÁGINAS 9, 10 E 11

VIOLAÇÕES CRESCEM, DIZ BALANÇO DA OEA IMPUNIDADE ESTIMULA AGRESSÕES À LIBERDADE, MOSTRA RELATÓRIO . PÁGINA 20

TV DIGITAL COMEÇA POR SÃO PAULO SERÁ ATÉ DEZEMBRO DE 2007, AVISA HÉLIO COSTA. PÁGINA 15

O Brasil para estrangeiros Os chargistas Nani e Ique falam no Estação ABI sobre sua experiência na imprensa, na tv e nos quadrinhos. Páginas 14 e 15

Trezentos jornalistas estrangeiros trabalham como correspondentes no Brasil. Como a argentina Paula Gobbi (foto), eles vão a campo em busca do diferente. Páginas 3, 4 e 5

GASPARIAN, O EDITOR-CORAGEM Criador de Opinião, Argumento e Cadernos de Opinião, publicações de combate à ditadura, Fernando Gasparian tinha extrema coragem. Resistiu à censura e a ameaças, como a que lhe fez um censor na oficina onde Opinião era impresso: “Se o senhor continuar assim, vou lhe dar um tiro na cara”. Páginas 22 e 23


Editorial

Convite à reflexão UM DOS ENTREVIST ADOS DEST A EDIÇÃO ENTREVISTADOS DESTA do Jornal da ABI ABI,, o jornalista Flávio Pinheiro, que detém destacadas responsabilidades num dos mais importantes diários do País, O Estado de S. P aulo xpõe com obPaulo aulo,, eexpõe jetividade aspectos de uma questão crucial da atividade dos jornalistas que merecem e reclamam reflexão: a ética profissional e a oportunidade de sua aplicação, que a seu juízo deve constituir um exercício diário, e não um conjunto de princípios a serem respeitados e observados em momentos determinados – isto é, tenham aplicação episódica, casuística, para se usar um ter ter-mo atualmente em voga. “A ética na imprensa é constr uída todo construída dia”, diz Flávio Pinheiro, que reconhece que não é fácil deslindar as fronteiras tênues que envolvem cada fato, o que reclama dos jornalistas uma diligência permanente em relação àquilo com que se defrontam a cada passo de sua missão pro pro-fissional. Pinheiro suscita questões sobre as quais os jornalistas devem ter clareza permanente e manter atenção redobrada. Quando ele usa a fonte e quando é por esta usado? Quando a informação plan plan-tada, prática hoje muito freqüente, é útil ou não para o leitor e deve ou não ser acolhida? Jornalistas podem ser amigos das fontes? Em caso afirmativo, até que ponto? O que é justificável saber e não

Associação Brasileira de Imprensa

publicar? T udo deve ser público na vida Tudo de um homem público? A ABI considera mais do que oportuno, considera mais do que necessário e premente a discussão desses dilemas tanto no cotidiano das Redações, a cada momento da produção de informações e noticiário, como em conclaves específicos que se convoquem para franco e amplo debate da matéria. A necessidade desse exame, com vista, é claro, à adoção dos comportamentos que ele inspire e recomende, foi magnificada pelas ocorrências que marcaram a política e a administração pública do P aís ao longo destes País últimos dois anos, desde que a denúncia da existência do mensalão escancarou, pôs a nu a podridão em que chafurdavam agentes e líderes políticos até então tidos como respeitáveis. Diante das refregas a partir daí travadas, as quais se estenderam até à campanha política do segundo turno das eleições, os jornalistas se viram desafiados como nunca pelo compromisso com a ética, para assegurar que suas informações ou suas opiniões não absolvessem os safados e imolassem inocentes. A obser vância da ética é uma for ma vigo observância forma vigo-rosa de defesa da liberdade de informação e de opinião. Quando ela está ausente, os apro apro-veitadores, os corruptos, os carreiristas e os incompetentes encontram pretexto para investir contra essas liberdades essenciais.

CONSELHO FISCAL Jesus Antunes, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Adriano do Nascimento Barbosa, Arthur Auto Nery Cabral, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha e Luiz Carlos de Oliveira Chester. CONSELHO DELIBERATIVO (2006-2007) Presidente: Fernando Segismundo 1º Secretário: Estanislau Alves de Oliveira 2º Secretário: Maurílio Cândido Ferreira Conselheiros efetivos (2006-2009) Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart, Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta. Conselheiros efetivos (2005-2008) Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, Araquém Moura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira (in memoriam), Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho Conselheiros efetivos (2004-2007) Antonieta Vieira dos Santos, Arthur da Távola, Cid Benjamin, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Héris Arnt, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Ivan Cavalcanti Proença, José Gomes Talarico, José Rezende, Marceu Vieira, Paulo Jerônimo, Roberto M. Moura (in memoriam), Sérgio Cabral e Teresinha Santos Conselheiros suplentes (2006-2009) Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães, Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. Conselheiros suplentes (2005-2008) Anísio Félix dos Santos, Edgard Catoira, Francisco de Paula Freitas, Geraldo Lopes (in memoriam), Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães Conselheiros suplentes (2004-2007) Adalberto Diniz, Aluísio Maranhão, Ancelmo Gois, André Louzeiro, Jesus Chediak, José Silvestre Gorgulho, José Louzeiro, Lílian Nabuco, Luarlindo Ernesto, Marcos de Castro, Mário Augusto Jakobskind, Marlene Custódio, Maurílio Cândido Ferreira e Yaci Nunes

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti

O Brasil para estrangeiros Artigo / ...e a Governadora não pagou - Cristino Costa

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Artigo / Os 60 anos do Unicef e sua presença no Natal - Mário Barata Helena Chagas: “Fonte que mente deixa de ser fonte”

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TV digital começa por São Paulo, em 2007 Reconhecimento a Vinicius ganha aplauso da ABI

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Flávio Pinheiro: A ética é construída todo dia Numa mesa de bar, pensando o Natal

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SEÇÕES Aconteceu na ABI Liberdade de imprensa / Uma estranha condenação de Hélio Fernandes

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Vidas: Fritz Granado, o chargista de traço leve Vidas: Baioneta, fino na bola e na política

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Vidas: Gasparian, o editor da resistência

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Jornal da AB ABII 313 Outubro de 2006

CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira, Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura

COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente, Jarbas Domingos Vaz, José Ernesto Vianna, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira

Nesta Edição

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DIRETORIA – MANDATO 2004/2007 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: – Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Souza (Pajê) Diretora de Jornalismo: Joseti Marques

COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Audálio Dantas, Presidente; Arthur Cantalice, Secretário; Arthur Nery Cabral, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes

Jornal da ABI Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar Telefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 22.030-012 Rio de Janeiro - RJ (jornal@abi.org.br) Editores: Francisco Ucha, Joseti Marques e Maurício Azêdo Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Apoio à produção editorial: Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, José Ubiratan Solino, Maria Ilka Azêdo e Solange Noronha. Diretor responsável: Maurício Azêdo Impressão: Gráfica Lance Rua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ.

As reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.


OLHARES

O BRASIL PARA ESTRANGEIROS Cerca de 300 correspondentes ajudam a forjar, para o bem e para o mal, a imagem do Brasil no exterior, mesmo com a chegada da internet. Suas matérias, dependendo da repercussão lá fora, podem influenciar a própria opinião pública brasileira, como no caso Chico Mendes. POR JOSÉ REINALDO MARQUES

As pautas mais comuns são sobre política e economia, mas os correspondentes radicados no País também se dedicam à produção de matérias para falar de comportamento, meio ambiente e aspectos pouco explorados da diversidade cultural brasileira. Com isso, claro, também acabam um pouco responsáveis por nossa imagem no exterior. Trabalham atualmente no Brasil cerca de 300 correspondentes estrangeiros, de acordo com o Itamarati, responsável, juntamente com a Polícia Federal, por fazer o cadastramento e liberar a documentação que permite ao jornalista estrangeiro trabalhar aqui. Esses profissionais — a maioria formada por americanos, ingleses e alemães, nessa ordem — prestam serviços jornalísticos a 314 veículos de mídias diferenciadas. De agências de notícias, são 87; canais de TV, 28; agências fotográficas, 9; jornais, 70; revistas, 64; rádios, 14; sites jornalísticos, 42. No Rio, há 119 jornalistas de 17 nacionalidades diferentes e filiados à Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira–Acie. Em São Paulo, a Associação dos Correspondentes Estrangeiros–ACE tem 116 profissionais registrados. O menor número está no Distrito Federal, onde, de acordo com a Associação dos Correspondentes Internacionais de Brasília–ACI, moram 15 correspondentes internacionais. Poder de influência

O russo Andrei Kurguzov, visto na Passarela do Samba, é o único correspondente da agência Novosti no Brasil. O britânico Tom Phillips vai a comunidades populares, como o Parque da Cidade, Zona Sul do Rio. A argentina Paula Gobbi liderou os colegas na coletiva do Presidente Lula.

A presença de representantes da imprensa internacional entre nós foi saudada recentemente pelo jornalista Elio Gaspari, num artigo em que elogiava o lançamento, na internet, da página da Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Rio de Janeiro. “É a eles que a imprensa brasileira deveu páginas memoráveis”, escreveu o colunista de O Globo, citando os ex-correspondentes do The New York Times Joe Novitsky (“relatando as brutalidades da ditadura”) e Marlise Simmons (“informando ao Brasil a importância do assassinato de Chico Mendes”) para ilustrar os resultados positivos desse trabalho no País. Vez ou outra, porém, surge a polêmi-

ca sobre o poder que os correspondentes teriam de influenciar — positiva ou negativamente — a imagem do País no cenário internacional. Vale lembrar dois episódios envolvendo o repórter Larry Rohter, do New York Times: a matéria sobre o suposto hábito do Presidente Lula de beber cachaça, que quase lhe custou o visto de trabalho, e a da suposta ligação de autoridades do Espírito Santo com o narcotráfico, classificando Vitória como “a Medellín do Brasil”. Devido à preocupação do Governo brasileiro com o teor das reportagens produzidas pelos correspondentes, o Itamarati manteve funcionando até 2003 um núcleo que monitorava as matérias consideradas negativas para a imagem do País no exterior. De acordo com a Assessoria de Imprensa do órgão, muitas informações eram repassadas pelos jornalistas lotados nas Embaixadas do Brasil com base em reportagens veiculadas no noticiário internacional. Com a interrupção desse trabalho no Itamarati, quem cumpre vez por outra essa função é a Secretaria de Comunicação do Planalto–Secom. Alguns jornalistas internacionais acham que isso não é mais necessário, entre eles o americano Mac Margolis, da Newsweek Magazine: — Atualmente, influenciamos muito menos. Sempre achei um exagero dizer que a gente pautava o mundo e fazia a imagem de um país. Hoje, com a variedade de notícias circulando na internet, nossos leitores estão mais qualificados e têm sua própria rede de informação. Então, se escrevemos alguma besteira ou algo que não agrade, rapidamente somos contestados. Antes, a mídia internacional representava mais ou menos a opinião pública, mas isso acabou. Os blogs e os sites acabaram com o oligopólio da notícia. Hoje, todo mundo pode ser editor. Jornal da AB ABII 313 Outubro de 2006

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OLHARES

Matéria de Tom Phillips sobre uma projetada Cidade do Sexo no Rio (à esq.) causou frisson entre os leitores do The Guardian.

Visto, um problema.

Nem sempre é fácil para um jornalista estrangeiro conseguir a autorização do Itamarati para atuar no Brasil. De acordo com a Acie, muitos encontram dificuldades com a renovação do visto temporário de trabalho (Vitem VI) ou para conseguir a carteira de correspondente. A Acie ressalta que a dificuldade burocrática é motivo de descontentamento dos correspondentes com o País. Diz a entidade que o Itamarati e a Polícia Federal aparentemente estão exercendo mais controle e concedendo menos tempo de permanência (dois anos, de acordo com o Itamarati) nas renovações do que é permitido pela lei (quatro anos no visto e mais quatro na renovação, segundo a Acie): — Isto muitas vezes obriga o correspondente a sair do País antes do prazo legal, para poder retornar e dar entrada em novo pedido de visto — diz a jornalista britânica Diana Kirch, que presidiu a Acie até o fim de julho.

temos que explicar muita coisa antes de entrar no fato. Isso acaba prejudicando a matéria. Turismo, Amazônia e desenvolvimento sustentável são as preferências de Mac: — Trabalho para uma revista semanal que compete com uma mídia mundial muito dinâmica, em que há um verdadeiro bombardeamento de informação. Por isso, busco reportagens diferenciadas, mais analíticas e menos perecíveis.

Preferência: o Rio

O Rio concentra o maior número de profissionais da mídia internacional, observa Diana, por ter sido a capital do País: — Há cerca de 150 jornalistas estrangeiros morando no Rio, nem todos filiados à Acie. Muitos são freelancers e trabalham para mais de uma publicação simultaneamente. Em segundo lugar aparece São Paulo, onde o contingente tem crescido muito. E Brasília e Salvador também têm sido o caminho de muitos repórteres vindos do exterior. Diana é correspondente da revista inglesa Metal Bulletin, especializada no setor de mineração —, que, como frila, ela cobre também para a agência Reuters. Antes de chegar aqui, passou por México, França e Espanha. Morando no Brasil há 18 anos e com seis filhos brasileiros adotados, ela diz: — Economia é a pauta principal. A cobertura nessa área tem crescido muito depois da estabilização que veio com o Plano Real. Antes, aliás, não existia escritório da Metal Bulletin na América Latina. E era muito difícil fazer matérias sobre o continente a partir de Londres, por causa do fuso horário. Estava no México quando apurei que a indústria brasileira de minério e aço estava em expansão. Percebi que isso ia dar mais oportunidades para uma boa cobertura jornalística do setor. Então, em 1988, tomei a decisão de vir para cá e convenci a chefia da revista de que era uma boa inaugurar um escritório brasileiro. Depois do Brasil, revela Diana, os países da América Latina que mais atraem jornalistas vindos da Europa, Estados Unidos, Ásia e África são México, Argentina e Venezuela: — O Brasil atrai mais por ter se consolidado como nação economicamente forte, globalizada e moderna. Além disso, o País tornou-se um grande exportador de commodities, é muito carismático e também oferece muita pauta nas áreas de meio ambiente, esporte e cultura. Gobbi, a sucessora

Outra correspondente internacional bem adaptada ao Rio é a argentina Paula 4

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A inglesa Diana Kirch cobre sobretudo economia para uma revista especializada em mineração.

Mery Galanternick está no Rio há 30 anos. Trabalha para o New York Times.

O cubano Rolando de la Ribera Blanco chegou ao Rio em fevereiro.Trabalha na Prensa Latina desde 1985.

Pautas vão além da mulata, do futebol e do Carnaval Política, cultura, meio ambiente, comportamento e questões sociais, como a reforma agrária, aparecem com freqüência nas reportagens de Tom Phillips, correspondente dos jornais The Guardian e The Observer: — Os leitores do Guardian se interessam principalmente por matérias sobre desenvolvimento e questões sociais. Recentemente, fiz duas reportagens sobre os sem-teto em São Paulo e a remoção de favelas no Rio que tiveram grande repercussão na Europa. Os temas sociais rendem bem para os leitores londrinos, mas foi uma reportagem sobre a construção da Cidade do Sexo, anunciada pela Prefeitura do Rio, que, diz ele, causou mais alvoroço: — A entrevista com o arquiteto responsável pelo projeto causou um tremendo bafafá. Ele me ligou dizendo que recebeu telefonemas de veículos de Portugal, Japão, Taiwan e até de uma revista pornô dos Estados Unidos. Tom — que já viveu em Belo Horizonte, está há um ano e meio no Rio e é casado com uma brasileira — produz de três a cinco matérias por mês. O trabalho aumenta quando há casos como o do brasileiro Jean Charles Menezes, morto a tiros pela Scotland Yard no metrô de Londres: — As reportagens que fiz sobre a família do Jean Charles em Minas Gerais foram capa de diversos jornais no mundo inteiro. Fiquei quase dois meses na região, entrevistando parentes e amigos do rapaz e produzindo matérias quase diariamente. Ele colabora ainda com o jornal escocês The Sunday Herald e tem feito documentários, além de matérias para a série Unreported world (Mundo desconhecido) do Channel 4, do

Reino Unido: — Para esta reportagem, eu e a equipe passamos três semanas morando num barraco na favela de Manguinhos. O que o Brasil oferece de mais interessante para o correspondente é a diversidade, é ser tantos países dentro de uma só nação. Tom conta que o Guardian está aumentando sua presença na América Latina: — Temos repórteres também no México, Argentina e Colômbia. Proximamente, Rory Carroll, um dos melhores correspondentes do jornal, deixa a África e vai para a Venezuela. O difícil de explicar O norte-americano Mac Margolis, correspondente da Newsweek Magazine International — que circula na Europa, Ásia e América Latina –, mora há 24 anos no Brasil, para onde se transferiu por iniciativa própria. Experimentou São Paulo, fixou-se no Rio e foi colaborador dos jornais Washington Post e Los Angeles Times e da revista The Economist. Ele acha difícil explicar os motivos da sua mudança, mas um dos desafios era desvendar o mundo fora do seu país: — Vim pra cá porque o Brasil me parecia grande e fascinante e muito pouco explorado do ponto de vista jornalístico. Aqui, como nos EUA, há muita diversidade cultural e étnica que ainda precisa ser mostrada. Atualmente, porém, suas pautas são basicamente de economia e política — “embora seja sempre um desafio ‘vender’ a política brasileira como matéria para um veículo internacional”, diz. E explica: — O Congresso é um caleidoscópio de siglas partidárias, que viram uma verdadeira sopa de letrinhas. Para um leitor que não tem qualquer referência do assunto,

Interatividade Responsável pelo escritório do New York Times no Rio de Janeiro, onde trabalha há 30 anos, a brasileira Mery Galanternick diz que os repórteres internacionais do jornal cobrem todos os países do Cone Sul, mas que o material sobre o Brasil (três reportagens por semana) sempre ganha bom espaço: — Não com índio, Carnaval ou mulher, e sim com reportagens sobre os costumes brasileiros, que são as que têm mais repercussão e interatividade com nossos leitores. Por isso o Larry Rohter (o mais polêmico correspondente do NYT no País) vive enfurnado na Amazônia ou em lugares inusitados do País, atrás de fatos e personagens inexplorados. Mery diz que sua rotina de trabalho é “ampla, geral e irrestrita”. Além de escrever suas próprias reportagens, ela cuida da logística que atende aos demais correspondentes, sugere pautas e edita as matérias dos colegas. Além disso, colabora com duas outras publicações dos Estados Unidos, as revistas Latin Trade (de Miami) e ARTnews (de Nova York): — Meus artigos para a ARTNews abordam arte brasileira do ponto de vista de mercado (leilões, por exemplo). Na Latin Trade, o foco é sobre economia não tradicional. Recentemente, escrevi para a revista uma reportagem sobre a febre do Orkut no Brasil e outra sobre uma agência de viagens que promete sonhos a seus clientes. Também fiz matérias sobre o programa espacial brasileiro e experiências com células-tronco. As mudanças anunciadas na segunda quinzena de julho pelo New York Times — fechamento de uma gráfica e conseqüente corte de 250 empregos e diminuição de 5% do espaço reservado para notícias — não chegaram a preocupar os profissionais que trabalham para o jornal no Brasil, diz Mery: — Este projeto será concluído em 2008, mas vai afetar apenas o pessoal envolvido numa das plataformas de impressão do jornal.


A “regra do ouro”

Atualmente cobrindo o setor agrícola para o site americano OTR, Paula trabalha em casa, com prazos mais flexíveis, “a tendência da rotina dos correspondentes”: — Trabalhei durante 22 anos para o Los Angeles Times. Em dezembro do ano passado, eles fecharam o escritório no Rio e me tornei freelancer. Além do OTR, colaboro com o guia Lonely Planet, fazendo matérias sobre cotas raciais, cultura nas favelas e reciclagem de materiais. E estou às voltas com a produção de um documentário para o canal de TV Australian Broadcasting Corporation sobre

Brasil é muito vasto e rico culturalmente e eu me encontro sempre descobrindo vários novos Brasis. Essa diversidade é uma fonte inesgotável para o correspondente. Sobre o interesse dos leitores do site pelas matérias que escreve, ela comenta: — E difícil avaliar, muitas vezes sinto que mando a matéria e falta feedback. Às vezes recebo uma mensagem do meu editor cumprimentando por minhas reportagens, mas isso não é comum.

Agências multiplicam as informações A maior parte dos correspondentes internacionais em ação no Brasil trabalha para agências de notícias — são 87 jornalistas, de acordo com a Acie. As três maiores em operação aqui são a Reuters, a Associated Press (AP) e a France Presse (AFP). Esta tem três escritórios no País, em Brasília, São Paulo e Rio — o maior, com 20 profissionais. O Diretor Adjunto Gerardo Maronna, responsável pelos serviços em português e espanhol da AFP, justifica a necessidade de contratar grande número de colaboradores: — Para a maioria dos jornais e revistas, é muito caro manter pessoal próprio no exterior. Prova disso é que somente os grandes veículos brasileiros e estrangeiros têm correspondentes permanentes nas principais cidades do mundo. A solução é apelar para os freelancers e as agências, que oferecem notícias e fotos de todas as áreas, de maneira rápida e eficiente. Uruguaio, Maronna já havia trabalhado no Rio entre 1990 e 93, como correspondente da espanhola Efe, e voltou à cidade no ano passado, para chefiar a Redação da AFP. Para ele, não é problema para o correspondente internacional lidar com diferenças regionais e culturais: — Cada país tem suas particularidades e o Brasil, mais que qualquer outro, tem as suas. Mas isso não atrapalha em nada, só nos oferece muito material para trabalhar. Nossos clientes também são bem variados e se interessam por todo tipo de notícia. Pelo que observo, os da América Latina têm preferência pelos temas corrupção, violência e futebol; já os da Europa solicitam mais matérias sobre violência, índios, meio ambiente e Seleção Brasileira. Personalidades masculinas

Mac Margolis, da revista Newsweek, busca reportagens diferenciadas, de temas não-perecíveis.

costumes da população, para poder relatar suas particularidades com autoridade. Paula ganhou recentemente o prêmio Golden Reel, com matéria sobre as questões raciais brasileiras transmitida pela BBC e pela rádio PRI, dos Estados Unidos. Impressionada com as dimensões do Brasil, ela diz que quer conhecer mais nossas questões socioculturais e adorou as séries de reportagens que fez para a Paramount e para a BBC que a levaram ao Norte, ao Nordeste e ao Sul.: — O

o conflito de terra na Amazônia, enfocando a BR-163. O potencial do Brasil como celeiro do mundo — é o maior produtor de café, carne e açúcar e o segundo de soja — tem grande interesse, pois há muitas multinacionais investindo neste mercado. Diz Paula Gobbi que a regra de ouro do correspondente é observar as características do país onde vai trabalhar: — Cabe ao jornalista se integrar à cultura local e conhecer profundamente os

Em 1970, a Agência Novosti abriu o seu primeiro escritório no Brasil — no mesmo prédio do Consulado da antiga União Soviética, em Botafogo, na Zona Sul do Rio —, com os jornalistas russos Albert Bourlak e Vladislav Dmitrenko. Quem conta é a brasileira Ilma Martins da Silva, que trabalhou lá até 1991: — No início, como o Pelé estava no auge, eles faziam muitas matérias sobre futebol. Amazônia e folclore também estavam entre os assuntos favoritos. O curioso é que as matérias destacavam apenas personalidades masculinas, nunca as mulheres. No fim dos anos 80, após a dissolução da União Soviética, a Novosti fechou seu escritório no Brasil. Hoje, mantém no Rio somente o jornalista Andrei Kurguzov, que trabalha no apartamento onde mora

O uruguaio Gerardo Maronna comanda 20 profissionais do escritório da Agência France Presse no Rio.

AFP

Gobbi, que mora na cidade há 24 anos e é uma das mais antigas correspondentes em atividade no País. Em agosto, ela assumiu a Presidência da Acie, prometendo seguir os passos de sua antecessora e se esforçando “para que a Associação tenha mais participação de seus membros em trabalhos de grupo e troca de idéias”. Paula acha que os cariocas podem se orgulhar de a cidade ser a mais procurada como base dos jornalistas estrangeiros, e relembra o escritório coletivo, que ficou conhecido como Casa da Urca, montado em 1984 por um grupo que incluía John Arden (BBC Television), Jean Mentens (Rádio Belga), Juan de Onis (Los Angeles Times), Walter Tauber (Der Spiegel), Lucrecia Franco (Telemundo), Pedro Varela (jornal Eco), Barry Came (Newsweek) e Mac Margolis — o único que continua no Brasil. Quem a conheceu diz que a Casa tinha uma vista deslumbrante da Baía da Guanabara, fonte de inspiração para todos: — Ali eram formuladas as reportagens mais ilustrativas que os correspondentes produziam sobre o Brasil. Os tempos eram outros, não havia tanta pressão. Aconteceu na era pré-internet, quando as matérias eram enviadas via telex e levavam horas para chegar às Redações — diz Paula.

com a família, em Ipanema: — O Brasil é um país muito específico, onde os eventos têm pouca ligação com a Europa — diz ele. — Como sou eu mesmo quem escolhe as pautas, às vezes consigo escrever sobre mais de 20 assuntos por mês. O País oferece material vasto, mas as matérias de maior interesse lá fora são sobre futebol, eleições, economia e energia, especialmente na área de pesquisa. Faço também reportagens que têm relação com conflitos internacionais, como o do Líbano, que reflete em muitas famílias radicadas aqui. Andrei vê muita diferença entre o jornalismo americano e europeu e o praticado no Brasil: — Por exemplo: o escândalo da máfia das ambulâncias é um assunto que não teria tanto interesse para os russos. E se a imprensa européia fosse abordá-lo, não faria como O Globo, que na época dedicou 23 páginas ao tema. Para nós, um pouco mais de três frases seria o suficiente. A mídia brasileira se preocupa muito com detalhes em detrimento do essencial. Na Europa e nos Estados Unidos é o contrário, a imprensa passa para o público apenas a essência do fato. Rolando, o cubano

Outra agência jornalística internacional que não abre mão de manter correspondente no Brasil é a estatal cubana Prensa Latina, cujo representante é Ronaldo de la Ribera Blanco. O jornalista mora há pouco tempo no Rio — chegou em fevereiro —, mas está na agência desde 1985, depois de dez anos trabalhando na Rádio Havana. Rolando se diz avesso a entrevistas e

afirma que “os jornalistas cubanos se caracterizam pela modéstia”. Modesto mesmo é o orçamento de que o correspondente dispõe para realizar o seu trabalho, embora não revele a quantia: — Em função da limitação econômica, faço poucas viagens. As passagens aéreas são muito caras e o avião é o meio de transporte ideal para se cruzar um país com as dimensões do Brasil. Porém, sou obrigado a viajar quando se trata de uma cobertura imprescindível. A rotina de Rolando começa cedo. Às 6h, ele já está lendo os principais jornais brasileiros, ouvindo rádio ou navegando na internet, em busca de fatos que possam gerar pautas para suas reportagens: — Só então começo a escrever as primeiras notas. Em seguida, assisto a alguns telejornais. E também faço coberturas na cidade do Rio. Como a maioria dos correspondentes, trabalho em casa. É mais prático, porque mantém o jornalista sempre ligado na notícia. Além disso, há a comodidade de não se perder tempo com a ida e volta ao trabalho. Por outro lado, a rotina se torna mais angustiante, porque a gente nunca descansa. Para Rolando, o Brasil, com seus contrastes e belezas, é uma nação rica em informação: — As notícias brasileiras veiculadas pela Prensa Latina não são lidas somente em Cuba, trafegam do Canadá à Patagônia. Temos muitos clientes e nosso site é visitado por leitores da América do Norte, África, Europa e Ásia. Por isso, transmitimos em espanhol, inglês e italiano e estamos começando a fazê-lo também em português.

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ARTIGOS ROGÉRIO SANTANA

COBRANÇA

...e a Governadora não pagou POR C RISTINO C OSTA

Ficou ao deus-dará o pagamento que deveria ter sido efetuado na gestão da Governadora Rosinha Garotinho aos anistiados com a reparação simbólica a que alude a Lei n° 3.744, de 21 de dezembro de 2001, de autoria dos Deputados estaduais Carlos Minc, do PT, e Edmilson Valentim, do PC doB. Ao longo da administração que se finda, dos quase mil procedimentos analisados pela Comissão Especial de Reparação, mais da metade ainda não foram honrados. E dos 140 pagos uma boa parte dos seus titulares não pôde desfrutá-los em virtude dos óbitos acontecidos. A reparação simbólica que tem aqui os estipêndios reclamados foi também instituída em vários Estados da Federação, alguns de economias bem mais modestas do que o Estado do Rio de Janeiro, porquanto

este, além de ter a segunda renda per capita do País, ainda conta com rentáveis recursos em petroroyalties. Não obstante, nem por isto aqueles Estados deixaram de honrar seus compromissos, pagando as indenizações devidas. Na atual conjuntura, é dever do Executivo vetar uma lei quando o seu autor não aponta a fonte para custeá-la. Uma vez sancionada, não há por que deixar de honrá-la. Razões de Estado, contingenciamentos, pretextos enfim, soam como cantilena hipócrita que tenta justificar a insensibilidade ideológica e a falta de vontade política dos responsáveis pela quitação. Em suma, um conjunto de razões cínicas, como bem dizia Jurandir Freire Costa, na sua conhecida obra. Tem-se a sensação de que o Governo dos Garotinhos não soube raciocinar sobre a importância dos patriotas que tombaram ante a fobia antinacionalista dos sicários do

A Governadora Rosinha pagou até outubro apenas 140 indenizações de reparação moral.

sistema ou daqueles que foram enclausurados nos porões do Departamento de Ordem Política e Social da Rua da Relação, amargando humilhações e torturas. E assim res-

paldar expedientes das suas eminências pardas, guardiães do cofre da Fazenda, e, quiçá, infensos à causa. É deveras decepcionante constatar-se de uma administração na qual se sufragou e confiou restar como legado a marca do descrédito e a nódua da sonegação. Diante do melancólico Governo que se finda, resta apostar na responsabilidade do Governo que chega, sob a liderança do jornalista Sérgio Cabral Filho. O escriba que assina este texto, e que cobra tão insistentemente o cumprimento do pagamento da verba de reparação instituída por texto legal, não é seu beneficiário, mas sabe do suplício por que passaram os que o reivindicam, pois ainda adolescente freqüentou os cárceres do Estado discricionário. Cristino Costa, jornalista e advogado, é sócio da ABI.

HUMANISMO

Os 60 anos do Unicef e sua presença no Natal POR MARIO BARATA

Criado em dezembro de 1946 na Organização das Nações Unidas– Onu como medida de emergência para auxiliar com alimentação a infância na Europa flagelada pela guerra, em 1953 esse programa humanitário tornou-se parte permanente das Nações Unidas como Fundo das Nações Unidas para a Infância–Unicef. Em 1955 começou a atuar no Brasil. A atuação do Unicef em todos os países protege, defende e educa as crianças e adolescentes. Além de trabalhar pelo aperfeiçoamento das políticas de administração do Estado, são efetivados programas específicos de apoio humano em regiões determinadas em grandes centros urbanos, em geral. No caso do Brasil desta6

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a comemoração do Natal e as festas do Ano-Novo. Uma das formas de captação de subsídios para a instituição poder aplicá-los neste tipo de apoio foi a venda de cartões e presentes que assumiram diversos tipos de arte e generalizaram a forma antes somente religiosa, desenvolvendo-se uma forma laica paralela. Também foram proDetalhe do quadro La Madonna Sistina (1513-14), de Rafael: uma das imagens utilizadas nos cartões do Unicef duzidos presentes de variada configuração, que aumentaram os recursos nham os mesmos direitos; cam-se no momento o Semi-árido financeiros para uso do Unicef no • enfrentamento ao HIV/Aids, para e também a Amazônia e fronteiras. País. As tradições natalinas se amevitar novas infecções e garantir cuiSua atuação concentra-se em cinpliaram em um resultado ecumêdados a quem já vive com o vírus; co temas fundamentais: nico respeitoso e num amor à paz • melhoria da convivência famili• registro civil, sobrevivência e demais concreto. O Natal deve consar e comunitária e enfrentamento senvolvimento na infância; tituir-se claramente em riqueza da violência, para garantir que as • alfabetização e inclusão escolar, espiritual e cultural para todos. crianças e os adolescentes sejam contribuindo para manter a escoprotegidos em suas famílias e colaridade dos alunos; munidades. • em etnias, raça e combate à desMário Barata, jornalista e professor, é O Unicef crescentemente apoiou criminação, luta para que todos temembro do Conselho Deliberativo da ABI.


DEPOIMENTO HELENA CHAGAS

Com densa experiência como jornalista política, ela defende uma relação de confiança entre jornalistas e suas fontes. Confiança, ressalva, não significa amizade nem tampouco cumplicidade.

“Fonte que mente deixa de ser fonte” ENTREVISTA A JOSÉ REINALDO MARQUES Ex-colunista política do Globo e atual editora regional de Jornalismo do SBT em Brasília, Helena Chagas diz que não é “de olhar para trás, nem de guardar ressentimentos”. Está feliz na nova função, garante, e fala aqui do atual cenário político brasileiro e das tentativas de manipulação da imprensa. Fala também do pai, o jornalista Carlos Chagas, que foi durante muitos anos o Presidente da Representação da ABI em Brasília e representante da Casa em importantes colegiados, como o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Helena não pretendia falar sobre o caso da conta bancária do caseiro Francenildo Costa, que derrubou o então Ministro da Fazenda Antô-

nio Palocci, mas acabou dando detalhes do episódio, em que afirma já estar mais que claro que agiu o tempo todo profissionalmente. Como responsável pela sucursal do diário, correu atrás de uma informação: “Tentei ajudar os repórteres que estavam fazendo a matéria e a enviei para a sede do jornal”. Na ocasião, Helena foi procurada por Palocci, que queria saber se O Globo estava apurando o caso: “Disse a ele que sim. Não ia mentir, nem a ele nem a ninguém. E ponto final”. Diz ela que cada um deve assumir suas responsabilidades. A dela é ser jornalista, com a consciência tranqüila de que o foi “em cada minuto desse episódio”. Jornal da AB ABII 313 Outubro de 2006

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DEPOIMENTO HELENA CHAGAS

Jornal da ABI — A mídia muitas vezes é alvo de tentativas de manipulação. Como você avalia este fato? Helena Chagas — A mídia é sempre alvo de tentativas de manipulação dos mais diversos setores da sociedade. Assim como a própria mídia, que faz parte dessa sociedade, em algumas ocasiões é acusada de tentar manipular a opinião pública. Faz parte do jogo. É bom nunca esquecer que estamos de lados diferentes do balcão, nosso objetivo como jornalistas é obter a informação correta e transmiti-la à sociedade da forma mais correta e isenta, independentemente dos interesses de A, B ou C. É óbvio que isso é o ideal e que nem sempre se consegue. Mas o importante é ter sempre isso em mente. Jornal da ABI — Qual é a relação ideal que um jornalista deve manter com suas fontes para não prejudicar sua credibilidade? Helena — De distanciamento, sejam elas autoridades políticas ou não. Jornalista não é amigo de fonte e vice-versa, pelo simples fato de que os interesses dos dois são diferentes: o jornalista quer a notícia, a fonte quer que determinado fato aconteça ou não, quer influenciar os rumos de algum processo, ou mesmo “aparecer bem na foto”. Para nós, isso não é o importante. Em cada conversa com uma fonte, temos que nos perguntar qual é o interesse da pessoa que nos está passando a informação — e, claro, checar a informação. O fato de haver sempre um interesse não nos impede de dar a matéria — se ela for relevante e verdadeira, tem que ser dada — e de ter uma relação de confiança com a fonte. Mas, como já disse, relação de confiança não é amizade, nem tampouco cumplicidade. Jornal da ABI — Como essa relação de confiança se estabelece? Helena — É preciso agir corretamente. Se o jornalista se comprometeu com a fonte a não revelá-la, deve cumprir o compromisso. Por sua vez, o principal compromisso da fonte é falar a verdade. Fonte que mente deixa de ser fonte.

Helena Chagas com Teresa Cruvinel: competência abre caminho numa especialização tradicionalmente dominada pelos homens.

de nossas instituições: quase todas as pesquisas mostram que ela ainda é uma das mais respeitadas. Jornal da ABI — É possível que o crime organizado no Brasil esteja usando a imprensa, como tem feito o terrorismo internacional? Helena — Acho que o crime organizado está para lá de organizado em nosso País, muito mais do que amplos setores da Polícia. Tentar usar a mídia é só uma faceta dessas organizações — que estão organizadíssimas também na área judicial. Só um bom trabalho de inteligência poderá coibir e desmantelar isso.

Quase todas as pesquisas de opinião mostram que a imprensa ainda é uma das instituições do País mais respeitadas.

Jornal da ABI — Muitos jornalistas acham que a credibilidade dos meios de comunicação está vulnerável. Você concorda? Helena — Acho que vivemos um momento em que a credibilidade de muitas instituições anda abalada: a dos políticos, sobretudo a do Congresso Nacional, a da Justiça, a dos cartolas do futebol... É natural que os meios de comunicação também sofram com esse processo. O sistema político se exauriu, e isso abala todas as instituições a ele ligadas. Por outro lado, vejo também que a imprensa não está assim tão mal na escala de credibilidade 8

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Jornal da ABI — Como deve ser encarado o caso do seqüestro do repórter e do cinegrafista da TV Globo paulista? Helena — Um absurdo tanto quanto o seqüestro de qualquer cidadão, um sinal trágico dos dias que estamos vivendo nas grandes cidades. Grave é a insegurança geral que atinge a todos.

Jornal da ABI — Como as empresas jornalísticas podem proteger seus funcionários? Helena — Elas são parte da sociedade, assim como seus funcionários são cidadãos como quaisquer outros. Todos devem se proteger de todas as maneiras possíveis.

Jornal da ABI — Que prejuízos políticos a onda de violência acarreta para o Governo de São Paulo? Helena — O Estado falhou na promoção da justiça e na proteção que deve ao cidadão. E isso inclui as esferas federal, estadual e municipal do Poder Público. Todos têm culpa no cartório, ainda que constitucionalmente a segurança seja uma atribuição do Governo estadual. Esse jogo-de-empurra, a capitalização política desse tipo de tragédia, tende apenas a desgastar mais ainda os políticos. Fica difícil alguém ganhar com isso. Uns perdem menos, outros mais. Mas todos perdem. Jornal da ABI — A propaganda eleitoral na tv manteve um tom mais moderado do que o anunciado pelos partidos com candidatos à Presidência. Você acha que foi assim até o final? Helena — Acho que não. É inevitável que, à medida que se aproximem as eleições,osprogramassetornemumpouco mais agressivos. Há formas e formas de se fazer isso, e o que se esperava é que ninguém resvalasse para a baixaria e para os golpes abaixo da linha da cintura. Mas o desespero às vezes leva candidatos e marqueteiros a passar do ponto. Jornal da ABI — Qual foi o fator decisivo nesta eleição presidencial? Helena — Não dá para dizer com certeza. Existiam dois vetores disputando. A economia pareceu preponderante até determinado momento: a melhora nas condições de vida da população de baixa renda com o fim da inflação, a queda de alguns preços, o aumento do saláriomínimo e do crédito e do poder aquisi-

tivo e os programas sociais. Mas há também outro fator: o do discurso da ética, das denúncias de corrupção, da perda da bandeira que o PT sempre empunhou, argumentando ser diferente dos outros partidos. Esse fator pesou, sobretudo para as classes médias e parte das elites, mas não influenciou tanto assim os outros estratos da população, aqueles que passaram a viver melhor. Jornal da ABI — Qual foi o diferencial nas eleições para o Legislativo e os governos estaduais? Helena — Acho que aí houve um movimento maior de repúdio ao status quo, sobretudo depois do escândalo dos sanguessugas, o que mais envolveu parlamentares em corrupção na história do Congresso, cuja imagem anda muito ruim. Isso ensejou uma renovação maior — o que não quer dizer, absolutamente, que vá haver uma melhora qualitativa no Legislativo. É possível renovar e piorar, sobretudo num sistema eleitoral exaurido como o nosso. Quanto aos Governos estaduais, acredito que prevaleceu o mesmo pragmatismo que parece estar regendo a eleição presidencial. Os governadores cujas administrações têm bons índices de aprovação lideraram as pesquisas e poderam se reeleger já no primeiro turno. Jornal da ABI — Num programa do Observatório da Imprensa, na TVE, você criticou um tipo de jornalismo que chamou de “fiteiro”. O que vem a ser isso? Helena — Não me lembro de ter chamado algum jornalismo de “fiteiro”. Jornal da ABI — Você se referiu a fitas


Aconteceu na ABI com denúncias que chegam às mãos dos repórteres, dizendo que “fita não é matéria, é o ponto de partida para apuração de uma matéria”. Helena — Sem dúvida, há jornalismos e jornalismos, e exemplos de mau jornalismo em todos os lugares. Quando determinadas instituições entram em crise, ou quando o radicalismo político exacerba os ânimos dentro de uma sociedade, temos exageros, erros e precipitações em todos os lados. Jornal da ABI — Do ponto de vista profissional, como você avalia sua transferência para o SBT? Helena — Como uma bela oportunidade de aprender coisas novas. Até agora, passei a maior parte da minha vida profissional na imprensa. Gosto muito, mas acho que o futuro aponta para um profissional multimídia, habilitado a lidar com a informação em jornal, TV, internet, rádio... Busco essa versatilidade. Jornal da ABI — Que tipo de jornalismo você pretende desenvolver no canal? Helena — Pretendo me integrar e dar alguma colaboração ao bom trabalho que já vem sendo feito por profissionais como o Luiz Gonzaga Mineiro, Diretor de Jornalismo do SBT, a Ana Paula Padrão e o Carlos Nascimento.

acontecido. Mas de tudo fica sempre uma lição. Ela mostrou que, embora nossas instituições e nosso sistema político estejam exauridos, nossa democracia é robusta. Passamos por escândalos, denúncias, cassações, e a economia do País não se abalou, como ocorria antigamente. Entramos em campanha eleitoral e votamos livremente. Jornal da ABI — Será que o País atingiu um grau de amadurecimento que não permite retrocessos? Helena — Começa a se formar um consenso na sociedade quanto à necessidade de uma reforma política. Enfim, apesar de tudo, aos trancos e barrancos, estamos caminhando para a frente. Para quem cresceu sob as sombras de uma ditadura militar, isso é importante. Jornal da ABI — Poucos parlamentares citados em CPIs foram punidos. Qual foi o reflexo disso nas últimas eleições? Helena — O maior possível. Ou seja: se o Congresso e a Justiça não punem, o eleitor pode punir não votando nessas pessoas.

A lição profissional aprendida em casa: o jornalista deve ser leal à notícia e ao leitor acima de tudo.

Jornal da ABI — Você acha que vai sentir falta do colunismo? Helena — Já estou sentindo. Afinal, passei muitos anos escrevendo. Mas, dentro dessa visão de profissional multimídia, quem disse que eu parei de escrever? Estou apenas descansando temporariamente, enquanto me acostumo à rotina da TV. Daqui a pouco volto às letrinhas, nas páginas ou na internet. Jornal da ABI — Seu contrato com o SBT prevê comentários políticos? Helena — Minha função é ser editora regional em Brasília, mas há espaço para fazer outras coisas quando arrumar um tempinho. Jornal da ABI — A emissora montou algum programa especial para as eleições? Helena — O SBT realizou a primeira série de entrevistas com os candidatos, todos na mesma semana, com a Ana Paula Padrão, fez debates e entrevistas com os candidatos a governador. Trabalhou também em conjunto com a Transparência Brasil para chamar atenção para a importância das eleições legislativas e, sobretudo, esclarecer o eleitor a respeito de denúncias de corrupção e o envolvimento de políticos. Jornal da ABI — O dito “há males que vêm para o bem” pode ser aplicado aqui? Helena — Não acho que a crise tenha sido boa. Era preferível que não tivesse

Jornal da ABI — Correspondentes estrangeiros acham difícil explicar a política brasileira. Por quê? Helena — Qualquer política vista de fora pode ser difícil de ser explicada. Jornal da ABI — Eles dizem também que nossos jornais se aprofundam muito em detalhes que fogem do ponto central da notícia. O que você acha? Helena — Não vejo muito isso, não. Acho que os jornais de modo geral, não só os brasileiros, precisam urgentemente encontrar um caminho novo para fazer frente à expansão de novos meios, como a internet e a tv a cabo, para conquistar um leitor que já nasceu sabendo mexer com computador e acostumou-se a ler as notícias de graça na web. É preciso atrair esse novo leitor com um conteúdo diferente. Jornal da ABI — Seu pai, Carlos Chagas, é um dos jornalistas mais respeitados do País. Que influência ele teve na sua escolha profissional? Helena — Acho que foi indireta, nunca ficou dizendo que eu fosse isso ou aquilo. Mas o fato de crescer numa casa onde se lê muito, onde se tem acesso a muita informação e a pessoas que lidam com ela, inegavelmente, foi uma influência. Na infância, ia às Redações em que meu pai trabalhava e ficava batucando nas máquinas de escrever — ih, acho que agora traí minha idade... Jornal da ABI — Qual foi a principal lição que seu pai lhe deu sobre o exercício da profissão? Helena — Ser leal à notícia e ao leitor acima de tudo.

CURSOS

As técnicas e práticas para um bom texto jornalístico PERY COTTA, jornalista e publicitário, mostra como escrever bem para os mais diferentes meios de comunicação. Mostrar os segredos do bom texto jornalístico e como o texto final, pronto para ser editado, pode atrair o leitor, ou ouvinte, ou telespectador ou internauta. Este é o objetivo do curso Texto jornalístico para diversas mídias, ministrado desde 19 de setembro na ABI pelo jornalista e publicitário Pery Cotta, que diz que muita gente não sabe a diferença entre informação e comunicação. Mais ainda, muitos esquecem que a comunicação social (informação acessível a todos) é o objetivo maior do texto jornalístico. E isto exige o uso de práticas e técnicas profissionais: — Não é simplesmente escrever corretamente ou ter facilidade e escrever “bonito”. A dificuldade maior está no domínio daquelas técnicas e práticas que fazem a diferença entre a forma de expressão de qualquer indivíduo e a maneira de o jornalista passar a informação que interessa, provocar impacto ou, no mínimo, despertar a curiosidade das pessoas sobre fatos e acontecimentos. Pery Cotta demonstra em suas aulas as diferenças entre o texto escrito para ser lido (dos jornais e revistas), o texto escrito para ser lido e ouvido (do rádio) e o texto escrito para ser lido, ouvido e visto (da TV e, também, da internet). Ele pretende mostrar os fundamentos teóricos e práticos do discurso da mídia para, assim, melhor entender a produção, a redação e a edição em qualquer tipo de veículo: — E vou aproveitar para Pery: meio século desmascarar alguns mitos a respeito do com o pé na Redação. jornalismo, entre eles o da imparcialidade e “ética” dos meios de comunicação. Sócio da ABI desde 1967, com registro profissional datado de 1962 e passagens pelos mais variados veículos, além de agências de propaganda e assessorias de imprensa, ele: conta: — Fiz de tudo em jornalismo, da pauta à edição final. Há 12 anos, desde quando me aposentei como jornalista, sou professor de Jornalismo, dez anos dos quais na Facha. Como tenho 67 anos e comecei a trabalhar em jornal aos 15, faz mais de meio século que pela primeira vez botei o pé numa Redação, na nobre missão de “foca” (novato) na Reportagem. Na avaliação de Pery, o curso na ABI pode suprir algo que a faculdade não tenha oferecido, como uma pós-graduação, uma vez que trata especificamente de um aprofundamento dos conhecimentos e práticas do texto jornalístico. Ele acha também que os alunos aprenderão a pensar: — Não há muita reflexão sobre aquilo que se está passando para o público. Veja no caso do texto: o pensamento e a reflexão antecedem a palavra. No desenvolvimento dos parágrafos, é fundamental a seqüência racional, o emprego daquela velha lógica aristotélica. Aliás, considero Aristóteles o pai da comunicação e do jornalismo. Vou mostrar as razões, durante o curso. Posso adiantar que, hoje, o chamado redator de conteúdo em página na internet usa exatamente as mesmas técnicas recomendadas há quase 25 séculos pelo filósofo grego. Pery classifica de bem-vinda, esclarecedora e indispensável a iniciativa da ABI de proporcionar conhecimento aos novos talentos da imprensa, segmento que, diz, se ressente da falta de bons profissionais: — Costumo ressaltar que todas as pessoas deveriam aprender jornalismo. No mínimo, para saber ler e interpretar as informações passadas pelos meios de comunicação. Por quê? Escrever de maneira clara, simples, direta, objetiva e concisa exige muita disciplina de uma prática que pode servir a profissionais de qualquer área. As pessoas, de modo geral, não sabem se comunicar e, muito menos, expressar-se através da escrita. Eis uma boa oportunidade que a ABI está abrindo com seus cursos.

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Aconteceu na ABI CURSOS

“O jornalismo não pode estabelecer padrão cultural para o povo”

A cobertura política ajuda a entender as instituições

CECÍLIA COSTA lamenta o fim da crítica literária nos jornais e sua substituição pelo jornalismo de eventos e critica quem considera que a massa de leitores é ignorante.

MILTON COELHO considera que artifícios de linguagem e confiabilidade das fontes são essenciais numa área tão demandada da imprensa e tão diferente em cada meio de comunicação.

POR C LAUDIO C ARNEIRO

Profissionais recém-formados e estufissionais, à medida que tem a constante dantes interessados no debate e no aprendemanda por pessoas de boa formação dizado de temas como cidadania e políintelectual: — A Editoria Política faz parte tica tiveram, em outubro, excelente opordo primeiro time de qualquer veículo de tunidade de ampliar seus conhecimencomunicação. O jornalista político é tos. O jornalista Milton Coelho da Gratestemunha diária na batalha pela cidaça, que atuou em campanhas políticas e dania. Suas matérias ajudam o cidadão a nas Redações de diversos veículos, minisentender como funciona cada uma de trou o curso da ABI Jornalismo Político e nossas instituições. É um trabalho apaiCidadania. xonante. Para Milton, o jornalista tem a obrigaA carreira de Milton Coelho da Graça ção de facilitar o entendimento do leitor se confunde com a história recente do País. de todas as implicações de uma notícia, Ele acumula no currículo experiência buscando artifícios de linguagem, exeminvejável em grandes publicações brasiplos e cuidados com a escrita. Milton leiras. Embora não tenha formação em considera necessário também discutir as Jornalismo, conhece como poucos os relações do profissional de imprensa com segredos da profissão: sua fontes e chefias, estudando cases de — Comecei em 1959 como copidesjornalismo político e as muitas diferenque da coluna social do Diário Carioca. ças — de linguagem e abordagem, por Com a ditadura, fui preso em abril de 1964 exemplo — entre o trabalho em jornal, no Recife. Só saí no final daquele ano e rádio, TV, revista e internet: voltei para a imprensa do Rio. Depois, me — A idéia é passar experiência e amcondenaram a seis meses por fazer um jorpliar a base de conhecimentos do aluno. nal clandestino. O curso é importante, pois o estudante Nem só de histórias ruins é feita a hisvai descobrir que a possibilidade de erro tória de um mestre do jornalismo. Com neste tema tão complesua versatilidade, ele esxo é infinita. E ele terá creveu — em revista, de procurar evitar erros TV e jornal — sobre múque muitos outros já cosica, esporte e política e meteram. foi correspondente em Membro do ConseLondres e Nova York. lho Deliberativo da ABI A experiência profise professor universitásional de Milton pode rio — leciona na Unicaser avaliada pelos veírioca —, ele acha oporculos em que ele tratuna a iniciativa da Casa balhou. A lista dá para de proporcionar conheencher um parágrafo. cimento aos novos proConfira, por ordem crofissionais de imprensa: nológica: Diário Cario— Isso reflete o esforca (três vezes); Hoje; ço de atualização que a Shopping News; TV ABI vem realizando, Rio; Última Hora (Rio); mostra que ela está liÚltima Hora (Recife); gada nas necessidades Diário da Noite e Jornal da profissão. As faculdo Commercio (ambos dades ainda não defide Pernambuco); Jóia niram o currículo mais Milton Coelho: O jornalista (revista feminina da adequado para as necespolítico é testemunha diária Bloch); sucursal Rio da sidades dos meios de cona batalha pela cidadania. Editora Abril, nas revismunicação brasileiros tas Realidade, Quatro e não conseguem acompanhar o ritmo Rodas, Intervalo, Placar, Playboy e Docuquase frenético das inovações tecnolómento Brasil; Fato Novo, Resistência e Nogicas na área. Um caminho para suprir tícias Censuradas (jornais clandestinos); as lacunas é a oferta de uma variedade Tênis Esporte; Vela & Motor; História do de cursos de extensão, dentro ou fora da Rock; Arte Hoje; O Globo; Gazeta Meruniversidade. cantil; IstoÉ; TV Corcovado (comprada Aos 75 anos, o ex-coordenador da campela Record); Diário da Manhã (Goiâpanha de José Serra à Presidência da Renia); Diário da Amazônia; Grupo Gazepública e, atualmente, colunista do site ta de Alagoas (jornal, TV e rádios); JorComunique-se acha que a editoria de Ponal do Commercio; Jornal dos Sports; site lítica está sempre precisando de bons proComunique-se.

A cobertura do jornalismo cultural e a evolução dos cadernos dedicados a este segmento, num cenário de difícil relação entre o jornalismo e a literatura, foram temas discutidos em outubro no curso História e Prática do Jornalismo Cultural e Suplementos Literários, que integra os Cursos Livres de Jornalismo da ABI. A discussão da cultura em nosso País foi coordenada por Cecília Costa, jornalista formada em História e Literatura e com 30 anos de atividade profissional. Neste período, entre muitas outras coisas, foi editora durante seis anos do caderno Prosa & Verso, de O Globo, onde criou o concurso Contos do Rio. Cecília colocou em debate o estado da cultura no País, onde o jornalismo cultural ainda é um setor restrito, exigindo muita leitura e boa escrita: — O interesse por livros e atividades culturais é fundamental. Se o aluno sonha escrever um dia num suplemento cultural, precisa começar a se aproximar das questões que envolvem este tipo de jornalismo. Para quaisquer profissionais, hoje em dia, a preparação é permanente. Eu mesma estou pensando em voltar a estudar. O curso incluiu a história dos cadernos literários e culturais, desde a virada do séculoXIXparaoséculoXXatéomomento atual. Cecília mostrou suplementos dos anos 40 e 50, o momento literário de João do Rio (pseudônimo de Paulo Barreto) e os difíceis laços entre jornalismo e literatura: — É importante mostrar o rico mercado editorial brasileiro, que não se reflete nos suplementos por falta de espaço, e o fim da crítica, ou a sua substituição pelo jornalismo de eventos. Estiveram em discussão museus, teatro, cinema, música, arte e contracultura, da proliferação de revistas e da cultura erudita ou clássica versus cultura popular ou de massa. Com passagens pelo JB, Gazeta Mercantil e editoria de Economia do Globo —foram 22 anos na Rua Irineu Marinho —, Cecília tem ainda na bagagem dois livros: Odylo, um homem com uma casa no coração e o romance Dama de copas. E quer mais: — Desde que deixei o Globo, me envolvi num projeto longo: escrever a história do Diário Carioca, criado em 1928 por José Eduardo de Macedo Soares e dirigido, desde 1932, por Horácio de Carvalho Jr. O DC foi responsável pela reforma do jornalismo brasileiro no início dos anos 50. Estou finalizando o livro.

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Cecília: O jornalismo é uma profissão dura, exige paixão.

Na opinião de Cecília — que também escreve artigos para o Jornal de Letras, de Portugal —, o curso pode suprir informações que o ensino formal universitário não revela por completo: — Para ser jornalista é preciso paixão. O aprendizado é diário. Jornalismo é uma profissão dura, até mesmo no charmoso, encantador e atraente mundo cultural. Não devemos estabelecer padrões culturais para os leitores, procurar, por exemplo, só oferecer o que é "popular", estabelecendo que a massa é ignorante e não deve ter acesso ao "erudito". Devemos espelhar ao máximo todas as formas de cultura de nosso País, sem esquecer a herança passada. Sem ela, não seríamos nada. Não teríamos referenciais. E a cultura é de todos. Só assim ajudamos o Brasil a sair deste mar de falta de ética e esperança. A arte salva. Cecília Costa acha que o Rio de Janeiro carece de mais jornais e suplementos. Para a jornalista, há mais profissionais disponíveis do que vagas ou postos de trabalho, sobretudo nas editorias de Cultura. Ela destaca o papel da ABI, ao propiciar o contato dos alunos com profissionais que "meteram a mão na massa" ou ainda estão em Redações: — A ABI, instituição praticamente centenária, vem fazendo um trabalho maravilhoso e extremamente útil. Jornalismo se aprende fazendo. E chega a ser um luxo poder trabalhar ou estudar dentro de um prédio que faz parte da História do jornalismo brasileiro. Um jornalismo sério, competente, que luta por um Brasil melhor.


Comunicação empresarial, amplo mercado de trabalho

Domingos Meirelles: O texto jornalístico precisa de brilho e profundidade.

Os segredos da narrativa em reportagens especiais

MÔNICA ALBUQUERQUE define ética e planejamento como temas importantes para o bom profissional.

DOMINGOS MEIRELLES dá as dicas para que profissionais possam desenvolver com brilho e profundidade o trabalho de montagem dos textos jornalísticos. Com 41 anos de profissão, Domingos Meirelles trabalhou em jornais, revistas e telejornais. Essa experiência, acumulada numa carreira marcada pela ética e pelo profissionalismo, foi passada aos alunos do curso Realização de roteiros para reportagens especiais, iniciado em 2 de outubro e que integra os Cursos Livres de Jornalismo da ABI. Ele se dispôs a esclarecer dúvidas e transmitir informações que acumulou em diferentes veículos: – É preciso mostrar como se constrói a narrativa de uma matéria especial, desde a apuração, passando pela edição de texto, à sonorização e à edição final. É importante criar com o aluno novas ferramentas para que ele possa desenvolver sua missão com mais brilho e profundidade. O objetivo é transmitir as técnicas, preenchendo algum espaço deixado pelo ensino acadêmico neste momento importante da vida do aluno que antecede seu ingresso definitivo no mercado de trabalho: – Não existem coelhos para se tirar da cartola. O fato é que os cursos de Comunicação não qualificam o futuro profissional para determinadas missões.

O aluno deixa a universidade com um conhecimento geral, mas não está qualificado para enfrentar, por exemplo, uma matéria especial. Apesar disso, Domingos avalia que os profissionais que atuam neste segmento são excelentes — “eles aprenderam fazendo” —, mas acredita que o melhor seria “aprender com quem faz”. Nesse aspecto, ele acha que a ABI cumpre importante papel: — Este é um compromisso da Casa do Jornalista com a categoria. Estes cursos promovem a atualização dos que já trabalham e a capacitação para quem ainda não exerce a profissão. Domingos Meirelles, que é Diretor Financeiro da ABI, começou no jornalismo no extinto diário Última Hora, em 1965. Passou pelas revistas Quatro Rodas, Claudia e Realidade, pelos jornais O Globo, Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde. Na televisão, trabalhou no SBT e na Globo, onde permanece até hoje. Nesta emissora, foi repórter do Jornal Nacional, do Globo Repórter e do Fantástico e desde agosto de 2000 apresenta o programa Linha Direta.

A possibilidade de uma carreira jornalística fora do ambiente de Redação, sobretudo na área de comunicação corporativa, é uma realidade de mercado e oferece muitas oportunidades de desenvolvimento profissional. A constatação desta nova realidade é um dos tópicos abordados no curso Comunicação empresarial, iniciado dia 18 de outubro, do programa Cursos Livres de Jornalismo da ABI. Para levar aos alunos os conhecimentos desta atividade, com a discussão de temas como ética e planejamento, foi escolhida a jornalista Mônica Albuquerque, que tem no currículo MBA na Coppead, dez anos de atividade em assessoria de imprensa na Inpress e seis na TV Globo, onde trabalha na Comunicação. Para a professora, os futuros profissionais aprendem como montar uma equipe, a identificar o que é notícia dentro da corporação e como se relacionar com a imprensa geral e segmentada, além de elaborar estratégias de comunicação para alcançar maior visibilidade para o cliente e também planejar adequadamente a ação de comunicação. Nas aulas, foram

Mônica Albuquerque: Como se identifica o que é notícia dentro da corporação.

mostradas as principais ferramentas para a execução do trabalho e a obtenção dos melhores resultados: — É preciso que o aluno tenha um pensamento mais amplo sobre o papel do assessor de Comunicação dentro da empresa. Por isso, temas como ética, gerenciamento de crises, planejamento e estratégia são os pilares mais importantes. Para quem vai atuar no âmbito da empresa, a professora lembra que este é um segmento em expansão no mundo e também no Brasil — “que conta com excelentes profissionais atuando na área”. — É uma profissão que cresceu muito nos últimos dez anos e vive um momento excepcional. Mônica Albuquerque acha que a ABI está cumprindo importante papel, que é o de proporcionar conhecimento aos novos profissionais de imprensa, fazendo com que reflitam sobre a atividade por um novo ângulo: — Além dos bancos de universidade, precisamos de espaços complementares que nos mantenham unidos e atualizados. Acho que o curso pode trazer aos alunos uma visão de oportunidades que hoje são muito pouco discutidas na vida acadêmica. Além de mostrar as possibilidades dos jornalistas neste campo, são ensinadas algumas técnicas da profissão.

ESTUDO

Alunos da Usp visitam nossa sede

Vinte e nove alunos do segundo ano do curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo, em São Carlos, visitaram em 25 de outubro o Edifício Herbert Moses, sede da ABI, para conhecer o projeto “Brise soleil” adotado dos irmãos Marcelo e Milton Roberto, marpelos irmãos Roberto co da moderna arquitetura brasileira. Guiados pelos Professores Marcelo Sué destacado como zuki e Paulo Castral, os alunos também viinovação. sitaram o Aeroporto Santos Dumont, igualmente projetado pelos irmãos Roberto. Marcelo Suzuki falou da importância da visitação: — Este é um prédio que, apesar de pioneiro, tem qualidades que vão continuar respeitadas dentro da história da arquitetura moderna no mundo inteiro. Para a aluna Carla Augusto Gonçalves, é uma pena que as construções no entorno da sede da ABI não valorizem seu conceito estético: — A localização não privilegia a fachada do edifício, que tem alto valor estético. Achei muito interessante o brise-soleil, que, ao quebrar a luminosidade do sol, produz efeito térmico interessante. Sua colega Beatriz Cruz não conhecia o prédio, mas já tinha ouvido falar dos arquitetos que o projetaram: — O prédio é arquitetonicamente muito interessante, principalmente porque foi obra dos irmãos Roberto. Reparei o quanto o brise-soleil funciona e deixa a fachada clara, como se espera de uma arquitetura moderna. Em termos de preservação, fiquei triste porque o terraço foi alterado. Este é um patrimônio da arquitetura carioca e brasileira que deve ser preservado.

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AT É C H E G A R A O S E U C A R R O , N O S S A G A S O L I N A PA S S A P O R 1 8 E TA PA S D E P E S Q U I S A : B A H R E I N , M A L Á S I A , A U S T R Á L I A , S A N M A R I N O , E U R O PA , E S PA N H A , M Ô N A C O , I N G L AT E R R A , C A N A D Á , E U A , F R A N Ç A , A L E M A N H A , HUNGRIA, TURQUIA, ITÁLIA, CHINA, JAPÃO, BRASIL.

TECNOLOGIA PETROBRAS. D A S P I S TA S PA R A V O C Ê .


Aconteceu na ABI HUMOR

Nani escreve livro policial Cartunista faz sua zorra total, foge do computador na hora de desenhar e, como escritor, sai dos livros infantis para a história de PC Farias.

Há alguns anos, podia-se escrever humor na televisão para um público mais inteligente. Transformada em produto de massa, a tv é hoje consumida por um espectador menos exigente. A afirmação foi do cartunista, chargista e redator de humor Nani, ao gravar, em 24 de outubro, sua participação na série ABI pensa o humor, que integra o projeto Estação ABI. Em entrevista ao Diretor Cultural da ABI, Jesus Chediak, Ernani Diniz Lucas admitiu que teve de se reciclar para escrever para uma camada mais popular e menos letrada. Criador da tira Vereda tropical, publicada em vários jornais do País, Nani, ao contrário do que ocorre com a maioria dos colegas, migrou dos desenhos para os textos que podem ser lidos às quartas, sextas e domingos no Jornal do Brasil. Redator dos extintos humorísticos Sai de baixo e Escolinha do Professor Raimundo e dos atuais Casseta & Planeta e Zorra total, Nani lamenta que escrever para a televisão o transforme num escravo: — A gente se torna dependente dos resultados de audiência. Além disso, a cultura do “politicamente correto” reprime certas abordagens. Às vezes, esbarramos em assuntos que não são mais aceitos. Por exemplo, antigamente havia os quadros de humor envolvendo a figura do ladrão, do gordo, além de temas como religião

espectadores de todo o País entendam a piada. — Eu brigo por isso — diz.

Nani: São mais engraçadas as piadas que nunca vão ao ar na tv.

etc. Hoje, tudo isso está praticamente “censurado”. Nós, redatores de humor, achamos mais engraçadas as piadas que nunca vão ao ar. Nani destaca ainda que o texto de tv deve ser contemplado por expressões nacionais, sem regionalismos, para que os

O desenho à esquerda foi publicado no Pasquim, durante a campanha pela anistia e passou a ser usado como pôster em passeatas, encontros, palestras, etc. Ao lado, humor no período FHC, publicado na Tribuna da Imprensa.

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Livros infantis Além de escrever para a tv, este mineiro de Esmeraldas se tornou contista e prepara um romance policial sobre a morte de PC Farias. Ele sabe, de antemão, que nenhuma editora vai se interessar pela obra, uma vez que cita diversos personagens reais e ainda vivos, muitas vezes em situações não muito éticas. O escritor recorda ainda o sucesso de seus livros infantis Jornal do menino e A traça: — Este último tem duas versões. A traça de A a Z vem com um furinho em todas as páginas, mostrando que a traça percorreu o caminho. Já A traça de Z a A tem dois furinhos, mostrando que o bicho foi e voltou. O humorista iniciou a carreira no Diário Católico, em Belo Horizonte, e veio para o Rio, em 1973, pelas mãos do também mineiro Alberico Souza Cruz, que o convidou para trabalhar no O Jornal. Passou por diversos jornais e revistas, como O Pasquim, Mad, Jornal dos Sports, Última Hora, Diário de Notícias, O Dia e Tribuna da Imprensa. Na televisão, começou fazendo cartuns eletrônicos no Jornal da Globo: — Os meios de comunica-

ção se multiplicaram. Tem a internet e um sem-número de mídias eletrônicas. E a criatividade do artista tem de acompanhar esse processo. Eu, por exemplo, nunca acordei sem inspiração. Apesar de ser multimídia, Nani, quando desenha, rejeita programas de computador: prefere rabiscar o papel. E, assim como os meios de comunicação, aposta que o mercado está crescendo: — Novos valores estão chegando. É gente de muita qualidade, como o Leonardo, o Allan Sieber e Arnaldo Branco. Para que estes novos talentos aparecessem, os salões de humor, como os de Piracicaba, Teresina e Volta Redonda, foram fundamentais.


MARCELLO CASAL JR/ABR

Ique mostra suas mil facetas Chargista defende o uso do computador, que permite a descoberta de talentos. O ministro Hélio Costa divulgou o cronograma da implantação da tv digital no País

O chargista tem a função jornalística de promover a crítica e a reflexão de forma madura, sem revanchismos ou sentimento de vingança. Seu papel é o de colaborar com a sociedade e interpretar os sentimentos dos leitores. Foi o que afirmou o chargista Ique, ao gravar, dia 3 de outubro, sua participação na série ABI pensa o humor, que integra o projeto Estação ABI, reunindo depoimentos de jornalistas e intelectuais sobre manifestações artísticas, como o cinema, o teatro e a literatura. Em depoimento ao Diretor Cultural da ABI, Jesus Chediak, Ique se mostrou pessoa de muitos talentos, especialista que é dos bonsais, praticante de vôo-livre e amante da literatura e da escultura, entre outras paixões. Victor Henrique Woitschach, ou simplesmente Ique, revelou também que o desenho de charges e caricaturas não é sua única atividade profissional: ele tem uma empresa para atender a projetos corporativos nas áreas de varejo e moda. E ainda encontra tempo para redigir quadros humorísticos do Zorra total: são dele os textos de abertura do programa interpretados pelas personagens Márcia e Leozinho. Nascido em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Ique desembarcou ao Rio de Janeiro com a idéia fixa de se tornar chargista do JB, mas, para chegar ao antigo prédio da Avenida Brasil, 500, o caminho foi longo: — Meu primeiro emprego foi com os Trapalhões Dedé, Mussum e Zacarias, que haviam montado a empresa Demuza. O cargo era de assistente de arte, mas acabei participando do filme deles como figurante, contra-regra e assistente de cenografia. Ique largou o emprego e começou a visitar o antigo prédio do JB: — Um dia, o Joaquim Cruz ganhou sua primeira medalha. O filme que registrou o triunfo velou e eu fiz uma ilustração em cima de uma foto do atleta. O editor da revista Viva, Antonio Porto, gostou e foi minha primeira capa. O Lan viu o desenho e me chamou para trabalhar com ele no jornal. Com 29 anos de profissão, 18 deles no Jornal do Brasil, Ique se aventurou na idéia de fazer suas charges integralmente no computador. — Há dez anos, havia uns 12

DEFINIÇÃO

TV digital começa por São Paulo, em 2007 Cada Município terá seu Canal da Cidadania. Radiobrás e Ministérios da Educação e da Cultura também serão beneficiados, com a liberação de dez faixas de transmissão.

Ique diz que passou 30 anos sem legenda. Agora quer texto.

chargistas no País. Hoje, são mais de cem talentosos desenhistas fazendo trabalhos eletronicamente. Desenhar no papel é como dirigir. Já no computador é como se fosse um videogame de corrida de automóvel. Requer treinamento, senão você se esborracha a cada dez segundos, mesmo que tenha carteira de motorista. Autor dos livros Cem vezes Ique, que vendeu 120 mil exemplares, e Brasileiras & brasileiros, com prefácio de Jô Soares, Ique já ganhou dois Prêmios Esso, na categoria Charge. É também de sua autoria a estátua em homenagem a Luís Lopes, o corneteiro que, em 1822, mudou a História do Brasil: na Batalha de Pirajá. Lopes, cuja estátua está em Ipanema, trocou os toques e, ao invés de ordenar a retirada, mandou avançar um inexistente pelotão de cavalaria, o que deixou confusas as tropas portuguesas, que recuaram com medo da surpreendente investida. A vitória nesta batalha foi importante para a independência do Brasil. Também é de Ique a estátua em bronze, ainda não entregue,em homenagem ao apresentador Chacrinha. Além da escultura, ele tem outra novidade: — É minha intenção lançar um desenho animado em 3D. Passei 30 anos da minha vida sem legendas. Agora quero texto.

O Ministro das Comunicações, Hélio Costa, anunciou em Brasília que será no dia 3 de dezembro de 2007 o início das transmissões da tv digital na região metropolitana de São Paulo. Nas demais capitais, a data prevista é 31 de dezembro de 2009. Até 31 de dezembro de 2013, o novo padrão tecnológico estará funcionando em todos os Municípios brasileiros e o prazo final para o desligamento do sistema analógico foi agendado para 29 de junho de 2016. A portaria com o cronograma da implantação da tv digital no País foi publicada na edição de 11 de outubro do Diário Oficial da União. O Ministro também anunciou a criação de dez canais públicos de tv digital, cada um com faixa de 6 Mhz de transmissão digital, conforme previsto no Decreto n° 5.820,

que criou o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD). Hélio Costa voltou a justificar a escolha do padrão japonês: — Uma das razões principais para a adoção do sistema é porque é o único que, sendo adotado no País, libera os canais de 60 a 69, que hoje são utilizados para comunicação entre a base e o transmissor. Como no sistema japonês você faz a transmissão dentro dos 6 Mhz, vão sobrar esses canais de 60 a 69. E nós vamos utilizá-los para iniciar um procedimento de redes públicas de televisão. Hélio Costa explicou ainda que, além das TVs Senado e Câmara, a Radiobrás passará a ter um canal nacional. O Ministério da Educação e o da Cultura também ganharão canais próprios e cada Município terá um Canal da Cidadania.

JUSTIÇA

Reconhecimento a Vinicius ganha aplauso da ABI A ABI enviou telegrama de congratulações ao Chanceler Celso Amorim, pela iniciativa de conferir a Vinicius de Moraes, postmortem, o título de embaixador e batizar uma ala do Itamarati com seu nome. O texto tem o seguinte teor: “A Associação Brasileira de Imprensa congratula-se com Vossa Excelência e sua equipe pela iniciativa de conferir postumamente a Vinicius de Moraes o cargo e o título de embaixador e de dar o seu nome honrado a uma ala do Palácio Itamarati, no Rio de Janeiro. Além de diplomata, poeta, compositor e teatrólogo, Vinicius atuou no jornalismo como crítico de cinema, no começo de sua fecunda aventura intelectual e artística, e como cronista do jornal Última Hora, nos anos 50, a convite de Samuel Wainer. A justiça que se faz a Vinicius, 38 anos após sua danação com base no Ato Institucional nº 5, enche de alegria e emoção os jornalistas que acompanharam sua luminosa trajetória na vida nacional. Cordialmente(a) Maurício Azêdo, Presidente da ABI.” Jornal da AB ABII 313 Outubro de 2006

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DEPOIMENTO FLÁVIO PINHEIRO

Jornalista defende amplo debate sobre liberdade de imprensa e democratização das comunicações. ENTREVISTA A JOSÉ REINALDO MARQUES Com 40 anos de carreira, Flávio Pinheiro, editor-chefe do Estado de S. Paulo, diz que sempre atuou como jornalista, mesmo nas pouquíssimas atividades que teve fora da profissão, como quando foi diretor de programação da Feira Literária Internacional de Paraty (Flip), em suas duas primeiras edições (2003 e 2004). Como muitos colegas de sua geração, teve “vida de cigano” na carreira, iniciada na sucursal carioca da Folha de S.Paulo com 18 anos, no dia 15 de junho de 1966. Aqui, ele fala de sua trajetória, da ética no jornalismo, de liberdade de imprensa e do seu gosto pela música erudita.

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A ética é construída todo dia


“A concentração da informação nas mãos de poucos, como está se desenhando nos Estados Unidos, a pátria da liberdade de informação, é preocupante.” Jornal da ABI — Você sempre se dedicou ao jornalismo? Flávio Pinheiro — Sempre, mesmo nas pouquíssimas atividades que tive fora da profissão. E como muitos jornalistas da minha geração, tive vida de cigano no começo da carreira. Jornal da ABI — Como assim? Flávio — Na Folha de S. Paulo, meu primeiro emprego, fiquei um ano e meio. Fui, então, para a Visão, quando a revista transferiu a sede editorial para o Rio. Acho quenãofiqueidoisanoslá.Fizumtestepara o Correio da Manhã e fui admitido como redator da Internacional. Lá, fui convidado por Washington Novaes (o mesmo que me deu meu primeiro emprego) para ser um dos subeditores do caderno Diretor Econômico. Jornal da ABI — E continuou sendo um “jornalista cigano”? Flavio — Em 1972, saí do Correio, tive uma passagem rápida, como chefe de reportagem, pelo Jornal dos Sports, então dirigido por José Trajano, outra rapidíssima passagem pela Pesquisa de O Globo e logo fui convidado por Raimundo Rodrigues Pereira para ser um dos editores (de Nacional) do Opinião. Jornal da ABI — Opinião foi um dos mais combativos veículos dos anos 70, durante o regime militar. Valeu a experiência? Flávio — Foi extraordinária, apesar das vicissitudes. Conheci Raimundo Rodrigues Pereira, um notável jornalista, com quem aprendi muito. Assim como aprendi com outros colegas desta brava empreitada: Aloysio Biondi (com quem já havia trabalhado na Visão), Renato Pompeu, Tonico Ferreira e Cássio Loredano, só para citar alguns. Jornal da ABI — Que lembrança você tem do período que classifica como de “grande escuridão política”? Flávio — Lembro-me vivamente da noite em que a redação da Rua Abade Ramos foi invadida por agentes do Dops, metralhadora em punho, que caçavam um jornalista, felizmente ausente. Não foi minha primeira experiência com a invasão de meganhas. Estava no Correio da Manhã quando eles levaram o baiano Juraci Costa, que, salvo engano, não ficou preso por muito tempo. Eram freqüentes as blitzen em Redações. Jornal da ABI — Quanto tempo você ficou no Opinião? Flávio — Pouco, um semestre. Aloysio Biondi foi convidado para dirigir a Redação do Jornal do Commercio e me chamou para ser Secretário de Redação. Outra experiência formidável, mas também breve: durou dez meses.

Jornal da ABI — Por quê? Flávio — Aloysio preparou uma edição especial que triturava a política econômica de Delfim Neto. Por ordem de João Calmon, a edição, totalmente pronta, foi interditada ainda na gráfica. Aloysio pediu demissão e sua equipe debandou — eu inclusive. Jornal da ABI — Chegou a ter problemas pessoais na ditadura? Flávio — Não, quer dizer, não fui preso. Tive medo, angústia, sobressaltos. Mais de uma vez ouvi de amigos que tinham sido presos que meu nome fora mencionado em interrogatórios. Era o bastante para perder o sono. Jornal da ABI — Para onde foi depois do Jornal do Commercio? Flávio — Saí em novembro de 1973, trabalhei um pouco como freelancer e, no começo de 74, fui convidado por Paulo Henrique Amorim para ser editorassistente da revista Exame, no Rio. Foi a primeira vez que trabalhei na Abril. Fiquei três anos e meio. Em 77, fui com Paulo Henrique para o Jornal do Brasil, para ser subeditor de Economia. Jornal da ABI — E a ida para a Veja, como foi? Flávio — Aconteceu em 78: a convite de Mário Alberto de Almeida (editor de Política) e meu amigo Zuenir Ventura (chefe da sucursal), virei editor-assistente de Política da Veja, no Rio. Em 81 ou 82, não lembro exatamente, o Zuenir saiu e eu fiquei como chefe da sucursal carioca da revista. Jornal da ABI — Fale, por favor, do seu trabalho na Veja. Flávio — Foi um dos melhores e mais fecundos períodos da minha vida profissional. Aprendi com gigantes da profissão, como Elio Gaspari, José Roberto Guzzo, Dorrit Harazim, os já citados Zuenir e Mário Alberto, Roberto Pompeu de Toledo, Mário Sergio Conti, Augusto Nunes, Marcos Sá Corrêa... São desse tempo grandes matérias de Xico Vargas (Prêmio Esso com o caso Baumgarten), Ancelmo Góis, Joaquim Ferreira dos Santos, Lúcia Rito e José Castello. Jornalistas de primeira. Jornal da ABI — Você é o autor do projeto da Veja Rio, um grande sucesso editorial. Flávio — Antes de falar da Veja Rio, preciso falar do Jornal do Brasil. Jornal da ABI — Então vamos falar do JB. Flávio — O primeiro período no jornal, como subeditor de Economia, foi breve demais, um ano e pouco. O segundo foi uma fantástica aventura profissional. A convite de Marcos Sá Corrêa, em 85 fui

ser editor do Caderno B. Seis meses depois, ele me chamou para ser editor-executivo, o segundo dele, que era o editorchefe. Mais tarde, dividi a função com Roberto Pompeu de Toledo. Jornal da ABI — Foi outro time da primeira linha. Flávio — Conheci no JB esplêndidos profissionais já escolados em outras Redações, como Miriam Leitão, William Waack, Ruth de Aquino... Foi um período de muitos prêmios (como o Esso de Jornalismo de Zuenir Ventura, pela cobertura do caso Chico Mendes) e de grande fertilidade editorial, como a reformulação da revista Domingo e a criação da revista Programa e do caderno Idéias. Jornal da ABI — A sua passagem pelo Jornal do Brasil durou até esse período? Flávio — Houve ainda um terceiro. Em 2001, chamado por Mário Sergio

profissionais da equipe? Flávio — Era uma magnífica equipe: Fábio Rodrigues, Arthur Dapieve, Sérgio Rodrigues, Márcia Vieira, Xico Vargas, os ótimos fotógrafos reunidos especialmente para a revista na agência Strana... Foi uma delícia fazer a Veja Rio. Depois de tantos anos enfurnado em Economia e Política, mergulhar na minha cidade foi muito bom. Jornal da ABI — Antes de se transferir para o Estadão (do qual é editor-chefe desde agosto de 2004), você atuou em dois sites jornalísticos: NO. e NoMínimo. O que fez nesses veículos? Flávio — Em 2000, um grupo de jornalistas ao qual me associei criou o site NO., do qual fui um dos editores, juntamente com Marcos Sá Corrêa. Com o fim do NO., dois anos depois, foi criado — pelo mesmo grupo de jornalistas, embora reduzido — o NoMínimo, do qual também fui um dos editores. Jornal da ABI — É boa a qualidade do jornalismo online brasileiro? Flávio — Acho que está a cada dia melhor. É um mundo novo que está sendo desbravado pelo jornalismo, por isso mesmo ainda cheio de incertezas. Jornal da ABI — Que fase dele vivemos hoje? Flávio — Transposta a primeira fase de exageros sobre a informação em tempo real — “o ministro tal acaba de chegar ao recinto da CPI”, notícia que não queria dizer absolutamente nada — e de deslumbramento com a globalização da informação — como relatos de crimes escabrosos na Bielo-Rússia ou de fait divers na Tailândia, só para comprovar as virtudes da renovação permanente de informações —, estamos num momento mais maduro e proveitoso.

Jornal da ABI — É ruim a internet ter dado mais velocidade à notícia? Flávio — A internet é um cirA capa da edição inaugural da Veja Rio cuito espetacular para a informação, que é o negócio do jornalista. Conti, fui ser diretor-adjunto de RedaDe início, a pressa abriu o caminho para ção por fugazes quatro meses, período que a irresponsabilidade. Matou-se gente anfoi batizado por muitos de seus protagotes da hora na internet, para dizer o mínistas como Primavera de Praga, pela ranimo. Hoje há muito mais cuidado, as inpidez e truculência com que foi abortaformações estão sendo mais checadas. do. Só havia um projeto. Não havia dinheiro nem intenção de pô-lo em marcha. Jornal da ABI — Como se faz jornalismo ético? Jornal da ABI — E a Veja Rio? Flávio — A ética na imprensa é consFlávio — Entre uma e outra passagem truída todo dia. Tirando a óbvia fronteira pelo JB surgiu a Veja Rio, um capítulo à entre decência e indecência, há fronteiparte na minha vida. O Mário Sergio ras tênues que precisam ser observadas Conti foi para a Abril e me chamou para à luz de cada fato. O jornalista usa a foncriar a revista e dirigi-la, em 1991. A Veja te ou a fonte usa o jornalista? Quando São Paulo já era um tremendo sucesso, mas, a informação plantada é útil ou não para mesmo tendo a versão paulista como o leitor e quando é legítimo proteger o modelo, fizemos uma revista genuina“plantador ” com o anonimato? Jornamente carioca. Para isso, contribuiu muito listas podem ser amigos de suas fontes? a presença do Alfredo Ribeiro e do seu Até que ponto? O que é justificável saber alter-ego, o Tutty Vasques. e não publicar? Tudo deve ser público na Jornal da ABI — Quais eram os outros vida de um homem público? Não há resJornal da AB ABII 313 Outubro de 2006

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DEPOIMENTO FLÁVIO PINHEIRO

Equipe da Veja Rio, liderada por Flávio Pinheiro (primeiro de pé, à esq.)

postas padronizadas para estas perguntas. Tudo depende do caso. De cada caso. Jornal da ABI — Nosso padrão ético é bom? Flávio — Sem dúvida houve grandes progressos na imprensa brasileira. E isso se deve aos jornalistas que tomaram progressivamente para si uma responsabilidade que antes era apenas dos patrões. Eles zelavam pela ética e, algumas vezes, privatizavam a ética. Jornal da ABI — O Congresso vai debater liberdade de imprensa e democratização da comunicação. É uma pauta oportuna? Flávio — Acho importante que jornalistas discutam permanentemente estes temas. Somos vetores de uma liberdade constitucional: a liberdade de informação. Ademocraciabrasileiraestánasuasegunda infância (a primeira foi entre 1946 e 1964). Há muita coisa a fazer para democratizar a democracia. Temos que ser parte deste esforço. A concentração da informação nas mãos de poucos, como está se desenhando nos Estados Unidos, a pátria da liberdade de informação, é preocupante. Jornal da ABI — Num debate na ABI sobre o Sistema Brasileiro de Televisão Digital, o Ministro Gilberto Gil defendeu que o SBTVD deve privilegiar a inclusão social e a tecnologia nacional. Qual é a sua opinião? Flávio — Acho que democratizar o acesso à internet e outras mídias é uma das tarefas de democratização do País. Confesso que não sei o suficiente sobre o SBTVD para opinar, mas me parece tardio entrar agora na fabricação de chips 18

Jornal da AB ABII 313 Outubro de 2006

e circuitos integrados, o prêmio de consolação para a escolha que fizermos. Estamos a léguas da fronteira do conhecimento e não acredito muito que a gente vá encurtar o caminho tendo uma fábrica. Estamos comprando um sistema para atender só as tvs, sem pensar na paisagem multimídia? Então, é pouco. Jornal da ABI — O que o levou a participar do projeto “Favela tem memória”? Flávio — O Rubem César Fernandes, coordenador do Viva Rio, me chamou para darumaconsultorianositeVivaFavela,que infelizmenteacabou.Foinesteprocessoque

de afetividade por mais dolorosa que possa ser (e não é só dolorosa, registrese), uma singularidade. Há relatos comoventes nos registros de veteranos moradores nas fitas gravadas (e transcritas) do projeto. Trata-se de documento. É uma preciosidade. Jornal da ABI — Como você virou promotor da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), um dos maiores eventos de literatura do País? Flávio — Foi um acidente muito agradável da minha vida de jornalista. Chamado em primeiro lugar por Luiz Schwarcz,

“A favela só é reconhecida na cidade como uma presença estatística, uma mancha na paisagem, um esconderijo perfeito do crime organizado, mas ela é muito mais do que isso.” sugeri a criação de uma espécie de subsite tratando de memória. Jornal da ABI — Qual a importância da memória de uma favela? Flávio — A favela só é reconhecida na cidade como uma presença estatística, uma mancha na paisagem, um esconderijo perfeito do crime organizado, mas é muito mais do que isso. Ninguém sabe direito o que se passa nela e o que se passou. A remoção da favela da Catacumba, por exemplo, foi uma tragédia. A memória é uma distinção de identidade, uma fonte

editor da Companhia das Letras e meu dileto amigo de longa data, e depois pela editora inglesa Liz Calder autora da idéia, me entusiasmei com a possibilidade de criar no Brasil um festival literário nos moldes dos já realizados na Europa, na Austrália e no Canadá. Jornal da ABI — Não teve medo de apostar numa cidade que até então não tinha tradição em movimento literário? Por quê? Flávio — Não tive medo nenhum da escolha de Paraty, feita por Liz, que é apaixonada pela cidade. Paraty tem a

atmosfera perfeita para um festival que repousa na comunicação de autores com leitores. O charme histórico e natural de Paraty é imbatível. Jornal da ABI — Você ainda está ligado à Flip? Flávio — Fui diretor de programação nas duas primeiras edições (2003 e 2004) e depois me desliguei, por conflito de interesses. O jornal (Estadão) cobre, e deve cobrir, o evento com toda a liberdade. E pelo que já ouvi falar de Ruth Lanna, que me sucedeu, ela deve fazer a melhor Flip. O conjunto dos autores convidados foi ótimo. Jornal da ABI — O cineasta João Moreira Salles disse que o documentário sobre o pianista Nelson Freire foi sugestão sua. A música erudita é outras de suas paixões? Flávio — Sim, mas digo e repito em alto e bom som: o documentário é do João, é sua sensibilidade que percorre tudo em cada detalhe. Apenas colaborei um pouco com o roteiro e participei de algumas filmagens no Brasil. Jornal da ABI — Qual foi seu maior êxito no campo das artes? Flávio — Não tenho êxito nessa área. Sou leitor e ouvinte. Nada mais. Jornal da ABI — E na carreira jornalística? Flávio — Tento gostar sempre do que estou fazendo. Neste momento, gosto de trabalhar no Estadão, um grande jornal, onde tive o prazer de conhecer excelentes profissionais.


Liberdade de Imprensa

JUSTIÇA

Denunciado o matador de Ajuricaba O Ministério Público do Estado do Rio denunciou à Justiça o Vereador Osvaldo Luiz de Carvalho Vivas pela morte do jornalista Ajuricaba Monassa, ocorrida no dia 24 de julho, em Guapimirim, interior do Estado do Rio. A denúncia foi formulada pela Promotora Marceli Navega, da 1ª Vara Criminal de Guapimirim, com base no inquérito policial presidido pelo Delegado Luiz Carlos dos Santos — titular da 65ª DP —, que indiciou o acusado, com base no art. 129, por crime de lesão corporal seguida de morte, cuja pena prevista é de quatro a 12 anos de reclusão: — Esse foi o caminho mais fácil para a condenação do que se o acusado fosse indiciado por homicídio simples, que poderia inclusive resultar na sua absolvição. Eu acredito que tenha feito o meu trabalho, e bem-feito — afirmou o Delegado. Alix Monassa de Paula — viúva de Ajuricaba, com quem ela viveu 16 anos — se emocionou com a notícia de que o MP denunciaria o Vereador na Justiça e disse que, no dia da morte do marido, eles estavam completando “nove anos de casamento de papel passado”: — Estou emocionada. Sabia que a Justiça ia ser feita. Apesar da dor e do rancor, minha alegria é tamanha que ninguém pode imaginar. Como ele (Osvaldo) é Vereador, ninguém acreditava que sequer fosse indiciado. Vou sair agora e contar para todo mundo e tenho certeza de que Guapimirim vai agradecer à Justiça, que veio mais rápida do que se esperava. A Polícia concluiu e encaminhou à Vara Criminal de Guapimirim o inquérito sobre o assassinato de Ajuricaba Monassa em 9 de agosto e a Promotora Marceli ofereceu denúncia contra o Vereador em princípio de outubro.

Uma estranha condenação de Hélio Fernandes Numa ação de indenização por dano moral, o articulista da Tribuna de Imprensa foi condenado à revelia, embora tenha endereço certo e sabido e permanecesse no Rio ao longo do processo. Em ofício dirigido ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Desembargador Sérgio Cavalieri, em 23 de outubro, a ABI manifestou sua preocupação diante da condenação imposta ao jornalista Hélio Fernandes, articulista da Tribuna da Imprensa, numa ação de indenização por danos morais, na qual ele foi julgado à revelia, embora tenha endereço certo e sabido e permanecesse no Rio ao longo do processo. A ação foi ajuizada pelo empresário Benjamin Steinbruch, Presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, que se considerou ofendido pelo texto divulgado por Hélio Fernandes na Tribuna da Imprensa de 4 de março de 2004. Além de condenado, Hélio Fernandes sofreu bloqueio de três contas da Tribuna entre abril e julho de 2006, o que obrigou a empresa a um “desesperado esforço” para depositar o valor estipulado na sentença. Assim, disse o ofício da ABI, Hélio Fernandes conseguiu “evitar que o autor da ação obtivesse aquilo que a ditadura militar não conseguiu nem com confinamento, prisão e repetidos processos contra o jornalista nem com atentado terrorista ao jornal: a suspensão da circulação da Tribuna da Imprensa”. Hélio Fernandes publicou a integra do ofício da ABI em sua coluna na terceira página da Tribuna, acrescentando informações e observações com o tom ferino e destemido que marca a sua atividade jornalística. A mensagem da ABI: “Ilustre Desembargador Presidente Sérgio Cavalieri, A Associação Brasileira de Imprensa dirige-se a Vossa Excelência para manifestar sua preocupação diante dos incidentes que marcaram a tramitação e decisão do Processo nº 2004.001.047536-5, distribuído à 24ª. Vara Cível, no qual poderoso empresário, Benjamin Steinbruch, Presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, pleiteou indenização por danos morais do jornalista Hélio Fernandes, sob o fundamento de que este lhe irrogara ofensas em texto publicado na sua coluna na Tribuna da Imprensa no dia 4 de março de 2004. Embora a defesa do jornalista Hélio Fernandes tivesse curso no processo citado, na forma da legislação processual, não pode a Associação Brasileira de Imprensa deixar de expressar sua estranheza diante de fatos presentes na tramitação dessa ação, a começar por julgamento em vara cujo titular tem relação

de parentesco com magistrados alcançados por críticas do jornalista, o que ensejaria uma declaração de suspeição. Foi a ação considerada procedente em sentença publicada em 30 de novembro de 2004, com a singularidade de que o jornalista Hélio Fernandes e seu jornal foram considerados revéis, sem advogados constituídos e sem que o Juízo lhes concedesse defensor dativo. Esses incidentes, diante da desinformação dos réus, acabaram saneados pelo trânsito em julgado da ação, em 13 de janeiro de 2005. Oito meses depois, o autor da ação ajuizou petição requerendo certidão da dívida e mencionando a possibilidade de requerimento de falência da empresa jornalística S. A. Tribuna da Imprensa. Por fim, o autor levou a dívida a protesto, sem que se concedesse prazo para que os réus oferecessem bens à penhora. Essa tormentosa provação imposta a Hélio Fernandes e seu jornal poderia ser admitida como típica de tramitação processual, não fosse a circunstância de seu julgamento ter-se dado à revelia, o que é no mínimo passível de surpresa. Hélio Fernandes escreve em todas as edições de seu jornal, que circula de segunda-feira a sábado, tem residência fixa no Rio de Janeiro e é inconcebível que não tivesse sido comprovadamente citado, em pessoa ou por edital. É notório que Hélio Fernandes foi o jornalista mais processado pelos detentores do Poder sob o regime militar, que jamais, porém, o acionaram criminal ou civilmente à revelia. Tal anomalia, espantosamente, só ocorreu agora sob o império da Constituição democrática promulgada em 5 de outubro de 1988. O coroamento da penosa adversidade imposta a Hélio Fernandes e à Tribuna da Imprensa deu-se agora entre abril e julho de 2006, com o bloqueio de três contas-correntes dos réus, duas da Tribuna da Imprensa e uma pessoal do jornalista Hélio Fernandes, e o desesperado esforço da empresa de depositar o valor estipulado na condenação, a fim de evitar que o autor da ação obtivesse aquilo que a ditadura militar não conseguiu nem com confinamento, prisão e repetidos processos contra o jornalista nem com atentado terrorista ao jornal: a suspensão da circulação da Tribuna da Imprensa. É em razão desse risco, felizmente superado, que a Associação Brasileira de Imprensa se dirige a Vossa Excelência, digno Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, para expressar seu desejo de que o Poder Judiciário do nosso Estado, a que Vossa Excelência preside com discernimento e competência, não abrigue ameaças como as que envolveram o jornalista Hélio Fernandes e a Tribuna da Imprensa ao longo do processo mencionado. No ensejo, Senhor Presidente, renovamos as expressões do nosso justificado apreço. Cordialmente. (a) Maurício Azêdo, Presidente.”

Hélio Fernandes teve de correr para impedir que o bloqueio de sua conta e de duas da Tribuna da Imprensa suspendesse a circulação do jornal

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Liberdade de Imprensa DOCUMENTO

Relatoria condena violações em países latino-americanos Além do aumento das agressões e da impunidade, os processos e a censura prévia são preocupantes, diz a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Os jornalistas da América Latina estão entre os que sofreram uma série de atos de violência, que incluem homicídio e desaparecimento, durante o exercício da profissão. Estudo apontando para diversos crimes praticados contra a categoria foi encaminhado à ABI pela Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O relatório indica preocupação com a situação da liberdade de imprensa e de expressão na América Latina entre julho e setembro de 2006. Segundo o estudo, soma-se a tais crimes a lentidão das investigações policiais e dos processos judiciais na região, fatos que contribuíram, nos últimos anos, para o aumento da violência, da impunidade e reincidência. O trabalho aponta ainda para agressões a profissionais de imprensa no exercício de suas atividades, atentados contra veículos de comunicação, além de seqüestros, ameaças em toda a América Latina e atos de censura prévia. Além disso, os jornalistas latino-americanos — mais que seus colegas em outras regiões — foram processados por desacato, difamação ou injúria. O estudo indicaqueemmuitoscasososjornalistasforam condenados à prisão, fato que restringiu sua liberdade de expressão e denota desconhecimento da jurisprudência estabelecida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. A estes pro-

cessos se somam outros, de caráter administrativo, contra meios de comunicação. A Relatoria Especial constata ainda a crescente tendência à intolerância pelos governos da região, fato que se manifesta também com a utilização de métodos sutis de coação à imprensa que, se analisados de forma isolada, podem parecerinócuos,masquandoobservados em seu conjunto indicam situações preocupantes em vários países. Tais abusos do poder público incluem a aplicação de políticas discriminatórias que passam pelo cancelamento de verbas publicitárias oficiais ou a criação de barreiras burocráticas que impedem ao jornalista o acesso a determinadas fontes como forma de pressionar as empresas de comunicação. O relator do estudo, o venezuelano Ignácio J. Alvarez, afirma que a liberdade de expressão não implica apenas a possibilidade de produzir informação de crítica ao poder público: — Ela inclui também o direito de não sofrer represálias ou conseqüências ilegítimas por parte do Estado. O relatório indica — no entanto — que

em alguns países, como Chile, Costa Rica, México, Panamá e Peru, a liberdade de imprensa tem mais espaço e que as agressões e crimes contra jornalistas são devidamente punidos. No Brasil, o relatório deplorou os recentes assassinatos dos jornalistas Manoel Paulino da Silva e Ajuricaba Monassa de Paula. Ainda em nosso País, foi denun-

ciado o seqüestro de uma equipe de jornalismo da Rede Globo de Televisão por integrantes de uma facção criminosa. Além de ameaças policiais e atos de censura prévia praticados aqui, a pesquisa lamentou também a condenação à prisão, por calúnia, dos jornalistas Edilberto Resende da Silva, Jânio Batista Nascimento e Ermógenes Jacinto de Souza. Como feito positivo, foi apontada a decisão do Governo Federal de vetar projeto de lei que exigia o diploma universitário para o exercício de funções que poderiam ser consideradas parte da profissão. A íntegra do texto enviado à ABI pode ser lida — em espanhol ou inglês — no site www.cidh.org/relatoria. Criada em 1997 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão revela, ao final do trabalho, todas as fontes que serviram para a elaboração do estudo. Tanto os governos quanto as organizações não-governamentais, bem como jornalistas, veículos e demais pessoas e instituições podem enviar informações e denúncias para o endereço cidhexpresion@oas.com.br

EUA perdem nove posições no ranking O Brasil também cai na classificação da Repórteres Sem Fronteiras, que considera nosso desempenho como de “claro retrocesso”. Por perder nove posições em relação ao ano passado, os Estados Unidos ocupam agora o 53º lugar no ranking da liberdade de imprensa divulgado no dia 24 de outubro pela organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras. Quando a pesquisa começou a ser divulgada, em 2002, o país ocupava o 17º lugar. A instituição avalia que a deterioração da relação entre a imprensa e a Casa Branca — pelo fato de a administração George W. Bush invocar a segurança nacional para quebrar a privacidade e o sigilo das fontes dos jornalistas nor20

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te-americanos — contribuiu para este desempenho negativo dos EUA. O estudo denuncia a política adotada pelo presidente daquele país de considerar suspeito qualquer jornalista que questionar sua campanha armada contra o terrorismo. A RSF relata, como exemplo, o caso do jornalista Josh Wolf, preso por não entregar ao Governo seus arquivos de vídeo. O colunista do ABI Online Fritz Utzeri considera que os EUA, que já tiveram independência suficiente para deflagrar um Watergate, foram acometidos por um surto idiota depois do 11 de Setembro: — O papel da imprensa é apurar e consultar as fontes, preservando seu sigilo. Agora está difícil. Hoje, se um repórter norte-americano não revelar o nome da fonte, pode ir em cana. Do jeito

que está lá, o jornalista fica como um marisco, entre o rochedo e a onda. Também o Brasil perdeu posições no ranking. Caiu do 63º lugar para o 76º. A organização Repórteres Sem Fronteiras classifica esta queda de “um claro retrocesso”. Contribuiu para esse fraco desempenho o assassinato, em março passado, do jornalista Giordani Rodrigues — especialista em cibercrimes e criador do site InfoGuerra —, ocorrido em seu apartamento, em Curitiba. Para o jornalista e editorialista de O Globo Trajano de Moraes, também professor dos Cursos Livres de Jornalismo da ABI, a queda do Brasil no ranking tem explicação: — No nosso caso, a situação pode ser boa, muito boa até, nos grandes centros. Porém, há muitas barbaridades nos grotões que às vezes nem chegam à gran-

de imprensa, mas são computadas, com justiça, como ameaças ao exercício da profissão. A Finlândia, a Irlanda, a Islândia e a Holanda dividem o primeiro lugar no ranking anual. Fritz comenta: — A Islândia é primeiríssimo mundo. Estive lá durante um encontro entre o Reagan e o Gorbachev. Na ocasião, a Presidente do país levava os filhos para a escola e depois pegava o ônibus para ir ao trabalho. Isso é que é liberdade. Assim como os Estados Unidos e o Brasil, também o Japão (51ª) e a França (35ª) perderam posições. A surpresa do estudo foi a Bolívia (16ª), que aparece entre os 20 primeiros pela primeira vez. A RSF credita este desempenho à liberdade desfrutada pelos jornalistas no momento político vivido por nossos vizinhos. (Cláudio Carneiro)


Vidas

Fritz Granado, o chargista de traço leve Diante da prancheta de desenho, tendo próximos às costas os dois painéis que Di Cavalcânti fez a pedido de Samuel Wainer para decorar a Redação, o diagramador, ilustrador e chargista Fritz Granado não enjeitava serviço, ao longo de uma rotina que começava às 2 da tarde, quando ele iniciava a diagramação do suplemento UH Revista, e se estendia até por volta das 11 horas, quando se encerrava o fechamento da primeira edição do jornal. — É comigo mesmo. Deixa comigo – dizia Fritz sem qualquer amuo, sem contrariedade, quando o interrompiam na diagramação de uma página para que retocasse com urgência uma foto, naquele tempo em que as fotografias eram reproduzidas em clichês metálicos, ou calculasse em quantos centímetros caberia uma matéria que não poderia sobrar. Com

Fritz não havia bola perdida, tudo corria sempre numa boa. Mineiro de Bicas, Fritz só se exaltava quando, por provocação, alguém punha em dúvida as maravilhas de sua cidade. A intensa rotina do trabalho na Última Hora dos anos 60 não comportava folgas prolongadas, só aos sábados não havia trabalho de edição do jornal, embora os plantões de Cidade e Polícia não descansassem, o que impedia Fritz de visitar com mais freqüência a sua terra. Tal não era preciso, porém: ele trazia Bicas na lembrança e no coração o tempo todo. Uma de suas últimas criações, já nos anos 2000, foi exatamente uma longa história em quadrinhos de caráter político em que o cenário de abertura era a estação ferroviária de Bicas, com o nome da cidade a encimar a marquise de cobertura da pla-

Baioneta, fino na bola e na política Repórter da Tribuna da Imprensa, o jovem jornalista Aparecido Baioneta da Silva conseguia a façanha de publicar com regularidade no jornal textos que ressaltavam a expressão política de um dos candidatos ao Governo do antigo Estado do Rio, o também jovem Roberto Silveira, principal líder do Partido Trabalhista Brasileiro-PTB. Era uma façanha, mesmo, porque naqueles idos de 1958 o fundador e diretor do jornal, Carlos Lacerda, era inimigo irredutível dos trabalhistas. Se é certo que para mitigar a animosidade do jornal contra os petebistas concorria a aliança firmada com o trabalhismo pelos correligionários da Lacerda, membro da União Democrática Nacional-UDN, para derrotar nas eleições para o Governo do Estado o Partido Social Democrático-PSD do Almirante Ernâni do Amaral Peixoto, genro do falecido Presidente Getúlio Vargas e chefe da oligarquia que dominava a chamada Velha Província havia cerca de 30 anos, para o abrigo das matérias simpáticas ao PTB na Tribuna era essencial a habilidade de Baioneta, que, repórter de texto ágil e com domínio da técnica da entrevista, tinha a sensibilidade política de avaliar que matéria não seria rejeitada por seu editor – o Secretário de Redação, como

se chamava na época. Graças a esse talento de Baioneta, durante vários anos a Tribuna pôde apresentar, competindo com o Diário Carioca de J. E. de Macedo Soares, Danton Jobim e Pompeu de Sousa, a melhor cobertura da política do outro lado da Baía de Guanabara. Baioneta, que assinava o seu Aparecido com os dois pês constantes da certidão de nascimento, tinha bom trânsito com políticos fluminenses de todas as origens e de todos merecia respeito e confiança em conversas abertas ou em off sobre as quais guardava discrição. Hábil no trato, mestre em expressões de irreverência e sarcasmo que alguns de seus interlocutores não percebiam, ele dialogava com os Deputados estaduais Álvaro Fernandes, Palmir Silva e Padre João Pedron, entre Baioneta curtia um bom papo. Aqui, numa comemoração de jornalistas, em Niterói, onde morava desde os anos 60.

taforma de embarque e desembarque. Fritz não ganhou o relevo que merecia como chargista porque tinha de sangrar o lombo na prolongada jornada na Redação. Para manter em dia o aluguel do prédio em que morava na Rua Barão de Guaratiba, um ameno local de moradia do bairro do Catete que as obras de construção do metrô destruíram, era preciso trabalhar duro, no dia-a-dia do jornal e nos frilas que completavam ou tentavam completar o orçamento doméstico. Não fora isso seu traço despojado, em que as figuras ganhavam formas finas e suaves e uma graça especial, teria alcançado maior repercussão. Politizado, como, aliás, a quase totalidade da Redação da UH de Samuel e de Moacir Werneck de Castro e Jorge Miranda Jordão, seus sucessores depois que o golpe militar impôs o exílio do fundador do jornal, Fritz não vacilou quando o convidaram para fazer charges e ilustrações para a Folha da Semana, primeiro jornal da oposição à ditadura militar, lançado em 2 de setembro de 1965 pelo Partido Comunista Brasileiro-PCB e fechado pelo regime em 13 de dezembro

de 1966 através de portaria do então Ministro da Justiça Carlos Medeiros Silva, a qual proibiu a impressão, distribuição e circulação do jornal em todo o território nacional. Fritz sabia que a Folha era do Partidão e que trabalhar nela oferecia riscos de repressão do regime, mas não se atemorizou e participou da equipe do jornal até sua interdição. Ultimamente, aposentado, Fritz mantinha um pequeno escritório de planejamento de peças gráficas, mas sem ligação direta com veículos da mídia estabelecida. Deixara crescer a barba, que rivalizava em tamanho com a do educador Paulo Freire e impressionava: além deimensa,espalhadapelotórax,erabranca, muito branca Foi com essa aparência que ele esteve na ABI, há cerca de dois ou três anos,prometendovoltaraumahoradessas para uma conversa prolongada, em que as novidades de Bicas certamente estariam presentes. Não voltou nem deu notícias: a informação sobre seu passamento, entre junho e agosto ou por ai, chegou de forma imprecisa à ABI, que agradece a quem lhe der mais dados sobre esse belo companheiro. (MA)

outros do PTB: com Adolfo de Oliveira e Carlos Quintela, da UDN: com Benjamim Ielpo e Geraldo De Biase, do PSD; com Raul Rodrigues, do PSB; com o comunista Geraldo Reis, eleito pelo PSB. Especial admirador do talento de Baioneta era o Governador Roberto Silveira, eleito pela poderosa coligação PTB-UDN que destroçou pela primeira vez as cidadelas do amaralismo. Roberto era também muito hábil e cimentara essa aliança política graças à amizade e convivência desde a Faculdade de Direito com o jovem udenista Jorge Loretti, que assumiria a Chefia de seu Gabinete Civil (Loretti mais tarde trocou a política pela magistratura e chegou a Presidente do Tribunal de Justiça do atual Estado do Rio). Com freqüência Roberto Silveira chamava Baioneta para descontraídas conversas no Palácio do Ingá, ao fim das quais, apesar das repetidas recusas do amigo jornalista, mandava seu carro oficial atravessar a Baía no ferry boat e deixá-lo no Largo do Machado, no Rio, para o encontro com a noiva já impaciente. Malandro, Baioneta viaja-

va no banco traseiro e esperava o motorista abrir a porta para ele saltar – tudo combinado com seu amigo do volante. Ele explicava a razão do ritual: — Se eu venho no banco da frente e abro a porta do carro para sair, os vizinhos da minha noiva vão achar que eu peguei carona como amigo do motorista. Assim, não: ficam sabendo que eu sou uma pessoa importante. Querido e admirado por seus companheiros da reportagem, pela competência profissional e pela disposição permanente de solidariedade, sempre pronto a ajudar um colega em dificuldades, Baioneta poderia ter-se tornado um grande craque do futebol se o jornalismo não o atraísse muito cedo. Companheiro de juventude dele no subúrbio carioca de Realengo, o jornalista João Duque Estrada Meyer conta que Baioneta era um supercraque das peladas dos campos de várzea da região, com um futebol requintado, clássico; era exímio no drible, no passe, na finalização das jogadas; na arte de se colocar bem no campo, situando-se onde a bola iria chegar. – Se tivesse se tornado profissional do futebol – diz Duque Estrada —, Baioneta seria um craque da dimensão de Didi, o criador da folha-seca. Ele jogava demais, jogava o fino. Baioneta foi-se afastando do jornalismo após a morte de Roberto Silveira, em 28 de fevereiro de l961. Fiscal de Rendas do Estado, passou a dedicar-se ao serviço público e a colaborar episodicamente em uma ou outra publicação. Sócio da ABI desde 1972, acompanhava com interesse as atividades da Casa e as questões relacionadas com jornalismo e comunicação em geral. Ele participou da Assembléia-Geral Ordinária de abril de 2006. Faleceu em 10 de outubro, de derrame cerebral. (MA) Jornal da AB ABII 313 Outubro de 2006

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Vidas GERMAN LORCA

O

Gasparian O EDITOR DA RESISTÊNCIA Criador do semanário Opinião, dos Cadernos de Opinião e da revista Argumento e diretor da Editora Paz e Terra, ele teve papel destacado na prolongada batalha de idéias que culminaria com a derrubada da ditadura. 22

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Brasil perdeu em 7 de outubro um dos mais destacados participantes da luta contra a ditadura militar: o editor Fernando Gasparian, que sacrificou a sua atividade de empresário para se entregar a empreendimentos que tiveram enorme influência na prolongada batalha de idéias que culminaria com a derrocada do regime. Gasparian foi o criador do semanário Opinião, dos Cadernos de Opinião e da revista Argumento e Diretor da Editora Paz e Terra, que ofereceriam notável contribuição à luta pela instauração do Estado Democrático de Direito no País, de cuja modelação ele também participoucomodeputadoàAssembléiaNacionalConstituinte de 1988, na qual apresentou uma das propostas mais ousadas, a de instituição dos juros máximos de 12% ao ano, incorporada ao texto constitucional e jamais aplicada. Além de editor de publicações, entre as quais uma de marcante presença na História da Imprensa no Brasil – o semanário Opinião –, Gasparian foi o organizador e estimulador de uma série de iniciativas do amplo espectro de atos de resistência à ditadura, pela capacidade de promover reuniões, pela coragem de abrigar encontros em espaços de sua propriedade, pelo respeito que seu nome impunha para facilitar adesões e pela lucidez com que propunha ações de combate ao regime. Tinha sensibilidade para encorajar e apoiar outros combatentes da ditadura, como o editor Ênio Silveira, que lançou a Editora Paz e Terra e não pôde prosseguir no empreendimento, em razão das perseguições que sofria da ditadura, como prisões, processos e represálias econômicas. Gasparian adquiriu a empresa e assumiu a responsabilidade de dar continuidade às atividades da Editora, que publicou obras da maior importância para a luta política e ideológica travada contra o regime militar e seus quadros na administração pública, na economia, na política e na universidade. Gasparian manteve ao longo da ditadura uma relação de fecunda colaboração com o jornalista Barbosa Lima Sobrinho, Presidente da ABI, a quem ele convidou para dirigir a revista Argumento, que seria alvo de proibição já no seu primeiro número. Também Opinião padeceu sob a repressão do regime militar, pois foi submetido a censura prévia a partir dos primeiros números, o que obrigava a Redação a produzir material excedente para cada edição: pelas normas do regime, a publicação censurada não poderia conter espaços em branco que deixassem entrever que teve textos proibidos.. O surgimento de Opinião estimularia o aparecimento de outras publicações periódicas de contestação ao regime, como o semanário Movimento, criado a partir de uma divergência entre Gasparian e o primeiro Editor-Chefe de Opinião, jornalista Raimundo Rodrigues Pereira. A Opinião e Movimento sucederiam outras publicações, como Em Tempo, entre outras cuja história está por ser contada por aqueles que as fizeram e que a ABI se dispõe a acolher em seus veículos de comunicação – o Jornal da ABI e o ABI Online – e no seu Centro de Pesquisa e Documentação do Jornalismo Brasileiro e da Vida Contemporânea (antigo Centro de Memória do Jornalismo) O Jornal da ABI reproduz o artigo em memória de Gasparian publicado pelo jornalista Argemiro Ferreira, que foi Editor-Chefe de Opinião, e a declaração de pesar que emitiu. Registre-se que a Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre) tem a coleção completa de Opinião: é uma das mais consultadas de seu acervo. (Maurício Azêdo)


“Vou lhe dar um tiro na cara” POR ARGEMIRO FERREIRA

va na unidade das oposições, ficara otimista com o êxito do único partido oposicionista tolerado pelo regime, MDB, na eleição de 1974, o ano da grande virada. Filiado ao partido, tinha ajudado pessoalmente candidatos do chamado Grupo Autêntico, em vários Estados.

Devo a um amigo e colega exemplar, Raul Ryff, jornalista histórico que estivera preso por ter acreditado (como tantos brasileiros combativos, inclusive sua mulher Beatriz) na frustrada revolução da Aliança Nacional Libertadora (1935), a amizade de Fernando Gasparian, empresário, editor e também jornalista, além de combatente na defesa dos interesses nacionais, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. Gasparian morreu sábado em São Paulo, aos 76 anos. Tinha 45 quando me convidou, por indicação de Ryff, para dirigir a redação de seu semanário Opinião, hoje quase uma lenda da resistência democrática à ditadura militar (1964—1985), um dos jornais mais censurados de nossa História. Aceitei o convite por estar convencido de que o então editor, Raimundo Pereira, preferia ver Opinião morrer a sobreviver sem ele. Eram dias conturbados e a esquerda, para variar, estava dividida — em especial sobre a melhor forma de combater a ditadura. Gasparian, que sempre aposta-

Causa que justifica uma vida Era aquela a grande luta da sua vida. Empresário nacionalista, tivera experiência jornalística quando estudante, ao lado de dois Fernandos, amigos — o Pedreira, depois diretor de O Estado de S. Paulo e embaixador na Unesco, e o Henrique Cardoso (FHC), sociólogo que se tornaria Presidente. Próximo a João Goulart em 1964, Gasparian só não se tornou ministro da Indústria e Comércio por causa do golpe. Ao invés disso, virou alvo da ditadura, incomodada com sua ação nacionalista à frente do Conselho Nacional de Economia. Outro amigo dele, o ex-Deputado Rubens Paiva, seria golpeado de forma mais brutal. Paiva, que se correspondia regularmente com Gasparian, morreu nas mãos de torturadores da ditadura, no Rio de Janeiro. Na Grã-Bretanha e, depois, também nos EUA, Gasparian foi professor visitante em Oxford e na Universidade de Columbia. Ao mesmo tempo, mantinha contato com jornalistas interessados, como ele,

A ameaça de um censor a Gasparian na gráfica onde era impresso Opinião.

O PESAR DA ABI A ABI divulgou declaração de pesar pelo passamento de Fernando Gasparian, cujo corpo foi cremado em São Paulo no dia 8 de outubro, um dia após seu falecimento. A declaração: “A ABI manifesta seu pesar pelo falecimento em São Paulo, no sábado, 7 de outubro, do empresário, editor e jornalista Fernando Gasparian, que cumpriu um papel destacado na resistência ao regime militar como fundador e diretor do jornal Opinião, da revista Argumento e da Editora Paz e Terra. Gasparian foi também Deputado à Assembléia Nacional Constituinte de 1988, na qual teve atuação marcante como autor da proposta de

fixação dos juros no máximo em 12% ao ano, disposição incluída na Constituição e jamais aplicada. Como diretor de Opinião, Gasparian resistiu às dificuldades impostas à publicação pela censura da ditadura militar, que vetava a cada semana número significativo de matérias do jornal, obrigando-o a produzir a cada edição material superior ao necessário, para substituir os textos vetados, já que a censura não admitia a existência de espaços em, branco, que denunciariam o veto aos textos elaborados. Como forma de proteger o jornal, Gasparian firmou contrato de publicação no Brasil de matérias do Le Monde, o que tornava incômodo o trabalho dos censores do regime, que ensejariam repercussão internacional negativa de vetassem textos do jornal francês. Além de publicar livros importantes em sua

Editora Paz e Terra, por ele adquirida do editor Ênio Silveira, outro destacado integrante da resistência à ditadura, Gasparian criou a revista Argumento, para cuja direção convidou o Presidente da ABI, Barbosa Lima Sobrinho. A revista teve uma existência acidentada, pois teve a primeira edição proibida e não pôde publicar com regularidade os números seguintes. Por esse desempenho, Fernando Gasparian merece a admiração e o respeito da comunidade jornalística do País. Ele era sócio da ABI desde 25 de setembro de 1973, quando dirigia a Editora Núbia, por ele fundada antes da criação da Paz e Terra. Seu proponente foi José Gomes Talarico. A ABI lamenta o seu passamento e apresenta suas condolências à família enlutada. Rio de Janeiro, 9 de outubro de 2006. (a) Maurício Azêdo, Presidente.”

em criar um jornal de oposição. Das conversas com Raimundo Pereira e outros, nasceu Opinião — nome dado pelo próprio dono, que rejeitou os sugeridos por Pereira (Assunto e Movimento). Lançado em 1972, o semanário Opinião, do qual fui colaborador desde o número 2, superou todas as expectativas. Isso o levou a sofrer censura direta, implacável, do regime (inicialmente no Rio, depois em Brasília), além de apreensões, prisões de jornalistas e do próprio Gasparian, e atentado a bomba na Redação. A trajetória do jornal, que ainda reclama estudo adequado, foi um catálogo de arbitrariedades. “Vou lhe dar um tiro na cara” O regime militar insistia em negar que houvesse censura prévia, o que era proibido formalmente pela Constituição em vigor. Gasparian resolveu obter a prova e recorrer ao Tribunal Federal de Recursos em 1973. Seu advogado, Adauto Lúcio Cardoso, levantou a preliminar de inconstitucionalidade e ganhou a causa. Mas no dia seguinte a decisão foi anulada pelo General-Presidente, Garrastazu Médici — e o País ficou sabendo que em 1971 um despacho secreto dele tinha instituído a censura prévia. Como havia mais jornais sob censura, Gasparian tentara inutilmente convencer o diretor de O Estado de S. Paulo, Rui Mesquita, a somar-se à ação — recomendação do advogado, “para dar força”. Mas Mesquita achou a medida “perigosa”. Explicou ter informações de que o Governo seguinte (já era certo que o General Ernesto Geisel seria o sucessor de Médici) planejava levantar a censura do Estadão. Na gráfica que imprimia o jornal um censor certa vez esbravejou e ameaçou o dono do Opinião. “Não tenho medo de cardeal, nem do Le Monde e nem de deputado. Se o senhor continuar desse jeito, eu vou lhe dar um tiro na cara”,

disse. A prepotência não intimidava Gasparian, apesar de assustar tantos donos arrogantes da grande imprensa. E a resistência dele não ficava nisso. Estendia-se aos livros e outras publicações. Pouco depois do golpe de 1964, Gasparian assumira a Editora Saga. Mais tarde, comprou a Paz e Terra de Ênio Silveira e criou a Graal com o ex-Deputado (cassado) Max da Costa Santos. E enquanto a contabilidade de suas editoras era virada pelo avesso por fiscais do INPS e do Imposto de Renda, em busca de irregularidades, ele lançava Cadernos de Opinião, logo alvo de censura e enquadrado na Lei de Segurança Nacional. “Verdadeiro repto ao regime” Um consultor jurídico do Ministério da Justiça considerou os Cadernos, devido a um artigo de Dom Hélder Câmara (O que faria Santo Tomás de Aquino diante de Karl Marx?), “verdadeiro repto ao regime”. Gasparian ainda lançaria Argumento, revista de cultura extremamente cuidada, com colaboradores do mais alto nível. Mas a circulação teve de ser sustada no quarto número, devido à censura. Em 2004, quando a Paz e Terra lançou meu livro O império contra-ataca, nossa amizade já tinha quase 30 anos. Na casa acolhedora de Dalva e Fernando Gasparian, no Leblon, fiz amigos e conheci escritores, artistas e personalidades — Celso Furtado, Luciano Martins, Kenneth Maxwell, Elie Abel, Eric Hobsbawn, Fernando Pedreira, Fernando Henrique, Hélio Fernandes, Flávio Rangel, Zuzu Angel — impossível citar todos. Antes de aceitar o convite para trocar o Jornal do Brasil por Opinião, com salário abaixo do que oferecia a grande imprensa, ouvi conselho insólito de um colega: “Para ganhar esses salários, vocês deviam primeiro exigir que ele esvazie aquela piscina”. Achei a idéia ridícula — até porque nunca alguém questionara a piscina dos Marinho ou Chateaubriand. Aceitei e valeu a pena. Graças à coragem e à dignidade de Gasparian, Opinião é também um capítulo relevante da minha vida. O jornalista Argemiro Ferreira foi Editor-Chefe de Opinião de fevereiro de 1975 a julho de 1976. Seu livro O império contra-ataca — As guerras de George W. Bush, antes e depois do 11/9 foi lançado em novembro de 2004 pela Editora Paz e Terra. Este artigo foi transcrito da Tribuna da Imprensa de 9 de outubro e originalmente tinha o título Fernando Gasparian e o desafio de Opinião.

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‫ ﲆ‬Numa mesa de bar, ‫ﲅ‬ pensando o Natal...

Exibindo uma folha de papel comum, entre um chope e outro, Chico Paula Freitas lançou um desafio a seus amigos cartunistas: bolar um cartão de Natal para a ABI. Allan Sieber, Arnaldo Branco, Chico Caruso, Jaguar, Leonardo, Nani, Ota e Reinaldo produziram em preto-e-branco, em segundos, esta peça coletiva, que Ucha coloriu.


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