Artur da Távola O denuncismo empobrece o jornalismo Ele adverte que a tecnologia facilita o acesso a informações, mas oferece o risco de considerar o indício como fato e gerar julgamento, condenação e uma espécie de linchamento. Páginas 10, 11 e 12
Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
Jornal da ABI
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Páginas 31, 32, 33 e 34
CINE ABI
Em cartaz, Odete Lara e Henfil e seus irmãos. Ela, a mulher fatal. Páginas 14 e 15
ANISTIADOS E ANISTIANDOS TÊM PRESSA Seminário na Câmara dos Deputados denuncia que a aplicação da legislação é lenta, parcial e escamoteada. Muitos que esperam têm 80 e até 90 anos.. Páginas 29 e 30
GRUPO THYSSEN KRUPP VAI LANÇAR 23 MILHÕES DE METROS CÚBICOS DE METAIS PESADOS EM S EPETIBA . PÁGINAS 24 E 25
SÍMBOLO DO CENTENÁRIO DA ABI É DE ZIRALDO O PAI DO MENINO MALUQUINHO ACEITA DE PRIMEIRA CONVITE PARA CRIAR A LOGOMARCA HISTÓRICA . P ÁGINA 13
UNIÃO GARANTE ESCOLHA DO RIO PARA SEDE DA TV PÚBLICA SOCIEDADE CIVIL SE MOBILIZOU E OBTEVE O SIM DO PRESIDENTE L ULA . TV NÃO SERÁ DELE NEM PARA ELE, DIZ F RANKLIN. PÁGINA 17
Área cultural em festa pelos 80 anos de Suassuna Ato na Academia reúne a elite intelectual. Só ele não pôde ir. Página 14
VALTER CAMPANATO/ABR
UMA LIXEIRA INDUSTRIAL NUM PEDAÇO DO MAR FLUMINENSE
DIVULGAÇÃO
O maior e mais completo repórter que a nossa imprensa conheceu
ANIBAL PHILOT - AGÊNCIA O GLOBO
JOEL SILVEIRA
Editorial
JUSTIÇA QUE TARDA EM BOA HORA a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados teve a iniciativa de realizar um seminário sobre anistia, para a qual convocou as instituições da sociedade civil que há quase 30 anos se empenham na luta pela reparação moral e pecuniária das vítimas do regime militar militar,, entre as quais esta Associação Brasileira de Imprensa, que tem longa trajetória de militância em questão tão crucial da vida política do P aís. País. COMO LEMBROU NA ABER TURA do seminário ABERTURA ice-P residente da ABI, A událio Dantas, o V Vice-P ice-Presidente Audálio um dos primeiros expositores do tema, como integrante da mesa da sessão inaugural do encontro, foi na ABI que se instalou em 1978 o primeiro Comitê Brasileiro pela Anistia, num ato memorável sob a presidência do General P er y Constant Bevilacqua, eexxCo Per ery x-Co Co-mandante do II e do III Exército, que aliás, ao assumir papel de ponta na luta por tão justa causa, purgava o pecado de ter faltado com a lealdade ao Presidente constitucional João Goulart quando os golpistas desfecharam sua ação liberticida, como marionetes manipuladas pelos cordéis do então Embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon. A EVOCAÇÃO DESSE EPISÓDIO marcante da trajetória quase centenária da ABI e seu marco cronológico de quase 30 anos mostra como é tormentosa essa busca de justiça, que registrou a primeira conquista em l979, com a aprovação da anistia pelo Congresso Nacional, ainda que não tão ampla, geral e irrestrita como se pleiteava, e se consolidou com a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988, com o alargamento de seu
Associação Brasileira de Imprensa
alcance pelo artigo 8º do A to das DisposiAto ções Constitucionais T ransitórias. Como suTransitórias. gere a menção dessas datas, a concessão da anistia é arrastada, lenta, eivada de insuficiências e discriminações. A declaração desse oportuno 1º Seminário Nacional de Anistiados e Anistiandos proclama com razão que sua aplicação se faz de forma tardia, parcial e escamoteada setorialmente. OCORRE O SEMINÁRIO num momento em que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça atravessa uma transição, com a substituição do seu antigo Presidente, Marcelo L avénère, eex-P x-P residente do Conselho F edex-Presidente Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que deu ao órgão um dinamismo não conhecido sob o Gover no F er nando Henrique Cardoso, Governo Fer ernando pelo jurista P aulo Abrão, cujas primeiras ações Paulo e decisões parecem indicar que há perspectiva de elevação do nível de eficiência legado por seu antecessor ara isso oferecerá imantecessor.. P Para portante contribuição essa iniciativa da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, com os subsídios, informações e reclamos formulados pelas instituições da sociedade civil que atenderam à convocação. OS FATOS POLÍTICOS E SOCIAIS que ensejaram a infinidade de punições impostas pelo regime militar sucederam-se a partir de 1º de abril de 1964 e se estenderam até a segunda metade da década de 70. A maioria de seus protagonistas e vítimas tem hoje 60, 70, 80 anos; não poucos, 90 anos. Há que acudi-los com a anistia ainda em vida, porque tanta procrastinação configura reprovável injustiça. Justiça que tarda não merece tal designação, é uma forma cruel de injustiça.
SEÇÕES ACONTECEU NA ABI
Emoção e aplausos para Betinho, Henfil e Mário Chico O poeta Alexei, o verdadeiro Fenômeno União para fincar a TV Pública no Rio Uma relação em debate: imprensa/esporte/patrocínio
Uma correnteza na contramão do desvio do Rio São Francisco LIBERDADE DE IMPRENSA Como os jornais cobriam a luta armada nos anos 60 TV Comunitária não gostou do flagrante do top, top, top DIREITOS HUMANOS A ABI lamenta as mortes no vôo 3054 da Tam e reclama competência no setor aéreo VIDAS
Os anistiados e anistiandos pedem pressa Joel Silveira, Cardona, Copeba, Olavo Luz
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CONSELHO FISCAL Luiz Carlos de Oliveira Chester, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento, Secretário; Jorge Saldanha e Manolo Epelbaum CONSELHO DELIBERATIVO (2007-2008) Presidente: Fernando Barbosa Lima 1º Secretário: Lênin Novaes 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos (2006-2009) Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart, Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta. Conselheiros efetivos (2005-2008) Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, Araquém Moura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira (in memoriam), Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho Conselheiros efetivos (2007-2010) Artur da Távola, Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Salles, Paulo Jerônimo de Sousa, Sérgio Cabral e Terezinha Santos Conselheiros suplentes (2006-2009) Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães, Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza. Conselheiros suplentes (2005-2008) Anísio Félix dos Santos (in memoriam), Edgard Catoira, Francisco Paula Freitas, Geraldo Lopes (in memoriam), Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães
COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Audálio Dantas, Presidente; Arthur Cantalice, Secretário; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes
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Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar Telefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 22.030-012 Rio de Janeiro - RJ (jornal@abi.org.br) Editores: Francisco Ucha, Maurício Azêdo e Benício Medeiros Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Apoio à produção editorial: Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, José Ubiratan Solino, Maria Ilka Azêdo e Solange Noronha. Diretor responsável: Maurício Azêdo Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda - Av. Dr. Alberto Jackson Byigton, 1808 Osasco, SP - (11) 3693-8027
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As reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.
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OBSERVAÇÃO - Esta edição foi finalizada e impressa na segunda quinzena de setembro de 2007, quando começou a circular nacionalmente.
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CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira, Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura
Conselheiros suplentes (2007-2010) Adalberto Diniz, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurício Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio
Nesta Edição As revistas que fazem a cabeça dos brasileiros Artigo: Camus e o sol dos mortos Artigo: A nova censura: A gaveta do editor Jornalismo não pode ser contaminado pelo denuncismo Símbolo do Centenário é de Ziraldo Uma noite para Ariano na Academia Uma lixeira industrial num pedaço de mar do Rio “Carioquice” tem Nélson como matéria de capa A mídia pôs o Cristo no alto
DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros
VEÍCULOS LEW PARRELLA
Mino Carta (ao centro) e a primeira equipe de redação de Veja, em setembro de 1968, na gráfica da Abril, em São Paulo.
As revistas que fazem a cabeça dos brasileiros As quatro maiores revistas semanais do País, cada uma com seu estilo próprio, são consideradas os maiores formadores de opinião entre os veículos de comunicação de massa. Por isso, são aguardadas por milhões de leitores em busca de informação política, econômica, de comportamento e também entretenimento, arte e cultura. POR JOSÉ REINALDO MARQUES São quatro as principais revistas semanais de informação, todas com sede na cidade de São Paulo: Veja, do Grupo Abril; IstoÉ, da Editora Três; Época, da Editora Globo; e CartaCapital, da Editora Confiança. As duas primeiras circulam há mais de 30 anos. A caçula do grupo é Época, lançada em 1998. Carta Capital, criada em 1994, difere um pouco das demais por adotar uma linha editorial que seus responsáveis consideram mais in-
dependente. No geral, todas abordam temas como ciência e tecnologia, política e economia no Brasil e no mundo, comportamento, cidades, cultura e gastronomia e contam com colunistas fixos. Juntas, empregam nos departamentos de Jornalismo cerca de 250 profissionais, que trabalham na coordenação e produção editorial, na pesquisa e como diagramadores, revisores, fotógrafos, repórteres, redatores e editores. Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
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VEÍCULOS - AS REVISTAS QUE FAZEM A CABEÇA DOS BRASILEIROS
editoras souberam tirar A MAIOR REDAÇÃO É A da Veja (70 jornalistas), partido disso. que tem também a mai– A Veja foi a primeior circulação: são mais de ra a ocupar esse espaço 1,1 milhão exemplares vazio. Depois vieram Isem outubro do ano pastoÉ, Época e CartaCapisado, de acordo com a Astal, mas confesso que não sociação Nacional dos Edivi grandes modificações tores de Revistas-Aner. na imprensa como um Para o professor João Petodo no período. Como dro Dias Vieira, coordeas boas revistas trazem nador do curso de Jornaum resumo das notícias lismo da Universidade EsO coordenador do curso de da semana, pode ser que tadual do Rio de Janeiro, Jornalismo da Uerj, João Pedro os jornais tenham procuum dos aspectos mais imDias Vieira, não viu mudanças rado apurar melhor, dar portantes que devem ser significativas na imprensa depois mais e importantes inensinados na faculdade sodas revistas semanais. formações, para obrigar bre um veículo semanal os leitores dos diários a é o "tempo de validade" das matérias: considerar dispensável lê-las. – Uma revista é um misto de jornal com Para o jornalista Sérgio Lírio, editor da segundo caderno. Um jornal morre anCartaCapital, os tempos atuais exigem tes do meio-dia, quando as rádios e teleuma nova forma de se fazer revista semavisões já apresentaram desdobramentos nal, Para ele, "o crescimento de canais de de suas notícias. A revista pode ser lida a acesso à informação torna obsoletos os semana toda. A televisão mudou a mamodelos que se contentam em ser um neira de o leitor olhar a notícia, tornanresumo da semana, como farol a ilumido-o mais exigente, mas poucos donos de nar o passado": "A inglesa The Economist talvez seja o modelo mais bem-acabado do que deve ser, ou deve buscar, uma revista semanal: analítica, preocupada em oferecer reflexão que lance luzes sobre o futuro a partir de fatos presentes, com uma dose equilibrada de opinião e posicionamento". O editor diz que as mudanças anunciadas pelo novo diretor de Redação da americana Time,
alinhadas com o que a The Economist pratica há várias décadas, reforçam o caminho para a sobrevivência: – Modéstia à parte, CartaCapital é a única entre as revistas brasileiras conectada a essa realidade, pois sempre procurou fazer um jornalismo de reflexão, com uma boa dose de análise, com a contribuição de colunistas respeitados e sem esconder sua opinião sobre os fatos ou escamotear suas preferências, mas também sem adaptar a verdade factual a seus interesses. Sérgio diz ainda que a CartaCapital é o único projeto editorial inovador e próprio: – Gráfica e editorialmente, ela é fruto de uma reflexão do Mino Carta e de seus colaboradores. Não deriva de nenhum projeto de qualquer publicação estrangeira, ao contrário das cópias malfeitas existentes por aí. Embora ocupe o cargo de editor-executivo há dois anos, Sérgio diz que, na verdade, continua repórter. A equipe da revista é pequena, diminuta até, em comparação às demais publicações de porte no País. São 11 jornalistas ao todo, incluindo Mino Carta. E as reportagens da semana são decididas às segundas-feiras, em reunião de pauta de que só não participam Leonardo Fortes, sediado em Brasília, e Maurício Dias, que fica no Rio de Janeiro: – A reunião é aberta. Todo mundo sugere o que quiser e dá opinião sobre a pauta dos outros. O único risco é que, como a equipe é pequena, o repórter que normalmente sugere algo acaba escalado para fazer o trabalho - brinca Sérgio. Na CartaCapital ninguém é setorista. E não há uma pessoa específica para a redação final das matérias: normalmente, Mino Carta lê as reportagens princi-
pais e o redator-chefe (cargo em aberto no momento), o conteúdo completo. Também não há coordenação de produção editorial. Diz Sérgio que Mino gosta de trabalhar com equipes pequenas e, por isso, "sempre estimulou o que se pode chamar de jornalismo autoral, mesmo quando comandou Veja e IstoÉ": – Ele mantém esse espírito. Aqui, cada um responde por sua produção. Os profissionais, em sua maioria, são experientes e têm domínio total das técnicas necessárias para fechar uma revista. Estão habilitados a, tomando emprestado um jargão da crônica esportiva, jogar nas 11.
Para Sérgio Lírio, editor da Carta Capital, a revista semanal inglesa The Economist é um modelo a ser seguido.
R EVISTA V EJA QUANDO A VEJA FOI LANÇADA, em 11 de setembro de 1968, o clima no Brasil, com a ditadura militar, talvez não fosse o mais propício para investir em novo veículo de comunicação. Na opinião de Eurípides Alcântara, diretor de Redação da revista, o que favoreceu o lançamento foi o fato de o Brasil passar então por um período de intensa urbanização, ampliação de infraestrutura e aumento da população com acesso à universidade: – Esboçava-se o que viria ser chamado mais tarde de milagre econômico, o crescimento acelerado do País, que chegou a dois dígitos em alguns anos da década de 70. A Abril avaliou que em um cenário assim cresceria a necessidade de uma revista semanal de informação nos moldes das americanas Time e Newsweek. O conceito demorou alguns anos para pegar e a empresa teve prejuízos continuados até que Veja se tornasse indispensável, termo que mais tarde seria seu slogan. Eurípides Alcântara diz que Veja aparece como quinta colocada no ranking mundial e primeira no Brasil entre as revistas semanais de informação: – Temos quase o dobro de leitores que as duas concorrentes somadas. Em conteúdo, a meu ver, a distância é ainda maior. As outras revistas vivem em constante mutação e ainda não se estabilizaram a ponto de oferecer base sólida de comparação. As pesquisas mostram que nosso público não lê outras semanais, mas os leitores delas têm a Veja como referência. Nossos concorrentes são, pela ordem, 4
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O custo pioneiro para se tornar indispensável a internet e a televisão. Também nos destacamos pela capacidade de apuração de notícias exclusivas e pela vigilância constante sobre o poder público. Esta é uma missão que se impõe como prioridade em um país onde os cidadãos entregam aos governos 40% de seus ganhos, na forma de impostos, e pouco recebem em troca. No cargo desde fevereiro de 2004, Eurípides enumera as funções do diretor de Redação da Veja: cuidar de aspectos legais, definir a linha de atuação e tratar da manutenção "dos níveis de qualidade e da inatacável credibilidade" da revista, muitas vezes questionada pelos leitores, além de reafirmar os princípios da publicação para seus jornalistas: – Ocasionalmente, repórteres e até alguns editores da revista se confundem sobre esses princípios e como eles orientam o que publicamos. Não nos vemos obrigados a nenhuma operação de soulsearching a cada vez que editamos as matérias, mas quem está ligeiramente fora do processo de fechamento tem todo o direito de nos questionar. Para ele, a defesa desses princípios – bem como dos princípios básicos de uma sociedade democrática – não põe a revista "necessariamente à direita ou
Capa da histórica primeira edição da revista Veja, que teve sua redação comandada por Mino Carta.
à esquerda no espectro ideológico": – Ela nos coloca contra o racismo, contra a corrupção, contra a tortura, sejam seus autores de um lado ou de outro. Colocanos na defesa da propriedade privada, não por vê-la como instrumento de preservação de injustiças materiais historicamente
determinadas, mas como sinalização de maturidade jurisdicional e de respeito às leis e aos contratos. Essa é uma primeira tentativa de esboçar com mais clareza o que nos move e como decidimos. As reuniões de pauta de Veja acontecem às segundas-feiras, às 11h, com a participação do Diretor e dos editoresexecutivos. Definidos os assuntos que virarão matérias, inicia-se a distribuição de tarefas entre as editorias (Brasil, Geral, Internacional, Economia & Negócios, Guia e Artes & Espetáculos). A Coordenação de Produção, que abrange os setores de Revisão e Editoração, encarrega-se da revisão dos textos e de fazê-los casar com as páginas diagramadas. Sobre a escolha da capa, Eurípides diz que "não existe uma regra de ouro, o próprio assunto se impõe": "Como o mundo não entra em recesso, até a noite de sexta-feira, quando o material vai para a gráfica, as notícias quentes vão expulsando as frias e, quanto mais isso ocorre, mais incandescente fica a revista". Os repórteres participam ativamente do fechamento (que acontece mais cedo em editorias como Artes & Espetáculos) e muitos integrantes da equipe foram selecionados no Curso Abril de Jornalismo, como Paula Neiva, contratada há quatro anos: – Sem dúvida o curso ajuda a entender como se faz uma revista e o que é uma revista bem-feita. No meu caso, foi também a porta de entrada para a Veja. Ainda durante o curso, colaborei numa maté-
ria sobre um surto de dengue no Rio e estou até hoje na editoria de Saúde. Paula afirma que o nível de qualificação da reportagem é muito alto. A revista preza a qualidade e a precisão das informações, bem como o ineditismo. Na sua área, em especial, é necessário estudar muito e falar outras línguas com fluência. Além disso, os temas, na maioria das vezes, são áridos e incluem muitos termos técnicos. – Quanto ao funcionamento da editoria, nosso fechamento, geralmente, é às quartas-feiras. Então, uso as quintas e sextas para pesquisar pautas que, na segunda seguinte, fico sabendo se foram aprovadas ou não. Em caso positivo, parto para a apuração. É preciso ter o olho treinado para reconhecer uma pauta em potencial, curiosidade para descobrir fatos novos e vontade de extrapolar o factual. Também é preciso estudar o assunto. Porque, além de "vender" a pauta, temos que estar preparados para os questionamentos do editor, que avalia a importância do tema em questão e sua relevância para o leitor. Camila Pereira, por sua vez, diz que não há um padrão para mensurar o número de matérias que cada repórter tem sob a sua responsabilidade. – Varia muito de acordo com a editoria e com a época. Pode acontecer de pegarmos em uma matéria especial que exija três semanas de cuidado exclusivo. Ou, na semana quente de notícias, termos que produzir várias matérias. Também selecionada no Curso Abril, ela afirma que o conhecimento que adquiriu na faculdade não seria suficiente para ser repórter em qualquer Redação: – Além disso, o curso é uma espécie de selo de qualidade que abre portas nas revistas da editora. No meu caso, foi ainda mais importante, porque, na parte prática do curso, eu trabalhei na Veja e a jornalista que é hoje minha editora foi minha orientadora durante o curso. Então, foi realmente uma espécie de ensaio. Não tenho dúvidas de que o grande aprendizado acontece no dia-a-dia da Redação. Aprende-se muito aqui. Trabalho com profissionais muito experientes e competentes e tenho acesso aos principais especialistas de cada área como fontes. A grande repercussão das matérias e a visibilidade do trabalho também são gratificantes - diz Camila. O diretor de Redação da Veja, Eurípides Alcântara, assegura que, até chegar à gráfica, a revista está aberta para a inclusão de notícias mais quentes.
I STOÉ
Vocação para provocar e participar de mudanças NA EDIÇÃO ESPECIAL DO 30º ANIVERSÁRIO da IstoÉ, lançada em 1976 pela Editora Três, o diretor editorial Carlos José Marques diz que, ao longo desse tempo, a publicação vem "demonstrando sua vocação para registrar, provocar e participar das mudanças do País". Lembra que a capa da primeira edição já marcava a posição da revista pelo fim do regime totalitário e a volta da democracia: – A linha editorial, de vigilância e crítica ao sistema, já estava bem definida, abrindo sempre espaço para mostrar e analisar o outro lado dos fatos. É um princípio que IstoÉ segue até hoje. Para dar essa contribuição ao jornalismo brasileiro, a revista conta com 50 jornalistas. O escritório central fica em São Paulo e a revista tem circulação média de 350 mil exemplares. Na chefia da sucursal do Rio está a mineira Eliane Lobato, que tem 17 anos de carreira, dez de IstoÉ, somando dois períodos distintos, e passagens por O Globo, Jornal do Brasil e Manchete. Entre suas responsabilidades, Eliane destaca como tarefa número um, e talvez a mais difícil, lutar pela aprovação das pautas sugeridas pelo escritório fluminense: – O Estado vem sofrendo esvaziamento cultural, financeiro e político que afeta nosso trabalho aqui em todos os sentidos. Quando participo das reuniões de pauta na sede, o Rio quase sempre é esquecido. Fala-se muito do Nordeste, de Brasília, o tempo inteiro de São Paulo, mas com freqüência o Rio de Janeiro fica de fora, como se não fizesse falta. É importante mostrar por que o Rio é o segundo Estado brasileiro, e que por mais que o seu PIB esteja defasado em relação a São Paulo a região ainda tem importância muito grande para o País. Para explicar melhor o argumento, Eliane contou que é muito comum os paulistas acharem que os repórteres cariocas têm obrigação de fazer matérias com atores de telenovela, pelo fato de a sede da TV Globo ficar no Rio. Ela sempre tenta fazê-los entender que se a pauta veio por São Paulo cabe à reportagem de lá dar conta do serviço: – Tentamos sempre mostrar que essa não é a nossa tarefa, que o repórter pode pegar o telefone e ligar, por exemplo, para o Reynaldo Gianecchini ou qualquer outro ator, e fazer a entrevista. Não é especificidade do Rio ouvir artistas, isso é uma coisa que o repórter da sucursal não gosta. É uma visão deturpada de São Paulo achar que fazemos isso o tempo inteiro, a toda hora. As reuniões de pauta da sucursal Rio da IstoÉ são realizadas às sextas-feiras, o que mudará em breve, pois o pessoal da sede também passará a fazer a sua nesse dia. Até lá, porém, a equipe continuará mantendo sua agenda e enviando sugestões para discussão na reunião geral que acontece às segundas, com o editor-chefe, os editores, os chefes de sucursal e o pessoal da Arte. – Não é comum o chefe da sucursal ir a essa reunião em São Paulo, mas desde
A jornalista Eliane Lobato comanda a sucursal do Rio da revista IstoÉ.
que assumi a chefia fui convocada pelo Carlos Marques para participar de algumas. Apesar de eu detestar andar de avião, adorei, porque assim posso defender melhor as nossas pautas. Preferimos trabalhar as nossas matérias, mas às vezes São Paulo "engole" a revista. Ela conta que, durante o período eleitoral, isso aconteceu várias vezes: a sucursal Rio quase não emplacou reportagens, porque o quadro político fluminense não apresentava fatos quentes. A saída foi fazer matérias com a participação de cientistas políticos de alguns respeitados institutos acadêmicos do País localizados na cidade. – Havia um debate fraco entre os candidatos Sérgio Cabral (depois eleito) e Denise Frossard; o Governo Rosinha não empolgava... O noticiário político ficou polarizado entre São Paulo e Brasília e tivemos que usar muita criatividade para contribuir com material de eleição, recorrendo aos ótimos pensadores que estão no Ipea, no Iuperj e na Fundação Getúlio Vargas, para não ficar apenas cumprindo as pautas ditadas pela equipe paulista. Para Eliane Lobato, as principais revistas semanais, com exceção da CartaCapital, estão muito voltadas para matérias de comportamento, ainda que política seja o tema de maior destaque: – Acho que a IstoÉ começou a investir mais nessa linha de reportagens de comportamento antes das concorrentes; é uma marca da revista. Trabalhamos muito com comportamento e saúde. E as outras também passaram a investir no assunto.
Na IstoÉ, aprovadas as pautas, as matérias começam a ser distribuídas, não necessariamente sob o critério de que cada sucursal só tratará de assuntos locais. Se o tema tiver apelo nacional, o pessoal do Rio pode ser encarregado de cobrir a região Nordeste e o de São Paulo ficar com o Sul do País. – Se a matéria é da editoria Brasil, as equipes podem ser deslocadas em viagens e uma parte da matéria também pode ser apurada por telefone e por e-mail. A fórmula é simples: a reportagem sai em campo e cada chefia se encarrega do sistema de realimentação, falando simultaneamente com todas as praças. Depois de receber acabamento do repórter que estiver à frente da matéria e com mais condições de contextualizar o assunto, com pesquisa, teses e números, o texto passa pela aprovação de seu editor direto e, em seguida, pelo editor-executivo da área. Diz Eliane que com esse controle de qualidade o leitor tem a verdadeira dimensão do fato e compreende por que houve investimento no tema em questão: – Quem fundamenta a matéria é, geralmente, a pessoa que produz o texto final, porque esta é fase mais complicada. O restante, que a gente chama de costura, são citações dos personagens, fontes acadêmicas etc., a parte mais fácil. O difícil mesmo é convencer o leitor de que a reportagem é importante e interessante e merece ser lida integralmente. Na maioria das vezes, essa tarefa recai sobre a equipe paulista, que tem mais recursos humanos e técnicos. Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
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VEÍCULOS - AS REVISTAS QUE FAZEM A CABEÇA DOS BRASILEIROS
É POCA
Crescimento é maior entre jovens e mulheres LANÇADA EM 1998 PELA EDITORA GLOBO, a Época é uma das revistas mais vendidas do País, com circulação média de cerca de 420 mil exemplares, de acordo com a Associação Nacional dos Editores de Revistas. Com sede em São Paulo e escritórios em Brasília e no Rio de Janeiro, a publicação conta também com uma rede de colaboradores em várias cidades brasileiras, que são acionados sempre que necessário, como explica o redatorchefe David Cohen, que está no cargo há um ano e, juntamente com o diretor de Redação Hélio Gurovitz, é o responsável pelas decisões sobre o que a revista vai cobrir: – A revista está em alta e apresenta um bom desempenho em relação às suas concorrentes – diz Cohen. – No último trimestre, tivemos aumento de leitores nas classes A e B, entre os jovens e entre as mulheres, enquanto nossas concorrentes tiveram queda. Estamos muito bem. Na Época, as reuniões de pauta também acontecem nas manhãs de segunda-feira, com os editores e repórteres especiais. As sucursais têm algumas especificidades: Brasília é mais voltada para política e instituições; Rio tem entretenimento e algo de política. Ambas auxiliam em reportagens nacionais ou de acordo com a especialidade das pessoas alocadas na região. Época tem, geralmente, três fechamentos: na quarta-feira, uma editoria; na quinta, duas; na sexta, outras duas. Os editores fecham o conteúdo e passam para os editores-executivos, que os repassam para Cohen ou Hélio. A revista não tem os chamados "checadores", a equipe de revisores cumpre parte desse papel; a outra parte cabe aos próprios repórteres e editores, em leituras que o redator-chefe chama de cruzadas.
Equipes marcam as diferenças Das quatro revistas semanais de informação brasileiras, Veja é a única que tem uma equipe exclusiva para checagem das matérias. O diretor de Redação, Eurípides Alcântara, considera que esse trabalho é vital para garantir o menor número de erros possível. Ele lembra que, com a facilidade de acesso quase instantâneo a fontes confiáveis na internet (enciclopédias, dicionários e arquivos 6
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Quanto à definição da capa, Cohen diz que ela se deve a um conjunto de fatores, tais como relevância, inovação e impacto. "Em geral, procuramos captar o "espírito do tempo", traduzir em reportagens poderosas aquilo que está no raio de atenção das pessoas. Algumas são decididas com antecedência. Criamos até uma espécie de calendário para capas especiais, como a de "Melhores empresas para trabalhar", feita com base em uma pesquisa do Great Place to Work Institute. Claro que eventos extraordinários, como um ataque do PCC ou uma queda de avião, podem alterálas. Nesses casos, podemos mudar tudo de um dia para o outro.". Contratado para trabalhar na redação da Época em São Paulo, o repórter Ricardo Mendonça conta que cobre diversas áreas: – Estou há quatro anos na revista, depois de passar pelo Estadão e pela Veja. Comecei na Geral, equivalente à editoria de Cidade num jornal, fazendo um pouco de tudo. Acabei na Política, cobrindo eleições, denúncias, CPIs... Como a equipe da revista é pequena (seis repórteres em São Paulo, cinco no Distrito Federal e dois no Rio), também estou fazendo, interinamente, a coluna "Primeiro plano", de notas que vão de economia a sociedade. Com a experiência de quem já atuou em jornal, Ricardo Mendonça diz que a revista dá oportunidade ao repórter de tratar com mais cuidado suas matérias: – Dá para a gente se aprofundar mais no assunto. Em algumas reportagens, podemos trabalhar melhor a edição, as fotografias e até mesmo a arte. Temos tempo de olhar e, se for preciso, refazer uma matéria. O produto final ganha em qualidade e é preciso agir assim desde a apu-
David Cohen, redator-chefe de Época está satisfeito com o desempenho da revista, que teve aumento de leitores no último trimestre.
ração, quando começamos a visualizar o acabamento. Embora o considere um meio mais emocionante, porque gosto das notícias quentes, o jornal não nos dá tempo de caprichar. Apesar disso, os repórteres trabalham em ritmo acelerado, embora Ricardo não saiba quantificá-lo: – Pela própria dinâmica do trabalho é difícil manter um parâmetro da produção mensal de matérias que temos que cumprir. Na cobertura das últimas eleições, por exemplo, a pauta tinha como proposta fazer um levantamento e avaliar o resultado das promessas que o Lula fez em 2002. Conseguimos juntar 700 declarações do Presidente. Foi uma matéria que levou mais de quatro meses para ficar pronta e envolveu várias pessoas. Os repórteres da Época têm participação ativa nas sugestões de pauta, juntamente com os editores-executivos: – Nossas sugestões costumam ser acatadas – diz Ricardo. – Dessa parceria, que vale tanto para a escolha dos temas quanto para a decisão do número de páginas da revista, pode inclusive aparecer uma terceira idéia para a matéria. Como há uma relação menos formal, essas mudanças podem ocorrer no meio do fechamento, devido às negociações entre repórter e editor, que são constantes na Redação. Para Ricardo, a sintonia com os editores também facilita o desempenho do repórter na hora de redigir: "Ao longo da apuração, conversamos com os editores sobre as suas expectativas sobre a reportagem. Todo texto é lido pelos editores-
executivos, para verificar se a matéria está seguindo o estilo da revista ou dando ênfase aos aspectos que eles acham mais importantes. Mas a chefia não chega a mudar a estrutura do texto. Na Época, é assim que funciona".
de universidades, jornais e revistas), a de quatro jornalistas. A tarefa do checagem primária tende a ficar cada checador é conferir os dados que serão vez mais com os próprios repórteres. E publicados. É parte de um trabalho afirma que a multiplicidade de novas conjunto, cujo objetivo é zelar pela ferramentas faz que, acuidade das informações aos poucos, os oferecidas aos leitores. checadores sejam A checagem foi liberados para função criada com inspiração ainda mais nobre, que na Time Magazine. é a de zelar não apenas Rosana não sabe pela qualidade, mas informar ao certo principalmente pela quando esse serviço foi lógica interna da implantado na Veja, informação. mas sabe que desde os Desde 1999, quem anos 80 há uma equipe coordena a equipe de designada para essa checadores da Veja é a função de rever as jornalista Rosana Silveira, matérias depois de Rosana Silveira, da Veja, finalizadas e liberadas que começou a trabalhar chefia a equipe que faz a pelo diretor de Redação. na revista em 1995: conferência das informações. A checagem é sempre – Somos uma equipe
feita perto dos horários de fechamento. É uma das últimas etapas da produção da revista. Eventuais mudanças de última hora não alteram a dinâmica do trabalho, que tem de ser rápido e objetivo.
Mendonça: o trabalho em revista permite que o repórter trate a matéria com mais cuidado.
Construtor final
Na IstoÉ, existem três editoresexecutivos de área cuidando do fechamento de três editorias distintas. Eles são os construtores finais das matérias, mas quem dá a última palavra é sempre o Diretor Editorial. Se depois de a reportagem passar por todas essas etapas ele achar que o assunto não está bem conduzido, o texto tem que ser refeito. De acordo com Marco Damiani, cabe ao construtor final supervisionar o trabalho, mas com a obrigação
C ARTA C AP ITAL
Mino Carta: o criador quer escrever a História QUANDO SE FALA NAS REVISTAS SEMANAIS de informação brasileiras, o primeiro nome a ser lembrado é Mino Carta, nascido em Gênova entre setembro de 1933 e fevereiro de 1934 (a data exata do seu nascimento é um mistério). O jornalista está associado à criação de veículos como Jornal da Tarde, Quatro Rodas, Veja e IstoÉ. Atualmente diretor de outra de suas criações, a CartaCapital, ele diz que sua trajetória profissional é um caso de sorte: – Não se trata de mérito. Apenas estava no lugar certo, na hora certa –, comenta, modesto, apesar de só computar um fracasso na carreira, o Jornal da República. A estréia aconteceu na cobertura da Copa do Mundo de 50, no Brasil, pelo jornal Il Messaggero, de Roma. Mino costuma dizer que só continuou na profissão porque pode exercê-la no país em que percebeu que ser jornalista tinha alguma utilidade – no caso, "para tentar impedir que a História fosse escrita pelos vencedores": – Normalmente são eles que a escrevem, é claro. Como jornalista, porém, a gente tem a chance de deixar para o futuro alguma anotação, alguma coisa que poderá, eventualmente, sobreviver àquela versão – declarou em entrevista ao site Comunità Italiana. Com esse espírito crítico sobre o papel da imprensa e do jornalista, Mino aceitou o convite da Abril para criar a Veja: – Eles acreditavam que eu poderia dirigir uma revista como a Time no País. Honestamente, como corria o ano de 1968, em plena ditadura militar, não achava que aquele era o melhor momento. Fechei então um acordo de que eles (os sócios da editora) não participariam nem das reuniões de pauta, seriam simples leitores. Depois da revista pronta, poderiam dar palpites à vontade; nunca antes. Mino Carta acha que a estratégia de lançamento foi equivocada, porque toda a publicidade passava uma idéia de que a Veja seria uma concorrente da Manchete, uma revista ilustrada: – A primeira edição saiu como obraprima, mas tinha falhas. Começou com 700 mil exemplares, depois caiu para 500 mil, 300 mil, 150 mil, 80 mil... E foi caindo. Eles me diziam que estava em 40
mil, mas na verdade o número era de 20 mil exemplares. Um dos piores problemas, como Mino suspeitava, era a ditadura. A revista teve várias edições recolhidas: – Aí veio o AI-5 e passamos a ser mais ferozmente censurados. Os censores só deixaram a revista com a minha saída, um fato que muito me honra. É algo que conto aos meus netos com prazer.
Hoje ele não gosta do padrão de Veja e IstoÉ, que ajudou a criar e afirma que "o mercado das revistas semanais de informação está horrendo": "O Brasil vive um momento terrível, de má qualidade na imprensa, que serve ao patrão, aos senhores que mandam no País. A CartaCapital é uma voz isolada". CartaCapital circulou pela primeira vez em agosto de 1994. Foi mensal até
também de apurar matérias. Cada editor-executivo cuida de um grupo de editorias, a partir do qual distribui o trabalho para as sucursais do Rio e de Brasília para o correspondente em Nova York e, se necessário, para os frilas: – Sou o editor-executivo responsável pelas editorias de Política, Economia e Assuntos Nacionais (Brasil). Minha função também é estar muito por dentro dessas áreas, coordenar os editores, ajudar na pauta das fotos, receber os textos e imprimir, quando necessário, a forma final. Acima dos editores-executivos está o diretor de Redação, com palavra final sobre tudo. A estrutura da revista pode ser considerada piramidal. Tem na base os repórteres, encarregados de apurar a
maioria das matérias; os subeditores, que fazem o primeiro copidesque e apóiam o fechamento; e, acima, os editores responsáveis pelas seções específicas, que se responsabilizam pela pauta e coordenam o trabalho dos repórteres. Marco Damiani trabalha com 12 profissionais sob sua supervisão, incluindo editores, repórteres e pessoal das sucursais. A troca de informações com a equipe é constante, por e-mail e telefone. "A base de tudo é a leitura dos jornais do dia, a escuta das rádios, o olhar na tv e, claro, a atenção na concorrência. Temos de falar sempre com muitas fontes. Minha função é estimular isso e fazer que o pique se mantenha forte". Até chegar às mãos do editorexecutivo para a redação final, o texto
percorre várias etapas: – Era mais trabalhoso quando as matérias eram produções coletivas e iam para as páginas sem a assinatura dos autores. Agora, por exigência das redações, os profissionais já têm o chamado texto final. Mas é claro que sempre se pode dar um ajuste, principalmente em relação ao tamanho. É que não faz barulho, mas nas redações toda hora tem estouro (no jargão jornalístico, quando a matéria ultrapassa o tamanho previsto para ela na página). Também é comum dar branco (ou seja, faltar texto), mas isso é bem mais raro. Enfim, esses ajustes todos estão dentro, como dizia o saudoso Jorge Escosteguy, dentro do meu holerite (ou, para os cariocas, contracheque).
Mino Carta e sua CartaCapital: escrevendo a História que os vencedores não contam.
março de 1996 e quinzenal até cinco anos atrás. Inicialmente, seria uma revista de negócios, mas Mino só aceitou o convite para fazê-la porque teria autonomia para criar um veículo sobre poder, política e cultura, e que por isso, em sua opinião, não tem concorrentes. – As outras publicações têm outros intentos. Nossa busca é por uma fórmula nova, seguindo o caminho da análise, na tentativa de diluir os eventos por meio de temas respeitáveis. Quem escreve em CartaCapital tem conhecimento e autoridade para isso. Outro fator é a busca de informação exclusiva. Quando lhe perguntam se CartaCapital é uma revista de esquerda, Mino responde que ela tem como proposta a crítica consciente. E cita Norberto Bobbio, para quem a luta isolada não funciona, pois para quem quer a igualdade e a inclusão social a liberdade não é o bastante e um elemento sozinho corre o risco de virar um instrumento do poder: – Não vamos questionar a natureza. Determinar quem deve nascer e como. Igualdade de oportunidades o País não atingiu. A CartaCapital se bate pela igualdade e prima pela verdade factual. Fazemos o exercício do espírito crítico, com a fiscalização do poder. A Redação da revista é enxuta, de apenas 15 jornalistas, e o diretor se diz satisfeito com o resultado apresentado pela equipe, como valeu também na IstoÉ. "Somos poucos e conseguimos pagar direito, com justiça e eqüidade. Tenho a convicção de que é uma vantagem muito grande ter uma equipe pequena e mais afinada. Aqui é costume fazer uma cópia grotesca do modelo americano, com 40 pessoas numa Redação. Isso é ridículo, porque são modelos aplicados em países ricos. Infelizmente esse é o Brasil que a gente vê por aí".
O editor-executivo Marco Damiani tem como norma a troca constante de informações com sua equipe.
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ARTIGOS
Camus e o sol dos mortos POR M. PAULO NUNES
Pensei que já houvesse escrito uma nota para esta coluna sobre Camus (1913-60), incluindo-o naquela relação ou galeria de autores esquecidos da nossa e de outras literaturas. Refiro-me àqueles que surgem de repente, adquirem em sua época grande notoriedade e de pronto mergulham naquele sol dos mortos a que se refere Balzac, tendo o esquecimento como destino literário. Tristão de Athayde referiuse certa feita a autores medíocres de livros famosos que por um momento brilham como estrelas cadentes (a imagem é minha) e de repente mergulham em total e absoluto esquecimento. E cita entre outros os casos de Wendell Wilkie, político norte-americano que se opôs a Roosevelt numa de suas eleições presidenciais e autor do livro de sucesso Um Mundo Só, e Axel Munthe, com a sua obra O Livro de San Michelle, que também causou sensação ao aparecer. Camus foi um desses monstros sagrados. Argelino, engajando-se na Resistência Francesa ao tempo da Segunda Guerra Mundial, junta-se a Sartre e a outros companheiros da esquerda francesa, através do jornal Le Combat, após uma rápida passagem pelo Partido Comunista, que era, naquela fase, uma espécie de batismo de fogo da intelectualidade de esquerda européia.
Além da Resistência, também se aproximou de Sartre, com quem depois romperia, como ocorreu com o filósofo Merleau-Ponty, pelo mesmo motivo, a discordância política. Expôs suas idéias filosóficas no livro O Mito de Sísifo, ensaio sobre o absurdo, através das quais se identifica com o Sartre de O Ser e o Nada. Nele expõe sua filosofia do absurdo, originária da antinomia entre o homem e sua situação irracional no mundo, da qual somente se liberta pelo conhecimento e pela razão. Seu estudo famoso O Homem Revoltado, publicado em 1951, ensaio político em que expressa sua paixão pela revolta permanente como expressão de uma honestidade desesperada, é erroneamente recebido como profissão de fé direitista e antirevolucionária que o leva ao rompimento com seu velho amigo Sartre, como já foi dito. Foi Camus também um entusiasta do teatro, de que resultaram suas obras originais O Mal-entendido, que juntamente com O Estrangeiro enfeixa suas idéias filosóficas expressas no ensaio O Mito de Sísifo; Calígula e O Estado de Sítio. Foi tambémumadaptadordeautoresfamosos como Calderón de la Barca, Lope da Vêga e ainda Faulkner e Dostoiévski, com adaptações bem sucedidas. De sua obra de romancista se destacam O Estrangeiro, sua estréia literária, e A Peste, sua obra-prima, cuja metáfora é a
ocupação alemã, que li numa tradução de Graciliano Ramos. Há que referir ainda seu Diário, publicação póstuma e praticamente ausente de sua fortuna crítica, mas aquela em que sua angústia existencial se manifesta da forma mais dolorosa, com crises que o levam quase ao suicídio, que seria no caso a negação de suas idéias, porquanto significa uma das formas de evasão descartadas de seu ideário, pois que representaria a supressão da consciência. Em 1957 recebe a consagração máxima ao ser-lhe atribuído o Prêmio Nobel de Literatura e falece três anos depois em um desastre de automóvel. Josué Montello, em sua obra diarística Diário da Noite Iluminada, refere uma passagem do livro por ele considerado magistral, de Lottman, sobre Albert Camus, que nos punge, “à revelia da glória literária que a vida proporciona ao romancista”. “Para mim, continua o autor de A Noite sobre Alcântara, que o conheci no Rio de Janeiro, associada à admiração por seus romances, o fecho do livro de Harbert R. Lottman quase me fez chorar: “O visitante que, hoje, penetra no cemitério, em Loumarin, encontra um túmulo quebrado, coberto por espessa moita de alecrim; a lápide, com nome e as datas de Camus, parece velha de vários séculos. Alguém por vezes deixa ali uma cruz – freqüen-
O jornalista Paulo César de Araújo, autor da biografia Roberto Carlos em detalhes, sofreu processo jurídico e teve milhares de exemplares embargadosconfiscados pela escuridão da Justiça; sua editora, a Planeta, capitulou, aceitando o esbulho e o prejuízo. Não lutou. A atitude castradora do “Rei” não tem explicação, pois ele sabia desde o início que sua vida estava sendo pesquisada e nada fez. Foram quinze anos de trabalho jogados no lixo; desrespeito e arrogância do cantor milionário, dito católico, pouco cristão. Mas existem outras formas de censura. A Nova Fronteira, da família Lacerda, exerceu este dito cruel, deixando-me quatro anos sem qualquer resposta, primeiro com os originais de 466 frases e pensamentos políticos de Carlos Lacerda, entregues em1995aCarlosBarbosa,Superintendente daeditora.Deu-meesperançasequeficasse aguardando uma comunicação para voltar à editora e assinar o contrato. Nunca 8
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foi feita essa comunicação. Tratava-se de um engodo, como vim a saber. Como nenhuma outra editora aceita qualquer obra sobre Carlos Lacerda, no Rio de Janeiro e em São Paulo — “A editora da família é a Nova Fronteira”, todos repetem o refrão –, o jeito foi retornar à Rua Bambina, 25, para oferecer meu segundo livro sobre o patrono. Assim, no dia 22 de outubro de 2003 — tenho o protocolo —, fiz a entrega de 474 páginas do texto e mais 260 diagramações (desenho da página) da obra Carlos Lacerda, anedotário, que consumiu nove anos de pesquisa, contendo 991 anedotas, fotos, caricaturas e charges, do saudoso político e intelectual dos maiores que o Brasil possui, cuja bibliografia soma 31 livros desde Carta fechada a Humberto de Campos, de 1934, a Depoimento, vindo à luz um mês após sua morte, em 21 de maio de 1977. Para evitar a decepção da vez anterior, com o apoio dos associados Coronel Ney Coelho Soares e Dr. Enyr de Jesus da Costa e Silva, ambos da Loja Maçônica de São
M. Paulo Nunes é escritor e Presidente do Conselho Estadual de Cultura do Piauí. Publicado originalmente no Diário do Povo do Piauí, coluna Opinião.
TRIBUNA DA IMPRENSA
A nova censura: a gaveta do editor POR V IVALDO AZEVEDO
temente muito simples, tirada de um túmulo. No entanto, pelo menos, uma vez, deixaram sobre a lápide uma grande cruz de pedra, retirada de algum túmulo em ruína.” E conclui: “Camus morreu em 1960, num desastre de automóvel, e seu biógrafo lhe viu o túmulo, quinze anos depois. Três lustros apenas. E já estava esquecido pelos parentes e amigos.” (ob.cit.p.457)
Carlos Lacerda: vetado pelo superintendente da Nova Fronteira, editora que ele criou.
Cristóvão, mandei compor e imprimir quarenta exemplares; um deles levei para Carlos Augusto Lacerda, então DiretorPresidente da Nova Fronteira, junto com o disquete contendo a obra, pronta para imprimir, além do oferecimento de R$
15 mil, para os primeiros quatro mil exemplares do livro. Na minha frente, aceitou a oferta, mas naturalmente o seu superintendente — Carlos Barbosa — o fez desistir. E nunca deu resposta, jogando tudo numa das inúmeras “gavetas” da empresa, até hoje. São editores que se esquivam, incapazes de enfrentar o autor olho no olho. É a outra forma de censura, a covardia profissional. Carlos Barbosa — soube pelo Cláudio Lacerda —, sobrinho do patrono e também vítima, era quem vetava qualquer obra sobre Carlos Lacerda, alegando que lá havia obras demais de Carlos Lacerda. Demais? Eis algumas: Discursos parlamentares, de 1982; Depoimento, de 1977; A vida de um lutador — I e II, saídos em 1992 e 2000, do brazilianista John Foster Dulles, vendem bem até hoje; bem como A casa do meu avô, de 1976; e outros esgotados. E mais dois de Cláudio Lacerda: Carlos Lacerda, 10 anos depois, de 1987, e Carlos Lacerda e os anos sessenta, de 1998. E mais dois livros que Cláudio escreveu, entregou à editora, mas não foram publicados até a sua morte, ano passado. Obras boicotadas. E assim, de picuinha em picuinha, a Nova Fronteira trocou de mãos. Sem contar que perdeu, há três anos, seu carro-chefe, o Dicionário Aurélio...
DEPOIMENTO ARTUR DA TÁVOLA
Jornalismo não pode ser contaminado pelo denuncismo Cronista acredita que os jornalistas se preocupam “muito mais com a liberdade de comunicar, que é fundamental, do que com o direito de quem está do outro lado da notícia”. ENTREVISTA A JOSÉ REINALDO MARQUES Paulo Alberto Monteiro de Barros iniciou sua trajetória parlamentar em 1960, como deputado do PTN pelo antigo Estado da Guanabara. Dois anos depois, se elegeu deputado constituinte pelo PTB. Entre 64 e 68, cassado pelo regime militar, viveu na Bolívia e no Chile. Na volta, assumiu o pseudônimo de Artur da Távola. Ele é o funcionário mais antigo da Rádio MEC, onde estreou em 1957 e apresenta um programa sobre música clássica. Durante 15 anos, foi colunista do jornal O Globo, depois de escrever na Última Hora. Também colaborou em revistas da Bloch e há 18 anos escreve “crônicas sobre a vida” no Dia. Conselheiro da ABI, Paulo Alberto diz que o jornalismo enveredou pela linha da notícia como entretenimento, com o risco de julgamentos muito rápidos e superficiais das matérias, o que não é bom para os veículos e seu público. Jor nal da ABI — P Jornal Por or que o pseudônimo? Artur da Távola — Eu era editor de Cidade na Última Hora e assinava com o meu nome, Paulo Alberto, uma coluna chamada Cidade livre. Quando foi decretado o Ato Institucional nº 5, quem, como eu, já tinha problemas políticos precisou se esconder. Quando a coisa foi-se normalizando, o Samuel Wainer me chamou e me aconselhou a arranjar um pseudônimo e passar a escrever sobre televisão. Aí meveioàcabeçaonomedeArturdaTávola. Jornal da ABI — Isso foi logo após seu retorno do exílio? Artur da Távola — Sim. A convite do Samuel Wainer, fui trabalhar na Última Hora com o Tarso de Castro, o Nelson Motta, que na época era um garoto, e o Luiz Carlos Maciel. E lá encontrei Moacir Werneck de Castro e Otávio Malta, habi10 Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
tuais colaboradores do Samuel. Jornal da ABI — Quando o senhor decidiu voltar ao Brasil? Artur da Távola — Vivia no Chile, em 68, quando o Costa e Silva anunciou que os brasileiros que quisessem voltar não seriam incomodados. Só duas pessoas acreditaram nele: o Samuel e eu. Minha primeira mulher veio na frente com meus filhos e eu fiquei na casa do Plínio de Arruda Sampaio. Cheguei um mês depois e fui trabalhar na UH. Jornal da ABI — Que tipo de comentários fazia sobre TV? Artur da Távola — Naquela época era muito comum os intelectuais e os jornalistas arrasarem com a televisão, veículo em que trabalhei no Chile. Segui a sugestão do Samuel, no sentido de fazer uma coluna analítica. No começo eu me apresentava como um velho aposentado, que ficava numa cadeira de rodas diante da TV, minha única diversão. Jornal da ABI — Depois da UH e da Bloch, veio O Globo ? Globo? Artur da Távola — Um belo dia, o Evandro Carlos de Andrade, que chefiava a Redação, me chamou para escrever no jornal. Perguntei ao Evandro: como é que eu vou fazer crítica de TV no Globo? Ele me disse: “Deixa comigo, vamos tentar.” Durante 15 anos, ele adotou a seguinte técnica: com o Roberto Marinho, defendia a minha posição quando eu criticava a Globo; comigo, defendia a posição do jornal. Quando não tinha jeito, ele me aconselhava a ir conversar com o Dr. Roberto. Jornal da ABI — Houve algum período mais difícil? Artur da Távola — Quando ele
demitiu o Walter Clark e assumiu a TV, achei que ia complicar, pois, se eu criticasse, estaria criticando o patrão. Mas foi justamente nesse período que ele absorveu muito melhor as minhas críticas. Para alguns colegas, eu fazia “o jogo” da TV Globo. Não era verdade. Muita gente da TV pediu minha cabeça diversas vezes e dizia que eu não podia emitir opiniões contrárias à emissora sendo funcionário das Organizações Globo. Jornal da ABI — Qual era o tom das suas críticas? Artur da Távola — Primeiro, analisava mais do que opinava. Depois, destacava o trabalho de profissionais sem bajular a empresa e buscava infiltrar material de crônica na análise que fazia — especialmente nos comentários sobre novelas, que tinha autores muito talentosos, a maioria banida do teatro pela censura e levando material político e de reflexão para o telespectador.
crevendo em O Dia Dia,, foi novamente fazendo crítica de televisão? Artur da Távola — Não. Eu disse que não gostaria mais de escrever sobre o tema. Então me pediram que fizesse crônicas variadas, e eu topei. Adoro o gênero e o escrevo até hoje. Só em O Dia, já são quase 18 anos escrevendo crônicas sem parar. Jornal da ABI — O senhor é uma figura pública e um intelectual de prestígio, que atua com desenvoltura na política, na imprensa e na literatura. Como é dar conta de tantas atividades? Artur da Távola — Não me consi-
Artur da Távola — Acho que isso aconteceu realmente, porque eu me dediquei muito à área. Fui Presidente da Comissão de Educação, Cultura e Comunicação do Senado e participei diretamente dos seis anos de tramitação do projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação no Congresso Nacional, cujo relator foi Darci Ribeiro. Jornal da ABI— Esta sua atuação teve a visibilidade merecida? Artur da Távola — O que eu posso dizer é que em termos de mídia há um abismo entre o que um parlamentar faz em Brasília e a repercussão em seu Esta-
Jornal da ABI — Como avalia seu trabalho como constituinte? Artur da Távola — Bem, o capítulo da comunicação até hoje está aí, ninguém nunca tentou mudar nada. Todas as defesas contra a censura e pela regionalização de produção e a criação do Conselho de Comunicação nós conseguimos ganhar.
Jornal da ABI — O senhor escreveu sobre a liberdade de imprensa. Acha que ela vem sendo exercida satisfatoriamente no Brasil? Artur da Távola — De uns dez anos para cá, tem havido um grande aparelhamento partidário nas Redações. É preciso ressaltar que a liberdade de imprensa deverá respeitar também os direitos do receptor da informação, que deverá recebê-la sem condicionamentos, vista de todos os ângulos. Nós, jornalistas, nos preocupamos muito mais com a nossa liberdade de comunicar, que é fundamental, do que com o direito de quem está do outro lado da notícia. Jornal da ABI — Quando retomou o contato com a imprensa, es-
Jornal da ABI — Nesse contexto, de que maneira o público pode ser afetado? Artur da Távola —Isso leva à tendência de julgamentos muito rápidos e superficiais das matérias, o que não é bom nem para o veículo, nem para o seu público. Jornal da ABI — Qual é a avaliação que o senhor faz desse comportamento da mídia? Artur da Távola — O jornalismo vive, atualmente, uma trepidação constante de empresas que têm que alcançar grande tiragem ou audiência para conseguir vender os espaços publicitários que lhes trazem os lucros — que, aliás, não são pequenos. Jornal da ABI — O que o senhor acha do jornalismo investigativo brasileiro? Artur da Távola — A tecnologia ajudou muito no desenvolvimento desse campo do jornalismo, com suas máquinas de capturar som e imagem, mas em certos momentos ele se deixa contaminar pelo denuncismo. Às vezes há uma tendência de se tratar o indício como sintoma, o sintoma como fato, o fato como julgamento, o julgamento como condenação e a condenação como linchamento.
Jornal da ABI — Quanto tempo o durou o seu trabalho como crítico de TV? Artur da Távola — Eu me demiti em 87, quando fui eleito deputado e o Mário Covas me convidou para ser relator, na Constituinte, de um capítulo grande que incluía educação, cultura e comunicação, segmento da empresa em que eu trabalhava.
Jornal da ABI — O senhor foi professor de Jornalismo no Chile. Ainda leciona? Artur da Távola — Não, porque eu notava que apenas 30% dos alunos se interessavam pelas aulas. Cheguei à conclusão de que não valia a pena o esforço e resolvi transformar o meu conhecimento em Comunicação em livros. Escrevi vários sobre o tema.
décadaparacá,épossívelobservaroquanto as editorias opinam na edição da matéria e das manchetes, muitas vezes em função da competição entre os jornais.
A biblioteca de Paulo Alberto tem 4 mil volumes e teria o dobro se ele não tivesse doado outro tanto. No acervo, obras sobre música e biografias de santos. Ele tem 4 mil discos.
dero intelectual de prestígio, sou uma pessoa respeitada. Inclusive, nos meus livros, eu confesso que sinto falta de prestígio intelectual. Jor nal da ABI — P or quê? Jornal Por Artur da Távola — Intelectual não lê o que eu escrevo, porque eu tenho muita preocupação de escrever para o grande público. E eu escrevo crônica, que é considerado um gênero menor. Não é, mas foi caracterizado assim. Jornal da ABI — O senhor se considera vítima de algum tipo de patrulhamento? Artur da Távola — Quando entrei para a política acho que tive a coragem de abraçar uma atividade que a intelectualidade não compreendia e até hoje não compreendeu. Jornal da ABI — Em alguns círculos, dizem que a sua não reeleição para o Senado enfraqueceu o quadro político cujos projetos destacavam a cultura brasileira. O senhor concorda?
do, a menos que ele se envolva em algum escândalo. Jornal da ABI— O senhor poderia explicar isso melhor? Artur da Távola — Ninguém faz cobertura de comissão ou de trabalho. E isso vem sendo o comportamento geral, principalmente depois que o jornalismo enveredou pela linha da notícia como entretenimento. Este fenômeno não acontece apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. Vivemos uma era em que os modelos televisivos influenciam o formato do telejornalismo e da imprensa, embora os jornais ainda tenham articulistas capazes de exercer um papel de reflexão de muito boa qualidade. Jornal da ABI — Qual é o principal defeito desse jornalismo que o senhor classifica como de entretenimento? Artur da Távola — É opinar em manchete. Sou de uma geração que nunca usou esse expediente; manchete era só para informar, ainda que fosse sobre algo grandioso e brutal como a guerra. De uma
Jornal da ABI — E quais seriam os pontos positivos da investigação jornalística? Artur da Távola — Há uma emersão de talento no jornalismo brasileiro da ditadura para cá. Muita podridão tem vindo à tona graças ao esforço do jornalismo e aos seus defeitos, que vão se corrigindo no andamento do processo. Acho que os jornalistas mais conseqüentes se deram conta desse problema e têm lutado contra a arrogância do jornalismo e o autoritarismo enfático nos veículos de grande circulação. Jornal da ABI — De que tipo de linha editorial o senhor sente falta? Artur da Távola — Do jornalismo de idéias, que marcou um tempo e também sumiu. Jor nal da ABI — P or eex xemplo? Jornal Por Artur da Távola — Os jornais comunistas, católicos etc., todos eles refluíram para publicações mais fechadas e mais alternativas. Na Europa, os jornais do Partido Comunista ainda se mantêm, mas há uma tendência à diluição, principalmente depois da queda do Muro de Berlim. Há outros aspectos relevantes que eu poderia destacar sobre a mídia nacional... Jornal da ABI — Quais? Artur da Távola — Há um que nunca é observado e acontece com muito mais freqüência na TV: deprimir a população nos noticiários e euforizá-la nos comerJornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
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Jor nal da ABI — T odos os veícuJornal Todos los de comunicação trabalham nessa linha? Artur da Távola — Como eu já citei, o jornal ainda é um reduto de articulistas de alto grau de independência, até porque os donos de jornais sabem que há uma massa crítica no País que precisa ser alimentada. E a tv a cabo dá também uma cota muito interessante de matéria para o público mais exigente e formador de opinião. No rádio predomina o populismo, tanto na faixa AM como na FM. Jornal da ABI — Dá para o senhor fazer uma análise do populismo do rádio em relação à qualidade do seu noticiário? Artur da Távola — O radiojornalismo tornou-se mais urgente do que analítico, ou seja, a rapidez da informação é mais importante do que aprofundar e analisar o assunto. Jornal da ABI — Essa correria não aumenta o risco de erros de reportagem? Artur da Távola — A pressa do furo determina algumas conclusões nem sempre adequadas, pois muitas vezes as fontes não são checadas. Jornal da ABI — Como o senhor avalia os investimentos em programas jornalísticos que vêm sendo feitos pelas emissoras de rádio e TV? Artur da Távola — Apesar da urgência das matérias, aumentaram os investimentos no jornalismo. A quantidade de repórteres que as emissoras têm hoje é muito grande. Nunca houve uma fase como essa, com tantos jornalistas trabalhando em várias frentes até nos veículos mais populares.
JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA SENADO
ciais. Trata-se de uma estratégia do sistema produtor, para mostrar que tudo o que vem do consumo, da indústria e do capital é a beleza, é a gente alegre e vencedora. Então, teoricamente, o que tem a ver com a realidade deprime e o que tem a ver com o consumo euforiza.
Jornal da ABI — Que acha do trabalho de Gilberto Gil no Ministério da Cultura? Artur da Távola — Sou suspeito para falar do Gil porque gosto muito dele, sou seu amigo, mas discordo dos que reclamam do fato de ele estar no Ministério e continuar sendo um artista. Acho importantíssimo ter um artista como ministro. E o Gil sabe perfeitamente Paulo Alberto discursa no Senado, onde foi relator, na Constituinte, do capítulo da comunicação social. distinguir o que é oficial da sua carreira. Ele não pode fazer mais porque o Ministério da Cultucomunicação com o ouvinte, na sua trados na coleção de livros que mantenho ra não tem dinheiro; a verba só dá para fazer escuta solitária, traz um grau de intimiem casa. É uma pena que ela esteja desapaa manutenção do que já existe. dade e aceitação maior que o da televisão. recendo do jornalismo. Na minha concepEsta é dominada pelo olhar, mais volúvel Jornal da ABI — Então, o que é ção, a crônica é tão importante para um que a audição. preciso mudar na política cultujornal como um jardim é para uma cidade. ral do P aís? País? Jornal da ABI — Quando se deu Jornal da ABI — O senhor receArtur da Távola — Investir mais seu primeiro contato com o rádio? be muitas manifestações de leitodinheiro e considerar que a cultura é um Artur da Távola — Na juventude. res sobre suas crônicas? bem de primeira necessidade que tem tudo E o meu primeiro emprego jornalístico Artur da Távola — Sim. O que eu a ver com a evolução civilizadora do povo. foi na Rádio MEC, que completa 70 anos, não tenho em prestígio intelectual reA cultura é tão importante quanto gascomo eu. Atualmente sou o funcionário cebo dos leitores participantes. Em O tar dinheiro com estrada e com saúde. mais antigo da emissora. Dia, chegam muitas cartas e e-mails. Jornal da ABI — Fale da sua reJornal da ABI — Sua formação Jornal da ABI — O senhor mencilação com a Associação Brasileira jornalística vem da Rádio MEC? onou há pouco sua coleção de livros... de Imprensa. Artur da Távola — Além dos livros Artur da Távola — Quando retorde crônicas, também coleciono obras nei do exílio, fui chamado para ser vicesobre música e biografias de santos, que presidente da ABI pelo Dr. Barbosa Lima leio por um interesse misterioso que não Sobrinho. Este é um grande momento da sei qual é. Estas são as três coisas que eu minha vida e do qual tenho um grande mais leio habitualmente. orgulho. Fiquei encarregado da parte de assistência social. E há uma passagem que Jornal da ABI — Quantos volueu nunca vou esquecer. mes tem a sua biblioteca? Artur da Távola — Cerca de 4 mil, Jornal da ABI — Qual? Artur da Távola — Foi o período em mas já teve muito mais. Recentemente doei essa mesma quantidade de livros a que a direita estava colocando bombas em uma universidade. bancas de jornal. Um dia nós fomos chamados por causa de uma bomba que Artur da Távola — Ali fui obrigado Jornal da ABI — E o seu acervo havia sido colocada na ABI. Encontramos a improvisar, o que era essencial nas transmusical? o Dr. Barbosa Lima na portaria com os missões externas antigamente e me deu Artur da Távola — Também tenho bombeiros. Ele, que era um homem muito uma boa base. Outra experiência notácerca de 4 mil discos e uma coleção forsereno, naquele dia nos deu uma bronca vel na minha vida foi a passagem pelo midável de publicações sobre música, de e disse: “Vocês não vão entrar, porque eu jornal O Metropolitano, da União Metrocoisas recentes às antigas, compradas em é que sou um homem idoso e que já politana dos Estudantes. Ele era todo feito sebos. Estou escrevendo um livro sobre cumpri com os meus deveres com a vida. por estudantes e circulava encartado no música clássica, em que enumero as 100 Se eu tiver que explodir, vocês têm que Diário de Notícias, aos domingos. Foi onde obras indispensáveis desse segmento e ficar para continuar a luta.” eu aprendi a fazer jornalismo impresso. comento cada uma. Depois, tive forte influência do Samuel Jornal da ABI — E a sua particiWainer, que foi um grande mestre. Jornal da ABI — Em que estágio pação na ABI atualmente? se encontra a cultura nacional? Artur da Távola — Hoje eu olho o Jornal da ABI — E de onde vem Artur da Távola — O Brasil tem uma Conselho e vejo pessoas que lutaram a vida o seu estilo como cronista? capacidade descomunal de produção inteira por uma causa política. São coleArtur da Távola — Do ponto de vista cultural, mas tem problemas nos canais gas que já estão fora do poder dentro da literário, sempre fui um enamorado da de distribuição da cultura. Política culimprensa, mas continuam lutando para crônica, que é um dos gêneros mais encontural que não cuide desse processo não é erguer a instituição.
“Intelectual não lê o que eu escrevo, porque eu tenho muita preocupação de escrever para o grande público. E eu escrevo crônica, que é considerado um gênero menor. Não é, mas foi caracterizado assim.”
Jornal da ABI — O senhor é um homem que atua em várias frentes. Como dá conta de tantas tarefas? Artur da Távola — Às vezes eu mesmomeespanto.Todasemana,façotrês crônicas para O Dia, dois programas na RádioMEC,quatronoSenado(trêsderádio e um de TV) e um de música erudita na TV Cultura, em São Paulo. Como gosto de todas essas coisas, consigo dar conta. Jornal da ABI — Qual das atividades lhe dá mais prazer? Artur da Távola — Todas se equivalem, mas tenho paixãozinha secreta pelo rádio. Em função da tecnologia, sua 12 Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
política para o povo brasileiro. Outro ponto negativo é que se gasta muito dinheiro proveniente da Lei Rouanet com a aprovação de projetos muito caros, quando se poderia viabilizar eventos mais baratos e irradiar a ação cultural até as periferias.
SÍMBOLO DO CENTENÁRIO É DE ZIRALDO Comissão que planeja as comemorações aprova por unanimidade convite ao pai do Menino Maluquinho para criar a logomarca histórica. O jornalista, cartunista e escritor Ziraldo Alves Pinto recebeu uma missão honrosa formalizada num convite da ABI: a de criar a logomarca do centenário da Casa, que transcorrerá em 7 de abril do ano que vem. O convite a Ziraldo foi feito pela Comissão Executiva do Centenário da ABI, que em sua primeira reunião formal, realizada no dia 22 de agosto, aprovou por unanimidade a proposta do jornalista Fernando Barbosa Lima, Presidente do Conselho Deliberativo da ABI, para que a concepção do símbolo dos cem anos da Casa fosse confiada ao criador do Menino Maluquinho. Ziraldo se encontrava em Foz do Iguaçu, Paraná, quando o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, lhe transmitiu a notícia da decisão da Comissão e formalizou o convite. Ele disse que recebeu a escolha como uma honra e aplaudiu a decisão da Comissão de definir como tema central das peças de promoção do centenário a presença da ABI na luta em defesa da liberdadedesdeasuafundaçãopelorepórterGustavodeLacerda, à frente de reduzido grupo de jornalistas, em 1908. A memória de Gustavo de Lacerda foi o centro de uma proposta do jornalista e Professor Mário Barata, que chamou a atenção para a necessidade de se restabelecer o nome do fundador da ABI num logradouro público do Rio, antes mesmo da comemoração do centenário da Casa, porque a rua que tinha o seu nome, situada nas proximidades da Praça Tiradentes, foi varrida do mapa pelas obras de abertura da Avenida República do Paraguai, há cerca de 30 anos. Em aparte, o associado Milton Coelho lembrou que a Rua Silva Jardim, também jornalista, situada junto à desaparecida Rua Gustavo de Lacerda, foi igualmente sacrificada: após a abertura da Avenida República do Paraguai, dela só restou um pequeno pedaço, menor que um beco. Por proposta de ambos, a Comissão decidiu que a ABI pedirá ao Prefeito César Maia a criação de um largo ou de uma praça na confluência da Rua da Carioca, Praça Tiradentes e Avenida República do Paraguai com a denominação de Gustavo de Lacerda, bem como a restauração de parte da antiga Rua Silva Jardim.
Bastos, que sugeriu também que no hall térreo da ABI sejam expostas outras peças comemorativas do centenário. A associada Cecília Costa foi incumbida de fazer o convite aos cartunistas para a criação dos cartazes. A convite da Comissão, o associado Sérgio Cabral aceitou o encargo de organizar o Show do Centenário, um espetáculo cujo detalhamento será feito na próxima reunião da Comissão, com base nas indicações de Cabral. Também merecerão detalhamento posterior outras propostas e sugestões apresentadas na reunião, como: • realização de semanas especiais de promoção de eventos teatrais, cinematográficos e literários com peças, filmes e livros que tenham sido alcançados por censura e proibições (proposta de Rodolfo Konder); • a organização de exposição de jornais clandestinos editados durante a ditadura e também de mostra de pequenos jornais, como periódicos de sindicatos, associações de bairros e outras organizações populares, bem como de publicações de produção gráfica rudimentar, como jornais mimeografados (propostas de Milton Coelho); • realização de seminários ou cursos de valorização da língua nacional, em colaboração com instituições como a União Brasileira de Escritores-UBE (proposta de Rodolfo Konder); • edição de número especial do Jornal da ABI e edição da Revista ABI e do Livro do Centenário da ABI (proposta perfilhada por vários participantes da reunião); • realização de exposição ou edição de artigos de jornalistas panfletários do Rio, como João do Rio (Paulo Barreto), Mário Rodrigues, pai de Mário Filho e de Nélson Rodrigues, e Carlos Lacerda, e de outros Estados, como Pernambuco, Ceará, Maranhão e Pará, nos quais a contundência dos panfletários resultou em mortes em inúmeros casos (proposta de Tarcísio Holanda). Da reunião, além dos associados já citados, participaram Benício Medeiros, Domingos Meirelles, Estanislau Alves de Oliveira, Francisco Paula Freitas,
Jesus Chediak, Marcelo Tognozzi, Pery Cotta e a Secretária-Executiva da Comissão, Marilka Azêdo. Tognozzi e Tarcísio Holanda vieram de Brasília especialmente para a reunião, enquanto Kotscho e Konder vieram de São Paulo. A Comissão A Comissão Executiva do Centenário da ABI, composta de 28 membros, está assim constituída: Alberto Dines, Ancelmo Góis, Arthur da Távola, Audálio Dantas, Aziz Ahmed, Benício Medeiros, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Estanislau Alves de Oliveira, Fernando Barbosa Lima, Francisco Paula Freitas, José Gomes Talarico, Jesus Chediak, Marcelo Tognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, Mário Barata, Marlene da Silva, Milton Coelho da Graça, Miro Teixeira, Paulo Jerônimo de Souza, Pery Cotta, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Sérgio Cabral, Silvestre Gorgulho, Tarcísio Holanda e Terezinha Santos, sob a presidência de Maurício Azêdo.
Cartuns da liberdade Além de convidar Ziraldo para criar a logomarca do centenário, a Comissão decidiu pedir a outros cartunistas que concebam cartazes de exaltação da liberdade, tema que estará presente em todas as peças de promoção do centenário, conforme proposta dos associados Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Fernando Barbosa Lima e Cecília Costa. Os cartazes serão reunidos numa exposição no saguão do 9º andar da ABI e expostos também no hall térreo do Edifício Herbert Moses, sede da Casa, para conhecimento dos cidadãos comuns que passam pela Rua Araújo Porto Alegre. Essa última proposta foi de iniciativa da associada Maria Ignez Duque Estrada Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
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Patrícia Reiniger não coube em si de alegria com a consagradora ovação ao seu filme.
HOMENAGEM
Uma noite para Ariano na Academia A nata da inteligência reunida para festejar os 80 anos do escritor. Imortais, jornalistas, escritores e admiradores da obra de Ariano Suassuna lotaram o Salão Nobre do Petit Trianon, na Academia Brasileira de Letras na noite de 12 de julho, para uma mesa-redonda comemorativa dos 80 anos do acadêmico. Em seguida, foi inaugurada a exposição Ariano Suassuna — Uma fotobiografia, na Galeria Manuel Bandeira, também na ABL. Marcos Vinicios Vilaça, Presidente da Casa, abriu a cerimônia dizendo que Suassuna ainda não foi suficientemente homenageado e por isso as festividades pelo seu 80º aniversário devem continuar. A seguir, passou a palavra ao acadêmico Moacyr Scliar, que coordenou as atividades da mesa-redonda. Emocionado, Scliar destacou a importância da obra de Suassuna para o Brasil e o mundo: — Ele representa um marco na cultura, uma figura excepcional no panorama brasileiro e mundial. Ariano valoriza a dimensão regional da cultura, levantando a questão da sobrevivência. As aulas-espetáculo, marcadas pela espontaneidade, a simplicidade, a alegria e a erudição de Suassuna, foram apontadas por Scliar como outra característica marcante da trajetória do escritor: — Esta metodologia hoje é indiscutivelmente associada a Ariano. Tanto que ele é um dos escritores mais convidados a dar palestras. Os brasileiros exigem muito dos escritores, inclusive como motivadores culturais. Assisti a poucas aulas dele, mas fiquei fascinado. O sociólogo e escritor José Almino de Alencar, especialista na obra de Suassuna, disse que, quando soube que Ariano não estaria presente à homenagem, poderia mentir à vontade, já que o acadê-
mico adora histórias de mentirosos. E traçou outros pontos da criação do escritor: — Ele tem obsessão pela identidade nacional, que ocupa lugar central em sua obra, e busca as origens da cultura nordestina. Ele foi também incentivador do Movimento Armorial de Pernambuco. Na seqüência, o professor universitário Carlos Newton Jr., assessor de Suassuna na Secretaria de Cultura de Pernambuco, disse que há 20 anos estuda a obra do acadêmico, de quem foi aluno em cinco disciplinas na UFPE: — Presenciei as aulasespetáculo desde quando entrei na universidade, aos 17 anos. Tinha que disputar espaço na sala com os alunos formados. Ele nunca fez chamada e suas turmas eram sempre lotadas. Carlos Newton Jr. justificou a ausência de Suassuna, que estava em casa se recuperando de uma virose. Ele revelou que Ariano diz estar sofrendo de “comemorite”, depois de tantas festividades pelo seu aniversário. O professor comentou ainda que o público conhece o lado clown do escritor, que começou a vida literária como poeta: — Ele é também artista plástico, autor de um painel de 17 metros instalado no aeroporto de Campina Grande. Começou sua criação com os desenhos de A pedra do reino e não parou mais. Há também o lado colunista, pois colabora para diversos jornais, e o ensaísta, com textos primorosos que estou reunindo para publicar em livro. São várias dimensões, balizadas pela coerência profunda: a busca da identidade nacional. A exposição Ariano Suassuna — Uma fotobiografia, reúne fotos tiradas ao longo dos 80 anos de vida do acadêmico, além de manuscritos, documentos e a cronologia atualizada do escritor.
Presidente da Academia, Marcos Vilaça (de terno) assiste no telão a flagrante das múltiplas habilidades de Ariano Suassuna: a de pintor. Suassuna foi o ilustrador de sua obra-prima, o festejado A Pedra do Reino.
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PRÉ-ESTRÉIA
Emoção e aplausos para Betinho, Henfil e Chico Mário Documentário foi saudado com longa salva de palmas em sua primeira apresentação, no Cine ABI.. POR R ODRIGO C AIXETA
A emoção tomou conta do Auditório Oscar Guanabarino durante a nova sessão do Cine ABI na noite de 7 de agosto. A pré-estréia de Três irmãos de sangue, documentário sobre a vida dos irmãos Betinho, Henfil e Chico Mário, foi marcada pela presença de grande platéia, que aplaudiu calorosamente a obra da jornalista Ângela Patrícia Reiniger. Jesus Chediak, Diretor Cultural da ABI, abriu a sessão, relembrando a estréia do Cine ABI, cujo patrono é o jornalista, cineasta e acadêmico Nélson Pereira dos Santos. Em seguida, passou a palavra a Maurício Azêdo, Presidente da Casa, que convidou o público a conhecer o documentário: — É uma obra que fala à sensibilidade e à saudade. Henfil sempre foi ligado aos jornalistas por seu talento no humor e por sua coragem em denunciar a ditadura nos anos de chumbo. Esta noite é o marco de uma programação intensa para transformar a ABI num pólo de reflexão. Honrada pela pré-estréia de seu filme na ABI, Ângela contou que o documentário chegaria às salas de cinema no dia 17, no Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília: — Meu longa é uma homenagem a brasileiros que fazem parte da vida do País, no humor, na política e na música. Estou muito feliz de poder exibi-lo nesta Casa, que já foi palco de importantes momentos da vida nacional. A platéia vibrou após a exibição do documentário — “parecia que as palmas não iam parar”, orgulha-se Ângela. No coquetel que se seguiu à sessão, a atriz Maria Pompeu era uma das mais emocionadas: — O filme é belíssimo, perfeito. É um tema que tem tudo para ser depressivo, mas na verdade é um hino à vida. Transmite uma mensagem de coragem, de superação do ser humano. O otimismo predomina,
graças à escolha excelente dos depoimentos e das histórias, sempre positivas. Também comovida, a autora teatral Ewa Procter destacou a narrativa alegre do filme: — É uma história bonita, bem produzida, em que a alegria dá o tom. Dos três irmãos, tive a oportunidade de conhecer o Henfil, que era o mais divertido, cabeça aberta, e transitava em diversas linguagens. Glorinha Souza, irmã de Betinho, Henfil e Chico Mário, diz que o filme é uma sinfonia, que agrega política, humor e música: — É uma obra genial, bonita e leve. É ainda um documentário instrutivo, pois indiretamente informa o telespectador sobre determinados cuidados e dá dicas de prevenção à saúde. Além disso, o brasileiro tende a esquecer a história dos personagens de seu País, mas é importante resgatar a memória daqueles que lutaram por um Brasil melhor. O sociólogo Maurício Fabião, responsável pelas pesquisas de ações do Comitê Rio do Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria e pela Vida, também se emocionou ao ver a história dos irmãos contada na tela: — O filme destaca aspectos muito importantes das ações de cada um. Lembro-me de um texto do Betinho, em que ele diz que a ausência de cidadania é a raiz da fome e que um dos direitos básicos de cidadania é a educação. Betinho, com suas campanhas, contribuiu para um Brasil melhor, pois sempre acreditou que era possível mudar a nossa realidade. Emocionada, Ângela Reiniger disse que o que mais a impressionou foi a reação do público: — Quando acabou a sessão, vivi um momento de euforia: os aplausos duraram, parecia que não iam acabar. E, depois, muitas pessoas que nem conhecia vieram me parabenizar e não cansavam de elogiar o filme — envaidece-se a jornalista, estreante na direção de longa-metragens.
Aconteceu na ABI
A idéia, a produção, a autora Patrícia Reiniger fala de seu “ótimo desafio”. Dirigido e roteirizado pela jornalista Ângela Patrícia Reiniger, Três irmãos de sangue foi idealizado por Marcos Souza, filho de Chico Mário. No dia da morte do tio Betinho, ele percebeu que a história daqueles três homens, “com trajetórias de vida tão marcantes e com uma ligação tão íntima com o Brasil”, tinha que ser contada. Inspirado pelo trabalho de Ângela à frente do programa Mãe & Cia. — que estreou no GNT e depois foi exibido na TV Cultura —, Marcos convidou-a para fazer o documentário, que marca também a estréia da jornalista na direção de longas: — O desejo de dirigir um longa já era antigo. Então, quando apareceu a possibilidade de dirigir uma história tão fascinante quanto a desses irmãos, foi um ótimo desafio — empolga-se Ângela, que tem larga experiência nas telas, como a direção de dez episódios da série Livros animados, do Canal Futura, dos curtametragens Os oficineiros da inclusão e O aprendiz e o mestre e da série Programa especial, da TVE/Rede Brasil. Até ser convidada para dirigir o filme, Ângela admirava as ações de Betinho e o trabalho de Henfil, mas não conhecia a obra musical de Chico Mário. Animada, ela planeja outros longas, um também ligado às causas sociais e outro sobre a vida e obra de Clarice Lispector: — Apesar do enorme trabalho que dá, é tudo muito apaixonante. Você passa a viver duas vidas: uma, a normal, do seu dia-a-dia; a outra, do universo do filme, repleta de idéias, gravações e edições.
Para registrar toda a história, foram cerca de cem horas de gravações. Ângela, que está ligada ao projeto desde 2001, contou que “a maior dificuldade foi captar recursos, até conseguir o patrocínio da Petrobras”. Outro desafio, diz, foi escolher, entre tantos fatos marcantes da vida dos irmãos, o que entraria no filme: — Conseguimos um bom resultado final. A grande questão foi exatamente como entrelaçar essas três histórias de modo que o roteiro fluísse com naturalidade — e, aliado a isso, o fato de termos ainda o Brasil funcionando quase como um quarto personagem. O segredo foi, em certos momentos, respeitar a ordem cronológica dos acontecimentos e, em outros, alinhavar temas por personagens, como na hora de falar sobre a vida profissional de cada um. Além do mais, o filme é estruturado como se fosse uma ópera. Tem um prólogo, três atos e um epílogo. Isso deu um charme especial na hora de alinhavar a história. Ângela lembra que o trabalho de pesquisa, tanto de texto quanto de imagem, foi extremamente rico — “à medida que o processo de produção foi caminhando, deparávamos com mais e mais informações, descobertas de novo material de arquivo e assim por diante”, diz a jornalista, que roteirizou o documentário junto com Cristiano Gualda: — Procuramos aproveitar todo o precioso material da melhor forma possível. Algo que me marcou muito foi o fato de, mesmo tantos anos após a morte dos três, os entrevistados terem falado deles como
cebido “tanto pelo público que viveu a época da ditadura e da anistia, quanto pelos mais jovens, interessados em conhecer melhor esse período da nossa História”: — O filme definitivamente mexeu com as pessoas, as fez rirem, chorarem e, acima de tudo, terem vontade de agir para melhorar o mundo em que vivemos. Além de termos sido premiados como Melhor Roteiro no Festival de Goiânia, fomos o segundo documentário mais bem votado pelo público na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, participamos da Mostra Retratos, dentro do Festival do Rio, fomos Afonso Romano de Sant’Anna (à direita, com Maurício) selecionados para o Festival de Ciassistiu à pré-estréia: é um dos entrevistados no filme. nema Brasileiro de Paris e estamos concorrendo no Festival de Cinepessoas muito, muito próximas. Os elos ma Brasileiro de Nova York. de afeto, companheirismo e admiração não Ângela comemora também o sucesso ficaram frágeis com o tempo. Pelo contrána imprensa: Zuenir Ventura, de O Glorio, continuam extremamente fortes. bo, escreveu que “a diretora conseguiu O lançamento oficial de Três irmãos de mostrar, sem pieguice, bem ao estilo dos sangue aconteceu simultaneamente no três irmãos, como a luta contra a morte Rio, em São Paulo, Belo Horizonte e Brapode ser uma exemplar lição de vida”; sília, no dia 17 de agosto: — A expectaLuiz Zanin, do Estadão, disse que se trativa é de que o filme fique em cartaz o ta de “um belo e emocionante filme, que máximo de tempo possível. Acreditamos traça a saga de uma família e também de muito no boca-a-boca, uma vez que a um período, tanto difícil como épico, da recepção ao filme em exibições fechadas história recente”; e o colunista Sebastie pré-estréias foi excelente. Além de as ão Nery afirmou que o documentário faz pessoas se emocionarem e se divertirem “um levantamento histórico, minucioindo ao cinema, elas estarão prestando so, sério, biográfico, mas principalmenuma homenagem aos três irmãos e ainte político, social, de Minas e do Brasil, da ajudando a Associação Brasileira Ina partir dos anos 50 até a ditadura de 64 terdisciplinar de Aids–Abia, já que parte e as batalhas da resistência, do exílio, da da renda do filme é revertida para a enabertura, da anistia, das Diretas Já”. tidade — entusiasma-se a diretora. Sensibilizada com a oportunidade de Feliz com a repercussão e a exibição de fazer o lançamento no Cine ABI, a conseu filme em importantes festivais, Ânvite do Diretor Cultural Jesus Chediak, gela diz que o documentário foi bem reÂngela diz que sua experiência jornalística em entrevista e edição foi de fundamental importância na realização do documentário. E avisou aos espectadores da pré-estréia: — A mensagem que eu quero que fique é traduzida perfeitamente através de uma frase do Betinho no filme: “A vida é uma só. Ela é valiosa. O tempo é muito valioso. E nós devemos fazer da vida e do tempo o que melhor nós pudermos, todos os dias”.
A vida de Odete Lara, numa adaptação livre Após a exibição de Três irmãos de sanAna Maria Magalhães foi uma das congue, o Cine ABI apresentou no dia 13 de vidadas do ciclo de palestras ABI pensa o agosto o longa-metragem Lara, de Ana cinema. Aos 15 anos, estreou como atriz Maria Magalhães, que retrata os anos 60, num pequeno papel num filme francês. época em que os artistas lutavam pela liEm seguida, foi estudar teatro no Conberdade de expressão e servatório Nacional e contra a ditadura militar. não parou mais. Foi proA atriz Odete Lara vivia tagonista de Como era um intenso caso de amor gostoso o meu francês, de com Oduvaldo Viana FiNélson Pereira dos Sanlho, o Vianinha, dramatos, e atuou em outros 25 turgo cuja peça foi cenlonga-metragens, como surada, e sua relação era Quando o Carnaval cheatormentada pelas megar, de Cacá Diegues, e mórias do passado e a amOs sete gatinhos, de Nebição pelo sucesso. ville d’Almeida. Filha de um operário No início dos anos 80, italiano, Lara saiu da pedirigiu um documentáriferia de São Paulo para rio sobre Leila Diniz que se tornar a Deusa Loura se tornou o primeiro do cinema brasileiro, vídeo com produção innum momento de mudependente a ser exibidanças no teatro, da chedo pela televisão brasileigada da televisão e da reAna Maria Magalhães mostra em ra. Entre seus trabalhos novação do cinema naci- Lara a mulher Odete, sua geração no gênero destacam-se O onal. O longa-metragem e o mundo em que ela viveu. bebê, exibido na Europa é uma adaptação livre da e no Brasil, e Les enfants vida da atriz e baseia-se em diferentes mode la samba, exibido no Canal Plus de Paris mentos de sua trajetória, traçando um ree premiado com Menção Honrosa pela trato de mulher, de uma geração e do munConferência Nacional dos Bispos do do em que ela construiu sua carreira. Brasil–CNBB.
Três irmãos, três vidas
A moçoila sonhadora Odete Lara, antes de seus ardentes romances, um deles com Vianinha.
Três irmãos de sangue retrata a vida dos irmãos Betinho, Henfil e Chico Mário, brasileiros que fizeram da solidariedade a sua grande arma na luta pela vida e que ajudaram a tornar o Brasil um país mais justo e solidário. Cada um deles contribuiu, à sua maneira, para as principais transformações pelas quais passou o povo brasileiro. Betinho, cientista social e exilado político, criou a Campanha Contra a Fome e a Miséria e Pela Vida e foi indicado em 1994 ao Prêmio Nobel da Paz. O cartunista Henfil lutou pela volta dos exilados durante a ditadura militar e criou a expressão “Diretas Já”, como forma de exigir a volta da democracia ao Brasil. Chico Mário, pioneiro na questão da música independente, compôs diversas canções contra a tortura. Os irmãos sabiam da importância da defesa dos direitos humanos e defenderam com garra esse ideal. Hemofílicos, os três foram contaminados pelo vírus HIV através de transfusão de sangue e se transformaram num símbolo da luta contra a Aids no Brasil. Para eles, a luta pela vida sempre esteve em primeiro lugar. (Rodrigo Caixeta) Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
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Aconteceu na ABI LITERATURA
edição comentada de Os Lusíadas, de Camões, que define como “um livro rigorosamente genial”. Entre tantos trabalhos, reunir a obra de Augusto dos Anjos foi tarefa das mais estimulantes. — Essa edição crítica foi a coisa mais importante que fiz editorialmente, porque ele sempre foi mal-editado, mesmo na edição famosa do Houaiss, dos anos 60, que tinha muitas qualidades. Havia um número enorme de poemas cômicos, e Um comentário de Chediak ao recolher o depoimento também a prosa de Augusto dos Anjos, que era completamente desconhecida. do poeta, escritor e ensaísta Alexei Bueno. Tive o grande prazer de fazer também a obra completa de Alphonsus de Guimarães, poeta pelo qual O poeta, escritor e ensaístenho uma trementa Alexei Bueno, também orda veneração, e ganizador de várias antologias, Cruz e Souza, que foi o convidado do dia 8 de também adoro. agosto do projeto Estação ABI Além da poesia e e gravou seu depoimento para da literatura, o cio ciclo ABI pensa a literatura. nema atrai Alexei Do encontro participaram o Bueno, que é fã da Diretor de Cultura e Lazer da filmografia de Casa, Jesus Chediak, e a ConGláuber Rocha, selheira e colunista do Site da sobre quem escreABI Cecília Costa. veu: — É uma bioCarioca, 44 anos, Alexei Bufilmografia, que eno publicou 11 livros, entre analisa seus curtas os quais As escadas da torre e longas, de O pátio (1984) e A via estreita (1995), até A idade da terra, premiado com o Alphonsus de para a coleção Guimarães, da Biblioteca Bahia com H, da MaNacional, e o APCA. Em 1998, nati, coordenada ganhou o Prêmio Fernando inicialmente pelo Pessoa pelo lançamento de Poemas reunidos. Em 2003, com Alexei escreveu seu primeiro livro com 23 anos. Viu Deus e o Diabo na Waly Salomão, que Terra do Sol com 14, em sessão do Cineclube Macunaíma, na ABI morreu no meio do Poesia reunida, venceu o Jabutrabalho. Saíram ti e o Prêmio da Academia Braquatro volumes, todos sobre baianos — sileira de Letras. No momento prepara-se Ronaldinho, por tudo que já fez com tão os outros foram Mestre Bimba, o canpara lançar Uma história da poesia brasipouca idade”. tador Cuíca de Santo Amaro e Gregório leira — “dos 13 capítulos, 11 já estão pronA fama se justifica. Além de cuidar das de Matos. tos”, informa. Amiga e admiradora de próprias produções, como editor Alexei Por causa de Gláuber, Alexei conta que Alexei, Cecília Costa comentou e elogiou organizou para a Nova Aguilar a série de foi freqüentador do Cineclube Macunaa versatilidade do entrevistado, “polêmiobras completas de importantes poetas, íma, da ABI: — Lembro que a primeira co até a medula”. Jesus Chediak complecomo o português Sá-Carneiro e os vez que vim foi em 15 de janeiro de 77; mentou o comentário bem-humorado, brasileiros Olavo Bilac, Jorge de Lima e eu ia completar 14 anos em abril. Entrei dizendo que “fenômeno é o Alexei, não o Vinicius de Moraes. Em 93, publicou a
no auditório às 21h, para assistir a Deus e o Diabo na Terra do Sol”, que me interessou porque eu tinha mania de coisas ligadas ao cangaço. Foi esse filme que me levou para o cinema, talvez a minha maior paixão. Acho que tenho a maior biblioteca privada do assunto no Brasil, de cinema sério, de Griffith, Eisenstein, Godard, Gláuber, Truffaut etc. O escritor ficou chocado com a morte de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni quase no mesmo dia: — O Bergman, sobretudo, foi quase como perder um parente. Já aconteceu também com atores: senti a mesma coisa quando morreu o Mastroianni. São pessoas que acompanham a gente a vida inteira de tal modo que quando morrem levamos aquele susto. Alexei diz que não costuma freqüentar teatro, mas gosta de ler peças: — Aprecio a leitura do teatro. De Ibsen eu li muita coisa, mas nunca vi uma montagem bemfeita. Não é comum eu gostar das montagens brasileiras de textos estrangeiros. Quando eu era muito jovem, assisti a uma peça que me impressionou muito, O último carro, do João das Neves, no Opinião; achei uma maravilha. Vi também uma montagem esplêndida de Amadeus, com Raul Cortez e Edwin Luisi. No geral, porém, não vi uma montagem de Shakespeare que me interessasse. Quanto à sua inspiração poética, ele diz que geralmente acontece quando está deitado em sua cama. E conta que sempre escreve à mão, nunca no computador: — Fiquei quatro anos sem escrever um livro até que veio A árvore seca, com 134 poemas que fiz em três meses e pouco. Num só dia fiz seis poemas, absolutamente incorporado, como acontece na umbanda quando baixa um caboclo. O Guimarães Rosa é que dizia isso: “Eu só escrevo quando estou tomado pelos caboclos.” Eu também sou assim. Friamente, não faço nada. O poeta é um médium de si mesmo, psicografa os seus próprios versos” — diz Alexei.
tar que as atenções estariam voltadas para a Seleção para libertar Tim em algum ponto da cidade. Um dos momentos mais dramáticos vividos por ela foi quando a televisão anunciou oficialmente a morte de Tim Lopes e lhe coube a missão de contar para a mãe que “Canjo” (apelido de família de Tim, batizado Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento) nunca mais retornaria. — Eu ficava pensando de que maneira ia dar a notícia. A missão era minha, porque havia sido eu que contara sobre o desaparecimento dele. (...) Tive também que encontrar forças para assistir ao depoimento dos assassinos. Lembro da narrativa do promotor público sobre o que o meu irmão sofreu. Foi o que mais me chocou e é tudo que eu não gostaria de ter que repetir. Embora não conheça o lugar, ela se preocupa com o destino das famílias que moram no Complexo do Alemão: — A
comunidade tem um percentual grande de famílias decentes, grupos de crianças que são fundamentais para o País. A morte do Tim foi um divisor de águas, pelas causas que ele defendia e as denúncias que fez com toda a sua coragem. Tim Lopes foi ao Complexo do Alemão seguindo uma denúncia sobre a prostituição de jovens em bailes funk. Para sua irmã, ele foi um mártir, cuja morte trouxe grande sofrimento para parentes, amigos e colegas de trabalho, mas deixou uma mensagem para toda a sociedade: — Tim teve coragem e nos deixou uma obra na forma de denúncia. Nos locais que foram cavados para encontrar seu corpo outros corpos foram encontrados pela Polícia. Que mortes são essas? Esta é uma resposta que precisa ser dada pelas autoridades. (...) Tim era um homem de bem, que fazia do jornalismo um grande instrumento para poder contemplar a cidadania.
O poeta Alexei, o verdadeiro Fenômeno
GRAVAÇÃO
Record lembra Tim Lopes ouvindo sua irmã Tânia Um depoimento comovente para o Domingo Espetacular. O jornalista Paulo Henrique Amorim gravou na ABI em 12 de julho uma entrevista especial com a professora Tânia Lopes Muri, irmã do jornalista Tim Lopes. A matéria entrou no ar no programa Domingo Espetacular, da TV Record, dia 15, às 18h30min. Tânia Lopes falou do drama vivido pela família depois que seu irmão foi brutalmente assassinado no Complexo do Alemão pelo bando do traficante Elias Maluco. Comentou também o fascínio
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de Tim pela reportagem investigativa, que o levou a morar longe de casa para proteger seus parentes, aos quais era muito apegado, de qualquer tipo de risco. Contou Tânia que na semana em que seu irmão desapareceu, em junho de 2002, sua família tinha esperança de que, mesmo que ele tivesse sido seqüestrado, os bandidos fizessem algum tipo de proposta de resgate. Outra hipótese levantada à época era de que, como estava programado um jogo do Brasil, eles poderiam aprovei-
União para fincar a TV Pública no Rio Sociedade civil manifesta em ato na ABI seu empenho em que a futura tv tenha sede aqui. WILSON DIAS/ABR
Em manifestação realizada no dia 23 de julho na ABI, jornalistas, radialistas, produtores de TV, parlamentares e representantes do setor de tecnologia digital defenderam que a sede da nova rede de radiodifusão — a ser criada pelo Governo Federal, que desejava levá-la para Brasília — seja no Estado do Rio de Janeiro, gerida pela TVE Brasil. O Comitê Pró-TV Pública do Rio de Janeiro tem o apoio da ABI, OAB-RJ, Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, Sindicato dos Radialistas, Sindicato das Empresas de Informática do Estado, Riosoft, Fórum Nacional de Professores de Jornalismo, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas-Ibase, Criar Brasil e Viva Rio. A mesa que dirigiu a reunião foi composta por Miguel Walter Costa, Presidente do Sindicato dos Radialistas; Wadih Damous, Presidente da OAB-RJ; Neise Marçal, chefe de Reportagem da TV Educativa; Aziz Filho, Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio; Benito Paret, Presidente do Seprojr; e John Forman, Presidente da Riosoft. No início da reunião, Aziz Filho disse que o principal objetivo do Comitê e do Sindicato é lutar para que a TV Pública não se transforme em uma emissora chapa-branca: — Quando o Governo anunciou a proposta da nova rede de radiofusão, pensava-se que ela seria criada nos moldes da BBC de Londres, que tem um conselho autônomo e pouca interferência do Governo britânico. Nossa preocupação não envolve apenas a questão de se instalar a cabeça de rede da TV Pública em Brasília. O mais importante, disse Aziz Filho, é mostrar para a sociedade que o grande problema das tvs oficiais no Brasil é elas serem vinculadas aos interesses do Governo: — Isso as torna menos próximas da realidade brasileira. Queremos uma TV Pública mais relacionada com a sociedade do que com o poder oficial, vinculação que sempre enfraqueceu as tvs educativas. No Rio, o estigma da chapa branca é menor, a emissora já nasce mais próxima da produção audiovisual pela experiência acumulada pelos profissionais do Estado em fazer um jornalismo oficial mais ligado à agenda da sociedade. Esse processo já começou a ser viabilizado pela TVE, quando foi criada a Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto. Aziz Filho ressaltou que o Ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, disse que a palavra final cabe ao Presidente da República, mas que particularmente tem revelado a pessoas próximas ser favorável a que a rede de radiofusão tenha sede no Rio. O Ministro prometeu encaminhar ao Presidente as propostas do Comitê e conseguir com ele uma “conferência auricular ” para debater o assunto: — O episódio das vaias que o Presidente Lula recebeu no Maracanã na abertura dos Jogos Pan-Americanos nos preocupa, mas esperamos que isso não interfira de forma negativa no processo e que ele leve em
vem sendo realizado pelos profissionais no Estado do Rio é fundamental. Diz um trecho do manifesto: “Há 30 anos a programação da TVE Brasil, sediada no Rio de Janeiro, se volta para a cidadania, a educação e a cultura universalista. Com profissionais de alta qualificação, já familiarizados com a idéia de que uma tv pública deve estar voltada para a sociedade e não para burocracia, a TVE reúne as melhores condições para encabeçar a rede em gestação. Não só em termos de estrutura, mas principalmente pela oferta de profissionais comprometidos com a qualidade da programação pública.” A manifestação do Comitê Rio Pró-TV Pública contou com a participação de muitos parlamentares, entre eles o Deputado Marcelo Itagiba e os Vereadores Aspásia Camargo, Eliomar Coelho e Alexandre Molon, segundo o qual, além da importância para o Estado, a medida interessa ao País: — A recuperação do Rio de Janeiro como símbolo da identidade nacional e como principal pólo de proFranklin Martins naquilo que ele chamou de “despacho dução audiovisual é fundametal para auricular” com o Presidente: na pauta, a TV Pública. o Brasil — declarou. Itagiba lembrou que toda tv no Brasil é pública, mas algumas são exploconsideração questões técnicas na sua toradas de maneira privada: — Nosso debamada de decisão — disse o sindicalista. te relaciona-se com a necessidade de terCoube a Neise Marçal, da TV Educamos hoje uma televisão cidadã, capaz de tiva, a leitura do manifesto que os orgaexpressar o sentimento do povo brasileinizadores do Comitê Pró-TV Pública disro, e uma questão que existe na mídia em tribuíram aos presentes. O documento geral, que é a liberdade intelectual para destaca que o País está prestes a dar um passo aqueles que produzem notícias e cultura. histórico na democratização da comuniItagiba lembrou que o ato do Comitê cação e no incremento da produção audiacontecia no Rio, na sede da Associação ovisual. Falando em nome dos funcionáBrasileira de Imprensa, entidade que semrios da emissora e da Rádio MEC, ela afirpre esteve na vanguarda da liberdade de mou que, nesse processo, o trabalho que
“Nem do Lula, nem para o Lula” Um Conselho representativo da sociedade é que dirigirá a TV Pública, diz Franklin Martins. Em declaração em Brasília, em 5 de julho, o Ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, admitiu a criação de um Conselho formado por personalidades representativas da sociedade, que não tenha ligações com o Governo, para garantir que a TV Pública seja pautada pela diversidade na abordagem de sua programação, com base em aspectos regionais, cidadania e respeito ao direito das minorias. Esta, disse, seria a maneira de se garantir que a TV pública não seja “a TV do Lula, a TV para o Lula ou a que o Governo mandar”. Franklin expôs essas idéias no Seminário Políticas de Comunicação Pública no Brasil, promoção dos Sindicatos de Radialistas do Distrito Federal e do Rio de Janeiro. Ele declarou aos participantes do encontro que a intenção do Governo é criar um sistema de comunicação que, além da TV Pública, inclua o rádio e a internet. Admitiu o Ministro que isso não livrará a TV Pública totalmente dos riscos de pressão por parte de governos e grupos políticos. Esse risco, ponderou, é sempre iminente, por melhor que seja o Executivo. Por isso, o Conselho será um instrumento qualificado para “evitar que os interesses privados, partidários ou de grupos prevaleçam sobre o interesse público”. Franklin Martins informou também que a proposta de criação da TV Pública seria enviada pelo Governo ao Congresso até o fim de agosto, por meio de projeto ou medida provisória. Em relação à forma jurídica e ao local da sede da empresa, que será uma fusão da Radiobrás com a TVE, ainda não havia definição.
expressão: — Além da ABI, é no Rio que está a Academia Brasileira de Letras. Tudo no Rio, que foi a Capital Federal, é brasileiro. Em Brasília está tudo o que é bom ou ruim que foi tirado do Rio. Então, não é uma dádiva dar ao Estado a sede da TV Pública. É obrigação devolver ao Rio o que lhe é de direito, como a liberdade de imprensa que esta Casa sempre representou. É por isso que, além de defender um jornalismo independente e a produção cultural, também abraçamos essa causa. Wadih Damous prometeu que vai propor o engajamento nacional da entidade na luta e manifestou seu desejo de que o próximo encontro seja na sede da OAB: — Se houver outro ato como este, nossa Ordem se sentirá honrada em sediá-lo. Vou conversar com o Presidente do Conselho Federal da OAB, em Brasília, para que também se una a essa luta para que tenhamos uma tv vinculada à sociedade e não ao Estado, em Brasília. No final do ato foi muito aplaudida a sugestão de Eliomar Coelho para que o Comitê entre em contato com as Casas Legislativas do Estado, a Câmara Municipal do Rio e a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, pedindo que seus presidentes promovam uma campanha em prol da TV Pública no Rio. (José Reinaldo Marques)
“O Rio dá mais energia” Assim o Presidente justifica a escolha da cidade para cabeça da nova rede. Em visita ao Rio e reunião com o Governador Sérgio Cabral, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou que o Rio de Janeiro será a cabeça de rede da emissora, que deve estrear no dia 2 de dezembro, data para a qual estão programadas também as primeiras transmissões da tv digital, em São Paulo. A decisão do Presidente foi confirmada dois dias depois pelo Ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, que, em conversa com jornalistas durante um seminário realizado no Planalto, disse que a TV Brasil terá uma diretoria em Brasília, que será o local de geração de notícias. No Rio, onde estará instalada a cabeça de rede, o foco será a programação cultural. Segundo O Globo, Lula disse que sediar a emissora no Rio significa “um início com mais energia” da TV Pública. A nova emissora terá um conselho gestor de cerca de 20 representantes da sociedade civil indicados pelo Presidente da República. De acordo com a Agência Brasil, os cargos serão estáveis e o órgão — que nasce da fusão da Radiobrás e da Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto, da qual fazem parte a TV Educativa e a Rádio MEC — terá co-responsabilidade pela gestão participativa da sociedade na nova rede e seus conteúdos de tv, rádio e internet.
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Aconteceu na ABI SEMINÁRIO
Uma relação em debate: imprensa/esporte/patrocínio Durante dois dias, representantes da área de comunicação e do setor empresarial discutiram essa questão de importância crescente DIVULGAÇÃO
POR RODRIGO CAIXETA
A discussão sobre o desenvolvimento dos esportes de base e as ações de marketing das empresas e o improviso marcaram o último dia do Fórum de debates noticiário esportivo — Harmonizando o meio-decampo entre imprensa, esporte e patrocínio, uma promoção da ABI com o Jornal dos Sports e a J. Cocco Sport Marketing, com o patrocínio da Petrobras e do Governo Federal. O evento, encerrado na manhã do dia 5 de julho, lotou o Auditório Oscar Guanabarino, na sede da ABI, e pôs em questão temas recorrentes da relação entre a mídia e os anunciantes. A primeira palestra do dia foi do Diretor de Marketing da Confederação Brasileira de Handebol, Fabiano Redondo, que falou sobre Esporte de base — Como viabilizar o desenvolvimento da base e criar novos ídolos através do financiamento público, privado e da mídia, sob a mediação de Sérgio Azevedo, Presidente da
Luciano: Nosso povo tem capacidade de adaptação a qualquer modalidade esportiva.
Associação Brasileira de Anunciantes. Disse Fabiano que o handebol tem alcançado níveis cada vez mais satisfatórios entre os esportes de base: — Conseqüen-
Em 2006, tv aberta exibiu 3 mil horas de cobertura esportiva
temente, conquista cada vez mais patrocinadores, que visam a entreter clientes e fornecedores, gerar mídia espontânea, aumentar vendas, diferenciar-se dos pro-
Lúcio Pimentel salientou que o esporte é uma das principais atividades apoiadas pela Petrobras, reconhecida como a maior patrocinadora de cultura no Brasil e que se esforça para potencializar as ações de patrocínios esportivos. Para João Pedro Figueira, o Fórum acontecia num momento importante para o Rio, opinião acatada por Pedro Paulo: — O Pan será um sucesso na cidade e é preciso atentar para o fato de que o esporte é um instrumento de inclusão e também um valoroso canal de promoção social — explica o Deputado.
ROBERTO KAKASU
te: — A ABI tem a honra de abrir este SeO primeiro dia do Fórum foi prestigiminário, no qual certamente haverá uma ado por grande número de estudantes e fecunda discussão dos temas propostos espectadores em geral que lotaram o pelo fórum. Auditório Oscar Guanabarino, na manhã Wellington Rocha disse que o evento do dia 4 de julho. Para abrir a cerimônia, não poderia ser realizado em outro lugar foram convidados Maurício Azêdo, Preque não fosse a ABI e destaca o apoio do sidente da ABI; Wellington Rocha, DireJornal dos Sports à iniciativa: — Há 76 tor-Executivo do Jornal dos Sports; José anos o jornal vem trilhando um caminho Estêvão Cocco, Diretor da J. Cocco Sport Socialização real brilhante na cobertura esportiva e estes Marketing; Lúcio Pimentel, Gerente de O professor Francisco Paulo de Melo debates serão importantes para a análise Imprensa da Petrobras; o Deputado Pedro Neto abriu a primeira palestra, Qual o da relação entre imprensa e patrocínio. Paulo, membro da Comissão de Esportes retorno que a prátida Alerj; e João Pedro ca esportiva pode Figueira, represenproporcionar aos tante da Prefeitura segmentos envolvido Rio. dos: comunidade, José Estêvão Cocgoverno, mídia e co antecipou que o patrocinadores, Fórum permitiria facom mediação do zer um amplo debajornalista Felippe te sobre as relações Cardoso, da Rádio entre mídia e patroGlobo.Emsuaaprecínio. Maurício Azêsentação, Melo do, concordando, Neto mostrou-se afirmou que é imsurpreso com o portante discutir aspectos relacionados José Estêvão Cocco, Diretor da J. Cocco Sport Marketing; Eduardo Zerbini, Diretor Nacional da tema do Fórum e àimprensaeaoespor- Rede Record, e Wellington Rocha, Diretor-Executivo do Jornal dos Sports: debate amplo no Fórum. afirmou que pela 20 Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
dutos dos concorrentes e moldar o comportamento das pessoas. Fabiano apontou também as razões pelas quais algumas empresas não patrocinam esportes: — O patrocínio gera apenas retorno institucional, não financeiro. Além disso, as empresas preferem investir em eventos e ações, acreditam que falta profissionalismo ao setor e questionam a falta de incentivos fiscais. Para “o esporte acontecer”, diz Fabiano, é preciso fazer parcerias com o Ministério dos Esportes e os Estados e Municípios, entre outras ações. Ele revelou que o handebol sempre teve destaque na mídia impressa, mas há apenas dez anos começou a estreitar os laços com a televisão, principalmente depois da popularização das tevês por assinatura: — E o esporte vai ter bastante importância nos Jogos Pan-Americanos, porque as disputas serão classificatórias para as Olimpíadas — profetizou. O carro-chefe Thiago da Luz, Gerente de Patrocínios da Petrobras, apresentou o tema Continuidade e planejamento no patrocínio esportivo — O Programa Petrobras de Esportes, que teve como moderador Paulo Scaglione, Presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo. Thiago apresentou as diretrizes gerais da empresa: — Não patrocinamos pilotos ou atletas individualmente nem projetos relacionados a lutas e artes marciais. Também não participamos de campeonatos de caráter regional, apenas de âmbito nacional ou internacional. Já o Programa Petrobras Social cuida das iniciativas de
primeira vez participava de “um debate em que o esporte é tido como agregador de imprensa e patrocínio”: — O esporte constrói valores morais e sociais, desenvolve o comércio, a indústria, o turismo, a cidadania e até a auto-estima. Além disso, é importante fator de imagem para as empresas que o patrocinam. Ele observou que os atletas patrocinados endossam a qualidade de produtos e marcas e as empresas apóiam os grandes eventos esportivos com o objetivo de obter retornos institucionais: — O esporte gera um novo segmento de negócios e é conteúdo para a mídia, que se vale dele para alavancar a audiência de programas de rádio e TV e a venda de jornais e revistas. Outro aspecto importante ressaltado por Melo Neto diz respeito ao esporte como instrumento de socialização real, num momento em que as pessoas ampliam cada vez mais sua rede de contato em sites de relacionamento: — O esporte aproxima e promove uma maior interação entre os membros da comunidade, além de educar e formar cidadãos. Contraponto O Diretor Nacional da Rede Record, Eduardo Zerbini, foi o palestrante do painel Quais os limites dos interesses editoriais, jornalísticos e comerciais, mediado pelo Diretor de Conteúdo do Jornal dos Sports, Luiz
cunho social, que usam o esporte como ferramenta. Disse Thiago que o Programa Esporte Motor — por estar mais ligado à atividade da empresa — é o carro-chefe dos patrocínios esportivos, porque, além de qualificar a marca junto ao público, usa o esporte como laboratório para desenvolvimento e teste de produtos: — Fornecemos combustível para a Williams, estamos na Stock Car, na Fórmula Truck, no Petrobras Lubrax Team — que participa dos ralis Paris—Dakar e dos Sertões —, na Seletiva Petrobras de Kart, no SAE-Mini Baja, e no Petrobras Scud Team, de motociclismo. Ao mostrar os benefícios de imagem trazidos pelo patrocínio, disse Thiago: — Atestamos a qualidade e a tecnologia de nossos produtos, fazemos a exposição e a internacionalização de nossa marca e melhoramos nosso relacionamento com clientes e parceiros, demonstrando a alta tecnologia brasileira da Petrobras. Luciano, o apito final O apresentador Luciano do Valle era um dos participantes mais esperados do encerramento do Fórum. Ao lado de José Estêvão Cocco, Diretor da J. Cocco Sport Marketing, ele quebrou o protocolo da cerimônia e promoveu um grande batepapo com a platéia, semelhante ao Apito final, programa que apresenta na TV Bandeirantes. Antes de começar a conversa, porém, foi exibido um vídeo de um jogo da Seleção Brasileira de Vôlei contra a da União Soviética, realizado no Maracanã e narrado por Luciano: — Mais de 94 mil pessoas prestigiaram
Augusto Veloso. Para Zerbini, a concorrência entre os veículos é saudável, pois ajuda na criação de programas de qualidade: — De acordo com as pesquisas de audiência, 96% da população da Grande São Paulo assistiram, na última semana, à programação da tv aberta, que apenas em 2006 mostrou mais de 3 mil horas de transmissões esportivas, a maioria de futebol. Os outros esportes vêm, gradativamente, conquistando espaço na programação. Com relação aos contratos com os patrocinadores, Zerbini faz um contraponto entre o papel do jornalista e o departamento comercial dos veículos: — O repórter, durante a entrevista, não se preocupa se a marca do patrocinador está aparecendo no vídeo, enquanto o pessoal do comercial fica de olho para saber se o anunciante está tendo o espaço devido no noticiário. Informou Eduardo Zerbini que as cotas de patrocínio de eventos como a Copa do Mundo hoje já não são mais vendidas: — Os organizadores se encarregam de formar o grupo de anunciantes e os veículos compram o conteúdo das transmissões com a obrigação de mostrar os patrocinadores. O retorno: um salto Marcelo Giannubilo, Diretor de Marketing da Unimed-Rio, apresentou o último painel do dia, A indústria do esporte
este evento, em 26 de julho de 1983. Sempre trabalhei pelo esporte brasileiro e lutei para projetar o Brasil no cenário internacional — orgulha-se o apresentador, que “não admitia ver um país do tamanho do Brasil não ter destaque nas competições mundiais”. Luciano considera que nada é impossível para o esporte no Brasil, pois o povo brasileiro é o que mais se adapta a qualquer modalidade esportiva. Já no que diz respeito à relação entre política e esporte, foi incisivo: — Sou contra a politicagem que é feita aqui. Para se fazer política de esportes, é preciso conhecer bem o tema e lutar pelos interesses coletivos dos atletas. Brincando com a platéia, Luciano disse que começou a narrar futebol aos cinco anos de idade, quando promovia jogos com os botões arrancados das roupas de sua mãe: — É claro que depois eu apanhava, porque sempre os perdia. Mas comecei a trabalhar em rádio em 1963, quando não havia faculdade de Jornalismo. Mesmo assim, procurei estudar e me qualificar — explicou, afirmando que sempre defendeu a presença de um jornalista ao lado dos atletas na hora de comentar as disputas. Ele hoje se denomina apenas locutor esportivo e diz que para ser jornalista de esportes é preciso ter talento e conhecimento. E recomenda aos recém-formados que saiam em busca de oportunidades fora do eixo Rio-São Paulo: — Aqui está esgotado, mas há vários Estados onde se pode tentar uma chance. O Brasil precisa de profissionais em diversos cantos.
— solução para criação de riqueza e emprego e... noticiário?, que teve a mediação da jornalista Vanessa Riche, apresentadora do SporTV news. Em sua explicação, ele definiu o esporte como ferramenta poderosa do plano de marketing da empresa, para conquista e manutenção de clientes: — Em nossas estratégias, procuramos agregar ao esporte conceitos como carisma, força, saúde, juventude, energia e plasticidade. Disse Giannubilo que fazer merchandising no local dos eventos esportivos e patrocinar equipes e campeonatos figuram entre as opções de investimento da empresa, que entende que o esporte atinge o público em seu momento de relaxamento e promove o seu encontro com os ídolos: — Além disso, num comparativo entre o PIB brasileiro e o PIB esportivo, percebesequeesteúltimotematingidoíndicescada vez maiores em relação ao primeiro. Giannubilo disse que as ações de marketing reforçam a preocupação de sua empresa com a saúde e a qualidade de vida e que 50% do orçamento deste ano são destinados a patrocínios esportivos: — Nossos índices de investimentos e de retorno nos últimos anos têm sido satisfatórios. De 2003 até agora, saltamos de 391 mil para 593 mil clientes em nossa carteira. (Rodrigo Caixeta)
AULA
Ao lado de José Rezende (à esq.), organizador do ciclo de palestras sobre esporte, Loris Baena fez minuciosa exposição sobre as origens do futebol no Brasil e prestou homenagem ao pioneiro Charles Miller.
A chegada do futebol ao Brasil Jornalista e historiador, Lóris Baena mostrou o começo e a evolução entre nós do esporte que os ingleses inventaram Aproveitando o ensejo dos Jogos PanAmericanos no Rio e pegando embalo no esporte que é paixão nacional, o jornalista, escritor e sócio da ABI Lóris Baena fez em 12 de julho longa conferência sobre Introdução e evolução do futebol no Brasil, em encontro na Sala Belisário de Souza, no 7º andar do Edifício Herbert Moses, sede da ABI. A palestra assinalou a passagem dos 54 anos da morte, ocorrida em 30 de junho de 1953, do introdutor do futebol no Brasil, Charles Miller. Em sua apresentação, Lóris contou como se deu a implantação do esporte no Brasil e sua evolução até os anos 50. Cronista e comentarista esportivo, o escritor estreou no jornalismo aos 19 anos, no Pará, onde nasceu. Antes, porém, jogou no time juvenil do Paissandu, de Belém: — Só que meu pai era contra o futebol, como a maioria das pessoas do século XIX. Tive que abandonar o time, mas, como tinha paixão pelo jogo, comecei como foca de Esportes na Folha do Norte, então o jornal de maior prestígio na Amazônia. Depois fui para a Rádio Clube do Pará. Aos 22 anos, Lóris decidiu vir para o Rio e começou a trabalhar na Folha Carioca. Em seguida, mudou-se para São Paulo e trabalhou no Mundo Esportivo. Ali nasceu no jornalista o interesse pelo futebol do passado, que o levou à busca das origens do esporte: — Soube, então, de uma palestra com o próprio Charles Miller, que trouxe o futebol para o Brasil. Filho de um inglês com uma brasileira, ele pertencia a uma família abastada e foi estudar na Inglaterra, onde se afeiçoou pelo esporte e chegou a jogar como titular no time de sua universidade. Seu apelido era “Nipper” (algo como “garoto”, ou “moleque”) e ele foi
o primeiro brasileiro a jogar fora do País. Os pioneiros
Lóris falou também sobre a parceria entre Charles e Hans Nobiling, ex-jogadordoGermânia,deHamburgo,quetrouxe para o Brasil o estatuto do seu time: — Foi assim que surgiram os primeiros clubes de futebol brasileiros, como o São Paulo Athletic Club, de Charles, e o Hans Nobiling Team, do alemão. Os alunos do Mackenzie, também fascinados pelo esporte, fundaram em 1898 a Associação Atlética do Colégio Mackenzie, jogando com camisas vermelhas e gravatas e calças compridas brancas. Outros relatos de Lóris foram sobre a criação da primeira liga brasileira, a primeira partida oficial do Brasil, em 1902, e a discriminação que os jogadores sofriam no início do século XX. — Todos eram considerados vagabundos e desocupados — diz o jornalista, lembrando que certa vez uma comissão de atletas do Rio foi à Central do Brasil pedir patrocínio de passagens para participar de um jogo em SãoPaulo,masteveopedidorecusadopela Direção da estação, por preconceito em relação ao que faziam. O surgimento de expressões como “cartola” e “tijolo quente” também foi explicado aos assistentes da palestra. Paralelamente, houve uma miniexposição com fotos de jogadores da primeira metade do século XX. O Conselheiro da ABI José Rezende considerou a palestra de Lóris como o início da consolidação do Centro Histórico Esportivo da ABI, projeto que pretende promover debates freqüentes e reunir autores de livros sobre esportes: — Vai ser um encontro muito interessante, visando à revitalização da ABI com as novas gerações de estudantes e profissionais. Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
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Aconteceu na ABI FÁBIO POZZEBOM/ABR
Uma correnteza na contramão do desvio do Rio São Francisco
— E não é só a minha região que sofre agora essa nova ameaça, é todo o São Francisco. A comunidade indígena já vem sendo atingida há muito tempo pela falta de peixes e por não poder mais navegar com alguns barcos pelo rio. Somos um povo que habita o São Francisco há milhares de anos, mas que não tem participação na discussão de um projeto que foi criado nos gabinetes. Nosso povo nunca teve participação na discussão de uma questão que está sendo colocada como solução para os seus problemas. Confronto na justiça
Barcos de pescadores e de transporte no Rio São Francisco no trecho de Ibotirama, Bahia: populações ribeirinhas não foram ouvidas.
Caravana representativa de vários Estados sustenta na ABI que a transposição das águas tem a lógica das empreiteiras e da indústria da seca. Em visita ao Rio no dia 21 de agosto, a Caravana em Defesa do Rio São Francisco e do Semi-Árido promoveu reunião na sede da ABI, na segunda etapa de sua peregrinação pelo País, iniciada no dia 19, em Belo Horizonte, para questionar o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, proposta pelo Governo Federal como solução para o problema da seca nas regiões semi-áridas do Nordeste do Brasil. Criticado por especialistas e técnicos que integram o movimento em defesa do Rio como uma obra faraônica e de sucesso duvidoso, o Projeto de Integração da Bacia do São Francisco às Bacias do Nordeste Setentrional-Pisf prevê a construção de mais de 2 mil quilômetros de canais em concreto armado, incluindo o uso de leitos secos. Diz o Governo que vai levar água do São Francisco para outros rios situados em Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, garantindo o abastecimento de água para 12 milhões de brasileiros que vivem no semi-árido setentrional do País. A água deverá ser captada em dois pontos de Pernambuco: um em Cabrobó, o chamado eixo Norte, outro em Itaparica, o eixo Leste. Em 2000, a previsão de gastos com a obra, com base no primeiro Relatório de Impacto Ambiental-Rima, era de R$ 2,7 bilhões. Em 2007, o cálculo subiu para cerca de R$ 4,5 bilhões — e o Governo Federal já solicitou R$ 6,6 bilhões ao Programa de Aceleração Econômica-Pac. De acordo com o Ministério de Integração, responsável pela gestão do projeto, as obras deverão estar concluídas em 2010. Coalizão com empreiteiras
Carlos Vainer, professor do Instituto 22 Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador da Associação Técnica Habitacional e Meio Ambiente e de Barragem, diz que o grande problema são os interesses ocultos por trás da iniciativa do Governo: — É evidente que o caso do São Francisco é uma grande operação das grandes empreiteiras associadas a grandes grupos industriais do Ceará. É esta coalizão que sustenta a construção dessa obra, como várias outras no Brasil, por interesses do setor elétrico ou de mineração. Neste caso, os estudos já mostraram que o problema da suposta sede no Nordeste não se resolve com transposição ou com grandes obras e que o objetivo principal desse projeto é atender à necessidade de determinados grupos industriais e do agronegócio nordestino. É um projeto com previsão de custo de R$ 5 bilhões, mas vai custar três vezes mais, como quase todas as obras hídricas de grande porte no Brasil. Para Apolo Heringer Lisboa, líder da Caravana em Defesa do São Francisco, professor da Universidade de Minas Gerais e Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, o principal objetivo da peregrinação pelo Brasil é despertar na sociedade um sentimento de indignação contra “projetos milagrosos”: — A missão da Caravana é não deixar que se repita o desenvolvimento viciado do tipo Transamazônica, que foi um fracasso total. A transposição tem a mesma lógica das empreiteiras e da indústria da seca. As mentiras vão sangrando o País, que precisa investir prioritariamente em educação. Nosso trabalho para plantar essa discussão e mobilizar a sociedade é volun-
tário. Há muita água no semi-árido do Nordeste, o que falta é uma política de distribuição dessa água. A seca é causada pela concentração de água, não por falta dela. 12 Baías de Guanabara
Apolo Heringer diz que o volume de água acumulada nos açudes construídos com recursos do Governo Federal representa 12 Baías de Guanabara: — O Governo tenta apresentar a transposição do São Francisco como salvação do Nordeste, como a indústria da seca apresentou os açudes de Orós e Castanhão. Não se pode distribuir água para uma demanda difusa que sofre com a seca — no caso, a população que mora espalhada no meio do sertão — através de uma oferta concentrada, seja de um açude ou de um rio. A demanda difusa só pode ser atendida com uma oferta difusa, ou seja, as chuvas e os poços das regiões onde o cidadão já mora, porque encontrou água. Técnico da Fundação Joaquim Nabuco de Pernambuco, o engenheiro agrônomo João Suassuna concorda com Apolo sobre essa questão: — Existem mais de 70 mil represas no Nordeste, que têm um potencial de acumulação estimado em 37 bilhões de metros cúbicos de água represada. É o maior volume em regiões semi-áridas do mundo. O que a gente não tem é uma política efetiva de utilização e distribuição dessa água para o povo. O índio Marco Sabaru, representante dos Tingui-Botó, de Alagoas, reclamou da não participação da população indígena na discussão do impacto da obra em suas terras:
O projeto do Governo também terá que enfrentar ações civis públicas encaminhadas à Justiça — atualmente, tramitam no Supremo Tribunal Federal cerca de 20 contra o Projeto de Integração do Rio São Francisco, ainda sem previsão de apreciação e julgamento. O Promotor de Justiça Eduardo Lima de Matos, do Ministério Público de Sergipe, informou que as ações foram movidas com base nos relatórios da Coordenadoria Interestadual das Promotorias do Rio São Francisco, formada por representantes do MP de Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco: — As ações que hoje tramitam na Justiça vêm de Sergipe, Bahia e Alagoas e foram avocadas para o STF quando o órgão entendeu que havia um conflito federativo e que a competência para julgar essas ações era dele. O Tribunal de Contas da União também fez fartas investigações e recomendações sobre o licenciamento das obras e propôs ações criminais que tramitam na Justiça Federal de Brasília contra o ex-Presidente do Ibama e o chefe de licenciamento do órgão, por terem autorizado licitação irregular. Revelou Eduardo Matos que houve descumprimento da legislação no processo de licitação das obras de transposição, o que gerou dezenas de irregularidades: — Um dos argumentos das ações é o licenciamento autorizado sem que o estudo de impacto ambiental estivesse completo. Há também falhas de várias condicionantes do licenciamento prévio para o sistema de instalação. Além disso, o TCU verificou que na primeira licitação os preços cotados estavam R$ 400 milhões acima do real e por isso determinou que fosse alterado o edital. Todas essas irregularidades estão disponíveis no site do Tribunal. Omissão e desperdício
Ao encerrar a reunião, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, criticou a ausência da discussão da transposição do Rio São Francisco no noticiário do País. — Essa questão estaria hoje no primeiro plano das discussões nacionais, mas isso não se dá porque o que interessa aos grandes meios de comunicação é a perfumaria, é o secundário, o que gera escândalo, o que pode gerar toda essa falsificação de todos os lados, como no caso do Senador Renan Calheiros. Há meses assistimos a um desperdício de espaço e de tempo que teria muito mais proveito social se fosse utilizado para a divulgação de problemas graves e dramáticos do País, como o dos atingidos pelas barragens e o do São Francisco, ameaçado por esse processo de uma cupidez tremenda — declarou, sob intensos aplausos da platéia que lotou a Sala Belisário de Souza, no sétimo andar do Edifício Herbert Moses.
CONSELHO
Não à privatização da Vale Conselho convida os sócios da ABI à participação no plebiscito sobre a venda da empresa. Em sua reunião de agosto, realizada no dia 28, o Conselho Deliberativo da ABI aprovou proposta do Conselheiro Carlos Rodrigues favorável à participação de sócios da Casa no plebiscito popular programado para a Semana da Pátria de 1 a 7 de setembro de 2007, pela anulação da privatização da Companhia Vale do Rio Doce. A fundamentação apresentada pelo Conselheiro Carlos Rodrigues foi objeto de prolongada discussão, com a participação dos Conselheiros Milton Coelho da Graça, Mário Augusto Jakobskind, Jesus Chediak e Orfeu Salles, além do Presidente da ABI, Maurício Azêdo. Durante o debate, Jakobskind lembrou que Barbosa Lima Sobrinho teve atuação destacada na luta contra a privatização da Vale e também da Companhia Siderúrgica Nacional–CSN. Maurício Azêdo recordou que o ex-Presidente da ABI sustentou então que no Brasil havia dois partidos: o de Tiradentes, ao qual Barbosa pertencia e que defendia os interesses do Brasil, e o de Silvério dos Reis, chefiado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, que privatizou as empresas. A proposta de Carlos Rodrigues, fundamentada em copiosa massa de informações, tem o seguinte teor: “Em 1990, através do Decreto nº 1.510, o então Presidente Fernando Collor de Mello criou o Programa Nacional de Desestatização, com a intenção de entregar as riquezas nacionais — as empresas estatais e os serviços públicos — à iniciativa privada. Atendia, assim, ao imperialismo e às multinacionais, ansiosos por eliminar direitos trabalhistas e a proteção ao mercado nacional. Vários aspectos legais, determinados pelo próprio PND, não foram respeitados no processo da ‘venda’ da Companhia Vale do Rio Doce. Isso levou a 107 ações populares na Justiça, todas pedindo a anulação da ‘venda’ e a reestatização da companhia, baseadas no não-cumprimento e observância dos critérios legais previstos na Lei de Licitações. Trata-se de um dos maiores crimes de lesa-pátria cometidos contra o País, um assalto ao patrimônio e à soberania nacional. Outro problema foi a escandalosa subavaliação da empresa. Os avaliadores não incluíram no patrimônio da Vale, por exemplo, as reservas de urânio — material radioativo de propriedade restrita à União —, a cessão das faixas de terra nas fronteiras para exploração de minérios, as estruturas portuárias e ferroviárias. Estudos mostraram que o patrimônio da Vale do Rio Doce era calculado, em 1997, em R$ 10 bilhões. E a empresa foi privatizada por US$ 3,3 bilhões, ou R$ 3,3 bilhões, porque naquela época a moeda brasileira estava ao par com o dólar. Não bastassem os problemas legais e a subavaliação, a Vale já era então uma das maiores estatais do Brasil e a maior exportadora mundial de minério de ferro, com um complexo de 34 empresas e duas ferrovias. As ações contra a privatização rolam desde 1997 na Justiça, mas sem qualquer definição. Já passaram por diversos tribunais, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça, mas até agora nada foi decidido. As razões apresentadas para a privatização da Vale são totalmente inconsistentes e atentam contra os interesses nacionais. Rezam pela cartilha dos falcões de Washington e as multinacionais que, depois da queda do Muro de Berlim, se arrogam a ser donos do mundo. O lucro acumulado pela Vale entre 1998 e o primeiro semestre de 2006 supera os R$ 32 bilhões, quase dez vezes o seu preço de ‘venda’. Somente no segundo semestre do ano passado o lucro de empresa chegou perto dos R$ 3,7 bilhões, acima do valor pelo qual ela foi vendida. No primeiro semestre deste ano já bateu novo recorde: mais de R$ 4 bilhões. Já pensou o que daria pra fazer se toda essa dinheirama fosse nossa?” Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
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DENÚNCIA CUSTÓDIO COIMBRA/AGÊNCIA GLOBO
A montanha de rejeitos químicos da Mineradora Ingá vaza para o mar de Sepetiba desde os anos 80. A siderúrgica da Thyssen Krupp vai agravar um problema ambiental que as autoridades insistem em ignorar.
A tragédia ambiental que a mídia não vê
Uma lixeira industrial num pedaço de mar do Rio Para viabilizar o funcionamento de sua usina siderúrgica, grupo alemão Thyssen Krupp vai sepultar na Baía de Sepetiba, no Rio, 23 milhões de metros cúbicos de metais pesados perigosíssimos: cádio, zinco, arsênio. Reina estranho silêncio nos meios de comunicação do Rio de Janeiro a respeito de questão crucial que é a ameaça concreta de mais uma tragédia ecológica e social que pode resultar da construção de uma usina da Companhia Siderúrgica do Atlântico–CSA, à margem da Baía de Sepetiba, nos moldes em que está sendo executada. Trata-se de uma mega-usina siderúrgica, com gigantesco terminal marítimo privativo e uma enorme termelétrica alimentada a carvão, altamente poluente, a ser construída em associação com a Companhia Vale do Rio Doce e a empresa alemã Thyssen Krupp, com tecnologia obsoleta adotada em nome de irresponsáveleconomiadecustos,colocando emrisco não apenas os interesses econômicos do EstadoedoPaís,comoespecialmenteavida e os meios de sobrevivência de muitos milhares de pessoas da região. A partir do projeto, criminosamente premiado por licença ambiental preliminar da Feema, concedida às pressas em período eleitoral sem levar em conta o rigor técnico e legal necessário que deveria 24 Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
POR UBIRAJARA L OUREIRO E SÉRGIO RICARDO DE LIMA nortear a análise de estudos de viabilidade econômica- ecológica de empreendimentos de elevado potencial poluente. Com isso, dita-se uma sentença de morte contra o rico ecossistema das Baías da Ilha Grande e de Sepetiba, que são ambientes marinhos associados, altamente produtivos, e com expressiva biodiversidade e pescado. Isto porque o plano da CSA inclui a dragagem de um canal para acesso ao terminal marítimo a ser usado pelo grupo alemão. E a dragagem será feita exatamente numa área que há anos vem sendo contaminada por contínuos vazamentos de metais pesados deixados a céu aberto, a partir da falência da Companhia Ingá, há muitos anos, que abriga em seu pátio uma montanha de lixo químico estimada em 2 a 3 milhões de toneladas que tem vazado para o mar, desde meados dos anos 80. O pior, porém, é que a empresa, sempre em nome da egoísta e desumana
economia de custos, após a dragagem, pretende jogar em plena Baía de Sepetiba, entre a Ponta da Marambaia e a Ilha de Jaguanum, o material altamente contaminado por metais pesados resultante da dragagem do canal. O bota-fora pretendido por esta empresa transnacional (e lamentavelmente autorizado pelas autoridades ambientais e Feema e que goza da omissão do Ibama) irá enterrar, numa sepultura ou cava profunda, a ser coberta por apenas um metro de argila, a ser aberta no fundo do mar, 23 milhões de metros cúbicos de metais pesados perigosíssimos (cádmio, zinco, arsênio, etc) por anos a fio vazados do dique da Ingá para a Baía, que se encontram atualmente depositados no fundo do mar. Apesar de surreal é isso mesmo: o projeto transforma a Baía numa lixeira industrial exclusiva da CSA, sem a menor segurança de que, a uma ressaca mais forte no mar, dessas capazes de acabar com a areia da
Praia do Arpoador em algumas horas, não vazará a lama tóxica ali depositada. Com esta atividade, curiosamente já premiada com milionários incentivos fiscais de isenção tributária por parte do Governo do Estado e da Prefeitura do Rio, os empresários alemães, majoritariamente associados à Vale do Rio Doce, pretendem obter, com custo menor e elevada poluição, matéria-prima para suas atividades industriais espalhadas pelo mundo. Como explicou num dia desses Erwin Schneinder, diretor da Thyssen, “uma tonelada fabricada no Brasil é US$ 25 mais barata do que na Alemanha e em outros lugares”. O problema é que esta redução de custos se deve não apenas às facilidades oficiais, mas, muito especialmente, à utilização de tecnologias obsoletas e de elevado risco ambiental, não mais aceitas em qualquer país desenvolvido. Tentando encobrir estes aspectos de capital importância, a empresa alega que tudo resultará na criação de milhares de empregos, diretos e indiretos. Este tipo de “progresso” ou “chantagem do emprego”
de opção tecnológica e energética altamente poluente não interessa ao nosso país, e já demonstrou ser um falso e ilusório “desenvolvimento”. Não há emprego que pague a degradação ambiental de uma enorme área e que liquidará de vez a fonte de sobrevivência de milhares de pescadores que tiram seu sustento das águas da Baía. E que pode afetar irremediavelmente a próspera indústria do ecoturismo, que começa a crescer na região. A lama contaminada a ser dragada e enterrada no fundo do mar pela CSA representa uma enorme pá de cal que poderá liquidar de vez as vocações pesqueira e turística daquela exuberante região, gerando empobrecimento, desmantelamento cultural e desestruturação na economia de várias cidades da Costa Verde fluminense. Além de tudo, os fatos vêm demonstrando que a perspectivadecriaçãode empregos é mais tênue do que apregoam os alemães, escudados ilegalmente no seu sócio minoritário, a Vale do Rio Doce, para com isso obter benesses de financiamento bilionário do banco federal BNDES, além de milionárias isenções fiscais de ICMS e de ISS, respectivamente do Governo estadual e da Prefeitura do Rio. O noticiário tem destacado que já começaram a chegar ao Brasil técnicos contratados na China com baixos salários. Ou seja, em sua ganância capitalista de destruir a natureza e poluir o mar, a CSA provocará o aumento da exclusão social de milhares de pescadores de tradição artesanal e a exploração de mão-de-obra de imigrantes chineses. Ao invés de trazer desenvolvimento econômico, social e humano, a marca da dupla dinâmica Vale-Thyssen Krupp será a de uma globalização econômica excludente e destruidora do patrimônio ecológico, que poderíamos denominar de neo-escravagismo poluidor. Para agravar o quadro, tudo isto vem recebendo elogios de todos os segmentos políticos e empresariais, sendo classificado de o maior investimento privado no País. Essa inédita, estranha e inesperada união de interesses inconfessáveis da classe política nos níveis federal, estadual e municipal, dos mais diferentes matizes político-ideológicos, em torno da viabi-
lização da CSA é muito preocupante. Um sábio dito popular antigo nos alerta que quando a “classe política” está toda unida esatisfeita comalguma coisa, é que estão ocupados tramando, em consenso, como “ferrar o povo”...modernamente devemos aí incluir também “destruir a Natureza”! Talvez essa incompreensível união de personagens políticos tão aparentemente diferentes explique por que a Vale do Rio Doce é, de acordo com o próprio Tribunal Superior Eleitoral, apontada como recordista individual no financiamento das principais candidaturas do País nas últimas eleições, independentemente dos eventuais antagonismos e/ou diferenças existentes entre os diversos partidos e candidatos agraciados por sua generosidade financeira. É em nome disso que os alemães, já premiados com isenções fiscais estimadas em mais de US$ 150 milhões (dispensa de pagamento de tributos municipais e estaduais pelo prazo de 12 anos), ainda têm o desplante de pleitear financiamento público para a obra, através do BNDES, no valor de mais de US$ 1 bilhão. É verdade que, em se tratando do grupo Thyssen Krupp, não se poderia esperar postura ética muito diferente do descaso diante da vida de seres humanos. O conglomerado atuou em estreita colaboração com o esforço de guerra da ditadura nazista de Adolf Hitler, inclusive com utilização de mão-de-obra escrava, constituída especialmente por judeus. Em razão desses crimes, vários de seus dirigentes foram condenados no Tribunal de Crimes de Guerra que funcionou na cidade de Nüremberg, após o término da Segunda Guerra Mundial. Esta mesma postura filosófica racista, desumana e sem preocupação social é a única explicação possível para a manutenção de projeto empresarial que é uma verdadeira bomba de destruição ecológica de alto impacto e potência, a ser lançada contra a população que habita o entorno e vive das e nas Baías de Sepetiba e da Ilha Grande, na verdade partes de um ecossistema único, vivo, ainda com rica biodiversidade, de valor incalculável e insubstituível. A irresponsabilidade ambiental e social é a marca deste projeto, regado de
À custa de alianças obscuras, a Thyssen Krupp tem conseguido atropelar a legislação no cumprimento das etapas legais para o licenciamento ambiental, que tramitou com uma pressa altamente suspeita.
milhões de dólares de isenções fiscais e extraordinário e vultoso financiamento do BNDES. Mais uma vez, dinheiro público é usado para destruir a natureza e cometer injustiça ambiental, prejudicando a sociedade. Apesar de tudo isto, à custa de alianças obscuras,aThyssenKruppvemconseguindo atropelar a legislação brasileira no cumprimento das etapas legais no licenciamento ambiental e que não exige sequer melhor adequação tecnológica indispensável a um empreendimento desse vulto e risco. No mundo afora, em que leis e tratados internacionais visam a proteger a sociedade e o meio ambiente, o consagrado direito à precaução é levado a sério, os órgãos ambientais, ao menos, exigiriam a adoção das melhores e mais seguras tecnologias para dar destino final ao grande volume de lama contaminada por metais pesados que a CSA pretende imoralmente enterrar no mar. Certamente, neste caso, seriam indicadas tecnologias menos vulneráveis e mais seguras, como o confinamento destes perigosos contaminantes em aterro industrial ou através de técnicas de encapsulamento. Já é lugar-comum, no mundo do bom senso, que o processo de desenvolvimento deve, necessariamente, ser sustentável. A pretexto de criar-se emprego e receita daqui a 20 anos não se pode destruir patrimônio natural insubstituível. É urgente que as autoridades responsáveis pela fiscalização ambiental impeçam esta catástrofe anunciada, sem prejuízo da atividade econômica, mas respeitando o princípio de sua necessária sustentabilidade e exigindo a adoção de tecnologias que não degradem o meio ambiente de maneira irreversível. Por isto, é importante uma mobilização social no sentido de que tenham seguimento urgente e imediato inquéritos instaurados pelos Ministérios Público Federal e do Rio de Janeiro (MPF 1.0200.000646/2006-61), bem como ação judicial em curso no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que em estudos preliminares já identificaram riscos ambientais de grande monta no projeto da Thyssen Krupp, além de irregularidades flagrantes no processo de licenciamento executado com uma pressa extremamente suspeita durante o desastroso Governo dos Garotinhos no Rio e curiosamente ignoradas por seu sucessor, agora quase desafeto, Sérgio Cabral. Ubirajara Loureiro é jornalista e sócio da ABI. Sérgio Ricardo é gestor ambiental.
VEÍCULOS
“Carioquice” tem Nélson como matéria de capa A filmografia do cineasta Nélson Pereira dos Santos é o assunto de capa do mais recente número (referente ao trimestre abril/maio/junho de 2007) da revista Carioquice, considerada pelo colunista de O Globo Mauro Ventura “um bálsamo na combalida alma carioca”. A publicação, por enquanto, não é vendida em bancas, mas pode ser encontrada nas livrarias. AreportagemescritaporVeradeSouza é quase toda centrada na análise do filme Rio 40 graus, lançado e censurado em 1955. A matéria descreve Nélson como “gentil, elegante e soberano” e o chama de “amuleto do cinema nacional”, fazendo um jogo de palavras com o título de um dos seus filmes, O Amuleto de Ogum. O cineasta ocupa a cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Letras, cujo patrono é Castro Alves. ResponsávelpelacinematecadaABL, Nélson também finalizou recentemente o documentário Português, a língua do Brasil, que contém depoimentos de acadêmicos sobre o que está acontecendo com o idioma falado no País. Outras boas reportagens de Carioquice têm como tema a trajetória artística do compositor Paulo César Pinheiro e o perfil do escritor Antônio Callado,comentrevistascomajornalistaAna Arruda, com quem o escritor se casou em 1977, e sua filha Tessy Callado.
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Liberdade de imprensa TRIBUNA DA IMPRENSA
O cerco da ditadura à imprensa: censura, condicionamento do noticiário, violência terrorista, como a que atingiu a Tribuna da Imprensa.
Como os jornais cobriam a luta armada nos anos 60 Estudo de João Batista de Abreu mostra as mudanças então ocorridas: noticiário passou da editoria de Política para a de Polícia.
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Por seu didatismo e sua atualidade no campo dos estudos sobre o Jornalismo, o trabalho é considerado pelo jornalista e professor do curso de Pós-Graduação Ciências da Comunicação da Unisinos (RS) Fausto Neto “um registro muito importante para os debates voltados para a constituição e identidade do campo da comunicação”. João Batista de Abreu nasceu no Rio de Janeiro em março de 1954, uma década antes do golpe militar, e diz no capítulo introdutório que sempre teve interesse pelo noticiário dos jornais sobre os fatos que ocorriam no País e levaram à queda do Presidente João Goulart. Mas foi no início dos anos 70, aos 18 anos, como repórter da editoria de Polícia do Diário de Notícias, a partir da familiaridade com o processo de apuração, seleção, ordenação e edição do material jornalístico, que se deu conta de que “os grandes jornais transferiram para as páginas policiais as matérias referentes à luta armada”.
Além disso, devido à pressão dos censores, palavras começaram a ser substituídas, como tortura, que virou “maustratos”. João Batista observa que o noticiário político ficou “restrito à retórica proverbial entre o MDB e a Arena”, lembrando que essas siglas — produtos do Ato Institucional nº 2, de outubro de 1965 — foram à época ironizadas como “os partidos do sim e do sim, senhor”. O jornalista destaca também que após o AI-5, 13 de dezembro de 1968, a maioria dos jornais brasileiros aboliu as editorias políticas, transferindo os repórteres para os setores da editoria de Cidade: “Houve até quem buscasse nas paixões do futebol o espaço permitido para extravasar suas opiniões”, observa. O leitor vai encontrar na obra análise sobre a objetividade do discurso jornalístico e os tipos de intervenção que os meios de comunicação exercem na narrativa. Há também críticas à “estreita relação política entre Estado e imprensa” e ao hábito de se “privilegiar as fontes oficiais”. JoãoBatistatrabalhounoJornal do Brasil, Rádio Jornal do Brasil, TV Educativa, Rede Globo, Jornal do Commercio e Folha de S. Paulo, sucursal carioca, e é professor do Instituto de Arte e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense.
Através do Conselheiro Mário Augusto Jakobskind, que a respeito apresentou moção na reunião de agosto do Conselho Deliberativo da ABI, a TV Comunitária do Rio de Janeiro protestou contra uma cobertura jornalística que ela considerou invasão de privacidade e manipulação de informação: a cena em que um assessor do Presidente da República, Marco Aurélio Garcia, festejou com um top, top, top, como classificado no noticiário, um fato que isentava o Governo de culpa no acidente com o avião do vôo 3054 da TAM. Dizia a moção: “A TV Comunitária do Rio de Janeiro vem manifestar seu veemente protesto por um fato lamentável ocorrido em Brasília neste mês de julho de 2007 e que se caracteriza por invasão de privacidade e manipulação de informação. Um cidadão brasileiro, integrante do Governo brasileiro, foi flagrado por uma câmeradetvemseuespaçodetrabalho,fato totalmente ilegal e que fere a Constituição da República Federativa do Brasil no Capítulo 1 — Dos direitos e deveres individuais e coletivos, artigo 5, inciso X: ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.’ Trata-se de uma ocorrência grave e que merece o repúdio, sobretudo quando uma emissora de tv de grande audiência fere a liberdade individual em nome de uma pretensa liberdade de expressão, como ocorreu neste episódio envolvendo o assessor internacional do Governo Federal, Marco Aurélio Garcia. Silenciar e aceitar a verdade, verdade entre aspas, da Rede Globo é abrir um precedente perigoso que põe em risco a verdadeira democracia, que duramente o povo brasileiro conquistou após mais de 20 anos de um outro tipo de ditadura.” FABIO POZZEBOM/ABR
Nos anos 60, durante a ditadura militar, além da luta armada entre os movimentos de guerrilha e as forças do Governo, uma outra batalha era travada no campo das palavras, envolvendo jornalistas e os censores a serviço do regime ditatorial. Deste combate participou o atual chefe do DepartamentodeComunicação Social da Universidade Federal Fluminense, João Batista de Abreu, que conta a história no livro As manobras da informação: análise da cobertura jornalística da luta armada no Brasil — 1965-1979 (EdUFF/Mauad), que acaba de ganhar nova edição. No livro, João Batista analisa em detalhes a cobertura jornalística da imprensa durante o chamado governo de exceção, que implantou uma rígida censura sobre o noticiário dos jornais, em nome da segurança nacional. O livro aborda o processo de edição das reportagens sobre a luta armada, as organizações clandestinas e os seqüestros de diplomatas estrangeiros.
TV Comunitária não gostou do flagrante do top, top, top
Marco Aurélio Garcia: seu top, top, top encontrou defensores na TV Comunitária.
Direitos humanos
A ABI LAMENTA AS MORTES NO VÔO 3054 DA TAM E RECLAMA COMPETÊNCIA NO SETOR AÉREO A ABI manifestou o seu profundo pesar pelo falecimento de centenas de pessoas no acidente com o avião da TAM que fazia o vôo 3054 entre Porto Alegre e São Paulo e expressou sua solidariedade às famílias enlutadas por essa tragédia, em especial às famílias do Diretor-Geral e do Diretor Comercial do SBT em Porto Alegre, João Roberto Brito e Luiz Pinto, e da jornalista Kátia Escobar, Assessora de Imprensa do Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do Estado do Rio Grande do Sul. Em declaração firmada em 18 de julho, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, assinalou que o desfecho do acidente causou grande comoção e depressão no conjunto da sociedade, por se seguir, no mesmo dia, à euforia que o povo vivia com o feito dos atletas brasileiros nos Jogos Pan-Americanos, com a conquista de duas medalhas de ouro nas competições de natação e duas nas de ginástica olímpica. “A ABI considera seu dever — afirma a declaração — reclamar das autoridades do Governo da União uma ação competente na gestão da aviação comercial do País, que desde setembro passado, após o acidente com o avião da Gol que matou 154 pessoas, está mergulhada numa crise agravada pela inércia e desqualificação dos dirigentes e agentes públicos encar-
MILTON MANSILHA/AGÊNCIA LUZ/ABR
Omissões e desídias disseminam a morte e o luto entre as famílias brasileiras, afirma declaração da Casa.
Bombeiros lutam contra as chamas no dia da tragédia do vôo 3054, da Tam.
regados de resolvê-la. Além de incompetência, essas autoridades revelam intolerância, como a que marca o relacionamento do Comando da Aeronáutica com trabalhadores do controle de vôo e com membros do Ministério Público do Trabalho que ousam questionar o desempenho das autoridades militares com ingerência nesse campo. A ABI reclama também do Poder Público ações transparentes na área da aviação comercial, na qual decisões, investigações, planos e projetos são mantidos sob sigilo ou objeto de informações fragmentadas, sem que as autoridades assumam de forma clara as responsabilidades que lhes cabem. Por sua importância na vida econômica e sua influência na vida das pessoas, que não podem ficar expostas a morte terrível como a imposta a centenas de patrícios nos vôos da Gol e da TAM, a aviação comercial não pode permanecer sob a gestão inepta dos que permitiram que nela se instalem omissões, insuficiências e desídias que disseminam a morte e o luto entre as famílias brasileiras. O Presidente da República tem sobejos motivos para substituir esses agentes que desde o começo do ano se mostram incapazes de livrar o País do chamado caos aéreo e de suas funestas conseqüências, como essas que nos cobrem de dor e tristeza.”
Esposa de sargento denuncia Em e-mail à ABI, a mulher do sargento do controle do tráfego aéreo Carlos Trifilio, jornalista Marley Trifilio, denuncia as condições da prisão de 15 dias imposta a ele pelo Comando da Aeronáutica, tais como limite de uma visita semanal da família, apenas uma hora diária de banho de sol e refeições feitas no quarto, não no rancho. Diz Marley: “(...) A dura punição cria inquietação não só aos familiares de Carlos Trifilio, como também às dezenas de entidades de Direito Civil (Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Condep, Comissão de Direitos Humanos da OAB, entre outras), já que na semana passada várias tentativas de diálogo foram feitas por estas entidades junto ao Comando da Aeronáutica e ao Governo Federal.” “Se é desejo de todos a volta da paz nos céus brasileiros, isto passa necessariamente pelo reinício do diálogo. E é somente paz e diálogo que nós familiares dos punidos pedimos.”
Quem contesta é intimidado Em ofício encaminhado à Associação Brasileira de Imprensa, os Deputados Luciana Genro (PSOL-RS) e Ivan Valente (PSOL-SP) reproduziram denúncia do Procurador do Trabalho Fábio de Assis F. Fernandes, que, segundo os parlamentares, sofre uma representação junto à Corregedoria-Geral do Ministério Público do Trabalho. Informaram Luciana Genro e Ivan Valente que o Procurador Fábio Fernandes
vem atuando pela garantia de condições mínimas de trabalho aos controladores de vôo. Este seria o motivo da perseguição ao Procurador e que “tal representação — transformada em sindicância — não tem qualquer cabimento e possui nítido propósito intimidatório, que prejudica a atuação do membro que defende os trabalhadores”. Fábio Fernandes diz que sua atuação está baseada na Constituição Federal e na Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
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WILSOM DIAS-ABR
Lei Complementar nº 75/93, que impõe que o empregador atue na defesa da saúde do trabalhador e na higidez do meio ambiente do trabalho. Por isso, em 6 de junho do ano passado instaurou procedimento investigatório no que diz respeito às condições trabalhistas dos controladores de vôo. Diz o Procurador que se cadastrou no grupo de discussão criado na internet que congrega esses profissionais visando a conhecer melhor a realidade e as questões técnicas referentes aos controladores. Em abril, participou de um seminário realizado na sede da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região. Entendendo que não cometia qualquer desvio ético, Fábio Fernandes aceitou pedido de Edith Seligman-Silva, psiquiatra, sanitarista e doutora em medicina preventiva pela USP, para divulgar o seminário aos controladores. O fato desagradou ao Ministro da Aeronáutica, Juniti Saito, que formulou representação contra ele, acusando-o de incitar os controladores de vôo militares, na ProcuradoriaGeral da República. A representação foi distribuída à Procuradoria-Geral do Trabalho e depois encaminhada à Corregedoria-Geral do Ministério Público do Trabalho, com prazo de 15 dias para Fábio Fernandes apresentar sua defesa. O prazo se esgotou no dia 22 de maio. No documento encaminharado à ABI, os deputados pedem o apoio da entidade para uma causa que “macula a democracia, pois atinge a independência e a liberdade de investigação em prol da coletividade”. Em resposta ao pedido, a ABI afirmou que partilha do entendimento dos parlamentares “de que a apresentação formulada contra o Procurador Fábio
Advogado perseguido na Bahia
Durante o Panamericano, atletas brasileiros como Fabricio Mafra, medalha de bronze na competição de levantamento de peso categoria 105 kg, usaram faixas pretas nos braços em sinal de luto pelas vítimas do acidente com o avião da TAM.
Fernandes tem o propósito de intimidálo e agride as prerrogativas e o poder de investigação do Ministério Público (MP)”. Além da divulgação da denúncia no Site da ABI, os deputados foram informados de que o ato de violência contra o Procurador Fábio Fernandes será apresentado formalmente ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, órgão do Ministério da Justiça do qual a ABI participa desde a sua criação, em 1964. A ABI estima também que, com base nainiciativadosDeputadosLucianaGenro e Ivan Valente, a Comissão de Direitos HumanosdaCâmaradosDeputadosadote as medidas necessárias à proteção dos direitos do Procurador Fábio Fernandes como membro do Ministério Público.
Santos Dumont chora POR MAURÍCIO FERREIRA DA SILVA DIAS
Parece que o Brasil é o país das tragédias. Mas esta da aviação brasileira chegou ao ápice da irresponsabilidade daqueles que a comandam. Houve a primeira tragédia – certo? –, não poderia haver outra. Entrementes, – como dizia o grande Gustavo Corção – continua diuturnamente para tristeza de todo mundo. Santos Dumont – Alberto, garoto de fôlego de gato, pai da aviação, lá do Olímpo, está mesmo chorando; ele que inventou o avião, para servir de transporte, servindo ao bem. Homem nascido na Fazenda Cabangu, Palmira atual, tinha sete anos quando sua família se estabeleceu em Ribeirão Preto. Dele disse Thomas Edson: “A Santos Dumont, o bandeirante dos ares”. O Presidente Campos Sales deu-lhe uma medalha de ouro e o Congresso Nacional ofereceu-lhe um prêmio no valor de 100 contos de Réis. Que diacho! Estou tomando o lugar do nosso inesquecível João Evangelista de Souza, o menino pobre que virou o maior pesquisador do Brasil. Há uma placa na entrada da Sala de Redação no 11° an28 Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
dar da ABI, proposição minha ao Presidente Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho. No momento da colocação, estava toda a Diretoria: Barbosa Lima, Editor do jornal na época, os funcionários, Conselheiros, etc. O Alberto Dines, que inventou o nome do programa Pergunte ao João, na Rádio JB, não estava no Brasil e não pôde comparecer, infelizmente. Acode-me tornar a dizer que Santos Dumont, povo brasileiro, está chorando copiosamente, por esta grande tragédia da TAM. Agora me vem à mente o pensamento do grandioso médico e escritor, Guimarães Rosa, que disse, certa feita: “Ninguém morre, fica encantado”. Que esses que pereceram nas tragédias (foram três tragédias ao todo?) fiquem encantados. ab imo pectore, ou seja do fundo do coração deste velho jornalista, ator/diretor e poeta. O poeta (e é mesmo) Carlos Drummond de Andrade disse que “o sentimento das coisas mora longe”. Eu disse que sou poeta? Sandice de velho-moço: 78 anos, apenas? Arre!!! Maurício Ferreira da Silva Dias (Maurício Piauí), jornalista, é sócio da ABI.
O advogado Carlos Lucena enviou à ABI denúncia de que autoridades do Município de Prado e de comarcas vizinhas “lesam patrimônios e verbas da União no assentamento agrário Projeto Cumuruxatiba (...) e que os crimes são conhecidos pela Justiça Federal de Eunápolis, pelo Ministério Público Federal de Ilhéus, pelo Departamento de Polícia Federal de Porto Seguro, pela Ouvidoria Agrária Nacional e pelo Tribunal de Justiça da Bahia”. Informou Lucena que vem “sofrendo ilícitas coações, intimidações e ameaças dessas mesmas autoridades, sem que as instâncias de segundo grau da Bahia se prestem a coibir tais crimes
ou a defender os interesses do Estado e da sociedade civil e menos ainda da credibilidade da Justiça”. O advogado conta também que foi preso ilegalmente três vezes, “sem que o juiz autor de tais abusos seja punido ou tenha sua punição pedida pela Ordem dos Advogados da Bahia”. Na carta à ABI, o advogado afirma ainda que a OAB-BA não cumpre “seus deveres institucionais em favor da sociedade” e que são “inertes a Subseção de Itamaraju e de Teixeira de Freitas”. A ABI encaminhou a denúncia de Carlos Lucena ao Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto.
Apoio à família Jango na Justiça Por proposta do Conselheiro Mário Augusto Jakobskind, a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI manifestou seu apoio à pretensão da família do ex-Presidente João Goulart de obter do Governo dos Estados Unidos uma indenização pelos danos que sofreu com o golpe militar de 1º de abril de 1964, em face da confissão do ex-Embaixador Lincoln Gordon de que seu país não só apoiou como contribuiu para a deposição do Presidente constitucional do Brasil: “Entende a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos que não apenas a família Gou-
lart como todo o povo brasileiro foi prejudicado pelo golpe, que levou o País a uma ditadura de mais de 20 anos”, diz a moção de Mário Augusto Jakobskind, que considera que o valor da indenização deveria ter como base os gastos que o Tesouro do Brasil está tendo para indenizar as vítimas da ditadura reconhecidas pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e por Comissões de Direitos Humanos dos Estados que trataram da questão de vítimas de assassinatos durante a ditadura. A ação da família de Jango tramita em grau de recurso no Superior Tribunal de Justiça.
Câmara de Ribeirão repudia a tortura Por iniciativa do Vereador Leopoldo Paulino (PSB), a Câmara Municipal de Ribeirão Preto-SP aprovou Moção de Solidariedade com as vítimas da ditadura, por motivo do Dia Mundial instituído pela Organização das Nações Unidas. O texto da moção foi encaminhado à ABI pelo Presidente e pelo 1º Secretário da Câmara, Vereadores Wandeir Silva e Bertinho Scandiuzzi. Na proposição, assinalou o Vereador Leopoldo Paulino que o Dia Mundial de Solidariedade às Vítimas de Tortura foi celebrado no dia 26 de junho em ato realizado no Auditório Vladimir Herzog do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, por iniciativa da Comissão Organizadora do Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos, pela ABI, pela OAB-SP, pela Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, pela Federação Nacional dos Jornalistas, pela Ouvidoria da Polícia de São Paulo, pelo Fórum dos Presos Políticos de São Paulo, pelo Grupo Tortura Nunca Mais, pelo Observatório das Violências Policiais de São Paulo, pelo
Grupo Desarquivando o Brasil e outras instituições de defesa dos direitos humanos. “O evento, que faz parte do calendário da Onu” — diz a Moção —, “busca chamar a atenção da sociedade para o sofrimento das vítimas de tortura, das suas famílias e comunidades, além de proporcionar a discussão e a reafirmação do combate e da condenação coletiva da tortura e de todos os tipos de tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.” “Infelizmente” — acrescenta a Moção —, “sabe-se que a tortura e os atos desumanos, ainda que inaceitáveis, ainda são muito praticados. Esta ocasião também é uma oportunidade de a sociedade renovar o compromisso em denunciar tais atos e de procurar que seja feita justiça às vítimas de tortura, de os governos interrogarem-se sobre suas ações para impedir atos de tortura, prestar assistência às vítimas, punir os que os praticam e evitar que se repitam e para homenagear a todos os que, em todo o mundo, aliviam o sofrimento dos sobreviventes da tortura e das suas famílias.”
Direitos humanos
O S AN I S T IAD O S E AN I S T IAN D O S P E DE M PR E SSA Reunidas em Brasília por iniciativa da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, instituições da sociedade civil reclamam o cumprimento da legislação de anistia, aplicada de forma tardia, parcial e escamoteada setorialmente. Em encontro realizado em 15 de agosto na Câmara dos Deputados, por iniciativa de sua Comissão de Direitos Humanos, instituições da sociedade civil de todo o País reclamaram mais pressa e eficiência no cumprimento da legislação de anistia, que está sendo aplicada de forma tardia, parcial e escamoteada setorialmente, como assinalado na vigorosa declaração submetida ao plenário do encontro. A ABI foi representada na reunião, intitulada 1º Seminário Nacional dos Anistiados e Anistiandos do Brasil, pelo Vice-Presidente Audálio Dantas, que é também Presidente da Representação da ABI em São Paulo. Participante da mesa na sessão de instalação do Seminário, Audálio expôs as questões que a Casa considera indispensáveis para a efetivação real da anistia: 1. mais rapidez na apreciação e deci-
são dos processos em tramitação na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, pois seus requerentes estão já com 70, 80 e 90 anos e precisam receber essa reparação em vida; 2. a adoção dessa rapidez nos processos de jornalistas, que são depois dos militares o segmento profissional que mais agressões e danos sofreu durante a ditadura; 3. a abertura dos arquivos da repressão e especialmente dos arquivos militares, para que se conheçam em toda a sua extensão os horrores cometidos pela ditadura e particularmente sobre os casos dos desaparecidos, como os jornalistas Orlando Bonfim, Jaime de Amorim Miranda e Mário Alves e os mortos na Guerrilha do Araguaia. Após o Seminário, a ABI divulgou em seu Site (www.abi.org.br) um comuni-
cado dirigido aos jornalistas, sejam seus associados ou não, para que indiquem o número do processo de seu interesse pendente de decisão da Comissão de Anistia. De posse desse levantamento, é propósito da Casa solicitar uma audiência ao novo Presidente da Comissão de Anistia, jurista Paulo Abrão, para pleitear apressamento na decisão desses requerimentos. Aqui, o Jornal da ABI publica o documento aprovado no 1º Seminário Nacional dos Anistiados e Anistiandos do Brasil, apresentado em três partes: a declaração política do encontro; a íntegra da lista de proposições submetidas às autoridades presentes ao Seminário e ao Poder Executivo; a exortação final de agradecimento aos congressistas e o reconhecimento da “boa vontade do Executivo no avanço do cumprimento da lei”.
“Os anistiados ainda são tratados como inimigos” Precedida de uma epígrafe extraída de uma manifestação do Ministério Público Federal em São Paulo, a declaração política do 1º Seminário Nacional dos Anistiados e Anistiandos do Brasil é vazada em termos candentes. Diz o documento: 01. “Não existe justiça nem paz em uma sociedade a que se nega o direito internacional e constitucional à verdade e à memória; a negativa da verdade ofende a liberdade e a democracia. Enquanto não houver luz sobre todos os fatos históricos brasileiros, não se completa a construção da democracia (Carta de São Paulo do Ministério Público Federal em São Paulo)
poderia não servir às elites econômicas nacionais que eram, e são, irmãs dos capitais internacionais que dão exemplar apoio na guerra de aniquilação das intenções democráticas, populares e nacionais da década, as quais se propunham redistribuir as riquezas produzidas pela Nação e seriam prejudiciais às minorias dominantes.
02. A destruição do adversário pela tortura e morte tem na sua origem a mais primeva manifestação troglodita do homem. Só o homem que ainda não foi bafejado pela idéia de civilização e convívio harmônico é que defende a aniquilação de seu semelhante pela simples razão de pensar diferente, reação que deveria ser atribuída somente ao desequilíbrio.
05. A violação do direito à verdade e à memória produz a tolerância de grande parte da sociedade a crimes graves como a corrupção, aumento da violência e da tortura, assim como a alienação dos meios de comunicação e das instituições da Justiça brasileira, na função essencial do Estado de administrar a Justiça.
03. Os anos obscuros do regime militar foram expoentes na tentativa de destruição de todo cidadão que não servia ou
04. Entendemos que a simples reparação econômica não recompõe a integralidade do direito fundamental violado e, quando aplicada isoladamente, desqualifica esse direito e aprofunda a violação do direito à verdade e à memória.
06. As leis ficam à mercê da boa vontade de alguns dos Agentes do Estado em cumpri-las ou não sob exigências que eles interpretam. Buscam com lupa as entre-
linhas para postergar a concessão de benefícios, ideologizados pelos centros que os preparam para a carreira, com a filosofia da ditadura ainda hoje intacta. 07. Procrastinam, chancelam, acobertam e defendem as entregas do País a potências estrangeiras e, por um viés de cegueira, chancelam as mortes sumárias ou sob tortura (vide Élio Gaspari), dão guarida às desaparições, que ainda hoje são escamoteadas ou simplesmente escondidas. Isto é, defendem esclerosadamente o terrorismo de Estado vivido numa época servil do passado, para satisfação de interesses dos grupos econômicos internacionais. 08. A ditadura montou uma engrenagem de formação social, intelectual e de opinião pública para justificar seus atos. Assim, as escolas e centros de formação da máquina repressora aí existente instruem seus agentes para tratar os adversários de ontem e os criminosos de ontem e de hoje, todos igualados. desumana, discricionária e ilegalmente, como se fossem inimigos humanos, inimigos daquela sociedade brasileira que eles vêem, que pensam ser apenas deles.
09. A trajetória de forjar o esquecimento dos fatos históricos, para fugir à composição de conflitos passados, também estimula a violência, que aumenta a criminalidade reveladora da idéia de um Estado não-transparente, que favorece a corrupção e ratifica a desigualdade social, pois demonstra que nem todos são iguais perante a lei. 10. E assim continuará sendo enquanto não forem reformulados os currículos das escolas de formação de integrantes dos órgãos de segurança, dando a eles ensino humanitário, de sociologia, de direito constitucional, cidadania. Todo ser humano primeiro tem que ser cidadão para depois ser militar ou policial. Perguntase: Não estará aqui a razão da falta de interesse para o aparelhamento e modernização das Forças Armadas? Estas instituições geralmente são orgulho em outros países e aqui não estarão sendo tidas como perigosas à sociedade civil? 11. Certos agentes do Estado cumpriram parcamente a Lei 6.683/79 (exceto para os golpistas e torturadores), com imensas dificuldades a Emenda Constitucional 26/85 e reagiram ao cumprimento do artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 e ainda reagem à aplicação da Lei 10.559/02; 12. Os anistiados políticos hoje são ainda tratados como inimigos daquele Estado estabelecido pela força, e ainda serão enquanto não for mudada a filosofia da Administração da República, que mesmo sobrepujando resistências continuam anistiados, e do Estado, sob ameaça de espada sobre a cabeça. Estamos rotineiramente a ver nas manifestações pela imprensa os saudosistas matadores nos porões da ditadura se refestelarem e fazerem ameaça à democracia e ao Governo. 13. Outros países já estão na segunda etapa. O Brasil ainda esconde sua história de terror em benefício de quem? Para acobertar os horrores dos interesses americanos? Ou para esconder os criminosos nacionais? 14. O Estado tem prometido abrir sua história, mas não cumpre, é conivente. Isso tem atrasado a consolidação da democracia no Brasil, tem impedido o sepultamento político da ditadura e a criação de instrumentos sólidos contra o golpismo, as conspirações e provocações autoritárias. Por conta desse artifício os poderes constituídos, manobrados, não censuram nem punem provocações de altas patentes e da aristocracia militar, que protagonizou a ditadura, e fazem jantares de confraternização e desagravo a torturadores de suas fileiras, e renegam ou procuram desqualificar os julgamentos da Comissão de Anistia. 15. Assim, a aplicação das leis de anistia está sendo tardia, parcial e escamoteada setorialmente. Já avançamos neste Governo, mas poucos têm a noção real do trabalho que vimos tendo para alcançar os objetivos. O Estado, que deveria estar sendo empregado em benefício de todos, está tendo prejuízos em função de ter sido mal usado. Onde quer que o Estado totalitário tenha se manifestado pela bota do ditador, aí tem que haver Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
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Direitos humanos alguma forma de reparação ou então o atual Estado está fomentando ou justificando o arbítrio de então.
resultantes de suas ações. Ou indenizariam o Estado pelo seu mal ou teriam que ser processados.
16. Por esta razão muito especial os açambarcadores do Estado de Direito deveriam ser exemplarmente punidos. Estas pessoas, iguais aos que cometem crimes de guerra, genocídios ou lesahumanidade, não podem ser dispensadas das responsabilidades, porque criminosos conscientes, criminosos com a consciência de estarem cometendo o crime pelo abuso do poder momentâneo que detinham. Teriam eles que repor ao Estado os prejuízos causados. Teriam que cobrir os gastos de indenizações e outros
17.A Lei de Anistia nº 6.683/79, tal como foi aprovada, não se presta para anistiar os crimes praticados por agentes do Estado, pois delitos como seqüestro, tortura, mortes e desaparecimentos de opositores ao regime não podem ser chamados de crimes políticos, conexos ou vinculados a estes. Os crimes de tortura e desaparecimento forçado de pessoas devem ser qualificados como crimes contra a Humanidade e imprescritíveis, conforme jurisprudência das cortes internacionais de Direitos Humanos.”
“Decisões do Ministro da Justiça devem ser cumpridas sem subterfúgios” A extensa e minuciosa lista de reivindicações formuladas no Seminário contém os itens a seguir, numerados com algarismos romanos. 18. “O Estado brasileiro tem que dar mostras de sua maturidade em defesa da sociedade e do povo deste país tão explorado. Assim sendo, as representações de entidades que trabalham pelo cumprimento das leis de anistia e reparações propugnam às autoridades e ao Executivo: I não à alteração da Lei de Anistia 10.559/ 02 sustentada pelo artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; II incluir na rubrica de pagamento da PMPC os anistiados do setor privado; III que o Executivo tome as medidas necessárias para abertura dos arquivos e documentos do período discricionário com duplo objetivo de esclarecer a História do País e de fornecer dados às famílias dos mortos e desaparecidos; IV ação concreta dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que estabeleça claramente a distinção entre a legis-
lação sobre a anistia política no Brasil e a imprescritibilidade dos crimes cometidos pelos agentes do Estado contra o Estado de Direito Democrático e os Direitos da Pessoa Humana, cumprindo os tratados internacionais; V se faça cumprir as leis de anistia nos prazos compatíveis para que os prejudicados se beneficiem. Há processos com mais de dez anos sem julgamento e mais de dois mil recursos ou revisões de erros internos estagnados; VI os órgãos do Executivo cumpram sem subterfúgios as decisões do Senhor Ministro da Justiça, designado pelo Congresso o executor da Lei 10.559/02; questionamentos burocráticos por outros órgãos têm por fim o retardamento do seu cumprimento e a manutenção da pena.O Exército retardou a expedição da Portaria de Instrução (848/06) interna e com isso está acarretando o atraso de pagamentos do Termo de Adesão à Lei 11.354/06 em um ano. Uma proposta de acordo legalizada em junho/06 (MP 300), com manifestações explícitas e imediatas de adesão dos interessados, ainda não está sendo cumprida após um ano, repetimos;
VII que sejam analisados pedidos de anistiandos, interpretando os fatos e sua época, e as intervenções do Estado ditatorial que não permitia recursos e defesas; VIII o atraso no cumprimento do Termo de Adesão no Ministério da Defesa inviabilizou a assinatura pelas viúvas dos militares; IX das viúvas pensionistas de anistiados os órgãos militares estão descontando Imposto de Renda, contrariando o que dizem a lei e o decreto; X que o Executivo tenha em vista as necessidades de verbas para atender os anistiados, independentemente de especificações setoriais, já que a Lei de Anistia determina o Estado reparar sem distinção (verba de indenização não pode ser verba de custeio); XI as atualizações das indenizações devem ser automáticas, como prevê a lei; XII que o Executivo não se interponha aos trabalhos da Justiça nos processos aos torturadores e matadores de presos políticos, já que o País é signatário de tratados contra os crimes de tortura e crimes de lesa-humanidade; XIII cabos da Aeronáutica já anistiados estão encontrando dificuldades para assinar seus Termos de Adesão junto à DirintDiretoria de Intendência da Aeronáutica (Portaria 1.103), alegando sempre que existe duplicidade de pagamentos. Entretanto, não diz como e com quem resolver. No caso do Tribunal de Contas da União-TCU, onde existem mais de mil processos parados, dizem que aproximadamente trezentos destes estão irregulares, mas não dizem quais são as irregularidades; XIV a constituição de uma Comissão da Verdade, na forma como já existe em todos os países latino-americanos (abertura dos arquivos);
Art. 2º, inciso VI: “punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos, sendo trabalhadores do setor privado ou dirigentes e representantes sindicais, nos termos do parágrafo 2º do artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”; Art. 2º, inciso XI: “desligados, licenciados, expulsos ou de qualquer forma compelidos ao afastamento de suas atividades remuneradas, ainda que com fundamento na legislação comum ou decorrentes de expedientes oficiais sigilosos”; XVIII Moção à Câmara dos Deputados e ao Tribunal de Contas da União; XIX Os anistiados políticos da Marinha estão prejudicados no pagamento dos valores retroativos. XX Determinar ao INSS que revogue a Instrução Normativa nº 17, de 9 de abril de 2007, em seu artigo 588, parágrafo 2º, que estabelece que o anistiado político com fundamento em certidão da Comissão de Anistia e da Lei 10.559/02, poderá utilizar a Contagem de Tempo certificada, desde que devidamente indenizado, isto é, recolhendo contribuição PREVIDENCIÁRIA pelo tempo que esteve fora de atividade, o que contraria frontalmente o art. 1º, inciso III, da Lei, que estabelece que a Contagem de Tempo concedida ao anistiado é para todos os efeitos, vedada a cobrança de contribuição previdenciária.”
XV definição da situação dos cabos da Aeronáutica atingidos pela Portaria 1.104;
LAYCER TOMAZ/AGÊNCIA CÂMARA
XVI criar uma subcomissão de anistia na Comissão de Direitos Humanos para participação das associações de anistiados e anistiandos; XVII marinheiros sofrem discriminação por serem anistiados políticos e assim não possuem direitos atribuídos aos outros militares em atividade ou reformados normalmente, embora nesses casos de anistiados políticos, de acordo com a Lei 10.559/ 02, possuam garantias de direitos baseados no Estatuto dos Militares (Parecer da AGU JD1, que reforça a Lei 10.559/02); O pleno cumprimento da Lei 10.559/02, principalmente nos artigos:
Casa cheia no Auditório Nereu Ramos: a sociedade civil atendeu em massa ao convite da Comissão de Direitos
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litares e dos empregados públicos punidos por interrupção de atividade profissional em decorrência de decisão dos trabalhadores, por adesão a greve em serviço público e em atividades essenciais de interesse da Segurança Nacional por motivo político”;
Art. 1º, inciso V: “reintegração dos servidores públicos civis e mi-
“Não fosse a acolhida da Câmara, a anistia seria letra morta” A exortação final da manifestação do Seminário registra a importância da Câmara dos Deputados para a instituição e efetivação da anistia. Eis seu texto: 19. “Os representantes das entidades, na oportunidade, expressam, pelo dades presente documento, o reconhecimento e agradecimento aos congressistas, especialmente à Comissão de Direitos Humanos da Câmara, à Comissão de Trabalho e Serviço Público, e parlamentares solidários, pela constante acolhida e cobertura das reivindicações através dos tempos. Não fosse a acolhida da Casa do Povo, a anistia seria letra morta. Recebam nosso reconhecimento e agradecimento. Reconhecem, também, publicamente, a boa vontade do Executivo no avanço do cumprimento da lei. Brasília, 15 de agosto de 2007.”
Vidas CAMILLAMAIA - AGÊNCIA O GLOBO
Joel Silveira 1918-2OO7
Este sergipano irreverente, caústico e também extremamente sensível produziu algumas das mais brilhantes reportagens publicadas na imprensa brasileira e deu ao texto jornalístico um refinamento vizinho da literatura.
Enquanto a visão permitiu, Joel não parou de escrever; nos últimos anos, lançou um livro atrás do outro.
H
ouve coincidência na reação dos principais jornais do Rio e de São Paulo diante do passamento de Joel Silveira – Joel Magno Ribeiro Silveira, como lembrou numa crônica o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony —, ocorrido em l5 de agosto: além da tristeza causada pelo desaparecimento da excepcional figura humana que ele era, o jornalismo brasileiro perdeu uma de suas maiores expressões dos séculos 20 e 2l. À definição dos jornalistas e acadêmicos Arnaldo Niskier e Cícero Sandroni, de que Joel foi o maior repórter brasileiro, reconhecimento também feito por O Globo em manchete interna de seis colunas (Joel Silveira, o maior repórter doBrasil, 88), Villas-Bôas Corrêa fez um acréscimo que conferiu ainda maior realce à qualificação dada a este sergipano irreverente, caústico e extremamente sensível que embarcou no navio Itanagé no dia 5 de fevereiro de 1937 e, após “preguiçosa viagem”, chegou ao Rio somente oito dias depois para iniciar uma trajetória profissional longa e fecunda. “A morte esperada de Joel Silveira mereceu de jornais e redes de TV o des-
O MAIOR, O MAIS COMPLETO REPÓRTER DO BRASIL POR M AURÍCIO AZÊDO Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
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AGÊNCIA O GLOBO
taque justo e o reconhecimento unânime de que o sergipano sem papas na língua foi o maior, o mais completo repórter do Brasil pelo conjunto de singulares qualidades”, disse Villas-Bôas nos dois tópicos finais da crônica política que fez dias após a morte de Joel (A Voz da Serra, Nova Friburgo,18 a 20 de agosto de 2007, página 8) . No “simples registro da despedida do amigo — disse ainda Villas —, a evidência de uma vida plenamente realizada. Joel considerava o livro de memória Na fogueira, de 1988, como o de sua preferência. Vale a sugestão da releitura.” O destaque referido por Villas foi visível especialmente em O Globo, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, que abriram espaço compatível com a dimensão que Joel teve no jornalismo do País. Embora não tenha chamado o assunto na primeira página, provavelmente por injunções de ordem industrial impostas ao cronograma de fechamento da edição, a Folha foi o jornal que abriu mais espaço para o registro da morte de Joel e a homenagem a ele devida. Praticamente toda a página A8 da edição de l6 de agosto foi dedicada ao assunto, apresentado em uma manchete de alto de página em seis colunas, isto é, a largura do jornal. Jornalista e escritor Joel Silveira morre aos 88, dizia o título, sobre uma foto de Joel com as mãos sobre a bengala, numa pose que a repórter-fotográfica Bel Pedrosa fixou em 4 de setembro de 2003. Mesmo cedendo espaço a alguns anúncios, um de três colunas em meia página, um comunicado ao mercado de uma empresa local, em duas colunas por três centímetros de altura, e um da própria Folha ocupando duas colunas por dez centímetros, e a notícia em uma coluna por 13 centímetros de altura sobre a ratificação do nome do exPrefeito Luiz Paulo Conde para a presidência da estatal Centrais Elétricas de Furnas, o jornal deu largo espaço à trajetória de Joel, suficiente para registrar em corpo mais destacado oito excertos de depoimentos dele, entre os quais o conselho-advertência que ouviu do jornalista Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados, quando este o contratou para cobrir como correspondente de guerra a campanha da Força Expedicionária Brasileira-Feb na Itália: — Seu Silveira, o senhor vai para a guerra. Mas me faça um favor. Não morra. Repórter não vai para a guerra para morrer. Vai para mandar notícia. A Folha divulgou aspectos pouco conhecidos da carreira de Joel, como a observação feita pelo poeta Manuel Bandeira acerca de seu estilo (“uma punhalada que só dói quando a ferida esfrita”), sua prisão após a decretação do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, quando ele dirigia o jornal O Paiz, e as duas vezes em que concorreu a uma cadeira da Academia Brasileira de Letras, uma em 2000, outra em 200l, quando disputou a vaga de Jorge Amado com sua viúva, Zélia Gattai, e foi derrotado por 36 votos a um. Em sua coluna na página 2, Carlos Heitor Cony reproduziu em homenagem ao amigo e companheiro de redação na Bloch Editores a crônica Um pouco do Joel, pu-
Tarimbado no ofício em que começou muito jovem, Joel tinha memória extraordinária e só anotava números que exigiam precisão.
blicada na revista Manchete em agosto de 1998, quando Joel ganhou o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra.
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ais audacioso na linha de titulação foi O Globo, que compensou a magra chamada da primeira página, feita em quatro linhas de 28 toques cada sob a indicação da seção Obituário (que palavra!, como reclama Hélio Fernandes), com a manchete de seis colunas na página 21: Joel Silveira, o maior repórter do Brasil, 88. O Globo dedi-cou mais da metade superior dessa página ao assunto, valorizado pela publicação de uma foto feita em 2000 pela repórterfotográfica Camilla Maia, em que Joel aparece em duas colunas de 17 centímetros de altura de boné e na indefectível pose das duas mãos sobre a Bengala. Ao lado, discreta, em duas colunas e com cinco centímetros de altura,uma foto de arquivo de Joel na campanha da Itália ao lado do repórter Egydio Squeff, que também cobriu a guerra, como enviado de O Globo. Ambas as fotos em preto-e-branco, que, como disse o diretor norte-americano Martin Scorsese sobre o cinema, ainda não esgotou todas as suas potencialidades estéticas. Com chamada de primeira página em uma coluna e o título Joel Silveira morre no Rio aos 88 anos, O Estado de S. Paulo
abriu uma página ímpar, tal como fez O Globo, para a manchete de seis colunas intitulada Morre no Rio a “víbora” Joel Silveira e, cobrindo quase toda a metade superior, para o texto assinado pelos repórteres Roberta Pennafort e Ubiratan Brasil, que lembram a razão desse título, exposta por Joel ao Estadão quando foi lançada a reedição pela Companhia das Letras de seu livro de reportagens A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista. O volume incluía a reportagem Grã-Finos em São Paulo, publicada em 1943 no jornal Diretrizes, de Samuel Wainer, em que, lembram Roberta e Ubiratan, “ele apresentava sua impressão do high-society paulistano em uma narrativa irônica e debochada”. Contou Joel 60 anos depois: “Foi nessa época que ganhei o apelido de víbora, dado pelo Assis Chateaubriand”. O Estado deu destaque, publicando-a em três colunas, no alto da matéria, a uma foto feita em 25 de agosto de 2005 pelo repórter-fotográfico Tasso Marcelo. Joel aparece com uma exuberante blusa vermelha, tendo ao fundo sua imagem, com capacete militar, durante a campanha da Itália. Distribuída pela Agência Estado, essa foto, talvez uma das últimas ou a última para a qual Joel posou, seria publicada também nas matérias do Jornal da Tarde, de São Paulo, e de O Dia, do Rio.
O PESAR DA ABI A ABI dirigiu à filha de Joel, Elizabete Silveira, esta mensagem de pesar: “Em nome da Diretoria da ABI e em meu nome pessoal, peço-lhe que aceite nosso abraço de conforto neste momento doloroso da perda do nosso inesquecível Joel Silveira, que marcou sua passagem entre nós pela sensibilidade na captação do humano, pela competência profissional e pela adesão a valores como ética, a honradez e a esperança de um mundo melhor. (a) Maurício Azêdo, Presidente das ABI.”
O Jornal da Tarde dedicou metade da página 3C do caderno JT Variedades para a reportagem intitulada Morreu uma parte do jornalismo, em que a repórter Ivy Farias demonstra que as grandes matérias não são necessariamente matérias grandes: com apenas cerca de 120 linhas de 33 toques ou dígitos, Ivy Farias reproduz a trajetória de Joel, que aparece novamente, na fotografia destacada, com a sua blusa vermelha e, ao fundo, seu retrato com uniforme militar de correspondente de guerra, agora visível no busto, e não apenas no capacete. Ivy Farias ouviu também jornalistas cujas fotos ilustram seu texto: José Hamiltom Ribeiro, Ruy Castro, apresentado só como escritor na legenda, e o autor deste texto. Um dos entrevistados, Geneton Moraes Neto, jornalista e diretor do programa Fantástico, parceiro de Joel em algumas obras, reproduziu para Ivy o epitáfio que, com ironia, Joel imaginava para o seu túmulo: “Aqui jaz um desafortunado que, em vida, não conseguiu ler Guerra e Paz no original.” Com chamada na primeira página (Morre Joel Silveira, 88 anos, escritor e jornalista que cobriu a 2a. Guerra), O Dia dedicou a Joel a manchete do alto da página 07, em seis colunas, sob o título Adeus a um ícone do jornalismo. Sobre o texto de tamanho econômico mas com informações essenciais sobre o grande morto, está a foto de Tasso Marcelo: Joel com sua camisa vermelha, agora distante da foto do tempo da guerra e sem as mãos sobre a bengala. O mais avaro na cobertura da morte de Joel foi o Jornal do Brasil, que estampou a notícia em pouco mais de um quarto da página 14 da seção Cidade, tendo abaixo da indicação Obituário – Joel Silveira, 1919-2007, com erro de nascimento quanto ao ano de nascimento dele, o título Jornalista e escritor várias vezes premiado sobre uma foto preto-e-branco de Joel de boné e uma blusa que não é aquela vermelha. O que salva a face do JB em relação a Joel é a abertura da crônica de Fausto Wolff na edição do dia 18 de agosto, em que ele fala da emoção causada pela morte do amigo. Diz Fausto Wolff: “Eu já havia terminado o artigo de hoje quando me deram uma notícia que teve o efeito de um soco no peito. Com a morte de Joel Silveira, o Brasil ficou mais burro e mais triste. Lembram-se de que há alguns dias disse aqui que, quando morrerem uns 60 homens extraordinários, os patifes poderão também comemorar a morte da cultura brasileira? Um desses 50 era Joel, meu grande mestre, que imprimia um espírito de missão a seu ofício e a seu estilo. “Companheiro de Rubem Braga na Feb,como correspondente, Joel escrevia tão bem quanto o Sabiá da Crônica, mas, se era menos doce, era melhor repórter. Minha admiração e amizade por esse homem eram tão grandes que no meu mais recente romance – Olympia, já em todas as livrarias – o personagem central é um jornalista chamado Joel. Meus pêsames, dona Iracema. Meus pêsames, Brasil.”
Vidas
A trajetória invejável: 60 anos de carreira, 40 livros publicados POR J OSÉ REINALDO MARQUES
J
oel Silveira morreu de causas naturais na manhã do dia 15, em sua casa em Copacabana, na Zona Sul do Rio. Com maisde60anosdecarreiraecercade40livros publicados, o sergipano foi pracinha e correspondente na Segunda Guerra Mundial pela divisão da Força Expedicionária Brasileira-Feb. Trabalhou em diversos jornais do País, como os do grupo Diários Associados, a Última Hora, o Estadão e o Correio da Manhã e a revista Manchete. Portador da carteira nº 4077 da ABI, Joel associou-se à Casa do Jornalista em 1952, quando era Diretor do Diário de Notícias, referendado por Rubem Braga. Ficou conhecido por ser um dos precursores do jornalismo literário e da cobertura de guerra no País. Na primeira metade do século passado, ganhou o apelido de “Víbora”, por conta da reportagem “Eram assim os grã-finos em São Paulo”, que foi publicada na revista Diretrizes e desagradou profundamente à elite paulistana. Recheado de críticas ao comportamento daquela burguesia emergente, o texto consagrou o jovem repórter, que deixara seu Estado natal para se estabelecer definitivamente no Rio de Janeiro. Como repórter dos Diários Associados, Joel cobriu os mais importantes episódios da História do Brasil no século XX e teve a oportunidade de conhecer praticamente todos os presidentes do período anterior ao golpe militar de 1964. Enfrentou Getúlio Vargas no Palácio do Catete, conviveu na Câmara com o então Deputado Juscelino Kubitschek e foi companheiro de copo de Jânio Quadros. Como correspondente, cobriu a II Guerra Mundial ao lado dos jornalistas Rubem Braga, do Diário Carioca, Egydio Squeff, de O Globo, Tassylo Sampaio Mitke, fotógrafo da Agência Nacional. Boa parte de suas reportagens está registrada nos arquivos dos jornais e em dezenas de livros lançados ao longo da carreira. Poucos meses antes do suicídio de Getúlio, e com a desculpa de conseguir um emprego, Joel mentiu ao então Chefe da Casa Civil, Lourival Fontes, para conseguir uma entrevista com o Presidente, que não queria atender a imprensa. Por se tratar de um pedido de emprego, Getúlio recebeu o repórter e disse: “Oi, doutor Silveira, que prazer.” Ele esclareceu que não era doutor, pois só estudara até o segundo ano de Direito, mas o Presidente retrucou: “Não, doutor é quem é douto em alguma coisa e o senhor é douto em jornalismo.” Eles riram e Silveira conseguiu a entrevista. Joel teve profunda admiração por Jânio Quadros. Conviveu intimamente com ele; viajaram e beberam juntos. No livro “Viagem com o Presidente eleito”, o jornalista conta os dias que passaram num navio, logo depois da eleição. Com JK, teve convivência fraterna: dividiram até
uma namorada, a Osmarina, que fora secretária do então Deputado e que um dia Joel levou em casa, tarde da noite, a pedido de Juscelino. Anos depois, já Presidente, ele perguntou: “Como vai a nossa Osmarina?” “Nossa não, senhor Presidente. Minha”, respondeu o jornalista. Esquerdista, Joel era fã do sindicalista Lula, mas crítico do Presidente. E não acreditava que o petista pudesse se reeleger em 2006. Nos últimos anos de vida, perdeu a visão e acompanhava o noticiário por meio da leitura diária dos jornais feita por sua filha, Elizabete. Com toda uma vida dedicada ao jornalismo, Joel ganhou diversos prêmios, como o Machado de Assis de Conjunto da Obra, o mais importante concedido pela Academia Brasileira de Letras, e também o Líbero Badaró, o Esso Especial, o Jabuti e o Golfinho deOuro. O corpo de Joel foi cremado no dia seguinte no Memorial do Carmo, no Caju, no Rio.
A OBRA
T EXTOS JORNALÍSTICOS “O inverno da guerra” (Objetiva, 2005) “Diário do último dinossauro” (Travessa dos Editores, 2004) “A feijoada que derrubou o Governo” (Companhia das Letras, 2004) “A milésima segunda noite da Avenida Paulista” (Companhia das Letras, 2003) “Memórias de alegria” (Mauad, 2001) “A camisa do senador” (Mauad, 2000) “Na fogueiras - Memórias” (Mauad, 1998) “Viagem com o Presidente eleito” (Mauad, 1996) “Nitroglicerina pura” (Record, 1996), em co-autoria com Geneton Moraes Neto “II Guerra: momentos críticos” (Mauad, 1995) “Guerrilha noturna” (Record, 1994) “Tempo de contar” (José Olympio, 1993) “Conspiração na madrugada” (José Olympio, 1993) “Presidente no jardim” (Record, 1991) “Segunda Guerra Mundial” (Espaço e Tempo, 1989) “O pacto maldito” (Record, 1989) “Você nunca será um deles” (Record, 1988) “A luta dos pracinhas” (Record, 1983), em co-autoria com Tássylo e Mitke F ICÇÃO “Os melhores contos de Joel Silveira” (Global, 1998) “Não foi o que você pediu?” (José Olympio, 1991) “O dia em que o leão morreu” (Record, 1986) “Dias de luto” (Record, 1985)
Juro que chorei POR NAHUM SIROTSKY
“O precursor do chamado novo jornalismo” “Sempre tive um contato amigo com Joel. Eu o conheci quando era repórter do Segundo Caderno de O Globo. Depois de sair do jornal e fundar minha editora, fui procurada por ele, que me deu o texto de II Guerra: momentos críticos, o primeiro livro dele editado pela Mauad. Joel teve uma experiência excepcional, uma trajetória que deve ser conhecida pelos estudantes de Jornalismo. Juntava à informação jornalística um texto gostoso, de bom conteúdo e com fluidez. É uma grande perda para o jornalismo brasileiro.” Isabel Mauad Mauad, jornalista e proprietária da Mauad Editora “Durante muitos anos juntos na Manchete, pude sentir que estava diante do maior repórter brasileiro, não pela experiência acumulada na cobertura da II Guerra, mas pelas grandes matérias que ele produziu para a revista. O Brasil perde um grande escritor, um grande amigo e um grande jornalista.” Arnaldo Niskier Niskier, jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras “O que fica? Um excepcional trabalho jornalístico: os textos de Joel sobre a guerra são clássicos. Páginas como a descrição do encontro com Getúlio Vargas. O Joel que fica é o repórter talentosíssimo, o precursor brasileiro do chamado novo jornalismo, a ‘víbora’ divertida e ferina. Joel foi mestre e amigo. A morte é, como sempre, uma piada de péssimo gosto. O Joel de nossas lembranças vai ser sempre o que se revelava em conversas como a entrevista que fiz com ele em 2004.” Geneton Moraes Neto Neto, repórter especial do Fantástico
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el Aviv -Soube há minutos da morte de Joel Silveira, sem dúvida um repórter de texto e talento inigualáveis. Eu o conheci quando era contínuo, faxineiro e ajudante na distribuição de Diretrizes, revista mensal de Samuel Wainer. A publicação era ponto de encontro e apoio da jovem intelectualidade de oposição ao Governo Vargas na fase ditatorial. Lá vinham Rubem Braga, Jorge Amado, Dorival Caymmi, Dalcídio Jurandir, muitos outros. Faz muito tempo. Vivia-se de vales. Mas o pessoal tinha bom coração. Mandavam-me comprar cigarros e me davam gorjetas que eu guardava para ter para um cinema no fim de semana e almoço reforçado no Reis, restaurante que matou a fome de muitos daqueles que viriam a ganhar fama. Nunca consegui ir ao cinema. Na sexta Joel ou Braga me pediam a poupança emprestada para tomar uma média com uma canoa, pão sem miolo. Nunca recusei. Eram gente muito especial. Dizem que Joel morreu de câncer que se recusou a tratar. O Rubem Braga fez isto anos antes. Eram gente nascida para sorver a vida até a ultima gota. Nada de falsas expectativas. Hoje reli crônica do Heitor Cony sobre Joel lembrando um clássico da reportagem brasileira, Os Grã-Finos de São Paulo, sobre como viviam as novas-ricas da capital paulista. Joel praticava o que os norte-americanos, quando passaram a escrever na mesma linha, chamaram de novo jornalismo. Os norte-americanos ficaram multimilionários. Claro que não os brasileiros. Lembro de outras do Joel, como aquela que teve o titulo de Os imortais da Glória, sobre a Academia Brasileira de Letras. Como ele era conhecido, me encarregou de fazer umas perguntas aos acadêmicos dando meu nome como sendo Nelson Rodrigues Sobrinho. Tal era minha ignorância que nem sabia
que se tratava de jornalista e escritor que viria a ser dos maiores autores teatrais do País. Lembro de receber de cada acadêmico livros dedicados ao “brilhante intelectual patrício”. Era o que Joel queria. Como gozou os acadêmicos. Decidiu que talvez desse para a profissão. E me encaminhou a Brício de Abreu, que mantinha um semanário literário, Dom Casmurro, que só pagava colaborador quando podia, isto é, raramente. Escrevi um texto que levaria zero em qualquer escola primária entrevistando, por sugestão de Joel, o critico literário de O Globo, Eloy Pontes, sobre o novo critico do melhor matutino da época, o Correio da Manhã. Eloy disse que se tratava “de um pobre coitado de enciclopédica ignorância”. Foi a única frase válida e botou meu nome na boca dos intelectuais. O Rio era uma província e cidade maravilhosa. O começo foi minha perdição. Mudei de caminho. Joel, que me chamava de “foca zero”, foi me ensinando, ou, na linguagem da época, domando o foca. Braga e Joel eram inseparáveis. Foram os dois à guerra acompanhando a tropa brasileira, a Feb. Não davam notícias, escreviam do lado humano, do pracinha. Levavam o leitor ao campo de batalha com a arte com a qual escreviam. Faziam rir e chorar. Que talentos ambos. Joel compartilhava tudo. Não sabia o significado de mesquinhoeegoísta. E Iracema, amor de toda a sua vida, tinha a paciência necessária. Os indivíduos de talento e imaginação sempre têm algo da inocência da criança que vê o que os mais velhos não mais enxergam. Assim era Joel. Foi ao encontro de amigos, do Egydio Squeff, companheiro da guerra, Nássara, Jorge Amado, Rubem Braga. Se o Paraíso existe, lá estarão eles em papos que não existem mais, rindo-se de quanto tudo aqui é ridículo. Juro que chorei. Jornal da ABI 320 Julho/Agosto de 2007
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e Mário Martins. No Comitê de Imprensa da Câmara, tínhamos acesso direto a todos eles ali no plenário e o Joel se destacou como um dos nossos repórteres mais competentes. Pouco antes ele fora escolhido por Assis Chateaubriand para acompanhar a ida da Força Expedicionária Brasileira-Feb que ia lutar na Europa. Chatô chamou-lhe no gabinete e disse: ‘Seu Joel, estou precisando muito que o senhor me vá à Europa cobrir essa FEB, mas por favor não me morra, porque repórter não é para morrer e sim para mandar notícia.’ Joel foi depositário de muitos anos de atuação permanente da imprensa brasileira. Dele vamos sentir muita falta e saudade imensa.” Murilo Mello Filho Filho, jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras
“Ele não tinha papas na língua, não admitia coisas erradas” “Tive três grandes amigos que, coincidentemente, participaram comigo da cobertura da II Guerra: o Rubem Braga, o Egydio Squeff e o Joel Silveira, com quem convivi por bastante tempo na Última Hora, onde se tornou braço direito de Samuel Wainer. Foi um grande jornalista e amigo. Lamento que de todos os companheiros do tempo como correspondente da Força Expedicionária Brasileira, agora reste apenas eu. A última vez que vi Joel foi na ABI, durante a entrega de algum prêmio a ele. Estou triste, a saudade dói.” Moacir Werneck de Castro Castro, jornalista e escritor “Pessoalmente, fui conhecer o Joel Silveira há dez anos quando organizei o livro Repórteres, para o qual ele fez um texto brilhante sobre o jornalismo que conheceu da década de 1940 até os dias atuais, quando as redações foram informatizadas. Foi ele também que, recentemente, escreveu a apresentação do meu livro sobre Graciliano Ramos. Mas já o conhecia desde os tempos em que me iniciei no jornalismo, pela leitura dos seus textos, que sempre foram uma grande referência para mim. Joel Silveira foi repórter até o fim e criou uma maneira peculiar de contar suas histórias, que não ficavam nada a dever aos textos das grandes estrelas da imprensa mundial, como Truman Capote e Gay Talese. Com a memorável reportagem A milésima segunda noite na Avenida Paulista — que ele fez sobre o comportamento da alta sociedade paulista daquele período —, Joel provou que o elogiado modelo de jornalismo norte-americano introduzido no Brasil a partir dos anos 60 não era uma coisa nova.” Audálio D antas Dantas antas, Vice-Presidente da ABI “Nós dois pertencemos a uma geração de jornalistas que começou os seus tempos quando a capital funcionava no Palácio Tiradentes. Então, começamos uma grande amizade e coleguismo todo especial, na época áurea da democracia brasileira, entre os anos de 1950 e 1960. Com o Congresso funcionando no Rio com sessões inesquecíveis de grandes debates entre oradores admiráveis, como Adauto Cardoso, Aliomar Baleeiro; Prado Kelly, os dois Mangabeira, Otávio e João, os dois Cunha, Vieira de Melo e Raul Pilla
Murilo Melo Filho: Joel se destacou na cobertura da Câmara, no Rio, nos anos 40.
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“Eu e o Joel Silveira fomos uns dos primeiros jornalistas a pisar em Brasília, para fazer uma reportagem sobre a capital da República, cumprindo uma pauta a pedido do Adolpho Bloch para a revista Manchete. Me lembro que desembarcamos de avião em Anápolis e depois seguimos de carro até o Distrito Federal. O Joel Silveira era um grande repórter, como pessoa humana era gentil e amigo, sempre ajudando os fotógrafos que trabalhavam com ele. Eu também o admirava porque ele não tinha papas na língua, não admitia coisas erradas.” Gervásio B atista Batista atista, repórter-fotográfico da Radiobrás
Além de correspondente de guerra na Itália, Joel fez muitas coberturas internacionais, equipado com uma máquina de escrever portátil que ele, exímio datilógrafo, tratava com o maior carinho.
“Joel Silveira foi o maior repórter brasileiro dos últimos 50 anos. E foi importante também como escritor, contista e um lutador pelas liberdades democráticas. Sua atuação como correspondente de guerra, na Força Expedicionária Brasileira, deixou um grande exemplo para várias gerações de profissionais” Cícero Sandroni Sandroni, jornalista e SecretárioGeral da Academia Brasileira de Letras
As obras de Joel no acervo da ABI
C
omo referido nos textos publica dos após o seu passamento, Joel Silveira publicou cerca de 40 obras, entre reportagens, crônicas, traduções, artigos e textos em colaboração com outros autores, como Jefferson Ribeiro de Andrade, que contou com sua participação numa obra considerada antológica ou clássica: Um jornal assassinado: a última batalha do Correio da Manhã. Sua bibliografia completa não foi levantada pelas publicações que o homenagearam após a sua morte, ainda que um ou outro jornal citasse grande número de títulos. No acervo da Biblioteca da ABI (Biblioteca Bastos Tigre) ele aparece com 14 títulos, o mais antigo editado em 1945, produzido em colaboração com Francisco de Assis Barbosa e lançado pela Editora Leitura; o mais recente de 2004, quando a Companhia das Letras reeditou A feijoada que derrubou o Governo, lançado originariamente pela Editora Civilização Brasileira. Sem uma política de aquisição de obras durante muitos anos, a BBT ressente-se da ausência de títulos clássicos de Joel, como A milésima segunda noite da Avenida Paulista, que reúne brilhantes reportagens que fez, como esta que relata com acidez e irreverência, sob esse título, a opulência e
odesperdíciodafesta decasamentodeuma das herdeiras do Grupo Matarazzo. Não conta igualmente a Biblioteca Bastos Tigre com Na fogueira – Memórias, excepcional testemunho dele sobre sua trajetória profissional, suas aventuras amorosas na mocidade – ele veio muito jovem de Sergipe para tentar a vida no Rio, nos anos 30 —, o quadro político do País nos anos 30 e 40 e sua saborosa descrição
do Rio de Janeiro e da vida na cidade naqueles anos. Editado pela Editora Mauad em 1998, o livro assegurou a Joel nesse ano, pelo conjunto de sua obra, o Prêmio Machado de Assis, a maior distinção literária da Academia Brasileira de Letras. Mais recentemente Joel lançou em colaboração com o jornalista e escritor Geneton de Moraes Neto obras que também não estão nas estantes da Biblioteca da Casa. (MA)
A lista de obras de Joel ou com participação dele existentes na BBT, levantada pela Auxiliar de Biblioteca Alice Diniz, compreende os seguintes títulos: – A feijoada que derrubou o Governo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. Posfácio de Leão Serra. – Os homens não falam de mais. Rio de Janeiro: Editora Leitura, 1945. Colaboração de: Francisco de Assis Barbosa. – Um guarda-chuva para o coronel. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal Popular, 1968. – Desaparecimento da Aurora [ s.l ]: Rev. Branca, [ 1.d. ] – Viagem com presidente eleito. Rio de Janeiro: Mauad, 1996. – Vinte horas de abril. Rio de Janeiro: Saga, 1969. ter e o presidente. Revista de Comunicação. Rio de Janeiro. 1(2): 27-28, 1985. – O repór repórter – ANDRADE, Jefferson Ribeiro de. Um jornal assassinado: a última batalha do Correio da Manhã. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1991. Colaboração de Joel Silveira. – CALVINO, Ítalo. O cavaleiro inexistente. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1970. Tradução de Joel Silveira. – Contos policiais urbanos. Antologia. Rio de Janeiro: Record, 1985. Trad. Joel Silveira. rapaça. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. Trad. de Joel Silveira. – FELLINI, Frederico. A TTrapaça. – A Guerra no Oriente Médio. 5 dias de junho. Rio de Janeiro: Bloch, 1976. Org. Joel Silveira [et. al...]. tagens que abalaram o Brasil. Rio de Janeiro: Bloch, 1973. Org. Joel Silveira [et. al...]. – Repor Reportagens tido ao meio. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, – CALVINO, Ítalo. O visconde par partido 1970. Trad. Joel Silveira.
Vidas Cardona, do Esso ao pioneirismo da cobertura rural Gaúcho que se radicara no Rio após o golpe militar de 1º de abril de 1964, o jornalista Ismar Cardona morreu em 20 de julho em Brasília, para onde se mudara há anos. Sua vinculação com o Rio não se alterou: seu corpo foi velado na Capela 1 do Memorial do Carmo, no Caju, onde foi cremado. Ismar chegou ao Rio depois de sofrer perseguição política da ditadura militar, em 1965. Aqui ingressou no jornalismo e, entre outras funções, foi assessor de imprensa da patrocinadora do famoso noticiário Repórter Esso. Trabalhou também na Economia da sucursal carioca de Veja e em 1971 foi convidado pelo então Diretor de Redação de O Globo, Evandro Carlos de Andrade, para assumir a mesma editoria no jornal, onde permaneceu por mais de dez anos. Depois desse período, passou a se dedicar à cobertura da área agropecuária e criou o jornal Indicador Rural, ao qual se dedicou por cerca de 15 anos. Foi ainda o responsável pelo lançamento, em 1985, do primeiro programa jornalístico rural da TV, batizado com o nome de sua publicação. O programa ia ao ar na Bandeirantes e deu origem ao Globo rural, até hoje um sucesso. Quando se afastou do jornalismo diário, Ismar recebeu vários convites para ser assessor de imprensa em Brasília. Trabalhou com o ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal Nélson Jobim,e atual Ministro da Defesa. Ultimamente, trabalhava no Ministério da Agricultura. — No Rio, o Ismar participou de vários movimentos contra a ditadura. Devido à militância política, sofreu perseguições das quais sou testemunha, porque esteve sempre na defesa da democracia e da liberdade de imprensa. Sua trajetória no jornalismo e na área política, participando de diversos movimentos sociais, foi muito bonita — comentou Paulo Jerônimo de Souza (Pagê), Diretor de Assistência Social da ABI.
Copeba: nome de embaixador e vida de luta Com a morte do jornalista Sebastião Moretson, mais conhecido como Tião Copeba, o samba carioca deu adeus a um dos seus mais importantes cronistas. Copeba faleceu na madrugada do dia 9 de julho, no Hospital de Bonsucesso, onde estava internado para tratamento de uma infecção generalizada. Copeba, que nasceu em Minas Gerais, em 1º de janeiro de 1920, ostentava nome de embaixador na documentação pessoal e teve uma vida de luta, àspera: ultimamente, estava vivendo no Retiro dos Artistas, para onde se mudou em fevereiro deste ano, por iniciativa do Vereador Stepan Necerssian, que atendeu a pedidos de amigos. Integrante do grupo de fundadores da Escola de Samba Império Serrano e do Bloco da Imprensa, Copeba era torcedor do Fluminense e foi, segundo o amigo Celso Rosa de Jesus, bicampeão do título de Cidadão Samba, na década de 60: – Convivi cerca de 50 anos com ele e o conheci em suas passagens pelas redações dos jornais Luta Democrática e Diário de Notícias. Trabalhamos juntos no Correio da Manhã e mais tarde, nos anos 80, no jornal O Povo. Copeba foi um grande repórter da área musical e excelente cronista das escolas de samba. O produtor cultural e comentarista da TV Globo Haroldo Costa diz que Copeba representava a alma do Carnaval do Rio: – Ele foi um legítimo representante dessa festa carioca. Apesar de não ter dirigido uma escola, foi assíduo participante de suas histórias e um dos primeiros jornalistas a manter uma coluna permanente sobre samba. Era uma figura muito importante para a imprensa e o nosso Carnaval.
Copeba ainda trabalhava no Correio da Manhã quando participou da iniciativa dos cronistas carnavalescos de criar, em 1943, a Associação dos Cronistas Carnavalescos (ACC), que funcionou num prédio na Avenida Presidente Vargas (Centro do Rio). Entre os companheiros dessa empreitada estavam Ednoel Silva, do Jornal do Commercio, e Aroldo Bonifácio e Irênio Delgado, do jornal A Manhã. Para o jornalista, escritor e pesquisador Sérgio Cabral membro do Conselho Deliberativo da ABI, uma das principais características de Copeba era a sua intimidade com a cultura oriunda dos morros e subúrbios carioca: – Ele foi jornalista e também Cidadão Samba, ou seja, era um legítimo representante dessa nossa cultura. Era o tipo de repórter que deixava a gente em dúvida se era o criador ou a criatura, pela forma como se misturava com o material que usava para escrever suas reportagens. Por isso eu o considero um legítimo jornalista da cobertura de samba. O jornalista Rubem Confete diz que dois fatores foram importantes para fazer de Tião Copeba uma personalidade de destaque no meio cultural carioca: seu profissionalismo e sua forte vocação para o “recreativismo”. – Copeba tinha um vasto conhecimento da cultura carioca e do samba e aparecia como um elo entre os jornalistas policiais que faziam a cobertura da cidade e as manifestações culturais da comunidade negra, como as escolas de samba. Ele foi coordenador de desfiles quando estes aconteciam na Avenida Rio Branco, com uma grande vantagem, pois conhecia todo mundo nas agremiações. Esta sua desenvoltura fez com que ele
conseguisse, com o então Governador Negrão de Lima, a quadra da Império Serrano, até hoje no terreno onde já funcionou o Mercado de Madureira. A capacidade de se relacionar com as pessoas foi também marca registrada de Copeba, como atesta o jornalista Mário Saladini, que o conheceu nos anos 40: – Eu era Diretor de Turismo do Estado do Rio e ele, membro da antiga Associação dos Cronistas de Carnavalescos (ACC). Era uma pessoa muito simpática e sempre cordial. Tenho dele as melhores lembranças. Diz Saladini que Copeba se preocupava com o rumo que as escolas de samba começaram a tomar na década de 90: – Ele achava importantes os melhoramentos que as agremiações introduziam nos desfiles, mas dizia que essa melhoria não devia desprezar as origens – e hoje as escolas viraram um bloco de puladores. No I Simpósio de Samba da Cidade do Rio de Janeiro, realizado pela Riotur em novembro de 1990, Copeba já pedia para que as músicas fossem samba de roda e não marcha. Na mesma época, lembra Saladini, também pedia respeito aos antigos sambistas, reclamando: – Parece que existe uma resistência contra a Velha Guarda, como chamavam os fundadores das escolas. Hoje falam tanto a palavra “velho” quando se referem ao sambista mais antigo que eu pensei em propor que se mudasse de Velha Guarda para Os Idosos. Minha pergunta é a seguinte: as Velhas Guardas representam uma corrente cultural com unidade de pensamento ou apenas se constituem numa comunidade de lazer, de reminiscência de histórias do passado?
Olavo Luz, biógrafo de Campos Biógrafo do economista, ministro e senador Roberto de Oliveira Campos, Olavo Luz definia com modéstia seu livro Roberto Campos: um retrato pouco falado, que para ele seria “uma reportagem perfil, destituída de pretensões biográficas”. Jornalista de Economia, Olavo Luz foi assessor e amigo de Roberto Campos por vários anos, até sua morte. Neste convívio recolheu o material do livro, pontilhado de passagens inéditas e no qual o economista é mostrado na verdadeira dimensão de sua personalidade: firme nas
convicções, eloqüente nas argumentações, mordaz e consistente nas contestações e bemhumorado nas finas ironias. Olavo Luz começou a vida profissional no Jornal do Brasil. Foi chefe de Redação do Departamento de Relações Públicas da J. Walter Thompson Publicidade e da assessoria de imprensa do Ministro da Agricultura Ivo Arzua e integrou o grupo que promoveu a reforma gráfica e editorial da Gazeta Mercantil. Foi ainda editor e coautor do livro 25 anos de imprensa no Brasil, feito com colegas de grande expressão, como Otto Lara Resende.
Dedicando-se à comunicação corporativa, foi consultor da Varig, da Nissan Motors Co. e da Sondotécnica. Em dezembro de 2004, Olavo publicou em O Globo o artigo Destinos incertos, em que falava da crise na aviação comercial em todo o mundo e criticava a saúde operacional e financeira das companhias aéreas brasileiras. Foi um trabalho premonitório, como demonstrou a evolução do setor. Olavo faleceu em 24 de agosto e no mesmo dia foi sepultado no Cemitério São João Batista, no Rio, sem tempo para que seus muitos amigos fossem avisados.
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IVAN GORITO
SUCESSO
A MÍDIA PÔS O CRISTO NO ALTO
Uma agência de propaganda, a Aroldo Araújo, fez a promoção que, na reta final do concurso internacional, resultou na inclusão do monumento do Cristo Redentor entre as 7 Maravilhas do mundo contemporâneo.
A
eleição do Cristo Redentor como uma das 7 Maravilhas do mundocontemporâneo,divulgadano dia 7 de julho, encheu de orgulho os brasileiros, principalmente a população do Rio de Janeiro. A campanha Vote Cristo. Ele é uma maravilha foi criada pela agência Aroldo Araújo Propaganda e as primeiras entidadesaapoiá-laforamaAssociaçãoComercial e a Arquidiocese do Rio de Janeiro. Para os coordenadores, o sucesso do projeto se deveu, também, às adesões do trade turístico e dos meios de comunicação. O assessor de Comunicação da agência, Lúcio Ricardo, disse que ganhar a simpatia da mídia — inclusive dos correspondentes estrangeiros — para a campanha foi resultado de uma ação estratégica. Na reta final, foram também contratadas empresas especializadas, que enviaram 22 milhões de e-mails para os Estados Unidos, pedindo votos para o Cristo: — Só aí, mais de 300 jornalistas norte-americanos receberam informações sobre o Cristo. As demais ações via internet estão em www.zambba.com/votecristo/vitoria. Imprensa engajada Todas as grandes emissoras de tv do Brasil, bem como os canais de notícia por assinatura, apoiaram a votação no Cristo Redentor. As rádios também tiveram uma grande participação — a Tupi, por exemplo, criou um site especial para receber os votos: — Ouvimos também o Governador Sérgio Cabral e empresários de turismo. Entramos de corpo inteiro na campanha — diz Roberto Feres, gerente de Jornalismo da Rádio. Os principais jornais que veicularam matérias sobre a eleição do Cristo foram
P OR J OSÉ R EINALDO M ARQUES
O Dia, O Globo, Jornal do Brasil, Jornal do Commercio, Folha, Estadão, Jornal da Tarde, Panrotas e Brasilturis — estes últimos de circulação nacional para o setor turístico. O editor de Arte Renato Dalcim conta que o JB se envolveu na campanha logo após seu lançamento: — Começou no ano passado, com duas matérias na página central no caderno de domingo. Em seguida, fizemos uma campanha envolvendo os leitores, que também rendeu noticiário especial sobre o assunto. De Lisboa, falando ao ABI Online, que pôs em sua primeira página um banner linkando para a votação, o publicitário Aroldo Araújo — idealizador e coordenador da campanha — contou que esperava um resultado positivo, mas foi a primeira vez que se envolveu num trabalho com tal repercussão e tamanho apoio da imprensa: — Trabalhamos um ano e meio para que esse sonho se tornasse realidade. O bom da campanha Vote Cristo. Ele é uma maravilha foi ter conquistado o apoio da Igreja, do setor turístico e da imprensa, que foi de grande importância. A adesão dos veículos de comunicação foi fundamental, porque manteve o assunto em evidência. Em relação ao resultado, eu, que tenho 42 anos de profissão, nunca pensei que ia viver uma emoção como esta. Dificilmente vai me acontecer coisa igual. Aroldo evitou comentários sobre o editorial do jornal espanhol El Mundo do dia
9 de julho, que diz que a eleição foi uma “farsa em escala global”: — É muito difícil não haver críticas. Mesmo no Brasil, durante a campanha, elas aconteceram. Houve até um comentário do grande mestre Oscar Niemeyer, dizendo que não acha o Cristo uma obra de arte. Pela minhaexperiência,qualquereleiçãodessetipo está sujeita a receber críticas. Os apoios Patrocinada pela Bradesco Seguros e Previdência e a Drufy do Brasil, a campanha foi lançada em 12 de outubro do ano passado, quando a estátua do Cristo Redentor completava 75 anos e a Aroldo Araújo Propaganda, 42: — E 75 menos 42 é igual a 33, a idade de Cristo. Este foi o mote que motivou a campanha. Após tomar conhecimento da promoção numa reunião do Conselho de Turismo da Confederação Nacional do Comércio, Aroldo Araújo entusiasmou-se, reuniu o pessoal de planejamento e criação de sua empresa e recomendou “uma camDuas peças da campanha criada pela Aroldo Araujo.
panha com forte apelo, capaz de estimular e motivar as pessoas a votarem no Cristo”. Pronto o slogan, a primeira medida foi convencer o Presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro, Olavo Monteiro do Carvalho, da importância de apoiar a idéia: — Também por isso era fundamental contar com o apoio da Igreja. Afinal, entre os 21 finalistas do concurso, a estátua do Cristo era o único símbolo católico em votação. Com esse argumento, fomos à Arquidiocese do Rio de Janeiro falar com o Cardeal Dom Eusébio Scheid, que abraçou a idéia. Aroldo Araújo considera que a eleição do Cristo vai favorecer o crescimento do turismo estrangeiro no Brasil, com reflexos positivos em grande parte das atividades econômicas: — Todos os setores vão ganhar com isso. Acreditamos num incremento de 20% nos 5,4 milhões de turistas estrangeiros que entraram no Brasil em 2006, dos quais 1,7 milhão visitaram o Rio de Janeiro. Esta marca poderá crescer mais 380 mil, gerando mais empregos e renda. Os demais O concurso para escolher as novas maravilhas do mundo foi lançado pela fundação suíça New Sevem Wonder e teve 100 milhões de votos, recebidos através de mensagens pela internet e por telefone. Ao lado do Cristo Redentor estão o Coliseu, na Itália, a Grande Muralha da China, o Taj Mahal, na Índia, o monumento de Petra na Jordânia, a cidade inca de Machu Picchu, no Peru, e a pirâmide de Chichén Itzá, no México.