2006__314_novembro

Page 1

Dez anos depois de aposentado, jornalista é intimado, sob a ameaça de suspensão do pagamento, a apresentar em dez dias prova de seu tempo de serviço. Página 20

TRIBUNA DA IMPRENSA

INSS de Brasília arma represália contra artigos de Carlos Chagas

Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

Jornal da ABI

314 NOVEMBRO 2006

FORMA EFICAZ DE FATURAR OS CLASSIFICADOS TRADICIONAIS CEDERAM LUGAR A UM MODELO MAIS RENDOSO . PÁGINAS 3, 4 E 5

JUIZ DE SÃO PAULO IMPÕE MORDAÇA A EMIR SADER SENTENÇA SEM PRECEDENTE PRIVA SOCIÓLOGO E JORNALISTA DO DIREITO DE FALAR. PÁGINA 21

MEMÓRIA VIVA RESSUSCITA PERIÓDICOS QUE MORRERAM GRAÇAS À PAIXÃO DE SANDRO FORTUNATO (FOTO), ELES REVIVEM NA INTERNET. PÁGINAS 18 E 19

Paulo Markun solta o verbo

Jornalismo neutro é miragem Páginas 7, 8 e 9

HERZOG HUMANIZA AS PAUTAS Criado em São Paulo em 1978, o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos chegou à sua 28ª. edição com um importante registro: ele constitui poderoso incentivo à inclusão nas pautas, em todo o País, e não apenas em órgãos do Sudeste e do Sul, de matérias sobre direitos humanos e problemas sociais. Este ano, o segundo com o Prêmio Vladimir Herzog de Novos Talentos, ele recebeu 450 inscrições. Páginas 16 e 17

ABI pensa o humor Os desenhistas Guidacci, Leonardo, Amorim e Arnaldo Branco, autor da tira ao lado, dão depoimentos para a série Estação ABI. Páginas 10 e 11

JAIR BERTOLUCCI/REVANCHE PRODUÇÕES

OS CADERNOS TEMÁTICOS,


Editorial

Um estímulo ao humanismo 450 trabalhos inscritos era originária de outras regiões do P aís que não apenas o Sudeste e País o Sul, numa “clara indicação de que a preocupação dos veículos de comunicação com os direitos humanos vem crescendo também fora dos grandes centros. Isto, sublinhou A událio, reafir ma a importância do Audálio, reafirma Prêmio Vladimir Herzog como estimulador da produção cada vez maior de matérias acerca dessa temática. Criado em 1978, três anos após a morte de Vlado, pelo Sindicato dos Jor nalistas P ro Jornalistas Pro ro-fissionais no Estado de São P auPaulo, ABI, F ederação Nacional Federação dos Jor nalistas-F enaj, ComisJornalistas-F nalistas-Fenaj, são de Justiça e P az da ArquiPaz diocese de São P aulo, ComisPaulo, são de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil-Seção do Estado de São Paulo e família Herzog, o Prêmio Vladimir Herzog apresenta a singularidade, dentre os certames de valorização dos trabalhos jornalísticos, de não oferecer retribuição pecuniária aos seus vencedores, o que lhe confere especial dimensão ética no campo do eex xercício pro pro-fissional. É um título de honra, de preeminência quanto à qualidade técnica do trabalho e de sensibilidade política e social quanto à escolha de tema sempre e cada vez mais oportuno neste país de generalizado desrespeito à gente simples. ACERVO ICONOGRAPHIA - CORTESIA CIA DA MEMÓRIA

EST A EDIÇÃO DO J ORNAL DA ABI DÁ O DESTA vido relevo, em reportagem de nosso companheiro jor nalista W ilson Baroncelli, à jornalista Wilson cerimônia de consagração dos vencedores do 28º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, que, já com larga tradição, constitui um poderoso estímulo à produção de textos jornalísticos voltados para a defesa dos valores do humanismo. Agora enriquecido por uma vertente promissora, o Prêmio Vladimir Herzog de No No-vos T alentos no Jor nalismo, Talentos Jornalismo, que viveu a sua segunda edição, o Prêmio cumpre missão pedagógica fundamental, pela ênfase que empresta a uma questão essencial desdenhada no dia-a-dia pelos detentores de poder de qualquer expressão, por mínima que seja: o respeito aos direitos da pessoa humana, aos direitos das pessoas comuns de não serem agredidas, ofendidas, humilhadas, privadas do reconhecimento de que são detentoras e destinatárias de direitos a bens materiais e espirituais e serviços que lhes possibilitem uma vida com permanente dignidade. É alvissareiro realçar icerealçar,, como fez o V VicePresidente da ABI e Presidente da nossa Representação em São P aulo, companheiPaulo, ro A událio Dantas, ao discursar na soleniAudálio dade de premiação, que grande parte dos

Associação Brasileira de Imprensa

As matérias que vendem anúncios Wadih, eleito na OAB-RJ, quer restaurar antiga parceria

3 5

Artigo / Paulo Ramos Derengoski: Jack London, o quase esquecido Artigo / Genésio Pereira dos Santos: O poder da imprensa

6 6

Paulo Markun: Jornalismo não tem neutralidade Quatro mil elegem agraciados em Personalidade Educacional

7 9

Prêmios Herzog - A luta continua Os mortos revivem na web

16 18

Avança restauração para o Centro de Cidadania Barbosa Lima Sobrinho

24

SEÇÕES A magia do humor No lançamento de Sacopã, um protesto

LIBERDADE DE IMPRENSA DIREITOS HUMANOS

VIDAS 2

Represália contra Carlos Chagas Juiz quer emudecer Emir Sader

10 15 20 21

Comissão de Reparação aprovou dois e rejeitou 20 processos Denúncia: líder camponês de Rondônia corre riscos

22 22

Devassa nos cantos das prisões e torturas em Santa Catarina Hélio Contreiras, Oliveira Bastos e Wilson Reinaldo

22 23

Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira, Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura CONSELHO FISCAL Jesus Antunes, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Adriano do Nascimento Barbosa, Arthur Auto Nery Cabral, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha e Luiz Carlos de Oliveira Chester. CONSELHO DELIBERATIVO (2006-2007) Presidente: Fernando Segismundo 1º Secretário: Estanislau Alves de Oliveira 2º Secretário: Maurílio Cândido Ferreira Conselheiros efetivos (2006-2009) Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart, Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta. Conselheiros efetivos (2005-2008) Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, Araquém Moura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira (in memoriam), Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho Conselheiros efetivos (2004-2007) Antonieta Vieira dos Santos, Arthur da Távola, Cid Benjamin, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Héris Arnt, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Ivan Cavalcanti Proença, José Gomes Talarico, José Rezende, Marceu Vieira, Paulo Jerônimo, Roberto M. Moura (in memoriam), Sérgio Cabral e Teresinha Santos Conselheiros suplentes (2006-2009) Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães, Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. Conselheiros suplentes (2005-2008) Anísio Félix dos Santos, Edgard Catoira, Francisco de Paula Freitas, Geraldo Lopes (in memoriam), Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães Conselheiros suplentes (2004-2007) Adalberto Diniz, Aluísio Maranhão, Ancelmo Gois, André Louzeiro, Jesus Chediak, José Silvestre Gorgulho, José Louzeiro, Lílian Nabuco, Luarlindo Ernesto, Marcos de Castro, Mário Augusto Jakobskind, Marlene Custódio, Maurílio Cândido Ferreira e Yaci Nunes

Nesta Edição

ACONTECEU NA ABI

DIRETORIA – MANDATO 2004/2007 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: – Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Souza (Pajê) Diretora de Jornalismo: Joseti Marques

COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente, Jarbas Domingos Vaz, José Ernesto Vianna, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Audálio Dantas, Presidente; Arthur Cantalice, Secretário; Arthur Nery Cabral, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes

Jornal da ABI Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar Telefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 22.030-012 Rio de Janeiro - RJ (jornal@abi.org.br) Editores: Francisco Ucha, Joseti Marques e Maurício Azêdo Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Apoio à produção editorial: Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, José Ubiratan Solino, Maria Ilka Azêdo e Solange Noronha. Diretor responsável: Maurício Azêdo Impressão: Gráfica Lance Rua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ.

As reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.


NEGÓCIO

As matérias que vendem anúncios Cadernos especializados abrem filões de captação de publicidade pelos veículos da grande mídia em segmentos determinados. POR JOSÉ REINALDO MARQUES

A

disputa cada vez mais acirrada pelos anúncios classificados, considerados verdadeiras “caixas registradoras” para veículos de qualquer porte, levou os grandes jornais, especialmente no eixo São Paulo-Rio-Minas, a lançar, nos anos 90, cadernos com enfoque também jornalístico em cada grande setor do mercado: imóveis, empregos, informática, automóveis etc. Normalmente editados por jornalistas oriundos da área de Economia, os suplementos temáticos, como também são chamados, têm pautas cada vez mais sofisticadas, misturando reportagens, artigos, informações e dicas sobre cada assunto específico e atividades afins. Na verdade, a moda, que virou tendência quando foi adotada pela imprensa americana, não é novidade no Brasil: nos anos 20 e 30, os jornais traziam suplementos

literários, quando as editoras disputavam o então promissor mercado de livros e, igualmente, eram grandes anunciantes. Pressionados pelas exigências de um mercado que se apresenta cada vez mais compartilhado, os jornais brasileiros tiveram que adotar estratégias semelhantes àsdaimprensaamericananosanos60,com a criação dos cadernos temáticos. Assim surgiram títulos como Boa Chance e Morar Bem, de O Globo; Oportunidades & Negócios, Imóveis e Empregos, do Estado de S. Paulo; Bem Viver e Guia de Negócios, do Estado de Minas, e muitos outros. Esse modelo de jornalismo passou a ser adotado no Brasil com mais força para que os jornais não perdessem leitores desde os anos 80 e dois fatores foram fundamentais nessa mudança de mentalidade dos empresários da grande mídia: a tecnologia e o crescimento da sociedade, que passou a ser mais exigente, como afirma

o jornalista Carlos Nobre, ex-O Dia e JB, ganhador de vários Prêmios Esso de Jornalismo, atualmente professor do curso de Jornalismo da PUC-Rio: O aumento do índice de alfabetização da população, da renda e dos investimentos no conhecimento da classe média foi o item que influenciou as mudanças nos jornais, que precisavam acompanhar o crescimento dos leitores. Esse novo comportamento levou à criação de núcleos em que os jornais pudessem fazer segmentação e oferecer produtos jornalísticos no sentido de que cada membro da família pudesse ter seu caderno específico. O professor acrescenta que, nos anos 90, houve no País uma grande discussão sobre o caráter tecnológico que daria suporte aos projetos jornalísticos. Com a chegada de novos equipamentos, houve então uma reforma, que ampliou e influenciou a segmentação na imprensa,

com as grandes empresas de comunicação investindo em parques gráficos: — O Globo, O Dia, a Editora Abril, os grupos Folha e Estado de S. Paulo... todos fizeram o mesmo. Assim puderam lançar vários produtos jornalísticos, imprimindo com baixo custo e mais rapidez. Isso aumentou também o mercado para jornalistas, pois as editorias foram ampliadas. Carlos Nobre observa ainda que quem não pôde fazer esse tipo de investimento não sobreviverá às novas exigências do mercado: — O Jornal do Brasil foi um dos primeiros jornais cariocas a usar suplementos e tinha o melhor marketing, mas não a tecnologia. Faltou aquela “intuição” do Samuel Wainer, que, nos anos 60, lançou a Última Hora em duas cores e criou o Segundo Caderno. Ele visualizou que haveria essa tendência de mercado, pena Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

3


NEGÓCIO

não ter conseguido levar adiante seus projetos editoriais. Professor titular da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Santa Catarina, Nilson Lage acha que a tendência de diversificação se deve à queda na venda de anúncios setoriais e ao crescimento da imprensa especializada em áreas como a economia. Os primeiros nessa linha, diz ele, foram os dedicados ao vestibular, nascidos nos anos 60: — Nas décadas de 20 e 30 já circulavam no País os cadernos literários. E, nos anos 50, o Jornal do Brasil lançou o Suplemento Dominical — que, na verdade, circulava aos sábados — com Ferreira Gullar, Jânio de Freitas, José Ramos Tinhorão na equipe e Reynaldo Jardim como editor. Eram cadernos de prestígio, mas não tinham valor comercial. Diz Nilson Lage que os cadernos temáticos — que ele prefere chamar de “cadernos de leitura” — surgiram mais tarde, depois foram suprimidos com o fim do milagre econômico e reapareceram na imprensa paulista nos anos 90:

— Serviam então a objetivos políticos, no intuito de ligar a imprensa brasileira a um interesse econômico que atendesse à setorialização, como no caso das privatizações, e que os jornais seguiram porque pretendiam conseguir anunciantes. Nilson Lage afirma que nesse processo de criação dos cadernos setoriais, jornalismo e marketing se misturaram — ainda que não todo o tempo — devido ao peso do comercial na sobrevivência dos veículos. E faz um alerta: — Esse processo não teria nenhum inconveniente se esses cadernos não tivessem uma qualidade tão deplorável. Os suplementos de informática, por exemplo, vivem de atender a poucos especialistas e muitos generalistas, que usam o computadorcomoinstrumento,cominteresses muito diversificados. E os jornais não conseguem encontrar um equilíbrio editorial para agradar a esses públicos. Acho que osjornaisvivemumacrisedesegundamão, que tentam contornar com a criação dos cadernostemáticos,masnãoseiatéquando conseguirão prosperar nesse sentido.

Nilson Lage acha que a diversificação de cadernos setoriais se deve à queda de anúncios dessas áreas e ao crescimento da imprensa especializada na cobertura dos fatos da economia.

Leitura obrigatória para especialistas Especialistas em mercado de empregos, imóveis e negócios consideram que os cadernos setorizados são referência obrigatória de leitura semanal. A iniciativa tem sido elogiada porque, de acordo com a presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Rio de Janeiro (ABRH-RJ), pedagoga Leyla Félix, possibilitou a difusão de informação personalizada para o leitor: — Considero excelente o surgimento desses cadernos, porque estratificam as áreas de interesse e possibilitam disseminação da informação de forma personalizada. Para executivos, profissionais de recursos humanos e organizações, um caderno como o Boa Chance, do Globo, nos dá a possibilidade semanal de atualização em temas fundamentais para o desenvolvimento profissional e organizacional.

Leyla Félix diz que, por conta da coluna que publica no Boa Chance, a ABRH-RJ tem recebido muitos e-mails de pessoas que dizem ter tomado decisões profissionais depois de ler determinadas matérias: — Isto nos leva a uma responsabilidade cada vez maior com a qualidade dos conteúdos e de temas inovadores que contribuam para o crescimento profissional de nossa área e a geração de melhores resultados para as organizações que são geradoras de empregos e novas oportunidades. Os dominicais Boa Chance e Morar Bem registram bons índices de satisfação dos leitores, de acordo com as pesquisas que o diário carioca realiza periodicamente. O primeiro alcança índice de 49% e o segundo, de 40% — o maior percentual é o da

Luciana Casemiro, repórter do Morar Bem: Nesse caderno ela se aprofunda mais nos assuntos.

4

Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

Lea Cristina diz que cadernos como os de Empregos atendem a demandas específicas dos leitores.

Revista da TV, com 59%. A editora dos dois cadernos é a jornalista Lea Cristina, 23 anos de profissão, 19 dos quais na redação do Globo. Os cadernos têm editorias separadas, que funcionam subordinadas à Diretoria de Redação do jornal. Para Lea Cristina, um dos principais motivos que levaram à criação do Boa Chance—lançadoem 1993, por sugestão da jornalista Joyce Jane, então da Economia e hoje editora-chefe do Globo Online — foi a oportunidade de desenvolver um produto personalizado para públicos específicos: — Vem de longe a demanda por informações sobre emprego e outras oportunidades. Com o tempo, desenvolvimento de carreiras e temas de RH ganharam mais espaço no caderno. A idéia é buscar não apenas o leitor que está procurando emprego ou alguma atividade profissio-

nal, mas também aquele que está empregado ou é dono de uma empresa e quer se desenvolver. Circulando desde 1997, o Morar Bem inicialmente destinava-se ao segmento de quem procura imóvel para alugar ou comprar ou, ainda, de quem tinha algum interesse em questões relacionadas a condomínio. Às vezes, entravam matérias sobre arquitetura. Estas foram intensificadas e surgiram também as de decoração, que hoje respondem por quase metade da edição semanal, para ampliar o espectro de leitores. Lea Cristina edita os dois cadernos com a diagramadora Luciane Costa e as repórteres Luciana Calaza (do Boa Chance) e Luciana Casemiro (do Morar Bem). A primeira Luciana faz matérias sobre mercado de trabalho, recursos humanos e oportunidades: — Nossas pautas são variadas, mas eu gosto muito de fazer matérias sobre recursos humanos. Como a minha área é mercado de trabalho, procuro estar sempre atenta a tudoo quepossagerar uma oportunidade negócios e de empregabilidade para o meu leitor. A outra Luciana, do Morar Bem, acha que a criação dos cadernos temáticos foi uma boa medida adotada pela imprensa brasileira: — Foi bom porque nós conseguimos tratar alguns assuntos com mais profundidade; nesse caso, os repórteres acabam obtendo especialização em temas específicos, o que é mais difícil na cobertura de assuntos variados. Para o leitor, é mais interessante e esses cadernos se tornaram referência.


MARCOS VIEIRA ESTADO DE MINASA

No Estado de Minas os vários cadernos são produzidos por uma equipe de dez profissionais, dos quais oito aparecem nesta foto de Marcos Teixeira.

São Paulo trouxe a inovação Em São Paulo, o Grupo Folha foi um dos primeiros a investir no segmento dos cadernos especializados e em tecnologia para impressão — nos anos 60, a Folha adotou o sistema offset em cores, usado em larga escala pela primeira vez no Brasil. Nesse período surgiu o caderno Ilustrada. Em 1983 nasceram o Informática e o Classifolha Imóveis; dois anos depois, o Casa & Companhia, que deixou de circular em 1989. O Classifolha Empregos estreou em janeiro de 1984 e ganhou mais autonomia em 91. Veículos é de 85 e Negócios, de 87, originalmente encartado no caderno de Economia, quatro anos depois foi incorporado a Dinheiro. No Estadão, os classificados foram desmembrados em Negócios & Oportunidades, Empregos, Imóveis e Autos. Eles são editados pelo núcleo de suplementos do jornal, sob a coordenação do jornalista José Carlos Cafundó, para quem o resultado de sua criação foi satisfatório: — Foi muito bom. O que o jornal fez foi criar um sistema de “cadernização”, classificando os assuntos por tema. José Carlos conta que uma vez por ano é feita uma pesquisa para apurar a satisfação do leitor com os produtos editoriais do jornal e que a reformulação gráfica do Estadão beneficiou os cadernos temáticos:

Terciane Alves, do caderno Empregos do Estadão: da definição da pauta à edição de textos e escolha de fotos e títulos.

— Em 2004, investimos pesado na modernização de cada editoria, o que também os atingiu. Foram criadas famílias gráficas e usadas novas tipologias, de fio a pavio. Esse procedimento é necessário, porque o primeiro interesse a ser atendido é o do leitor, que quer encontrar tudo organizado nas páginas e sempre no mesmo lugar, como apontam as pesquisas. Ele acha que a novidade favoreceu também os jornalistas, porque os jornais tiveram que contratar: — Há pelo menos duas décadas temos profissionais que se especializaram em imóveis e empregos. É o caso de Terciane Alves e Alexandra Penhalver. A primeira trabalha no caderno Empregos há quatro anos, tratando de assuntos como movimentação de mercado detrabalho,tendênciasdeemprego,formação profissional, carreiras e, com menor freqüência, gestão de recursos humanos: — Fisicamente, trabalhamos junto à editoria de Economia, até por conta da afinidade de assuntos. Em termos de responsabilidade, atuo como editora. Sou a responsável por definição de pautas, apuração, redação, edição de texto, escolha de fotos e títulos. Antes, Terciane cobriu política local, transportes e comportamento e trabalhou em sites culturais. Para ela, a diferença reside no processo de produção: — Nos trabalhos anteriores, havia várias interfaces, enquanto no Empregos atuamos como uma célula, com muita autonomia. É um trabalho que requer planejamento e paciência, pois lidamos com muita ansiedade das pessoas. Afinal, emprego é uma questão que preocupa milhões debrasileiros.Poucossabemquerecebemos umas 60 ligações por dia de assessorias de imprensa, oferecendo pautas, outros tantos ceme-mailsdiários...etudodiretamente, sem filtro de secretárias. Alexandra está há cinco anos e meio no Imóveis: — Sou repórter, mas na prática quem trabalha num suplemento como esse faz um pouco de tudo. É preciso levantar os contatos; apurar a matéria, ir ao diagramador para desenhar as páginas e colocar as fotos previamente enviadas para o sistema. No Imóveis, o setor de habitação, ou seja, o residencial tem prioridade. O maior desafio do repórter de cadernos temáticos é encontrar e desenvolver pautas diferentes, que despertem a curiosidade do leitor.

Em Minas, a arte de bem viver Em Belo Horizonte, no núcleo de suplementos do Estado de Minas, equipe formada por dez profissionais produz os cadernos Imóveis, Emprego, Bem Viver e Guia de Negócios, o mais antigo do jornal, lançado há dez anos. A coordenação é do editor-geral Jorge Fernando dos Santos, que conta com a editora-assistente Teresa Caram, as subeditoras Ellen Cristie e Francis Rose e os repórteres Déa Januzzi, Augusto Pio, Giselle Araújo, Humberto Siqueira, Vanessa Jacinto e Ana Carolina Seleme. Teresa Caram explica que os cadernos foram criados para atender a uma demanda de leitores e do mercado. O Bem Viver é muito voltado para comportamento, saúde, qualidade de vida e família; Emprego é focado em carreira e mercado de trabalho; Imóveis, no mercado da construção civil; e Guia de Negócios, nos pequenos e médios empreendedores. Todos, segundo ela, têm grande aceitação de público: o de maior índice de leitores é Bem Viver. Emprego é o mais novo, foi lançado neste 2006, enquanto Imóveis já circula há mais de três anos e passou por uma reformulação gráfica para ganhar mais espaço. As matérias publicadas nos quatro suplementos são fruto de pautas geradas nas discussões em equipe, sugestões de assessorias e percepções sobre as movimentações do mercado: — Normalmente não trabalhamos com matérias factuais, porque os cadernos diários já cuidam disso. Fazemos mais reportagens produzidas, mas todos os assuntos que enfocamos têm apelo junto ao leitor — garante Teresa.

ELEIÇÃO

Wadih, eleito na OAB-RJ, quer restaurar antiga parceria O advogado Wadih Damous foi eleito no dia 22 Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro-OAB-RJ. Cerca de 60 mil advogados compareceram às urnas eleitorais instaladas em todo o Estado, para escolher os novos dirigentes das 56 subseções da seccional fluminense da entidade. Três urnas eleitorais funcionaram na sede da ABI, onde foram depositados 765 votos. Elas foram instaladas no Salão João Mesplé, no 9º andar do Edifico Herbert Moses, sede da ABI. As apurações das urnas eletrônicas — a maioria cedida pelo TRE — foram encerradas às 22h18min pela comissão eleitoral da OAB. Wadih Damous, da Chapa Azul, teve 29.611 do total de votos apurados, contra 21.078 a favor de Carmem Fontenelle, atual Vice-Presidente da OAB, que até à data da eleição era apontada como favorita. Em sua gestão, Wadih Damous pretende que a OAB-RJ e a ABI desenvolvam projetos conjuntos: — Vamos retomar essa parceria que eu considero que ficou interrompida nos últimos anos. A ABI e a OAB-RJ são duas entidades da maior representatividade da sociedade brasileira, não são exclusivas da defesa dos interesses de suas categorias profissionais. Por isso, vamos continuar parceiros em ações de interesse da sociedade brasileira de maneira geral. As relações da ABI com a Ordem dos Advogados do Brasil se intensificaram a partir dos anos 70, quando José Ribeiro de Castro ocupava o cargo de Presidente da seccional da OAB no Rio de Janeiro, com uma atuação marcante que, lembrou o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, “definiu o engajamento da entidade com constância e firmeza na defesa dos direitos humanos e interesses nacionais que acabou influenciando a OAB nacional”. Maurício Azêdo lembrou ainda que outros dirigentes da OAB tiveram atuação destacada no importante histórico de lutas conjuntas da entidade com a ABI, entre eles Eugênio Roberto Haddock Lobo, Nilo Batista e Hélio Saboya. Ele destacou que as duas instituições atuaram juntas na luta pelos direitos humanos e nas campanhas pela anistia, pelas Diretas Já e pelo estabelecimento do Estado Democrático de Direito no País. Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

5


ARTIGOS

Jack London, o quase esquecido fância da Jack London foi marcada pela miséria e pela violência. Mal termina o curso primário é preso por vadiagem. Quando sai do reformatório tem que trabalhar durante o dia como jornaleiro. Começa a ler. À noite envolve-se em brigas nos botequins sórdidos da beira do cais de San Francisco. Entre porres homéricos e ressacas violentas agarra-se desesperadamente aos livros. Lê tudo o que lhe cai nas mãos, especialmente histórias de aventuras.

Pouco mais de 127 anos depois de seu nascimento, John Griffith (Jack) London está quase esquecido. E no entanto ele foi o pai da grande corrente da literatura social norte-americana: aquela raça de grandes escritores que trouxe para o papel a experiência dos fatos reais. Homens que não caíram no grande equívoco da arte contemporânea: homens que nunca se preocupam em recuperar o mundo da subjetividade perdida, dos minimalismos, dos gatos aveludados, dos castelos embolorados. Homens dos largos horizontes, das selvas, das serras, das estradas sem fim, dos navios fantasmas e dos seus passageiros: do Lobo do Mar e dos Caninos Brancos. A genialidade de Jack London: reelaborar em outro nível o que sempre existiu em estado bruto na consciência dos gêneros populares, no arquétipo das sociedades, na memória maltratada do povo; dialética entre o viver e o escrever. Em sua desesperada profusão de idéias fundiram-se para sempre o documentário e a ficção: o azul do céu contrastando com o vermelho do sangue e o verde do mar. A exaltação da realidade e o sentido trágico da existência: relação convulsa entre arte e vida. Adotado por um ferroviário, a in-

O poder da imprensa POR GENÉSIO PEREIRA DOS SANTOS

A imprensa, em certos casos, e para alguns políticos, só é boa quando registra fatos decorrentes de seus atos, e que deles venham a se locupletar. Nessa esteira, a mídia que dá maior completeza à comunicação passa a ser considerada um poder especial. Todos os jornalões das grandes cidades, como os mais modestos periódicos, têm, em se tratando de imprensa, valor inestimável e importância no processo de informação às comunidades. Rui Barbosa, o Águia de Haia, que se tornou jornalista formador de opinião implacável, realçou o papel da imprensa, dizendo: “A imprensa é a 6

Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

THE BANCROFT LIBRARY

POR PAULO RAMOS D ERENGOSKI

vista da nação. Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, mede melhor o que lhe cercearia, ou destroem, vela pelo que interessa e se acautela do que ameaça.” Cremos, como articulistas, que qualquer outra colocação de nossa lavra macularia o que sentenciou o grande jurista-constitucionalista brasileiro. Ele definiu, naqueles idos, o que realmente vem acontecendo hoje no País, nessa crise políticoeconômico-social-moral que assola a sociedade. Portanto, a corrupção que grassa por aí corrói as nossas instituições e partidos políticos que, em realidade, estão em frangalhos, com registro de tantos crimes e desvios de conduta. Os atores em geral desses delitos têm que ser punidos, exemplarmente, esse é o desejo da sociedade.

Aos 17 anos realiza seu primeiro grande sonho: embarca no Sutherland e parte para as costas da Sibéria para caçar focas. Quando volta está novamente desempregado e começa a vagar clandestinamente pelas estradas de ferro dos Estados Unidos –– imperador do norte (on the road), precursor da lost generation de Hemingway, dos beatniks de Jack Derouac, dos hipters de Gregory Corso. Easy rider rider.. Apaixonado pelos livros, consegue ingressar na Universidade da Califórnia. Depois abandona tudo e se incorpora à corrida em direção às planícies geladas do Klondyke. Cai gravemente doente e só então começa a escrever sistematicamente. Os primeiros contos obtiveram sucesso fulminante: histórias rápidas, cheias de ação, suspense e violência. Não demora muito para que o magnata da imprensa William Randolph Hearst –– com seu faro de caçador de talentos –– perceba a potencialidade do repórter Jack London. Propõe-lhe um salário astronômico para que ele cubra a guerra russo-japonesa. As reportagens enviadas do front são memoráveis. Da noite para o dia, tornase um nome internacional. Mas tudo é nada: o fim de Jack London se aproximou rapidamente, como nas grandes catástrofes. Podre de bêbado, ele ainda consegue escrever um livro onde, por trás de uma atitude moralista e

moralizante, pode-se perceber uma visão de alcoolismo como mais do que um nítido sentimento de culpa. O uso do maior dos tóxicos sendo um tentativa, sempre renovada, sempre útil, sempre repetida, de autosuperação, de transfiguração, de mudança radical da personalidade –– seja por ódio, medo, ou até consciência da força do próprio ser. Também Hemingway, mais tarde, descobrirá: o alcoolismo é incurável porque não é uma doença do corpo nem da alma. É uma tentativa de “encantamento” do espírito. Talvez do espírito da própria humanidade. Jack London tentou desesperadamente a morte. Várias vezes se lançou no mar na esperança de que as ondas o arrastassem para sempre. Forte e fraco, sério e engraçado, noturno e diurno, real e irreal, efêmero e eterno, resolve fechar bruscamente seus livros na fria manhã de 22 de novembro de 1916. Corta o fio da própria vida aos 40 anos de idade. Depois de ter percorrido o mundo e atingido a fama, nada mais lhe restava a não ser um sentimento de solidão essencial. Pede que coloquem sobre seu túmulo uma enorme pedra monolítica, como se tivesse medo de sair novamente à luz do sol para percorrer as estradas empoeiradas do Oeste americano, as ferrovias geladas do Norte: o sentir no rosto bronzeado o vento revigorante do Pacífico. Um escritor muito macho. Mas não machista.

Por essas e tantas outras gamas de razões a imprensa presta relevante serviços e é a guardiã de nossas instituições político-democráticas, cuja tarefa é essencial na defesa dos postulados sociais, principalmente dos excluídos e desafortunados e nas prerrogativas dos direitos da cidadania. O poder da imprensa é indiscutível sob todos os aspectos. É através dela que o cidadão-contribuinte-eleitor (royalties para Hélio Fernandes) toma conhecimento do que está ocorrendo no mundo e no Brasil, graças à competência de grandes jornalistas desassombrados, que, através de suas lavras, formam opinião, orientando a sociedade, para que cada qual forme o seu juízo de valor sobre os atores que dão origem aos fatos, por atos de grandeza ou de baixeza de casa um envolvido no contexto político-econômico-social do País. Indiscutivelmente, a imprensa fez no passado, a mídia faz no presente

e continuará fazendo no futuro o registro dos fatos históricos que marcaram, marcam e marcarão os acontecimentos da vida do País, como principal testemunha do que ocorre nas lides nacionais. Em todos os órgãos de comunicação, que, resumidamente, classificamos modernamente de mídia, o que conforta é que neles existem profissionais do mais alto gabarito, fazendo com que a postulação tenha o sentimento de confiança nesse chamado “Quarto Poder”, que nós outros cognominamos de especial. Constitucionalmente, sabemos que são três os Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, e de forma, diríamos, virtual, a imprensa está consagrada como o 4º, sobrepondo-se a outras entidades e instituições que se arvoram em ter essa primazia.

Paulo Ramos Derengoski é jornalista. Vive em Lages, SC, sua terra.

Genésio Pereira dos Santos, jornalista e advogado, é sócio da ABI.


FOTOS JAIR BERTOLUCCI/REVANCHE PRODUÇÕES

DEPOIMENTO PAULO MARKUN

Isenção pode funcionar em Física, Química, Matemática.

Jornalismo não tem neutralidade. “Mas quem parte para o trabalho usando suas definições e preferências como lanterna não irá muito longe”, diz o apresentador de Roda Viva.

ENTREVISTA A JOSÉ REINALDO MARQUES

C OM MAIS DE 30 ANOS DEDICADOS AO JORNALISMO , Paulo Markun acumula passagens pelos mais impor impor-tantes veículos de comunicação do PPaís, aís, como O Estado de S. P aulo aulo e as emisPaulo aulo,, O Globo e Folha de S. P Paulo soras de tv Globo, Bandeirantes, Record e Manchete. Escolheu a faculdade de Comunicação motivado pelo movimento estudantil e não abandonou mais a profissão. Desde 1998, apresenta o Roda viva viva,, exibido há 20 anos pela TV Cultura e considerado um dos melhores programas de entrevistas da televisão brasileira. Em sua trajetória, Markun ainda encontrou tempo para escrever mais de dez livros e dirigir vídeos e documentários. PPassou assou pelos cargos de rrepórter epórter epórter,, editor editor,, comentarista, chefe de reportagem e diretor de Redação e criou algumas publicações. Nesta entrevista, ele fala sobre o teste vocacional que o indicou para a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São PPaulo aulo e a relação que tinha com Vladimir Herzog, analisa a cobertura jornalística da política brasileira e apóia a decisão do Governo de vetar o projeto de lei complementar que amplia as funções do jornalista.

‫ﱚ‬

Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

7


DEPOIMENTO PAULO MARKUN

Jornal da ABI — Aos 19 anos, o senhor estreou como jornalista do Diário Comércio e Indústria, antes mesmo de se formar em Jornalismo. Quando percebeu que tinha vocação para a profissão? Paulo Mark un — Não sei se em alMarkun gum momento senti a tal vocação. Com 15 anos, fiz um teste vocacional e me indicaram a Escola de Comunicações da Usp, que acabara de ser criada e era mais elástica. Como alternativa, apontaram Letras e História. Mas como cresci na casa do arquiteto Vilanova Artigas, que aglutinava uma rapaziada em busca de conhecimento e militância, entrei para o cursinho de Arquitetura. Seis meses depois, desisti — era e sou péssimo em qualquer coisa que dependa de desenho. Acabei prestando vestibular para a Eca e escolhi Jornalismo. Isso em 1970, 71, quando o que me motivava era o movimento estudantil, quase desaparecido depois do boom de 1968. No primeiro ano de faculdade, consegui esse emprego de um mês no DCI e não larguei mais a profissão. Mas só depois de 1975 é que me dediquei integralmente — ou quase — ao ofício. Jornal da ABI — Ao longo desses anos, o senhor foi repórter, editor, comentarista, chefe de reportagem, diretor de Redação em emissoras de televisão, jornais e revistas e também apresentador. Qual dessas funções mais gosta de exercer? Por quê? Markun — Gosto muito de editar revista e de dirigir documentários. São atividades que têm semelhanças, na medida em que você mexe com texto e imagem e precisa editar realmente, manter o interesse do leitor/espectador e dar seu recado. Nos últimos anos, escrevi alguns livros e viveria disso, se fosse possível no Brasil de hoje. Jornal da ABI — O Roda viva é considerado um dos melhores programas de entrevistas da tv brasileira. A que se deve a fórmula do sucesso do programa, que está completando 20 anos no ar? Markun — O Roda viva é uma entrevista coletiva em que ninguém tem o controle do que se passa. Essa incerteza — bem como a certeza de que a escolha de entrevistado e entrevistadores só obedece ao critério do interesse público — é que faz seu sucesso. O que dificilmente seria reproduzido numa tv comercial, por vários motivos. Jornal da ABI — Este ano o senhor lançou a série O melhor do Roda viva, com os temas Cultura, Poder e Internacional. Como surgiu a idéia de registrar em livro as principais entrevistas do programa? Markun — De tanto assistir a entrevistas antigas — quase todas correndo o risco de desaparecer em razão da precariedade de sua conservação —, achei que valia a pena transferir parte delas para o formato livro, que é o mais duradouro já inventado. Foi o começo de um projeto que consumiu dois anos, até ser lançado, e só se viabilizou graças ao apoio da direção da Fundação Padre Anchieta e dos patrocinadores: Volkswagen, Tractebel e Atento. 8

Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

Markun em seu posto de entrevistador e moderador do Roda Viva: O programa é tão livre que dificilmente seria reproduzido na tv comercial.

Inquérito aberto por ordem de Geisel sobre a morte de Vladimir Herzog tinha por objetivo forjar a versão de suicídio. Jornal da ABI — Que entrevista o senhor julgaria a melhor ao longo da existência do programa? Markun — Não sei apontar uma só. Seria injusto com muita gente. Nem mesmo as 60 relacionadas nos três volumes do Melhor do Roda viva resolvem essa questão. Isso porque há entrevistas memoráveis no quesito relevância política, outras quanto à densidade das idéias, mais um bocado em razão da alta voltagem emocional. Não estou fugindo da resposta, mas uma só é muito pouco mesmo. Jornal da ABI — O senhor tem vasta experiência como autor e a maioria dos seus livros é de caráter biográfico, como os que retratam Dom Paulo Evaristo Arns, Anita Garibaldi e Vladimir Herzog. Ao reunir em O sapo e o príncipe a trajetória de dois importantes personagens da História política brasileira, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, qual foi o seu maior trabalho? Markun — Foi resumir os fatos do período em 300 e poucas páginas. A primeira versão passou de mil páginas, mas quem lê tudo isso? Ao mesmo tempo, fiz um esforço para produzir um relato equilibrado, deixando de lado minhas preferências e opiniões. Jornal da ABI — Em Meu querido Vlado, lançado ano passado em memória dos

30 anos do assassinato do jornalista, o senhor faz um relato pessoal daquele momento da História brasileira, que representou um marco na conscientização da sociedade em relação à tortura e aos maus-tratos a presos políticos. Como era a sua convivência com Vladimir Herzog? Markun — Conheci Vlado em março de 1975 e ele morreu sete meses mais tarde. Nesse curto período, e particularmente no mês e pouco que trabalhamos na TV Cultura, tivemos um intenso convívio, profissional, político e pessoal. Ele era um sujeito crítico e bem-humorado, perfeccionista e satírico, militante e anti-sectário. Como qualquer pessoa, estava longe de ser um santo, mas acreditava que o jornalismo era um tipo de missão. Faz falta hoje em dia. Jornal da ABI — Qual foi o maior tipo de violência que o senhor sofreu durante a ditadura? Markun — Nem foi a tortura, mas a tentativa de desmoralizar a mim e outros companheiros presos dias antes do Vlado — tentativa que contou com o respaldo entusiasmado da Folha da Tarde. Claro que a tortura é inesquecível. Mas igualmente inesquecível — embora fisicamente indolor — foi o que o Governo Geisel fez com os militantes presos naquele outubro de 1975, com a ativa participação do jornal. Jornal da ABI — De que forma o jornal atuou nesse episódio? Markun — O General Geisel mandou instaurar um inquérito policial-militar para apurar as circunstâncias do suicídio de Vladimir Herzog. A ordem, que o Comandante do II Exército tentou deixar de cumprir, foi publicada no dia 30 de outubro e o General-de-Brigada Fernando de Cerqueira Lima foi encarregado do IPM. Diante dele e do promotor militar Durval A. Moura de Araújo, companheiros e parentes de Vlado tentaram

afirmar que ele fora torturado, que haviam presenciado parte de seu interrogatório e que a violência era a regra no DoiCodi. Nada ficou registrado. Ao contrário, o documento foi forjado para mostrar que o que havia ocorrido fora o suicídio de um comunista atormentado pela delação de seus companheiros. No meu depoimento, ficou registrado que eu não tinha “conhecimento de qualquer induzimento, instigação ou auxílio material por parte das autoridades do Doi-Codi” em relação ao suicídio e que não tinha também conhecimento de que Vlado teria recebido maus-tratos ou tratamento desumano ali. Todas as minhas afirmações sobre a tortura a que fora submetido, com minha mulher e outras dezenas, talvez uma centena de companheiros, foram desprezadas. No dia 20 de dezembro de 1975, a Folha da Tarde ofereceu oito páginas para publicar a íntegra da acusação, em que éramos apontados como delatores do Vlado. A manchete do jornal não podia ser mais eloqüente: Desbaratada a gangue do nazismo vermelho. Essa mancha só começou a ser eliminada no início de 1976, quando o Estadão publicou um depoimento extrajudicial de Rodolfo Konder, que recolocou os fatos em seus lugares, antes de partir para o Canadá. Jornal da ABI — O senhor também enveredou na linha dos documentários e lançou, este ano, títulos como De amores e guerras, em que conta a história de Anita e Giuseppe Garibaldi, e Timor Lorosae, o nascimento de uma nação, em que relata o esforço das Nações Unidas e dos timorenses para reconstruir o país, após a sua independência da Indonésia. O que o levou a investir nesse segmento? Markun — O documentário é a reportagem na sua mais perfeita tradução para a telinha — nunca tive a oportunidade de produzir um para a telona, mas


quem sabe um dia? Pretendo retomar esse tipo de trabalho sempre que consiga os recursos para isso. Jornal da ABI — O que o inspirou a criar publicações como o Pasquim São Paulo, as revistas Imprensa e Radar e o Jornal do Norte, de Manaus? Markun — Cada caso foi um caso. O Pasquim surgiu quando o Jaguar me procurou na TV Record e propôs uma espécie de franquia paulista, que virou realidade com a participaçãodeManoelCanabarro, principalmente. Dante Mattiussi também atuou nos primeiros números. Juntamos um time de colaboradores competente e diversificado e o projeto acabou naufragando como tantos outros nanicos. A revista Imprensa nasceu depois da morte do Pasquim São Paulo, com Canabarro, Dante e Sinval de Itacarambi Leão, que continua à frente da revista. Muita gente achava que não duraria dois meses e ela continua aí. Radar foi uma tentativa de criar uma revista sobre a mídia, já abrangendo tv, internet, novos veículos. Teve seus momentos e deixou um rombo gigantesco, que demorei a pagar. O Jornal do Norte, feito por encomenda de um poderoso local, permitiu criar uma publicação da estaca zero, sem grandes

problemasderecursos.Masdureisóquatro meses no comando do projeto, depois do número um. Quem buscar a coleção logo vai perceber por quê. Jornal da ABI — Neste momento, o senhor se dedica a outros projetos editoriais? Qual ou quais? Markun — Ando matutando dois produtos para a internet, que devem estar no ar ainda este ano. E, como você sabe, o segredo é a alma do negócio. Não é segredo, porém, que ganhei um concurso internacional da Ibermedia, para transformar em roteiro cinematográfico de um longa de ficção a história do conquistador Alvar Nuñez Cabeza de Vaca. E que história!

O repórter do futuro não deixará de ser repórter, ainda que enfrente a concorrência de milhões de blogs.

Jornal da ABI — Qual a sua opinião sobre a corrida presidencial deste ano? A partir de sua experiência na coordenação de campanhas políticas, como avalia a postura dos candidatos? Markun — O jogo começou polarizado entre o Presidente, que precisava mostrar o que fez — e o fez comparando resultados com a chamada era FHC, que continua mal avaliada — e Alckmin, que tentou virar Geraldo. O debate ético só se tornou a peça-chave depois da publicação da foto da dinheirama usa-

Quatro mil elegem agraciados em Personalidade Educacional Votação do certame da Folha Dirigida escolhe dez educadores e três instituições que se destacaram no setor em 2006. Em concorrida solenidade realizada no dia 19 de outubro, no auditório do Jóquei Clube Brasileiro, no Centro do Rio, o Grupo Folha Dirigida entregou os Prêmios Personalidade Educacional de 2006 a dez educadores e três instituições que se destacaram no setor, na avaliação de quatro mil pessoas ligadas às áreas de educação e cultura que votaram no certame, sem lista prévia nem inscrição de candidaturas. A Folha Dirigida, que organiza tudo e arca com todas as despesas, concede parceria à Associação Brasileira de Educação e à ABI. A convite da Folha Dirigida, a saudação de abertura da cerimônia foi feita pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, que salientou que a Casa se sente muito à vontade em qualquer evento relacionado com educação, pois vários de seus destacados líderes tiveram intensa atuação nesse campo, como Barbosa Lima Sobrinho, professor de Economia na

Jornal da ABI — O senhor disse em uma entrevista que “jornalismo isento é utopia, deve ser meta a se alcançar, mas não existe”. Por quê? Markun — Ué, porque não vou enganar ninguém. Isenção pode funcionar em física, química, matemática. No nosso mundo, dois e dois podem ser quatro, três ou zero. Mas quem parte para o trabalho usando suas definições e preferências como uma espécie de lanterna não irá muito longe. Jornal da ABI — Qual sua opinião a respeito do Projeto de Lei Complementar n° 79/2004, de autoria do Deputado Pastor Amarildo (PSC-TO), que ampliava as funções do jornalista e foi vetado integralmente pelo Governo após gerar tanta polêmica? Markun — Fez muito bem o Presidente em vetar tal projeto. É só uma demonstração de corporativismo, em minha opinião. Mas melhor teria sido se o projeto tivesse sido debatido e abatido — ou confirmado — no Parlamento, onde passou sabe-se lá como. Jornal da ABI — E qual é a sua posição em relação à obrigatoriedade do diploma para jornalista? Markun — Fui a favor dessa obrigatoriedade e hoje sou contra. Acho que qualquer jornalista formado por uma boa faculdade será igual ou melhor do que aqueles sem formação específica. Mas não

creio que essa exigência seja condição necessária ou suficiente para assegurar uma imprensa de qualidade, responsável, ética, competente. Jornal da ABI — Quais os caminhos da imprensa na geração da internet? Qual é o perfil do repórter do futuro? Markun — Não tenho a menor idéia dos caminhos da imprensa. Como a maior parte da minha geração, tenho acompanhado o que se passa e me preparo agora para dar um pitaco mais abusado. O repórter do futuro não deixará de ser repórter, ainda que use outros meios e que enfrente a concorrência de milhões de blogs. Jornal da ABI — O que acha que há de melhor e pior na mídia? Markun — Como seria o escândalo do mensalão ou dos sangessugas sem a mídia? Como seria a mídia sem um escândalo atrás do outro? Parece um jogo de palavras, mas indica que o melhor e o pior coexistem o tempo todo. O Congresso é mais importante que a Presidência da República e tem uma cobertura muito ruim, até hoje. Jornal da ABI — Qual é sua a relação com a ABI atualmente? Markun — Espero que a entidade coloque um pé efetivo em São Paulo, onde exerço a profissão. Tem condições de fazêlo, sob o comando de Audálio Dantas Dantas, que acaba de assumir o Representação da ABI em São Paulo. Acho que a entidade tem muito a fazer no Brasil de hoje.

FOTOS: FOLHA DIRIGIDA

PRÊMIO

da para a compra do dossiê contra o candidato José Serra.

O Ministro Fernando Haddad (à esq.) foi um dos premiados. Adolfo Martins e Maurício Azêdo (abaixo) saudaram os escolhidos.

Faculdade de Ciências Econômicas que funcionou na Escola Amaro Cavalcânti, nos anos 40, numa época em que a disciplina não tinha o relevo atual. Além dele, três outros Presidentes da ABI tiveram forte presença na área educacional: Danton Jobim, Fernando Segismundo e Prudente de Morais, neto. O Presidente da Folha Dirigida, jornalista Adolfo Martins, ressaltou o empenho do jornal em estimular avanços na área da educação e distinguir os seus profissionais através de iniciativas como o Prêmio Personalidades da Educação, conferido este ano ao Ministro da Educação, Fernando Haddad, aos Professores Albano Parente, Cândido Mendes de Almeida, Edgard Flexa Ribeiro, Malvina Tuttman, Maria Lúcia Sardenberg, Nilda Tèves, Nival Nunes de Almeida, Paulo Gama Filho e Terezinha Saraiva e a três instituições: Colégio São Bento, Rádio Mec e Unesco. Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

9


Aconteceu na ABI HUMOR

BRANCO, LEONARDO, AMORIM E GUIDACCI

A magia do humor Se o Quadrado Mágico de Parreira falhou na Copa da Alemanha, os craques Branco, Leonardo, Amorim e Guidacci mostram como direcionar traços personalíssimos, de personalidades tão diferentes, para um só objetivo: a difícil arte de fazer rir. O quarteto prestou depoimento no ciclo ABI pensa o humor, que faz parte do projeto cultural Estação ABI. Os depoimentos são gravados para posterior publicação em livro. Da série “ABI pensa o humor” já participaram Aroeira, Chico Caruso, Ique, Lan e Nani. GUIDACCI

Charge revela fraquezas do homem Enquanto existirem de ataque, seu real sigo poder e o ser humano, nificado em francês. a charge persistirá, inPara produzi-la diariadependentemente do mente, você tem de regime político vigenestar antenado no sote, seja a ditadura ou a cial e no político, predemocracia. Até porque cisa ler muitos jornais. a charge é uma ferraÉ um processo que menta que revela as cansa muito. nossas fraquezas. As A ascendência itaafirmações são do charliana, explícita no sogista e caricaturista brenome, vem do lado Guidacci , que não gosmaterno. O pai era serta do termo cartunista, Formado em Belas-Artes, Guidacci gipano. A família muno depoimento grava- esculpiu um clone dele próprio e o leva dou-se de Manaus, ondo no dia 24 de novempara ilustrar suas aulas e palestras. de ele e os dois irmãos bro na ABI. nasceram, para o Rio de Professor de Desenho do Senac por 26 Janeiro. A formação escolar foi o motivo anos e profissional de imprensa há mais da mudança. No Rio, Guidacci formoude 30, Carlos Jorge Guidacci da Silveira se na Escola Nacional de Belas-Artes, na se dedica agora à criação de ilustrações e qual estudou Desenho, Pintura, Gravucapas para o mercado editorial. Ele acha ra e Escultura. Esta última lhe rendeu o que a caricatura continua linguagem mui“clone” — como chama o bonequinho to rica, que possibilita boas oportunidacom a sua cara — que leva para ilustrar des de mercado: — Já a charge é uma arma aulas e palestras.

Guidacci atuou no Pasquim, em que suas charges — as dele e as de Henfil eram as mais agressivas, confessa — renderam alguns processos. Trabalhou também no Jornal do Brasil, O Globo, Jornal do Commercio e Última Hora. Agora, aos 68 anos, espera que a caricatura conquiste espaço

e abra novos horizontes para os talentos que surgem: — Há uma nova geração chegando e eles são muito bons. Ocorre que temos cada vez menos jornais, o que reduz o espaço para a charge. Em compensação, teremos mais salões de humor e exposições.

é fechado. Além disso, como não tenho filhos, não conheço as preferências das crianças. Mas estou aberto a novos projetos. Além disso, lamento que a produção do desenho não seja vista com seriedade. Muitas vezes, não dão o valor financeiro que o trabalho merece. Quanto às possibilidades do traço no mercado editorial, o desenhista teme que o pequeno número de títulos dificulte a renovação e a rotatividade no segmento. Ante a lembrança de Chediak de que, nos anos 50 e 60, o Rio tinha 17 jornais, todos com tiragens significativas, Leonardo foi enfático:

— Gosto do papel e de vez em quando edito um exemplar da Revista F em parceria com Arnaldo Branco e Allan Sieber, mas não tenho nada na internet, nem blog, nem site. Acho que não dá pra ler na grande rede. Muitas obras já estão lá, mas prefiro o livro, a revista e o jornal tradicionais. Leonardo destaca dentre os chargistas o trabalho de Henfil e de Ziraldo, mas diz que foi Jaguar aquele que mais o influenciou e ajudou: — A charge dele tem um acabamento muito bom. Os que desenham apenas cartuns não têm esse compromisso.

LEONARDO

Desilusão com política e Internet Aos 33 anos, desiludido com a política, o chargista Leonardo confessa ter anulado o voto nas últimas eleições. Em seu depoimento, no dia 31 de outubro, ele disse que, por seu conteúdo ideológico, a charge é um grande risco, uma vez que pode denunciar a preferência do desenhista. Na opinião dele, o chargista também não deve ficar do lado da situação, senão corre o risco de sucumbir. Leonardo Rodrigues Neto Lopes, torcedor do Flamengo e do Barcelona, chegou a dizer que D. Pedro II foi o último grande governante do País. — Ele deixou sua marca com o Banco do Brasil, o Jardim Botânico e o colégio que leva seu nome. Interessava-se pelas ciências e pela educação e era amigo de cientistas como Graham Bell. Indagado se aceitaria o desafio de 10

Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

escrever essa página da História do Brasil para crianças como forma de popularizar sua arte, Leonardo respondeu negativamente, pois teme parecer didático e chato para a garotada. Também disse que, como a profissão de cartunista, não existe oficialmente, virou jornalista e trabalha há oito anos no jornal Extra. Leonardo considera que os livros infantis são um grande mercado: — Existem produtos maravilhosos, mas o meio


ARNALDO BRANCO

Falta o engraçado nos salões Em depoimento gravado no dia 7 de novembro, o cartunista Arnaldo Branco disse que não vê graça nos salões de humor que têm sido realizados no País. — São eventos contaminados pelo compadrio que ocorre entre a maioria dos cartunistas que freqüentam esses salões. A aproximação de Arnaldo com os quadrinhos aconteceu por influência do pai — o jornalista Aloísio Gentil Branco — que costumava levar para casa os desenhos dos cartunistas do Correio da Manhã e de O Globo, nos quais trabalhou como Secretário de Redação. — Lembro-me principalmente dos desenhos do Mem de Sá, que fazia as ilustrações para as páginas de esportes do Correio e depois foi para O Globo. Então, bem pequeno eu comecei a gostar de desenhar e usava até as laudas de jornal pra isso. Outro desenhista cujo trabalho despertou em Arnaldo o gosto pelo desenho foi Henfil: — Gostava muito do seu trabalho e meu pai ficava perplexo, porque pensava que eu não tinha maturidade para entender os desenhos dele. Henfil me influenciou muito. Meu caderno escolar era repleto de desenhos da Graúna. Arnaldo Branco é carioca, tem 34 anos e integra o grupo de cartunistas da nova geração, do qual fazem parte Allan Si-

eber e Leonardo. Juntos, os três criaram a Revista F para publicar trabalhos, “já que a partir dos anos 90 diminuiu consideravelmente o número de revistas de humor no Brasil”. A idéia era fugir do humor da segunda fase do Pasquim, que Arnaldo considera impregnado de desenhos e piadas com muita metáfora política: — Na primeira fase, apesar de O Pas-

AMORIM

Não se aprende charge no colégio mais tradicionais colégios da Cidade: — Entrevistado no dia 21 de novembro, A gente sempre começa a desenhar quano cartunista Amorim comparou desenhar do ainda é criança. Tenho 22 anos de e fazer humor a andar de bicicleta: “Se a profissão, mas na realidagente pára, cai”. Ter semde desenho há 40, desde pre contato com cartuo tempo em que estudanistas fora do Rio é uma va no São José, na Tijudas maneiras que Amoca, Zona Norte do Rio: na rim encontrou para se beirada dos cadernos esmanter em forma profiscolares, fazia caricaturas sionalmente. Por conta dos professores e de aldisso, chega a participar guns colegas de turma. de cerca de 60 salões de Profissionalmente, o humor por ano, no Bracartunista estreou em sil e no exterior. Em janei1984, inspirado nos desero de 2007, por exemplo, nhos de J. Carlos que viu já tem compromisso para numa exposição na Sala cumprir na França: — O trabalho de quem partiAmorim não perde um salão de Funarte, no Rio: — Encipa dos salões é registra- humor: chega a ir 60 por ano. É uma tão virou trabalho uma do em catálogos e vai parar forma de mostrar e ver trabalhos. atividade que eu faço porque me agrada. É uma nas mãos de cartunistas profissão difícil, pois não existe faculdade todas as partes do mundo. Isso nos dá de que ensine a fazer cartuns. Ou seja, a a oportunidade de ser vistos e ver o que os pessoa faz por gosto e não porque adquioutros estão fazendo. Acho que é uma re conhecimento acadêmico. O sujeito forma de o desenhista estudar. já nasce cartunista. Carlos Alberto da Costa Amorim nasQuando cita as dificuldades da profisceu no Rio de Janeiro em novembro de são, Amorim diz que considera o cartunista 1964 e começou a desenhar nos cadernos um sobrevivente cuja arte pode ser consiescolares, quando era aluno de um dos

O personagem Capitão Presença, foi lançado em livro pela Conrad Editora. Coadjuvante na história, J.J. Blóide é um jornalista sem escrúpulos. A tira abaixo é uma série chamada Mundinho Animal, com críticas à classe artística

quim ser muito político, o que mais tinha graça no jornal era a anarquia. O humor dos anos 70 tinha que usar fórmulas para driblar a censura, porque as coisas não podiam ser ditas como elas eram. A impressão que eu tenho é que

derada empreendedorismo, já que a importância de seu produto precisa ser explicada. O próprio cartunista diz que ainda procura uma resposta convincente para a caricatura e a linguagem do humor: — Estou pesquisando. Construir uma teoria crítica dos cartuns e sua característica de opinião satírica ainda está em aberto. Quando descobrir, mando uma mensagem para vocês da ABI — brinca. Entre 1994 e 2000, Amorim foi professor do curso de Desenho de Humor do Senai/Artes Gráficas do Rio de Janeiro, mas ressalva que a formação de um cartunista no Brasil ainda é uma questão malresolvida: — Muita gente desenha bem, mas não tem informação. É comum ver desenhistas fazendo outro tipo de trabalho. Falta ao País um bom centro de informação para quem está começando a desenhar. Eu não fiz cursos, comecei vendo o Henfil e o Jaguar. Meu processo de formação foi de tentativa e erro. Para Amorim, apesar das dificuldades a caricatura vem se expandindo no Brasil desde os anos 60, quando o clima de opressão possibilitou seu crescimento: — Dentro do contexto de uma sociedade oprimida, o chargista tem valor, porque passa a ser uma espécie de porta-voz dos leitores. Voltando às dificuldades, Amorim falou da escassez de publicações de desenhos de humor e disse que a base da caricatura ainda é o Rio de Janeiro: — Nas primeiras décadas do século XX, com J.

a geração que veio depois não conseguiu se libertar dessa fórmula. Em outubro do ano passado, os três cartunistas resolveram tornar pública a insatisfação com as mostras de chargistas brasileiros e organizaram o 1º Salão de Humor Engraçado, no Bar Mangue Seco, localizado no corredor cultural da Lapa, no Centro do Rio: — Foi sensacional. Resolvemos criar o Salão de Humor Engraçado porque sempre tivemos uma postura crítica contra o comportamento paroquial, estúpido e sem sentido que vem acontecendo em alguns salões de humor realizados no País. Outra coisa que deixa Arnaldo Branco irritado são os artistas que classifica como imitadores. Cita inclusive o que chama de cópia da escritora Clarice Lispector e do cartunista Borjalo para justificar sua indignação: — A Clarice tem uma influência nefasta na literatura feminina, porque ela é excelente, mas na sua cola surgiram milhões de imitadores. O mesmo aconteceu com o Borjalo no cartum. O sentido poético e onírico das suas histórias, que muitos cartunistas sem talento copiam, não funciona bem com todo mundo; só com o próprio, porque se trata de uma figura genial.

Carlos e diversas revistas, como Fon-Fon e Careta, houve um processo de expansão da caricatura. Hoje não temos mais publicações de humor. Temos chargistas em todos os jornais, mas não uma publicação própria. Atualmente, é difícil ver um jornal que não publique charges. Quanto às histórias em quadrinhos, Amorim comenta que nossa produção está basicamente ligada à tira de jornal: — De 1984 para cá, houve um boom de tirinhas que se intensificou a partir da liberdade conquistada nos anos 90. Em seguida, veio a crise dos jornais — que, apesar do Plano Real, cortaram as tiras por causa dos custos. Depois, voltaram a publicar as charges políticas. Já os cartunistas, revela, quando não conseguem divulgar seus trabalhos na imprensa apelam para a internet: — Há uma explosão de trabalhos de quadrinistas brasileiros na web, que está absorvendo a produção que não tem espaço nos jornais. Os desenhistas sabem que não serão remunerados agora, mas quando as charges começaram a despontar no País seus autores também não eram. Talvez a solução esteja na criação de uma associação dos profissionais de HQ, mas há controvérsias: — Duvido que isso venha a acontecer, por causa da vaidade. Há uma associação em São Paulo, dirigida pelo Jal, que não chega a ser um movimento nacional. Nessa profissão, todo mundo quer ser o Ziraldo, mas ele já existe. Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

11


N O S S O S L A B O R AT Ó R I O S T Ê M U M A C E S S O T Ã O R E S T R I T O QUE NA UNIDADE MÓVEL SÓ ENTRA UMA PESSOA.

TECNOLOGIA PETROBRAS. D A S P I S TA S PA R A V O C Ê .


Aconteceu na ABI MOISES FONSECA DA SILVA

RELÍQUIA

No saguão, um Ford 1929

O Ford exposto no hall térreo do edifício-sede da ABI é de 1929 e foi adquirido pelo Touring seis anos após a fundação da entidade, pioneira na promoção do turismo.

O Touring Clube do Brasil exibe no saguão térreo da ABI uma preciosidade conservada com carinho desde os seus primeiros anos. Ao festejar seus 83 anos de fundação, o Touring Clube do Brasil programou a exibição no saguão de entrada do edifício-sede da ABI, na Rua Araújo Porto Alegre, 71, — de um carro-guincho Ford 1929, uma relíquia e um símbolo da atividade da empresa, além de um painel com informações sobre a sua história. O Touring Club do Brasil foi fundado em 9 de novembro de 1923, com o nome de Sociedade Brasileira de Turismo, por um grupo de pessoas influentes nos setores financeiro, social e político do Rio de Janeiro. Dele faziam parte dois ex-VicePresidentes da República: Estácio Coimbra, que foi Vice de Artur Bernardes, e Fernando Melo Viana, Vice de Washington Luiz, respectivamente primeiro e segundo Presidentes da entidade. O atual Presidente do Touring, Leonardo de Castro França, sublinha que a organização nasceu com a finalidade de divulgar os recursos turísticos do País para a sociedade brasileira, principalmente um grupo da elite, que na época só tinha olhos para o continente europeu: — O Touring foi criado numa onda de nacionalismo, com a meta do desenvolvimento do turismo, que na época da sua fundação era grande na Europa, mas incipiente no Brasil. Pioneirismos

Foi o Touring Clube do Brasil que introduziu no País as excursões turísticas marítimas, terrestres e aéreas — inclusive para o exterior — impulsionando principalmente o turismo interno, com viagens às cidades históricas de Minas. Nesse mesmo período, os brasileiros

começaram a descobrir também a beleza das cataratas de Foz do Iguaçu. Na década de 1930, o Touring ampliou suas atividades: passou a investir nas áreas ambiental e social, defendendo vários parques nacionais que estavam sendo depredados e promovendo eventos carnavalescos — como o primeiro baile de carnaval do Teatro Municipal (1932) e o Banho de Mar à Fantasia. — Na seqüência — diz Leonardo — passamos a nos dedicar àquela que se tornou nossa principal atividade: a assistência automotiva. Por iniciativa do Touring, começou a ser elaborada uma política rodoviária, criou-se a documentação para veículos e motoristas, a organização do trânsito urbano, a sinalização de rodovias e o estabelecimento de uma legislação e das estações rodoviárias. Também foi instalado o serviço de informação e divulgação do turismo, por meio de guias e mapas. Em 1932, o serviço automotivo do Touring começou a funcionar no Rio de Janeiro, com mecânica em oficinas próprias, guinchos, atendimento jurídico para o caso de acidentes de trânsito e trabalho de despachantes. Em seguida, iniciou projeção nacional, com a inauguração de sedes pelo Brasil, a começar pelas de São Paulo (1933), Minas (1934) e Rio Grande do Sul (1935). Em 1960, com a inauguração de Brasília, ganhou um terreno da Novacap e também se instalou no Distrito Federal, na Esplanada dos Ministérios. Moses, parceiro

Desde a fundação, uma das principais características do Touring Clube do Bra-

sil foi o estabelecimento de uma importante rede de relacionamentos, tanto com autoridades quanto com outras associações, como é o caso da ABI, cujo Presidente Herbert Moses dirigiu o Comitê de Imprensa da entidade, em 1931. Há 71 anos, foi criada a Comissão de Turismo Aéreo. Entre suas principais iniciativas está o lançamento da Semana da Asa, iniciada todo dia 26 de outubro (data do primeiro vôo do 14 Bis) para enaltecer a aviação brasileira através de homenagens a Santos Dumont. — Criamos a Semana da Asa três anos depois da morte do Santos Dumont (1932). Na época não havia nem o Ministério da Aeronáutica, que depois disso, inspirado na nossa efeméride, criou em 23 de outubro o Dia do Aviador — lembra Leonardo. Perda de espaço

Atualmente, o Touring Club do Brasil vem perdendo muito do espaço conquistado no setor turístico e na prestação de serviços pioneira que manteve por mais de seis décadas. — O papel do Touring hoje está diminuindo. Antigamente, além do envolvimento no turismo, tínhamos a concessão da Prefeitura para fazer a sinalização gráfica (placas) dos pontos turísticos do

VÍDEO

Odisséia, uma utopia que não pode morrer Documentário de jornalista mostra como os brasileiros enfrentam e vencem os desafios do século 21. POR JOSÉ REINALDO MARQUES

O videodocumentário independente 2001: Uma odisséia à brasileira, da jornalista Mariana Vitarelli, foi lançado dia 28 de novembro, no Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar da sede da ABI, para uma grande platéia, formada basicamente por jovens estudantes. Mariana Vitarelli começou a lidar com imagem de fotojornalismo, mas diz que seu grande objetivo sempre foi fazer cinema: — Primeiro pensei em fazer cinema experimental em Super-8. Nos anos 90, porém, descobri o documentário e acabei pegando esta vertente, em que o maior desafio não é mostrar a realidade, mas transformá-la. Confesso que ainda não 14

Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

sei como alcançar. Pode até ser utopia, mas é um sonho que não pode morrer. Para Mariana, talvez a melhor solução para o documentarista intervir na realidade seja trabalhar o mais próximo possível dos problemas sociais, usando a câmera como instrumento: — É isso que faz o grupo Nós do Cinema, de Botafogo. Acho que a melhor maneira de atuar é intervindo nas comunidades. O melhor caminho para o documentário é a denúncia, porque ele é um documento histórico. O ator Ivan de Almeida, veterano do cinema e da televisão, soube da exibição do vídeo pela mídia: — Resolvi apoiar esse lançamento. Tenho até um pouco de inveja da Mari-

Mariana Vitarelli levou cinco anos para produzir o documentário, que foi a sua odisséia pessoal.

ana, porque gostaria, neste momento, de estar fazendo o meu filme. Enquanto isso não acontece, prestigio com prazer a iniciativa de uma jovem cineasta. Sobre a idéia do vídeo, Mariana diz que nasceu da vontade de mostrar um Brasil alternativo que se preparava para o novo milênio:

Rio. Porém, os encargos desse serviço ficaram inviáveis e tivemos inclusive que fechar a nossa central de confecção de painéis. Chegamos a ter 4 milhões de associados — conta Leonardo — e eu atribuo ao Plano Cruzado, no Governo Sarney, a inversão da nossa curva de progresso. Tivemos que reduzir pessoal, cortar e terceirizar vários serviços e acabar com outros, num processo contínuo que não parou mais – informou o Presidente do Touring. Um dos serviços com que os associados não contam mais é o da auto-escola. Dos 72 postos de gasolina em todo o Brasil, hoje só funcionam 29, terceirizados. Diz Leonardo de Castro França que o maior problema é a concorrência dos bancos e das seguradoras. — Atualmente, até os planos de saúde e as assinaturas de jornal oferecem serviços automotivos. Mas nossos principais concorrentes são as seguradoras, que têm mais dinheiro e não dependem do serviço de socorro de automóveis. Ou seja, só se prejudicam se fizerem um atendimento de seguro malfeito. Temos uma corretora de seguros, mas que não é acionada na proporção que deveria, e este não é exatamente o nosso ramo. Perdemos espaço para as seguradoras, mas continuamos a funcionar.

— Quis fazer um mosaico humanístico do brasileiro da virada do século, mostrar como o povo estava vivendo naquele momento e de que maneira enfrentou essa passagem. O vídeo demorou cinco anos para ficar pronto, período em que a documentarista enfrentou muitas dificuldades, da falta de patrocínio ao roubo de sua câmera: — Isso aconteceu em dezembro de 2001, quando estávamos gravando em Santa Teresa (bairro do Rio), e perdemos uma entrevista importantíssima do filme, com uma retirante nordestina. Feito com o apoio da Quinto Mundo Produções, 2001: Uma odisséia à brasileira traz entrevistas com anônimos e personalidades como o cartunista Ziraldo, o repentista João da Viola, o ex-técnico da Seleção Brasileira Zagallo, presidiários, a vendedora de balas Débora, um sósia de Osama Bin Laden, a aposentada Juscelina, o apresentador de TV Ratinho, a prostituta Cristina, o skatista Alessandro, a cozinheira Lourdes, o ator e diretor Hugo Carvana, a estudante Joana, a retirante Marialva, o Prefeito do Rio, Cesar Maia, e o Ministro da Cultura, Gilberto Gil.


DENÚNCIA

PUBLICAÇÃO

No lançamento de Sacopã, um protesto No ato de apresentação de seu livro sobre o caso do Tenente Bandeira, Adriano Barbosa reclama informação sobre o paradeiro do líder negro Roberto Dellane. POR C LÁUDIO C ARNEIRO

Jornalistas, intelectuais e pessoas comuns prestigiaram o lançamento do livro Sacopã — Bandeira/Herzog/Delanne — No túmulo da cidadania, do jornalista e escritor Adriano Barbosa, no dia 29 de novembro, na sede da ABI. O encontro abriu espaço para manifestações de protesto pelo desaparecimento — desde 16 de março deste ano — do professor e líder negro Roberto Dellane. Adriano cobrou das autoridades o prosseguimento das investigações para a elucidação de mais este crime contra a sociedadebrasileira.Oescritortemeque,aexemplo do que ocorreu no caso do assassinato do bancário Afrânio Arsênio de Lemos, na noite de 6 de abril de 1952 — que motivou o livro da Edições Condão —, os culpados não sejam apontados e o desaparecimento de Dellane não tenha solução: — A cidadania no Brasil se faz por sua territorialidade. Nascido no Brasil, brasileiro é. Mas estou impressionado com a alienação e o distanciamento de nosso

Entre a jornalista Sandra Tenório Cavalcânti e o editor André Moreau, Adriano (de óculos) expõe a tese de seu livro: o Tenente Bandeira foi vítima de um erro judiciário.

povo diante de seus próprios problemas. Temos um povo indiferente e robotizado. Meu livro é um toque de clarim para acordar este País que beira a fase terminal de falência múltipla dos órgãos. Com o Jornal da ABI nas mãos, o autor destacou que a sigla da Associação Brasileira de Imprensa representa a trincheira da liberdade de uma categoria. Ele ressaltou a coragem da matéria Juízes ignoram a Constituição, com chamada de primeira página na edição de agosto passado, e que revela que a ABI tem sido chamada

“A autópsia de um crime”

- Nunca vi tanta autocensura e indiferença como no martírio de Bandeira, disse Adreiano.

Sacopã — Só a verdade, da Edições Condão, trata da pesquisa empreendida pelo autor durante 40 anos na busca pela verdade dos fatos que envolveram o assassinato do bancário Afrânio Arsênio de Lemos, na noite de 6 de abril de 1952. O corpo do subgerente da agência do Banco do Brasil no Largo do Machado foi encontrado no interior de seu carro, um Citroën preto, na Ladeira do Sacopã. Adriano Barbosa conta que desvendou a cumplicidade da Justiça no processo que acabou condenando um inocente: o então jovem Tenente-Aviador Alberto Jorge Franco Bandeira, que morreu sem encontrar a justiça que perseguia a vida toda. Em Sacopã, o autor conclama o País a não esquecer o que chama de “um dos processos mais vergonhosos que tivemos na área

criminal”. E diz que o livro — “ao contrário do processo” — é só verdade: — Nas apurações que eu, o detetive Avelino e meu amigo Tenório Cavalcânti fizemos, estão abertos, escancarados, os caminhos da verdade que me torturou por todo esse tempo — mais de meio século. O livro só não aconteceu antes porque muita gente tem medo de gritar contra as injustiças e os desrespeitos de toda ordem contra os cidadãos e cidadãs. O autor relata nunca ter visto tanta autocensura e indiferença com o martírio do então Tenente Bandeira. Para ele, a imprensa não queria tocar no assunto, ou mesmo editar um livro sobre a maior história policial do País de todos os tempos: — Eu não sabia que tanta gente tremia diante da verdade. Desde aí, cravei na

a intervir em defesa da liberdade, “golpeada por despachos e sentenças de claro teor inconstitucional”. Na mesa formada para conduzir os debates — ao lado da jornalista Sandra Tenório Cavalcânti, do editor André Moreau, da Condão, e da filósofa Solange Rodrigues —, Adriano Barbosa contou que foi a cumplicidade da Justiça no processo que acabou condenando um inocente: o então jovem Tenente-Aviador Alberto Jorge Franco Bandeira, que morreu sem conseguir ser absolvido

pedra da minha memória a frase do líder negro Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. E o pior é que os bons preferem continuar em silêncio. Antes que se pergunte se o jornalista já atuou na Repol (Reportagem Policial), é bom saber que Adriano Barbosa criou a Repol do Globo, que, pouco depois, se tornou uma das primeiras — se não a primeira — editorias do jornal em que ele trabalhou durante duas décadas. Aos 85 anos, Adriano é também autor de Mariel e Esquadrão da Morte: — Os livros ficaram como documentos daqueles tempos, coisas para os arquivos da história da Polícia carioca, do Brasil, de um tempo de violência, de criminalidade, no clima social da época. Mariel e Esquadrão da Morte foram livros escritos às pressas, em meia dúzia de madrugadas na redação do Globo. Ali, chefiei a Reportagem Geral por determinação do “nosso companheiro” Roberto Marinho. O jornalista revela que sempre gostou de investigar, descobrir coisas, esclarecer a verdade de tudo. Segundo ele, Sacopã segue o mesmo rumo. — Não é uma versão da história de um crime. Prefiro dar-lhe um “codinome científico” de “autópsia de um crime”. É a dissecação do fato em busca da verdade rejeitada, temida pelos que se acovardaram. Sacopã foi uma farsa, com a mais extensa cumplicidade de que já tive notícias. Bandeira nunca foi culpado. Foi acusado em um elo de cumplicidade que juntou, no mesmo saco de impiedades, assassinos, Poder Público, cúpula policial, Justiça, vigaristas, farsantes e pistoleiros.

Uma revista italiana e brasileira Anita e Giuseppe Garibaldi inspiram Fórum Democrático. POR MÁRIO BARATA

O caráter atraente da revista Fórum Democrático começa por ser uma publicação da Associação para o Intercâmbio Cultural Itália-Brasil Anita e Giuseppe Garibaldi. Ela já está com mais de quatro anos de existência e tem como Diretor de Redação, que funciona na Avenida Rio Branco, 257, o jornalista italiano Andrea Lanzi, residente no Brasil. A ligação com o casal Garibaldi é uma força de fecundidade democrática e cultural ligada à Revolução Farroupilha no Brasil e às lutas dos inúmeros garibaldinos do século XIX que acompanharam a reunificação italiana e a laicização de Roma. O número duplo 52/53 da revista (outubro/novembro deste ano) apresenta editorial sobre o Presidente Lula e entrevista com Tarso Genro feita nas vésperas da reeleição. No terreno da cultura, há várias colaborações: Landi e a cidade de Belém, de Moema B. Alves; Giocondo Gerbasi Alves Dias, de Ivan Alves Filho; O Partido Comunista Italiano nos anos 20, baseado na ‘História da Itália do pós-guerra até hoje’, de Paul Ginsborg; e ainda textos sobre música, pintura, com uma entrevista feita por Patrícia Glória, e fotografia (ensaio sobre a festa do Divino feita no Maranhão, por Zô Guimarães). No tocante à vida da comunidade italiana no Brasil há muitas informações a partir de um apoio do Patronato Inca/RJ, da Fundação Di Vittorio e da Confederazione Generale Italiana del Lavoro-Cgil. Mário Barata, jornalista e professor de Museologia, é membro do Conselho Deliberativo da ABI.

Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

15


SOLENIDADE

PRÊMIOS HERZOG

A luta continua Discursos reafirmam compromisso com a liberdade e os direitos humanos e condenam opressão. “Enquanto houver uma situação de tortura, Vlado não descansará em paz”, disse um companheiro de prisão de Herzog. POR WILSON BARONCELLI A persistência na batalha pelos direitos humanos e para implementação de políticas públicas que tornem a Nação mais justa foi a tônica dos pronunciamentos e do documento divulgado na cerimônia de entrega do 28° Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e do 2° Prêmio Vladimir Herzog de Novos Talentos no Jornalismo, realizada dia 25 de outubro no Parlamento Latino-Americano (Parlatino), que integra o Memorial da América Latina, em São Paulo. Foram agraciados este ano, com troféus ou menções honrosas, 38 profissionais, incluindo equipes, e três estudantes, cuja participação, instituída em 2005 para marcar a passagem dos 30 anos da morte de Vlado, visa a incentivar a produção de matérias sobre direitos humanos já nos veículos-laboratório das universidades. Também foram homenageados, por sua atuação na defesa dos direitos humanos, o Grupo Tortura Nunca Mais; a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos; os Procuradores da República Sérgio Suiama, Marlon Weichert e Eugênia Fávero, de São Paulo; o Presidente do Parlatino, Nei Lopes; e o ex-Ouvidor do Município de São Paulo, Euci Pimenta Freire. Convidado de honra, o Governador de São Paulo, Cláudio Lembo, aproveitou o gancho do Hino à Independência, que abriu a solenidade, para citar exemplos de tragédias que “a falta de imprensa, da liberdade e da liberdade de imprensa” provocou no País, da dizimação de índios, no período de colonização, ao assassinato de Herzog na prisão por agentes da ditadura, no dia 25 de outubro de 1975, e do operário Manoel Fiel Filho, três meses depois. Lembo prestou “carinhosa e pessoal” homenagem ao jornalista Audálio Dantas, Vice-Presidente nacional e Presidente da Representação da ABI em São Paulo, “por sua firme e equilibrada atuação” como Presidente do Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo na época daqueles acontecimentos. O Prêmio foi criado em 1978 e entregue pela primeira vez no ano seguinte 16

Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

pelas mesmas entidades que, desafiando a repressão, se uniram depois da morte de Vlado para denunciar e lutar contra as arbitrariedades da ditadura: Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, ABI, Fenaj, Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP e a família Herzog. Não esmorecer Além da execução do Hino da Independência e da alocução do Governador Lembo, a cerimônia, conduzida pelo ator Tadeu di Pietro, teve na abertura a apresentação de uma canção indígena por 12 crianças do Coral de Índios Guaranis da aldeia Krukutu (que fica no bairro de Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo) e a leitura de texto historiando o Prêmio, seus principais desafios, conquistas e importância. O documento foi, também, uma ode ao trabalho dos jornalistas na denúncia das desigualdades, da violência, do preconceito e da miséria que pautam ostrabalhosdeentidadesdasociedadecivil, “É esse trabalho que ajuda a jovem democracia brasileira a crescer, amadurecer”. Compuseram a mesa Audálio Dantas;

Na entrega do Prêmio, José Augusto de Camargo, o Guto, Presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, o Governador Cláudio Lembo e Audálio Dantas, Vice-Presidente da ABI. Abaixo, Lembo e o Presidente da Assembléia Legislativa, Deputado Rodrigo Garcia

José Augusto de Camargo, o Guto, Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo; Sérgio Murilo de Andrade, Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas; Lúcio França, representando a OAB/SP; Ciro Pedrosa, em nome do Presidente do Parlatino, Nei Lopes; Sérgio Gomes, da Oboré Projetos Especiais em Comunicação e Artes; o Cônsul-geral de Cuba em São Paulo, Carlos Trejo Sosa; o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; o Secretário Nacional dos Direitos Humanos, Ministro Paulo Vannuchi, que representou o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva; e Ivo Herzog, filho de Vlado. Participaram do encontro cerca de 500 pessoas, entre agraciados e convidados. Ao abrir os pronunciamentos, Audálio destacou o papel da ABI nos episódios que sucederam à morte de Herzog, na criação do Prêmio e, agora, no seu fortalecimento, além de saudar as demais entidades que, desde aquela época, não deixaram essa luta esmorecer. A necessidade da persistência na batalha pelos direitos humanos, aliás, foi a tônica de quase todas as declarações, tanto de componentes da mesa quanto de homenageados e premiados. Sérgio Gomes inicialmente brincou, dizendo “representar uma nova associação, a dos jornalistas que foram presos com Vlado”; para depois lembrar que o culto ecumênico em memória de Herzog, na Catedral de São Paulo, 31 anos atrás, “mostrou ser possível reunir 21 diferentes religiões num único propósito”. Ele também


discorreu sobre a campanha de conscientização contra a tortura que está sendo desenvolvida por 14 Ouvidorias de Polícia do Brasil; e foi taxativo: — Enquanto houver uma situação de tortura, Vlado não descansará em paz. Sérgio Murilo, da Fenaj, denunciou a censura que está sofrendo o Observatório Social por causa de reportagem sobre trabalho infantil na extração de talco em Ouro Preto; criticou a postura de parte da imprensa, “que quer ser protagonista do processo eleitoral, em substituição aos eleitores”; defendeu a criação do Conselho Federal de Jornalistas; e homenageou os ganhadores do Prêmio Herzog, “pois estes, sim, estão fazendo o protagonismo correto”. O Ministro Paulo Vannuchi afirmou que o Prêmio Herzog é “uma lúcida atualização da luta de Vlado, ele próprio um incansável defensor dos direitos humanos”; analisou a situação dessa área no Brasil, “que vive o paradoxo de estar institucionalizada mas de enfrentar viola-

Audálio: É de jovens a maioria dos trabalhos inscritos.

ções diária e rotineiramente”; citou Sartre, declarando que “a tortura não é desumana; ao contrário, é profundamente humana, pois só os seres humanos a praticam”; criticou o Presidente norteamericano George Bush pela tentativa de

Em Reportagem de Jornal, dois ganhadores A Comissão Organizadora do 28º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos decidiu, pela primeira vez, dividir a premiação na categoria Reportagem de Jornal. Foram agraciados os jornalistas Bernardino Carvalho, pela série Deserdados da cana, do Estado de Minas, e Ciara Carvalho, por O Eldorado das ilusões, do Jornal do Commercio de Pernambuco. Em Reportagem de TV, o vencedor foi Emerson Ramos, pela série Esquadrão da morte, da Rede Record. O jornalista Frederico Neves foi o ganhador em Documentário Especial de TV, com o especial Falcão — Meninos do tráfico, veiculado no programa Fantástico, da Rede Globo, em 19 de março. A dupla de jornalistas Cid Martins e Fábio Almeida ganhou em Reportagem de Rádio, com Nazistas sulinos, matéria transmitida pela Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, em 8 de maio. A jornalista Juliana de Melo conquistou o prêmio na categoria Internet, com a matéria Longe da casa de boneca, veiculada pelo JC Online (portal do Jornal do Commercio de Pernambuco). Em Imagem de TV, Marco Piva, coordenador, Eduardo Rajabally, diretor de fotografia, Alessandro Rodrigues, repórter cinematográfico, ganharam com o documentário O sertão vai virar mar, transmitido pela Rede Brasil. Renan dos Santos Martos, da Faculdade de Jornalismo da Universidade Metodista de Piracicaba, São Paulo, recebeu o 2º Prêmio Vladimir Herzog de Novos Talentos do Jornalismo, graças à matéria Revista Ocas — Virando a página de muitas vidas, publicada no jornal-laboratório Ponto Final. Menções Honrosas Gilmar Penteado, da Folha de S. Paulo, pela série Sem julgamento, idosa agoniza na cadeia, recebeu Menção Honrosa em Reportagem de Jornal. Ari Lopes e Marcele Bessa, do jornal fluminense O São Gonçalo, pela série Vidas ainda secas, ganharam Menção Honrosa em Reportagem de TV. Também receberam Menção Honrosa os jornalistas Almiro de Moraes, do goiano O Popular , pela matéria Longe daqui, aqui mesmo — A vida nas regiões mais isoladas de Goiás; e Élcio Braga, do carioca O Dia, pela matéria Educação a pé. Em Reportagem de TV, os escolhidos para Menção Honrosa foram Luci Jorge, pela matéria Viva a diferença, da TV Bandeirantes do Rio Grande do Sul, e Yula Rocha de Castro, pela série Guantânamo, inferno no paraíso, do SBT. As Menções Honrosas do 2º Prêmio Vladimir Herzog de Novos Talentos do Jornalismo foram entregues a Valéria Teixeira Graziano, da Puc-Campinas, pela matéria A tragédia que a mídia não vê, publicada no jornal-laboratório Página Aberta, e a Marília Fernanda Salvador Meliado e Renata Morales Costa, da Universidade Mackenzie, pela matéria Aqueles que a sociedade varreu para debaixo do tapete, do jornal-laboratório Diretriz.

legalizar algumas formas de tortura; denunciou a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, que, “por iniciativa dos Bolsonaro, pai e filho, homenageou aquela septuagenária que, com uma arma ilegal, atirou na mão do ladrão que tentava roubála e ela, na cerimônia, pregou que todos os mendigos deveriam ser atirados ao mar”. Vanucchi também mencionou as iniciativas de sua Secretaria, entre as quais a busca por mais de cem pessoas ainda desaparecidas desde o regime militar. Guto, Presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, citou uma frase poética ao discorrer sobre a história e a importância do prêmio: “As almas, como os corpos, também podem morrer de fome; por isso, lutamos por pão e rosas. O Prêmio Herzog é o símbolo da luta de um povo, mas também uma celebração da cidadania. Reafirmo aqui o compromisso do Sindicato na luta pela manutenção dos princípios que o prêmio defende”. Ele prestou uma homenagem a Fernando Gasparian, Diretor da Editora Paz e Terra e criador do semanário Opinião. Gasparian, que morreu no início de outubro, marcou época no período da ditadura, como “ardente defensor dos direitos humanos”. O filho de Vladimir, Ivo Herzog, informou que estava circulando entre o público um documento, a ser encaminhado ao Governo, exigindo a abertura dos arquivos da ditadura: — O Brasil é o único país da América Latina que ainda não viu todos os seus arquivos. Dos homenageados e premiados, Rose Nogueira, do Grupo Tortura Nunca Mais, lembrou da morte de 493 pessoas por autoria desconhecida, em apenas cinco dias, no último mês de maio, durante a escaladadeviolênciadesencadeadapelocrime organizado em São Paulo, afirmando que “a sociedade deve ficar atenta, pois esses processos não podem ser arquivados”. Hugo Studart, que recebeu menção honrosa por seu livro sobre a guerrilha do Araguaia, defendeu que se continue a cobrar do Governo o destino de 84 corpos de guerrilheiros mortos que os militares se recusam a revelar onde estão. Amelinha Teles, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, chamou a atenção para o fato de que, da lista de quase 400 nomes registrados na entidade, metade ainda não foi localizada;

lembrou que no dia 8 de novembro, às 14h, em São Paulo, pela primeira vez na História do Brasil iria a júri um torturador do regime militar: o Coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra. Como assinalou Audálio Dantas após a cerimônia, uma das principais marcas desta edição do Prêmio foi a maciça participação de jovens profissionais: — Além de matérias de estudantes, que entraram pela segunda vez no prêmio para novos talentos, foram quase 450 inscrições, a maioria trabalhos de jovens e, o que é ainda melhor, em grande parte originários de regiões que não as tradicionais Sul e Sudeste. Isso, disse o Vice-presidente da ABI, é clara indicação de que a preocupação dos veículos de comunicação com os direitos humanos vem crescendo também fora dos grandes centros e reafirma a importância do Prêmio Vladimir Herzog como estímulo à produção cada vez maior de matérias com essa temática.

Governador Lembo recebe a ABI A presença do Governador paulista na festa de premiação foi confirmada uma semana antes, quando Cláudio Lembo recebeu, em audiência especial, o Presidente da ABI, jornalista Maurício Azêdo, e membros da Diretoria e do Conselho Consultivo da Representação da entidade em São Paulo, que formalizaram o convite e agradeceram o apoio do Governo do Estado ao ato formal de instalação da Representação da ABI em São Paulo — em cerimônia realizada em junho — e a atenção dispensada por ele aos ofícios da entidade com relatos de ocorrências relacionadas ao exercício da liberdade de imprensa. ParticiparamdaaudiênciaoVice-Presidente nacional da ABI, Audálio Dantas, os jornalistas Eduardo Ribeiro, Diretor do informe Jornalistas&Cia; e Egydio Coelho da Silva, Presidente da Associação dos Jornais de Bairro de São Paulo; o Professor José Marques de Melo, titular da Cátedra Unesco/Universidade Metodista de Comunicação do Estado de São Paulo; e Sérgio Gomes da Silva, Diretor da Oboré Projetos Especiais em Comunicação e Arte, que integramoConselhoConsultivodaRepresentação da ABI em São Paulo. No encontro, Cláudio Lembo contou que exerceu o jornalismo no começo de sua vida profissional e aceitou também o convite, feito então por Audálio Dantas, para se associar à ABI. Lembo foi repórter, redator, editor e editorialista do Diário de São Paulo, para o qual continuou contribuindo como articulista depois de se afastar do dia-a-dia do jornal. Foi também como articulista que atuou na Folha de S. Paulo, quando o jornalista Cláudio Abramo acolheu, na página 3 do diário, opiniões de personalidades de diferentes setores da sociedade. Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

17


INTERNET

Os mortos revivem na web POR R ODRIGO C AIXETA

Há oito anos, o jornalista Sandro Fortunato estreava na internet o Memória Viva, site que atualmente reúne algumas edições digitalizadas de antigas publicações brasileiras, como O Cruzeiro, O Malho e Careta, além de biografias de personagens importantes da História do País. O site nasceu da paixão de Sandro "por biografias e memória em geral". No início, porém, era totalmente biográfico. Com o surgimento da web, em meados dos anos 90 Sandro percebeu que quase nada havia sobre cultura e história brasileiras na internet e resolveu dar sua contribuição. Começou montando pequenos sites sobre algumas personalidades que admirava, como Luz del Fuego, Tancredo Neves, Grande Otelo, Wilson Grey, Jesiel Figueiredo e outros nomes ligados à cultura do Rio Grande do Norte, onde morava. Até que, em 2002, quando já residia em Brasília e colaborava na edição de uma revista da Secretaria de Informação e Documentação do Senado, teve que fazer uma matéria sobre os cem anos de nascimento de Juscelino Kubitscheck e encontrou apenas uma foto do ex-Presidente: – Saí a campo e voltei com cerca de 150

IMAGENS: REPRODUÇÕES

Veículos desaparecidos podem ser vistos na telinha do computador. Site é apenas uma paixão do autor, que pretende manter viva a História do Jornalismo.

imagens de Juscelino, boa parte conseguida em edições de O Cruzeiro. Durante a pesquisa, aproveitei e digitalizei parte dessas revistas com a intenção de utilizar como base para prováveis sites biográficos no Memória Viva. Isso mexeu com outra paixão minha: a história do jornalismo brasileiro. Tenho interesse pelo tema desde os tempos de faculdade e achei que seria interessante apresentar aquelas páginas que havia conseguido. Resolvi ler o livro Cobras criadas, de Luiz Maklouf, para entrar um pouco mais no mundo da revista. Durante a leitura, veio a idéia: "Por que não fazer uma versão online de O Cruzeiro como se ela aindafosseeditada?Umsite dividido em seções, apresentando toda semana uma edição!" E assim foi feito. Todo o processo de digitalização e pesquisa do material disponível no site é feito por Sandro, que algumas vezes contou apenas com o trabalho de uma digitadora. Ele diz que buscou acervos públicos que tivessem publicações antigas: – Quase sempre esses acervos têm coleções encadernadas, o que é horrível para o processo de digitalização. Em geral, essas revistas são fotografadas em péssimas condições de luz. As imagens geradas são tratadas – este é o processo mais demorado – e escolho o que há de O Amigo da Onça, imortal criação de Péricles, era mais representativo uma das seções de mais prestígio de O Cruzeiro. para ser mostrado no

18

Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

Desenho do genial J.Carlos publicado na capa do primeiro número da revista Careta, em 6 de junho de 1908. À direita, humor de Carlos Estevão na revista O Cruzeiro de 15 de setembro de 1970.

site. As pesquisas, as viagens e tudo mais são bancadas com recursos próprios. Trata-se de um site pessoal e tudo é movido por pura paixão. O Cruzeiro Online foi ao ar em outubro de 2003, um mês antes de a revista completar 75 anos de lançamento. Na época, Sandro fez uma edição virtual comemorativa, com a participação de várias pessoas que trabalharam nela ou em outros órgãos dos Diários Associados, como Murilo Mello Filho, que fez um texto especialmente para o site. Em março de 2005, foram lançados os sites de O Malho e Careta: – Durante os primeiros meses de O Cruzeiro Online, as atualizações eram semanais. A idéia era que o visitante tivesse a sensação de que a revista estava chegando às bancas e, conseqüentemente, o site mostraria a edição da semana. Foi assim durante oito meses. Agora, em setembro, voltou a ser atualizado semanalmente e vai seguir a ordem cronológica das edições que tenho. O Malho e Careta começaram da primeira edição e vão seguir a ordem cronológica. As atualizações destas revistas são mensais desde

agosto e se tornarão quinzenais a partir do próximo ano. Preservação Sandro diz que o Memória Viva é um site de preservação histórica, que não tem patrocinadores e não gera qualquer lucro nem comercializa o que está disponível nele. Tudo o que sai publicado é devidamente creditado e só é disponibilizado após permissão dos detentores dos direitos de propriedade sobre o material: – Tudo aquilo está ali para preservar nossa memória, nossa cultura. Se alguém quiser obter lucros ou utilizar para outro fim que não o de pesquisa, encaminho imediatamente aos detentores dos direitos. Não tenho idéia de quantas centenas de vezes fiz isso. O Memória Viva tem cerca de meio milhão de páginas vistas por mês. Em média, cerca de duas mil pessoas acessam a página principal do site todos os dias. Para explicar o sucesso de audiência, Sandro diz que existe uma demanda de pesquisa histórica muito grande: – Somos um país relativamente jovem, mas em

O Cruzeiro cobriu a Revolução de 30: esta foto de Getúlio Vargas sendo saudado pelo povo foi publicada na edição de 8 de novembro de 1930


Liberdade de Imprensa Repudiada a coação a jornalistas de Veja no DPF ABI pede ao Ministério da Justiça que apure o episódio e assegure a liberdade de imprensa.

algum momento teríamos que nos interessar por nossa própria História. Outro ponto importante é o fato de estarmos em um país de dimensões continentais. Para quem está nos grandes centros, como Rio, São Paulo e arredores, é mais fácil pesquisar e buscar acervos. Mas existe produção cultural, pesquisa e gente pensando do Caburaí ao Chuí. Hoje uma revista é lançada e, mesmo que tenha distribuição setorizada, vai chegar, no mínimo, a todas às capitais. Há 70 ou cem anos, isso não existia. É relativamente fácil encontrar

Digitalização x catalogação: a confusão Assim que o site Memória Viva recebeu a coleção do semanário O Pasquim, doado por um colecionador de Juiz de Fora, ela passou a integrar o projeto de catalogação do site. Como houve uma confusa divulgação, muitos órgãos de imprensa informaram que O Pasquim seria digitalizado, a exemplo do que está sendo feito com as revistas O Cruzeiro, Careta e O Malho, e não catalogado. Para desfazer a confusão, Sandro Fortunato publicou em seu blog o seguinte texto que explica o que está sendo feito com o acervo do site: “Para quem estava esperando o tão anunciado banco de dados com O Pasquim, uma ótima notícia: Memória Viva resolveu ampliar esse trabalho e catalogar todo o seu acervo. O site possui hoje cerca de 8 mil edições de periódicos brasileiros. A primeira fase da catalogação está focada no jornal O Pasquim (já que o trabalho começou por ele) e nas revistas O Cruzeiro e Realidade. Isso quer dizer que

edições de O Cruzeiro, da década de 50 em diante, em qualquer capital, mas a revista era uma potência! Outras publicações da mesma época e mais antigas quase que são encontradassomentenoeixoRio-SP.OMemória Viva muda esse quadro. O site dá acesso a um material que pode estar muito distante de quem está pesquisando. E ainda informa onde você vai poder pesquisar o acervo completo. Outro fator importante é a credibilidade. No meio do mar de besteiras que é a internet, o Memória Viva é um porto seguro – conclui Sandro.

todos os jornais e revistas estão sendo digitalizados e estarão disponíveis? Não. Algumas matérias publicadas na imprensa chegaram a dizer textualmente: "a publicação da coleção inteira de O Pasquim já foi liberada por seus antigos donos". Tamanho absurdo jamais foi declarado! Quem acompanhou o Blog do Pasca sabe que o referido trabalho é uma indexação de toda a coleção do jornal, isto é, um banco de dados no qual se poderá pesquisar por data, edição, colaborador, tema, matéria e palavras-chaves. Alguns colaboradores do jornal, como Ziraldo (que se mostrou extremamente entusiasmado pela idéia) e Luiz Carlos Maciel (atendendo a pedido de nossa colaboradora Patrícia Marcondes, que defendeu tese de mestrado sobre seu trabalho), liberaram gentilmente suas colaborações para publicação no Memória Viva. Anna Fortuna, filha de Reginaldo Fortuna, também liberou parte do trabalho do pai. Jamais se pensou em "digitalizar e disponibilizar o jornal na íntegra". O que é a catalogação? Os três títulos mencionados estão sendo catalogados. Todas as edições que fazem parte do acervo do Memória Viva – a coleção completa de O

Pasquim, quase toda a coleção de Realidade (cerca de 100 edições) e aproximadamente quatrocentas edições de O Cruzeiro – estão sendo indexadas em um gigantesco banco de dados onde se poderá pesquisar o que foi publicado nelas. E para que serve isso? Talvez para o internauta meramente curioso e que gostaria de ver como eram essas publicações, esse trabalho não tenha grande serventia. Para colecionadores, pesquisadores, acadêmicos que estudam esses periódicos, o banco de dados será uma ferramenta de extrema importância. A idéia do banco de dados surgiu a partir do tipo mais comum de e-mail que costumamos receber nos últimos três anos: "Vocês poderiam me dizer em qual edição saiu tal matéria?". Quase nunca pudemos dar uma resposta satisfatória. Isso demandaria um tempo de pesquisa e um serviço que não poderíamos oferecer. A catalogação acabará com isso. O próprio internauta poderá fazer sua pesquisa. Quando o banco de dados estará online? Ainda não temos uma data definida, mas a primeira fase irá ao ar no primeiro semestre de 2007. A data exata e outros detalhes serão anunciados aqui no Blog Memória Viva.”

titularidade jurídica para adoção do procedimento definido legalmente como representação. O dever de apurar a ocorrência, ou não, de coação ou violência por parte desse Delegado cabe a Vossa Excelência, como principal gestor da área de segurança pública da União e como, também, principal responsável pelas muitas investigações que a Polícia Federal realiza ou precisa realizar para apurar as muitas agressões consumadas contra a ética e a lisura no campo da administração pública e na vida política do País nos últimos tempos. Considera igualmente a ABI, Senhor Ministro, que se adensam na vida pública neste momento manifestações de desapreço às liberdades públicas asseguradas pela Constituição da República e em especial à liberdade de imprensa, muitas delas estimuladas por autoridades do Governo investidas de responsabilidades político-partidárias. A sociedade precisa de uma declaração formal de Vossa Excelência ou do próprio Presidente da República de que essas ameaças e esses riscos ao exercício da plenitude democrática merecem repúdio do Governo. É com grande apreensão, ilustre Ministro Márcio Thomaz Bastos, que a ABI expõe as presentes proposições ao exame de Vossa Excelência. No ensejo, reiteramos as expressões do nosso elevado apreço. Cordialmente, Maurício Azedo, Presidente.” ANTONIO CRUZ/ABR

A seção O Pif Paf, de Millôr Fernandes, na edição de O Cruzeiro de 2 de abril de 1960, faz troça com o slogan de conhecida marca. Após o golpe de 64, o Pif Paf virou revista. Durou oito números.

Em ofício expedido no primeiro dia de novembro, a ABI pediu ao Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos (foto), a apuração do episódio de coação e ameaças feitas pelo Delegado da Polícia Federal Moysés Eduardo Ferreira aos jornalistas Júlia Duailibi, Marcelo Carneiro e Camila Pereira, da revista Veja. A ABI reclamou também do Ministro um pronunciamento claro dele ou do Presidente da República de que o Governo repudia agressões às liberdades civis e especialmente à liberdade de imprensa. Este é o teor da mensagem da ABI: “Senhor Ministro, A Associação Brasileira de Imprensa dirige-se a Vossa Excelência para postular a abertura de procedimentos investigatórios acerca do comportamento do Delegado da Polícia Federal Moysés Eduardo Ferreira, em face das denúncias de que ele teria coagido os jornalistas Júlia Duailibi, Marcelo Carneiro e Camila Pereira, da revista Veja, ao ameaçar transformá-los em suspeitos numa investigação policial na qual foram chamados a depor como testemunhas. Discorda a ABI, Senhor Ministro, de seu entendimento de que a apuração desse caso de violência, com indícios de prática de abuso de poder, deve ser suscitada mediante representação da revista Veja. É evidente que falece a essa publicação jornalística e à empresa que a edita

Solidariedade com jornalista condenado A ABI manifestou solidariedade ao jornalista Fausto Brites, um dos editores do diário Correio do Estado, de Campo Grande-MS, condenado a dez meses de detenção pela Juíza Cíntia Letteriello. Diz a ABI, em nota oficial de 8 de novembro, que essa decisão contribui para agravar o clima de restrições à liberdade de imprensa reinante em Mato Grosso do Sul. A nota da ABI tem o seguinte teor: “A Associação Brasileira de Imprensa expressa a sua solidariedade com o jornalista Fausto Brites, um dos editores do Correio do Estado, de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em face da condenação à pena de dez meses de detenção que lhe foi imposta pela Juíza Cíntia Letteriello, em queixa-crime ajuizada pelo ex-Prefeito André Puccinelli, eleito Governador do Estado no primeiro turno da eleição passada. Considera a ABI que essa decisão

contribui para agravar o clima de restrições à liberdade de imprensa reinante no Estado de Mato Grosso do Sul, onde a Justiça, especialmente na primeira instância, não tem revelado a necessária isenção diante das paixões presentes nas disputas eleitorais do Estado. Através de reiteradas decisões ao longo da campanha eleitoral recém-encerrada, a Justiça de Mato Grosso do Sul tem tomado o partido do autor da queixa-crime apresentada contra o jornalista Fausto Brites, favorecendo-o com despachos e decisões de discutível embasamento técnico e de clara inconstitucionalidade. A ABI abriga a fundada esperança de que a decisão da Juíza Cíntia será reformada em instância superior a que Fausto Brites recorrerá, mas não tem a mesma expectativa em relação à preservação da integridade da liberdade de imprensa num Estado onde Justiça e imparcialidade não caminham de mãos dadas. Maurício Azêdo, Presidente.” Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

19


Liberdade de Imprensa

Represália contra Carlos Chagas Dez anos depois de aposentado por tempo de serviço e de contribuição, Chagas enfrenta a exorbitância do INSS. Ele acha que é alvo de uma represália às opiniões que emitiu nos últimos meses em artigos em jornais e comentários no rádio e na televisão. Mais de dez anos após ser aposentado por tempo de serviço e de contribuição, o jornalista Carlos Chagas, um dos mais respeitados profissionais de imprensa do País, está sendo maltratado pelo Instituto Nacional do Seguro Social–INSS, que, através de uma funcionária burocrática do órgão em Brasília, quer que ele comprove aquilo que comprovado já foi no seu processo de passagem para a inatividade.

”Aposentei-me pelo INSS, como jornalista, com o início do benefício a 12 de fevereiro de 1996, mais de dez anos atrás, conforme documento anexo, depois de 37 anos de exercício da profissão, iniciada a 1 de junho de 1959, segundo declaração passada pelo O Globo (Empresa Jornalística Brasileira) constante da página 15 da Carteira de Trabalho, também anexa. Trata-se de nova Carteira de Trabalho, emitida em 4 de agosto de 1981, por haver-se extraviado a anterior. Durante os 37 anos de exercício profissional, até a aposentadoria, trabalhei em O Globo, exercendo as atividades de repórter da geral, repórter político, editor e colunista político. Recebi menção honrosa no Prêmio Esso de 1961 e o Prêmio Esso de Jornalismo, o maior, em 1970. Depois, trabalhei no Estado de S. Paulo, como diretor da Sucursal de Brasília durante 16 anos, Rádio Eldorado, Ultima Hora, Fundação Universidade de Brasília, como professor titular de Ética, e TV Manchete, como diretor em Brasília, entre outras empresas, conforme anotações na Carteira de Trabalho. Até a data presente, recebi normalmente os proventos da aposentadoria, conforme diversos documentos apresentados a seguir. Fui surpreendido a 26 do corrente mês de outubro com carta datada do anterior dia 17, pela Gerência Executiva da Previdência Social, em Brasília, assinada pela Sra. Carla O. Carrara de Almeida, exigindo meu comparecimento “ao Grupo de Trabalho de Combate à Fraude, intimado a levar originais de Carteiras de Trabalho e todos os documentos em meu poder referente (sic) ao período de 01.6.59 a 04.1.72 trabalhado na empresa O Globo”. Na referida carta, também em anexo, lê-se a ameaça de que, se em dez dias a documentação não fosse apresentada, implicaria na imediata suspensão do benefício. Como me encontrasse de viagem marcada, pedi à minha secretária que no dia 27 comparecesse à repartição mencionada para desfazer o que seria um evidente equívoco, levando minha Carteira de Trabalho. Ela foi atendida por uma recepcionista que, tomando-lhe a Carteira de Trabalho, internou-se por uma hora numa sala contígua, aparentemente para rece-

20

Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

DAIANE SOUZA/U NB AGÊNCIA

A DENÚNCIA

A violência, igual à que o INSS comete costumeiramente contra pessoas comuns, foi denunciada na coluna do jornalista Cláudio Humberto, publicada no jornal O Dia do Rio de Janeiro e reproduzida em inúmeros jornais nos Estados, a qual divulgou o texto em que, sob o título Denúncia de abuso de autoridade, Chagas narra as exigências que lhe foram feitas, num roteiro que “Kafka não escreveria melhor”.

Professor da Universidade de Brasília e ex-Presidente da Representação da ABI na capital,Chagasadmitequesejaalvode“uma evidente vindicta não propriamente da funcionária que assina a carta de exigência, mas de cidadão bem acima de suas atribuições amanuenses”: seria uma represália às opiniões que emitiu em artigos publicados em jornais e comentários feitosnorádioenatelevisãonosúltimosmeses.

presente, em litígio trabalhista com os sucessores da empresa, por falta de cumprimento das obrigações contratuais. Desdobrou-se o episódio. Acompanhado de meu advogado, Dr. Guilherme Castello Branco, comparecemos na ma-nhã do dia 31 de outubro à repartição em causa. Fomos atendidos pela funcionária Carla O. Carrara de Almeida, que alinhou uma série de argumentos frágeis: a Carteira de Trabalho era posterior ao período em que trabalhei em O Globo (ora se a original se extraviara, foi tirada depois, tendo as anotações anteriores sido copiadas e autenticadas pelas empresas onde trabalhei); as anotações contratuais não estavam em ordem cronológica. Kafka não escreveria melhor roteiro para o que me parece, paranóias à parte, uma evidente vindicta não propriamente da funcionária que assina a carta de exigência, mas de cidadãos bem acima de suas atribuições amaCarlos Chagas: Funcionária subalterna do INSS agiu nuenses. A razão fica óbvia dicontra ele como pau-mandado de alguém. ante dos recentes artigos publicados em jornais e de comentáber instruções. De lá saiu a referida receprios no rádio e na televisão que tenho procionista com a informação de que não seria duzido nos últimos meses, já que conticonsiderado o período de 01.6.59 a 04.01.72 nuo trabalhando, apesar de aposentado. Secaso não apresentada documentação sunão crítica permanente, ao menos obserplementar, apesar da declaração de O Globo vações contundentes tenho feito sobre a respeito de meu trabalho naquele perícertos atos e atitudes do Governo atual. odo. Argumentou que a Carteira de TraEncontro-me diante de um dilema: balho datava de 4 de agosto de 1981 e não comparecer à repartição levando quilos seria, assim, considerada. de reportagens e artigos por mim elaboMais estranho ainda, a recepcionista rados nos doze anos em que trabalhei em acrescentou que seu chefe, examinando O Globo. Seria necessário um carrinho de a Carteira de Trabalho, concluíra que mão, mas indago-me se serão aceitos. A também não aceitaria o período em que segunda hipótese envolve duas iniciatitrabalhei como diretor da TV Manchevas: uma representação à Justiça Comum, te, em Brasília, por nela não constar a na defesa de um direito que desde 14.2.1996 respectiva baixa. Não adiantaram as me é devido e religiosamente cumprido, ponderações de minha secretária de que bem como o pedido de abertura de queitodos os documentos foram aceitos pela xa-crime contra a funcionária acima Previdência Social em 1996, bem como referida, por abuso de poder no exercício de que a segunda via da Carteira de Trada função pública. Pode ser que, diante balho produz os mesmos efeitos das de um tribunal, a indigitada funcionáanteriores e, mais, que a TV Manchete ria decida revelar de onde e de quem não poderia ter dado baixa porque entrou partiram tão abusivas exigências. Ou dirá, em falência, em 2002, estando eu, até a como virou moda, que não sabia de nada?”

CONSELHO

ABI solidária com Munhoz, jovem repórter colombiano O Conselho Deliberativo da ABI aprovou em sua reunião de novembro, realizada no dia 27, moção de solidariedade ao jornalista Freddy Muñoz, correspondente da Telesur em Bogotá, que foi preso sob acusação de terrorismo. A moção foi apresentada pelos Conselheiros Mário Augusto Jakobskind e Ivan Cavalcanti Proença e subscrita pelo associado Jesus Antunes, Presidente do Conselho Fiscal da ABI. “Em Bogotá, capital da Colômbia, foi cometida uma arbitrariedade contra o jornalista colombiano Freddy Muñoz, correspondente da Telesur (o canal de integração latino-americana), quando este regressava de Caracas, onde foi fazer um curso de especialização para os correspondentes da emissora de televisão interestatal, e acabou preso no aeroporto. As autoridades colombianas o acusaram, absurdamente e sem o mínimo fundamento, de apoiar ‘a rebelião e o terrorismo’, por uma suposta ocorrência em 2002. A prisão ilegal, ocorrida no dia 19 de novembro, além de não ter a mínima justificativa — uma vez que Freddy Muñoz, 35 anos, exerce atividades jornalísticas desde pelo menos 1995 —, é, sem dúvida, um atentado à liberdade de expressão, não apenas ao próprio repórter, como também a um espaço de informação livre e independente das injunções de mercado, como o canal Telesur. Ou seja, essa arbitrária prisão atenta, sobretudo, contra o jornalismo livre e crítico. Muñoz vinha cobrindo questões sindicais e do movimento popular e já trabalhou em jornais como El Universal e El Periodico, de Cartagena, de onde é oriundo. Nós, Conselheiros da Associação Brasileira de Imprensa, não podemos silenciar diante de um fato tão grave que tem reflexos sobre a imprensa independente e livre de injunções. A solidariedade a Freddy Muñoz e à Telesur é uma obrigação moral não apenas de todas as entidades representativas dos jornalistas, como da sociedade latino-americana, da qual fazemos parte e devemos estar sempre voltados. O silêncio nesta hora favorece o arbítrio.”


AGÊNCIA GLOBO

Juiz quer emudecer Emir Sader Numa decisão com claro abuso de autoridade, magistrado de São Paulo priva o sociólogo e jornalista do direito de exercer o magistério, além de condená-lo à pena de um ano de detenção, em regime aberto.

Emir Sader: Manifesto de solidariedade a ele e de repúdio à sentença do Juiz Muller Valente recebeu em poucos dias milhares de assinaturas de professores, jornalistas, intelectuais e artistas em todo o País.

Os meios jornalísticos e culturais do País receberam com espanto a sentença exarada pelo Juiz Rodrigo César Muller Valente, da 11ª Vara Criminal de São Paulo, que condenou o professor, sociólogo e jornalista Emir Sader à demissão do cargo de professor da Universidade do Estado de São Paulo, como pena acessória à de um ano de detenção em regime inicial aberto, em queixa-crime ajuizada pelo Senador Jorge Bornhausen (SC), Presidente do Partido da Frente Liberal. Em protesto contra a sentença do Juiz Muller Valente, considerada como manifestação de abuso de autoridade pela pena acessória imposta, jornalistas, intelectuais, artistas e lideranças políticas de todo o País firmaram um manifesto de repúdio à decisão e de solidariedade com o Professor Emir Sader, cujo texto considerado ofensivo pelo Senador Bornhausen foi publicado no site Carta Maior. O manifesto, que em poucos dias ganhou milhares de assinaturas em vá-

“A sentença fere a Constituição” Na mensagem enviada à ABI, a Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras–Fasubra denuncia que a sentença do Juiz Muller Valente fere a Constituição, que assegura autonomia às universidades. É este o texto da declaração da Fasubra: “A Fasubra Sindical vem a público repudiar a postura da Justiça de São Paulo expressa na sentença do juiz Rodrigo César Muller Valente, da 11ª Vara Criminal de São Paulo, que condena o professor Emir Sader por injúria no processo movido pelo Senador Jorge Bornhausen (PFL-SC). Entendemos que há um grande equívoco quando transforma o agressor em vítima e o defensor dos agredidos em réu. O professor Emir Sader em seu artigo responde ao pronunciamento do Senador JorgeBornhausen(PFL).Opronunciamento do senador é carregado de preconceito que ao se dirigir a um partido político, envolve o conjunto de sua militância e da esquerda brasileira, com toda a riqueza de sua pluralidade em contradição à elite à qual pertence, que sempre desprezou as classes mais pobres da sociedade. Quando esse tribunal condena o professor Emir Sader, está cassando o direito à livre expressão e revela um perfil no mínimo de cumplicidade com as declarações racistas e preconceituosas do agressor, agora transformado em vítima. A liberdade de imprensa foi uma dura

conquista em nosso país envolvido em sucessivos golpes de Estado e sua história coincide com a redemocratização do País. Não podemos permitir que uma conquista tão importante do povo brasileiro seja subtraída por julgamento da justiça. A sentença do juiz César Muller Valente, da 11ª Vara Criminal de São Paulo, fere a Constituição Federal quando determina a demissão do Prof. Emir Sader da Usp e Uerj. A Constituição assegura às Universidades autonomia e esse é um instrumento importante para que seus profissionais tenham liberdade para produzir conhecimento crítico e transformar, com qualidade social. Não cabe a outra instância senão aos seus próprios conselhos julgar, no sentido de punir ou promover, a conduta de seus profissionais. Como trabalhadores técnico-administrativos das universidades e defensores da Universidade Pública, Gratuita, de Qualidade com Controle Social, com o direito ao exercício pleno de sua autonomia, que pode ser maculada por intervenção externa a essas instituições, repudiamos veementemente a sentença por entendermos que se traduz numa tentativa clara de intimidar e silenciar o pensamento crítico que é assegurado nas universidades no gozo do exercício das prerrogativas da Constituição Federal de 1988. Atenciosamente (a),LuisCarlosdeSousa e José Almiram Rodrigues, Plantão DN.”

rios Estados, foi aberto pelo Professor Antônio Cândido e logo reuniu, entre outras, as assinaturas de Chico Buarque de Holanda e Frei Leonardo Boff. “Numa total inversão de valores – diz a declaração coletiva –, o que se quer com uma condenação como essa é impedir o direito de livre expressão, numa ação que visa intimidar e criminalizar o pensamento crítico. É também uma ameaça à autonomia universitária, que assegura que essa instituição é um espaço público de livre pensamento.” Também se solidarizou com Emir Sader a Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras, sediada em Brasília, que enviou à ABI mensagem em que afirma que, “quando esse tribunal condena o professor Emir Sader ”, “está cassando o direito à livre expressão e revela um perfil no mínimo de cumplicidade com as declarações racistas e preconceituosos do agressor, agora transformado em vítima”.

“Recado a todos os que não se silenciam” “Ao impor a pena de prisão e a perda do emprego conquistado por concurso público, (a sentença) é um recado a todos os que não se silenciam diante das injustiças”, diz o manifesto de solidariedade a Emir Sader, cuja íntegra é a seguinte: “A sentença do juiz Rodrigo César Muller Valente, da 11ª Vara Criminal de São Paulo, que condena o professor Emir Sader por injúria no processo movido pelo Senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), é um despropósito: transforma o agressor em vítima e o defensor dos agredidos em réu. O Senador moveu processo judicial por injúria, calúnia e difamação em virtude de artigo publicado no site Carta Maior no qual Emir Sader reagiu às declarações em que Bornhausen se referiu ao PT como uma “raça que deve ficar extinta por 30 anos”. Na sua sentença, o juiz condena o sociólogo “à pena de um ano de detenção, em regime inicial aberto, substituída (...) por pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, pelo mesmo prazo de um ano, em jornadas semanais não inferiores a oito horas, a ser individualizada em posterior fase de execução”. O juiz ainda determina: “(...) considerando que o querelante valeu-se da condição de professor de universidade pública deste Estado para praticar o crime, como expressamente faz constar no texto publicado, inequivocamente violou dever para com a Administração Pública, motivo pelo qual aplico como efeito secundário da sentença a perda do cargo ou função pública e determino a comunicação ao respectivo órgão público em que estiver lotado e condenado, ao trânsito em julgado”. Numa total inversão de valores, o que se quer com uma condenação como essa é impedir o direito de livre-expressão, numa ação que visa intimidar e criminalizar o pensamento crítico. É também uma ameaça à autonomia universitária, que assegura que essa instituição é um espaço público de livre pensamento. Ao impor a pena de prisão e a perda do emprego conquistado por concurso público, é um recado a todos os que não se silenciam diante das injustiças. Nós, abaixo-assinados, manifestamos nosso mais veemente repúdio.”

Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

21


Direitos humanos DIVULGAÇÃO

Comissão de Reparação aprovou dois e rejeitou 20 processos Insuficiência de documentação prejudicou análise dos pleitos formulados.

Devassa nos cantos das prisões e torturas em Santa Catarina Jornalista narra em texto e fotos a razzia da repressão contra o PCB em novembro de 1975.

22

Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

a reunião contou com a participação dos representantes da ABI, Maurício Azêdo; do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro-Cremerj, Sidnei Ferreira; do Grupo Tortura Nunca Mais, Elizabeth Silveira; da Secretaria de Estado de Justiça, Francisco Campelo; da Secretaria de Estado de Ação Social, Rodrigo Ferreira; e da Procuradoria–Geral do Estado, Leonor Paiva, que integram o plenário da Comissão, juntamente com o Conselho Seccional do Estado do Rio da Ordem dos Advogados do Brasil. Foram deferidos os processos dos requerentes Joaquim Antônio e José de Oliveira Figueiredo; indeferidos, os de Almir Caldeira de Abreu (falecido), Almir Martins de Souza (falecido), Archimedes da Silveira Couto (falecido), Athair Ximenes (falecido), Francisco Machado Bacurau, Genival Luiz da Silva, Íris Maria Lago de Oliveira, Jacob Lopes (falecido), Jorge Rodrigues Barenco (falecido), José Carlos de Almeida (falecido), Luiz Carlos Caetano, Manoel Porfírio de Souza (falecido), Maria Augusta Silva Coppo, Maurício Viegas Miranda, Osmar Rocha (falecido), Reinaldo Carvalho Silva (falecido), Romilda de Sá Pereira, Sebastião Giovanini, Sônia Maria Batista da Silva e Urcisino Antônio das Neves (falecido).

Um apelo da ABI à Governadora A ABI encaminhou telegrama à Governadora Rosinha Garotinho, pedindo que, antes de deixar o Governo, ela restabelecesse os pagamentos das indenizações de reparação moral das vítimas de prisão e torturas físicas ou psicológicas em dependências do Governo do Estado do Rio durante o regime militar, conforme o estabelecido na Lei 3.744/ 2001. Com essa decisão, disse a ABI, ela reafirmaria “de forma indelével seu compromisso com as vítimas da ditadura”. Eis o telegrama: “A Associação Brasileira de Imprensa apela a Vossa Excelência para que restabeleça, com o caráter excepcional admitido nos decretos de encerramento da gestão orçamentária de 2006, a dotação de R$ 1.790.000 (um milhão, setecentos e noventa mil reais) destinada ao pagamento das indenizações de reparação moral instituída pela Lei 3.744/2001. Com este montante, Senhora Governadora, será possível pagar a 89 requerentes em ato que Vossa Excelência presidiria em dezembro próximo, reafirmando de forma indelével seu compromisso com as vítimas da ditadura. Cordialmente (a) Maurício Azêdo, Presidente.”

Denúncia: líder camponês de Rondônia corre riscos Liga dos Camponeses Pobres do Estado expõe a fragilidade da situação do camponês Wenderson, o Ruço, preso desde 2003 no Presídio Urso Branco. Em comunicado dirigido em 29 de novembro a entidades da sociedade civil do resto do País, a Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia denunciou que um de seus líderes, Wenderson Francisco dos Santos, o Ruço (foto), corre sérios riscos no Presídio Urso Branco, de Rondônia, onde se encontra preso há muito. Ruço, que participava das lutas dos trabalhadores rurais no Município de Jaru, no interior do Estado, não chegou a ser julgado; um hábeas-corpus ajuizado em seu favor também não foi apreciado pela Justiça local. A Liga dos Camponeses Pobres teme que Ruço seja assassinado na prisão: em Jaru, chegaram a colocar pistoleiros na cela que ele ocupava. Diz o relato da Liga dos Camponeses Pobres: “Há cerca de 15 dias o camponês Wenderson Francisco dos Santos, o Ruço, foi transferido pela direção do Presídio Urso Branco para o seguro, cela onde ficam os presos jurados de morte por outros presos, e depois para a enfermaria, sem nenhum motivo.

Há várias semanas o Presídio Urso Branco passa por uma situação crítica: as visitas e banhos de sol dos detentos estão suspensos, os familiares estão sendo agredidos pela Polícia, presos estão denunciando maus tratos e torturas. O Estado está a par destas denúncias, mas não toma nenhuma medida. Uma nova rebelião e mortes são iminentes. Um fato estranho ocorreu esta semana, que aumenta ainda mais nossas suspeitas de um plano sinistro para assassinarem o Ruço. Um homem, identificado como detento do Presídio Urso Branco, ligou para a sede da Liga dos Camponeses Pobres e disse saber da existência de um plano dos presos para matar o Ruço como forma de repercutirem suas reivindicações em função de o companheiro estar sendo apoiado por várias entidades democráticas nacionais e estrangeiras. Suspeitamos tratar-se de um plano da Polícia para assassinar o companheiro e colocar a culpa nos outros presos, aproveitando-se da crise carcerária do Estado. Não é a primeira vez que a Polícia tenta REPRODUÇÃO

O livro-reportagem Os quatro cantos do Sol — Operação Barriga Verde, do jornalista catarinense Celso Martins, com apoio da UFSC e Fundação Boiteux, foi lançado nacionalmente, em São Paulo, dia 7 de novembro. Em 392 páginas e 170 fotos e imagens, o autor narra o drama das prisões ocorridas a partir de 4 de novembro de 1975, quando 42 pessoas foram torturadas para confessar filiação ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). A obra de Celso Martins trata do ingresso dos comunistas no antigo MDB, da atuação partidária clandestina, do movimento estudantil nas décadas de 1960 e 1970, da campanha pela anistia e da legalidade do PCB. Além de revelar segredos da organização do PCB em Santa Catarina, o autor expõe as razões do fracasso de uma empresa montada em Criciúma para financiar as atividades do partido, o treinamento de guerrilha em Joinville e a permanência de pelo menos um militante ainda clandestino, o misterioso “Shultz”. Para escrever o livro, o autor tomou como base a documentação reunida desde o momento das prisões: panfletos, textos partidários, matérias de jornais e revistas, boletins, folhetos, cartazes, fotografias e outras imagens. Há três anos, começou a pesquisar nos arquivos históricos e públicos do Paraná, de São Paulo e de Santa Catarina e a entrevistar cerca de 30 pessoas direta ou indiretamente ligadas ao período, na sua maioria parentes dos seqüestrados. Nascido em 23 de novembro de 1955, em Laguna (SC), jornalista desde 1976 é repórter da sucursal Florianópolis do jornal A Notícia, Celso Martins da Silveira Júnior escreveu também Os comunas — Álvaro Ventura e o PCB catarinense (1995), Farol de Santa Marta — A esquina do Atlântico (1997), Aninha virou Anita (1999) e Tabuleiro das Águas — Resgate histórico de Santo Amaro da Imperatriz (2001), entre outros.

Em sua penúltima reunião do ano, realizada no dia 29, a Comissão Especial de Reparação da Secretaria de Direitos Humanos do Estado do Rio deferiu apenas dois dos processos submetidos à sua apreciação, em que os requerentes pleiteiam o pagamento de uma indenização moral por torturas físicas e psíquicas sofridas em dependências do Estado durante prisão motivada por atuação política. A reparação moral foi instituída pela Lei n° 3.744, de 21 de dezembro de 2001, de autoria dos Deputados estaduais Carlos Minc (PT) e Edmílson Valentim (PCdoB). O indeferimento de 20 processos –– dos quais 11 relativos a pessoas mortas – – resultou da insuficiência da documentação apresentada pelos requerentes, que não atenderam à solicitação da Secretaria de Estado de Direitos Humanos para que anexassem documentação de comprovação da prisão ou indicassem testemunhas que pudessem relatar a perseguição sofrida. Instruídos desde novembro de 2004, os processos receberam despachos com essa exigência em fevereiro de 2005 e fevereiro de 2006, sem que os requerentes atendessem ao solicitado. Presidida pelo Subsecretário de Direitos Humanos Gelson Almeida Campos,

fazer este tipo de armação contra o companheiro. Quando Ruço estava preso em Jaru, a Polícia colocou pistoleiros na mesma cela que ele; tentaram jogar presos contra ele, permitiram a entrada de pessoas em nome da OAB e Direitos Humanos para tentar colocar o companheiro contra seu próprio advogado. O Ruço está preso injustamente desde agosto de 2003. Seu julgamento estava marcado para setembro deste ano e teve uma forte mobilização em defesa do companheiro, que é inocente. Uma carta-aberta, que denunciou arbitrariedades e injustiças cometidas contra o Ruço, foi assinada por mais de 600 pessoas e entidades democráticas do País e de várias partes do mundo. Por medo de o companheiro ser absolvido pelo júri popular, a juíza do caso, Fabíola Sarkis, da Comarca de Jaru, pediu o desaforamento e o julgamento foi adiado por tempo indeterminado. Desde então um pedido de hábeas-corpus e outro de transferência estão emperrados na Justiça sem ser julgados. Qualquer atentado contra o companheiro Ruço é de total responsabilidade da direção do Presídio Urso Branco e do Governo estadual. Exigimos sua liberdade imediata. (a) Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia.”


Vidas

Contreiras viveu sua causa até o último instante

OLIVEIRA BASTOS

O intelectual que não perdia a frase

Compromisso com a verdade era o maior empenho do repórter. tivo e recordou um de seus grandes furos, “(...) uma matéria em que comprovava, com documentos, que em 1984 foram preparadas conspirações pela linha-dura militar contra a posse do Presidente oposicionista Tancredo Neves”. A tenacidade de Contreiras pela precisão da informação foi lembrada pelo Diretor Financeiro da ABI, jornalista Domingos Meirelles, que trabalhou com ele no Globo e no Estadão: — O que me impressionava nele era o seu extraordinário compromisso em esclarecer a verdade, isso era um tormento na vida dele. Às vezes passava dias checando uma informação com as mais variadas fontes. Seu compromisso com a verdade marcou sua vida profissional. Meirelles destacou também o espírito de solidariedade que Contreiras demonstrava com os companheiros de trabalho: — Contreiras se preocupava com os colegas. Em 78, fomos juntos fazer uma reportagem sobre a construção de uma base aeronaval na ilha da Trindade. No caminho, eu passei muito mal e ele tomou con-

Setorista da área militar, Contreiras obtinha informações importantes e exclusivas, que ele divulgava em jornais e em livros.

ARQUIVO PESSOAL

Hélio Contreiras – que morreu no dia 19 de outubro, quatro dias após ter completado 67 anos – dedicou-se até o último instante de vida ao que ele mais gostava de fazer: o jornalismo. Ele estava trabalhando na última edição da revista eletrônica Scenarios Brasil, com a colaboração da filha Ignês, também jornalista: — No dia do seu aniversário, fizemos uma festa em casa e convidamos amigos e parentes. Ele morreu trabalhando até o último segundo na edição da revista. O jornalismo era o que ele amava — diz Ignês. Depois de estagiar no Correio da Manhã em 1967, Hélio Contreiras viajou em 68 para a França, onde trabalhou dois anos como correspondente do jornal. De volta ao Brasil, foi trabalhar na revista O Cruzeiro. Em 1973, entrou para O Globo, tendo trabalhado na redação do Rio e na sucursal de Brasília. Na edição do último dia 14, O Estado de S. Paulo, no qual Contreiras trabalhou nos anos 70, ressaltou suas qualidades de repórter investiga-

ta de mim a viagem inteira, como se fosse meu enfermeiro. Éramos os únicos jornalistas na ilha, mas ele só foi cuidar da matéria depois de se assegurar de que eu estava bem. Contreiras também trabalhou na IstoÉ , onde foi colega de Aziz Filho, hoje Presidente do Sindicato do Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro: — Ele era um aficionado pelo trabalho e tinha o jornalismo como missão quase sagrada, por causa das renúncias da vida pessoal que era obrigado a fazer em prol da profissão — relembra Aziz.

WILSON REINALDO

O repórter que não dava suite Com a morte do jornalista Wilson Reinaldo, de 68 anos, no início de novembro, a reportagem investigativa policial perde um dos seus grandes nomes. Ele vinha sofrendo problemas de saúde não identificados, passou mal e chegou a ser socorrido por parentes, mas faleceu a caminho do hospital.. Wilson Reinaldo nasceu em Miguel Pereira, Estado do Rio, em 14 de fevereiro de 1938. Era considerado pelos colegas um repórter muito experiente e começou a carreira na chamada Repol (Reportagem Policial) na década de 60, no jornal Luta Democrática. Depois, passou pelas redações do Diário de Notícias, A

Noite, Última Hora, O Globo, Jornal do Brasil e, por último, TV Globo. O jornalista Ely Moreira, seu colega no Globo, em 1970, lamenta a perda de um grande profissional: — Com a morte do Reinaldo, a editoria de Polícia perde um dos ases da reportagem investigativa. Ele tinha o perfil do repórter tenaz na investigação das matérias. Quando pegava um assunto, não dava chances a ninguém de fazer uma suíte: suas reportagens tinham início, meio e fim. Por isso era chamado carinhosamente entre os colegas de Inspetor Aranha, porque dava o bote na matéria na hora certa.

Jarbas Domingos, que o conheceu na Úlima Hora, também exaltou a veia investigativa do companheiro e lembrou um caso engraçado: — Wilson Reinaldo se destacava porque, desde o início da carreira, foi um repórter arrojado. Foi ele quem descobriu, por exemplo, onde estava escondido o bandido Lúcio Flávio (famoso na década de 70). Ele também tinha um temperamento difícil. Uma vez foi convidado para assumir a Chefia de Reportagem da UH e ficou apenas dois dias no cargo. Dizia que o Ary Carvalho, então Diretor de Redação, não podia comandá-lo: “Ele é um foca e eu não posso ser seu subordinado.”

A imprensa brasileira perdeu, na manhã de 7 de novembro, um dos principais nomes do jornalismo e da crítica literária nacional. Evandro de Oliveira Bastos estava internado há 50 dias no Hospital Brasília e morreu aos 73 anos, de falência múltipla dos órgãos, em conseqüência de um câncer de próstata. O corpo foi enterrado no cemitério Campo da Esperança. Além de seu profícuo trabalho jornalístico, Oliveira Bastos deixa uma história de luta pela liberdade de expressão e uma vida marcada pela criatividade intelectual e a participação social e política. Sua filha mais velha, Catarina, diz que ele lutou contra o câncer do jeito dele: — Tinha muita vontade de viver e queria sair do hospital a todo momento. Seguindo os passos do pai, que sempre considerou um guru para a vida e a profissão, ela se formou em Jornalismo e hoje dirige a revista Excelência, fundada por Oliveira Bastos, pai também de Cláudia. O jornalista paraense começou a carreira no Rio de Janeiro na década de 50, como secretário do escritor Oswald de Andrade. Amigo de Ferreira Gullar, foi ele que apresentou o poeta maranhense ao fundador do movimento antropofágico e idealizador da Semana de Arte de 22. Gullar lembra da época: — Eu tinha entregado a ele uma cópia original do meu livro Luta corporal e um dia ele me bateu à porta, na data do meu aniversário, com aquela figura lendária. Era Oswald de Andrade. Ficamos os três conversando durante horas. Na mesma época, Oliveira Bastos começou a se dedicar à crítica literária, tornandose um dos principais nomes do País na área. Ferreira Gullar afirma que os melhores artigos sobre sua poesia são dele: — Era uma pessoa muito talentosa e inteligente. Nos anos 50 e 60, ele participou com o poeta e jornalista Reynaldo Jardim da criação do Caderno B, do Jornal do Brasil, que foi uma revolução gráfica e cultural para o jornalismo da época. Fez também a ponte entre o movimento concretista e o suplemento do JB, com Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto Campos. O amigo e jornalista Fernando Lemos relembra o jeito espontâneo e inovador de Oliveira Bastos: — Ele perdia o amigo, mas não abria mão da frase. Era um gênio. Oliveira Bastos mudou-se para Brasília em 1973 e foi Diretor de Redação do Correio Braziliense de 76 a 82. Em plena ditadura, revolucionou a linguagem política do jornal, fez grandes mudanças no projeto gráfico e levou o cineasta Glauber Rocha a colaborar com artigos por cerca de um ano. Nos últimos meses, dedicou-se a um projeto literário autobiográfico, que não chegou a concluir, segundo a filha Catarina. Jornal da AB ABII 314 Novembro de 2006

23


MEMÓRIA FOTOS: DIVULGAÇÃO

Avança restauração para o Centro de Cidadania Barbosa Lima Sobrinho Prédio que abrigou Faculdade de Direito do Catete receberá acervo bibliográfico de 11 mil volumes e todo o mobiliário do escritório do jornalista que foi três vezes Presidente da ABI. P OR C LÁUDIO C ARNEIRO

Um velho casarão da Rua do Catete o de nº 243, onde funcionou a antiga Faculdade de Direito do Rio de Janeiro – está passando por obras estruturais e vai ser completamente restaurado. Se for cumprido o cronograma, o conjunto arquitetônico – erguido em 1822 – será, a partir de 2008, a sede do Centro de Cidadania Barbosa Lima Sobrinho. Na verdade, a entidade foi criada em dezembro de 2000, quando a Universidade do Estado do Rio de Janeiro-Uerj adquiriu o valioso acervo bibliográfico constituído por Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho – que foi três vezes Presidente da ABI e faleceu em julho daquele mesmo ano – ao longo de seus 103 anos de vida. O objetivo é garantir a preservação dos documentos e obras e permitir que eles se tornem públicos. Além do acervo bibliográfico – 31 mil volumes, entre livros, folhetos, periódicos e outras publicações – e documental – ao todo, 26 metros lineares de documentos –, a Uerj resgatou todo o mobiliário do escritório da casa da

Obras raras, como esta Revista da nascente Universidade do Rio de Janeiro, integram o acervo do Centro.

Rua Assunção, em Botafogo, onde o jornalista morava com a família. São 300 peças, entre escrivaninhas, cadeiras e sofás que, juntamente com comendas e medalhas, serão restaurados e dispostos no novo endereço, numa reconstituição fiel do ambiente original onde o Doutor Barbosa, como era chamado, passava a maior parte do dia. O Centro de Cidadania Barbosa Lima Sobrinho foi instituído como Programa de Extensão vinculado à Faculdade de Direito da Uerj. As atividades que integram seu processo de implantação são desenvolvidas através de uma Comissão de Implantação e de um Conselho Acadêmico, em conjunto com a Associação Cultural e de Pesquisa Noel Rosa. Esta comissão tem como Coordenadora Executiva a funcionária técnico-administrativa da Faculdade de Direito Sônia Faerstein, que comemora a recuperação do conjunto arquitetônico: – Depois da primeira fase de obras, o prédio está absolutamente seguro. Antes, a fachada estava destruída, com todos os elementos decorativos criminosamente descaracterizados. Mais obras virão e o casarão vai ficar muito bonito, valorizando o bairro. Mais que preservar a memória nacional, possibilitando o acesso a importante patrimônio histórico-cultural, o Centro de Cidadania Barbosa Lima Sobrinho tem o objetivo de desenvolver e abrigar quatro diferentes e importantes atividades: o Núcleo de Documentação; o Núcleo de Estudos, Pesquisa, Reflexão e Atuação para o Pleno Exercício da Cidadania; o Núcleo de Informação Jurídica ao Cidadão; e a Casa de Cultura e Memória da Faculdade de Direito. A preservação já foi iniciada, uma vez que todo o acervo foi submetido a processo de higienização, promovido por excepcionais assistidos pela Apae de Niterói. Além disso, todos os auxiliares de restauro de patrimônio histórico do futuro Centro vão passar por oficinas de capacitação. Interesse público Decreto assinado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 6 de setembro de 2004 e publicado no Diário Oficial da União, declarou de interesse público e

O primitivo prédio da Faculdade de Direito, que foi todo desfigurado.

social o acervo documental privado de Barbosa Lima Sobrinho. Antes mesmo de ter uma sede, o Centro de Cidadania já promoveu seminários na Uerj, reunindo advogados, cientistas sociais, filósofos, historiadores, magistrados, professores e militantes políticos para a discussão de temas como globalização, imprensa, cidadania, direitos humanos e diversidade cultural. Essas mesas-redondas resultaram na publicação do primeiro Fala - Cadernos de Cidadania. Uma segunda edição revelou os dados da pesquisa Dimensões da Cidadania, que foi realizada pelo Centro e ouviu 400 pessoas em diferentes regiões da Cidade sobre o significado e o exercício da cidadania. Entre as demais atividades culturais programadas antes da inauguração da futura sede estão a ampla cobertura e documentação fotográfica do registro das obras do conjunto arquitetônico, do tratamento do acervo e das demais atividades do Centro de Cidadania. Conjunto arquitetônico O velho casarão que sediará o Centro de Cidadania Barbosa Lima Sobrinho foi erguido em 1822. O prédio teve diversos proprietários, entre eles o Visconde da Cruz Alta. Em 1916, um dos herdeiros do nobre vendeu o imóvel para a Faculdade

Barbosa Lima Sobrinho: 26 metros lineares de documentos preciosos.

Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Em 1942, a União repassou o prédio para a Faculdade de Direito da Uerj. Com a criação do Campus da antiga Ueg, no Maracanã, em 1976, o imóvel foi cedido, em 1983, para a União Nacional dos Estudantes-Une. Pelos corredores do casarão da Faculdade de Direito circularam alunos ilustres como Carlos Lacerda, Mário Lago, San Tiago Dantas, Gilson Amado, Chagas Freitas, Otávio de Faria, Vinícius de Moraes, Joel Silveira, Marcelo Alencar, assim como professores notáveis, como Roberto Lira, Joaquim Pimenta, Aliomar Baleeiro, Afonso Arinos de Melo Franco, Ebert Chamoun, Ari Franco, Benjamim de Morais, entre outras sumidades do campo do Direito.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.