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A densa experiência de Meirelles Passos e Arnaldo César Jacob Correspondente nos EUA há 20 anos, Meirelles conhece 39 países. Arnaldo (foto) passou 15 anos na Abril. Páginas 7, 8, 9, 10, 18 e 19 Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

Jornal da ABI

315 DEZEMBRO 2006

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NO ESSO E NO EMBRATEL

Jornalismo engajado é que arrebata prêmios Nos dois certames, ganharam destaque especial as matérias que abordam temas sociais e dramas humanos. Páginas 20 e 21 Editorial na página 2

COMO A IDÉIA E O FATO SE TORNAM MATÉRIAS A PAUTA NO JORNALISMO DA TELEVISÃO E COMO É CUMPRIDA. P ÁGINAS 3, 4 E 5

UM JORNAL BRASILEIRO PARA BRASILEIROS NOS EUA A HISTÓRIA DO B RAZILIAN VOICE, QUE TIRA 55 MIL EXEMPLARES . P ÁGINAS 28 E 29

OS PERSEGUIDOS APELAM AO NOVO GOVERNADOR ELES QUEREM RECEBER A REPARAÇÃO MORAL PELAS TORTURAS SOFRIDAS . PÁGINAS 26 E 27

ESPECIAL: A HISTÓRIA DA CENSURA EM LIVRO REFLEXÕES SOBRE O CHAMADO PROCESSO MIDIÁTICO AQUI E LÁ FORA . P ÁGINA 25

PASCHOAL CARLOS MAGNO, 100 ANOS A ABI reúne artistas e intelectuais para celebrar a contribuição dele ao teatro brasileiro. Página 11

ABI pensa o humor Jaguar é personagem do desenho animado Santa de casa, baseado no conto Santinha Milagrosa, de Aldir Blanc. O filme foi dirigido pelo cartunista Allan Sieber, que, assim como Gutemberg e Adail, deu valioso depoimento no Estação ABI. Páginas 14 e 15

AGÊNCIA GLOBO

A ROTINA DAS FESTAS, POR MARCOS DE CASTRO


Editorial

Secos e molhados, não É CONHECIDA NOS MEIOS DE IMPRENSA UMA irreverente e célebre definição do jornalista Millôr Fernandes acerca da função da imprensa no meio social, a qual com freqüência, como acontece atualmente no P aís, é objeto de País, incompreensões, reparos, críticas, represálias e até mesmo agressões, sem contar a enxúndia de processos judiciais em que se reclama sanção penal de jornalistas e milionárias, exorbitantes e descabidas indenizações por suposto dano moral. Crítico de costumes e severo analista da vida nacional, Millôr fez uma definição preciosa, dizendo que “imprensa é oposição; o resto é ar mazém de secos e mo armazém mo-lhados”. P onto final. Ponto Tal como obser vamos na edição anterior do observamos JORNAL DA ABI ao assinalar a influência do Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos e Anistia na elaboração das pautas dos veículos de comunicação, acentuando o interesse do jornalismo pelos temas de caráter social, pelas questões que dizem respeito à situação da gente comum do povo e à grande massa de deserdados do P aís, é estimulante País, registrar que o mesmo efeito é produzido por dois outros certames jornalísticos, o Prêmio Esso e o Prêmio Embratel, cujos vencedores foram definidos agora em dezembro. Em ambos revelaram especial significação os trabalhos jornalísticos que têm como centro a pessoa humana, as coletividades humanas, com seus problemas, suas dores, suas aspirações, suas

Associação Brasileira de Imprensa

esperanças. É esse jornalismo de superior qualidade ética, política e social que eleva os profissionais e seus veículos a merecido destaque na copiosa massa de informações que todo santo dia se oferecem aos leitores, ouvintes e espectadores. Como se dizia antanho: é um jornalismo de escol. Apesar dos erros e equívocos que eventualmente cometem, os meios de comunicação e seus profissionais dotam o conjunto da so so-ciedade e os dirigentes da coisa pública e da iniciativa privada de informações e conceitos que embasam decisões, desde as mais triviais, na rotina do dia-a-dia, às mais relevantes, que interferem no curso da gestão social e na condução dos negócios. O desempenho dos meios de comunicação não pode, por isso, ser alcançado por restrições que se manifestem desde o plano mais imediato, no contato dos profissionais com as fontes de informação, como ante-sala, cartão de visita da concepção de que é preciso gerar mecanismos institucionais para condicionar a atuação da imprensa, que teria “liberdade demais”. Os jornalistas e suas entidades, assim como outras instituições representativas da sociedade civil, devem manter-se permanentemente atentos, porque não tardará que algum dos muitos agentes liberticidas à solta comece a falar minológifalar,, usando o jargão ter terminológico em voga, em “marco regulatório” para a imprensa. A cautelemo -nos, pois. Acautelemo cautelemo-nos,

Nesta Edição E o fato vira notícia... A rotina das festas / Artigo de Marcos de Castro

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CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira, Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura CONSELHO FISCAL Jesus Antunes, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Adriano do Nascimento Barbosa, Arthur Auto Nery Cabral, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha e Luiz Carlos de Oliveira Chester. CONSELHO DELIBERATIVO (2006-2007) Presidente: Fernando Segismundo 1º Secretário: Estanislau Alves de Oliveira 2º Secretário: Maurílio Cândido Ferreira Conselheiros efetivos (2006-2009) Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart, Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta. Conselheiros efetivos (2005-2008) Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, Araquém Moura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira (in memoriam), Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho Conselheiros efetivos (2004-2007) Antonieta Vieira dos Santos, Arthur da Távola, Cid Benjamin, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Héris Arnt, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Ivan Cavalcanti Proença, José Gomes Talarico, José Rezende, Marceu Vieira, Paulo Jerônimo, Roberto M. Moura (in memoriam), Sérgio Cabral e Teresinha Santos Conselheiros suplentes (2006-2009) Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães, Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. Conselheiros suplentes (2005-2008) Anísio Félix dos Santos, Edgard Catoira, Francisco de Paula Freitas, Geraldo Lopes (in memoriam), Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães

José Meirelles Passos: O repórter de muito fôlego Arnaldo César: É preciso agregar valor com credibilidade

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Conselheiros suplentes (2004-2007) Adalberto Diniz, Aluísio Maranhão, Ancelmo Gois, André Louzeiro, Jesus Chediak, José Silvestre Gorgulho, José Louzeiro, Lílian Nabuco, Luarlindo Ernesto, Marcos de Castro, Mário Augusto Jakobskind, Marlene Custódio, Maurílio Cândido Ferreira e Yaci Nunes

Amor possível ganha o Esso Embratel: O engajamento venceu

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COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente, Jarbas Domingos Vaz, José Ernesto Vianna, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira

Folha Dirigida muda para ficar mais fácil de consultar Um dvd sobre o AI-5, por Markun

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COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti

Libertários versus ortodoxos, por Iza Salles Refrigério e redenção em Viagem do existir

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Viveiros lança Da arte do Brasil O filme musical, visto por Bilharinho

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COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Audálio Dantas, Presidente; Arthur Cantalice, Secretário; Arthur Nery Cabral, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes

Niemeyer a caminho do centenário Janice, da poesia ao jornalismo

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Yes, nós temos Voz A mídia ignora estes direitos SEÇÕES ACONTECEU NA ABI

Personagem do curta de animação Onde Andará Petrucio Felker?, de Allan Sieber

Paschoal, 100 anos Com humor, tudo é possível LIBERDADE DE IMPRENSA A história da censura no Brasil e no mundo DIREITOS HUMANOS Os perseguidos apelam ao novo governador VIDAS Domar Campos, Mozart Ferraz, Oliveiros Litrento, Paulo Perdigão

ERRATA - Na edição número 314, o entrevistador de Paulo Markun foi Rodrigo Caixeta, e não José Reinaldo Marques.

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DIRETORIA – MANDATO 2004/2007 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: – Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Souza (Pajê) Diretora de Jornalismo: Joseti Marques

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Jornal da ABI Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar Telefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 22.030-012 Rio de Janeiro - RJ (jornal@abi.org.br) Editores: Francisco Ucha, Joseti Marques e Maurício Azêdo Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Apoio à produção editorial: Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, José Ubiratan Solino, Maria Ilka Azêdo e Solange Noronha. Diretor responsável: Maurício Azêdo Impressão: Gráfica Lance Rua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ.

As reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.


DIVULGAÇÃO

PAUTA

Amanda Pinheiro, apresentadora do informativo Sala de Notícias, do Canal Futura, revela que a pauta do jornal conta com a participação de toda a equipe.

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E o fato vira notícia notícia... O sucesso dos noticiosos de televisão, não importa se telejornais, programas de entrevistas ou de variedades, depende basicamente da pauta, desde a sugestão à aprovação e execução, dentro dos prazos e com os recursos disponíveis em cada emissora. POR JOSÉ REINALDO MARQUES

ÃO É POR ACASO QUE UM PROGRAMA JORNALÍSTICO DE TV VAI AO AR TODOS OS DIAS. O ESPECTADOR LIGA A TV EM DETERMINADO HORÁRIO E ASSISTE A UM SHOW DE NOTÍCIAS OU A UMA ENTREVISTA, SEM SE DAR CONTA DE TUDO O QUE FOI FEITO PARA QUE AQUELE “PRODUTO” FOSSE VEICULADO. O espectador comum, ou mesmo o estudante de Comunicação, não tem noção de todo um processo que envolve a discussão de pautas e a produção de conteúdo jornalístico, nos mais variados formatos: seja telejornal, entrevista ou programa de variedades. Comparar a redação a uma fábrica talvez seja a melhor forma de demonstrar o processo industrial que começa com a matéria-prima (o fato ou informação) ainda bruta e seu tratamento até à obtenção de um produto acabado, embalado e pronto para consumo – a notícia. Produzir significa executar idéias e pensar todo o processo de criação de um programa jornalístico. É um processo de extenso trabalho que começa com a apuração, a pauta, a discussão do tratamento que a notícia terá no processo, a execução da pauta, apuração, telefonemas (uma boa agenda é o melhor amigo do produtor), pesquisa, externas, préprodução, a confecção do espelho do jornal, a entrevista (bem como sua marcação), captação de imagens, iluminação, fitas, o tempo de cada uma das matérias, participações ao vivo etc. Dia-a-dia Apresentadora do Sala de Notícias, que está na grade de programação do Canal Futura desde a estréia da emissora, em 97, e em breve ganhará novo formato, Amanda Pinheiro diz que o objetivo do programa sempre foi contextualizar Jornal da AB ABII 315 Dezembro de 2006

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PAUTA

notícias e levantar a discussão dos prinforma de se fazer a coisa. São muitas cipais temas da atualidade. Para dar forpessoas trabalhando juntas para que alma ao que vai ao ar de segunda a sexta, guém ponha a cara no vídeo. Quanto mais às 12h30min, com reprises às 17h30 e integrada é essa equipe, melhor é o resul21h30, as reuniões de pauta são semanais, tado final, ou seja, o programa. sempre às quartas-feiras. Para estruturar a matéria, é importante — Nesses encontros, discutimos todos saber buscar nos fatos sua relevância e conos aspectos dos temas escolhidos. Toda a seqüência para as pessoas. Para Jorge equipe sugere pautas. Procuramos prioEspírito Santo, a escolha de pauta depenrizar temas que tenham a ver com o diade do tipo de programa que se está proa-dia da população em geral e abordar os duzindo. assuntos sob a perspectiva de quem nos Programas ditos de variedade têm liassiste. Isso significa convidar para as berdade um pouco maior na escolha da conversas não só os chamados “especiapauta, em comparação a programas jorlistas” (normalmente, acadêmicos), mas nalísticos. Ofertas de emprego, formação pessoas que possam contribuir para o profissional, empreendedorismo, o merdebate com relatos cado e as novas prode experiência, vifissões são os temas vência sobre o asprincipais do prosunto discutido. grama Carreira e SuNa produção, diz cesso, exibido aos sáAmanda, todos parbados,às10h30min, ticipam, pondo “a na TV Record. Com mão na massa”, duas reuniões de apurando e coordepauta semanais, às nando a finalização segundas e quintas, dos vts nas ilhas de e uma equipe enxuedição. O programa ta, com coordenaconta ainda com dora, produtor, estaapoio das equipes de giária e apresentapesquisa e dos arquidora, o programa, vos de imagem do diz sua coordenadoFutura e da Rede ra e editora, Anna Maria Paula põe em sinais para deficientes Carolina Devay, Globo. Ela destaca auditivos o texto que eles não ouvem. tem como públicoque a preocupação com os conteúdos alvo os jovens em formativos e informativos é constante, busca do primeiro emprego, os desemprepelo fato de o canal ter como objetivo não gados e aqueles que querem ganhar disó entreter, mas também incentivar as nheiro por conta própria. pessoas a pensar. — Nossa apuração busca as assessori— Queremos que o que produzimos as de imprensa das empresas empregadofaça sentido para as pessoas. O lema do ras e até o Ministério Público quando as nosso jornalismo é informar para transquestões trabalhistas ou de regulamenformar. Modestamente, o que pretendetação de determinada profissão estão em mos é contribuir para o entendimento, pauta. O programa faz ainda a suíte de deixando aberto um espaço de debate de assuntos que renderam bons empregos idéias a pessoas que tenham como conou boas matérias: tribuir. Assim como todos os programas — Certa vez, fizemos uma matéria da grade, o Sala de Notícias é ferramenacompanhando um candidato a empreta pedagógica: depois de veiculado, transforma-se em material didático. Cada um de nós que trabalha no Futura é parte dessa incrível engrenagem do conhecimento. Sob essa lógica, orientamos nossa reunião de pauta. Correndo atrás Diretor de programas como Caldeirão do Huck, de videoclipes e curta-metragens, o diretor artístico e de conteúdo do canal GNT, Jorge Espírito Santo, procura ser didático ao apontar funções e responsabilidades: — O pauteiro é o responsável por sugerir os assuntos que podem virar matéria. Cabe ao apurador correr atrás das informações e sacar se o assunto rende matéria. Estando tudo certo, o produtor vai imaginar a matéria, marcar com os entrevistados e a equipe técnica etc. O editor de texto vai pegar as informações apuradas e escrever a matéria. Cabe ao editor de vídeo cobrir o texto com as imagens. Daí, então, o editor responsável ou o diretor aprovam o material para ir ao ar. A tv é um trabalho de equipe. Não há outra 4

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Coordenadora e editora de um programa da TV Record voltado para o mercado de trabalho, Carreiras e Sucesso, Anna Carolina Deway diz que essa programação cumpre um papel não só jornalístico, mas também social.

Jorge Espírito Santo, que dirigiu programas como Caldeirão do Huck, considera que quanto mais integrada for a equipe que planeja e produz melhor será o resultado do trabalho: ou seja, o próprio programa.

go. Ele perambulou por diversas lojas em busca de trabalho extra na época do Natal. No desenrolar da matéria, um consultor de Recursos Humanos dava dicas sobre o que é certo e o que é errado na busca por um emprego, na entrevista, na dinâmica, enfim, no passo a passo. No final da matéria, o candidato conseguiu o emprego numa loja de um shopping center e foi efetivado. O programa cumpriu seu papel jornalístico e social. Diversificação Com uma programação que vai de programas culturais e documentários à transmissão ao vivo de suas sessões, um de seus principais objetivos, a TV Senado tem audiência qualificada entre as emissoras por assinatura. Como o canal (8, na Net) não tem sucursais ou representações em outros Estados, o Distrito Federal torna-se território preferencial

para a produção de seus programas. Diariamente, a emissora distribui suas equipes e cobre as comissões permanentes da Casa, as comissões parlamentares de inquérito, comissões especiais e comissões mistas, compostas de senadores e deputados, com imagens disponibilizadas também para as emissoras comerciais, em tempo real, via satélite. Quando não são exibidas ao vivo, as reuniões das comissões são gravadas e veiculadas nos intervalos da programação no mesmo dia ou nos dias seguintes. A grade contempla programas como Espaço Cultural, que mostra espetáculos, exposições e entrevistas com músicos e artistas convidados; o EcoSenado, com discussões principalmente sobre meio ambiente e é gravado em externas pelo País; e Conversa de Músico, voltado para a música instrumental e apresentado por Dora Rocha e pelo maestro e pianista André Tribuzy, que entrevistam os convidados e explicam como funcionam os instrumentos que eles tocam. O palco das gravações de Conversa de músico são os salões do Palácio do Itamarati, em externa que privilegia a arquitetura do prédio e as obras de arte que decoram a instituição. Uma das responsáveis pela produção de programas culturais da emissora, Mayra Cunha ressalta, no entanto, que as pautas variam muito. — A grade da TV Senado é bem diversificada. No caso do jornalismo, as pautas factuais são encaminhadas para a produção do núcleo, que as avalia e tenta encaixar os temas no Jornal do Senado, que vai ao ar em duas edições diárias. O diferencial de pauta dos programas da TV Senado, em relação às demais emissoras, reside no interesse único pela informação — com a exibição das discussões das CPIs, por exemplo, sem preocupação com o crescimento de audiência que move as demais. Ainda assim, a exibição das sessões da Casa em torno das recentes discussões nacionais gerou grande interesse do público espectador.


Equipe que trabalha unida obtém melhores resultados A jornalista Viviane Medeiros deixou o cargo de repórter local da TV Globo no Rio de Janeiro, onde trabalhou dez anos, para ser repórter de rede em uma afiliada, a de São Luís, no Maranhão. Em relação à rede, ela explica, a reunião de pauta funciona com a discussão sobre qual matéria será oferecida a cada um dos telejornais nacionais da Rede Globo. Diz Viviane queaspautaspodempartirdosprodutores, dos repórteres ou dos editores... O processo é aberto a todos da Redação — As pautas que vamos efetivamente sugerir para os jornais são escolhidas por mim e pela produção com base no perfil de cada telejornal — Bom-dia, Brasil, Hoje, Jornal Nacional, Jornal da Globo, Fantástico, Globo Repórter, Globo Rural, Mais Você, Globo Esporte, Esporte Espetacular, Globonews Especial etc. Por causa disso, não temos um horário definido para a reunião de pauta na TV Mirante. Sempre que temos uma idéia, uma sugestão, nos reunimos, eu e os produtores, para discuti-la. Quando a pauta é aprovada, damos início à produção. Como também já exerceu a função de produtora, ela gosta de participar do processo, de conversar com as pessoas pelo telefone antes de marcar a entrevista pessoalmente, para ter uma idéia do que vai encontrar na hora da gravação. — Quando tenho mais tempo, gosto de conhecer o entrevistado pessoalmen-

te, bater um papo com ele antes do dia da gravação, visitar o local onde esta será feita... Assim, tenho idéia do tipo de imagem que vamos conseguir. É claro que, quando se trata de um factual, isso tudo não é possível. De qualquer maneira, é importante estar aberto para as surpresas que podem surgir durante a reportagem e ter jogo de cintura para lidar com os imprevistos, até porque nem sempre a produção consegue viabilizar tudo o que a gente gostaria para o vt. Para Viviane, a mistura dos diversos papéis e funções na redação é um fato normal. — É claro que cada profissional tem um trabalho a fazer, mas hoje em dia acho meio ultrapassado falar de cada uma dessas funções separadamente. Todos acabam fazendo um pouco de cada coisa. É claro que, na hora de editar a matéria, os editores de texto e de imagem vão para a ilha de edição juntos. Na hora de decidir para onde a equipe de reportagem deverá ser deslocada, o Chefe de Reportagem toma a decisão depois de ouvir o apurador. Da mesma maneira, pauteiros e produtores irão discutir, junto com os editores do jornal e o Chefe de Reportagem, as sugestões de pauta e como elas serão viabilizadas. Achar que cada um desses profissionais tem uma função estanque me parece um equívoco na televisão atual.

rial. Muitas vezes, enquanto o repórter apura informação com o entrevistado, o cinegrafista está de olho em um detalhe que pode render uma boa imagem. Da mesma maneira, o operador deve estar atento ao que acontece em voltaequepodeserimportante para a matéria: — Lembro-me de um episódio em que cobríamos uma visita às obras de expansão do metrô em Copacabana. Na hora de gravar a “passagem” (momento em que o repórTodos os que atuam no jornalismo na tv, e não apenas os jornalistas, ter fala diretamente são importantes para o êxito da pauta, diz Viviane Medeiros. para a câmara), o cinegrafista me pergunAlém dos profissionais da redação, tou o que eu pretendia dizer. Mostrei Viviane Medeiros destaca ainda os repórminha fala e ele pareceu meio contrariteres-cinematográficos, operadores de ado. Meu texto não permitiria que ele luz e áudio, engenheiros e técnicos resfizesse o movimento de câmara que esponsáveis por manter o veículo no ar: — tava imaginando. A idéia dele era muito Todos têm, de fato, papel fundamental melhor que a minha e, claro, mudei o meu no processo jornalístico de uma emissotexto imediatamente para adequá-lo ao ra e, muitas vezes, esses papéis se combique o repórter-cinematográfico queria nam, se misturam. fazer. Nem é preciso dizer que o resultaNo caso da equipe que vai para a rua do ficou maravilhoso. Acho que histórifazer a reportagem, repórter, repórter-cias como essa mostram a importância dos nematográfico e operador têm responsaprofissionais de tv que não aparecem para bilidades equivalentes e devem trabalhar o telespectador, mas que são fundamenafinados para conseguir o melhor matetais no exercício da reportagem.

Troca de idéias e sugestões é essencial, desde a elaboração até à execução da pauta, para colocar no ar a melhor reportagem, com a melhor imagem e as informações exatas.

Os desafios de falar a quem não pode ouvir Único telejornal diário e nacional criado especialmente com a proposta de levar informação à comunidade dos portadores de deficiência auditiva, estimada em 5 milhões de pessoas, o Jornal Visual, da TVE, existe e resiste há 18 anos. Com cinco minutos de duração, vai ao ar de segunda a sexta, às 12h25min, antes do noticiário local, e tem como editora-chefe de texto e de vídeo, desde o início de 2006, a jornalista Maria Helena Falcão. O programa conta ainda com dois produtores, uma locutora, uma entrevistadora, uma equipe que faz externas sobre matérias específicas e duas intérpretes de Libras — a linguagem brasileira de sinais. Cláudia Jacob Belga, uma das intérpretes, é pedagoga, gosta de jornalismo e cria a maioria das pautas, cuja escolha está sempre ligada às questões de interesse dos portadores de deficiências

(não apenas auditivas). A outra intérprete, Maria Paula Cunha, foi casada com um deficiente auditivo e, assim como Cláudia, tem grande envolvimento com o público-alvo do telejornal. Cada edição do Jornal Visual apresenta duas ou três matérias. Geralmente, são três vts com “cabeças” (aberturas feitas pelo apresentador) enxutas. Uma voz em off narra as notícias, tendo na tela uma intérprete de Libras — nem todos os deficientes sabem o português — que aparece em chroma key (efeito que permite a superposição de imagens) numa janela no canto direito do vídeo. O programa é pré-gravado, o que permite que as intérpretes assistam ao noticiário para saber o assunto e imprimir maior velocidade à interpretação. Para não conflitar com o telejornal que entra no ar em seguida, o Jornal Visual

não aborda o factual, o que não impede, por exemplo, que exiba os gols da rodada de uma forma toda especial, como explica Maria Helena: — Encontramos uma maneira de abordar o tema para este público. Passamos o lide, explicamos como foi a rodada e como ficaram os times na tabela, falamos sobre determinado jogo e os autores dos gols e concluímos com a expressão: “Veja o lance”. O espectador assiste à jogada sem se preocupar em perceber sinais. Ele vê o gol sem qualquer tipo de narração. Como o jornal é “visual”, ele vê. Quem não é surdo, ouve também o bg (ruído) da torcida. Saúde, esporte e cultura são as pautas que mais interessam ao programa. Mas um assunto está fora de questão: música. — Podemos falar sobre o lançamento de um livro, mas não de um cd, da mesma forma que não mostramos espetáculos musicais. Este é um assunto que só pertence a quem tem a capacidade de ouvir — diz a editora. O Jornal Visual aborda também per-

sonagens, como os portadores de deficiência que se destacam nas mais diferentes áreas. A artista plástica e poetisa Virgínia Vendramini, o recordista de medalhas e nadador Clodoaldo Silva, o judoca Antônio Tenório da Silva, o corredor do Rally dos Sertões 2006 Paulo Polido são personalidades sempre presentes na pauta do programa, pela imagem vencedora e positiva que passam ao espectador. De acordo com a editora-chefe, é muito alto o retorno do telejornal, gravado e exibido por escolas de educação de deficientes auditivos em todo o País: — Nosso trabalho é usado como material didático. Já aconteceu de fazermos programas com entrevistas e “passagens” em Libras. Ficou muito interessante. — Além de exibir o Jornal Visual, a TVE é a emissora que mais utiliza o sistema de close caption, que o espectador pode acionar em casa para ler os textos de qualquer tipo de programa: — Só não usamos esse recurso direto na tela porque causaria uma grande poluição na imagem — explica Maria Helena. Jornal da AB ABII 315 Dezembro de 2006

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ARTIGO

A rotina das festas POR M ARCOS DE CASTRO

"Não faltará peixe na Semana Santa". O título, em geral manchete de página, aparecia em quase todos os jornais, religiosamente (e o advérbio é bom para o assunto de que tratamos), ano após ano, no período que antecedia o período mais importante da liturgia católica. Ainda que a afirmação fosse sempre passível de dúvida — pois duvidosas eram as promessas dos peixeiros —, o título carrega em si uma realidade concreta: eram precárias as condições do mercado para garantir a distribuição de peixe na Semana Santa,

que culmina com a Páscoa. Em resumo, estamos diante de uma situação cujas características sempre repetidas, como em toda data religiosa anual, acabavam provocando ironias dentro das redações. Ironias, digamos logo, nunca contra a religião em si, mas contra as situações criadas, sempre iguais entra ano e sai ano, sempre um tanto insossas, por isso mesmo, para a reportagem. Os problemas de abastecimento se agravaram muito com a Segunda Guerra Mundial, daí a repetição anual da manchete no caso do peixe (os homens do mercado da pesca gostavam de substituir peixe por "pescado", palavrinha que

O Natal não muda nada, ao contrário da Semana Santa em que o peixe deixou de ser problema.

as novidades nas baterias e, além dos desfiles das escolas, as diversas festas carnavalescas pela cidade (antigamente havia o Banho de Mar a Fantasia, na Praia do Flamengo), as figuras que chegam do exterior, tudo muda todo ano. Notícia diferente é coisa que não falta no carnaval. E quanto ao Natal? Surgiu há alguns anos a Árvore da Lagoa, pinta uma coisinha aqui, outra lá, mas, fora isso, o Natal, para os que trabalham nas redações, é sempre a mesma coisa. Porque a vida da cidade não muda nada, passa longe do Menino Jesus, de Maria e de José, afogados os três no meio do compra-compracompra que é o objetivo da publicidade ARQUIVO RIOTUR

Tudo isso foi crescendo e, hipertrofiada, a festa perdeu o seu lado ingênuo. De notinha de segundo clichê, virou atração de tv com seu foguetório, luzes, cores, cascatas de fogos, milhões de pessoas quando a procura (as páginas de economia diriam "demanda") por peixe aumenta muito. Aumenta — não será despiciendo dizer, pois os adeptos de uma sempre ignoram quase tudo sobre a religião de outros — porque a tradição católica proíbe comer carne de boi ou de porco na Semana Santa (hoje a proibição no período restringe-se à Sexta-Feira Santa). Na outra ponta dessa proibição está, evidentemente, o aumento considerável por ela provocado na procura de peixe nos dias do período 6

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ninguém usa em casa: é um termo técnico da corporação comercial). Nos anos que se seguiram à guerra, os problemas persistiram, daí a insistência na repetição anual dos títulos de jornais, insistência que inevitavelmente levava à ironia. Hoje não há mais problema quanto ao abastecimento de peixe. Mas, e quanto às outras festas que se repetem anualmente? Não falemos no carnaval, que esse traz sempre novidades. Os novos enredos, os novos sambas-enredos, a riqueza dos carros alegóricos, os destaques de cada ala,

brutal do consumismo, a nos meter a todos numa roda-viva. Na verdade, os anúncios só falam em "presente", de certa forma um eufemismo para usar no lugar de "compras". Quer dizer, de comércio. Quer dizer, de consumo. Machado de Assis, nosso genial romancista e contista que também cometeu suas poesias, pergunta na chave de ouro de um soneto célebre: "Mudaria o Natal ou mudei eu?" Terá mudado o poeta, hão de responder os jornalistas que dão plantão nas redações nessa época do ano.

Mudança de horário Rigorosamente, só mudou o horário da Missa do Galo (e o bom leitor de Machado aqui há de voltar a ele e ao conto que leva esse título, discretamente sensual, em que o jovem agregado observa com sensualidade contida o "balanço do corpo" e o pisar "mansinho" de Conceição). Hoje, preocupados com a segurança de seus fiéis, os párocos rebaixaram a Missa do Galo da meia-noite para o prosaico horário das 20h, pouco mais, pouco menos. Que fazer, senão adaptar-se à sem-gracice? Resta o ano-bom. Neste, as mudanças foram consideráveis. Conheço um redator que tirou muito plantão nessas festas e tinha de fazer força para não dormir. Havia os diversos bailes da virada de ano em clubes e hotéis luxuosos. Mas baile rende pouca notícia para jornal, ainda mais começando à meia-noite. E havia sempre uns grupos de umbanda que iam levar flores para Iemanjá na Praia de Copacabana. Isso dava, sem falta, um textinho para segundo clichê (denominação imprópria, hoje devidamente alterada para segunda edição) — e textinho poético, uma vez que se tratava de mar, da Rainha do Mar, de flores e dos trajes brancos da bela religião africana que nos trouxeram os negros. Tudo isso foi crescendo e, hipertrofiada, a festa perdeu o seu lado ingênuo. De notinha de segundo clichê, virou atração de tv com seu foguetório, luzes, cores, cascatas de fogos, milhões de pessoas (dizem que 2 milhões: nunca entendi bem como se faz essa contagem). É transmissão ao vivo para o Brasil inteiro e para vários países. Algumas de nossas cidades grandes buscaram marcar sua passagem de ano com festa semelhante, mas lhes falta a graciosa curva de três quilômetros e meio da Praia de Copacabana, faltamlhes os devotos de Iemanjá a jogar flores para a Rainha do Mar. Toda essa grandiosidade, entretanto, acabou virando rotina também. Rotina majestosa, só quebrada quando acontece alguma tragédia como a do Bateau Mouche — ai de nós, repórteres, sempre em busca de uma coisa diferente! Hoje pedimos a Deus que nos dê muita rotina, sem nada diferente nessas festas que se repetem ao infinito. E originalidade para cobri-las sempre com um espírito novo — pois as pessoas são novas a cada noite de 31 de dezembro, novo é o espírito que se respira a cada passagem de ano, nova será sempre a esperança.

Marcos de Castro, jornalista, ganhador do Prêmio Esso de 1969, é sócio da ABI.


DEPOIMENTO JOSÉ MEIRELLES PASSOS FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

Às vésperas de completar 20 anos como correspondente internacional nos Estados Unidos, Meirelles Passos conhece todos os paises latino-americanos, à exceção do Equador

O repórter de muito fôlego Correspondente diz que jornalista deve ouvir mais do que falar, estar sempre atento e ter muita curiosidade. NALDO MARQU ES ENTREVISTA A J OSÉ REI EINALDO ARQUES

Em janeiro de 2007, José Meirelles Passos completa 20 anos como correspondente internacional de O Globo, nos Estados Unidos. O repórter mora em Washington e trabalha no escritório do jornal, a uma quadra da Casa Branca. Por conta do jornalismo, Meirelles — que se formou em Santos-SP e já conheceu cerca de 39 países — fez sua estréia como correspondente viajando pela América Latina, quan-

do trabalhava na IstoÉ. Em seguida, foi convidado pela Veja para ser correspondente em Buenos Aires. Nesse período, o único país que não visitou foi o Equador — “uma lacuna que dia desses, quem sabe, eu preencho”, diz. Aqui, ele conta como começou o seu interesse pelo noticiário internacional e por que a reportagem é sua área preferida dentro do jornalismo, “seja qual for o assunto”. Jornal da AB ABII 315 Dezembro de 2006

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DEPOIMENTO JOSÉ MEIRELLES PASSOS

Jornal da ABI — Quando você decidiu que seria jornalista? José Meirelles Passos — Cedo, ainda no ginásio, talvez pelo gosto da leitura. Meu pai tinha muitos livros, assinava jornais, era um bom contador de histórias. Isso tudo certamente influenciou. Na escola primária, eu gostava das aulas de Redação. A professora dava um tema e a gente tinha de escrever a respeito. Eram coisas do tipo “O último fim de semana”, “O quintal de minha casa”. Quer dizer: na prática você tinha que escrever um relato informativo, uma espécie de reportagem. Às vezes acontecia uma coisa chamada de “Composição à vista de uma gravura”. Ela colocava uma pintura ou fotografia lá na frente da sala e tínhamos de escrever a respeito, entrar na cena, descrevê-la, contar uma história, tendo aquilo como pano de fundo.

tráfico de drogas. Ele pediu que eu fosse ao seu encontro e me contou que, no sábado, haveria um golpe comandado pelo General Natush Bush, além de me dar uma carta, dizendo que eu a apresentasse no quartel para ter passe livre.

Jornal da ABI — E funcionou? Mirelles — Sim. Quando cheguei, mostrei os documentos e os caras me deram um salvo-conduto. Disseram: “Amanhã, às 5h, vamos botar os tanques nas ruas, dar uns tiros para o alto e ocupar o aeroporto.” E garantiram que, com aquele Muito jovem, Meirelles teve o privilégio de entrevistar um monstro sagrado da literatura: Jorge Luís Borges. documento, eu não teria Jornal da ABI — Você se sente gratifiproblemas. Resultado: vi cado com a escolha? esse golpe de dentro, pois passei um dia de 1980. Passei a cobrir América Latina, de remédio, em busca de dicas, idéias, Meirelles — Muito! É o que eu mais no quartel. Os outros correspondentes residindo em São Paulo e viajando pelos inspiração. Talvez seja um vício trabalhisgosto de fazer. É um trabalho que me dá não tinham como sair de La Paz para Santa países vizinhos. ta. É que sempre há algo que dá uma boa prazer, que me ensina algo todos os dias. Cruz de La Sierra, eu era o único jornamatéria, não é mesmo? Até uma frase Ele me dá chances de ver a História de lista estrangeiro na cidade. Para transmitir Jornal da ABI — Em meados dos anos ouvida no metrô, no botequim... perto, de registrá-la, de aprender a viver. o telex com a matéria (na época não havia 80, você também foi correspondente da Veja A profissão me leva a conhecer o mune-mail), tive que ir ao escritório de uma na Argentina. Jornal da ABI — Qual é a fase mais indo, algumas vezes do lado do avesso. empresa norte-americana. Foi um barato. Meirelles — Recebi convite da Veja para teressante da reportagem? ser correspondente em Buenos Aires, Meirelles — Não separo uma coisa da Jornal da ABI — Costuma haver uma Jornal da ABI — Antes de ingressar em onde cheguei em janeiro de 1984. Dois outra. São três fases distintas: o chamamatéria marcante no início da carreira dos O Globo, onde você trabalhou? anos e meio depois, passei para O Globo, do “dever de casa”, que é a preparação para repórteres. Você tem alguma? Meirelles — Iniciei a carreira no Cidade ainda na capital argentina. Seis meses mais mergulhar num determinado assunto, Meirelles — Ah, foram tantas... Nede Santos, jornal vinculado à Folha de S. tarde o jornal me transferiu para Waseguido da apuração e, então, da elaboranhuma de grande destaque, mas muitas Paulo. Depois, fui trabalhar na sucursal shington, onde, em janeiro do ano que ção do texto. Ouço com freqüência copequenas e interessantes histórias do santista do Estadão, passei a colaborar vem, vou completar 20 anos de trabalho. legas dizendo “agora chegou a pior parcotidiano. com o Movimento e começaram a surgir te”, diante do teclado. uns frilas para a IstoÉ, nos seus bons temJornal da ABI — Teve algum problema Há um costume que vem da época das Jornal da ABI — E o golpe militar na pos. Quando Mino Carta criou o Jornal de adaptação nos Estados Unidos? máquinas de escrever, mas que perdura Bolívia, em 81? da República, veio o convite para ir para Meirelles — Não há grandes diferenmesmo na geração que iniciou a profisMeirelles — Foi uma experiência a capital paulista. O jornal durou só ças, mas a questão das facilidades e difisão já nos computadores, e que de certa muito doida. Eu era correspondente quatro meses, mas sobrevivi. Mino me culdades, de acesso a fontes e, é claro, de forma reflete isso: as pessoas dizem que d a IstoÉ e conheci um deputado boliviconvidou para ficar na IstoÉ, na qual fui comunicação. Transmitir uma matéria vão “bater a matéria”. Costumo dizer que ano cassado, que vivia em São Paulo. repórter de todas as áreas, o que me preou fotografia, nos EUA, mesmo estando não bato, mas escrevo matérias — e acho Telefonei para ele e disse que numa sexparou ainda mais para a vida futura de no interiorzão, é bem mais fácil do que que nisso está uma diferença clara. Vejo ta-feira estaria embarcando para Santa correspondente internacional — que, no interior — às vezes até mesmo numa gente ligando o piloto automático na hora Cruz de La Sierra, para apurar o envolvialiás, começou na revista, com a cobercapital — da América Latina. de escrever, mas acho errado. Cada hismento do Coverno Garcia Meza com o tura de outro golpe na Bolívia, em julho tória é uma história, por menor que seja, Joranl da ABI — Você costuma se autopor mais desinteressante ou corriqueiro definir como um repórter que gosta das que seja o assunto. É preciso respeitar o matérias que exigem fôlego e investigação. leitor e o próprio ofício. É sua principal característica profissional? Meirelles — Acho que seria mais esJornal da ABI — O que ser correspondente tar sempre atento, ser curioso, ouvir mais significou em termos de oportunidades? do que falar e observar com determinaMeirelles — Aprender outros idiomas, ção. As matérias de maior fôlego, sem viajar, penetrar em outros mundos, codúvida, são mais gratificantes. Exigem, nhecer in loco outras culturas. Isso foi me sobretudo, pesquisa prévia, respeito e, fascinando aos poucos. Até aqui, já foram depois, tenacidade. O rótulo “investiga39 países percorridos a trabalho. Nota-se ção” me incomoda um pouco, no sentique faltam muitos mais, não é? No fundo de que hoje isso parece ser encarado do, a carreira de correspondente internacomo uma especialidade desse ofício cional cristalizou algo surgido no início, quando, na verdade, todo jornalismo deve que era o papel de repórter-faz-tudo. ser investigativo por definição — como Prefiro não me especializar. Gosto do bem diz um dos mais notáveis repórtedesafio de estar pronto para o que der e res veteranos, Gabriel García Márquez. vier. Exige muito esforço, leitura, atenção. E viver intensamente. Jornal da ABI — A reportagem sempre foi seu maior interesse? Jornal da ABI — Quantas viagens cosMeirelles — Sem dúvida alguma, seja tuma fazer por ano em busca de boas reporqual for o assunto. É claro que há temas tagens? que apreciamos mais, em que trafegamos Meirelles — Menos do que eu gostamelhor, mas estou aberto a tudo. Costuria. Os EUA são um país grande. Já fui a Meirelles fez reportagens em 39 países, cobrindo desde guerras e revoluções a assuntos culturais e mundanos. Aqui ele tem como fundo o casario de Praga, a bela capital da extinta Tcheco-Eslováquia. mo dizer que leio com atenção até bula muitas partes aqui, mas falta muito por 8

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conhecer. Ao mesmo tempo, não posso reclamar muito, porque Washington acabou servindo de trampolim para reportagens, por exemplo, em Dubai, Bangkok, Berlim, Paris, Hong Kong, Taipei, Bagdá, Cairo, Bogotá, Caracas, Ilhas Caiman, Teerã, Moscou, Havana. Jornal da ABI — Alguma vez você foi criticado no exterior por causa de alguma reportagem? Meirelles — Criticado, não. Vigiado, sim. No Uruguai, na Argentina, no Chile, durante os anos negros das ditaduras militares, algumas vezes sofri pressões — digamos, morais — por algo que tinha escrito e, pior, por algo que ainda não tinha escrito — ou seja, tinha impedido o acesso à informação. No Iraque, na época do Saddam Hussein, jornalista não podia circular sem a companhia de um funcionário do Ministério do Interior, um espião do Governo. No Irã é a mesma coisa.

cia, de Esportes, de Porto (lá em Santos era uma área específica, dentro da Economia), de Política (e isso na época da ditadura militar), de variedades... É preciso, ainda, ter uma boa idéia de como funciona o meio, ter noção de fechamento, de todo o processo, pois fazemos um trabalho em equipe e é crucial para o bom andamento das coisas estar sintonizado, saber as necessidades e dificuldades de cada setor, para fazer a máquina andar bem azeitada. Residir num país e escrever para outro é um grande desafio. Jornal da ABI — Como assim? Meirelles — É preciso não deixar romper o cordão umbilical, tanto em termos de informação (coisas que estão acontecendo no seu país de origem) quanto em termos de linguagem. Há coisas que deixam de ser interessantes para os leitores do seu país e outras que interessam e para você são corriqueiras, sem importância.

Coleção de credenciais de Meirelles: uma da antiga União Soviética, outra do Chile do sanguinário ditador Pinochet, onde sofreu pressões até pelo que ainda não escrevera.

então, o correspondente tem de entrar num assunto que já rola nesses meios? Jornal da ABI — Qual seria a saída? Meirelles — Seria conveniente que os correspondentes atuais pudessem trabalhar como os de décadas atrás, quando não existia internet e o acesso a outros meios era remoto: investir em histórias próprias, gastar sola de sapato. É claro que há fatos que devem ser cobertos pelo profissional da casa, mesmo havendo abundância de informações de outras fontes, por uma questão de prestígio do próprio jornal. Matérias, por exemplo, sobre a morte ou eleição de um papa, tragédias, eleições presidenciais. Sem contar que precisamos ter sempre o “olhar brasileiro” sobre os eventos.

Jornal da ABI — Gostaria que você falasse sobre A noite dos generais: os bastidores do terror militar na Argentina. Meirelles — É um livro sobre o julgamento, em 1985, das três juntas militares que governaram a Argentinade76a82.Passeioitomeses indo ao tribunal. Também tive acesso à transcrição dos depoimentos dos militares acusados e reparei que as histórias se repetiam. Fiz contato com familiares, entrevistei várias pessoas. O livro é sobre Por falar em guerra: eis Meirelles Passos na destroçada Bagdá, onde ser repórter é correr risco de morte. esse lado que as reportagens não tinham como revelar, com os bastidores dos generais na prisão. Jornal da ABI — Das grandes personaÉ importante estar ligado nisso e, sobrelidades mundiais que você entrevistou qual tudo, conhecer o perfil do leitor, que é o Jornal da ABI — Já pensou em escrever mais o impressionou? seu verdadeiro patrão. Hoje todos os grannovamente sobre episódios que não coubeMeirelles — Três escritores: Jorge Luis des veículos têm uma boa idéia disso. ram em outras reportagens? Borges, Julio Cortázar e Gabriel García Meirelles — Às vezes me vem essa idéia, Márquez, sendo que, com este último, não Jornal da ABI — O trabalho dos corresque acaba sendo abafada pela falta de houve uma entrevista formal, coisa que pondentes brasileiros é bem utilizado pela tempo. Como se costuma dizer, as notíele detesta, mas quatro conversas breves, mídia nacional? cias que interessam começam em Waem meio a eventos dos quais ele particiMeirelles — É difícil generalizar, desshington ou passam por aqui. Estamos pava, em quatro países distintos: Colômconhecendo os bastidores dos demais, sempre trabalhando — e com tantos bia (Cartagena de Índias), EUA (Washingembora conversemos entre nós. O que temas que fica difícil pinçar um para ton), Cuba (Havana) e França (Paris). vejo, basicamente, levando em conta o investir a fundo, num livro. Seja como Outro bom papo foi com Woody Allen. investimento feito neles, é que muitas for, ando pensando em reunir reportavezes os correspondentes são usados mais gens num volume, coisas já publicadas, Jornal da ABI — Como se constrói uma como redatores de luxo, cobrindo buramas com um toque a mais. carreira consistente como correspondente cos na redação, por falta de pessoal. Deinternacional? veríamos ter a chance de investir mais em Jornal da ABI — Que toque a mais você Meirelles — Acho essencial ter uma matérias próprias, sem concorrer com as daria? base sólida sobre o seu próprio país. E não agências de notícias. Os grandes jornais apenas uma base teórica, mas também de Meirelles — Explico: das coisas que contam com o serviço de várias delas, além mais me interessaram, sempre guardei as prática jornalística, de trabalho de rua. de dispor do material de pelo menos dois anotações. Em jornal, o espaço costuma Tive a sorte de ter sido repórter de Polígrandes jornais estrangeiros. Por que,

ser restrito, mesmo nas edições de domingo. Gostaria, portanto, de revisitar algumas reportagens, ampliando-as. São temas, pessoas, histórias que não perdem a atualidade. E que, no fundo, não foram exploradas — quero dizer, exibidas — em sua totalidade. Jornal da ABI — Cite uma. Meirelles — Isso é como perguntar “de qual das suas filhas você mais gosta”. Só da cobertura nas guerras do Iraque (1991 e 2003) há várias, sem os efeitos pirotécnicos, centradas no que, na profissão, nos habituamos a definir como “o lado humano”. Uma cobertura que gostei muito de fazer foi a da morte de Kurt Cobain, do Nirvana. Passei uma semana em Seattle e arredores, conversando com meio mundo: a mãe dele, colegas de escola, garçonetes de um boteco onde ele começara a carreira, professores. Era uma radiografia da vida do roqueiro, com detalhes que de alguma forma explicavam o que o levou a um triste fim. Jornal da ABI — Gostaria que você apontasse os erros e acertos da imprensa nos países em que trabalhou. Meirelles — Caramba, isso é amplo demais. Fiquemos nos dois lugares de residência: Argentina e Estados Unidos. Eu achava, e continuo achando, a imprensa argentina meio provinciana. Na época em que morei lá (segunda metade dos anos 80), os dois principais jornais, La Nación e Clarín, tinham correspondentes apenas na Espanha, pois é a mãe pátria. Era como se o Brasil só tivesse correspondentes em Portugal. Hoje eles estão mais... moderninhos.. Outra coisa que acabou, até onde sei, é a profissionalização do ofício, se é que se pode dizer assim com referência ao aspecto que quero mencionar. Seguinte: jornais e revistas argentinos costumavam publicar fotos de seus repórteres entrevistando ministros, artistas, jogadores de futebol, como se tivessem a necessidade de provar ao leitor que o jornalista de fato conversou com o personagem. E isso, no fim, acabou virando um culto à imagem dos profissionais, como acontece hoje em geral, em todos os países, em relação aos colegas que aparecem na TV. Jornal da ABI — Qual é a sua impressão sobre as tentativas do Presidente Bush de controlar os meios de comunicação? Meirelles — Um atraso, uma regressão inacreditável. Entende-se perfeitamente o motivo disso, mas é inaceitável. Jornal da AB ABII 315 Dezembro de 2006

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Aconteceu na ABI

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O pior é que muitos colegas e veículos americanos acabam aceitando isso. Eles têm fama cinematográfica de liberdade, rebeldia, de paladinos da verdade, mas abaixam muito a cabeça perante o Governo.Hoje,sóopõemcontraaparedequando a situação está reconhecidamente ruim para o país, como é o caso agora com a crescente “conscientização” de que os EUA deram com os burros n’água no Iraque. Agora todo mundo (leia-se a imprensa americana em geral) chuta cachorro morto. Basta reler os jornais e revistas da época pré-invasão para ver que raríssimas vozes se levantaram contra nos meios de comunicação. Jornal da ABI — Jornais como Miami Herald e The New York Times tiveram, recentemente, problemas com reportagens fraudulentas. Esses episódios afetaram a credibilidade da imprensa americana? Meirelles — Sem dúvida. Hoje existe uma desconfiança muito grande em relação ao que é publicado.

em geral, e a campanha no Rio, em particular. Um olhar estrangeiro com raízes legitimamente nacionais. E não podia ter sido melhor. Tive a chance, entre outras coisas, de entrar na favela da Rocinha, de visitar a Baixada Fluminense, de ir ao sertão de Alagoas... um banho de Brasil. Jornal da ABI— A imprensa nacional fez uma boa cobertura do processo eleitoral? Meirelles — Muito boa. Não devemos nada a ninguém, do ponto de vista do exercício da profissão. Marcação em cima, exageros à parte. Determinação. Trabalho duro. Dedicação. Redações com pouca gente fazendo das tripas coração para apresentar um retrato verossímil do que estava acontecendo. Jornal da ABI — Uma reportagem da Carta Capital indica que houve conivência de jornalistas com um delegado da Polícia Federal no escândalo do dossiê. Você tem opinião sobre o episódio? Meirelles — Apenas li a respeito. Fico com a impressão, em relação a esse e outros casos, de que sofremos (jornais e revistas) uma “síndrome da internet”. Ou seja: uma preocupação em colocar logo nas ruas fatos que não chegamos a averiguar adequadamente. Aí surgem os desmentidos, comprovam-se falhas, surgem versões mais fantasiosas, e acaba tudo virando um tiroteio que, no fim das contas, é uma ameaça à credibilidade da imprensa.

“Vejo gente ligando o piloto automático na hora de escrever, mas acho errado. Cada história é uma história, por menor que seja, por mais desinteressante ou corriqueiro que seja o assunto.”

Jornal da ABI — Na Bolívia, o presidente Evo Morales reclama que os jornalistas locais lhe dão tratamento preconceituoso. A reclamação procede? Meirelles — É claro que há uma ponta de preconceito nisso. Não precisamos ir aos Andes para notar isso; vê-se algo do gênero também com relação ao Lula, no Brasil.

Jornal da ABI — Por sua vez, Hugo Chavez, da Venezuela, acusa a CNN de mentir a seu respeito. Ele é discriminado pela imprensa americana? Meirelles — Não chega a ser discriminado, mas é visto com enorme desconfiança. O problema é que ele cada dia mais se auto-ridiculariza. O papelão que fez na Onu recentemente, chamando Bush de diabo, dizendo que ainda sentia o cheiro de enxofre (Bush tinha estado no mesmo pódio na véspera) e fazendo o sinal da cruz, foi no mínimo o desperdício de uma ótima oportunidade de dar um recado contundente, de expor idéias. A vitrine era dele e foi, simplesmente, por ele destroçada. Jornal da ABI — Quais são os temas de maior destaque sobre as sociedades sul-americanas na mídia estadunidense? Meirelles — A imigração ilegal é o carro-chefe, seguida do narcotráfico. Jornal da ABI — Por que você veio ao País cobrir o primeiro turno das eleições? Meirelles — Para recarregar as baterias, por assim dizer. Para retomar o contato direto com o Brasil, ajudar no grande esforço de cobertura feito por O Globo e, eventualmente, contribuir com uma espécie de olhar estrangeiro sobre o País, 10

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Jornal da ABI — Qual é a sua visão sobre o desempenho da mídia nos últimos 20 anos? Meirelles — Referindo-me à mídia de todo o mundo, e não apenas à brasileira, creio que tem sido bom, ainda que nos últimos tempos haja uma forte tendência de transformar a notícia em entretenimento, ou dar mais espaço às notícias dessa área. Tudo vira show. Também me preocupa os jornalistas estarem se transformando em notícia, tendo mais notoriedade do que a própria informação. Veja o caso específico dos blogs: eles estão virando diários íntimos, com muito comentário, muito “eu-acho-que” e pouca informação. Jornal da ABI — Se você tivesse que eleger um veículo e um profissional internacionais pela qualidade da produção jornalística, quais seriam? Meirelles — Mais de um. Acho que o New York Times é um produto de alta qualidade, entre os jornalões. Nas revistas semanais, The Economist bate todas do gênero e, num aspecto mais amplo, a New Yorker é um luxo. Quanto ao jornalista, também fico no plural: John Burns, atualmente chefe da sucursal do New York Times em Bagdá; e Jon Lee Anderson, repórter da New Yorker.

INTERCÂMBIO

Imprensa do Brasil impressiona angolanos Angola mudará legislação para permitir o funcionamento de emissoras privadas de tv e anuncia intenção de firmar convênio com a ABI para treinamento de profissionais. POR C LAUDIO C ARNEIRO

Eles atravessaram o Atlântico para conhecer como fazemos jornalismo. O Diretor do Gabinete de Acompanhamento à Imprensa Regional e Local do Ministério da Comunicação Social de Angola, Guilherme Simões, e o Diretor do Semanário Angolense, Graça Campos, acompanhados do representante do Governo José António dos Santos, visitaram a ABI e mantiveram conversações com a Diretora de JornalisGuilherme Simões (1º à esq.), do Ministério da mo Joseti Marques. Com as Comunicação Social de Angola, Graça Campos (ao centro), dificuldades de um país que diretor de jornal, e José Antônio dos Santos, do Governo de enfrentou uma dramática Angola: em busca de melhorias para a imprensa do país. guerra civil, encerrada há quatro anos, Angola tenta reorganizar prevê a participação do setor privado no suas comunicações e atualizar-se densegmento. tro do novo cenário tecnológico que inJoseti Marques disse aos visitantes clui a digitalização dos veículos e tem a que a ABI está aberta ao estabelecimeninternet como ferramenta fundamental. to de parcerias que levem à formação proGuilherme Simões destacou seu defissional dos colegas angolanos e, acessejo de trocar informações sobre o funsando o site ABI Online, mostrou a excionamento da imprensa brasileira e deperiência bem-sucedida com os Cursos monstrar que Angola pretende fomenLivres de Jornalismo da ABI. Perguntatar sua imprensa, tanto pública quanto da sobre a possibilidade de levar estes privada, buscando formação profissiocursos aos profissionais angolanos, ela nal da mão-de-obra existente em seu país. disse que a ABI espera ser “provocada” para — Nesse sentido, creio que a ABI, com que isso ocorra em breve tempo: sua centenária tradição e experiência, — Gostaríamos imensamente de poderá contribuir para formar nossos atender a esse desafio. Estes cursos são jornalistas e demonstrar como funciocomplementares à formação universinam aqui não somente as empresas de tária. Além disso, nossos professores, que comunicação, mas também a legislação, são profissionais formados e de notório os direitos dos profissionais de imprensa saber, conhecem bem como está a emene as questões éticas. ta das universidades e acabam preenchenSimões informou que Angola tem do as falhas e lacunas deixadas por estas cursos médios de Jornalismo, uma exinstituições, oferecendo uma visão mais tensão na faculdade de Letras que precrítica, politicamente mais densa e um vê a formação em Comunicação Sociolhar humanístico mais fundamentaal e ainda três instituições privadas que do para que estes profissionais possam formam profissionais de imprensa. Ele fazer a diferença no mercado. também manifestou entusiasmo ao saJoseti lembrou a importância históber que os Cursos Livres de Jornalismo rica da ABI na vida política brasileira e da ABI têm grande prestígio em todo o sua luta pela liberdade de expressão, pela Brasil no que diz respeito à formação democracia e pelos direitos humanos. profissional e se disse disposto a promoO empresário Graça Campos, que ver parcerias entre a ABI e o Governo vem com freqüência ao Brasil, também angolano. se disse interessado pelas coisas do País O desenvolvimento das técnicas e e afirmou que “a imprensa brasileira está práticas jornalísticas, a recuperação das num patamar de desenvolvimento exinstalações de imprensa danificadas petraordinário”. Falando sobre o uso da la guerra e a aproximação dos veículos internet pela imprensa angolana, ele com as novas tecnologias são os prindisse que seu país ainda está engatinhancipais objetivos que o dirigente angodo no assunto. lano busca levar do Brasil. Guilherme — A grande rede ainda é um fenômelembrou que o setor privado em seu país no relativamente novo em Angola e não tem sete jornais e cinco emissoras de está suficientemente massificada. De rádio. Os canais de tv pública são dois forma que a comunicação social é pree não há empresas privadas de televisão. dominantemente encaminhada para o Ele ressaltou que, recentemente, o Gojornal impresso, o rádio e a televisão. A verno criou uma nova legislação que internet é uma área virgem ainda.


REPRODUÇÃO

PASCHOAL, 100 ANOS Artistas e intelectuais prestam homenagem na ABI ao criador do Teatro do Estudante do Brasil, uma das muitas realizações de sua vida fecunda. P OR C LAUDIO C ARNEIRO

diar a Aldeia de Arcozelo, porque não recebia verbas para mantê-la, recebeu centenas de envelopes com dinheiro, enviados pelas crianças. Também Maurício Azêdo destacou o espírito incansável do homenageado e comentou que o teatro foi, entre todas as artes do País, “a mais atingida pelo regime militar”: — Entendemos que, com este ato, que conta com a participação da influente lutadora Zoé Chagas Freitas, estamos fazendo justiça a este grande nome de nossa cultura.

Desde Celso Furtado — que foi Ministro da Cultura de José Sarney — nenhuma outra autoridade do Governo tomou a iniciativa de promover a conservação ou reformas das instalações do Centro Cultural da Aldeia de Arcozelo. Criado por Paschoal Carlos Magno para abrigar todas as artes, o espaço acabou esquecido pelas administrações mais recentes do País. A denúncia, em tom de desabafo, foi de Martinho de Carvalho, biógrafo e amigo de Paschoal Carlos Magno, durante Criação sessão solene na ABI em homenagem ao Para Maria Pompeu, o Teatro Duse foi poeta, produtor, jornalista, crítico, autor, uma das grandes criações de Paschoal Cardiretor teatral e diplomata, que complelos Magno: — Era uma taria 100 anos em 2006. escola que formou A sessão solene, realigrandes artistas. Tenho zada no dia 29 de dezemmuita saudade de Pasbro na Sala Heitor Belchoal. trão, foi aberta pelo PreTereza Rachel, por sidente da ABI, Maurício sua vez, emocionou-se Azêdo, e contou com a ao lembrar que, aos 16 participação de diversos anos, teve a sorte de fanomes ligados ao teatro, zer parte de um grupo como as atrizes Maria de novos artistas que — Pompeu e Tereza Rachel, graças ao patrocínio o ator Edson Silva; o exque Paschoal conseguiu Secretário Nacional de com Assis ChateaubriCultura Ipojuca Pontes; and — excursionou por o Diretor do Serviço diversos teatros da EuNacional de Teatro, Orlando Miranda; a PresiMartinho de Carvalho, amigo ropa: — Ele era habilidoso dente do Conselho Mue biógrafo de Paschoal: e inteligente. Graças a nicipal de Patrimônio Arcozelo foi abandonada. ele, o Vitor Berbara me Cultural, Dona Zoé Chalevou para a extinta TV Rio. Depois fui gas Freitas; o autor teatral Luiz Osvaldo, para a Tupi, onde trabalhei com colegas e o assessor de artes cênicas da Funarte, pescomo Cyll Farney, Fábio Sabag e Mauríquisador e ator Sérgio Fonta. cio Shermann. Posso dizer que lamento Martinho de Carvalho lembrou que muito que Paschoal não esteja vivo, pois o homenageado tinha uma personalidaainda hoje seria necessário e fundamende contagiante e botava todo mundo para tal para o nosso teatro. trabalhar: — Era um empreendedor que Dona Zoé Chagas Freitas contou que entrou para a carreira diplomática porconheceu Paschoal Carlos Magno na Soque era uma pessoa envolvente. Uma vez, ciedade Pestalozzi, onde ele era professor no Recife, pôs 2 mil pessoas no teatro. O de Teatro: — Nessa ocasião, em 39 e na golpe de 64 acabou com esse ímpeto. Ele década de 40, faziam parte do grupo a Tônia não foi cassado, mas esteve “congelado” Carrero e a Maria Clara Machado. Eu era pelos militares. Quando ameaçou incen-

aluna do Teatro de Bonecos. O Paschoal era um realizador, um homem admirável. Considero muito oportuna e adequada esta homenagem da ABI. Imponência

Nas palavras de Ipojuca Pontes, Paschoal era um homem imponente, “um personagem de Fellini”: — Habilidoso e político, ele tinha um estilo pessoal, era uma força da natureza, com grande atuação na diplomacia. O jornalista Paulo Francis disse, uma vez, que ele era um rolo compressor. Quando o Paschoal morreu, o teatro não perdeu apenas um grande nome, mas perdeu também parte de sua essência e de seu romantismo.

Já o Diretor Cultural da ABI, Jesus Chediak, destacou que Paschoal Carlos Magno era um “fazedor” cultural com quem teve a honra de conviver e de quem se orgulha de ter ouvido a frase “você é o filho que me chegou atrasado”: — Era uma figura humana tão singular e tão querida que, quando ele morreu houve 700 missas de sétimo dia por sua alma, um número recorde, jamais registrado em outra ocasião. Orlando Miranda ressaltou o acerto da instituição em encerrar o ano com a homenagem: — É um estímulo à nossa cultura e aos novos talentos — comentou. Ao lado do Presidente do Instituto Cultural Chiquinha Gonzaga, Raimun-

Lembrança da montagem pioneira de Shakespeare Mário Barata viu o Romeu e Julieta que Paschoal dirigiu em 1938 no Teatro do Estudante. O jornalista, professor e Conselheiro da ABI Mário Barata conta que conheceu Paschoal Carlos Magno no começo da sua vida pública, quando atuava na Casa do Estudante do Brasil, e em seguida no Teatro do Estudante do Brasil, nos seus primórdios, em 1938. A aproximação se deu por intermédio do seu pai, jornalista Hamilton Barata, de quem o diretor teatral era admirador. — Nascido em 1906, Carlos Magno tinha 32 anos quando eu o conheci, em 1938, e estava começando a carreira dele no teatro. Ele era admirador do meu pai, jornalista, que dirigia um jornal hebdomadário chamado O homem livre. E um dia foi à nossa casa, no bairro do Grajaú, levar de

presente um livro seu de poesia chamado Esplendor. Foi aí que eu passei a conhecê-lo. Mário Barata — que na Casa do Estudante passou a conviver mais de perto com o empreendedor teatral — também foi ator de teatro na juventude e participou da primeira montagem de Romeu e Julieta, de Shakespeare, dirigida por Carlos Magno no Teatro do Estudante. A peça teve como protagonistas as atrizes Itália Fausta e Sônia Oiticica, que fazia o papel de Julieta. Conta o professor que naquela época a Casa do Estudante do Brasil não tinha sede própria e funcionava num imóvel alugado no Largo da Carioca, no Centro, onde aconteciam as reuniões do

pessoal que ia participar do início da companhia de teatro estudantil que Carlos Magno estava formando. Fundada em 1929, a Casa foi a primeira entidade a congregar os estudantes em nosso País. — Paschoal freqüentou muito o início da Casa do Estudante. Na época, ele era aluno da Faculdade de Direito e apoiava a administração da DiretoraPresidente Ana Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, que era poetisa e cunhada do jornalista Austregésilo de Athayde, que foi Conselheiro da ABI e Presidente da Academia Brasileira de Letras. Eu ia muito à Casa do Estudante que nessa época era uma força iniciadora do movimento estudantil.

Ipojuca (1º à esq.) definiu Paschoal Carlos Magno como “um personagem de Fellini”. Chediak, Dona Zoé e Maria Pompeu (na mesa), Tereza Rachel e Edson Silva (à dir.) narraram episódios da fecunda aventura humana e cultural de Paschoal.

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Aconteceu na ABI MÉRITO

O timoneiro Hermínio ganha biografia

Jovem, Sérgio Fonta escrevia sobre teatro. Exultou ao saber que Paschoal era seu leitor

do Alberto, Sérgio Fonta, por sua vez, lembrou que a Funarte disponibiliza “informações sobre esse querido homem de teatro” na internet (www.funarte. gov.br/canalfunarte). E também contou uma história sobre Paschoal: — Eu escrevia sobre teatro. Um dia, nos encontramos e ele disse: “Leio você. Às vezes concordo e às vezes discordo. Mas você é um homem de teatro.” Eu me senti como se tivesse ganhado na loteria. O Empreendedor

Paschoal Carlos Magno iniciou a carreira como ator, mas foi como crítico, produtor, autor e diretor que se destacou. Aos 23 anos, já escrevia críticas teatrais na imprensa carioca. Dois anos depois, como autor, recebeu um prêmio da Academia Brasileira de Letras pela peça Pierrot. Fundou, em Santa Teresa, o Teatro Duse, o único teatro-laboratório do Brasil, hoje batizado Casa Funarte Paschoal Carlos Magno — que lançou atores, diretores, cenógrafos, figurinistas, técnicos e autores. Também introduziu no País a função de diretor teatral. Aos 32 anos, dirigiu Romeu e Julieta, de William Shakespeare. Em 1946, a crítica londrina aplaudiu a peça de Paschoal “Tomorow will be different”. Sua atuação na vida artística e intelectual brasileira o levou a responder pelo setor cultural e universitário da Presidência da República no Governo Kubitschek. Em 62, foi nomeado Secretário-Geral do Conselho Nacional de Cultura. O golpe militar de 1964 o afastou dos centros do poder e da carreira diplomática, mas ele continuou trabalhando pela classe artística. Morreu no Rio de Janeiro, em 1980.

O jornalista Alexandre Pavan escolheu a ABI para lançar seu livro Timoneiro, um perfil biográfico do poeta, compositor e pesquisador da MPB Hermínio Bello de Carvalho. A noite de autógrafos, no dia 14, no Auditório Oscar Guanabarino, transformou-se num grande espetáculo, com interpretações de nomes importantes de nossa música, como Zé Renato, Zezé Gonzaga, Áurea Martins e o violonista Maurício Carrilho, entre outros. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, compareceu para dar seu abraço no amigo e ex-colega de escola Hermínio. O show-evento começou com a exibição de um documentário que, revelou o homenageado, estava perdido na Funarte e foi resgatado por ele. O vídeo contém imagens raras de Pixinguinha, Clementina de Jesus, Araci de Almeida e Paulinho da Viola. Alexandre Pavan contou que conheceu Hermínio Bello de Carvalho em 2001, quando foi entrevistá-lo para a revista Carta Capital. A amizade entre os dois surgiu de imediato: — Minha idéia de lançar este livro foi traçar cronologicamente a carreira deste poeta que detesta o rótulo de pesquisador da música brasileira. No auditório onde se apresentou profissionalmente pela primeira vez — do qual elogiou a acústica —, Hermínio parecia estar à vontade, atuando como

No alto, o jornalista Alexandre Pavan (E), autor do livro Timoneiro e seu biografado Hermínio Bello de Carvalho. Acima, Áurea Martins canta, acompanhada de Maurício Carrilho, Cobras e Lagartos. À esquerda, Zezé Gonzaga, que foi aplaudida de pé, homenageia o compositor.

A Aldeia de Arcozelo

Localizada em Paty de Alferes, Município do Estado do Rio de Janeiro, a Aldeia de Arcozelo foi criada por Paschoal Carlos Magno para abrigar todas as artes. Construída no século XVIII para servir como área de plantio de café, foi transformada em centro cultural e artístico. O complexo tem 57 mil metros quadrados, sendo 10 mil metros quadrados de área construída, com teatro ao ar livre (Itália Fausta), teatro fechado (Renato Viana), salas de exposição e de música, biblioteca e outros espaços para atividades diversas. Além dos espetáculos, a Aldeia é cedida para eventos culturais nacionais e internacionais. Os sucessivos Governos não têm dedicado à Aldeia de Arcozelo a atenção que merece como expressão do sonho e da criatividade de Paschoal Carlos Magano. 12

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um mestre de cerimônias, contando histórias e convidando os artistas para suas apresentações. Zé Renato, acompanhado pelo virtuoso violão de Maurício Carrilho — filho de Altamiro —, foi o primeiro. Logo depois, o homenageado elogiou o trabalho de pesquisa do autor: — O livro me deixa feliz e, ao mesmo tempo, muito preocupado. Pois constatei, aos 70 anos, que não sou um homem, mas uma lápide. O ponto alto da festa foi quando Áurea Martins subiu ao palco para interpretar Cobras e lagartos, que Hermínio compôs com Sueli Costa. Em seguida, Zezé Gonzaga foi aplaudida de pé ao surpreender o compositor com um improviso. A noite

ficou completa quando outro estudioso da MPB, o jornalista Sérgio Cabral, subiu ao palco e declarou: — O Hermínio é um Sérgio Cabral que deu certo. Eu penso algumas coisas que não realizo. Ele vai lá e faz, porque é um realizador. Vou ler o livro com grande interesse e, citando Noel Rosa, quero dizer que este meu amigo é um ser humano que não resta a menor dúvida. O livro Timoneiro foi editado pela Casa da Palavra e inclui um cd encartado com o Manuscrito Sonora, com trechos de gravações de entrevistas e 20 canções de Hermínio com diversos parceiros, como Paulinho da Viola, Baden Powell, Moacyr Luz, Joyce, Vital Lima e Luiz Ribeiro.


CURSOS

A hora da festa Alunos dos Cursos Livres da ABI reúnem-se para confraternização.

Selton Mello na cena gravada na ABI: ele vive o personagem citado no título do filme.

CINEMA

“Meu nome não é Johnny” filmado entre nós A Sala Belisário de Souza, no 7º andar da ABI, transformou-se no dia 12 de dezembro num tribunal, para servir de locação para Meu nome não é Johnny, dirigido por Mauro Lima. O filme conta a história — verídica — de João Guilherme Estrella, o Johnny, um rapaz de classe média que nos anos 80 se transformou num dos maiores traficantes do Rio de Janeiro, conhecido como "o barão da cocaína". No mesmo andar do edifício-sede da ABI, também a Sala Heitor Beltrão foi ocupada por atores, figurantes e equipe de produção. As filmagens compreenderam cenas protagonizadas por Selton Mello, que interpreta o traficante, e Cássia Kiss, que faz o papel da Juíza que leva o criminoso a julgamento. Também estão no elenco Cleo Pires — no papel de Sofia, namorada de Johnny —, Júlia Lemmertz, Luís Miranda, André De Biase e Eva Todor, entre outros. O filme é baseado no livro Meu nome não é Johnny — A viagem real de um filho da burguesia à elite do tráfico, de Guilherme Fiúza. O longa-metragem é produzido pela Atitude Produções e Empreendimentos e as filmagens estão previstas para terminar ainda este ano. O título Meu nome não é Johnny é baseado na notícia da prisão do traficante publicada no Jornal do Brasil. O diário carioca escreveu que Johnny era o apelido de João Guilherme — o que não era verdade.

Alunos da última turma de 2006 dos Cursos Livres de Jornalismo da ABI reuniram-se na manhã do dia 27 de dezembro num encontro de confraternização que marcou o encerramento das aulas. Os estudantes foram recepcionados pela Diretora de Jornalismo da Casa, Joseti Marques, na Sala Heitor Beltrão, no 7º andar da sede da ABI. JosetiMarquesaproveitouaocasiãopara anunciar para os alunos a realização do 1º Fórum ABI sobre Ética na Imprensa Brasileira,queserárealizadoemmarçode2007. — Desde já eu estendo a vocês o convite para participar do Fórum, cujo principal objetivo é ampliar a discussão sobre a ética no jornalismo, para que os debates não fiquem apenas no âmbito dos jornalistas e das empresas de comunicação, uma vez que é importante a participação de estudantes e da sociedade de maneira geral. Os últimos Cursos Livres de Jornalismo de 2006 ofereceram capacitação nas seguintes modalidades: Realização de Roteiros para Reportagens Especiais (Domingos Meirelles, Diretor Financeiro da ABI e apresentador do programa Linha direta), Comunicação Empresarial (Mônica Albuquerque, da TV Globo), Jornalismo Internacional (Trajano de Moraes, do jornal O Globo) e Texto Jornalístico para Diversas Mídias (Pery Cotta). Conselheiro da ABI, Pery Cotta elogiou a iniciativa e falou também da importância da continuidade do projeto: — Acho que a ABI está fazendo uma aproximação muito importante com os futuros profissionais e as pessoas interessadas em comunicação. Essa é uma ponte que não existia e que só pode trazer vantagens para ambos os lados. A entidade tem que dar continuidade a esse processo, abrindo outras perspectivas de atendimento à sociedade como um todo. Hoje não se vive sem informação, e torna-se

importante saber como essa informação é construída, inclusive sob o aspecto da ética profissional. César Drucker, engenheiro e responsável por uma publicação da Federação dos Servidores Estaduais do Rio de Janeiro FASP-RJ, explicou por que se inscreveu no curso Texto Jornalístico para Diversas Mídias: — Ele aperfeiçoou a minha redação para a revista e a comunicação com os associados da Federação. Também me ensinou a analisar melhor a qualidade das matérias que circulam na Realização de Roteiros para Reportagens Especiais Professor: Domingos Meirelles Camile Lima da Fonseca Carlos Eduardo de Oliveira Christine Adamo Lages Crislene Motta Eliane Benício dos Santos Elisa Gomes Veiga Érika de Souza Gonzaga Giovana de Almeida Assis Hélio Lopes Neto Joice do Nascimento Santos Jorge Antônio Barros da Costa Juliana de Abreu Duarte Juliana Vieira dos Santos Leonardo David Migliani França Leonardo Fernandes de Oliveira Mariana Gouveia de Carvalho Tobias Granja Natália da Luz Martins Pedro Augusto Grunert Serra Pedro Musso Gomes da Costa Durão Rosilene Miliotti da Silva Tamara Gonçalves Ferreira Teresa Cristina Fazolo Freire Teresinha Cunha Paula Viviane da Silva Stutz Comunicação Empresarial Professora: Mônica Albuquerque Bernardo Bastos Guimarães, Bianca Cavalcanti Frontin de Oliveira Daniel Alves da Silva Eduardo Borges Marques Felipe Teixeira Lins da Silva Flávia da Silva Fontes Juliana Chaves Valentim Manoela Mafra Vianna Marcela Costa Martins da Cunha Márcia Barbosa Couto Giraldes

mídia. Elogio a ABI pelo propósito de transmitir conhecimentos com profissionais de expressão. Já o elogio de Daniel Alves — estudante do 5º período de Jornalismo da Faculdade Cândido Mendes (RJ) — foi para o curso de Comunicação Empresarial: — As aulas foram bem dinâmicas e a Mônica Albuquerque, com sua experiência, conseguiu passar para nós como as coisas acontecem na vida real. Para mim, futuro profissional, foi uma importante vivência na área que desejo seguir.

Maria Inez Tinoco Murad Paulo Victor Magalhães Franco Silva Raquel Duarte de Almeida Renata Macedo Pereira Sílvia Vilanova Magalhães Tamara Gonçalves Ferreira Tatiana Salviano de Figueiredo Wanessa Ramalho Torres Jornalismo Internacional Professor: Trajano de Moraes Ariane Moreira Gomes Cecília Marques Daniel Moysés Barreto Danielle Penha Lima Giovana de Almeida Assis Helaine Souza Batista Helen de Moraes Couto João Ricardo Gonçalves da Silva Josiel Ferreira da Silva Kelle Lima Ancelmo Leonardo David Migliani França Leonardo Fernandes de Oliveira Luiz Felipe de Andrade Rodrigues Torres Natália da Luz Martins Patrícia Furtado Sardinha Pedro Augusto Grunert Serra Rafael Moura Pessoa Freire Thiago Gouvêa Scot Arruda Vinícius Bastos Vieira Texto Jornalístico para Diversas Mídias Professor: Pery Cotta Ana Cristina da Silva Tavares César Drucker Danielle Cristine da Silva Lívia Lamblet Costa e Sousa Marcos Cherman Paula Damas Vieira

Pery Cotta (2º na fila de trás) e a Diretora de Jornalismo Joseti Marques (última à dir.) confraternizam com os alunos dos Cursos Livres da ABI.

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Aconteceu na ABI TALENTOS

Com humor, tudo é possível É possível fazer graça com seriedade? É possível ter ética e unidade numa profissão de muitos talentos e pouco espaço? É possível, em plena era da Informação, rejeitar a tecnologia no trabalho? Tudo isso é possível quando se faz humor de alta qualidade, como mostraram Adail, Sieber e Gute, os entrevistados deste mês pelo Diretor Cultural Jesus Chediak, dentro do ciclo

ABI pensa o Humor, do projeto Estação ABI. Além desses três, participaram do ciclo, agora encerrado, os cartunistas e chargistas Amorim, Aroeira, Branco, Chico Caruso, Guidacci, Ique, Lan, Leonardo , Nani e Ziraldo. Os depoimentos gravados serão usados para publicação em livro. O próximo ciclo será ABI pensa a Literatura, também do projeto Estação ABI.

A graça com seriedade de Gute O desenho de humor americano não tem a mesma graça que o brasileiro, porque nós fazemos graça com seriedade. A afirmação é do quadrinista e cartunista brasileiro Gutemberg Monteiro, o Gute. Radicado há 41 anos nos Estados Unidos, onde se assina Goott, ele, que tem 90 anos, esbanjou vitalidade, lucidez e bom humor em seu depoimento na ABI, levando entrevistador e assistência às gargalhadas. Gute revelou que, além do desenho, tem outra grande paixão: o futebol, que praticou com desenvoltura, desde os juvenis do Flamengo na década de 30 até os 80 anos de idade, quando levou uma entradaduradeumzagueiroquedeslocou sua rótula, ou patela, como se diz agora. A receita para tanta saúde, diz ele, é não fumar, não beber e acreditar em Deus. Mineiro de Carangola, como Ziraldo, Gute encontrou o conterrâneo antes de embarcar para Nova York, com a expectativa de desenhar os mais importantes personagens dos quadrinhos em todo o mundo. E ouviu a frase que não lhe saiu da cabeça até hoje: — Ele disse que eu não faria sucesso nos Estados Unidos, porque era humilhantemente humilde. E sou mesmo. Isso foi há mais de 40 anos. Gute deixou o País logo depois do golpe militar de 64: — O Jango tentou nacionalizar os nossos quadrinhos. Foi uma iniciativa belíssima. Fui chamado para desenhar o Tiradentes. Outro quadrinista, de nome Washington, teve a honra de retratar o Aleijadinho. Importantes fatos nacionais, como a Guerra dos Farrapos, viraram lindas histórias em quadrinhos. A revolução veio, destruiu esses heróis e prendeu vários artistas, Com a mesma desenvoltura com que desenhou Gasparzinho para a Harvey Comics, ele surpreendeu os chefões da Hanna Barbera com um traço que o levou a fazer as capas e tiras da dupla Tom e Jerry. Personagens como Batman, Super-Homem e Brasinha, um diabinho 14

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muito irritável, passaram pelas mãos ainda muito firmes de Gute. — O americano não acredita muito no estrangeiro, muito menos no brasileiro, e nem sempre remunera da forma que merecemos. Além disso, não sei cobrar bem para os padrões deles. Mas todos os brasileiros que trabalham nos Estados Unidos fazem grande sucesso. Impedido de retornar aos EUA por causa da crise que atingiu a Varig, Gute acabou tirando “férias forçadas” desde junho. Durante esse tempo, teve a oportunidade de conhecer os trabalhos dos novos colegas: — Há desenhistas excelentes no Brasil. Temos nosso próprio estilo e criatividade. Estive na Sociedade dos Ilustradores Brasileiros e conheci jovens muito talentosos. Os americanos não influenciam nosso traço. Fiz sucesso lá por causa disso. Casado há 64 anos com Dona Ophelia, com quem tem três filhos, nove netos e 16 bisnetos, Gutemberg é o único dos irmãos ainda vivo. Os outros chamavam-se Voltaire, Mirabeau, Danton, Miroclides, Ermignone e Naomi — Eram sete os filhos dele com a minha mãe, mas papai ainda fez outros oito fora do casamento.

Gutemberg cercado por suas obras espetaculares , que vão desde ilustrações para publicações didáticas até revistas em quadrinhos. Abaixo à esquerda, uma página da série Histórias da nossa História, contando o surgimento do jornal de Hipólito José da Costa, o Correio Braziliense.


As caricaturas ao vivo de Adail Assim como o cinema não acabou com o teatro, o desenho de humor feito com tinta e papel não vai deixar de existir por causa das inovações oferecidas pelos programas de computador. Foi o que afirmou o cartunista Adail, reconhecendo-se um “analfaeletrônico” que, aos 76 anos, não se adaptou às novas tecnologias. Independentemente disso, o entrevistado — que fechou o ciclo “ABI pensa o humor” — acha que existe espaço no mercado para todos os talentos, tanto os novos quanto os velhos. Adail José de Paula não demonstra qualquer desprezo ou prevenção contra o computador. Reconhece que é ferramenta inovadora que auxilia, e muito, os novos talentos do desenho de humor. — Eu até tenho uma página na internet, um presente dado pelo meu amigo e também cartunista Amorim. Não saber mexer no computador me faz uma grande falta. Em compensação, tenho talento para fazer caricaturas ao vivo em eventos de grandes empresas. Paulista, nascido na cidade de Registro, Adail se diz um corintiano que quase virou palmeirense, “mas se recuperou a tempo”. Foi em São Paulo que fez cursos de Desenho e Pintura e manteve o

O humor de Adail foi publicado nos mais importantes periódicos brasileiros, entre os quais, o jornal Diário de Notícias e a revista O Cruzeiro, onde mantinha uma página semanal (à direita)

primeiro contato com o óleo e a aquarela. Também na capital paulista, fato que narrou emocionado, ele se transformou em “surfista” de bonde e jogou papel picado do alto do Edifício Martinelli para comemorar o fim da Segunda Guerra Mundial: — Já quando o Jânio renunciou, foi um tremendo baixo astral.

Adail, que é sócio da ABI desde 1992, veio para o Rio de Janeiro em 55, quando estava “tão duro que chamava mendigo de Sua Excelência”. Logo, porém, conseguiu trabalho, passando pelo Diário de Notícias, O Cruzeiro, Cartum JS (suplemento humorístico do Jornal dos Sports), Correio da Manhã, O Pasquim e O Dia. Colaborou ainda no JB e O Globo.

Sarcasmo, a arma de Sieber Entreasclassesartísticas,ados cartunistas é a que demonstra maiséticaeunidade.Aomesmo tempo, é a que menos se sacaneia. A afirmação é do cartunista e quadrinista Allan Sieber, representante da nova geração desses artistas Para o gaúcho Sieber, existem no meio egos inflados e algumas pessoas mais acessíveis que outras, mas de modo geral a classe é muito unida, tranqüila e joga limpa e abertamente: — São poucos os cartunistas que não são éticos. Nesse sentido, é uma sorte ter este trabalho. Adepto do sarcasmo e do humor negro em seus trabalhos, Sieber tem no portfolio o curta-metragem Deus é pai, que venceu a mostra competitiva de cinema do Festival de Gramado, mas lhe rendeu, também, grande dissabor: durante sua exibição na MTV brasileira. O filme acabou censurado pela emissora depois de protestos contundentes do Cardeal Dom Eugênio Salles, por supostas ofensas aos católicos. Este foi o caso que mais marcou a carreira do artista até hoje: —Eu tinha esquecido que o Brasil é a maior nação católica do planeta. Fazer

piada com religião é como pisar em ovos. É uma coisa muito complicada. Em nenhum país do mundo se acredita tanto na existência de Deus como no Brasil. As pessoas levam isso muito a sério. Profissional desde 92, Allan Sieber tem críticas à grande imprensa. Sua maior queixa é o pequeno espaço que os jornais e revistas brasileiros dedicam aos quadrinhos, cartuns e até mesmo à ilustração. — Acho um absurdo as revistas semanais não terem uma seção de quadrinhos. Não uma simples tira, mas o quadrinho merecia uma página, quase como uma coluna. Esta é a minha mágoa. Ao lado de Arnaldo Branco e Leonardo, Allan Sieber editou e publicou três números da Revista F, de grande sucesso no circuito alternativo. Entre suas criações destacam-se a tira Bifa land (publicada no Estadão em 96 e 97) e as atuais Vida de estagiário e Preto no branco, esta, dominical, na Folha de S. Paulo. Filho de desenhista, ele gosta de trabalhar ao som de jazz e, além dos desenhos de humor, faz ilustrações e capas de cds.

Além de cartunista, Allan Sieber dirigiu vários desenhos animados, entre os quais o premiado Deus é Pai (à direita), que causou protestos da Igreja Católica, e Santa de Casa, baseado num conto de Aldir Blanc.

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DEPOIMENTO ARNALDO CÉSAR

É preciso agregar valor com credibilidade Diretor de Jornalismo diz que a TV Bandeirantes não se contentará com o factual, procurando se antecipar aos acontecimentos e explicando o contexto de cada informação. Para ele, exclusividade e fidelidade são essenciais. ENTREVISTA A CLÁUDIO CARNEIRO naldo Paranaense de Ponta Grossa, Ar Arnaldo César Ricci Jacob trabalha na imprensa desde os 16 anos. Começou como linotipista de um jornal daquela cidade, onde respirou o vapor de chumbo e aprendeu a operar as máquinas. Depois, passou para a Revisão. Com 18 anos, chegou ao Rio de Janeiro, onde fez de tudo na carreira: além de repetir a experiência como linotipista e revisor, foi repórter, editor e até dirigiu carro da reportagem. Agora, assumiu a direção-geral de Jornalismo da TV Bandeirantes no Estado. Jornal da ABI — O senhor passou por importantes jornais e revistas do País. Como foi essa trajetória? Arnaldo César Ricci Jacob — Logo que cheguei de Ponta Grossa, fui fazer estágio no Correio da Manhã. Depois passei pelo Diário de Notícias, O Jornal, TV Globo, as revistas Manchete e Exame e o Jornal do Brasil. Enquanto estava no JB, fazia também o comentário econômico na Rádio Jornal do Brasil. Tive duas importantes passagens pela Veja. Mais tarde, vieram O Dia, a TV Alerj, e agora este novo desafio, na TV Bandeirantes. A maior parte da vida profissional passei na Editora Abril, onde fui diretor da sucursal Rio da Exame e editor da Veja; em duas passagens, acumulei 15 anos. A minha “baiana” é bastante rodada. Além disso — enfrentando, como todo jornalista, uma jornada dupla de trabalho — fui correspondente de uma agência internacional chamada Interpress Service, que tem sede na Itália e da qual, hoje, apenas faço parte do Conselho. Jornal da ABI — Que mudanças ou inovações pensa em levar para a Band? Arnaldo César — Cheguei há pouco na Bandeirantes, onde fui convidado a dirigir o Jornalismo no Rio. Esta é uma operação infinitamente mais complexa do que o trabalho na TV Alerj — que deixei recentemente —, pois aqui, além dos telejornais de rede, temos jornal local, as três emissoras de rádio e três de TV — sendo uma aberta e duas por assinatura —, além de um quarto canal de televisão, 18

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em Barra Mansa, no Sul do Estado. No momento em que você está me entrevistando, ainda estou fazendo diagnósticos, observando rotinas, enfim, vendo as coisas e corrigindo algumas que já percebo. O projeto maior virá depois. Jornal da ABI — Como vê a empresa que vai dirigir? Arnaldo César — A Band é, tradicionalmente, uma empresa jornalística. Não só a rádio, mas também a TV tem essa marca de tradição jornalística muito forte. É uma empresa constituída por bons jornalistas. O que vou tentar fazer, na verdade, será agregar valor. Temos um telejornal local que precisa ser redirecionado, na medida em que concorre com outros telejornais, de outras redes, no mesmo horário. É preciso repensar o caminho que ele vai tomar, para não ficar igual aos demais, concorrendo com as mesmas informações e matérias rigorosamente iguais. Isso é complicado. Vamos buscar um caminho para ele. Aqui temos também a Rádio Band News Fluminense, que é uma rádio all news e está em processo de consolidação. Este será, certamente, um lugar onde teremos muito trabalho para fazer. Jornal da ABI — Qual o maior desafio? Arnaldo César — O desafio agora não é só colocar no ar o factual, é se antecipar aos acontecimentos. E para isso necessitamos de matéria-prima muito importante: jornalistas com fontes e com experiência. Como o volume de informação é muito grande, o leitor, às vezes, tem dificuldade de entender certos fatos. Cabe aos veículos — jornais, rádios e tvs — explicar aquela “maçaroca” toda de informação, para que ele possa entender o que está por trás do que está recebendo. Hoje, no jornalismo moderno, há uma concorrência muito forte pela velocidade e exclusividade da informação, especialmente depois que surgiram a internet e os sites de informação, muitos deles, aliás, ancorados em grandes Redações, como Arnaldo César: É preciso explicar a maçaroca de informações para o público entender. as do Estado de S. Paulo, do Washington Post


é a minha agenda com as minhas fontes, as pessoas que me conhecem, que gostam de mim, que confiam em mim, que me respeitam, que sabem que vão entregar uma informação e que ela não será usada de maneira leviana, pessoas que atendem um telefonema meu na hora — o que, aliás, é uma coisa que hoje em dia, com o real time, é muito valorizado. Tudo isso é um patrimônio que o jornalista forma.

e do New York Times. Isso criou um desafio novo para as rádios: a velocidade deixou de ser privilégio delas. Jornal da ABI — Como será isso na prática? Ar naldo César — Veja agora, por Arnaldo exemplo: estamos no meio de uma guerra do tráfico, 23 pessoas morreram nos últimos dias, no Vidigal, no Juramento, no Complexo do Alemão, no Dona Marta. O leitor, ouvinte ou telespectador vai recebendo isso “picado”. Como é tudo muito rápido, às vezes o cara não entende por que se mata tanta gente no Rio de Janeiro. Em função dessa velocidade, nem os veículos se dão ao trabalho de explicar que estas não são mortes isoladas, mas que estão num contexto da guerra do tráfico que assola o Estado. Lá em São Paulo, já estamos em 180 e tantos atentados provocados pelo PCC. Estas são estatísticas claras de um país que está em guerra. Então, em algum momento, alguém tem de chegar e explicar o que está acontecendo. Esta é uma concepção que a gente pretende dar. As televisões estão cheias de comentaristas. Temos aqui o Joelmir Betting, que fica “entendendo” a economia para as pessoas. Jornal da ABI — O comentarista terá papel importante? Arnaldo César — O comentarista tem que explicar ao espectador como os fatos do dia-a-dia impactam a sua vida. É preciso ter esse cuidado. Afinal, esses fatos não estão desconectados da vida das pessoas. Elas precisam entender que cada fato tem a ver com suas vidas. E não é só a questão da segurança; tem a economia, a política etc. Essa é a tendência. Jornal da ABI — A questão é se conectar? Arnaldo César — A questão é como vamos conviver ou como vamos concorrer com a internet. E as respostas são basicamente duas: o New York Times e o Washington Post, alguns jornais europeus e o japonês Asahi Shimbun acham que ganham essa concorrência com a internet na exclusividade e na qualidade da informação. Quanto mais histórias exclusivas eles contarem para seus leitores, mais fidelidade terão. Essa opção implica alto custo e qualificação cada vez maior do profissional, uma vez que o jornalista tem que estar cada vez mais bem preparado. Sou um militante desta corrente Outra corrente aposta que a informação é uma commodity que deve ficar disponível a qualquer momento, em todos os lugares, em todos os sites — e que o seu veículo tem como saber como tirar essas informações das agências, da internet, da radioescuta e criar um produto em cima disso para os leitores. Os que apostam nessa segunda opção acreditam no baixo custo para a produção de informação. O grande segredo desta história toda é a credibilidade. Em 2004, estive num congresso da International Newspaper Marketing Association (INMA) — uma entidade americana que congrega 480 jornais. Lá, tive a oportunidade de conversar com a então Vice-Presidente do New York Times, Janet Robinson. Ela me contou que, para o jornal se preparar para esta nova realidade e agilizar sua distribuição foram investidos US$ 1 bilhão em infra-estrutura de cross media — que é o cruzamento destas mídias eletrôni-

“O jornalismo precisa de jornalistas que saibam trabalhar com fontes de informação. Em todo o processo na Redação, essa preocupação tem de existir.” cas com as chamadas mídias impressas — e na formação de pessoal. No dia em que conversamos, discutia-se na Redação o pedido de desculpas aos leitores pela cobertura feita da guerra do Iraque. A tensão era grande, porque estava em discussão a credibilidade do jornal. Eles consideraram que cometeram muitos erros. E a redução dos erros só se faz através da qualificação do pessoal com quem se trabalha. Parte desse investimento de US$ 1 bi também foi para treinamentos e cursos na Redação — e treinamento ali não é ficar discutindo lead e sublead, essas coisas. É para formar o cara sobre a História do Oriente Médio e outros temas com que ele vai lidar no dia-a-dia. Esse tipo de treinamento passa pelos veículos eletrônicos. Jor nal da ABI — Tudo isso requer semJornal pre grandes investimentos? Ar naldo César — Você sabe qual a Arnaldo grande vantagem da nossa profissão? Nós somos que nem vinho. Nós nos tornamos profissionais melhores quanto mais velhos ficamos, ao contrário de outras profissões. Vamos acumulando experiências. Se você quer uma matéria bem escrita, se você quer uma informação com profundidade, tem que fazê-la com um jornalista de cabelo branco. Se você entrar na redação do Washington Post, a incidência de cabelos brancos é um negócio fantástico. Jornal da ABI — Nas Redações aqui no Brasil não é o que se vê... Ar naldo César — Aqui não. Tem Arnaldo muita gente jovem, mas eu acho que, à medida que o leitor — ou o telespectador, ou o ouvinte — começar a demandar mais profundidade, teremos de lançar mão de experiências acumuladas. Isto é um sin-

toma animador, que vai gerar também um leitor mais bem informado. Jornal da ABI — O senhor acha que, num momento em que a agilidade do noticiário é tão cobrada, haverá espaço para acrescentar informações de aspecto histórico ou cultural à notícia? Arnaldo César — Sim. Ou você faz isso na pré-produção, no caso das rádios e tvs, transmitindo aos repórteres o planejamento da matéria, ou você faz na apuração. Quanto mais bobinhas forem as matérias, mais o jornalista deixou de exercer o papel de filtro, de criticar alguns conteúdos ou de imprimir seus próprios conhecimentos à informação final. Quanto melhor o filtro, melhor será o resultado. É nisso que devemos insistir. Não somos um mero suporte de microfone. A gente tem de interagir com o entrevistado, a gente pode questionar e criticar. Essas são funções clássicas do jornalista que, diante da nova concorrência, ficam mais aguçadas. Como você escolhe uma rádio para ouvir ou um jornal para ler? O veículo tem de agregar algum valor ao seu conteúdo. Você compraria um jornal que conta tudo o que você já sabe? Jornal da ABI — Leitor quer novidade... Arnaldo César — Ele precisa de histórias novas. O jornalismo precisa de jornalistas que saibam trabalhar com fontes de informação. Em todo o processo na Redação, essa preocupação tem de existir: Não é só o repórter que está ali na ponta, mas todos precisam trabalhar nesse sentido e com essa preocupação de buscar a informação nova. Jornalista que trabalha com fonte ainda é um conceito incipiente no jornalismo brasileiro. As pessoas não têm essa formação. Meu patrimônio nestes quase 40 anos de profissão

Jornal da ABI — Mudando um pouco de assunto, esta não é sua primeira experiência em tv. Arnaldo César — Eu venho da experiência de um ano e meio na TV Alerj, onde tive, na verdade, o trabalho de remontar um canal de televisão. Quando cheguei lá, não existia grade de programação, telejornais, programas definidos, essa coisa toda. Então, fui organizar o canal nesta direção. Hoje, você sintoniza o canal e sabe que em tal horário tem determinado programa. Fizemos lá três telejornais diários e uma revista semanal. E criamos conceitos de apuração, que chamávamos lá de “caminho de mão dupla”: buscávamos informações dentro da Alerj, a partir dos projetos de lei, dos eventos internos, e as transformávamos em reportagem de tv, buscando aproximar os temas dos telespectadores e eleitores. O objetivo era mostrar que o que se decidia ali tinha a ver com a vida das pessoas. Também pegávamos os assuntos daqui de fora e os repercutíamos lá dentro, com os deputados. A mágica disso era tentar fazer uma televisão que mostrasse ao telespectador que o que se faz lá — apesar de tudo o que se fala — é uma coisa importante. A TV Alerj é uma televisão legislativa, mas tentamos imprimir ali o conceito de televisão pública. Com base nisso, fizemos vários convênios com produtores de conteúdos, inclusive com a Public Broadcast Service (PBS), que é a maior rede de televisão pública dos Estados Unidos. Este convênio abrangeu a troca de programas e treinamento e formação de pessoal . Firmamos outros convênios: com a Multi-Rio — que é uma boa produtora de conteúdo da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro —, o STV — grande produtor público do Sesc e do Senac em São Paulo —, o Sebrae, a Radiobrás, os canais legislativos — TV Senado e TV Câmara — e algumas universidades, como a UFRJ e a Uff. Jornal da ABI — E sua atuação, digamos, política, tanto em sindicatos quanto na ABI? Arnaldo César — Em 69, eu trabalhava na TV Globo e resolvi assumir a direção do sindicato da categoria no Rio, que estava nas mãos de uns pelegos. Houve uma espécie de uma frente de jornalistas, em todas as Redações, que se juntaram, num grande esforço, para ganhar essa eleição. A partir daí, tive uma vida sindical, convivi com as pessoas. Logo depois da morte do Dr. Barbosa Lima Sobrinho — eu já estava no jornal O Dia — vi se repetir esse tipo de movimento de jornalistas para assumir a ABI. Participei de um grupo de jornalistas que concorreu e acabou redundando na ida do Maurício Azêdo para a presidência da Casa. Faço parte do Conselho da ABI, mas confesso que sou um conselheiro meio relapso, meio ausente, porque minha jornada de trabalho nunca é menor que 12 horas por dia. Jornal da AB ABII 315 Dezembro de 2006

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PRÊMIOS

Amor possível ganha o Esso Pauta nasce no Dia dos Namorados, para mostrar que pessoas especiais, qualquer que seja a deficiência, também amam, com a mesma intensidade dos considerados normais. FOTOS DIVULGAÇÃO

POR JOSÉ REINALDO MARQUES

Quebrando uma tradição de meio século, em que matérias investigativas e de denúncias saíram vencedoras da premiação, este ano o amor, sob um ângulo de plena cidadania, foi o tema vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo, que está em sua 51ª edição. A cerimônia, à qual compareceram cerca de 500 convidados, foi realizada no dia 12 de dezembro, no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.Ao todo, o Esso conferiu 15 premiações, 12 das quais a trabalhos da mídia impressa, além do Prêmio Especial de Telejornalismo e duas distinções de Melhor Contribuição à Imprensa. A grande vencedora da noite foi a jornalista Conceição Freitas, do Correio Braziliense, pela série Amores possíveis, publicada durante dez semanas na contracapa do jornal do Distrito Federal. As reportagens de Conceição — que o blog de Ricardo Noblat republica em janeiro — contam histórias de amor entre pessoas portadoras de deficiências, socialmente apartadas ou simplesmente incomuns, como cegos, surdos, mudos, pacientes de clínica psiquiátrica, prisioneiros e mendigos. — Eu não esperava essa premiação. Recebi a notícia com espanto e, apesar dos 28 anos de jornalismo, demorei um pouco a tomar consciência do que estava se passando. Foi uma ousadia muito grande dos jurados escolher uma matéria que não é de denúncia nem de investigação, que sempre foi a tendência histórica do Esso. Apesar de me considerar suspeita, achei meritória a minha indicação. Estou até escrevendo uma carta ao júri. Conceição, que esteve no Rio para receber a premiação, contou que a pauta

Conceição Freitas, do Correio Braziliense. quebrou a tradição de Prêmio Esso de laurear as reportagens com forte apelo social.

da série surgiu na semana de comemorações do Dia dos Namorados. — Estava na Redação, a data ia chegando e eu já não sabia mais o que pensar para uma matéria. Foi quando alguém me falou de um casal de deficientes. Eu me encantei tão profundamente pela experiência que fui em busca de outras e, durante dez semanas, publiquei histórias de amor entre surdos, cegos, prisioneiros, quilombolas, mendigos, mostrando como este sentimento entre essas pessoas pode ser possível de consumar. DESTAQUES Na categoria Telejornalismo, o Prêmio Especial foi conquistado por Giovani Grizotti, Laura Nonohay, Jonas Campos e Sérgio Pavanello, da Rede Brasil Sul de Comunicação (RBS), pelo trabalho A farra dos vereadores turistas. A matéria, produzida pela equipe da RBS, denunciou

um grupo de políticos do Rio Grande do Sul que gastava com viagens e lazer a verba pública destinada a congressos, seminários e cursos de qualificação. Os jornalistas conseguiram infiltrarse entre os políticos e mostrar que, além dos gastos ilícitos, eles ainda conseguiram obter certificados dos cursos sem freqüentá-los. A reportagem foi exibida em rede nacional e levou ao banco dos réus Marcelo Carnaval, observado pelo jurado Cláudio Conceição: num caso de polícia, uma foto digna de quadros da Madonna.

18 vereadores, todos acusados de improbidade administrativa, Na categoria Reportagem venceu o jornalista Eduardo Auler, do Extra, pela série intitulada Adeus, futuro. O repórter levou quatro meses apurando, em mais de 50 escolas do Rio, dados sobre crianças que haviam abandonado os estudos, chegando à estimativa de que cerca de 800 crianças diariamente deixam as salas de aula no estado. O Prêmio Esso de Fotografia foi dado a Marcelo Carnaval, de O Globo, pela foto que mostra o desespero de uma mãe ao tentar amparar no colo o filho morto a tiros em uma rua do Rio. Os vencedores foram escolhidos de uma lista de 38 finalistas selecionados de um total de 1.172 trabalhos inscritos, dos quais 572 reportagens, séries de reportagens ou artigos, 162 trabalhos fotográficos; 217 trabalhos de criação gráfica em jornal, 63 trabalhos de criação gráfica em revista, 89 primeiras páginas de jornal e 63 trabalhos de telejornalismo. Houve também seis inscrições ao Prêmio de Melhor Contribuição à Imprensa em 2006, atribuído pela comissão de seleção ao livro e site Políticos do Brasil, do jornalista Fernando Rodrigues, “por constituir uma importante contribuição aos jornalistas que necessitam de informações confiáveis sobre o patrimônio dos candidatos às últimas eleições do País”. Em segundo lugar ficou o projeto Excelências, da Transparência Brasil, por permitir aos jornalistas e ao público um volume apreciável de informações sobre os candidatos que buscavam reeleição em 2006.

OS VENCEDORES Prêmio Esso de Jornalismo Amores possíveis, de Conceição Freitas, Correio Braziliense Especial de Telejornalismo A farra dos vereadores turistas, de Giovani Grizotti, Laura Nonohay, Jonas Campos e Sérgio Pavanello, RBS Reportagem Adeus, futuro, de Eduardo Auler, Extra Fotografia Engenheiro é morto no Centro, de Marcelo Carnaval, O Globo Informação Econômica Bolsa-família, empregos baratos, de Fernando Canzian, Folha de S. Paulo Informação Científica, Tecnológica e Ecológica Nordeste conectado, de Silvia Bessa, Diário de Pernambuco Especial de Primeira Página Eles são sem-terra, sem respeito, sem educação e sem vergonha, de Luiz Vieira Junior, Marlon Brum e Octávio Guedes, Extra Criação Gráfica — Categoria Jornal Fim, de Antônio Nascimento, Télio Navega, Marcelo Monteiro e Alessandro Alvim, O Globo Criação Gráfica — Categoria Revista Afinal, qual é a nossa cara?, de Rita Palon, Airton Seligman e Roberto Negreiros, revista Porto Seguro Especial Interior Sanguessugas, de Fábio Gallacci, Correio Popular Regional 1 Assassinatos na Aeronáutica, de Demitri Túlio e Cláudio Ribeiro, O Povo, Fortaleza Regional 2 O novo retrato do pampa, de Carlos Etchichury e Nilson Mariano, Zero Hora, Porto Alegre Regional 3 Venda de cadastros de aposentados, de Mônica Pereira e equipe, O Dia, do Rio de Janeiro

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AGÊNCIA LUZ - MARCOS FERNANDES

QUEM GANHOU O QUÊ Reportagem de jornal/revista Exército recupera armas após fazer acordo com facção de traficantes, de Raphael Gomide e Sérgio Torres, Folha de S. Paulo Reportagem fotográfica Os meninos da luz vermelha, de Marcos Fernandes, Diário do Comércio Reportagem cultural Vauthier — A história que a França desconhece e o Brasil esqueceu, de Vandeck Santiago, Diário de Pernambuco Reportagem investigativa A farra dos vereadores turistas, de Giovani Grizotti, RBSTV Reportagem de rádio Nazistas sulinos, de Cid Martins, Rádio Gaúcha Reportagem esportiva Os passos da paixão, de Lúcio de Castro, Sportv Reportagem sobre responsabilidade social Biblioteca T-Bone, de Solange Calmon, TV Senado

Também no Prêmio Embratel a foto premiada foi de um flagrante da selva urbana, este Os meninos da luz vermelha, de Marcos Fernandes.

Embratel: O engajamento venceu Reportagens investigativas foram os destaques do Prêmio Embratel de 2006, consolidando o engajamento da imprensa nas grandes questões sociais e políticas, em todas as regiões do País. P OR C LAUDIO C ARNEIRO

A 8ª edição do Prêmio Imprensa Embratel festejou mais uma vez o jornalismo engajado nas questões sociais e políticas: a reportagem As ambulâncias da fraude, do Correio Braziliense, que foi o estopim do escândalo conhecido como “a máfia dos sanguessugas”, conquistou, em cerimônia realizada no dia 6 de dezembro, no Rio de Janeiro, o Troféu Barbosa Lima Sobrinho, a maior honraria concedida pelo Prêmio Embratel. A matéria, veiculada em dezembro de 2005 e escrita pelos repórteres Gustavo Krieger, Marcelo Rocha, Leonel Rocha, Luciene Soares, Ana Maria Campos e Lúcio Vaz, foi a primeira da série concluída em agosto sobre o esquema fraudulento de compra de ambulâncias em Rondônia. O escândalo ganhou proporção nacional depois que se descobriu que a quadrilha atuavaemoutrosEstados,envolvendo políticos de vários partidos. Marcos Fernandes e a foto premiada Os meninos da luz vermelha, publicada no Diário do Comércio, de São Paulo.

Reportagem de televisão Célula-tronco, de Luiz Carlos Azenha e Maria Cândida, TV Globo Reportagem cinematográfica São Paulo punguistas, de Wilson Araújo, TV Globo Reportagem de correspondente estrangeiro Guardião das tribos da idade da pedra, de Andrew Ernest Downie, Daily Telegraph Magazine Reportagem de telecomunicações veículos especializados O futuro das telecomunicações, de Ana Paula Oliveira e Ceila Santos, revista Computerworld Reportagem de telecomunicações veículos não especializados Nordeste conectado, de Silvia Bessa, Diário de Pernambuco Reportagem regional Sul O retrato do Pampa, Carlos Etchichury e Nilson Mariano, Zero Hora Regional Sudeste 21 anos depois. As lições dos Cieps, de Paulo Marqueiro, Selma Schmidt e Ruben Berta, O Globo Regional Nordeste Retratos da infância, de João Valadares, Claudia Vasconcelos, Ciara Carvalho e Verônica Almeida, Jornal do Comércio

A turma do Correio Braziliense deita e rola na noite do Prêmio Embratel: Marcelo Rocha e Lúcio Vaz, da equipe que ganhou o Troféu Barbosa Lima Sobrinho, Ana Beatriz Magno, que venceu o Regional Centro-Oeste, José Varela e Conceição Freitas.

A cerimônia de entrega dos prêmios foi realizada no Canecão, na Zona Sul do Rio. Foram premiados 19 trabalhos jornalísticos. O documentário Falcão — meninos do tráfico, exibido em março de 2006, pelo Fantástico, na TV Globo, recebeu Menção Honrosa, uma vez que não envolveu repórteres na sua apuração, embora tenha contado com o trabalho de pesquisa, edição, roteirização e finalização de mais de 120 horas de filmagens, conduzido pelo jornalista Frederico Neves e sua equipe. O casal Sílvia Bessa e Wandeck Santiago protagonizou um dos momentos de maior emoção da premiação, na exposição sumária de sua reportagem sobre o

Regional Norte O delírio da morte, de Castelo Branco e Orlando Faria, Correio Amazonense Regional Centro-Oeste Órfãos de guerra, de Ana Beatriz Magno, Correio Braziliense

francês Vauthier, que viveu em Pernambuco entre 1840 e 1846 Um dos integrantes do júri foi o jornalista Maurício Menezes, também produtor de espetáculos teatrais que satirizam, principalmente, a imprensa. Durante a entrega de um dos prêmios, ele fez esquete mostrando o trabalho dos colegas e terminou sua intervenção com uma paródia da música Ronda, de Paulo Vanzolini, em forma de crítica às chefias de Reportagem, com observação criativa e tom ferino que levou o público às gargalhadas. Jornal da AB ABII 315 Dezembro de 2006

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REFORMA

HISTÓRIA

Folha Dirigida muda para ficar mais fácil de consultar

Um dvd sobre o AI-5, por Markun

Reforma destaca fotos e reduz famílias de letras como elementos fortes de impacto visual, introduz tira de humor, amplia e melhora o conteúdo, mas o foco ainda é a informação. saram a ser importante elemento gráfico, inclusive na primeira página. Também editor gráfico do Jornal da ABI, Ucha tranqüiliza os leitores: – Trata-se de nova embalagem e modernização, mas não é só alteração estética. O objetivo, com resultado já comprovado no Caderno de Educação, é tornar o jornal mais leve e agradável, facilitando a leitura e a busca de informações, sem descaracterizar o veículo. O conteúdo básico permanecerá o mesmo, mas também haverá avanços nesse campo. Para o Diretor de Redação da Folha Dirigida, Rogério Rangel, a reforma leva em conta a necessidade de manter o leitor identificado com a publicação a que está habituado: — Estamos integrando o veículo aos novos conceitos do design, tornandoo mais leve e atual. Os leitores, certamente, gostarão do resultado.

FOTOS FOLHA DIRIGIDA/HENRIQUE HUBERT

A segunda e última fase do novo projeto gráfico do jornal Folha Dirigida, iniciada em setembro pelo Caderno de Educação, foi implantada no dia 21 de novembro, para coincidir com a comemoração dos 21 anos do jornal, que circula no Rio de Janeiro às terças e quintas-feiras. Trata-se da maior mudança visual da publicação, especializada também em concursos e recursos humanos. Entre as novidades está a introdução de uma tira de humor com o personagem Concursino, criado pelo cartunista Ota especialmente para a Folha Dirigida. Concursino passa a vida fazendo concursos públicos e promete ser o momento de descontração e, em alguns casos, até de identificação para os leitores. Em sua reforma gráfica – promovida pelo editor de Arte Francisco Ucha – o jornal está ainda reduzindo as fontes de letras, de cinco para três. Além disso, as fotos pas-

Adolfo Martins: mudanças mantêm combatividade do jornal

Ao lado do diretor de Redação da Folha Dirigida, Rogério Rangel (de camisa amarela), e do chefe de reportagem, Luiz Fernando Caldeira, Ucha agradece o empenho dos funcionários na implantação do novo projeto gráfico, que passou a incluir desenhos, mais fotos e a tira de humor Concursino, desenvolvida pelo cartubista Ota.

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Para o Presidente do Grupo Folha Dirigida, jornalista Adolfo Martins, a linha editorial, consolidada durante 21 anos, permanece inalterada: – Juntamente com a embalagem, estamos ampliando e melhorando o conteúdo, mas não modificamos o escopo geral. Continuaremos combativos como sempre, exigindo transparência e moralidade no serviço público em geral. Continuaremos sendo o jornal das boas oportunidades. A reforma gráfica da Folha Dirigida imprimirá grande mudança visual do jornal, que começou em uma sala de 24 metros quadrados no Edifício Odeon, no Centro do Rio. Hoje, a Folha está instalada em prédio próprio, o Edifício Barbosa Lima Sobrinho, que tem sete andares, incluindo parque gráfico, na Rua do Riachuelo. Da primeira edição, com 3 mil exemplares de oito páginas, até atingir a maioridade, o jornal deu salto gigantesco: a tiragem, hoje, no Rio, é de cerca de 70 mil exemplares, duas vezes por semana, fora as edições extras e as regionais, cobrindo todo o Brasil. O Caderno de Educação foi introduzido em 1998. No ano seguinte, estreou a edição eletrônica, a Folha Dirigida Online, bicampeã do iBest, em 2004 e 2005, na categoria educação, trabalho e cidadania.

O Jóquei Clube de São Paulo foi o cenário de lançamento, em 11 de dezembro, do dvd AI-5 — O dia que não existiu, documentário dirigido pelo jornalista Paulo Markun e parceria da TV Câmara Federal, a Fundação Mário Covas e a TV Cultura de São Paulo, que mostra um dos episódios mais importantes da história política contemporânea do Brasil. Já exibido pela TV Câmara e pela TV Cultura, o documentário, de 56 minutos, chega agora ao público em dvd e traz como acréscimo a íntegra das principais entrevistas produzidas para a sua realização. A de Mário Covas, por exemplo, foi uma das últimas que ele concedeu com exclusividade antes de sua morte. Em 12 de dezembro de 1968, defendendo o Congresso e a democracia, o então Deputado federal Mário Covas fez um dos discursos mais marcantes do Congresso Nacional, em que citou a liberdade como o principal vínculo entre o homem e a eternidade. Meses antes, o Deputado e jornalista Márcio Moreira Alves conclamara as jovens brasileiras a não namorar oficiais do Exército. No dia seguinte, o regime militar baixou o Ato Institucional nº 5, fechando o Congresso por quase um ano e conferindo poderes absolutos ao regime militar. AI-5 — O dia que não existiu tem no elenco Almir Martins (Mário Covas), Beatriz Gemal (Nysia Carone), João Vieitas (Geraldo Freire), Maurício Branco (Márcio Moreira Alves), Monique Lafond (Júlia Steinbruch) e Tonico Pereira (José Bonifácio). O diretor e roteirista Paulo Markun destaca que a entrevista de Covas — incluída no dvd — traz a descrição inédita e detalhada de todo o processo: — Já o Marcio Moreira Alves revela a manobra de fuga, armada previamente. Jarbas Passarinho conta os bastidores do poder. Geraldo Freire, o líder do Governo, admite que o discurso de Covas foi demolidor. E ainda há a íntegra do anúncio do AI-5, uma gravação histórica. Markun acha que não há nenhuma dúvida de que os militares na época estavam como o lobo diante do cordeiro. Ele revela que o que mais o surpreendeu em todo o processo de produção do documentário foi a emoção do elenco: — Foi marcante a emoção dos atores ao reconstituir aquela sessão que tinha ficado esquecida na História. O Diário Oficial jamais havia publicado o que aconteceu naqueles dias. Por motivos como este, diz Markun, o documentário tem o objetivo de esclarecer o que ocorreu num passado recente da História do Brasil: — Mostrar momentos assim, muito falados e pouco conhecidos, tem seu valor. Se não for para evitar que o erro se repita, que seja para que as pessoas conheçam mais sobre aqueles tempos.


LIVROS

Refrigério e redenção em Viagem do existir Uma coletânea de poemas de Luiz Carlos de Souza. P OR P AULO J ERÔNIMO

Repórter talentoso, dono de um texto irrepreensível, Luiz Carlos de Souza militou sempre com sucesso nas redações dos principais jornais do Rio. Destacouse, nos idos dos anos 70, com uma grande reportagem sobre a pesca da baleia no litoral brasileiro. Para tanto, embarcou durante vários dias num barco de pescadores, quando enfrentou as agruras e desventuras da vida dos homens do mar. Além da reportagem, publicou um livro sobre essa aventura, Maralto, que foi muito bem recebido pela crítica e pelo público. Desde então até hoje, Luiz Carlos de Souza sempre exercitou, em paralelo à intensa faina jornalística, seu pendor para as letras, e agora nos brinda com uma coletânea de alguns dos muitos poemas que ao longo dos anos sua inspiração criou. Nós, seus leitores, saímos no lucro: só temos a ganhar com a decisão de Luiz Carlos de enfim trazer a público as gemas que sua inventividade e seu talento egoisticamente escondiam nas gavetas. Viagem do existir revela-nosumasensibilidade aguçada, que se exprime em uma técnica sem arrojos formais, mas com uma tessitura rítmica que por vezes é pura música. Sonhos e anseios, desalentosedesesperanças,masaomesmotempo o júbilo de viver a vida em sua plenitude — isto tudo num tom de sonata, cantilena, não no fragor das sinfonias. “Há tempos que me lapido/ neste gosto clandestino de escrever um poema”, diz Luiz Carlos em Poesia clandestina, para em seguida completar: “O fermento da poesia/ vem sempre da solidão/ de quem escreve o poema/... conversando com os ventos e costurando ilusões”. Uma apresentação primorosa do consagrado escritor Moacir C. Lopes (quem não se lembra de Maria de cada porto!) ressalta a grandeza da poesia de Luiz Carlos. “Sonhos, por que não tê-los / ainda que durem pouco”, diz ele no poema Poeira do tempo, resumindo a essência de sua lírica. Viagem do existir é um espelho que nos fita, desvelando nossos sentimentos mais recônditos e espargindo à nossa volta sementes de fantasia. A imersão em suas páginas é um refrigério que redime o leitor das agruras do mundo exterior e o reconcilia consigo mesmo. É uma mensagem de vida que toca fundo os nossos corações.

Libertários versus ortodoxos, por Iza Salles POR ARTHUR POERNER

Com a dramática e inacabada história pessoal do tipógrafo e linotipista niteroiense Antônio Bernardo Canellas, o primeiro brasileiro a visitar a Rússia (em 1922) após a Revolução de Outubro, a jornalista Iza Salles – a Iza Freaza da resistência à ditadura pelos jornais Opinião e Pasquim – apresenta um panorama da chegada ao nosso país das idéias socialistas e sindicalistas, no livro Um cadáver ao sol: a história do operário brasileiro que desafiou Moscou e o PCB (Ediouro). A obra é centrada nas lutas, tantas vezes fratricidas, entre os pioneiros anarco-sindicalistas, que dominaram a cena proletária nas primeiras duas décadas do século passado, até as grandes greves que paralisaram o Rio e São Paulo em 1917 e

1919, e os militantes que fundaram, em 1922, o Partido Comunista do Brasil. Os primeiros, escudados nos ideais libertários de Proudhon, Bakunin, Kropotkin e Malatesta, trazidos pelos imigrantes italianos, espanhóis e portugueses; os segundos, em grande parte egressos do anarquismo, como Astrojildo Pereira, um dos nove fundadores, estribados na legitimidade conferida pela Internacional Comunista (Komintern), a Terceira, e, a seguir, no centralismo absolutista de Stalin. Embora já se conheçam os resultados e as conseqüências, nacionais e internacionais, desses conflitos em que se engalfinharam as correntes libertária e autoritária do movimento socialista, a narrativa da Iza, baseada em pesquisa que lhe custou mais de 20 anos de trabalho, nos prende até a última linha. Como se ainda fosse possível alterar o rumo dessa tragédia política dos nossos tempos.

Viveiros lança Da arte do Brasil Em ato no Salão Promocional da Federação das Indústrias de São Paulo– Fiesp, foi lançado no dia 18 de dezembro o livro Da arte do Brasil, 15ª obra do jornalista e escritor Ricardo Viveiros, membro do Conselho Consultivo da Representação da ABI em São Paulo. A obra traça um panorama da arte no País, retratando a vida de alguns dos principais artistas plásticos brasileiros, do Império aos dias atuais, e atraiu alguns dos retratados e herdeiros dos pintores já falecidos, além de autoridades políticas, empresários, líderes setoriais, dirigentes de organizações não-governamentais, membros da sociedade paulistana, jornalistas e intelectuais. Da arte do Brasil, produzido pela Clemente & Gramani Editora em edição bilíngüe (português/inglês), é resultado da compilação de uma série de textos publicados pela revista Abigraf. São enfocados 22 artistas plásticos de diversas regiões do País e suas principais obras: Aldemir Martins, Aldir Mendes de Souza, Anita Malfatti, Antônio Gomide, Antônio Henrique Amaral, Cândido Portinari, Carybé, Djanira da Mota e Silva, Emiliano Di Cavalcânti, Fayga Ostrower, Flávio de Carvalho, Francisco Brennand, Fulvio Pennacchi, Iberê Camargo, Milton Dacosta, Pancetti, Raimundo Cela, Rugendas, Samson Flexor, Tikashi Fukushima, Tomie Ohtake e Vicente do Rego Monteiro. Em apêndice especial, o livro traz um retrato de seis dos mais importantes museus brasileiros, descrevendo a história, curiosidades e os acervos de cada um: Museu Nacional de Belas-Artes (RJ), Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu Lasar Segall, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (Mac/Usp), Museu de Arte Moderna (Mam/RJ) e Museu de Arte de São Paulo (Masp). “Espero que este trabalho seja uma oportunidade para o leitor conhecer boa parte do desenho e da pintura produzidos por este país de artistas. Meu objetivo foi senão o de mostrar as trajetórias desses criadores, seus trabalhos e, principalmente, dar a conhecer o melhor de suas obras”, diz Viveiros. No prefácio do livro, diz o escritor e crítico de arte Jacob Klintowitz: “Os personagens de Ricardo Viveiros são obscuros heróis brasileiros paradoxalmente famosos. E a saga do jornalista consiste em dar corpo e tornar palpáveis estas luminosas sombras que se movimentam em pequenos e particulares cenários e, no entanto, tornam visual a singularidade nacional. (...) Nesta panorâmica esclarecedora, Viveiros não aparece senão de maneira indireta, pois só sabemos dele pelo retrato que faz dos artistas e pelo conjunto de informações que nos enriquece. Uma raridade.”

O filme musical, visto por Bilharinho O Instituto Triangulino de Cultura, sediado em Uberaba, Minas Gerais, lançou o livro O filme musical, de Guido Bilharinho, oitava obra da coleção Ensaios de crítica cinematográfica, publicada desde 1999. O livro aborda alguns dos principais filmes musicais realizados no século XX — da primeira película falada, O cantor de jazz, estrelado por Al Jolson, em 1927, até Dançando no escuro, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes 2000 — e traz 50 críticas distribuídas de acordo com o ano de lançamento das obras comentadas. Seguindo o padrão dos outros títulos da coleção, O filme musical contém ilustrações coloridas, fichas técnicas dos filmes, índices onomásticos, títulos originais e outros dados importantes. Quem quiser adquirir o livro de Guido Bilharinho ou outros lançamentos do Instituto Triangulino de Cultura, deve acessar o site da instituição.

Paulo Jerônimo (Pajê ) é Diretor de Assistência Social da ABI.

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FUNDAÇÃO OSCAR NIEMEYER/JULIANA ZUCOLOTTO

PERFIL

Janice, da poesia ao jornalismo O professor no ginásio indicou-lhe o caminho da comunicação.

ACONTECIMENTO

Niemeyer a caminho do centenário O arquiteto Oscar Niemeyer completou 99 anos de idade no dia 15 de dezembro e foi saudado pela ABI, da qual é associado desde 30 de julho de 1953, quando era diretor da revista Módulo, especializada em arquitetura e por ele fundada e mantida. Por meio de telegrama, em nome de sua Diretoria e associados, a Casa se pronuncia, afirmando que os “companheiros e admiradores da ABI vibram com sua caminhada ao centenário”. Na mensagem, assinada pelo Presidente, Maurício Azêdo, a ABI destaca também o arquiteto como “um exemplo de dignidade, de coerência e de coragem na defesa dos ideais de progresso social no Brasil e no mundo”. Oscar Niemeyer nasceu no Rio de Janeiro, no bairro de Laranjeiras, em 1907. Em 1934, formou-se engenheiro arquiteto e, um ano depois, iniciou a vida profissional no escritório dos arquitetos Lúcio Costa e Carlos Leão. Membro do Partido Comunista Brasileiro, Niemeyer é conhecido não só por suas obras, mas também por suas opiniões políticas, expressas, por exemplo, na seguinte declaração: — Nunca me calei. Eu nunca escondi minha posição de comunista. Os mais compreensíveis, que me convocam como arquiteto, sabem da minha posição ideológica. Pensam que sou um equivocado, e eu penso a mesma coisa deles. Não permito que ideologia nenhuma interfira em minhas amizades. Na semana de seu aniversário, noticiou o jornal Folha de S. Paulo, Niemeyer presenteou o Presidente cubano Fidel Castro com uma escultura de 9,5 toneladas — representando um monstro com a boca aberta e um cubano encarando-o — que será instalada na Universidade das Ciências Informáticas de Havana. Posteriormente, a obra ficará em uma praça a ser construída. 24

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Janice Caetano Barreto escrevia poesias e contos no ginásio. Seu professor de Literatura gostava dos textos e sugeriu que ela fizesse vestibular para Comunicação. O cargo de vendedora de fotos da Manchete Press foi o primeiro emprego, no Departamento de Serviços Editoriais da Bloch Editores. Com o salário, ela pagava o curso de Jornalismo na Facha. Depois de um ano, trocou a Bloch pela Gazeta Mercantil, em 81: — Mas só fui para a reportagem em 85, depois de formada. A Gazeta foi minha escola de vida e profissional. Fiquei lá por quase nove anos. Depois vieram os trabalhos como repórter de Economia do Jornal do Brasil, de 90 a 94, e na sucursal Rio do Estadão, de 94 a 95. Um convite para trabalhar como coordenadora na In Press, em 95, despertou seu interesse pelo jornalismo empresarial: — Fiquei lá quatro anos e, em seguida, tive uma passagem rápida, de três meses, pela Base. Logo depois, assumi a Gerência de Comunicação da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), entre 1998 e 2000. Em 2001, criei a Print Comunicação, especializada em publicações para empresas. Na vida pessoal, casou-se com o fotógrafo Alaor Filho e tem três filhos. Com ideais políticos, mas sem passagem pela política sindical, ela viveu uma experiência inusitada: com pouco mais de 30 anos, em 1998, foi Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro. Ali, teve atuação destacada na paralisação dos funcionários do JB, por salários atrasados, em 2001. O episódio resultou na venda do controle acionário do jornal. Em outra ocasião, Janice bateu o pé e não concedeu registro de jornalista a Edir Macedo, que alegava ter registro

de "jornalista colaborador" do jornal Folha Universal, órgão oficial da Igreja Universal, que criou e dirige. O bispo foi à Justiça e perdeu. Quando o jornalista Tim Lopes foi morto, ela manteve posição crítica contra as autoridades do Estado que, segundo ela, permitiram que a cidade fosse sitiada por criminosos. Na vida profissional, Janice destaca uma matéria que escreveu para o JB: — A reportagem — sobre as transações ilegais de ações da CSN que, à época, estava em processo de privatização — foi manchete da edição de domingo e acabou levando à demissão do então Presidente da empresa, Roberto Procópio Lima Neto. Na Print, ela comanda uma equipe de jornalistas. A empresa de comunicação empresarial é especializada em publi-

cações, relação com a mídia, treinamentos, comunicação sócio-ambiental e consultoria: — Mas sempre sobra tempo para outras coisas; eu me obrigo a isso. Faço atividades no Sindicato e, claro, cuido da família. Aliás, esta é a “atividade” mais importante da minha vida: o maridão e meus três filhos, Fernanda, Felipe e Igor. Aos 43 anos, na hora de escrever, Janice só tem tempo para o texto jornalístico. Não faz mais os contos e poesias que tanto impressionaram o antigo professor. Para ler, prefere ficção baseada em fatos reais e livros sobre política social eambiental.Eachaqueainternetéuma ferramenta muito útil: —Nomeucaso,usopara comunicação e pesquisa.Ajudademais.Para osmaisjovens,pode atrapalhar, mas é uma tecnologia que veio para ficar.

Janice Caetano: No currículo de repórter, uma denúncia que provocou a derrubada do presidente de uma empresa então estatal.

ABI agradece os votos de Boas–Festas A ABI retribui os votos de Boas-Festas recebidos das seguintes instituições, empresas, parlamentares e pessoas comuns: Antônio Figueirôa Figueirôa, Deputado Estadual, Recife, PE; Aristides Barreto; Armando Monteiro Neto, Presidente do CNI, Brasília, DF; Associação dos Agentes de Fornecedores de Equipamentos e Insumos para a Indústria Gráfica–Afeig raf; A yr ton Rodrigues de Gráfica–Afeigraf; Ayr yrton Almeida, Federação Nacional dos Empregados Vendedores e Viajantes do Comércio, Propagandistas, Propagandistas-Vendedores e Vendedores de Produtos Farmacêuticos–Fenavenpro, Rio de Janeiro, RJ; Brizola Neto Neto, Deputado Federal, Rio de Janeiro, RJ; Casa São Luiz Luiz, Rio de Janeiro, RJ; Denise Frossard, Deputada Federal, Brasília, DF; Dimas Fabiano, Deputado Estadual, Belo Horizonte, MG; Editora Mensagens, Atibaia, SP; Empresa Municipal de Multimeios–Multirio, Rio de

Janeiro, RJ; Faculdade Moraes Júnior Júnior; Federação dos ig ias P or tuários, Vig igias Por ortuários, Conferentes de Carga e Descarga, V Conser tadores e TTrabalhadores rabalhadores de Bloco, Brasília, DF; Consertadores João Elísio Ferraz de Campos, Presidente da Federação Nacional da Empresas de Seguros Privados e Capitalização–Fenaseg, Rio de Janeiro, RJ; Senador José Ag ripino e Anita Maria; José de P aiva Neto, DiretorAgripino Paiva Presidente da Legião da Boa Vontade–LBV, Bom Retiro, SP; Laudemiro Ribeiro de Souza, Agente Telecomunicações Policial, Mogi das Cruzes, SP; Mônica Albuquerque, TV Globo, Rio de Janeiro, RJ; Nereu Nunes Pereira, Prefeito Municipal de Periquito, MG; Pablo Lopez Blanco, Conselheiro da Embaixada da Espanha, Brasília, DF; Simone Barreto, Departamento de Relações Fraternais da LBV, Bom Retiro, SP; Sindicato Nacional dos Aeronautas; Sindicato Nacional dos Editores de Livros.


Liberdade de imprensa

A história da censura no Brasil e no mundo É preciso impedir que o direito de informar seja prejudicado, mas é necessário também que esse direito se incorpore aos processos midiáticos, através da cidadania. POR V ALÉRIO C RUZ BRITTOS

P

rofessor, pesquisador, orientador, jornalista, poeta, homem de múltiplas atividades e capacidade de trabalho, Sérgio Augusto Soares Mattos brinda mais uma vez a comunidade acadêmica com uma obra densa, séria e esclarecedora sobre os processos comunicacionais: Mídia controlada: a história da censura no Brasil e no mundo. Desta vez centra-se na relação Estado e mídia, cuja importância tem sido preterida em grande parte das abordagens acerca dos fenômenos da comunicação, como se a não unidirecionabilidade da produção de sentido resolvesse toda a questão, inclusive eliminando o problema das distorções quanto ao acesso à produção e consumo de bens simbólicos. Além do mais, é sabido como a ação do Estado, bem como dos agentes econômicos e, de modo menos expressivo, dos movimentos sociais, imprimem significado às dinâmicas e produtos. É por isso que, na verdade, de uma ou de outra forma esta relação do ente estatal com a mídia tem estado presente nas reflexões de Mattos, considerando o papel condicionador dos organismos públicos diretos e indiretos, em qualquer encontro (regulamentador ou não) com a mídia. É necessário destacar que, com este livro, a Editora Paulus prossegue com êxito o desenvolvimento de sua Coleção Comunicação, o que a qualifica como uma das mais importantes da área. Neste livro, o autor, doutor em Comunicação pela Universidade do Texas, nos Estados Unidos (1982), vai além do título, discutindo as conexões entre Estado e indústrias culturais em geral. Atenta-se para a relevância dos anexos disponibilizados, inclusive para cotejar o que são os conteúdos midiáticos e o que os códigos propõem que sejam, havendo entre ambos uma notória diferença, particularmente maior num país como o Brasil, onde os textos legais não raro têm grande dificuldade de serem cumpridos ou mesmo considerados no processo decisório, frente uma tradição de resolução dos problemas a partir de relações de compadrio. No caso da comunicação, essas relações são demarcadas por privilégios, coronelismos e outras aproximações, além da sabida identificação de classe que demarca as atividades empresariais no capitalismo, tudo isso pela capacidade da cultura de agir sobre o simbólico, o que é reconhecido por todos os agentes participantes desses processos de domínio e sedução.

Professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Unidade Baiana de Ensino, Pesquisa e Extensão (Unibahia), Sérgio Mattos resgata neste livro seu trabalho histórico de pesquisador, construindo um texto claro e reflexivo, que denota sua maturidade, especialmente pela qualidade das conclusões que apresenta, pontos de reflexão para gerações que viveram sob censura, aquelas que não passaram por períodos com esta difícil configuração e todas que reconhecem como o Estado, em pleno momento de vigência das políticas neoliberais e sua proposta de abstenção dos agentes públicos, característica do capitalismo informacional, continua sendo um ator fundamental no jogo globalizado. Nesse sentido, sua influência sobre a conformação dos mercados está sempre presente, manifestando-se positivamente (fazer) ou negativamente (não fazer); em qualquer dessas circunstâncias, os agentes mobilizam-se em torno do Estado, buscando obter vantagens mais particulares (para os capitais individuais) ou gerais (em prol da sociedade e sua diversidade). Bem constituída também relativamente à reconstituição histórica do fenômeno, a obra acaba traçando um importante panorama do próprio País de ontem e de hoje, ante isso projetando o

que se pode esperar, pelo menos no curto e no médio prazos, de toda a complexidade que gira em torno dos temas na circular ação do Estado sobre a mídia. Acrescenta-se que, assim como Estado não age só censurando e nem incidência estatal sobre as indústrias culturais seja nociva, os atos censórios não vem só do Estado, mas dos aparatos de poder em geral. Desta forma, e não obstante o condicionamento hegemônico de uma classe, nesta relação Estado, mercado e sociedade há brechas, o que abre espaço para pressão social por políticas públicas democráticas de comunicação, em favor dos interesses do conjunto social. O mesmo Estado que censura e, por isso, tem sua intervenção condenada pelo empresariado de comunicação é o que paga a mídia com publicidade, inserções, financiamentos e apoios, participação neste caso aplaudida, como o próprio Sérgio Mattos mostra, sempre com qualidade textual, além de riqueza de dados ilustrativos. Mídia controlada: a história da censura no Brasil e no mundo aborda também a conivência com a censura e a autocensura, por parte dos empresários, nesse caminho expondo a complexidade do

problema, condicionado por interesses econômicos que se sobrepõem às demandas sociais. O mais interessante é que a questão é mostrada também no berço do liberalismo, os EUA, o que corrói visões que vêem no funcionamento desregrado do mercado a melhor saída, já que a ausência de limites aos atos de midiatização pode também ser a falta do necessário interesse público nas estratégias das companhias de comunicação. Por trás disso esconde-se uma pergunta que reiteradamente é feita, dividindo posições e merecendo visões distintas e até antagônicas: a falta de controle estatal é a vigência da liberdade total (para o público em geral também, além das empresas de mídia) ou necessariamente o triunfo do controle privado? Uma visão realista do problema sinaliza a resposta, já conhecida por todos, embora a pluralidade de proposições e interpretações sobre o tema só venha a acrescentar em sua reflexão e discussão ampla. Este livro de Sérgio Mattos contribui com muita pertinência para a discussão da liberdade de expressão. Mais do que isso, deve ser inserido no atualíssimo debate sobre o direito à comunicação, o que requer canais de expressão capazes de representar a pluralidade e, eventualmente, contrariar interesses, o que não existe sob qualquer forma de censura. Especialmente num país marcado por descontinuidades da democracia representativa, a análise crítica da trajetória do cerceamento à possibilidade de intercâmbio de informações serve como um alerta para a necessidade de mobilização em tornodeavançosdessesistema, não só impedindo que o direito de informar seja prejudicado, mas também lutando para que o direito a informar seja incorporado nos processos midiáticos, a partir da atuação conseqüente da cidadania. No âmbito dessa discussão, ainda que a internet permita novos canais de manifestação flexíveis (com todos os problemas desseambiente,comoadistorçãonoacesso entre países ricos e pobres, o que se repete no âmbito interno), o mundo sofre novos ataques ao direito à comunicação, após, como observa o autor, o episódio terrorista de 11 de setembro de 2001, que destruiu as Torres Gêmeas de Nova York, nos Estados Unidos da América. Valério Cruz Brittos é jornalista e professor da Universidade Federal da Bahia.

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Direitos humanos

Os perseguidos apelam ao novo governador Instituições de defesa dos direitos humanos e das liberdades civis pedem ao Governador eleito Sérgio Cabral que apresente nos quatro primeiros meses de sua gestão um cronograma de pagamento da reparação moral instituída pela Lei n° 3.744, de 2001, em favor das vítimas de prisão e torturas em dependências do Estado WILSON DIAS/ABR

Em petição que dirigiram em 13 de dezembro ao Governador eleito Sérgio Cabral, instituições de defesa dos direitos humanos e das liberdades civis do Estado do Rio pediram que ele apresente nos quatro primeiros meses de sua gestão um cronograma de pagamento das indenizações de reparação moral instituída pela Lei n° 3.744, de 21 de dezembro de 2001, em favor das vítimas de prisão e torturas em dependências do Estado entre a data do golpe militar de 1964 e a anistia de 1979. Desde a regulamentação da Lei, em 10 de outubro de 2002, foram pagas apenas 140 (12%) das indenizações aprovadas. No documento, o Fórum de Reparação do Estado do Rio de Janeiro, constituído por essas entidades, lembra que um representante do Governador eleito firmou em 13 de setembro, durante a campanha eleitoral, em ato realizado na ABI, o compromisso de cumprir integralmente a Lei n° 3.744/2001, a qual só foi totalmente respeitada até agora numa disposição restritiva: a que limitava a 180 dias após a sua regulamentação o prazo de apresentação de requerimentos de postulação da reparação moral. O apelo dirigido ao Governador, que contém cinco reivindicações tem o seguinte teor:

Governador eleito Sérgio Cabral: pagamento do passivo de indenizações de reparação moral é cobrado pelas vítimas de torturas sob a ditadura.

“Exmo. Senhor Governador eleito pelo Estado do RJ Sérgio Cabral, Em 13 de setembro último realizamos, com o apoio da ABI-Associação Brasileira de Imprensa e do GTNM RJ-Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, o ‘Dia do Compromisso com os Direitos

Humanos’ na própria ABI. Nós –– do Fórum de Reparação do Estado do Rio de Janeiro, movimento que reúne atingidos pela tortura e violência praticadas por agentes do Estado durante a ditadura militar –– e mais algumas dezenas de entidades e movimentos sociais.

FONTE: FÓRUM DE REPARAÇÃO ERJ

SITUAÇÃO DOS REQUERIMENTOS ENVIADOS À COMISSÃO ESTADUAL DE REPARAÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

100%

26

Indeferidos -161

Deferidos - 738

Total - 1.114

66%

Aguardam julgamento - 215

DEZEMBRO 2006

19% 14%

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Não pagos - 598 (88%) Pagos - 140 (12%)

Na ocasião compareceram candidatos à Alerj, à Câmara e ao Senado, que ouviram, leram e assinaram várias pautas de reivindicações. O Sr. candidato ao Governo do Estado Sérgio Cabral enviou representante, que assinou nossa pauta de reivindicações demonstrando, desta forma, que se preocupa com as questões ali explicitadas. Neste dia 13 de dezembro – data que, há 38 anos, marcou gravemente o nosso País com a assinatura do Ato Institucional n° 5 – estamos lembrando ao futuro Governador Sérgio Cabral de seu compromisso, firmado por seus representantes no dia 13 de setembro, de zelar pelo cumprimento da Lei n° 3.744/01 e decreto, que dispõem sobre as reparações simbólicas às pessoas que tenham seus processos deferidos pela Comissão Especial de Reparação do Rio de Janeiro. Vários Estados brasileiros incorporaram leis que garantiram aos ex-presos políticos e seus familiares tão-somente reparações pecuniárias, reduzindo a questão da reparação. Não houve em nosso País a plena abertura dos arquivos da ditadura, condição necessária ao processo de resgate da memória histórica, sequer a criação de uma Comissão da Verdade –– a despeito do envolvimento de centenas de agentes que agiram em nome do Estado brasileiro e que foram denunciados como torturantes. Ainda não se efetivou, apesar das reivindicações dos movimentos de direitos humanos, o processo de esclarecimento das circunstâncias das mortes e desaparecimentos e a punição dos responsáveis, a exemplo do que acontece com os nossos vizinhos latino-americanos: a Argentina, o Chile, o Uruguai e Paraguai. De qualquer forma, em 1996, foi apresentado à Assembléia Legislativa o Projeto de Lei que deu origem, após cinco anos de tramitação, à Lei n° 3.744/01, que está em vigor desde 21 de dezembro de 2001. A Comissão deveria ter sido regulamentada 30 dias após, o que veio a ocorrer em 10 de outubro de 2002, com cerca de dez meses de atraso. A Comissão Especial de Reparação foi instalada a 18 de setembro de 2003, com 32 meses de atraso. O artigo da lei (e do decreto) que limitou o prazo de 180 dias para a apresentação dos requerimentos de reparação foi o único na íntegra, ou seja, várias pessoas foram prejudicadas pelos atrasos supra-


citados, porém não houve sensibilidade por parte do Poder Executivo para ampliar o prazo para a apresentação dos pedidos, apesar de haver dezenas de pessoas impedidas por este prazo. Verifica-se, hoje, então, a seguinte situação: • em números aproximados, foram apresentados 1.114 requerimentos à Comissão Especial de Reparação, dos quais 738 foram deferidos, mas apenas 140 foram pagos. Assim, 598 dos deferidos (88%) aguardam pagamento; entre eles vários doentes e/ou em idade avançada aguardam, no mínimo, uma previsão de pagamento das suas reparações; • o terceiro e último pagamento foi efetivado em agosto de 2005, mesmo havendo programa de trabalho na lei

orçamentária com alocação de recursos específicos para esta finalidade; • 215 requerimentos ainda aguardam análise e parecer da Comissão; • o Poder Executivo descumpriu a lei quanto aos prazos, porém foi rígido em delimitar e cumprir o curto prazo para a apresentação dos requerimentos. Sendo assim, ao assumir o Governo do Estado, o futuro Governador comprometeu-se a incorporar, nas realizações do Governo, o seguinte: 1. apresentar, nos primeiros quatro meses de governo, um cronograma detalhado dos pagamentos pendentes; 2. efetivar imediatamente todos os pagamentos dos requerimentos deferidos; 3. enviar mensagem à Assembléia Legislativa para abertura de prazo extra-

ordinário para apresentação de novos requerimentos; 4. estender para 36 meses o prazo daqueles requerentes que ainda não tenham conseguido cumprir as exigências por falta de documentação, em especial, familiares de desaparecidos políticos, já que não existe pleno acesso a importante parte dos arquivos da época da ditadura. 5. criar um mecanismo eficaz de fiscalização com participação de entidades da sociedade civil para impedir a prática de tortura e maus-tratos, atualmente utilizada de forma generalizada e sistemática por agentes do Estado do Rio de Janeiro. Certos de sua compreensão e sensibilidade quanto ao tema, aguardamos. (a) Fórum de Reparação do Estado do RJ.”

Reparação moral para a guerrilheira Dilma Rousseff Votação apertada aprova indenização à atual Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República por torturas sofridas nos anos 70. ROSSEWELT PINHEIRO/ABR

Dilma: Quando jovem, trazida de camburão de São Paulo para torturas no Doi-Codi.

Emílio Garrastazu Médici. A reunião foi presidida pelo Coordenador da Comissão, Gelson Campos, e contou com a participação dos representantes da ABI, Maurício Azêdo; do Grupo Tortura Nunca Mais, Elizabeth Silveira; da Ordem dos Advogados do Brasil/Seção do Estado do Rio de Janeiro, Marcos Cilos; do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro-Cremerj, Sidnei Ferreira; da Secretaria de Estado de Ação Social, Rodrigo Pereira; e da Secretaria de Estado de Justiça, Francisco Campelo. A Procuradora Leonor Paiva não pôde comparecer à reunião, mas enviou 14 processos por ela relatados, os quais foram apresentados ao plenário pelo representante do Cremerj. Entre seus processos estava o da Ministra Dilma Rousseff, no qual ela opinara pelo indeferimento, proposta rejeitada pelo plenário.

Processos apreciados Foram aprovados os pedidos de reparação moral de: Cleto Ferreira de Souza (falecido) Dilma Vana Rousseff Dorma Teresa de Oliveira Barbosa Edson Antônio Iones Nunes da Silva José Hugo Arruda de Paula Lucas Pamplona Amorim Luiz Arnaldo Dias Campos Luiz Sérgio Dias Marcos Antônio Costa de Medeiros (falecido) Maria Irany Rezende Cardoso (falecida) Maria Irony Bezerra Cardoso Maria Teresa Porciúncula de Moraes Milton Lopes da Costa Paulo César de Castro Sérgio Luiz Tomaz da Silva Sérgio Mureb Simões Wilson Pinto Bueno Zamir Silva Os processos indeferidos foram os de: André Teixeira Moreira Carlos Alberto Viana Montarroyos Claúdio Jorge Câmara Edmilson Jorge de Oliveira Espedito de Freitas Expedito Gonçalves (falecido) Flavio Novoa Esteves Francisco Gomes de Assunção Francisco Monte Vianna Filho Inês Corrêa Padredi Izaias Ferreira de Lima (falecido) Jarbas Gomes Machado (falecido) João Eduardo Osório Rodrigues Jomar Gomes da Silva Jorge Manoel de Oliveira e Silva José Paulo de Oliveira José Pio X Martins (falecido) Juvenal de Andrade Luiz Fernando Torres Furtado Manoel Assumpção de Castro Maria de Lourdes Siqueira Maria Ruth Jeremias Nicolau Zarvos Neto Norma Teixeira da Silva Osmar de Jesus Mendes Barbosa Regina Coeli Ferreira da Cruz Stalin Dias da Costa Valeska Peres Pinto Foi retirado de pauta o processo de Vera Lúcia Carneiro Vital Brasil.

Argentina: sumiram com testemunha de torturas Em sua reunião de dezembro, realizada no dia 19, o Conselho Deliberativo da ABI aprovou moção do Conselheiro Mário Augusto Jakobskind, membro da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos, cobrando das autoridades da Argentina que se esclareça o desaparecimento de Jorge Julio López, às vésperas de testemunhar contra um torturador daquele país. A íntegra da moção: “Jorge Julio López, testemunhachave no julgamento, por crimes contra a humanidade, do torturador argentino Miguel Etchecolatz, está desaparecido há três meses. O desaparecimento de López, de 77 anos, ocorreu 24 horas antes de que ele testemunhasse no Tribunal. Vale lembrar que López testemunhou o seqüestro de trabalhadores pela repressão argentina em uma operação sob o comando de Miguel Etchecolatz, responsável também por outros crimes e violações dos direitos humanos. O Conselho Deliberativo da ABI solicita que as autoridades argentinas esclareçam as circunstâncias em que se deu o desaparecimento de Jorge Julio López e que possa trazêlo de volta ao convívio dos familiares e da sociedade. Julgar responsáveis pela violação dos direitos humanos é uma exigência não apenas dos argentinos, como de todos os cidadãos do mundo que prezem o respeito a esses direitos. A ABI se soma aos argentinos nesse justo pleito e também exige das autoridades que o caso seja imediatamente esclarecido.” REPRODUÇÃO

Por quatro votos a três, após prolongadas discussões, a Comissão Especial de Reparação da Secretaria de Direitos Humanos do Estado do Rio aprovou no dia 14 de dezembro a concessão de reparação moral à ex-guerrilheira Dilma Vana Rousseff, atualmente Ministra Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, que foi presa e torturada pelos órgãos de repressão da ditadura militar nos anos 70. Para a manifestação da Comissão foi decisivo o depoimento prestado no plenário por uma companheira de Dilma Rousseff, Vânia Amoretty Abrantes, que relatou que foi transferida com ela, no mesmo camburão, de uma prisão em São PauloparaoCentrodeOperaçõesdeDefesa Interna-Comando de Defesa Interna (Doi-Codi), sediado no quartel da Polícia Especial do Exército na Rua Barão de Mesquita. Vânia Amoretty é diretora do Grupo Tortura Nunca Mais, para o qual acompanha os trabalhos da Comissão Especial de Reparação. Em sua última reunião de 2006, a Comissão apreciou 48 pedidos de reparação de militantes políticos que estiveram presos em dependências de órgãos do Governo do Estado do Rio de Janeiro entre a data do golpe militar, 1° abril de 1964, e a anistia,em 1979. A Comissão deferiu 19 processos, indeferiu 28, por falta de documentação cobrada dos requerentes e por estes não fornecida, e retirou um de pauta. Entre os processos deferidos, também após longo debate, figura o da hoje cineasta Tetê Moraes (Maria Teresa Porciúncula de Moraes), que era Oficial de Chancelaria do Itamarati e foi presa e torturada sob a alegação de difundir pela mala diplomática informações e relatos sobre torturas no Brasil, o que, dizia o regime, afetava a imagem do País no exterior. Tetê Moraes foi também demitida do Itamarati por decreto firmado pelo ditador

CONSELHO

Entidades de direitos humanos da Argentina exigem o aparecimento de López: com vida.

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DESBRAVADORES

Yes, nós temos Voz Brazilian Voice, semanário em português com 55 mil exemplares, é distribuído à comunidade brasileira de seis Estados americanos e vai muito além da informação: é consultado até sobre a localização de pizzarias e missões itinerantes do consulado.

DIVULGAÇÃO

POR C LAUDIO C ARNEIRO

V

eiculado obrigatoriamente por nossas emissoras de rádio AM, o noticiário A voz do Brasil tem o papel fundamental de levar as principais notícias oficiais do País aos quatro cantos de uma nação que, apesar de suas dimensões continentais, está unida por um só idioma, o que muitos consideram o verdadeiro milagre brasileiro. Atravessando a fronteira, rumo ao Norte, encontraremos nos Estados Unidos o Brazilian Voice, outro “milagre”: é um jornal feito para os brasileiros que vivem naquele país e que têm o nosso idioma como sua principal identidade. A história do Brazilian Voice se confunde com a história de 1,5 milhão de compatriotas que vivem nos Estados Unidos — a estimativa é do BV, pois nem o Consulado Brasileiro sabe precisar o número. O semanário, que sai às quartas-feiras, com 55 mil exemplares, serve também como elo entre os brasileiros espalhados por seis Estados da Costa Leste dos EUA. Além de ser fonte de informação, o Brazilian Voice tornou-se referência e uma espécie de central informal de atendimento ao imigrante. Os leitores telefonam para o jornal por um sem-número de motivos, desde a busca do telefone da pizzaria do bairro até a data da próxima missão itinerante do Consulado. Muitas vezes, quando necessitam de uma orientação ou um atendimento, os leitores ligam para o jornal antes de telefonar para a polícia, por exemplo. O BV foi criado pelo mineiro Roberto Lima em 88, quatro anos depois de sua confusa chegada aos Estados Unidos. Assim que desembarcou, em abril de 1984, ele foi preso pelo Serviço de Imigração ainda no Aeroporto JFK. — Consegui um defensor público que convenceu o juiz de que eu não viajara aos Estados Unidos para trabalhar. Três dias depois eu estava em liberdade. Foi um despertar um tanto rude, mas que me preparou para a peleja que vive todo imigrante ilegal neste país — conta Roberto, por e-mail. O que o juiz não sabia era que este açucenense, nascido no distrito de Pedra Corrida, ia mesmo trabalhar, e muito. Lavou pratos, foi garçom, servente de pedreiro e encarregado de um depósito de muambas eletrônicas vindas da Ásia. Uma tarde, bebendo com amigos brasi-

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Roberto Lima: Brazilian Voice surgiu quando se soube muito depois da morte de Tancredo.

leiros, alguém comentou o fato de que muitos ali só haviam sabido da morte de Tancredo Neves muitos dias depois do 21 de abril de 85. Entre uma cerveja e outra, Roberto Lima anunciou que fundaria um jornal para evitar esses atrasos de informação. Ia se chamar Brazilian Voice, a “voz dos brasileiros”, afirmava. No dia seguinte, um dos amigos, a caminho do trabalho, encontrou uma máquina de escrever numa lata de lixo em Nova York. De volta a Newark, no Estado de Nova Jersey, no fim do dia, levou a engenhoca até o apartamento de Roberto com um ultimato: “Aí está! Pode começar o seu jornal.”

— Eu não poderia decepcioná-lo. Nascia ali o Brazilian Voice — lembra Roberto. Tudo ou nada O primeiro número saiu em agosto de 88. Como se diz no Brasil, Roberto “jogava nas onze”. Escrevia o jornal inteiro, corria atrás de clientes e fazia a distribuição, percorrendo de carro as colônias brasileiras de quatro Estados americanos: — Quando eu retornava a Newark, tinha que começar tudo de novo. Felizmente, a dificuldade é do mesmo tamanho da facilidade. Os primeiros números foram mensais. Depois, passamos seis

meses com edições quinzenais. Só então fui para o “tudo ou nada” das publicações semanais. Sobrevivemos, o jornal, eu e o diagramador que se encarregava da montagem e da confecção dos anúncios. No ano seguinte, o BV já era considerado o maior veículo de comunicação em língua portuguesa das comunidades residentes nos Estados Unidos e uma referência para os brasileiros, a maioria deles vivendo na clandestinidade. O jornal, distribuído gratuitamente, tem cobertura nos diversos pontos de comércio brasileiro em seis Estados americanos — Nova Jersey, Nova York, Massachusetts, Filadélfia, Connecticut e Delaware. Só em Nova Jersey há mais de 400 pontos de distribuição. Existemoutrosveículosbrasileirosnessa região dos EUA. Roberto diz que nascem e morrem jornais quase todos os dias, mas salientaaconsistênciaeoprofissionalismo, aolongodosanos,doTheBrasilians,deNova York, e do Brazilian Times, de Somerville, Massachusetts. Ele lembra ainda que cada colônia estrangeira tem seus meios de informação, geralmente na língua de origem — os bilíngües são minoria: Entre os maiores jornais, está o El Diario, jornal latino de Nova York, com tiragem diária superior a 55 mil exemplares. Em Newark, existe também um jornal em língua portuguesa, o Luso-Americano, fundado em 1928. O Brazilian Voice surgiu mirando-se nele. São dois bons exemplos a ser seguidos. Credibilidade O que é notícia no BV? Tudo o que envolver brasileiros em terras americanas: exposições, acidentes, shows, mortes, prisões... E, ainda, as notícias do Brasil envolvendo famosos de lá ou de cá, como a visita de Oprah Winfrey a Salvador, que mereceu destaque em recente edição. No aspecto publicitário, Roberto ressalta que somente agora as empresas em território brasileiro começam a despertar para o potencial de mercado dos jornais voltados para as comunidades de emigrantes: — Basicamente, criamos um mercado novo, um pequeno Brasil em dólar e que dá muitíssimo certo. O jornal foi crescendo à medida que acompanhava a trajetória e o crescimento da colônia brasileira. Temos anunciantes que nos prestigiam desde a primeira edição, há quase duas décadas. Muitas empresas nasceram e cresceram junto com o BV. Vejo o Brazilian Voice como um grande veículo dentro desse universo. Trata-se


Vidas de um jornal respeitado. Temos credibilidade com o anunciante e, muito importante, também com o leitor. Sem um órgão regulador, os veículos decidiram criar, este ano, a ABI-Inter, em cerimônia que contou com a presença do PresidentedaABI,MaurícioAzêdo.Anova associação é presidida por Roberto, que já prepara o estatuto da entidade que, no futuro, irá desempenhar papel importante para todas as mídias brasileiras nos EUA. Na redação do Brazilian Voice só se fala um idioma: o português. Afinal, seus 11 funcionários são todos brasileiros. O jornal conta ainda com colaboradores como os músicos Kledir Ramil — da dupla Kleiton e Kledir — e Gutemberg Guarabyra, além do neurolingüista Lair Ribeiro. — Na verdade, foram eles que nos escolheram. O Guarabyra e o Kledir iniciaram suas trajetórias de escritores no Brazilian Voice. Temos ainda outro músico fazendo bonito entre nós: o Aquiles Reis, do MPB-4. Na canção ou nas letras, eles formam um time bem afinado. Já o Lair Ribeiro veio depois, e foi um presente que o leitor do BV ganhou. É a estrela da companhia. O jornal tem também um site (www.brazilianvoice.com) bem estruturado e sempre atualizado, que oferece uma emissora de rádio online — a Rádio BV — com programação dedicada à MPB, além de outros serviços, como classificados e agenda. Retração Os atentados do 11 de Setembro, segundo Roberto Lima, provocaram uma grande retração de mercado para os brasileiros nos Estados Unidos. — A visão do americano foi mudando com relação aos estrangeiros que estão neste país. Vivíamos um momento de grande exuberância naquele período pósBill Clinton e o mercado se retraiu excessivamente com os atentados terroristas. Aliás, não apenas o mercado se retraiu, as pessoas também se fecharam. O Congresso, que cogitava uma espécie de anistia para os estrangeiros ilegais, teve que endurecer e mudar o discurso. O projeto virou pó, como as Torres Gêmeas. Felizmente, bons ventos começaram a soprar para os imigrantes com a recente vitória democrata nas urnas. Muitos brasileiros sem oportunidade no Brasil se fizeram milionários aqui. Não é o meu caso. Mas esta é, sem sombra de dúvida, uma terra que recompensa o esforço, seja ele físico ou intelectual. Roberto, que não é formado em Jornalismo, mostra-se mesmo satisfeito com as chances que teve — e soube aproveitar — no país das oportunidades: — Sou um operário da notícia, feliz com a vida que o trabalho me proporciona. Enquanto existir brasileiro vivendo nesta terra, haverá motivo para a existência do BV. Se ser bem-sucedido na vida é trabalhar no que nos proporciona prazer e ainda ser remunerado por isso, posso considerar minha história um sucesso. É o que chamam por aqui de ’sonho americano’, uma história que já nasceu com um final feliz.

Domar Campos integrava a corrente de economistas que lutavam por um Brasil independente. Ele expôs essas idéias como jornalista na Última Hora de Samuel Wainer.

ADALMIR CHÍXARO

DOMAR CAMPOS

Um patriota inimigo do conformismo Defensor da soberania nacional, ele lamentava o que considerava falta de auto-estima do povo. Jornalista e economista, Domar Campos, que morreu em 23 de dezembro, aos 90 anos, foi um ferrenho defensor da soberania nacional, causa que abordou com muita propriedade nos artigos que escreveu para jornais e que foi o tema do livro Soberania, um fator escasso, lançado em 12 de dezembro de 2001 na sede da ABI, na qual ele ocupou os cargos de Diretor Administrativo, empossado em julho de 1993, 2º Subsecretário do Conselho Deliberativo, de janeiro de1997 a abril de1998, e Conselheiro, eleito em abril de 1998. O livro fala dos 500 anos do Brasil, destacando o que o autor considerava os grandes problemas nacionais, como a falta de auto-estima e o conformismo do povo brasileiro. Domar Campos foi professor do Instituto Superior de Estudos BrasileirosIseb, instituto de estudos de nível superior de caráter nacionalista fechado pelos militares após o golpe de 1º de abril de 1964, e integrou o Conselho Editorial do jornal Inverta. Ele defendia a tese de que o modelo colonial implantado no País subjugou a maioria da massa trabalhadora e que a mudança da mentalidade da elite nacional só seria ultrapassada se houvesse pressão popular. Numa longa entrevista ao Inverta, declarou que a baixa auto-estima brasileira é estrutural, mas que nos últimos anos

acendia alguma esperança: — A classe dominante continua como sócia menor dos países ricos e imperialistas. Mas o quadro está mudando. O Brasil de hoje já é diferente. Sua força econômica impõe algumas posições de verdadeira independência. Quando indagado sobre a responsabilidade da elite intelectual brasileira na formulação de propostas para o desenvolvimento do Brasil, ele lamentava a falta de compromisso da classe dominante com o destino do País e o fato de a população, apesar de estar mais consciente, não se manifestar contra a exploração do capital estrangeiro: — A opinião popular está mais presente, mas não possui uma organização satisfatória — dizia. — Os maiores e mais poderosos meios de comunicação apenas informam, mas não assumem posições em defesa dos interesses nacionais. Pode haver exceções, mas essa é a regra geral. Economista provisionado, porque nãohaviaformaçãouniversitáriaemEconomia na época em que começou a se especializar na matéria, Domar era funcionário do Banco Central, criado a partir da antiga Superintendência da Moeda e do Crédito-Sumoc, a que era vinculado. Ele passou a se dedicar também ao jornalismo em 1954, quando, a convite de Otávio Malta, principal redator da

Última Hora de Samuel Wainer, foi convidado a integrar os quadros do jornal,paradaraosfatosdavida econômica uma versão ao alcance do entendimento das pessoas comuns, sob o ângulo do interesse nacional e da economia popular. Samuel Wainer festejavao, dizia que Domar era o “doutrinador do nacionalismo” e queria transformá-lo num dos grandes nomes da imprensa, uma estrela do jornalismo, através de intensa promoção de seu nome e de seu trabalho.Chegou a designar uma fotógrafa para tirar umas fotos especiais dele, que não sabia posar e não se sentia à vontade para isso..”Foi uma tourada, pois eu não levava jeito para posar”, contou Domar quase 40 anos depois, revelando que diante disso Samuel desistiu de fazer dele uma das estrelas do jornal. Um dos momentos destacados da atividade jornalística de Domar foi a criação em Última Hora da coluna Do ponto de vista nacional, em que escreviam ele e “três grandes cientistas sociais brasileiros”: Jesus Soares Pereira, Inácio Rangel e Alberto Guerreiro Ramos. ‘O jornal – contou – deu bastante destaque à coluna, que chegou a ter muito sucesso e repercussão nacional.” Domar trabalhou em Última Hora em três momentos alternados, a última vez após o golpe militar de 1964, quando o jornal, alvo de perseguição e represália da ditadura, entrou em declínio como empresa. Ele foi então desligado num corte por medida de economia: era um luxo para o jornal ter então um especialista da envergadura dele. Em relato no livro A Última Hora de Samuel – Nos tempos de Wainer, organizado pelo jornalista Anderson Campos e editado em 1993 em colaboração pela ABI e pela hoje extinta Cooperativa dos Profissionais de Imprensa do Rio de Janeiro-Coopim, Domar Campos relembrou sua vivência no jornal: “Momentos dos mais agradáveis eram as conversas com Otávio Malta. Ele escrevia muito sobre assuntos econômicos e as lutas nacionalistas e eu o assessorava com prazer. Aprendi muito com ele e não apenas com o seu magnífico estilo, mas com o seu espírito elevado, sua cultura e sua mente limpa. Samuel Wainer dizia que Otávio Malta era um Machado de Assis redivivo.” Jornal da AB ABII 315 Dezembro de 2006

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Vidas OLIVEIROS LITRENTO

Poeta e intelectual formado na caserna Como na imagem de Osório, a farda não abafou no peito a inclinação pelas letras, pelo Direito e pelo jornalismo desse pensador que chegou a coronel do Exército.

Militar, como Werneck Sodré, e cultor do Direito, Litrento tinha como paixão maior a literatura, em que era mestre.

ARQUIVO PESSOAL

Colaborador do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, no qual assinava aos domingos um artigo que geralmente versava um tema literário, Oliveiros Lessa Litrento era um scholar de formação militar, tal qual um Nélson Werneck Sodré, com uma diferença essencial, é certo: Werneck Sodré era marxista, marxista-leninista, enquanto Litrento era um conservador, se se ameniza a expressão reacionário, como muitos o consideravam. Apesar disso, Litrento atravessou o longo período da ditadura militar sem se associar às suas práticas repressivas e às suas discriminações. Embora a ABI fosse uma das principais instituições da sociedade civil de resistência à ditadura, ele não deixou de colaborar com a entidade, na qual ingressou duas vezes: a primeira em 1962, pela mão de Herbert Moses, e, após um período de afastamento, em 1972, por proposta de Fernando Segismundo. Como intelectual, Litrento era eclético, um polígrafo, que exprimia sua criatividade e sensibilidade em poesias, reunidas no volume O escultor e o pássaro, editado no Brasil e também no exterior, exercitava sua erudição e sua disci-

plina de pesquisador em estudos como Canudos -Visões e Revisões, editado pela Biblioteca do Exército Editora, e pontificava com seu domínio da técnica e da ciência do Direito em obras como Curso de Direito Internacional Público e Curso de Filosofia do Direito, editadas pela Forense do Rio de Janeiro, Perspectivas Atuais do Direito, editada pela Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas, e em estudos preparados para edições especiais, como a revista dedicada ao jurista Pontes de Miranda, para a qual contribuiu com o estudo Pontes de Miranda e os problemas gerais do Direito: a teoria dos jetos, incorporando-se a um elenco de estudiosos que incluiu José Carlos Moreira Alves, Lourival Vilanova, Nelson Saldanha e Tércio Sampaio Ferraz Júnior, entre outros. Membro da pioneira Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial, Litrento foi Dire-

ARQUIVO PESSOAL

Mozart, repórter e assessor

Mozart Ferraz trabalhou com o mesmo desembaraço em jornal, rádio, televisão e assessoria de imprensa.

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tor da Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre) na gestão 1998-2000. Diretor Subtesoureiro de 2000 a 2002 e membro do Conselho Deliberativo no terço 1998-2001. Ele teve complicações cardiovasculares que o obrigaram a se internar em 8 de novembro, quando foi submetido à implantação de marca-passo e, posteriormente, de pontes de safena. Após as duas cirurgias sobreveio um enfarte, ao qual não resistiu. Ele faleceu na madrugada de 17 de dezembro. Menos de dois meses antes, em 26 de outubro, completara 83 anos. Nos últimos anos Litrento foi alvo de uma campanha hostil do associado Arthur Cantalice, que nas assembléias-gerais da ABI questionava a legalidade de sua vinculação à Casa, sob o fundamento de que ele não era jornalista. Mesmo quando presente à assembléia, Litrento evitava confronto e bate-boca em torno do questionamento, que a maioria dos sócios presentes considerava impertinente e até deselegante. A exceção se deu na assembléia de 2003, quando ele pediu a palavra e respondeu a esse associado. (Maurício Azêdo)

Foi com 13 anos que Mozart Ferraz da Silva, pernambucano do Recife, chegou ao Rio de Janeiro, em 1959, para uma iniciação prematura na imprensa: na década de 60, muito novinho, começou sua trajetória como jornalista, admitido que foi na Luta Democrática, o jornal do combativo Deputado Tenório Cavalcânti. A partir daí percorreu redações de rádio, jornal e televisão e assessorias de imprensa: onde houvesse trabalho ele se punha a postos, cavando as oportunidades de emprego num mercado sempre adverso, desde então. Ele trabalhou na TV Rio, na revista TV Guia, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, na Revista do Rádio, no Diário de Notícias, na Rádio Tamoio, no Jornal Metrô-car, de que foi diretor-superintendente, na Gazeta de Notícias, na Rádio Metropolitana, na Rádio Tropical, na Rádio Ubaense, de Ubá, Minas, de que foi

diretor, na Rádio Carioca, na Rádio Imprensa, na revista Vip’s Bus, na Rádio Continental AM, na Rádio Carioca, na Rádio Imprensa FM, na Rádio 1440 AM. Atuou também como Assessor de Imprensa do Sindicato dos Guardadores de Automóveis do Rio de Janeiro, do Sindicato dos Empregados em Edifícios, da Guarda Noturna do Rio de Janeiro, da Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel e da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense. Ultimamente Mozart era colunista político do Jornal de Hoje, de Nova Iguaçu. De temperamento e hábitos boêmios, Mozart era solteiro e dizia que prezava acima de tudo a liberdade, sem obrigações com afazeres domésticos, exceto com a mãe, Lenira Oliveira da Silva. Ele era irmão do também jornalista Ronaldo Ferraz da Silva. Faleceu no dia 9 de dezembro.


AGÊNCIA GLOBO

Paulo Perdigão O sartreano que adorava Shane Amante e tradutor de Sartre, fã de Heidegger, ele viu o filme de George Stevens 82 vezes e, numa cópia, se inseriu na cena do duelo final, avisando o mocinho (Alan Ladd) que o bandido (Jack Palance) planejava matá-lo.

A

morte do jornalista Paulo Perdigão, ocorrida no último dia de 2006, aos 67 anos de idade,deixa uma lacuna na crítica cinematográfica e no elenco de personalidadesextraordináriasdavida cultural do País.. Ele exerceu o ofício de crítico com maestria por mais de 30 anos, nos jornais Diário de Notícias, O Globo e JB e nas revistas Manchete e Veja. Também atuoucomoprogramadordefilmesdaRede Globo de Televisão, onde ingressou em 1967, o que significa que viu e reviu inúmeras vezes milhares de filmes. Foi editor da revista Guia de Filmes, publicação do antigo Instituto Nacional do Cinema-INC, precursor da Embrafilme (Empresa Brasileira de Cinema), e entre o final da década de 1950 e a de 1960 ajudou a organizar alguns dos mais importantes festivais internacionais de cinema realizados no País. Foi também um dos idealizadores e organizadores do celebrado Festival JB de Curta-Metragem, que lançou inúmeros cineastas. Perdigão era também um especialista em Jean-Paul Sartre, de quem fez a primeira tradução em português de O ser e o nada, e escreveu Existência e liberdade — uma introdução à filosofia de Sartre, ensaio sobre o discurso filosófico sartreano. Agora em 2006, relançou Anatomia de uma derrota, de 1985, que, além de ser

Na cena que acrescentou ao filme, Perdigão advertia Alan Ladd (foto), o mocinho: Cuidado, Shane!

considerado pela crítica e a mídia especializada como a obra definitiva sobre a derrota do Brasil na final da Copa do Mundo de 1950,no Maracanã, inspirou o curta-metragem Barbosa, de Jorge Furtado e Anna Luiza Azevedo.

Em 2002, chegou às livrarias Western clássico — Gênese e estrutura de Shane, sobre o filme de George Stevens, aqui batizado de Os brutos também amam --título que ele abominava — e ao qual ele assistiu 82 vezes. A adoração do jornalista por Sha-

ne era tanta que ele viajou diversas vezes a Hollywood para visitar as locações do filme, do qual tinha uma cópia, montada lá, em que se inseriu na cena do duelo final, avisando ao mocinho vivido por Alan Ladd que o personagem de Jack Palance planejava matá-lo. De Los Angeles ele trouxe também pequenos pedaços do cenário do filme, que guardava como preciosas relíquias. Paulo Perdigão tinha admiração pelo rádio, de que tratou em PRK-30, livro de título homônimo do programa de humor dos radialistas Lauro Borges e Castro Barbosa,que, por mais de duas décadas, foi uma dos sucessos da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, alcançando mais de 50% de audiência. Sempre bem humorado, ele era irreverente e muito engraçado ao imaginar e contar casos, como os de suas aventuras em Hollywood à procura de George Stevens e de peças da cenarização de Shane, e sabia também ser trágico, como ao narrar, com riqueza de pormenores e de pausas, com o necessário suspense nos momentos de clímax, o drama do goleiro Barbosa e da Seleção Brasileira de Futebol na malsinada tarde de 16 de julho de 1950, em que a Seleção Uruguaia de Obdúlio Varela arrebatou o título de campeã mundial de futebol que o Brasil inteiro já considerava nosso. Jornal da AB ABII 315 Dezembro de 2006

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FABIO POZZEBOM/ABR

A

celebração do Dia Internacional dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro (data da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948), reclama reflexão sobre o espaço que os principais veículos da mídia brasileira dedicam ao tema nos seus noticiários. O assunto foi debatido em diversas redações do País, com base na pesquisa Mídia e direitos humanos, que foi realizada pela AgênciadeNotíciasdosDireitosdaInfância-Andi e mostra um panorama da atuação da imprensa em relação à agenda dos direitos humanos no País e assuntos correlatos. Para chegar ao resultado da pesquisa — que teve o apoio da Unesco e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República —, a Andi analisou 1.315 textos de 57 jornais de todos

Tal como as pessoas comuns, a mídia acha natural criança mendigar na hora da escola.

A MÍDIA IGNORA ESTES DIREITOS Pesquisa de Agência de Notícias dos Direitos da Criança revela que apenas 0,5% do material coletado em 57 jornais é explícito na conceituação dos direitos humanos. os Estados, publicados ao longo do ano de 2004. E concluiu que, embora 50,8% das matérias mencionem a expressão “direitos humanos” e 80% usem a palavra “direitos”, somente 0,5% do material é explícito na conceituação do tema e 2,1% abordam a perspectiva histórica da Declaração Universal. Textos que falam de denúncias de violação de direitos representam 2,7% do noticiário e as matérias investigativas (2,6%) são menos freqüentes. Geralmente, as reportagens não relacionam direitos humanos com os processos de desenvolvimento social, fazendo com que outros itens vinculados aos direitos individuais e coletivos — questões ambientais, de gênero, etnia, expectativa de vida, renda, sexualidade etc. — recebam tratamento editorial reduzido. Interesse Um dos aspectos positivos do trabalho da Andi foi o interesse demonstrado pelos jornalistas em aprofundar o debate sobre a presença da agenda dos direitos humanos no noticiário. Por isso foram realizadas, em várias redações do País, oficinas sobre valores conceituais, legislação e importância histórica dos direitos humanos. Os encontros aconteceram entre julho e setembro, com especialistas no assunto fazendo palestras para chefes de redação, editores, repórteres, redatores e pauteiros dos seguintes veículos: TV Globo (RJ), O Globo (RJ), Estadão, Folha, Grupo Verdes Mares (CE), Correio Braziliense (DF), Sistema Radiobrás (DF), Grupo RBS, CBN, Grupo A Tarde (BA) e Organizações Rômulo Maiorana (PA). O cientista político Guilherme Canela, Coordenador de Relações Acadêmicas da Andi e responsável pela pesquisa, observa que nos últimos dez anos a cober-

tura da imprensa tem melhorado, principalmente por causa das iniciativas de colaboração com os jornalistas: — A estratégia de colaboração com a imprensa tem dado resultados positivos e por isso desde 1996 tem melhorado a cobertura da agenda social brasileira. Nas visitas que fizemos às Redações, percebemos como os jornalistas estão ávidos por informações. Não tivemos nenhuma dificuldade para realizar os workshops, porque a imprensa está aberta a esse tipo de diálogo. Para ele, só o que pode atrapalhar esse processo de ampliação da pauta de direitos humanos é o enxugamento das equipes: — Mas em quase todas as empresas de comunicação houve adesão dos diretores de Jornalismo e uma grande preocupação das chefias de Reportagem em garantir participação nos encontros. Correlação No Rio, cerca de 70 jornalistas do jornal O Globo participaram da palestra da Procuradora do Ministério Público do Estado de São Paulo Flávia Piovesan, que também é professora doutora da Puc-SP nas disciplinas Direito Constitucional e Direitos Humanos: — O encontro foi relevante principalmente porque acho que a imprensa faz uma abordagem mais adequada dos direitos humanos do que a tv e o rádio. Apesar disso, as matérias de jornais e revistas estão sempre mais vinculadas aos direitos civis e políticos, deixando de fora os direitos econômicos e sociais e as políticas públicas, como se essas questões não tivessem qualquer relação com as outras. Revelou a Procuradora que boa parte dos jornalistas demonstrou ter acúmulo de conhecimento histórico sobre os

direitos humanos, mas pouca informação sobre alguns documentos elaborados pela Onu: — Percebi a existência de uma lacuna conceitual sobre o que vem a ser direitos humanos e conhecimento incipiente sobre os principais tópicos da Declaração Universal de 1948. Mas a realização do workshop provou que podemos avançar com o intercâmbio, pois os jornalistas demonstraram interesse no diálogo construtivo e isso reforça o meu pressentimento de que o jornal está à frente da mídia televisiva. As fontes, problema Nos textos pesquisados pela Andi, as organizações da sociedade civil aparecem como fonte em apenas 8,9%, enquanto o Governo é citado em 54,1% das matérias. Porém, para Adriana Carranca, repórter do caderno Metrópole, do Estadão, isso não significa que as instituições nãogovernamentais não estão sendo ouvidas pela imprensa: — Não acredito que elas estejam perdendo espaço na mídia. Quando as organizações têm informações consistentes, elas são ouvidas e ganham espaço, sim. O que acontece é que, muitas vezes, elas têm discurso vazio e sem embasamento em fatos. Adriana acha que o público que representa os movimentos de defesa e promoção dos direitos humanos geralmente não está preparado para falar com a imprensa, que tem a missão de “questionar, duvidar e esclarecer”: — Diferentemente do que acontece em Londres, onde as entidades investem em comunicação para lidar com jornalistas, as organizações não-governamentais brasileiras geralmente não dispõem de informações concretas, como dados numéricos e pesquisa. Isso provoca na imprensa

um certo preconceito, pois o jornalista vê nelas fontes menos qualificadas. Sem surpresa Para Mário Augusto Jakobskind, Conselheiro da ABI e integrante da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Casa, os dados mostrados na pesquisa não surpreendem, pois o tratamento do tema na imprensa tem deixado a desejar: —Nasáreascarentes,osmoradorestêm sidodesrespeitadosatodoinstanteemseus direitos humanos, sob o pretexto do combate à criminalidade. E por que, na prática, a mídia não denuncia como deveria este desrespeito aos direitos humanos? A tortura, que na época da ditadura afetava os combatentes pela liberdade, não existe mais em termos de ocorrências políticas, mas continua sendo uma prática corriqueira nas delegacias policiais brasileiras. O que significa silenciar diante disso? Significa que a sociedade está conivente com a tortura e o desrespeito aos direitos humanos, pois quem cala consente. Para Jakobskind e muitos especialistas em direitos humanos — e a pesquisa demonstra isso — os jornais abordam o tema de maneira generalizante e com foco na violência, ignorando o aspecto social: — A mídia é conservadora, tem uma visão preconceituosa sobre direitos humanos e sociais. Geralmente, os movimentos sociais são tratados de forma criminalizada, como nas recentes coberturas de eventos relacionados à reforma agrária — por sinal, atrasada em mais de 200 anos no Brasil. Que este Dia Internacional dos Direitos Humanos, que se comemora no domingo, dia 10, sirva de reflexão para os jornalistas de modo geral. E que as batidas policiais em áreas carentes sejam cobertas sem preconceito.


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